safatle. por um conceito antipredicativo de reconhecimento

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  • 7/25/2019 SAFATLE. Por Um Conceito Antipredicativo de Reconhecimento

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    POR UM CONCEITO ANTIPREDICATIVO

    DE RECONHECIMENTO

    Vladimir Safatle

    Amigo, diz Polifemo,

    O ousado que por dolo, no por fora,

    Matou-me, foi NingumHOMERO, ODISSEIA

    Falta ainda a audcia revolucionria

    que arremessa ao adversrio a frase provocadora:

    Nada sou e serei tudo.

    KARLMARX

    Durante os ltimos vinte anos do debate filosfico e social,vimos a hegemonia do conceito de reconhecimento comooperador central para a compreenso da racionalidade dasdemandas polticas. Recuperado pela primeira vez nos anosde 1930, ele s foi explorado sistematicamente em sua dimen-so propriamente poltica a partir do incio dos anos de 1990,

    em especial pela terceira gerao da Escola de Frankfurt,por Axel Honneth, e por filsofos que sofreram influnciade Hegel, como Charles Taylor. No entanto, trata-se aqui delembrar que no devemos refletir sobre os usos polticos con-

    DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0102-64452015009400004

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    temporneos do conceito de reconhecimento sem levar emconta a avaliao de seu contexto scio-histrico de recupera-o, no incio dos anos de 1990. Contexto este extremamente

    sugestivo, pois indissocivel da perda, nas ltimas dcadas, dacentralidade do discurso das lutas de classes enquanto chavede leitura para os conflitos sociais.

    A luta de classes parecia limitar os conflitos sociais aproblemas gerais de redistribuio igualitria de riquezas(que no so meramente expresses de uma teoria da jus-tia redistributiva), ignorando com isso dimenses morais

    e culturais que no poderiam ser compreendidas comomeros reflexos de estruturas de classe. Sendo assim, umaleitura possvel consistiria em dizer que certo acmulo demodificaes teria fornecido as condies para a elevaodo reconhecimento a problema poltico central. Dentre taismodificaes, trs seriam fundamentais.

    Primeiramente, teramos o esvaziamento do prole-

    tariado enquanto ator histrico de transformao socialrevolucionria: tema presente na Escola de Frankfurt aomenos desde os anos de 1930 em suas pesquisas sobre asregresses polticas da classe operria em direo sus-tentao do nazismo (cf. p.ex. Fromm, 1980). Certamente,muito contribui para a consolidao de tal esvaziamento aforte integrao do operariado aos sistemas de segurida-

    de e s polticas corretivas dos ditos Estados do bem-estarsocial a partir dos anos de 1950. Note-se como Habermas olhando para a ausncia de candidatos a ocuparem a

    vaga de atores globais de transformao revolucionriaaps essa integrao da classe operria e o posterior enfra-quecimento do prprio Estado do bem-estar social insis-tir em ler tal situao como expresso de esgotamento

    de determinada utopia que, no passado, cristalizou-seem torno do potencial de uma sociedade do trabalho(Habermas, 1987, p. 105). Esgotamento que levar AxelHonneth (2003, p. 116) a afirmar, recentemente, que a

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    prpria crena no papel privilegiado do proletariado nointerior de uma poltica revolucionria no passava de umdogma histrico-filosfico. Aceito que o pretenso papel

    privilegiado do proletariado no passava de um dogma,o investimento no discurso da luta de classes como eixocentral de organizao e constituio das identidades nointerior dos embates polticos perde necessariamente suafora para abrir espao a outros candidatos.

    Por outro lado, com a sada de cena do proletariadoenquanto figura por excelncia da subjetividade poltica, per-

    de-se o mais importante dispositivo de determinao genricadas lutas sociais no sculo XX. Devemos falar aqui de deter-minao genrica porque, sua maneira, o proletariado apa-recia como uma espcie de sujeito universal, capaz de unifi-car toda a multiplicidade de manifestaes sociais com vistas emancipao poltica. Isso talvez explique porque a primeirarecuperao do conceito de reconhecimento, no interior

    do debate intelectual francs, privilegiou espaos de posioda singularidade, como a clnica psicanaltica e a reflexo ti-ca. Como o debate poltico de ento ainda se ordenava a par-tir da determinao genrica do proletariado, falar de reco-nhecimento no campo poltico mostrava-se desnecessrio. apenas com o abandono gradativo de tal crena na universali-dade concreta da classe proletria que vem cena o problema

    das multiplicidades que precisam se fazer reconhecer comotais no interior dos embates sociais.Para a consolidao da centralidade atual do conceito

    de reconhecimento, foi necessrio, porm, que a perda nacrena revolucionria do proletariado fosse acompanhada deum fenmeno suplementar relacionado mutao do siste-ma de expectativas ligado a um dos eixos centrais do desen-

    volvimento das lutas polticas: o universo do trabalho. Talmutao pode ser compreendida se tomarmos que, desdeas revoltas de maio de 1968, um novo ethos do capitalismocomeou a ser formado (cf. Boltanski e Chiapello, 1999).

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    A crtica social que se desenvolve a partir de maio de1968 visava, principalmente, ao trabalho e sua incapaci-dade em dar conta de exigncias de autenticidade. Visto

    como o espao da rigidez do tempo controlado, dos hor-rios impostos, da alienao taylorista e da estereotipia deempresas fortemente hierarquizadas, o trabalho fora forte-mente desvalorizado pelos jovens de 1968. Vrios estudosdo incio dos anos de 1970 demonstram conscincia dos ris-cos de uma profunda desmotivao dos jovens em relaoaos valores presentes no mundo do trabalho, preferindo ati-

    vidades flexveis, mesmo que menos renumeradas.O resultado de tal crtica teria sido a reconfigurao

    do ncleo ideolgico da sociedade capitalista e a conse-quente modificao do ethos do trabalho. Valores comosegurana, estabilidade, respeito hierarquia funcional e especializao, que faziam do mundo do trabalho umsetor fundamental de imposio de identidades fixas e

    rgidas, deram lugar a outro conjunto de valores vindosdiretamente do universo da crtica ao trabalho. Capacidadede enfrentar riscos, flexibilizao, maleabilidade, dester-ritorializao resultante de processos infinitos de reenge-nharia: todos esses valores compem atualmente um novoncleo ideolgico. Com essa modificao, o universo dotrabalho nas sociedades capitalistas estaria mais apto a

    aceitar demandas de reconhecimento da individualidadee a modificar a matriz da experincia de alienao, reti-rando tal matriz da temtica da espoliao econmica, afim de desloc-la em direo temtica da imposio deuma vida inautntica, ou seja, de uma vida desprovida doespao de desenvolvimento de exigncias individuais deautorrealizao. Com esse deslocamento da espoliao

    inautenticidade no interior da crtica ao trabalho, abria-semais uma porta para secundarizar o conceito de luta declasses e elevar o problema do reconhecimento a dispositi-

    vo poltico central.

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    Por fim, devemos lembrar como essa mutao acabapor se encontrar com outra srie de modificaes ligadas, porsua vez, compreenso, ocorrida a partir dos anos de 1970,

    das lutas de grupos historicamente vulnerveis e espoliados dedireitos (como negros, gays, mulheres) enquanto lutas de afir-mao cultural das diferenas. Isso significa afirmar que elasno foram apenas compreendidas como setores de umaluta mais ampla de ampliao de direitos universais a gru-pos at ento excludos, mas como processos de afirmaodas diferenas diante de um quadro universalista pretensa-

    mente comprometido com a perpetuao de normas e for-mas de vida prprias a grupos culturalmente hegemnicos.Muito colaborou para isso o desenvolvimento das temticasligadas ao multiculturalismo.

    Desde 1957, o termo multiculturalismoaparecera a fimde descrever a realidade multilingustica da federaoSua. No entanto, foi no Canad que o multiculturalis-

    mo chegou a ser implementado, pela primeira vez, comopoltica de Estado. Marcado tanto pelo conflito entre ascomunidades anglfonas e francfonas, quanto por umaelevada taxa de imigrao, o Canad adotou, em 1971,sob o governo social-democrata de Pierre Elliot Trudeau,o Announcement of Implementation of Policy of Multi-culturalism within Bilingual Framework1. Dessa forma, o

    pas se autodefinia como uma sociedade multicultural, e1 A natureza de tal poltica estava clara no pronunciamento do ento Primeiro--Ministro Pierre Elliot Trudeau na ocasio da apresentao da lei: Uma polticamulticulturalista no interior de um quadro de defesa do bilinguismo aparece aogoverno como a melhor maneira de assegurar a liberdade cultural dos canaden-ses. Tal poltica deve auxiliar a diminuir atitudes discriminatrias e cimes cultu-rais. Se a unidade nacional significa algo no sentido pessoal profundo, este deveser encontrado na confiana na identidade individual prpria de cada um; a partirdessa relao, pode crescer o respeito pela identidade do outro e a disposio em

    partilhar ideias, atitudes e julgamentos. Isso pode formar a base de uma socieda-de pautada na justia para todos. O governo ir defender e encorajar as vriasculturas e grupos tnicos que fornecem estrutura e vitalidade nossa sociedade.Eles sero encorajados a partilhar suas expresses culturais e valores com outroscanadenses e, assim, contribuir para uma vida mais rica a todos (Trudeau, 1971).

