são paulo e suas imagens

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São Paulo e suas imagens Ricardo Mendes 1.versão São Paulo na fotografia: abertura Pensar São Paulo através de suas imagens é um gesto temerário, por razões bem definidas. Primeiro, o fenômeno urbano que tem lugar ao longo de quase dois séculos, período que corresponde ao efetivo desenvolvimento da cidade, pela extensão e diversidade de São Paulo e conseqüentemente pelo conjunto de seus atores, em todos os níveis, com distintos pontos de vista. Segundo, por sua produção visual, diversa e extensa, mas com severas lacunas. O que se fará aqui se confunde em muitos aspectos com o desenvolvimento da fotografia na cidade de São Paulo (e no Brasil, a partir de certo momento), mas não é, ainda assim, uma história da fotografia paulistana. Ao mesmo tempo, procurou-se evitar ceder a uma tentação, quase natural, de estabelecer uma sociologia ou uma história da cidade através de imagens. O espaço exíguo e a ambição do projeto, associados com a oportunidade de olhar sob um arco tão longo de tempo o papel da Fotografia no campo da constituição da imagem urbana, permitirão com algum sucesso (e esforço) apontar os caminhos das relações entre homem e cidade, estabelecer distinções entre as diversidades de uso da fotografia como mídia, como registro visual, e rastrear então o impacto documental, sociológico e estético destes gestos, destas estampas. A imagem fotográfica ocupa um lugar especial como mediadora das relações entre homens e cidades. Não, porém, com exclusividade, nem com o mesmo impacto de outras modalidades como a música e, talvez, a crônica. A música, certamente, ocupa em muitos momentos de nossas experiências um local de destaque como reveladora de sentimentos, de inesperadas associações com a cidade, cenário e local das ações de seus habitantes. Música, invocadora de estranhas associações que remetem a elementos tão díspares, como barulhos, cheiros, burburinhos, elementos sensoriais como a chuva, o vento, o frio. O amor, o desespero. A cidade é ainda cenário simultâneo de nossas vidas e de outras. Tal condição une a todos, do pobre ao rico, esplêndido fenômeno social total, que através da fotografia (como da música, lembrada anteriormente), torna-se tema usual, recorrente, babélico. Pensar a cidade através da fotografia recorda-me duas associações especiais, que traduzem por um lado a força do local, por outro a força da fotografia. A primeira é uma lembrança esquecida, que remete a contos de Julio Cortazar, em que personagens, exilados em Paris, lembram de Buenos Aires. Estas narrativas reconstroem a cidade, lembrando de cada rua, cada loja, pequenas entradas; confundem-se com a Paris em que habitam seus atores, quase um presságio do momento em que essas imagens começarão a apagar-se. A segunda remete à descoberta da fotografia, à minha descoberta da fotografia. Curiosa lembrança, em parte reelaboração. Ela ocorre a partir da imagem do menino vendendo jornais com manchetes sobre a imagem [garoto jornaleiro] Hildegard Rosenthal década 1940 acervo ‘ 1

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Eu amo as cidades

So Paulo e suas imagens

Ricardo Mendes1.versoSo Paulo e suas imagens

Ricardo Mendes1.verso

So Paulo na fotografia: abertura

Pensar So Paulo atravs de suas imagens um gesto temerrio, por razes bem definidas. Primeiro, o fenmeno urbano que tem lugar ao longo de quase dois sculos, perodo que corresponde ao efetivo desenvolvimento da cidade, pela extenso e diversidade de So Paulo e conseqentemente pelo conjunto de seus atores, em todos os nveis, com distintos pontos de vista. Segundo, por sua produo visual, diversa e extensa, mas com severas lacunas.

O que se far aqui se confunde em muitos aspectos com o desenvolvimento da fotografia na cidade de So Paulo (e no Brasil, a partir de certo momento), mas no , ainda assim, uma histria da fotografia paulistana. Ao mesmo tempo, procurou-se evitar ceder a uma tentao, quase natural, de estabelecer uma sociologia ou uma histria da cidade atravs de imagens.

O espao exguo e a ambio do projeto, associados com a oportunidade de olhar sob um arco to longo de tempo o papel da Fotografia no campo da constituio da imagem urbana, permitiro com algum sucesso (e esforo) apontar os caminhos das relaes entre homem e cidade, estabelecer distines entre as diversidades de uso da fotografia como mdia, como registro visual, e rastrear ento o impacto documental, sociolgico e esttico destes gestos, destas estampas.

A imagem fotogrfica ocupa um lugar especial como mediadora das relaes entre homens e cidades. No, porm, com exclusividade, nem com o mesmo impacto de outras modalidades como a msica e, talvez, a crnica.

A msica, certamente, ocupa em muitos momentos de nossas experincias um local de destaque como reveladora de sentimentos, de inesperadas associaes com a cidade, cenrio e local das aes de seus habitantes. Msica, invocadora de estranhas associaes que remetem a elementos to dspares, como barulhos, cheiros, burburinhos, elementos sensoriais como a chuva, o vento, o frio. O amor, o desespero.

A cidade ainda cenrio simultneo de nossas vidas e de outras. Tal condio une a todos, do pobre ao rico, esplndido fenmeno social total, que atravs da fotografia (como da msica, lembrada anteriormente), torna-se tema usual, recorrente, bablico.

Pensar a cidade atravs da fotografia recorda-me duas associaes especiais, que traduzem por um lado a fora do local, por outro a fora da fotografia.

A primeira uma lembrana esquecida, que remete a contos de Julio Cortazar, em que personagens, exilados em Paris, lembram de Buenos Aires. Estas narrativas reconstroem a cidade, lembrando de cada rua, cada loja, pequenas entradas; confundem-se com a Paris em que habitam seus atores, quase um pressgio do momento em que essas imagens comearo a apagar-se.

A segunda remete descoberta da fotografia, minha descoberta da fotografia. Curiosa lembrana, em parte reelaborao. Ela ocorre a partir da imagem do menino vendendo jornais com manchetes sobre a Segunda Guerra Mundial. Ele sorri. A descoberta mais ampla ainda, pois pela primeira vez percebia a existncia do Outro, externo esfera familiar de um garoto de 10 anos, e de um autor, um fotgrafo, no caso, Hildegard Rosenthal (1913-1990).

Sob esta dupla condio, desconfiado de qualquer apologia e comemorao, elaboro aqui uma crnica (e no uma histria) do olhar, uma crnica da paisagem.

Recuperar a paisagem como gnero, talvez seja uma necessidade premente a esta aproximao do tema. A ruptura reivindicada pelas vanguardas nos diversos segmentos da arte no incio do sculo XX e a posterior incorporao dessas atitudes pela sociedade contempornea ps em questo alguns procedimentos como a noo de gneros visuais. Entre eles, a paisagem.

Como veremos ao longo do ensaio a imagem da cidade de So Paulo, sua construo, sua elaborao ao longo de um intervalo de tempo to prolongado, sofreu o impacto das alteraes do status quo da arte, da fotografia, dos agentes de sua produo, circulao e debate.

A imagem da cidade , nesse contexto, dada e construda a um s tempo, lida e relida com a devida adaptao, ainda que se tenha ou no uma viso em perspectiva desse processo. Essa viso o centro deste ensaio.

Reivindicar um debate mnimo sobre o conceito de paisagem decorrncia natural do abandono do gnero como molde e, o que importa, da conseqente perda dos critrios de produo e interpretao das imagens da cidade ao longo de to extenso intervalo de tempo.

No contexto paulistano dos ltimos 30 anos do sculo XX, perodo de revitalizao crucial da fotografia como mdia, a quase totalidade do repertrio visual local tem sido mais observadaq como documentao urbana, expresso de cunho puramente burocrtico, do que como paisagem, elemento simblico por excelncia, em que se enquadra com centralidade.

Em termos operacionais, apontamos aqui a necessidade de repensar essa categoria visual e seu duplo contemporneo: a documentao urbana.

A paisagem s existe como recorte, como construo imagtica, em acordo com parmetros visuais do perodo. Antes, ela mera geomorfologia.

A cidade, por sua vez, como fenmeno urbano realiza-se como totalidade. Suas representaes podem ser entendidas como a fuso e o dilogo de conjuntos simblicos gerados por diferentes segmentos dominantes, seus habitantes. Fuso e frico entre vises diferenciadas, em aspectos estticos, que traduzem dados sensoriais, emotivos e sociais.

As imagens esto assim sujeitas potencialmente ao desvio do propsito original, contnua reinveno.

A cidade de So Paulo na fotografia, ao longo sculo XX em especial, percorre um extenso percurso de construo de imagem, de perda e reelaborao. Esse processo tm como fundo, ao incio e ao fim desse perodo, sociedades distintas enquanto dinmica social, mas em especial, enquanto circulao e compreenso do universo visual.

Propomos como foco inicial observar a ocorrncia de um sistema visual, pr-fotogrfico, na sociedade paulistana. Aqui porm nos distanciamos das clssicas imagens dos viajantes, dos conjuntos de aquarelas e desenhos que primeiro registram o perfil da pequena cidade ao incio do sculo XIX com pouco menos de 10 mil habitantes.

O que nos interessa perguntar sobre a existncia de um sistema de circulao local de estampas seriadas, impressas nas tcnicas disponveis, restritas xilogravura (ou eventualmente a gravura em metal). Existiam ento a produo e a circulao de estampas entre a populao local? Tinham a cidade como tema?

Em paralelo, quando surge o sentimento de lugar? Sentimento, que poderia motivar o desejo de registrar e difundir imagens da cidade. Em que momento os paulistanos se reconhecem como tal?

Essas questes, ainda que nem todas sejam respondidas, nos devem guiar neste painel sobre a construo da imagem da cidade de So Paulo. E assim, teremos no uma histria da fotografia, mas de um olhar sobre uma paisagem que se reconhece.

imagem

[garoto jornaleiro]

Hildegard Rosenthaldcada 1940

acervo

A chegada: Macrio aproxima-se

Em 1810 j era uma cidade. Bem pequena por certo, e estagnada, sem nenhuma esperana de desenvolvimento rpido. Com sua gente desconfiada e indolente no simpatizavam os Capites-Generais de fim do sculo XVIII, quando, aps a epopia do ouro, tda a Capitania sossobrava na mais extrema misria.

(Srgio Milliet, 1954)

As palavras iniciais de Srgio Milliet no texto que acompanha a edio fac-similar de mapas da cidade, datados do perodo entre 1810 e 1897, apresentam um aspecto consagrado na historiografia.

A localidade de pequenas dimenses e de aspecto modesto parece ter motivado quando muito a anlise dos exemplares mais expressivos da arquitetura de suas igrejas ao final do sculo XVIII, suas imagens sacras. Alm disso, poucos estudos procuraram obter uma idia abrangente do universo visual, num recorte mais extenso: as estampas, a pintura ou a grfica efmera expressa nos rtulos de farmcia e outros produto - a iconografia mais simples e singela.

imagem

Detalhe da planta da cidade por Rufino Costa, 1841

Primeiros passos

A iconografia paulistana antecede, certamente, fotografia. Essa introduzida rapidamente, com a chegada das primeiras notcias sobre a daguerreotipia basta ver o artigo de Hercules Florence (1804-1879), j em outubro de 1839, em A Phenix, no qual menciona en passant suas prprias experincias em fotografia. O novo meio veria modificar, lentamente de incio mas de forma radical, a forma de pensar em palavras, conceitos e agora imagens - a cidade nascente.

A velha iconografia paulistana constitui um conjunto reduzido marcado por desenhos e aquarelas. Elaborados por artistas em visita ao pas em sua maior parte, teve uma circulao limitada entre ns, afora os governantes e eventuais patrocinadores da vinda de seus autores. Muitas dessas obras retornariam ao pas ou seriam conhecidas apenas dcadas aps, primeiro entre os crculos dos primeiros especialistas, estudiosos da iconografia local, depois por um pblico maior graas ao avano das artes grficas na segunda metade do sculo XIX.

