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8/20/2019 SAFATLE, V. Curso Sobre Hegel http://slidepdf.com/reader/full/safatle-v-curso-sobre-hegel 1/286 CURSO SOBRE HEGEL – WLADIMIR SAFATLE Introdução a Fenomenolo!a do E"#$r!to %r!me!ra Aula “Vivemos aliás numa época em que a universalidade do espírito está fortemente consolidada, e a singularidade, como convém, tornou-se tanto mais insignificante; época em que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e as reivindica  para si. parte que ca!e " atividade do indivíduo na o!ra total do espírito s# pode ser mínima. ssim, ele deve esquecer-se, como $á o implica a natureza da ci%ncia. &a verdade, o indivíduo deve vir-a-ser, e tam!ém deve fazer o que l'e for possível; mas não se deve exigir muito dele, $á que tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo( ) . fim de introduzir algumas quest*es e métodos que nos guiarão neste curso, convém partirmos destas afirma+*es. onvém partirmos destas afirma+*es porque elas  parecem sintetizar tudo aquilo que várias lin'as 'egemnicas do pensamento filos#fico do século imputaram a /egel. 0il#sofo da totalidade do 1a!er !soluto, incapaz de dar conta da irreduti!ilidade da diferen+a e das aspira+*es de recon'ecimento do individual "s estratégias de síntese do conceito. 2e#rico de uma modernidade que se realizaria no totalitarismo de um 3stado 4niversal que se $ulga a encarna+ão da “o!ra total do espírito(. 3xpressão mais !em aca!ada da cren+a filos#fica de que s# seria possível pensar através da articula+ão de sistemas fortemente 'ierárquicos e teleol#gicos, com o conseq5ente desprezo  pela dignidade ontol#gica do contingente, deste contingente que “tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo(. 6oderíamos ainda desdo!rar uma lista aparentemente infindável de acusa+*es que o  pensamento do século levantou contra /egel7 tentativa de ressuscitar uma metafísica  pré-crítica de forte matiz teol#gico, 'ip#stase da filosofia da consci%ncia, cren+a em uma 'ist#ria onde o presente apresentaria uma “universalidade do espírito fortemente consolidada(, 'ist#ria teleol#gica esvaziada da capacidade em apreender um tempo no qual acontecimentos ainda fossem possíveis. este respeito, /a!ermas, por exemplo, falará7 “de um espírito que arrasta para dentro do sorvo da sua a!soluta auto-refer%ncia as diversas contradi+*es atuais apenas para faze-las perder o seu caráter de realidade, para transforma- las no modus da transpar%ncia fantasmag#rica de um passado recordado 8 e para l'es tirar toda a seriedade( 9 . )  /3:3, Fenomenologia I, p. <9 9  /=3>?1, O discurso filosófico da modernidade, p. <@ )

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CURSO SOBRE HEGEL – WLADIMIRSAFATLE

Introdução a Fenomenolo!a do E"#$r!to%r!me!ra Aula

“Vivemos aliás numa época em que a universalidade do espírito está fortemente

consolidada, e a singularidade, como convém, tornou-se tanto mais insignificante; épocaem que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e as reivindica para si. parte que ca!e " atividade do indivíduo na o!ra total do espírito s# pode sermínima. ssim, ele deve esquecer-se, como $á o implica a natureza da ci%ncia. &a verdade,o indivíduo deve vir-a-ser, e tam!ém deve fazer o que l'e for possível; mas não se deveexigir muito dele, $á que tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo( ).

fim de introduzir algumas quest*es e métodos que nos guiarão neste curso,convém partirmos destas afirma+*es. onvém partirmos destas afirma+*es porque elas parecem sintetizar tudo aquilo que várias lin'as 'egemnicas do pensamento filos#fico doséculo imputaram a /egel. 0il#sofo da totalidade do 1a!er !soluto, incapaz de darconta da irreduti!ilidade da diferen+a e das aspira+*es de recon'ecimento do individual "s

estratégias de síntese do conceito. 2e#rico de uma modernidade que se realizaria nototalitarismo de um 3stado 4niversal que se $ulga a encarna+ão da “o!ra total do espírito(.3xpressão mais !em aca!ada da cren+a filos#fica de que s# seria possível pensar através daarticula+ão de sistemas fortemente 'ierárquicos e teleol#gicos, com o conseq5ente desprezo pela dignidade ontol#gica do contingente, deste contingente que “tampouco pode esperar desi e reclamar para si mesmo(.

6oderíamos ainda desdo!rar uma lista aparentemente infindável de acusa+*es que o pensamento do século levantou contra /egel7 tentativa de ressuscitar uma metafísica pré-crítica de forte matiz teol#gico, 'ip#stase da filosofia da consci%ncia, cren+a em uma'ist#ria onde o presente apresentaria uma “universalidade do espírito fortementeconsolidada(, 'ist#ria teleol#gica esvaziada da capacidade em apreender um tempo no qual

acontecimentos ainda fossem possíveis. este respeito, /a!ermas, por exemplo, falará7“de um espírito que arrasta para dentro do sorvo da sua a!soluta auto-refer%ncia as diversascontradi+*es atuais apenas para faze-las perder o seu caráter de realidade, para transforma-las no modus da transpar%ncia fantasmag#rica de um passado recordado 8 e para l'es tirartoda a seriedade(9.

) /3:3, Fenomenologia I, p. <99 /=3>?1, O discurso filosófico da modernidade, p. <@

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?esmo as tradi+*es filos#ficas que se reclamam do 'egelianismo nunca aceitaram oque poderíamos c'amar de “um 'egelianismo sem reservas(. 1e a tradi+ão marxista, porexemplo, encontrou em /egel uma antropologia filos#fica capaz de expor o processo'ist#rico de forma+ão da consci%ncia em suas expectativas cognitivo-instrumental, prático-moral e estético-expressiva, ela logo procurou claramente tomar distAncia do que seria

'olismo estático da metafísica especulativa resultante do sistema. 6or sua vez, o c'amado'egelianismo de direita Bque vai desde >ozenCranz até Doac'im >itterE faz, de uma certaforma, a opera+ão inversa e insiste na su!stancialidade de la+os comunitários“metafisicamente fundamentados( contra a centralidade da temporalidade 'ist#rica no pensamento dialético..omo se, mesmo entre os neo-'egelianos, a imagem de /egel fosse ade um pensamento impossível de c'egar perto demais.

2udo isto nos leva a colocar uma questão central para a orienta+ão deste curso7 “Fque significa ler /egel 'o$eG(. Hevemos aqui nos restringir " economia interna dos textos eignorar como a auto-compreensão filos#fica da contemporaneidade afirmou-seinsistentemente como “anti-'egeliana(G omo se nosso tempo exigisse não se recon'ecerno diagn#stico de época e não permitisse deixar-se ler através das categorias fornecidas por/egel. Fu se$a, é possível ler /egel hoje sem levar em conta como nosso momentofilos#fico organizou-se, entre outras estratégias, através dos mIltiplos regimes decontraposi+ão " filosofia 'egelianaG  Não estaríamos assim perdendo a oportunidade deentender como a auto-compreensão de um tempo depende, em larga escala, da maneiracom que se decide o destino de textos filosóficos de geraçes anteriores! ompreendercomo um tempo se define, entre outras opera+*es, através da maneira com que os fil#sofosl%em os fil#sofos7 prova maior de que a 'ist#ria da filosofia é, em larga medida, figura dareflexão filos#fica so!re o presenteG

1im, ler /egel sem levar em conta o peso que o presente imp*e seria perder muitacoisa. 3 aqui não poderíamos deixar de fazer ressoar a constata+ão de 0oucault7 “2odanossa época, que se$a pela l#gica ou pela epistemologia, que se$a através de ?arx ouatravés de &ietzsc'e, tenta escapar de /egel B...E ?as realmente escapar de /egel sup*eapreciar de maneira exata quanto custa se desvincular dele; isto sup*e sa!er até onde /egel,talvez de maneira insidiosa, aproximou-se de n#s; sup*e sa!er o que é ainda 'egelianonaquilo que nos permite de pensar contra /egel e de medir em que nosso recuso contra eleainda é uma astIcia que ele mesmo nos op*e e ao final da qual ele mesmo nos espera,im#vel(J. &este curso, não faremos outra coisa que levar estas palavras a sério.

 Geora&!a do ant!'(eel!an!"mo )ontem#or*neo

'amar nossa época de anti-'egeliana não me parece uma simples concessãoret#rica para dramatizar um pouco o início de um curso so!re um texto recon'ecidamenteárduo. &este sentido, não é sem valor lem!rar como as tr%s grandes tradi+*es da filosofiaocidentais contemporAnea Bfrancesa, alemã, anglo-saxãE t%m em comum a distAncia, "svezes am!ígua, "s vezes taxativa, em rela+ão a /egel.

1e quisermos oferecer uma certa “geografia( do anti-'egelianismo, o mel'or país acome+ar é, sem dIvida, a 0ran+a. 6ois a 'ist#ria da recep+ão de /egel na 0ran+a é a'ist#ria espetacular de uma reviravolta. 3m seu “>elat#rio so!re o estado dos estudos'egelianos na 0ran+a(, de )KJ@, lexandre LoMrN come+a em tom desolador7 “2emo um

J 0F442, "#ordre du discours, pp. OP-OQ

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 pouco que ap#s os relat#rios, tão ricos em fatos e em nomes, dos meus colegas alemães,ingleses e intalianos, meu pr#prio relat#rio so!re o estado dos estudos 'egelianos na 0ran+al'es pare+a relativamente muito magro e muito po!re(P. magreza e po!reza do'egelianismo franc%s se contrapun'a a ro!ustez de uma filosofia universitáriamarcadamente neo-Cantiana. &o entanto, ao reimprimir seu texto na década de sessenta,

LoMrN foi o!rigado a acrescentar um post-scriptum que come+ava da seguinte maneira7“Hesde a pu!lica+ão deste relat#rio B)KJ@E, a situa+ão de /egel no mundo da filosofiaeuropéia, e particularmente francesa, mudou completamente7 a filosofia 'egeliana con'eceuum verdadeiro renascimento, ou mel'or, ressurrei+ão, e s# perde para o existencialismo aoqual, aliás, ela "s vezes procura se unir(.

He fato, a partir de meados dos anos trinta e até o início dos anos sessenta, a 0ran+afoi 'egeliana. 4m 'egelianismo a!solutamente particular pois !aseado na Fenomenologiado $spírito, livro que até então era visto como texto menor da !i!liografia 'egeliana poisdesprovido do esfor+o sistemático presente na %i&ncia da lógica e, principalmente, na $nciclop'dia( o insistir na centralidade da Fenomenologia, em especial na figuras figurasda consci%ncia-de-si, como o 1en'or e o escravo e a consci%ncia infeliz, o pensamentofranc%s podia transformar /egel no te#rico da intersu!$etividade e da crítica ao solipsismo.Rntersu!$etividade de um dese$o e de um tra!al'o que são manifesta+*es da negatividade desu$eitos não mais determinados por atri!utos su!stanciais. negatividade do su$eito emsuas opera+*es de dese$o e tra!al'o, assim como a constitui+ão de estruturas sociaisuniversais capazes de suportar o recon'ecimento intersu!$etivo deste dese$o e destetra!al'o, apareciam como a grande contri!ui+ão de /egel " compreensão das estruturassociais da modernidade, de seus processos de constitui+ão e de suas promessas dereconcilia+ão.

0oi lexandre Lo$Nve com seu curso so!re a 0enomenologia do 3spírito quemarcou o pensamento franc%s com esta temática em grande parte derivada de umaimprovável leitura 'eideggero-marxista de /egel. 6ara termos uma idéia do taman'o destainflu%ncia, !asta lem!rarmos de alguns freq5entadores destes seminários7 ?aurice?erleau-6ontM, Dacques acan, :eorges =ataille, 6ierre LlossoSsCi, >aMmond ron, 3ricTeil, >aMmond Uueneau, Dean /Mppolite, ndré =reton e, de uma maneira esporádica,Dean-6aul 1artre. 2odos eles terão seus pro$etos intelectuais marcados de maneira profunda por este contato com a fenomenologia 'egeliana. >aramente, um comentário de texto foitão decisivo na estrutura+ão da experi%ncia intelectual de uma gera+ão.

 &o entanto, a partir do come+o dos anos sessenta, a configura+ão do pensamentofilos#fico franc%s irá novamente modificar-se de maneira radical e o ponto de viragem seránovamente /egel. F advento do estruturalismo $á colocava em questão a 'eran+a'egeliano-fenomenol#gica ao relativizar a centralidade dos su$eitos agentes e dese$antes navida social. lt'usser, por exemplo, colocara em circula+ão um marxismo desprovido detoda e qualquer raiz 'egeliana ao insistir que ?arx trouxera, nO capital, a no+ão desistemas que funcionam " revelia dos su$eitos e que, na verdade, mostrara como “su$eito(com suas cren+as de autonomia da a+ão era a categoria ideol#gica por excel%ncia.

?as a 'egemonia do que posteriormente foi c'amado de “p#s-estruturalismo( seloudefinitivamente o segundo ostracismo de /egel em solo franc%s. 6ara Heleuze, Motard,Herrida e 0oucault Bem menor grauE, /egel e a dialética eram, em larga medida, as figurasmaiores do império do 4niversal, das totaliza+*es e do pensamento da identidade. /egel

P LFW>X, $studos de história do pensamento filosófico, p. )OY

J

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como o construtor do son'o de uma meta-narrativa a!soluta animada pela cren+a ina!alávelna unidade da razão. 6ara os p#s-estruturalistas, a negatividade do su$eito 'egeliano eraapenas a Iltima estratégia para su!meter as singularidades ao império do 4niversal, damesma forma como a Iltima palavra da dialética seria sempre a síntese que reconciliariacontradi+*es. 6ois esta negatividade estava fadada a ser recuperada pelas estruturas sociais

da modernidade com suas aspira+*es universalizantes. ontra isto, o p#s-estruturalismo nãocansou de contrapor o pensamento da diferen+a pura BHerridaE, do sensível BMotardE, dosfluxos não-estruturados de intensidade BHeleuzeE e da im!rica+ão aparentemente irredutívelentre razão e poder B0oucaultE. 1e levarmos em conta a importAncia crucial que o p#s-estruturalismo ainda tem na auto-compreensão do nosso tempo, podemos imaginar o pesodestas confronta+*es na determina+ão do destino contemporAneo da influ%ncia de /egel.

Z verdade, nunca devemos esquecer de um $ulgamento tardio de 0oucault aorecon'ecer que /egel estaria na raiz de “um outro modo de interroga+ão crítica( que nascecom a modernidade e que poderia ser resumido através das quest*es7 “o que é nossaatualidadeG Uual o campo atual de experi%ncias possíveisG(. lgo distinto da analítica daverdade de inspira+ão Cantiana. 4ma “ontologia do presente(, pro$eto no interior do qual,finalmente, o pr#prio 0oucault se veráQ. ?as tal recon'ecimento não implicou em retorno a/egel e a sua compreensão da modernidade e seus desafios.

6or outro lado, se voltarmos os ol'os " tradi+ão alemã, o cenário de recusa a /egelnão deixará de se fazer sentir. /eidegger, responsável em larga medida pela recupera+ão daimportAncia da  Fenomenologia do $spírito, livro ao qual ele dedicou um curso no anoletivo de )KJ@-)KJ), verá /egel como o ápice da metafísica do su$eito e do esquecimentodo ser. &este sentido, a saída do quadro epocal da metafísica ocidental deveria ser feita emum movimento, em larga medida contra /egel e sua no+ão de su$eito.

3scola de 0ranCfurt, por sua vez, não deixará de ter uma postura am!ígua edilacerada em rela+ão " 'eran+a do 'egelianismo. &este sentido, o exemplo mais forte édorno. F mesmo dorno que tentará salvar a dialética de seus dispositivos de síntesetotalizante, insistindo na irreduti!ilidade das nega+*es e que nunca deixará de ter palavrasduras em rela+ão a /egel. 6ois, tal como na tradi+ão p#s-estruturalista Bmas por outrasviasE, dorno compreende /egel como aquele que, de uma certa forma, trairá seu pr#priométodo a fim de retornar a um pensamento da identidade. =asta lem!rarmos aqui destaafirma+ão escrita pensando no trec'o que a!riu nossa aula7 “1e /egel tivesse levado adoutrina da identidade entre o universal e o particular até uma dialética no interior do pr#prio particular, o particular teria rece!ido tantos direitos quanto o universal. Uue estedireito 8 tal como um pai repreendendo seu fil'o7 “Voc% se cr% um ser particular( -, ele oa!aixe ao nível de simples paixão e psicologize o direito da 'umanidade como se fossenarcisismo, isto não é apenas um pecado original individual do fil#sofo( <. Rsto não é um pecado individual do fil#sofo porque é um pecado de todo seu sistema. 1e os p#s-estruturalista contrapuseram /egel a um pensamento das singularidades puras, Inico pensamento que seria capaz de dar conta das aspira+*es de um tempo que procura ir paraalém do pro$eto da modernidade, dorno contrap*e /egel a um pensamento da não-identidade com suas exig%ncias de irreduti!ilidade do singular.

1e o diagn#stico adorniano de /egel parece, pelo menos a primeira vista, alin'ar-secom aquele sugerido pelos p#s-estruturalistas, o diagn#stico de /a!ermas e seusseguidores, procuravam Bsem nunca ter realmente pro!lematizado esta articula+ãoEQ 0F442, )its et 'crits II, p. )Q@<< HF>&F, Negati*e )iale+ti+, p. J9J [tradu+ão modificada\

P

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desqualificar a leitura proposta pela primeira gera+ão dos 'egelianos franceses. 6ois,contrariamente a /Mppolite e Lo$Nve, /a!ermas não cansará de ver /egel como umaespécie de ?oisés que na sua $uventude vira a terra prometida da intersu!$etividadecomunicacional capaz de fundamentar as aspira+*es universalistas da modernidade, masque, a partir, da 0enomenologia, teria retornado a uma filosofia centrada no su$eito e a um

conceito mentalista do 1i-mesmo e de auto-reflexão que restringe a compreensão da razãoem suas aspira+*es cognitivo-instrumentais " dimensão das confronta+*es entre su$eito-o!$eto. Fu se$a, mesmo entre os defensores da modernidade, a via 'egeliana não pareciamais capaz de fornecer estruturas seguras de orienta+ão.

1e voltarmos, por fim, os ol'os " tradi+ão anglo-saxã o cenário era, até !em poucotempo, praticamente desolador. &o entanto, antes da R :uerra ?undial, /egel foi umfil#sofo central em Fxford e am!ridge B=radleM, ?c2aggart, :reenE por fornecer umaalternativa ao empirismo e ao individualismo. 6or sua vez, o pragmatismo norte-americanotam!ém foi receptivo a /egel e Do'n HeSeM encontrou no conceito 'egeliano de“eticidade( a idéia, central para o desenvolvimento de seu pensamento, de que as práticassu!stancialmente arraigadas na comunidade Be mão exatamente no 3stadoE expressam asnormas determinantes para a forma+ão da identidade dos indivíduos.

3stas leituras de /egel foram soterradas pela guinada analítica da filosofia anglo-saxã. 6ara uma tradi+ão que, em larga medida, compreendia os pro!lemas filos#ficos como pro!lemas gramaticais, /egel parecia simplesmente indicar um retorno pré-crítico "metafísica com fortes matizes teol#gicas, isto quando a dialética não era simplesmentevista como um equívoco l#gico B>ussellE. 3 mesmo autores como Tittgenstein irão imputara /egel um pensamento da identidade e do ?esmo, imputa+ão id%ntica ]quela que pareceanimar as críticas de setores relevantes do pensamento franc%s e alemão contemporAneos.em!remos, por exemplo, da seguinte afirma+ão de Tittgenstein7 “&ão, não acredito queten'a algo a ver com /egel. 6ara mim, /egel parece sempre dizer que coisas que parecemdiferentes são, na realidade, id%nticas. ?eu interesse está em mostra que coisas que parecem id%nticas são diferentes(O. F autor da no+ão de $ogos de linguagem v%, naestratégia 'egeliana que conserva+ão das aspira+*es universalizantes da razão, apenas umafigura totalitária da unidade. &o que diz respeito a /egel, autores tão distantes ente si e tãocentrais para a constitui+ão dos esquemas de auto-compreensão da contemporaneidadequanto Tittgenstein, os franCfurtianos e os p#s-estruturalistas parecem estar de acordo.

Ler

Hepois desta longa digressão, podemos voltar a nossa questão inicial a fim de tentarresponde-la7 “o que significa e como ler /egel em uma época profundamente anti-'egeliana G( 6ois, se é certo que não somos contemporAneos de /egel, é impossível deixarde levar em conta esta estratégia de determinar as aspira+*es do presente através de suarecusa em su!meter-se "quilo que foi trazido através da experi%ncia intelectual 'egelianaem sua integralidade.

3sta questão nos levar, necessariamente, a um pro!lema de método que toca a pr#pria compreensão do que é uma leitura de textos da tradi+ão filos#fica, ainda mais textosque procuram fundar uma “ontologia do presente(, tal como é o caso da  Fenomenologia do $spírito(

O TR22:3&123R& in H>4>W, ecollections of ittgenstein, p. )QO

Q

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reio que esta é uma questão de suma importAncia porque voc%s estão no interior deum processo de aprendizagem de leitura. Voc%s aprenderão técnicas fundamentais paratodo e qualquer processo filos#fico de leitura de textos da tradi+ão 7 sa!er identificar otempo l#gico que nos ensina a reconstituir a ordem das raz*es internas a um sistemafilos#fico, pensar duas vezes antes de separar as teses de uma o!ra dos movimentos

internos que as produziram, compreender como o método se encontra em ato no pr#priomovimento estrutural do pensamento filos#fico, entre outros. 2rata-se de um ensinamentofundamental para a constitui+ão daquilo que c'amamos de “rigor interpretativo( querespeita a autonomia do texto filos#fico enquanto sistema de proposi+*es e não se apressaem impor o tempo do leitor ao autor. >igor que nos lem!ra como o ato de “compreender(está sempre su!ordinado ao exercício de “explicar(. ?as ele não define o campo geral dosmodos filos#ficos de leitura. 3le define, isto sim, procedimentos constitutivos da forma+ãode todo e qualquer pesquisador em filosofia. 3le é o início irredutível de todo fazerfilos#fico mas, por mais que isto possa parecer #!vio, o fazer filos#fico vai além do seuinício.

em!remos, por exemplo, do que diz Lant a respeito de seu modo de leitura dostextos filos#ficos 7 “&ão raro acontece, tanto na conversa corrente como em escritos,compreender-se um autor, pelo confronto dos pensamentos que expressou so!re seu o!$eto,mel'or do que ele mesmo se entendeu, isto porque não determinou suficientemente o seuconceito e, assim, por vezes, falou ou até pensou contra sua pr#pria inten+ão(Y.   3stecomentário aparentemente inocente é a exposi+ão de todo um programa de leitura que,aparentemente, não está totalmente de acordo com as regras do rigor interpretativo. final,Lant recon'ece que sua leitura é, digamos, sintomal. 3le irá procurar aqueles pontos dasuperfície do texto nos quais a letra não condiz com o espírito, nos quais o autorestran'amente  pensou contra sua própria intenção( ?as o que significa admitir um pensamento que se descola de sua pr#pria inten+ão e que deixa tra+os deste descolamentonos textos que produzG 6odemos dizer que significa, principalmente, estar atento "s regi*estextuais nas quais o pro$eto do sistema filos#fico é traído pelo encadeamento implacável doconceito que insiste em a!rir novas dire+*es. o menos neste ponto, é difícil estar deacordo com :oldsmit', para quem 7 “as asser+*es de um sistema não podem ter por causas,tanto pr#ximas quanto imaginárias, senão con'ecidas do fil#sofo e alegadas por ele( K. 'ist#ria da filosofia, ao contrário, mostra que é sim possível pensar a partir daquilo que oautor produz sem o sa!er, ou sem o recon'ecer. 6ensar deslocando conscientemente aordem das raz*es de um fil#sofo para que a radicalidade de certas conquistas possaaparecer com mais for+a.

?as um fil#sofo pode estar atento "quilo que outro fil#sofo produziu sem o sa!er porque, para além do tempo l#gico, ele admite uma espécie de tempo trans*ersal  através doqual o presente pode colocar quest*es e rever as respostas do passado. trans*ersalidade fundamental do tempo filos#fico indica que o presente pode, sem deixar de recon'ecer atensão inerente a tal opera+ão, aproximar os textos da tradi+ão e procurar tra+os deconstru+*es potenciais que foram deixadas pelo camin'o. Ou seja, podemos ler um texto datradição filosófica tendo em *ista seu destino( 3ncontraremos nele, em um movimentoretrospectivo, as marcas de de!ates posteriores. ?apearemos a maneira com que o texto 8em sua vida autnoma 8 foi inserindo-se em de!ates que l'e pareceriam, a primeira vista,estran'os. Rsto implica em compreender como programas filos#ficos que l'e sucederamY L&2, %rítica da ra.ão pura, J)PK :FH1?R2/, /empo lógico e tempo histórico na interpretação dos sistemas filosóficos, p. )P)

<

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foram construídos através de um em!ate so!re o sentido da letra deste texto que teima emnão querer pertencer ao passado. %ompreender que a história da recepção de um texto filosófico não ' externa 0 constituição do sentido deste texto( 6ois os textos filos#ficos t%muma peculiaridade maior7 seus processos de negocia+ão não se dão apenas com os atoresque comp*em a cena da sua escrita; eles se dão tam!ém com atores que s# se constituirão

no futuro. 3stá segunda orienta+ão metodol#gica fornecerá as !alizas para o nosso curso.1eguir tal orienta+ão metodol#gica significa, na verdade, levar a sério a afirma+ãode dorno a respeito da arte de ler /egel7 “ arte de ler /egel deveria estar atenta aomomento no qual interv%m o novo, o su!stancial e distingui-lo do momento no qualcontinua a funcionar uma máquina que não se v% como uma e que não deveria continuarfuncionando. Z necessário a todo momento tomar em considera+ão duas máximasaparentemente incompatíveis 7 a imersão minuciosa e a distAncia livre()@. &ada mais difícilem filosofia do que compati!ilizar o esfor+o minucioso e disciplinado de leitura com acerteza daqueles que sa!em que s# se enxerga uma o!ra " distAncia. ?as, como veremosneste curso, é assim, nesta coreografia fundada em sequ%ncias de distAncia e proximidade,que os fil#sofos l%em os fil#sofos.

6or outro lado, esta perspectiva que pode impor tanto uma imersão minuciosa capazde seguir, se for o caso, o tra$eto da escrita em todos os seus meandros quanto umadistAncia livre que procura esta!elecer, no texto, pontos destacáveis nos quais se ancorar, perspectiva que escava, no interior do texto, o novo e o separa do maquínico s# pode vir deuma recusa da atemporalidade da escrita filos#fica pensada como sistema de proposi+*es.Volto a insistir, o tempo da filosofia é transversal e permite que o presente reordene asrespostas do passado. Z s# a partir desta transversalidade do tempo que é possível ao leitorocupar o papel de dois atores7 aqueles que fazem parte da cena da escrita e aqueles que seconstituem apenas a posteriori.

 &o que diz respeito " leitura da  Fenomenologia do $spírito, tal a!ordagemmetodol#gica implicará em análises que o!edecerão a um movimento duplo. lgumasfiguras serão privilegiadas e, nestes pontos, o comentário de texto será articulado'orizontalmente e verticalmente. /orizontalmente, no sentido de re-construir o campo dequest*es que /egel tin'a em mente ao sintetizar tais figuras. Verticalmente, no sentido detranscender o contexto local tendo em vista a reconstitui+ão de alguns momentos maioresna 'ist#ria da recep+ão de tais figuras e da constela+ão de pro!lemas que elas foam capazesde encarnar.

 &o entanto, este tra!al'o de dupla articula+ão dos dispositivos de leitura exigirá,.porsua vez, que a costura que sustenta a  Fenomenologia do $spírito se$a apreendida emmovimentos amplos de identifica+ão de eixos gerais. &este sentido, trata-se apenas deservir-se de um movimento de distensão e de contra+ão presente na economia interna da pr#pria  Fenomenologia( 3conomia marcada pela sucessão entre distens*es de figurasa!ordadas em riquezas de detal'es e contra+*es que procuram dar conta da rememora+ãoda tra$et#ria da consci%ncia.

E"trutura do )ur"o

fim de levar a ca!o tais o!$etivos, este curso será dividido em cinco m#dulos.ada m#dulo terá, em média, dura+ão de J aulas expositivas. 3ste curso não prev% a

)@ HF>&F, )rei studien 12er 3egel, p. KY

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realiza+ão de seminários e o sistema de avalia+ão resume-se " monografia de final de curso.ada m#dulo foi organizado a partir de uma questão central, uma ou mais figuras privilegiadas e um con$unto de textos de introdu+ão e de desdo!ramento dos de!ates propostos.

 &o primeiro m#dulo tra!al'aremos algumas quest*es apresentadas no 6refácio e na

Rntrodu+ão relativas a auto-compreensão 'egeliana da peculiaridade de seu pro$etofilos#fico. evaremos a sério a afirma+ão de :erard e!run, para quem a filosofia'egeliana e seu método dialético propun'a, fundamentalmente, uma certa mudan+a degramática filos#fica capaz de dissolver as dicotomias do entendimento e do pensarrepresentativo7 “2al é a Inica surpresa que a passagem ao especulativo reserva7 esta lentaaltera+ão que parece metamorfosear as palavras que usávamos inicialmente, sem que, noentanto, devamos renunciar a elas ou inventar outras()). Rsto nos levará a eleger comoquestão central deste m#dulo7 “F que significa mudar de gramática filos#ficaG(. 2r%s textosservirão de apoio a nossa discussão, sendo que eles estão dispostos em ordem decomplexidade. 1ão eles7 “&otas a respeito da língua e da terminologia 'egeliana(, delexandre LoMrN; “1Coteinos ou como ler(, de dorno e “/egel e seu conceito deexperi%ncia(, de /eidegger.

 &o segundo m#dulo, tra!al'aremos a se+ão “onsci%ncia( privilegiando umaanálise detal'ada da figura da “consci%ncia sensível(. ?eu o!$etivo é demonstrar quedevemos levar em conta como o tra$eto fenomenol#gico da consci%ncia em dire+ão ao sa!era!soluto come+a através da experi%ncia do descompasso irredutível entre designa+ão esignifica+ão nos atos de fala. Rsto demonstra a centralidade do pro!lema da linguagem nointerior da reflexão 'egeliana. 3stá será nossa questão central. Veremos qual a teoria dalinguagem que sustenta a maneira como /egel pensa a confronta+ão cognitiva entreconsci%ncia e o!$eto para além de todo e qualquer inferencialismo, assim como aimportAncia de tal descompasso entre designa+ão e significa+ão enquanto motor do processo dialético na  Fenomenologia(  &ovamente, teremos tr%s textos de apoio7 “3ntre onome e a frase(, de 6aulo rantes; “Hialética, index, refer%ncia(, de Dean-0ran+ois Motarde “/olismo e idealismo na 0enomenologia de /egel(, de >o!ert =random..

 &o terceiro m#dulo, tra!al'aremos a se+ão “onsci%ncia-de-si( privilegiando umaanálise detal'ada da figura da “Hialética do 1en'or e do 3scravo(. 2rata-se de ummomento privilegiado da 0enomenologia por tematizar o início da su!missão da estruturacongnitivo-instrumental da consci%ncia a uma estrutura intersu!$etiva de recon'ecimentoengendrada pelo conflito. onflito articulado a partir das categorias do tra!al'o e do dese$o. &ossa questão central irá girar em torno do pro!lema de recon'ecimento do tra!al'o e dodese$o na 0enomenologia. Veremos como a l#gica do recon'ecimento do tra!al'o e dodese$o o!edece, por sua vez, a estrutura l#gica posta nas reflex*es 'egelianas so!re alinguagem. &ovamente, teremos tr%s textos de apoio7 “ guisa de introdu+ão(, delexandre Lo$Nve; “amin'os da destranscendentaliza+ão(, de /a!ermas e “rítica dadialética e da filosofia 'egelianas em geral(, capítulo dos  4anuscritos econ5mico- filosóficos de ?arx. 4m texto que servirá como guia de leitura será Os primeiros com2atesdo reconhecimento, de 6ierre-Dean a!arriNre e :Sendoline DarczMC7 texto que se prop*e afazer um comentário lin'a a lin'a do trec'o que estudaremos.

 &o quarto m#dulo tra!al'aremos a se+ão “>azão(. 1e, na se+ão “onsci%ncia(, équestão da análise da rela+ão cognitivo-instrumental da consci%ncia com o o!$eto, e, na

)) 3=>4&, "a patience du concept, p. ))P

Y

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se+ão “onsci%ncia-de-si(, questão da rela+ão de recon'ecimento entre consci%ncias comocondi+ão prévia para o con'ecimento de o!$etos, a se+ão “>azão( pode ser compreendidacomo a análise das opera+*es da razão em seus processos de categoriza+ão. &este sentido,trata-se de um momento privilegiado do texto para analisarmos a complexa rela+ão críticaentre Lant e /egel no que diz respeito " estrutura categorial do entendimento enquanto

 !ase para o sa!er cognitivo-instrumental. questão central que nos norteará na análise dadesta se+ão será as distin+*es que /egel opera entre o transcendental e o especulativo. &este sentido, analisaremos, enquanto figura privilegiada, o modus operandi da crítica'egeliana a duas ci%ncias !astante em voga em sua época7 a frenologia e a fisiognomia.3scol'a que se $ustifica devido " maneira com que /egel transforma a crítica " linguagemrepresentativa em elemento central de crítica aos pressupostos de uma ci%ncia empíricadeterminada. 2eremos, como textos de apoio, o capítulo dedicado a Lant nas "içes so2rea história da filosofia, do pr#prio /egel, “rítica de Lant por /egel(, capítulo de%onhecimento e interesse, de /a!ermas

6or fim, o quinto m#dulo será dedicado " se+ão “3spírito(. 3sta longa se+ão na qualvemos o processo de rememora+ão 'ist#rica como fundamento para a forma+ão dasestruturas de orienta+ão do $ulgamento traz uma série de quest*es articuladas de maneiracerrada. qui, vemos mais claramente “a razão na 'ist#ria(, ou se$a, “a meta-narrativa('egeliana de forma+ão agora a partir do 3spírito consciente-de-si que analisa suas figurasno tempo 'ist#rico. Has várias quest*es que a peculiaridade da a!ordagem 'egelianasuscita, gostaria de me ater a uma em especial. 2rata-se de mostrar como toda a se+ão“3spírito( é estruturada a partir da exig%ncia em pensar o sensível e a conting%ncia em suairreduti!ilidade, e não, como se tende a ver, enquanto uma tentativa de esgotar toda equalquer dignidade ontol#gica do sensível e do contingente em prol de um conceitototalizante de 'ist#ria racional. 6ara tanto, deveremos centrar nossa leitura em duas figurascentrais da 0enomenologia 'egeliana que se encontram no início e no final da nossa se+ão7a ruptura da eticidade da polis grega através de ntígona e a crítica ao formalismo da moralCantiana através das considera+*es so!re a 6e7issen( omo textos de apoio, propon'o, primeiramente, um exercício de leitura comparativa. 2rata-se de comparar a leitura'egeliana de ntígona a uma leitura contemporAnea proposta por Dacques acan earticulada como contraposi+ão " leitura 'egeliana. 2eremos como texto de apoio, pois, duasse+*es do seminário so!re 8 'tica da psican9lise, dedicados a ntígona. 2eremos aindaalguns parágrafos escol'idos de “3spírito do mundo e 'ist#ria da natureza7 digressão so!re/egel(, capitulo da Hialética &egativa, de dorno

A Fenomenolo!a do E"#$r!to e "eu e"t!lo

?as gostaria ainda de aproveitar esta primeira aula para explicar a razão pela qual aintrodu+ão ao pensamento de /egel deve ser feita preferencialmente através da Fenomenologia do $spírito( 6ois esta escol'a não é por si s# evidente. Hurante todo oséculo R, !oa parte dos leitores de /egel portavam sua aten+ão principalmente aos textosde maturidade, como  8 ci&ncia da "ógica e a  $nciclop'dia(  Fenomenologia era vistacomo um texto onde quest*es centrais da filosofia 'egeliana, como o papel do 3stadoenquanto realiza+ão do 3spírito F!$etivo, não eram suficientemente a!ordadas. 3scrito em)Y@< em condi+*es extremamente precárias, o texto não fornecia de maneira clara o sistema'olista da ci%ncia em sua quietude 'ierarquizada, como vemos, por exemplo, na $nciclop'dia(

K

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6or outro lado, o pr#prio plano da  Fenomenologia será parcialmente a!sorvido poro!ras posteriores de /egel, em especial a Iltima versão da  $nciclop'dia( á, ela apareceráclaramente como uma parte do sistema, entre a antropologia e a psicologia. 1eudesenvolvimento será desmem!rado. s se+*es “3spírito(, “>eligião( e “1a!er a!soluto(não serão mais tratadas como momentos da fenomenologia que, por seu lado, será apenas

um momento do 3spírito 1u!$etivo. grande articula+ão 'ist#rica do processo de forma+ãoda estrutura de orienta+ão do $ulgamento B“3spírito(E dará lugar a uma descri+ão sist%micada estrutura do direito, das reivindica+*es morais da su!$etividade e do 3stado. >eligião e1a!er !soluto terão tratamento " parte enquanto manifesta+*es do 3spírito !soluto.

 &o entanto, a  Fenomenologia deve ser vista como a mel'or introdu+ão ao pensamento 'egeliano não apenas porque ela foi realmente escrita como uma introdu+ão aosistema que, aos poucos, foi gan'ando autonomia. Rntrodu+ão que deveria descrever otra$eto de forma+ão da consci%ncia em dire+ão a um sa!er onde l#gica e ontologia seencontram.  Fenomenologia é a mel'or introdu+ão ao pensamento 'egeliano porque, porum lado7 “ 0enomenologia era para /egel consciente ou inconscientemente, o meio deoferecer ao pI!lico; não um sistema $á pronto, mas a 'ist#ria de seu pr#priodesenvolvimento()9.  ?as por outro lado, e esta me parece a razão mais forte, a 0enomenologia ofereceum modo de pensar e articular pro!lemas filos#ficos que será a marca da experi%nciaintelectual 'egeliana. ?odo que pode ser inicialmente a!ordado através de algumasconsidera+*es so!re o estilo da escrita filos#fica da 0enomenologia em particular e de/egel em geral.

 &a verdade, gostaria de terminar a aula de 'o$e com algumas considera+*es arespeito do estilo de /egel. 6ois uma leitura filos#fica deve estar atenta não s# a ordem dasraz*es, mas tam!ém aos estilos da escrita. s exig%ncias do estilo não são considera+*esexternas aos o!$etos com os quais um pensamento se defronta. Rsto talvez nos esclare+a porque o estilo de /egel descon'ece um certo regime de clareza na escrita conceitual.

 &ão se trata aqui de fazer uma apologia da o!scuridade, mas valeria a pena lem!rara relevAncia da questão a respeito da adequa+ão entre clareza e o!$eto. 2odos os o!$etos daexperi%ncia podem ser expostos através de uma linguagem de máxima visi!ilidade G 3ulem!raria que, em vários momentos, a resposta da filosofia foi negativa. 6or exemplo, n#scon'ecemos claramente a recusa de /egel em descrever os o!$etos da experi%ncia atravésda clareza de uma linguagem de inspira+ão matemática, geometria ret#rica fundamentadaatravés de analogias com os dispositivos da geometria euclidiana. apreensão conceitualdos o!$etos da experi%ncia exige uma compreensão especulativa da estrutura proposicionalque nada tem a ver com exig%ncias a!stratas de clareza. o contrário, a clareza deinspira+ão matemática que guia o uso ordinário da linguagem do senso comum émistificadora, pois clarifica o que não é o!$etivamente claro, procura utilizar categoriza+*esestanques para apreender aquilo que s# pode aparecer de maneira negativa ou através de“significa+*es fluidas()J. ssim, o esta!elecimento de uma gramática filos#fica adequadaaca!a por se confundir com um movimento amplo de crítica da linguagem ^clara_ doentendimento. Haí porque7 “não é difícil de perce!er que a maneira de expor um princípio,de defend%-lo com argumentos, de refutar tam!ém com argumentos o princípio oposto, nãoé a forma na qual a verdade pode se manifestar. verdade é o movimento dela mesma nelamesma, enquanto que este método é o con'ecimento exterior " matéria. Z por isto que ele é)9 /W66FR23, 6&nese e estrutura da Fenomenologia do $spírito, p. <Y)J 1o!re este ponto, ver 0412F, >uM, 4arx : lógica e política ; tomo III 

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 particular " matemática e devemos deixá-lo " matemática()P. &este sentido, podemos seguir:erard e!run e dizer que o verdadeiro o!$etivo da 0enomenologia é a refuta+ão de todauma gramática filos#fica através de um movimento de esgotamento interno.

dorno foi talvez aquele que mel'or compreendeu a necessidade da articula+ãoentre estilo e o!$eto do pensamento em /egel. “/egel é sem dIvida o Inico dentre os

grandes fil#sofos que, em alguns momentos, não sa!emos e não podemos decidir so!re oque ele fala exatamente, o Inico a respeito de quem a pr#pria possi!ilidade de tal decisãonão é assegurada()Q. 6roposi+ão aparentemente paradoxal por insistir na exist%ncia de umaopacidade constitutiva do estilo 'egeliano, exist%ncia de regi*es de sil%ncio legíveis datextura do texto. 6ara dorno, estamos diante de uma opacidade cu$a estrutura deve serdeduzida do pr#prio conteIdo da filosofia 'egeliana7 “Dá que cada proposi+ão singular dafilosofia 'egeliana recon'ece sua pr#pria inadequa+ão a esta unidade `da totalidade\, aforma exprime esta inadequa+ão B<nangemessenheit E  na medida em que ela não podeapreender nen'um conteIdo de maneira adequada()<.

?as este !loqueio na apreensão do conteIdo é um  fato inscrito na linguagemespeculativa. sensa+ão de evanescimento da refer%ncia que todo leitor de /egel con'ece !em, esta impressão de que o estilo da escrita parece destruir a determina+ão dos o!$etos arespeito dos quais falávamos com relativa seguran+a até 'á pouco, é, de uma certa forma, aexperi%ncia-motor da dialética 'egeliana. “ clareza e a distin+ão t%m por modelo umaconsci%ncia reificada Bdinghaftes  =e7uβ tseinE  do o!$eto()O, dirá dorno a respeito de/egel. omo se 'ouvesse certos o!$etos que s# podem ser apreendidos através de umator+ão da língua, através de uma experi%ncia de fracasso reiterado de posi+ão dedetermina+*es conceituais. 3m /egel, o conceito traz as cicatrizes do fracasso reiterado emapreender aquilo que se dá como conteIdo da experi%ncia. 3 se as feridas do espírito securam sem deixar cicatrizes é porque o conceito aprende que, em certos momentos,fracassar a apreensão do conteIdo é a Inica maneira de manifestar aquilo que é da ordemda ess%ncia dos o!$etos. /á um fracasso que é a Inica forma de termo uma experi%ncia do

o!$eto. Z isto o que leva dorno a dizer7 “1e um dia fosse possível definir a filosofia, elaseria o esfor+o para dizer aquilo so!re o qual não se pode falar, esfor+o para levar o não-id%ntico " expressão, mesmo quando a expressão procura identificá-lo. Z isto o que /egeltenta fazer()Y. lguns verão nesta estratégia do conceito em integrar aquilo que o nega umaforma astuta de totaliza+ão. ?as n#s poderemos perguntar7 se nossa época é profundamenteanti-'egeliana, não seria por temer identidades construídas com as marcas deste “tra!al'odo negativo( que parece nunca ter fim e nos exilar de nossa pr#pria gramáticaG

3m um certo momento, dorno compara o estilo de /egel ao uso que um imigrantefaz de uma língua estrangeira. 6or impaci%ncia e necessidade, ele l% deixando para trás palavras indeterminadas que s# serão relativamente compreendidas através dareconstitui+ão lenta e demorada de contextos. ?uitas palavras ficarão para sempre opacas eapenas seu uso con$ugado será apreensível. Futras gan'arão uma so!redetermina+ão que ofalante nativo não tin'a mais a distAncia necessária para desvelar. 3ste estran'amentodiante dos o!$etos do pensamento que a posi+ão 'egeliana de imigrante na sua pr#prialíngua pressup*e talvez nos diga muito a respeito das estratégias discursivas que comp*e a

)P /3:3, Fenomenologia do espírito - pref9cio)Q HF>&F, )rei >tudien 12er 3egel, :1 Q, p. J9<)< idem, p. J9Y)O idem, p. JJP)Y idem, p. JJO

))

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experi%ncia intelectual de /egel. 2erminemos 'o$e com esta famosa descri+ão fornecida por /ot'o a respeito de seu professor, /egel. 3la talvez nos diga muito a respeito destefazer filos#fico que será nosso o!$eto de estudos durante um semestre7 “ ca!e+a a!aixadacomo se estivesse do!rada so!re si mesma, o ar cansado; ele estava lá de pé e, enquantofalava, procurava continuamente nos seus grandes cadernos percorrendo-os sem parar em

todos os sentidos, uma tosse incessante interrompia o desenvolvimento do discurso; a fraseestava lá, isolada, ela vin'a com dificuldade, como se fosse arrancada. ada palavra, cadasíla!a s# de soltava a contragolpes, pronunciada por uma voz metálica, para em seguidarece!er no amplo dialético suá!io uma ressonAncia surpreendentemente presente, como se,a cada vez, o essencial estivesse lá(. F primeiro passo para ler /egel é compreender anecessidade destas palavras que teimam em não se su!meter " superfície.

Cur"o HeelSeunda aula

 &a aula de 'o$e, será questão de um comentário de quest*es centrais que aparecem na primeira parte do 6refácio, ou se$a, neste trec'o que vai dos parágrafos ) até o )O. &a pr#xima aula, comentares o trec'o que vai do parágrafo 9O até o parágrafo JY.

3ste trec'o é importante para n#s por tr%s raz*es. 6rimeiro, /egel fornece um primeiro quadro de eixos centrais do de!ate filos#fico da época. Vemos como, no interiordo de!ate a respeito dos desdo!ramentos do p#s-Cantismo, /egel oferece largas reflex*es arespeito da peculiaridade de sua posi+ão em contraposi+ão a 1c'elling e a um certointuicionismo que se legitimava através de seu nome. Fpera+ão ainda mais central selem!rarmos que, até então, /egel era visto apenas como um seguidor privilegiado de1c'elling, a quem estava ligado por la+os de amizade desde a época em que os dois, $untamente com /lderlin, eram seminaristas em 25!igen.

6or outro lado, esta reflexão a respeito do de!ate filos#fico da época vai aos poucossendo enquadrada em uma reflexão mais ampla so!re as expectativas daquilo que então secolocava como “o nosso tempo(, ou se$a, a modernidade. 3sta é uma articula+ão central, $áque /egel é, de uma certa forma, o primeiro fil#sofo a transformar o pensamento a respeitodas aspira+*es da modernidade em pro!lema filos#fico central. F que orienta o de!atefilos#fico com sua procura em orientar o $ulgamento nas dimens*es cognitivo-instrumental, prático-moral e estético-expressiva é, na verdade, a procura da modernidade em fornecer oscritérios de certifica+ão de si mesma sem, para isto, depender do recurso constante aesquemas 'erdados da tradi+ão e de situa+*es que não dão voz "s exig%ncias portadas pelostempos modernos. Fu se$a, o diagn#stico so!re o que constitui nossa época transforma-se,em /egel, necessariamente em setor de compreensão do sentido do de!ate filos#fico.

6or fim, através desta articula+ão cruzada entre diagn#stico de época econfigura+ão das lin'as mestras do de!ate filos#fico, /egel come+a a fornecer algumascaracterísticas maiores so!re seu método filos#fico e so!re aquilo que ele compreendecomo sendo tarefa principal para um programa filos#fico de seu tempo. insist%ncia'egeliana no caráter aparentemente inadequado de se escrever um prefácio em filosofiaaparece como oportunidade para discuss*es a respeito da maneira de apreender e refletirso!re o!$etos da experi%ncia. ogo no início, vemos /egel "s voltas com as tentativas de

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escapar de dois erros complementares7 o formalismo de inspira+ão Cantiana e ointuicionismo de inspira+ão sc'ellinguiana.

Vamos pois analisar cada um destes tr%s aspectos.

E")re+er um #re&,)!o

“&uma o!ra filos#fica, em razão da natureza da oisa B>acheE, parece não s#supérfluo, mas até inadequado e contraproducente um prefácio 7 esse esclarecimento preliminar do autor so!re o fim que se prop*e, as circunstAncias de sua o!ra, asrela+*es que $ulga encontrar com as anteriores e atuais so!re o mesmo tema. omefeito, não se pode considerar válido, em rela+ão ao modo como deve ser exposta averdade filos#fica, o que num prefácio seria conveniente dizer so!re a filosofia; porexemplo, fazer um es!o+o geral da tend%ncia e do ponto de vista, do conteIdo gerale resultado da o!ra, um agregado de afirma+*es esparsas e asser+*es so!re averdade. lém do que, por residir a filosofia essencialmente no elemento dauniversalidade que em si inclui o particular, isso suscita nela, mais que em outrasci%ncias, a apar%ncia de que é no fim e nos resultados Iltimos que se expressa aoisa mesma B>ache sel2st E em sua ess%ncia perfeita. 0rente a qual odesenvolvimento da exposi+ão seria, propriamente falando, o inessencialB<n7esentlicheE()K.

3m um movimento sintomático, /egel come+a a escrever a  Fenomenologia pro!lematizando seu pr#prio ato de escrever, ou se$a recon'ecendo que não se sente "vontade naquilo que poderia se compreender como “a forma geral da escrita filos#fica(./egel não pode deixar de come+ar aquele que é o livro que marca enfim sua entrada emcena no de!ate filos#fico de sua época com uma constata+ão de que ele tem a dizer algoque parece exigir uma profunda reconfigura+ão na forma do dizer. >econfigura+ão paradoxal pois leva a forma a mostrar aquilo que ela mostra sem o sa!er.

2em-se 'a!itualmente a apar%ncia de que a filosofia expressa seu o!$eto, a oisamesma, no fim e nos resultados Iltimos que apresenta. 1eu desenvolvimento seria oinessencial. 6assemos diretamente do prefácio " conclusão. Fu, se for necessário expor odesenvolvimento, o essencial poderia ser o!$eto de es!o+os gerais capazes de fornecergrandes quadros de orienta+ão. ?as nada disto é adequado para a apresenta+ão do o!$eto daexperi%ncia intelectual de /egel.

Hesta forma, 'averá um prefácio, mas um prefácio que procura não ser exatamenteum. /egel não irá tentar resumir o tra$eto da consci%ncia em dire+ão " ci%ncia, o!$etocentral da Fenomenologia( 3 mesmo que certos resultados se$am expostos, tais resultadosserão, na verdade, a exposi+ão da inadequa+ão de pensar proposi+*es filos#ficas comoresultados que possam ser comparados para que uma verdade apare+a a partir daconfronta+ão de sistemas antagnicos de proposi+*es. 2udo isto seria exterior " filosofia e "sua escrita.

2al maneira de pensar o o!$eto da experi%ncia filos#fica implica necessariamenteem outra rela+ão com o que pode aparecer como “'ist#ria da filosofia(.