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    reconhecia, inclusive, a necessidade de polticas especfi-cas financiadas pelo Estado, visando preservao de talmultiplicidade. Em 1988, as polticas anunciadas foram

    reforadas com a implementao do Canadian Multi-culturalism Act. Vrios outros pases, majoritariamenteanglo-saxes (alm dos Pases Baixos), seguiram o quadrocanadense de constituio de polticas multiculturais deEstado. No de estranhar ter sido um filsofo canaden-se, Charles Taylor (1992), um dos primeiros a recuperaro conceito de reconhecimento exatamente no interior de

    um debate sobre o multiculturalismo.Essa tendncia multicultural foi uma pea hegemni-

    ca na orientao poltica de esquerda a partir dos anos de1980 devido, principalmente, ao seu potencial de defesade minorias tnico-culturais e possibilidade de ser aco-plada a prticas de institucionalizao da diversidade deorientaes sexuais. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento

    de uma reflexo filosfica sensvel natureza disciplinarde estruturas de poder, que pretendiam impor normati-vidades no campo da sexualidade, do desejo, da norma-lidade psquica, da estrutura da famlia, da constituiodos papis sociais, forneceu o quadro conceitual para des-dobrar o impacto de tais lutas (cf. p.ex. Deleuze, 1972; eFoucault, 1976).

    Mesmo que autores como Michel Foucault, GillesDeleuze e Jacques Derrida no tenham sido responsveispela recuperao da teoria do reconhecimento, o que nopoderia ser diferente devido ao anti-hegelianismo expl-cito dos dois primeiros e mitigado no caso do terceiro, inegvel que sua forma de crtica compreenso marxis-ta tradicional dos embates polticos, assim como sua defe-

    sa tica do primado da diferena em muito colaborarampara a consolidao de um quadro filosfico mais propcio recuperao da centralidade do problema do reconhe-cimento da alteridade como o problema poltico central.

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    Dessa forma, estavam dadas as condies gerais para que acompreenso filosfica das lutas polticas passasse necessa-riamente de uma abordagem centrada na redistribuio de

    riquezas a outra mais ampla, centrada em mltiplas formasde reconhecimento no campo da cultura, da vida sexual,das etnias e no desenvolvimento das potencialidades indivi-duais da pessoa. Uma multiplicidade de campos que teriamsido levados ao centro da cena poltica aps a aceitao tci-ta da impossibilidade de uma poltica revolucionria basea-da na instrumentalizao da luta de classes.

    Sendo assim, ao menos no interior dessa leitura, tera-mos de admitir que o conceito de reconhecimento estarialimitado geograficamente descrio de lutas sociais empases do chamado Primeiro Mundo, que j teriam realiza-do a integrao do proletariado classe mdia, assim comoaceito a necessidade do descentramento de suas matrizesculturais atravs da abertura afirmao tolerante de for-

    mas de vida em contnua variao. No por outra razo, umdos primeiros usos da segunda recuperao do conceito dereconhecimento esteve exatamente vinculado reflexosobre a dinmica social das sociedades multiculturais (cf.Taylor, 1992).

    Mas essa leitura no condiz com a realidade histrica doreaparecimento do conceito no interior da filosofia social.

    Foi em 1992, com a publicao de dois textos, de AxelHonneth e de Charles Taylor, que ele foi retomado. Ouseja, exatamente no momento em que se iniciava a lentadesintegrao das conquistas econmicas dos ditos Estadosde bem-estar social, com o desmantelamento dos direitostrabalhistas, a privatizao (gradual ou total) da previdnciae o sucateamento da educao, da sade e de outros servi-

    os pblicos. Uma desintegrao que ocorreu no momen-to em que vrios tericos afirmavam que entrvamos emuma era ps-ideolgica, marcada pelo fim da crena emtransformaes sociais revolucionrias com a consequente

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    aceitao do horizonte normativo das democracias liberaiscomo estgio final das lutas sociais.

    Isso talvez explique porque crticos desta importn-

    cia dada ao conceito de reconhecimento, principalmenteaqueles de matriz marxista (mas no apenas eles), insisti-ram estarmos aqui diante de uma espcie de conceito mera-mente compensatrio. Pois tudo se passaria como se, dada aimpossibilidade de implementar polticas efetivas de redis-tribuio e luta radical contra a desigualdade, nos restasseapenas discutir polticas compensatrias de reconhecimen-

    to2. Da mesma forma, dado o fato de o capital aparecer, demaneira agora inquestionvel, como nica instncia capazde ocupar o espao da universalidade no interior do libe-ralismo das sociedades multiculturais, nos restaria simples-mente reinventar demandas de reconhecimento de iden-tidades comunitrias, em suas mltiplas formas, tentandodar comunidade um sentido que no se reduzisse a mero

    espao de restrio. Por fim, diante da impossibilidade detransformaes sociais de larga escala, nos restaria discutir anatureza moral de nossas demandas sociais.

    2 nesse sentido que podemos ler uma afirmao como a de Zizek (2006, p. 35):De fato, j que o horizonte da imaginao social no mais permite que alimen-temos a ideia de que o capitalismo um dia desaparecer pois, como se poderia

    dizer, todos aceitam tacitamente que o capitalismo est aqui para ficar , como se aenergia crtica tivesse encontrado uma sada substitutiva na luta pelas diferenasculturais que deixa intacta a homogeneidade bsica do sistema mundial capitalis-ta. Lembremos tambm de um liberal de esquerda como Richard Rorty (1995),que dir: Precisamos pois de uma explicao sobre por que o reconhecimentocultural visto como to importante. Penso que uma razo de ele ter se tornadoto importante no discurso da esquerda acadmica norte-americana vincula-se aum conjunto especfico de circunstncias acadmicas. A nica coisa que ns, aca-dmicos, podemos fazer com nossas capacidades profissionais especficas, a fim deeliminar o preconceito, escrever a histria das mulheres, celebrar a realizaode artistas negros, entre outros. Isto o melhor que acadmicos trabalhando em

    programas de Estudos feministas, Estudos afro-americanos e Estudos gays podemfazer. Tais programas so os braos acadmicos de novos movimentos sociais movimentos que, como Judith Butler disse, mantiveram a esquerda viva nos EUAnestes ltimos anos, anos durante os quais os ricos se saram muito melhor noquesito luta de classes.

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    A economia da identidade individualMostrar que no estvamos diante de um simples disposi-tivo compensatrio, mas provido de importante fora de

    transformao das estruturas sociais foi uma tarefa queengajou vrios defensores do uso poltico do conceito dereconhecimento nos ltimos vinte anos. Essa tarefa passoupor evidenciar como a fora emancipatria do reconheci-mento no interior de processos polticos concretos no sedava margem da discusso sobre problemas de redistri-buio igualitria das riquezas. Isso significou, nesse contex-

    to, lembrar como as discusses sobre diferenas culturais eidentidades sociais no mascaram necessariamente proble-mas estruturais ligados a lutas de redistribuio de riquezasentre classes. Tendo tal projeto em mente, autores como

    Axel Honneth (2003, p. 114) foram levados a sustentar quemesmo injustias ligadas distribuio devem ser entendi-das como a expresso institucional de desrespeito social ou,

    melhor dizendo, de relaes no justificadas de reconhe-cimento. O que leva Honneth (2003, p. 123) a defender,entre outras coisas, proposies como a de que mesmo omovimento operrio procurava em uma dimenso essen-cial encontrar reconhecimento para suas tradies e formasde vida no interior de um horizonte capitalista de valor.

    A estratgia de Honneth baseava-se em uma assimila-

    o do problema da redistribuio de riquezas a um qua-dro mais amplo de discusses referentes ao reconhecimen-to. Para tanto, foi necessrio compreender o sentimentosocial de injustia econmica como expresso possvel dasfontes motivacionais do descontentamento social e daresistncia (Honneth, 2003, p. 125). Abria-se assim a pos-sibilidade, ao menos para esse autor, de criar um quadro

    motivacional unitrio, centrado na ideia de que sujeitosesperam da sociedade, acima de tudo, reconhecimento desuas demandas de identidade (p. 131). O que no poderiaser diferente para algum que afirma: sujeitos percebem

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    procedimentos institucionais como injustia social quan-do veem aspectos de sua personalidade, que acreditam terdireito ao reconhecimento, serem desrespeitados (p. 132).