Parte das imagens realizadas no Brasil no incio do sculo XIX como as de autoria de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) ganharia forma impressa muito rapidamente. Veja-se a edio de Voyage pittoresque et historique au Brsil ou sjour dun artiste franais au Brsil depuis 1816 jusquen 1831 ... editado em Paris por Firmin Didot Frres entre 1834 e 1839. No entanto, essa circulao inversa, o retorno das imagens e sua difuso entre ns no perodo imediato so tpicos no estudados. Alm disso, dentro de nosso foco de interesse imediato, nenhuma das imagens litografadas nos lbuns que compunham a srie inclua imagens da capital paulista.

Aos interessados na difuso da fotografia e sua contribuio enquanto meio de registro e divulgao em escala maior, de reprodutibilidade enfim, o gesto relevante num primeiro momento seria indagar da existncia de uma produo local de estampas impressas, nicho em que a introduo da nova mdia poderia ter impacto mais relevante. Mesmo tendo em conta o carter de exemplar nico da imagem em daguerreotipia, a possibilidade de reproduo em escala reduzida permitiria eventualmente estabelecer uma circulao de imagens sobre a cidade, seu cotidiano e habitantes, em nmero superior aos desenhos e s aquarelas que marcam o perodo.

Sabe-se que a produo pictrica autctone - na provncia de So Paulo era praticamente nula no incio do sculo XIX. Sobre esse tema so importantes as publicaes recentes de Pedro Correa do Lago e Carlos Eugenio Marcondes de Moura: Iconografia paulistana do sculo XIX (1998) e Vida cotidiana em So Paulo no sculo XIX (1999), respectivamente.

Um exemplo das imagens mais antigas da cidade, veiculadas em srie, no mencionadas usualmente nos estudos, encontrado em associao cartografia. Trata-se da Planta da Imperial Cidade de S. Paulo, realizada em 1810 pelo Capito de Engenheiros Rufino Jos Felizardo e Costa (1784-1824). Dela a verso mais conhecida a cpia realizada em 1841 com todas as alteraes, que merecer nossa ateno.

A meno a essa carta deve-se presena do mais extenso repertrio de desenhos registrando marcos arquitetnicos significativos da cidade. Embora a conheamos atravs da cpia realizada em 1841, dois anos aps a inveno da fotografia, praticamente contempornea dos primeiros daguerreotipistas circulando pelo territrio nacional, essas imagens formam um conjunto nico.

O historiador Ernani da Silva Bruno indica que a edio de 1841 foi realizada pelo gravador do Rio de Janeiro J. M. Cardozo, agregando imagens da cidade de autoria provvel de Miguel Arcanjo Bencio da Assuno Dutra (1810-1875).

Esses desenhos destacam certamente o que havia de mais precioso para os habitantes da cidade: suas igrejas. Das onze imagens, apenas trs no enfocam exclusivamente ou com destaque edifcios religiosos. Incluem-se aqui as fachadas da Guarda Militar, localizada em ponto ocupado hoje pela praa Clvis, da Cadeia (na atual praa Joo Mendes) e a Piramide do Piques, primeiro monumento pblico da cidade, construdo em 1814.

Obedecendo tambm a uma mesma perspectiva precria, os demais desenhos enfocam as fachadas das igrejas em registros pouco atentos ao espao pblico adjacente, os primeiros largos em sua maior parte. Apenas as imagens do antigo Largo da S, do Palacio do Governo e C. dos Jesuitas (no Pateo do Colgio) e a Academia no C. do S. Fran.co e Ordem 3. mostram parte do casario simples, existente ao redor. Em especial, a imagem do Largo da S, na qual a velha catedral parece surgir em desproporo aos sobrados e a Igreja de S. Pedro (no local hoje ocupado pelo prdio da Caixa Econmica Federal), aspecto que certamente representa a forma como aquela construo se sobressaia no largo.

As imagens no mostram conjuntos maiores, quando muito os largos desolados e vazios, exceto o edifcio da Cadeia com trs figuras humanas sua frente: soldados da guarda aqui representados de forma singela durante a ronda, nica presena humana nessas estampas. Afora a Igreja, o Estado representado pelo Palcio do Governo, pela Cadeia e pela Guarda.

A dificuldade de construo visual da perspectiva identificada no espao ao redor da Piramide do Piques parece ecoar uma longa tradio local, presente em outra conhecida carta da cidade publicada por volta de 1877 - Mappa da capital da Pcia. de S. Paulo, por Francisco de Albuquerque e Jules Martin, que tambm inclui desenhos de edifcios e locais importantes, reforando o tom pitoresco, naif.

A carta de Rufino Costa, em sua edio de 1841, constituiu um repertrio visual que permite caracterizar o perodo atravs da avaliao dos pontos da cidade escolhidos e do tratamento formal adotado. E, mais ainda, da edio de imagens, da narrativa.

A dvida eventual sobre a origem desses desenhos, no que diz respeito a autoria e deciso de incluso na verso impressa em 1841, trazendo a datao das imagens registradas para o incio da dcada de 1840, nos permite comentar outra rara estampa seriada em litografia.

Trata-se de uma vista geral da cidade, inclusa na edio da obra de Kidder e Fletcher Brazil and the Brazilians (1857) -, que complementa assim um quadro visual da cidade no segundo quartel do sculo XIX. A gravura Vista da cidade de S. Paulo (ca 1839) foi realizada por Richards e Van Ingen Snyder a partir de desenho atribudo a Elliot.

A estampa apresenta um panorama de So Paulo, a partir da Vrzea do Carmo, utilizando um ponto de vista que por todo o sculo XIX ser continuamente adotado.

Tomando como base um desenho produzido por Elliot, Richards e Snyder constroem uma cena diferenciada dos panoramas em aquarela ou desenho conhecidos. A cidade surge iluminada por uma lua crescente! Em primeiro plano, emoldurados pela vegetao, alguns tropeiros chegam pelo vale do Tamanduate, provavelmente vindos de alguns dos caminhos de acesso ao norte pela calha do rio Tiet.

O perfil da cidade certamente o ponto mais interessante, pois mostra um longo trecho que se abre sobre a vrzea do Carmo. Apenas no incio do sculo XX a regio seria saneada e urbanizada com a construo na dcada de 1910 do parque Dom Pedro II, encerrando um longo processo de intervenes pontuais que no conseguiam integrar to extensa rea ao tecido urbano.

Essa viso da cidade comum a vrias imagens, correspondendo por certo a uma das primeiras impresses dos viajantes vindos da Corte ou de Santos, aqueles mais ao norte, este mais ao sul. Esse ponto de vista consagrado rivaliza em muito baixo grau com a imagem da chegada a oeste, dos visitantes vindos de Sorocaba, cujos registros visuais destacam o trecho da cidade prximo ao ponto sul do vale do Anhangaba.

O panorama no entanto merece comentrios adicionais. Primeiro, o fato de apresentar um skyline pontuado pelas principais igrejas e instituies religiosas do perodo, aspecto simblico que muito bem pode ter reforado o uso recorrente de tal ponto de observao. Outro que apesar de ser a vrzea o caminho natural de chegada dos viajantes oriundos de Santos, esta perspectiva s possvel ao norte extremo da Vrzea, talvez para os viajantes provindos da Corte. No entanto, em outras imagens do perodo como a aquarela de William Burchell (1781-1863): So Paulo vista da Estrada do Rio, datada de 1827 (acervo IMS) observa-se que o panorama habitual para os viajantes vindos da corte seria outro, tomado de proximidades da atual avenida Rangel Pestana em seu acesso junto ao conjunto religioso do Carmo. Outro dado curioso da estampa a vegetao que cerca nossos viajantes, aparentemente muito mais tropical do que a esperada para o planalto paulistano.

As imagens presentes na carta de Rufino Costa em sua verso de 1841 constituem um repertrio mnimo sobre uma produo de artistas e grficos sediados em So Paulo ou na Corte. a partir do qual deveriam ser estruturadas pesquisas.

Certamente, essa fase primeira - pr-fotogrfica - da seriao de estampas est condicionada introduo de meios de impresso efetivada amplamente apenas aps a permisso da implantao de grficas no pas em 1808 e da presena de um pblico consumidor. Essas condies sero encontradas no contexto paulistano, o que no exime um estudo detalhado do perodo anterior, aps 1827, ano que corresponde ao da abertura da Academia de Direito em agosto e da circulao do jornal O Farol Paulistano, em fevereiro.

Este novo perodo dividir nossa ateno em dois blocos: a introduo da fotografia e o surgimento das revistas ilustradas.

ensaioPlanta da Imperial Cidade de S. Paulo, por Rufino Costa (1841).

(selecionar imagens)

mapaVista da cidade de S. Paulo, por Richard & van Ingen Snyder

acervo BN / BMMA

A chegada da fotografia: os ambulantes

Com certa ironia a primeira notcia sobre a fotografia na imprensa paulista este o termo empregado Photographia deve-se a Hercules Florence, em artigo publicado em A Phenix, em 26 de outubro de 1839, comentando suas experincias: Como eu tratei pouco da photographia por precisar de meios mais complicados, e de sufficientes conhecimentos chimicos, no disputarei descobertas a ninguem, porque uma mesma idea pode vir a duas pessoas.

Pouco tempo depois, em janeiro de 1840, o abade Louis Compte realizaria as primeiras demonstraes da daguerreotipia na cidade do Rio de Janeiro.

Iniciava-se ento a fase de expanso da fotografia, baseada principalmente na figura dos fotgrafos itinerantes, por vezes dividindo a funo com outras atividades profissionais. Embora os primeiros estabelecimentos permanentes surgissem logo mais na cidade do Rio de Janeiro, em So Paulo muito tempo seria necessrio para a constituio de estabelecimentos em carter permanente.

A febre do retrato registrada pela primeira vez pelo escritor lvares de Azevedo (1831-1852) em carta de maio de 1848: No h Estudante que no se tenha retratado ou pretenda retratar-se. No se conhece outro registro, embora seja plausvel, sobre a presena de fotgrafos na cidade at ento!

Apenas em novembro de 1852 registra-se na imprensa a passagem de um fotgrafo itinerante o daguerreotipista Manoel Jos Bastos, que seguiria aps duas semanas para Campinas e Sorocaba. Quase dois anos depois, era a vez de anunciar seus servios o daguerreotipista e ambrotipistas Ignacio Mariano da Cunha Toledo. A contnua meno na imprensa das idas e vindas de Toledo, at o ano de 1865, indica que paulatinamente vo se formando as condies para o estabelecimento de estdios em carter permanente.

Chama a ateno porm que por toda a dcada de 1850 no haja meno a oferta especfica de vistas da cidade, seja como servio disponvel, seja como comercializao. Ento, em novembro de 1859, o jornal Correio Paulistano traz o reclame: "VISTAS PHOTOGRAPHICAS da Academia em So Paulo acho-se a venda no Bazar Paulistano n.36. Aqueles srs. estudantes que dezejarem levar para seus lares uma lembrana do lugar de sua vida academica acharo nestes lindos quadros mui prprios para tal fim."

Abrandava-se a febre do retrato? Talvez. O relevante a oferta da primeira vista conhecida, curiosamente nem um panorama geral, nem mesmo algum dos edifcios religiosos, mas uma instituio laica: a Academia de Direito. Seus alunos, boa parte oriundos de outras localidades desta e de outras provncias, eram o pblico almejado.

No entanto, demandaria mais um ano para outro anncio do Bazar Paulistano, em novembro de 1860, oferecer agora nova coleco destas vistas... pelo diminuto preo de 4$ a 10$rs a dinheiro, indicando uma expanso da oferta e a introduo de sries que oferecem um repertrio visual mais extenso sobre a cidade.

