sarah helena stieven toppor

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO SARAH HELENA STIEVEN TOPPOR A POSSIBILIDADE DE O SUPOSTO PAI PLEITEAR A RESTITUIÇÃO DO VERDADEIRO GENITOR PELO PAGAMENTO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS Florianópolis - SC 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
SARAH HELENA STIEVEN TOPPOR
A POSSIBILIDADE DE O SUPOSTO PAI PLEITEAR A RESTITUIÇÃO DO
VERDADEIRO GENITOR PELO PAGAMENTO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS
Florianópolis - SC
A POSSIBILIDADE DE O SUPOSTO PAI PLEITEAR A RESTITUIÇÃO DO
VERDADEIRO GENITOR PELO PAGAMENTO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS
Trabalho Conclusão do Curso de Graduação apresentado
à banca examinadora da Universidade Federal de Santa
Catarina como requisito parcial para a obtenção do grau
de bacharel em Direito
Florianópolis - SC
2021
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração
Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.
À minha irmã gêmea, Raquel Toppor, por ser
o princípio de todas as alegrias.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Andria e José, por nunca medirem esforços para proporcionar
excelente qualidade de ensino, por todo auxílio e amor e por serem grandes incentivadores tanto
das virtudes intelectuais quanto das virtudes éticas.
À minha irmã gêmea, Raquel, por sempre me apoiar e incentivar.
Ao meu namorado, Hugo, pela cumplicidade e por todo suporte. A vida é mais alegre
ao seu lado.
Às minhas amigas Natália, Thais, Gabriela, Rafaela e Driélly e ao meu amigo Adilson,
por todas as risadas que tornam a vida mais leve e pelas conversas que sempre me incentivam
a ser melhor.
À minha professora orientadora, Renata Raupp Gomes, pela excelência de seu
magistério. Suas aulas despertaram em mim o interesse pelo Direito de Família. Muito obrigada
pela orientação e por todo auxílio na concretização deste trabalho.
À Gabriela Jacinto Barbosa e à Poliana Ribeiro dos Santos, por aceitarem compor a
banca para defesa da Monografia.
Por fim, agradeço a todos os professores, técnicos e servidores da Universidade
Federal de Santa Catarina.
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
(Autorizada pela Portaria 002/2020/PROGRAD)
Aos vinte e três dias do mês de setembro do ano de 2021, às 13 horas e 30 minutos, foi realizada a defesa pública do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no modo virtual, através do link: “_ meet.google.com/zvz-mrao-jvo” intitulado “A possibilidade de o suposto pai pleitear a restituição do verdadeiro genitor pelo pagamento dos alimentos gravídicos”, elaborado pelo(a) acadêmico(a) Sarah Helena Stieven Toppor , matrícula 16207293, composta pelos membros Renata Raupp Gomes, Poliana Ribeiro dos Santos e Gabriela Jacinto Barbosa, abaixo assinados, obteve a aprovação com nota 10 (dez), cumprindo o requisito legal previsto no art. 10 da Resolução nº 09/2004/CES/CNE, regulamentado pela Universidade Federal de Santa Catarina, através da Resolução nº 01/CCGD/CCJ/2014.
(x) Aprovação Integral ( ) Aprovação Condicionada aos seguintes reparos, sob fiscalização do Prof. Orientador
Florianópolis, 23 de setembro de 2021.
________________________________________________ Renata Raupp Gomes (ASSINATURA DIGITAL)
Professora Orientadora
Membro de Banca
Membro de Banca
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
TERMO DE APROVAÇÃO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “A possibilidade de o suposto pai pleitear a restituição do verdadeiro genitor pelo pagamento dos alimentos gravídicos”, elaborado pela acadêmica Sarah Helena Stieven Toppor defendido em 23/09/2021 e aprovado pela Banca Examinadora composta pelos membros abaixo assinados, obteve aprovação com nota 10 (dez), cumprindo o requisito legal previsto no art. 10 da Resolução nº 09/2004/CES/CNE, regulamentado pela Universidade Federal de Santa Catarina, através da Resolução nº 01/CCGD/CCJ/2014.
Florianópolis, 23 de setembro de 2021
________________________________________________ Renata Raupp Gomes Professora Orientadora
________________________________________________ Poliana Ribeiro dos Santos
Centro de Ciências Jurídicas
TERMO DE RESPONSABILIDADE PELO INEDITISMO DO TCC E
ORIENTAÇÃO IDEOLÓGICA
Aluna: Sarah Helena Stieven Toppor RG: 5618798 CPF: 03502661073 Matrícula: 16207293 Título do TCC: A possibilidade de o suposto pai pleitear a restituição do verdadeiro genitor pelo pagamento dos alimentos gravídicos Orientadora: Renata Raupp Gomes
Eu, Sarah Helena Stieven Toppor , acima qualificado(a); venho, pelo presente
termo, assumir integral responsabilidade pela originalidade e conteúdo
ideológico apresentado no TCC de minha autoria, acima referido
Florianópolis, 23 de setembro de 2021.
________________________________________________ SARAH HELENA STIEVEN TOPPOR
RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso propõe-se a analisar as consequências patrimoniais
da não verificação da paternidade, com o intuito de demonstrar a possibilidade de o suposto pai
pleitear a restituição do verdadeiro genitor pelo pagamento dos alimentos gravídicos. Para tanto,
utiliza-se o método dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica e da análise jurisprudencial.
De início, analisa-se a obrigação alimentar, abordando suas classificações e características e o
direito alimentar do nascituro. Em seguida, são estudados os aspectos materiais e processuais
dos alimentos gravídicos. Por fim, são examinadas as consequências patrimoniais da não
verificação da paternidade, expondo a responsabilidade civil da genitora nos casos em que há
má-fé na falsa imputação da paternidade e a possiblidade do suposto pai pleitear danos morais
nessas circunstâncias, a relativização da irrepetibilidade dos alimentos e o direito restituitório
do suposto pai em face do verdadeiro genitor pelo pagamento dos alimentos gravídicos diante
da vedação do enriquecimento sem causa.
Palavras-chave: Obrigação Alimentar. Alimentos Gravídicos. Enriquecimento sem causa.
Restituição.
ABSTRACT
This Course Conclusion Paper aims to analyze the property consequences of not verifying
paternity, in order to demonstrate the possibility of the alleged father claiming restitution from
the true genitor for the payment of gravidic alimony. For this purpose, it was used the deductive
method, throught bibliographical research and jurisprudential analysis. At first, the maintenance
obligation is analyzed, approaching its classifications and characteristics and the food right of
the unborn child. Next, the material and procedural aspects of gravidic alimony are studied.
Finally, the patrimonial consequences of not verifying paternity are examined, exposing the
civil responsibility of the genitor in cases where there is bad faith in the false imputation of
paternity and the possibility of the supposed father claiming moral damages, the relativization
of the irrepeatability of food and the restitutionary right of the supposed father in face of the
true genitor for the payment of child support in face of the prohibition of unjust enrichment.