)K /3:3, Fenomenologia I, p. 9)

)J

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“Ho mesmo modo, a determina+ão das rela+*es que uma o!ra filos#fica $ulga tercom outras so!re o mesmo o!$eto introduz um interesse estran'o e o!scurece o queimporta ao con'ecimento da verdade. om a mesma rigidez com que a opiniãocomum B 4einung E se prende " oposi+ão entre o verdadeiro e o falso, costumatam!ém co!rar, ante um sistema filos#fico dado, uma atitude de aprova+ão ou

re$ei+ão BiderspruchE. c'a que qualquer esclarecimento a respeito do sistema s# pode ser uma ou outra. &ão conce!e a diversidade dos sistemas filos#ficos comodesenvolvimento progressivo da verdade, mas s# v% diversidade e contradi+ão `mass# v% contradi+ão nesta diversidade\(9@.

/egel será o primeiro fil#sofo a ver a reflexão a respeito da 'ist#ria da filosofia comomovimento central no interior do pr#prio fazer filos#fico. 6ara /egel, sistemas filos#ficosnão são passíveis de simples refuta+ão, mas colocam para si uma integralidade fixa de pro!lemas7 “ada filosofia é em si completa e tem, como uma aut%ntica o!ra de arte, atotalidade em si(9). /egel será ainda mais claro em sua proposi+ão da sistematicidade ecomensurali!ilidade dos sistemas filos#ficos7 “?as se o a!soluto, tal como a suamanifesta+ão, a razão, é eternamente um e o mesmo, como de fato é, então, cada razão quese dirige e se con'ece a si mesma produziu uma verdadeira filosofia e resolveu para si atarefa que, tal como a sua solu+ão, é a mesma para todas as épocas(99. Rsto implicará em umfazer filos#fico que verá a 'ist#ria da filosofia como 'ist#ria do movimento da razão emdire+ão " sua auto-determina+ão enquanto ci%ncia Bissenschaft E. rememora+ão de cadamomento é necessária na compreensão do que se coloca a um tempo como tarefa filos#fica.3ste é o sentido que podemos dar a metáfora usada por /egel a fim de descrever o que estáem $ogo na passagem 'ist#rica de um sistema filos#fico a outro7

“F !otão desaparece no desa!roc'ar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta;do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí B )aseinE da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor; essas formas não s# se distinguem,mas tam!ém se repelem B*erdr?ngen  8 mas cada uma recalca a outraE comoincompatíveis entre si. 6orém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delasmomentos da unidade orgAnica, na qual, longe de se contradizerem B7iderstreiten-longe de entrarem em conflitoE, todos são igualmente necessários(9J.

3sta metáfora do desenvolvimento orgAnico que demonstra a necessidade de cada momentona constitui+ão de uma situa+ão que se coloca no presente é fundamental paracompreendermos a no+ão 'egeliana de 'ist#ria da filosofia. &o entanto, este“desenvolvimento progressivo da verdade(, do qual fala /egel, não é reconstitui+ão linearda seq5%ncia 'ist#rica dos sistemas filos#ficos. F desenvolvimento da razão não é id%nticoaos desenvolvimentos contingentes da 'ist#ria. o contrário, o esfor+o da filosofia nacompreensão dos modos de realiza+ão da verdade consiste em reconstituir seus momentosa partir do ponto de *ista da ra.ão( laro está que fica como questão sa!er comofundamentar esta perspectiva meta-'ist#ria que permite a constitui+ão de uma “'ist#ria darazão em sua tentativa de reconciliar-se com a experi%ncia(.

9@ idem, p. 999) /3:3, )iferença dos sistemas filosóficos de Fichte e >chelling, p. J<99 idem, p. JP9J /3:3, Fenomenologia I, p. 99

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 &este estágio, podemos insistir em um ponto central. perspectiva de constitui+ãode uma certa 'ist#ria da razão não se dará, para /egel, de maneira transcendente; como seela o!edecesse a um con$unto de proposi+*es a-'ist#ricas capaz de orientar a pr#prianarra+ão da 'ist#ria. Higamos, neste estágio, que /egel tenta implementar uma perspectivaimanente de compreensão do desenvolvimento das figuras da razão em sua 'ist#ria, ou

ainda, simplesmente da razão na 'ist#ria. Fu se$a, trata-se de compreender o impulso queordena as passagens de uma figura da razão " outra através de tens*es internas. o tentar seefetivar seu conceito, uma figura da razão produz experi%ncias que não se deixamapreender completamente pelo conceito que a anima. 2rata-se então de comparar a figuraconsigo mesma, insistir na contradi+ão entre o conceito e aquilo que se coloca como campode experi%ncia para a consci%ncia de um certo momento. /rata-se pois de mostrar comouma determinada figura da ra.ão não foi capa. de reali.ar seu próprio conceito(  3sta é, deuma certa forma, o cerne de uma perspectiva imanente na compreensão dodesenvolvimento da razão em sua 'ist#ria.

2al compreensão da racionalidade interna da 'ist#ria da filosofia e do pensar, levará/egel a procurar definir a reflexão filos#fica como a tentativa de apreender,fundamentalmente, o processo de forma+ão de seus o!$etos, ou se$a, os o!$etos tais comoeles aparecem no tempo. Haí a afirma+ão central7

“ oisa não se esgota em seu fim, mas em sua atualiza+ão B 8usf1rhrung E; nem oresultado é o todo efetivo, mas sim o resultado $unto com seu vir-a-ser Berden -devirE. F fim para si `ou se$a, apenas su!$etivamente pressuposto\ é o universal semvida `$á que l'e falta a o!$etividade\, como a tend%ncia `enquanto indeterminado\ éo mero impulso B/rei2enE ainda carente da sua efetividade; o resultado nu é ocadáver que a tend%ncia deixou atrás de si `porque a tend%ncia não se coloca maisno resultado\. Rgualmente, a diversidade `de determina+*es que não podem serunificadas a partir de um universal\ é, antes, o limite da oisa; está ali onde a coisadeixar de ser; ou é o que a mesma não é B...E &ada mais fácil que $ulgar B2eurteilenEo que tem conteIdo e solidez; apreend%-lo B fassenE é mais difícil; e o que 'á de maisdifícil é produzir sua exposi+ão B )arstellung - apresenta+ãoE, que unifica am!os(9P.

1e /egel exige uma 'ist#ria da filosofia que não se$a mera narrativa da sucessão desistemas tendo em vista a descri+ão de um pretenso aprimoramento contínuo, mas aexposi+ão de um processo de forma+ão no qual todos os momentos são necessários, é porque o pr#prio o!$eto da reflexão filos#fica é aquilo que “não se esgota em seu fim, masem sua atualiza+ão(, o!$eto que s# pode ser apresentado de maneira adequada através daunifica+ão entre o resultado e o devir. 6ois emitir $ulgamentos a respeito do que se deixacolocar na solidez de determina+*es fixas não é a tarefa fundamental do pensar.

He fato, o primeiro esfor+o do pensamento consiste em ordenar previamente ocampo possível de determina+*es através de princípios gerais e universais postos demaneira transcendental. 3sta ordena+ão permite termos a experi%ncia de uma %oisa em geral , da mesma maneira com que a estrutura+ão de categorias é a determina+ão de predicados possível para um o!$eto geral. ?as o verdadeiro início da experi%ncia deforma+ão B =ildung E não se dá como resultado de uma experi%ncia de o!$etos em geral./egel não cansará de insistir que a filosofia tem a exig%ncia de pensar o particular, de

9P /3:3, Fenomenologia I, p. 9J

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“adentrar na experi%ncia da oisa mesma B>ache sel2st E(. F que implica em pensar aquiloque não se deixa pr como experi%ncia de o!$etos em geral.

 &este sentido, se /egel afirma que7 “ verdadeira figura em que a verdade existe s# pode ser o seu sistema científico(, devemos $á estar atento para a peculiaridade 'egeliana arespeito da no+ão de sistema. &ão se trata de pensar a constitui+ão de um sistema de

 proposi+*es que d% conta, de maneira coerente, das articula+*es internas do sa!er. Fverdadeiro sistema da ci%ncia é aquele capaz de portar, em si mesmo, o que parece negar aarticula+ão do sa!er em sistema, ou se$a, a compreensão do o!$eto como devir que não seesgota em sua determina+ão como caso de uma no+ão geral de o!$eto. F verdadeiro sistemadeve dar conta daquilo que o nega, deve ser capaz de dar a forma do conceito "quilo que parece apresentar-se como não-conceitual.

 &o entanto, para que a filosofia como sistema científico possa vir " luz, não !asta anecessidade interna das motiva+*es individuais. 3le deve responder " necessidade externado seu pr#prio tempo. Fu se$a, /egel deve mostrar que o tempo presente pode elevar afilosofia " condi+ão de ci%ncia, desta ci%ncia que será apresentada, na  Fenomenologia do $spírito, em sua realiza+ão enquanto 1a!er !soluto. &este sentido, a reflexão 'egelianadeve aparecer como reflexão so!re as exig%ncias de um “tempo presente( cu$a mel'ordenomina+ão é modernidade_. reflexão filos#fica deve se colocar como reflexão so!re amodernidade em suas aspira+*es e em seus impasses.

-C(eou o tem#o de ele+ar a &!lo"o&!a . )ond!ção de )!/n)!a0

“F primeiro fil#sofo a desenvolver um conceito preciso de modernidade foi/egel(9Q. He fato, esta afirma+ão de /a!ermas é precisa por lem!rar como, em /egel, adefini+ão de seu programa filos#fico s# é possível através da apreensão daquilo que secoloca como situa+ão da modernidade. Vemos claramente tal opera+ão entre os parágrafos< e )J da 0enomenologia. 2omemos, por exemplo, este diagn#stico de época que apareceno parágrafo O7

“2omando a manifesta+ão dessa exig%ncia `do !soluto\ em seu contexto maisgeral e no nível em que presentemente se encontra o espírito consciente-de-si `ouse$a, trata-se de compreender o que o presente coloca como exig%ncia do espírito\,vemos que esse foi além da vida su!stancial que antes levava no elemento do pensamento; além desta imediatez de sua fé, além da satisfa+ão e seguran+a dacerteza que a consci%ncia possuía devido " sua reconcilia+ão com a ess%ncia e a presen+a universal dela 8 interior e exterior. F espírito não s# foi além 8 passandoao outro extremo da reflexão, carente-de-su!stAncia, de si so!re si mesmo 8 masultrapassou tam!ém isso. &ão somente está perdida para ele sua vida essencial; estátam!ém consciente dessa perda e da finitude que é seu conteIdo. `omo o fil'o pr#digo\, re$eitando os restos da comida, confessando sua a!$e+ão e maldizendo-a, oespírito agora exige da filosofia não tanto o sa!er do que ele é, quanto resgatar pormeio dela, aquela su!stancialidade e densidade do ser `que tin'a perdido\( 9<.

omo vemos, /egel compreende a modernidade como um momento de cisão. Fespírito perdeu a imediatez da sua vida su!stancial, ou se$a, nada l'e apare+a mais como9Q /=3>?1, O discurso filosófico da modernidade, p. )<9< /3:3, Fenomenologia I, p. 9P

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su!stancialmente fundamentado em um poder capaz de unificar as várias esferas de valoressociais. o contrário, a modernidade pode ser compreendida como este momento que estánecessariamente "s voltas com o pro!lema da sua auto-ceritificação. 3la não pode mais procurar em outras épocas os critérios para a racionaliza+ão e para a produ+ão do sentido desuas esferas de valores. 3la deve criar e fundamentar suas normas a partir de si mesma. Rsto

significa que a su!stancialidade que outrora enraizava os su$eitos em contextos sociaisaparentemente não-pro!lemáticos está fundamentalmente perdida. omo dirá, cem anosdepois, ?ax Te!er7 “F destino de nossos tempos é caracterizado pela racionaliza+ão eintelectualiza+ão e, acima de tudo, pelo desencantamento do mundo. 6recisamente, osvalores Iltimos e mais su!limes retiraram-se da vida pI!lica, se$a para o reinotranscendental da vida mística, se$a para a fraternidade das rela+*es 'umanas e pessoais(9O.Fu se$a, aquilo que fornecia o enraizamento dos su$eitos através da fundamenta+ão das práticas e critérios da vida social não é mais su!stancialmente assegurado.

3m uma análise 'o$e clássica, /egel indica tr%s acontecimentos que foram paulatinamente moldando a modernidade em suas exig%ncias7 a reforma protestante `comsua confronta+ão direta entre o crente e Heus através da su!$etividade da fé\, a revolu+ãofrancesa `que colocava o pro!lema do 3stado Dusto enquanto aquele capaz de conciliaraspira+*es de universalidade da ei e exig%ncias dos indivíduos\ e o Rluminismo `que,segundo /egel, terá em Lant sua realiza+ão mais !em aca!ada\. 3m todos estesacontecimentos, o que parece impulsiona-los é o aparecimento do que poderíamos c'amarde “su!$etividade(.

He fato, para /egel, a su!$etividade aparece como o princípio dos temposmodernos. &ão é por outra razão que /egel falará, a prop#sito de Hescartes com seucogito7 “qui $á podemos sentir em casa e gritar, como o navegante depois de uma larga e penosa travessia por mares tur!ulentos7 - 2errab. om Hescartes come+a a cultura dostempos modernos, o pensamento da filosofia moderna, depois de ter andando por muitotempo em outros camin'os(9Y.

metáfora aqui não poderia ser mais adequada. He fato, o princípio desu!$etividade com seu primado de que a verdade su!meta-se " reflexão, de que o sersu!meta-se ao pensamento, é a terra firme, o fundamento a partir do qual a filosofia poderáreconstruir seus alicerces. “0az-se necessário que o fundamento da nova li!erdade se$a oque é assegurado por uma certeza `su!$etiva\ que satisfa+a "s exig%ncias da ess%ncia daverdade(  9K. 3ste fundamento não estará em opera+ão apenas como su$eito docon'ecimento, mas guiará tam!ém a redefini+ão das mIltiplas esferas de valores da vidasocial. firmar que o princípio de su!$etividade é o fundamento significa assim dizer quenada pode aspirar validade se não for transparente " reflexão su!$etiva. F que nos colocacom um pro!lema inicial so!re o pr#prio conceito de “reflexão( e suas conseq5%ncias.

?uito ainda 'averá a se dizer a respeito desta questão. ?as podemos introduzi-laatravés de algumas considera+*es feitas por /eidegger a respeito deste mesmo pro!lema, $áque, em larga medida, elas não são estran'as "quilo que /egel tem em mente ao lem!rarque “o espírito está consciente da perda de sua vida essencial e da finitude de seuconteIdo(.

3m uma passagem céle!re, /eidegger insiste que a estrutura da reflexão que nascecom o princípio moderno de su!$etividade é fundamentalmente posicional. >efletir é por

9O T3=3>, %i&ncia como *ocação in $nsaios de sociologia, p. )Y9 9Y /3:3, "içes so2re a história da filosofia - )escartes9K /3RH3::3>, Niet.sche II 

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diante de si no interior da representa+ão, como se colocássemos algo diante de um “ol'o damente(.

1eguindo os rastros de texto cartesiano, ele nos lem!ra que, em várias passagens,Hescartes usa cogitare e  percipere como termos correlatos. 4m uso necessariamente pren'e de consequ%ncias. He fato, /eidegger deve pensar aqui, primeiro, na maneira

 peculiar com que Hescartes utiliza o termo latim  percipere( 3le raramente é utilizado paradesignar processos sensoriais, como visão e audi+ão Bnestes casos, Hescartes prefereutilizar o termo sentireE.  @ercipere designa, normalmente, a apreensão puramente mentaldo intelecto, $á que, em Hescartes, é a inspe+ão intelectual que apreende os o!$etos, e não assensa+*es. ssim, por exemplo, na medita+ão terceira, ao falar daquilo que aparece ao pensamento de maneira clara e distinta, Hescartes afirma7 “todas as vezes que volto para ascoisas que penso conce!er mui claramente sou de tal modo persuadido delas ...(J@. ?as, defato, “penso conce!er( é a tradu+ão não muito fiel de  percipereAB(  Ha mesma forma,Hescartes, mais a frente falará de 7 “tudo aquilo que conce!o clara e distintamente( J9 pelo pensamento. ?as, novamente, o termo “conce!er( é uma tradu+ão aproximada de percipere,  $á que o texto latim diz7 “illa omnia quae clare percipio(. He onde se v% como percipere serve, nestes casos, para descrever o pr#prio ato mental do pensamento.

/eidegger é sensível a este uso peculiar de  percipere  por Hescartes pois areconstru+ão etimol#gica do termo nos mostra que ele significa7 ^tomar posse de algo,apoderar-se B2em?chtigenE de uma coisa, e aqui no sentido de dispor-para-si B>ich-.u- stellenE `lem!remos que >icherstellen é confiscar\ na maneira de um dispor-diante-de-siBCor-sich-stellenE, de um re-presentar BCor-stellenE(JJ. Hesta forma, a compreensão decogitare por Cor-stellen Bre-presentarpor diante de siE estaria mais pr#xima do verdadeirosentido deste fundamento que Hescarte traz como terra firma da filosofia moderna.

2ais aproxima+*es permitem a /eidegger interpretar o cogitare cartesiano comouma representa+ão que compreende o ente como aquilo que é essencialmente representável,como aquilo que pode ser essencialmente disposto no espa+o da representa+ão. Z assim quedevemos compreender a frase-c'ave7 “F cogitare é um dispor-para-si do representável(JP.ssim, cogitare não seria apenas um processo geral de representa+ão, mas seria um ato dedetermina+ão da ess%ncia do todo ente como aquilo que acede a representa+ão. Rstoindicaria como todo ato de pensar é um ato de dominar através da su!missão da coisa "representa+ão. F diagn#stico de /eidegger seria claro7 “algo s# é para o 'omem na medidaem que é esta!elecido e assegurado como aquilo que ele pode por si mesmo, na am!i%nciaB<m+reisE de seu dispor, a todo instante e sem equívoco ou dIvida, reinar como mestre(JQ.6ois a compreensão do pensamento como capacidade de articular representa+*es, comocompet%ncia representacional imp*e um modo específico de manifesta+ão dos entes ao pensamento. F ente será, a partir de agora, aquilo que aparece, para um su$eitocognoscente, como o!$eto adequado de uma representa+ão categorizada em coordenadasespa+o-temporais extremamente precisas. &este sentido7 “o 'omem se coloca si mesmocomo a cena B>.eneE so!re a qual o ente deve a partir de agora se apresentar B*or-stellen,

J@ H31>231, 4editaçes, p. )@YJ) onforme o texto em latin7 “Uuoties vero ad ipsas res, que valde clare percipere ar!itror ...(J9 i2idem, p. ))<JJ /3RH3::3>, Niet.sche II JP idemJQ idem 

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 pr?setierenE(J<. Haí porque /eidegger pode afirmar que o cogito traz uma nova maneira daess%ncia da verdade.

 &ada disto é estran'o a /egel quando este compreende os tempos modernos comoeste tempo no qual o espírito perdeu sua vida essencial e está consciente desta perda e dafinitude de seu conteIdo. 6ois, para /egel, a reflexão, enquanto disposi+ão posicional dos

entes diante de um su$eito, não pode deixar de operar dicotomias e divis*es no interior doque se oferece como o!$eto da experi%ncia entre aquilo que é para-mim e aquilo que seriaem-si, entre o que se dá através da receptividade da intui+ão e aquilo que é ordenado pelaespontaneidade do entendimento com suas estruturas reflexivas de representa+ão, entre oque é da ordem do espírito e o que é da ordem da natureza, entre o que é acessível "reflexão e o que é !soluto.

6ara a gera+ão de /egel, a filosofia moderna deve ultrapassar um sistema dedicotomias que encontrou sua figura mais !em aca!ada na filosofia Cantiana. /egel partil'ao diagn#stico de p#s-Cantianos como 0ic'te e 1c'elling de que, na filosofia Cantiana, o primado da reflexão e da su!$etividade, produziu cis*es irreparáveis. Haí porque “o Inicointeresse da razão é o de suspender antíteses rígidas(JO. lém disto, /egel tem a peculiaridade de compreende tais cis*es como a formaliza+ão filos#fica de dicotomias nasquais a modernidade 'avia se enredado. Rsto nos explica porque7 “/egel v% na filosofiaCantiana a ess%ncia do mundo moderno concentrada como num foco(JY. Veremos este pontode maneira mais sistemática quando comentarmos os primeiros parágrafos da Introduçãoda Fenomenologia( 

Contra S)(ell!n

 &o entanto, /egel não está disposto a a!andonar o solo de uma filosofia dareflexão. 3le não acredita que podemos nos curar das feridas da eleva+ão do princípiomoderno de su!$etividade " condi+ão de fundamento da ci%ncia simplesmente pregandoalguma forma de retorno a uma origem pré-reflexiva e pré-conceitual. 6or isto, /egel serátão duro com a idéia segunda a qual

“om efeito, se o verdadeiro s# existe no que Bou mel'or, como o queE se c'amaquer intui+ão, quer sa!er imediato do a!soluto, religião, ser B...E então o que se exige para a exposi+ão da filosofia é, antes, o contrário da forma do conceito. F a!solutonão deve ser conceitualizado, mas somente sentido e intuído, não é o seu conceito,mas seu sentimento e intui+ão que devem falar em seu nome e ter expressão. B...E6ara atender a essa necessidade B...E deve, so!retudo, misturar as distin+*es do pensamento, reprimir o conceito que diferencia, restaurar o sentimento da ess%ncia,garantir mão tanto a perspicácia quanto a edifica+ão. F !elo, o sagrado, a religião, oamor são a isca requerida para despertar o prazer de mordiscar. &ão é o conceito,mas o %xtase, não é a necessidade fria e met#dica da oisa que deve constituir afor+a que sustém e transmite a riqueza da su!stAncia, mas sim o entusiasmoa!rasador(JK.

J< /3RH3::3>, 3ol.7ege, p. ))KJO /3:3, )iferença dos sistemas filosóficos de Fichte e >chelling, p. JYJY /=3>?1, O discurso filosófico da mdoernidade, p. J@JK /3:3, Fenomenologia I, pp. 9P-9Q

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 &esta longa diatri!e, que será retomada em vários momentos do prefácio, /egel está, naverdade, acertando contas com seu passado. 3sta idéia de que, ao invés da reflexão pr#priaao conceito, a filosofia deve procurar tematizar a auto-intui+ão do a!soluto através um certoregime de retorno a um plano de iman%ncia que não pode ser o!$eto de diferencia+ão é, naverdade, a ressonAncia do programa crítico sc'ellinguiano.

He fato, /egel foi primeiramente visto como um sc'ellinguiano e a  Fenomenologiado $spírito, em particular seu prefácio, aparece como o locus da ruptura entre os dois. 3mcarta a 1c'elling, /egel insistirá que se tratava de fornecer uma máquina de guerra contraaqueles que deturpariam o pensamento de 1c'elling ao transformá-lo em arauto de umafilosofia do imediato. &o entanto, 1c'elling não deixará de dizer7 “&a medida em que voc% pr#prio menciona a parte pol%mica deste `seu livro\, eu devia fazer muito pouco caso demim mesmo para aplicar esta pol%mica " min'a pessoa(P@.

 &o entanto, a pol%mica era, de fato, endere+ada a 1c'elling. He maneiraesquemática, podemos dizer que, pelo menos aos ol'os de /egel, 1c'elling procuraultrapassar as dicotomias da reflexão através do recurso a um plano de iman%ncia a partirdo qual o su!$etivo e o o!$etivo se extraem. F su$eito emergiu de um mundo indiferenteque agora ele confronta e con'ece através da reflexão. Haí segue, por exemplo, a defini+ãosc'ellinguiana do !soluto que aparece como “indiferen+a a!soluta entre su$eito e o!$eto(.X a natureza que marca este ponto de indiferen+a entre su$eito e o!$eto no qual se encontrao !soluto. Fu se$a, contra o esvaziamento da dignidade ontol#gica da natureza produzida por Lant, 1c'elling prop*e o resgate da filosofia da natureza como momento da auto-intui+ão do !soluto. atividade da natureza como momento de auto-intui+ão do!soluto.

F conceito central aqui é intui+ão. 1c'elling insiste que 'á uma intui+ão intelectualque não é reflexão, que não é posicional, mas que é modo de posi+ão da unidade semmedia+ão entre su$eito e o!$eto. 3ste recurso " intui+ão nos leva a questão a respeito domodo de o!$etividade daquilo que s# poderia aparecer " intui+ão desprovida de conceito.1c'elling insistirá então no papel central da arte como espa+o no qual se realiza ao!$etividade da intui+ão intelectual. arte, como o!$etividade da razão, p*e a exist%nciasensível como expressão da espiritualidade em uma intui+ão que não é con'ecimento-de-si,mas manifesta+ão do !soluto.

He fato, /egel não pode aceitar tanto o conceito sc'ellinguiano de !soluto, quantoa maneira com que o recurso a intui+ão se dá "s espessas do tra!al'o do conceito, como seo recurso " intui+ão fosse modo de recupera+ão daquilo que o conceito perde ao operar.6ara /egel, não se trata de a!andonar a dimensão conceitual, mas de distinguir conceito erepresentação, fazendo assim com que a pr#pria no+ão de reflexão su!$etiva se$a revista e,com ela, a no+ão moderna de su$eito.

 &este sentido, um aspecto central de sua crítica a 1c'elling não está norecon'ecimento de que o o!$eto da filosofia e o !soluto enquanto ponto de identidadeentre o su$eito e o o!$eto, mas está no fato de 1c'elling o pressup*e de modo imanente e previamente acessível. 6ara /egel, 'averá de fato uma iman%ncia com o !soluto Bpois o pensamento não pode pensar sem construir totalidadesE, mas ela será conquistada comoresultado da experi%ncia, ele será marcado pelo tra$eto desta experi%ncia, e não aparecerácomo resultado previamente posto. “Uuando filosofamos, pretendemos provar que a coisa éassim. ?as, se a arrancamos da intui+ão intelectual, isto não passará de um oráculo B...E

P@ arta de 1c'elling a /egel, @9)))Y@O

9@

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 prova verdadeira de que esta identidade do su!$etivo e do o!$etivo é a verdade s# pode sertrazida investigando cada coisa por si mesma, em suas determina+*es l#gicas, essenciais;então veríamos necessariamente que o su!$etivo consiste em converter-se no o!$etivo, e queo o!$etivo não permanece sempre como tal, mas que tende a converter-se no su!$etivo( P).

3sta identidade entre o su$eito e o!$eto, para além da su!missão do o!$eto " uma

reflexão que aparece como dispor-diante-de-si s# poderá ser alcan+ado por um sistemafilos#fico capaz de pensar a identidade se instaurando no interior de um processo 'ist#rico-racional, o que não tem nada a ver com um recurso " origem pré-reflexiva. &ovamente,encontramos a compreensão do o!$eto da filosofia como um devir que se constr#i e que s# pode ser apreendido no interior de um tra$eto. Z isto o que /egel tem em vista ao afirmarque7

“F come+o do novo espírito em o produto de uma ampla transforma+ão de mIltiplasformas de cultura, o pr%mio de um itinerário muito complexo, e tam!ém de umesfor+o e de uma fadiga multiformes. 3sse come+o é o todo `ou o !soluto\, queretornou a si mesmo de sua sucessão `no tempo\ e de sua extensão `no espa+o\; é oconceito que veio-a-ser B ge7ordneE conceito simples do todo(P9.

?uito ainda 'averá a se dizer a respeito desta instaura+ão da unidade do todo em umconceito simples. &o entanto, lem!remos ainda de um ponto central. 3u 'avia dito que amodernidade aparece para /egel como momento 'ist#rico no qual o princípio desu!$etividade pode se pr como fundamento. &o entanto, este su$eito não é apenas acondi+ão transcendental de toda representa+ão Bou se$a, não um su$eito psicol#gico, umindivíduo, mas a possi!ilidade de que, ao representar o!$etos, eu apreenda tam!ém asregras de organiza+ão da experi%ncia de representa+ãoE. &a verdade, /egel lem!rará que osu$eito é aquilo que faz com que “o espírito nunca este$a em repouso( porque são suasexig%ncias que instauram um processo no qual “o espírito rompe com o mundo do seu ser-aí e do seu representar(.

2ais exig%ncias podem ser mel'or compreendida se lem!rarmos como o su$eitomoderno não era simplesmente fundamento certo do sa!er, mas tam!ém entidade quemarcado pela indetermina+ão su!stancial. 3le é aquilo que nasce através da transcend%nciaem rela+ão a toda e qualquer naturalidade com atri!utos físicos, psicol#gicos ousu!stanciais. omo dirá várias vezes /egel, o su$eito é aquilo que aparece comonegatividade que cinde o campo da experi%ncia e faz com que nen'uma determina+ãosu!sista. &a Filosofia do $spírito, de )Y@Q, ele não deixará de encontrar metáforas parafalar deste su$eito que aparece como o que é desprovido de su!stancialidade e dedetermina+ão fixa7 “F 'omem é esta noite, este nada vazio que contém tudo nasimplicidade desta noite, uma riqueza de representa+*es, de imagens infinitamentemIltiplas, nen'uma das quais l'e vem precisamente ao espírito, ou que não existem comoefetivamente presentes B...E Z esta noite que desco!rimos quando ol'amos um 'omem nosol'os, uma noite que se torna terrível, é a noite do mundo que se avan+a diante de n#s( PJ.

Hepois de /egel, a modernidade será cada vez mais identificada com o ef%mero,com o tempo que faz com que tudo o que é s#lido se desmanc'e no ar. F ímpeto destadestrui+ão, a modernidade o tira do su$eito enquanto entidade não su!stancial que lem!ra, "

P) /3:3, "içes so2re a história da filosofia - >chelling P9 /3:3, Fenomenologia I, p. 9OPJ /3:3, Filosofia do espírito, p. )J

9)

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 positividade do mundo, a for+a de uma noite que avan+a. 6ensar " altura da modernidadeserá, para /egel, pensar uma realidade animada por aquilo que não se deixa apreendercomo su!stAncia Bo que nos coloca diante da proposi+ão c'ave de /egel “apreender asu!stAncia como su$eito( o “conceito que advém conceito simples do todo(E. ?as tal comoa coru$a de ?inerva que s# voa " noite, será apenas quando a noite do mundo c'egar que a

filosofia poderá realizar sua verdadeira tarefa.Cur"o HeelTer)e!ra aula

 &a aula passada, come+amos a leitura da  Fenomenologia do espírito através de um trec'ode seu prefácio que vai do primeiro parágrafo até o parágrafo )O. &ele, vimos /egeldefinir, como o!$eto privilegiado da reflexão filos#fica, as expectativas da modernidade ede seus modos de racionaliza+ão das dimens*es cognitivo-instrumental, prático-moral eestético-expressiva. 4ma reflexão que deveria apreender tais expectativas e processos a partir de uma perspectiva capaz de revelá-los como resultados de processos de forma+ãolegíveis no interior de uma compreensão racional da 'ist#ria.

 &o entanto, vimos como /egel definia a modernidade como um momento de cisão.F espírito perdeu a imediatez da sua vida su!stancial, ou se$a, nada l'e aparece mais comosu!stancialmente fundamentado em um poder capaz de unificar as várias esferas de valoressociais. o contrário, para /egel, a modernidade deve ser compreendida como estemomento que está necessariamente "s voltas com o pro!lema da sua auto-certificação. 3lanão pode mais procurar em outras épocas os critérios para a racionaliza+ão e para a produ+ão do sentido de suas esferas de valores. 3la deve criar e fundamentar suas normas a partir de si mesma. Rsto significa que a su!stancialidade que outrora enraizava os su$eitosem contextos sociais aparentemente não-pro!lemáticos está fundamentalmente perdida.

3m uma análise 'o$e clássica, /egel indica tr%s acontecimentos que foram paulatinamente moldando a modernidade em suas exig%ncias7 a reforma protestante `comsua confronta+ão direta entre o crente e Heus através da su!$etividade da fé\, a revolu+ãofrancesa `que colocava o pro!lema do 3stado Dusto enquanto aquele capaz de conciliaraspira+*es de universalidade da ei e exig%ncias dos indivíduos\ e o Rluminismo `que,segundo /egel, terá em Lant sua realiza+ão mais !em aca!ada\. 3m todos estesacontecimentos, o que parece impulsiona-los é o aparecimento do que poderíamos c'amarde “su!$etividade(.

He fato, para /egel, a su!$etividade aparece como o princípio dos temposmodernos. &ão é por outra razão que /egel falará, a prop#sito de Hescartes com seucogito7 “qui $á podemos sentir em casa e gritar, como o navegante depois de uma larga e penosa travessia por mares tur!ulentos7 - 2errab. om Hescartes come+a a cultura dostempos modernos, o pensamento da filosofia moderna, depois de ter andando por muitotempo em outros camin'os(PP.

nalisamos alguns elementos da estrutura reflexiva do princípio de su!$etividade aluz de certas considera+*es de /eidegger a respeito da reflexão como representa+ão comsua conseq5ente compreensão do ser como o!$eto para um su$eito cognoscente. Rnsisti comvoc%s que o diagn#stico 'eideggeriano era simétrico aquele que animava /egel. 2odos osdois viam, no advento do princípio de su!$etividade enquanto fundamento da modernidade

PP /3:3, "içes so2re a história da filosofia - )escartes

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e de seus processos de racionaliza+ão reflexiva, o cerne das cis*es nas quais a modernidade'avia se enredado. 6ois, para /egel, a reflexão, enquanto disposi+ão posicional dos entesdiante de um su$eito, não pode deixar de operar dicotomias e divis*es no interior do que seoferece como o!$eto da experi%ncia entre aquilo que é para-mim e aquilo que seria em-si,entre o que se dá através da receptividade da intui+ão e aquilo que é ordenado pela

espontaneidade do entendimento com suas estruturas reflexivas de representa+ão, entre oque é da ordem do espírito e o que é da ordem da natureza, entre o que é acessível "reflexão e o que é !soluto. Hesta forma, lem!rei para voc%s que /egel partil'ava odiagn#stico de p#s-Cantianos como 0ic'te e 1c'elling, para quem o primado da reflexão eda su!$etividade, produziu cis*es irreparáveis. Haí porque “o Inico interesse da razão é ode suspender antíteses rígidas(PQ.

 &o entanto, /egel não estava disposto a a!andonar o solo de uma filosofia dareflexão. 3le não acreditava que podemos nos curar das feridas da eleva+ão do princípiomoderno de su!$etividade " condi+ão de fundamento da ci%ncia simplesmente pregandoalguma forma de retorno a uma origem pré-reflexiva e pré-conceitual. &este sentido, /egeldeve iniciar sua Fenomenologia do $spírito, livro que marca enfim sua entrada em cena node!ate filos#fico alemão, com uma ruptura clara em rela+ão a 1c'elling, a quem /egel foitão intelectualmente ligado até então.

3u 'avia lem!rado de que, ao menos aos ol'os de /egel, 1c'elling procuravaultrapassar as dicotomias da reflexão através do recurso a um plano de iman%ncia a partirdo qual o su!$etivo e o o!$etivo se extraem. F su$eito emergiu de um mundo indiferenteque agora ele confronta e con'ece através da reflexão. Haí segue, por exemplo, a defini+ãosc'ellinguiana do !soluto que aparece como “indiferen+a a!soluta entre su$eito e o!$eto(.X a natureza que marcaria este ponto de indiferen+a entre su$eito e o!$eto no qual seencontra o !soluto. Fu se$a, contra o esvaziamento da dignidade ontol#gica da natureza produzida por Lant, 1c'elling prop*e o resgate da filosofia da natureza como momento daauto-intui+ão do !soluto. F conceito central aqui é intui+ão. 1c'elling insiste que 'á umaintui+ão intelectual que não é reflexão, que não é posicional, mas que é modo de posi+ão daunidade sem media+ão entre su$eito e o!$eto.

He fato, /egel não pode aceitar tanto o conceito sc'ellinguiano de !soluto, quantoa maneira com que o recurso a intui+ão se dá "s espessas do tra!al'o do conceito, como seo recurso " intui+ão fosse modo de recupera+ão daquilo que o conceito perde ao operar.6ara /egel, não se trata de a!andonar a dimensão conceitual, mas de distinguir conceito erepresentação, fazendo assim com que a pr#pria no+ão de reflexão su!$etiva se$a revista e,com ela, a no+ão moderna de su$eito. reconcilia+ão das cis*es da modernidade não seráfeita através do a!andono do solo do pensamento conceitual, mas através da reconstitui+ãoda no+ão de pensamento conceitual. Rsto implicará em uma reorienta+ão a respeito deste princípio que aparece como fundamento para o advento da modernidade, ou se$a, o princípio de modernidade. 6odemos dizer que a contri!ui+ão central de /egel encontra-sena tentativa de recompor a no+ão de su!$etividade e tirar daí conseq5%ncias maiores para o pr#prio funcionamento da razão.

 &este sentido, terminei a aula lem!rando para voc%s um ponto que será retomado demaneira mais ela!orada na aula de 'o$e. 3u 'avia dito que a modernidade aparece para/egel como momento 'ist#rico no qual o princípio de su!$etividade pode se pr comofundamento. &o entanto, este su$eito não era apenas a condi+ão transcendental de toda

PQ /3:3, )iferença dos sistemas filosóficos de Fichte e >chelling, p. JY

9J

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representa+ão. &a verdade, /egel lem!rará que o su$eito é aquilo que faz com que “oespírito nunca este$a em repouso( porque são suas exig%ncias que instauram um processono qual “o espírito rompe com o mundo do seu ser-aí e do seu representar(.

2ais exig%ncias podem ser mel'or compreendidas se lem!rarmos como o su$eitomoderno não era simplesmente fundamento certo do sa!er, mas tam!ém entidade que

marcado pela indetermina+ão su!stancial. 3le é aquilo que nasce através da transcend%nciaem rela+ão a toda e qualquer naturalidade com atri!utos físicos, psicol#gicos ousu!stanciais. omo dirá várias vezes /egel, o su$eito é aquilo que aparece comonegatividade que cinde o campo da experi%ncia e faz com que nen'uma determina+ãosu!sista. &a Filosofia do $spírito, de )Y@Q, ele não deixará de encontrar metáforas parafalar deste su$eito que aparece como o que é desprovido de su!stancialidade e dedetermina+ão fixa7 “F 'omem é esta noite, este nada vazio que contém tudo nasimplicidade desta noite, uma riqueza de representa+*es, de imagens infinitamentemIltiplas, nen'uma das quais l'e vem precisamente ao espírito, ou que não existem comoefetivamente presentes B...E Z esta noite que desco!rimos quando ol'amos um 'omem nosol'os, uma noite que se torna terrível, é a noite do mundo que se avan+a diante de n#s( P<.

Hepois de /egel, a modernidade será cada vez mais identificada com o ef%mero,com o tempo que faz com que tudo o que é s#lido se desmanc'e no ar. F ímpeto destadestrui+ão, a modernidade o tira do su$eito enquanto entidade não su!stancial que lem!ra, " positividade do mundo, a for+a de uma noite que avan+a. 6ensar " altura da modernidadeserá, para /egel, pensar uma realidade animada por aquilo que não se deixa apreendercomo su!stAncia.

C!/n)!a da e1#er!/n)!a da )on")!/n)!a

Z tendo tais pro!lemas em mente que gostaria de retornar ao texto da  Fenomenologia paracomentar este trec'o que vai do parágrafo 9O até o parágrafo JY. 2rec'o fundamental pornos expor alguns tra+os maiores das no+*es 'egelianas de fenomenologia e de experi%ncia.Hois conceitos que nos auxiliarão na defini+ão do modo com que /egel espera curar amodernidade de suas cis*es, além de aprofundar nossa compreensão do modo com que taisdivis*es seriam engendradas. 6artamos pois o início do parágrafo 9O7

F que esta Fenomenologia do $spírito apresenta é o devir da ci%ncia em geral ou dosa!er `ou se$a, o processo de forma+ão da consci%ncia em dire+ão a este ponto noqual pensar e ser podem reconciliar-se\. F sa!er como é inicialmente 8 ou o espíritoimediato - é algo desprovido de espírito B geistloseE, a consci%ncia sensível `o primeiro estágio das figuras da consci%ncia\. 6ara tornar-se sa!er aut%ntico, ou para produzir o elemento da ci%ncia, que é para a ci%ncia o seu conceito puro, o sa!er temde percorrer um longo e árduo camin'o. 3sse devir, como será apresentado em seuconteIdo e nas figuras B6estaltenE que nele se mostram, não será o que o!viamentese espera de uma introdu+ão da consci%ncia não-científica " ci%ncia, e tam!ém seráalgo diverso do esta!elecimento dos fundamentos da ci%ncia. lém disso, não teránada a ver com o entusiasmo que irrompe imediatamente com o sa!er a!soluto 8como num tiro de pistola 8 e descarta os outros pontos de vistas, declarando que nãoquer sa!er nada delesPO.

P< /3:3, Filosofia do espírito, p. )JPO /3:3, Fenomenologia I, p. J<

9P

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 Fenomenologia aparece aqui como o movimento de apresenta+ão da ci%ncia, ou se$a, dareconcilia+ão entre pensar e ser, em seu devir. 3sta apresenta+ão não é simples introdu+ão "ci%ncia para uma consci%ncia que ainda nada sa!e, nem é apresenta+ão prévia do queseriam os fundamentos de todo e qualquer pensamento científico. omo vimos na aula

 passada, ela é menos ainda a tematiza+ão da iman%ncia de um sa!er do !soluto que se dáatravés de intui+*es intelectuais. apresenta+ão do devir em dire+ão " ci%ncia é arememora+ão deste longo e árduo camin'o que vai da consci%ncia em seu estado maisimediato até o espírito realizado. ada uma das etapas deste camin'o fornece um conteIdode experi%ncia e pode ser exposto através de uma figura+ão, ou se$a, cada uma destas etapasfornece uma figura da consci%ncia.

Veremos de maneira mais detal'ada o que são tais figuras na aula que vem atravésdo comentário de certas passagens da Rntrodu+ão. 6or enquanto vale a pena insistir em dois pontos. 6rimeiro, a fenomenologia implica inicialmente na aceita+ão da perspectiva de umcerto primado da consci%ncia. 2rata-se fundamentalmente de descrever o que apareceB $rscheinung  8 termo que pode ser traduzido tanto por “fenmeno( quanto por “o queaparece(E " consci%ncia a partir das posi+*es que ela adota diante da efetividade, posi+*esque trazem em seu interior conteIdos determinados de experi%ncia enquanto conteIdos demodos de vida em suas dimens*es morais, cognitivas, estéticas, etc. ssim, se afenomenologia poderá ser definida por /egel como “ci%ncia da experi%ncia da consci%ncia(Beste era, por sinal, o título originário do livro que aparece na primeira edi+ão de )Y@OE, é porque ela é a exposi+ão das configura+*es dos campos de experi%ncia da consci%ncia a partir do eixo da forma+ão da consci%ncia para o sa!er, ou ainda, para a filosofia.

 &otemos ainda que o campo do que aparece " consci%ncia modifica-se ao ritmo dosfracassos da pr#pria consci%ncia em apreender o que se coloca a partir do seu conceito deexperi%ncia. Higamos que ela encontra sempre algo a mais do que seu conceito deexperi%ncia parecia pressupor. 3nquanto ela acreditar “encontrar( o que nega, o que não sesu!mete ao seu conceito a!strato de experi%ncia, isto ao invés de “produzir( tal nega+ão, aconsci%ncia continuará nos descamin'os do não-sa!er e não compreenderá como novoso!$etos podem aparecer ao seu campo de experi%ncia. Z isto o que /egel tem em mente aodizer, na $nciclop'dia7 “estando dado que o 3u, para si mesmo, é apenas identidade formal;o movimento dialético do conceito 8 a determina+ão progressiva da consci%ncia 8 não é para ele sua atividade, mas é em-si e, para ele, modifica+ão do o!$eto(PY.

 &o entanto, 'á ainda um ponto que deve ser ressaltado. 3m!ora adote a perspectivada descri+ão do que aparece " consci%ncia no interior de seu campo de experi%ncias, /egelnão se v% escrevendo uma  Fenomenologia da consci&ncia, mas uma Fenomenologia do $spírito( 3sta distin+ão implica, entre outras coisas, que 'averá um nível de experi%nciasque s# poderá ser corretamente tematizada a partir do momento em que a consci%nciaa!andonar seu primado a fim de dar lugar ao que /egel c'ama de 3spírito B6eist E. Fu se$a,o acesso ao sa!er pressup*e o a!andono da centralidade da no+ão de consci%ncia, de seusmodos de percep+ão e reflexão, em prol do advento do 3spírito Bque não é espécie algumade “consci%ncia a!solutizada(E. `aqui 'á uma possi!ilidade de distinguir fenomenologia'egeliana das no+*es de fenomenologia pr#prias ao século e!run e a no+ão de que, para a fenomenologia moderna, a no+ão 'egeliana de 1a!er !soluto é “terrorismo(\

PY /3:3, 3nciclopédia, par. P)Q

9Q

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3sta passagem, assim como a pr#pria compreensão do que /egel quer dizer por“3spírito(, podem ser mel'or compreendidos se levarmos em conta o que /egel procuradesenvolver no parágrafo 9Y7

tarefa de conduzir o indivíduo, deste seu estado inculto Bunge2ildeten  8 não

formadoE até o sa!er, devia ser entendida em seu sentido universal, e tin'a deconsiderar o indivíduo universal, o espírito consciente-de-si Beltgeist - o espíritodo mundoE na sua forma+ão cultural. &o que toca " rela+ão entre os dois indivíduos,cada momento do indivíduo universal se mostra conforme o modo como `o espíritouniversal\ o!tém sua forma B FormE concreta e sua figura+ão B6estaltung E pr#pria. Findivíduo particular é o espírito incompleto, uma figura B6estalt E concreta7 uma s#determinidade predomina em todo seu ser-aí, enquanto outras determinidades ali s#ocorrem como tra+os rasurados. B...E F indivíduo cu$a su!stAncia é o espírito situadono mais alto, percorre esse passado da mesma maneira como quem se apresta aadquirir uma ci%ncia superior, percorre os con'ecimentos preparat#rios que 'ámuito tem dentro de si, para fazer seu conteIdo presente; evoca de novo suarememora+ão B $rinnerung E, sem no entanto ter aí seu interesse ou demorar-se neles.F singular deve tam!ém percorrer os degraus de forma+ão cultural do espíritouniversal, conforme seu conteIdo; porém, como figuras $á depositadas pelo espírito,como plataformas de um camin'o $á preparado e aplainado. B...E 3sse ser-aí passadoé propriedade $á adquirida do espírito universal B...E onforme esse ponto de vista, aforma+ão cultural considerada a partir do indivíduo consiste em adquirir o que l'e éapresentado, consumindo em si mesmo sua natureza inorgAnica e apropriando-sedela(PK.

omo não de*emos compreender este trec'oG 6rimeiro, é fato que /egel pressup*eum certo paralelismo ente ontog%nese e filog%nese. 6ois a su!stAncia dos indivíduosconcretos é um espírito do mundo que, a primeira vista, parece a!sorver um processoracional de forma+ão que $á se desenvolveu na 'ist#ria. He fato, a consci%ncia devecompreender que o presente não é o Inico modo de presen+a e que se trata,fundamentalmente, de compreender uma no+ão de presen+a não mais dependente davisi!ilidade do que se dá como imagem no presente.

4ma leitura tradicional diria então que ca!eria ao indivíduo apenas rememorar este processo, estas “plataformas de um camin'o $á aplainado( apropriando-se de um espíritoque age no indivíduo, mas " sua revelia. verdadeira experi%ncia seria, no fundo, umarememora+ão de formas $á tra!al'as pelo desenvolvimento 'ist#rico do espírito. &estemomento, o indivíduo deixaria de orientar seu agir e seu $ulgamento como consci%nciaindividual para orientar-se como encarna+ão de um espírito do mundo que v% sua a+ãocomo posi+ão de uma 'ist#ria universal que funciona como elemento privilegiado demedia+ão. F indivíduo singular transformar-se em consci%ncia do espírito de seu tempo. Fque s# poderia significar uma a!solutiza+ão do su$eito que deixa de ser apenas euindividual para ser aquele capaz de narrar a 'ist#ria universal e ocupar sua perspectiva privilegiada de avalia+ão. 3 aí que c'egaríamos se levássemos ao pé da letra afirma+*es decomentadores como Dean /Mppolite, para quem7 “ 'ist#ria do mundo se realizou; é preciso somente que o indivíduo singular a reencontre em si mesmo B...E 0enomenologia

PK /3:3, Fenomenologia I, p. JQ-J<

9<

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é o desenvolvimento concreto e explícito da cultura do indivíduo, a eleva+ão de seu eufinito ao eu a!soluto, mas essa eleva+ão não é possível senão ao utilizar os momento da'ist#ria do mundo que são imanentes a essa consci%ncia individual(Q@. 3nfim, tudo se passaria como se a experi%ncia da consci%ncia fosse rememora+ão e esta, por sua vez, fossehistorici.ação capaz de nos levar a compreender como o passado determina nosso agir e

nossos padr*es atuais de racionalidade. omo se a palavra que traz o 1a!er !soluto fosse7“&o fundo, eu sempre sou!e(. &o entanto, gostaria de insistir que esta leitura é fundamentalmente equivocada e

não é validada pelo desdo!ramento do texto da 0enomenologia. 6ara tanto, devemos levarem conta dois pontos. 6rimeiro, se é fato que, para /egel, a experi%ncia da consci%ncia éuma certa forma de rememora+ão, não se segue daí que a rememora+ão 'egeliana se$a'istoriciza+ão. 6or outro lado, o conceito de espírito do mundo B eltgeist E não temnecessariamente a ressonAncia metafísica que o termo parece carregar, algo como umsu$eito a!soluto capaz de garantir as experi%ncias de sentido. Ve$amos estes dois pontoscom mais calma.

E"#$r!to do mundo e rememoração

Uuando /egel fala em espírito do mundo, ou espírito universal, podemoscompreender isto, a princípio, de uma maneira não-metafísica. tualmente, quando falamosso!re su$eitos socializados que procuram $ulgar e orientar suas a+*es, lem!ramosnecessariamente do que poderíamos c'amar de “!acCground(, ou se$a, um sistema deexpectativas fundamentado na exist%ncia de um sa!er prático cultural e de um con$unto de pressupostos que define, de modo pré-intencional, o contexto de significa+ão. 3ste !acCground indica que toda a+ão e todo $ulgamento pressup*em um “espa+o social partil'ado( capaz de garantir a significa+ão da a+ão e do $ulgamento. Z por pressupor um !acCground comum que posso ter a garantia de que a inten+ão de min'a a+ão, ou se$a,aquilo que ela é para-mim, possa dizer algo a respeito de seu valor em-si, ou se$a, tal comoela será perce!ida neste espa+o social.

3ste !acCground é, em larga medida, pré-intencional e pré-reflexivo. &ãocolocamos normalmente a questão so!re a g%nese deste sa!er prático cultural quefundamenta nossos espa+os sociais. 1ua validade não aparece como o!$eto de pro!lematiza+ão. &o entanto, podemos imaginar uma situa+ão na qual os su$eitossocializados procuram apreender de maneira reflexiva aquilo que aparece a eles comofundamento para suas práticas e $ulgamentos racionais, podemos pensar uma situa+ão naqual eles procurem compreender o processo de forma+ão cultural que nos levou a taismodos de orienta+ão racional da conduta. 6odemos ainda ac'ar que tais modos deorienta+ão não devem ter apenas uma validade 'istoricamente determinada e restrita aespa+os sociais particulares, mas s# podem ser válidos se puderem ser defendidos enquantouniversais. &este momento, estaremos muito pr#ximo daquilo que /egel compreende por3spírito. 6odemos assim seguir a defini+ão de um comentador astuto de /egel7 “3spírito éuma forma de vida auto-consciente, ou se$a, uma forma de vida que desenvolveu várias práticas sociais a fim de refletir a respeito do que ela toma por legítimoválidoBauthoritati*eE para si mesma no sentido de sa!er se estas práticas podem dar conta de suas pr#prias aspira+*es e realizar os o!$etivos que elas colocaram para si mesmas B...E 3spírito

Q@ /R66FW23, 6&nese e estrutura, pp. Q<-QO

9O

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não denota, para /egel, uma entidade metafísica, mas uma relação fundamental entre pessoas que mediam suas consci%ncias-de-si, um meio através do qual pessoas refletemso!re o que elas tomaram por válidos para si mesmas(Q).