    Tal afirmao coloca no horizonte regulador dos processosde reconhecimento um conceito de integridade pessoal,cujo pressuposto fundamental a naturalizao de factodas estruturas dos conceitos psicolgicos de indivduo epersonalidade. Segundo Honneth (2003, p. 176), as lutaspolticas, mesmo aquelas organizadas a partir de demandasde redistribuio econmica, visam, no limite, garantir as

    condies concretas para a formao da identidade pesso-al. Ou seja, a prpria gnese da individualidade modernaaparece como um fundamento pr-poltico para o campopoltico. Algo que deve ser politicamente confirmado, e nopoliticamente desconstrudo. Da Honneth (2003, p. 177)ser incisivo: admito a premissa de que o propsito da igual-dade social permitir o desenvolvimento da formao da

    identidade pessoal de todos os membros da sociedade.Feita tal naturalizao, Honneth pde se servir, entreoutros, dos estudos de historiadores como E. P. Thompsone Barrington Moore, a fim de concluir que a estrutura moti-

    vacional das lutas da classe operria baseou-se, principal-mente: na experincia da violao de exigncias localmen-te transmitidas de honra (Honneth, 2003, p. 131)3, j que,

    mais importante do que demandas materiais, teria sido osentimento de desrespeito em relao a formas de vida queclamam por reconhecimento. Ao insistir na centralidade daexperincia moral do sentimento de desrespeito comomotor das lutas polticas, elevando-o condio de base

    3 Por procurar desde h muito defender tal perspectiva, Honneth (1992, p. 233)

    diz que, em Marx: a luta de classes no significa, primeiramente, um afronta-mento estratgico, visando aquisio de bens ou de instrumentos de poder. Elaconstitui um conflito moral, cuja questo a emancipao do trabalho, condioessencial de que depende, ao mesmo tempo, a estima simtrica entre sujeitos e aconscincia individual de si.

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    motivacional para todo e qualquer conflito, Honneth ins-creveu problemas de redistribuio no interior do quadrogeral de demandas morais. Assim, sendo a vulnerabilidade

    social ligada pauperizao compreendida, principalmen-te, como expresso material da impossibilidade da realiza-o de exigncias morais de respeito, abrem-se as portaspara ele afirmar que a distino entre empobrecimentoeconmico e degradao cultural fenomenologicamen-te secundria (Honneth, 2003, p. 171), j que conflitospor redistribuio no poderiam ser compreendidos como

    independentes de toda e qualquer experincia de desres-peito social.

    Dentre os vrios problemas resultantes dessa perspectiva,vale a pena salientar ao menos trs. Primeiro, uma teoriaque secundariza distines entre pauperizao e degrada-o cultural, apelando para isso a uma espcie de monismomoral, fica impotente para pensar a especificidade e o car-

    ter insubstituvel das polticas de redistribuio. Pois, se esta-mos diante de mltiplas formas da impossibilidade da rea-lizao de exigncias morais de respeito, no fica claro porque problemas de desigualdade econmica no poderiamser compensados e minorados pela instituio, por exemplo,de polticas de afirmao cultural. Pois sendo as lutas porredistribuio definidas como processo de afirmao das

    condies materiais para garantir as possibilidades de forma-o da identidade pessoal, ento poderamos acreditar queo desenvolvimento de outros processos responsveis pela

    viabilizao de tal formao iro impactar de maneira com-pensatria na fora das demandas de igualdade econmica.

    Admitido uma matriz scio-ontolgica unitria para todas asformas de sofrimento social, no mais possvel pensar a

    irredutibilidade das polticas de redistribuio.Por outro lado, admitida a natureza moral das deman-das de redistribuio, no se podem impedi-las de quesejam psicologizadas, ou seja, tratadas como problemas de

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    limitao do desenvolvimento da individualidade psicolgi-ca. O que, no limite, transformar todo discurso poltico emum discurso de forte teor de queixa psicolgica. Mas, princi-

    palmente, transformar toda resposta s demandas de redis-tribuio em uma ao teraputica de polticas de Estadoque compreendem sujeitos polticos como algo parecido aprotossujeitos psicologicamente vulnerveis em suas iden-tidades, que aparecem cena pblica suportados por dis-cursos reivindicatrios prprios a quem, no fundo, esperacuidado e amparo4. As demandas por transformao social

    se transmutam em demandas por cuidado social. Mas ademanda por cuidado uma demanda que, para funcionar,deve reconhecer a legitimidade do lugar do outro que podecuidar de mim. Esta no uma demanda poltica de trans-formao, mas uma demanda teraputica de acolhimento.Quem pede por cuidado refora a posio de quem apare-ce como capaz de cuidar.

    H ainda um terceiro problema na perspectiva defendi-da por Honneth. Ao reduzir a integralidade das lutas sociaiss demandas pela afirmao das condies para a formaoda identidade pessoal, sua perspectiva anula por comple-to uma dimenso fundamental para a compreenso da lutade classe, ao menos para Marx, a saber, a fora de desiden-tidade prpria ao conceito marxista de proletariado. Ao

    compreender a fora revolucionria do proletariado comoum dogma histrico-filosfico, Honneth acaba por perderaquilo que poderamos chamar de funo ontolgica doproletariado no interior do pensamento de Marx. Tal fun-o faz do proletariado a manifestao social de um prin-

    4 Ver, a este respeito, os usos do conceito de cuidado (care)no interior do debate

    poltico e da definio da natureza das polticas pblicas de assistncia em Vassete Viannay (2009) e em Fassin e Rechmann (2007). sua maneira, Alain Badiou(2003) havia indicado os riscos dessa psicologizao do sofrimento social emEthi-que: essai sur la conscience du mal. Sobre outros aspectos desse problema, ver aindaKehl (2005).

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    cpio de desidentidade e desdiferenciao. De certa forma,h em Marx uma espcie de condio proletria presentecomo horizonte regulador de seu igualitarismo radical. Essa

    condio mereceria ser recuperada na reflexo polticacontempornea.

    A indeterminao social do proletariadoLembremos como, segundo Marx, a revoluo s pode serfeita pela classe dos despossudos de predicado e profun-damente despossudos de identidade. Classe formada por

    indivduos histrico-universais, empiricamente universais,em vez de indivduos locais (Marx, 2008, p. 58), o que secoaduna muito pouco com a viso de operrios que lutampelo reconhecimento de suas tradies e formas de vida.Para que apaream indivduos histrico-universais, faz-senecessrio certa experincia de negatividade que, desdeHegel, condio para a fundamentao da verdadeira uni-

    versalidade. Tal experincia, o proletariado a sofre atravsda despossesso completa de si, descrita por Marx no Mani-festo Comunista.

    O proletrio desprovido de propriedade(eigentumslos);sua relao com a esposa e os filhos no tem mais nadaa ver com as relaes da famlia burguesa; o trabalho

    industrial moderno, a moderna subsuno ao capital, tantona Inglaterra quanto na Frana, na Amrica quanto naAlemanha, retiraram dele todo carter nacional. A lei, amoral, a religio so para ele preconceitos burgueses queencobrem vrios interesses burgueses (Marx, 2013).

    Como vemos, o proletariado no definido apenas a

    partir da pauperizao extrema, mas da anulao completade vnculos a formas tradicionais de vida. Tais vnculos noso recuperados em um processo poltico de reafirmaode si, no se trata de permitir que os proletrios tenham

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    uma nao, uma famlia burguesa, uma moral e uma reli-gio. Tais normatividades so negadas em uma negao semretorno. No entanto, tal negao no leva o proletariado

    a aparecer como essa massa indefinida, desestruturada ejogada de um lado para outro, que os franceses denomi-nam la bohme (Marx, 2011, p. 91) e que Marx define comolumpemproletariado (cf. Thoburn, 2002). Pois essa deses-truturao e indefinio anmica do lumpemproletariado prpria de quem ainda conserva a esperana de retor-no da ordem, ou que no capaz de conceber nada fora

    de uma ordem que ele mesmo sabe estar completamentecomprometida. O que faz suas aes polticas serem apenaspardias de transformaes, comdias, ou ainda, mas-caradas: todos termos usados por Marx no 18 brumrio parafalar de revolues que so, na verdade, tentativas de esta-bilizao no caos.