Estas ofertas comeam a conviver a partir de 1861 com nova modalidade de divertimento com a introduo das imagens e visores estereoscpicos. Este sistema constituiria um fenmeno surpreendente em termos de crescimento, comercializado como um meio de divertimento e de instruo popular, oferecendo sries de temas os mais variados. A educao visual tinha incio na acanhada cidade de So Paulo. Da introduo dessa novidade aos anncios dos primeiros fotgrafos a oferecer o servio de produo de imagens em terceira dimenso pouco tempo passaria.

Dois estabelecimentos o de Nuno Perestrello da Camara e o de Gaspar Guimares - j informavam ao pblico em 1862 que tinham condies de produzir vistas para stereoscopo. No entanto desconhece-se por algum tempo a oferta de vistas da cidade nesse sistema, provavelmente possibilidade afastada pelo interesse do pblico por imagens de outros pases, como tanto insistiam os anncios na imprensa.

O incio da dcada de 1860 seria marcado ainda por outro fato relevante: o primeiro lbum de vistas anunciado por um fotgrafo Jesus Christo Mller. Anncio em Correio Paulistano, em outubro de 1860, informa sobre lbum com trintas vistas dos principais edifcios e ruas desta cidade... tiradas a fotografia. Os srs. quintanistas que tm de retirar-se desta cidade para o seio de suas famlias e que quiserem levar consigo ste lbum tero assim uma recordao agradvel da cidade onde passaram, talvez a melhor poca da vida e onde vieram receber um pergaminho e habilitar-se para ocupar os altos cargos sociais, o que sem dvida seria tambm agradvel s suas famlias que, no conhecendo a Capital de So Paulo, podem por meio dste lbum fazer uma idia dos principais edifcios e ruas dela - Jesus Christo Muller."

O jovem Milito

Data deste perodo a presena do jovem fotgrafo carioca Milito Augusto de Azevedo (1837-1905), que iniciaria aqui sua atividade profissional.

Como outros profissionais de ento realizaria imagens da cidade, embora no registradas em anncios na imprensa, que seriam reunidas 25 anos depois em seu ensaio visual lanado em 1887: lbum comparativo da cidade de So Paulo.

Sabe-se que essas imagens circularam sob outra forma, pois alguns exemplares montados sobre suportes similares ao adotados em retratos no formato carte-de-visite (9,5 x 6 cm) so encontrados no acervo do Museu Paulista (USP.)

A observao do conjunto mostra certamente uma cidade modesta mas, alm das imagens das principais ruas, tomadas em perspectiva central, procedimento caracterstico do fotgrafo, inclui as primeiras cenas com a presena de seus habitantes. Aqui, uma rua Direita tomada por lojas com mercadorias expostas; ali, um evento pblico em frente ao Palcio do Governo, no atual Pteo do Colgio.

Com algum custo, financeiro e fsico, Milito deve ter construdo lentamente esse primeiro repertrio, atravessando as ruas de barro, enfrentando distncias, que hoje podem parecer curtas, mas no ento carregando pesado equipamento de chapas de vidro em grande formato.

Durante a primeira dcada do sculo XX ter lugar um intenso movimento de recuperao das imagens da cidade no qual a produo de Milito ser redescoberta. Neste que seria um primeiro boom historiogrfico sobre So Paulo, o conjunto de fotografias realizado no incio da dcada de 1860 ter maior relevncia por constituir o mais antigo registro fotogrfico paulistano.

A procura intensa por essas imagens, nas primeiras dcadas do sculo XX, acabou motivando a edio de lbuns fotogrficos enfocando aquele, reunindo no s as fotografias de Milito inclusas em seu Album Comparativo da Cidade de So Paulo, como muitas outras. Esse novo lbum intitulado So Paulo antigo: 1860 pode ser hoje consultado em diversos acervos.

Os exemplares remanescentes so edies nicas considerando a variao das imagens inclusas, eventualmente por solicitao dos clientes. Parte dessas fotos integram hoje a coleo pessoal do fotgrafo, pertencente ao Museu Paulista-USP, embora sem autoria mais precisa. muito provvel que o conjunto reunido no incio do sculo XX tenha agregado imagens geradas por outros fotgrafos, profissionais ou no, o que est por ser analisado.

A primeira So Paulo de Milito , para os olhos atuais, muito parecida com uma configurao urbana que deve ter perdurado por dcadas, imutvel. A edio realizada em 1887 no permite, porm, realizar uma anlise comparativa da percepo do fotgrafo sobre a cidade, de sua abordagem, entre a sua primeira aproximao e a segunda, como observaremos adiante.

A impresso inicial surpreendente: a presena humana maior nos registros da dcada de 1860. A imagem Igreja e Convento do Collegio exibe o largo tomado por uma multido que assiste uma cerimnia com a presena do corpo de soldados da cavalaria. direita, a igreja do Colgio, demolida e reconstruda quase um sculo aps. Ao fundo, a ala que fechava o espao sobre a ladeira General Carneiro, enclausurando a praa. A imagem da Academia de Direito O Terceiro e Convento de So Francisco tem frente grupo de homens com cartola; esquerda, um singelo lampio [de gs] indica algum aprimoramento nos servios urbanos. A seguir, a foto da Cadeia, sala da Camara e Jury parece completar a apresentao dos trs poderes do Estado e a Igreja. As praas na verdade, os espaos abertos frente desses marcos surgem sempre desoladas, sem pavimentao mais elaborada ou qualquer sinal de ajardinamento.

A rua do Rosrio, hoje rua Quinze de Novembro, que seria logo uma das principais artrias do centro histrico, surge em seu alinhamento irregular em curva, exibindo algumas lojas. Em uma das imagens, as primeiras vitrines surgem, improvisadas sobre as portas que tomam toda a fachada trrea dos estabelecimentos comerciais. O movimento pequeno (em que dia da semana teriam sido feitas tais imagens? nos horrios livres de Milito?) e desaparece por completo quando o fotgrafo apresenta as sadas do ncleo central como a Rua da Tabatinguera, Rua da Glria, a Ladeira do Palcio (Rua General Carneiro) e o interessante registro da Ladeira do Carmo e Aterrado do Braz. Essa imagem revela a vrzea hoje em parte ocupada pelo Parque Dom Pedro II - parcialmente inundada devido ao represamento das guas do Tamanduate pelo aterrado, que indica o leito da atual Avenida Rangel Pestana.

Os poucos registros de pontos externos a este ncleo surgem em Largo e Rua do Braz - vendo-se encoberta esquerda a capela antiga da Igreja do Brs, a rara imagem da cidade vista da regio da Luz Cidade de S. Paulo e antigo Miguel Carlos, e, j nosso conhecido, o Paredo do Piques, Ladeiras da Consolao e da Rua da Palha. Este local, na verdade, aparece registrado de modo muito completo, por ter Milito incluso o contraplano em que o ncleo da cidade visto do alto do Paredo do Piques, atual rua Xavier de Toledo, indicando que a cidade j se estendia ao longo desse ponto do vale do Anhangaba com ocupao regular, seguindo os caminhos que davam acesso a noroeste, rumo ao ncleo de Pinheiros.

A imagem mais marcante talvez desse panorama sobre a dcada de 1860 a tomada realizada na confluncia das ruas do Rosrio (Quinze de Novembro) e Direita no antigo Largo da S. A estrutura visual desta tomada diversa da usual nas vistas urbanas de Milito, sempre presa ao eixo longitudinal das ruas, impassvel, sem desviar o interesse para qualquer ponto adjacente.

Aqui, vindo de uma dessas ruas, algumas das mais importantes naquele ncleo, j marcadas por intensa presena comercial, o fotgrafo, nosso andarilho, defronta-se com o largo e a sbita apario da velha catedral. A pequena escala dos logradouros e a relao espacial tortuosa desta confluncia parece ter obrigado o fotgrafo a uma nova soluo visual, levantando um pouco o ngulo da tomada, destacando assim a igreja e os edifcios mais prximos. Entre eles, esquerda, aquele ocupado pela Livraria & Papelaria Garraux, estabelecimento que ser um relevante ponto de referncia para os passantes interessados na compra de vistas, lbuns para fotos ou estereoscopias.

Complementando esse primeiro recorte visual sobre a cidade de So Paulo, possvel incluir um grupo de imagens que documentam a estrada de ferro ligando a cidade de Santos a So Paulo, ligao que se estenderia depois at Jundia, empreendimento de capital ingls.

Em 1871, anncio em Correio Paulistano traz oferta de Carneiro & Gaspar de vistas de toda a linha da estrada de ferro de Santos a Jundiahy, da cidade de S. Paulo, da cidade de Santos", em cpias avulsas ou lbuns.

Mas j em 1866 a empresa dos irmos portugueses Silva & Irmo, sucessores do estudio de C. R. Winfield, sob a denominao Photographia Academica Comercial, situada rua do Imperador n.14, enviava ao jornal Correio Paulistano duas vistas - "uma representando a entrada do tunnel da Cachoeira, e outra representa o arraial da Cachoeira, nas imediaes daquele tunnel, como comenta nota na edio de 05 de agosto. Dois dias aps, em Dirio de So Paulo, os fotgrafos anunciavam: "Aos Srs. Engenheiros da Estrada de Ferro (...). Os proprietrios do dito estabelecimento tem a honra de participar aos mesmos Senhores engenheiros e ao respeitavel publico que no dito estabelecimento encontraro diversas vistas ultimamente tiradas na estrada de ferro, entre ellas a do Grande Tunel da Cachoeira". XE ".ferrovia"

XE ".vista" A empresa Carneiro & Gaspar atua na cidade desde 1865, sucedendo a Carneiro & Smith ativa desde o incio da dcada. Seria aqui, em 1868, que se tem a primeira notcia de Milito, como empregado, depois gerente da empresa, a qual adotar pouco depois a denominao Photographia Acadmica.

Parte destes registros da ento recm construda ferrovia, inaugurada oficialmente em fevereiro de 1867 parece ter sobrevivido. Qual deles? As fotos realizadas pela Photographia Academica Comercial em 1866 ou pela Photographia Academica curiosa coincidncia em 1871?

Muito provavelmente, na falta de uma anlise detalhada das construes e trechos documentados, todas as pistas apontam para o segundo estdio, no qual atuava Milito. Um lbum - Vistas da Estrada de Ferro de So Paulo em 1865 - contendo 44 fotos, sem autoria, sobreviveu. As imagens documentam o trajeto da ferrovia de Santos Estao de Jundia, incluindo trs fotos do Tnel da Cachoeira, em obras.

Lembranas de So Paulo

Apenas em meados da dcada de 1870 outro conjunto de fotos sobre a cidade ser anunciado, agora pelo fotgrafo W. S. Bradley.

Antes de chegar a So Paulo, o fotgrafo Walter Stutton Bradley percorre um longo percurso pelo pas sendo registrada a sua passagem por Cuiab (1860), Desterro, hoje Florianpolis (1872), Curitiba (1873) e as cidades de Porto Alegre e Rio Grande (1874). No inicio de 1876 encontra-se trabalhando em So Paulo no Gabinete Photographico, de H. Dath, estabelecimento de curta durao, por onde passariam porm o fotgrafo G. Renouleau e depois Bradley.

A cidade passa ento por um momento de intensa atividade, com o surgimento de novos servios urbanos como a iluminao a gs e a implantao de transportes coletivos utilizando bondes com trao animal, ambos os empreendimentos iniciados em 1872. O ncleo central com suas ruas estreitas e irregulares comea a ser objeto de novos arruamentos e calamento, alm de um processo de realinhamento dos logradouros, atividade que marcar partes das iniciativas do executivo municipal por bom perodo. Esses empreendimentos so conseqncia de uma alterao de perfil da cidade, fruto da expanso do caf, cujos produtores e agentes associados passam a ter a cidade de So Paulo como um ponto para negcios, em especial aps a ligao ferroviria com o litoral e ao final da dcada, em 1877, com a Corte.