1e lem!rarmos do que eu disse na aula passada a respeito a modernidade como umtempo que coloca, para si mesmo, o pro!lema de sua auto-certifica+ão, ou se$a, da validade

dos seus critérios racionais de a+ão e $ulgamento, então o espírito do mundo s# podeaparecer para su$eitos socializados em uma modernidade que se compreende como omomento 'ist#rico de pro!lematiza+ão do fundamento da razão. ?as se lem!rarmos aindaque vimos como a fundamenta+ão do sa!er racional era fornecido pelo princípio desu!$etividade, então teremos nosso pro!lema armado. 6ois o espírito consciente-de-si seriaesta situa+ão 'ist#rica na qual os su$eitos compreendem que o que fundamenta aracionalidade de suas práticas sociais é a aspira+ão da su!$etividade em ser recon'ecidaenquanto tal.

?as para mel'or compreendermos este ponto, devemos operar um certo curto-circuito. Voltaremos a esta questão através de um desvio. Vimos como a experi%ncia daconsci%ncia cu$o tra$eto é descrito pela fenomenologia é, a princípio, uma certa forma derememora+ão do processo de forma+ão em dire+ão " ci%ncia. ?as o que /egel entenderia por rememora+ãoG

6rimeiro, devemos insistir7 o que /egel compreende por rememora+ão em nadacorresponde a reminisc%ncia no seu sentido tradicional. &ão se trata de atualizar formasfixas do sa!er que a consci%ncia deteria em um fundo de inconsci%ncia. omo se aprenderfosse, no fundo, “recordar o que $á sa!íamos(Q9. Uue estas formas se$am inatas, como oquer 6latão, ou resultado de um processo 'ist#rico de forma+ão, isto não mudaria um dadocentral7 'averia um determinismo essencial na determina+ão do campo de experi%ncias possíveis da consci%ncia e nos modos de determinação de um sentido que j9 foi definido eque de*e ser simplesmente su2jeti*amente assumido. 6osi+ão que pareceria ser corro!orada por afirma+*es de /egel como7 1endo um $á pensado, o conteIdo `da experi%ncia\ é propriedade do Rndivíduo, $á não é o ser-aí que deve ser convertido na forma do ser-em-si, éo ser-em-si 8 não sendo mais simplesmente o originário ou o imerso no ser-aí, mas presente na rememora+ão 8 que deve ser convertido na forma do ser-para-si.

?as ve$amos como /egel encamin'a o pro!lema da rememora+ão. 2odas as vezesque usa o termo $r-innerung, /egel insiste “no profundo sentido conceitual desta palavra(que indica o “converter-se em algo de interior, entrar-se em si mesmo(QJ.  &o entanto, estainternaliza+ão do que aparece " consci%ncia não pode ser compreendida a partir darepresenta+ão, como ato de representar e, assim dispor-diante-de-si BCors-sich-stellenE orepresentável. “F sa!er, ao contrário, está dirigido contra a representa+ão assim constituído,contra esse ser-!em-con'ecido(QP. Fu se$a, a internaliza+ão pr#pria " rememora+ão nãodeve ser uma disposi+ão do o!$eto da experi%ncia como aquilo que se su!mete "representa+ão de um su$eito. rememora+ão não é uma representa+ão.

Contra a re#re"entação

Q) 6R&L>H, 3egel#s phenomenologD: the socia2ilitD of reason, p. KQ9 /3:3, "içes so2re a história da filosofia - @latãoQJ /3:3, idemQP /3:3, Fenomenologia I, p. JO

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F que /egel compreende por representa+ão é fundamentalmente o pensar pr#prioao entendimento. ?uito 'averá ainda a se dizer a respeito da crítica 'egeliana aoentendimento. ?as gostaria aqui de insistir apenas como nosso trec'o con$uga, ao mesmotempo, uma crítica e uma defesa do entendimento. 6rimeiro, /egel critica o entendimento porque ele opera com representa+*es. F entendimento compreende o con'ecer como

categoriza+ão do diverso da experi%ncia a partir de predicados gerais Bcategorias, ou ainda,representa+*es gerais de o!$etoE que se colocam como naturalmente dados e ar!itrariamente $ustapostos. omo diz /egel, apreender e examinar consistem assim em verificar se cadaum encontra o que previamente se define na representa+ão. &o entanto7 “o !em-con'ecidoem geral, $ustamente por ser !em-con'ecido, não é recon'ecido(QQ.

He fato, o entendimento sa!e que a representa+ão é aquilo que está lá onde a coisanão está, ela é um signo, e não a presen+a da coisa mesma. Haí porque o pensarrepresentativo do entendimento deve cindir a coisa e falar daquilo que se su!mete "representa+ão Bo fenmenoE e daquilo que permanece na exterioridade do sa!er Ba coisa-em-siE. &o entanto, esta estratégia não a!ole um ponto essencial7 o sentido continua a ser pensado como presen+a. 1implesmente, a representa+ão coloca a presen+a da refer%nciacomo aquilo que não pode ser realizado, como aquilo que não se dá nos limites da razão.Haí porque e!run nos lem!rará que7 “ dialética não diminui ou anula distAncia alguma7ela simplesmente cessa de pensar a diferen+a so! o fundo de distAncia. 3la não pretendedestruir o imediato presente `ou pensar a partir da sua aus%ncia\7 ela se ataca ao sentido quedávamos a sua presen+a(Q<. Veremos este ponto com mais calma nas pr#ximas aulas.

qui, gostaria de lem!rar que /egel insiste, no nosso trec'o, no vínculo entre pensar representativo e identidade a!strata Baquilo que ele c'ama de conteIdo fixoE. representa+*es organizam-se através de um sistema fixo de diferen+as e oposi+*es que deveser transparente a um 3u que, por sua vez, aparece como unidade sintética derepresenta+*es, como  $u penso que deve acompan'ar todas as min'as representa+*es.Hesta forma, o diverso da experi%ncia deve conformar-se a um sistema fixo de diferen+as eoposi+*es e deve se su!meter a forma da intui+ão do 3u penso. Z isto que /egel tem emvista ao afirmar que se faz necessário desvencil'ar-se do7 “0ixo do concreto puro, que é o pr#prio 3u em oposi+ão B6egensat.eE ao conteIdo distinto, quanto o fixo das diferen+as,que postas no elemento do puro pensar partil'am dessa incondicionalidade do 3u( QO.  falsidade da representa+ão consiste em ver o representado como propriedade, como aquiloque se su!mete " pura forma do 3u Bcomo vemos no início do parágrafo JJE. 6or isto que/egel, insiste7 'o$e, o indivíduo encontra a pura forma a!strata pronta. F tra!al'o do pensar não consiste atualmente em purificar os indivíduos do peso do sensível, mas deespiritualizar o universal, ou se$a, recuperar a irreduti!ilidade do sensível a fim de operaruma reconcilia+ão possível com a a!stra+ão do universal.

6odemos compreender mel'or este ponto se levarmos em conta que /egel nãodeixa de recon'ecer uma certa importAncia ao tra!al'o do entendimento. 3la está enunciadanetas afirma+*es aparentemente surpreendentes7

?as é um momento essencial esse separado, que é tam!ém inefetivo; uma vez que oconcreto, s# porque se divide e se faz inefetivo, é que se move. atividade do

QQ /3:3, Fenomenologia I, p. JOQ< 3=>4&, "a patience du concept,( p. )@9QO /3:3, Fenomenologia I, p. JK

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dividir é a for+a é o tra!al'o do entendimento, a for+a maior e mais maravil'osa, oumel'or, a pot%ncia a!solutaQY.

Fu se$a, o mesmo /egel que via, na supressão das cis*es produzidas peloentendimento e pela representa+ão, o cerne de um programa filos#fico a altura de seu

tempo, o mesmo que afirmara que “o Inico interesse da razão é o de suspender antítesesrígidas(, v% agora, nas divis*es produzidas pelo entendimento representativo “a for+a maiore mais maravil'osa, a pot%ncia a!soluta( que faz com que o concreto se mova. omo podemos entender esta reviravoltaG Hentre as várias interpreta+*es possíveis, fiquemoscom uma. estrutura de organiza+ão categorial do entendimento Bque “divide( o concretoE,assim como sua defini+ão do 3u como pura unidade sintética desprovida de realidade psicol#gica e conaturalidade, é a Inica for+a capaz de retirar o su$eito da ader%ncia aoimediato e das rela+*es nas quais o sentido aparece como positividade oferecida a umaintui+ão imediata. “F círculo que fec'ado em si repousa é a rela+ão imediata e portantonada maravil'osa(, dirá /egel logo em seguida. 6or ser uma ruptura com o imediato, oentendimento pode ser o início do sa!er.

em!remos, por exemplo, da distin+ão 'egeliana entre o signo e o sím!olo. 6ara/egel, o signo está ligado " l#gica da representa+ão. He onde se segue a defini+ão7 “Fsigno é uma intui+ão imediata mas que representa um conteIdo a!solutamente distintodaquele que a intui+ão tem para si; ele é a  pirEmide  para a qual uma alma estrangeira foitransferida e conservada(QK. rela+ão ar!itrária que o signo sustenta é assim evidente, $áque ele representa um conteIdo distinto do que aparece " intui+ão. 3stran'a ^intui+ãoimediata_ esta posta pelo signo, $á que ela é uma intui+ão que conserva a distAncia entre oconteIdo intuído e o conteIdo representado, entre o que é visado B 4einung E e o que éefetivamente dito.

ontra o ar!itrário do signo, /egel contrap*e inicialmente o caráter motivado dosím!olo, no qual o conteIdo da intui+ão é ^mais ou menos_ apresentado no que o sím!oloexprime. ?as não é através das vias do sim!olismo que a dialética 'egeliana passará.

>etornemos ao %urso de est'tica a fim de compreender a necessidade 'egeliana deultrapassar a linguagem sim!#lica. qui, desco!rimos como a adequa+ão entre significa+ãoe imagem sensível nas formas sim!#licas é ainda imperfeita pois, na verdade, a motiva+ãodo sím!olo é contextual. 3la depende de uma con*enção partilhada $á que o sím!olo é umametonímia articulada através de rela+*es anal#gicas entre a significa+ão e um atri!uto nointerior de uma multiplicidade de atri!utos do que é imediatamente representado pelaimagem sensível. for+a é um dos atri!utos da multiplicidade que comp*e o leão. &averdade, o sím!olo é o caso mais visível de um pro!lema geral denunciado pela filosofia'egeliana7 a impossi!ilidade de fundar o sentido através da pressuposi+ão do imediato deuma refer%ncia naturalizada. experi%ncia imediata não possui a unidade de um domínioautnomo. F apelo " refer%ncia sempre é indeterminado, ela sempre desliza através doinfinito ruim da multiplicidade de perspectivas possíveis de apreensão. linguagemaleg#rica do sím!olo esconde sempre uma 'ermen%utica capaz de fornecer um ponto de !asta capaz de parar a fuga infinita do sentido. imagem sensível do triAngulo em umaigre$a cristã pressup*e a exist%ncia de um texto escondido que nos permite passar dotriAngulo " 2rindade.

QY /3:3, Fenomenologia I, p. JYQK /3:3, $nciclopedia, par. PQY

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 &o parágrafo em questão da 3nciclopédia, /egel parece mais interessado naatividade criadora dos signos. tividade que consiste em negar o imediato da intui+ãosensível a fim de possi!ilitar a produ+ão de um ^outro conteIdo como significa+ão e alma_.Z apenas desta maneira que a consci%ncia pode se li!erar da ilusão da iman%ncia da particularidade pr#pria " certeza sensível, do vínculo ao imediato e aceder ao início do

sa!er. 6odemos aqui seguir Herrida7 “ produ+ão de signos ar!itrários manifesta ali!erdade do espírito. 3 'á mais li!erdade na produ+ão do signo do que na produ+ão dosím!olo. &a primeira, o espírito é mais independente e mais perto de si mesmo. ocontrário, no sím!olo, ele está um pouco mais exilado na natureza( <@. 3sta li!erdade doespírito é a pot%ncia a!soluta que marca o tra!al'o do entendimento.

 &o entanto, a dialética não é um con'ecimento por signos. omo 'avia ditoanteriormente, pensar através de signos é ainda pensar so!re o fundo da distAncia. F que/egel procura é, ao contrário, uma gramática filos#fica capaz de reconciliar, através deuma no+ão de unidade negati*a, esta cisão, tão pr#pria ao signo, entre sentido e refer%ncia.6ara /egel, é claro que o con'ecimento por signos afirma mais do que admite. &o fundo, osigno esconde uma perspectiva externalista na compreensão da rela+ão entre linguagem erefer%ncia. 6ois é a partir de uma perspectiva externalista que posso afirmar que o signoserá sempre ar!itrário se comparado " intui+ão sensível. 6recisamos aqui de uma gramáticaque anule a necessidade de um voca!ulário do ar!itrário sem que isto signifique entrar nasvias de uma linguagem fundada no caráter motivado e expressivo do sím!olo.

Su2e!to e neação

omo /egel tentará operar tal reconcilia+ãoG 3ste é um dos pontos mais complexosde nosso texto, mas, sem dIvida, um dos mais importantes. 3le pode come+ar a sercompreendido através da seguinte afirma+ão7

?as o fato de que, separado de seu contorno B<mf?ngeE, o acidental como tal 8 oque está vinculado, o que s# é efetivo em sua conexão com outra coisa 8gan'e umser-aí pr#prio e uma li!erdade " parte, eis aí a for+a portentosa do negativo7 é aenergia do pensar, do puro 3u.

F que /egel quer dizer é7 a atividade do entendimento, a disponi!iliza+ão dos entesso! a forma da representa+ão, produz uma separa+ão, uma cisão no interior do o!$eto. Fque não acede " representa+ão não é simplesmente expulso do campo da experi%ncia dosu$eito. &a verdade, ele aparece como algo que não se su!mete " forma da representa+ão eque, por isto, tem uma li!erdade " parte, como um acidental que gan'ou uma presen+a pr#pria. energia do pensar não consiste apenas em disponi!ilizar os entes so! a forma darepresenta+ão, mas consiste tam!ém em levar o su$eito a se confrontar com aquilo que s#aparece como “for+a portentosa do negativo(. 3ste parece ser o sentido de um dos trec'osmais enigmáticos de toda a 0enomenologia7

morte 8 se assim quisermos c'amar esta inefetividade `ou se$a, esse acidental quenão se su!mete " representa+ão\ é a coisa mais terrível; e suster o que está mortorequer a for+a máxima. !eleza sem-for+a detesta o entendimento porque l'e co!ra

<@ BH3>>RH, "e puits et la pDramide in ?arges de la 6'ilosop'ie, 6aris7 ?inuit, )KO9,  p. KKE

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o que não tem condi+*es de cumprir `pois o recurso filos#fico a arte procuraalcan+ar o que escapa " representa+ão através de uma intui+ão imediata que anule acisão operada pelo entendimento e que instaure uma positividade\. 6orém, a vida doespírito não é a que se atemoriza ante a morte e se conserva intacta da devasta+ão,mas é a vida que suporta a morte e nela se conserva. F espírito s# alcan+a sua

verdade " medida que se encontra a si mesmo no dilaceramento a!soluto `ou se$a, ascis*es produzidas pelo entendimento são a!solutamente necessárias\. 3le não é essa pot%ncia como o positivo que se afasta do negativo 8 como ao dizer de alguma coisaque é nula ou falsa, liquidamos com ela e passamos a outro assunto. o contrário, oespírito s# é essa pot%ncia enquanto encara diretamente o negativo e se demora $unto dele. 3le demorar-se é o poder mágico que converte o negativo em ser <).

 6rimeiro, que /egel fala em “morte( ele pensa na manifesta+ão fenomenol#gica pr#pria "indetermina+ão fenomenal do que nunca é apenas um simples ente. Fu se$a, a morte indicauma experi%ncia do que não se su!mete aos contornos auto-id%nticos da representa+ão, amorte como aquilo que não se su!mete " determina+ão do 3u. Higamos que,contrariamente a 0reud, para quem, nunca podíamos podemos ter a experi%ncia da pr#priamorte, $á que, mesmo ao representar nossa pr#pria morte, continuamos vivos comoespectadores desta representa+ão, /egel dirá que 'á uma experi%ncia de confronta+ão como indeterminado, com um ponto no qual o pensar do puro 3u não consegue pro$etar sua pr#pria imagem, que equivale " morte. o trazer este termo para o interior de umadiscussão até então epist%mica so!re os limites do pensar representativo, /egel querconscientemente mostrar que o pro!lema do pensar representativo pr#prio ao entendimentonão é apenas um pro!lema epist%mico, mas toca o pr#prio modo de enraizamento do su$eitonaquilo que aparece a ele como mundo. morte é a experi%ncia da fragilidade das imagensdo mundo.

o falar que a vida do espírito é aquela vida que suporta a morte e nela se conserva,/egel quer dizer que o espírito é capaz de internalizar e conservar a nega+ão do que não sesu!mete ao mundo organizado pela representa+ão e fundamentado pela forma auto-id%nticado 3u. Rnternalizar, aqui, não é outra coisa do que rememorar. F que o espírito procurasempre esquecer não é apenas seu processo 'ist#rico de forma+ão, mas aquilo que o move,ou se$a, a nega+ão como for+a de fragiliza+ão das vis*es de mundo e dos sistemassu!stancialmente enraizados de práticas sociais de a+ão e $ustifica+ão. 1e os antigos nãoestavam totalmente errados em conce!er o vazio como motor, é porque eles estavam pertode compreender a nega+ão como motor do desenvolvimento das figura+*es do espírito.>ememorar é assim não apenas internalizar o negativo, mas transformá-lo em ser, dotá-lode determina+ão o!$etiva. ?as rememorar esta nega+ão que aparece aqui como morte s# é possível se o pensar a!andonar o primado da representa+ão `não se trata simplesmente derememorar o processo 'ist#rico de forma+ão de nossos critérios de orienta+ão que aspiramracionalidade, trata-se de rememorar a forma vazia do tempo que dissolve todadeterminidade\. 3ste a!andono da representa+ão não significa, para /egel, retorno simplesao imediato, mas procura em determinar um modo de opera+ão do conceito que não se$a pensar através de representa+*es.

laro que muito ainda 'á a se dizer a respeito do que /egel entende exatamente pornega+ão, assim como quais as diferentes formas de nega+ão que /egel apresenta. ?as aqui

<) /3:3, Fenomenologia I, p. JY

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 podemos voltar a esta idéia, anteriormente posta, de que o espírito consciente-de-si seriaesta situa+ão 'ist#rica na qual os su$eitos compreendem que o que fundamenta aracionalidade de suas práticas sociais é a aspira+ão da su!$etividade em ser recon'ecidaenquanto tal. em!remos de como /egel termina seu raciocínio a respeito da exig%ncia detransformar o negativo em ser7

2rata-se do mesmo poder que acima se denominou su$eito, e que ao dar, em seuelemento, ser-aí a determinidade, suprime Baufhe2t E a imediatez a!strata, quer dizer,a imediatez que é apenas ente em geral.

Dá vimos na aula passada como, em /egel, o su$eito é, ao mesmo tempo,fundamento dos processos de racionaliza+ão na modernidade e princípio de negatividade.qui, /egel retorna a este dualidade a fim de insistir que su$eito não é simplesmente aauto-transpar%ncia imediata da consci%ncia capaz de fundar o 3u como espa+o daidentidade imediata de si a si. 1u$eito é, fundamentalmente, o nome desta nega+ão que nãose deixa o!$etivar so! a forma da representa+ão, desta “noite do mundo que anula aimediatez de toda figura+ão(, para falar como a 0ilosofia do 3spírito de )Y@O. omo vimosna aula passada, /egel é sensível " maneira com que o princípio de su!$etividade seconstitui na modernidade a partir de um impulso de transcend%ncia em rela+ão a toda equalquer determinidade, a todo e qualquer imediato. 3ste impulso contra o imediato é partil'ado pelo entendimento, ?as o entendimento afasta-se do imediato para entificar aidentidade no domínio da representa+ão

Rnserir o su$eito em práticas sociais reflexivamente fundamentadas significacompreender, como racional, um agir e um $ulgar que se orienta através da negatividadedos su$eitos. 6roposi+ão paradoxal que nos coloca diante de um pro!lema maior7 como daresta!ilidade a tais exig%ncias vinda da compreensão do locus da su!$etividade como espa+o privilegiado da negatividade, como não transformá-las em movimento perpétuo dedestrui+ão de toda tentativa de esta!ilizar critérios de orienta+ão da conduta e do $ulgarG3stas respostas precisarão esperam mais um pouco. ?as são elas que guiarão o tra$eto da0enomenologia do 3spírito.

:uardemos pois estas quest*es. 1erão elas que nos levarão a compreender o que/egel procura através de uma opera+ão de reatualiza+ão da dialética que come+aremos acompreender mel'or a partir da pr#xima aula.

Cur"o HeelAula 3

s tr%s aulas anteriores foram dedicadas a uma apresenta+ão geral de certas quest*escentrais para a introdu+ão " compreensão do programa filos#fico 'egeliano. omeceiinsistindo na necessidade de a!andonarmos temporariamente alguns motivos 'egemnicosda compreensão contemporAnea da experi%ncia intelectual 'egeliana. Fu se$a, pedi quevoc%s não tomassem por não-pro!lemáticas considera+*es so!re /egel como7 fil#sofo datotalidade do 1a!er !soluto, incapaz de dar conta da irreduti!ilidade da diferen+a e dasaspira+*es de recon'ecimento do individual "s estratégias de síntese do conceito; te#rico deuma modernidade que se realizaria no totalitarismo de um 3stado 4niversal que se $ulga aencarna+ão da “o!ra total do espírito(; expressão mais !em aca!ada da cren+a filos#fica de

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que s# seria possível pensar através da articula+ão de sistemas fortemente 'ierárquicos eteleol#gicos, com o conseq5ente desprezo pela dignidade ontol#gica do contingente. Hamesma forma, 'avia pedido que voc%s não aceitassem sem reservas outras acusa+*es como7tentativa de ressuscitar uma metafísica pré-crítica de forte matiz teol#gico, 'ip#stase dafilosofia da consci%ncia, cren+a em uma 'ist#ria onde o presente apresentaria uma

“universalidade do espírito fortemente consolidada(, 'ist#ria teleol#gica esvaziada dacapacidade em apreender um tempo no qual acontecimentos ainda fossem possíveis.3stainsist%ncia em a!rir mão, inicialmente, do diagn#stico contemporAneo a respeito dafilosofia 'egeliana aparece como condi+ão primeira para a possi!ilidade de lermos um textocentral de um autor que parece, para n#s, ter seu destino $á tra+ado. &este sentido, talvez s#se$a possível ler /egel 'o$e " condi+ão de operar esta grande coloca+ão entre par%nteses.  partir daí, tivemos duas aulas dedicadas a leitura de certos trec'os do 6refácio " Fenomenologia do $spírito( &estes trec'os, foi questão fundamentalmente da maneira comque /egel define seu programa filos#fico a partir de um diagn#stico a respeito das cis*esque marcariam o seu pr#prio tempo, ou se$a, a modernidade. Vimos como o diagn#stico damodernidade aparecia, em /egel, como !ase para a reflexão filos#fica e para adetermina+ão de suas tarefas. Fpera+ão que levou alguns, como 0oucault, a ver em /egeluma verdadeira “ontologia do presente( enquanto esfor+o de reconstru+ão das categoriasontol#gicas a partir da situa+ão dos modos de racionaliza+ão das mIltiplas esferas devalores tais como se apresentam para uma determinada consci%ncia 'ist#rica.

 &o interior deste diagn#stico de época, a aten+ão maior foi dada a esta opera+ão decompreensão da modernidade como experi%ncia 'ist#rica animada por um pro!lema deauto-certifica+ão que procura se resolver através da fundamenta+ão das expectativas deracionaliza+ão a partir da centralidade do princípio de su!$etividade. Rnsisti com voc%s queesta posi+ão do su$eito como fundamento deveria ser compreendida em um sentido duplo.Huplicidade muitas vezes negligenciada por comentadores. F su$eito é, por um lado,condi+ão prévia de representa+*es, posi+ão derivada da sua estrutura de unidade sintéticade apercep+*es e representa+*es, de  $u penso que deve acompan'ar todas as min'asrepresenta+*es. 3le é assim aquilo que me garante a possi!ilidade de apropria+ão reflexivada estrutura do sa!er em todo ato do sa!er. 4m sa!er reflexivo Bcomo é necessariamentereflexivo o sa!er racional que advém com o princípio moderno de su!$etividadeE é assimum sa!er capaz, de direito, de por a todo momento as estruturas e regras que orientam asexpectativas cognitivas do sa!er.

 &o entanto, /egel insistia que a pr#pria constitui+ão do su$eito enquanto puracondi+ão formal de um sa!er que seria eminentemente representativo exigia uma opera+ãode “negatividade(. 6odemos inicialmente compreender tal “negatividade( como a posi+ãoda inadequa+ão entre as expectativas de recon'ecimento do su$eito e o campo dedetermina+*es fenomenais. &este sentido, /egel poderia simplesmente compreender estanegatividade que “supera a imediatez a!strata, quer dizer, a imediatez que é apenas ente emgeral(<9  como “transcendentalidade(, tal como fizera, antes dele, Lant ao insistir, porexemplo, na clivagem necessária entre “eu empírico( e “eu transcendental(. ?as anegatividade 'egeliana não é a transcendentalidade Cantiana. 6ara compreender mel'or este ponto, deveremos ser capazes de determinar as distin+*es entre o especulativo e otranscendental, o que s# faremos mais a frente. 6or enquanto, gostaria apenas de relem!rar

<9 /3:3, Fenomenologia I, par. J9

JP

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o que foi dito na Iltima aula a respeito das rela+*es entre su$eito como negatividadeexperi%ncia de indetermina+ão fenomenalfundamento.

 &#s 'avíamos visto que /egel está disposto a dar continuidade " idéia de que o princípio de su!$etividade é fundamento das expectativas de racionaliza+ão que suportam aexperi%ncia 'ist#rica da modernidade. &o entanto, este fundamento s# pode ser posto de

maneira reflexiva através de uma longa e árdua experi%ncia, $á que a “consci%ncia nadasa!e, nada conce!e, que não este$a em sua experi%ncia(<J. &ão se trata assim de tentardeduzir aquilo que fundamenta nossas práticas e critérios de validade na modernidade.2rata-se de constituir a experi%ncia que permitirá a tal fundamento aparecer. Uuando forcapaz de por o fundamento e instauram um espa+o social partil'ado de práticas e critériosde $ulgamento partil'ados, então o tra!al'o da razão terá sido realizado. 3ste tra!al'orealizado é o pr#prio advento do espírito B6eist E.

Vimos como /egel insiste que a experi%ncia capaz de permitir a posi+ão dofundamento das expectativas da razão moderna é uma experi%ncia de rememora+ãoB $rinnerung E e, para /egel, toda experi%ncia é, no fundo, uma rememora+ão. 6or um lado,isto significa insistir que aquilo que fundamento as aspira+*es racionais de nossos critériosde validade e nossas a+*es s# poderá ser posto através da reconstitui+*es de um processo'ist#rico de forma+ão acessível " consci%ncia individual. 3sta é a versão mais con'ecida datemática da rememora+ão7 seu caráter de totali.ação da experi&ncia histórica enquantomo*imento de des*elamento do sentido do presente(

 &o entanto, isto não dá conta de maneira integral da articula+ão 'egeliana entrefundamentosu$eitonegatividade. 6ois, para que o fundamento possa ser posto é necessário“converter o negativo em ser(<P, ou se$a, fazer com que a negatividade do su$eito ven'a-a-ser. Vimos como /egel está disposto a falar desta experi%ncia de posi+ão da negatividadedo fundamento através de figuras como7 confronta+ão com a morte, dilasceramentoa!soluto etc. Rsto indica, entre outras coisa, que, para /egel, a expectativa da modernidadeem auto-fundamentar suas práticas sociais e seus critérios de validade não pode serrealizada através de uma rememora+ão 'ist#rica totalizante que seria capaz de determinarum espa+o positivo de determina+ão do sentido da a+ão e $ulgamento de su$eitossocializados. modernidade deve sa!er encontrar e se legitimar através de fundamentosmarcados pela negatividade pr#pria "s exig%ncias de recon'ecimento da su!$etividade.Higamos que esta é uma das faces do programa filos#fico que /egel tentará implementaratravés de seu sistema da ci%ncia. &ão devemos perd%-la pois ela nos auxiliará nacompreensão do desenvolvimento da Fenomenologia( 

Introdução ao "!"tema

 &a aula de 'o$e, gostaria de enfim entrar na leitura da  Fenomenologia do $spírito(Higo isto porque sa!emos que o 6refácio tem uma posi+ão peculiar no interior da economiadiscursiva da o!ra. 3scrito posteriormente ao final da o!ra, ele não participa dodesenvolvimento interno da o!ra. &a verdade, sua fun+ão consiste em sistematizar umtra$eto, no interior do qual, o pr#prio pro$eto 'egeliano foi mudando. &este sentido, o prefácio é quase como uma tentativa de costurar um texto cu$o sentido foi o!$eto demuta+*es no pr#prio interior do seu processo de composi+ão. 6or outro lado, esta costura

<J /3:3, idem, par. J<<P /3:3, idem, par. J9

JQ

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não é s# interna, mas deve dar conta tam!ém do pro$eto mais amplo de /egel no sentido deconstituir um sistema da ci%ncia.

primeira edi+ão do livro, em )Y@O, trazia o seguinte título7 “1istema da ci%ncia.6rimeira parte7 a 0enomenologia do 3spírito(. /egel 'avia composto este título quanto ao!ra estava em impressão. F título original seria “1istema da ci%ncia. 6rimeira parte7

ci%ncia da experi%ncia da consci%ncia(. 0oi apenas na edi+ão post-mortem de YJ9 que olivro adquiriu então o título que con'ecemos7 “0enomenologia do espírito(. 6or outro lado,o que 'o$e c'amamos de Rntrodu+ão era, na verdade, o comentário ao título da o!ra“ci%ncia da experi%ncia da consci%ncia(. ontrariamente ao prefácio, este trec'o não foiescrito posteriormente nem foi remane$ado.. &este sentido, ele tem o estran'o estatuto decomentário de um título que aca!ou não existindo.

nalisemos pois primeiramente o título e suas modifica+*es. F livro que temos emmão teria sido conce!ido então como primeira parte de um sistema da ci%ncia. 4ma primeira parte que é ela mesma ci%ncia, o que nos leva " conclusão de que, para /egel, aci%ncia aparece so! duas figuras. omo nos lem!ra /eidegger7 “(4ma e outra figura s# podem constituir o todo do sistema e a totalidade de sua efetividade através de umacorrespond%ncia mItua e no vínculo desta correspond%ncia(<Q. &o entanto, qual seria asegunda parte do sistema da ci%ncia. /egel parece claro, neste sentido. em!remos do queele escreve no prefácio " primeira edi+ão da %i&ncia da "ógica, de )Y)97 “&o que concernea rela+ão externa, a primeira parte do >istema da %i&ncia, que compreende a0enomenologia, devia ser seguida de uma segunda parte compreendendo a #gica e as duasci%ncia reais `que analisa a realidade concreta, $á que a #gica analisaria idealidades\ dafilosofia, a filosofia da natureza e a filosofia do espírito, o que teria realizado o 1istema dai%ncia. ?as a extensão necessária que a #gica exigiu me levou a pu!licá-la a parte; elaconstitui pois, segundo um plano alargado, a primeira seq5%ncia " 0enomenologia do3spírito. 6osteriormente, darei seq5%ncia "s duas ci%ncia reais da filosofia mencionadasacima(<<.

Fu se$a, o sistema seria composto de uma fenomenologia e de algo muito pr#ximoao que c'amávamos de metaphDsica specialisou se$a, psicologia especulativa, cosmologiaespeculativa e teologia especulativa, isto em oposi+ão a metaphDsica generalis, ou se$a, aontologia. o invés de psicologia, cosmologia e teologia especulativas, /egel proporia umafilosofia do espírito, uma filosofia da natureza e uma #gica que seria algo como aarticula+ão con$unta entre teologia e ontologia. &o entanto, a distin+ão não é totalmentecorreta, $á que a #gica parece a!sorver motivos pr#prios a uma filosofia da natureza, comoo “mecanismo(, o “químico(, a “atra+ão(, a “vida(, entre outros.

 &otemos, por outro lado, que o título da %i&ncia da "ógica não será, como poderíamos esperar7 “1istema da ci%ncia. 1egunda parte, volume R7  8 ci&ncia da "ógica((crescentemos a isto o fato de que a  $nciclop'dia das ci&ncias filosófica em comp&ndio,este livro editado em )Y)O e que parece enfim realizar a exposi+ão sistemática da ci%ncia aodar conta da #gica, da filosofia da natureza e da filosofia do espírito parece transformar afenomenologia em mero momento interno " filosofia do espírito. &as suas duas Itlimasedi+*es, de )YJO e de )YJ@, aparece, entre a antropologia e a psicologia, uma se+ãointitulada7  Fenomenologia do $spírito ; a consci&ncia( F pro$eto inicial, assim como olugar da 0enomenologia do 3spírito no sistema, pareciam assim dever ser totalmenterevistos.<Q /3RH3::3>, 8 GFenomenologia do $spíritoH, de 3egel << /3:3, %i&ncia da lógica ; B *olume - pref9cio

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 &o entanto, devemos levar em conta algumas quest*es. 6rimeiro, dos tr%s livros quecomp*em a !ase do corpus 'egeliano, a $nciclop'dia é exatamente aquele cu$o estatuto é omais pro!lemático. =asta levarmos em conta o que o pr#prio /egel diz no prefácio " primeira edi+ão7 “no caso de um comp%ndio, entra mais simplesmente em considera+ãouma finalidade externa da organiza+ão e da disposi+ão, quando é um conteIdo $á

 pressuposto e !em con'ecido que deve ser exposto com a !revidade dese$ada B...E 6or isso,se as circunstAncias tivessem permitido, eu poderia ter $ulgado mais vanta$oso, comrefer%ncia ao pI!lico, fazer editar antes um tra!al'o mais desenvolvido so!re as outras partes da filosofia 8 tal como o que pu!liquei so!re a primeira parte do todo, a  "ógica(<O. &o prefácio " segunda edi+ão, de )Y9O, /egel continuará insistindo na inadequa+ão daforma da 3nciclopédia7 trata-se de um livro-texto que serve apenas de !ase para umaexposi+ão oral sua forma é precária Bo que atesta as profundas mudan+as que o texto passou em suas tr%s edi+*esE. omo sa!emos que, em /egel, forma da escrita e o!$eto daexperi%ncia são indissociáveis, podemos facilmente deduzir que a 3nciclopédia não é omodo adequado de apresenta+ão do que está em questão na experi%ncia intelectual'egeliana. Fu se$a, ela não é o modo adequado de apresenta+ão do sistema da ci%ncia.  precariedade da forma é precariedade do conteIdo. &este sentido, /egel não procuradestinatários que se$am capazes de dar conta da tarefa filos#fica posta pelo nosso tempo. Fsdestinatários da 3nciclopédia são alunos de filosofia.

decisão 'egeliana de realizar uma nova edi+ão da 0enomenologia, tra!al'o quenão foi realizado devido " morte de /egel, apenas demonstra que a  Fenomenologia do $spírito continuava como pe+a fundamental do pro$eto filos#fico 'egeliano. 3 se sa!emosda inten+ão de /egel em retirar do título 7 “1istema da ci%ncia. 6rimeira parte( é porque a0enomenologia $á nos fornece um sistema de apresenta+ão da ci%ncia que é autnomo emrela+ão a um “sistema enciclopédico(. 6odemos continuar na idéia de uma dupla figura dosistema e afirmar que o sa!er fenomenol#gico não se deixa a!sorver completamente pelosa!er enciclopédico, mas esta!elece uma experi%ncia filos#fica autnoma. &este sentido,devemos leva a sério estas palavras de /eidegger7 “&a concep+ão 'egeliana da0enomenologia do 3spírito, o espírito não é o o!$eto da fenomenologia, nem^fenomenologia_ é o título de uma pesquisa e de uma ci%ncia  so2re algo, como o espírito, por exemplo, mas a 0enomenologia é a modalidade Be não apenas um modo dentre outrosEsegundo a qual o espírito é. fenomenologia do espírito desgina a entrada em cena, oaparece verdadeiro e integral do espírito(<Y.

2ais coloca+*es são fundamentais para compreendermos o que será exposto naRntrodu+ão. 6ois o comentário desta “ci%ncia da experi%ncia da consci%ncia( não visa serum mero preAm!ulo para a realiza+ão de um sa!er enciclopédico que não se guiará maisentão a partir do ritmo da experi%ncia da consci%ncia. 3la visa dar conta da possi!ilidade datematiza+ão de um sa!er não mais dependente da gramática filos#fica do entendimento,sa!er que possa produzir sua pr#pria gramática; e esta gramática será a %i&ncia da "ógica,e não a $nciclop'dia(

A4andonar a ram,t!)a da &!n!tude

3sta experi%ncia filos#fica que a Rntrodu+ão $á come+a diretamente por tematizar e que seráo motor da experi%ncia fenomenol#gica do sa!er diz respeito "quilo que podemos c'amar<O /3:3, $nciclop'dia, *ol( I, pp. )J-)P<Y /3RH3::3>, 8 GFenomenologia do $spíritoH, de 3egel,

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de “modifica+ão da gramática filos#fica(. 6ara que a consci%ncia se$a capaz decompreender os limites do seu sa!er como algo mais do que simples limites, para que elase$a capaz de compreender o advento de nossos o!$etos da experi%ncia como algo mais doque simples desco!ertas, faz-se necessário que ela compreende que o impulso filos#ficoinicial consiste na disposi+ão em pensar através de outra gramática filos#fica. Fu se$a, para

que 'a$a uma ci%ncia da experi%ncia da consci%ncia, faz-se necessário uma profundamudan+a na gramática filos#fica que suporta a consci%ncia que procura apreendercientificamente tal experi%ncia. 6or isto que7 “para a consci%ncia natural, confiar-seimediatamente " ci%ncia é uma tentativa que ela faz de andar de ca!e+a para !aixo( <K. ?aso que é exatamente isto, uma gramática filos#ficaG

6odemos responder esta pergunta a partir do comentário do trec'o que a!re aRntrodu+ão7

1egundo uma representa+ão natural Bnat1rliche Corstellung E, a filosofia, antes dea!ordar a oisa mesma 8 ou se$a, o con'ecimento efetivo do que é, em verdade 8necessita primeiro pr-se de acordo so!re o con'ecer, o qual se considera ou uminstrumento Ber+.eug E com que se domina o a!soluto ou um meio B 4ittel E atravésdo qual o a!soluto é contemplado. 6arece correto esse cuidado, pois 'á, possivelmente, diversos tipos de con'ecimentos. lguns poderiam ser mais idneosque outros para a o!ten+ão do fim Iltimo, e por isso seria possível uma falsa escol'aentre eles. /á tam!ém outro motivo7 sendo o con'ecer uma faculdade BCermgenEde espécie e de Am!ito determinados, sem uma determina+ão mais exata de suanatureza e de seus limites, 'á o risco de alcan+ar as nuvens do erro em lugar do céuda verdade. Fra esse cuidado c'ega até a transformar-se na convic+ãoBJ2er.eugung E  de que constitui um contra-senso, em seu conceito, todoempreendimento visando conquistas para a consci%ncia o que é em si, mediante ocon'ecer; e que entre o con'ecer e o a!soluto passa uma nítida lin'a divis#ria O@.

/egel come+a assim colocando-se no nível da “representa+ão natural(, ou se$a, do que seapresentava em seu tempo como uma evid%ncia ao sa!er filos#fico e " estrutura+ão de seusmodos de pensar. riou-se um modo natural de pensar que produz certas convic+*es, poderia dizer /egel. 6arece natural, por exemplo, ver no con'ecer ou um instrumento ativode transforma+ão da oisa ou um meio passivo de participa+ão com a oisa. 6arecetam!ém natural compreender o erro como uma inadequa+ão entre pensar e o ser resultantede postulados equivocados do pensar. 2ais representa+*es naturais c'egam a determinarque entre o con'ecer e o a!soluto passa uma nítida lin'a divis#ria, como se o o!$eto docon'ecer 'umano fosse, naturalmente, o que é finito. 6odemos dizer que tais representa+*ese convic+*es naturais que se colocam como evid%ncia primeira para guiar as opera+*es dosa!er são resultados da internaliza+ão de uma gramática filos#fica que visa fornecer ao pensar suas leis !ásicas de orienta+ão. &o entanto, como insistirá /egel, esta gramática produzirá sua pr#pria supera+ão.

 &ão é segredo para ninguém que, quando /egel fala da representa+ão docon'ecimento como instrumento, ele tem em mente a filosofia crítica Cantiana e suacompreensão de que a su!missão necessária do o!$eto ao su$eito cognoscente é, na verdade,su!missão dos fenmenos "s categorias do entendimento. &as  "içes so2re a história da<K /3:3, Fenomenologia I, par. 9<O@ /3:3, idem, par. OJ

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 filosoifa, /egel dirá que, em Lant7 “F con'ecimento é apresentado como um instrumento,como uma maneira que temos de nos apoderar da verdade; no entanto, antes de irmos emdire+ão " verdade, devemos con'ecer a natureza e a fun+ão deste instrumento(O). 3stecon'ecimento prévio do instrumento, ou se$a, esta exig%ncia de um “con'ecimento que emgeral se ocupa menos dos o!$etos que do nosso modo de os con'ecer na medida em que

este deve ser possível a priori(

O9

 é exatamente uma das defini+*es fornecidas por Lant parao transcendental.6ara /egel, este modo Cantiano de reflexão vinculada a um encamin'amento

transcendental, que no início do século R aparecia como uma representa+ão natural do pensar Bo que não deve nos estran'ar $á que, para /egel, o Cantismo é a reflexão filos#ficada ess%ncia da modernidade e de suas cis*esE é, no fundo, dependente do que poderíamosc'amar de uma “gramática da finitude( que transforma a filosofia em uma crítica docon'ecimento incapaz de tematizar de maneira adequada o a!soluto e pronta a a!rir "s portas para uma espécie de “ceticismo transcendental(..

He maneira sumária, podemos lem!rar de alguns tra+os gerais da experi%nciaintelectual Cantiana que /egel tem em mente a ver nela a exposi+ão mais !em aca!ada deuma gramática da finitude. Higamos que Lant come+a por perguntar7 “qual é o fato docon'ecimento Bquid factiEG F fato do con'ecimento consiste em termos representa+*es a partir gra+as "s quais $ulgamos. on'ecer não é descrever experi%ncias, mas poderultrapassar o dado através de princípios a priori( &o entanto, não !asta ter princípios, faz-senecessário que ten'amos a ocasião de exerc%-los. ?eros princípios su!$etivos ligados "estrutura de nossa psicologia de nada serviriam para dar o!$etividade ao con'ecimento.omo nos lem!ra Heleuze7 “o que nos apresenta de maneira a formar uma &atureza devenecessariamente o!edecer a princípios do mesmo g%nero Bmais ainda, aos mesmos princípiosE que aqueles que regulam o curso das nossas representa+*es(OJ. Hesta forma,trata-se de su!stituir a idéia de uma 'armonia entre su$eito e o!$eto por uma su!missãonecessária do o!$eto ao su$eito. Fpera+ão que serve de !ase para o que Lant c'ama de“revolu+ão copernicana( .

 &o entanto, tal su!missão não pode nos levar a um idealismo su!$etivista. s coisasnão são simples produtos de nossas atividades. s exig%ncias do realismo devem serrespeitadas. Lant tentará preenc'er tais exig%ncias através de uma análise das faculdades docon'ecimento Bsensi!ilidade, imagina+ão, entendimento e razãoE e de suas rela+*esinternas. omo se o pro!lema da rela+ão entre su$eito e o!$eto tendesse a ser internalizado econvertido em um pro!lema de rela+*es entre faculdades.

Lant insiste que 'á uma faculdade passiva Bsensi!ilidadeE e tr%s faculdades ativas. faculdade passiva rece!e a matéria que dará origem aos o!$etos, assim como as faculdadesativas sintetizam a forma dos o!$etos através da intui+ão no espa+o e no tempo e através dacategoriza+ão como predica+ão de todo o!$eto possível " experi%ncia. ssim, do ponto devista da forma, o que aparece " consci%ncia, ou se$a, os fenmenos, s# podem estarsu!metidos "s categorias do entendimento. &o entanto, do ponto de vista da matéria, a'armonia s# pode ser postulada de maneira ideal pelas idéias da razão, que são apenasidéias reguladoras. razão é a faculdade que diz7 “tudo se passa como se...(. s idéias darazão não são simples fic+*es, elas t%m valor regulador, mas seu o!$eto é indeterminado e

O) /3:3, "içes so2re a história da filosofia, *ol( III, se+ão LantO9 L&2, %rítica da ra.ão pura, = 9QOJ H3343, 8 filosofia crítica de Kant, p. 9@

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 pro!lemático Ba coisa em-siE. o tentar legislar diretamente so!re a sensi!ilidade, a razão produz apenas falsos pro!lemas e ilus*es Bparalogismos e antinomiasE.

F resultado é pois a possi!ilidade de falarmos de leis que7 “a priori fundamentam anatureza, tomada como con$unto de o!$etos da experi%ncia(OP. ?as o pre+o a ser pago será orecon'ecimento de que a experi%ncia refere-se apenas a fenmenos, e não a coisas em-si,

que se mantém para n#s incognoscíveis. He fato, a razão procura sa!er o a!soluto, ou se$a,o incondicionado que ultrapassa as determina+*es da representa+ão da experi%ncia peloentendimento. aspira+ão das idéias da razão é exatamente alcan+ar este incondicionado.?as ela não pode realizar tais aspira+*es na dimensão cognitiva.

/egel verá nesta impossi!ilidade Cantiana das idéias da razão alcan+arem realidadeo!$etiva um sintoma do que poderíamos c'amar de “ceticismo transcendental( que, nofundo, esconde, como veremos, uma perspectiva externalista na compreensão da rela+ãoentre linguagem e mundo. 6or outro lado, tal perspectiva s# é capaz de admitir que temrealidade o!$etiva aquilo que se su!mete " condi+ão de o!$eto finito, intuído no espa+o e notempo e categorizado pelo entendimento. 6or isto, /egel insistirá7 “Lant nunca levantou amenor dIvida so!re o fato do 3ntendimento ser o a!soluto do espírito 'umano, ele é, aocontrário, a finitude da razão 'umana fixada de maneira a!soluta e insuperável(OQ. /egeldeverá mostrar que, á consci%ncia, aparece mais do que o que pode ser representado peloentendimento. /á uma experi%ncia do é da ordem do incondicionado e do a!soluto. ?as para tanto um modo de aparecer Buma fenomenologiaE ligada " finitude deve sera!andonado.

/egel passa então todo o resto do nosso parágrafo insistindo que não se trata apenasde tentar corrigir uma no+ão de con'ecimento compreendida como instrumento ativo queconforma o o!$eto ou como meio passivo de contempla+ão da oisa.

1em dIvida, prece possível remediar esse inconveniente `um con'ecimento que nos perpetua na separa+ão do a!soluto\ pelo con'ecimento do modo-de-atua+ão doinstrumento, o que permitiria descontar no resultado a contri!ui+ão o instrumento para a representa+ão do a!soluto que por meio dele fazemos, o!tendo o verdadeiroem sua pureza. 1# que essa corre+ão nos levaria, de fato, aonde antes estávamos. oretirar novamente , de uma coisa ela!orada, o que o instrumento operou nela, entãoessa coisa 8 no caso o a!soluto 8 fica para n#s exatamente como era antes desseesfor+o, que, portanto, foi inItilO<.

3sta idéia pressup*e uma no+ão de a!soluto como o que está antes do con'ecer, na origem.3 se o a!soluto está na origem, então, é " rela+ão imediata que devemos recorrer paraalcan+á-lo, e não " rela+*es estruturadas de con'ecimento. &o entanto, o pro!lema dizrespeito "s pressuposi+*es postas em opera+ão por esta figura do con'ecer ligado a umagramática naturalizada da finitude. 6ressuposi+*es não examinadas, dadas como naturais, arespeito da natureza do a!soluto e sua rela+ão com o con'ecimento. /egel passa, então, aenumera+ão de tais pressuposi+*es7

`3sta figura do con'ecimento\ 6ressup*e, por exemplo, representa+*es so!re ocon'ecer como instrumento e meio e tam!ém uma diferen+a B<nterschied E entre n#s

OP L&2, %ritica da ra.ão pura, = ROQ /3:3, 6lau2en und issen,O< /3:3, Fenomenologia, par. OJ

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mesmos e esse con'ecer, mas so!retudo, que o a!soluto este$a de um lado e ocon'ecer do outro lado 8 para si e separado do a!soluto 8 e mesmo assim se$a algoreal B eellesE. 6ressup*e com isto que o con'ecimento, que, enquanto fora doa!soluto, está tam!ém fora da verdade, se$a verdadeiro B7ahrhaft - verídicoEOO.

 &a verdade, /egel afirma que esta figura do con'ecimento a!solutiza o finito, $á que ela pode distinguir finito e a!soluto a fim de afirmar que o con'ecimento que está fora doa!soluto ainda pode aspirar validade. omo se aceitássemos “um con'ecimento em geralque, em!ora incapaz de apreender o a!soluto, se$a capaz de outra verdade(. este respeito,/egel levanta dois pontos. 6rimeiro, diferenciar é con'ecer. firmar que o con'ecer nãotem parte com o a!soluto, que ele é ar!itrário em rela+ão ao a!soluto, significa pressuporum con'ecimento prévio do que o a!soluto é. Rsto pressup*e, por sua vez, o que poderíamos c'amar de “perspectiva externalista( na compreensão do con'ecimento. 2udose passa como se eu pudesse sair dos limites do meu con'ecimento compará-lo com oa!soluto e afirmar que o primeiro é ar!itrário em rela+ão ao segundo. /eideggercompreendeu !em isto ao afirmar, so!re o nosso trec'o7 “&o fundo, o exame do meio nãosa!e o que faz. 3le precisar medir o con'ecimento do a!soluto a partir da conformidade aoa!soluto. ssim, ele precisa ter recon'ecido o a!soluto, enquanto a!soluto, senão todadelimita+ão crítica cairia no vazio(OY. &este sentido, a temática da limita+ão da razão écontradit#ria por apoiar em uma perspectiva externalista não fundamentada.