    O proletariado marcado pela ausncia de qualquer

    expectativa de retorno. Por isso, ao ser desprovido de pro-priedade, de nacionalidade, de laos a modos de vida tradi-cionais e de confiana em normatividades sociais estabeleci-das, ele pode transformar seu desamparo em fora polticade transformao radical das formas de vida, o que Marxdeixa claro quando afirma esperar:

    [...] um intercmbiouniversal dos homens [h de se insistirno peso de uma formulao desta natureza] em virtude doqual, por um lado, o fenmeno da massa despossuda seproduz simultaneamente em todos os povos (concorrnciauniversal), fazendo com que cada um deles dependa dastransformaes revolucionrias dos outros e, por ltimo,institui indivduoshistrico-universais, empiricamenteuniversais, em vez de indivduos locais (Marx, 2008, p. 58).

    Para tanto, devemos compreender que a afirmao dacondio proletria no se confunde com qualquer demanda

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    de reconhecimento de formas de vida desrespeitadas, cla-ramente organizadas em suas particularidades. Ao contr-rio, a afirmao de tal condio gera a classe desses sujeitos

    sem predicados que, como diz A ideologia alem, podero sesatisfazer ao pescar de dia, pastorear tarde e fazer crtica noite, sem (e este o ponto principal) ser pescador, pastorou crtico, ou seja, sem permitir que o sujeito se determineinteiramente em seus predicados (Marx, 2008, p. 56). Issosignifica que a atividade de pescar, pastorear e criticar nopode ser, ao mesmo tempo, identificao do sujeito.

    Como em Hegel, a posio do sujeito, sua exterioriza-o, mostra como h algo de radicalmente antipredicativoa animar o movimento da essncia5. O que no poderia serdiferente se pensarmos o proletariado como essa classe:que expressa, de per si, a dissoluo de todas as classesdentro da sociedade atual (Marx, 2008, p. 98). A classedo que dissolve todas as classes por representar: a perda

    total da humanidade (Marx, 2005, p. 156), o que noencontra mais figura na imagem atual do homem. Dessaforma, podemos dizer que, tal como na teoria hegelianado sujeito (embora Marx desqualificasse tal assimilaopor ver, em Hegel, uma elaborao meramente abstra-ta do problema), o proletariado s supera sua alienaoao se confrontar com o carter profundamente indeter-

    minado do fundamento e conservar algo desta indeter-minao6. Seu papel de redeno (Erlsung) s pode serdesempenhado condio de assumir sua natureza de

    5 Como dir Alain Badiou (2007, p. 108): Marx j sublinhava que a singularidadeuniversal do proletariado no portar nenhum predicado, nada ter, e especial-mente no ter, em sentido forte, nenhuma ptria. Essa concepo antipredica-tiva, negativa e universal do homem novo atravessa o sculo. Lembremos ainda

    que: Em latim, proletarii significa pessoa prolfica pessoa que gera crianas,que meramente vive e reproduz sem nome, sem ser contada como fazendo parteda ordem simblica da cidade (Rancire, 1995, p. 67).6 Sobre este ponto da filosofia hegeliana, tomo a liberdade de remeter ao meuGrande hotel abismo: para uma reconstruo da teoria do reconhecimento(Safatle, 2012).

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    dissoluo (Auflsung). Como dir Balibar (2011, p. 260),o advento do proletrio como sujeito poltico o apareci-mento de um sujeito como vazio, que no , em absolu-

    to, privado de determinaes prticas. Essa manifestaode um vazio em relao s determinaes identitrias atu-ais leva-nos a compreender que o reconhecimento de si s possvel condio de uma crtica profunda de toda ten-tativa de reinstaurar identidades imediatas entre sujeito eseus predicados.

    Se este for o caso, ento poderemos dizer que a luta

    de classes em Marx no simplesmente um conflito moralmotivado pela defesa das condies materiais para a estimasimtrica entre sujeitos dispostos a se fazerem reconhecera partir da perspectiva da integralidade de suas persona-lidades. A abolio da propriedade privada deve acompa-nhar necessariamente a abolio de uma economia psqui-ca baseada na afirmao da personalidade como categoria

    identitria. Nesse sentido, a luta de classes em Marx nopode ser compreendida como mera expresso de formasde luta contra a injustia econmica, j que ela tambmmodelo de crtica tentativa de transformar a individuali-dade em horizonte final para todo e qualquer processo dereconhecimento social. O que no poderia ser diferente selembrarmos que, ao menos no interior da tradio dial-

    tica, pessoa uma categoria derivada historicamente dodireito romano de propriedade (dominus), uma categoriaque, por ainda guardar os traos de sua origem, era vista

    j por filsofos como Hegel (1992, p. 33) como expressode desprezo devido sua natureza meramente abstrata eformal, advinda da absolutizao das relaes de proprie-dade7. Encontramos claramente em Marx essa crtica j

    7 Lembremos a esse respeito da cannica definio de Locke (2005, p. 287): Ain-da que a Terra e todas criaturas inferiores sejam comuns a todos Homens, cadaHomem tem a Propriedade de sua prpria Pessoa. Ningum tem direito algum a isto,a no ser ele prprio. Tal articulao entre pessoa e propriedade servir de

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    presente em Hegel. Por isso, Marx insistir, por exemplo,que a noo de liberdade pressuposta pela Declarao dosDireitos do Homem e do Cidado, de 1793, era calcada em

    larga medida na absolutizao do indivduo proprietrio.Da uma colocao como:

    [...] o limite dentro do qual um [cidado] pode mover-se de modo a no prejudicar o outro determinado pelalei do mesmo modo que o limite entre dois terrenos determinado pelo poste da cerca. Trata-se da liberdade do

    homem como mnada isolada recolhida dentro de si mesma[] A aplicao prtica do direito humano liberdadeequivale ao direito humano propriedade privada(Marx,2010, p. 49).

    A liberdade, para Marx, supe a liberao do sujeitode sua condio de indivduo que se relaciona com outro

    indivduo tal como dois terrenos separados pelo poste dacerca. Estaremos sendo fiis ao esprito do texto de Marx seafirmarmos que atravs da luta de classes que uma experi-ncia social ps-identitria pode encontrar lugar. Podemosmesmo dizer que proletariado a nomeao poltica da for-a social de desdiferenciao identitria, cujo reconhecimento pode

    desarticular por completo sociedades organizadas a partir da hips-

    tase das relaes gerais de propriedade8

    . A felicidade do conceito

    fundamento para uma larga tradio de reflexo que chegar at as discusses re-centes sobre a self-ownership como atributo fundamental da pessoa (a esse respei-to, ver, entre outros, Cohen, 1995). Embora este seja um debate de vrias matizes, certo que a tradio dialtica de Hegel e Marx tende a l-lo da maneira esboadaneste artigo.8 E que o fato de essa fora de desdiferenciao prpria ao conceito de proleta-riado ter ganhado evidncia graas a marxistas franceses, como Badiou, Balibar eRancire, demonstra como algo do descentramento prprio ao conceito lacania-

    no de sujeito alcanou a poltica intermediado por ex-alunos de Louis Althusser.No entanto, tal descentramento tem sua matriz na noo de negatividade, pr-pria ao sujeito hegeliano. Assim, por ironia suprema da histria, algo do conceitohegeliano de sujeito acaba por voltar cena pela influncia surda em operaonos textos de ex-alunos deste anti-hegeliano por excelncia: Louis Althusser.

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    forjado por Marx residia em sua capacidade de sobreporlgica poltica e descrio sociolgica, permitindo a criaode uma relao profunda entre trabalhadores realmenteexistentes (que constituam uma importante maioria social)e proletrios (cf. Laclau, 2011, p. 308). No entanto, susten-tar tal relao no condio necessria para que o concei-to marxista de proletariado continue a mostrar sua opera-tividade. Na situao histrica atual, de reconfigurao dasociedade do trabalho, podemos repensar tal relao a fimde encontrar espaos outros para a manifestao de exign-

    cias prprias a certa ontologia do sujeito pressuposta pelaconstruo marxista9.

    Para alm do princpio de diferena culturalAceitos tal hiptese e tal horizonte ps-identitrio, pode-mos abordar algumas alternativas recentes para pensar apossibilidade de uma teoria do reconhecimento que no se

    deixe pensar como poltica compensatria. Nancy Fraser,no debate com Axel Honneth, procurou resolver essa ques-to insistindo na necessidade de defender certo dualismocapaz de reconhecer que problemas de redistribuio ede reconhecimento, embora profundamente imbricados,devem ter respostas que considerem a impossibilidade dereduzir, em chave expressivista, as esferas da cultura e da

    economia. levando isso em conta que devemos interpre-tar afirmaes como:

    9 Essa uma maneira de aceitar proposies como: A coisa toda seria muito sim-ples se houvesse apenas a infelicidade da luta que ope ricos e pobres. A soluodo problema foi encontrada muito cedo. Basta suprimir a causa da dissenso, ouseja, a desigualdade de riquezas, dando a cada um uma parte igual de terra. O mal mais profundo. Da mesma forma que o povo no realmente o povo, mas os

    pobres, as pobres por sua vez no so realmente os pobres. Eles so apenas o reinoda ausncia de qualidade, a efetividade da disjuno primeira que porta o nome

    vazio de liberdade, a propriedade imprpria, o ttulo do litgio. Eles so eles mes-mos, a unio distorcida do prprio que no realmente prprio e do comum queno realmente comum (Rancire, 1995, p. 34).

