sarah jane stratford - a guardiã da meia-noite
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Sarah Jane StratfordA Guardi da Meia-Noite
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Meia -Noite
Sarah Jane Stratford
A guardi da
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ABA DA FRENTE:
QQUUAANNDDOO OO MMUUNNDDOO AATTRRAAVVEESSSSAA SSEEUUSS MMOOMMEENNTTOOSS
MMAAIISS TTEENNEEBBRROOSSOOSS,, AA EESSPPEERRAANNAA PPOODDEE FFIICCAARRNNAASS MMOOSS
DDAASS CCRRIIAATTUURRAASS MMAAIISS SSOOMMBBRRIIAASS......
O ano 1938, e o imprio nazista logo comear a se livrar de todos os que
considera impuros ou indesejados.
Um grupo de vampiros londrinos se ope destruio que ocorre no
continente. Os terrveis planos de Hitler os obrigam a tomar uma atitude: enviar
cinco dos mais fortes vampiros a Berlim os milenares para se infiltrar e
destruir a mquina blica dos nazistas.
A bela vampira milenar Brigit explosiva, mas seus poderes especiais sonecessrios para o sucesso da misso. Ela deve reunir toda a sua fora para
suportar a distncia de seu amado Eamon, a quem ela transformou em vampiro
quase oito sculos antes. E ainda que Eamon deseje estar ao de sua amada, a
melhor forma de ajud-la ficar distante, alimentando a profunda ligao
psquica que compartilham e a animando com sua devoo e as doces lembranas
de seu amor.
Mas, enquanto os milenares tentam se infiltrar e sabotar as estratgias de
Hitler, descobrem que os nazistas esto mais preparados do que imaginavam.
Forados a assumir aes mais perigosas, acabam por chamar a ateno de
caadores de vampiros especialmente treinados e leais a Hitler. Exposta, dentro
do territrio inimigo, com oficiais nazistas e caadores em seu encalo, Brigit
precisa tentar uma fuga ousada do continente, protegendo um tesouro, a nica
esperana de salvar a misso.
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CONTRA CAPA:
O amor de Brigit e Eamon passa pelo teste mais difcil de suas vidas. Comopodero ficar separados por tanto tempo? Mas os poderes da bela Brigit so anica esperana para mudar o rumo da histria da humanidade... frente de umgrupo de vampiros, ela enfrenta os nazistas enquanto ultrapassa a barreira dotempo e do espao para manter contato com Eamon. Deixe-se levar por essaaventura cheia de suspense e emoo. Entre no mundo de Brigit e Eamon e torapor eles.
UEm um mundo repleto de detalhes, na poca mais desumana da histria, A Guardi
da Meia-Noite faz os leitores se questionarem o que de fato nos torna humanos.
Marti Noxton, escritor e produtor-executivo de Buffy, a caa-vampiros
Uma estreia surpreendente. Sarah Jane Stratford criou um mundo mgico cheio de
aventuras vampirescas clssicas, mas que se mantm interessante e original.
Alex Kurtzman, corroteirista de Star Trek, Transformers e Fringe
Extremamente criativo... leva-nos de volta aos primeiros meses da Segunda Guerra
Mundial. A Guardi da Meia-Noite sombrio e muito sensual uma mistura viciante de
histria e horror.
Tony Perrottet, autor de Pagan Holiday e Napoleons Privates
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Este um livro de fico. Todos os personagens, organizaes e eventos apresentados
neste romance so frutos da imaginao do autor ou so usados de modo fictcio.
mestre em
Histria Medieval, formada pela University of
York, na Inglaterra. Ela vive em Nova York.
Este seu primeiro romance.
www.sarahjanestratford.com
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A Allie... com agradecimentos eternos.
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Berlim. Meia-noite.
Maro de 1936.
ENTO, KUNZ? VOC ACHA QUE VERDADE?
Bobagem. Contos de fada. Histrias de av.
Mas o Fhrer1 deve acreditar tambm. O homem mais jovem insistiu.
Caso contrrio, para que esses esquadres secretos sobre os quais no devemos
saber nada?
Est criando mais trabalho, no ? Preparando-se para os dias que esto
por vir.
O amigo assentiu com a cabea, mas ainda parecia nervoso. Tinha a sensao
de que estava sendo observado. Pior ainda: tinha a sensao de estar sendo
farejado, at experimentado. A rua estava silenciosa, e certamente ningum ousaria
enfrentar o SS2, se soubessem o que era melhor para eles Mas, mesmo assim... ele
tinha certeza de que algum estava sua espreita.
Kunz acendeu um cigarro. A conversa do companheiro o irritava. Estava
pensando em pedir transferncia para uma patrulha diurna.O barulho de vidro sendo quebrado em um beco prximo fez com que os dois
homens se assustassem, apesar de serem bem-treinados.
Kunz puxou a arma.
Quem est a?
1 Fhrer: governante, dirigente no idioma alemo. Foi assim que Adolf Hitler se denominou e passou a ser
chamado na Alemanha, termo que ficou conhecido para designar o lder mximo do Reich e do partidonazista.2 Schutzstaffel (SS): organizao policial ligada ao partido nazista alemo. (N.T.)
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Nenhuma resposta.
Ele fez um sinal para o companheiro ficar de olho na rua enquanto se
aproximava da viela. O mais jovem assentiu, detestando o fato de estar tremendo,
desejando no ter escutado as histrias, desejando, ainda mais, no acreditar
nelas.
Kunz dobrou a esquina, torcendo para encontrar alguns anarquistas
embriagados, ou talvez alguns judeus espertinhos. Ficou decepcionado quando s
viu uma menina. Estava prestes a repreend-la por ter quebrado alguma coisa, mas
o sorriso brincalho dela o impediu. Ela era muito jovem, talvez tivesse apenas
quinze anos. O cabelo preto e liso ia at os ombros, um corte que tinha sido popular
anos antes. Ele tentou imaginar por que uma menina com roupas to modernas no
usava um penteado com mais estilo.
O que est procurando? ela perguntou, com um sorriso estranhamente
compreensivo. Kunz sentiu o estmago contrair e os ouvidos serem tomados por
um delicioso zumbido. A menina se aproximou, com os olhos brilhando de modo
hipntico. Todos os pensamentos de cuidar de seu posto sumiram.
Ela colocou a mo no rosto dele. O toque era frio, quase lquido. Ele pensouque seu rosto poderia derreter naquela mo pequena. No sabia se estava
inclinado na direo dela ou se a menina o estava atraindo para a frente. Ele
esperava estar no controle.
A poucos centmetros dos lbios dela, ele sentiu um calor contra seus olhos
semicerrados. Levantou um pouco a cabea e viu que os olhos da menina estavam
inchados e vermelhos, brilhando. Tentou gritar, mas a dor lancinante e repentina em
seu rosto transformou o grito em um sussurro. Tentou correr, mas sentiu a carne ser
rasgada de seu crnio. A mo dela havia se transformado em uma garra que o
segurava com fora.
Ela sorriu de novo, e algo parecido com uma grgula apareceu em seu rosto,
crescendo sob a pele. Presas compridas e brilhantes surgiram das gengivas e no
breve momento de lucidez em que percebeu que o companheiro tinha razo, ele
sentiu os dentes perfurarem seu pescoo e comearem a sugar seu sangue.
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O jovem policial estava suando, apesar do frio que fazia. A sensao de estar
sendo observado era muito forte, e ele tinha certeza de que o olhar estava em sua
pele nua, e no no uniforme impecvel, e tentou se controlar para no tentar afast-
lo.
Kunz? Kunz, por que est demorando tanto?
Sua voz estava fraca. Tentou imaginar se estava no meio de uma piada. Sabia
que Kunz no era o nico a pensar que ele era um tolo por acreditar em vampiros, e
seria uma atitude comum a Kunz reunir-se com os outros para rir sua custa. Se
ele demonstrasse muito medo, nunca parariam de perturb-lo.
Ajeitando os ombros, ignorou o estmago embrulhado e dobrou a esquina.
Kunz! O que...
Ele chegou bem a tempo de ver o corpo vazio de Kunz cair na calada como
uma boneca de pano. A vampira sorriu. Havia sangue escorrendo de seus dentes.
Voc parece assustado. Se servir de consolo, ele estava com gosto de
medo. Mas vocs todos so assim. A qualidade da comida alem caiu muito desde
que o Terceiro Reich teve incio.
O policial assustado ergueu a arma.
Vampira! Vampira!
Sim. Voc um bom observador.
Porm ela no havia dito nada. A voz tinha partido de trs dele. Uma mo
esticou-se e entortou a arma dele.
O policial virou-se e viu um vampiro. Um olho vermelho piscou.
Mas vocs... Vocs nunca caam em pares. O jovem disse
automaticamente, repetindo as palavras ditas por sua av.
Os vampiros riram.
nosso aniversrio de namoro. As coisas perderam um pouco a graa,
ento resolvemos procurar um pouco de emoo.
Ao dizer aquelas palavras, o vampiro afundou as presas no pescoo do
policial, dando um gole demorado. Ele se afastou, sentindo o sangue na boca ao
tapar os lbios do rapaz aterrorizado para impedir que ele gritasse.
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O vampiro balanou a cabea como se estivesse arrependido.
Um buqu perfeitamente terrvel. Mas no quero desperdiar nada.
E continuou sua refeio.
A vampira observou, sorrindo, enquanto a vida era sugada dos olhos do
policial. Enquanto ele perdia a conscincia, viu algo estranho nos olhos dela: medo.
Ela no estava mais olhando para ele.
O vampiro soltou o policial e ele caiu com um baque forte que fez com que sua
mandbula se quebrasse.
Gunther. Paloma. Eu no esperava encontr-los em Berlim.