6or outro lado, ao pressupor que o con'ecimento que, enquanto fora do a!soluto,está tam!ém fora da verdade, se$a verídico, esta “representa+ão natural( do sa!er afirma7 'áo finito e 'á o infinito, entre os dois passa uma “nítida lin'a divis#ria(, no entanto, o finitotem um ser que independe do infinito, o finito tem um ser a!soluto em rela+ão ao infinitoBse compreendermos aqui “a!soluto( por “aquilo que não depende de outro para ser(E.e!run perce!eu isso claramente ao insistir que /egel age como quem diz7 “Voc%s dizemque o 0inito escorre e passa, mas voc%s apenas dizem isto e fazem deste não-ser umatri!uto “imperecível Bun*erg?nglichE e a!soluto(; sua linguagem e sua melancolia nãoestão de acordo com sua ontologia(OK. 2udo se passa como se o finito fosse assegurado emuma dimensão autnoma que l'e fosse pr#pria. Hefender a partil'a ontol#gica entre o finitoe o infinito e, mesmo assim, afirmar que o finito é, que ele tem um ser que l'e é pr#prio quereina so!erano no interior do sa!er, eis o que /egel não pode aceitar7 “3sta 'umildade(,dirá /egel, “é, na verdade orgul'o, pois excluo de mim o Verdadeiro, mas de maneira talque apenas eu no aquém sou o afirmativo e ente para-si e em-si, em rela+ão ao qual todoFutro desaparece(Y@. /egel $á 'avia levantado quest*es parecidas ao criticar certas críticasem rela+ão ao “panteísmo( de 1pinoza; “Uuando se representa o pensamento de 1pinozacomo confundindo Heus, a natureza e o mundo finito, presume-se por aí que o mundofinito é verdadeiramente real, tem uma realidade positiva(Y); sendo que verdadeira esfor+oda filosofia consistiria em mostrar como o mundo finito é resultado de uma figuradeterminada do pensar, como a compreensão correta do finito nos leva " auto-anula+ão dofinito. He uma certa forma, o finito é, para /egel, apenas um erro gramatical resultante da'ip#stase de um entendimento que7 “tem o costume de parar o exame das significa+*es

OO /3:3, idem, par. OPOY /3RH3::3>, 3egel e seu conceito de experi&nciaOK 3=>4&, "8 patience du concept, p. )K)Y@ /3:3, Filosofia da religiãoY) /3:3, "içes so2re a história da filosofia - >pino.a

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antes de ser for+ado a efetuar identifica+*es que, do ponto de vista representativo, seriamdementes(Y9. omo se o entendimento temesse perder a todo momento o solo seguro dasrepresenta+*es. Haí porque /egel lem!rará7

F temor de errar introduz uma desconfian+a na ci%ncia, que, sem tais escrIpulos, se

entrega espontaneamente " sua tarefa, e con'ece efetivamente. 3ntretanto, deveriaser levada em conta a posi+ão inversa7 por que não cuidar de introduzir umadesconfian+a nessa desconfian+a, e não temer que esse temor de errar $á se$a o pr#prio erroG B...E suposi+ão que dá a con'ecer que o assim c'amado medo do erroé, antes, medo da verdadeYJ.

?as o que seria então, para /egel, um modo do sa!er não animado pelo medo da verdadeGHigamos que se trata primeiramente de um sa!er que não determina o erro como simplesfigura da inadequa+ão, desprovida de valor cognitivo, entre representa+ão e coisa. 3stainadequa+ão,  se 2em compreendida, será o motor da manifesta+ão fenomenol#gica daapresenta+ão da verdade. verdade é aquilo que se pode se apresentar depois um tra$etomarcado por clivagens e cis*es, ela é aquilo que se produz como resultado de taisclivagens, por isto, ela é aquilo que nunca aparece cedo demais.

/egel insiste !astante neste ponto ao afirmar que7

a ci%ncia, pelo fato de entrar em cena, é ela mesma uma apar%ncia B $rscheinung  8lem!remos que o primeiro uso da palavra “fenomenologia( dizia respeito a umateoria da apar%nciaE; seu entrar em cena não é ainda ci%ncia realizada e desenvolvidaem sua verdade B...E ?as a ci%ncia deve li!ertar-se desta apar%ncia B>cheinE, e s# pode faz%-lo voltando-se contra eleYP.

 &o entanto, nesta li!erta+ão da apar%ncia, a ci%ncia deve operar através de uma perspectiva internalista que não fa+a apelo a nen'um sa!er pressuposto. Rsto implicará naaceita+ão de que seus conceitos e pressupostos iniciais deverão ser vistos como provis#riose passíveis de contínua reorienta+ão. Haí porque /egel insiste que ela deve estar disposta aoperar com uma outra gramática filos#fica. 4ma gramática na qual os termos fundamentaisdo sa!er s# poderão definir suas significa+*es através do uso que deles faremos no interiordo campo fenomenol#gico. 3 é como apelo a uma mudan+a de gramática filos#ficaenquanto condi+ão inicial para o sa!er fenomenol#gico que devemos compreender estaafirma+ão central de /egel7

?el'or seria re$eita tudo isso `as divis*es estanques do entendimento\ comorperesenta+*es contingentes e ar!itrárias, e como engano o uso 8 a isso unido 8 de palavras BortenE como o a!soluto, o con'ecer, e tam!ém o o!$etivo e o su!$etivo einImeros outros cu$a significa+ão é dada como geralmente con'ecida. om efeito,dando a entender, de um lado, que sua significa+ão é universalmente con'ecida e, deoutro lado, que se possui até mesmo seu conceito, parece antes um esquivar-se "tarefa principal que é fornecer esse conceitoYQ.

Y9 3=>4&, "a patience du concept, p. 9@9YJ /3:3, Fenomenologia, par. OPYP /3:3, idem, par. O<YQ /3:3, Fenomenologia, par. O<

P9

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Fu se$a, a verdadeira tarefa filos#fica não consiste em tentar esclarecer previamente asignifica+ão de conceitos primeiros para a estrutura+ão de todo sa!er possível. omoveremos, a verdadeira tarefa filos#fica consiste em partir do uso ordinário desses conceitos para mostrar como sua significa+ão não é universalmente con'ecida, como poderia parecer

 primeiramente. &o entanto, a filosofia não deve ser uma crítica " “representa+ão natural(do sa!er a partir da cren+a de $á possuir uma representa+ão adequada do sa!er. ocontrário, ela deve mostrar que a produ+ão dos conceitos que norteiam o sa!er é o resultadode um processo, e não a pressuposi+ão de uma evid%ncia. dialética deve come+ar semconceitos pr#prios, apenas con$ugando os conceitos do entendimento em outra gramática.

 &a verdade, 'á ao menos uma pressuposi+ão que guia /egel7 “1# o a!soluto éverdade, ou s# o verdadeiro é a!soluto(. 3sta afirma+ão não é demonstrada, mas apenas postulada. 3., de fato, a perspectiva 'egeliana é uma perspectiva 'olista. F a!soluto pressup*e uma perspectiva 'olista do sa!er. &o entanto, devemos lem!rar que existem, aomenos, dois modos possíveis de 'olismo.

3m um sentido fraco do termo, o 'olismo é uma perspectiva sem maioresimplica+*es metafísicas. 3le pressup*e que nunca con'ecemos o!$etos isolados, massempre rela+*es de o!$etos. ssim, s# podemos con'ecer um o!$eto ao con'ecermos ocon$unto de rela+*es que determinam a significa+ão dos o!$etos. 6odemos, a partir daí,afirmar que o con'ecimento das rela+*es é condi+ão necessária para o con'ecimento doconteIdo da experi%ncia. 2eremos então um 'olismo fraco. ?as podemos tam!ém dizerque o con'ecimento das rela+*es é condi+ão suficiente para a determina+ão do conteIdo daexperi%ncia. 2eremos então aquilo que >o!ert =random c'amou, em rela+ão a /egel, de“'olismo semAntico(. 2alvez se$a por isto que /egel afirmará em rela+ão a Lant7 “Lantconce!e o pensamento como o que traz em si mesmo a diferencia+ão `ou se$a, ocon'ecimento das rela+*es de diferen+a e semel'an+a\, mas não compreende que todarealidade consiste nesta diferencia+ão(Y<. 3ste 'olismo semAntico é o Inico pressuposto dagramática filos#fica 'egeliana. Veremos na pr#xima aula como ele procura $ustificá-lo.

Cur"o HeelAula )!n)o

ontinuamos 'o$e com a leitura da Rntrodu+ão " 0enomenologia do 3spírito. &a aula passada, comentei os quatro primeiros parágrafos da Rntrodu+ão. 3u 'avia insistido comvoc%s que a Rntrodu+ão $á come+a por tematizar diretamente uma experi%ncia filos#fica queserá o motor da experi%ncia fenomenol#gica do sa!er. 3la diz respeito "quilo que pode serc'amado de “modifica+ão da gramática filos#fica(. 6ara que 'a$a uma ci%ncia daexperi%ncia da consci%ncia, faz-se necessário uma profunda mudan+a na gramáticafilos#fica que suporta a consci%ncia que procura apreender cientificamente tal experi%ncia.6or “gramática filos#fica( podemos compreender o con$unto de pressupostos não pro!lematizados que serve de orienta+ão para o pensar e para a constitui+ão de seus modosde encamin'amento. He uma certa forma, ela é o campo de pressuposi+*es de uma sintaxe para o pensar, campo este tão naturalizado que normalmente aparece ao pensar como uma“representa+ão natural(.

Y< /3:3, "içes so2re a história da filosofia - Kant 

PJ

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Vimos, então, como /egel procurava partir da necessidade de pro!lematizar aquiloque se colocava em seu tempo como representa+ão natural do pensar. riou-se um modonatural de pensar que produz certas convic+*es, come+ava afirmando /egel. 6arece natural, por exemplo, ver no con'ecer ou um instrumento ativo de transforma+ão da oisa ou ummeio passivo de participa+ão com a oisa. 6arece tam!ém natural compreender o erro

como uma inadequa+ão entre pensar e o ser resultante de postulados equivocados do pensar. 2ais representa+*es naturais c'egam a determinar que entre o con'ecer e o a!soluto passa uma nítida lin'a divis#ria, como se o o!$eto do con'ecer 'umano fosse, naturalmente,o que é finito. Vimos ainda como, para /egel, esta representa+ão natural do pensar era, naverdade, uma figura da filosofia Cantiana. F que não deve nos estran'ar se lem!rarmos que/egel compreende a filosofia Cantiana como reflexão filos#fica da ess%ncia damodernidade com suas cis*es e impasses.

6artindo deste ponto, tentei mostrar para voc%s como /egel compreendia filosofiaCantiana como opera+ão filos#fica dependente do que podemos c'amar de “gramática dafinitude(. o reconstituir alguns tra+os gerais da experi%ncia intelectual Cantiana, segundo/egel, vimos como tratava de insistir que a estratégia Cantiana de recon'ecer que aexperi%ncia refere-se apenas a fenmenos, e não a coisas em-si, que se mantém para n#sincognoscíveis implicaria em uma a!solutiza+ão do finito. 2al perspectiva s# é capaz deadmitir que tem realidade o!$etiva aquilo que se su!mete " condi+ão de o!$eto finito,intuído no espa+o e no tempo e categorizado pelo entendimento. 6or isto, /egel insistirá7“Lant nunca levantou a menor dIvida so!re o fato do 3ntendimento ser o a!soluto doespírito 'umano, ele é, ao contrário, a finitude da razão 'umana fixada de maneira a!solutae insuperável(YO. Fu se$a, esta figura do con'ecimento a!solutiza o finito por distinguirfinito e a!soluto a fim de afirmar que o con'ecimento que está fora do a!soluto ainda podeaspirar validade. omo se aceitássemos “um con'ecimento em geral que, em!ora incapazde apreender o a!soluto, se$a capaz de outra verdade(. 2udo se passa como se o finito fosseassegurado em uma dimensão autnoma que l'e fosse pr#pria. Hefender a partil'aontol#gica entre o finito e o infinito e, mesmo assim, afirmar que o finito é, que ele tem umser que l'e é pr#prio que reina so!erano no interior do sa!er, eis o que /egel não podeaceitar; até porque, diferenciar é con'ecer, e s# posso dizer que o finito não tem parte como infinito ao assumir uma perspectiva externalista em rela+ão ao que parece aparecer comolimites da min 'á linguagem. o contrário, /egel quer mostrar que o finito é apenas umerro gramatical que desaparecerá quando a consci%ncia for capaz de tematizar aquilo queaparece na experi%ncia para além do que o que pode ser representado pelo entendimento.Haí porque7 “o expor a contradi+ão dentro do finito é um dos pontos essenciais do métodoespeculativo dialético(YY.  /egel sempre insistirá neste ponto7 não 'á como a consci%nciaassegurar-se de que ela está exilada de uma experi%ncia da ordem do incondicionado e doa!soluto.

?as como a consci%ncia pode sa!er estar diante do incondicionado ou do a!solutoG1a!emos que /egel descarta a 'ip#tese de 1c'elling a respeito do a!soluto como plano deiman%ncia, indiferencia+ão originária entre su$eito e o!$eto acessível através de umaintui+ão intelectual pré-reflexiva. 6ara /egel, 'á um sa!er do a!soluto, no entanto,devemos lem!rar que o a!soluto não é aquilo que se dá na origem, mas é aquilo que seconstitui no interior de uma tra$et#ria de experi%ncias. &ão 'á uma revela+ão do a!soluto,mas, de uma certa forma, uma  produção do a!soluto. 6roposi+ão paradoxal pois podeYO /3:3, 6lau2en und issen,YY /3:3, "içes so2re a história da filosofia ; o ceticismo

PP

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 parece querer dizer que a consci%ncia eleva o que se dá no interior do seu campodeterminado de experi%ncia " condi+ão de a!soluto. inda mais se lem!rarmos do que eu'avia dito na aula passada a respeito do “'olismo semAntico( que aparece como pressuposto da nova gramática filos#fica que /egel v% como condi+ão necessária para oadvento do sa!e fenomenol#gico. /olismo semAntico que consiste em dizer que o

con'ecimento das rela+*es é condi+ão suficiente para a determina+ão do conteIdo daexperi%ncia.3u 'avia dito a voc%s que, para /egel, o con'ecimento das rela+*es não pode se dar

 previamente " experi%ncia, como se fosse questão de uma dedu+ão transcendental dasestruturas possíveis de rela+ão so! a forma de categorias. F con'ecimento das rela+*es é ofato da experi%ncia, ou se$a, s# através dela podemos con'ecer rela+*es. &o entanto, aindanão sa!emos o que /egel entende por “rela+ão(. 3ste é um ponto central $á que quem diz“rela+ão( diz necessariamente “identidade e diferen+a(7 categorias que são os alvos primeiros de pro!lematiza+ão do pensamento dialético.

Voltaremos a esta questão. 6or enquanto, podemos colocar uma outra questão. 6oisao afirmar que o con'ecimento das rela+*es é o fato da experi%ncia parece que esquecemosque s# 'á experi%ncia porque 'á uma pressuposi+ão prévia de estruturas de rela+*es. 1emelas, não seríamos capazes sequer de o diverso da intui+ão sensível so! o nome de “o!$eto(.firmar estar diante de um o!$eto $á pressup*e uma capacidade comparativa ediferenciadora que s# se adquire ao postularmos rela+*es. -O )am!n(o da d5+!da ou6 )om ma!" #ro#r!edade6 o )am!n(o do de"e"#ero0

/egel tem clara consci%ncia disto, por isto, a 0enomenologia do 3spírito deve partirdas representa+*es naturais do sa!er da consci%ncia. 3la deve partir do exame das tentativasda consci%ncia de atualizar suas estruturas de rela+*es na experi%ncia. Z neste sentido que podemos compreender o início do parágrafo OY7

consci%ncia natural vai mostrar-se como sendo apenas conceito do sa!er, ou sa!ernão real Bnich reales issenE. ?as " medida que se toma imediatamente por sa!erreal, esse camin'o tem para ela antes significado B =edeutung E negativo7 o que é arealiza+ão do conceito vale para ela antes como perda de si mesma, $á que nessecamin'o perde sua verdadeYK.

“ consci%ncia natural é apenas conceito do sa!er(. omo facilmente perce!emos, estaafirma+ão tem conota+ão claramente negativa. 1er apenas conceito significa aqui “não sersa!er da efetividade(. &o entanto, como ela toma imediatamente e previamente seuconceito de sa!er por sa!er da efetividade, a realiza+ão do conceito de sa!er, ou se$a, atentativa de efetivá-lo através da experi%ncia será necessariamente um fracasso. &ão umsimples erro, mas uma perda radical daquilo que para a consci%ncia aparece como verdade.Fu se$a, /egel terá que mostrar como o o!$eto da experi%ncia está necessariamente emdescompasso não em rela+ão a um sa!er realizado tal como ele apareceria para n#s,consci%ncias que apreendem todo o tra$eto fenomenol#gico da experi%ncia, mas em rela+ão" pr#pria representa+ão natural do sa!er. 6odemos dizer assim que o primeiro passo parasa!er fenomenol#gico é a compreensão de que a representa+ão natural do sa!er enquanto

YK /3:3, Fenomenologia, par. OY

PQ

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estruturas de rela+*es deve fracassar na sua tentativa de dar conta da experi%ncia. &oentanto, este fracasso não deve ser apenas inadequa+ão regional do sa!er ao o!$eto, masnega+ão a!soluta da gramática filos#fica que suporta as figuras naturais do sa!er. Haí porque /egel afirmará7

3sse camin'o `de tentativa de realiza+ão do conceito natural de sa!er\ pode serconsiderado como o camin'o da dIvida B L7eifelnE ou, com mais propriedade,camin'o do desespero BCer.7eilflung E; pois nele não ocorre o que se costumaentender por dIvida7 um vacilar nessa ou naquela pretensa verdade, seguindo de umconveniente desvanecer-de-novo Bieder*ersch7indenE  da duvida e um regresso"quela verdade, de forma que, no fim, a oisa se$a tomada como era antes. ocontrário, essa dIvida é a penetra+ão consci%ncia na inverdade do sa!er fenomenalBerscheinenden issenE7 para esse sa!er, o que 'á de mais real B eellsteE é antessomente o conceito irrealizadoK@.

/egel apresenta aqui uma dicotomia pren'e de conseq5%ncias entre dM*ida e desespero(6odemos perce!er claramente que /egel, ao falar de uma dIvida que regressa " oisa talcomo era antes, faz alusão " dIvida met#dica cartesiana, ou se$a, a esta disposi+ão em7“desfazer seriamente uma vez na vida todas as opini*es até então rece!idas em min'acren+a e come+ar tudo de novo desde os fundamentos, isto se eu quiser esta!elecer algo defirme e constante nas ci%ncias(K). dIvida é assim o ponto de partida em dire+ão a umfundamento que se apresenta como solo firme da ci%ncia. 1ua medida é a clareza e adistin+ão da certeza su!$etiva da pura forma do pensar do 3u. lareza e distin+ão queaparecem como medidas indu!itáveis do sa!er e seriam índices de uma “intui+ão imediata erevela+ão interior(K9. /egel insiste que este “prop#sito de não se entregar na ci%ncia "autoridade do pensamento al'eio, e s# seguir sua pr#pria convic+ão(KJ não toca no pontocentral7 o modo com que a verdade manifesta-se a um pensar su!metido "s regras sintáticasde clareza e distin+ão pr#prias "s representa+*es do entendimento.

ontra esta figura da dIvida, /egel insiste que a consci%ncia deve experimentaralgo da ordem do desespero. &este contexto, “desespero( indica não s# a fragiliza+ãoa!soluta das imagens do mundo Bisto $á podemos encontrar na primeira medita+ão deHescartesE, mas o colocar em questão as !ases da gramática que sustentava o pensar daconsci%ncia natural e seu modo de estruturar rela+*es. 3ste desespero não é assim apenas afragiliza+ão das imagens do mundo, mas tam!ém fragiliza+ão da certeza de si e,fundamentalmente, dos modos de orienta+ão do pensar 8 o que implica em um tra!al'o donegativo muito mais profundo do que a simples dIvida a respeito da adequa+ão de nossasrepresenta+*es. He fato, podemos defender Hescartes desta crítica 'egeliana lem!rando quea figura do g%nio maligno $á implica em uma suspensão dos modos de orienta+ão do pensar $á que até mesmo as certeza da matemática e da adequa+ão das representa+*es ao mundosão postas em dIvida. 1e lem!rarmos de um texto 'o$e clássico de Herrida, %ogito ehistória da loucura,  poderemos dizer que esta dIvida $á é desespero por impedir que osu$eito este$a certo de não ser louco, $á que a figura do g%nio maligno suspende o su$eito detoda e qualquer certeza su!stantiva. &o entanto, podemos lem!rar novamente que, para

K@ /3:3, idemK) H31>231, 4editação primeiraK9 /3:3, "içes so2re a história da filosofia - )escartesKJ /3:3, Fenomenologia, par. OY

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/egel, um ponto fundamental permanece. 3m momento algum a consci%ncia duvida de queo pensar é uma questão de dispor de representa+*es e que a clareza e a distin+ão sãocritérios para a orienta+ão do pensar. F desespero 'egeliano, no entanto, quer ir até este ponto. Haí porque /egel pode afirmar7

1eguir sua pr#pria opinião `J2er.eugung ; convic+ão\ é, em todo o caso, !emmel'or do que se a!andonar " autoridade, mas com a mudan+a `Cer+herung ;inversão\ do crer na autoridade para o crer na pr#pria convic+ão, não ficanecessariamente mudado o conteIdo da convic+ão `$á que não se trata de um pro!lema de autonomia ou de 'eteronomia do pensar, mas de um pro!lema decon$uga+ão de uma gramática filos#fica naturalizada, ou se$a, de um pro!lema do pensar como conteIdo para si mesmo\; nem fica a verdade introduzida em lugar doerroKP.

Hesta forma, o desespero, ou ainda a angIstia B 8ngst E, aparece para /egel comocondi+ão necessária para a consci%ncia entrar neste sa!er fenomenol#gico que é modo demanifesta+ão do espírito em dire+ão ao sa!er de si. qui, entretanto, uma distin+ão deve serfeita. o confrontar-se com o desespero, a consci%ncia pode simplesmente aferrar-se "cren+a e " certeza a!soluta de si de maneira tal que nen'uma dIvida possa doravantecolocar o sa!er em movimento. 3la “pode recuar e tentar salvar o que está amea+ada de perder(KQ. &este sentido, ela defende-se do desespero através da loucura. ?as se aconsci%ncia for capaz de compreender a negatividade que ela sentiu ao ver a fragiliza+ão deseu mundo e de sua linguagem como manifesta+ão do espírito, deste espírito que s# semanifesta destruindo toda determinidade fixa, então a consci%ncia poderá entrar no ritmodo sa!er fenomenol#gico. &este sentido, podemos mesmo dizer que, para /egel, s# é possível se desesperar na modernidade, $á que ele é a experi%ncia fenomenol#gica centralde uma modernidade disposta a pro!lematizar tudo o que se p*e na posi+ão de fundamento para os critérios de orienta+ão do $ulgar e do agir.

?as se voltarmos ao parágrafo OY, veremos /egel definir este desespero comocamin'o em dire+ão " realiza+ão do sa!er como “ceticismo que atingiu a perfei+ãoB*oll2ringende >+epti.ismusE(, um “ceticismo que incide so!re todo o Am!ito daconsci%ncia fenomenal `e\ torna o espírito capaz de examinar o que é verdade, enquantoleva a um desespero, a respeito da representa+*es, pensamentos e opini*es pretensamentenaturais(K<. 

3ste é um ponto central. 6odemos dizer que se trata aqui de insistir que o pensarespeculativo procura apropriar-se do tra!al'o do negativo em opera+ão no ceticismo, isto a ponto de insistir que a dialética deve internalizar o ceticismo como seu momento inicial./egel c'egará mesmo a dizer que7 “o verdadeiro con'ecimento da Rdéia é esta negatividadeque se encontra em casa no ceticismo(KO. dialética como resposta da consci%nciafilos#fica ao ceticismo.

Cet!)!"mo

KP /3:3, Fenomenologia, par. OYKQ /3:3. Fenomenologia, par. Y@K< /3:3, Fenomenologia, par. OYKO /3:3, "içes so2re a história da filosofia ; o ceticismo

PO

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ntes de iniciarmos, vale a pena lem!rar que /egel distingue ceticismo modernoBrepresentado principalmente por 1c'ulze e, em certa medida, ?aimonE e o ceticismoantigo. 6ara /egel, o ceticismo moderno seria uma postura que v% como verdadeiro apenaso ser sensível, aquilo que a consci%ncia sensível nos entrega, duvidando de todo o mais. Rstoimplica em deixar com que a realidade da empiria su!sista intacta e indu!itável. &este

sentido, seu “positivismo( não poderia estar mais distante do pensamento especulativo. Dá oceticismo antigo, ao insistir nas contradi+*es necessárias e irrefutáveis que nos deparamosao procurar falar so!re a ess%ncia do que aparece, opera uma crítica da finitudefundamental para a dialética.

/egel sa!e muito !em que o ceticismo antigo não consiste em afirmar a merairrealidade do acontecimento. 6or exemplo, ao afirmar que o conceito de movimento écontradit#rio, o cético não pode ser refutado partir do momento em que come+amos aandar. 6ara /egel, o que o ceticismo nega é a determina+ão essencial da significa+ão doacontecimento, o que não quer dizer que nossas representa+*es mentais não ten'amrealidade o!$etiva  para nós neste momento e so2 condiçes determinadas de percepção.“Higo que as coisas me aparecem e que eu suspendo o $uízo so!re a sua significa+ão(, diráo cético a partir de suas opera+*es de epo+h'. em!remos do que diz e!run, o ceticismo7“de demora diante da significa+ão das palavras utilizadas, isto ao invés de ir diretamente aoencontro do que elas designam, ele se coloca no ponto de união do dizer e do dito( KY.

6ara /egel, isto implica necessariamente no recon'ecimento das contradi+*es quenos enredamos ao nos aferrarmos "s representa+*es finitas da linguagem do entendimento. &este sentido, ceticismo significa demorar-se diante das palavras, dicotomias e rela+*esque apareciam " consci%ncia natural como claramente fundamentadas em sua significa+ão.1e o cético pode afirmar7 “4ma teoria por momentos nos seduz e nos parece persuasivaG4m pouco de investiga+ão serena logo nos faz encontrar argumentos que a contradigamcom não menos persuasividade(KK é porque se trata de mostrar que a determina+ão finitaque compreende o pensar como con$unto de teses não pode deixar de mostrar seu carátervacilante e inseguro. “2odas as representa+*es da verdade se encontram expostas a que sedemonstre seu caráter finito, $á que todas cont%m uma nega+ão é, portanto, umacontradi+ão()@@. em!remos desta idéia central de /egel, o dogmatismo consiste emafirmar como verdadeiro um conteIdo determinado e, com isto, a!solutizar o finito. &estesentido, a crítica cética s# pode ser !em vinda a um pensamento dialético, principalmentese pensarmos em dois de seus tropos principais7 a regressão ao infinito e a 'ip#tese. F primeiro consiste em considerar que a prova a que o dogmático quiser recorrer, remete auma outra prova, e assim ao infinito. F segundo diz respeito " tentativa dogmática de parara regressão ao infinito através da posi+ão de proposi+*es com valor de axiomas; axiomascontra os quais os céticos irão desvelar o caráter de mero pressuposto. /egel compreendeestes dois tropos como argumentos fortes contra a estrutura dedutiva do entendimento.

 &o entanto, /egel levanta duas críticas ao ceticismo antigo. 6rimeiro, ele v% oceticismo como uma certa figura da filosofia da su!$etividade que, para além da epoC'é emrela+ão a determina+ão essencial de todo fenmeno, assenta-se na seguran+a da certeza daconsci%ncia de si. 3sta crítica pode ser pro!lematizada, mas aquela que realmente nosinteressa é outra.

KY 3=>4&, "a patience du concept, p. 9J9KK 6F>/2, Cida comum e ceticismo, p. )<Y)@@ /3:3, "içes so2re a história da filosofia ; o ceticismo

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/egel insiste que a crítica "s representa+*es finitas do entendimento s# pode produzir uma suspensão cética do $uízo porque o ceticismo continua aferrado " gramáticafilos#fica que ele critica. o compreender a contradi+ão como resultado da tentativa do pensar em dar conta do mundo fenom%nico, ela s# v% a contradi+ão como puro nada, talcomo duas proposi+*es contradit#rias so!re o mesmo o!$eto resultariam necessariamente

em um o!$eto vazio sem conceito ou ainda um conceito que se contradiz em si mesmoBnihil negati*umE. F ceticismo está certo em ver na fenomenalidade o espa+o dacontradi+ão, e com isto nos levar ao desespero em rela+ão a representa+*es, pensamento eopini*es pretensamente naturais, mas está errado na sua maneira de compreender o valor dacontradi+ão.

 &este sentido, /egel deverá insistir que “a apresenta+ão da consci%ncia nãoverdadeira em sua inverdade não é um movimento puramente negativo( pois

F ceticismo que termina com a a!stra+ão do nada ou do esvaziamento não pode iralém disso, mas tem de esperar que algo de novo se l'e apresente 8 e que novo se$aesse 8 para $oga-lo no a!ismo vazio. 6orém quando o resultado é apreendido como éem verdade 8 como nega+ão determinada 8 é que então $á surgiu uma nova formaimediatamente, e se a!riu na nega+ão a passagem pela qual, através da sériecompleta das figuras `da consci%ncia\, o processo se produz por si mesmo)@).

nteriormente, /egel 'avia dito que o ceticismo diferencia-se do especulativo porque esteIltimo é capaz de compreender o nada como algo determinado e que tem um conteIdo.?as o que poderia significar uma nega+ão determinada ou um nada determinadoG

6erce!emos que este conceito é importante no interior da economia do nosso texto./egel 'avia dito que o camin'o da consci%ncia em dire+ão " realiza+ão do sa!er é umcamin'o do desespero, pois deve dissolver não s# as imagens do mundo da consci%ncia,mas tam!ém indicar a fragiliza+ão da certeza de si e, fundamentalmente, dos modos deorienta+ão do pensar. &este sentido, o camin'o do sa!er foi comparado a um ceticismo quedemonstra a insta!ilidade das determina+*es finitas do sa!er. &o entanto, o ceticismo paralá onde deveria continuar, $á que ele v% a contradi+ão resultante da experi%ncia fenom%nicada consci%ncia, contradi+ão resultante da tentativa da consci%ncia natural em não ser apenasconceito de sa!er, mas sa!er realizado, como figura do puro nada. 6ara /egel, resta aoceticismo apenas o retorno em dire+ão " certeza da consci%ncia de si. ?as " consci%nciaque procurar apreender fenomenalmente o sa!er, resta compreender a contradi+ão comouma nega+ão determinada.

?as o que é exatamente esta nega+ão determinada que permite a passagem da sériecompleta das figuras da consci%ncia a partir da sua pr#pria auto-produ+ãoG

7eação determ!nada

ntes de a!ordarmos diretamente esta questão, vale a pena configurar mel'or o usoque /egel procura fazer desta no+ão7 nega+ão determinada. ogo ap#s afirmar que anega+ão determinada é exatamente este movimento interno de passagem de uma figura dosa!er fenomenal a outra Bo que poderia ser dito de outra maneira, a sa!er, a nega+ãodeterminada é o que esta!elece o regime de rela+ão de um o!$eto da experi%ncia a outro 8

)@) /3:3, Fenomenologia, par. OK

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ela é esta opera+ão que constr#i  processos de rela+ão na experi&ncia, e não deduçes derela+*esE, /egel lem!ra que esta passagem deve nos levar necessariamente a uma metaB Liel E. “ meta está ali onde o sa!er não necessita ir além de si mesmo, onde a si mesmo seencontra, onde o conceito corresponde Bentspricht E ao o!$eto e o o!$eto ao conceito()@9. Fuse$a, a nega+ão determinada é este modo de estruturar rela+*es entre o!$etos, a partir de

 processos, que permite a realiza+ão da correspond%ncia final entre conceito e o!$eto. Rsto s#é possível porque se trata de afirmar que a nega+ão determinada é modo de estruturarrela+*es entre o!$etos a partir da dinEmica do conceito( F conceito, em /egel, não é aquiloque su!mete o diverso da intui+ão so! a forma de uma representa+ão genérica. ntes, ele 'estrutura de relaçes pensadas a partir da negação determinada(

3ste voca!ulário da correspond%ncia pode parecer estran'o. final, é o pensarrepresentativo que compreende a rela+ão entre o!$eto e conceito a partir dacorrespond%ncia, da adequatio entre min'as imagens mentais e estados de coisasindependentes( 6or que /egel recorre aqui ao voca!ulário da correspond%nciaG

Ve$amos o que mais /egel diz parágrafo Y@. 3le lem!ra que o processo em dire+ão" tal correspond%ncia não pode ser detido. 6ois7

a consci%ncia é para si mesma seu conceito, por isso é imediatamente o ir-além dolimitado e - $á que este limite l'e pertence 8 é o ir além de si mesma B...E 3ssaviol%ncia que a consci%ncia sofre 8 de se l'e estragar toda satisfa+ão limitada 8 vemdela mesma)@J.

 &otamos que este “a consci%ncia é para si mesma seu conceito( não tem o mesmosentido do anterior “a consci%ncia natural é apenas conceito de sa!er(. gora, conceitosignifica7 “o aparecer a si mesmo da consci%ncia em sua verdade( )@P. F que antes era“apenas conceito(, agora pode se afirmar como o que guia a experi%ncia em dire+ão " meta.3ste conceito é o que leva a consci%ncia a suportar a viol%ncia que estraga sua satisfa+ãolimitada, viol%ncia que anteriormente c'amamos de desespero. ?as se a viol%ncia vem delamesma Be não simplesmente do o!$eto que resiste ao conceitoE é tam!ém porque “o que parece ocorrer fora dela 8 ser uma atividade dirigida contra ela - é o seu pr#prio agir()@Q.Rsto pode significar duas coisas distintas7 a consci%ncia está diante de um o!$eto que seu pr#prio sa!er criou, neste sentido, a viol%ncia da tentativa de fazer corresponder o conceitoao o!$eto é algo que se passa no interior da pr#pria consci%ncia, isto na mel'or tradi+ão deum idealismo su!$etivista. Fu podemos dizer7 o conceito $á traz em si uma negatividadesimétrica "quela que a consci%ncia encontra ao compreender que seu sa!er natural nãocorresponde ao o!$eto. negatividade pr#pria " confronta+ão entre conceito e o!$eto $ádeve ser interna aos modos de estrutura+ão do conceito. 3sta é a segunda parte da proposi+ão exposta na aula passada a respeito do 'olismo semAntico de /egel, ou se$a, estaidéia de que a compreensão das rela+*es é condi+ão suficiente para a compreensão doconteIdo da experi%ncia. 3sta proposi+ão s# é possível " condi+ão de compreendermos asrela+*es como processos que se estruturam a partir de nega+*es determinadas.

 &#s avaliaremos mel'or o modo de funcionamento desta 'ip#tese na pr#xima aula,quando terminarmos a leitura da Rntrodu+ão. 6or enquanto, gostaria de terminar esta aula

)@9 /3:3, Fenomenologia, par. Y@)@J /3:3, Fenomenologia, par. Y@)@P /3RH3::3>, 3egel e seu conceito de experi&ncia)@Q /3:3, Fenomenologia, par. JO

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tecendo algumas considera+*es so!re esta no+ão tão central para a compreensão da filosofia'egeliana7 a nega+ão determinada.

Uuando /egel fala de nega+ão determinada ele faz sempre alusão e uma nega+ãoque, de uma certa, conserva aquilo que nega, tal como em uma opera+ão de  8ufhe2ung( Fuse$a, a nega+ão não aparece aqui simplesmente como figura da priva+ão Bnihil pri*ati*umE,

da falta, do vazio ou do nada. nega+ão determinada é um modo relacional de passagemde um termo a outro. &este sentido, aquilo que é negado deve ficar pressuposto no interiorde uma rela+ão.

em!remos que colocar termos em rela+ão implica em admitir posi+*es de oposi+ãoe de exclusão. ssim, por exemplo, na proposi+ão “o individual não é o 4niversal(, anega+ão aparece como opera+ão que permite ao su$eito gramatical esta!elecer seu limite esua identidade através da oposi+ão ao predicado, ou ainda, através de incompati!ilidadematterial. /egel pensa nestas opera+*es quando afirma que7 “a determinidade éessencialmente o limite, e tem o seu ser-outro como fundamento()@<. determinidade éessencialmente o limite porque as individua+*es de termos são fundamentalmente rela+*esde oposi+ão. Z assim que /egel compreende o princípio medieval Be spinozistaE omnisdetermination est negatio(

?as notemos que podemos simplesmente afirmar que nega+*es opositivas pressup*em rela+*es de incompati!ilidade material que trazem conseq5entementemodalidades de individua+ão de termos. individua+ão de um termo sempre pressup*evirtualmente uma rede de rela+*es opositivas que operam media+*es na determina+ão daidentidade dos termos. 4ma estrutura de nega+*es opositivas faz a media+ão entre termos.

qui pode parecer que estaríamos camin'ando para uma conclusão relativamentetrivial, ou se$a, a nega+ão determinada 'egeliana seria apenas uma espécie de nega+ãoopositiva por ser nega+ão que opera a estrutura+ão de rela+*es através deincompati!ilidades materiais. &o entanto, nada mais errado, e isto não explicaria comorela+*es internas ao conceito podem dar conta da negatividade pr#pria " confronta+ão entreconceito e o!$eto.

qui come+a a teoria dialética das nega+*es, motor central do pensamento'egeliano. 6ois a nega+ão determinada tem uma diferen+a fundamental em rela+ão "oposi+ão7 ela não é expulsão para fora de si do oposto na determina+ão da identidade. ?as para compreender este ponto de maneira adequada precisamos analisar calmamente amaneira com que /egel esta!elece diferen+as entre a nega+ão determinada e a oposi+ãoBque ele c'ama várias vezes de nega+ão a!strata ou nega+ão simplesE. 3sta distin+ão, quenos o!rigará a entre em um momento central do de!ate entre Lant e /egel a respeito dateoria das nega+*es, será o o!$eto da nossa pr#xima aula.

Cur"o HeelAula 8

 &esta aula, terminaremos o comentário da Rntrodu+ão " 0enomenologia do 3spírito dandoconta, assim, do trec'o que vai do parágrafo Y) ao parágrafo YK. Vimos, até agora, como/egel parte da necessidade da consci%ncia operar aquilo que c'amamos de “modifica+ão dagramática filos#fica(. 6ara que 'a$a uma ci%ncia da experi%ncia da consci%ncia, faz-se

)@< /3:3, %i&ncia da lógica I, p. )))

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necessário uma profunda mudan+a na gramática filos#fica que suporta as expectativas deracionaliza+ão que animam a consci%ncia em seu agir e em seu $ulgar. 6or “gramáticafilos#fica( podemos compreender o con$unto de pressupostos não pro!lematizados queserve de orienta+ão para o pensar e para a constitui+ão de seus modos de encamin'amento.He uma certa forma, ela é o campo de pressuposi+*es de uma sintaxe para o pensar, campo

este tão naturalizado que normalmente aparece ao pensar como uma “representa+ãonatural(.Vimos então como /egel partia desta representa+ão natural do pensar. riou-se um

modo natural de pensar que produz certas convic+*es, come+ava afirmando /egel logo no primeiro parágrafo da Rntrodu+ão. 6arece natural, por exemplo, ver no con'ecer ou uminstrumento ativo de transforma+ão da oisa ou um meio passivo de participa+ão com aoisa. 6arece tam!ém natural compreender o erro como uma inadequa+ão entre pensar e oser resultante de postulados equivocados do pensar. 2ais representa+*es naturais c'egam adeterminar que entre o con'ecer e o a!soluto passa uma nítida lin'a divis#ria, como se oo!$eto do con'ecer 'umano fosse, naturalmente, o que é finito. Vimos ainda como, para/egel, esta representa+ão natural do pensar era, na verdade, uma figura da filosofiaCantiana.

6artindo deste ponto, tentei mostrar para voc%s como /egel compreendia filosofiaCantiana como opera+ão filos#fica dependente do que podemos c'amar de “gramática dafinitude(. o reconstituir alguns tra+os gerais da experi%ncia intelectual Cantiana, segundo/egel, vimos como tratava de insistir que a estratégia Cantiana de recon'ecer que aexperi%ncia refere-se apenas a fenmenos, e não a coisas em-si, que se mantém para n#sincognoscíveis implicaria em uma a!solutiza+ão do finito. 2al perspectiva s# é capaz deadmitir que tem realidade o!$etiva aquilo que se su!mete " condi+ão de o!$eto finito,intuído no espa+o e no tempo e categorizado pelo entendimento. Fu se$a, esta figura docon'ecimento a!solutiza o finito por distinguir finito e a!soluto a fim de afirmar que ocon'ecimento que está fora do a!soluto ainda pode aspirar validade. /egel, por sua vez,quer mostrar que o finito é apenas um erro gramatical que desaparecerá quando aconsci%ncia for capaz de tematizar aquilo que aparece na experi%ncia para além do que oque pode ser representado pelo entendimento. 6ara /egel, não 'á nen'uma razão para aconsci%ncia assegurar-se de estar exilada de uma experi%ncia da ordem do incondicionado edo a!soluto.

presentei então um primeiro modo de encamin'amento para a questão do a!solutoem /egel. Vimos como /egel parte de uma pressuposi+ão que podemos c'amar, $untamente com >o!ert =random, de “'olismo semAntico(. &este sentido, podemos dizerque, para /egel, sa!er o a!soluto s# é possível á condi+ão de aceitarmos que ocon'ecimento das rela+*es entre o!$etos da experi%ncia é condi+ão suficiente para adetermina+ão do conteMdo da experi%ncia. He uma certa forma, passei nossa Iltima auladiscutindo com voc%s o modo de encamin'amento desta idéia.

em!remos aqui de alguns pontos fundamentais da nossa leitura. 6rimeiro, estecon'ecimento das rela+*es não pode ser, para /egel, o resultado de uma dedu+ão prévia "experi%ncia, como se fosse questão de uma dedu+ão transcendental das estruturas possíveisde rela+ão so! a forma de categorias. F con'ecimento das rela+*es é o fato da experi%ncia,ou se$a, s# através dela podemos con'ecer rela+*es. 6roposi+ão aparentemente sem sentido, $á que, ao afirmar que o con'ecimento das rela+*es é o fato da experi%ncia, parece queesquecemos que s# 'á experi%ncia porque 'á uma pressuposi+ão prévia de estruturas derela+*es. 1em elas, não seríamos capazes sequer de o diverso da intui+ão sensível so! o

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nome de “o!$eto(. firmar estar diante de um o!$eto $á pressup*e uma capacidadecomparativa e diferenciadora que s# se adquire ao postularmos rela+*es.

ríticos do 'egelianismo insistem que a experi%ncia fenomenol#gica $á é desdesempre organizada a partir da perspectiva a posteriori de uma consci%ncia que rememora oa integralidade do processo 'ist#rico de forma+ão em dire+ão ao sa!er. &este sentido, o

con'ecimento das rela+*es $á estaria previamente pré-determinado, sendo o tra$etofenomenol#gico apenas a confirma+ão do que a consci%ncia 'ist#rica $á tem condi+*es dedeterminar. &este sentido, para defender /egel, devemos mostrar que o camin'ofenomenol#gico em dire+ão ao sa!er pode ser tril'ado pela consci%ncia individual sem anecessidade de uma perspectiva estruturada como uma meta-narrativa 'ist#rica.

1ugeri que podemos compreender a estratégia 'egeliana ao levar a sério a idéia deque o camin'o da experi%ncia fenomenol#gica do sa!er é o “camin'o do desespero(. &estecontexto, “desespero( Bou, em outras situa+*es, “angIstia(E indica uma fragiliza+ãoa!soluta das imagens do mundo que permite o colocar em questão as !ases da gramáticaque sustentava o pensar da consci%ncia natural e seu modo de estruturar rela+*es. 3stedesespero pode ser assim tam!ém fragiliza+ão da certeza de si e, fundamentalmente, dosmodos de orienta+ão do pensar. 1em este tra!al'o do negativo, a consci%ncia continuarásempre aferrada "s representa+*es naturais do pensar.

 &o entanto, dizer isto é ainda dizer pouco. 6ois poderíamos simplesmente dizer queeste desespero em rela+ão a representa+*es, pensamentos e opini*es pretensamente naturaisnão necessariamente nos levará ao sa!er a!soluto, mas simplesmente ao ceticismo. 3stemesmo ceticismo que s# v% contradi+ão lá onde o pensar procura determinar a ess%ncia doque aparece e que, com isto, leva a consci%ncia " suspender o $uízo B epo+h comoestratégia para alcan+ar um porto para além do desespero.

/egel compreende claramente este ponto. 2anto que podemos afirmar que o pensarespeculativo procura apropriar-se do tra!al'o do negativo em opera+ão no ceticismo, isto a ponto de insistir que a dialética deve internalizar o ceticismo como seu momento inicial. &oentanto, seus resultados serão diametralmente opostos, ao invés da suspensão do $uízo,/egel quer levar a consci%ncia " a!solutiza+ão do sa!er. 6ara tanto, ele deve compreender oceticismo a partir de duas perspectivas. 6rimeiro, o ceticismo estaria certo ao mostrar comotoda tentativa de compreender a experi%ncia a partir de determina+*es finitas, toda tentativade simplesmente aplicar conceitos " experi%ncia fenomenal, nos leva a contradi+ão. &oentanto, ele estaria errado em compreender esta contradi+ão apenas como o puro nada, damesma forma como duas proposi+*es produziriam necessariamente um o!$eto vaziodesprovido de conceito. Rsto seria apenas a prova de que o ceticismo ainda estaria preso auma gramática filos#fica dependente da entifica+ão de postulados como7 o princípio deidentidade, de não-contradi+ão e do terceiro excluído. Haí porque /egel apresenta, contra oceticismo, o conceito de nega+ão determinada.

3ste é o conceito mais importante da Rntrodu+ão e é ele que deve nos explicar comoo camin'o do desespero não deve levar a consci%ncia ao ceticismo Bou, na pior das'ip#teses, " loucuraE, mas a esta meta na qual7 “o sa!er não necessita ir além de si mesmo,onde a si mesmo se encontra, onde o conceito corresponde Bentspricht E ao o!$eto e o o!$etoao conceito(. ntes pois de retomar o comentário do nosso texto, gostaria de expor, demaneira mais sistemática, a no+ão 'egeliana de “nega+ão determinada(.

7eação determ!nada

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4m dos fundamentos da experi%ncia intelectual 'egeliana está na sua teoria dasnega+*es. /egel está disposto a levar "s Iltimas conseq5%ncias o questionamento de idéiasclássicas como7 “ a realidade é algo, a nega+ão é nada(. 3le compreende que a tentativa derecusar dignidade ontol#gica ao negativo s# pode ser compreendida no interior de um modode pensar que determina o sa!er como presen+a diante de si do o!$eto através da

representa+ão. 6resen+a que se molda a partir da visi!ilidade das coisas que se dão noespa+o. firmar, como quer /egel, que a nega+ão é, que ela tem um ser que l'e é pr#prio,significa admitir que nem tudo se adequa " visi!ilidade de uma presen+a que tende areduzir todo ser ao regime de disponi!ilidade pr#prio ao espa+o.

Veremos no decorrer do curso como /egel estrutura sua teoria das nega+*es e asconseq5%ncias dela para uma teoria da linguagem e do con'ecimento. 6or enquanto,gostaria de tra!al'ar uma das figuras centrais da nega+ão 'egeliana7 a nega+ãodeterminada. `os tr%s níveis da nega+ão, segundo /egel7 nega+ão a!strata nega+ãodeterminada7 Cer+ehrung e 8ufhe2ung 8 nega+ão a!soluta\.

>etornemos primeiramente " 'ip#tese do 'olismo semAntico, ou se$a, " esta no+ãode que a compreensão das rela+*es entre o!$etos é condi+ão suficiente para a determina+ãodo conteIdo da experi%ncia. Vimos que /egel definia a meta do sa!er fenomenol#gicocomo este ponto onde o conceito corresponde ao o!$eto e o o!$eto corresponde ao conceito.4ma primeira leitura parece nos indicar que o sa!er a!soluto 'egeliano seria a realiza+ão daadequa+ão total do conceito Bcompreensão de rela+*es 8 lem!remos que, para /egel, oconceito não é su!sun+ão do diverso da experi%ncia so! a forma de o!$eto, mas posi+ão deestruturas de rela+*esE ao o!$eto Bo conteIdo da experi%nciaE.

 &o entanto, esta adequa+ão s# seria possível á condi+ão de compreendermos asrela+*es de o!$etos como nega+*es determinadas. Fu se$a, a nega+ão determinada é aquiloque permite, ao conceito, estruturar rela+*es entre o!$etos.

princípio esta defini+ão é mais trivial do que parece. 2omemos, por exemplo,duas proposi+*es negativas7

- mul'er não é alta- mul'er não é 'omem

6erce!emos claramente que 'á aqui dois usos distintos da nega+ão, um uso indeterminado eum uso determinado( 3les são resultados de dois modos distintos de uso do ver!o “ser(7 umcomo predica+ão e outro como posi+ão de identidade. nega+ão que incide so!re o ver!oser no interior de uma rela+ão de predica+ão é indeterminada. nega+ão de um termo nãome dá automaticamente o outro termo. &ão posso passar de “mul'er( para “alta( é vice-versa. Dá a nega+ão que incide so!re o ver!o ser no interior de uma rela+ão de identidade édeterminada. nega+ão de um termo me faz passar automaticamente a um outro termo,neste sentido, a nega+ão “conserva( o termo que ela nega. &o nosso exemplo, a nega+ão dosu$eito gramatical “mul'er( me faz necessariamente passar ao termo posto no predicado.Rsto porque, ao negarmos o ver!o ser no interior de uma rela+ão de identidade, estamosnecessariamente esta!elecendo uma rela+ão de “oposi+ão( ou de “contrariedade(. “6assarde um termo a outro( indica aqui a exist%ncia de uma rela+ão de solidariedade entre doistermos contrários7 'omem e mul'er, 4m e mIltiplo, ser e nada. F 4m é inicialmentenega+ão do mIltiplo, o ser é inicialmente nega+ão do nada. Rsto nos mostra que umadetermina+ão s# pode ser posta através da oposi+ão, ou se$a, ela deve aceitar a realidade deseu oposto. positividade da identidade a si é suportada pela for+a de uma nega+ão internaque, na verdade, sempre pressup*e a diferen+a pensada como alteridade.

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ssim, quando dizemos7 a nega+ão determinada é aquilo que permite, ao conceito,estruturar rela+*es de o!$etos, parece que estamos dizendo, simplesmente que toda rela+ãocapaz de determinar identidades é necessariamente uma rela+ão de oposi+ão. 6oderíamosmesmo dizer, com Heleuze, que7 “/egel determina a diferen+a por oposi+ão dos extremosou dos contrários()@O, como se toda diferen+a essencial pudesse ser su!metida a rela+*es de

oposi+ão. 0alar de uma nega+ão que conserva o termo negado seria simplesmente umamaneira mais ne!ulosa de dizer que, em toda rela+ão de oposi+ão, a posi+ão de um termo pressup*e a realidade de seu oposto como limite " sua significa+ão. &este sentido, poderíamos compreender tentativas, como a de >o!ert =random, de definir a nega+ãodeterminada como a simples reflexão so!re as conseq5%ncias de assumirmos o caráterestruturante de rela+*es de incompati2ilidade material( em!remos do que ele afirma7“/egel aceita o princípio medieval Be spinozistaE omni determinatio est negatio( ?as amera diferen+a ainda não é a nega+ão que a determinidade exige de acordo com esse princípio. 3ssencialmente, a propriedade definidora da nega+ão é a exclusividadecodificada no princípio de não-contradi+ão7  p exclui-se de não-p; eles sãoincompatíveis()@Y. ssim7 “o conceito de incompati!ilidade material ou, como /egel odesigna, de nega+ão determinadaé seu mais fundamental instrumento conceitual()@K.