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    [...] a justia implica, ao mesmo tempo, a redistribuio eo reconhecimento. Isso impe inicialmente conceitualizaro reconhecimento cultural e a igualdade social de forma

    tal que possam se reforar ao invs de um entravar o outro[At porque] a injustia econmica e a injustia culturalso habitualmente imbricadas de tal forma que se reforamdialeticamente (Fraser, 2005, pp. 14, 19).

    De fato, aquilo que Marx (2008, p. 63) chamou um diade derrocada prtica das relaes sociais reais no pode-

    ria mesmo se reduzir apenas s modificaes concretas dasrelaes de explorao econmica. At porque, no segu-ro que o combate injustia econmica elimine, por si s,a injustia cultural. A resilincia de processos de exclusoe preconceito relativos s diferenas culturais, mesmo emsociedades de forte tradio igualitria, pode nos servir deprova aqui. A igualdade econmica uma condio neces-

    sria, mas talvez no seja suficiente, para o reconhecimentosocial de mltiplas formas de vida em sua plasticidade.Nesse sentido, um importante desafio para as teorias do

    reconhecimento consistiria, ao menos da perspectiva de Fra-ser, em pensar o regime de imbricao entre injustia eco-nmica e injustia cultural. Fraser distingue dois modelos deao poltica. Pois se trata de afirmar que, de fato, existiriam

    polticas compensatriasligadas a dinmicas de reconhecimen-to e redistribuio, que estariam vinculadas, por exemplo,quilo que Fraser chama de multiculturalismo oficial e perpetuao do Estado liberal do bem-estar.

    Acrescente-se ainda a interpretao de que isso podesignificar uma articulao entre liberalismo econmico emulticulturalismo, que usa a afirmao da diferena culturalcomo compensao para a paralisia poltica em relao aosefeitos sociais das polticas econmicas liberais. Pois, paracompensar tal paralisia, cria-se a imagem da sociedade comouma rede atomizada de grupos fortemente identitrios

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    negociando infinitamente seu reconhecimento no interiorde uma dinmica frgil de tolerncia.

    Trata-se de dinmica frgil de tolerncia pelo fato

    de as identidades culturais serem, a menos nesse contexto,necessariamente defensivas, por operarem como constru-es que se definem por oposio e excluso. Identidadesculturais, ou seja, aquelas ligadas afirmao da especifici-dade de forma de vida que se estruturam a partir de etnias,nacionalidades, religies, modos de sexualidade, vnculos asistemas de costumes sempre se definem sob tenso, isso se

    no se quiser adotar: a iluso tipicamente liberal de umpluralismo sem antagonismo (Mouffe, 1995, p. 39). Ilusobaseada no esquecimento de que identidades, sejam polti-cas ou psicolgicas, sempre so construdas no interior derelaes assimtricas de poder, e, por isso, so expresses deestratgias de defesa ou de dominao10. A sensibilidade atal antagonismo s poderia ser minorada pela consolidao

    de um espao fortemente igualitrio para alm das diferen-as culturais, e no por uma politizao extrema do campoda cultura.

    No entanto, da politizao do campo das diferenasculturais que as polticas multiculturalistas vivem. Da atransformao da tolerncia em afeto poltico maior. Gos-taria de insistir que, em nosso momento histrico, a tole-

    rncia no pode ser elevada condio de afeto polticocom fora transformadora (cf. Badiou, 2003; e Zizek, 2014).Ao contrrio, polticas da tolerncia alimentam, atualmente,um ciclo infinitamente ruim de conflitos baseados em con-tnuas regresses sociais. No por outra razo, pases queat h pouco caracterizavam-se por polticas culturais base-adas na tolerncia, como os Pases Baixos e a Dinamarca,

    so atualmente os mais marcados por fortes polticas de

    10 Para uma discusso sobre a natureza dessa assimetria de poder na formao dasidentidades subjetivas e sua agressividade intrnseca, ver Lacan (1996).

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    excluso cultural. Como se a verdadeira funo das socie-dades multiculturais tivesse se transformado no bloqueiocontnuo da poltica atravs da sensibilizao extrema ao

    problema das diferenas culturais.Uma poltica baseada na tolerncia uma poltica que

    constri um campo de diferenas tolerveis, o que alimen-ta o fantasma perptuo da diferena intolervel. Ou seja,a equao das diferenas, to presente nas dinmicas mul-ticulturais, parte da seguinte questo: at onde podemossuportar uma diferena? Esta , no entanto, uma pssima

    questo. Parte-se do pressuposto de que vejo o outro pri-meiramente a partir da sua diferena minha identidade.Como se minha identidade j estivesse definida e simples-mente se comparasse identidade do outro. Por isso, a boaquesto talvez seja: em que condies a diversidade podeaparecer como a modulao de uma mesma universalidadeem processo tenso de efetivao? Isso implica no compreender

    o campo poltico como campo de identificao e reconhe-cimento das diferenas, mas campo de desconstruo dasdiferenas.

    Podemos encontrar alguns pontos em comum com talpreocupao na crena, sustentada por Fraser, na existnciadepolticas transformadorasligadas articulao entre aquiloque ela entende por prticas socialistas de redistribuio e pr-

    ticas de desconstruo das diferenas culturais. Tal descons-truo apareceria como necessria por duas razes. Primeiro,enquanto o reconhecimento estiver vinculado dimensoda afirmao das diferenas culturais, ou seja, mobilizaodos laos entre reconhecimento e produo de identidades,no ser possvel impedir que ele, o reconhecimento, jus-tifique prticas que no podem ser vistas como expresses

    de processos de emancipao

    11

    . Como bem lembra Craig

    11 Conforme salientou Mauro Basaure (s.d.) em Es la teoria de las luchas por elreconocimiento uma teoria de la poltica?.

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    Calhoun (1995, p. 215), questes de reconhecimento e deidentidade no tm todas as mesmas consequncias, comose pode perceber ao lembrarmos o significado dos mltiplosfundamentalismos religiosos, a resistncia dos afrikaners ditasupremacia negra, entre tantos outros exemplos. Mobilizan-do tal ambivalncia, Fraser (2005, p. 71) tambm lembrarmais tarde que polticas de identidade e reconhecimento: deRuanda aos Blcs alimentaram tanto campanhas de limpezatnica e de genocdio quanto movimentos que se mobilizarampara lhes resistir12.

    Segundo, novas formas de solidariedade e igualdade socriadas quando somos capazes de ver sujeitos como suportesde prticas desconstrutivas, que modificam estruturalmenteo sistema de representaes sociais atravs da constituio dediferenas mltiplas e em eterno movimento. Judith Butlerexplorou esse ponto em sua reflexo sobre uma possvelradicalizao da tica do reconhecimento da alteridade.

    Isso a levou a afirmar que:

    [...] devemos considerar certa leitura ps-hegeliana da cenado reconhecimento na qual, precisamente, minha prpriaopacidade para mim mesmo desenvolve minha capacidade emfornecer certo modo de reconhecimento ao outro. Ela deverser, talvez, uma tica baseada em nossa partilhada e invarivel

    cegueira parcial a respeito de ns mesmos (Butler, 2005, p. 41).

    Ou seja, o fato de no me estabelecer com identidadefortemente determinada, mas de reconhecer a necessidadede lidar com algo em mim no completamente estrutur-

    vel em termos de identidade, levar-me-ia maior solidarie-dade com aquilo que, no outro, sou incapaz de integrar.

    Caso tais novas formas de solidariedade funcionassem, elaspoderiam eliminar o carter meramente compensatrio das

    12 Ver tambm, a esse respeito, Fraser (2003, p. 38).

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    polticas de reconhecimento cultural, pois no permitiriamque a paralisia poltica em relao transformao econ-mica fosse escondida pela dinmica regressiva dos embates

    identitrios. Elas eliminariam a dinmica regressiva de taisembates culturais por abrir espao a uma partilha substantivade desconfortos subjetivos em relao identidades estti-cas. Ou seja, ao invs de simplesmente retirar as discussesculturais dos embates relativos poltica, h uma tendn-cia que procura impedir que o debate sobre a cultura noentre em regresso por ser dominado por problemas relati-

    vos ao reconhecimento da produo de identidades.No difcil, porm, encontrar posies no completa-

    mente idnticas a essa, mas bem fundamentadas, como asde Emmanuel Renault e Jean-Phillipe Deranty em um textoa respeito da fora poltica do conceito de reconhecimento.