Era um homem bonito, judeu, que confrontava os vampiros. Havia uma estaca
de madeira presa em sua coxa, mostrando que ele era um caador de verdade, um
homem experiente. Os caadores nazistas eram de uma raa muito diferente.
Leon, ns tambm no espervamos v-lo. Gunther, com o rosto
retomando os traos humanos, pareceu verdadeiramente preocupado com o bem-
estar do homem. Aqui no mais seguro para voc, certamente?
Eu e os nazistas fizemos... acordos.
Os vampiros se entreolharam, observando a atitude e o rosto srio do caador,com olhar irritado e envergonhado.
Mas voc pode partir. Paloma insistiu. Ela no conseguia tirar os olhos da
estaca.
Se pensa isso, ento no os conhece.
Leon, Leon, no somos mais seu inimigo. Voc deveria saber disso. O
tom de voz de Gunther estava tranquilo e apaziguador.
Eu sei. Mas vocs no podem ajudar a mim e minha famlia. No o
suficiente. Sinto muito.
Com uma velocidade surpreendente, ele segurou o cabelo de Paloma. A
atitude fez com que os vampiros se assustassem, e eles gemeram, partindo para o
ataque. Leon enfiou a estaca no corao de Paloma, transformando-a em p que
fez engasgar o policial que estava morrendo, enquanto o terrvel uivo de Gunther
fazia seu ouvido doer. Ele tentou engatinhar para longe da briga, mas estava fraco
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demais. Leon segurou os cabelos de Gunther com uma das mos e o apunhalou
com a outra. O p atingiu os olhos do policial.
Leon rapidamente analisou as feridas do rapaz e balanou a cabea.
Eu no o salvaria nem se pudesse. ele murmurou.
Trabalho rpido, Arunfeld. Outro policial, usando uma cruz de ferro bem-
polida, aproximou-se de Leon. E voc disse aos caras que os vampiros mais
velhos davam trabalho.
Leon enfiou os cabelos dos vampiros no bolso, sem olhar para o policial.
Talvez eu os tenha pegado de surpresa.
Ah! Quer dizer que eles pensaram que voc se aliaria a eles e no a ns?
Ou ser que vocs, caadores, no se importam tanto com os vampiros mais
velhos? engraado como vocs se conhecem to bem. Por que no fazem
festas?
Leon sorriu, sabendo que era o que devia fazer.
Bem, o Reich valoriza voc, Arunfeld. Voc fez um bom trabalho treinando
Nachtspeere. Voc e sua esposa, claro. Que grande perda.
O homem que estava morrendo viu os dedos do caador se curvarem, comose desejassem uma arma.
Pediram... a ns... que servssemos nosso pas. Leon disse.
Conhecamos os riscos.
Os olhos do policial brilharam. Era difcil saber se ele estava se divertindo ou
se ficara ofendido.
Deveramos cuidar destes corpos. Leon disse, observando os olhos do
homem que morria se fecharem.
Verdade. Uma perda lastimvel. Mas esse castigo dos vampiros j quase
passado.
O policial partiu na direo do corpo de Kunz enquanto Leon se inclinava sobre
o homem quase morto de o colocava em seu ombro. A ltima coisa que o jovem
policial escutou antes de seu suspiro final foi um sussurro e o incio de uma orao
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que, ele tinha certeza, era a que aqueles judeus malditos diziam a seus mortos.
Soube bem que no era para ele.
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CaptuloTrem de Berlim a Basileia.Agosto de 1940.
HAVIA TRS JOVENS OFICIAIS DA SS NO VAGO-RESTAURANTE, todoscompetindo para comprar uma bebida jovem loira. No sabia ela que um dedo de
lcool antes de dormir fazia muito bem?
Brigit sorriu, tomando o cuidado de no olhar nos olhos de nenhum dos
homens, corando. Mas aqueles sujeitos no eram o problema; o problema era o
outro, levemente superior, passando por eles, fixando nela aquele olhar insistente.
Ela percebera que ele a olhava menos de cinco minutos depois do embarque, e o
olhar tinha sido demorado o suficiente para causar desconforto. Agora, estavam ali
de novo, frios e impassveis.
Seja l o que ele sabe, demais.
A sensao de medo tomou conta dela, mas ela a ignorou e com del icadeza
continuou desvencilhando-se da ateno carinhosa porm insistente dos jovens.
Talvez o sargento simplesmente no gostasse de ver homens flertando com uma
menina irlandesa e tola. Se iam dispor de seu tempo de folga, que fosse com boas
opes alems.
Cavalheiros, por favor, deixem a moa voltar para seu vago. Os senhores
perceberam que ela no quer beber.
A voz dele era baixa, porm autoritria, com um toque de arrogncia. Ele
esboou uma expresso que parecia um sorriso, mas seus olhos no revelaram
nada.
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Os homens olharam para ele afinal, ele era apenas um sargento. Mas
mesmo assim se afastaram um pouco de Brigit para verem sua reao. Ela hesitou,
sem saber como participar daquele jogo. Poderia dizer, talvez, que uma bebida
seria muito agradvel e torcer para o sargento ir embora, pensando apenas que ela
gostava de provocar. Ou podia fingir estar grata por ele e aproveitar a oportunidade
para a solido que estava sentindo. Ela s esperava que ele no a acompanhasse,
e que no suspeitasse de nada, por mais improvvel que isso fosse.
No ofenda nenhum deles. Voc consegue fazer isso.
Ela lanou um largo sorriso.
Est um pouco tarde. Vocs podem me dar licena esta noite, para eu me
despedir?
A doura na voz e o brilho nos olhos mostrou a eles que nem tudo estava
perdido, e que enquanto ela e eles estivessem juntos no trem, as chances eram
grandes.
Eles desejaram um bom descanso a ela de modo efusivo. Se fosse outra
ocasio, ela teria rido.
Ela fez um meneio de cabea de modo levemente agradecido ao sargento deolhar frio e passou por ele, fazendo com que ele simplesmente devolvesse o olhar.
Ele permitiu que ela desse alguns passos antes de segui-la.
Frulein,3ele disse um momento, por favor.
Droga.
Ela no sentiu nada nele que parecesse perigoso, mas havia meses que no
conseguia confiar em seus sentidos. Certamente havia algo nele que indicava que
ela precisava se preocupar. Possivelmente havia sido passado um alerta para que
tomassem cuidado com algum com a mesma descrio que ela. Ou, claro... ela
desejou haver uma maneira de descobrir e de saber exatamente quo detalhado
esse alerta tinha sido.
Ela tentou perceber algum sinal de irritao no rosto dele ao dar um passo
para trs contra a parede do corredor assim que ele se aproximou. Por sorte, ela
3 Moa, senhorita.
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ficou bem diante de um painel. Ele no conseguiria ver o reflexo, no se quisesse
tomar cuidado.
Algum problema?
Ela inclinou a cabea e olhou para ele. A pergunta deveria confundir, ou
mesmo acalmar. Ou, no mnimo, distrair. Mas no pareceu funcionar. No bem o
suficiente, na verdade.
Voc muito jovem, Frulein.
Havia quase certo desdm na afirmao, mas que podia ter diversos sentidos.
Brigit tentou no alterar sua expresso.
Ele sorriu de repente, surpreendendo-a.
Sou o Sargento Maurer. disse com o tom de voz tranquilo, mas os olhos
ainda alertas. Ele a observava com ateno, como se procurasse ver sinal de
presas em sua boca. Ela procurou respirar. Voc deveria ter cuidado, sabe...
viajando assim... sozinha.
No havia como no perceber a nfase naquela palavra, ou o breve sorriso.
Brigit inclinou a cabea, curiosa.
Talvez eu queira dizer desprotegida.O forte desejo de mostrar a ele exatamente como ela era capaz de se defender
surgiu dentro dela.
No se pode sentir desprotegido com tantos policiais a bordo.
Havia apenas meiguice e sinceridade em sua meldica voz, mas Maurer no
parecia feliz nem lisonjeado.
Mas tinha sido enganado?
Ela percebeu que ele queria toc-la, e ela quase desejou que ele a tocasse,
desejou que ele encontrasse uma desculpa para pousar a mo em sua pele. Talvez
ele pensasse melhor, perdesse a coragem, recuasse. Talvez pensasse estar
errado. Poderia no ser o que ele esperava que fosse. O arrepio do corpo dela no
era o frio da mitologia, o frio da morte. Era um tipo de frieza agradvel, e no
totalmente no humana. Para tocar, ou ainda melhor, ser tocado por Brigit, era
como afundar a mo em uma tigela de creme de leite. Um homem podia adorar e se
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envolver naquela doura. No desejaria sair dali. Era um toque que ela podia
controlar, mas por mais frio que fosse, era tambm calmo. Uma promessa, uma
ideia de conforto, por mais ilusria que fosse.
Ele no a tocou. Em vez disso, fez um movimento com a cabea, indicand o
que ela deveria continuar andando. Com as mos nas costas, ele a acompanhou
at a porta de seu vago. Ela se virou para ele, com um sorriso iluminando o rosto.
Adoraria mostrar meu outro sorriso. Aquele que deixaria seu rosto plido e que
causaria um grito antes que eu pudesse me aproximar e...
Estamos em pocas perigosas, Frulein. Uma moa como voc deve ser
cuidadosa.
Brigit jogou os cachos loiros para trs e olhou para ele com as sobrancelhas
arqueadasa aventureira confiante de dezessete anos, aproveitando a viagem de
volta para casa.
Obrigada, posso cuidar de mim.
Ainda educada, at simptica. Ainda agindo com extremo cuidado.
Ela escorregou a porta do vago para fech-la e se recostou nela, escutando o
ritmo constante dos passos dele ao caminhar pelo corredor.