Bradley, que j em outubro de 1876 anunciar sua mudana para Santos, apresentava-se como um profissional diferenciado. um dos primeiros a oferecer servios de ampliao em grandes dimenses at trs metros de um dia para o outro.

Ao final de agosto, pequeno anncio em A Provncia de So Paulo adverte: Atteno / Lembranas de So Paulo / Apparecer brevemente. O recurso publicitrio em si inovador: oferece um produto, criando expectativa, sem indicar a natureza do mesmo. Pouco mais de uma semana, reclame inserido no mesmo jornal esclarecer o leitor: duas "colleces de vistas photographicas, em ponto pequeno, dos principaes edificios, ruas e aformoseamentos desta capital/ Cada colleco, dobrada em um livrinho em forma de carteira, compe-se de doze photographias.

O produto igualmente inovador em relao aos anteriores: pequenas dimenses, possivelmente para envio por correio, fcil transportabilidade. Inclui vistas das ruas do Palacio, Alegre, Direita, da Imperatriz, do Ouvidor, de So Bento, da Ladeira de S.Francisco, dos largos da Memoria e do Bexiga, da Ilha dos Amores, e do Jardim Publico, do Theatro de S. Jos, da Academia, do Hospital de Beneficencia Portugueza, do Seminario Episcopal, e das igrejas da S, do Carmo, de So Bento, do Rosrio, do Collegio, de Santa Ephigenia, de So Pedro, da Misericordia, e Protestante".

A cobertura abrangente; cobre as ruas centrais, imagens do Jardim Pblico, atual Jardim da Luz, e da Ilha dos Amores em meio a Vrzea do Carmo, pontos usuais de passeio, destacando a seguir algumas edificaes.

No se tem notcia, at o momento, de exemplares remanescentes deste primeiro Lembranas de So Paulo, ttulo que ser adotado continuamente por mais de 40 anos por diversas outras iniciativas.

Curioso tambm o fato da historiografia no apresentar nenhuma investigao especial sobre os registros visuais da dcada de 1870. Talvez pelas datas que sero reiteradas nas dcadas seguintes a partir do marco simblico 1862-1887 limites temporais da obra posterior de Milito, o conjunto de fotos remanescentes da dcada de 1870 no foi precisamente identificado e muito desses registros parecem orbitar imprecisamente ao redor daquelas duas referncias.

Uma simblica imagem festiva, entrelaando inovaes tcnicas da fotografia e alteraes na cidade, apresentada por Milito em 1877, a constituir hoje quase um marco delimitador entre dois momentos de So Paulo. O fotgrafo oferece vistas estereoscpicas do arco triunfal erguido na atual rua XV de Novembro em comemorao da nova linha frrea do Norte unindo So Paulo sede do Imprio. Novos tempos!

Imagem

Seminrio Episcopal antes da demolio da ala direita, com a ampliao do leito da estrada de ferro Santos Jundia.

atribuda a Milito Augusto de Azevedo1860 ca

acervo: --Imagem

Vista urbana sobre carte-de-visite atribuda a Milito Augusto de Azevedo

Rua Direita (?)

1860 ca

Acervo MP-USPensaio

So Paulo em 1860acervos diversos

ensaio

Vistas da Estrada de Ferro de So Paulo em 1865acervo BMMA-LRAnncio teaser

W.S Bradley

Lembranas de S.Paulo

A Provncia de So Paulo, 22.08.1876, p.3ImagemEstereoscopia

Milito Augusto de Azevedo

Vista de arco de triunfo, 1877

acervo MP-USP

A imprensa ilustrada: primeira faseA dcada de 1860 marcada, como vimos, pela presena dos primeiros estabelecimentos fotogrficos em base permanente e pelas primeiras vistas da cidade a serem comercializadas.

A imprensa registra esses dados, mas vai alm nos primeiros passos de aproximao entre imagem e texto impresso. A impossibilidade da presena da imagem fotogrfica em suas pginas no impede que se fale sobre elas. Data de ento uma prtica que se estender at o final do sculo: o envio de fotos s redaes, que so comentadas ou referenciadas em agradecimento. Mostram eventos importantes, retratos de personalidades ou mesmo aspectos da cidade. Um exemplo disso a breve nota no jornal Correio Paulistano, em julho de 1866: Vista photographica Recebemos um exemplar da que foi tirada da ponte grande, feita na officina dos srs. Elwell e Dulley. Agradecemos o presente.

O envio de fotos s redaes evidente prtica comercial, mas tambm incio de um trfego de imagens desejado, primeiros passos do fotojornalismo com procedimentos prprios.

A imprensa paulistana tem um incio tardio. Em setembro de 1823 surgia o primeiro jornal local O paulista em edio manuscrita !

Apenas em 1827 passa a ser editado o Farol Paulistano. Panorama diverso da Corte, cuja imprensa floresceu de forma mais gil. No Rio de Janeiro, surge em 1844 a publicao A lanterna mgica, com a participao de Manuel de Araujo Porto-Alegre, editado at 1845. Em 1860, como indicativo de um mercado melhor estruturado, lanada a revista Semana Illustrada, que teria uma excepcional durao, sendo editada at 1876. Comeavam entre ns as primeiras iniciativas, muito inspiradas no fenmeno francs da imprensa ilustrada com o uso da litografia e marcadas tambm pelo recurso da caricatura como instrumento de crtica social.

O emprego da imagem na imprensa, em especial pela associao entre caricatura e crtica social, representa, em especial na cidade de So Paulo desprovida de uma produo visual, um grande laboratrio, um momento de intensa educao imagtica. Repentinamente, tem lugar uma ruptura, fala-se da cidade atravs das imagens.

O diabo coxo, publicado entre 1864 e 1865, a primeira revista ilustrada em So Paulo. Nela atua o desenhista, de origem italiana, Angelo Agostini (1843-1910).

Desde meados de 1862, Agostini j se encontrava na cidade, numa curta sociedade com os fotgrafos Nuno Perestrello da Camara e Gaspar Guimares, tendo como funo colorir a leo ou a aquarella as photographias". No entanto seria atravs da caricatura que ganhar renome, mas em outra revista, que editar com Amrico de Campos e Antonio Manoel dos Reis entre setembro de 1866, a setembro do ano seguinte, por 51 nmeros: O Cabrio.

A cidade que se descortina em suas pginas, nos textos e nos desenhos que dominam paulatinamente o espao, complementa as fotografias do perodo. Revelam um repertrio visual utilizado como mdia, no como ilustrao passiva.

Cabrio, publicado aos domingos, com 8 pginas, litografado por H. Schroeder. Cada exemplar vendido a 500 ris, tanto quanto O diabo coxo, bem acima do preo de outros jornais e praticamente o custo de um retrato fotogrfico em carte-de-visite.

um jornal com programa como indica a ilustrao Eix aqui o meu programma: leiam e esperem, inclusa na edio de 07 de abril de 1867: guerra, poltica, polcia, vereana, aceio pubico, via frrea, costumes paulistas, guarda nacional, colgios, estudantes, filantes, agiotas, frades, protestantes carolas....

Do lixo na Vrzea do Carmo corrupo, do incmodo do barulho dos carros de boi ao recrutamento forado de voluntrios para a Guerra do Paraguai, tudo assunto. Em 1866 seus editores reclamam por vrios nmeros da interrupo dos servios da estrada de ferro ligando Santos cidade e da ausncia, portanto, da visita das belas santistas, bem como da impossibilidade de fazer a viagem em quatro horas!!

So Paulo surge nessas imagens, que comentam os costumes, mas tambm os problemas enfrentados com o crescimento e falta de infra-estrutura. Um exemplo a pssima condio sanitria da vrzea do Carmo, bem aos ps da colina central, tema enfocado em duas ilustraes, uma de tom caricatural em que os corvos antropomorfizados visitam o pao municipal, noutra de carter documental com o cu coberto por aves junto ao rio Tamanduate, tendo ao fundo o conjunto do Carmo.

Outra litografia enfocando problemas urbanos a inundao em pleno ncleo urbano, na rua do Imperador. Ou, de forma indireta ao abordar temas diversos como o recrutamento forado, imagem editada em dezembro de 1866, em que se v o conjunto do Seminrio Episcopal na Luz.

O trao de Agostini, que responde pela quase totalidade das imagens, sempre assinadas com um singelo A, curiosamente irregular. Por vezes, grotesco; outras de uma suavidade e inspirao, ambas as formas convivendo muitas vezes na mesma pgina.

Exemplos mximos, em especial pelo registro urbano podem ser destacados: um, na edio de 23 de junho de 1867 em que santos debruados sobre nuvens comentam as festas juninas e o desperdcio de energia por partes dos paulistanos, enquanto observam abaixo o perfil da cidade noite com o cu marcado pelos fogos de artifcio, composio que toma a pgina inteira com o centro dominado pela mancha negra do cu noturno sobre a linha do horizonte pontuada pelas torres das igrejas; outro, no trao ligeiro, grfico... que apresenta um bando de folies identificados como devotos vindo da Penha, tradicional ponto de interesse religioso.

Se o Cabrio no encontra condies de continuidade frente aos custos, a revista no passa desapercebida pela sociedade de ento, nem seu humor passa ao largo da justia. Um exemplo o processo causado pela publicao da charge que apresentava o cemitrio da Consolao no dia de Finados, cujos portes se abriam para o desfile de caveiras e visitantes embriagados. Vencedora no processo, a revista trar nmeros depois outra imagem mostrando cenas do baile monumental em comemorao a essa vitria, na qual mais esqueletos festejam entusiasticamente, bebendo e danando.

O fenmeno representado pelo Cabrio indicativo de uma cultura visual que se estabelece, mais ampla que a fotografia entendida nas suas formas usuais, em especial no contexto paulistano sem tradio visual. O tom satrico ser explorado por outros editores, o parque grfico ir expandir-se; mas voltemos a Milito.

EnsaioVerdadeira gua do Miguel Carlos. Cabrio, (2): 13, 1866.

(corvos na vrzea)

Ora e esta!... Cabrio, (21): 161, 24.02.1867

(enchente rua do Imperador)

Recrutamento de formiges para o exrcito. Cabrio, (11): 88, 09.12.1866.

(seminrio)

- L esto os senhores mortaes... Cabrio, (39): 303, 23.06.1867

(cu noturno)Volta dos devotos da festa da Penha.

Cabrio, (48): 381, 08.09.1867.

O cemitrio da Consolao no dia de finados. Cabrio, (6): 48, 04.11.1866.

Grande baile... Cabrio, (12): 96, 16.12.1866.

O segundo Milito

Em 11 de outubro de 1887, o jornal A Provncia de So Paulo traz longo comentrio sobre novo empreendimento do fotgrafo, que j por mais de duas dcadas atuava na cidade dedicando-se ao retrato, fonte principal de sua atividade:

A Velha e a Nova Cidade de So Paulo Vimos um lbum comparativo da cidade de So Paulo em 1862 e em 1887, trabalho da Photographia Americana, do Sr. Milito, nesta capital. Ahi figuram bairros, ruas, praas, jardins e edifcios com a sua cor local de 1862 e depois com a de 1887. o progresso de So Paulo photographado. O interessante trabalho do Sr. Milito, que por sua vez atestado de progresso de sua arte, traz-nos as recordaes de outros tempos, da simplicidade dos costumes, do pouco luxo das edificaes, mas tambm da falta de comodidade e de atividade industrial da velha cidade. O conforto agradvel e til. Comparado com as estatsticas, o lbum de vistas photographicas do Sr. Milito tem um grande valor para se verificar o progresso da provncia, medido pela transformao da capital em 25 anos. O lbum que temos entre as mos, no somente um entretenimento para os que desejam passar alguns minutos a ver as alteraes da cidade em suas velhas construes e esburacadas e mal caladas ruas e praas; mais que isso: tem o mrito de proporcionar a todos ns, os homens de hoje, um estudo real da cidade de So Paulo. Para ns, o trabalho do Sr. Milito vale mais como fonte de estudo para formao de uma opinio favorvel ao engrandecimento da provncia do que como obra de arte. No quer isto dizer que o trabalho artstico no tenha mrito e que, apreciado por essa face, no seja melhor julgado por outros. E, de fato, o tem. Aplaudimos a obra do laborioso e inteligente artista que de tal forma concorre para a verificao do progresso da capital da provncia. Em nosso escritrio acha-se uma lista para aquelas pessoas que desejarem assinar o lbum.