    No h distino estrita a ser feita entre as esferas do

    reconhecimento e da identidade. A identidade pessoal asntese de diferentes nveis de identidade [...] Nesse sentido,o reconhecimento poltico em dois sentidos: primeiro,por fornecer a gramtica dos conflitos polticos; e segundo,por suportar o que potencialmente poltico, integrandodimenses da identidade subjetiva (Deranty e Renault, 2007,p. 104).

    Os autores afirmam que, para um indivduo, a autono-mia incompatvel com uma indiferena geral em relaoa todas as suas identidades. Mas como no se trata de darum grande salto para trs e conservar identidades estti-cas, eles sugerem a recuperao do conceito hegelianode identidade, compreendido por eles como negativida-

    de autorreferencial

    13

    . Da uma afirmao como: O que

    13 Ver, a este respeito, a discusso hegeliana sobre as determinaes de reflexo naDoutrina da essncia (Hegel, 1996).

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    indivduos procuram fazer reconhecer na luta por reconhe-cimento no exatamente suas identidades positivas, massuas identidades como negativas, sua liberdade de estabe-

    lecer suas prprias identidades (Deranty e Renault, 2007,p. 107).

    Para alm dessas duas perspectivas, que poderiam inclu-sive convergir medida que tentssemos aproximar taisprticas desconstrutivas com a leitura sugerida do conceitohegeliano de identidade, gostaria de avaliar a viabilidade dedefender um encaminhamento relativamente distinto. Talvez

    o problema no consista apenas em dissociar cultura e identi-dade, mas de ir mais adiante e insistir na necessidade de umateoria do reconhecimento capaz de simplesmente dissociarpoltica e cultura, com suas questes normalmente ligadas produo de identidades sociais. O debate sobre as relaesentre redistribuio e reconhecimento normalmente reduza reflexo sobre a natureza das relaes sociais a dois cam-

    pos: a cultura e a economia. No entanto, h de se acrescentara poltica como campo autnomo, isso porque talvez nun-ca sejamos capazes de separar cultura e produo de identi-dades defensivas (como esperam, cada uma sua maneira,Nancy Fraser e Judith Butler), mas preciso avaliar a afirma-o de que a poltica nasa da atualizao de algo chamadopotncia de despersonalizao, que sobe cena da vida em

    comum, levando os sujeitos a no falarem mais como se fos-sem portadores de identidades e interesses particulares.

    Polticas da indiferenaPor mais que isso parea em princpio contraintuitivo e

    contrrio a qualquer reflexo sociolgica elementar, pode--se dizer que o campo do poltico nasce de sua separao

    em relao ao campo da cultura e da economia

    14

    . Uma das14 Para Jacques Rancire (2007, p. 238): A poltica no , de forma alguma, umarealidade que se deduziria das necessidades de organizao dos homens em comu-nidade. Ela uma exceo aos princpios segundo os quais tal organizao opera.

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    possveis consequncias que se segue da a afirmao deque identidades podem e devem encontrar seu espao dedesenvolvimento, mas no que tal espao deva necessaria-mente ser politizado. Trata-se aqui de defender a hiptesede que a poltica desidentifica os sujeitos de suas diferenasculturais; ela os deslocaliza de suas nacionalidades e identi-dades geogrficas, da mesma forma que os desindividualizade seus atributos psicolgicos. Por isso, dessa perspectiva, apoltica , acima de tudo, uma fora de desdiferenciao,capaz de abrir aos sujeitos um campo produtivo de indeter-

    minao. Sujeitos polticos no so portadores de demandasindividuais representativas de certos grupos particulares,estamentos e classes. Nessas condies, as demandas queaparecem no campo do poltico so apenas a emulao departicularismos que procuram se afirmar no interior de ummero jogo de foras, no de uma confrontao realmentepoltica com fora concreta de transformao. Na verdade,

    a poltica desconhece indivduos, e esta talvez seja uma dasmais atuais lies de Marx. H de se meditar com atenoacerca do fato de a revoluo, para Marx, s poder ser fei-ta pela classe dos despossudos de predicado e profunda-mente despossudos de identidade. Classe formada porindivduos histrico-universais, empiricamente universais,em vez de indivduos locais. Talvez isso nos mostre como

    sujeitos s se transformam em sujeitos polticos quandosuas demandas individuais se desindividualizam, podendoinclusive aparecer como condio maior para a ampliaogenrica de direitos.

    Por isso, do ponto de vista do poltico, esta umaimportante hiptese de trabalho: o espao das diferenasculturais deve ser um espao de absoluta indiferena15. Mas

    15 Trata-se de explorar aqui a ideia, presente inicialmente em Alain Badiou (2009,p. 116), de que: somente possvel transcender as diferenas se a benevolncia emrelao aos costumes e s opinies apresentar-se como uma indiferena tolerante s diferen-as, a qual tem como prova material apenas poder e saber autopraticar as diferenas.

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    o que pode significar a proposio de que as diferenasculturais devam ser objetos de indiferena poltica? Primei-ramente, preciso lembrar o que isso no significa. Nose trata aqui de ignorar que polticas especficas de discri-minao positiva tenham funo estratgica fundamental,nem de ignorar que leis de defesa de grupos sociais histo-ricamente mais vulnerveis (mulheres, negros, imigrantes,homossexuais, travestis etc.) necessitem estrategicamenteafirmar diferenas culturais para fortalecer a sensibilidadesocial em relao vulnerabilidade especfica de tais gru-

    pos. Mas, nesses casos, trata-se da plasticidade que a aopoltica dispe para impor condies reais capazes de garan-tir a afirmao do igualitarismo, e uma dessas condies reais a construo da conscincia da vulnerabilidade de gruposhistoricamente despossudos. Tal conscincia da vulnerabili-dade um estgio necessrio para reposicionar a sociedadeem uma situao na qual a indiferena s diferenas cultu-

    rais no seja impossibilitada pelo peso da violncia que seperpetua contra grupos especficos. Nesses casos, se podefalar de um uso estrategicamente provisrio da noo deidentidade que no estranho a uma perspectiva como adefendida neste artigo.

    Por outro lado, afirmar que as diferenas culturaisdevam ser objeto de indiferena poltica significa defender

    a autonomia do poltico em relao tanto cultura quan-to economia. Tal autonomia parte da crena de que ape-nas o campo do poltico tem condies de se afirmar comocampo de igualdade radical, j que os campos da culturae da economia sero sempre marcados por desigualdadesque podem ser minoradas, mas que talvez no possam sercompletamente eliminadas. Se fato que a dinmica social

    da cultura marcada pela afirmao da multiplicidade dediferenas em contnua reconfigurao, certo tambm queh uma potncia de fragmentao e diferenciao a assom-brar o campo da economia. Desde Hegel (1986, p. 243), em

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    seus Grundlinien der Philosophie des Rechts[Princpios da filoso-fia do direito], aceitamos que a circulao de bens e proprie-dades na esfera da sociedade civil entre particulares nunca

    deixar de produzir desigualdades, mesmo que seja fun-o do Estado minor-las e control-las. Podemos encon-trar vias alternativas para alm do livre-mercado, com suasafirmaes de individualidades com sistemas particularesde interesse e sua dinmica de espoliao econmica dosmais vulnerveis. Podemos abrir espaos sociais mais efeti-

    vos para a circulao do bem comum e para a afirmao da

    propriedade comum. Mas a atividade econmica tem, noseu interior, um princpio de acumulao, devido equaoentre capital e desempenho, que provavelmente nunca ser(nem deveria ser) completamente eliminada, a no ser seconcluirmos a necessidade de um horizonte de estatizaocompleta dos meios de produo. Se aceitarmos, ao con-trrio, que tal horizonte traz problemas insolveis ligados

    ao bloqueio de exigncias necessrias de desenvolvimentodas individualidades e que, por isso, o momento histricode sua defesa poltica passou por completo, ento podemosafirmar que a defesa da autonomia do poltico pode funcio-nar como a garantia de um espao de igualdade radical na

    vida social que, inclusive, pode ter forte fora indutora parademandas de igualdade na esfera econmica.