E pensamos que isto seria fcil demais.
No era nada fcil, tendo tantas minas das quais desviar. Mesmo sem querer,
ela causava escrnio e inveja nos outros viajando em um vago sozinha, vestindo
roupas caras e sob medida, possuindo tamanha beleza. Ela parecia uma moa rica
e arrogante, abusando de excessos. Nem mesmo o fato de ser irlandesa ajudava.
Ela era um mistrio em muitos aspectos.
Ela olhou ao redor no vago escuro e silencioso, observando se tudo estava
nos devidos lugares, vendo se o casaco azul ainda estava pendurado acima do
espelho. Havia algo nas dependncias eficientes e lustrosas do trem que a deixava
irritada, apesar dos diversos confortos. O dinheiro entregue a Reichsbahn4, a
certeza da superioridade dos trens deles, tudo parecia indicativo da ideia arbitrria
que a levara at ali, observando, esperando, pensando.
4 Empresa estatal que controlava as ferrovias na Alemanha. (N. T.)
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Os trens ingleses so mais quentes, independentemente do que digam.
Ela no costumava falar sozinha, mas o som de seu verdadeiro e
repentinamente admirado sotaque britnico serviu de leve conforto. Era a nica
coisa prxima a ela que ainda era familiar. E, assim, ela se sentia menos sozinha.
Quase ficou admirada com a velocidade com que seu mundo havia mudado e se
despedaado. Dois dias. Uma coisinha de nada. Ou dois dias, nove meses e um
ano, para ser mais exata. De qualquer modo, o tamanho da mudana era mais fcil
de suportar quando misturado ao medo.
No, despedaado, no, no justo.
Seu mundo real,seu mundo total, estava esperando-a, e ela conseguia senti-lo.
Eamon.
O querido nome ecoou em sua mente, e ela no ousou nem mesmo sussurr-
lo. Tinha de manter o controle.
Os olhos evitaram o compartimento acima de sua cabea, onde a carga
preciosa e voltil que levava estava guardada. Verificou a porta de novo para ter
certeza de que estava trancada. No que aquilo fosse um tipo de segurana, mas
at mesmo as iluses eram bem-vindas naquele momento.Brigit sentou ao lado da janela e tirou os sapatos. Esfregando os ps, ela abriu
a cortina apenas o suficiente para olhar para fora. Concentrou-se em afastar os
pensamentos e admirar a paisagem rural noite. Seus olhos bem-treinados
conseguiam discernir a beleza em toda aquela escurido.
curioso ver quanta luz pode existir na escurido quando se sabe para onde e
como olhar.
Curioso foi tambm o fato de ela ter se surpreendido com a prpria surpresa.
Se havia algo que sabia bem, era a rapidez com que um grupo de homens
conseguia destruir outro. Ela e toda a sua espcie sobreviveram em meio
destruio. Alm disso, ela prpria havia causado muita destruio, e no havia
como negar.
No era a primeira vez em que seu tapete havia sido puxado, mas dessa vez
era diferente.
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Agora no sou s eu.
Nem estava terminado. Nunca em sua longa vida ela estivera diante de um
perigo to grande, uma situao na qual grande parte de sua fora e de suas
habilidades teria de ser canalizada de uma maneira no satisfatria, no mnimo. E
se fracassasse...
No posso falhar. Imitarei a atitude do tigre, aguar o olfato, conseguir o
sangue. No existe outra escolha.
Ela repetiu em voz alta, tentando assegurar-se. Ela se lanaria a isso,
esperando o melhor.
De Berlim a Basileia, na fronteira sua; passando pela Sua, e pela Frana de
Vichy5e at Bilbao; um barco para a Irlanda; um barco para o Pas de Gales, um
trem para casa. Ela ordenou na mente as etapas de sua viagem como domins. Era
mais fcil aplicar a lgica fria aos afazeres do que pensar nos detalhes como a
extenso da viagem, as muitas horas de luz do dia que durava o vero europeu, os
atrasos caractersticos das viagens em tempo de guerra, por mais determinados
que estivessem os novos governantes para manter as coisas em um estado normal
e eficiente, e a presena de guardas armados por todo trem.Se ao menos ela soubesse que ele sabia. O que poderia entregar sua
condio? Ela parecia respirar, corar, os cabelos brilhavam e os olhos tambm. E
ele no era um caador; no era treinado na fina arte de detectar. No era capaz de
discernir a pele, o toque, o sussurro.
E preciso ser um de ns para conseguir ler a histria em nossos olhos.
Histria. Histria confusa, irritante. Lies aprendidas sem parar, nunca
aprendidas de fato.
Ainda assim. No terminou. Nada terminou.
A dois vages de distncia, ela pde escutar o clique-clique rtmico das botas e
suas passadas. Controlou a grande impacincia, a raiva pela ousadia nazista.
Como se atreviam a patrulhar os corredores a noite toda, como se o trem fosse um
5 Durante a ocupao alem (1940-1944) parte da Frana foi controlada pela Alemanha e o restante, com
capital em Vichy, era administrado pelo governo francs liderado por Henri Philippe Ptain. (N. E.)
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prisioneiro. Ela sups que eles se gabavam por estar oferecendo conforto e
segurana para os passageiros ligeiramente intranquilos. Eles que, quela altura da
viagem, eram quase todos alemes, aproveitando a certeza confortante do poder da
noo e da justificativa absoluta para a violncia e desespero que estavam infligindo
aos vizinhos fracos e insolentes. Entretanto por mais seguros que estivessem diante
da guerra, todo cuidado era pouco. Alm disso, aquela marcha constante dava aos
soldados uma sensao de importncia. Seus irmos estavam controlando a
Polnia, haviam derrubado a Frana e agora estavam dominando a Inglaterra.
Logo, eles tambm teriam mais domnio do que apenas aquele trem suntuoso. Mas
at ento, tinham de se autoafirmar da maneira que fosse possvel, por isso
patrulhavam.
Irritantes. Brigit chacoalhou a cabea, quase se divertindo com seu
pensamento. Sua grande fora, praticamente intil. O demnio forte que ela tinha
de acalmar e controlar. Sentiu o cheiro de Maurer voltando, com os passos lentos,
mas sem parar, do lado de fora de seu vago. Havia pouco tempo, bem pouco
tempo, um homem como aquele j teria morrido. Naquele momento, ele era um
homem a temer.
Um homem. A se temer. Oh, Eamon, onde estou?
Rpida e silenciosamente, ela vestiu o pijama de seda e se ajeitou na cama
estreita. Talvez eles encontrassem uma desculpa para bater, talvez entrar? Em
nenhum momento ela poderia ser vista fazendo qualquer coisa incomum. Sua
situao j era absurdamente delicada. Ela no podia correr riscos.
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CaptuloTrem de Calais a Colnia.
Novembro de 1938.
OTONIA SEMPRE DISSE QUE CRISE REPENTINA ERA ALGO que no
existia. Como sempre, ela estava certa. Por seis anos os vampiros tinham visto
essa possibilidade se aproximando, porm esperavam que as circunstncias no se
tornariam to ruins. Mas a situao estava pssima. Quase duas semanas antes,
eles realizavam suas atividades noturnas, aproveitavam a vida. Agora, aquele grupo
seleto estava em um trem indo para Berlim por Colnia. Independentemente do que
Otonia dizia, parecia repentino. fcil para ela falar mesmo. Ainda est na Inglaterra.
Os cinco certamente bastavam. Exceto por Mors, que murmurava de um modo
que Brigit estava comeando a achar spero. Ele estava animado. Mors adorava
ao. Tinha sido ele quem insistira para que tomassem algum tipo de ao em
1916, quando as coisas estavam comeando a ficar bem ruins, e continuou dizendo
anos depois que se eles tivessem se antecipado, teria sido diferente. Brigit
suspeitava de que ele estava certo. Mors era um guerreiro experiente. Gostava de
luta e ter algo pelo que lutar.
Ele piscou para Brigit. Ela sorriu rapidamente e desviou o olhar, sentindo que
ele continuava a observ-la. Mors era seu melhor amigo, alm de Eamon, e o mais
velho deles.
Meu primeiro amigo de verdade.
Ele era exagerado, mas indiscutivelmente poderoso, e ela estava feliz por ter acompanhia dele na misso.
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No que houvesse qualquer questo de sua participao; na verdade, ele era o
lder de fato, apesar de algumas pessoas no tribunal questionarem a coernc ia
daquilo, temendo que ele pudesse ser reconhecido. Era um dos mais lendrios de
todos, com mais de duzentos anos de idade, com a cabea raspada e brincos (os
quais ele havia, pelo menos, removido temporariamente), ele era diferente. Mas
forte. Muito, muito forte. Conseguia se mover como um raio. Sua esperteza e
capacidade de seduo eram a base da atrao vampira. Era um mestre do caos
controlado. Eles conseguiriam fazer aquilo, pois tinham Mors. No que o restante
deles no fosse bom. O pequeno grupo contava com apenas cinco integrantes, mas
a fora combinada deles podiam derrotar um exrcito.
A questo que no isso o que faremos.
Brigit afastou o pensamento da mente como quem espanta um inseto. No era
apenas sua fora fsica que estava em jogo, mas um acmulo de inteligncia e das
habilidades deles. Conhecimento recebido. Isso salvaria o dia.
Devia fazer milnios, claro. Brigit sabia disso, assim como Eamon, assim como
todos eles. A misso precisava daquele nvel de poder. Havia uma nova pele na
qual um vampiro entrava ao atravessar o limiar do milsimo ano de vida imortal.Uma camada extra de imortalidade o envolvia como parafina. Todas as centenas de
milhares de noites formavam uma proteo sob sua pele, envolvendo todos os
rgos e todas as veias para matar um milenar, e poucos caadores conheciam a
frmula. Poucos nem sequer acreditavam na atrao de criaturas to antigas.