 &o entanto, esta compreensão da nega+ão determinada como figura da oposi+ão éfal'a so! vários aspectos. 3la é Itil para nos lem!rar como a nega+ão pode estruturarrela+*es conceituais, mas ela não dá conta de dois pontos centrais. 6rimeiro, a nega+ãodeterminada não é apenas o modo de rela+ão entre dois termos, mas fundamentalmente omodo de rela+ão entre conceito e o!$eto. &este sentido, lem!remos da idéia central de/egel7 o con'ecimento das rela+*es não é o resultado de dedu+*es, mas s# é possível nointerior da experi%ncia. on'ecer rela+*es não consiste em deduzir, mas em compreender processos(

nega+ão determinada diz respeito fundamentalmente aos modos de efetiva+ão doconceito na experi%ncia. Rsto indica que, ao tentar indexar o conceito a um o!$eto, ao tentarrealizar o conceito na experi%ncia, a consci%ncia verá o conceito passar no seu oposto eengendrar um outro o!$eto Bdaí porque a nega+ão determinada é o locus da passagem deuma figura da consci%ncia " outraE. &este sentido, a consci%ncia nunca consegue aplicar seuconceito ao caso sem engendrar uma situa+ão que contradiga as aspira+*es iniciais designifica+ão do conceito. experi%ncia é exatamente o campo destas invers*es.em!remos7 /egel está interessado em compreender como o sentido dos conceitosmodifica-se a partir do momento em que eles procuram se reali.ar na experi&ncia( omo $á vimos anteriormente, internalizar o sentido da experi%ncia significa, para /egel,estruturar rela+*es conceituais através das invers*es que a efetividade imp*e ao conceito.He uma certa forma, não é o conceito que molda a experi%ncia, mas a experi%ncia quemolda o conceito ao impor uma reordena+ão nas possi!ilidades de aplica+ão do conceito.

6or outro lado, /egel construiu a no+ão de nega+ão determinada exatamente comodispositivo de crítica " idéia de que as oposi+*es dão conta da estrutura+ão integral dasrela+*es. 6ois a oposi+ão pode admitir que s# é possível por um termo através da pressuposi+ão da realidade do seu oposto, que aparece aqui como limite de significa+ão.ssim, ela admite que toda determina+ão da identidade de um termo s# é possível atravésda media+ão através da alteridade Bnão apenas do oposto, mas da estrutura de

)@O H3343, )iff'rence et r'p'tition, p. <P)@Y =>&HF?, 3olism and idealism in 3egel @henomenologD, p. )OK)@K idem, p. )Y@

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determina+*es pressupostasE. ?as a oposi+ão não pode admitir que a identidade de umtermo ' a passagem no seu oposto. &o entanto, a nega+ão determinada significa exatamenteisto7 que o termo, ao realizar-se, ou se$a, ao se referir " experi%ncia, passa necessariamenteno seu oposto e esta passagem é, ao mesmo tempo, a perda do seu sentido e a realiza+ão doseu sentido.

6erce!e-se que assumir tal possi!ilidade implica em pro!lematizar a pr#pria no+ãode “estruturas de rela+ão(. He fato, nesta perspectiva, a no+ão de nega+ão determinada parece naturalmente o!scura. final, como é possível dizer que a realiza+ão de um termo,no sentido de sua referencializa+ão na experi%ncia é uma passagem no opostoG qui, podemos notar de maneira mais clara a necessidade de uma fenomenologia. /egel acreditaque a exposi+ão adequada deste movimento depende de uma compreensão dos modos comoo campo da experi%ncia se estrutura para um su$eito. Veremos isto claramente ao seguirmoso tra$eto fenomenol#gico da consci%ncia a partir da aula que vem.

6or enquanto, vale es!o+ar algumas considera+*es introdut#rias para mel'orapreendermos o lugar da nega+ão determinada.

A )on")!/n)!a 9 "ua #r:#r!a med!da

Fs Iltimos parágrafos da Rntrodu+ão são dedicados a uma reflexão so!re aquilo que /egelc'ama de método de desenvolvimento da 0enomenologia. &ovamente, /egel retorna "necessidade da consci%ncia ter, no seu pr#prio campo de experi%ncias, aquilo que permitirásua supera+ão em dire+ão " realiza+ão como 3spírito7

6arece que esta apresenta+ão B )arstellung E, vista como um procedimento da ci%nciaem rela+ão ao sa!er fenomenal e como investiga+ão e exame da realidade docon'ecer não se pode efetuar sem um certo pressuposto colocado na !ase Bnofundamento 8 6rundeE como medida B 4assta2E B...E ?as nesse ponto onde a ci%nciaapenas está surgindo, nem ela nem se$a o que for se $ustifica como a ess%ncia ou oem si. Fra, sem isso, para que não pode ocorrer nen'um exame ))@.

Fu se$a, a princípio parece que a 0enomenologia precisa apresentar o fundamento comomedida de avalia+ão entre os descamin'os da consci%ncia e a efetividade do sa!er. Ffundamento aparece aqui como medida, ou se$a, como aquilo que permite ao pensaresta!elecer os entes na disposi+ão do seu ol'ar. medida é o solo não pro!lemático queoferece ao pensar uma positividade que l'e permitirá esta!elecer rela+*es de diferen+a e deidentidade. &o entanto, esta medida, /egel insiste que ela não está disponível "consci%ncia.

ogo no parágrafo seguinte, /egel completa7 é verdade que a consci%ncia parecenão ter " sua disposi+ão uma medida que sirva de fundamento para o sa!er. ?as, por outrolado7 “a consci%ncia distingue algo de si e ao mesmo tempo se relaciona com ele; ou,exprimindo de outro modo, ele é algo para a consci%ncia())). esta rela+ão, para aconsci%ncia, entre termos distintos, /egel c'ama de  sa2er( 3ste sa!er teria mero valorsu!$etivo se não pudesse ser medido  por uma *erdade que deve ter valor o!$etivo. 3staverdade como medida é apresentada, na economia do nosso texto, primeiramente através dorecurso ao “para n#s(7 “&#s porém distinguimos desse ser para um outro, o ser-em-si; o que))@ /3:3, Fenomenologia, par. Y)))) /3:3, Fenomenologia, par. Y9

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é relacionado com o sa!er tam!ém se distingue dele e se p*e como ente, mesmo fora dessarela+ão7 o lado desse em-si c'ama-se verdade(. &#s, que avaliamos a experi%ncia na posteridade, vemos que 'á algo fora da rela+ão do sa!er. Rsto que está fora é o em-si doo!$eto. &o entanto, de onde tiramos a medida que permite avaliar o que o o!$eto é para-a-consci%ncia com o que ele é em-siG &otemos que /egel, no parágrafo seguinte, irá

a!andonar esta via. Hizer que temos uma medida de verdade que nos permite dereconfigurar a experi%ncia fenomenol#gica a partir dela resultaria apenas em comparar osa!er com um outro sa!er do o!$eto, mas agora um sa!er  para nós, sa!er de umaconsci%ncia 'ipostasiada7 “F em-si do sa!er resultante dessa investiga+ão seria, antes, seuser para n#s, o que afirmássemos como sua ess%ncia não seria sua verdade, mas sim nossosa!er so!re ele(. 2odo sa!er é um dispor-diante-de-si, um Cors-sich-stellen(

Haí porque /egel deve recusar tal fundamento prévio que aparece através da perspectiva do para n#s e afirmar que a pr#pria natureza do o!$eto da experi%ncia daconsci%ncia $á fornece a medida de compara+ão entre a verdade e o sa!er. X neste sentidoque devemos compreender a afirma+ão central7

consci%ncia fornece, em si mesma, sua pr#pria medida; motivo pelo qual ainvestiga+ão se torna uma compara+ão de si consigo mesma, $á que a distin+ão queaca!a de ser feita `entre sa!er e verdade\ incide na consci%ncia. /á na consci%nciaum para um outro, isto é, a consci%ncia tem em geral B12erhaupt E a determinidadedo momento do sa!er. o mesmo tempo, para a consci%ncia, esse outro não ésomente para ela, mas é tam!ém fora dessa rela+ão, ou se$a, é em si7 o momento daverdade))9.

princípio, esta reviravolta parece surpreendente. o afirmar que a consci%nciafornece, em si mesma, sua pr#pria medida, /egel não deixa de aludir a afirma+*esanteriores, que analisamos na aula passada, como, por exemplo7 “a consci%ncia é para si seu pr#prio conceito( ou “ a viol%ncia que a consci%ncia sofre vem dela mesma(. Dá sa!emosque esta medida não é um solo não pro!lemático que oferece uma positividade ao pensar,nem mesmo um solo que s# poderia estar pressuposto na perspectiva do para n#s. Inicacoisa que /egel lem!ra é que a consci%ncia traz em si sua pr#pria medida porque 'á nelaum para um outro. /á uma alteridade que não se determina completamente no interior deuma rela+ão de sa!er pensada como representa+ão do o!$eto pelo su$eito. o dizer que aconsci%ncia é para si seu pr#prio conceito, /egel esta pois afirmando que a consci%ncia temdentro de si um outro que não pode ser totalmente posto como o!$eto no interior de umarela+ão cognitiva, $á que aquilo que é totalmente posto é disposto para-a-consci%ncia.2entar refletir so!re este outro que fornece a medida da distEncia entre o sa2er e a *erdadeé, assim, para a consci%ncia, uma viol%ncia que estran'amente vem dela mesma.

/egel faz então uma considera+ão ainda mais surpreendente. Z indiferente definir osa!er como conceito e o em-si, o verdadeiro, como o!$eto ou, inversamente, o em-si comoconceito e o sa!er para-a-consci%ncia como o!$eto. &o entanto, a princípio, a diferen+a étotal7 ela é a distAncia que vai de um modo de con'ecer que v% a determina+ão do o!$etocomo aquilo ao qual o conceito deve se adequar Bcomo no empirismoE e um modo decon'ecer no qual o conteIdo de verdade é fornecido pela determina+ão prévia do conceitoBracionalismoE. /egel simplesmente afirma que tal distin+ão é indiferente porque os dois

))9 /3:3, Fenomenologia, par. YP

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 p#los incidem no interior do sa!er investigado. 6odemos dizer que isto apenas indica que aalteridade não é uma experi%ncia que se coloca apenas na confronta+ão do su$eito com oo!$eto, mas é interna ao pr#prio conceito.

 &o entanto, até aqui não podemos deixar de nos sentir diante de um certo passe demágica. /egel parece afirmar, ao mesmo tempo, que 'á uma divisão na consci%ncia entre

sa!er e verdade, mas esta divisão, por ser interna " consci%ncia, não é uma divisãoirreconciliável. 2udo parece ficar mais evidente quando /egel afirma, no parágrafoseguinte7

om efeito, a consci%ncia, por um lado, é consci%ncia de o!$eto; por outro,consci%ncia de si mesma; é consci%ncia do que é verdadeiro para ela e consci%nciado seu sa!er da verdade. 3nquanto am!os são para a consci%ncia, ela mesma é suacompara+ão))J.

Fu se$a, a divisão da consci%ncia seria simplesmente uma divisão entre consci%nciae consci%ncia de si; entre a experi%ncia do o!$eto `na pura intui+ão\ e o sa!er de o2jetos em geral( ?as notemos7 esta consci%ncia de o!$eto é consci%ncia do o!$eto como umaalteridade que permanece fora das rela+*es de sa!er de o!$etos em geral. 3sta alteridadeaparecerá como uma realidade ontol#gica. Haí porque /egel insiste tanto na etimologia dotermo 6egenstand 7 “o que está em posi+ão contrária(. ssim, não !asta apenas tentaradequar o sa!er de o!$eto em geral ao o!$eto como p#lo de alteridade. He uma certa forma,a inadequa+ão irá se perpetuar, mesmo com as mudan+as na figura do sa!er7

aso os dois momentos não se correspondam nessa compara+ão, parece que aconsci%ncia deva então mudar o seu sa!er para adequá-lo ao o!$eto. 6orém, namudan+a do sa!er, de fato se muda tam!ém para ele o o!$eto, pois o sa!er presenteera essencialmente sa!er do o!$eto; $unto com o sa!er, o o!$eto se torna tam!ém umoutro pois pertencia essencialmente a esse sa!er ))P.

o desco!rir necessariamente que aquilo que ela tomava por em-si, enquanto consci%nciade o!$eto, era um em-si  para-a-consci&ncia não ocorre uma concilia+ão, mas algo leva aconsci%ncia a deparar-se novamente com um o!$eto que se torna outro. 3sta reitera+ão s# pode ser compreensível se lem!rarmos que a rela+ão entre conceito e o!$eto é sempre umanega+ão determinada. Fu se$a, a efetiva+ão do conceito deve sempre ser passagem nooposto, experi%ncia de que as representa+*es fixas de adequa+ão do conceito são sempreincompletas. F conceito s# se realizará ao deparar-se com um o!$eto que é a formaliza+ãoda pr#pria nega+ão do conceito.

De +olta . neação determ!nada

Z desta forma que podemos compreender o parágrafo Y<. &ele. /egel utiliza pela primeira vez o termo “dialética(. 3le é usado para se referir a essas estruturas de invers*es pr#prias " experi%ncia. pr#pria experi%ncia é definida como um movimento, que aconsci%ncia exercita em si mesma, tanto em seu sa!er como em seu o!$eto. ?ovimento deaplica+ão do conceito e de fracasso desta aplica+ão através da produ+ão de “um novo o!$eto))J /3:3, Fenomenologia, par. YQ))P /3:3, Fenomenologia, par. YQ

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verdadeiro(. /egel $á 'avia fornecido uma defini+ão muito semel'ante de experi%ncia no parágrafo J<7 “ experi%ncia é $ustamente o nome desse movimento em que o imediato, onão-experimentado, ou se$a, a!strato se aliena e depois retorna a si dessa aliena+ãoB $ntfremdung E; e por isso somente então é exposto em sua efetividade e verdade(. &oentanto, a consci%ncia pode retornar a si da aliena+ão exatamente porque o o!$eto operou

uma nega+ão determinada e mostrou que a realiza+ão daquilo que foi negado énecessariamente sua pr#pria nega+ão. omo podemos ver, isto implica em uma no+ão denega+ão como modo de manifesta+ão da ess%ncia, e não como simples indica+ão da priva+ão, da falta ou do nada.

1igamos, por exemplo, a descri+ão fornecida por /egel a respeito do movimento daexperi%ncia7

consci%ncia sa!e algo7 esse o!$eto é a ess%ncia ou o em-si `estamos diante de umsa!er imediato da consci%ncia, ela $ulga ter o o!$eto imediatamente diante de si emsua ess%ncia\; mas é tam!ém o em-si da consci%ncia; com isso entra em cena aam!iguidade B L7eideutig+eit E desse verdadeiro. Vemos que a consci%ncia tem agoradois o!$etos7 um, o primeiro em-si `o o!$eto imediato\, o segundo, o ser para eladesse em-si. `&o entanto\ esse Iltimo parece, de início, apenas a reflexão daconsci%ncia so!re si mesma, uma representa+ão BCorstellenE não de um o!$eto, masapenas de seu sa!er so!re o primeiro o!$eto `ou se$a, não uma apreensão do o!$eto,mas uma reflexão so!re a estrutura do sa!er de o!$etos em geral, estamos assimdiante da divisão entre consci%ncia e consci%ncia de si. ?as admitindo tal divisão, aconsci%ncia não pode permanecer com a cren+a de ter acesso imediato ao o!$eto, poristo\ B...E o primeiro o!$eto se altera ali para a consci%ncia `ele se torna um em-si para a consci&ncia. ssim, o verdadeiro ou a ess%ncia é o ser para a consci%ncia doem-si. 6oderia parecer que entramos assim em um movimento no qual a consci%nciasimplesmente desco!re que a ess%ncia do o!$eto é posta por ela mesma. ?as seassim fosse, não 'averia dialética, nem nega+ão determinada, nem fundamentocomo nega+ão, apenas des*elamento de que a ess&ncia do o2jeto ' apenas uma projeção da consci&ncia( Z para evitar tal leitura que devemos dar todo o pesocorreto " afirma+ão\ 3sse novo o!$eto contém a aniquila+ão B Nichtig+eit E do primeiro `o novo o!$eto é apenas a apresenta+ão do aniquilamento do primeiroo!$eto, ele é a forma dessa nega+ão, e isto $á é a ess%ncia do o!$eto  pois a ess&nciado o2jeto ' uma negação que pode se apresentar enquanto tal na efeti*idade\))Q.

3sta leitura que propon'o fica mais clara no pr#ximo parágrafo. /egel afirma que pode parecer que a transi+ão do primeiro o!$eto para o segundo não se$a uma passagemrelacional, mas apenas uma nega+ão simples do primeiro o!$eto pelo segundo. omo se não'ouvesse rela+ão alguma entre os dois. omo se o resultado da primeira tentativa deefetiva+ão do primeiro o!$eto fosse um nada vazio. He fato, é assim que a consci%nciacompreende a experi%ncia, $á que ela opera com uma gramática de nega+*es que v% ofracasso da realiza+ão do conceito apenas como nega+ão simples. Haí porque /egel podeafirmar que7 “ a g%nese do novo o!$eto se apresenta " consci%ncia sem que ela sai!a comol'e acontece. 6ara n#s, é como se isso l'e transcorresse por trás das costas(. 3, de fato, aconsci%ncia não é capaz ainda de compreender o que está em $ogo nas passagens de um

))Q /3:3, Fenomenologia, par. Y<

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o!$eto a outro, por isto que “no movimento da consci%ncia ocorre um momento do ser-em-si ou do ser-para-n#s que não se apresenta " consci%ncia(. ?as este momento não seapresenta em seu aspecto formal, em!ora ele se apresente como conteIdo através doaparecer de um novo o!$eto e através da nega+ão do primeiro o!$eto. Uuando a consci%nciafor capaz de elevar esta nega+ão que aparece como conteIdo " condi+ão de forma, então

teremos uma compreensão dialética da experi%ncia. dialética consiste exatamente em apreender as contradi+*es engendradas pelarealiza+ão do conceito na experi%ncia, ou se$a, o fato de que a efetiva+ão do conceito de umo!$eto é necessariamente sua nega+ão, como realiza+ão do pr#prio conceito. Rsto exige, porum lado, uma no+ão de ess%ncia como negação em-si, s# assim podemos dizer que oconceito apreende seu o!$eto exatamente ao fracassar sua tentativa de apreensão. 6or outrolado, ela exige uma no+ão de rela+ão que não é pensada como mera oposi+ão Bpois é poristo que a consci%ncia não compreende o movimento que se passa "s suas costasE, mas queé pensada como uma passagem no oposto. ?as para que esta passagem se$a possível, faz-senecessário compreender que a nega+ão de um termo pode ser seu modo de manifesta+ão.Haí porque precisamos de um conceito de ess%ncia como nega+ão em-si.

 &este ponto, podemos voltar a algumas considera+*es so!re a diferen+a entrenega+ão determinada e oposi+ão que 'aviam ficado em suspenso. Z através delas quegostaria de terminar a aula de 'o$e.

3u 'avia afirmado anteriormente que /egel desenvolve suas considera+*es so!re anega+ão determinada tendo em vista, principalmente, o conceito Cantiano de oposição real .6ara Lant, uma oposi+ão real indica que dois predicados de um su$eito são opostos demaneira contrária, mas sem contradi+ão l#gica. ssim7 “a for+a motriz de um corpo quetende a um certo ponto e um esfor+o semel'ante deste corpo para se mover em dire+ãooposta não se contradizem, sendo ao mesmo tempo possíveis como predicados de ummesmo corpo())<. 2al oposi+ão é descrita em linguagem matemática através dos signos e- B e -E a fim de mostrar como uma predica+ão pode destruir outra predica+ão,c'egando a uma conseq5%ncia cu$o valor é zero, mas sem que se$a necessário admitir umconceito que se contradiz em si mesmo Bnihil negati*umE. Rsto permitirá a Lant su!lin'arque o conflito resultante de um princípio real que destr#i o efeito de outro princípio nonível da intui+ão não pressup*e uma contradi+ão no nível das condi+*es transcendentais deconstitui+ão do o!$eto do con'ecimento))O.  3ste conflito real, ou oposi+ão real, é a !oanega+ão; “que permite ao entendimento constituir o!$etos ))Y, $á que, contrariamente "contradi+ão l#gica Bpensada como o!$eto vazio sem conceitoE, esta nega+ão deixa fora deseu $ulgamento a questão da exist%ncia do su$eito do $ulgamento.

?as se Lant afirma que os predicados opostos são contrários sem seremcontradit#rios, é porque eles se misturam como forças positi*as determinadas no resultadode uma realidade final. Fs opostos reais são, para Lant, propriedade igualmente positivas,eles correspondem a refer%ncias o!$etivas determinadas))K. &ão 'á realidade ontol#gica do))< L&2, $ssai pour introduire en philosophie le concept de grandeur n'gati*e, 6aris7 Vrin )KPK, pp. )K-9@))O He onde se segue a afirma+ão7 “1# na intui+ão sensível, em que é dada realidade Bpor exemplo, omovimentoE, se encontram condi+*es Bdire+*es opostasE de que se a!straiu no conceito de movimento emgeral, que podem provocar uma contradi+ão, não l#gica aliás, suscetível de transformar em zero@ algo !em

 positivo; e não se poderá dizer que todas as realidades concordam entre si, s# porque entre seus conceitos não'á contradi+ão( BL&2, %rítica da ra.ão pura, =JJY9Y9E.))Y HVRH-?X&>H, "a folie dans la raison pure:Kant lecteur de >7eden2org, 6aris7 Vrin, )KK@, p. P)))K “s grandezas negativas não são nega+*es de grandezas, como a analogia da expressão pode deixar supor,mas, ao contrário, algo de realmente positivo em si que é simplesmente oposto a outra grandeza positiva(

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negativo. aversão e a dor são tão positivas Bno sentido de se referirem a o!$etos positivosEquanto o prazer. 3las t%m uma su!sist%ncia positiva como o!$etos sensíveis que não éredutível " rela+ão de oposi+ão.

/egel está atento " maneira com que a oposi+ão real não modifica a no+ão dedetermina+ão fixa opositiva. ?esmo recon'ecendo a exist%ncia de uma solidariedade entre

contrários no processo de defini+ão do sentido dos opostos Bao afirmar que 7 “a morte é umnascimento negativo()9@, Lant recon'ece que o sentido da morte depende da determina+ãodo sentido do nascimentoE, a no+ão de oposi+ão nos impede de perguntar como a identidadedos o!$etos modifica-se quando o pensamento leva em conta rela+*es de oposi+ão. 3la nosimpede de colocar a questão7 “como os o!$etos são redefinidos, reconstituídos pelo fato dese inscreverem em rela+*esG Uuais transforma+*es a no+ão de o!$eto rece!e pelo fato deassim ser reconstituída pelo pensamentoG()9). omo nos diz e!run7 “Uue cada um dostermos s# possa ter sentido ao ligar-se ao seu oposto, isto o 3ntendimento concede, estasitua+ão é figurável. ?as que cada um adven'a o que significa o outro, aqui come+a o não-figurável()99. Haí porque7 “?esmo admitindo, contra os clássicos que o positivo pode sesuprimir e que o negativo possui de alguma maneira um valor de realidade, Lant $amaiscolocará em questão o axioma7 ^ realidade é algo, a nega+ão não é nada_. 3ssa proposi+ãoé até mesmo a !ase do escrito so!re as grande.as negati*as7 ela é a condi+ão necessáriasem a qual não se poderia discernir a oposi+ão l#gica da oposi+ão real( )9J.

 &este sentido, podemos dizer que /egel procurar desdo!rar todas as conseq5%ncias possíveis de um pensamento da rela+ão. 6ois a produ+ão da identidade através da media+ão pelo oposto, tal como vemos na oposi+ão real, é reflexão-no-outro. 4m recurso " alteridadeque aparece como constitutivo da determina+ão da identidade, $á que7 cada um é apenas namedida em que seu não-ser é, e ele é em uma rela+ão id%ntica()9P. F que promete umainterversão B<mschlagenE da identidade na posi+ão da diferen+a. nega+ão a!strata passano seu contrário, $á que ela deve recon'ecer a presen+a do excluído como limite queconfigura a identidade. omo nos dirá /enric', o primeiro passo deste movimento dialéticoconsiste em passar de algo que se distingue do outro enquanto seu limite para algo que éapenas limite)9Q. 2al passagem advém possível porque /egel su2mete a negação funcional-*eritati*a 0 noção de alteridade, seguindo aí uma tradi+ão que remonta ao >ofista, de6latão)9<7 ontrariamente " nega+ão funcional-veritativa `fundada na idéia de exclusãosimples\, a alteridade é uma rela+ão entre dois termos. 0az-se necessário ao menos doistermos para que possamos dizer que algo é outro)9O. 

2al su!missão da nega+ão " alteridade nos explica porque a figura maior da nega+ãoem /egel não é exatamente o nada ou a pri*ação, mas a contradição)9Y( ontradi+ão que

BL&2, $ssai pour introduire en philosophie le concept de grandeur n'gati*e, 6aris7 Vrin, )KKO, p. )<E)9@ L&2, idem, p. 9P)9) F&:43&3113, 3egel et la critique de la m'taphDsique, 6aris7Vrin, )KY) , p. Y@)99

 3=>4&, "a patience du concept, op.cit , p. 9K9)9J 3=>4&, Kant e o fim da metafísica, p. 9<<)9P /3:3, >cience de la logique, op.cit, pp. <@-<))9Q Ver /3&>R/, 3egel im Kontext, 0ranCfurt7 1urC'amp, )K<O, p. ))9)9< omo vemos na afirma+ão7 “Uuando enunciamos o não-ser, não enunciamos algo contrário ao ser, masapenas algo de outro( B62hF, >ofista, 9QO!E)9O /3&>R/, 3egel im +ontext, op.cit,  p. )JJ)9Y  &este sentido, Hu!arle notou claramente que o termo que teria valor de termo nulo está ausente dadoutrina 'egeliana do onceito BH4=>3 et HF,  "ogique et dialectique, 6aris7 arousse7, )KO9, pp.)JP-)PQE. Rsto acontece porque, em /egel, o termo negado nunca alcan+a o valor zero, $á que esta fun+ão do zero

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aparece quando tentamos pensar a identidade em uma gramática filos#fica que su!mete anega+ão " alteridade. &esta gramática, s# 'á identidade quando uma rela+ão reflexiva entredois termos pode ser compreendida como rela+ão simples e auto-referencial, ou se$a, s# 'áidentidade lá onde 'á reconhecimento reflexi*o da contradição(

 

Cur"o HeelAula ;

 &a aula de 'o$e, iniciaremos o segundo m#dulo do nosso curso, este dedicado " leitura dase+ão “onsci%ncia( com seus tr%s capítulos7 “ certeza sensível ou F isto e o visarB 4einenE, “ percep+ão ou coisa B )ing E e a ilusão( e “0or+a e 3ntendimento, fenmenoe mundo suprasensível(. 0aremos uma leitura mais detal'ada do primeiro capítulo. Fsoutros dois serão expostos em suas articula+*es gerais e em seus movimentos principais.  previsão é de que este m#dulo se$a composto de quatro aulas, talvez cinco. omo textos deapoio, lem!ro que 'avia sugerido7 “3ntre o nome e a frase(, de 6aulo rantes; “Hialética,index, refer%ncia(, de Dean-0ran+ois Motard e “/olismo e idealismo na 0enomenologia de/egel(, de >o!ert =random. Fs dois primeiros textos são, !asicamente, comentários do primeiro capítulo da 0enomenologia, este dedicado " certeza sensível. 1ua leitura é assimimediatamente recomendável. Dá o Iltimo texto diz respeito, so!retudo, a passagem daconsci%ncia " consci%ncia-de-si e deve ser lido, de prefer%ncia, quando tra!al'armos oterceiro capítulo, “0or+a e entendimento(. >elem!ro ainda que a leitura dos capítulos de“:%nese e 3strutura da 0enomenologia do 3spírito(, de Dean /Mppolite, dedicados " se+ão“onsci%ncia( é, neste estágio, extremamente Itil do ponto de vista didático.

ntes de iniciarmos a leitura do capítulo dedicado "quilo que /egel c'ama de“certeza sensível( devemos retomar a exposi+ão do plano geral da 0enomenologia, assimcomo compreender mel'or a fun+ão da se+ão consci%ncia. /á algumas aulas atrás, eu 'aviasugerido para voc% um plano operacional composto da seguinte forma7

será criticada por /egel como sendo um “nada a!strato( B a2stra+te NichtsE. &este sentido, o interesse'egeliano pelo cálculo infinitesimal estaria ligado " maneira com que /egel estrutura sua compreensão danega+ão como um impulso ao limite da determinidade. nega+ão 'egeliana nunca alcan+a o valor zero

 porque ela leva o nada ao limite do surgir B $ntstehenE e o ser ao limite do desaparecer BCergehenE Bcf./3:3, >cience de la logique I, op.cit , pp. OK-Y@E. &a verdade, ela é a exposi+ão deste movimento no qual oser está desaparecendo Bou em fading, se quiséssemos falar com acanE e onde o nada esta manifestando-seem uma determinidade. ?ovimento cu$a exposi+ão exige uma outra compreensão do que é um o!$eto Bparaalém da idéia do o!$eto como polo fixo de identidadeE. He onde segue tam!ém a importAncia dada por /egel" no+ão de grande.a e*anescente na compreensão da dinAmica da dialética do devir BerdenE. omo dirá

/egel7 (3stas grandezas foram determinadas como grandezas que são em seu desaparecer Bdie in ihremCersch27inden sind E, não antes de seu desaparecer, pois então elas seriam grandezas finitas 8 nem após seudesaparecer, pois então elas seriam nada B/3:3, >cience de la logique I,  p. OYE. 6ara uma análisedetal'ada do papel dos infinitesimais na #gica de /egel, ver 0412F, >ur le concept de capital: id'e dPunelogique dialectique, 6aris7 /armattan, )KK<, pp. 9J-9Q. 1o!re esta questão da impossi!ilidade da nega+ão'egeliana alcan+ar o valor zero, lem!remos ainda da maneira com que /egel determina o vazio B das "eereE7F vazio não é o imediato, indiferente para si em face do 4m, mas ele é o relacionar-se-a-outra-coisa deste4m ou seu limite( B/3:3, >cience de la logique I, Fp. cit., p. )JQE.em!remos tam!ém que acan, ao usara nega+ão so!retudo como falta, mas raramente como nada, afirmar que7 “ nega+ão, isto não é um zero,nunca, ling5isticamente, mas um não-um(. B&, 1 R, sessão de 9)@9<9E

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- onsci%ncia7 foco na análise da rela+ão cognitivo-instrumental da consci%ncia como o!$eto.

- onsci%ncia-de-si7 compreensão da rela+ão de recon'ecimento entre consci%nciascomo condi+ão prévia para o con'ecimento de o!$etos. 3sta rela+ão, que éfundamentalmente social, aparece inicialmente so! a forma do conflito e da

dessimetria. Z s# ao final da se+ão “3spírito( que poderemos falar em rela+*essimétricas de recon'ecimento.- >azão7 primeiro nível de síntese. s expectativas cognitivas da consci%ncia, assim

como suas aspira+*es de racionalidade nas esferas prático-finalista e $urídica, sãosustentadas por processos de categoriza+ão. &esta se+ão, tudo se passa como se/egel apresentasse a critica a concep+ão moderna de razão.

- 3spírito7 descri+ão do movimento de rememora+ão 'ist#rica dos processos deforma+ão das estruturas de orienta+ão do $ulgamento e da a+ão da consci%ncia. 2udose passa como se /egel apresentasse aqui um conceito alternativo de razão namodernidade.

- >eligião7 $ustifica+ão “teleol#gica( da orienta+ão 'ist#rica que anima o 3spírito emseu tra!al'o de rememora+ão.

 &otemos ainda que cada um destes estágios retoma posi+*es e figuras de estágios precedentes. Rsto demonstra que não se trata aqui de organizar a 0enomenologia a partir deuma série cronol#gica, mas de o processo de retomada da tematiza+ão das figuras daconsci%ncia a partir das mudan+as de perspectiva em rela+ão " compreensão do sa!er. Rstonos explica porque certas figuras retornam no interior do tra$eto fenomenol#gico, massempre de maneiras distintas.

3u 'avia ainda lem!rado a voc%s que o 1a!er !soluto não deve ser visto comomais um momento no movimento fenomenol#gico que visa a reconcilia+ão entre ser e pensar. F 1a!er !soluto não é um momento a mais, mas um movimento capaz deatualizar e internalizar aquilo que permanece como nega+ão das figuras anteriores do sa!er.3le é assim a presen+a simultAnea do o!$eto em suas mIltiplas figuras Bo!$eto daconsci%ncia, da consci%ncia-de-si, da razão, do 3spírito e da religiãoE.

Z neste contexto que devemos compreender o que está em $ogo na se+ão“onsci%ncia(. /egel parte da cren+a de que a consci%ncia sa!e certos conteIdosindependentemente de qualquer prática social particular como, por exemplo, secon'ec%ssemos naturalmente o!$etos sensoriais independentemente de qualquer pressuposto s#cio-cultural. 3le parte tam!ém da cren+a de que este tipo de sa!er serviria defundamento para todas as outras aspira+*es de con'ecimento. omo afirma 2errM 6inCard,a se+ão “onsci%ncia( é estruturada a partir da análise da cren+a de que7 “/á uma ess%nciametafísica !ásica do mundo que todo ser 'umano possuidor dos poderes da reflexãoracional poderia con'ecer independentemente de práticas sociais ou mesmo de situa+*es'ist#ricas das quais participa()9K.

6or outro lado, este sa!er da consci%ncia é interpretado fundamentalmente emtermos de su$eitos individuais que se confrontam a o!$etos independentes através darepresenta+ão. He fato, como veremos na aula de 'o$e, a se+ão “onsci%ncia( parte da'ip#tese de que este sa!er seria imediato, pura intui+ão da singularidade do o!$eto paraalém das estruturas reflexivas da representa+ão. /Mppolite c'ega mesma a dizer, a esterespeito, que7 “esta igualdade é a igualdade da certeza Bsu!$etivaE e da verdade Bo!$etivaE.

)9K 6R&L>H, /he socia2ilitD of reason, p. 9)

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2odo o desenvolvimento fenomenol#gico se deve a esta origem e tende a reconstruí-la, pois^no come+o tem seu pr#prio fim como sua meta_()J@. &o entanto, a consci%ncia terá logo aexperi%ncia de que este sa!er, que aparecia como puramente imediato, não-inferencial eintuitivo, é a!solutamente inferencial, mediado pelas estruturas de determina+*es derela+*es pr#prias ao sa!er. Rsto impulsionará a passagem da certeza sensível " percep+ão e

desta, por sua vez, ao entendimento. &estas passagens, es!o+a-se o deslocamento do que poderíamos c'amar de “centro gravitacional( da estrutura do sa!er. 3le deixa de pressuporseu fundamento na faculdade da sensi!ilidade e em opera+*es de intui+ão para passar, aofinal, pressupor tal fundamento na faculdade do entendimento.

?as sa!emos que /egel não quer apenas criticar do exterior tal pressuposto !ásicodo sa!er como confronta+ão cognitivo-instrumental entre su$eito e o!$etos do mundo. 3lequer mostrar como a tentativa de efetiva+ão desta figura do sa!er produz necessariamenteuma passagem em dire+ão a outra cena. Fu se$a, trata-se de encontrar uma perspectivacrítica que funcione “do interior(. o final da se+ão, veremos como /egel defenderá a idéiade que a tarefa epistemol#gica fundamental não consiste em procurar teorias so!re comoadequar nossas representa+*es a estados de coisas, mas em tentar compreender qual o processo através do qual vemos a maneira com que agimos e con'ecemos como legítima efundamentada. 3ste é o primeiro significado que podemos dar para a passagem da“onsci%ncia( " “onsci%ncia-de-si(.

Começar

O sa2er que, de início ou imediatamente ' nosso o2jeto, não pode ser nenhum outro senão o sa2er que ' tam2'm imediato: sa2er do imediato ou do ente( )e*emos proceder tam2'm de forma imediata e recepti*a, nada mudando assim na maneiracomo ele se oferece, e afastando de nosso apreender o conceituar BAB(

2al como vimos no início da Rntrodu+ão, a filosofia deve partir daquilo que aparece ao pensar como “representa+ão natural(. F sa!er que, de início, é nosso o!$eto s# pode ser osa!er que aparece de maneira imediata. &o entanto, se compararmos este primeiro parágrafo com o primeiro parágrafo da Rntrodu+ão, veremos uma mudan+a significativa defoco. &a Rntrodu+ão, o modo de sa!er que aparecia como representa+ão natural do pensarnão era outro que aquele assentado na gramática da finitude pr#pria ao entendimento, quenão recon'ece sa!er algum do imediato. &o entanto, e sa!er assentado na faculdade doentendimento s# será tematizado ao final da se+ão dedicada " “onsci%ncia(. 6odemosdizer que esta distin+ão é resultante da procura 'egeliana em expor as condi+*es quetransformaram o con'ecimento fundamentado nas opera+*es do entendimento emrepresenta+ão natural. 6ara tanto, o primeiro passo consiste em examinar a figura daconsci%ncia que procura afirmar a possi!ilidade da imediticidade entre pensar e ser.Hevemos assim proceder de forma imediata a fim de ver se é possível um sa!er que searticula através da pura receptividade que ignora todo tra!al'o prévio do conceito. 1a!erque apreende de maneira imediata seu o!$eto. omo dirá /eidegger7 “F sa!er imediato tem precisamente este tra+o em si, este modo de sa!er7 deixar o o!$eto completamente a simesmo. F o!$eto se sustenta em si como o que não tem necessidade alguma de ser  parauma consci&ncia, e é exatamente ao toma-lo como tal, como o que se dá em si que a)J@ /W66FR23, 6&nese e estrutura da Fenomenologia, p. K<)J) /3:3, Fenomenologia, par. K@

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consci%ncia o sa!e imediatamente()J9. Z a impossi!ilidade deste sa!er que deixa o o!$etocompletamente a si mesmo que nos levará " compreensão da necessidade do entendimentoe de sua gramática.

 &o entanto, a consci%ncia acredita que o conteIdo concreto deste sa!er é “umcon'ecimento de riqueza infinda, para o qual é impossível ac'ar limite(. 3ste sa!er é

apresentado como uma certeza sensível B sinnliche 6e7issheit E, ou se$a, certeza de que a presen+a do ser se dá através da receptividade da sensi!ilidade. 6resen+a integral do ser, $áque “do o!$eto nada ainda deixou de lado, mas o tem em toda a sua plenitude, diante desi(.6resen+a que, por se dar através de uma intui+ão imediata, não se completa através dodesdo!ramento do espa+o e do tempo ou da inspe+ão detal'ada de suas partes. o tematizaro que c'ama de certeza sensível, /egel procura assim dar conta de toda tentativa de pensara tarefa filos#fica como retorno " espontaneidade do ser, retorno " origem muda gra+as areceptividade plena de uma intui+ão não-dependente do tra!al'o do conceito. o contrário,/egel quer mostrar que7

 $ssa certe.a se re*ela expressamente como a *erdade mais a2strata e mais po2re( )o que ela sa2e, só exprime BsagtE isto: ele '( >ua *erdade cont'm apenas o ser da%oisaQ a consci&ncia, por seu lado, só est9 nessa certe.a como puro $u, ou seja, $u só estou ali como puro este, e o o2jeto, igualmente apenas como puro istoBAA(

 &otemos aqui tr%s opera+*es importantes. Rnicialmente, o que é da ordem do sa!ers# pode ter validade o!$etiva se for expresso. Fu se$a, as possi!ilidades postas pelaexpressão aparecem como medida para a o!$etividade do sa!er. /egel é claro neste ponto7aquilo que não pode ser apresentado no campo da linguagem não tem realidade o!$etiva.quilo que é expresso de maneira po!re é necessariamente tam!ém po!re em conteIdo. Fsa!er nada tem a fazer com o que se p*e como inefável a não ser v%-lo como o que seapresenta de forma imperfeita. Haí porque /egel insiste na importAncia da opera+ão de prB set.enE o que é pressuposto, ou se$a, de expressar o que se alo$a na pura inten+ão. Haí porque /egel insiste que toda teoria da linguagem é uma teoria da enuncia+ão, de onde sesegue que as condi+*es de verdade s# poderão ser !em compreendidas como condi+*es deenuncia+ão. Z claro que isto não nos economiza a necessidade de pro!lematizarmos osmodos possíveis de estrutura+ão do campo da linguagem. o contrário, como vimos desdeo início, /egel está disposto a questionar as !ases naturais da gramática que serve desintaxe ao pensar. ?as este questionamento é feito exatamente porque é questão desustentar o primado do que pode ser expresso.

6or outro lado, o sa!er imediato do ser da oisa, que aparentemente seria o sa!ermais rico e completo é, na verdade, o sa!er mais po!re, $á que afirma da oisa apenas suaexist%ncia7 a oisa é, este ser é o que se apresenta diante de mim em uma pura intui+ão.?as este apresentar é sem determinidade, é o puro apresentar-se que s# se determina comoum “isto( sem qualifica+ão. 3is aí um dos motivos mais recorrentes do pensamento'egeliano7 o puro ser não é marca de plenitude, mas completa indetermina+ão eesvaziamento. 6ara /egel, toda filosofia que proclama o primado do ser so!re o pensarBcomo será mais a frente a filosofia 'eideggerianaE s# pode nos colocar diante da 'ip#stasedo totalmente indeterminado. 6ois, se do ser não posso dizer nada, a não ser que ele é,então7 “o puro ser e o puro nada são a mesma coisa(, $á que o nada, ao ser intuído, está no)J9 /3RH3::3>, 8 fenomenologia do espírito de 3egel, p. K9)JJ /3:3, Fenomenologia, par. K)

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nosso pensar, no sentido de que ele é uma intui+ão vazia de o!$eto B ens imaginariumE ou,ainda, a forma pura da intui+ão.

 &este sentido, a  Fenomenologia do $spírito e a %i&ncia da lógica se encontram nosseus respectivos pontos de partida. 1e a  Fenomenologia inicia seu tra$eto através datematiza+ão do sa!er imediato do puro ser, a  "ógica tam!ém parte do puro ser a fim de

mostrar como ele equivale ao nada indeterminado Be não ao nada determinado que vimos naRntrodu+ãoE. em!remos do que /egel fala a respeito do ser, na i%ncia da #gica7 “1er, puro ser7 sem nen'uma determina+ão outra. &a sua imediatez indeterminada, ele s# igual asi mesmo e não é desigual em rela+ão a outra coisa; ele não tem diversidade alguma nointerior de si B...E Uualquer determina+ão ou conteIdo que seriam postos nele comodiferentes, ou através do qual ele seria posto como diferente de um outro não l'e permitiriamanter-se em sua pureza. 3le é indeterminidade e vacuidade puras. &ão 'á nada a intuirnele B...E ou ele é apenas este pr#prio intuir, puro e vazio B...E F ser, o imediatoindeterminado é, na verdade, nada, não mais nem menos que nada()JP. Z neste sentido quedevemos compreender afirma+*es no nosso texto da Fenomenologia como7 “a oisa nãotem a significa+ão de uma multidão de diversas propriedades( ou “ oisa é, para o sa!ersensível isto é o essencial; esse puro ser, ou essa imediatez simples, constitui sua verdade(.

Z claro que /egel terá que mostrar como a consci%ncia terá a experi%ncia de que o puro ser e o puro nada são o mesmo. 6ois de nada adianta colocar tal aproxima+ão comoaxioma. 6ara a consci%ncia, ao contrário, como $á vimos, o puro ser aparece como o“con'ecimento mais rico(.

?as antes de passarmos a este ponto, lem!remos ainda de outra opera+ãofundamental na certeza sensível, a sa!er, “a consci%ncia s# está nesta certeza como puro3u(. 2oda figura do o!$eto pressup*e uma figura determinada do su$eito enquanto su$eitodo con'ecimento. ssim, a consci%ncia que tem diante de si o puro ser enquanto seu o!$etos# pode se pr como um 3u “indeterminado(, um 3u a respeito do qual nada podemos dizerde determinado, indexador de um lugar vazio.

Ve$amos pois como a consci%ncia faz a experi%ncia da vacuidade das determina+*esda sua intui+ão imediata.

 &o parágrafo K9, /egel lem!ra que a consci%ncia acredita ter muito mais do que o puro ser que constitui a ess%ncia da sua certeza sensível7 “4ma certeza sensível efetivaB7ir+liche sinnliche 6e7issheit E não é apenas essa pura imediatez, mas é um exemploB =eispielQ 2ei-spiel  o que está pertoao lado da cenado $ogoE da mesma( )JQ. Fu se$a, aconsci%ncia acreditar ter uma coloca+ão em cena desta imediatez, o que demonstraria quenão estávamos diante de um puramente indeterminado. 3sta coloca+ão em cena é operadaatravés da capacidade que teria a consci%ncia de indicar o ser através de d%iticos como“isto(, “este(. través deles, a consci%ncia quer indicar, de maneira ostensiva, asignifica+ão do ser que l'e aparece " intui+ão. Haí porque /egel pode dizer que, para alémde diferen+as inumeráveis e inessenciais, a consci%ncia teria a sua disposi+ão esta que é adiferen+a capital B 3aupt*erschiedenheit E: “ a sa!er, que para fora desta certeza `sensível\ressaltam logo para fora do puro ser os dois estes $á mencionados7 um este como 3u, e umeste como o!$eto()J<. F “isto( e o “este( aparecem como diferen+a capital porque eles produziriam a determina+ão diferenciadora da singularidade do ser. &ão estamos maisexatamente diante do puro ser. omo veremos, colocar em cena a imediatez é

)JP /3:3, issenschaft der "ogi+ I, p. Y9)JQ /3:3, Fenomenologia, par. K))J< /3:3, Fenomenologia, par. K9

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necessariamente diferenciar, colocar o ser em rela+ão e romper o a!soluto. /eideggercompreenderá !em esta procura da consci%ncia em colocar em cena a imediatez ao afirmarque “a certeza sensível é a cada vez em si e enquanto efetiva um exemplo( )JO. &a medidaem que ela sempre visa “isto(, sua visada é sempre exemplificadora.

3ste processo de indicar o ser visado BmeinenE, ou se$a, a capacidade de expressar

aquilo que aparece " inten+ão da consci%ncia de maneira imediata será o motor domovimento dialético da consci%ncia sensível. 6ara n#s, dirá /egel, esta expressão do serindicado vai se mostrar não como expressão do imediato, mas como pura media+ão, ouse$a, como uma opera+ão inferencial. 3u determinarei a oisa a partir da estrutura deapreensão do 3u e determinarei o 3u a partir do modo com que a oisa aparece ao pensar.

?as estas coloca+*es são extemporAneas ao ritmo da experi%ncia fenomenol#gica. diferencia+ão da ess%ncia através do exemplo, da designa+ão ostensiva, deve o!edecer omovimento da experi%ncia da consci%ncia. 6ara esta, a ess%ncia é uma determina+ão doso!$etos Be não uma produ+ão do pensarE. ?esmo que a certeza sensível postule uma rela+ãode iman%ncia entre o intuir e o ser, ela admite que o o!$eto traz a medida do sa!er. 3le é overdadeiro e a ess%ncia, tanto faz que se$a con'ecido ou não. verdade é revela+ão doo!$eto através da intui+ão imediata. Rntui+ão que poderia mostrar aquilo que intui, mesmoque ela não possa conceitualizar de maneira completa o intuído. Haí porque /egel afirmará7

F o!$eto portanto deve ser examinado `devemos medir o o!$eto ao seu conceito\, aver se é de fato, na certeza sensível mesma, aquela ess%ncia que ela l'e atri!ui; e seesse seu conceito 8 de ser uma ess%ncia 8 corresponde Bentspricht E ao modo comose encontra na certeza sensível)JY.

 &ovamente, /egel retoma o voca!ulário da correspond%ncia para sa!er se oconceito do o!$eto corresponde ao modo como ele aparece no interior da experi%ncia dacerteza sensível. 2emos pois que nos atentar "s coordenadas desta experi%ncia, $á quesa!emos que o conceito do o!$eto é ser pura imediatez que pode ser mostrada no campo daexpressão. 6or isto a perguntar a ser feita " consci%ncia sensível é7 qual a natureza do que seoferece ao mostrarG Uue é o istoG

De"!nar

partir do parágrafo KQ, come+a de fato a descri+ão da experi%ncia da consci%nciasensível. 3 vemos que ela é fundamentalmente a exposi+ão de um pro!lema ling5ísticoligado " natureza do que podemos c'amar de “designa+ão ostensiva(. 'amamos de“designa+ão ostensiva( esta tentativa de fundar a significa+ão de um termo através daindica+ão de um caso que cairia so! a extensão do uso do referido termo. Fu se$a, trata-sede tentar definir a significa+ão através da indica+ão da refer%ncia, ou ainda, da designa+ãoostensiva da refer%ncia. He uma certa forma, todo capitulo so!re a certeza sensível é umalonga reflexão so!re a impossi!ilidade de designa+*es ostensiva e a conseq5%ncia disto para a compreensão da maneira com que o conceito pode reconciliar-se com a oisa. &otemos, por outro lado, este dado fundamental7 não é por acaso que a dialética come+anecessariamente através de uma reflexão so!re a rela+ão entre as palavras e as coisas.2rata-se de mostrar como a dialética é dependente de um questionamento a respeito dos)JO /3RH3::3>, 8 Fenomenologia do $spírito de 3egel, p. )@Q)JY /3:3, Fenomenologia, par. KP

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modos de funcionamento da linguagem em suas expectati*as referenciais, ela nasce atravésdeste questionamento e da maneira com que tal pro!lematiza+ão das expectativasreferenciais da linguagem nos o!riga a rever conceitos ontol#gicos centrais como ser, nadae ess%ncia( Veremos como este pro!lema da compreensão das expectativas refereciaonaisda linguagem nos levará a compreender que7 “  Fenomenologia do $spírito inicia a pertir

do recon'ecimento de uma exterioridade irredutível do sensível ao dizível(

)JK

.Ve$amos pois como tal pro!lematiza+ão é inicialmente apresentada. 1a!emos que aconsci%ncia cr% ter a intui+ão imediata do ser. 3la cr% tam!ém poder mostrar tal intui+ãoatravés de uma designa+ão. Haí porque /egel afirma7 devemos perguntar " consci%ncia “oque é o isto Bas ist das )iesesEG(7

1e o tomarmos na dupla forma B6estalt E de seu ser, como o agora e como o aqui, adialética que tem nele vai tomar uma forma tão inteligível quanto o ser mesmo. ] pergunta7 o que é o agoraG respondemos com um exemplo B =eispiel E7 o agora é anoite. 6ara tirar a prova da verdade dessa certeza sensível !asta uma experi%nciasimples. notamos por escrito essa verdade; uma verdade nada perde por seranotada, nem tampouco porque a guardamos. Ve$amos de novo, agora, neste meio-dia, a verdade anotada7 devemos dizer, então, que se tornou vazia. F agora que énoite foi conversado Bauf2e7ahrt E, isto é, foi tratado tal como se ofereceu, como umente; mas se mostra, antes, como um não-ente. F pr#prio agora, !em que semantém, mas como um agora que não é noite. 2am!ém em rela+ão ao dia que éagora, ele se mantém como um agora que não é dia, ou se$a, mantém-se como umnegativo em geral B...E &#s denominamos um universal um tal 1imples que é pormeio da nega+ão; nem isto nem aquilo 8 um não-isto 8 e indiferente tam!ém a seristo ou aquilo. F universal, portanto, é de fato, o verdadeiro da certeza sensível )P@.