Keywords: Maintenance obligation. Gravidic alimony. Unjust enrichment. Claim for
restitution.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 9
2 A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E A PROTEÇÃO JURÍDICA AO DIREITO
ALIMENTAR DO NASCITURO ......................................................................................... 11
2.2 ESPÉCIES DE ALIMENTOS ............................................................................... 12
2.2.1 Quanto à natureza ............................................................................................... 12
2.2.2 Quanto à causa jurídica ...................................................................................... 14
2.2.3 Quanto à finalidade ............................................................................................. 15
2.2.4 Quanto ao momento ............................................................................................ 18
2.2.5 Quanto à modalidade .......................................................................................... 18
2.3 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ................................... 19
2.4 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO A ALIMENTOS ....................................... 22
2.5 PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR .......................................... 23
2.6 SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ..................................................... 24
2.7 DIREITO ALIMENTAR DO NASCITURO ........................................................ 25
2.7.1 Teorias sobre o início da personalidade civil .................................................... 26
2.7.2 Dos alimentos do nascituro ................................................................................. 28
3 ALIMENTOS GRAVÍDICOS: ASPECTOS MATERIAIS E
PROCESSUAIS ...................................................................................................................... 30
3.2.2 Indícios ou presunção da paternidade ............................................................... 35
3.2.3 Foro Competente ................................................................................................. 38
3.2.4 Termo inicial ........................................................................................................ 39
3.2.6 A conversão, revisão e extinção dos alimentos gravídicos ............................... 42
3.2.7 A prisão do devedor de alimentos gravídicos .................................................... 44
4 AS CONSEQUÊNCIAS PATRIMONIAIS DA NÃO VERIFICAÇÃO DA
PATERNIDADE DO ALIMENTANTE ............................................................................... 49
DA GENITORA ....................................................................................................................... 49
4.1.1 Direito do alimentante de pleitear danos morais .............................................. 52
4.2 DIREITO DO ALIMENTANTE DE PLEITEAR A RESTITUIÇÃO PELOS
VALORES PAGOS À TÍTULO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS DO PAI BIOLÓGICO DA
CRIANÇA ............................................................................................................................... 55
4.2.2 Enriquecimento sem causa do genitor ............................................................... 56
4.2.3 Direito restituitório .............................................................................................. 60
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como tema a análise das consequências patrimoniais da não
verificação da paternidade. Analisar-se-á a possibilidade de configuração da responsabilidade
civil da genitora nos casos em que há má-fé na imputação de falsa paternidade. No entanto, o
enfoque da pesquisa será a possibilidade de o suposto pai pleitear a restituição do verdadeiro
genitor pelo pagamento dos alimentos gravídicos.
Os alimentos gravídicos decorrem primordialmente do direito à vida, para que o
desenvolvimento saudável do nascituro seja possível. São fixados com base em indícios de
paternidade e consistem nas despesas do período gestacional, da concepção ao parto, incluindo
internações, medicamentos e outras despesas que o juiz considerar pertinentes.
Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos se convertem em pensão
alimentícia. Entretanto, o que se discute são os casos em que a paternidade é negada diante da
realização do exame de DNA. Nessa linha, tem-se a problemática da pesquisa: existe a
possibilidade de o suposto pai pleitear a restituição do verdadeiro genitor pelo pagamento dos
alimentos gravídicos?
O presente trabalho se pautará em pesquisa bibliográfica sobre o tema, seguida de uma
análise jurisprudencial e legislativa e tem como objetivo analisar a possibilidade daquele que
pagou alimentos indevidamente cobrar de quem deveria fornecê-los.
Assim, o estudo foi dividido em três capítulos.
No primeiro, serão apresentadas as espécies de alimentos, suas classificações e as
características da obrigação alimentar, demonstrando seus sujeitos e pressupostos. Em seguida,
será analisado o direito alimentar do nascituro sob a perspectiva das teorias do início da
personalidade civil.
O segundo capítulo versará sobre os aspectos materiais e processuais dos alimentos
gravídicos. Dessa forma, serão apresentados a legitimidade ativa e passiva, os indícios ou
presunção da paternidade, foro competente, termo inicial, o quantum alimentar, a conversão,
revisão e extinção da obrigação alimentar e, por fim, a prisão do devedor de alimentos
gravídicos.
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Por fim, no terceiro e último capítulo, far-se-á a análise das consequências patrimoniais
da não verificação da paternidade. Primeiramente, será apresentada a responsabilidade civil da
genitora nos casos em que há má-fé e a possibilidade do suposto pai pleitear danos morais
nessas circunstâncias. Em seguida, será abordada a relativização da irrepetibilidade dos
alimentos e a possibilidade de o suposto pai pleitear a restituição do verdadeiro genitor pelo
pagamento dos alimentos gravídicos diante da vedação do enriquecimento sem causa.
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2 A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E A PROTEÇÃO JURÍDICA AO DIREITO
ALIMENTAR DO NASCITURO
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
A compreensão da obrigação alimentar depende da análise do conceito dos alimentos
no ordenamento jurídico. Além disso, faz-se necessário explorar a construção doutrinária acerca
do instituto jurídico dos alimentos, abordando o assunto através da perspectiva civil-
constitucional.
O significado jurídico dos alimentos possui uma larga abrangência, uma vez que não
pretendem satisfazer apenas o sustento, mas tudo o que é necessário para uma vida digna, para
que a condição social e moral do alimentando seja mantida (GONÇALVES, 2021). Dessa
forma, inclui vestuário, educação, cultura, lazer, habitação e o que mais for necessário para uma
vida digna.
Acerca do assunto, Maria Berenice Dias (2017, p. 582) expõe que “a expressão
alimento não serve apenas ao controle da fome. Outros itens completam a necessidade humana,
que não alimentam somente o corpo, mas também a alma”.
Em termos legais, o Código Civil não apresenta um conceito preciso de alimentos entre
os artigos 1.694 a 1.710, que tratam do tema. Entretanto, da redação do artigo 1.920 Venosa
(2020) ensina que pode se extrair o conteúdo do termo: “O legado de alimentos abrange o
sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for
menor”.
Além dessa previsão, Dias (2017) trata da perspectiva constitucional ao abordar o
direito a alimentos como princípio da preservação da dignidade. Ainda, assevera o interesse
público no cumprimento da obrigação de prover o sustento uns dos outros que parentes,
cônjuges e companheiros assumem, tendo em vista o seu reconhecimento entre os direitos
sociais:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL,
1988)
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Assim, a solidariedade humana e financeira é o fundamento da obrigação alimentar
(GONÇALVES, 2021). Obrigação esta que tem previsão legal no artigo 1.694 do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. (BRASIL, 2002)
Portanto, além dos laços de parentalidade, os vínculos afetivos também geram o ônus
de garantir a subsistência daqueles que não possuem condições por seus próprios meios. Dessa
forma, prevalece o dever legal de mútuo auxílio.
2.2 ESPÉCIES DE ALIMENTOS
Os alimentos são classificados pela doutrina segundo diversos critérios como natureza,
causa jurídica, finalidade, momento e modalidade. A partir disso, passa-se às classificações.
2.2.1 Quanto à natureza
De acordo com sua natureza, são considerados naturais os alimentos que compreendem
o indispensável à subsistência do alimentando, isto é, suas necessidades básicas de alimentação,
vestuário, habitação, educação e saúde (DIAS, 2017).
Já os alimentos civis são, segundo Gagliano (2014), aqueles que abrangem não apenas
os recursos vitais, mas também os recursos necessários para a manutenção da condição social
do alimentando.
Essa diferenciação é disposta no artigo 1.694 do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e
dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2 o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de
necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. (BRASIL, 2002)
Assim, nota-se que o caput do dispositivo trata dos alimentos civis e, por outro lado,
o §2° aborda os alimentos naturais.
13
Ademais, essa diferenciação encontra-se disposta no artigo 1.704 do Código Civil. O
caput se reporta aos alimentos civis e o parágrafo único aos alimentos necessários ou naturais:
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos,
será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não
tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não
tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro
cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à
sobrevivência.
A discussão sobre a culpa no rompimento da sociedade conjugal refletia na fixação
dos alimentos. O cônjuge considerado culpado só poderia receber os alimentos naturais.
Observa-se, ainda, disposição semelhante no art. 7° da Lei n° 9.278/96: “ Dissolvida a
união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos
conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos”.
Dias (2017, p 585) revela o caráter punitivo da mencionada distinção, uma vez que
trata da culpa do alimentando como forma de limitar o valor do encargo. Com a entrada
em vigor da Emenda Constitucional n. 66/2010, “PEC do divórcio”, foi afastado o instituto da
culpa para o divórcio. Dessa forma, não existe mais a possibilidade de ocorrer o achatamento
do valor dos alimentos por motivo de culpa geradora da situação de necessidade.
O afastamento da culpa também pode ser observado na jurisprudência do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina:
'MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULA' E ALIMENTOS. - PRESCRIÇÃO NA
ORIGEM. RECURSO DA AUTORA. (1) ALIMENTOS.
IMPRESCRITIBILIDADE. DIVÓRCIO ANULADO. STATU QUO ANTE.
SEPARAÇÃO. DEVER DE ASSISTÊNCIA. ART. 1.704 CC/2002. - "O direito de
obter, em juízo a fixação de uma pensão alimentícia pode ser exercido a qualquer
tempo, presentes os requisitos exigidos por lei, não havendo qualquer prazo
prescricional" (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das
Famílias. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010 p. 674). (2) CULPA.