Parecia inacreditvel demais para ser verdade.
Eles no compreendem. Sempre pensam que preciso ter fora, seduo e o
ataque. Eles tm conhecimento de nossos amores, mas acreditam que se trata de
atrao sem fim, apenas. No conhecem nada sobre nossa vida real.
Para viver mil anos, no bastavam apenas comer bem e evitar estacas e facas
de caadores, ou acidentes envolvendo fogo e planejamento ruim. Era preciso
cultivar uma forte motivao para viver. Nossos interesses se mantinham
constantemente desafiadores, desenvolviam a mente. E havia o amor. Amor puro,
profundo, de abalar as estruturas. Ele duplica o poder. A alquimia de tudo isso
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criava algo prximo de um vampiro onipotente. O mundo dos seres humanos
costumava ignorar a existncia deles. O medo seria gigantesco.
Mas significava que Eamon no poderia se unir a eles. Nem mesmo Padraic de
Cleland. Ao lado dela, Cleland estava olhando pela janela com ar de determinao.
Com a mo apoiada na coxa, ele tamborilava os dedos. Brigit observou o
movimento por alguns momentos, hipnotizada, e ento voltou a se concentrar no
nada. Cleland era considerado um exemplo de tragdia no mundo dos vampiros,
uma descrio considerada ainda mais merecida porque ele no se importava com
ela. Ele havia sobrevivido perda do grande amor tanto como ser humano quanto
como vampiro, e agora, com pouco mais de cem anos em um novo relacionamento,
estava recebendo a ordem de deix-lo, sem saber por quanto tempo.
No por muito tempo, eles haviam decidido. Os nazistas eram arrogantes, e
essa fraqueza eles poderiam explorar com facilidade. Eles eram bem-preparados na
arrogncia humana. Um pouco de elogios cuidadosos e comentrios bem-
colocados permitiriam que eles se infiltrassem no grupo sem problemas. Os homens
se tornariam oficiais, e as mulheres tomariam seus objetos, eles espalhariam
sementes de discrdia, confuso e caos. Quebrariam a estrutura do grupo pordentro, e os nazistas no saberiam o que os havia atingido.
Mas Brigit tinha dvidas a respeito de Meaghan. Ela no era muito adequada
para aquele tipo de coisa. Ela olhou para Meaghan, que estava do outro lado, como
sempre agarrada a seu parceiro, Swefred. Eles eram milenares improvveis.
Consequentemente, eram vampiros improvveis. Poucos vampiros se encaixavam
na descrio feita pelos seres humanos, mas algo que todos tinham dentro de si era
um demnio. E apesar de cada demnio ser um pouco diferente, era da mesma
matria infernal. Era o que dava a eles disposio e entusiasmo. Fazia com que
ficassem famintos. Tanto Swefred como Meaghan eram calados, retrados at, e
bem mal-humorados. Swefred, pelo menos, tinha um ar elegantealguma coisa no
erguer de sua sobrancelha e em seu nariz levemente torto que o tornava
interessante e fazia com que se tornasse atraente. Mas Meaghan, quando no
estava calada, reclamava e agia de modo petulante. Brigit nunca gostara de
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nenhum dos dois. Todos no tribunal se davam bem, maneira dos vampiros, e
Otonia insistia para que isso ocorresse, mas em casa era fcil evitar Meaghan. Mas
ali estava ela, bem frente de Brigit. Eles estavam viajando havia apenas duas
noites, e Brigit j se sentia impaciente. No ajudava muito o fato de Swefred e
Meaghan estarem to prximos e to carinhosos um com o outro. No importava
que eles tivessem de trabalhar separadamente quando chegassem, pois Brigit
gostaria que Otonia houvesse determinado que eles no deveriam se tocar em
pblico.
Era como levar um tapa na cara ficar observando os dois.
Bem, espero que ela saiba o que est fazendo.
No havia muitas opes. Otonia no podia deixar o tribunal e parecia grega.
Leonora parecia judia. E Rama era totalmente egpcia. No havia outros milenares
na Inglaterra. No havia nem mesmo outros deles na Europa, desde a ltima
guerra. Ento restava Meaghan.
Ela era bonita, com certeza, com seu cabelo ruivo e enormes olhos verdes de
gato. Mas parecia frgil. Brigit acreditava que os nazistas se interessavam mais por
mulheres que demonstravam sade, exuberncia e potencial. Por outro lado, Brigittinha de admitir que talvez Meaghan fosse a nica entre eles que menos chances
teria de levantar suspeitas de que era uma vampira. E isso era bom.
Especialmente vantajoso tambm era o fato de os nazistas acreditarem que a
Alemanha, e talvez o continente todo, estava livre de vampiros. Eles nunca
pensariam que um grupo de vampiros pudesse ter o objetivo de causar a destruio
deles. A guarda deles estaria abaixada. Mas o que tinham conseguido j deixava
Brigit preocupada.
Os vampiros que haviam procurado refgio na Inglaterra estavam com medo.
Um vampiro deveria se preocupar com os caadores, mas erra errado ter medo dos
seres humanos. Isso atrapalhava a ordem das coisas. A Europa havia se tornado
perigosa, estranha. Proibida.
Cleland defendia ficar longe de lugares problemticos. Na ltima reunio, ele
perguntara a Otonia: E voc acha querealmente deveria fazer isso?
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1919, foi a resposta dada por ela.
Sim. 1919. Ningum podia acusar aquele annus horribilis de ser uma crise
repentina. Os vampiros tinham visto o mundo dos seres humanos ruir muitas vezes.
E por mais que gostassem do elixir que era o caos humano, com os demnios
internos muito atrados, havia certo caos exagerado. A passagem da Guerra
Mundial havia trazido mais destruio do que os caadores poderiam causar.
Aquela guerra havia prejudicado o estoque de comida dos vampiros, e teria
repercusses em toda a gerao de seres humanos; de modo que pela primeira vez
desde aqueles anos terrveis depois da peste negra, houve fome entre os vampiros,
o que inevitavelmente acarretou em conflitos, e depois outra grande e vergonhosa
guerra entre vampiros. O pequeno quadro de milenares do continente havia tentado
acabar com a guerra, e foram impedidos, para a surpresa do tribunal britnico. Se
uma coisa dessas havia acontecido uma vez, poderia acontecer de novo.
O mundo dos seres humanos tinha se recuperado e at mesmo os problemas
econmicos no pareciam impossveis de superar, mas a ascenso de Hitler irritava
os vampiros. Eles suspeitavam que se preocupavam de modo mais intenso do que
os governos de seres humanos sobre como lidar com a tirania cada vez maior que
parecia almejar a aniquilao total. Ento, dez dias antes, ocorrera a Noite dos
Cristais6e o fim da discusso.
Otonia, que tinha visto a perdio da civilizao humana tantas vezes, viu o
vidro quebrado como um preldio dos corpos despedaados. Decidiu que Mors
estava certo ao querer intervir antes que outra guerra humana pudesse ocorrer e
mais uma vez atrapalhar a fonte de alimentao deles, e ningum discordou. No
era do feitio dos vampiros se envolver em assuntos dos seres humanos. Aquilo era
diferente. Era a defesa do que os seres humanos e vampiros valorizavamapesar
de os seres humanos no considerarem entre as prprias delcias o status deles
mesmos como alimento necessrio e delicioso. Dessa vez, os vampiros estavam
determinados a se antecipar devastao.
6
Ataque ocorrido contra a populao alem judaica e suas propriedades e negcios em 1938. (N.T.)
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Ningum deseja outra guerra, Otonia disse.
De nenhum tipo.
****Mas eles tinham um outro motivo mais pessoal para dominar e destruir os
nazistas. A princpio, eles no tinham acreditado no que os refugiados estavam
contando a eles. Era absurdo demais. Sim, os seres humanos sempre desejaram
eliminar os vampiros, mas para aqueles que sabiam de sua existncia, ficava claro
que a erradicao era impossvel. Uma meta sublime para um mundo diferente. Os
vampiros podiam ser erradicados. O nmero de seres humanos podia diminuir
gradativamente, o prejuzo que eles causavam seria mnimo, mas no teria como
limpar a Terra deles. Mesmo que todo ser humano do planeta acreditasse neles,
que soubesse que os vampiros estavam entre eles, de nada adiantaria. Talvez
quisesse conhecer o mundo dos pesadelos.
Mas, ainda assim, refugiados tinham vindo da Alemanha, Frana, Blgica,
ustria... e assim por diante. Poucos de cada pas. Alguns estavam to abalados
que no conseguiam aceitar a ideia de segurana, e logo se tornaram vtimas decaadores europeus e at da luz do sol. Com o mundo deles transformado, eles no
mais sabiam quem eram.
Wolfgang, o mais velho, o ltimo sobrevivente do orgulhoso tribunal prussiano,
explicou:
Esses nazistas querem a purificao do sangue. No basta arrancar os
judeus, homossexuais e outros seres humanos de quem eles no gostam da
Alemanha; eles querem erradicar os vampiros tambm. Somos um peso na
sociedade humana e devemos ser expulsos.
Eles no parecem do tipo que acreditaria em vampiros. Mors disse.
Est brincando?Brigit perguntou.Eles so obcecados, megalomanacos
que gostam de inventar histrias. Em que no acreditariam?
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Os nicos que acreditam em ns so os pragmticos que respeitam o reino
das sombras. E a histria. E nem mesmo todos eles conseguem pensar to adiante.
No posso dizer que me importo. Isso deixa a caada mais interessante.
Wolfgang interrompeu os sorrisos deles.