F que esta passagem quer dizerG 6rimeiro, notemos como /egel introduz o pro!lema dadesigna+ão a partir da dupla forma da intui+ão, ou se$a, o espa+o BaquiE e o tempo BagoraE.2rata-se assim de, primeiramente, compreender o que acontece a uma oisa quando aintuímos no espa+o e no tempo. 6ara tanto, precisamos primeiro responder7 como se dá aintui+ão da experi%ncia no interior do tempo e do espa+o. /egel nos fornece o exemplo daintui+ão dos momentos no tempo, é ela que l'e serve de paradigma Binvertendo aqui o procedimento Cantiano de come+ar a tematiza+ão da estrutura da intui+ão através doespa+o, isto a fim de compreender o tempo a partir da $ustaposi+ão de pontos no espa+o 8tempo como uma lin'aE. Rntuir algo no tempo é ter a experi%ncia de que 'á algo diante demim agora. &o entanto, o agora não é modo de presen+a do singular. He uma certa forma,o agora é o nome que indica a nega+ão de todos os instantes. 6osso tentar designar esteinstante afirmando7 “3ste instante é o agora(, no entanto, o agora deixa de ser enquanto eraindicado, ele passa diretamente para a refer%ncia de outro instante. 3le não é a designa+ãodo outro-instante, mas apenas a passagem incessante no outro. Z isto que /egel tem emmente ao afirmar que agora é, na verdade, a forma do “negativo em geral(; figura donegativo que deve ser compreendida como a manifesta+ão do que não pode ser nem istonem aquilo, mas “não-isto Bnicht diesesE(.

ssim, lá onde a consci%ncia sensível acreditava designar a particularidadeirredutível do instante, deste instante do qual s# podemos dizer que ele é o agora, ela)JK WF2>H, )ialectique, index, forme, p. J<)P@ /3:3, Fenomenologia, pars. KQ-K<

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estava, na verdade, tendo a experi%ncia do descompasso incessante entre o agora e oinstante. 3xperi%ncia da impossi!ilidade de designar a particularidade do instante. Haí porque /egel pode afirmar que a consci%ncia, ao tentar enunciar a particularidade, apenastin'a a experi%ncia de estar enunciando a universalidade que se a!strai de todo particular.o tentar designar o sensível, a consci%ncia apenas fez a experi%ncia de s# poder enunciar o

 puramente a!strato. X isto que podemos entender como exterioridade irredutível do sensívelao dizível que aparece como motor da dialética. Haí porque /egel deve completar7

3nunciamos tam!ém o sensível como um universal. F que dizemos é7 isto, querdizer, o isto universal; ou então7 ele é, ou se$a, o ser em geral. om isto, não nosrepresentamos, de certo, o isto universal, ou o ser em geral `pois não ten'o aextensão de todos os o!$etos que caem so! o isto ou so! o ser\, mas enunciamos ouniversal; ou, por outra, não falamos pura e simplesmente tal como n#s os visamosna certeza sensível `a consci%ncia tem assim a experi%ncia do descompassonecessário entre intencionalidade e expressão\. ?as, como vemos, o maisverdadeiro é a linguagem7 nela refutamos imediatamente nosso visar, e porque ouniversal é o verdadeiro da certeza sensível, e a linguagem s# exprime esseverdadeiro, está pois totalmente excluído que possamos dizer o ser sensível quevisamos `assim como está excluído que possamos fundar a significa+ão em umadesigna+ão ostensiva\)P).

6or um lado, /egel não faz outra coisa que aproveitar aqui a característica ded%itico Bou de shifter E de termos como “agora(, “isto(, “eu(. 2ais termos t%m um modo particular de funcionamento porque são o que 'o$e c'amaríamos de  shifters, ou se$a, umaunidade gramatical que não pode ser definida fora da refer%ncia a uma mensagem e, porconseq5%ncia, ao ato de enuncia+ão. 1ua natureza é dupla. He um lado, ele funciona comosím!olo devido a sua rela+ão convencional " refer%ncia. 6or outro lado, ele funciona comoindex devido a sua rela+ão existencial " refer%ncia particularizada pelo contexto.

3ste uso de shifter não deveria nos colocar maiores pro!lemas. 3le deveria apenasnos mostrar como precisamos estruturar contextos para compreender o sentido dedesigna+*es ostensivas. ?as /egel tira daí uma série de conseq5%ncias importantes.6rimeiro, a necessidade atualizar o contexto de enuncia+ão apenas mostra como devemos pressupor estruturas de rela+*es antes de qualquer tentativa de designa+ão. 1e digo que paraentender “F que é o istoG(, preciso atualizar contextos, então isto significa que precisomostrar como o “isto( está “em rela+ão a ...(, preciso sa!er diferenciar e compararsitua+*es, ou se$a, preciso ter diante de mim todo o sistema de organiza+ão sim!#lica queestrutura a linguagem, 'egamos assim " idéia paradoxal de que preciso operar mediaçescomplexas para dar conta do que aspira a aparecer como pura imediate.. omo dirá 6aulorantes7 “ o d%itico ^agora_ não remete " “realidade(, nem a posi+*es o!$etivas no tempo,mas " enuncia+ão, cada vez Inica, que o contém e assim reflete seu pr#prio emprego, ouse$a, remete " mensagem, é enfim auto-referencial ou, na língua 'egeliana, mostra-se como^simplicidade mediatizada_()P9. 6ara /egel, isto significa que está totalmente excluído que possamos dizer o ser sensível que visamos. He fato, /egel ap#ia-se em uma propriedade dotermo “agora(, isto enquanto a consci%ncia sensível acreditava referir-se simplesmente "oisa.)P) /3:3, Fenomeonologia, par. KO)P9 >&231, $ntre o nome e a frase, p. JYK

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?as notemos um ponto fundamental que aparece de maneira mais clara no parágrafo KY. 3le diz respeito ao destino da refer%ncia. o afirmar que está excluído que possamos dizer o ser sensível, parece que /egel nos leva a afirmar que a linguagem não pode dar conta de maneira satisfat#ria do pro!lema da refer%ncia. o tentar dizer estarefer%ncia singular, a consci%ncia tem a experi%ncia de que a linguagem apenas enuncia o

universal. 6oderíamos deduzir daí que 'á uma ar!itrariedade fundamental da linguagemque nos impede de esta!elecermos rela+*es com a oisa, ou ainda, que a verdade da oisaestá no 3u, no sentido de que ela é apenas o que se determina no interior das formas deintui+ão espa+o-temporais do 3u. 3 é a este ponto que parecemos c'egar, tanto que /egelafirma que, devido " enuncia+ão da certeza sensível, a rela+ão entre sa!er e o!$eto seinverteu Bumge+ehrt E. F o!$eto não parece mais ser o essencial, $á que ele não acede " palavra, mas sua verdade parece estar na condi+ão de ser “meu o!$eto, ou se$a, `sua verdadeestá\ no visar7 o o!$eto é porque 3u sei dele( )PJ.   3sta inversão é apenas o resultadofenomenol#gico da no+ão 'egeliana de nega+ão como passagem no oposto. &o entanto,esta passagem no oposto não representa uma supera+ão da posi+ão da consci%ncia sensível.omo veremos, a consci%ncia acredita agora que a significa+ão pode ser derivada daindividualidade da intencionalidade7 “o agora é dia porque 3u o ve$o, o aqui é uma árvore pelo mesmo motivo()PP.

 &o entanto, /egel 'avia apresentado um outro modo muito particular de presen+ada refer%ncia. 3la está enunciada da seguinte maneira7

F mesmo acontece com

Um Eu un!+er"al 

Cur"o HeelAula <

 &a aula passada, iniciamos a leitura da se+ão “onsci%ncia( através do capítulo dedicado "certeza sensível. Vimos como era questão de partir daquilo que aparece ao pensar como“representa+ão natural(. 3sta representa+ão natural dizia respeito " cren+a na presen+aintegral do ser através da pura intui+ão sensível. F sa!er que, de início, é nosso o!$eto s# pode ser o sa!er que p*e a iman%ncia originária entre pensar e ser. 3ste sa!er é apresentadocomo uma certeza sensível B sinnliche 6e7issheit E, ou se$a, certeza de que a presen+a do serse dá através da receptividade da sensi!ilidade. 6resen+a integral do ser, $á que “do o!$etonada ainda deixou de lado, mas o tem em toda a sua plenitude, diante de si(.

Vimos como /egel procurava mostrar como este sa!er do puro ser da oisa, queaparentemente seria o sa!er mais rico e completo era, na verdade, o sa!er mais po!re, $áque s# pode afirmar da oisa sua exist%ncia7 a oisa é, este ser é o que se apresenta diantede mim em uma pura intui+ão. ?as este apresentar é sem determinidade, é o puroapresentar-se que s# se determina como um “isto( sem qualifica+ão. Vimos como este eraum dos motivos mais recorrentes do pensamento 'egeliano7 o puro ser não é marca de)PJ /3:3, Fenomenologia, par. )@@)PP /3:3, Fenomenologia, par. )@)

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 plenitude, mas completa indetermina+ão e esvaziamento. 6ara /egel, toda filosofia que proclama o primado do ser so!re o pensar Bcomo será mais a frente a filosofia'eideggerianaE s# poderá nos colocar diante da 'ip#stase do totalmente indeterminado.6ois, se do ser não posso dizer nada, a não ser que ele é, então7 “o puro ser e o puro nadasão a mesma coisa(, $á que o nada, ao ser intuído, está no nosso pensar, no sentido de que

ele é uma intui+ão vazia de o!$eto Bens imaginariumE ou, ainda, a forma pura da intui+ão. experi%ncia da certeza sensível é exatamente esta experi%ncia de desvelamento do ser da pura intui+ão sensível como puro nada.

3sta experi%ncia, tal como /egel a apresentava, era uma experijenciaeminentemente ling5ística. fim de passar da certeza Bsu!$etivaE " verdade Bo!$etivaE, aconsci%ncia deveria ser capaz de expressar sua certeza sensível no campo da linguagem pI!lica. /egel é claro neste ponto7 aquilo que não pode ser apresentado no campo dalinguagem não tem realidade o!$etiva. quilo que é expresso de maneira po!re énecessariamente tam!ém po!re em conteIdo. F sa!er nada tem a fazer com o que se p*ecomo inefável a não ser v%-lo como o que se apresenta de forma imperfeita. Haí porque/egel insiste na importAncia da opera+ão de pr B set.enE o que é pressuposto, ou se$a, deexpressar o que se alo$a na pura inten+ão. Haí porque /egel insiste na opera+ão deexplicitar o que é implicitamente vivenciado pela consci%ncia como certeza.

3sta expressão é apresentada a partir das opera+*es aparentemente mais elementaresda linguagem7 estas vinculadas " designa+ão Bque aparece no nosso texto como o ato devisar 8 4einen  8 ou simplesmente ato de indicar 8  .eigen, an.eigenE. 3ste processo deindicar o ser visado BmeinenE, ou se$a, a capacidade de expressar aquilo que aparece "inten+ão da consci%ncia de maneira imediata será o motor do movimento dialético daconsci%ncia sensível. 6ara n#s, dirá /egel, esta expressão do ser indicado vai se mostrarnão como expressão do imediato, mas como pura media+ão, ou se$a, como uma opera+ãoinferencial. 3u determinarei a oisa a partir da estrutura de apreensão do 3u e determinareio 3u a partir do modo com que a oisa aparece ao pensar.

 &este sentido, insisti com voc%s que nosso capitulo dizia respeito a um pro!lemaling5ístico ligado " natureza do que podemos c'amar de “designa+ão ostensiva(.'amamos de “designa+ão ostensiva( esta tentativa de fundar a significa+ão de um termoatravés da indica+ão de um caso que cairia so! a extensão do uso do referido termo. Fuse$a, trata-se de tentar definir a significa+ão através da indica+ão da refer%ncia, ou ainda, dadesigna+ão ostensiva da refer%ncia. He uma certa forma, todo capitulo so!re a certezasensível é uma longa reflexão so!re a impossi!ilidade de designa+*es ostensiva e aconseq5%ncia disto para a compreensão da maneira com que o conceito pode reconciliar-secom a oisa. Rnsisti, por outro lado, neste dado fundamental7 não é por acaso que a dialéticacome+a necessariamente através de uma reflexão so!re a rela+ão entre as palavras e ascoisas. 2rata-se de mostrar como a dialética é dependente de um questionamento a respeitodos modos de funcionamento da linguagem em suas expectati*as referenciais , ela nasceatravés deste questionamento e da maneira com que tal pro!lematiza+ão das expectativasreferenciais da linguagem nos o!riga a rever conceitos ontol#gicos centrais como ser, nadae ess%ncia(

6ara /egel, questionar a imediaticidade da designa+ão ostensiva exige, incilamente ,a compreensão do que está em $ogo na pura intui+ão sensível. Rntuir, lem!ra /egel, é intuiro!$etos no espa+o e no tempo Bas duas formas da intui+ãoE. /egel parte do exemplo daintui+ão dos momentos no tempo, é ela que l'e serve de paradigma Binvertendo aqui o procedimento Cantiano de come+ar a tematiza+ão da estrutura da intui+ão através do

O)

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espa+o, isto a fim de compreender o tempo a partir da $ustaposi+ão de pontos no espa+o 8tempo como uma lin'aE. Rntuir algo no tempo é ter a experi%ncia de que 'á algo diante demim agora. &o entanto, o agora não é modo de presen+a do singular. He uma certa forma,o agora é o nome que indica a nega+ão de todos os instantes. 6osso tentar designar esteinstante afirmando7 “3ste instante é o agora(, no entanto, o agora deixa de ser enquanto era

indicado, ele passa diretamente para a refer%ncia de outro instante. 3le não é a designa+ãodo outro-instante, mas apenas a passagem incessante no outro. Z isto que /egel tem emmente ao afirmar que agora é, na verdade, a forma do “negativo em geral(; figura donegativo que deve ser compreendida como a manifesta+ão do que não pode ser nem istonem aquilo, mas “não-isto Bnicht diesesE(. 6or isto, podemos dizer que o agora é a forma dodesvanecimento de todo instante. Rntuir o!$etos no tempo é assim ter a experi%ncia do ques# é não sendo Bsegundo a proposi+ão 'egeliana7 “o tempo é aquilo que, não sendo, é(E.

ssim, lá onde a consci%ncia sensível acreditava designar a particularidadeirredutível do instante, deste instante do qual s# podemos dizer que ele é o agora, elaestava, na verdade, tendo a experi%ncia do descompasso incessante entre o agora e oinstante, descompasso entre a significação e a designação. 3xperi%ncia da impossi!ilidadede designar a particularidade do instante. Haí porque /egel pode afirmar que a consci%ncia,ao tentar enunciar a particularidade, apenas tin'a a experi%ncia de estar enunciando auniversalidade que se a!strai de todo particular. o tentar designar o sensível, a consci%nciaapenas fez a experi%ncia de s# poder enunciar o puramente a!strato. 6odemos ver, nestaexperi%ncia, a exterioridade irredutível do sensível ao dizível enquanto aparece como motorda dialética.

3ncontramos a mesma dinAmica no que diz respeito ao modo 'egeliano de estruturaintui+*es no espa+o. Rntuir algo no espa+o é ter a experi%ncia de que algo está diante demim aqui( Ha mesma forma como o agora, o isto não pode expressar o ser sensível que se p*e como pura imediatez.  Isto será mostrado apenas como um significante vazio que quecoloca através da a!stra+ão de todo ente determinado, todo o!$eto referente7 “F aqui(, dirá/egel, “é algo que permanece B2lei2end E no desvanecer da casa, da árvore e indiferentequanto a ser casa ou árvore(. 3le é a marca de que o ser designado aparece so! a forma doseu desvanecimento.

3u 'avia finalizado a aula passada afirmando que não se tratava aí simplesmente dedizer que a linguagem nega o referente através de uma nega+ão simples. 4m pouco comoacreditava Lo$Nve ao afirmar que “a palavra é o assassinato da oisa(, $á que a oisa estáno aqui e no agora, enquanto a palavra transforma este aqui e este agora em universais queanulam toda singularidade. 2rata-se, na verdade, de dizer que a linguagem apresenta arefer%ncia como aquilo que desvanece ou se$a, como aquilo que está desaparecendo ao passar no seu oposto. 3ste desaparecimento é modo de presen+a. F sensível é, na verdade,o que desvanece diante do conceito, não no sentido de ser aquilo que p conceito expulsa,mas de ser o que o conceito apresenta em desvanecimento.

Veremos se esta perspectiva de análise pode nos guiar na compreensão do resto donosso capitulo.

In+er"=e" e e"trutura"

/avíamos terminado a Iltima aula no comentário do parágrafo )@). consci%ncia,ao ter a experi%ncia da impossi!ilidade de convergir significa+ão e designa+ão, procura umoutro solo para assentar a no+ão de que o sa!er é garantido em uma rela+ão de iman%ncia

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com a ess%ncia. Hesta forma, se a significa+ão não pode mais ser fundamentada nadesigna+ão, ela será fundamentada na intencionalidade7 será o 3u e sua forma de apreensãoque aparecerá como o essencial. &o entanto, esta cren+a será logo descartada, $á que não é aintencionalidade que funda significa+*es partil'adas. significa+ão não é um estadomental vinculado " transpar%ncia da intencionalidade. 6ara demonstrar isto, /egel

contrap*e duas intencionalidades opostas na determina+ão do mesmo termo7 “3u, este, ve$oa árvore e afirmo a árvore como tal, mas um outro 3u v% a casa e afirma7 o aqui não é umaárvore, mas uma casa. s duas verdades t%m a mesma credi!ilidade, isto é, a imediatez dover B...E uma porém desvanece na outra()PQ./egel utilizará tal descri+ão para mostrar comoo su$eito em questão nas opera+*es cognitivas não é o su$eito psicol#gico assentado na particularidade das estruturas sensoriais, mas um 3u “a!strato(, su$eito do con'ecimento.Fu se$a, lá onde a consci%ncia $ulgava tratar do 3u particular, ela estava diante do su$eitocomo condi+ão geral de todo ato de representar. 2al posi+ão de duplo impasse permite a/egel afirmar7

certeza sensível experimenta, assim, que sua ess%ncia nem está no o!$eto nem no3u e que a imediatez nem é imediatez de um nem de outro, pois o que viso emam!os é, antes, um inessencial. Fra, o o!$eto e o 3u são universais7 neles o agora, oaqui e o 3u que viso não se sustém `não permanecem 8 2lei2t \, ou não são)P<.

6osto como resultado a impossi!ilidade da consci%ncia e pr a imediaticidade daessencialidade do sa!er no o!$eto ou no 3u, resta ainda “voltar ao ponto de partida, querdizer, pr a rela+ão imediata entre o sa!er e seu o!$eto, sem pretender distinguir neles otermo inessencial e o essencial()PO. Haí porque a consci%ncia tentara pr como ess%ncia da pr#pria certeza sensível a sua totalidade, sem procurar distinguir seus momentos. 3sta posi+ão, que leva a consci%ncia ao mutismo de uma posi+ão que, para assegurar sua certeza,é su!mersão no sil%ncio de quem não compara, não diferencia, mas apenas encerra-se emuma certeza que não pode ser partil'ada.

/egel então diz novamente que tal posi+ão será desmentida a partir do momento emque for questão da consci%ncia interagir socialmente. X como se /egel dissesse7 “1e essacerteza sensível não quer dar mais um passo em nossa dire+ão, se ela quer aferrar-se nomutismo, então vamos esperar que ela entre em intera+ão social, pois então ela deverá aomenos indicar, para uma outra consci%ncia, aquilo so!re a qual está certa(. 3 ao entrar emintera+ão, a consci%ncia fará o contrário do que visa7 o que demonstra como, para /egel, asignifica+ão é um fato vinculado " dimensão da práxis, um pouco no sentido !e'avioristade “disposi+ão de comportamento( Bestou agindo de uma forma que é legível sem apelonecessário a estados mentais 8 no entanto, no caso 'egeliano, o correto seria7 estou agindode uma forma que demonstra como min'a intencionalidade inverte-se ao ser realizadaE.

3sta indica+ão B =e.eichnenE, n#s $á vimos, é a opera+ão mínima da pragmática dalinguagem e diz respeito a tentativa imediata de dar conta das aspira+*es referenciais dalinguagem. Rndicar a certeza sensível para uma outra consci%ncia significa fazer com queesta penetre “ no mesmo ponto do tempo ou do espa+o, indicá-lo B .eigenE a n#s(. ?as, comisto, retornaremos invariavelmente aos impasses da intui+ão do imediato no espa+o e notempo. 3 é a respeito deste impasse que /egel escreve nos parágrafos seguintes7

)PQ /3:3, Fenomenologia, par. )@))P< /3:3, Fenomenologia, par. )@J)PO /W66FR23, 6&nese e estrutura da Fenomenologia do $spírito,  p. ))9

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F agora é indicado7 este agora. gora7 $á deixou de ser enquanto era indicado. Fagora que é, é um outro que o indicado e vemos que o agora é precisamente isto7enquanto é, $á não ser mais. B...E Vemos, pois, nesse indicar s# um movimento e seucurso, que é o seguinte7 )E indico o agora, que é afirmado como o verdadeiro; mas o

indico como o que-$á-foi  ̀ge7esenes 8 particípio passado de sein 8 o indico como o passado\, ou como um superado. 1upero a primeira verdade, 9E agora afirmo comosegunda verdade que ele foi, que está superado, JE mas o-que-foi não é. 1upero oser-que-foi ou o ser-superado 8 a segunda verdade, nego com isso a nega+ão doagora e retorno " primeira afirma+ão de que o agora é )PY.

Fu se$a, vemos novamente a reflexão so!re o descompasso entre designa+ão e significa+ão.o tentar intuir momentos no tempo através do agora perce!o que nunca consigo adequaro agora " designa+ão do instante. Uuando era indicado, o instante deixou de ser e esteinstante designado é outro em rela+ão "quele que inicialmente foi visado. Haí porque /egelafirma claramente7 o agora é esta contradi+ão que indica um ser que nunca é, que nunca seapresenta positivamente no intuir. 3s!o+a-se assim uma dialética na determina+ão doso!$etos no tempo. 6rocuro inicialmente designar o que viso, ou se$a, procuro intuí-lo notempo e no espa+o. ?as a experi%ncia que ten'o é do desvanecimento da refer%ncia visada7s# consigo indicá-la como o que passou, como o que não se deixa su!meter " forma damin'a intui+ão. primeira tentativa de indicar a refer%ncia foi negada. 6osso apenasafirmar7 a refer%ncia é o que foi negada pela forma da intui+ão. ?as se posso superar estanega+ão e retornar " designa+ão do instante, é porque esta passagem de um instante a outroque foi o!$eto da experi%ncia na designa+ão do agora $á é a pr#pria verdade do agora. Fagora não é o que indica um instante, mas o que indica como cada instante é a passagemnecessária no outro, “p*e-se este mas sempre é um outro que é posto(. F agora é apenas aformaliza+ão desta passagem, ele é a figura de uma rela+ão entre mIltiplos instantes a partirda nega+ão determinada, e não a indexa+ão de um instante isolado. Haí porque /egel poderá afirmar que a verdade do agora é ser7 “um agora que é a!solutamente muitos agoras`ou ainda, muitos instantes\ B...E uma pluralidade de agoras unidos B .usammengefasst E()PK.Hizer que o agora é algo “refletido em si( significa aqui que ele internaliza o que nega aindexa+ão simples do instante.

F que /egel quer dizer é, no fundo, simples. &#s vimos, na aula passada, como^agora(, “aqui(, “eu( são unidades gramaticais muito particulares. omo vimos, eles são shifters, ou se$a, unidades gramaticais que não podem ser definidas fora da refer%ncia a umamensagem e, por conseq5%ncia, ao ato de enuncia+ão. 1ua natureza é dupla. He um lado,eles funcionam como sím!olos devido a sua rela+ão convencional " refer%ncia. 6or outrolado, eles funcionam como index devido a sua rela+ão existencial " refer%ncia particularizada pelo contexto. &este sentido, os shifters nos mostrariam como seria possíveldesignar o singular através do uso de termos universais, no sentido de não se referireminicialmente a nen'um termo em particular e poderem ser universalmente usados para todoe qualquer o!$eto Btodo e qualquer o!$eto é um “isto(, é algo que pode estar no “aqui( e no“agora(E.

 &o entanto, mesmo que a consci%ncia sensível envie a significa+ão de seus termosao ato de indica+ão, a designa+ão do singular não pode se realizar. /egel sa!e que as)PY /3:3, Fenomenologia, pars. )@<-)@O)PK /3:3, Fenomenologia, par. )@O

OP

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coordenadas que identificam o lugar l#gico do ato de indica+ão são, desde o início,articuladas no interior de uma estrutura dada como condi+ão a priori para a experi%ncia. Fque vemos quando ele afirma, por exemplo, que7

F aqui indicado, que reten'o com firmeza, é tam!ém um este aqui que de fato não

é este aqui, mas um diante e atrás, uma acima e a!aixo, um " direita e " esquerda. Facima, por sua vez, é tam!ém este mIltiplo ser-Futro, com acima, a!aixo etc., Faqui que deveria ser indicado desvanece em outros aqui; mas esses desvanecemigualmente. F indicado, o retido, o permanente é um este negativo `ele é outro dooutro, ele é aquilo que os outros não são\ que s# é tal porque os aquis são tomadoscomo devem ser, mas nisso se supera, constituindo um complexo simples de muitosaquis Beinfache Komplexion *ieler 3ier E )Q@. 

/egel está simplesmente dizendo que não h9 singularidade que não passe a priori pelo gen'rico da estrutura Bestrutura que pode aparecer, por exemplo, como um complexosimples de muitos aquisE ,  $á que toda indica+ão é feita em um tempo e em um espa+oestruturalmente coordenados. 2udo se passa como se /egel 'ouvesse perce!ido o pro!lemade Uuine so!re a inescruta2ilidade da refer&ncia( em!remos como Uuine nos afirma que7“a refer%ncia ' sem sentido, salvo em rela+ão a um sistema de coordenadas B...E 6rocuraruma refer%ncia de maneira mais a!soluta seria como querer uma posi+ão a!soluta ou umavelocidade a!soluta ao invés da posi+ão ou da velocidade em rela+ão a um quadroreferencial dado()Q). Rsto permite a Uuine deduzir que  ser é ser valor em uma variável, oque nos leva a uma relativiza+ão da ontologia. /egel, de sua parte, compreendeinicialmente o resultado como a experi%ncia do fracasso da apresenta+ão positiva imediatado acontecimento singular Bou da refer%ncia enquanto ser sensívelE `isto para nos $ogar emuma naturaliza+ão do !acCground enquanto resposta para quest*es como7 qual é o sistemade coordenadas do sistema de coordenadasG\. instAncia singular referida não acede " palavra.  3egel tira assim as consequ&ncias gerais da experi&ncia da defasagem entre significação e ato ostensi*o de designação)Q9. exterioridade do sensível em rela+ão aosistema diferencial será o motor da dialética. Higamos, com =ourgeois, que o especulativo7“enraí.a-se na visada 8 ^indicativa_, infradiscursiva 8 do isto sensível, para ser, em todo seudiscurso, a explica+ão dos requisitos da afirma+ão original, ^é_, ^'á_ )QJ. He qualquer forma,esta exterioridade será garantia para uma recupera+ão da ontologia.

partir daí, /egel dedica os dois Iltimos parágrafos do nosso capítulo a criticartoda posi+ão filos#fica que procure fundamentar o sa!er através do primado do sensível,como seria o caso do ceticismo moderno de 1c'ulze, que insistiria que o ser sensível e aexperi%ncia imediata teriam uma verdade a!soluta para a consci%ncia. “4ma afirma+ãodestas diz o contrário do que quer dizer(, dirá /egel. á onde ela $ulga enunciar aancoragem do sa!er no sensível, ela enuncia Bdevido " pr#pria dinAmica dos s'iftersE o

)Q@ /3:3, Fenomenologia, par. )@Y)Q) U4R&3, relatividade ontol#gica, p. )PP)Q9 &este sentido, /egel pode admitir a afirma+ão de 0rege7 “não nos contentamos com o sentido, supomosuma denota+ão( B0>3:3, Rcrits logiques et philosophiques, 6aris7 1euil, )KO), p. )@OE. ?as nos parece queele não pode aceitar que7 “com o signo, exprimimos o sentido do nome e designamos a denota+ão B idem, p.)@OE. Z exatamente a impossi!ilidade de convergir sentido e designa+ão no signo que anima a dialética. 6ara/egel, o o!$eto desvanece quando é designado pelo signo, ele s# poderá ser recuperado como nega+ão)QJ =F4>:3FR1, "a sp'culation h'g'lienne in $tudes h'g'liennes, 6aris7 640, )KK9, p. YK

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 primado do con'ecimento das rela+*es so!re o con'ecimento do conteIdo da experi%ncia./egel passa então " necessidade de consumar o sensível. ele c'egará mesmo a falar dasa!edoria dos animais que, na plena certeza do nada da realidade sensível, simplesmente aconsomem7 “3 a natureza toda cele!ra com eles esses mistérios revelados, que ensinamqual é a verdade das coisas sensíveis()QP.

/egel termina então reafirmando a impossi!ilidade da designa+ão do singular e aessencialidade da linguagem enquanto sistema de coordenadas7

1e quisessem dizer efetivamente este peda+o de papel que visam 8 e se quisessemdizer mesmo 8 isso seria impossível, porque o isto sensível, que é visado, éinatingível pela linguagem, que pertence " consci%ncia e ao universal em si `6ois\Uuando digo7 uma coisa singular eu a enuncio antes como de todo universal, poisuma coisa singular todas são, esta coisa é tudo o que se quiser. Heterminando maisexatamente, como este peda+o de papel, nesse caso, todo e cada papel é um este peda+o de papel, e o que eu disse foi sempre e somente o universal. F falar tem anatureza divina de inverter imediatamente o visar, de torna-lo algo diverso, não odeixando assim aceder " palavra)QQ.

O "en"$+el entre Heel e L>otard

3sta perspectiva que parece não levar a sério o sensível será usada contra /egel, principalmente através dos p#s-estruturalistas. 3sta é uma digressão interessante por nosmostrar um aspecto da maneira com que a contemporaneidade compreende o que estariaem $ogo no interior da experi%ncia intelectual 'egeliana. Motard, por exemplo, dizia arespeito de /egel 7 “a exterioridade do o!$eto do qual se fala não diz respeito "significa+ão, mas " designa+ão()Q<. 6ois a refer%ncia7 “pertence ao mostrar, não aosignificar, ela é insignificável()QO.  /egel pode facilmente admitir que a refer%ncia dizrespeito " designa+ão e que ela é, a princípio, insignificável. 6ara ele, o fundamento danegação dial'tica ' a negação que *em do fracasso da designação(  &o entanto, comovimos, ele não pode aceitar a pretensão de iman%ncia da designa+ão que se resolve nomostrar, $á que a dialética não pode assumir a perspectiva externalista que cr% poder sairdos limites da linguagem para apreender a exterioridade do o!$eto.

Rsto não significa que a aposta dialética se$a fundada em uma totaliza+ão simplesque seria um retorno ao pensamento da adequa+ão e da identidade. Motard insiste no fatode que a 8uf.eigen capaz de nos a!rir a uma experi%ncia da ordem do sensível nunca serátotalizada em uma linguagem dialética. ?as deveríamos dizer que a dialética visa a possi!ilidade de apresenta+ão deste impossível Brepresentado pelo que Motard c'ama denegati*idade transcendental que suporta toda rela+ão " refer%nciaE em uma linguagem que porta em si sua pr#pria nega+ão, conservando-a como nega+ão. 6odemos sempre denunciaresta internaliza+ão do negativo como uma maneira astuta de esconder o corte entre sa!er erealidade fenomenal, o que Motard fará7 “?as não é porque o o!$eto adquire umsignificado no interior do sistema que este perde sua rela+ão de ar!itrário com o o!$eto. imotiva+ão é inscrita na linguagem como sua dimensão de exterioridade em rela+ão aos

)QP /3:3, Fenomenologia, par. )@K)QQ /3:3, Fenomenologia, par. ))@)Q< WF2>H, )ialectique, index, forme in Hiscours, figure , 6aris7 LlicCsiecC  , BSTU, p. Q@.)QO idem, p. P@

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o!$etos. 3ste exterioridade uma vez significada é certamente interiorizada na linguagem,mas esta não terá perdido sua !orda, e sua !orda é sua face ol'ando para além( )QY.

Z correto dizer que, em /egel, a clivagem entre significa+ão e designa+ão estáfadada a uma certa reconcilia+ão através do conceito. ?as dizer isto é dizer muito pouco.6ois a verdade questão consiste em sa!er qual é o regime de reconcilia+ão capaz de curar as

cicatrizes desta clivagem, ou se$a, como a reconcilia+ão pode superar a negatividade dosensível.6or outro lado, no que concerne " perspectiva de Motard, podemos sustentar que

seu pro!lema é pressupor muita coisa. 6or exemplo, ela pressup*e a possi!ilidade de umaexperi%ncia imediata acessível fora dos limites de min'a linguagem. 3la pressup*e tam!émuma integralidade do sensível que ficaria livre da interfer%ncia da linguagem, ou se$a, umaiman%ncia do sensível que se a!riria em sua integralidade " experi%ncia7 tal como vemos nacrítica de Motard ao fato do sistema 'egeliano não deixar o o!$eto no exterior como seuoutro. Hizer que o o!$eto deve ser conservado no exterior do sistema pressup*e umaalteridade indiferente das diferen+as, o que o pr#prio /egel $á 'avia criticado na  )outrinada ess&ncia, no capítulo so!re a diversidade. 3sta alteridade indiferente esconde anecessidade da perspectiva de um terceiro Bque /egel c'ama de das CergleichendeEenquanto lugar que permite a compara+ão entre a exterioridade e a interioridade do sistema.3ste terceiro anula a indiferen+a do diverso e esta!elece uma unidade negativa entre oo!$eto da experi%ncia sensível e a linguagem. 2al unidade negativa se transforma emoposi+ão estruturada.

3 verdade que, quando Motard fala deste deixar-estar do o!$eto fora da linguagemBque é tam!ém deixar-estar do dese$oE, ele não entra na 'ip#stase do inefável. 1uaestratégia consiste antes em colocar um espaço figural que pode se manifestar tam!ém naordem da linguagem7 “&o entanto, não é como significa+ão, mas como expressão( )QK. lgoque se mostra, ao invés de se deixar dizer.

6odemos perguntar se este retorno " expressão, retorno que mostra como a atividadesensível é um )asein, e não uma =edeutung, não nos envia a uma linguagem da iman%ncia.2alvez o pro!lema maior desta leitura de /egel ven'a de uma certa confusão, pr#pria aMotard, entre nega+ão opositiva e negatividade a!soluta enquanto contradi+ão que semanifesta, inicialmente, no interior do o!$eto e que recon'ece que o o!$eto tam2'm ' algo fora do sistema( Fs exemplos 'egelianos são claros e instrutivos neste ponto.

Cur"o HeelAula ?

Tema" do tra4al(o@

“3xperi%ncia é $ustamente o nome desse movimento em que o imediato, o não-experimentado, ou se$a, o a!strato 8 quer do ser sensível, quer do 1imples apenas pensado 8se aliena e depois retorna a si dessa aliena+ão; e por isso 8 como é tam!ém propriedade daconsci%ncia 8 somente então é exposto em sua efetividade e verdade( B Fenomenologia, parágrafo J<E

)QY WF2>H, idem, p.P<)QK WF2>H, Idem, p. Q)

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“F indivíduo que não arriscou a vida pode !em ser recon'ecido como pessoa; mas nãoalcan+ou a verdade desse recon'ecimento como uma consci%ncia-de-si independente(B Fenomenologia, parágrafo )YOE

Aula ? ula de 'o$e será dedicada " apresenta+ão do capítulo “ percep+ão ou coisa e ailusão(, segundo capítulo da se+ão “onsci%ncia(. omo 'avia dito anteriormente, estaapresenta+ão visa fornecer um esquema geral de leitura e interpreta+ão, e não se organizacomo uma leitura detal'ada de texto, tal como foi o caso do comentário do capitulo “certeza sensível ou F isto e o visar(. F o!$etivo central é assim, através da apresenta+ãodeste esquema, permitir que voc%s possam ler diretamente o trec'o em questão por conta pr#pria e risco. &este sentido, iremos insistir em tr%s aspectos complementares7

- F regime de passagem da figura da consci%ncia assentada na certeza sensível "figura assentada na percep+ão

- s contradi+*es internas " percep+ão e a maneira com que elas aparecem no interiordo campo de experi%ncias da consci%ncia

- F modo de encamin'amento da percep+ão " figura que irá supera-la, ou se$a, aquelaapresentada no capítulo “0or+a e entendimento7 fenmeno e mundo supra-sensível(

Da )ertea "en"$+el . #er)e#ção

Vimos, na aula passada, em que condi+*es a consci%ncia que assentava suasexpectativas cognitivo-instrumentais na certeza sensível foi deixada. descri+ãofenomenol#gica da experi%ncia da consci%ncia partiu daquilo que aparece ao pensar como“representa+ão natural(. 3sta representa+ão natural dizia respeito " cren+a na presen+aintegral do ser através da pura intui+ão sensível. F sa!er que, de início, é nosso o!$eto s# pode ser o sa!er que p*e a iman%ncia originária entre pensar e ser. 3ste sa!er é apresentadocomo uma certeza sensível B sinnliche 6e7issheit E, ou se$a, certeza de que a presen+a do serse dá através da receptividade da sensi!ilidade.

 &o entanto, a fim de passar da certeza Bsu!$etivaE " verdade Bo!$etivaE, aconsci%ncia deveria ser capaz de expressar sua certeza sensível no campo da linguagem pI!lica. /egel é claro neste ponto7 aquilo que não pode ser apresentado no campo dalinguagem não tem realidade o!$etiva. F sa!er nada tem a fazer com o que se p*e comoinefável a não ser v%-lo como o que se apresenta de forma imperfeita. Haí porque /egelinsiste na importAncia da opera+ão de pr B set.enE o que é pressuposto, ou se$a, deexpressar o que se alo$a na pura inten+ão. Haí porque /egel insiste na opera+ão deexplicitar o que é implicitamente vivenciado pela consci%ncia como certeza.

Rsto nos levou a compreender a experi%ncia em $ogo no interior da certeza sensívelcomo um pro!lema eminentemente ling5ístico ligado aos modos de expressão do queaparece " consci%ncia como presen+a imediata do ser em sua integralidade. Vimos comoesta expressão era apresentada a partir das opera+*es aparentemente mais elementares dalinguagem7 estas vinculadas " designa+ão Bque aparece no nosso texto como o ato de visar 8 4einen 8 ou simplesmente ato de indicar 8 .eigen, an.eigenE. 3ste processo de indicar o servisado BmeinenE, ou se$a, a capacidade de expressar aquilo que aparece " inten+ão daconsci%ncia de maneira imediata era assim o motor do movimento dialético da consci%ncia

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sensível. 6ara n#s, dirá /egel, esta expressão do ser indicado vai se mostrar não comoexpressão do imediato, mas como pura media+ão, ou se$a, como uma opera+ão inferencial.

través da impossi!ilidade da linguagem em fundamentar significa+*es a partir dedesigna+*es ostensivas, /egel nos colocava no cerne da dialética entre o particular e ouniversal. consci%ncia visa sempre um caso particular que l'e aparece de forma imediata

" intui+ão sensível. &o entanto, ao tentar enunciar o particular visado, ela enunciava,necessariamente, sempre o universal B$á que a linguagem estaria necessariamente vinculada" opera+*es universalizantes do signoE. ?esmo os modos de intui+ão no espa+o e no tempoatravés do “aqui( e do “agora( seriam, " princípio, experimentados como su!missão dodiverso da experi%ncia " estruturas gerais de apreensão. 6odemos dizer que, enquanto o particular encontrava-se do lado da designa+ão, o universal era o Inico espa+o possível dasignifica+ão e do sentido.

/egel terminava então reafirmando a impossi!ilidade da designa+ão do particular ea essencialidade da linguagem enquanto p#lo de produ+ão de sentido7

1e quisessem dizer efetivamente este peda+o de papel que visam 8 e se quisessemdizer mesmo 8 isso seria impossível, porque o isto sensível, que é visado, éinatingível pela linguagem, que pertence " consci%ncia e ao universal em si `6ois\Uuando digo7 uma coisa singular eu a enuncio antes como de todo universal, poisuma coisa singular todas são, esta coisa é tudo o que se quiser. Heterminando maisexatamente, como este peda+o de papel, nesse caso, todo e cada papel é um este peda+o de papel, e o que eu disse foi sempre e somente o universal. F falar tem anatureza divina de inverter imediatamente o visar, de torna-lo algo diverso, não odeixando assim aceder " palavra)<@.

Hesta forma, podemos dizer que a certeza sensível não realiza o seu pr#prioconceito, que consistia em apreender o particular que se coloca so! a designa+ão. 3staimpossi!ilidade de designa+ão direta do particular e a essencialidade do universal serão oque levará a consci%ncia a modificar seu modo de orienta+ão na confronta+ão cognitivo-instrumental com o o!$eto. 3ntramos, com isto, no solo da percep+ão.

F primeiro ponto a notar é que a consci%ncia continua a pensar a confronta+ão como o!$eto como uma opera+ão a!solutamente independente de práticas sociais ou dedetermina+*es restritivas da estrutura da nossa linguagem. 2al como na certeza sensível, aconsci%ncia cr% dar conta da apreensão do o!$eto em sua verdade simplesmente a partir da perspectiva de su$eitos isolados confrontando-se com o!$etos ou com estados de coisas.1u$eitos isolados devem encontrar uma perspectiva de adequa+ão direta entre suasrepresenta+*es mentais e os o!$etos do mundo. Haí porque o con'ecimento come+ará a sercompreendido como um pro!lema de correspond%ncia de representa+*es "s coisas.

fim de iniciarmos nosso tra$eto, devemos inicialmente perguntar7 o que /egelentende por “percep+ão( Barhnehmung EG 4m comentário do título do nosso capítulo pode ser Itil neste sentido. /egel fornece um título complementar pren'e de significa+ão7“a coisa e a ilusão( Bdas )ing und die /?uschung E. percep+ão é um modo de apreensãoda coisa, mas um modo de apreensão marcado pela consci%ncia da ilusão e do erro. &ãoestamos mais diante da certeza imediata e aparentemente segura do capítulo anterior. consci%ncia $á se desiludiu a respeito da imediaticidade do puro ser que se ofereceria

)<@ /3:3, Fenomenologia, par. ))@

OK

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através da pura designa+ão. 3la sa!e que o con'ecer é uma opera+ão de compara+ão entrerepresenta+*es mentais e estados naturalizados de coisas. &este sentido, ela sa!e que ocon'ecer da coisa está sempre regulado pela possi!ilidade da ilusão, do tomar a coisa poroutra coisa do que ela é.

?as devemos ainda colocar uma questão simples7 para a percep+ão, o que significa

“con'ecer uma coisa(G Dá temos algumas indica+*es importantes no primeiro parágrafo donosso capítulo7

certeza sensível não se apossa do verdadeiro; $á que sua verdade é o universalmas ela quer apreender BnehmenE o isto. percep+ão, ao contrário, toma comouniversal o que para ela é o ente. omo a universalidade é seu princípio em geral,assim tam!ém são universais seus momentos que nela se distinguem imediatamente7o 3u é um universal e o o!$eto é um universal)<).

Fu se$a, a percep+ão parte da no+ão de que con'ecer uma coisa é predicar universais, daí porque a universalidade é seu princípio. 6recisamos, no entanto, entender o que /egelcompreende, neste contexto, por universal. /egel afirma que tal universalidade emergiucomo resultado da certeza sensível, ela é resultante da experi%ncia de que a linguagem s#enuncia o universal. &o entanto, a consci%ncia permanece aferrada " no+ão de que aess%ncia está no o!$eto, e não no con'ecer ou na linguagem que se disponi!iliza aocon'ecer. Rsto indica que o universal deve aparecer como universal da coisa, e não comouniversais sintetizados pelo pensar.

6ara que isto se$a possível, /egel precisa operar um certo deslizamento. &o capítuloso!re a certeza sensível, vimos como os universais apareciam inicialmente através dosd%iticos Bou shiftersE como “aqui_, “agora(, “eu(. 3stes, eram universais não exatamente por serem predica+*es universais de classes de o!$etos, mas por serem o que se a!strai detodo e qualquer particular. 3les não se referem inicialmente a termo em particular algum, podem ser universalmente usados para todo e qualquer o!$eto ou su$eito e não podem servistos como universais da coisa. &o entanto, no nosso capítulo, /egel fala dos universaiscomo propriedades gerais de o2jetos B( Z isto que o permite afirmar7 “F princípio do o!$eto 8 o universal 8 é em sua simplicidade um mediatizado; assim tem de exprimir isto nele,como sua natureza7 por conseguinte se mostra como a coisa de muitas propriedades( )<9.

F o!$eto, ou a coisa, é uma simplicidade mediatizada, no sentido de ser um simpless# apreensível através da media+ão, através de opera+*es de infer%ncia. Rsto,aparentemente, s# é possível porque os universais são, agora, propriedades ou atri!utos queme permitem apreender a coisa em sua singularidade. Rsto não seria possível se aconsci%ncia continuasse a compreender apenas os d%iticos como universais. Z gra+as acompreensão da coisa como o simples com mIltiplas propriedades que c'egamos adefini+ão da percep+ão como a consci%ncia de individuais através de universais. on'eceruma coisa é, assim, ter consci%ncia de individuais através de universais. 3, desta forma, ao passar de uma figura dos universais pensados a partir dos d%iticos, aos universais pensadosa partir de propriedades gerais, a percep+ão poderia dar conta do que a certeza sensível nãofoi capaz, ou se$a, de designar particulares, mesmo sa!endo que a linguagem s# enuncia ouniversal. &a verdade, /egel apela aqui " estrutura categorial das propriedades, um poucocomo rist#teles lem!rava que as categorias eram os g%neros mais gerais do ser que)<) /3:3, Fenomenologia I, par. ))))<9 /3:3, Fenomenologia I, par. ))9

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 permitia a individualiza+ão de su!stAncias `é exatamente a compreensão das atri!ui+*es de propriedades so!re o pano de fundo do pro!lema da su!sun+ão categorial que leva /egel aafirmar que7 “F grau mais preciso no qual a filosofia Cantiana apreende o espírito é o perce!er, que constitui em geral o ponto de vista de nossa consci%ncia ordinária e, mais oumenos, das ci%ncias()<J\.

/egel defende então, no parágrafo ))J, que o “isto( da certeza sensível é superado pela no+ão de “propriedade distinta determinada( pr#pria " percep+ão. 1e podemos falaraqui em  superação, é porque a consci%ncia conservou as expectativas referenciais queanimavam o uso do “isto( na certeza sensível `a predica+ão como nega+ão determinada dadesigna+ão\. 3la cr% agora poder realizar o que a simples designa+ão não foi capaz, $á que,contrariamente ao “isto(, a propriedade é uma universalidade determinada. &otemos aindaque, neste momento, /egel fornece, pela primeira vez, uma defini+ão operacional de 8ufhe2ung 7

F superar apresenta sua dupla significa+ão verdadeira que vimos no negativo7 é aomesmo tempo um negar B NegierenE e um conservar B 8uf2e7ahrenE. F nada, comonada do isto B Nichts des )iesenE, conserva a imediatez e é, ele pr#prio, sensível; porém é uma imediatez universal)<P.

A" )ontrad!ç=e" !nterna" . #er)e#ção

Vimos pois como se dá a reflexão so!re a passagem da certeza sensível " percep+ão. exposi+ão fenomenol#gica visa expor a necessidade desta passagem enquanto tentativa derealiza+ão de um conceito de experi%ncia que $á estava presente na certeza sensível, ou se$a,a experi%ncia como adequa+ão do pensar a essencialidade de estados de coisa dotados deautonomia metafísica em rela+ão ao pr#prio pensar. 2anto na certeza sensível quanto na percep+ão, a consci%ncia não coloca em questão a exist%ncia de um mundo dotado deautonomia metafísica que deve servir de eixo de orienta+ão para a conforma+ão do sa!er.3m rela+ão " certeza sensível, a percep+ão procura convergir a estrutura universalizante dalinguagem com a particularidade da experi%ncia do mundo através da compreensão dosuniversais como propriedades gerais de o!$etos. coisa aparece assim como um individualcapaz de ser descrito e apreendido por universais, ou ainda, como uma coisa com mIltiplas propriedades.

?as /egel quer demonstrar como tam!ém a percep+ão não será capaz de realizarseu pr#prio conceito, ou se$a, tematizar de maneira adequada a particularidade daexperi%ncia sem precisar recorrer a algo outro do que a pr#pria percep+ão. 6ara tanto, eledeverá demonstrar como o conceito de o!$eto pr#prio " percep+ão é contradit#rio, além dedemonstrar como a consci%ncia terá a experi%ncia desta contradi+ão.

 F primeiro passo consiste em descrever o que significa con'ecer um o!$eto atravésde predica+*es. 1igamos /egel em sua descri+ão7

3ste sal é um aqui simples e, ao mesmo tempo, mIltiplo7 é !ranco e tam!ém picante, tam!ém é cu!iforme, tam!ém tem peso determinado etc. 2odas essas propriedades mIltiplas estão em um aqui simples no qual assim se interpenetram7nen'uma tem um aqui diverso da outra, pois cada uma está sempre onde a outra está

)<J /3:3, $nciclop'dia, par. P9@)<P /3:3, Fenomenologia, par. ))J

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`ou seja, a coisa ', ao mesmo tempo, a di*ersidade dos predicados e a igualdadeconsigo mesma do sujeito ; que não passa integralmente no predicado\.Rgualmente, sem que este$am separadas por aquis diversos, não se afetammutuamente por essa interpenetra+ão `aparentemente, uma propriedade não 'dedu.ida da outra, elas são indiferentes umas 0s outras\. F !ranco não afeta nem

altera o cI!ico, os dois não afetam o sa!or salgado etc. mas por ser, cada um,simples relacionar consigo, deixa os outros quietos, e com eles se relaciona atravésdo indiferente tam!ém B 8uschE. 3sse tam!ém é portanto o puro universal mesmo,ou o meio7 é a coisidade B )ingheit E que assim englo!a todas essas propriedades)<Q.

1e con'ecer é predicar universais, então a coisa será, ao mesmo tempo, o con$untode predicados e o meio, a su!stAncia ou a coisidade a respeito da qual se predica. “2alsíntese de um diverso efetuada pela consci%ncia, eis o ato de perce!er; esta mesma síntesecomo fixa, eis a coisa perce!ida()<<. F que apenas nos demonstra esta proposi+ão empiristacentral a respeito da qual o con'ecer se serve, principalmente, da forma da an9lise. /egelc'ega mesma a falar da análise como “decomposi+ão de determina+*es_ )<O.