Aos 50 anos de idade, Milito j comeara a afastar-se da atividade profissional. H dois anos tentara por algumas vezes fechar o estdio, passando a dedicar-se comercializao de produtos fotogrficos. Seu gesto de despedida, palavras do fotgrafo, o lanamento do lbum comparativo da cidade de So Paulo.

A nota na imprensa, acima transcrita, uma apresentao adequada do produto. Sua extenso revela parte da ateno que iria receber. O comentrio sobre o mrito artstico, pouco preciso, curioso e levanta um aspecto raramente discutido, mesmo agora, sobre o valor esttico do lbum.

Em vinte e cinco anos de atividade, a construo visual das imagens de Milito parece ter mudado muito pouco. Sua aproximao do ambiente urbano e a captao espacial, em suma, no revelam uma mudana de estilo. Algo singelo, muito preso frontalidade, pouco interessado no humano, na luz. No entanto, h algo de revelador nesse lbum: a edio visual.

A abertura feita atravs de uma seqncia visual de trs imagens. Mais fcil de editar no formato lbum do que atravs de um panorama muito extenso, o trptico realiza um movimento cinematogrfico da esquerda para a direita, a partir do canudo do Jardim da Luz, mostrando do alto um panorama da rea central da cidade. Em primeiro plano, a estao ferroviria anterior ao atual edifcio.

Em seguida, o roteiro apresenta ruas da rea central a partir do ncleo mais antigo, sem maior rigor no tocante a uma cobertura homognea, revelando quando muito um crescimento urbano em direo outra margem do vale do Anhangaba.

A partir da dcima imagem Milito introduz o procedimento que se tornaria a marca de sua obra: a edio comparativa entre fotos realizadas em 1862 e 1887. Excetuando-se o panorama de abertura, agora a nova So Paulo, que parecia algo indistinta, vem frente por obra do passado.

Pouco h de diferente, num primeiro momento, do conjunto de desenhos inclusos na planta da cidade de Rufino Costa em sua edio de 1841. Os marcos apresentam-se em forma e ordem similares: a igreja do Colgio, a Academia de Direito, a Cadeia e Camara Municipal... Apesar do esforo em registrar os mesmos pontos, procurando uma ligeira adaptao na tomada comparativa, fotografando a partir de locais mais altos, o primeiro Milito muito atraente e impactante. A opo pelo enfoque na fisicalidade, conseqncia natural do uso do olhar comparativo, apaga o humano e, perversamente, subordina a nova cidade velha, pois essa que define (privilegiadamente) os pontos de interesse.

A edio comparativa ocupa metade da srie completa. O tero final do lbum traz um pequeno conjunto de imagens realizadas em 1862, que parecem no ter justificado uma imagem atual. As ltimas dez fotos retomam o ano de 1887, mostrando um conjunto de locais que indicam o crescimento da cidade, rumo ao espigo que ser ocupada pela avenida Paulista, que ser inaugurada em 1891, encosta oeste do vale do Anhangaba e vrzea do Carmo, finalizando com uma tomada margem do rio Tiet.

Seria interessante apontar ao observador atual desse lbum o carter nico do produto final, seguindo os padres da poca. Fotos originais coladas sobre cartes espessos, entrefolhados por papis de seda com a assinatura estilizada do fotgrafo. O papel de seda - azul claro, rosa, amarelo - protege as imagens, mas tambm introduz o gesto de descortinar cada registro, elaborando o ritmo natural de folhear um lbum. Completa o conjunto, a capa de couro trabalhado.

O objeto lbum ir para local privilegiado do lar, provavelmente a sala em que a famlia reunida passa as noites aps o jantar. Local de encontro, dos entretenimentos do sculo XIX, como a leitura, a msica, a costura, jogos e entre eles, o lbum de retratos e, em especial, as imagens da cidade. Vendido por assinatura, o lbum Comparativo parece ter sido o nico produto do gnero, anunciado entre 1860 e 1890 que sobreviveu integralmente; encontrado em vrios acervos do Rio de Janeiro e So Paulo constitui um produto caracterstico de um perodo da histria da fotografia e da cidade de So Paulo que se encerrava lentamente.

A recuperao da obra de Milito que ter lugar ao longo do sculo XX desde a primeira hora, bem como as releituras realizadas iro estabelecer marcas na relao cidade e fotografia, marcas distintivas frentes a outras cidades.

Os estudos crticos sobre Milito, efetivamente a personalidade do segmento mais estudada na histria da fotografia local, tero no futuro um campo vasto de pesquisa na documentao remanescente, nos quase 12 mil retratos produzidos nos estabelecimentos Carneiro & Gaspar e Photographia Americana, em que trabalhou.

Ainda as estampas: Jules Martin, litgrafo

O lanamento do lbum por Milito em 1887 parece ter motivado outras iniciativas. No incio de dezembro, o fotgrafo lamentaria em carta a Anatole Louis Garraux, no Rio: "...o senhor Alexandre meteu-se a tirar vistas da cidade e quando eu anunciei os meus lbuns, ele exps suas vistas e com notcias pelos jornais.".

Embora as vendas do lbum Comparativo no paream ter satisfeito Milito, ainda mais com a concorrncia, um mercado para as vistas urbanas existia e cresceria com a cidade. Basta lembrar que a cidade de So Paulo passara de uma populao de 22 mil habitantes em 1836 para 48 mil em 1887. O que viria a seguir seria assustador, quintuplicando a populao at a virada do novo sculo, em 1900.

Antes da introduo em So Paulo da reproduo mecnica da fotografia na dcada de 1890 atravs da fototipia ou a fotolitografia, a alternativa aos lbuns e fotos avulsas seria o uso da litografia a partir de desenhos ou calcadas em fotografias.

Victor Andr Jules Martin (1832-1906) atua na cidade a partir de 1869 como professor de desenho e pintor. Em 1871 abre a Lithographia Franceza, denominao alterada cerca de cinco anos depois para Imperial Lithographia de Jules Martin.

Mantm desde o inicio da dcada de 1870 uma intensa produo de imagens sobre a cidade e muito mais. Suas estampas registram surpreendentemente eventos no interior do Estado como o incio dos trabalhos da linha frrea ituana em Salto, em 1871; a inaugurao da linha frrea para Sorocaba e da estao da linha Paulista, em 1872, entre tantas e tantas outras. Em algumas delas, a imprensa registra sua presena para tomar anotaes das cenas como base para as imagens.

Na cidade de So Paulo, o furor jornalstico de Martin estende-se a registros como o lanamento da pedra fundamental do Monumento do Ipiranga, em 1885; a abertura da fbrica de cerveja da Glria, anos antes em 1873; ou imagens alusivas a inaugurao de grandes marcos urbanos como o Viaduto do Ch em 1887 e a avenida Paulista, em 1891. Nesse ltimo caso, o registro remanescente uma aquarela, integrante do acervo do Museu Paulista. Martin vai alm, apresenta imagens do interior de alguns edifcios como o salo da assemblia legislativa provincial, em 1880, ou o interior do Rink Imperial, pista de patinao situada na rua Alegre, em 1877 .

Algumas das imagens anunciadas na imprensa, alm da tiragem para circulao avulsa, foram estampadas em outros veculos como a revista editada por Martin Illustrao Paulista, lanada em 1881. Algumas, caso raro, foram at mesmo reproduzidas na imprensa diria como o jornal Correio Paulistano, que traz a imagem da estao ferroviria de Poos de Caldas, em 1886.

As referncias na imprensa so tantas que surpreendem ao leitor de hoje, frente ao nmero menor de exemplares encontrados nos acervos contemporneos. Como exemplos dessa produo, seria interessante destacar a Vista geral da Imperial Cidade de So Paulo, de 1875, inclusa tambm na Carta illustrada da Provincia de So Paulo..., de R. Habershaw, editada pela Imperial Lithographia de Jules Martin, bem como a Abertura da rua Helvetia, no dia 15 de abril de 1884.

O panorama da cidade, em formato oval, encimado pelas armas do Imprio, traz um vista da cidade do ponto de observao mais tradicional ao longo do sculo: a vrzea do Carmo. Em primeiro plano, um casal o homem portando uma luneta - e duas crianas. Muito descritiva, a imagem mostra as igrejas na colina central. No aterrado, fileiras de rvores j marcam os caminhos correspondentes s ligaes com as ruas do Gasmetro e a avenida Rangel Pestana. Em plano intermedirio, entre o casal e a paisagem de fundo, trilhos da ferrovia indicariam a posio provvel dos observadores, com a devida licena potica adotada para a representao espacial. A mesma licena empregada na disposio das ruas que acessam a colina e nos desenhos detalhados de alguns edifcios.

A imagem do incio das obras da rua Helvtia mais livre e ao mesmo tempo marcada pela reportagem, com a legenda atenta em identificar os elementos presentes como os vages da Cia. Inglesa (empresa responsvel pela linha frrea Santos a Jundia) tomados por espectadores, os membros da Cmara Municipal ou a Infantaria e Cavalaria.

A contnua edio de imagens por Jules Martin surpreendente, basta comparar aos anncios de vistas e lbuns fotogrficos no perodo. A diversidade de situaes e locais registrados outro aspecto: interiores de edifcios, cenas de inauguraes as mais diversas.

No entanto, essa produo traz consigo revelaes e mais perguntas que tornam o fenmeno mais intrigante. Embora Jules Martin possa ter empregado em muitas imagens fotografias como base, os desenhos litografados pouca ateno fazem perspectiva ou distribuio espacial apresentadas por uma fotografia.

Observador in loco de algumas das cenas, Martin um dos primeiros reprteres visuais paulistanos, complementando o episdio j apresentado sobre as primeiras revistas ilustradas, focado em Cabrio, na dcada de 1860, com Angelo Agostini.

Ainda que haja informaes vagas sobre a atuao eventual de Martin como fotgrafo, no se conhece nenhuma imagem remanescente de sua autoria. Mas Jules mantinha relaes diversas com o mundo da fotografia. Em 1880, organiza uma exposio com fotografias de "So Paulo, Santos, saltos de Piracicaba, Itu e Sorocaba, fbrica de ferro de Ipanema, Serra de Cubato, etc.", realizadas por Marc Ferrez (1843-1923). No mesmo perodo tambm o representante de Ferrez na cidade, distribuindo sua grande produo de imagens sobre o Brasil.

Por fim, Martin tem como genro o fotgrafo Jean Georges Renouleau (1845-1909). Fotgrafo ativo em Paris de incio, Renouleau tem uma longa carreira com passagens por Buenos Aires, Montevideu e Pelotas, entre outras cidades. Radicado em So Paulo a partir de 1875, atuar ainda por um perodo na dcada seguinte na cidade do Rio de Janeiro. Alm disso, o fotgrafo apontado como organizador da primeira sesso de cinema na cidade de So Paulo em 1896. Dedicando-se como de usual ao retrato, Renouleau o autor de uma das mais antigas sries de estereoscopias sobre a cidade, datada da dcada de 1890.