INVESTIGAÇÃO. EC 66/2010. DISCUSSÃO INCABÍVEL. - "[...] ingressar na
subjetividade dos separandos para tentar identificar quem foi que deixou de
amar em primeiro lugar ou porquê deixou de amar certamente não é o papel da
justiça, pois viola o direito à privacidade e à intimidade das partes, mostrando-
se inadequada a interferência do Estado em área tão subjetiva e privada" (TJRS,
AC nº 70021725817, rela. Desa. Maria Berenice Dias, j. em 23-4-2008),
notadamente após a vigência da Emenda Constitucional 66/2010. (3) CAUSA
MADURA. JULGAMENTO. POSSIBILIDADE. - Se o processo estiver em
condições de imediato julgamento, ou seja, se tratando de causa madura, é viável ao
Tribunal, desde logo, decidir o mérito. (4) NECESSIDADES-POSSIBILIDADES.
AFERIÇÃO. ENCARTE SUFICIENTE. ARBITRAMENTO. - "Os alimentos
devidos entre ex-cônjuges/companheiros decorrem do dever de mútua assistência e
são concedidos em razão da necessidade de sobrevivência, quando, cessada a relação
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conjugal, um deles não tiver condições de, ao menos na imediaticidade, prover sua
própria subsistência. 2 É cabível o arbitramento de verba alimentar em favor de um
dos ex-consortes, por ocasião da separação, do divórcio ou da dissolução de união
estável, devendo ser fixada por tempo determinado, para não dar ensejo à inatividade
injustificada do alimentando, ressalvadas as hipóteses de impossibilidade de retorno
ao labor rotineiro, por questões de idade avançada ou doença grave. 3 A quantificação
da verba alimentar deve lastrear-se nas necessidades do alimentando e na
possibilidade do alimentante em provê-la, e a integração desses critérios deve
observar o princípio da proporcionalidade e merece atenta análise das características
que circundam o caso concreto à luz do bom-senso e da justeza". (TJSC, AC n.
0303275-47.2015.8.24.0022, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 13-02-
2017 SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação Cível n. 0110263-46.2007.8.24.0023, da Capital, rel. Henry Petry
Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 05-12-2017) (grifou-se).
Na mesma linha, ensina Venosa (2020, p. 427):
Afasta-se, contudo, a aplicação desses dispositivos com a extirpação da noção de
culpa no término da relação conjugal. Reitere-se que a insistência do legislador em
mencionar culpa na separação conjugal conflitava frontalmente com a doutrina e a
tendência das modernas legislações.
Percebe-se, portanto, que houve revogação tácita dos mencionados dispositivos, no
sentido de que não cabe mais a discussão sobre culpa nas ações de divórcio, devendo ser
analisadas a necessidade, a possibilidade e a proporcionalidade.
2.2.2 Quanto à causa jurídica
Quando classificados quanto à causa jurídica, os alimentos podem ser legítimos,
voluntários ou indenizatórios.
Os legítimos, também denominados de legais, são aqueles impostos por lei em razão
de um vínculo de parentesco (ex iure sanguinis) ou em decorrência do matrimônio (CAHALI,
2013).
Os alimentos voluntários, por sua vez, são instituídos por ato de vontade, sendo
possível que essa declaração seja inter vivos ou causa mortis. Segundo Gonçalves (2021) o
primeiro caso ocorre por meio de contrato, encontrando-se na seara do direito das obrigações;
os que derivam de declaração causa mortis pertencem ao direito das sucessões e são chamados
de testamentários.
A última categoria compreende os indenizatórios, também chamados de ressarcitórios,
os quais o doutrinador considera como os resultantes da prática do ato ilícito, constituindo
forma de indenização do dano ex delicto. Pertencem a seara do direito das obrigações.
15
No que diz respeito à decretação da prisão pelo não pagamento de dívida de alimentos,
Gonçalves (2021, p. 512):
Somente os alimentos legais ou legítimos pertencem ao direito de família. Assim, a
prisão civil pelo não pagamento de dívida de alimentos, permitida na Constituição
Federal (art. 5°, LXVII), somente pode ser decretada no caso dos alimentos previstos
nos arts. 1.566, III e 1.694 e s. do Código Civil, que constituem relação de direito de
família, sendo inadmissível em caso de não pagamento dos alimentos indenizatórios
(responsabilidade civil ex delicto) e dos voluntários (obrigacionais ou testamentários).
Nota-se, a partir dessa distinção, que os alimentos encontram justificativa tanto no
direito de família quanto no direito das obrigações.
2.2.3 Quanto à finalidade
A finalidade dos alimentos delimita a sua subdivisão em: definitivos, provisórios,
provisionais, transitórios e compensatórios.
Os primeiros são os que possuem caráter permanente, oriundos da fixação pelo juiz na
sentença ou em acordo homologado das partes (GONÇALVES, 2021). O caráter permanente
não impossibilita a revisão do quantum fixado, conforme dispõe o artigo 1.699 do Código Civil:
Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de
quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz,
conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
Quanto aos alimentos provisórios, Gonçalves (2021) explica que compreendem os
fixados em despacho na liminar de ação de alimentos pelo procedimento especial que é
regulamentado pela 5.478/1968 e dependem de prova pré-constituída do parentesco, casamento
ou companheirismo. A previsão legal encontra-se no artigo 4° da referida lei:
Art. 4º Ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem
pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita.
Parágrafo único. Se se tratar de alimentos provisórios pedidos pelo cônjuge, casado
pelo regime da comunhão universal de bens, o juiz determinará igualmente que seja
entregue ao credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns,
administrados pelo devedor.
Não se admitia o arbitramento dos alimentos provisórios em ação de separação judicial
pelo rito ordinário, incompatível com o rito especial da Lei n. 5.478?68. No entanto, o artigo
273, §7° do Código de Processo Civil de 1973 passou a autorizar o arbitramento dos alimentos
16
provisórios, incidentalmente, em ação de separação judicial litigiosa. Atualmente, a matéria é
tratada pelo artigo 305, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Já os chamados alimentos provisionais são fixados mediante pedido de tutela
provisória de urgência em outras ações que não as processadas pela Lei de Alimentos
(TARTUCE, 2017). Têm previsão no artigo 1.706 do Código Civil que dispõe: “Os alimentos
provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual”.
Os alimentos transitórios, também chamados de temporários, reconhecidos pela
jurisprudência, resultam do direito do ex-cônjuge hipossuficiente de receber pensão até que
ocorra a sua inserção no mercado de trabalho ou em caso de transcurso de lapso temporal fixado
judicialmente (GONÇALVES, 2021).
Ressalta Anderson Schreiber (2020) o caráter excepcional dos alimentos transitórios e
também sua peculiaridade, uma vez que são fixados com termo final de duração, o que diverge
da característica habitual dos alimentos, que é sua durabilidade.
De outro lado, Dias (2017, p. 624 - 625) demonstra preocupação com relação aos
prazos determinados à pensão alimentar. Em seus dizeres:
A obrigação alimentar persiste enquanto houver necessidade do credor e possibilidade
do devedor. No entanto, ao menos com referência aos alimentos devidos a ex-cônjuge
ou ex-companheiro, passou a jurisprudência fixar, de forma absolutamente aleatória,
prazo determinado à pensão alimentar. Somente circunstâncias excepcionais, como a
incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de
inserção no mercado de trabalho. A justificativa é que, tendo o alimentando
potencialidade para ingressar no mercado de trabalho, não precisa mais do que um
tempo para começar a prover ao próprio sustento. Dita sustentação não tem respaldo
legal. O parâmetro para a fixação dos alimentos é a necessidade, e não há como prever
- a não ser por mero exercício de futurologia - que alguém, a partir de determinada
data, vai conseguir se manter. De qualquer modo, é salutar a fixação de alimentos até
a ultimação da partilha, quando os bens permanecem na posse e administração do
varão.