Oh, eles acreditam em ns. Eles conhecem suas lendas. Treinaram um
esquadro especial de caadores. Clandestinos, nem mesmo todos os oficiais da
SS sabem disso. chamado de Nachtspeere.
Lanas da noite? Otonia ficou confusa. Certamente estacas...
Os nazistas gostam da ideia de lanas. E tambm esses caadores. Vocs
nunca viram nada como eles.
No entendo. Otonia disse.
Os Nachtspeere so bem jovens e tolos. No tm mais nada na vida, por
isso so as ferramentas mais valiosas para o Reich. Uma s viso. Disseram a eles
que a cada morte de vampiro, eles traam o caminho para um reino do Cu na
Terra. O maior imprio j visto, porque no tem manchas. Ignorando o resmungo
de Mors, ele prosseguiu. E eles foram ensinados pelos verdadeiros caadores.
E assim conseguiu a ateno total deles. No sei como os nazistas encontraram os verdadeiros. No me
surpreenderia se eles se aliassem a alguns irlandeses, mas tomamos conhecimento
apenas dos caadores continentais. Possivelmente um ou dois deles surgiu e deu
nomes.A maioria no se disps.Mas eles contaram alguns segredos; estabeleceram
a base. Com algumas lies e um governo poderoso por trs deles, esses fanticos
retiraram todos os imortais da Europa.
Eamon se inclinou para a frente.
Como voc sabe de tudo isso? Como pode ter tanta certeza?
Eu quase no sobrevivi a um ataque em minha casa. Nosso tribunal foi
destrudo. Pensei que se tratava de um ataque qualquer vndalos alemes.
Nenhum caador da Prssia usaria tais tticas sem arte. Fui para Berlim. Fui uma
testemunha. Eu... eu peguei um. Um verdadeiro. Eu o torturei at que ele me
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contasse tudo. Wolfgang levantou a cabea ao escutar um sussurro. Foi a
nica maneira que encontrei.
Sua voz falhou. Ulrika, sua nova parceira e a ltima dos vampiros de Berlim,
segurou sua mo. Otonia tocou-lhe no ombro rapidamente, em seguida ficou em p
e observou o tribunal todo.
Ento temos um inimigo de verdade.
Um inimigo que teve a sorte de no se meter com os milenares. Brigit
disse.
Podemos ajeitar isso. Mors sorriu.
****
Eles haviam comeado a entender o que os fugitivos quiseram dizer quando o
barco atracou em Calais. Havia uma criana que nada tinha que ver com uma noite
nebulosa de novembro. Meaghan sussurrou algo que apenas Swefred conseguiu
escutar, e ele a abraou e sussurrou emseu ouvido. Os outros trs se ocuparam
em comprar as passagens de trem. Queriam prosseguir a viagem rapidamente.
A Frana parecia um local cheio de precaues. Atento. Apreensivo. Mas no
o bastante, Brigit pensou. Ainda havia muita alegria. E um tipo de f que ela no
conseguia entender, um tipo de variao da certeza de que sempre as coisas
ficariam bem, porque era assim que sempre ficavam. Exceto quando no ficavam.
Acredito que deveramos agradecer pela constncia.
Ao passar pelos campos do interior, Brigit comeou a sentir algo ainda mais
irritante. Muitas daquelas pessoas sabiam, ou suspeitavam, de que os caadoresnazistas que agiam disfarados estavam expulsando os vampiros da Frana. Eles
aprovaram isso, gostaram disso. Uma Frana sem vampiros tinha sido o ideal
durante sculos e agora tinha se tornado realidade sem peso para os franceses.
Muitos tentaram imaginar quais outros benefcios os nazistas podiam trazer,
contanto que no houvesse muita comoo.
Irritada, Brigit foi para os fundos do trem onde Mors estava sozinho, recostado
ao porto de ferro forjado, observando a Inglaterra desaparecer em meio nvoa.
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Ele sorriu para Brigit. Ela sempre se divertia e se acanhava ao perceber que
ele sabia exatamente o que ela estava pensando, e naquele momento no era
diferente.
Bem, talvez eles no estejam to errados. O que fazemos por eles na
verdade?
Damos a eles elementos com os quais eles podem assustar seus filhos para
que se comportem.
E pesadelos, no se esquea deles.
Um pouco de terror faz bem a uma pessoa.
Certo. De que outro modo sabemos que estamos vivos?
A risada de Brigit foi interrompida pela viso da torre de uma igreja. De estilo
normando, e acesa com uma luz forte e laranja, ela irradiava certeza e solidez
cidade.
Senti uma leve vontade de fazer dez vampiros, apenas para atrapalhar a
ordem deles.
Mors sorriu do modo mais malvado.
Est se sentindo com energia, no ?E irritada.
Guarde isso. Vai precisar mais tarde.
Ele queria dizer, e ambos sabiam, que ela tinha que tomar cuidado. Brigit tinha
um tipo de fogo que ardia internamente que era uma fera nica, separada do
demnio. Um tempo afastado de Eamon no acalmava essa fera. Ela havia se
mostrado duas vezes na vida, e quase a matara. Mors sabia como proteg-la, mas
eles teriam de trabalhar afastados um do outro todas as noites. Brigit tinha
confiana em seu controle, e na essncia de Eamon que estava sempre com ela.
Estava convencida de que seria o bastante.
****
O odor tomou conta dela como um objeto cortante assim que eles
atravessaram a fronteira da Alemanha. Brigit cerrou os punhos com fora, uma
reao ao ar malcheiroso e tambm ao resmungo de Meaghan.
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Eles tinham de trocar de trem para ir a Berlim. Saindo da plataforma, Brigit
sentiu como se estivesse passando por uma cortina de gua gelada. Ela e Eamon
j tinham viajado a Berlim para ver a estreia de Beethoven com uma nova sinfonia,
e eles tinham se divertido. Havia alimento em excesso talvez, mas encheu bem a
barriga para as noites frias de outono. Havia cafs agradveis nos quais podiam
ficar lendo jornais e saboreando o delicioso caf. Havia certa agitao nas pessoas
que no se via nos franceses, e certamente no nos queridos ingleses, mas no
havia nada que deixasse um vampiro intranquilo.
Aquilo era bem diferente. Tentando se controlar, ela sentiu o cheiro do frio, da
ansiedade, e do que s pde imaginar sendo o cheiro de uma catstrofe iminente.
Era Eamon, e no ela, que sentia as coisas prestes a acontecer, ento ela acreditou
ser apenas uma bobagem. Os outros, depois de torcerem o nariz e estremecerem,
haviam retomado a capa profissional de indiferena. Exceto Mors, que estava
flertando com uma bela jovem. Ela estava corada, mas parecia estar contente em
ser observada.
Boa sorte, meu amigo. O trem parte em dez minutos.
As outras pessoas que esperavam, bem-agasalhadas com seus casacos de
inverno, nada perceberam. Brigit observou todas elas. Apenas civis. Normais.
Cansados, talvez, e impacientes com a espera pelo trem, mas nada de
preocupante. Eram apenas pessoas. Simples, pequenas, comestveis. Mas no
deliciosas. A leve intranquilidade de alguns, o nervosismo de muitos outros, no era
nada fcil de diferir. Brigit lembrou que poderia ser pior. E j tinha sido pior. A
Guerra Civil tinha sido pior. E vrios outros momentos.
Talvez eu simplesmente no me importe com alimentos estrangeiros.
Ela foi at o fim da plataforma e recostou-se no corrimo para ver melhor o
trilho vazio. Em sua mente, ela voltou para Calais, atravessou o canal e foi para
casa, para Eamon.
Sentindo o perigo desse pensamento, ela se virou para o outro lado, para
Berlim, para o refgio que Ulrika havia descrito, e para a tarefa adiante. Fechou os
olhos para reunir sua fora. E ento aconteceu. Como se tivesse olhado para
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dentro, viu a apreenso do demnio. Era algo parecido com medo. Tinha o poder de
se alimentar de medo, apesar de geralmente escolher no fazer isso, preferindo
obter fora na sensualidade e no desejo. Brigit nunca havia pensado que o demnio
podia perder a coragem. Ela decidira ser corajosa. No tinha passado tantos anos
aprendendo a controlar aquela fera interna para permitir que ela tomasse conta em
seu momento de fraqueza. O medo dela alimentaria a fera, e isso ela no permitiria.
A fera e ela voltariam para casa de novo, depois que o trabalho tivesse sido
completado.
Mors havia desaparecido, mas Brigit observou os outros trs, tentando
imaginar se eles tinham dominado seus demnios. Aquilo no era o tipo de coisa
que ela podia perguntar. O demnio era a criatura pessoal de cada vampiro, a parte
interior do ser naquele outro mundo. Eram e no eram eles. No mundo dos seres
humanos, com seus rostos de seres humanos, era como se o demnio no
existisse. No que eles fingissem que ele no existia, mas, sim, que simplesmente
no havia reconhecimento. Eles eram duas criaturas distintas, e nenhuma era
humana.
Brigit apertou as mos contra os olhos, controlando-se. Quando voltou a olharpara a frente, viu um homem observando-a com curiosidade. Ela inclinou a cabea
e sorriu para ele.
Estou com um cisco no olho.
Ah, sim. Inevitvel. Mas as estaes esto muito mais limpas agora, voc
no acha?
Oh, certamente.
Ser que ele pensava aquilo mesmo? A estao no parecia diferente das
estaes francesas e britnicas e era bem menos bonita tambm. No entanto, ela
assentiu educadamente e caminhou at onde estavam os outros. Sua primeira
conversa insincera na Alemanha. Tentou imaginar quantas mais haveria antes que
ela pudesse partir. Ao pensar nisso, quase sorriu, mas foi interrompida pela
chegada barulhenta do trem.
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Mors surgiu atrs dela, assoviando. Ela se virou para ele com olhos
questionadores. Ele piscou.