Nem por isso, parece ter Martin procurado investir na introduo de tcnicas de reproduo mecnica da fotografia ou mesmo organizar lbuns fotogrficos. Mais surpreendente, como empreendedor de uma das maiores obras de engenharia o velho viaduto do Ch, primeira estrutura metlica de grande porte da cidade, inaugurada em 1892 no se conhece nenhuma documentao visual consistente das obras e mesmo da inaugurao dessa obra, apenas uma ou outra foto isolada.

Este ponto cego na memria visual da cidade surpreende. No faltam fotgrafos para o empreendimento documental; ainda assim no h registro escrito que indique tal documentao ter sido ao menos encomendada, nem foto remanescente sob qualquer forma: imagem avulsa ou lbum de luxo.

Seria interessante apontar, considerando a produo imagtica de Martin sobre eventos ligados a incio de obras ou inauguraes de linhas e estaes ferrovirias, a reduzida circulao de imagens sobre ferrovias, restrita a fotos sobre alguns pontos marcantes do percurso. No caso da primeira ligao ferroviria, em 1866, entre Santos e So Paulo, seriam os fotgrafos Silva & Irmo que se dirigiriam aos prprios empregados da companhia ferroviria oferecendo vistas:,"Aos Srs. Engenheiros da Estrada de Ferro (...). Os proprietrios do dito estabelecimento tem a honra de participar aos mesmos Senhores engenheiros e ao respeitavel publico que no dito estabelecimento encontraro diversas vistas ultimamente tiradas na estrada de ferro, entre ellas a do Grande Tunel da Cachoeira". XE ".ferrovia"

XE ".vista" No estaria estabelecida entre os empresrios uma preocupao documental, seja voltada para fins de propaganda, seja como instrumento administrativo para difuso entre acionistas? A dcada de 1890 demonstrar uma total mudana de orientao, como veremos.

Esse segmento sobre Jules Martin, personalidade de obra to diversa e at hoje no devidamente estudada e documentada, deve ser encerrado com uma meno a um surpreendente documento de sua autoria datado de 1900: o lbum Revista Industrial.

Organizado por Jules Martin, com a finalidade de ser exposto na Exposio Universal programada naquele ano em Paris, esta obra de grandes dimenses, alm de constituir uma das primeiras iniciativas editoriais procurando traar um perfil do comrcio e indstria da cidade, um surpreendente recorte da cultura material do perodo. Seja no tocante aos temas comrcio e indstria em toda a sua diversidade, seja pela presena de fotografias em grandes formatos, postais e outros impressos incorporados ao prprio lbum.

Tal presena continuada da litografia, bem como a demorada introduo de processos como a fototipia, talvez possam ser justificadas em parte por razes oramentrias, relaes de custo-benefcio.

Ao mesmo tempo, o uso de imagens da cidade em litografias, baseadas em fotografia, ter maior permanncia provavelmente motivada pela tradio, pelo prestgio do suporte. Por outro lado, este fato poderia ser justificado tambm pelo patamar de alta sofisticao alcanada pelo sistema em contraste com outros procedimentos mais recentes, com know-how no plenamente estabelecido.

Esses aspectos talvez tenham justificado, por exemplo, a edio em 1889 do grande panorama da cidade, a partir da Vrzea do Carmo, desenhado por A. Sauvage. A imagem publicada no Albuns de vues du Brsil, organizado por J. M. da Silva Paranhos. Tal gesto marca o fim de uma poca, a transio de um meio tcnico para outro, uma nova sintaxe, um novo olhar.

Imagem

Panorama da cidade, a partir da Vrzea do Carmo, ca.1889, desenhada por Sauvage a partir de foto. In: Albuns de vues du Brsil, organizado por J. M. da Silva Paranhos (Paris: Imprimerie A. Lahure, 1889)

acervo ??

(repro SMC/DPH)ensaio

Jules Martin

Vista geral da Imperial Cidade de S. Paulo (1875)

acervo BN[inaugurao da avenida Paulista] (1891) - aquarela

acervo MP-USP

Abertura da rua Helvtia, no dia 15 de abril de 1884.

acervo BN

No mais a cidade de Milito

A dcada de 1890 marca um momento de transio para a cidade. Seria bom ater-se imagem apresentada por Castro Alves, comentada na crnica de Afonso Schmidt Cabar do Sapo Morto: Aqui h frio, mas frio da Sibria; casas, mas casas de Tebas; ruas, mas ruas de Cartago... Casas que parecem feitas antes do mundo, de tanto que so pretas; mas que parecem feitas depois do mundo, de tanto que so desertas.

A descrio evoca a primeira cidade de Milito. Mas nem mesmo a segunda cidade, a registrada em 1887, parece sobreviver ltima dcada do sculo. Em dez anos a populao quadruplicaria. As mudanas econmicas dos primeiros anos da Repblica geraro aqui uma completa mudana.

A alterao da geografia fsica, em especial da paisagem humana, ter lugar em processo paralelo a modificaes ocorridas na fotografia enquanto linguagem, enquanto uso documental.

Em 1893, Victor Vergueiro Steidel (1868-1906) instala seu estabelecimento grfico especializado em fototipia e outras tcnicas como zincografia. Em 1898, anuncia o lanamento dos primeiros cartes postais de So Paulo, seguindo bem de imediato a voga mundial da cartofilia, atravs da srie: Lembranas de So Paulo.

Da noite para o dia, a cidade surge em cores, em desenhos baseados em fotos. A cidade com seus edifcios, ainda assobradados, mas com a marca da presena de um neoclassicismo adaptado, exposta nesta: XE "Casa Sigmund" "Coleco de 12 Bilhetes Postaes com vistas de So Paulo Campinas Rio de Janeiro etc. em chromo litographia", oferecida ao preo de 1$500 pelo Estabelecimento Graphico V. Steidel & Cia.

primeira oferta, segues-se o anncio seis meses aps de coleo com 27 cartes: ...vistas da Cantareira, Jardim Publico, Quartel de Policia, Serra de Santos, Fazendas de Caf, Poos de Caldas, Escola Normal de Campinas, Estao de Campinas, Largo de So Bento, Largo do Palacio, Ypiranga e outros., ainda adotando desenhos impressos a partir de fotografias.

A cidade surge em cores, destacando o ncleo central, agora se deslocando em direo oeste, junto ao vale do Anhangaba, convivendo ainda com resqucios de plantaes e jardins. As imagens em que foram baseadas as estampas no indicam seus autores, mas ali se incluem fotos de nomes como Guilherme Gaensly, Paulo Kowalsky e at mesmo do fotgrafo carioca Marc Ferrez. O aspecto cromtico partilha de longe o mesmo esprito da fotopintura que comea a difundir-se na cidade com retratos coloridos mo em tcnicas diversas, oferecidas por estabelecimentos fotogrficos ou especialistas em acabamento.

O perodo marca tambm o surgimento das primeiras iniciativas editoriais vindas de outros plos destinadas a gerar produtos sobre a cidade. Em 1890, A. Perini, fotgrafo do Rio Janeiro, vem a So Paulo cobrir festividades: Acaba elle de enviar do Rio para serem expostas nesta capital diversas daquelas photographias, que podem ser apreciadas na Casa Garraux. / Representam a Varzea do Carmo no acto do lanamento da pedra fundamental da Exposio naquelle logar, o Palacio do Governo com os ministros, secretario do generalissimo, governador deste Estado e o estado-maior do chefe do governo, e mais a inaugurao da estatua de Jos Bonifcio. -, imagens que eram colocadas venda tambm para a populao local.

Algo aproximado, mas com perfil distinto, o surgimento, alm de ensaios e guias sobre a cidade, de publicaes de carter mais informado. Essa produo editorial ser complementada na dcada seguinte pela expanso de publicaes na vertente da propaganda oficial, como veremos.

Seguindo a tendncia acima, Gustav Koenigswald lana em 1894 o livro So Paulo, sobre o Estado, com imagens da cidade e do interior, registrando palhoas e carros de boi, fotos realizadas por Axel Frick, Paul Sack ([1868-1928]), Oscar Ernheim, Heinrich Schulmann, entre outros. Boa parte desses fotgrafos parece no ter mantido estabelecimentos prprios, alguns deles prestando servios para instituies de pesquisa ou infra-estrutura. O conjunto de imagens incluem porm os primeiros registros conhecidos de Guilherme Gaensly enfocando a cidade.

Novos fotgrafos: oriundi...

A dcada marca tambm a chegada dos primeiros fotgrafos de origem italiana que tero destaque no panorama local como Michelle Rizzo (1869-1939) ou Vincenzo Pastore (1865-1918).

Ao mesmo tempo, a fotografia e a cidade sentem a presena das novas ondas migratrias. No sero porm esses profissionais, dedicados ao retrato, que estabelecero neste momento uma marca sobre a memria visual da cidade. Despontam no perodo fotgrafos associados documentao de obras de engenharia e servios, aes que passam a dominar a paisagem urbana em transformao intensa.

Um crescimento explosivo da populao implica na demanda por servios pblicos de infra-estrutura, que desde finais da dcada de 1870 comeavam a ser implementados. No entanto, a taxa de expanso da cidade exigir servios progressivamente maiores em complexidade e extenso, superando continuamente as iniciativas tomadas.

Em paralelo s obras ocorre uma exploso documental utilizando a fotografia. Um exemplo a atuao do fotgrafo P. Doumet e seu conjunto de imagens inclusas no lbum Cidade de So Paulo: Servios da Repartio de Agua e Esgotos em 1893. XE "Doumet, P." Estes registros cobrem as obras de instalao do sistema de captao de guas desde a Cantareira rea central.

O. R. Quaas, como assinava o fotgrafo Otto Rudolf Quaas (1872-1929), de origem austraca, ser outro profissional com produo voltada para a documentao tcnica. A demanda crescente permite que os fotgrafos estabelecidos tenham sua produo orientada cada vez mais para servios especializados, menos dependentes do retrato, vetor central de produo dos estdios. Surgem assim os primeiros especialistas.

Quaas ser o responsvel por uma parcela importante de documentao de arquitetura do perodo, prestando servios para o Escritrio Tcnico Ramos de Azevedo. Estes projetos, que correspondem aos principais edifcios pblicos erguidos entre duas dcadas - 1890-1910, marcam hoje o centro velho paulistano. Alm destes, muitos registros produzidos pelo fotgrafo documentam residncias e outros projetos, tendo sido reunidos em dois conjuntos: um, o lbum com fotos originais, Views of buildings designed and constructed by Ramos de Azevedo architect (s.d.), e outro, a edio impressa Album de construces (s.d.).Gaensly: um fotgrafo baiano

Dentro dessa exploso documental que tem lugar na ltima dcada do sculo XIX, surge quase ao final do perodo o nome de Guilherme Gaensly (1843-1928). Suo de origem, Gaensly chega a Salvador aos cinco anos de idade. Tem sua formao profissional naquela cidade, a qual presenciou um dos momentos mais relevantes da foto de paisagem na histria da fotografia brasileira do sculo XIX.

Aos 50 anos, profissional com carreira estabelecida, Gaensly muda So Paulo, onde abre em 1894 uma filial do estabelecimento Gaensly & Lindemann, sociedade com Rodolfo Lindemann, seu cunhado. A filial paulistana ter sua produo marcada pela fotografia voltada para a documentao de obras, setor em que atender nos prximos dez anos as principais instituies governamentais e empreendimentos particulares.

Gaensly logo de incio passa a comercializar tambm estampas da cidade, primeiro em cpias fotogrficas, logo em seguida em sries, impressas em fototipia na Sua em formato aproximado 24 x 30 cm: "Grande Colleco de Vistas de So Paulo".

