saúde da criança : crescimento e desenvolvimento / ministério da

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33 2012 ATENÇÃO BÁSICA CADERNOS de SAÚDE DA CRIANÇA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO CADERNOS DE ATENÇÃO BÁSICA 33 – SAÚDE DA CRIANÇA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

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  • 332012

    ATENO BSICACADERNOS

    de

    Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sadewww.saude.gov.br/bvs

    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    332012

    ATENO BSICACADERNOS

    de

    Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sadewww.saude.gov.br/bvs

    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    9 788533 419704

    ISBN978-85-334-1970-4

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  • MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno Sade

    Departamento de Ateno Bsica

    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    Cadernos de Ateno Bsica, n 33

    Braslia DF2012

  • 2012 Ministrio da Sade.Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra da rea tcnica. A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada na ntegra na Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade: .

    Tiragem: 1 edio 2012 50.000 exemplares

    Elaborao, distribuio e informaesMinistrio da SadeSecretaria de Ateno SadeDepartamento de Ateno BsicaSAF Sul, Quadra 2, lotes 5/6, Edifcio Premium, bloco II, subsoloCEP: 70070-600 Braslia/DFTels.: (61) 3315-9090 / 3315-9044Site: www.saude.gov.br/dabE-mail: [email protected]

    Editor geralHider Aurlio Pinto

    Coordenao tcnica geralAristides Vitorino de Oliveira NetoElsa Regina Justo GiuglianiPatrcia Sampaio ChueiriPaulo Vicente Bonilha Almeida

    ColaboradoresAgda HenkAline GerlachAna Cristina CapellariAna Lcia da Costa MacielAnanyr Porto FajardoAna Rita NovaesAndr Klafke de LimaAngelo Giovani RodriguesCamila Guedes HennCaren BavarescoCarla BergerCarmem De SimoniCelso GutfreindCharleni Ins SchererCntia FurchtCludia PrazzElineide Camillolem Cristina Cruz SampaioElisabeth Susana WartchowElsa Regina Justo GiuglianiGisele BortoliniHelvo Slomp JrIdiana LuvisonIracema BenevidesJanilce Guedes de LimaJaqueline MisturiniKarla LiviLena Azeredo de Lima

    Letcia Wolff GarcezLisiane Devinar PericoLcia TakimiMarcos Antonio Trajano Margaret Ivanir SchneiderMaria Amlia VidalMaria de Lurdes MagalhesMaristela C. Tamborindeguy FranaMaria Lucia Medeiros LenzMichael YariNina Tereza BrinaPaulo Vicente Bonilha AlmeidaPaulynne CavalcantiReinaldo MotaRicardo GhelmanRosmre LastaRui FloresSimone BertoniSilvia Maria Franco Freire

    Coordenao editorialAntnio Srgio de Freitas FerreiraMarco Aurlio Santana da Silva

    Reviso tcnica geralFernanda Ramos Monteiro;Ivana Drummond Cordeiro;Ione Maria Fonseca de Melo;Jussara Pereira de OliveiraLysiane de MedeirosMarcello Dala Bernardina DallaPatrcia Sampaio Chueiri

    NormalizaoMarjorie Fernandes Gonalves MS

    Editora MSCoordenao de Gesto EditorialSIA, Trecho 4, lotes 540/610CEP: 71200-040 Braslia/DFTels.: (61) 3315-7790 / 3315-7794Fax: (61) 3233-9558Site: www.saude.gov.br/editoraE-mail: [email protected]

    Reviso: Paulo Henrique de Castro e FariaNormalizao: Cludio OliveiraDiagramao e arte-final: Ktia Barbosa de OliveiraSuperviso tcnica: Mara Soares Pamplona

    Marcia Medrado Abrantes

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

    Ficha catalogrfica

    Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Bsica.Sade da criana : crescimento e desenvolvimento / Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno

    Bsica. Braslia : Ministrio da Sade, 2012. 272 p.: il. (Cadernos de Ateno Bsica, n 33)

    ISBN 978-85-334-1970-4 1. Ateno Bsica. 2. Ateno Sade. 3. Sade da Criana. 4. Promoo da Sade. I. Ttulo. II. Srie

    CDU 614-053.2

    Catalogao na fonte Coordenao-Geral de Documentao e Informao Editora MS OS 2012/0247

    Ttulos para indexaoEm ingls: Child health: growth and developmentEm espanhol: Salud infantil: crecimiento y desarrollo

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Representao dos testes de Barlow e Ortolani .................................................. 64

    Figura 2 Mediadores comportamentais de semelhana familiar no hbito alimentar e no estado nutricional ......................................................................................................... 147

    Figura 3 Alvos potenciais para a preveno da obesidade na infncia e na adolescncia ........................................................................................................................... 151

    Figura 4 Linha de cuidado: dimenses do cuidado como prtica de sade ................... 207

    Figura 5 Tao Yin / Yang ..................................................................................................... 240

    Figura 6 Teoria dos 5 elementos / ciclos ............................................................................ 240

    Figura 7 Os meridianos (viso anterior, posterior e lateral do campo) .......................... 240

    Figura 8 Conceito de Trimembrao .................................................................................. 245

  • LISTA DE DIAGRAMAS

    Diagrama 1 Linha de cuidado para a ateno integral sade de crianas, adolescentes e suas famlias em situaes de violncia .................................................... 212

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Tpicos do exame fsico na primeira consulta do recm-nascido [D] .............. 45

    Quadro 2 Testes de Trendelenburg positivo e marcha anserina ........................................ 64

    Quadro 3 Classificao da presso arterial em menores de 18 anos ................................ 69

    Quadro 4 Classificao das crianas conforme a idade, a presena de fatores de risco para anemia e a conduta diante da necessidade de suplementao e rastreamento [D] .... 81

    Quadro 5 Calendrio de vacinao de rotina do Ministrio da Sade (Programa Nacional de Imunizaes/PNI) ................................................................................................. 90

    Quadro 6 Vacinas complementares indicadas por doena ou condio especial ............ 94

    Quadro 7 Calendrio de imunizaes para crianas infectadas pelo HIV ......................... 97

    Quadro 8 Recomendaes para a vacinao contra febre amarela em crianas menores de 13 anos de idade infectadas pelo HIV, de acordo com a alterao imunolgica e as regies de risco ........................................................................................ 102

    Quadro 9 Recomendaes para a vacinao contra febre amarela em adolescentes com 13 e mais anos de idade infectados pelo HIV, de acordo com o nmero de linfcitos T CD4 e as regies de risco ................................................................................... 103

    Quadro 10 Aspectos do desenvolvimento da criana de zero a 10 anos ........................ 123

    Quadro 11 Avaliao do desenvolvimento: orientao para tomada de deciso ......... 126

    Quadro 12 Recomendao quanto ao tempo de interrupo do aleitamento materno aps o consumo de drogas de abuso ................................................................... 138

    Quadro 13 Esquema alimentar para crianas amamentadas .......................................... 143

    Quadro 14 Esquema alimentar para crianas no amamentadas ................................... 143

    Quadro 15 Grupos de alimentos ........................................................................................ 144

    Quadro 16 Dez passos para uma alimentao saudvel .................................................. 144

    Quadro 17 Dimenso epidemiolgica dos acidentes ....................................................... 186

  • Quadro 18 Dimenso epidemiolgica no contexto de um exemplo de acidente .......... 187

    Quadro 19 Cuidados para garantir a segurana das crianas, a fim de evitar acidentes ............................................................................................................................... 190

    Quadro 20 Sinais fsicos e comportamentais e os sentimentos decorrentes da violncia sexual* ................................................................................................................... 206

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Frequncia respiratria normal, segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS) ........................................................................................................................ 37

    Tabela 2 Frequncia cardaca normal ................................................................................... 65

    Tabela 3 Frequncia respiratria normal, segundo a OMS ................................................ 65

    Tabela 4 Distribuio dos valores normais de lipdios e lipoprotenas em indivduos de 5 a 19 anos, conforme o sexo e a faixa etria.................................................................. 83

    Tabela 5 Pontos de corte de peso para a idade para crianas menores de 10 anos ...... 110

    Tabela 6 Pontos de corte de comprimento/altura para a idade para crianas menores de 10 anos ................................................................................................ 110

    Tabela 7 Pontos de corte de IMC por idade para menores de 10 anos ........................... 110

    Tabela 8 Volume e frequncia da refeio lctea para crianas no amamentadas, de acordo com a idade ......................................................................................................... 141

    Tabela 9 Pontos de corte em hemoglobina e hematcrito usados para definir a anemia em pessoas que vivem no nvel do mar ................................................................. 160

  • SumrioApresentao ........................................................................................................................... 15

    1 A Chegada da Criana Famlia .......................................................................................... 23

    1.1 A famlia de uma criana recm-nascida ...............................................................................................25

    1.2 A formao do vnculo/apego ...............................................................................................................26

    1.3 O desenvolvimento da funo parental ................................................................................................27

    1.4 A participao paterna ...........................................................................................................................27

    1.5 Dificuldades comuns da fase ..................................................................................................................28

    1.6 O nascimento de um segundo filho ......................................................................................................29