 &o entanto, esta coisidade s# aparece " experi%ncia como um “tam!ém( que liga propriedades que são, aparentemente, indiferentes entre si. 3ste tam!ém mão nos remeteapenas " idéia de uma su!stAncia que se exprima através de seus atri!utos. 6or outro lado,“tam!ém( indica que a coisa sempre é aquilo que ultrapassa a somat#ria de suas propriedades, $á que eu sempre posso dizer que a coisa tam!ém é mais uma propriedade. Fsal não é apenas aquilo que é !ranco, picante, cu!iforme, mas ele tam!ém é aquilo que estáno mar, que é adstringente etc. &unca esgotaremos a coisa através da enumera+ão de suas propriedades.

coisa, por sua vez, não é apenas um “tam!ém( que englo!a mIltiplas propriedades. omo sa!emos, uma determina+ão sempre é necessariamente articuladaatravés de nega+*es. s propriedades determinam-se através de nega+*es opositivas7 o queé !ranco, não é preto; o que é salgado, não é doce. 6or outro lado, elas se determinamatravés de nega+*es entre si7 a quantidade não é qualidade, não é localiza+ão, não émodalidade `/egel irá depois discutir a aparente indiferen+a das categorias nas suasdetermina+*es recíprocas\. Rsto demonstra como a coisa não é apenas um simplesrelacionar-se consigo mesmo, mas ela é tam!ém uma unidade excludente, ou se$a, ela éaquilo que nega sua identidade com outra coisa. &este sentido, ela não é apenas um“tam!ém(, universalidade passiva e indiferente; mas, além disto, ela é um 4m Bdas $insE,unidade que exclui o Futro enquanto excluir das propriedades opostas. ssim, /egel podeafirmar7

 &a propriedade, a nega+ão está, como determinidade, imediatamente unida com aimediatez do ser 8 o qual, por ser essa unidade com a nega+ão, é a universalidade`a propriedade determina-se atra*'s da negação, o ser definido pela propriedade 'imediatamente uni*ersalidade determinada\. ?as a nega+ão está, como 4m,quando se li!erta desta unidade com seu contrário `a imediate. do ser \ e é em si e para si mesma)<Y.

)<Q /3:3, Fenomenologia, par. ))J)<< /W66FR23, 6&nese e estrutura((( p. )9J)<O /3:3, $nciclop'dia, par. JY)<Y /3:3, Fenomenologia, par. ))P

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tentativa de unificar esta dupla acep+ão da coisa, como tam!ém e como 4m,como multiplicidade a!erta e como unidade excludente, será o motor da experi%nciadialética da consci%ncia. 6odemos dizer que a consci%ncia procura perce!er a coisa como oque se oferece imediatamente " percep+ão, mas ela desco!rirá que s# perce!emos coisas

BdeterminadasE em relação com outras coisas, ou se$a, coisas no interior de um sistema decoordenadas e rela+*es(  &o limite, isto levará " consci%ncia a ter que assumir a divisão dacoisa em coisa tal como é em si Bfora de um sistema de rela+*esE e coisa tal como aparecefenomenalmente " consci%ncia Bdentro de um sistema de rela+*esE. coisa tal com é em siserá incognoscível e indeterminada.

Ve$amos como /egel descreve o tra$eto da experi%ncia fenomenol#gica daconsci%ncia na percep+ão. 2al tra$eto encontra-se no parágrafo ))O. ntes, /egel lem!raque a medida do sa!er da consci%ncia é a igualdade com o o!$eto e, principalmente, aigualdade do o!$eto consigo mesmo. ?as como o apreender é o correlacionar o diverso das propriedades so! a unidade da coisa, a ilusão s# pode ser compreendida como atri!ui+ão de propriedades que não são da coisa. Rsto significa tomar a coisa por outra coisa do que ela é. ilusão aparece assim como um erro do sa!er na sua opera+ão de atri!ui+ão de propriedades a uma coisa. &o entanto, a pr#pria compreensão da coisa como o que éindividualizado através da atri!ui+ão de propriedades é uma ilusão, $á que7 “uma coisa tem propriedades; elas são, em primeiro lugar, suas rela+*es determinadas a outra coisa; a propriedade está presente apenas como um modo de ser-em-rela+ão( $á que “uma coisa tema propriedade de efetuar isto ou aquilo em outra e de se exteriorizar B?ussernE  de umamaneira pr#pria em sua rela+ão()<K. Fu se$a, as propriedades não são exatamente propriedades da coisa, mas propriedades de uma relação( 3ste será o resultado daexperi%ncia fenomenol#gica. Rsto fica muito claro mais a frente, quando /egel dizer7

cada coisa se determina como sendo ela mesma algo diferente, e tem nela adistin+ão essencial em rela+ão "s outras; mas ao mesmo tempo não tem em si estadiferen+a, de modo que fosse uma oposi+ão nela mesma `$á que esta diferen+a estáexpulsa para fora de si, em um Futro\. o contrário7 é para si uma determinidadesimples, a qual constitui seu caráter essencial, distinguindo-a das outras)O@.

 &o entanto, a consci%ncia perce!erá o caráter insustentável desta posi+ão. 6rimeiroo o!$eto perce!ido é apreendido como puro 4m id%ntico a si mesmo. ?as a simplesdetermina+ão deste 4m através de propriedades Bcomo o faz necessariamente a percep+ãoE $á é uma ruptura da pura singularidade. F 4m enquanto ess%ncia da coisa deve ser vistocomo um con$unto de propriedades, uma comunidade em geral B 6emeischaft 12erhaupt E,como um “tam!ém( que englo!a a diversidade das propriedades. ?as, por sua vez, perce!oa propriedade como determinada, oposta a Futro e excluindo-o. ssim, a ess%ncia o!$etivanão é apenas a continuidade do con$unto de propriedades, mas é unidade excludente emrela+ão ao oposto. &o entanto, encontro na coisa propriedades determinadas indiferentesentre si e, se assim for, o que encontro não pode ser nem propriedade, nem determinado B$áque o Futro foi negado como inessencial ao 4m, ele não pode fornecer assim o fundamentoda determina+ãoE. consci%ncia retorna a indiferencia+ão pr#pria ao visar da certeza

)<K /3:3, %i&ncia da lógica)O@ /3:3, Fenomenologia, par. )9P

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sensível. ?as como o visar nos leva diretamente " percep+ão, todo o movimento retornacomo em um círculo perpétuo.

Inica maneira de que!rar o círculo é tentar distinguir o que é da ordem daverdade do o!$eto e o que é da ordem da ilusão da consci%ncia. consci%ncia procura, aoapreender o o!$eto, separar o que seria ilusão resultante dos nossos modos de apreensão.

Haí porque /egel afirma7 “F comportamento dessa consci%ncia, a ser tratado de agora emdiante, é de tal modo constituído que a consci%ncia $á não perce!e simplesmente; senão quetam!ém é consci%ncia de sua reflexão-so!re-si e a separa da simples apreensão()O).

ssim, por exemplo, a consci%ncia pode dizer que a coisa é 4m e que a diversidadedas propriedades é apenas para n#s7 “ He fato, esta coisa é !ranca s# para nossos ol'os etam!ém tem gosto salgado para nossa língua, é tam!ém cI!ica para nosso tato etc. 2oda adiversidade desses aspectos, não tomamos da coisa, mas de n#s()O9. ssim, a coer%ncia daconsci%ncia parece salva e a verdade de ser 4m da coisa é preservada. Hesta forma7 “coisa sempre será o verdadeiro e o igual a si mesmo, mas o con'ecimento que disso tomoserá pertur!ado por min'a reflexão em mim mesmo. ?in'a percep+ão $á não seráconsiderada uma apreensão pura e simples, mas uma apreensão mesclada a uma reflexãoque altera a coisa e faz com que, para mim, se$a outra coisa do que aquilo que é em si( )OJ.

?as /egel logo completa lem!rando que dizer que a coisa é 4m $á implica emdeterminá-la, a unidade aparece como propriedade. ssim, quem diz7 “ coisa é 4m(, diznecessariamente que a coisa tem propriedades que a diferencia das demais coisas7 “s pr#prias coisas são determinadas em si e para si; t%m propriedades pelas quais sediferenciam das outras()OP. F 4m s# pode se diferenciar através do que é determinado e quetem, com isto, exist%ncia autnoma em rela+ão " percep+ão da coisa. consci%ncia poderáainda inverter o seu conceituar e se ver como o que sintetiza a percep+ão em um o!$eto,enquanto a coisa seria apenas uma multiplicidade de matérias independentes, matériascal#ricas, químicas, elétricas, etc.

 &os dois casos, temos a experi%ncia de uma clivagem e de uma contradi+ão descrita por /egel nos seguintes termos7 “a coisa se apresenta de um modo determinado, mas elaestá ao mesmo tempo, fora do modo como se apresenta, e refletida so!re si mesma. Uuerdizer7 a coisa tem nela mesma uma verdade oposta( )OQ. Fu ainda, de maneira mais explícita7“F o!$eto é, antes, so! o mesmo e Inico ponto de vista, o oposto de si mesmo7 para sienquanto é para Futro; e para Futro enquanto é para si()O<.

Da #er)e#ção ao entend!mento

 &este ponto, podemos dar conta do Iltimo aspecto que 'avia proposto7 o modo deencamin'amento da percep+ão " figura que irá supera-la, a sa!er, o entendimento. Dá vemosnesta clivagem no interior da coisa um regime de passagem ao entendimento. =asta queesta clivagem entre o 4m e o mIltiplo como determina+*es da coisa se$a compreendidacomo distin+ão entre a coisa-em-si e a coisa para-um-outro, tal como se manifesta "consci%ncia, ou se$a, a coisa como fenmeno. Rsto implica em aceitar a coisa-em-si como o

)O) /3:3, Fenomenologia, par. ))Y)O9 /3:3, Fenomenologia, par. ))K)OJ /W66FR23, 6&nese, p. )9Y)OP /3:3, Fenomenologia, par. ))K)OQ /3:3, Fenomenologia, par. )99)O< /3:3, Fenomenologia, par. )9Y

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 puro indeterminado Bde onde viria, segundo /egel, a necessidade do seu caráterincognoscívelE. Haí porque /egel irá afirmar7 “a coisa em si enquanto tal é apenas aa!stra+ão vazia de toda determinidade, aquilo a respeito do qual não podemos nada sa!er $ustamente porque ela deve ser a a!stra+ão de toda determina+ão. ssim que a coisa-em-siencontra-se pressuposta como indeterminado, toda determina+ão cai fora dela em uma

reflexão que l'e é exterior e a respeito da qual ela é indiferente(

)OO

.Fu se$a, a g%nese da coisa-em-si, para /egel, deve ser procurada inicialmente no puro ser da certeza sensível; este puro ser que indicava o totalmente indeterminado e que,na percep+ão, aparece como o 4m indiferente que procura resistir a toda determina+ão dacoisa através da posi+ão de propriedades. 3ntre estas tr%s representa+*es, encontramos amesma cren+a na essencialidade do que se oferece como imediato. 1# que agora, aconsci%ncia tem a experi%ncia de que este imediato não está ao alcance do sa!er. consci%ncia não a!andona o vínculo entre presen+a imediata, ess%ncia e sentido. o passarao entendimento, ela irá simplesmente negar que esta presen+a l'e se$a acessível. &oentanto, como vimos desde a certeza sensível, /egel quer mostrar que este totalmenteindeterminado não é outra coisa que o puro nada. 3sta experi%ncia, a consci%ncia ainda nãoteve. consci%ncia ainda não compreendeu que7

`F o!$eto\ tornou-se um universal a partir do ser sensível; porém esse universal, porse originar do sensível, é essencialmente por ele condicionado, e por isso, em geral,não é verdadeiramente igual a si mesmo, mas é universalidade afetada de umoposto; a qual se separa, por esse motivo, nos extremos da singularidade e dauniversalidade, do 4m das propriedades e do tam!ém das matérias livres )OY.

o invés de oscilar entre esses p#los contradit#rios, o consci%ncia poderá encontraruma esta!ilidade se admitir que um dos p#los é inacessível e que o outro, em!ora sendoinessencial, $á que indica apenas o que o o!$eto é para-um-Futro, deverá aparecer comonecessário ao sa!er. om isto, passamos da percep+ão ao entendimento.

Cur"o HeelAula

 &a aula de 'o$e, iniciaremos a leitura do Iltimo capítulo da se+ão “onsci%ncia(, este cu$otítulo é7 “0or+a e entendimento7 fenmeno e mundo supra-sensível(. 2al como foi questãona aula passada, a apresenta+ão deste capítulo não seguirá a l#gica da exposi+ão detal'adade texto. qui, será questão so!retudo de expor as articula+*es gerais do capítulo, isto naexpectativa de que voc%s poderão então compreend%-lo através de leituras individuais.

“0or+a e entendimento( é certamente o capítulo mais complexo da se+ão“onsci%ncia(. ele, dedicaremos duas aulas. :rosso modo, a aula de 'o$e é o comentáriodo trec'o que vai dos parágrafos )J9 a )PK. aula seguinte será o comentário do restantefinal do capítulo. omo comentadores para a compreensão deste capítulo, estarei deixando" disposi+ão de voc%s os capítulos dedicados a este trec'o da 0enomenologia do 3spíritodos livros /he socialitD of reason, de 2errM 6inCard, e 8 GFenomenologia do $spíritoH de 3egel, de ?artin /eidegger. lém de comentar este primeiro trec'o do nosso capítulo,

)OO /3:3, %i&ncia da "ógica ; 8 doutrina da ess&ncia)OY /3:3, Fenomenologia, par. )9K

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gostaria, na aula de 'o$e, de re-expor a articula+ão da passagem da figura da consci%nciaassentada na percep+ão " figura assentada no entendimento. aula que vem será dedicadatam!ém " compreensão do esgotamento do modo cognitivo-instrumental de confronta+ãoentre su$eitos individuais e o!$etos que guiou as expectativas racionais do sa!er daconsci%ncia. respeito desta questão, eu 'avia sugerido a leitura do texto  3olism and

 Idealism in 3egelVs @henomenologD, de >o!ert =random. Heixarei tam!ém um outro textode =random so!re o assunto, >ome pragmatist themes in 3egelVs idealism, que talvez se$a,inclusive, mais fácil.

Da #er)e#ção ao entend!mento

Vimos na aula passada como a consci%ncia cu$a capacidade cognitiva esta assentada na percep+ão, ou se$a, esta consci%ncia para a qual o con'ecer é uma questão de predica+ão deindividuais através de propriedades universais tin'a, diante de si, um o!$eto cindido entreunidade B4mE e multiplicidade Btam!émE. 3la oscilava continuamente entre orecon'ecimento da essencialidade do 4minessencialidade das propriedades predicadas Boo!$eto é 4m e sua multiplicidade de propriedades é resultado de meus modos de apreensãoEe da essencialidade das propriedades predicadasinessencialidade do 4m B'á matérias quesão sintetizadas so! a forma de o!$eto pelos su$eitos cognoscentesE. &a verdade, essaoscila+ão era resultante de uma percep+ão que não podia mais deixar de contar comopera+*es de reflexão.

 &#s vimos, nesta clivagem no interior da coisa, um regime de passagem aoentendimento. Rnsisti com voc% que !astaria compreender esta clivagem entre o 4m e omIltiplo como distin+ão entre a coisa-em-si e a coisa para-um-outro, tal como se manifesta" consci%ncia, ou se$a, a coisa como fenmeno. Rsto implicava em aceitar a coisa-em-sicomo o puro indeterminado Bde onde viria, segundo /egel, a necessidade do seu caráterincognoscívelE. Haí porque /egel irá afirmar7 “a coisa em si enquanto tal é apenas aa!stra+ão vazia de toda determinidade, aquilo a respeito do qual não podemos nada sa!er $ustamente porque ela deve ser a a!stra+ão de toda determina+ão. ssim que a coisa-em-siencontra-se pressuposta como indeterminado, toda determina+ão cai fora dela em umareflexão que l'e é exterior e a respeito da qual ela é indiferente()OK.

Fu se$a, a g%nese da coisa-em-si, para /egel, deveria ser procurada inicialmente no puro ser da certeza sensível; este puro ser que indicava o totalmente indeterminado e que,na percep+ão, apareceu como o 4m indiferente que procurava resistir a toda determina+ãoda coisa através da posi+ão de propriedades. 3ntre estas tr%s representa+*es, encontramos amesma cren+a na essencialidade do que se oferece como imediato. 1# que agora, aconsci%ncia tem a experi%ncia de que este imediato não está ao alcance do sa!er. consci%ncia não a!andona o vínculo entre presen+a imediata, ess%ncia e sentido. o passarao entendimento, ela irá simplesmente negar que esta presen+a l'e se$a acessível. &oentanto, como vimos desde a certeza sensível, /egel quer mostrar que este totalmenteindeterminado não é outra coisa que o puro nada. &o entanto, esta experi%ncia, aconsci%ncia ainda não teve. 3la a terá apenas no final do nosso capítulo, quando /egelescrever7

)OK /3:3, %i&ncia da "ógica ; 8 doutrina da ess&ncia

Y<

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evanta-se, pois, essa cortina `dos fenmenos\ so!re o interior `a coisa-em-si\ e dá-se o ol'ar do interior para dentro do interior B...E 0ica patente que por trás da assim c'amadacortina que deve co!rir o interior nada 'á para ver; a não ser que n#s entremos lá dentro 8tanto para ver como para que 'a$a algo ali atrás que possa ser visto )Y@.

?as para que esta experi%ncia de desvelamento de que a estrutura do o!$eto éid%ntica " estrutura da consci%ncia se$a possível, faz-se necessário um longo tra$eto quetematizado pelo nosso capítulo.

título de introdu+ão, lem!remos do pro!lema maior legado pela percep+ão7 aconsci%ncia tem diante de si um o!$eto do con'ecimento clivado entre 4m e mIltiplo, entresu!stAncia e atri!utos, ou ainda, um o!$eto da experi%ncia que não realiza o pr#prioconceito de experi%ncia pressuposto pela percep+ão Bdetermina+ão do particular através deuniversaisE. Ha mesma forma com que a percep+ão tentou realizar o conceito deexperi%ncia pr#prio " certeza sensível, o entendimento tentará realizar o conceito deexperi%ncia pr#prio " percep+ão. 3 ele tentará realizar tal conceito através da idéia de queos o!$etos devem ser inicialmente compreendidos a partir da no+ão de “for+a(. Haí porqueo capítulo em questão traz como título “0or+a e entendimento(. ssim, a verdade do “isto(era a “coisa(, e a verdade “coisa( é a “for+a(.

Dá logo no primeiro parágrafo, /egel nos explica como espera que a no+ão de“for+a( atue para a unifica+ão dos dois momentos separados pela intui+ão. 3le parte daafirma+ão de que, a partir da percep+ão, a consci%ncia, pela primeira vez, tem o pensamentoque a coloca diante do 4niversal incondicionado. &a percep+ão, o momento do universalera sempre condicionado pelo seu oposto, condicionado por aquilo que está fora dele. 1e ouniversal era visto como o 4m indiferente, este 4m, em seu aparecer, estava condicionado pela multiplicidade inessencial de propriedades. 6or sua vez, se o universal era visto comouniversalidade determinada das propriedades, ela estava condicionada pela singularidade dacoisa que tais propriedades procuravam apreender. omo vemos, este condicionamento estánecessariamente vinculado " estrutura da coisa enquanto 4m e mIltiplo.

om o conceito de for+a enquanto o!$eto do entendimento, saímos da dicotomia pr#pria " coisa da percep+ão. /egel $oga aqui com a acep+ão etimol#gica de un2edingtBincondicionadoE, ou se$a, o que não é uma coisa. Z por ser for+a que o o!$eto doentendimento será capaz de unificar o que apareceu " consci%ncia como dicotomia entre o4m e o mIltiplo. Haí porque /egel lem!ra que será questão, no capítulo da articula+ãoentre for+a e entendimento.

6or outro lado, a duplica+ão do título “fenmeno e mundo supra-sensível( nosauxilia na circunscri+ão do que está em $ogo através do uso do conceito de for+a. 1elem!rarmos que o mundo fenomenal é necessariamente o mundo tal como aparece "consci%ncia em determina+*es finitas e que o mundo supra-sensível é o que se colocariacomo ess%ncia do que se manifesta so! a forma de o!$eto fenomenal, então podemos dizerque o conceito de for+a seria o que nos permitiria esta!elecer, segundo a perspectiva doentendimento, a rela+ão entre a ess%ncia e seus modos de manifesta+ão. Hesta forma, afor+a estaria diretamente ligada ao pro!lema dos modos de determina+ão da ess%ncia dascoisas, fornecendo, com isto, um fundamento incondicional e universal Bou se$a, não-sensívelE "s expectativas de unidade da razão. 6ois ela seria responsável pela explica+ão dosentido do que se oferece na dimensão da apar%ncia.

)Y@ /3:3, Fenomenologia, par. )<Q

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Z nesta dire+ão que devemos compreender a afirma+ão de /egel, em um escrito de $uventude7 “ for+a exprime a idéia da rela+ão(. 3la seria o conceito não-empírico capaz deservir de princípio de unifica+ão entre fenmenos e mundo supra-sensível. /eideggercomenta esta afirma+ão lem!rando7 “F conteIdo especulativo do conceito de for+a é arela+ão, vista ela mesma de maneira especulativa()Y). 6recisamos ainda entender como o

conceito de for+a é capaz de se colocar exatamente como a idéia de rela+ão entre a ess%nciae seus modos de manifesta+ão. &o entanto, entes de passarmos a uma análise mais longa dos usos 'egelianos do

conceito de for+a, faz-se necessário comentar esta afirma+ão que a!re nosso capítulo7 “este4niversal incondicionado `disponi!ilizado através do conceito de for+a\, que de agora emdiante é o o!$eto verdadeiro da consci%ncia, ainda está como o!$eto dessa consci%ncia 8 aqual ainda não apreendeu o conceito como conceito()Y9.   Fu se$a, so! a figura doentendimento, a consci%ncia não apreende este 4niversal incondicionado como o pr#priomovimento do conceito, como aquilo que é posto pelo movimento mesmo do pensar. ocontrário, trata-se ainda de uma confronta+ão de su$eitos individuais e de suasrepresenta+*es mentais com estados de coisas dotados de autonomia metafísica. &oentanto, como veremos na pr#xima aula7 “/egel espera mostrar que a consci%ncia, em seuuso necessário de conceitos não-sensíveis na efetua+ão de discrimina+*es de o!$etos, nãoestá contando com o que transcende a consci%ncia, se$a em um sentido empírico oumetafísico, mas está ^ocupada apenas consigo mesmo_()YJ.

So4re o )on)e!to de &orça

ntes de iniciarmos o comentário da no+ão 'egeliana de for+a, gostaria de lem!rarque nosso capítulo está dividido, a grosso modo, em tr%s partes. ada uma destas partestenta dar conta de modifica+*es na determina+ão do o!$eto do entendimento. Rnicialmente,tal o!$eto aparece como for+a Bou $ogo de for+asE. 3sta exposi+ão vai até o parágrafo )PK.3m seguida, o o!$eto do entendimento será compreendido como ei Bparágrafos )Q@ a)<@E. 6or fim, o conceito de ei se mostrará como sendo, na verdade, a manifesta+ão dainfinitude Ba partir do parágrafo )<) até o finalE. 3 ao ter a infinitude como o!$eto, aconsci%ncia deixará de ser compreendida como consci%ncia para ser tematizada através dano+ão de consci%ncia-de-si.

omo é o caso em praticamente todo conceito 'egeliano central presente na0enomenologia, a no+ão de for+a alude, ao mesmo tempo, a uma multiplicidade deconceitos específicos da 'ist#ria da idéias Ba enteléquia de rist#teles, a for+a em ei!niz,em &eSton, em /erder, as leis de Lant, a fun+ão da polaridade em 1c'ellingE, mas não seesgota na atualiza+ão de nen'um deles. 6or outro lado, mais do que fazer um levantamentoarqueol#gico da g%nese dos conceitos 'egelianos na 'ist#ria da filosofia, propon'o-me acompreender, preferencialmente, como /egel apropria-se de certas discuss*es da 'ist#riada filosofia e as re-orienta a partir de seu pr#prio interesse.

6odemos inicialmente lem!rar que uma teoria não-su!stancialista e metafísica dafor+a é o que anima /egel neste capítulo. 3m /egel, a for+a não é uma su!stAnciacoisificada, mas uma causa provida de rela+*es necessárias com o que se manifesta e comos regimes de tais manifesta+*es. for+a é causa que se expressa na exterioridade de seus

)Y) /3RH3::3>, 8 Fenomenologia do $spírito de 3egel, p. )<<)Y9 /3:3, Fenomenologia, par. )J9)YJ 6R66R&, /he satisfaction of self-consciousness, p. )JJ

YY

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efeitos, ela exp*e a ess%ncia das rela+*es de causalidade e, por isto, pode ser definida daseguinte forma7

for+a é o 4niversal incondicionado, que igualmente é para si mesmo `nainterioridade de uma força recalcada ; Lur1c+gedrangte\ o que é para um Futro

`como força exteriori.ada\, ou que tem nele a diferen+a, pois essa não é outra coisaque o ser-para-um-Futro)YP. 

Fu se$a, a for+a é ela mesma, em sua exterioriza+ão, um diferenciar-se. &ão é possível " for+a não se exteriorizar. omo dirá &ietzsc'e, pedir " for+a que não atueenquanto tal é pedir que a for+a não se$a for+a. &este sentido, /egel pode afirmar que afor+a tem em si mesma sua pr#pria diferen+a B$á que, para /egel, nenhuma exteriori.ação ' posição imediata do exteriori.ado, ao contr9rio, toda exteriori.ação ; 3ntkusserung 8 'alienação 8 3ntfremdung; isto no sentido de que toda exterioriza+ão é um diferenciar-se emrela+ão " representa+ão imediataE.

?as, por outro lado, se podemos dizer que a for+a seria a determina+ão da ess%nciado que aparece " consci%ncia, então devemos tam!ém lem!rar que a determina+ão essencialda possi!ilidade do que aparece " consci%ncia $á 'avia sido definida por Lant através dano+ão de categorias)YQ. 3sta lem!ran+a é importante por indicar a tentativa de apreensãoespeculativa daquilo que Lant nos fornece através da no+ão de “categorias dinAmicas(Bcategorias de rela+ãoE que se diferenciariam das “categorias matemáticas( categorias dequantidade, qualidade e de modalidadeE por tematizarem os modos de ser de o!$etos emrelação( 1a!emos que tais categorias são em nImero de tr%s7 iner%ncia e su!stAnciaB su2stantia et accidensE; causalidade e depend%ncia Bcausa e efeitoE e comunidade Baçãorecíproca entre o agente e o pacienteE. 6odemos ainda dizer que /egel tematizou a primeira destas categorias Bsu!stAncia e atri!utosE no capítulo dedicado " percep+ão. qui,será questão da reflexão especulativa so!re os dois Iltimos.

 &o entanto, /egel insiste que, se a for+a parece poder unificar os dois momentos dacoisa através da no+ão de causalidade, ela s# aparece inicialmente " consci%ncia e aoentendimento como um dos p#los, tanto que /egel fala de dois momentos da for+a daseguinte forma7 “a for+a como expansão das matérias, como exterioriza+ão( e a for+arecalcada em si “ou a for+a propriamente dita(. 3ste é o resultado da maneira com que oentendimento compreende inicialmente a for+a. &o entanto, esta perspectiva não poderá sersustentada.

He fato, esta  for+a propriamente dita, ou o 4m prévio a exterioriza+ão, deve sersolicitado a exprimir-se através de uma for+a solicitante. 3sta articula+ão entre for+assolicitantes e for+as solicitadas será c'amado por /egel de “$ogo de for+as( B>piel der2eidenEna qual uma for+a atua na outra. &o entanto, /egel não deixa de levar a ca!o asexig%ncias de unidade pr#prias " for+a ao afirmar7

Heve-se a!andonar `esse modo de ver em\ que a for+a é posta como um 4m e suaess%ncia, o exteriorizar-se  ̀sich .u ?ussern\, como um outro vindo do exterior. for+a é, antes, ela mesma esse meio universal do su!sistir dos momentos como

)YP /3:3, Fenomenologia, par. KY)YQ Ver rítica da razão pura = )@Q

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matérias. Hito de outro modo7 a for+a $á se exteriorizou; e o que devia ser outro1olicitante é, antes ela mesma)Y<.

/egel pode conservar esta exig%ncia de unidade pr#pria ao conceito de for+a, insistindo quea for+a solicitante é, na verdade, a pr#pria for+a solicitada que se exteriorizou, porque ele

opera aqui com uma compreensão especulativa das rela+*es de oposi+ão. Dá vimos isto aodiscutir a crítica 'egeliana ao conceito Cantiano de oposi+ão real, assim como a no+ão deque rela+*es opositivas, compreendidas de maneira especulativa, são, na verdade, rela+*esde nega+ão determinada. 4m termo não é apenas através da pressuposi+ão do seu outrocomo limite Bo que o entendimento pode conce!erE; ele é através da determina+ão do outrocomo momento interno de sua auto-determina+ão. o pressupor o outro como seu oposto,um p#lo passa necessariamente no seu oposto, $á que o oposto é o que aparece como p#loessencial da rela+ão. duplica+ão deste movimento redunda em uma situa+ão descrita por/egel nos seguintes termos7

Fs extremos nada são em si, segundo esses dois lados; mas ao contrário, esses ladosem que deveria su!sistir sua ess%ncia diferente, são apenas momentos evanescentesB*ersch7indende 4omenteE  8 uma passagem imediata de cada lado para o seuoposto)YO.

3sta é uma afirma+ão central. 6or não ter nen'uma realidade su!stancial autnoma,“nen'uma su!stAncia pr#pria que a sustente e conserve(, o ser da for+a é equivalente aodesaparecer do que esta mesma for+a pressupun'a inicialmente. Z por isto que /eidegger poderá dizer, por exemplo, que7 “ a verdade da for+a consiste $ustamente em que ela  perde,a título de “extremo su!stanciado(, sua efetividade()YY.  F voca!ulário do desvanecimento,ou do desaparecimento, é aqui central. /egel é !astante claro neste sentido7

F conceito de for+a se torna efetivo através da duplica+ão em duas for+as e o modocomo se torna tal. m!as essas for+as existem como ess%ncias sendo para si, massua exist%ncia é um movimento tal, de uma rela+ão " outra, que seu ser é antes um puro ser-posto B6eset.tseinE mediante um outro, isto é, seu ser tem, antes, a purasignifica+ão B =edeutung E do desvanecer )YK.

Fu se$a, a efetiva+ão da for+a, seu passar " realidade, implica na duplica+ão da for+a, istono sentido da posi+ão do seu oposto. 3sse modo de efetiva+ão implica em uma no+ão de sercomo aquilo que desvanece no seu oposto. Haí porque /egel pode afirmar que o ser dafor+a tem a pura significa+ão do desvanecer. Dá se trata de um conceito especulativo designifica+ão, algo pr#ximo do que vimos no capítulo da certeza sensível quando /egelapresentou a no+ão de que o desvanecimento da refer%ncia podia aparecer comosignifica+ão do ser. 2udo isto nos demonstra que, para a dialética 'egeliana, a verdadeiraexpressão é aquela que se  pe como nega+ão dialética do expresso, e não como merarealiza+ão expressiva do que se alo$a inicialmente na inten+ão. 1e esses movimentos deevanescimento podem produzir significa+*es, é porque o pensamento especulativo

)Y< /3:3, Fenomenologia, par. )JO)YO /3:3, Fenomenologia, par. )P@)YY /3RH3::3>, op( cit(, p. )Y9)YK /3:3, Fenomenologia, par. )P)

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desenvolve significa+*es-limite, significa+*es que se dão no limite da passagem de umtermo a outro, no limite entre destrui+ão e cria+ão. F resultado não poderia ser outro7 “ realiza+ão da for+a é, ao mesmo tempo, a perda da realidade( B )ie ealisierung der Kraftist also .ugleich Cerluss der ealit?t E.)K@

Da &orça ao &enmeno &o entanto, o entendimento irá compreender, de uma maneira extremamente

sintomática, esta for+a que desvanece através da sua realiza+ão. 6ois ele compreenderá quea for+a se realiza como fen5meno. He fato, a consci%ncia ainda está aferrada a finitude e "fixidez do pensar representativo, ela não tem para si um modo de pensar capaz de dar contado que não se coloca integralmente em uma determina+ão fixa. 6or isto, ela compreende arealiza+ão das determina+*es essenciais como fenmenos, no sentido daquilo que é apenas para-a-consci%ncia. F desvanecimento da for+a aparece apenas como perda Be não tam!émcomo realiza+ãoE e o que é da ordem das determina+*es essenciais parece ter se alo$ado no“interior das coisas(.

?as /egel $á nos leva desde o início a uma compreensão especulativa do fenmeno.em!remos, por exemplo, da maneira com que /egel apresenta pela primeira vez suaconcep+ão de fenmeno7

`F fenmeno\ é o ser da for+a desenvolvido, que doravante é para o entendimentoum evanescente BCersch7indenE. 6or isso se c'ama fenmeno B $rscheinung E, pois aapar%ncia B>cheinE é o nome dado ao ser que imediatamente é em si mesmo um não-ser B NischtseinE)K).

verdade do fenmeno é ser o ser desenvolvido da for+a. &o entanto, para oentendimento, ele é apenas um evanescente, ele é o que marca um desaparecimento. Haí porque /egel $oga com os termos manifesta+ão, aparecimento B $rscheinung E e apar%nciaB>cheinE a fim de caracterizar o que é da ordem do fenmeno. F fenmeno pode então servisto como um ser que traz em si as marcas da aus%ncia do ser, um ser que imediatamente éem si mesmo um não-ser. 6odemos aqui seguir novamente /eidegger e afirmar que7“parecer significa surgir  para re-desaparecer; desaparecer para assim dar lugar a umoutro, mais elevado()K9.

Z neste ponto que se $oga uma das opera+*es centrais de diferencia+ão entre oentendimento e o pensamento dialético. 6or se aferrar a uma no+ão de presen+a como o quese dá na integralidade do que se disp*e diante da consci%ncia, uma presen+a comovisi!ilidade, como $á disse em aulas anteriores, o entendimento não enxerga a negatividadedo fenmeno como o que permite a passagem em dire+ão " ess%ncia. 3la não v%, como !emnos mostrou Hieter /enric', que “a nulidade da apar%ncia não é outra coisa que a naturezanegativa da ess%ncia)KJ. o contrário, so!re o mundo aparente dos fenmenos, oentendimento p*e o mundo supra-sensível7

)K@ /3:3, Fenomenologia, par. )P))K) /3:3, Fenomenologia, par. )PJ)K9 /3RH3::3>, op( cit( pag. )O@)KJ /3&>R/, 3egel im Kontext, 1urC'amp7 0ranCfurt, p. ))O

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6atenteia-se so!re o aquém evanescente o além permanente7 um 3m-si que é a primeira, e portanto inaca!ada, manifesta+ão B $rscheinung E da razão, ou se$a,apenas o puro elemento em que a verdade tem sua ess%ncia )KP.

2rata-se da manifesta+ão inaca!ada da razão porque a consci%ncia compreende que a

ess%ncia está lá onde a nega+ão se manifesta na efetividade, mas esta nega+ão é aindaapenas a distAncia em rela+ão " positividade de uma ess%ncia que nunca se oferece.

6ara a consci%ncia, o interior é ainda um puro além, porquanto nele não encontraainda a si mesma `ele não o apreende a partir da sua estrutura cogniti*a, esta2aseada no primado do entendimento\7 é vazio Bleer E por ser apenas o nada dofenmeno, positivamente ele é o 4niversal simples `ou indeterminado\. 3ssamaneira de ser do interior está imediatamente em consonAncia com alguns, paraquem o interior das coisas é incognoscível, s# que o fundamento disso deveria serentendido diversamente)KQ. 

He fato, esse interior das coisas aparece como incognoscível porque ele foi determinadocomo o puro vazio, como um nada indeterminado. ?as ele é apenas um vazio em rela+ão aum conceito de plenitude assentado na presen+a como visi!ilidade do que se oferece so! arepresenta+ão. omo $á vimos, o primeiro passo da dialética consiste exatamente ema!andonar este conceito de presen+a. Haí porque /egel pode lem!rar que este vazio domundo supra-sensível é apenas o resto do esvaziamento das coisas o!$etivas e, porconseq5%ncia, esvaziamento de todas as estruturas de diferencia+ão pr#prias ao sa!er daconsci%ncia. 6renunciando, com isto, uma guinada materialista da crítica "s dicotomiasCantiana, guinada que animará tanto 0euer!ac' quanto ?arx, /egel afirmará7

6ara que 'a$a algo nesse vazio total, que tam!ém se denomina sagrado `ou seja, 3egel, sem muitas delongas insinua que a nature.a da distinção entre fen5meno emundo supra-sensí*el tem nature.a teológica\, 'á que preenc'%-lo, ao menos comdevaneios7 fenmenos que a pr#pria consci%ncia para si produz. Heveria ficarcontente de ser tão maltratada, pois nada merc% de mel'or. final, os pr#priosdevaneios ainda valem mais que se esvaziamento)K<.

Z impossível deixar de ouvir aqui os presságios da no+ão de que o que gan'a autonomiametafísica e teol#gica não é outra coisa que pro$e+*es da pr#pria consci%ncia. Haí porque aconsci%ncia s# alcan+ará a verdade quando se perguntar so!re quais são os processossociais que sustentam suas expectativas cognitivo-instrumentais. &ão estamos longe de?arx quando este afirma7 “6artimos dos 'omens em sua atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos tam!ém o desenvolvimento dos reflexos e dasrepercuss*es ideol#gicas desse processo vital `rela+*es sociais pautadas pelo conflito\. 3mesmo as fantasmagorias existentes no cére!ro 'umano são su!lima+*es resultantesnecessariamente do processo de sua vida material, que podemos constatar materialmente eque repousa em !ases materiais()KO.

)KP /3:3, Fenomenologia, par. )PP)KQ /3:3, Fenomenologia, par. )P<)K< /3:3, Fenomenologia, par. )P<)KO ?>, 8 ideologia alemã, p. )K

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 &o entanto, teremos que esperar até a sessão “onsci%ncia-de-si( para vermos arealiza+ão deste processo. &o nosso capítulo, /egel está mais interessado em insistir nasconseq5%ncias da recompreensão especulativa da no+ão de fenmeno Bopera+ão central para uma fenomenologiaE. Rsto fica claro no pr#ximo parágrafo7

?as o interior, ou além supra-sensível $á surgiu; provém do fenmeno e esse é suamedia+ão. Uuer dizer, o fenmeno é sua ess%ncia e, de fato, sua implementa+ão. Fsupra-sensível é o sensível e o perce!ido posto tais como são em verdade; pois averdade do sensível e do perce!ido é serem fenmeno. F supra-sensível é pois ofenmeno como fenmeno)KY.

/egel não poderia ser mais claro. 6ara uma compreensão especulativa do fenmeno, anega+ão da ess%ncia através da posi+ão do fenmeno $á é a realiza+ão da ess%ncia. F isto dacerteza sensível e a coisa da percep+ão t%m um momento de verdade que consiste eminsistir que o o!$eto da experi%ncia não pode ser corretamente tematizado através derepresenta+*es fixas de o!$etos. apreensão dialética do o!$eto da experi%ncia pede que o pr#prio campo da experi%ncia se$a reconfigurado através da reconfigura+ão da no+ãomesma de presen+a e de finitude. 1e podemos dizer que, ao tomar o fenmeno comofenmeno, veremos necessariamente o mundo supra-sensível surgir diante de n#s, não éapenas porque ele se mostrará como sendo a inverdade de um fenmeno que 'ipostasiouseu pr#prio conceito. 0undamentalmente, podemos dizer que este surgir e desaparecer pr#prio ao fenmeno nos demonstra como a nega+ão pr#pria ao supra-sensível $á está emopera+ão no mundo dos fenmenos e isto é sua verdade.

?as, antes de c'egar a tanto, devemos ainda prosseguir no nosso capítulo. F pr#ximo passo será a tentativa de pensar os impasses da no+ão de for+a através dacompressão da ei como ess%ncia do mundo supra-sensível.

Cur"o HeelAula

 &a aula de 'o$e, vamos finalizar a leitura do capítulo “0or+a e entendimento7 fenmeno emundo supra-sensível(. Rsto nos permitirá tecer algumas considera+*es a respeito do queestá em $ogo na passagem da consci%ncia " consci%ncia-de-si, $á que este é o Iltimo dos tr%scapítulos que comp*em a se+ão “onsci%ncia(. &#s aprofundaremos alguns motivos desta passagem na aula que vem.

 &o entanto, antes de iniciarmos o tra$eto da nossa aula, faz-se necessário umarecapitula+ão do que $á vimos a respeito do nosso capítulo. Vimos, na aula passada, como oentendimento procurava resolver, através do uso da no+ão de “for+a(, as dicotomias'erdadas pela percep+ão e seu conceito de o!$eto que oscilava entre a posi+ão do 4m e a posi+ão do mIltiplo.

Vimos, como era o caso em praticamente todo conceito 'egeliano central presentena 0enomenologia, que a no+ão de for+a aludia, ao mesmo tempo, a uma multiplicidade deconceitos específicos da 'ist#ria da idéias Ba enteléquia de rist#teles, a for+a em ei!niz,em &eSton, em /erder, as leis de Lant, a fun+ão da polaridade em 1c'ellingE, mas não seesgotava na atualiza+ão de nen'um deles. 6or outro lado, mais do que fazer um

)KY /3:3, Fenomenologia, par. )PO

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levantamento arqueol#gico da g%nese dos conceitos 'egelianos na 'ist#ria da filosofia, propus-me a compreender, preferencialmente, como /egel apropria-se de certas discuss*esda 'ist#ria da filosofia e as re-orienta a partir de seu pr#prio interesse.

em!rei inicialmente que uma teoria não-su!stancialista e metafísica da for+a é oque animava /egel neste capítulo. 3m /egel, a for+a não é uma su!stAncia coisificada, mas

uma causa provida de rela+*es necessárias com o que se manifesta e com os regimes de taismanifesta+*es. for+a é causa que se expressa na exterioridade de seus efeitos, ela exp*e aess%ncia das rela+*es de causalidade e, por isto, pode ser definida da seguinte forma7

for+a é o 4niversal incondicionado, que igualmente é para si mesmo `nainterioridade de uma força recalcada ; Lur1c+gedrangte\ o que é para um Futro`como força exteriori.ada\, ou que tem nele a diferen+a, pois essa não é outra coisaque o ser-para-um-Futro)KK. 

Fu se$a, a for+a é ela mesma, em sua exterioriza+ão, um diferenciar-se. &ão é possível " for+a não se exteriorizar. omo dirá &ietzsc'e, pedir " for+a que não atueenquanto tal é pedir que a for+a não se$a for+a. &este sentido, /egel pode afirmar que afor+a tem em si mesma sua pr#pria diferen+a B$á que, para /egel, nenhuma exteriori.ação ' posição imediata do exteriori.ado, ao contr9rio, toda exteriori.ação ; 3ntkusserung 8 'alienação 8 3ntfremdung; isto no sentido de que toda exterioriza+ão é um diferenciar-se emrela+ão " representa+ão imediataE.

 &o entanto, /egel insistia que, se a for+a parece poder unificar os dois momentos dacoisa através da no+ão de causalidade, ela s# aparece inicialmente " consci%ncia aferrada aoentendimento como um dos p#los, tanto que /egel fala de dois momentos da for+a daseguinte forma7 “a for+a como expansão das matérias, como exterioriza+ão( e a for+arecalcada em si “ou a for+a propriamente dita(. 3ste é o resultado da maneira com que oentendimento compreende inicialmente a for+a. &o entanto, esta perspectiva não poderá sersustentada.

He fato, esta  for+a propriamente dita, ou o 4m prévio a exterioriza+ão, deve sersolicitado a exprimir-se através de uma for+a solicitante. 3sta articula+ão entre for+assolicitantes e for+as solicitadas era c'amado por /egel de “$ogo de for+as( B>piel der2eidenEna qual uma for+a atua na outra. &o entanto, /egel não deixa de levar a ca!o asexig%ncias de unidade pr#prias " for+a ao afirmar7

Heve-se a!andonar `esse modo de ver em\ que a for+a é posta como um 4m e suaess%ncia, o exteriorizar-se  ̀sich .u ?ussern\, como um outro vindo do exterior. for+a é, antes, ela mesma esse meio universal do su!sistir dos momentos comomatérias. Hito de outro modo7 a for+a $á se exteriorizou; e o que devia ser outro1olicitante é, antes ela mesma9@@.

Vimos que /egel podia conservar esta exig%ncia de unidade pr#pria ao conceito de for+a,insistindo que a for+a solicitante é, na verdade, a pr#pria for+a solicitada que seexteriorizou, por operar aqui com uma compreensão especulativa das rela+*es de oposi+ão./avíamos visto isto antes ao discutir a crítica 'egeliana ao conceito Cantiano de oposi+ãoreal, assim como a no+ão de que rela+*es opositivas, compreendidas de maneira)KK /3:3, Fenomenologia, par. KY9@@ /3:3, Fenomenologia, par. )JO

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especulativa, são, na verdade, rela+*es de nega+ão determinada. 4m termo não é apenasatravés da pressuposi+ão do seu outro como limite Bo que o entendimento pode conce!erE;ele é através da determina+ão do outro como momento interno de sua auto-determina+ão.o pressupor o outro como seu oposto, um p#lo passa necessariamente no seu oposto, $áque o oposto é o que aparece como p#lo essencial da rela+ão. duplica+ão deste

movimento redunda em uma situa+ão descrita por /egel nos seguintes termos7Fs extremos nada são em si, segundo esses dois lados; mas ao contrário, esses ladosem que deveria su!sistir sua ess%ncia diferente, são apenas momentos evanescentesB*ersch7indende 4omenteE  8 uma passagem imediata de cada lado para o seuoposto9@).

3sta é uma afirma+ão central. 6or não ter nen'uma realidade su!stancial autnoma,“nen'uma su!stAncia pr#pria que a sustente e conserve(, o ser da for+a era equivalente aodesaparecer do que esta mesma for+a pressupun'a inicialmente. F resultado não poderia seroutro7 “ realiza+ão da for+a é, ao mesmo tempo, a perda da realidade( B )ie ealisierungder Kraft ist also .ugleich Cerluss der ealit?t E.9@9

 &o entanto, o entendimento compreendeu, de uma maneira extremamentesintomática, esta for+a que desvanece através da sua realiza+ão. 6ois ele compreenderá quea for+a se realiza como fen5meno. He fato, a consci%ncia ainda estava aferrada a finitude e "fixidez do pensar representativo, ela não tin'a para si um modo de pensar capaz de darconta do que não se coloca integralmente em uma determina+ão fixa. 6or isto, elacompreendeu a realiza+ão das determina+*es essenciais como fenmenos, no sentidodaquilo que é apenas para-a-consci%ncia. F desvanecimento da for+a aparece apenas como perda Be não tam!ém como realiza+ãoE e o que é da ordem das determina+*es essenciais parece ter se alo$ado no “interior das coisas(.

 &#s analisamos, na aula passada, a defini+ão de fenmenos fornecida por /egel7

`F fenmeno\ é o ser da for+a desenvolvido, que doravante é para o entendimentoum evanescente BCersch7indenE. 6or isso se c'ama fenmeno B $rscheinung E, pois aapar%ncia B>cheinE é o nome dado ao ser que imediatamente é em si mesmo um não-ser B NischtseinE9@J.

verdade do fenmeno é ser o ser desenvolvido da for+a. &o entanto, para oentendimento, ele é apenas um evanescente, ele é o que marca um desaparecimento. Haí porque /egel $oga com os termos manifesta+ão, aparecimento B $rscheinung E e apar%nciaB>cheinE a fim de caracterizar o que é da ordem do fenmeno. F fenmeno pode então servisto como um ser que traz em si as marcas da aus%ncia do ser, um ser que imediatamente éem si mesmo um não-ser. 6odemos aqui seguir /eidegger e afirmar que7 “parecersignifica surgir  para re-desaparecer; desaparecer para assim dar lugar a um outro, maiselevado(9@P.

Z neste ponto que se $oga uma das opera+*es centrais de diferencia+ão entre oentendimento e o pensamento dialético. 6or se aferrar a uma no+ão de presen+a como o que

9@) /3:3, Fenomenologia, par. )P@9@9 /3:3, Fenomenologia, par. )P)9@J /3:3, Fenomenologia, par. )PJ9@P /3RH3::3>, op( cit( pag. )O@

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se dá na integralidade do que se disp*e diante da consci%ncia, uma presen+a comovisi!ilidade, como $á disse em aulas anteriores, o entendimento não enxerga a negatividadedo fenmeno como o que permite a passagem em dire+ão " ess%ncia. 3la não v%, como !emnos mostrou Hieter /enric', que “a nulidade da apar%ncia não é outra coisa que a naturezanegativa da ess%ncia9@Q. o contrário, so!re o mundo aparente dos fenmenos, o

entendimento p*e o mundo supra-sensível76atenteia-se so!re o aquém evanescente o além permanente7 um 3m-si que é a primeira, e portanto inaca!ada, manifesta+ão B $rscheinung E da razão, ou se$a,apenas o puro elemento em que a verdade tem sua ess%ncia 9@<.

Vimos como /egel introduzia neste ponto considera+*es importantes so!re anatureza deste mundo supra-sensível. 3le insistia que este mundo supra-sensível era vazio por ser o puramente indeterminado. &este sentido, sua realidade seria apenas o resultado dedevaneios da pr#pria consci%ncia mas que, claro, não são recon'ecidos enquanto tal.Vimos como, alimentando uma longa tradi+ão de redu+ão materialista da metafísica, /egelafirmava que a consci%ncia pro$etava realidades autnomas7 “6ara que 'a$a algo nessevazio total, que tam!ém se denomina sagrado, 'á que preenc'%-lo, ao menos comdevaneios7 fenmenos que a pr#pria consci%ncia para si produz(.

6or outro lado, eu insistira que /egel não queria apenas operar uma redu+ãomaterialista do que se alo$a no campo da metafísica. o afirmar que o mundo supra-sensível era o fenmeno como fenmeno, 'avia ai uma tentativa de dizer que o surgir edesaparecer pr#prio ao fenmeno nos demonstra como a nega+ão pr#pria ao supra-sensível $á está em opera+ão no mundo dos fenmenos e isto é sua verdade. Z este camin'o que noslevará " infintude.

Um re!no tran!lo de le!"

?as antes de c'egar " infinitude como a realidade do fenmeno, a consci%ncia tentaainda salvar a distin+ão entre mundo supra-sensível e mundo fenom%nico. través dacompreensão do modo de manifesta+ão da for+a como $ogo de for+as na qual uma for+asolicitada se exterioriza e passa no seu oposto perdendo-se na dimensão do fenmeno, aconsci%ncia apreende o dinamismo geral das for+as. 3la a!strai da considera+ão de for+as particulares e “a diferen+a da for+a converge em uma diferen+a Inica(. Hesta forma, o queaparece é a diferen+a como universal B<nterschied als allgemeiner E, ou ainda “diferen+auniversal( Ballgemainer <nterschied E. Uuer dizer, a consci%ncia apreende a essencialidadedo descompasso geral entre o que se manifesta e o que estaria alo$ado no interior dascoisas.

 &otemos como esta primeira manifesta+ão da diferen+a universal é eminentementenegativa Bdaí porque /egel deve afirmar que “a nega+ão é momento essencial do4niversal(E. 3sta diferen+a nada afirma so!re a positividade do mundo fenom%nico Bque éinstável, constante surgir e desaparecerE, ainda nada sei a respeito da essencialidade domundo tal como ele aparece a mim. 1ei apenas que entre o que aparece e o que é essencial'á uma diferen+a constante e universal.