Este primeiro conjunto nada lembra a cidade de Milito. Os focos de interesse so outros: novos edifcios pblicos, novas regies da cidade em expanso. A produo do estabelecimento Gaensly & Lindemann, sociedade que ter fim em 1900, marca, junto com a obra de outros profissionais como Quaas, a introduo de uma tradio visual clssica que poderia ser resumida na adoo de parmetros de composio que caracterizam um repertrio visual estabelecido na Europa e Amrica do Norte anos antes no campo da foto de arquitetura e de cidades.

O rigor formal, a correo da perspectiva e a sensibilidade espacial, construindo estruturas visuais que introduzem o espectador nas cenas, so traos dessa linguagem, expressa com adequao por Gaensly.

A nova cidade - as elites econmicas, incluindo de novos profissionais de todos os setores a recm-chegados- parece encontrar na produo de Gaensly, nesta cidade construda em imagens, a cidade projetada. Sem ser um fotgrafo oficial, comea a ter lugar um processo de fuso de identidades, fruto da identificao forma e ideologia-, bem como de sua excelncia profissional e onipresena.

No entanto, embora marcada pela exposio da cidade como fenmeno fsico, enquanto arquitetura, um elemento novo comea a despontar, aqui e ali, subrepticiamente em algumas imagens de Gaensly. No nas grandes perspectivas, mas nas fotos das ruas centrais surge algo novo: o burburinho, os passantes, as vitrines, enfim parte dos habitantes da nova cidade.

XE "R. Mollenhauer & Cia"

XE "Mollenhauer, Ricardo"

XE "Laves, Adolpho"

XE "Luca, Giovanni de"

XE "Pinto, J. Bastos"

XE "Museu Paulista-USP"

XE "Koenigswald, Gustav"

XE "Frick, Axel"

XE "Sack, Paul"

XE "Schulmann, Heinrich" ImagemG.Renouleau

Vista estereoscpica do ..., por G. Renouleau. Dcada de 1890.

acervo MP-USPensaio

Lembrana de So Paulo, srie editada por V. Steidel (1896)

acervo MP-USP (?)

(selecionar imagems)EnsaioO. R. Quaas

Views of buildings designed and constructed by Ramos de Azevedo architect (s.d.)

Album de construces (s.d.)

(destacar residncias particulares)ensaio

Gaensly & Lindemann

srie (1895-1905) - fototipia

acervo SMC/DPH ??

(ensaio final destacando a nova configurao da cidade)

A nova cidade: So Paulo Babel

10 de dezembro de 1905 - o Salo Progredior, um misto de restaurante e espao de diverses, recebe 3.800 visitantes.

Situado rua Quinze de Novembro, prximo ao Largo da S, centro vivo da cidade, o Salo apresenta com destaque um panorama de So Paulo com onze metros de comprimento, realizado em julho de 1905 a partir da torre da Igreja do Sagrado Corao de Jesus, no Largo dos Guaianazes.

Seu autor Valrio Vieira (1862-1941) um profissional de renome. Instalado com seu estabelecimento a poucos metros do Salo, dedica-se ao retrato desde meados da dcada de 1890, quando se estabelece em So Paulo com o estdio Valrio & Aguiar.

Frente concorrncia crescente apresenta continuamente novos produtos, novos lances na tentativa de estabelecer um diferencial. Uma de suas obras mais conhecidas seria a foto Os 30 Valrios, imagem premiada na Louisiana Purchase Exhibition em Saint Louis (EUA, 1904), em que, utilizando o recurso da fotomontagem, o rosto do Valrio se replica em todos os msicos de um conjunto musical e sua platia. A fotomontagem era desde a virada do sculo um modismo entre ns, usual em cartes de boas festas distribudo por fotgrafos como Valrio e Giovanni Sarracino. Vieira vai alm e oferece retratos em cartes bouquet em que o rosto do retratado surge multiplicado num ramalhete de flores.

O evento no Salo Progredior uma exibio especial. Centrado no panorama, inclui ainda uma seleo de obras, em que diversos processos de fotopintura so apresentados. O Salo funciona todos os dias, como anuncia regularmente a imprensa, das 10:00 as 22:00, com entrada paga de 1$000 dobrando de preo nas quintas e sbados. O sucesso parece estrondoso: em 27 de dezembro o presidente do Estado Dr.Tibiri e comitiva visitam a mostra.

Panoramas de Valrio: a paisagem

A obra de Valrio apresenta uma paisagem magnfica. Artigo publicado no jornal O Comrcio de S. Paulo, de 19 de dezembro, traz uma descrio detalhada da vista a partir da torre do Liceu, um dos locais mais altos da cidade. A tomada se estende da regio da Luz o relgio da torre da nova estao da So Paulo Railway marcava uma hora da tarde seguindo em grande arco at a Consolao, pelo menos.

Espetacular, a imagem de Vieira inaugura uma nova dimenso para as imagens paulistanas a do mural. A alterao na escala das representaes um novo trao no contexto local. No entanto, este aspecto no comentado pela imprensa; a faanha tcnica e o divertimento tornam-se o centro de visibilidade do novo sculo. A cidade torna-se espetculo.

O panorama de Valrio, obra indita no Brasil no campo da fotografia por suas dimenses, incorpora-se no entanto a um gnero estabelecido no pas, com destaque para a produo do pintor Vitor Meireles (1832-1903). Sua primeira obra na categoria a obter destaque, realizada em parceria com o pinto belga Langerok, seria exposta em 1889, na Exposio Universal de Paris: o Panorama da Cidade do Rio de Janeiro. A partir de 1891, esta tela permanecer exposta por alguns anos, com entrada paga, na atual praa Quinze de Novembro, no Rio de Janeiro. Em 1894, o pintor excederia a primeira empreitada, expondo a tela da entrada da Esquadra Legal na baa da Guanabara, com 115 metros de comprimento por 14 e meio de altura.

Este primeiro panorama de Valrio, exposto em pavilho anexo representao paulista na Exposio Nacional de 1908, no Rio, ser superado anos mais tarde por outro maior, com 16 metros, abrangendo um ngulo de quase 360 graus, que sobreviver. A exibio da primeira tela em 1908 na capital federal parece no ter deixado registro crtico de destaque. Ainda assim o fotgrafo obter apoio da prefeitura da cidade de So Paulo para elaborao da segunda verso do panorama, que ser enviado Exposio do Centenrio em 1922, no Rio de Janeiro .

Curiosa a atmosfera que nos transmite a leitura das notas sobre o evento de Valrio e outras atraes: novidades tecnolgicas e diverses tm como fundo uma cidade em crescimento explosivo, com os atritos sociais e dificuldades provocadas pela expanso urbana.

Ao mesmo tempo, a atmosfera multimdia e virtual que parece marcar o mundo dos espetculos to prxima a um espectador atual, que chega a embaraar o olhar curioso. Termos como frenesi parecem se adequar ao momento. A nascente indstria de entretenimento em rpida expanso e diversificao, sempre procurando novos pblicos, novos instrumentos, ganha parceiro avassalador: o cinema.

O interesse motivado pelo primeiro panorama da cidade por Valrio ser, aparentemente, rapidamente deixado de lado. Meses depois, o Salo Progredior recebe o evento Jerusalm em So Paulo, recriao em madeira do Tmulo de Cristo. Mas esta atrao ser batida logo a seguir pelo Ferro-Carril Asitico, que atravs de um mecanismo exibe um panorama de 400 metros de toda a Palestina. No faltam inaugurao o senhor dr. presidente do Estado e secretrio do Interior.EnsaioPANORAMA

sugesto:

existem 3 panoramas a partir do Liceu dos Salesianos que poderiam ser apresentados

1905 ca Guilherme Gaensly

1912 I. F. Scheeler (acervo CAPH-USP) (180 graus)

1922 Valrio Vieira (acervo MIS) (quase 360 graus)imagem

Aspecto do Salo Progredior, durante exposio de Valrio Vieira, 1905

fonte: Santa Cruz, (4): jan.1906.

As grandes obras na cidade

Em janeiro de 1904, nota no jornal O Estado de S.Paulo anuncia que o fotgrafo Gaensly estaria fotografando os vinhedos de Pirituba. A inteno subjacente ficava clara atravs da indicao de que as imagens integraro a exposio comercial programada para aquele ano em Saint Louis, nos EUA: angariar novos pedidos.

Os vinhedos em Pirituba e os divertimentos no Tringulo central, que seria conhecido como o Centro Velho, estabelecem os limites fsicos da cidade de Gaensly.

O crescimento explosivo de So Paulo nas duas ltimas dcadas do sculo XIX acompanhado pela introduo e aprimoramento de diversos servios urbanos. As imagens de Doumet mencionadas anteriormente registram os empreendimentos na rea de captao de gua, por exemplo.

Outras iniciativas iro procurar adequar uma estrutura urbana precria, insuficiente mesmo para o patamar anterior da demanda, a novos padres e servios. A mais impactante ao sobre a estrutura da cidade a chegada em 1899 do empreendimento anglo-canadense representado pela The So Paulo Light & Power ou simplesmente a Light responsvel pela implantao e gerenciamento do sistema de gerao e distribuio de energia eltrica e do sistema de transporte pblico de bondes eltricos.As atividades da empresa so objeto de uma rotina de documentao fotogrfica, que apenas agora parece estabelecer-se entre os empresrios. H pouco menos de 10 anos a construo do velho viaduto do Ch, a maior estrutura de engenharia da cidade, no merecera tal ateno. O propsito aqui claro: a produo de registros visuais para insero nos relatrios da empresa enviados aos acionistas e controladores no exterior.

Essas imagens em associao com a documentao administrativa, em especial os relatrios enviados aos controladores, apresentam, alm dos usuais relatrios de atividades, breves panoramas sobre a cidade e sua economia.

Na fase inicial, a ao da empresa, acompanhada pela cobertura fotogrfica, desdobra-se em duas frentes. Uma, voltada para a construo da barragem e unidade de gerao em Santana de Parnaba, e as respectivas linhas de transmisso e sistema de distribuio na cidade (unidade Paula Souza). A segunda, dedicada implantao em escala acelerada de uma nova rede de transporte.

Em oito meses, a Light implanta sete linhas de bonde: gua Branca, Barra Funda, Bom Retiro, Brs, Penha, Vila Buarque e Avenida Paulista. A rede engloba em maro de 1902 um total de 41 milhas eletrificadas, alm de 42 outras ainda utilizando bondes trao animal, resultante da incorporao das antigas concessionrias.

As imagens de Gaensly para a empresa, relao comercial que ser mantida por mais de duas dcadas, diferem completamente da So Paulo vistas em suas estampas e postais. Trazem num primeiro momento o pico da construo da usina pioneira, com sua barragem de pedra e a rotina do canteiro, em contraponto chegada das frentes de obras de implantao de trilhos pelas ruas centrais, ainda partilhando de edifcios em franco contraste de poca e funes. Ruas estreitas, casas de taipa, tudo, tudo cercado por massas de curiosos.

Ao longo da primeira dcada os relatrios da empresa e a cobertura fotogrfica passam a revelar mais a rotina da implantao dos servios de manuteno em suas grandes oficinas como a do Cambuci. Ainda assim o papel da empresa na expanso imobiliria associada ao servio de transporte ou o acompanhamento das greves gerais como a de 1917 esto claramente comentados na documentao administrativa.

O apuro visual do primeiro Gaensly em sua srie de imagens da cidade cobrindo o perodo entre 1895-1905 parece ecoar aqui. Em determinados momentos, em especial no Annual Report 1901, algumas dessas imagens incorporam-se aos relatrios, procurando traar um panorama do estgio de desenvolvimento urbano. O uso continuado de negativos em grande formato 24 x 30 cm, num perodo j marcado pela adoo de mquinas mais leves e formatos menores, acompanhado pela usual ateno do fotgrafo na busca da correo de perspectiva, da captao espacial e da insero do espectador.