    1.7 Estmulo formao de uma rede de apoio mais ampla .....................................................................30

    1.8 Concluso sobre a ateno famlia no dado momento ....................................................................30

    Referncias ..............................................................................................................................................................31

    2 Visita Domiciliar para a Famlia do Recm-Nascido ........................................................... 33

    Referncias ..............................................................................................................................................................39

    3 A Primeira Consulta do Recm-Nascido .............................................................................. 41

    3.1 A poca ideal para a primeira consulta ................................................................................................43

    3.2 O contedo da consulta .........................................................................................................................44

    3.2.1 Anamnese ......................................................................................................................................44

    3.2.2 Exame fsico completo ..................................................................................................................44

    3.3 Avaliaes e orientaes ........................................................................................................................50

    3.3.1 Avalie a presena de situaes de risco e vulnerabilidade sade do recm-nascido ............50

    3.3.2 Avalie e oriente os pais sobre os sinais de perigo na criana com menos de 2 meses e sobre a necessidade de procurar atendimento de emergncia .........................................................51

    3.3.3 Promova e apoie o aleitamento materno exclusivo e auxilie a formao ou o fortalecimento do vnculo entre os pais e o beb ..............................................................................51

    3.3.4 Orientaes gerais sobre os cuidados com o recm-nascido .....................................................53

    3.3.5 Preveno de acidentes ...............................................................................................................54

  • 3.3.6 Realizao do teste do pezinho ..................................................................................................54

    3.3.7 Orientaes para o calendrio de imunizaes .........................................................................55

    3.3.8 Combine o calendrio de consultas .............................................................................................55

    Referncias ..............................................................................................................................................................56

    4 Anamnese, Exame Fsico e Aconselhamento Antecipado nas Consultas Subsequentes 59

    4.1 A frequncia de consultas por faixa etria ...........................................................................................61

    4.2 Anamnese ...............................................................................................................................................62

    4.3 Exame fsico ............................................................................................................................................62

    4.3.1 Dados antropomtricos ................................................................................................................63

    4.3.2 Rastreamento para displasia evolutiva do quadril .....................................................................63

    4.3.3 Ausculta cardaca ..........................................................................................................................65

    4.3.4 Avaliao da viso ........................................................................................................................65

    4.3.5 Avaliao da audio ....................................................................................................................66

    4.3.6 Aferio da presso arterial .........................................................................................................68

    4.3.7 Rastreamento para criptorquidia ................................................................................................69

    4.4 Aconselhamento antecipado .................................................................................................................69

    4.4.1 Posio para dormir ......................................................................................................................70

    4.4.2 Preveno de infeco viral respiratria .....................................................................................70

    4.4.3 Aconselhamento para realizar atividade fsica ...........................................................................70

    4.4.4 Aconselhamento para no haver ingesto de bebidas alcolicas .............................................71

    4.4.5 Aconselhamento em relao aos hbitos alimentares ...............................................................71

    4.4.6 Aconselhamento e preveno de leses no intencionais .........................................................71

    Referncias ..............................................................................................................................................................72

    5 Solicitao de Exames Complementares em Crianas Assintomticas ............................ 77

    5.1 Hemograma ............................................................................................................................................80

    5.2 Exames de fezes e exame comum de urina (tambm conhecidos como urina i, eas ou equ) ............................................................................................................................................82

    5.3 Perfil lipdico ...........................................................................................................................................82

    Referncias ..............................................................................................................................................................84

    6 Imunizaes ........................................................................................................................... 87

    6.1 Calendrio de vacinao no Brasil .........................................................................................................89

    6.2 Indicaes para uso dos imunobiolgicos especiais .............................................................................94

  • 6.3 Vacinao de crianas nascidas de mes infectadas pelo HIV ..............................................................97

    6.4 Descrio e conduta diante de alguns eventos adversos comuns a vrios imunobiolgicos ...........103

    Referncias ............................................................................................................................................................104

    7 Monitorizao do Crescimento .......................................................................................... 105

    7.1 O crescimento da criana e aspectos epidemiolgicos da criana brasileira ....................................107

    7.2 Monitorizao e avaliao do crescimento .........................................................................................108

    7.3 Condutas recomendadas para algumas situaes de desvio no crescimento ...................................111

    7.4 Particularidades da criana prematura ou com restrio do crescimento intrauterino ...................112

    Referncias ............................................................................................................................................................114

    8 Acompanhamento do Desenvolvimento .......................................................................... 119

    8.1 Acompanhamento e avaliao do desenvolvimento infantil ............................................................122

    8.2 Distrbios no desenvolvimento ...........................................................................................................125

    8.3 Orientaes aos pais .............................................................................................................................127

    8.3.1 O controle de esfncteres ...........................................................................................................127

    8.3.2 Padro de sono e dificuldades para dormir ..............................................................................127

    8.3.3 Comportamento .........................................................................................................................128

    Referncias ............................................................................................................................................................129

    9 Alimentao Saudvel ........................................................................................................ 131

    9.1 Aleitamento materno e aspectos epidemiolgicos do aleitamento materno no Brasil ..................133

    9.1.1 Aconselhamento em amamentao ..........................................................................................135

    9.1.2 Benefcios do aleitamento materno ..........................................................................................136

    9.1.3 Contraindicaes para a amamentao ....................................................................................137

    9.1.4 Alimentao antes dos 6 meses em situaes em que o aleitamento materno no praticado ou praticado parcialmente ..............................................................................................140

    9.2 Alimentao da criana de 6 meses a 2 anos ......................................................................................142

    9.2.1 Prevenindo a anemia ..................................................................................................................145

    9.3 Alimentao de crianas de 2 a 6 anos ...............................................................................................147

    9.4 Alimentao de crianas de 7 a 10 anos .............................................................................................149

    9.4.1 Recomendaes gerais para crianas de 7 a 10 anos ................................................................149

    9.5 Preveno da obesidade em crianas ..................................................................................................150

    Referncias ............................................................................................................................................................152

  • 10 Suplementao com Vitaminas e Minerais ..................................................................... 157

    10.1 Suplementao de ferro .....................................................................................................................159

    10.2 Suplementao de vitamina A ...........................................................................................................162

    10.3 Suplementao de vitamina D ...........................................................................................................163

    10.4 Suplementao de vitamina K ao nascer ..........................................................................................164

    10.5 Suplementao de zinco ....................................................................................................................165

    Referncias ............................................................................................................................................................166

    11 A Sade Bucal da Criana ................................................................................................. 169

    11.1 Recomendaes para crianas de zero a 3 anos ...............................................................................172

    11.1.1 Amamentao ...........................................................................................................................172

    11.1.2 Alimentao ..............................................................................................................................173

    11.1.3 Higiene bucal ............................................................................................................................173

    11.1.4 Uso de bicos e chupetas ...........................................................................................................174

    11.1.5 Uso de fluoretos ........................................................................................................................174

    11.2 Recomendaes para crianas de 3 a 6 anos ....................................................................................175

    11.2.1 Alimentao ..............................................................................................................................175

    11.2.2 Higiene bucal ............................................................................................................................175

    11.2.3 Uso de fluoretos ........................................................................................................................175

    11.3 Recomendaes para crianas de 6 a 9 anos ....................................................................................176

    11.3.1 Alimentao ..............................................................................................................................176

    11.3.2 Higiene bucal ............................................................................................................................177

    11.3.3 Uso de fluoretos ........................................................................................................................177

    11.4 Recomendaes para crianas de 9 a 10 anos ..................................................................................177

    11.4.1 Alimentao ..............................................................................................................................178

    Referncias ............................................................................................................................................................179

    12 Preveno de Acidentes ................................................................................................... 183

    12.1 Os diferentes momentos de se fazer preveno ..............................................................................186

    12.2 Fatores de risco e de vulnerabilidade para acidentes ......................................................................187

    12.3 Atitudes promotoras de segurana em determinados contextos e espaos sociais .......................188

    12.4 Orientaes aos familiares e s crianas para evitar e prevenir acidentes .....................................189

    Referncias ............................................................................................................................................................194

  • 13 Proteo e Cuidados para Crianas e Suas Famlias em Situaes de Violncia ......... 197

    13.1 Tipos e natureza das violncias..........................................................................................................200

    13.1.1 Natureza da violncia ...............................................................................................................201

    13.2 Formas e manifestaes da violncia sexual .....................................................................................201

    13.3 Outras formas de violncia contra crianas ......................................................................................202

    13.4 Alerta para os sinais e sintomas da violncia ....................................................................................203

    13.4.1 Sinais de violncia fsica ...........................................................................................................204

    13.4.2 Sinais de violncia sexual .........................................................................................................205

    13.5 Cuidados com a criana em situaes de violncia ..........................................................................207

    13.5.1 O acolhimento e vnculo ..........................................................................................................208

    13.5.2 O atendimento, o diagnstico, o tratamento e o cuidado ....................................................208

    13.5.3 Notificao como instrumento de proteo e garantia de direitos ......................................209

    13.5.4 Seguimento do caso na rede de cuidado e de proteo social ..............................................210

    13.6 Preveno de violncias e promoo da cultura da paz ..................................................................213

    13.6.1 Situaes protetoras para o beb e a criana .........................................................................213