Tem um palito de dentes?
Sete minutos. Estou impressionada. E as marcas de dentes? Foram
cobertas?
Ele a levou para um canto mais escuro e levantou uma mo uma unha se
esticou e se transformou em uma lmina como uma garra.
Corte no pescoo. Por isso no h luta quando so pegos. No sei por que
os pais no ensinam essas coisas aos filhos.
Ele abriu o casaco o suficiente apenas para mostras Brigit a bolsa da mulher.
Mais uma identidade de que voc vai precisar, provavelmente. Poder
agradecer depois.
Voc delicado. Ento, um crime violento em uma estao de trem
movimentada. Que chocante. E eu pensando que os nazistas haviam se
estabelecido em uma base de lei e ordem.
Escandaloso, no ?
Brigit hesitou e ento teve de perguntar.E o gosto?
Mors tinha comeado a caminhar para perto dos outros. Parou e se virou para
olhar Brigit com certa resignao.
Bem, no viemos aqui por causa da comida.
De fato.
****
O trem era insuportavelmente lento. Brigit esfregou o pulso distraidamente,
depois olhou para a marca rosa que causara.
Rosa. Sua pele ficava rosada sob o toque de mos e dos lbios dele. O
sangue que ficava parado sob sua carne surgia obediente para ele. Ela seguia o
caminho da mo dele subindo por sua perna, por sua coxa. Ele apertava a face
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interna da perna na altura do joelho e ela gemia, agarrando os lenis enquanto sua
boca subia.
Mais de seu corpo se abria para ele, para sua lngua insistente. Uma parte de
sua mente queria que ela prestasse mais ateno do que antes, porque aquela
podia ser a ltima vez, a ltima vez em que se perderia em to perfeito xtase. Mas
Brigit no queria pensar nessas coisas. A boca de Eamon agora subia por sua
barriga, tomando seu mamilo esquerdo. Seus olhos, intensos e sensuais, olhavam
para cima para ver o desejo no rosto dela. Era um olhar e um gesto que sempre a
deixavam mais excitada, e ela gemia sentindo a dor do querer mais.
E havia mais. E mais. E ela no se importava com o que as pessoas pudessem
pensarno ia lavar o cheiro dele de seu cabelo antes da viagem. Mas ela ainda
no ia partir. Ainda no. Segurou o rosto dele e concentrou -se na textura de sua
pele, no brilho de seus olhos, no desenho de sua boca. Ela o absorvera no
momento em que o conhecera, mas queria memorizar seu rosto de novo. Mesmo
por entre as lgrimas que no deixavam de marejar seus olhos.
Eamon. Meu Eamon. Meu amado.
Ela acordou de repente, tentando lembrar se tinha dito aquilo em voz alta. Mas
apenas Mors estava olhando para ela. Brigit desviou o olhar dele e afastou os
pensamentos do sonho. Era mais fcil pensar em Mors. Mors era muito diferente
dos outros. Quase todos tinham sido seres humanos belos e jovens, bem jovens.
Poucos tinham mais de vinte e cinco quando transformados, porque a maioria dos
escolhidos, tanto homens como mulheres, eram virginais e relativamente
inalterados pela vida.
Acreditava-se que Mors tinha quarenta anos. Talvez fosse mais velho, talvez
mais jovem, era difcil dizer. Certamente tinha sido um soldado. Um general
romano, acreditavam com um pouco de certeza. A maneira de empunhar uma
espada, ou mesmo um par de espadas, era aterrorizante por seu poder e
habilidade. Em momentos ocasionais de intranquilidade, ele procurava caadores
com os quais brigar e desdenhava deles com a risada exagerada e fcil. Sua
histria no era conhecida, mas todos desejavam conhec-la.
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De qualquer modo, o rosto demonstrava certa idade. E isso, na opinio de
Brigit, fazia com que sua proximidade com quatro pessoas que tinham metade de
sua idade parecesse estranha. Por outro lado, ele cobria a careca com um chapu
de feltro que usava inclinado e tinha uma maneira de vestir o sobretudo que fazia
com que ele parecesse arrogante mesmo quando estava sentado em seu assento.
Na verdade, longe de parecer bem mais velho do que os outros, ele simplesmente
parecia ladino, poderoso, um homem que naturalmente atraa seguidores.
Swefred e Meaghan existiam separadamente do grupo, Mors claramente no
tinha interesse neles assim como eles no tinham nele, mas o que Brigit e Cleland
podiam representar para aquele homem mais velho, com sobrancelhas
ironicamente franzidas e arqueadas, e lbios que esboavam um sorriso, era outra
histria. Uma histria que despertava o interesse de observadores dispostos a
especular.
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A parada deles seria a prxima, e Brigit estava impaciente. Quanto antes eles
se estabelecessem, mais cedo eles poderiam comear. As instrues detalhadas deUlrika para chegar ao local abandonado eram lembradas e ela se sentia agradecida
por elas serem complexas, e por estar cansada e faminta. Significa que no havia
capacidade para pensar no que Eamon podia estar fazendo naquele momento.
A distrao ocorreu na forma de um odor que chamou a ateno. Um jovem,
meigo e sedutor, passou por eles no caminho para o banheiro. As cinco pessoas se
voltaram para ele, intrigadas. Um espio, Brigit pensou, acreditando que ele era
belga. E tambm um virgem, ou pelo menos pouco experiente. Estava a caminho de
encontrar uma mulher em Berlim. O desejo e a ansiedade ficavam claros nele. Uma
possvel boa refeio entre todos os alimentos sem sabor que eles haviam
encontrado at ento, e ele teria de ser libertado. Mors cantarolou: ser um feriado
loooongo.
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Apesar de ser tarde, a estao estava cheia de pessoas e ningum notou o
atraente e bem-vestido grupo de cinco pessoas que, apesar de se sentarem juntos
no trem, estavam separadas em diversos pontos da estao. Uma das moas foi na
direo do banheiro feminino, a outra para a banca de jornal. Um dos homens
precisava de um aperitivo no bar antes de ir para casa lidar com a esposa
honestamente, era um alvio ter negcios em Paris, e um problema ter de ir para
casa encontrar uma esposa agressiva e filhos que gritavam sem parar. O barman
entendia a situao e eles trocavam histrias. Outro homem pensou em engraxar os
sapatos. O terceiro era um turista e acordou a atendente sonolenta no balco de
informaes para perguntar em um alemo sofrido se podia pegar um nibus para
seu hotel, ou se deveria chamar um txi.
Os guardas de patrulha costumavam perceber as adorveis jovens que
viajavam sozinhas, mas se os guardas em atuao a tivessem questionado
posteriormente, elas teriam jurado que nenhuma mulher havia sado da estao
durante a noite. Nem homens tampouco. Os vampiros sabiam se mover com
rapidez, mantendo-se nas sombras. Apenas um guarda pensou ter visto algo de
canto de olho, mas decidiu que tinha imaginado coisas, ou que tinha sido apenas
uma fasca, ou algo do tipo. Ele nunca teria imaginado que se tratava do broche de
imitao de diamante do chapu de feltro de Meaghan.
Duas horas depois, todos eles chegaram ao refgio. Era uma parte deserta
do U-Bahn7, com a vantagem de nunca ter sido completada, por isso s havia uma
entrada acessvel pelos seres humanos. Com o tempo, os vampiros que haviam
vivido ali tinham cavado um tnel extra que dava na rede de esgoto. Ele era
fechado por uma tampa de concreto de modo que o indivduo teria de ter pelo
menos duzentos anos para aguentar. At as escadas levavam para uma entrada
bloqueada, e ento para um ptio convenientemente abrigado atrs de um aougue
abandonado.
7
Abreviao, em alemo, de linha de metr. (N. T.)
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Brigit ficou surpresa ao ver que, com a mquina de guerra a todo vapor, aquela
propriedade valiosa no estava sendo usada; mas a rea toda era decadente e
localizada nos limites da cidade, fazendo com que no chamasse a ateno de
ningum que quisesse trabalhar, muito menos de quem quisesse viver ali, a menos
que no houvesse outra escolha. Ela conseguia entender por que os vampiros
haviam ficado ali por tanto tempo. Ulrika havia garantido a eles que nem os
Nachtspeere nem os caadores de verdade haviam de aproximadodo refgio.
Os Nachtspeere esto interessados em ao, no em subterfgio. Eles
querem nos pegar enquanto andamos. Com certeza no querem passar muito
tempo pensando.
Brigit ficou convencida. Os nazistas pareciam gostar de convenincia, e o que
podia ser mais conveniente do que encontrar lares de famlias vampiras e
simplesmente lanar bombas sobre elas no meio do dia? Para os caadores
verdadeiros, claro, isso era sem graa e no era correto. Uma ttica usada como
ltimo recurso. No se passava por todo aquele treinamento e se preparava para
brigar e morrer apenas para matar um vampiro sem nem olhar para ele, sem
mostrar a face da morte. No era como a guerra. Um caador de vampiro que sepreze vivia essa misso como uma arte. Aqueles nazistas nojentos que ousavam
dizer que eram caadores no estavam interessados em arte, os refugiados
deixavam isso bem claro. Mas gostavam de ver os olhos das vtimas antes de
serem aniquiladas.
Malditos. Almas de infelizes chamados de homens.
O local estava tomado pela nvoa, como uma casa abandonada havia muito.
Mesmo quando os vampiros tinham vivido ali, ela no era nem de perto o belo
castelo subterrneo de Londres. Meaghan fungou e pareceu hesitante, mas os
outros comearam a acender uma lareira a carvo na sala principal e espanar as
camas.
No sei vocs, mas eu estou cansado o suficiente para dormir pendurado de
cabea para baixo no teto. Mors disse brincando.