    Mas tentemos identificar melhor o que pode ser umaesfera do poltico autnoma em relao cultura e eco-nomia. Deveramos ser obrigados, para tanto, a defendera existncia de demandas estritamente polticas que nose expressariam como exigncias de justia econmica oucomo exigncias de reconhecimento de especificidades cul-turais? Se este fosse o caso, certamente o trabalho seria vo,

    pois dificilmente encontraramos demandas dessa nature-za. A poltica no tem um lugar que lhe seja prprio. Noentanto, a defesa de uma autonomia do poltico o quenos permite compreender porque h lutas sociais que no

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    Por um conceito antipredicativo de reconhecimento

    se esgotam no interior da lgica dos ganhos econmicos edas defesas das particularidades culturais. A experincia dopoltico no se d margem da economia e da cultura, mas

    se serve de ambos a fim de impulsionar demandas econ-micas e culturais em direo a um ponto de afirmao deum igualitarismo radical capaz de expor a funo universaldas lutas particulares quando esto investidas de um signifi-cado que transcende sua prpria particularidade (Laclau,2011, p. 305)16. Por isso, s podemos concordar com Ran-cire e afirmar que h poltica quando o povo no a

    raa ou a populao, os pobres no so a parte desfavo-recida da populao, os proletrios no so o grupo detrabalhadores da indstria, mas sujeitos que no se deixaminscrever como parte da sociedade, sendo o que no se dei-xa comensurar por uma lgica gestionria da vida social (cf.Rancire, 2007, p. 238).

    No entanto, se este for o caso, no fica claro porque

    deveramos pressupor, como em alguns momentos desteartigo, que a autonomia do poltico condio para defen-dermos a existncia de algo que deveramos chamar dereconhecimento antipredicativo. Pois pode parecer queestejamos simplesmente diante da compreenso do polticocomo campo de universalidade formadora de direito. Com-preenso que nos levaria ideia de que demandas sociais se

    tornam polticas quando interesses particulares aparecemcomo expresso de direitos universais ainda no aplicadosa grupos desfavorecidos. Assim, longe de se afirmarem demaneira antipredicativa, temos, ao contrrio, uma predi-cao dos sujeitos atravs da determinao fornecida pordireitos positivos juridicamente enunciados que, at ento,

    16 De maneira bem sugestiva, Laclau (2011) prope pensar tal relao entre parti-cular e universal no interior das lutas polticas tomando a noo lacaniana de ob-

    jeto pequeno a enquanto parcialidade que funciona como totalidade, expondouma totalidade incomensurvel e no representvel a partir dos padres aceitosde representao.

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    lhes foram negados. Falar em reconhecimento antipredi-cativo s faria sentido se pudssemos afirmar a necessidadede algo do sujeito no passar em seus predicados, mas con-

    tinuar como potncia indeterminada e fora de indistino.Como se aprofundar as dinmicas de reconhecimento nopassasse por aumentar o nmero de predicados aos quaisum sujeito se reporta, mas que passasse, na verdade, porcompreender que um sujeito se define por portar o queresiste ao prprio processo de predicao17. O que nos dei-xa com uma questo fundamental, a saber: como reconhe-

    cer politicamente essa potncia que no se predica? Poder-amos pensar lutas polticas cujas encarnaes em demandasparticulares nos levasse, necessariamente, ao reconheci-mento do que radicalmente antipredicativo?

    Colocar o problema nesses termos demonstra comono podemos ver aqui uma verso da necessidade em recu-perar a distino clssica entre cidado e burgus, to

    explorada pelo Marx (2010) de Sobre a questo judaica, emque o campo do que entendemos por cultura seria umaverso contempornea da esfera de interesses do indivduoproprietrio burgus, esse individualismo possessivo des-crito por Macpherson e agora acrescido da dimenso dapropriedade de atributos culturais diferenciais. A defesada cidadania passa, normalmente, pela compreenso de

    que a poltica avana basicamente com a institucionaliza-o de direitos universais adquiridos, que se tornam assimpredicados de todo e qualquer sujeito. O mximo quepoderamos fazer aqui , mesmo aceitando que a cidada-nia um mero decalque das contradies que lhe vmde sua insero orgnica na sociedade burguesa, daqual ela formaliza os conflitos, relaes e processos, no

    17 Uma perspectiva estritamente hegeliana, que compreendesse sua crtica estru-tura predicativa do conhecimento baseado na percepo (cf. Hegel, 1991), comomomento a ser integrado no interior de uma teoria do reconhecimento, chegariaa concluses semelhantes.

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    negligenciar que ela tambm no desvinculada das exi-gncias de igualdade e de liberdade reais, radicais, dasquais ela extrai precisamente sua legitimidade (Balibar,

    2011, p. 473)18. Mas talvez s seja possvel salvar o vnculocom as exigncias de igualdade e liberdade, presentes naluta pela cidadania, recusando por completo sua inseroorgnica na sociedade burguesa e sua tendncia a ser aconstruo jurdico-institucional de uma figura do homemligada universalizao e idealizao da experincia mate-rial do indivduo liberal. A proposta aqui apresentada no

    deixa de se inspirar (como vrias mediaes particulares)na ideia de Marx (2010, p. 54), para quem: a emanci-pao humana s estar plenamente realizada quando ohomem individual real tiver recuperado para si o cidadoabstrato e se tornado ente genrico na qualidade de homemindividual na sua vida emprica.

    O poder de desinstitucionalizaoA fim de pensar quais so as condies possveis de talrecuperao, devemos refletir sobre o que pode realmentesignificar a afirmao da necessidade de existncia de umadimenso necessariamente antipredicativa do reconheci-mento. Como foi dito anteriormente, h uma perspectivapoltica que nos leva a acreditar que as lutas polticas cami-

    nham necessariamente para a institucionalizao de direi-tos adquiridos. Assim, lutamos para ter direitos reconhe-cidos pelo ordenamento jurdico. Como resultado desseprincpio, cada vez mais a vida social institucionalizadae regulada por clusulas que visam dar voz ao direito dosgrupos, at ento, profundamente vulnerveis. Esse princ-pio funcionou, por exemplo, para a ampliao de direitos

    18 Isso levou Marx (2010, p. 50) a afirmar: Nenhum dos assim chamados direitoshumanos transcende o homem egosta, o homem como membro da sociedadeburguesa, a saber, como indivduo recolhido ao seu interesse privado e a seu capri-cho privado e separado da comunidade.

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    em relao s minorias tnicas, religiosas e sexuais. Ou seja,nesses casos, eram demandas direcionadas ao Estado comoator capaz de garantir a universalizao real das condies

    de liberdade exigidas por seus cidados. inegvel quetal processo foi e ainda importante, mas ele tem comocontrapartida o aprofundamento das estratgias de regula-o do que poderamos chamar de economia libidinal dasociedade capitalista.

    Cada vez que a estrutura jurdica fortalece sua presen-a, mesmo que em nome da defesa de setores mais vul-

    nerveis da populao, avana a regulao disciplinar davida. A estrutura do direito determina as formas possveisque a vida pode tomar, os arranjos que as singularidadespodem criar. Elas fazem das formas de vida aquilo que pre-

    viamente tem o molde da previso legal. Tal processo nose restringe mutao do ordenamento jurdico, mas for-talece institucionalmente o enquadramento da produo

    da diferena no interior de um campo cultural no quala explorao capitalista pode se colocar como gesto daeconomia libidinal. Pois a sensibilizao jurdica dife-rena sempre acompanhada de um processo de nomea-o das formas sociais do desejo, e tal nomeao, se, porum lado, d visibilidade a grupos vulnerveis violnciasocial, por outro, parte da gramtica das identidades j

    em circulao. Gramtica que pode aceitar toda e qual-quer identidade, desde que ela encontre um lugar den-tro de um campo geral de regulao social das diferenas.Nesse sentido, h uma estratgia poltica importante quepassa pela desativao dos nomes. Maneira de afirmar queo poder nada pode dizer sobre a diferena, que ele nopode explorar libidinalmente sua economia e, por isso,

    deve liber-la de sua nomeao institucionalizada

    19

    . ocaso de lembrarmos aqui a proposio de Jacques Lacan

    19 Desenvolvi este ponto em Cinismo e falncia da crtica(Safatle, 2008, cap. 4).

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    a respeito da inadequao radical do sujeito (pensado apartir da centralidade do desejo) em relao s estruturasde nomeao e pensar as consequncias polticas de tal

    inadequao. Ela nos leva procura de uma diferena impre-dicvel que pode aparecer como portadora de forte funopoltica.