    13.6.2 Fatores de vulnerabilidade para a violncia contra crianas .................................................215

    13.6.3 Fatores de vulnerabilidade para a violncia na gestao e no puerprio ............................216

    Referncias ............................................................................................................................................................217

    14 Rede de Cuidado e de Proteo Social ............................................................................ 221

    14.1 Rede de sade ....................................................................................................................................224

    14.2 Rede intersetorial ...............................................................................................................................226

    Referncias ............................................................................................................................................................228

    15 Promoo, Narrao, Brincadeira e Imaginao em Sade ........................................... 229

    Referncias ............................................................................................................................................................236

    16 Prticas Integrativas e Complementares na Sade da Criana ..................................... 237

    16.1 Medicina Tradicional Chinesa (MTC) .................................................................................................239

    16.2 Homeopatia ........................................................................................................................................241

    16.3 Medicina antroposfica .....................................................................................................................243

    16.4 Plantas medicinais e fitoterapia ........................................................................................................247

    Referncias ............................................................................................................................................................251

  • Anexos .................................................................................................................................... 253

    Anexo A Atribuies dos profissionais da ateno bsica em relao sade da criana .................255

    Anexo B Tcnica para aferio da presso arterial ................................................................................259

    Anexo C Valores de presso arterial para meninas ou meninos de 1 a 17 anos, de acordo com o percentil de estatura ...............................................................................................................................262

    Anexo D Orientaes para a identificao e o manejo de efeitos adversos a imunobiolgicos ........264

  • Apresentao

  • 17

    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    A taxa de mortalidade infantil (referente s crianas menores de um ano) caiu muito nas

    ltimas dcadas no Brasil. Graas s aes de diminuio da pobreza, ampliao da cobertura da

    Estratgia Sade da Famlia e a outros fatores, os bitos infantis diminuram de 47,1 a cada mil

    nascidos vivos, em 1990, para 15,6 em 2010 (IBGE, 2010). Entretanto, a meta de garantir a toda

    criana brasileira o direito vida e sade ainda no foi alcanada, pois persistem desigualdades

    regionais e sociais inaceitveis. Alm disso, 68,6% das mortes de crianas com menos de um ano

    acontecem no perodo neonatal (at 27 dias de vida), sendo a maioria no primeiro dia de vida.

    Assim, um nmero expressivo de mortes por causas evitveis por aes dos servios de sade

    tais como a ateno pr-natal, ao parto e ao recm-nascido (RN) faz parte da realidade social

    e sanitria de nosso Pas.

    Desde a dcada de 1980, a partir da mudana do modelo tecnoassistencial, inmeras aes

    (programas e polticas) foram criadas com o objetivo de intervir nesta realidade, como a ampliao

    do acesso aos servios de sade, a desfragmentao da assistncia e a mudana na forma como

    o cuidado s gestantes e aos recm-nascidos estava sendo realizado.

    Neste contexto, foi lanado, em 1983, o Programa de Assistncia Integral Sade da Mulher

    (Paism), que prope aes voltadas sua integralidade, equidade e abordagem global em todas

    as fases do seu ciclo vital (CARDOSO, 2008, p. 147).

    Em 2000, o Ministrio da Sade lanou o Programa de Humanizao do Pr-Natal e Nascimento

    (PHPN), que objetivava, principalmente, reorganizar a assistncia e vincular formalmente o pr-

    natal ao parto e ao puerprio, ampliar o acesso das mulheres aos servios de sade e garantir a

    qualidade da assistncia (SERRUYA, 2003).

    Em 2004, o Ministrio da Sade elaborou o documento da Poltica Nacional de Ateno

    Integral Sade da Mulher Princpios e Diretrizes (PNAISM), que reflete o compromisso com a

    implementao de aes em sade da mulher, garantindo seus direitos e reduzindo agravos por

    causas prevenveis e evitveis.

    No contexto atual, diante dos desafios apresentados e reconhecendo as iniciativas e o acmulo

    de experincias, o Ministrio da Sade organizou uma grande estratgia, a fim de qualificar as

    Redes de Ateno Materno-Infantil em todo o Pas com o objetivo de reduzir as taxas, ainda

    elevadas, de morbimortalidade materna e infantil no Brasil. Trata-se da Rede Cegonha.

    A Rede Cegonha ser implementada em parceria com estados e municpios, gradativamente,

    em todo o territrio nacional. Ela traz um conjunto de iniciativas que envolvem mudanas no

    modelo de cuidado gravidez, ao parto/nascimento e ateno integral sade da criana, com

    foco nos primeiros dois anos e em especial no perodo neonatal. Baseia-se na articulao dos

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    Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica

    pontos de ateno em rede e regulao obsttrica no momento do parto, qualificao tcnica das equipes de ateno bsica e no mbito das maternidades, melhoria da ambincia dos servios de sade (UBS e maternidades) e ampliao de servios e profissionais, para estimular a prtica do parto fisiolgico e a humanizao do parto e do nascimento.

    Assim, de um ponto de vista prtico, com a Rede Cegonha, o Ministrio da Sade se prope a, por um lado, garantir a todos os recm-nascidos boas prticas de ateno, embasadas em evidncias cientficas e nos princpios de humanizao, tais como: clampeamento tardio do cordo, permanncia do RN ao lado da me durante todo o tempo de internao, desde os primeiros momentos de vida, com contato pele a pele e apoio amamentao (se possvel, ainda na primeira hora de vida), estmulo participao do pai, tentativa de se evitar procedimentos iatrognicos de rotina, sem embasamento cientfico, alm de oferta de todas as triagens neonatais com o teste do pezinho, olhinho e orelhinha etc.

    Por outro lado, para aqueles recm-nascidos de risco (como os de baixo peso, os prematuros e aqueles que possuem agravos que mais frequentemente acarretam a morte, como asfixia ao nascer, problemas respiratrios e infeces), a proposta um grande investimento nas maternidades de referncia do Pas, para atendimento s gestantes e aos recm-nascidos de risco, no sentido de garantir leitos de UTI, Unidade de Cuidados Intermedirios (UCI) e leitos Canguru. Para os recm-nascidos de risco, nascidos em maternidades que no sejam de referncia para este tipo de atendimento, a proposta a contratualizao do processo de referncia-contrarreferncia entre todas as maternidades das regies metropolitanas envolvidas, contando com o suporte de um transporte neonatal especializado para fazer a transferncia de pacientes entre os referidos estabelecimentos hospitalares (Samu Cegonha).

    De nada adiantar tal esforo para a sobrevivncia de todos os RNs nas maternidades sem um processo adequado de seu encaminhamento para a continuidade dos cuidados, que so perso-nalizados para as necessidades de cada uma dessas crianas, seja em ambulatrios especializados (no caso de RNs sados de UTIs com necessidade deste tipo de ateno), seja na Ateno Primria Sade (APS). Este processo se inicia na maternidade, por uma entrega bem orientada da Ca-derneta de Sade da Criana me de cada beb, j que a caderneta deve servir de roteiro e passaporte para o seguimento da criana em toda a sua linha de cuidado.

    Na APS continua uma forte preocupao com a primeira semana de vida da criana. Na APS espera-se garantir uma visita domiciliar do agente de sade ao binmio me e RN no contexto da famlia, para orientao de todos sobre o cuidado de ambos, bem como para ofertar as aes programadas para a primeira semana de sade na APS, se possvel oportunizando tudo para uma mesma data: consultas para ambos (me e RN), estimulando a presena do pai sempre que possvel, apoio ao aleitamento materno, imunizaes, coleta de sangue para o teste do pezinho, etc. Depois, at a criana completar 2 anos, o objetivo um acompanhamento cuidadoso do crescimento e do desenvolvimento da criana pela equipe de sade (inclusive com busca de faltosos), com um olhar biopsicossocial no s para a criana, mas tambm para as condies do contexto de sade e de vida de sua me e famlia, inclusive com as articulaes intersetoriais, no territrio, necessrias para o projeto teraputico de cada criana/famlia.

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    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    A prioridade da ateno criana at 2 anos, prevista na Rede Cegonha, veio se somar ao recente lanamento pelo governo federal do Brasil Carinhoso, um conjunto de aes interministeriais, envolvendo sade, educao, assistncia social pela Primeira Infncia Brasileira. A proposta a proteo e o fomento ao desenvolvimento integral da criana neste perodo crtico e sensvel da primeira infncia.

    As mudanas demogrficas e epidemiolgicas vivenciadas pelo Pas nas ltimas dcadas com a j citada progressiva melhoria do ndice de mortalidade infantil, aliada ao envelhecimento da populao e ao grande aumento na prevalncia das doenas crnicas no transmissveis acabaram forando uma reorganizao de prioridades na Agenda da Sade Pblica brasileira, com uma consequente diminuio da preocupao com a ateno sade da criana. Tal estado de coisas precisa ser superado com uma retomada da valorizao da puericultura e da ateno sade da criana de uma forma geral, inclusive como condio para que se possa garantir futuras geraes de adultos e idosos mais saudveis.