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At Meaghan sorriu ao escutar aquilo. Alguns seres humanos tinham as ideias
mais engraadas. Pessoalmente, Brigit detestava morcegos e se sentia ofendida ao
imaginar que uma pessoa podia pensar que ela tinha afinidade com aqueles seres
nojentos, muito menos ser meio morcego.
Alm disso, seria uma perda de tempo dormir se voc tivesse apenas partes
de si com as quais se acomodar.
Desejando no ter pensado aquilo, Brigit se concentrou em escolher seu
aposento com uma cama de solteiro. Quanto menos espao tivesse para se mexer,
menos perceberia o corpo que no estava com ela. O corpo que havia envolvido o
dela todos os dias por mais de setecentos anos.
Brigit apertou as tmporas com a palma das mos. Engasgou e respirou
profundamente algumas vezes. A lembrana do corpo permitia que a atitude fosse
calmante. Ela secou as mos na saia e estava perfeitamente firme quando voltou
para o cmodo principal, onde Mors havia pedido que eles se reunissem.
Ele havia enchido uma garrafa trmica com o sangue da menina da estao de
trem, e agora o despejava em cinco clices. Sorriu enquanto todos seguravam os
clices, olhando para ele. misso. ele anunciou com um ar solene que assustou a todos.
misso. eles repetiram, e beberam. No era muito saboroso, mas ainda
estava morno e foi satisfatrio. Melhor do que tentar dormir de barriga vazia.
Um pouco mais de animao! Vamos, no to ruim. Logo voltaremos para
casa. Ele olhou fixamente para Brigit e Cleland ao dizer aquilo, com um amplo
sorriso confiante.
Eles assentiram, chegaram at a sorrir, mas evitaram se entreolhar.
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CaptuloLondres.Novembro de 1938.
TODO MUNDO ESTAVA SENDO GENTIL DEMAIS. SURGIAM SUGESTESde peas de teatro e shows e mostras noturnas em museus, alm de todas as
coisas pelas quais ele e Brigit se interessavam. Eamon ficou tocado e agradecido,
mas, por ora, preferia ficar sozinho. Padraic sentia-se da mesma forma. Eamon,
percebendo a responsabilidade dele por ser muito mais velho, perguntou a Padraic
se ele queria assistir a uma palestra sobre cincia no Kings College. Padraic e
Cleland gostavam desse tipo de coisa. Ele sorrira com o convite de Eamon, o
primeiro sorriso que dava em uma semana.
Voc no conseguiria ficar acordado nem dez minutos. Ele sorriu.
Oh, eu no sei. Provavelmente conseguiria ficar acordado meia hora pela
cincia. Mas uma de suas coisas malucas com nmeros faria com que eu sasse.
E ainda dizem que os msicos gostam de matemtica.
No este msico.
Padraic sorriu de novo e assentiu.Obrigado, Eamon. Outro dia, talvez?
Eamon assentiu tambm, e deixou Padraic estudando.
Ele caminhou desconsolado pelo West End. Havia muito nervosismo no ar. Os
londrinos tinham certeza de que a guerra estava para comear, e provavelmente
seria logo. Estavam quase se divertindo forosamente, tanto para afastar a
apreenso como para rir o mximo que pudessem antes de a alegria ser arrancada
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do mundo de novo. Eamon sorriu. Ele gostava da determinao deles, da coragem.
Era o tipo de coisa que fazia com que sentisse orgulho de ser britnico.
Os teatros no o atraram naquela noite. No conseguia imaginar indo a um
show sem Brigit. Eles tinham ido a teatros e a shows juntos por centenas de anos.
Como poderia sentar-se em um teatro, como conseguiria se concentrar em um
show, ou at divertir-se sem Brigit a seu lado? Impensvel.
Ento ele caminhou lentamente at a Charing Cross Road, tentando imaginar
se haveria uma carta esperando na caixa do correio que eles tinham se esforado
tanto para proteger. Eamon sabia que ainda era cedo para que alguma tivesse
chegado. Preferia aproveitar a ansiedade a sentir a tristeza da decepo.
Otonia tambm havia criado uma srie de cdigos que eles podiam usar para se
comunicar por telegramas, mas era algo que seria usado apenas em caso de
emergncia. Para pegar telegramas, tinham de ir ao correio pessoalmente. Otonia
tinha certeza de que eles acabariam conseguindo roubar a prpria mquina de
telegramas, mas, at l, todas as medidas para evitar qualquer suspeita tinham de
ser tomadas.
Dois homens de negcios passaram por Eamon, em direo a um clube.Voc pode dizer o que quiser sobre Hitler, mas no pode negar que ele
um homem de atitude. Imagine como o mercado de aes estaria se Chamberlain8
pudesse lidar com tamanha ao.
Estremecido, creio eu. Pessoalmente, prefiro estabilidade no mercado.
Acredito que vou investir meu dinheiro na construo de barcos. Pode escrever: vou
levantar uma fortuna.
Eu tentaria avies. Gostaria que a guerra comeasse logo, se que vai
acontecer mesmo. tedioso esperar.
Eamon virou-se para olh-los, incrdulo. Muito curioso pensar em dinheiro
quando o custo de uma guerra eram as pessoas. Talvez alguns considerassem
mais fcil no pensar nisso de modo muito profundo. Ele julgava intil esperar
8 Arthur Neville Chamberlain: primeiro-ministro do Reino Unido de 1937 a 1940. Chamberlain defendia um
plano poltico de convivncia pacfica com Hitler. (N. T.)
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compreenso de verdade, apesar de as Leis de Nuremberg9 terem sido impressas e
discutidas com muito dio antes de se tornarem notcia. Todos aprovaram o
Kinderstransport10, mas concordaram que ele deveria ter limites. Apesar das
grandes melhorias, Eamon ficava confuso ao perceber que pouca coisa tinha
mudado na atitude em relao aos judeus na Gr-Bretanha desde que ele se
tornara membro daquela comunidade, cerca de oitocentos anos antes.
Pensando na abrangncia daquele preconceito, ele havia dito a Brigit, na
poca dos massacres russos, que era uma pena os judeus no serem vampiros,
como diziam algumas histrias.
Eles seriam um alvo menos frgil, de qualquer modo.
Mas ainda mortos, como querem aqueles demnios.
Sempre tem um porm, no ? Claro, se a morte vai acontecer de qualquer
jeito, pelo menos como vampiros eles podiam lutar.
Ele sabia que sua lgica estava enturvada, mas aquela no era uma rea na
qual ele conseguia pensar com sua clareza costumeira. Como um vampiro judeu,
transformado na noite do massacre de York, em 1190, ele ainda tinha um lao
tnue com aquela parte da sociedade humana. As pessoas que detestavam osjudeus estavam erradas: os judeus no eram sedentos por sangue e no havia
motivo para relacion-los com o vampirismo, que de qualquer modo era muito mais
antigo do que qualquer religio estabelecida. Mas os judeus eram excelentes
vampiros. O grupo deles era um dos poucos humanos dos quais Otonia sabia que
no tinha qualquer teoria sobre vida aps a morte, de modo que um judeu
praticante, uma vez transformado, sempre manteria um trao de humanidade.
Em uma de suas canes, Eamon descrevia isso como a dor e a delcia de
uma alma parcial. Era como se a alma no conseguisse se desprender totalmente,
mas tivesse de se apegar ao corpo com vida que havia conhecido, dividindo espao
9 Conjunto de leis implementado em 1935 pelo partido nazista que privava de direitos bsicos os judeus
alemes. (N. E.)10
Nome pelo qual ficou conhecida a operao de transporte de crianas judias da Alemanha e da ustria. Em1938, aproximadamente 10 mil crianas foram embarcadas para a Inglaterra, em uma tentativa de fugir da
perseguio nazista. (N. E.)
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com o demnio recm-alojado. O demnio era to poderoso quanto qualquer outro
vampiro, mas esse fragmento de alma dava a um vampiro judeu um tipo de luz
diferente. Eles costumavam ser considerados o nico corao que batia na
comunidade. A misso que tinham no era a das mais fceis, porque, como Brigit
gostava de dizer brincando, Vocs comem tanto quanto todos ns, mas sentem
culpa depois. No era totalmente verdade, pois o que sentiam no passava de uma
leve melancolia, mas era a ideia. Mesmo assim, eles eram amados, respeitados e
eram iguais, e isso costumava ser um grande avano sobre a experincia humana,
indo alm da comunidade judaica, de modo que ficavam preparados para as
provaes da vida de vampiro.
A regra s para milenares fazia sentido, mas irritava mesmo assim. Ele
detestava a ideia de no fazer nada. Eamon era cheio de energia, e gostava de ser
ativo. Havia alguns que se diziam simpatizantes dos nazistas para irritar e provocar,
mas eles eram to inconsequentes que no valiam o esforo. Eamon queria fazer a
diferena.
Pior ainda do que a inutilidade era a sensao do caos iminente. Ele no
conseguia ver o futuro literalmente, mas mesmo na poca em que era um serhumano, quando algo explosivo estava prestes a acontecer, sentia as vibraes,
como alguns animais conseguiam sentir um desastre natural se aproximando. Era
algo que havia nascido com ele e se intensificado com o passar dos sculos.