    Diante desses casos, devemos procurar desenvolverestratgias de reconhecimento que passem ao largo dosmecanismos de institucionalizao. Estratgias que passem,ao contrrio, por uma profunda desinstitucionalizao,

    atravs da qual no se trata de ampliar o direito mas, de cer-ta forma, de atrofi-lo. H uma forma de reconhecimentoantipredicativo atravs da desinstitucionalizao que retrai edesativa o ordenamento jurdico, abrindo: a possibilidadede uma existncia humana fora do direito (Agamben,2011, p. 151). Esse topos de uma vida para alm do direi-to, to presente em reflexes como as de Giorgio Agamben

    acerca da forma possvel de um poder destituinte, pode serapropriado por uma teoria do reconhecimento que estejadisposta a dar um espao fundamental irredutibilidadede experincias de indeterminao subjetiva, assim comopensar as consequncias polticas de tais experincias20. Elenos coloca diante de uma anomia que no pode ser pen-sada simplesmente como processo de enfraquecimento da

    capacidade de coeso e organizao das normas sociais,como vemos em modelos que nos remetem s discussesde Durkheim (2005) em Le suicide. Processo de enfraqueci-

    20 Nesse sentido, s poderamos estar de acordo como uma afirmao, como estade Giorgio Agamben (2013, p. 61): se os homens, em vez de procurarem aindauma identidade prpria na forma imprpria e insensata da individualidade, con-seguissem aderir a essa impropriedade como tal, fazer do prprio ser-assim nouma identidade e uma propriedade individual, mas uma singularidade sem iden-

    tidade, uma singularidade comum e absolutamente exposta isto , se os homenspudessem no ser-assim, nesta ou naquela identidade biogrfica particular, masser o assim, a sua exterioridade singular e o seu rosto, ento a humanidade teriaacesso pela primeira vez a uma comunidade sem pressupostos e sem sujeitos, auma comunicao que no conheceria mais o incomunicvel.

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    mento que produziria uma desregulao das normas sociaispaga com patologias ligadas ao sentimento de esvaziamentoe incapacidade de ao21. O que temos aqui uma ano-

    mia que fortalece o campo poltico por sua abertura paraalm do direito.

    Quando algum levanta tal ideia, alguns acabam porver nela uma forma insidiosa de liberalismo. Ou seja, tudose passa como se estivssemos diante de uma aplicao do

    velho mantra: quanto menos Estado, melhor. Nesse sen-tido, desinstitucionalizar significaria deixar a sociedade

    livre para criar formas de vida, mas fechando os olhos paraexperincias de opresso e de vulnerabilidade econmica.No entanto, poder-se-ia pensar em uma verso de polticasde desinstitucionalizao distinta de sua verso liberal. Des-sa forma, desinstitucionalizar significa criar algo comozonas de indiferena cultural, ou seja, zonas no interiordas quais a sociedade exercite sua indiferena em relao

    s diferenas culturais e suas determinaes antropolgi-cas. Isso pode passar, por exemplo, pelo retraimento daslegislaes sobre costumes, famlia e autodeterminao, aomesmo tempo que procuramos fortalecer a sensibilidade

    jurdica contra processos de espoliao econmica. Poiso reconhecimento dos problemas de redistribuio comoproblemas que exigem ser abordados em sua especificidade

    serve aqui para no defender modos que os submetam mesma lgica que as questes prprias diferena cultural.O que nos leva ao sintagma: forte regulao das relaeseconmicas e fraca regulao das relaes sociais. Pode-semesmo dizer que os problemas de redistribuio devemser profundamente regulados no interior do ordenamento

    jurdico, isto para que os processos de reconhecimento pos-

    sam se desenvolver em uma zona de indiferena na qual odireito se torna inoperante.

    21 Ver, por exemplo, Honneth (2012, pp. 207-08).

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    Essa ideia de um processo de desinstitucionalizaocapaz de criar zonas de indiferena nasce de uma apro-priao, reconhecidamente heterodoxa, da noo de que

    a luta de classes e o proletariado, em sua verso presen-te nos textos de Marx, no so apenas conceitos capazesde operacionalizar o embate social por justia econmi-ca. So conceitos que propiciam tambm pensar a respei-to da entrada em cena de uma fora de desdiferenciaono campo poltico. Tal fora ainda fundamental para aproduo de sujeitos polticos e s pode ser reconhecida

    em sua potncia produtiva com o retraimento do espaodo direito. Um retraimento capaz de permitir a produoindiferente de formas singulares de vida.

    Tomemos um exemplo paradigmtico: a desinstitucio-nalizao do casamento. Nossas sociedades contemporneasso atravessadas por questes justas ligadas ampliaodo direito ao casamento para casais homossexuais, crian-

    do com isso a exigncia de ordenamentos jurdicos igua-litrios no que diz respeito ao direito de casamento. Noentanto, uma perspectiva realmente mais consequentedeveria radicalizar tal demanda, afirmando que cabe aoEstado simplesmente deixar de legislar sobre a forma domatrimnio, guardando-se para legislar nica e exclusiva-mente sobre as relaes econmicas entre casais ou outras

    formas de agrupamentos afetivos. Essa seria uma manei-ra de radicalizar o princpio de abertura do casamentoa modelos no ligados estrutura disciplinar da famliaheterossexual burguesa, com seu modo de gesto biopo-ltica da vida. Em vez de ampliar a lei para casos que elano contemplava (como os homossexuais), dever-se-ia sim-plesmente eliminar a lei, criando uma zona de indiferena

    desinstitucionalizada.O contra-argumento clssico consiste em dizer que, aodeixar de legislar sobre a forma do casamento, o Estadodesguarnece aqueles que so mais vulnerveis (no caso, as

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    mulheres). H, no entanto, um problema maior. A despeitode legislar sobre questes de sua alada (como as relaeseconmicas no interior da famlia, o problema da posse dos

    bens em caso de separao, direito de penso etc.), o Esta-do legisla sobre aquilo que no lhe compete (a forma dasescolhas afetivas dos sujeitos, ou seja, a plasticidade singu-lar das formas de vida em mutao e produo). O Estado,com seu ordenamento jurdico, deve legislar sobre questesde ordem econmica, no sobre questes de ordem afeti-

    va. Mas o casamento no simplesmente um contrato eco-

    nmico. Ele , ou ao menos deveria ser, o reconhecimentode um vnculo afetivo produzido como expresso singulardo circuito dos afetos de sujeitos emancipados. Nesse sen-tido, nada impede que o Estado legisle sobre as questesestritamente econmicas no casamento e nas unies est-

    veis, calando-se sobre a forma dessas unies (se entre umhomem e uma mulher, duas mulheres, duas mulheres e um

    homem etc.). Ou seja, no que diz respeito a formas afetivas,no cabe ao ordenamento jurdico predicar previamenteos possveis, mas acolher as efetivaes mltiplas dos pos-sveis. Do ponto de vista do direito, tal multiplicidade deveser indiscernvel.

    Esses processos de desinstitucionalizao permitem ssociedades caminharem paulatinamente para um Estado de

    indiferena em relao a questes culturais e de costumes.Pois questes culturais sempre sero espaos de afirmaoda ordenao mltipla de identidades. Mas a poltica deve,no horizonte, se descolar dessa afirmao. Por mais queisso possa parecer contraintuitivo, a verdadeira poltica estsempre para alm da afirmao das identidades. Ela inscre-

    ve em estruturas sociais amplas modalidades antipredica-

    tivas de reconhecimento que encontram sua manifestaoem dimenses sociais da linguagem e do desejo marcadaspela produo singular de circulao do que no se deixaexperimentar sob a forma do prprio.

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    Vladimir Safatle professor do Departamento de Filosofia da Universida-de de So Paulo e professor-visitante das universidades de

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    Resumos / Abstracts

    POR UM CONCEITO ANTIPREDICATIVO DE RECONHECIMENTO

    VLADIMIR SAFATLE

    Resumo: Trata-se de propor um encaminhamento ao pro-blema do reconhecimento, capaz de no se orientar pelastemticas da produo social das identidades. Tal proposta

    visa pensar como polticas de desinstitucionalizao podemser uma resposta adequada queles que procuram retiraro debate do reconhecimento do horizonte culturalista aoqual o reconhecimento se viu limitado, abrindo com issouma dinmica dos embates sociais para alm das ditaspolticas da diferena. sua maneira, tal perspectiva se

    v tributria de uma recuperao do conceito hegeliano desujeito e de aspectos do conceito marxista de proletariadoenquanto operador de produo de sujeitos polticos.

    Palavras-chaves: Reconhecimento; Identidade; Indiferena;Proletariado; Sujeito; Redistribuio; Desinstitucionalizao.

    FOR AN ANTI-PREDICATIVE CONCEPT OF RECOGNITION

    Abstract: This article aims to present an alternative concept of

    recognition able to criticize the importance given to themes as the

    social production of identities. This proposal aims to think how

    policies of the institutionalization may be an appropriate response to

    those who seek to dissociate the debate concerning recognition from

    culturalists perspectives, opening the dynamics of social struggles

    beyond the so-called politics of difference. In his own way, this

    perspective sees itself attached to the recovery of Hegels concept of

    subject and aspects of the Marxist concept of proletariat as an

    operator for producing political subjects.

    Keywords:Recognition; Identity; Indifference; Proletariat; Subject;

    Redistribution; Deinstitutionalization.

    Recebido: 10/11/2014 Aprovado: 20/02/2015