    Este Caderno de Ateno Bsica est inserido nesta proposta como uma das ofertas que objetivam apoiar as equipes de ateno bsica no processo de qualificao do cuidado e articulao em rede. Constitui-se em uma ferramenta que, somada capacidade das equipes e dos gestores de organizar seu processo de trabalho e dos processos em educao permanente, esperamos que contribua para a contnua melhoria do acesso e da qualidade no cuidado s crianas no mbito da ateno bsica em rede.

    Para tanto, o Caderno da Criana aborda orientaes para a organizao do processo de tra-balho, questes tradicionais (como o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento da criana e a superviso das imunizaes) e at temas caractersticos da modernidade, como a ali-mentao saudvel (to essencial de ser trabalhada na situao atual de epidemia de obesidade infantil), a preveno de acidentes e as medidas de preveno e cuidado criana em situao de violncia etc.

    Esta publicao foi escrita por profissionais de diversas categorias entre os quais muitos do Servio de Sade Comunitria do Grupo Hospitalar Conceio, de Porto Alegre (RS), aos quais o MS muito agradece com o cuidado de agregar informaes que associam o conhecimento prtico e a experincia dos referidos profissionais aos depoimentos de famlias e s melhores evidncias cientficas.

    Boa leitura.

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    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    Neste Caderno de Ateno Bsica foram utilizados os graus de recomendao descritos a seguir para as recomendaes de cuidado:

    Graus de Recomendao

    (resumo com enfoque de terapia/preveno e etiologia/risco)

    A: ensaios clnicos randomizados e reviso sistemtica de ensaios clnicos randomizados con-sistentes.

    B: estudos de coorte, caso-controle e ecolgicos e reviso sistemtica de estudos de coorte ou caso-controle consistentes ou ensaios clnicos randomizados de menor qualidade.

    C: sries de casos, estudos de coorte e caso-controle de baixa qualidade.

    D: opinies de especialistas sem maior evidncia explcita ou baseadas em fisiologia(OXFORD..., 2008).

  • A Chegada da Criana Famlia

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    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    O Pedro foi o beb mais esperado deste mundo. Chegou para iluminar e dar sentido minha vida. Hoje posso dizer que tudo se tornou pequeno e insignificante diante da alegria que o Pedro Henrique me proporciona e dos sorrisos que ele j esboa. Agradeo a Deus todos os dias por ter me abenoado com esta criana to feliz e maravilhosa, que o meu filho (Maria, 40 anos, me de Pedro Henrique, 5 meses).

    A gravidez constitui um perodo de muitas expectativas no s para a gestante, mas para toda sua famlia, que se prepara para a chegada de um novo membro. E cada criana que nasce no parte de um contexto vazio, mas sim de um ambiente familiar repleto de esperana, crenas, valores e metas, que influenciaro a formao deste sujeito em desenvolvimento (DE BEM; WAGNER, 2006). Por tal motivo, ao atender uma criana, o profissional de sade no pode v-la como um ser isolado, mas como parte de seu contexto familiar, com caractersticas e funcionamento prprios. importante prestar ateno na relao que os membros da famlia estabelecem com a criana, na maneira como se dispem a cuidar dela, em seu percurso escolar desde os primeiros anos, enfim, na forma como ela recebida e endereada ao mundo (BRASIL, 2005) [D]. A equipe de sade deve ainda compreender e orientar os pais sobre a formao de vnculos e o fortalecimento da parentalidade (DEMOTT, 2006) [D]. O profissional precisa estar atento s possveis e frequentes dificuldades que se apresentam e precisa estimular a construo de uma rede, inclusive na equipe de sade, que sirva de apoio famlia (idem) [D].

    Um instrumento til e facilitador para uma melhor compreenso da famlia no ciclo de vida o genograma. Alm de proporcionar viso clara e ampla dos membros da famlia e de como se relacionam, o genograma retrata graficamente a histria e o padro familiar (CARTER; MCGOLDRICK, 2001) [D].

    Dados interessantes resultaram de um estudo que acompanhou crianas desde o pr-natal at a adolescncia e que reviu as influncias ambientais na sade mental das crianas. Os fatores encontrados como determinantes da sade mental de crianas referem-se, em sua maioria, a fatores familiares: histria de doena mental materna, nveis elevados de ansiedade materna, perspectivas parentais limitadas, interao limitada entre a criana e a me, chefe de famlia sem ocupao qualificada, baixa escolaridade materna, famlias de grupos tnicos minoritrios, famlias monoparentais, presena de eventos estressantes e famlias com quatro ou mais filhos (SAMEROFF et al. apud HALPERN, R.; FIGUEIRAS, 2004) [B].

    1.1 A famlia de uma criana recm-nascida

    O profissional de sade, desde o pr-natal, deve estar atento s mudanas e s necessidades de adaptao que ocorrem nas famlias diante do nascimento de um novo ser. De igual forma, o profissional de sade deve saber que no uma tarefa fcil uma famlia adaptar-se a uma

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    nova realidade, especialmente quando se trata do primeiro filho. Neste caso, os pais necessitam ajustar seu sistema conjugal, criando um espao para os filhos. Alm disso, preciso aprender a unir as tarefas financeiras e domsticas com a educao dos filhos. Um estudo evidencia que o bom relacionamento do casal est associado a um maior apoio do pai lactao e uma maior participao dele nos cuidados com a criana (FALCETO; GIUGLIANI; FERNANDES, 2004) [B]. Cabe ressaltar que a mudana com o nascimento da criana ocorre no apenas na famlia nuclear,1 mas tambm na famlia ampliada,2 que passa por uma alterao importante em seus papis, avanando um grau em seu sistema de relacionamentos: irmos tornam-se tios, sobrinhos tornam-se primos, pais tornam-se avs, entre outros exemplos de alteraes na configurao familiar (CARTER; MCGOLDRICK, 2001) [D]. E dentro do referido contexto familiar ou por intermdio de seu substituto (instituies ou pessoas que exeram a funo de cuidadores) que acontecero as primeiras relaes da criana, to importantes para o seu desenvolvimento psicossocial. Os laos afetivos formados, em especial entre pais e filhos, influenciam o desenvolvimento saudvel do beb e determinam modos de interao positivos, que possibilitam o ajustamento do indivduo aos diferentes ambientes de que ele ir participar (DESSEN; POLONIA, 2007).

    1.2 A formao do vnculo/apego

    O apego, vnculo emocional recproco entre um beb e seu cuidador, constri-se baseado em relacionamentos preliminares estabelecidos ainda com o feto e com a criana imaginada pelos pais, antes mesmo do seu nascimento. Aps o nascimento, o beb, para sobreviver, precisa de algum que cuide dele e que assegure que suas necessidades fsicas (alimentao, limpeza, cuidado, proteo, entre outras) e psicossociais (de se sentir seguro, amado, protegido, valorizado) sejam atendidas. Qualquer atividade por parte do beb que provoque uma resposta do adulto pode ser considerada um comportamento de busca de apego: sorrir, chorar, sugar e olhar nos olhos. Por isso, importante que o profissional de sade, em contato com a famlia, observe cuidadosamente como os cuidadores (em especial, a me) reagem a tais comportamentos. So afetuosos? Oferecem aconchego frequente ao beb? Reagem de forma irritada ou agressiva ao choro? (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006; BRAZELTON; CRAMER, 1992) [D]. Por vezes, os modos como se do as reaes aos comportamentos do beb podem ser indicativos de que sua famlia precisa de auxlio para superar o momento de crise.

    A prtica da amamentao favorece a formao de vnculo entre me e filho e deve ser estimulada. Entretanto, a amamentao no um comportamento inato, mas sim um hbito que se adquire e se aperfeioa com a prtica, que depende de aprendizado e da interao positiva entre os fatores culturais e sociais3 (HALPERN; FIGUEIRAS, 2004) [D].

    1 Famlia nuclear: estrutura nuclear ou conjugal que consiste em duas pessoas adultas e nos seus filhos, biolgicos ou adotados, que habitam um ambiente familiar comum.

    2 Familiar ampliada: uma estrutura mais ampla, que consiste na famlia nuclear acrescida dos parentes diretos, na qual existe uma extenso maior das relaes.3 Para mais informaes sobre o aleitamento materno, consulte o Caderno de Ateno Bsica n 23, sobre nutrio infantil, que pode ser encontrado no seguinte

    endereo eletrnico: .

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    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    1.3 O desenvolvimento da funo parental

    Considerando-se que a relao que se estabelece entre pais e filhos fundamental para os futuros relacionamentos da criana, o profissional de sade deve estar atento e deve estimular o desenvolvimento da parentalidade (DEMOTT, 2006) [D], definida como o conjunto de remanejamentos psquicos e afetivos que permitem ao adulto tornar-se pai ou me (CORRA FILHO; CORRA; FRANA, 2002). O termo parentalizar designa a influncia positiva que uma pessoa exerce sobre o sentimento que um adulto tem de ser pai e me e refere-se vivncia da identidade parental e aos sentimentos de competncia dos pais com relao aos cuidados que eles dispensam ao seu beb. Quem pode exercer a parentalizao? O beb (durante suas interaes com os pais), os cnjuges (que podem parentalizar um ao outro), a famlia ampliada e os profissionais que trabalham com pais e bebs (idem).