Ele sentira que a peste estava prxima, no sabendo exatamente o que era,
mas percebia que se tratava de algo para o qual os vampiros tinham de estar
preparados. Ento eles roubaram alguns carneiros e porcos de todos os
fazendeiros da regio a maioria acabaria morrendo e os mantiveram em um
abrigo escondido. No era a soluo perfeita para ningum. O sangue dos animais
no tem os mesmos nutrientes e potncia. Alguns vampiros novos tinham sugerido
a captura de seres humanos. De modo spero, Otonia havia lembrado a eles que tal
sofrimento no era o que os vampiros gostavam de causar. Infligir um pouco de
medo durante a caada, se o vampiro quisesse, era aceitvel e poderia dar um
sabor diferente refeio, mas sequestrar e alimentar-se de um ser humano por
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meses a fio era um ato pelo qual at mesmo um demnio sentiria repulsa. Os
animais no forneciam alimento suficiente, os vampiros tinham de racionar, mas
dessa maneira eles se mantinham vivos. O crculo deles era o nico na Europa que
se mantinha inteiro, e assim o tribunal apenas aumentava sua influncia.
Dessa vez, Eamon ainda no sabia ao certo o que eles deveriam fazer, mas
sentia um peso no peito que indicava que a guerra era, provavelmente, inevitvel.
Isso significava que Brigit e os outros no teriam sucesso, e que estavam se
colocando em perigo quase sem motivo. Isso era o pior sobre os seres humanos.
Sua vontade sempre prevalecia, como se fosse forte o bastante.
No, no. Nunca tentamos isso. S estou chateado porque sinto falta de Brigit.
No h motivo para eles no alcanarem o que todos esperamos, e mais.
Ele abriu um sorriso lentamente.
Aqueles malditos e infelizes da milcia nazista. Eles no sabero o que os
atacou.
****
Apesar do frio, as ruas do Soho estavam cheias. Havia a pressa comum para
tomar algo rpido, beliscar ou at comer um sanduche antes do horrioda pea ou
concerto. As pessoas que estavam ali apenas para jantar, ou que iam a um evento
particular posteriormente e, assim, tinham mais tranquilidade, olhavam para os
desesperados e se divertiam, mesmo que tivessem passado pelo mesmo sufoco na
noite anterior, ou passariam por ele na noite seguinte.
Eamon preferia tomar uma bebida depois de uma apresentao, quando os
prazeres ou horrores podiam ser longamente discutidos. Quanto a comer, bem,
esse era um show parte. Geralmente era prazeroso. Ele comeou a murmurar ao
caminhar, sentindo o cheiro do ar, procurando. Era uma das nicas coisas que ele e
Brigit faziam sozinhos como qualquer vampiro. Caar. Comer. Poucas ocasies
pediam um banquete compartilhado. O aniversrio do rei. O solstcio de inverno.
Mas, para a maioria das refeies, cada um tinha de danar sozinho. A seu prprio
ritmo.
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Literalmente, em seu caso. Brigit sorriu.
Era verdade, mas no era um ritmo comum. No era nem mesmo msica,
mas, sim, um tipo de cdigo. O murmrio de Eamon preenchia o ar como a teia de
uma aranha, espalhando-se em crculos concntricos, tecendo seus fios por becos
escuros at, por fim, prender uma mariposa.
Cerca de meia hora depois, ele sentiu uma vibrao. Ela estava duzentos
metros frente. Eamon sentiu a moa virar a cabea, curiosa, interessada. Ela
cheirava a furtividade. Ele parou de murmurar quando entrou em uma viela e se
recostou em um muro, observando a garota, que agora estava olhando para a porta
dos fundos de um bar sujo. Quando um jovem embriagado saiu, afundando o
chapu na cabea, ela se aproximou, habilidosamente pegando seu relgio de
bolso. Quando tentou pegar a carteira, no entanto, ele a viu.
Saia! Eu no estou interessado. ele disse, crendo que ela era uma
prostituta.
No custa tentar. Ento sorriu.
Ele fez um gesto para afast-la e subiu a rua cambaleando.
Ela levantou o relgio, apertando os olhos ao analis-lo sob a luz fraca.Ainda no so nove. Eamon disse atrs dela.
Ele colocou a mo sobre a boca da moa quando ela se virou, abafando seu
grito de susto. O sorriso gentil e os olhos intensos de Eamon a acalmaram. Mas
aqueles olhos tambm confundiam. Alguma coisa naquele sorriso sugeria que o
homem no era totalmente inocente. Ela gostou daquilo. Talvez gostou de ver como
ele estava bem-vestido. Se conseguisse lev-lo para algum lugar escondido e
distra-lo, talvez conseguisse ir embora com o sustento do ms.
Os sculos de experincia atacando mulheres de reputao duvidosa
possibilitavam a Eamon ler os pensamentos das moas, e sempre se divertia. A
ladrazinha tola, como tantas antes dela, no parecia perceber que era ela que
estava sendo levada a um lugar escondido.
Eles caminharam, e ele manteve a mo sobre a parte baixa das costas dela.
Ela sentiu arrepios descerem pelas pernas. Os olhos dele quase no se desviavam
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do rosto da moa, e ela se sentia sendo absorvida por ele. Nervosa, ela olhou para
os lbios dele, cujo contorno a deixava hipnotizada. Parecia quase certo que o som
desconhecido e sedutor que a havia encantado estava vindo deles, e se eles
conseguiam ser mgicos daquela maneira sem nem ao menos toc-la, a ideia do
contato era sedutora e igualmente insuportvel.
Ela no sabia nem queria saber como eles tinham ido parar em um canto
isolado e escuro. Ela estava gostando de sentir o toque dele, de sentir seu corpo
contra o dele. As mos dele a puxavam para seu corpo. E aquela boca, ah, aquela
boca! Ela no encontrou seus lbios famintos, mas brincavam ao redor de suas
orelhas e mandbula fazendo seus joelhos tremer. Ela sentia o corpo todo
estremecendo.
Houve uma repentina presso em seu pescoo, algo que podia ser dor, mas
ela queria mais, queria o calor do abrao dele para deix -la ainda mais entregue,
desejava que ele envolvesse cada pedao dela em sua maravilhosa boca. Os
dedos dele massagearam sua coluna com firmeza e delicadeza ao mesmo tempo, e
se ela percebesse que o efeito era levar seu sangue para a garganta dele, ainda
assim ela no teria se importado.Eamon tomou cuidado para deitar o corpo vazio, ajeitando a saia da moa
sobre os joelhos, mas a usou para limpar os lbios delicadamente. Ele ficou em p
e sussurroua mesma atitude reflexiva, como muitas vezes antes, a memria do
corpo de como expressar um sinal de arrependimento. O desperdcio de uma vida,
e ainda assim ele tinha de prosseguir com a sua. Um enigma. s vezes havia algo
pequeno que ele podia fazer, uma reparao. Gostava disso. Procurou com cuidado
no casaco da menina.
****
Dez minutos depois, o jovem embriagado estava se esforando para enfiar a
chave na fechadura na casa da famlia. A me abriu a porta franzindo a testa. Mas
ela desfez a carranca e seus olhos se arregalaram quando viu algo inesperado
sobre o ombro do filho. O homem olhou atrs de si, apreensivo. Um homem bem-
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apessoado com um sorriso peculiar estava ajeitando casualmente o relgio de bolso
do filho. Ele o entregou para o jovem surpreso.
Estou generoso esta noite. Mas voc no deveria beber tanto. Vai precisar
de sua fora para a briga que o espera. E, assentindo de modo educado, ele se
foi. O jovem olhou para a me. Sentindo frio de repente, ele entrou.
****
A caminhada por Candem Town foi longa, porm agradvel, e ele subiu a
Malden Road a caminho de Hampstead Heath. Uma pessoa se cansaria
caminhando um quarto do caminho, mas os vampiros gostavam de andar. Almdisso, sempre conseguiam se mover com mais rapidez quando necessrio. Mas
ainda estava cedo, e Eamon queria voltar para casa com calma.
Em Parliament Hill, ele olhou para a cidade, da maneira que ele e Brigit tinham
feito por tantos sculos. Eamon ainda se surpreendia com a maneira com que a
regio tinha se expandido e mudado. Ele adorava as luzes. Havia vida, aventura e
promessa ali.
As luzes em Berlim possivelmenteno so to calorosas.
Alguns vampiros mais novos viam a misso como uma aventura. At mesmo
Mors provavelmente se sentia assim. Eamon pensou. Mors ainda tinha um grande
apetite pelo perigo. Presumia-se que as criaturas da noite ainda se alimentavam do
perigo com a mesma disposio com que se alimentavam do sangue da jugular,
mas isso s persistia pelos cem primeiros anos. Depois, um vampiro fazia a
distino entre perigo e risco. A menos que aquele vampiro fosse Mors, o quenesse caso era muito empolgante.
Eamon tambm adorava o risco, mas com o passar dos sculos ele e Brigit
tinham se tornado menos inclinados a ele. Havia muito mais a se fazer. A vida
eterna abria um leque grande de possibilidades. Como ser humano, a habilidade
natural de Eamon pela msica era algo com que ele e sua famlia nunca poderiam
sonhar em conseguir sustentar, mas como vampiro ele havia aprendido a tocar a
rabeca, depois o violino e uma srie de outros instrumentos, apesar de sua paixo
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ser pelos dois primeiros. Ele gostava de sentir os instrumentos em sua mo e a
maneira com que os arcos passavam pelas cordas. Quando os concertos
comearam a ser populares, ele teve de aprender a tocar piano.
Voc no pode tocar George Formby no violino, no se quiser conseguir a
expresso certa.
Ou acertar a nota. Brigit sorriu.
E apesar de George Gershwin ser bastante divertido para a prtica do violino,
no era a mesma coisa. O piano, sim. Para algumas coisas. Msica e Brigit.
Contanto que ele as tivesse, ele tinha o mundo todo em seu tranquilo corao.
O tribunal se estabeleceu em um castelo abaixo de Hampstead Heath. Otonia
gostava da vista e do ar fresco. Os milenares atuais ficavam impressionados com o
modo eficaz com que ela havia escolhido o local, que era totalmente selvagem na
poca a Kenwood