No entanto, é importante mencionar que a jurisprudência consolidada no Superior
Tribunal de Justiça é no sentido de que a regra é que a fixação dos alimentos entre ex-cônjuges
seja determinada com termo certo. Assim, a manutenção por prazo indeterminado é situação
excepcional, que apenas se justifica nos casos de incapacidade permanente para o trabalho ou
impossibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
No julgamento do Recurso Especial n° 1.608.413/MG, o Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva reafirmou esse entendimento. Tratava-se de um pedido de exoneração da obrigação
alimentar fixada em favor da ex-esposa, que era descontada da folha de pagamento do ex-
17
marido há 20 anos. O pedido foi julgado procedente, mas a decisão foi reformada pelo Tribunal
de Justiça do Estado de Minas Gerais, o qual considerou que a idade de 59 anos, a falta de
experiência e o estado de saúde da ex-esposa justificariam a manutenção da obrigação
alimentar.
Em seu voto, o Ministro considerou que a escolha da ex-mulher de não buscar se inserir
no mercado de trabalho não poderia ser imputada ao ex-marido. Na época da fixação da
obrigação alimentar, a ex-esposa contava com 45 anos, portanto jovem, afirmou o relator. No
que diz respeito ao estado de saúde, entendeu que não se pôde aferir a plena incapacidade da
recorrida para trabalhar. Ainda, sugeriu a possibilidade de a ex-esposa formular pedido de
alimentos a seus parentes mais próximos com base no artigo 1.694 do Código Civil.
Concluiu o Ministro que a ociosidade deve ser repudiada e não incentivada pelo Poder
Judiciário.
Por último, a doutrina e jurisprudência ainda tratam dos alimentos compensatórios.
Dias (2017) entende que o termo mais adequado seria verba ressarcitória, prestação
compensatória ou alimentos indenizatórios. Isso porque o objetivo não é garantir a subsistência,
mas sim corrigir um grave desequilíbrio financeiro. Decorre do dever de mútua assistência
previsto no artigo 1.566, inciso III, do Código Civil e consiste na obrigação do cônjuge ou
companheiro mais afortunado de garantir ao ex-consorte seu reequilíbrio econômico.
Outro doutrinador que ressalta a ausência de caráter alimentar dessa verba ressarcitória
é Rolf Madaleno (2019). O autor explica que o credor pode ter emprego ou trabalho e
rendimento, pois a verba em questão serve para compensar a repentina redução do padrão
socioeconômico do ex-consorte.
Essa forma de pensionamento não obedece, necessariamente, a regra do binômio
necessidade/possibilidade. É o entendimento esposado pelo Ministro Raul Araújo no
julgamento do Recurso Especial n° 1922307/RJ:
Os alimentos compensatórios ou pensão alimentícia compensatória é uma das formas
de compensar o desequilíbrio econômico e financeiro decorrentes do divórcio ou da
dissolução da união estável, independentemente do regime de bens entre eles e essa
forma de pensionamento não está conectada, obrigatoriamente, à clássica regra
necessidade/possibilidade (STJ - REsp: 1922307RJ 2021/0042189-3, Relator:
Ministro Raul Araújo, Data de Publicação: DJ 02/08/2021).
18
Ao tratar da quantificação dessa prestação compensatória, Lôbo (2011) entende que o
juiz deve analisar o tempo de duração do casamento, idade e saúde dos ex-cônjuges, as perdas
de chances profissionais, o patrimônio comum e particular, dentre outros aspectos.
2.2.4 Quanto ao momento
Por este critério, dividem-se em futuros ou pretéritos.
A primeira categoria decorre de uma obrigação que surge em razão de decisão judicial
e tem como marco inicial a citação do devedor. Por outro lado, os pretéritos dizem respeito às
prestações anteriores ao ajuizamento da ação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).
Venosa (2020, p. 408-409) explica que os alimentos pretéritos não são admitidos no
nosso ordenamento jurídico:
Em nosso sistema, não são possíveis alimentos anteriores à citação, por força da Lei
no 5.478/68 (art. 13, § 2o). Se o necessitado bem ou mal sobreviveu até o ajuizamento
da ação, o direito não lhe acoberta o passado. Alimentos decorrentes da lei são
devidos, portanto, ad futurum, e não ad praeteritum. O contrato, a doação e o
testamento podem fixá-los para o passado, contudo, porque nessas hipóteses não há
restrições de ordem pública.
Nesse sentido, Gonçalves alerta que na prática os alimentos pretéritos têm sido
confundidos com prestações pretéritas, que são as fixadas na sentença ou no acordo, estando há
muito vencidas e não cobradas, constituem um crédito como qualquer outro, a ser cobrado pela
forma de execução de quantia certa, na forma dos artigos 913 e 528, §8°, do Código de Processo
Civil.
Os alimentos próprios são aqueles diretamente necessários à manutenção da pessoa,
prestados in natura. De outro modo, os impróprios promovem a aquisição de bens necessários
à subsistência, prestados mediante pecúnia (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).
19
A obrigação alimentar é transmissível, divisível, condicional, recíproca e mutável
(GONÇALVES, 2021).
A transmissibilidade é uma inovação do Código Civil de 2002, uma vez que o de 1916
prescrevia que “a obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor, de
modo que a morte do alimentante era causa extintiva da obrigação''. Entretanto, é importante
ressaltar que isso não comprometia a exigibilidade da dívida preexistente a morte do
alimentante, pois estas entravam na classe das dívidas que oneravam a herança, conforme
ensina Cahali (2013, p. 53):
[...] o que se transmitia (art. 1.796 do CC/1916; art. 1997 do CC/2002) aos herdeiros
não era a obrigação de prestar alimentos propriamente dita, mas a de pagar as
prestações atrasadas; esvaídas estas do caráter de prestação de alimentos,
transfiguradas em dívida comum, que deixou de ser paga no devido tempo, o crédito
do alimentário entrava no passivo da herança como obrigação do espólio, devendo ser
satisfeito pelos herdeiros, exigível como qualquer outro; tanto que, assumindo o
caráter de uma dívida comum, que deixou de ser paga, somente poderia ser cobrada
por ação ordinária, já não mais desfrutando do privilégio próprio da pensão alimentar,
que exigiria solução mais pronta.
O artigo 23 da Lei do Divórcio prevê a transmissibilidade da obrigação alimentar aos
herdeiros do cônjuge devedor. No entanto, foi a partir do Código Civil de 2002 que a
transmissibilidade passou a abranger também os alimentos devidos em razão do parentesco
(GONÇALVES, 2021, p. 519).
O Código Civil de 2002 dispõe, no artigo 1.700: “A obrigação de prestar alimentos
transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”.
Entretanto, Cahali (2013, p. 53) entende que não é o dever legal de alimentos na sua
potencialidade que é transmitido, mas sim na sua atualidade. Isto significa que se transmite a
obrigação de prestar alimentos já estabelecidos, mediante convenção ou decisão judicial,
reconhecidos como de efetiva obrigação do devedor quando verificado seu falecimento e
também quando, ao falecer, já existisse a demanda contra o mesmo.
Nestes termos, o Superior Tribunal de Justiça proferiu o seguinte julgado:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS.
TRANSMISSIBILIDADE DO DEVER JURÍDICO DE ALIMENTAR AO
ESPÓLIO. INEXISTÊNCIA DE ANTERIOR OBRIGAÇÃO DO DE CUJUS.
INVIABILIDADE. OBRIGAÇÃO QUE SE RESTRINGE AOS CRÉDITOS NÃO
20
ADIMPLIDOS EM VIDA PELO FALECIDO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A
Segunda Seção desta Corte Superior, ao enfrentar a questão acerca da
transmissibilidade ao espólio do dever de prestar alimentos a quem o de cujus os
devia, modificou a orientação até então dominante, passando a entender que a
“obrigação, de natureza personalíssima, extingue-se com o óbito do alimentante,
cabendo ao espólio recolher, tão somente, eventuais débitos não quitados pelo
devedor quando em vida. Fica ressalvada a irrepetibilidade das importâncias
percebidas pela alimentada” (Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/
acórdão Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 26/11/2014, DJe de 20/2/2015). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(AgRg no REsp 1311564/MS, de minha relatoria, QUARTA TURMA, julgado em
21/05/2015, DJe 22/06/2015.) Nesse contexto, tratando-se de ação de alimentos
ainda em fase de conhecimento na qual não houve condenação do de cujus ao
pagamento de alimentos, não há que se falar em transmissão do dever jurídico
de prestar alimentos aos herdeiros, em razão do seu caráter personalíssimo e,
portanto, intransmissível. Estando o acórdão em conformidade com a jurisprudência
desta Corte, incide o óbice da Súmula 83/STJ. Diante do exposto, nos termos do art.