    Os profissionais de sade podem auxiliar a formao da parentalidade oferecendo espao para a manifestao de sentimentos comuns durante o referido processo, sentimentos como o medo de no conseguir manter a vida e o crescimento de seu beb, o medo de no conseguir envolver-se emocionalmente com o seu beb de modo autntico e pessoal (e de que ele no se desenvolva emocionalmente), a preocupao em como criar o beb (se ir ou no permitir sistemas de apoio necessrios) e o medo de no conseguir modificar-se ou reorganizar sua identidade (CORRA FILHO; CORRA; FRANA, 2002; STERN, 1997) [D]. importante tambm que o profissional de sade reconhea os pais que desenvolvam bem a parentalidade, que se mostrem envolvidos com o crescimento do filho, apoiando as suas novas necessidades, para que tais atitudes sejam estimuladas. Conhecendo e identificando a presena desses sentimentos, o profissional de sade pode estimular o pai, a me ou outros responsveis, evitando julgamentos e valorizando sempre as boas prticas de atender as necessidades da criana. Sempre que os pais desejarem, os profissionais de sade devem lhes disponibilizar grupos de apoio que promovam a aquisio de habilidades na formao da parentalidade (DEMOTT, 2006) [A].

    1.4 A participao paterna

    A participao paterna em todas as fases de desenvolvimento da criana um elemento im-portante para o seu crescimento saudvel, pois representa um relevante fator protetivo para a sade de todos os envolvidos. Geralmente, nos servios de sade da Rede SUS, observa-se ainda um baixo engajamento dos pais nas decises e aes relacionadas sade infantil.

    Inclusive, fala-se muito em sade materno-infantil, mas pouco ainda em sade paterno-infantil (relacionada ao vnculo fsico, psicolgico e afetivo que as crianas estabelecem com aqueles que exercem a funo paterna em suas vidas). No entanto, estudos indicam que a maior parte dos homens gostaria de participar das consultas e de receber informaes sobre aes de preveno e promoo relacionadas sade de seus filhos (DUARTE, 2007).

    Neste sentido, de suma importncia minimizar este tipo de excluso, que gera, muitas vezes, um grande sentimento de frustrao e que refora ainda mais o distanciamento masculino das

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    questes relativas sade dos filhos. Para isso, necessrio considerar os aspectos socioculturais e os preconceitos que permeiam o simblico imaginrio masculino tanto dos profissionais quanto da populao usuria dos servios de sade.

    No que tange ao nascimento, importante ressaltar que os relatos sobre a participao masculina indicam que ela constitui um fator que refora os vnculos familiares e contribui para a diminuio da ansiedade durante a chegada da criana, reduzindo a depresso materna no ps-parto e colaborando para a melhoria dos aspectos gerais de sade da criana.

    Para a ampliao e o fortalecimento da participao paterna na sade familiar, os profissionais da Rede SUS devem estar atentos para o acesso e o acolhimento de qualidade desses pais, incluindo-os como sujeitos na lgica das consultas realizadas em conjunto com as mes e as crianas. Para isso, fundamental que o pai/cuidador seja visto tambm como um indivduo responsvel pelo bem-estar da criana nas diversas fases da sua vida, devendo ser incorporado s atividades rotineiras realizadas pelas equipes de sade, para que, por exemplo, tenha direito a uma voz ativa nas consultas realizadas pelos profissionais de sade.

    Por tal motivo, os servios de sade da Rede SUS podem e devem criar estratgias criativas que objetivem ampliar a participao e a responsabilizao paterna na promoo do crescimento saudvel das crianas.

    1.5 Dificuldades comuns da fase

    O nascimento de um beb, em especial quando se trata do primeiro filho, pode ser considerado como um evento propcio ao surgimento de problemas emocionais nos pais, tais como depresso e manifestaes psicossomticas (SCHWENGBER; PICCININI, 2003), que podem afetar o modo como os pais se relacionam com seu filho.

    Os episdios de melancolia ps-parto denominados baby blues referem-se a uma manifes-tao transitria e frequente do humor que aparece no decorrer dos primeiros dias ps-parto (com intensidade maior em torno do 3 ao 6 dia aps o parto). A purpera apresenta um estado de fragilidade e hiperemotividade transitria (choro fcil, irritabilidade, tristeza ou hipersensibi-lidade) que no considerado depresso ps-parto. O manejo adequado inclui uma orientao sobre a sua frequncia e transitoriedade, o estmulo manifestao de sentimentos e a aceitao de apoio (CORRA FILHO; CORRA; FRANA, 2002) [D].

    A depresso ps-parto, cuja incidncia varia entre 12% e 19% das purperas (RUSCHI et al., 2007), pode constituir um problema que afeta no apenas a me, mas tambm o beb e at mesmo o prprio pai. Um estudo evidencia que a amamentao feita por mes com depresso puerperal corre maior risco de ser interrompida precocemente nos primeiros dois meses (evento conhecido como desmame precoce) (HASSELMANN; WERNECK; SILVA, 2008) [B]. Sabe-se ainda que os bebs, por dependerem muito da qualidade dos cuidados e do modo como as mes respondem s suas demandas, tornam-se especialmente vulnerveis depresso ps-parto. Tendo em vista a influncia deste quadro no contexto familiar e na relao me-beb (FRIZZO, G. B.;

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    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

    PICCININI, 2005), o profissional de sade deve estar atento presena de sintomas compatveis com depresso (irritabilidade ou choro frequente, sentimentos de desamparo, desesperana, falta de energia e motivao, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono, incapacidade de lidar com novas situaes e queixas psicossomticas) (DEMOTT, 2006) [D]. A ateno do profissional de sade deve estar mais focada principalmente em relao poca de incio dos sintomas (perodo que mais tardio do que o princpio dos eventos de baby blues, em torno da 5 e 6 semana puerperal) e em relao sua intensidade e durao. Uma vez detectados tais sintomas, a purpera deve ser monitorada com mais ateno pela equipe de sade.

    1.6 O nascimento de um segundo filho

    A chegada de mais um beb tambm um acontecimento que altera a dinmica familiar, pois

    alm da felicidade com a vinda do novo membro da prole tal fato pode gerar ansiedade algumas

    vezes, porque diferente do nascimento do primeiro filho em funo das mudanas dele decorrentes.

    O nascimento de um irmo algo que exerce impacto sobre o comportamento do primogni-

    to, que tem de aprender a lidar com a diviso do amor e da ateno dos pais, que antes eram

    dirigidos exclusivamente a ele. comum o aparecimento de sintomas fsicos no primognito,

    tais como febre e alergia, alm de retrocessos na linguagem e na alimentao, propenso ao

    choro, aumento de birra e manifestaes de agressividade (PICCININI et al., 2007). De igual for-

    ma, algumas vezes, tal acontecimento pode gerar sofrimento no apenas para a criana, mas

    tambm para as mes, porque percebem a vulnerabilidade do primognito (que necessita de

    cuidados especiais para se adaptar) e veem as dificuldades dele em lidar com a chegada do beb.

    Pelo mesmo motivo, importante que o profissional esteja atento s mudanas decorrentes deste

    acontecimento, tranquilizando, apoiando e orientando a famlia para que ela consiga superar,

    da melhor maneira, este momento de ambivalncia, entre a felicidade pelo nascimento de um

    segundo filho e a ansiedade que o momento pode trazer. Algumas pequenas orientaes podem

    ser muito importantes para auxiliar a famlia neste processo. Desde a gestao do segundo filho,

    os pais devem conversar com o primognito sobre o irmozinho, estimulando-o a compartilhar

    pequenas responsabilidades e a participar da preparao para a chegada do novo beb, alm de

    dialogar com ele sobre os pontos positivos de ter irmos. J aps o nascimento, em alguns casos, as

    disputas entre os irmos originam-se da busca de ateno dos pais, sendo o irmo visto como um

    rival na procura pelo afeto e pelo tempo deles. Por tal motivo, importante que os pais consigam

    organizar um tempo especial para passar com cada um dos filhos, dando-lhes ateno exclusiva

    e propondo atividades do seu interesse (PEREIRA, 2008) [D]. Entretanto, no se pode esquecer de

    que a criana precisa de espao para expressar sua raiva e seu cime, aprendendo a fazer isso de

    forma no violenta. A existncia desse espao fundamental tambm para que ela consiga, por

    outro lado, expressar seu carinho e amor pelo irmo (idem).

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    1.7 Estmulo formao de uma rede de apoio mais ampla

    O fortalecimento da rede de apoio social no momento da chegada de um novo membro famlia contribui para a superao de dificuldades relacionadas ao estresse, para a resoluo de conflitos e o restabelecimento de uma dinmica familiar saudvel. Isso constitui, inclusive, fator protetor para evitar o desenvolvimento de relacionamentos disfuncionais, tais como: maus-tratos criana, violncia intrafamiliar, abuso de substncias psicotrpicas (como lcool, drogas, medicamentos etc.), conflitos, entre outros (DESSEN; POLONIA, 2007) [D]. Assim, as mes devem ser estimuladas a ampliar as redes sociais de apoio, uma vez que isso resulta em interao positiva na relao me-beb (DEMOTT, 2006) [B]. Cabe aos profissionais de sade identificar pessoas que possam oferecer suporte famlia, destacando-se os prprios membros familiares, como avs, tios, primos e tambm amigos, companheiros, vizinhos. Tais redes podero oferecer suporte de diversas formas: apoio material ou financeiro, executando pequenas tarefas domsticas, cuidando dos outros filhos, orientando, prestando informaes e oferecendo suporte emocional (PEREIRA, 2008) [C].