Novas funes, novos edifciosAs duas dcadas iniciais do sculo registram as primeiras propostas de intervenes urbanas pelo poder pblico caracterizadas pela maior envergadura.

Se esses projetos eram marcados at ento por tentativas mais cosmticas, como o prprio termo de poca indica aformoseamento, a demanda urbana exigir um aprimoramento tcnico e conceitual. Datam de ento propostas como o plano Bouvard para a regio do Vale do Anhangaba, modelos que se sucedero at concepes de grande envergadura como o Plano de avenidas, concebido por Francisco Prestes Maia.

As modificaes sofridas pela cidade, em especial, a partir da dcada de 1910, no sero objeto de um programa de documentao oficial propriamente. Situao diversa da cidade do Rio de Janeiro, onde um servio fotogrfico estabelecido, com relevncia no perodo, no qual atua o fotgrafo Augusto Malta (1864-1957).

Por outro lado, se so raros os registros visuais oficiais sobre obras urbanas, cresce a documentao de obras e de arquitetura dos novos edifcios pblicos erguidos para atender a demandas de programas funcional e simblico, boa parte deles com a participao do escritrio de arquitetura de Ramos de Azevedo. Esses prdios tornam-se os cones da nova cidade, substituindo as velhas igrejas que marcaram a iconografia do sculo anterior.

Nesse campo, atuam fotgrafos como O. R. Quaas, mencionado anteriormente, e F. Manuel. Este ltimo bom exemplo dos primeiros profissionais que praticamente atuam com exclusividade no campo da documentao tcnica, cujas produes so ainda hoje pouco conhecidas.

O parisiense Frdric Manuel (1868-1961) trabalha em So Paulo no perodo entre 1905 e 1920, como indicam as fotografias remanescentes em acervos. So de sua autoria parte das imagens de uma srie de lbuns, intitulada S. Paulo, editados por Menotti Levi, lanados em meados da primeira dcada. A edio enfoca, como de hbito, o ncleo central, destacando os novos edifcios; imagens reunidas em pequenas sries, que parecem ter sido editadas atendendo demanda.

A contribuio de F. Manuel, como assina usualmente, est mais bem caracterizada em outros ensaios. Em 1911, na abertura do Teatro Municipal distribuda ao pblico uma monografia sobre o teatro, com dados detalhados da obra e imagens do edifcio. A iniciativa editorial completamente fora do padro para o perodo, quando o mais usual seria a edio de lbuns fotogrficos de luxo, com tiragem reduzida.

O papel da fotografia documental em engenharia como fonte para a histria da cidade visvel em encomendas menos espetaculares mas de maior impacto na rotina na cidade. o caso do lbum fotogrfico Construo do viaducto de Sta Ephigenia. Aqui a rotina diria da obra que se apresenta e as mudanas que vo gerando ao redor; as imagens numeradas e datadas enfocam a preparao do canteiro e a elevao dos pilares em meio ao vale do Anhangaba. A excepcional qualidade das cpias algo peculiar. No entanto, o lbum remanescente corresponde apenas ao primeiro volume, que no inclui o registro do posicionamento da estrutura metlica e finalizao da obra.

Na mesma linha de rigor tcnico, fixando igualmente aes importantes para a cidade, destacam-se as imagens produzidas sobre as obras de remodelao da Vrzea do Carmo. O conjunto apresenta as atividades de terraplanagem, com a presena de carroas e muares, junto a equipamentos mais sofisticados. Mas a parte final do ensaio que nos interessa quando as fotos exibem aspectos da fase de concluso de ajardinagem, vendo-se o Palcio das Industrias e alguns coretos surgirem em meio bruma que cobre o parque Dom Pedro II. Essa interveno urbana marca o fim do longo problema representado pela vrzea, extenso trecho no incorporado cidade at ento, situado entre o ncleo central e a regio fronteira aos bairros do Pari, Brs e Glicrio.Ensaio Light & Power

Guilherme Gaensly

Implantao de trilhos no trecho inicial da avenida So Joo, no inicio da primeira dcada do sculoAcervo IMS/Brascan

Imagem

F. Manuel

Construo do viaduto Santa Efignia. 1911ca

acervo: BMMAImagemF.ManuelVista interna do Teatro Municipal (bar). 1911

F. Manuel

coleo Ricardo Mendes

ATENO: a meno coleo Ricardo Mendes meramente operacional no devendo ser utilizada em nenhuma circunstncia

Ensaio

F.Manuel

Obras de remodelao da Vrzea do Carmo.

(det.obras + cenas do Palcio Nove de Julho)

acervo: SMV/Depave

Uma exploso tecnolgica do olhar

A produo imagtica sobre So Paulo nas primeiras dcadas do sculo XX apresenta um quadro ampliado em relao ao momento anterior. Por um lado, traz o fenmeno cristalizado na exibio do primeiro panorama de Valrio, introduzindo com centralidade a imagem da cidade num contexto espetacular. Por outro, revela a produo agora contnua de imagens por segmentos como a documentao de engenharia que constituiro mais adiante fontes importantes para a histria visual.

Outros fenmenos, porm, modificam ou requalificam o sistema de produo e circulao de imagens, alguns com impacto evidente, outros como um eco de fundo, mas de forma prolongada.

Em 1919, por exemplo, a Revista do Brasil, j sob direo do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), publica, ocupando duas pginas da edio de maio-agosto, o artigo: So Paulo vista de aeroplano. Apresenta ali duas fotos realizadas pelo tenente observador Dorsand, uma delas destacando o Largo de So Bento, registros apontados como os primeiros a serem feitos na capital paulista.

As imagens areas constituiro ao longo de extenso perodo um motivo de fascnio, repetindo-se continuamente em revistas das dcadas seguintes. O interesse por este novo olhar apenas um dos vrios desdobramentos de uma expanso tecnolgica da imagem tcnica, da imagem produzida por aparelhos. Sucedem uma longa tradio de aparatos ticos, entre eles a lanterna mgica, mas incorporando-os cornucpia amplificada pela fotografia, a estereoscopia, o cinema...

A estereoscopia, tcnica presente h algumas dcadas entre ns, ter agora uma presena ampliada, praticada por fotgrafos amadores. Embora seu impacto seja reduzido, a prtica parece complementar a vertente imagtica de perfil mais tecnicista como a fotografia area.

O perfil dos seus praticantes predominantemente o do profissional liberal, como engenheiros e mdicos, que a utilizam no apenas para registrar a cidade, sua rea central ou excurses ao campo. Indo alm, essas fotos marcam o nascimento do turismo, acessvel s classes mais abastadas atravs de viagens a locais como Santos, Guaruj, Poos de Caldas.

Raros exemplares esto hoje disponveis em acervos pblicos. Um caso exemplar a coleo produzida por Raul Almeida Prado ( ? 1945) entre 1924 e 1928. Outro praticante com o mesmo perfil Edgard de Souza (1876-1956), engenheiro, superintendente geral da Light & Power a partir de 1924, cuja produo ainda preservada retrata o cotidiano de um executivo de empresa multinacional, com registros de viagens pela Europa e Estados Unidos.

Ambos os casos renem imagens da cidade de So Paulo, suas ruas centrais, importantes como registros visuais em terceira dimenso. No entanto as fotografias mais antigas em estereoscopia realizadas por um amador, at hoje conhecidas, so produzidas por Otvio Augusto de Alvarenga (1882-1933) em meados da primeira dcada. Desse conjunto, destaca-se excepcional registro do Largo da S, no consagrado ngulo registrado por Milito em 1862, agora tomado por uma multido, projetada nossa frente.

Ver-se de forma renovada parece ser aqui uma marca de fundo. A introduo da imagem em movimento, do raio-x, da estereoscopia, tudo motivo de comentrio na imprensa internacional e local, ainda que a percepo do alcance e impacto destas possibilidades parea imprecisa.

Outros fenmenos perceptivos importantes passam desapercebidos, porm, ou mascarados por eventos paralelos. o caso da presena da cor na fotografia, que ocorre de forma peculiar atravs de vrios segmentos, em especial a introduo do carto postal.

Um anncio publicado na edio para 1905 do famoso Almanak Laemmert indica as propores da moda enquanto produo e consumo: PHOTOGRAPHIA UNIO/ 70.000 cartes postaes/ a maior colleo at hoje editada no Estado de So Paulo, trabalho ntido e perfeito, compondo-se de que mais bello e pittoresco, de mais admirvel e encantador possue essa terra."

O postal agora o meio por excelncia - de veiculao da vista urbana, explicitamente gerada para registrar e propagandear o desenvolvimento da cidade. A edio de imagens segue, a princpio, padres sobre temas e concepo visual a serem obedecidos. O formato associa duas aes: a documental e a simblica. Essa dualidade atravessa a produo e a caracteriza.

A imagem urbana, um dos diversos temas veiculados pelo postal, passa posteriormente a confundir-se entre ns com o suporte, associao motivada por fatores diversos entre os quais a propaganda do desenvolvimento local. Deve-se ressaltar que o novo veculo vai responder por parte do papel de diverso e informao que a fotografia estereoscpica teve aps sua introduo na dcada de 1860.

O postalTC "postal" \f r \l 3 , talvez, uma das formas de difuso de imagem que melhor exemplifica a penetrao da fotografia na esfera pessoal. Adotado de imediato como objeto de colecionismo, chega a assumir em seu auge um papel similar ao da prtica de troca de retratos no sculo anterior.

Monteiro Lobato registra TC "LOBATO, Jos Bento Monteiro" \f ra aceitao do postal, em carta de 1904, quando freqentava o ltimo ano da Faculdade de Direito no Largo S.Francisco: "Minha irm mostrou-me hoje o teu 'postal'. a mania de agora. Ha quem deite no correio vinte, trinta 'postais' por dia, com 'pensamentos'. Circulam muitos retratos da Lina Cavallieri, da Bela Otero e da Cleo de Mrode, amante do rei Leopoldo da Blgica, um insigne tranca realengo".A meno a fotos de celebridades indica a diversidade de opes temticas, que aparentemente ajudam a estimular a fixao de outro hbito: o lbum de fotografias, reunindo retratos, postais e outros objetos de interesse pessoal. O formato postal apresenta ao longo do perodo vertentes diversas, em que outras funes so agregadas: de retratos de celebridades, tema que logo partilhar com figurinhas e brindes como as estampas Eucalol, ao uso como eventual recurso jornalstico como ocorre, por exemplo, no momento que sucede revoluo de 1924.

O perodo v surgir um conjunto crescente de editores explorando o segmento, reunindo nomes como F. Manzieri, a prpria Casa Garraux, Rosenhaim... Na dcada de 1910, ganham espao as extensas sries editadas por Malusardi. Os fotgrafos procuram tambm ocupar uma parte do mercado, alguns continuando uma prtica anterior de edio de estampas como Gaensly, outros de forma ocasional como Valrio Vieira. Aparentemente, o mercado leva predominncia das casas editoriais, em alguns casos dando vazo regular da produo de fotgrafos como Gaensly, publicado por vrios editores, em especial Malusardi.

A introduo do postal , noutra direo, um meio fundamental para a expanso da fotografia alm da esfera pessoal, horizonte marcado pelo retrato. O formato cria um sistema de circulao mais amplo em que a imagem urbana ganha destaque.

Com certeza, os padres de edio predominantes valorizam os novos edifcios pblicos, que se confundem com a presena do Estado. No entanto, esse procedimento no esgota toda a produo. A simplificao mascara quanto o suporte postal veicula imagens do cotidiano, das praas, e como ele complementa outro fenmeno, que ser comentado adiante, o das revistas ilustradas.

Aqui, porm, acrescenta-se o novo fenmeno da presena da cor, atravs da introduo da cromofotolitografia. Embora a captao fotogrfica em cor esteja disponvel entre ns com a difuso da autocromia entre fotgrafos amadores de maior refinamento ou para uso restrito de fot