255, § 4º, II, do RISTJ, nego provimento ao recurso especial. Publique-se. Brasília
(DF), 10 de março de 2020. MINISTRO RAUL ARAÚJO Relator. (STJ – REsp:
1792371 SE 2019/0017910-0, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de
Publicação: DJ 26/03/2020) (grifou-se).
Ainda no que diz respeito à transmissibilidade, é importante mencionar que a
obrigação do herdeiro tem de estar dentro das forças da herança.
Sobre o tema, vale ressaltar outro aspecto polêmico do artigo 1.700 do Código Civil
de 2002 que é a denominação genérica de “herdeiros”. Assim, a obrigação se estenderia aos
colaterais em quarto grau, na forma do artigo 1.839 do Código Civil de 2002. No entanto, sendo
o alimentando herdeiro do falecido, não subsiste razão para que persista o direito a alimentos
após a morte do autor da herança (VENOSA, 2020).
O Instituto Brasileiro de Direito de Família formulou proposta para que o artigo 1.700
do Código Civil de 2002 passe a ter outra redação, nestes termos: “A obrigação de prestar
alimentos decorrentes do casamento e da união estável transmite-se aos herdeiros do devedor
no limite dos frutos e do quinhão de cada herdeiro”.
Outra característica da obrigação alimentar é a divisibilidade, de acordo com os artigos
1.696 e 1.697, ambos do Código Civil. Isto significa que cada devedor responde por sua quota-
parte, de acordo com sua capacidade econômica, não ocorrendo a solidariedade entre eles
(VENOSA, 2020).
Nesse sentido também se inclina Rizzardo (2011, p. 662), o qual entende que a
divisibilidade decorre da característica de ausência de solidariedade:
A obrigação alimentar, justamente em face da inexistência da solidariedade,
apresenta-se divisível por ser possível o seu pagamento por vários parentes a uma só
pessoa, fixando-se a quota de cada obrigação proporcionalmente à respectiva
capacidade econômica. Estabelece-se uma pluralidade de devedores [...]
21
Assim, ocorre uma modalidade de intervenção de terceiro não prevista no Código de
Processo Civil. Essa ampliação do polo passivo é alvo de críticas pela doutrina devido à
possibilidade do incidente atrasar a decisão e também pelo fato de tratar de matéria que compete
ao direito processual (GONÇALVES, 2021).
A legitimidade para provocar a integração do polo passivo foi discutida no julgamento
do Recurso Especial n° 1.715.438/RS. No caso em análise, a recorrida menor emancipada,
ajuizou ação de alimentos exclusivamente em face do recorrente, seu genitor. O recorrente,
desde a contestação, suscitava a integração da genitora no polo passivo.
A Ministra Nancy Andrighi concluiu que nas hipóteses em que o credor dos alimentos
possui capacidade processual plena, como no caso em exame, visto que a menor era
emancipada, cabe exclusivamente ao credor provocar esse mecanismo processual. Já nos casos
de representação processual do credor, cabe ao devedor provocar a integração do polo passivo
dos demais coobrigados, inclusive o representante do credor e também ao Ministério Público,
quando da ausência de manifestação dos demais legitimados.
Dessa forma, por ter excluído a genitora do polo passivo, a recorrente abdicou da
quota-parte que lhe seria devida pela genitora e, ainda que tacitamente, concordou que os
alimentos que receberia do genitor corresponderia a quota-parte por ele devida.
Gonçalves (2021) ainda aponta que obrigação alimentar é condicional porque sua
eficácia está subordinada a uma condição resolutiva. Somente subsiste enquanto verificar a
existência do binômio necessidade-possibilidade.
A obrigação alimentar também é recíproca, conforme o artigo 1.696 do Código Civil:
“O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.
Assim sendo, há reciprocidade entre os parentes, cônjuges e companheiros quanto ao
direito à prestação de alimentos e a obrigação de prestá-los.
Por fim, a mutabilidade da obrigação alimentar, também chamada de variabilidade, é
a característica que a obrigação alimentar tem de sofrer alterações quando modificados a
necessidade do reclamante e a possibilidade da pessoa obrigada (GONÇALVES, 2021).
A respeito do assunto, dispõe o artigo 1.699 do Código Civil:
22
Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre,
ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as
circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
Conclui-se que, ocorrendo alteração no elemento da necessidade ou possibilidade, a
lei permite a alteração da pensão, mediante ação revisional ou de exoneração.
2.4 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO A ALIMENTOS
Faz-se necessária a compreensão acerca das características básicas dos alimentos. A
doutrina aponta as seguintes características: direito pessoal, impenhorável, intransacionável,
irrenunciável, irrepetível, incompensável, imprescritível, periódico e divisível.
Trata-se de direito personalíssimo, uma vez que visa preservar a vida e assegurar a
existência do alimentando. Por isso, não podem ser objeto de cessão, conforme dispõe o artigo
1.707 do Código Civil que aduz que o crédito a alimentos “é insuscetível de cessão”. Essa
mesma característica torna o direito a alimentos impenhorável, entretanto a impenhorabilidade
não atinge os frutos. O caráter personalíssimo também afasta a possibilidade de transação do
direito a alimentos (DIAS, 2017).
A irrenunciabilidade é consagrada no mesmo dispositivo (artigo 1.707 do Código
Civil), o qual admite o não exercício do direito, porém veda a renúncia. Segundo Madaleno
(2020), a razão de sua irrenunciabilidade é o interesse de ordem pública dos alimentos, estando
fora do âmbito da autonomia privada.
O mencionado dispositivo é alvo de críticas pela doutrina. Isso porque o legislador não
fez diferenciação entre os alimentos oriundos do vínculo de parentesco daqueles decorrentes do
casamento e da união estável. Madaleno (2020) considera um retrocesso, pois já é consagrada
a renúncia a direito alimentar dos cônjuges.
Essa possibilidade de renúncia a direito alimentar dos cônjuges foi analisada pelo
Ministro Marco Aurélio Bellizze no julgamento do Recurso Especial n° 1756100/DF, o qual
entendeu que a renúncia de alimentos entre si encontra-se na esfera de sua estrita
disponibilidade, devendo ser considerada verdadeira transação, cuja validade e eficácia
dependem exclusivamente da manifestação das partes no acordo.
23
Dias (2017, p. 591) considera a irrepetibilidade um dos princípios mais relevantes
sobre o tema. Segundo a autora, por se tratar de verba que visa garantir a vida, não há como
pretender que sejam devolvidos. Em seguida, a doutrinadora faz uma ressalva: quando
comprovado que houve má-fé do credor, admite-se a devolução. Isso porque a irrepetibilidade
não pode causar enriquecimento injustificado.
Impende registrar o conceito de compensação, a fim de que possa se compreender a
característica da incompensabilidade das obrigações alimentícias. Para Gonçalves (2018, p.
349):
Compensação é o meio de extinção de obrigações entre pessoas que são, ao mesmo
tempo, credor e devedor uma da outra. Acarreta a extinção de duas obrigações cujos
credores são, simultaneamente, devedores um do outro. É o modo indireto de extinção
das obrigações, sucedâneo do pagamento, por produzir o mesmo efeito deste.
A incompensabilidade da obrigação alimentar encontra previsão no artigo 373, inciso
II do Código Civil. Essa característica decorre da própria natureza dos alimentos, pois eventual
compensação dos alimentos com outra obrigação anularia o seu propósito, que é garantir a
subsistência do necessitado (VENOSA, 2020).
O direito de postular em juízo o pagamento de pensões alimentícias é imprescritível.
No entanto, prescreve em dois anos o direito de cobrar as pensões já fixadas em sentença ou
estabelecidas em acordo e não pagas, contados a partir da data de vencimento (GONÇALVES,
2021).
É o que determina o artigo 206, §2° do Código Civil: “prescreve em dois anos, a
pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se venceram”.
Sobre a periodicidade, Venosa (2020) explica que esse aspecto periódico se deve ao
fato de atender às necessidades de prover a subsistência. Comumente, trata-se de prestação
mensal, mas é possível fixar outros períodos. No entanto, não se admite valor único.