    O profissional de sade deve estar atento tambm s novas configuraes familiares e ao papel ocupado pelas avs, que tm sido, em muitas famlias, as principais cuidadoras. Em alguns casos, o papel desempenhado pelas avs ultrapassa o de apoiadoras no cuidado, pois muitas delas so as responsveis pelos cuidados fsicos e afetivos das crianas (DESSEN; BRAZ, 2000). Percebe-se que o fenmeno de distribuio de papis, que na famlia tradicional era fortemente delimitado, hoje se encontra flexibilizado, principalmente nas classes mais populares (CARTER; MCGOLDRICK, 2001).

    1.8 Concluso sobre a ateno famlia no dado momento

    Considerando-se todos os aspectos mencionados at ento, ressalta-se a importncia da famlia em proporcionar ambiente social e psicolgico favorvel ao desenvolvimento da criana e promoo de sua sade mental, uma vez que tais fatores influenciam mais do que as caractersticas intrnsecas do indivduo (HALPERN; FIGUEIRAS, 2004) [B]. A famlia desempenha tambm papel primordial na transmisso de cultura, de tradies espirituais e na manuteno dos ritos e costumes.

    Ela a matriz da aprendizagem humana, com significados e prticas culturais prprias, que geram modelos de relao interpessoal e de construo individual e coletiva. Os acontecimentos e as experincias familiares propiciam a formao de repertrios comportamentais, de aes e resolues de problemas com significados universais e particulares (DESSEN; POLONIA, 2007, p. 21-32).

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    SADE DA CRIANA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

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  • Visita Domiciliar para a Famlia do Recm-Nascido

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    Gostei muito, mesmo, de ter sido visitada pela agente de sade. Fiquei mais tranquila. Falei sobre o parto e como foi no hospital. Achei timo que j me trouxeram a consulta agendada para o dia seguinte. Consultei no sexto dia aps o nascimento do meu beb. Achei importante ter sido questionada sobre como eu estava me sentindo, como estava amamentando e quais eram os hbitos normais do beb, principalmente de sono e de horrio livre para amamentao (Suzen, 21 anos, me de Eduardo, 1 ms e 5 dias).

    Eu estava um pouco perdida: o meu primeiro filho, no conhecia o posto e fiz o pr-natal com mdico do convnio. Achei um sinal de interesse e tambm foi bom porque j trouxeram a data e hora da consulta marcada. J fui at l, fiz o teste do pezinho no meu filho, apliquei a vacina BCG nele e hoje mesmo estou indo consultar. Gostei muito de como fui atendida. Vou seguir levando meu filho Unidade Leopoldina (Elaine, 35 anos, me de Leanderson, 15 dias).

    Quando eu fui visitada, logo aps o nascimento do meu filho, eu no estava em casa porque ele ainda ficou mais 15 dias no hospital. Mas eu gostei, porque vi que se interessam pela gente. De qualquer maneira, mesmo que eu no tivesse sido visitada, teria ido consultar. A gente sabe que existem algumas mes que acham que, como o beb saiu h pouco do hospital, no preciso consultar em seguida no posto. (...) Imagino que teria sido bom se, durante essa visita, fosse falado sobre os cuidados com o beb, principalmente de como cuidar do umbigo, que uma coisa que me deixava com muito medo (Karina, 24 anos, me do Felipe, 1 ano e 5 meses).

    Com a aproximao da equipe de sade do contexto de vida das famlias, a visita domiciliar torna-se um instrumento importante para a troca de informaes vinculadas s necessidades particulares de cada indivduo, favorecendo, desta forma, atividades educativas e mais humanizadas. A visita domiciliar uma das atribuies das equipes de sade de ateno bsica e uma das principais atividades preconizadas para o agente comunitrio de sade pelo MS (BRASIL, 2001). Um estudo evidencia ainda que tal prtica e as atividades que envolvem bebs e crianas em geral so as atividades preferidas dos agentes comunitrios de sade (FERRAZ; AERTS, 2005).

    Visitas domiciliares so recomendadas s famlias de gestantes e de crianas na primeira semana ps-parto e, posteriormente a esse perodo, a periodicidade deve ser pactuada com a famlia a partir das necessidades evidenciadas e considerando-se os fatores de risco e de proteo. Cabe lembrar que a visita domiciliar no apenas uma atribuio do agente comunitrio, pois toda a equipe faz uso dessa prtica, podendo a primeira consulta do RN e da purpera ocorrer em domiclio, conduzida pelo(a) mdico(a) e/ou enfermeiro(a).

    O texto a seguir abordar apenas os objetivos e contedos da primeira visita ao recm-nascido.

    Visitar gestantes e recm-nascidos uma prtica comum em muitos pases. Tal atividade vem crescendo em funo do reconhecimento de que os primeiros anos de vida so determinantes para a sade do ser adulto.

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    Uma reviso de vrios estudos, com a predominncia de estudos norte-americanos, mostra as boas evidncias dos benefcios de visitas durante os perodos pr e ps-natal, com destaque para o trabalho: Ante and post-natal home-visiting programmes: a reviews evidence briefing (NICE apud BULL, 2004; ELKAN et al., 2000). Entre os benefcios, salientam-se os seguintes:

    Desenvolvimento da parentalidade [B];

    Melhoria de alguns problemas de comportamento da criana (segundo os pais) [B];

    Melhoria no desenvolvimento cognitivo de grupos especficos, tais como os prematuros e os recm-nascidos de baixo peso [B];

    Reduo de leses no intencionais [A];

    Melhoria na deteco e no manejo da depresso ps-parto [B];

    Melhoria na prtica da amamentao [A].

    No entanto, identificam-se evidncias inconclusivas em relao ao fato de que a visita domiciliar possa interferir em situaes como abuso, cobertura vacinal ou reduo de hospitalizao, pois os estudos revisados foram considerados pouco claros em relao metodologia da visita domiciliar em si (os profissionais que devem realiz-la, a maneira como deve ser realizada em cada situao e por quanto tempo devem ser realizadas) (ELKAN et al., 2000). Um impacto positivo na reduo da violncia e da negligncia com crianas foi constatado em um estudo realizado nos EUA, em que as visitas domiciliares eram realizadas por enfermeiras, especificamente para mes adolescentes, primparas, solteiras e com baixo nvel socioeconmico (OLDS et al., 1997) [A]. Um estudo realizado no Brasil refora a importncia de se identificar sinais de depresso materna ps-parto, haja vista ter sido identificado um risco maior de desmame nos primeiros 2 meses de vida entre as mes deprimidas (HASSELMANN; WERNECK; SILVA, 2008) [B].

    Em todas as visitas domiciliares, fundamental que o profissional de sade saiba identificar sinais de perigo sade da criana. As crianas menores de 2 meses podem adoecer e morrer em um curto espao de tempo por infeces bacterianas graves. So sinais que indicam a necessidade de encaminhamento da criana ao servio de referncia com urgncia (AMARAL, 2004):

    Recusa alimentar (a criana no consegue beber ou mamar);

    Vmitos importantes (ela vomita tudo o que ingere);

    Convulses ou apneia (a criana fica em torno de 20 segundos sem respirar);

    Frequncia cardaca abaixo de 100bpm;

    Letargia ou inconscincia;

    Respirao rpida (acima de 60mrm);

    Atividade reduzida (a criana movimenta-se menos do que o habitual);

    Febre (37,5C ou mais);

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    Hipotermia (menos do que 35,5C);

    Tiragem subcostal;

    Batimentos de asas do nariz;

    Cianose generalizada ou palidez importante;

    Ictercia visvel abaixo do umbigo ou nas primeiras 24 horas de vida;

    Gemidos;

    Fontanela (moleira) abaulada;

    Secreo purulenta do ouvido;

    Umbigo hiperemiado (hiperemia estendida pele da parede abdominal) e/ou com secreo purulenta (indicando onfalite);

    Pstulas na pele (muitas e extensas);

    Irritabilidade ou dor manipulao.

    Para as crianas maiores de 2 meses, importante observar se a criana no consegue beber ou mamar no peito, se vomita tudo o que ingere, se apresenta convulses ou se est letrgica ou inconsciente (AMARAL, 2004) [D].

    As crianas so frequentemente acometidas por doenas respiratrias e gastrointestinais. Sendo assim, o profissional de sade deve conseguir identificar sinais de maior gravidade dessas doenas. Para a criana com tosse ou dificuldade para respirar, importante verificar se a frequncia respiratria est intensificada (SOCIEDADE..., 2007), se a criana apresenta sibilos (chiado) ou estridor e se apresenta tiragem subcostal (a parede torcica inferior se retrai quando a criana inspira). Para a criana com diarreia, importante identificar sinais de gravidade de desidratao, tais como: letargia, inconscincia, inquietude, irritao, olhos fundos, sinal da prega presente (a prega cutnea retorna lentamente ao estado natural) ou se a criana no consegue mamar ou beber lquidos (AMARAL, 2004).

    Tabela 1 Frequncia respiratria normal, segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS)

    De 0 a 2 meses At 60mrm*

    De 2 a 11 meses At 50mrm

    De 12 meses a 5 anos At 40mrm

    De 6 a 8 anos At 30mrm

    Acima de 8 anos At 20mrm

    Fonte: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA, 2007.

    Legenda:

    * mrm = movimentos respiratrios por minuto.

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    Independentemente do estado de sade da criana, a partir dos depoimentos das mes, da satisfao dos profissionais em realizar esta atividade e das evidncias cientficas, recomenda-se a continuidade da prtica de visitar as crianas e suas famlias alm da primeira semana de vida dos bebs. Enfatiza-se que as visitas devem ser estendidas s gestantes para estimular e auxiliar as mulheres no preparo para receber os bebs, uma vez que alguns desfechos tm fatores que podem ser modificados antes do nascimento. Salienta-se ainda que, na maioria dos estudos que avaliam o impacto de visitas domiciliares (VD) na sade das crianas, as visitas iniciavam-se na gestao e prolongavam-se at os primeiros anos de vida (ELKAN et al., 2000).

    Por fim, os principais objetivos da primeira visita domiciliar ao recm-nascido e sua famlia so os seguintes:

    Observar as relaes familiares;

    Facilitar o acesso ao servio de sade;

    Possibilitar ou fortalecer o vnculo das famlias com as equipes de sade;

    Escutar e oferecer suporte emocional nessa etapa de crise vital da famlia (nascimento de um filho);

    Estimular o desenvolvimento da parentalidade;

    Orientar a famlia sobre os cuidados com o beb;

    Identificar sinais de depresso puerperal;

    Promover o aleitamento materno exclusivo at o 6 ms de vida;

    Prevenir leses no intencionais; e

    Identificar sinais de perigo sade da criana.

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    Referncias

    AMARAL, J. J. F. AIDPI para o ensino mdico: manual de apoio. Braslia: Organizao Pan-Americana da Sade (Opas), 2004. 179p. Disponvel em: . Acesso em: maio 2012.

    BRASIL. Ministrio da Sade. Programa de Agentes Comunitrios de Sade Pacs. Braslia: Editora MS, 2001.

    ELKAN, R. et al. The effectiveness of domiciliary health visiting: a systematic review of international studies and a selective review of the British literature. Health Technology Assessment, Downey, v. 4, n. 13, 2000. Disponvel em: . Acesso em: maio 2012.

    FERRAZ, L.; AERTS, D. O cotidiano de trabalho do agente comunitrio de sade no PSF em Porto Alegre. Cincia & Sade Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 347-355, abr./jun. 2005.

    HASSELMANN, M. H.; WERNECK, G. L.; SILVA, C. V. C. S. Symptoms of postpartum depression and early interruption of exclusive breastfeeding in the first two months of life. Cadernos de Sade Pblica, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 341-352, 2008. Suplemento.

    NICE. Ante and post-natal home-visiting programmes: a reviews evidence briefing 1st edition february 2004. In: BULL, J. et al. Ante and post-natal home-visiting programmes: a reviews evidence briefing. 2004. Disponvel em: . Acesso em: maio 2012.

    OLDS, D. L. et al. Long-term effects of home visitation on maternal life course and child abuse and neglect: fifteen-year follow-up of a randomized trial. JAMA, Chicago, v. 278, n. 8, p.637-643, aug. 1997.

    PORTO ALEGRE. Secretaria Municipal da Sade. Centro de Vigilncia em Sade. Programa Pra--nen. Porto Alegre: SMS, 1997.

    SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria. J. Bras. Pneumol. Braslia, v. 33, 2007, p. 31-60. Suplemento 1. Disponvel em: . Acesso em: maio 2012.

  • A Primeira Consulta do Recm-Nascido 3

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    O que eu mais queria dessa primeira consulta que o mdico a examinasse bem. Queria ter a certeza de que estava tudo bem com ela. Essa consulta no pode ser apressada. Acho importante receber orientao sobre a amamentao. A primeira consulta da minha filha foi muito importante para mim, mesmo no sendo me de primeira viagem (Luciana, 36 anos, me de Marina, 1 ano).

    A possibilidade de acompanhar famlias ao longo do tempo mantm os profissionais da ateno bsica em uma situao privilegiada no reconhecimento de situaes que necessitam ser mais bem entendidas e acompanhadas (STARFIELD, 2002).

    Nos servios de ateno bsica, os profissionais que realizam o pr-natal frequentemente so os que seguiro acompanhando a famlia durante a puericultura da criana. Sendo assim, o vnculo entre a equipe de sade e a famlia do recm-nascido (DEMOTT et al., 2006) [D] para o acompanhamento da criana deve preferencialmente se iniciar pelo menos desde o pr-natal.

    O nascimento de um beb um momento de transio-chave do ciclo de vida da famlia. Por tal razo, muito comum o surgimento de dvidas, inseguranas e questionamentos. A famlia dever reconhecer a equipe de sade como um ponto de apoio para a superao das dificuldades desta etapa (DEMOTT et al., 2006; BRASIL, 2004a) [D], que se constitui na necessidade de adaptao presena de um novo ser no sistema familiar, da representao de novos papis e do realinhamento de relacionamentos (CARTER; MC GOLDRICK, 1989).

    3.1 A poca ideal para a primeira consulta

    A primeira consulta do recm-nascido dever ocorrer na sua primeira semana de vida (BRASIL, 2004a; SOCIEDADE..., 2006) [D], que constitui um momento propcio para estimular e auxiliar a famlia nas dificuldades do aleitamento materno exclusivo, para orientar e realizar imunizaes, para verificar a realizao da triagem neonatal (teste do pezinho) e para estabelecer ou reforar a rede de apoio famlia. A primeira semana de sade integral, preconizada pela publicao Agenda de Compromissos para a Sade Integral da Criana e Reduo da Mortalidade Infantil, editada pelo Ministrio da Sade (BRASIL, 2004a), lembra ainda da importncia da verificao da Caderneta de Sade da Criana, da identificao de riscos e vulnerabilidades ao nascer e da avaliao da sade da purpera.

    Como a primeira consulta da criana pode ser programada pela equipe, possvel adaptar a agenda para o referido momento, adequando o tempo da consulta s suas necessidades inerentes. Por exemplo: o procedimento de reservar dois horrios de consultas normais para a primeira consulta do RN garantiria mais tempo do profissional com a famlia.

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    3.2 O contedo da consulta

    Os cuidados com a sade do beb e sua famlia devem ser sempre individualizados (DEMOTT et al., 2006; BRASIL, 2004a; PORTO ALEGRE, 2004) [D]. No entanto, as recomendaes descritas a seguir so extensivas a todos os recm-nascidos durante a sua primeira consulta.

    So fundamentais a utilizao e o adequado preenchimento da Caderneta de Sade da Criana para o registro das principais informaes de sade da criana (Caderneta de Sade da Criana Passaporte da Cidadania/MS, 2011) (STARFIELD, 2002). Instrumentos como esse so reconhecidos como facilitadores da comunicao entre pais e profissionais (DEMOTT et al., 2006) [C].

    Encontre a Caderneta de Sade da Criana acessando os seguintes links:

    .

    .

    3.2.1 Anamnese

    A partir da anamnese, procura-se avaliar principalmente as condies do nascimento da criana (tipo de parto, local do parto, peso ao nascer, idade gestacional, ndice de Apgar, intercorrncias clnicas na gestao, no parto, no perodo neonatal e nos tratamentos realizados) (DEMOTT et al., 2006; BRASIL, 2004a; PORTO ALEGRE, 2004) [D] e os antecedentes familiares (as condies de sade dos pais e dos irmos, o nmero de gestaes anteriores, o nmero de irmos) (BRASIL, 2004a; PORTO ALEGRE, 2004) [D], muitas vezes j conhecidos pelas equipes de ateno bsica.

    O ndice de Apgar tambm reconhecido popularmente pelos pais como a nota que o beb recebe logo aps nascer no quinto minuto entre 7 e 10 considerado normal. Apgar 4, 5 ou 6 considerado intermedirio e relaciona-se, por exemplo, com prematuridade, medicamentos usados pela me, malformao congnita, o que no significa maior risco para disfuno neurolgica. ndices de 0 a 3 no quinto minuto relacionam-se a maior risco de mortalidade e leve aumento de risco para paralisia cerebral. No entanto, um baixo ndice de Apgar, isoladamente, no prediz disfuno neurolgica tardia (AMERICAN..., 2006) [D].

    3.2.2 Exame fsico completo

    Um exame fsico completo deve ser realizado na primeira consulta de puericultura (BRASIL, 2004a) [D]. consenso que o exame fsico e seus achados devem ser descritos e compartilhados com os pais, como forma de facilitar-lhes a percepo das necessidades do beb (DEMOTT et al., 2006) [D].

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    O quadro a seguir se refere s recomendaes de exame fsico nas primeiras semanas de vida (DEMOTT et al., 2006; PORTO ALEGRE, 2004).