Por fim, o doutrinador ressalta ainda a divisibilidade, uma vez que vários parentes
podem contribuir com uma quota para os alimentos, na proporção de sua capacidade financeira,
conforme dito alhures.
24
Gonçalves (2021) aponta como pressupostos: existência de vínculo de parentesco;
necessidade do reclamante; possibilidade da pessoa obrigada e proporcionalidade.
Em termos legais, a necessidade da existência do vínculo de parentesco e a
proporcionalidade estão no artigo 1.694, §1° do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e
dos recursos da pessoa obrigada.
Destarte, o juiz deve sopesar a necessidade e possibilidade, para alcançar um
equilíbrio, para que não seja determinado encargo impossível de ser cumprido sem sacrifício
da dignidade do obrigado (FARIAS; ROSENVALD, 2014), visto que “a lei não quer o
perecimento do alimentado, mas também não deseja o sacrifício do alimentante”
(GONÇALVES, 2021, p. 540).
Na análise da capacidade do obrigado, Gonçalves aduz (2021) que o juiz deve
considerar a renda líquida por ele obtida, pois muitas vezes o valor dos bens que o alimentante
possui pode ser grande, mas o rendimento por vezes pequeno.
2.6 SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
No presente tópico serão analisados os pressupostos subjetivos da obrigação
alimentícia, isto é, quem deve prestar alimentos e quem pode reclamá-los.
Quando derivados do parentesco, o artigo 1.696 do Código Civil determina que o
direito à prestação é recíproco entre pais e filhos, extensivo a todos os ascendentes, recaindo a
obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Dessa forma, os primeiros que
devem ser demandados são os ascendentes, devendo ser obedecida uma ordem de proximidade
dos graus de parentesco e, na ausência ou carência de recurso, cabe a obrigação aos avós e assim
sucessivamente.
Segundo Madaleno (2020), os avós só respondem à ação por alimentos no caso de
incapacidade dos pais, posto que a obrigação deles é subsidiária e complementar. O neto só
exigirá alimentos dos seus avós se os seus pais não tiverem condições.
25
Nesse viés, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 596: “A obrigação alimentar
dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de
impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais”.
Na falta dos ascendentes, os obrigados são os descendentes, devendo ser guardada a
ordem sucessória e, na falta dos mesmos, os irmãos, germanos ou unilaterais, conforme dispõe
o artigo 1.697 do Código Civil.
Por ser regra impositiva de um dever, a norma legal não autoriza a extensão da
responsabilidade a outros colaterais, como tios, sobrinhos e primos.
Além dos alimentos decorrentes por parentesco, do laço de afetividade que une ou uniu
duas pessoas também surgem obrigações alimentares. Devem-se à mútua assistência entre os
cônjuges e companheiros, na forma do artigo 1.566, III do Código Civil:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
III - mútua assistência;
V - respeito e consideração mútuos.
Ademais, é importante mencionar os alimentos gravídicos que são assegurados à
gestante em benefício direto do nascituro, tendo em vista a garantia dos alimentos desde a
concepção. Visam atender aos custos decorrentes da gravidez, verba que se transforma em
alimentos ao filho, quando de seu nascimento (DIAS, 2017).
Acentua-se que os alimentos gravídicos serão estudados no próximo capítulo,
porquanto objeto central do presente estudo.
2.7 DIREITO ALIMENTAR DO NASCITURO
26
A situação jurídica do nascituro é tema que gera profundos debates, tanto na doutrina
quanto na jurisprudência.
No que diz respeito ao início da personalidade civil, preceitua o artigo 2° do Código
Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,
desde a concepção, os direitos do nascituro”.
As teorias que negam ao nascituro a titularidade de direitos avivam a parte inicial do
preceito legal mencionado, considerando o marco inicial da personalidade jurídica o
nascimento. No caminho inverso, as teorias que defendem a personalidade civil do nascituro
enfatizam a segunda parte do dispositivo.
A partir disso, digladiam-se os adeptos da teoria natalista, da teoria concepcionista e
da teoria da personalidade condicional.
2.7.1 Teorias sobre o início da personalidade civil
Para a teoria natalista, a aquisição de personalidade ocorre a partir do nascimento com
vida, possuindo o nascituro mera expectativa de direito. Seguindo essa linha, Caio Mario Da
Silva Pereira (2011, p.182) assevera:
O nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica.
Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e
adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação
jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto,
em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do
nascimento já ele é sujeito de direito.
Reconhece o autor que, em determinadas circunstâncias, a lei resguarda os interesses
do nascituro, constituindo um direito potencial ao ente concebido, mas assegura que isso não
determina a aquisição da personalidade. Ressalta ainda que se o feto não vem a termo ou não
nasce vivo, não há transmissão de direito ao natimorto, já que a relação não chega a se formar,
operando como se ele nunca tivesse sido concebido.
Segundo Rolf Madaleno (2020), é a teoria que prevalece no Brasil. Por ela defende-se
que durante toda a gestação o nascituro não tem personalidade jurídica e, dessa forma, não goza
de direitos próprios. Esses direitos ficam condicionados ao seu nascimento com vida, podendo
retroagir para aquisição dos direitos que a lei pôs a salvo desde a concepção.
27
É o pensamento também externado por Gomes (2016), o qual considera que foi
atribuída ao nascituro uma personalidade fictícia. O autor esclarece que as ficções atribuem
personalidade por reconhecerem a aptidão para ter direito, mas que isso não garante a condição
de pessoa natural para o não nascido.
Dessa forma, a personalidade fictícia seria uma técnica legislativa para a proteção de
determinados interesses.
Em contrapartida, a teoria da personalidade condicional defende que a personalidade
é reconhecida desde a concepção, mas é condicionada ao nascimento com vida. Assim, o
nascituro teria direitos e não meras expectativas de direito, mas estariam subordinados a uma
condição suspensiva.
No mesmo sentido é o entendimento de Pamplona Filho (2007, p. 256), conforme
verificamos em seus próprios dizeres:
A aquisição de certos direitos (como os de caráter patrimonial) ocorreria sob a forma
de condição suspensiva, ou seja, se o não nascido nascer com vida, sua personalidade
retroage ao momento de sua concepção. Assim, o feto tem personalidade condicional,
pois tem assegurado a proteção e gozo dos direitos de personalidade, mas somente
gozará dos demais direitos (os de cunho patrimonial) quando nascer com vida, ou seja,
quando restar implementada a condição capaz de conferir a sua personalidade plena.
Por fim, tem-se a teoria concepcionista, conforme a qual a personalidade jurídica se
inicia com a concepção. Assim, o nascituro é sujeito de direito e obrigações desde o momento
da concepção. Apenas o exercício de alguns direitos seriam dependentes do nascimento.
Seguindo essa linha de pensamento, Silmara Juny de Abreu Chinelatto (2002, p. 183),
ao tratar do antigo artigo 4°do Código Civil de 1916, praticamente repetido pelo artigo 2° do
Código Civil, esclarece que a personalidade não é condicional. Apenas alguns direitos
patrimoniais materiais, como a herança e a doação, dependem do nascimento.
A autora ressalta que os concepcionistas entendem que o legislador fez confusão entre
personalidade e capacidade. Assim, a condição do nascimento estabelecida na primeira parte
do artigo 2° do Código Civil se reportaria à consolidação da capacidade jurídica e não da
personalidade.
Sobre essa confusão, Francisco Amaral (2000, p. 217) elucida:
Nascimento é o fato, natural ou artificial, da separação do feto do ventre materno.
Com a primeira respiração tem início o ciclo vital da pessoa, marcando, também, o
28
nascimento, o início da personalidade de direito (...) o Código emprega o termo
personalidade como sinônimo de capacidade de direito, o que é, a meu ver, superado.
Nesse viés, tem-se o julgamento do Recurso Especial 1.415.727 - SC, no qual foi
reconhecido a uma mulher o direito de receber o seguro DPVAT após sofrer aborto em
decorrência de um acidente de trânsito.
Em seu voto, o Ministro Luis Felipe Salomão aduz que o ordenamento jurídico como
um todo parece ter adotado a teoria concepcionista. Além disso, revela o caráter patrimonialista
que edificou as teorias mais restritivas dos direitos do nascituro (natalista e da personalidade
condicional) e assevera que não se sustenta mais esse paradigma, pois são amplos os catálogos
de direitos não patrimoniais, como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica,
entre outros.