    Quadro 1 Tpicos do exame fsico na primeira consulta do recm-nascido [D]

    Tpicos do exame fsico Aes especficas

    Peso, comprimento e permetro ceflico

    Avalie o comprimento e o permetro ceflico da criana. Avalie o peso em relao ao peso ideal ao nascer. Consideram-se normais tanto uma perda de peso de at 10% ao nascer quanto a sua recuperao at o 15 dia de vida. O permetro ceflico com medidas acima ou abaixo de dois desvios-padro (< -2 ou > +2 escores z) pode estar relacionado a doenas neurolgicas, como microcefalia (de causa gentica ou ambiental) e hidrocefalia, o que exige, portanto, melhor avaliao e encaminhamento (MACCHIAVEMI; BARROS FILHO, 1998).

    Desenvolvimento social e psicoafetivo

    Observe e avalie o relacionamento da me/cuidador e dos familiares com o beb: como respondem s suas manifestaes, como interagem com o beb e se lhe proporcionam situaes variadas de estmulo. Os marcos do desenvolvimento segundo a faixa etria so descritos na subseo 9.2.

    Estado geral Avalie a postura normal do recm-nascido: as extremidades fletidas, as mos fechadas e o rosto, geralmente, dirigido a um dos lados.Observe o padro respiratrio: a presena de anormalidades, como batimentos de asas do nariz, tiragem intercostal ou diafragmtica e sons emitidos.Avalie o estado de viglia do recm-nascido: o estado de alerta, o sono leve ou profundo e o choro.Identifique sinais de desidratao e/ou hipoglicemia: pouca diurese, m ingesto (a criana no consegue mamar ou vomita tudo o que mama), hipoatividade e letargia.A temperatura axilar normal situa-se entre 36,4C e 37,5C e no necessita ser medida rotineiramente em crianas assintomticas, exceto na presena de fatores de risco, como febre materna durante o parto.

    Face Pesquise alguma assimetria, malformao, deformidade ou aparncia sindrmica.

    continua

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    Tpicos do exame fsico Aes especficas

    Pele Observe a presena de: (a) edema (se for generalizado, pense em doena hemoltica perinatal, iatrogenia por uso de coloides ou cristaloides em excesso, insuficincia cardaca, sepse; se for localizado, isso sugere trauma de parto); (b) palidez (sangramento, anemia, vasoconstrio perifrica ou sinal de arlequim palidez em um hemicorpo e eritema do lado oposto, por alterao vasomotora e sem repercusso clnica); (c) cianose (se for generalizada, pense em doenas cardiorrespiratrias graves; se for localizada nas extremidades ou na regio perioral, pense em hipotermia); (d) ictercia. O profissional dever estar mais atento caso a ictercia tenha se iniciado nas primeiras 24 horas ou depois do 7 dia de vida, caso tenha durao maior do que uma semana no recm-nascido a termo, durao maior do que duas semanas no prematuro (CANADIAN..., 2008) e se a tonalidade for amarela com matiz intenso ou se a ictercia se espalha pelo corpo, atingindo pernas e braos. Pesquise a possvel presena de assaduras, pstulas (impetigo) e bolhas palmo-plantares (sfilis). Esclarea a famlia quanto benignidade do eritema txico.

    Crnio Examine as fontanelas: a fontanela anterior mede de 1cm a 4cm, tem forma losangular, fecha-se do 9 ao 18 ms e no deve estar fechada no momento do nascimento. A fontanela posterior triangular, mede cerca de 0,5cm e fecha-se at o segundo ms. No devem estar trgidas, abauladas ou deprimidas. Bossa serossangunea e cefalematomas (mais delimitados do que a bossa e que involuem mais lentamente) desaparecem espontaneamente.

    continuao

    continua

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    Tpicos do exame fsico Aes especficas

    Olhos Reflexo fotomotor: projeta-se um feixe de luz em posio ligeiramente lateral a um olho. A pupila deve se contrair rapidamente. O teste deve ser repetido no outro olho, devendo ser comparado com o primeiro. Avalia basicamente a estrutura antomo-funcional (CANADIAN, 2008).Teste do reflexo vermelho ou Bruckner test (idem): deve ser realizado na penumbra (para a pupila ficar mais dilatada), com o oftalmoscpio colocado aproximadamente de 5cm a 10cm de distncia dos olhos da criana (o importante que o oftalmoscpio ilumine os dois olhos simultaneamente), para se observar o reflexo vermelho nos dois olhos. Se for notado um reflexo diferente entre os olhos ou a presena de opacidade, a criana dever ser avaliada por um oftalmologista com urgncia, pois poder ter problemas como: catarata congnita, retinoblastoma ou retinopatia da prematuridade (GRAZIANO, 2002). importante lembrar que todos os prematuros com 32 semanas ou menos e/ou menores de 1500g devem ser avaliados com dilatao de pupila por oftalmologista na 6 semana de vida e acompanhados de acordo com o quadro clnico, pois o teste do reflexo vermelho detecta retinopatia da prematuridade apenas de grau 5, j com descolamento de retina e prognstico reservado.Conjuntivites: as plpebras podem estar edemaciadas (pela reao ao nitrato de prata a 1%) e a regresso espontnea em 24h a 48h. A presena de secreo purulenta evidencia uma conjuntivite e, principalmente no RN, importante descartar a infeco por gonococo, clamdia e herpesvrus (SOCIEDADE..., 2006). A conduta correta sempre coletar a secreo e solicitar exame bacteriolgico e bacterioscpico. A coleta pode ser feita do fundo de saco, com esptula para swab, e encaminhada ao laboratrio de microbiologia em meio de cultura. Aps a coleta, deve-se iniciar imediatamente o tratamento com colrio (tobramicina ou ofloxacina) e, aps o resultado, deve-se tratar o agravo de acordo com o agente etiolgico. O grande risco a conjuntivite por gonococo, pois a bactria pode penetrar na crnea intacta e causar perfurao ocular em 24h.Estrabismo (ou esotropia) e nistagmo lateral so comuns nesta fase, devendo ser reavaliados posteriormente. Os recm-nascidos podem apresentar eventualmente algum tipo de desvio ocular, pois a viso binocular s estar bem desenvolvida entre 3 e 7 meses. Raramente o estrabismo congnito tem seu diagnstico feito antes dos 6 meses de vida (GRAZIANO, 2002). O exame para o seu diagnstico est descrito no captulo 4. A idade ideal para o encaminhamento a partir dos 4 meses.

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    Tpicos do exame fsico Aes especficas

    Orelhas e audio Oriente a famlia para a realizao da triagem auditiva neonatal universal (Tanu) ou teste da orelhinha. As justificativas para a triagem universal, o teste e as situaes de risco para deficincia auditiva esto descritas no captulo 7. Observe tambm a implantao, o tamanho e a simetria das orelhas.

    Nariz Avalie a forma e a possvel presena de secreo (sfilis).

    Boca Alteraes morfolgicas podem representar dificuldade para a pega durante a amamentao, o que exigir suporte e acompanhamento adequados. Observe a vula, o tamanho da lngua (macroglossia), o palato, o freio lingual e a colorao dos lbios.

    Pescoo Avalie a assimetria facial e a posio viciosa da cabea. O torcicolo congnito tem resoluo espontnea em 90% dos casos. No entanto, nos casos mais persistentes, pode ser necessria correo cirrgica (protelada at os trs anos de idade) (STAHELI, 2008)..

    Trax Avalie a assimetria, pois ela sugere malformaes cardacas, pulmonares, de coluna ou arcabouo costal. Apalpe as clavculas, para avaliar se h fraturas que poderiam acarretar diminuio ou ausncia de movimentos do brao. A fratura de clavcula manejada simplesmente prendendo-se o brao ao trax, para proporcionar conforto ao beb (STAHELI, 2008); tem carter benigno e ocorre formao de calo sseo em 2 a 3 semanas. Oriente a famlia para a involuo espontnea de mamas, que podem estar ingurgitadas ou com presena de secreo leitosa (passagem de hormnios maternos). Observe possveis sinais de sofrimento respiratrio (tiragens, retrao xifoidiana, batimentos de asas do nariz, gemidos, estridor). Conte a frequncia cardaca, que normalmente varia entre 120bpm e 160bpm. Observe a possvel presena de cianose, abaulamento pr-cordial, turgncia jugular, ictus cordis e sopros cardacos. Verifique tambm os pulsos.

    continua

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    Tpicos do exame fsico Aes especficas

    Abdome Observe a respirao, que basicamente abdominal e deve estar entre 40mrm e 60mrm. Observe a forma do abdome: se ele estiver dilatado, o achado pode sugerir presena de lquido, distenso gasosa, visceromegalias, obstruo ou perfurao abdominal; se ele estiver escavado, isso pode indicar hrnia diafragmtica. Diagnostique a presena de hrnias inguinal e umbilical. Os casos de hrnia inguinal tm indicao cirrgica imediata, devido ao risco de encarceramento ou estrangulamento. J nos casos de hrnia umbilical, aguarda-se sua regresso espontnea at 12 meses, dependendo do tamanho da hrnia (BEHRMAN; KLI