2.7.2 Dos alimentos do nascituro
A obrigação de prestar alimentos ao filho surge mesmo antes de seu nascimento.
Apesar de a lei não prever expressamente, o nascituro tem direito a alimentos, pois resguardados
os seus direitos desde a concepção (DIAS, 2017), notadamente o direito à vida, assegurado
mediante adequados cuidados pré-natais.
Sobre o tema, Miranda (1974, p. 215 apud CAHALI, 2013, p. 346) aduz:
O dever de alimentos em favor do nascituro pode começar antes do nascimento e
depois da concepção, pois antes de nascer, existem despesas que tecnicamente se
destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior à vida se acaso recuasse
atendimento a tais relações entre inter-humanos, solidamente fundadas em exigências
de pediatria.
A garantia dos alimentos pode ser depreendida, como adiantado anteriormente, da
proteção ao direito à vida que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em
seu artigo 5°, elenca como fundamental. Além disso, decorre do dever que é imposto à família
de assegurar aos filhos o direito à vida, à saúde, à alimentação (artigo 227) (DIAS, 2017, p.
609). Não destoa Venosa (2020, p. 421), ao afirmar que é possível a prestação alimentícia, pois
a lei ampara a concepção.
Ao tratar do direito à vida, Uadi Lammêgo Bulos (2017, p. 544) ensina:
29
Tanto a expectativa de vida exterior (vida intrauterina) como a sua consumação efetiva
(vida extrauterina) constituem um direito fundamental. Sem ele, nenhum outro se
realiza. Cabe ao Estado assegurar o direito à vida sob duplo aspecto: direito de nascer
e direito de subsistir ou sobreviver. O Estatuto da Criança e do Adolescente encampou
essa diretriz, dando ênfase ao direito á saúde e ao apoio alimentar à gestante (arts. 7°
e 8°).
O artigo 7° do Estatuto da Criança e do adolescente dispõe: “A criança e o adolescente
têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que
permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de
existência”. No mesmo sentido, o artigo 8° garante assistência e atendimento à
gestante. Portanto, verifica-se que a doutrina da proteção integral abrange a proteção ao
nascimento.
Afirmam Rossato, Lépore e Sanches (2014, p. 121):
A dimensão atingida pela inovação legislativa no artigo 8° é a da integridade física do
direito à vida. Ao deferir assistência psicológica à gestante e a mãe, portanto, antes,
durante e depois do parto, o Estatuto abordou, acertadamente, mais uma das
dimensões do direito à vida.
A proteção do direito à vida do não nascido é primordial, posto que é pressuposto para
a existência e gozo dos demais direitos. A partir da criminalização do aborto nota-se que o
ordenamento jurídico encampou a proibição de qualquer prática atentatória contra a vida do
nascituro, garantindo o respeito a sua integridade física e moral (PAMPLONA FILHO;
MEIRELLES, 2007).
Em decorrência da proteção do direito à vida, cabe ao nascituro o direito a alimentos
para que possa ser promovido o seu desenvolvimento sadio e ser garantido o nascimento com
vida.
Do exposto, infere-se que há responsabilidade parental desde a concepção e, por
consequência, a obrigação alimentar.
3.1 CONCEITO
Os alimentos gravídicos, introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro através da
Lei n° 11.804/2008, tratam de uma pensão alimentícia reclamada pela gestante para atender as
despesas do período de gravidez e que sejam dela decorrentes no período entre a concepção e
o parto, como as despesas referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica,
exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e
terapêuticas indispensáveis, conforme prescrição médica, conforme previsão do art. 2º da Lei
supracitada (MADALENO, 2020).
Freitas (2011, p. 73) preleciona:
[...] é o direto que a mulher grávida possui, mediante propositura da ação antes do
nascimento da prole, de buscar o ressarcimento e o auxílio financeiro do suposto pai,
na parte que lhe cabe, de acordo com a proporção dos recursos de ambos, no custo das
despesas realizadas desde a concepção até o parto, entre outras decorrentes da
gravidez, convertendo este benefício em pensão de alimentos com o nascimento da
criança, sem que, todavia, haja declaração ou imputação de paternidade.
Em outras palavras, alimentos gravídicos podem ser considerados como pensão fixada
judicialmente, em favor do nascituro, destinada à manutenção da gestante durante o período de
gravidez. Destaca-se, ainda, que os alimentos gravídicos, apesar de fixados de acordo com as
despesas da gestante, se destinam, em última análise, à manutenção digna do próprio nascituro.
Isso porque ele depende da integridade física e psíquica da genitora (FARIAS; ROSENVALD,
2012, p. 808).
Com o advento da Lei nº 11.804/2008, superaram-se obstáculos relacionados à
concessão dos alimentos. Se antes as disposições concernentes à concessão da medida exigiam
prova de parentesco ou da obrigação, hodiernamente, para a concessão de alimentos gravídicos,
basta a existência de indícios da paternidade (PEREIRA, 2017, p. 436).
Apesar das benéficas inovações trazidas pela norma, a possibilidade de outorga de
alimentos ao nascituro já vinha sendo reconhecida na doutrina e jurisprudência pátria. Destaca-
se o entendimento exarado pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, no julgamento do Agravo de Instrumento número 70006429096, datado de 13 de agosto
de 2003; em que se confirmou a possibilidade de alimentos ao nascituro. Senão vejamos:
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FAVOR DO NASCITURO. POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. 1.
Não pairando dúvida acerca do envolvimento sexual entretido pela gestante com o
investigado, nem sobre exclusividade desse relacionamento, e havendo necessidade
da gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro. 2. Sendo o
investigado casado e estando também sua esposa grávida, a pensão alimentícia deve
ser fixada tendo em vista as necessidades do alimentando, mas dentro da capacidade
econômica do alimentante, isto é, focalizando tanto os seus ganhos como também os
encargos que possui. Recurso provido em parte.(Agravo de Instrumento, Nº
70006429096, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em: 13-08-2003)
O julgado citado consiste em uma ação de investigação de paternidade em que a
requerente pleiteou a fixação de alimentos provisórios em benefício do nascituro. O
desembargador relator asseverou que é inequívoca a possibilidade, considerando que no caso
não havia dúvidas sobre o envolvimento sexual entre a gestante e o investigado, tampouco sobre
exclusividade do relacionamento entre ambos.
Dessa forma, a presença de indícios da paternidade e necessidade da gestante, torna
viável a concessão de alimentos em favor do nascituro. A paternidade, além de fato social, é
um fato biológico, havendo a responsabilidade dos genitores pela gestão.
No que se refere a terminologia, importa mencionar a observação de Dias (2017), a qual
considera que a expressão “alimentos gravídicos” é equivocada, pois não se trataria de
alimentos. A doutrinadora entende que o termo mais correto seria “subsídios gestacionais”.
Ainda, Silmara Juny Chinellato (2009 apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2021) considera muito mais técnico se reconhecer a Lei como dos “alimentos do nascituro”,
pois alimentos são fixados para uma pessoa e não para um estado biológico da mulher, sendo o
titular do direito a alimentos o nascituro e não a mãe.
Flávio Tartuce dá razão a jurista, pois a norma acaba por desprezar toda a evolução
doutrinária no sentido de reconhecer os direitos do nascituro, principalmente aqueles de
natureza existencial, fundados na sua personalidade. Dessa maneira, seria mais adequado que a
lei fosse denominada lei dos alimentos do nascituro (TARTUCE, 2014).
Nota-se, portanto, que o legislador reconheceu a proteção da vida do nascituro sem,
contudo, adentrar nas discussões acerca das teorias do início da personalidade civil do homem.
A nomenclatura empregada, apesar de não ser a mais técnica, está inserida em um contexto de
avanço legislativo, na medida em que pacifica a possibilidade de outorga de alimentos ao
nascituro.
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3.2 ASPECTOS PROCESSUAIS
Após o estudo dos aspectos materiais, urge examinar os aspectos processuais.
Primeiramente, a legitimidade ativa para propor a ação de alimentos será analisada. Em seguida,
serão abordados os requisitos dos indícios ou presunção de paternidade. Ato contínuo, tem-se
a análise do foro competente para a propositura da ação, do termo inicial e do quantum
alimentar.
Por fim, examinar-se-á a conversão, revisão e extinção dos alimentos gravídicos.
3.2.1 Legitimidade ativa e passiva
A legitimidade para a propositura da ação de alimentos, de acordo com Carlos Roberto
Gonçalves (2021, p. 589), é da mulher gestante, independentemente de qualquer vínculo com
o suposto pai. Mostra-se suficiente a existência de indícios de paternidade, para que o juiz fixe
os alimentos que perdurarão até o nascimento da criança, consoante o art. 6º da Lei
11.804/2008. A legitimidade passiva, por sua vez, foi atribuída ao suposto pai, não se
estendendo a outros parentes do nascituro.
De igual modo, Dias entende ser da gestante a legitimidade ativa para a ação,
promovendo-a em nome próprio. Ainda, ressalta que não há necessidade de cumular ação
investigatória de paternidade (2017).
O Superior Tribunal de Justiça, seguindo a literalidade do texto da Lei 11.804/2008,
adotou o mesmo posicionamento:
NASCITURO. NASCIMENTO COM VIDA. EXTINÇÃO DO FEITO. NÃO
OCORRÊNCIA. CONVERSÃO AUTOMÁTICA DOS ALIMENTOS
GRAVÍDICOS EM PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DO RECÉMNASCIDO.
MUDANÇA DE TITULARIDADE. EXECUÇÃO PROMOVIDA PELO MENOR,
REPRESENTADO POR SUA GENITORA, DOS ALIMENTOS INADIMPLIDOS
APÓS O SEU NASCIMENTO. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Os
alimentos gravídicos previstos na Lei 11.804/2008, visam a auxiliar a mulher
gestante nas despesas decorrentes da gravidez, da concepção ao parto, sendo,
pois, a gestante a beneficiária dos alimentos gravídicos, ficando, por via de
consequência, resguardados os direitos do próprio nascituro. 2. Com o nascimento
com vida da criança, os alimentos gravídicos concedidos à gestante serão convertidos
automaticamente em pensão alimentícia em favor do recém-nascido, com mudança,
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assim, da titularidade dos alimentos, sem que para tanto seja necessário
pronunciamento judicial ou pedido expresso da parte, nos termos do parágrafo único
do art. 6º da Lei n. 11.804/2008. 3. Em regra, a ação de alimentos gravídicos não se
extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos
ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se
solicite a exoneração, redução ou majoração do valor dos alimentos ou até mesmo em
eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade. 4. Recurso
especial improvido. STJ – Resp: 1629423 SP 2016/0185652-7, Relator: Ministro
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 06/06/2017, T3 – TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 22/06/2017 (grifou-se).
Almeida Junior (2009 apud SANTOS, 2010, p. 36) assinala que os alimentos
gravídicos são devidos ao nascituro, e não à mulher, que tem direito autônomo de pleiteá-los
por direito próprio, não obstante o argumento de que a proteção é da atividade gestacional. E
ainda complementa que "se justificam os alimentos ao nascituro porque é titular do direito à
vida (...) e para sua preservação, faz-se necessário alimento pela necessidade".
Quanto à legitimidade para a propositura da ação, Flávio Tartuce, defensor da teoria
concepcionista, segundo a qual o nascituro é pessoa humana, assinala que a demanda deve ser
proposta pelo próprio nascituro, devidamente representado, e pela gestante, eis que os valores
visam à manutenção de ambos. Entretanto, este parece não ser o entendimento majoritário,
especialmente diante da resistência no reconhecimento da personalidade civil ao nascituro
(TARTUCE, 2014).
Nessa esteira, Silmara Juny Chinelato, adepta a teoria concepcionista, sustenta serem
devidos alimentos ao nascituro, como direito próprio, em sentido lato – alimentos civis, a fim
de que possa nutrir-se e desenvolver-se com normalidade, objetivando o nascimento com vida
(2004 apud MADALENO, 2020).
Malgrado as discussões a respeito da personalidade jurídica do nascituro, nota-se que
a posição predominante é a de que, para efeitos de aplicação da Lei de Alimentos Gravídicos,
a titularidade dos alimentos é a da gestante, que deve figurar no polo ativo da demanda. Somente
após o nascimento é que o infante assume a titularidade e a legitimidade (TARTUCE, 2012).
Ao atribuir a titularidade dos alimentos gravídicos à gestante, Cahali (2012, p. 344-
346) preleciona:
A Lei 11.804, de 05.11.2008, disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a
forma como será exercido. Pelo conteúdo da referida Lei 11.804/2008, sempre da
mesma linha de coerência e compatibilidade com o disposto no art. 2.º do CC/2002,
verifica-se que as suas disposições não guardam nenhuma pertinência com a pensão
alimentícia em favor do nascituro, questão que continua em aberto em nosso direito,
solucionada pela jurisprudência ao sabor das opções meramente pessoais, antes
apontadas. Aqui, às expressas (a lei disciplina o direito de alimentos da mulher
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gestante), a titular da pretensão é a mulher, com direito próprio para exigir a
coparticipação do autor de sua gravidez nas despesas que se lhe fizerem
necessárias no transcurso da gestação, exclusivamente em função do estado
gravídico. O nascituro, em inteira consonância com o disposto no art. 2.º do
CC/2002, somente tem direito a pensão alimentícia, por conversão dos alimentos
gravídicos, quando nascer com vida (art. 6.º, parágrafo único, da Lei
11.804/2008) (grifou-se).
A legitimidade passiva, consoante disposição do artigo 2º da Lei 11.804/2008, é do
indigitado pai, sobre o qual, em razão dos indícios da paternidade ou pela presunção lhe é
auferida a paternidade.
Gonçalves (2021) aduz que a legitimidade passiva foi atribuída exclusivamente ao
suposto pai, não se estendendo a outros parentes do nascituro.
Para parte da doutrina, haveria a aplicação subsidiária do Código Civil, estendendo-
se a obrigação a avós e parentes até o 2º grau, tendo em vista que o objetivo da norma é a
proteção do nascituro. Contudo, como a paternidade não está firmada, não há ligação de
parentesco que justifique os alimentos avoengos nesta hipótese (PEREIRA, 2017).
Em sentido contrário, sustentando a possibilidade de ampliação do polo passivo aos
supostos avós, Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald ensinam:
(...) a legitimidade passiva é do suposto pai, não se exigindo, naturalmente, prova
inequívoca da paternidade. São suficientes meros indícios. É possível, ainda, que a
ação recaia sobre os (supostos) avós paternos quando provada a incapacidade
contributiva do suposto pai. Após a sua fixação, vindo o nascituro a nascer com vida,
os alimentos gravídicos ficam, automaticamente, convertidos em pensão alimentícia
definitiva, caso não haja pedido de revisão ou exoneração pelo alimentante (FARIAS,
NETTO, ROSENVALD; 2019, p. 1905).
Freitas (2011), de igual modo, entende que os avós podem figurarem como réus na
ação de alimentos gravídicos, observando o disposto nos artigos 1.696 e 1.698 do CC/2002 e o
artigo 11 da Lei 11.804/2008, que estabelece a aplicação supletiva das Leis 5.478/1968 e do
Código de Processo Civil no processo regulado pela Lei de Alimentos Gravídicos, conforme
estabelece o art. 11. Como requisito, deve o suposto pai não possuir condições financeiras para
subsidiar os alimentos gravídicos ou furtar-se do recebimento da citação, entre outras causas.
Em tese, pode-se extrair que as regras de extensão e complementação se ajustam ao
pedido de alimentos gravídicos, observadas apenas as exigências processuais. Evidentemente,
o pai é o primeiro e, preferencialmente, o único a compor a “lista de devedores”. Todavia,
eventualmente, outras pessoas podem ser chamadas a dar a sua contribuição, como os avós
paternos, por exemplo, caso o pai não tenha condições de arcar com a obrigação (DONOSO,
2009).
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Vislumbra-se, portanto, que apesar de ter sido consagrado, no parágrafo único do
artigo 2º da Lei 11.804/2008, que os alimentos gravídicos devem ser custeados pelo pai, tal
disposição não