9@Q /3&>R/, 3egel im Kontext, 1urC'amp7 0ranCfurt, p. ))O9@< /3:3, Fenomenologia, par. )PP

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 &o entanto, a consci%ncia irá transformar esta diferen+a universal, “imagemconstante do fenmeno instável(, em figura da lei B6eset., não echt E. 3sta passagem deuma diferen+a que é eminentemente negativa " positividade da lei é a!rupta. ?as /egel parece nos indicar que ela é necessariamente a!rupta, tanto que a negatividade da diferen+auniversal irá marcar o império da lei. Z neste sentido que podemos compreender porque7 “a

lei não preenc'e completamente o fenmeno. lei está nele presente, mas não é toda a sua presen+a, so! situa+*es sempre outras, `o fenmeno\ tem sempre outra realidadeBir+lich+eit E(9@O. /egel parece querer dizer que a lei não esgota toda a realidade dofenmeno, 'á algo no fenmeno que sempre ultrapassa a determina+ão da lei. 2rata-sefundamentalmente de um pro!lema de aplica+ão da lei ao caso. 6or nascer da a!stra+ão detodo fenmeno, a lei parece não ser capaz de aplicar-se de maneira plenamente adequada afenmeno algum. Haí porque7 “3sta falta B 4angel E pr#pria " lei tem de ressaltar tam!émnela. F que parece faltar-l'e é que, em!ora, ten'a em si a diferen+a mesma, s# a tem comouniversal, como indeterminado(9@Y.

3sta lei que internaliza reflexivamente a pr#pria nega+ão vinda do caso, isto atravésda no+ão de falta não está disponível ao entendimento. o contrário, o que ele tentará éanular a a!stra+ão da lei através da enuncia+ão de “pluralidade indeterminada de leis( quedeveriam legislar so!re a especificidade de casos concretos. “1# que esta pluralidade é umafalta(, dirá /egel Bela é a pr#pria figura da faltaE, $á que o princípio do entendimentoconsiste em procurar unificar a pluralidade da lei so! a universalidade de leis gerais7 “oentendimento deve fazer coincidir as mIltiplas leis numa lei s#(. 6odemos resumir istodizendo que o entendimento, enquanto determina+ão através da unidade, reduz osfenmenos a leis que se p*em como fundamento do $ogo de for+as. 3ste re-enviar dosfenmenos " lei é o ato de explicar.

 &o que diz respeito ao pro!lema da lei geral e da lei determinada, /egel traz umexemplo pr#prio " física neStoniana. 2rata-se da unifica+ão da lei da queda dos corpos e alei do movimento dos corpos celestes so! a lei da atra+ão universal. Hesde sua disserta+ãoso!re “s #r!itas dos planetas(, /egel atentara-se para a natureza desta lei enunciada por &eSton. &o entanto, a seu ver tratava-se apenas de uma f#rmula a!strata que tem o méritode enunciar a legalidade enquanto legalidade, mas que faz com que toda diferen+aqualitativa de conteIdo desapare+a.

atra+ão universal diz apenas que tudo tem uma diferen+a constante com Futro. Fentendimento pensa ter aí desco!erto ume lei universal, que exprime a universalefetividade como tal. ?as, na verdade, s# encontrou o conceito da lei mesma. Zcomo se dissesse que em si mesma toda efetividade é regida por lei 9@K.

/egel compreende a posi+ão desta pura lei, ou ainda, deste conceito puro de lei, como algoque retira a essencialidade das leis determinadas. Haí porque ele pode afirmar que7 “oconceito de lei se voltou contra a lei mesma(. F que leva a dizer que a lei está presente deduas maneiras7 uma vez como lei determinada que legisla regionalmente so!re um con$untorestrito de caso , outra vez, na forma de uma universalidade a!strata.

2al dualidade permite a /egel passar a uma espécie de crítica "quilo que poderíamos c'amar de “forma geral da lei(. 6rimeiro, ele lem!ra que, se o conceito puro da

9@O /3:3, Fenomenologia, par. )Q@9@Y idem9@K idem

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lei é aquilo que é posto como necessário e se a lei determinada indica o modo de ser, entãoo conceito é indiferente ao modo de ser B$á que ele poderia ser de mIltiplas formasE. Ha leigeral, não deduzo a necessidade de uma lei particular determinada. 1egundo, Bno parágrafo)QJE, /egel afirma que a indiferen+a entre conceito e ser está indicada ainda de outramaneira, o que nos leva ao pro!lema da conexão necessária.

forma geral da lei é uma igualdade do tipo B0m.aE. qui, massa e acelera+ão Bouainda, espa+o e tempoE são partes independentes e indiferentes entre si, elas não exprimemnelas sua origem em comum, nem são deduzidas uma das outras. 3las agem como propriedades independentes de um mesmo su$eito. for+a aparece assim apenas como aunidade de uma opera+ão entre termos distintos e autnomos.

3xplicar através desta proposi+ão de igualdade parece apenas decompor o 4m emvariáveis mIltiplas. 2al decomposi+ão é uma opera+ão que diz respeito ao modo decompreensão do entendimento. /egel afirma que ela não é algo que apreende o movimento pr#prio do o!$eto do con'ecimento. 6odemos dizer que o entendimento parece apenastraduzir um termo em uma opera+ão so!re dois termos, sem que isto implique em algumamodifica+ão na pr#pria ess%ncia do o!$eto do con'ecimento. F entendimento parece muitomais descrever seu pr#prio modo de funcionamento do que apreender a essencialidade doo!$eto. Haí porque /egel afirma7

 &este momento tautol#gico, o entendimento persiste na unidade tranq5ila de seuo!$eto, e o movimento s# recai no entendimento, não no o!$eto7 é um explicar quenão somente nada explica, como tam!ém é tão claro que ao fazer men+ão de dizeralgo diferente do que $á foi dito, antes nada diz, mas apenas repete o mesmo 9)@.

6or um lado, isto indica a compreensão 'egeliana de como o explicar, enquanto su!sun+ãode casos a leis, é uma opera+ão vazia que não diz respeito aos modos de apreensão da oisae de realiza+ão do conceito. ?as, por outro lado, /egel insiste que toda tautologia é, naverdade, posi+ão da diferen+a, pois faz com que o su$eito a!strato passe em um predicadoque é realiza+ão fenomenal do existente. Rsto serve tam!ém para /egel criticar a no+ão deanaliticidade. &a verdade, trata-se de insistir na contradi+ão entre o conteIdo proposicionalde igualdade e aquilo que /egel c'ama de “forma geral da proposi+ão(, e que diz respeito"s diferen+as categoriais qualitativas entre singular e universal. omo dirá claramente/egel7 “Dá a f#rmula da proposi+ão está em contradi+ão com ela `a proposi+ão \, poisuma proposi+ão promete tam!ém uma diferen+a entre su$eito e predicado; ora, esta nãofornece o que sua pr#pria forma exige(9)).

ceito isto, /egel simplesmente lem!ra que uma proposi+ão de igualdade do tipoB0m.aE indica a passagem de um conceito do mundo supra-sensível Bfor+aE a conceitos domundo fenom%nico Bmassa e acelera+ãoE. &o entanto, o explicar pr#prio ao entendimento parece assim ser a realiza+ão do mundo supra-sensível no mundo fenom%nico, um realizarque não implicaria em mudan+a alguma da oisa, $á que seria uma simples posi+ão deigualdade. Haí porque /egel afirma que7

9)@ idem, par. )QQ9)) /3:3, $ncDclop'die, p. )<J.

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3ssa mudan+a não é ainda uma mudan+a da oisa mesma, mas antes, se apresenta $ustamente como mudan+a pura, $á que o conteIdo dos momentos da mudan+a permanece o mesmo9)9.

 &o entanto, n#s sa!emos que este explicar é a posi+ão de uma proposi+ão de

igualdade que faz com que a essencialidade de um termo passe necessariamente no outro.'egamos então a seguinte conclusão7 se a lei apareceu como o resultado da a!stra+ão dasdiferen+as dos fenmenos Ba diferen+a universal como fundamento da leiE, agora estadiferen+a parece anular-se através do pr#prio movimento de determina+ão do fenmeno.ssim, ou a consci%ncia encontrou um modo adequado e integral de aplica+ão entre lei efenmeno Bo que implicaria na anula+ão da pr#pria no+ão de mundo fenom%nico e da idéiade que aquilo que aparecia como mundo fenom%nico era, na verdade, o mundo supra-sensívelE ou a consci%ncia admite que não sa!ia o que dizia ao falar de “diferen+auniversal( e “igualdade(. &os dois casos, ela v% seu mundo simplesmente desa!ar, $á queela não sa!e mais como conceituá-lo.

O mundo !n+ert!do e a +erdade!ra !n&!n!tude

Higamos que /egel nos fornece duas figuras deste desa!amento. primeira é ano+ão de “mundo invertido(, a segunda é a pr#pria no+ão de que o o!$eto do entendimentonão é um o!$eto finito capaz de ser apreendido por determina+*es fixas, mas é a pr#priano+ão de infinitude.

1o!re o mundo invertido, muito 'averia a se dizer. 1a!emos como se trata de umtermo popular que dizia respeito a estas invers*es do curso do mundo e da lei operada porfestas anmicas como o carnaval. /egel sintetiza tal dinAmica de invers*es ao afirmar7

onforme a lei desse mundo invertido, o 'omnimo do primeiro mundo é assim odesigual de si mesmo `a identidade é diferen+a\; e o desigual desse primeiro mundoé tam!ém desigual a si mesmo, ou advém igual a si `a diferen+a é identidade\9)J.

través da figura do mundo invertido, tudo se passa como se /egel zom!asse daIltima tentativa do entendimento em conservar um pensar aferrado " determinidade fixa darepresenta+ão. 6ois o entendimento pode ainda inverter as determina+*es do mundo,transvalorar seus valores, perverter o significado de tudo o que parecia, até então,fundamentado. &o entanto, ele estará apenas invertendo um mundo que continuafuncionado como fundamento, mas agora como “fundamento negativo(, como sesimplesmente trocássemos de sinal em uma opera+ão matemática. 3sta é a Iltima astIcia doentendimento e consiste simplesmente em “passar no oposto(, em inverter tudo em suadetermina+ão oposta.

3sta passagem no oposto, no entanto, ainda não é dialética, $á que o oposto éconservado fora da posi+ão da determinidade. 6or isto que /egel, introduz aqui anecessidade de distinguir a inversão BCer+ehrung E e a contradi+ão BiderspruchE7 “ /á quese pensar a mudan+a pura, ou a oposi+ão em si mesma7 a contradi+ão(.

Veremos mais a frente o que /egel entende exatamente por contradi+ão. &este ponto, podemos apenas insistir que /egel procura um modo de pensar capaz de mostrar

9)9 /3:3, Fenomenologia, par. )Q<9)J idem, par. )QY

KK

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como as diferen+as são internas " determinidade, e não postas externamente so! a figura daoposi+ão. 6or isto, ele deverá recuperar a no+ão de contradi+ão como “identidade entre aidentidade e a diferen+a(.

3sta no+ão de uma determinidade que porta em si mesma sua pr#pria diferen+a é adefini+ão do conceito mesmo de infinitude. Infinito ' aquilo que porta em si mesmo sua

 própria negação e que, ao in*'s de se auto-destruir, conser*a-se em uma determinidade(Haí porque /egel pode afirmar, em uma frase c'ave7

infinitude, ou essa inquieta+ão a!soluta do puro mover-se-a-si-mesmo, faz comque tudo o que é determinado de qualquer modo 8 por exemplo, como ser 8 se$aantes o contrário dessa determinidade9)P.

 &o entanto, como veremos mais a frente, a infinitude não consiste em uma passagem incessante e inquieta no contrário. onsiste, antes, neste “delírio !áquico, ondenão 'á mem!ro que não este$a é!rio; e porque cada mem!ro, ao separar-se, tam!émimediatamente se dissolve, esse delírio é ao mesmo tempo repouso translIcido esimples(9)Q. 3sta é apenas uma maneira mais inspirada de dizer que7

ada qual é um contrário 8 o contrário de um Futro 8 de forme que em cada um oFutro $á é enunciado ao mesmo tempo que ele. Fu se$a, um não é o contrário de umFutro, mas somento o contrário puro, e assim, cada um é, em si mesmo, o contráriode si. Fu, de modo geral, não é um contrário, senão puramente para si, uma puraess%ncia igual-a-si-mesma, que não tem nela diferen+a nen'uma9)<.

3ste ser que é, ao mesmo tempo, id%ntico a si e o contrário de si é, no entanto,impossível de ser representado pelo entendimento. 'egamos assim as seguinte situa+ão7 aconscijencia. Hurante toda a se+ão “onsci%ncia(, procurou fundamentar suasexpectativas cognitivo-instrumentais através da confronta+ão su$eitoo!$eto. Rniciandoatravés de opera+*es ling5ísticas elementares Bcomo a designa+ão ostensivaE, a consci%ncia perce!eu que as opera+*es cognitivas estavam fundamentada no entendimento enquantoreflexão so!re rela+*es BcausalidadeE e aplica+ão de leis. &o entanto, tais modos deaplica+ão e de estrutura+ão de rela+*es levaram a consci%ncia " compreensão da aus%nciade fundamento de suas estruturas do sa!er. Hepois de inverter tudo o que l'e parecia seguroe fixo, ela ficou diante de um o!$eto que é um impensável contrário de si.

 &o final do capítulo /egel indicará então o camin'o por onde a fenomenologiaandará a fim de sair deste impasse. 3le dirá que este o!$eto tem a estrutura do su$eito,estrutura de unidade a partir da internaliza+ão da diferen+a7 “quando a infinitude finalmenteé o o!$eto para a consci%ncia, então a consci%ncia é consci%ncia-de-si(. &o entanto, não setrata mais su$eitos individuais, mas de su$eitos apreendidos a partir de suas práticas sociais,su$eitos que se confrontam a todo momento com a diferen+a que vem de outros su$eitos.1airemos então da confronta+ão direta entre su$eito e o!$eto para passarmos " maneira comque práticas sociais são configuradas e legitimadas a partir de estruturas gerais Be não ainda'ist#ricasE de intera+ão com a diferen+a. Rsto nos levará a um 3u que desco!rirá em simesmo as marcas da alteridade.

9)P idem, par. )<J9)Q idem, par. PO9)< idem, par. )<9

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Cur"o Heel

Aula

 &a aula de 'o$e, iniciaremos a análise da se+ão “onsci%ncia de si(. 6ara tanto, precisaremos das Iltimas cinco aulas. 3las serão divididas da seguinte maneira7

- aula de 'o$e7 análise do trec'o que vai do parágrafo )<< a )OO- s aulas n. )J e )P7 análise da dialética do 1en'or e do 3scravo Bparágrafo )OY a

)K<E- ula n. )Q 7 análise das figuras do estoicismo e do ceticismo Bparágrafo )KO a 9@<E- ula n. )<7 análise da figura da consci%ncia infeliz Bparágrafo 9@O a 9J@E

3u 'avia sugerido, como leitura de !ase, os textos7 “ guisa de introdu+ão(, de lexandreLo$Nve; “amin'os da destranscendentaliza+ão(, de /a!ermas e “rítica da dialética e dafilosofia 'egelianas em geral(, capítulo dos 4anuscritos econ5mico-filosóficos de ?arx. Fsdois primeiros textos são leituras o!rigat#rias, o Iltimo serve de encamin'amento paradiscuss*es que serão aprofundadas posteriormente. /á ainda um comentário que deve nosde guia de leitura para as aulas )J e )P7 Os primeiros com2ates do reconhecimento, de6ierre-Dean a!arriNre e :Sendoline DarczMC.

 &a aula de 'o$e, será pois necessário dar conta de quatro quest*es maiores postas pelo trec'o inicial da se+ão “onsci%ncia de si(. Huas delas dizem respeito " estrutura efun+ão desta se+ão central7 o pro!lema da supera+ão de uma dinAmica fenomenol#gicaassentada na consci%ncia " uma dinAmica assentada na consci%ncia de si e o modo deorganiza+ão da experi%ncia so! o primado da consci%ncia de si. s duas outras quest*esdizem respeito ao aparecimento do dese$o como conceito de !ase para a compreensão dasopera+*es pr#prias " consci%ncia-de-si e, por fim, " descri+ão que /egel fornece em nossotrec'o so!re a vida como conceito imperfeito para a compreensão da estruturaintersu!$etiva pressuposta pela consci%ncia de si.

Eu e o42eto )omo du#lo"

“=. onsci%ncia de si7 a verdade da certeza de si mesmo(. 3ste era o título originalda nossa se+ão. &este sentido, ele se diferencia da se+ão precedente7 “. onsci%ncia(,com seus tr%s capítulos dedicados " certeza sensível, " percep+ão e ao entendimento. Fsu!título da se+ão é, na verdade, um comentário do seu sentido. /egel usará expedientesemel'ante apenas em outra se+ão7 “. BE >azão7 certeza e verdade da razão(.

 &o caso da consci%ncia de si, o su!título não poderia ser mais apropriado. om aconsci%ncia de si, entramos naquilo que /egel c'ama de “terra pátria da verdade(. Fu se$a,a verdade encontra enfim seu fundamento. o contrário, na se+ão “onsci%ncia(, a verdadeencontrava-se alienada em solo estran'o, $á que ela sempre era pensada como adequa+ão aum o!$eto independente que trazia, em si mesmo, a verdadeira medida do sa!er.

?as vemos que, inicialmente, esta verdade não é apresentada como “a verdade doo!$eto(, mas “a verdade da certeza de si mesmo(; quer dizer, a consci%ncia de si apresenta anatureza verdadeira da certeza su!$etiva de si, da certeza su!$etiva da min'a pr#pria auto-

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identidade e auto-constitui+ão. &este sentido, podemos dizer que nossa se+ão visa mostrarcomo o desvelamento da verdadeira natureza da certeza su!$etiva de si será o fundamento para a re-orienta+ão do sa!er verdadeiro so!re os o!$etos do mundo. Fpera+ão possíveldevido ao postulado idealista de que “a estrutura e unidade do conceito `descri+ão deestados do mundo\ é id%ntica a estrutura e unidade do eu(9)O.  ssim, o questionamento

so!re a verdade da certeza de si será, necessariamente, questionamento a respeito daverdade so!re o sa!er dos o!$etos. Z tendo tais quest*es em vista que devemos ler o primeiro parágrafo do nosso trec'o7

 &os modos precedentes da certeza, o verdadeiro é para a consci%ncia algo outro queela mesma. ?as o conceito deste verdadeiro desvanece na experi%ncia que aconsci%ncia faz dele. F o!$eto se mostra, antes, não ser em verdade com eraimediatamente em si7 o ente da certeza sensível, a coisa concreta da percep+ão, afor+a do entendimento, pois esse 3m-si resulta ser uma maneira, como o o!$eto ésomente para um outro. F conceito de o!$eto se eleva Bhe2t sichE ao o!$eto efetivo, a primeira representa+ão imediata se eleva " experi%ncia e a certeza vem a perder-sena verdade. 1urgiu porém agora o que não emerge nas rela+*es anteriores, a sa!er,uma certeza `su!$etiva\ igual " sua verdade `o!$etiva\, $á que a certeza é para simesma seu o!$eto, e a consci%ncia é para si mesma a verdade. 1em dIvida, aconsci%ncia é tam!ém nisso um ser-outro, isto é, a consci%ncia diferenciaBunterscheidet E `algo de si mesmo\ mas de tal forma que ela é, ao mesmo tempo, umnão-diferenciar Bnicht <nterschiedenesE `$á que este algo diferente ainda é elamesma\9)Y.

3ncontramos aqui um resumo que visa mostrar o que realmente estava em $ogo na se+ão precedente. 3nquanto consci%ncia, a medida da verdade era fornecida pela adequa+ão entrerepresenta+*es mentais e o!$etos Bvimos isto principalmente nos capítulos dedicados " percep+ão e ao entendimentoE. &o entanto, n#s vimos como o o!$eto da experi%ncia sempreultrapassava Bou mel'or, sempre invertiaE as representa+*es naturais do pensar. F isto dacerteza sensível mostrou ter sua verdade na universalidade da linguagem. coisa da percep+ão mostrou ter sua verdade na clivagem do o!$eto, entre 4m e multiplicidade de propriedades predicadas. 6or fim, a for+a do entendimento mostrou-se como contradi+ão para as opera+*es categoriais do pr#prio entendimento.

3m cada um destes momentos, a consci%ncia parecia perder a o!$etividade da suacerteza, ou se$a, a cren+a de que seu sa!er era capaz de descrever estados de coisasindependentes e dotados de autonomia metafísica. o final do capítulo dedicado " certezasensível, por exemplo, a consci%ncia se viu na impossi!ilidade de nomear a particularidadeda experi%ncia sensível devido " estrutura universalizante da pr#pria linguagem. o finaldo capítulo dedicado " percep+ão, a consci%ncia se viu na impossi!ilidade de apreender umo!$eto que aparecia, ao mesmo tempo, como 4m e como multiplicidade de propriedades predicáveis, a não ser que apenas um dos p#los fosse dotado de essencialidade, e o outrofosse inessencial Bo que implicava em a!andonar as expectativas cognitivas depositadas no primado da percep+ãoE. 3nfim, ao final no capítulo dedicado ao entendimento, aconsci%ncia se viu na impossi!ilidade de sustentar uma divisão estrita entre fenmeno emundo supra-sensível, entre o que da ordem do transcendental e o que é da ordem do9)O =>&HF?, >ome pragmatisti themes in 3egel#s idealism, pag. 9)@9)Y /3:3, Fenomenologia, par. )<<

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empírico. F que a o!rigava a compreender o o!$eto da experi%ncia a partir de categoriasimpossíveis de serem articuladas no interior do primado do entendimento.

 &o entanto, /egel afirma que surgiu agora aquilo que, na Rntrodu+ão, ele 'aviac'amado de meta7 ^onde o sa!er não necessita ir além de si mesmo, onde o conceitocorresponde ao o!$eto e o o!$eto ao conceito(9)K,   ou se$a, surgiu uma certeza igual "

verdade. 3ste surgir eclode quando o sa!er compreende que seu o!$eto é a pr#priaconsci%ncia e que lá onde ele acreditava estar lidando com o!$etos autnomos, ele estavalidando com a pr#pria estrutura do sa!er enquanto o que determina a configura+ão do que pode aparecer no interior do campo da experi%ncia. “Z para a consci%ncia que o 3m-si doo!$eto e seu ser-para-um-Futro são o mesmo(99@. Haí porque não se trata mais de tematizara consci%ncia como consci%ncia de o2jeto, mas como consci%ncia de consci%ncia,consci%ncia das estruturas do pensar da consci%ncia, ou ainda, consci%ncia de siB>el2st2e7ustsseinE.

/egel afirma então que, enquanto consci%ncia de si7

F 3u é o conteIdo da rela+ão e a rela+ão mesma, defronta um Futro `pois toma a simesmo como o2jeto\ e ao mesmo tempo o ultrapassa; e esse Futro, para o 3u, éapenas ele pr#prio `$á que ele toma a si mesmo como o!$eto\99).

firma+*es desta natureza podem se prestar a vários mal-entendidos. 6ode parecerque /egel afirma, em uma !ela demonstra+ão de idealismo a!soluto, que o 3u não é apenaso que fornece a forma do que aparece Bcomo em Lant ao insistir que o o2jeto qualquer dascategorias do entendimento era o correlato do 3u penso ou da unidade da consci%nciaE, mastam!ém o conteIdo, a matéria do que aparece. 1# assim /egel poderia afirmar que o 3u é,ao mesmo tempo, o conteIdo da rela+ão Bentre sa!er e o!$etoE e a pr#pria rela+ão Ba formaatravés da qual o sa!er disp*e o que apareceE.

 &o entanto, a pr#pria economia do texto 'egeliano nos demonstra que tal leitura éequivocada ou, ao menos, ela não leva em conta o que realmente está em $ogo nestemomento da tra$et#ria fenomenol#gica. em!remos aqui como surgiu inicialmente estacerteza igual " verdade. &o final do capítulo dedicado ao entendimento, a consci%ncia tem aexperi%ncia de que as determina+*es e dicotomias do sa!er Bfenmeno e mundo supra-sensível, ess%ncia e apar%ncia etc.E são constantemente invertidas pela experi%ncia. Hoiscamin'os então se a!rem7 ou simplesmente inverter todas suas expectativas cognitivo-intrumentais e operar em um “mundo invertido( ou recon'ecer que o o!$eto da experi%ncia $á manifesta o que /egel entende por “infinitude(.

Vimos como, para /egel, infinito era exatamente aquilo que porta em si mesmo sua própria negação e que, ao in*'s de se auto-destruir, conser*a-se em uma determinidade(Haí porque ele podia afirmar, em uma frase c'ave7 “ infinitude, ou essa inquieta+ãoa!soluta do puro mover-se-a-si-mesmo, faz com que tudo o que é determinado de qualquermodo 8 por exemplo, como ser 8 se$a antes o contrário dessa determinidade( 999.

He uma maneira a!rupta, /egel então afirmava que7 “quando a infinitudefinalmente é o o!$eto para a consci%ncia, então a consci%ncia é consci%ncia-de-si(. 3ste ponto deve ser salientado7 a passagem da consci%ncia " consci%ncia-de-si não se dá quando

9)K /3:3, Fenomenologia, par. Y@99@ /3:3, Fenomenologia, par. )<<99) /3:3, idem999 /3:3, Fenomenologia, par. )<J

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o su$eito tem a experi%ncia de uma su!sun+ão integral do o!$eto ao 3u. verdadeiraexperi%ncia é de uma certa duplicação. consci%ncia tem a experi%ncia de que o o!$etotem a mesma estrutura da consci%ncia-de-si. F o!$eto, de uma certa forma, é a duplica+ãoda estrutura da consci%ncia-de-si e, enquanto duplica+ão, a reflexão so!re a estrutura daconsci%ncia-de-si será, necessariamente, uma reflexão so!re a estrutura do o!$eto. Rsto

significa, entre outras coisas, que algo da resist%ncia do o!$eto sentido pela consci%nciaatravés das tentativas de aplica+ão do conceito " experi%ncia será internalizado pelaconsci%ncia-de-si.

/egel opera tal duplica+ão recorrendo " 0ic'te, isto a fim de lem!rar que o que temem si sua pr#pria nega+ão deve ser estruturalmente id%ntico ao 3u. Haí a necessidade desta passagem extremamente fic'teana ao final do capítulo dedicado ao entendimento7 “3u medistingo de mim mesmo, e nisso é imediatamente para mim que este diferente não édiferente. 3u, o 'omnimo, me expulso de mim mesmo; mas esse diferente, esse posto-como-desigual é imediatamente, enquanto diferente, nen'uma diferen+a para mim( 99J.

/egel retomará coloca+*es desta natureza no parágrafo )<O, ao lem!rar que aconsci%ncia-de-si não e apenas a “tautologia sem movimento do ^3u sou 3u_( pois“enquanto para ela a diferen+a não tem a figura do ser, ela não é consci%ncia-de-si(.  partir daí, /egel pode então fornecer sua defini+ão de consci%ncia-de-si7

consci%ncia-de-si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e perce!ido; éessencialmente o retorno a partir do ser-Futro99P.

Fu se$a, a consci%ncia-de-si é este movimento de refletir-se no ser do mundo sensível e perce!ido e retornar a si desta aliena+ão no que tem valor de um Futro, de um oposto "consci%ncia. omo vemos, esta defini+ão de consci%ncia-de-si Be de reflexão comoaliena+ão e internaliza+ão $á que “a auto-reflexão significa apercep+ão, a consci%ncia deque ten'o consci%ncia de algo(99QE é id%ntica " defini+ão 'egeliana de “experi%ncia(7“3xperi%ncia é $ustamente o nome desse movimento em que o imediato, o não-experimentado, ou se$a, o a!strato 8 quer do ser sensível, quer do 1imples apenas pensado 8se aliena e depois retorna a si dessa aliena+ão; e por isso 8 como é tam!ém propriedade daconsci%ncia 8 somente então é exposto em sua efetividade e verdade(99<. Rsto apenasdemonstra como a experi%ncia fenomenol#gica é necessariamente experi%ncia deconstitui+ão reflexiva da consci%ncia-de-si.

De"e2o6 !nteração "o)!al e a terra #,tr!a da +erdade

 &o entanto, 'á ainda uma segunda razão para a passagem da consci%ncia "consci%ncia-de-si. &ão se trata apenas de dizer que, em um dado momento do tra$etofenomenol#gico, a consci%ncia desco!re que o o!$eto tem a mesma estrutura do 3u Bsendoque este “mesmo( implica em uma igualdade especulativa, igualdade que internaliza adiferen+aE. omo eu dissera anteriormente, a grosso modo, a consci%ncia compreende quesua expectativas cognitivo-instrumentais são dependentes de modos de intera+ão social e de práticas sociais. 3m Iltima análise, toda opera+ão de con'ecimento depende de uma

99J /3:3, Fenomenologia, par. ))O99P /3:3, Fenomenologia, par. )<O99Q /=3>?1, %aminhos da destranscendentali.ação, p. )Y<99< /3:3, Fenomenologia, par. J<

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configura+ão prévia de um “!acCground( normativo socialmente partil'ado, no qual todasas práticas sociais aceitas como racionais estão enraizadas, e aparentemente não- pro!lemático que orienta as aspira+*es da razão em dimens*es amplas. 3sta idéia foi postade maneira elegante por >o!ert =random ao afirmar que7 “2oda constitui+ão transcendentalé uma institui+ão social(99O, no sentido de que tudo o que tem status normativo é uma

realiza+ão social.3sta dupla articula+ão s# será possível se mostrarmos que a estrutura do 3u $á é,desde o início, uma estrutura social e que a idéia do 3u como individualidade simplesmenteconstraposta " universalidade da estrutura social é rapidamente posta em c'eque a partir domomento em que compreendemos, de maneira correta, o que está em $ogo na g%nese do processo de individualiza+ão de 3us socializados. /egel, de fato, quer levar " Iltimasconseq5%ncias esta idéia de que o 3u $á é desde o início uma estrutura social mostrando asconseq5%ncias desta proposi+ão para a compreensão do su$eito do con'ecimento, do su$eitoda experi%ncia moral, o su$eito do vínculo político e o su$eito da frui+ão estética. F 3ununca é uma pura individualidade, mas7 “os indivíduos são eles mesmos de naturezaespiritual e contém neles estes dois momentos7 o extremo da singularidade que con'ece equer para si e o extremo da universalidade que con'ece e quer o que é su!stancial( 99Y.

 &o entanto, nada disto nos foi apresentado até agora no interior do texto da Fenomenologia do $spírito( &ovamente, os primeiros passos desta opera+ão complexa seráapresentado de maneira a!rupta. &o parágrafo )<O, ao lem!rar que a no+ão de “fenmeno(,enquanto “diferen+a que não tem em si nen'um ser( B$á que é apenas o aparecer para-um-FutroE não era figura da unidade da consci%ncia-de-si consigo mesma mas, ao contrário, a pr#pria clivagem B$á que a essencialidade está sempre em um Futro inacessível ao sa!erE,/egel afirma7 “3ssa unidade `da consci%ncia-de-si\ deve vir-a-ser essencial a ela, o quesignifica7 a consci%ncia-de-si é dese$o em geral B =egierde 12erhaupt E(99K.

F que significa esta introdu+ão do que /egel c'ama aqui de “dese$o em geral(, ouse$a, não dese$o deste ou daquele o!$eto, mas dese$o tomado em seu sentido geral, comomodo de rela+ão entre su$eito e o!$etoG partir do contexto, podemos compreender que aunidade da consci%ncia-de-si com o que 'avia se alo$ado no “interior das oisas( comoess%ncia para além dos fenmenos, unidade entre o sa!er e a determina+ão essencial doso!$etos s# será possível a partir do momento em que compreendermos as rela+*es entresu$eito e o!$eto não apenas como rela+*es de con'ecimento, mas primeiramente comorela+*es de dese$o e satisfa+ão. 6erce!emos agora o taman'o da inflexão em $ogo na passagem da consci%ncia " consci%ncia-de-si

princípio, uma afirma+ão desta natureza pareceria algo totalmente temerário.3staria /egel colocando em marc'a alguma forma de psicologismo selvagem que su!meteas expectativas cognitivas a interesses prático-finalistasG Fu estaria ele insistindo, e aí namel'or tradi+ão que encontramos tam!ém em &ietzsc'e e 0reud, que a razão configuraseus procedimentos Bou se$a, ela define o que é racional e legítimoE através dos interesses postos na realiza+ão de fins práticos, interesses que nos leva a recuperar a dignidadefilos#fica da categoria de “dese$o(G

He fato, esta segunda alternativa parece ser o caso.. &este sentido, podemos seguirum comentador que viu isto claramente, >o!ert 6ippin7 “/egel parece estar dizendo que o pro!lema da o!$etividade, do que estamos dispostos a contar como uma reivindica+ão

99O =>&HF?, idem99Y Ver a este respeito 1F4/3-H:431, N'gation et indi*idualit9 dans la pens'e polítique h'g'lienne99K /3:3, Fenomenologia, par. )<O

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o!$etiva é o pro!lema de satisfa+ão do dese$o, que a ^verdade_ é totalmente relativizada porfins pragmáticos B...E 2udo se passa como se /egel estivesse reivindicando, como muitosfizeram nos séculos R e , que o que conta como explica+*es !em-sucedidasdependem de quais pro!lemas práticos queremos resolver B...E que o con'ecimento é umafun+ão de interesses 'umanos(9J@.

 &o entanto, parece que /egel estaria assim entrando com os dois pés em algumaforma de relativismo que su!mete expectativas universalizantes de verdade a conting%nciade contextos marcados por interesses e dese$os particulares. não ser que /egel se$a capazde mostrar que os interesses práticos não são guiados pelo particularismo de apetites einclina+*es mas que, ao se enga$ar na dimensão prática tendo em vista a satisfa+ão de seusdese$os, os su$eitos realizam necessariamente as aspira+*es universalizantes da razão. ?ascomo defender tal posi+ão partindo da centralidade do dese$o na constitui+ão daconsci%ncia-de-siG

laro está que precisaríamos aqui adentrar na especifica+ão do conceito 'egelianode dese$o. &o entanto, /egel não faz exatamente isto nos parágrafos seguintes. 1# teremosuma descri+ão mais adequada do processo do dese$o entre os parágrafos )OP e )OO. &estetrec'o, teremos mais indica+*es a respeito deste modo de rela+ão entre su$eito e seu-FutroBno caso, o o!$etoE que /egel $á 'avia tematizado no capítulo precedente ao falar dainfinitude. sua maneira, o dese$o em /egel será a posi+ão desta infinitude tematizada nofinal do capítulo so!re o entendimento. ?as /egel será agora o!rigado a, de uma certaforma, distinguir duas modalidades de dese$o Bo dese$o vinculado " consuma+ão do Futro eo dese$o que forma 8 ou se$a, o tra!al'oE, da mesma forma com que ele terá de distinguirduas modalidade de infinitude7 uma verdadeira e outra ruim.

O )!)lo da +!da

?as antes de entrarmos nestas considera+*es so!re a no+ão 'egeliana de dese$o,devemos seguir o texto da 0enomenologia a fim de dar conta do que está posto em seguida,nos parágrafos )<Y a )O9. o apresentar a no+ão de que a consci%ncia-de-si é dese$o emgeral, /egel afirma que a consci%ncia tem pois diante de si um duplo o!$eto7 um é elamesma B$á que ela é consci%ncia-de-siE, o outro é o o!$eto da certeza sensível e da percep+ão, ou se$a, este o!$eto tal como aparece imediatamente " consci%ncia. &o entanto,este o!$eto está “marcado com o sinal do negativo(7 ele foi negado enquanto o!$etoautnomo.

?as, para n#s, ou se$a, para aquele que avalia o tra$eto fenomenol#gico daconsci%ncia na posteridade, esta nega+ão não era uma nega+ão simples Bo que nos levaria auma anula+ão simples de toda independ%ncia do o!$etoE, ela era uma nega+ão dialética. onegar a pura particularidade da certeza sensível, ao ter a experi%ncia da clivagem do o!$etoem unidade e multiplicidade, a consci%ncia não estava apenas tendo a experi%ncia dainadequa+ão do seu sa!er so!re as coisas. 3la estava tendo a experi%ncia da manifesta+ãoda vida. 6or isto, /egel pode afirmar7

6ara n#s, ou em si, o o!$eto que a para consci%ncia-de-si é o negativo retornou so!resi mesmo, do seu lado; como do outro lado, a consci%ncia tam!ém fez o mesmo.?ediante esta reflexão so!re si B eflexion in sichE, o o!$eto veio-a-ser B ge7ordenE

9J@ 6R66R&, /he satisfaction of self-consciousness, p. )PY

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vida. F que a consci%ncia-de-si diferencia de si como ente não tem apenas, enquantoé posto como ente, o modo da certeza sensível e da percep+ão, mas é tam!ém serrefletido so!re si; o o!$eto do dese$o imediato é um ser vivo9J).

Hito pois que o dese$o forneceria a nova perspectiva de estrutura+ão das rela+*es

entre consci%ncia e o!$eto, agora so! o primado da consci%ncia-de-si, /egel procuradeterminar qual é a primeira forma de apari+ão do o!$eto do dese$o. 3sta primeira forma deapari+ão não é um o!$eto autnomo ou uma outra consci%ncia-de-si. &a verdade, o primeiroo!$eto do dese$o é a vida.

 &este ponto, /egel retorna a antigas coloca+*es que animaram seus escritos de $uventude. &a sua $uventude, /egel $á tin'a para si alguns tra+os gerais da tarefa filos#ficaque irá anima-lo a partir da Fenomenologia do $spírito( Vimos, nas primeiras aulas, como/egel compreendia que a tarefa filos#fica fundamental do seu tempo era fornecer umasaída para as dicotomias nas quais a razão moderna 'avia se enredado. em!remos como/egel definia os tempos modernos, ou se$a, seu pr#prio tempo, como este tempo no qual oespírito perdeu sua vida essencial e está consciente desta perda e da finitude de seuconteIdo.

Vimos até agora como a Fenomenologia do $spírito apresentava algumas destasdicotomia. F sa!er pensado como representa+ão, ou se$a, enquanto disposi+ão posicionaldos entes diante de um su$eito, não podia deixar de operar dicotomias e divis*es no interiordo que se oferece como o!$eto da experi%ncia entre aquilo que é para-mim e aquilo queseria em-si, entre o que se dá através da receptividade da intui+ão e aquilo que é ordenado pela espontaneidade do entendimento com suas estruturas reflexivas de representa+ão, entreo que é da ordem do espírito e o que é da ordem da natureza, entre o que é acessível "linguagem e o que é pura particularidade inefável.

6ara a gera+ão de /egel, a filosofia moderna deve ultrapassar um sistema dedicotomias que encontrou sua figura mais !em aca!ada na maneira Cantiana de defini+ãodo primado da faculdade do entendimento na orienta+ão da capacidade cognitiva daconsci%ncia. /egel partil'a o diagn#stico de p#s-Cantianos como 0ic'te e 1c'elling de que,na filosofia Cantiana, o primado da reflexão e do entendimento, produziu cis*esirreparáveis. Haí porque “o Inico interesse da razão é o de suspender antíteses rígidas( 9J9.lém disto, /egel tem a peculiaridade de compreende tais cis*es como a formaliza+ãofilos#fica de dicotomias nas quais a modernidade 'avia se enredado. Rsto nos explica porque7 “/egel v% na filosofia Cantiana a ess%ncia do mundo moderno concentrada comonum foco(9JJ.

3m /egel, uma das primeiras formas de defini+ão do modo de anula+ão de taisdicotomias foi a tematiza+ão de uma espécie de solo comum, de fundamento primeiro, a partir do qual su$eito e o!$eto se extrairiam, isto na mais clara tradi+ão sc'ellinguiana. 3stefundamento primeiro era a vida. Haí porque /egel poderá afirmar, na $uventude7 “6ensar a pura vida, eis a tarefa(, $á que “ consci%ncia desta pura vida seria a consci%ncia do que o'omem é(. omo !em viu /Mppolite7 “a pura vida supera essa separa+ão `produzida pelo primado do entendimento\ ou tal apar%ncia de separa+ão; é a unidade concreta que o /egeldos tra!al'os de $uventude ainda não consegue exprimir so! forma dialética(9JP. vida

9J) /3:3, Fenomenologia, par. )<Y9J9 /3:3, )iferença dos sistemas filosóficos de Fichte e >chelling, p. JY9JJ /=3>?1, O discurso filosófico da mdoernidade, p. J@9JP /W66FR23, 6&nese e estrutura, p. )<9

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supera esta separa+ão porque ela forneceria o solo comum no qual su$eito e o!$eto seencontram7 todos eles estariam su!stancialmente enraizados no ciclo da vida que, por suavez, forneceria, uma perspectiva privilegiada de compreensão racional do que se apresenta.2er a vida por o!$eto do dese$o é recon'ecer, no pr#prio o!$eto, a su!stAncia que formaconsci%ncias-de-si.

 &este sentido, não é por outra razão que /egel apresenta a vida logo na entrada dase+ão dedicada " consci%ncia-de-si. 3nquanto consci%ncia que recon'ece as dicotomias nasquais uma razão compreendida a partir da confronta+ão entre su$eito e o!$eto se enredara, aconsci%ncia-de-si procura um !acCground normativo intersu!$etivamente partil'ado a partirdo qual todos os modos de intera+ão entre su$eito e o!$eto se extraem. vida apareceinicialmente como este !acCground. F que /a!ermas vira muito !em ao afirmar7 “ontra aencarna+ão autoritária da razão centrada no su$eito, /egel apresenta o poder unificador deuma intersu!$etividade que se manifesta so! o título de amor  e *ida(9JQ.

 &o entanto, a vida é ainda uma figura incompleta porque seu movimento não é para-si, ou se$a, não é reflexivamente posto e apreendido. ?as não se trata, por outro lado,de simplesmente negar, através de uma nega+ão simples, o que a reflexão so!re a vida traz.He fato, 'á uma certa continuidade entre a vida e a consci%ncia-de-si claramente posta por/egel nos seguintes termos7 “ consci%ncia-de-si é a unidade para a qual é a infinitaunidade das diferen+as, mas a vida é apenas essa unidade mesma, de tal forma que não é aomesmo tempo para si mesma(9J<.

?as antes de avan+armos, devemos nos perguntar7 como /egel compreende a vidae seu movimento, seu cicloG He maneira esquemática, podemos dizer que a vida éfundamentalmente compreendida a partir da tensão entre a universalidade da unidade davida e a particularidade do indivíduo ou da multiplicidade diferenciadora das formasviventes. 6or isto, ela pode aparecer como figura da infinitude, $á que cada um é encarna+ãoda contradi+ão entre unidade e indivíduo `lem!rar dos estudos posteriores de !iologia, emespecial os de Teismann, so!re soma ; su!stAncia mortal- e  plasma ; su!stAncia imortal\.Rsto nos explica porque /egel 'avia dito, ao apresentar o conceito de infinitude no capítuloso!re o entendimento7 “3ssa infinitude simples 8 ou o conceito a!soluto 8 deve-se c'amar aess%ncia simples da vida, a lama do mundo, o sangue universal(9JO. &o nosso trec'o, /egeldescreve o ciclo da vida do parágrafo )<K7

1eu ciclo se encerra nos momentos seguintes. ess%ncia é a infinitude, como ser-suprimido de todas as diferen+as `a *ida ' o que retorna sempre a si namultiplicidade de diferenças do *i*ente\, o puro movimento de rota+ão, a quietudede si mesma como infinitude a!solutamente inquieta, a independ%ncia mesma emque se dissolvem as diferen+as do movimento; a ess%ncia simples do tempo quetem, nessa igualdade-consigo-mesma, a figura s#lida do espa+o. 6orém, nesse meiosimples e universal, as diferen+as tam!ém estão como diferen+as, pois essauniversal fluidez `da *ida como unidade\ s# possui sua natureza negativa enquantoé um suprimir das mesmas, mas não pode suprimir as diferen+as se essas não t%mum su!sistir 9JY. 

9JQ /=3>?1, O discurso filosófico da modernidade, p. JK9J< /3:3, Fenomenologia, par. )<Y9JO /3:3, Fenomenologia, par. )<99JY /3:3, Fenomenologia, par. )<K

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2odo o desenvolvimento do parágrafo )O@ até o parágrafo )O9 é uma longa descri+ão so!reeste processo de afirma+ão das diferen+as contra o fundo de unidade da vida e dedissolu+ão, ou o perecimento, das mesmas diferen+as através da afirma+ão do fluxocontínuo da vida enquanto fluxo de multiplicidade de figuras que não su!sistem. omo !em lem!ra /Mppolite7 “6ode-se partir da vida como todo Bnatura naturansE e c'egar aos

indivíduos separados Bnatura naturataE e pode-se igualmente partir do indivíduo separado ereencontrar nela esta totalidade da vida(9JK. Haí porque /egel poderá afirmar, ao final, quea vida7 “é o todo que se desenvolve, que dissolve seu desenvolvimento e que se conservasimples nesse movimento(9P@.

?as, como vimos, a vida s# é esta infinitude para a consci%ncia-de-si, ela não para-si. &este sentido, a infinitude presente na vida deve se manifestar " consci%ncia-de-si.omo a vida é o pr#prio meio do qual a consci%ncia-de-si faz parte, ela deve desco!ririnicialmente em si mesma tal infinitude. 3 a primeira manifesta+ão de tal infinitude se daráatravés do dese$o. 4ma manifesta+ão ainda imperfeita pois solidária do aparecimento deum infinito ruim. ?as como pode uma infinitude ser ruimG

A !n&!n!tude ru!m do de"e2o 

6artamos inicialmente do parágrafo )OP7

F 3u simples é esse g%nero, ou o 4niversal simples, para o qual as diferen+as nãosão nen'uma, somente enquanto ele é a ess%ncia negativa dos momentosindependentes formados. ssim a consci%ncia-de-si é certa de si mesma somenteatravés do suprimir desse Futro que se l'e apresenta como vida independente7 aconsci%ncia-de-si é dese$o9P).

Fu se$a, a consci%ncia-de-si enquanto individualidade que procura apenas pr-sereferindo-se apenas a si mesma é, inicialmente, certa de si, certa de ser id%ntica a si mesmaatravés da nega+ão da sua depend%ncia ao que se coloca fora ela enquanto Futro. &estesentido, se $á sa!emos que a consci%ncia-de-si é dese$o, ou se$a, rela+ão necessária a umo!$eto, então este dese$o s# pode ser satisfeito como consuma+ão, como aniquila+ão daessencialidade do Futro. F Futro é apenas um o!$eto que consumo e sua essencialidadeestá aí, em ser o!$eto do meu dese$o. ?as, seguindo uma longa tradi+ão que remonta a6latão, podemos dizer que, para /egel, quem diz dese$o diz necessariamente falta. Haí porque7

F dese$o e a certeza de si mesma alcan+ada na satisfa+ão do dese$o `notemos estaarticula+ão fundamental7 a certeza de si mesmo é estritamente vinculada aos modosde satisfa+ão do dese$o\ são condicionados pelo o!$eto, pois a satisfa+ão ocorreatravés do suprimir desse Futro, para que 'a$a suprimir, esse Futro deve ser. consci%ncia-de-si não pode assim suprimir o o!$eto através de sua rela+ão negativa para com ele, pois essa rela+ão antes reproduz o o!$eto, assim como o dese$o9P9.

9JK in /3:3, @h'nom'nologie de l#$sprit, p. )PY, nota K9P@ /3:3, Fenomenologia, par. )O)9P) /3:3, Fenomenologia, par. )OP9P9 /3:3, Fenomenologia, par. )OQ

)@K

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1e dese$o é falta, então o o!$eto dese$ado aparece como a determina+ão essencial daconsci%ncia-de-si. 0az-se necessário pois recon'ecer um ser ao Futro e por mais que aconsci%ncia-de-si procure destruir a essencialidade deste Futro., reduzindo a alteridade aomesmo, ela apenas reitera que “a ess%ncia do dese$o é um Futro que a consci%ncia-de-si(,ou se$a, ela apenas reitera como está alienada no o!$eto do dese$o. Vemos assim que,

quando o dese$o aparece na  Fenomenologia, ele é marcado por um caráter destrutivo eegoísta que visa aniquilar B*ernichtet E a o!$etividade dada a fim de permitir " su!$etividadegozar de uma identidade a!strata que ro+ava o nada. 2al opera+ão de aniquilamento leva aconsci%ncia aos impasses de um movimento infinito ruim que se desenvolve sempre noritmo da perpetua+ão da falta B 4angel E.

He fato, s# 'averá uma saída possível7

3m razão da independ%ncia do o!$eto, a consci%ncia-de-si s# pode alcan+arsatisfa+ão quando esse o!$eto leva a ca!o a nega+ão de si mesmo, nela, e deve levara ca!o em si tal nega+ão de si mesmo, pois é em si o negativo, e deve ser para oFutro o que ele é9PJ.

9PJ /3:3, Fenomenologia, par. )OQ

Cur"o HeelAula

 &a aula passada, iniciamos as considera+*es so!re o capítulo dedicado á consci%ncia-de-si.Vimos o que estava em $ogo na passagem da consci%ncia " consci%ncia-de-si. &ão setratava apenas de dizer que, em um dado momento do tra$eto fenomenol#gico, aconsci%ncia desco!ria que o o!$eto da experi%ncia tin'a a mesma estrutura do 3u 8

 pressuposto !ásico de todo e qualquer idealismo. 4m pressuposto que não queria dizer quea passagem da consci%ncia " consci%ncia-de-si se dava a partir do momento em que osu$eito tin'a a experi%ncia de uma su!sun+ão integral do o!$eto ao 3u. verdadeiraexperi%ncia é de uma certa duplicação. consci%ncia tem a experi%ncia de que o o!$etotem a mesma estrutura da consci%ncia-de-si. F o!$eto, de uma certa forma, é a duplica+ãoda estrutura da consci%ncia-de-si e, enquanto duplica+ão, a reflexão so!re a estrutura daconsci%ncia-de-si será, necessariamente, uma reflexão so!re a estrutura do o!$eto.

 &o entanto, como vimos na aula passada 'avia algo a mais em $ogo. omo eudissera anteriormente, a grosso modo, a consci%ncia compreende que sua expectativascognitivo-instrumentais são dependentes de modos de intera+ão social e de práticas sociais.3m Iltima análise, toda opera+ão de con'ecimento depende de uma configura+ão prévia deum “!acCground( normativo socialmente partil'ado, no qual todas as práticas sociaisaceitas como racionais estão enraizadas, e aparentemente não-pro!lemático que orienta asaspira+*es da razão em dimens*es amplas. 3sta idéia foi posta de maneira elegante por>o!ert =random ao afirmar que7 “2oda constitui+ão transcendental é uma institui+ãosocial(, no sentido de que tudo o que tem status normativo é uma realiza+ão social.

o tentar articular esta depend%ncia das expectativas cognitivas racionais emrela+ão aos modos de intera+ão social dos a duplica+ão entre a estrutura do o!$eto e do 3u,tentei mostrar como esta dupla articula+ão s# será possível se mostrarmos que a estruturado 3u $á é, desde o início, uma estrutura social e que a idéia do 3u como individualidade

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`Lo$Nve e o dese$o como dese$o de dese$o\

Cur"o Heel

Aula ; &a aula de 'o$e, continuaremos o comentário da se+ão 3spírito indo do parágrafo POO ao parágrafo Q)Y, ou se$a, este trec'o que a!arca as partes “F 3stado de direito( e “ culturae o seu reino da efetividade(. &a aula que vem, terminaremos esta segunda parte através do

simplesmente constraposta " universalidade da estrutura social é rapidamente posta emc'eque a partir do momento em que compreendemos, de maneira correta, o que está em $ogo na g%nese do processo de individualiza+ão de 3us socializados. /egel, de fato, querlevar " Iltimas conseq5%ncias esta idéia de que o 3u $á é desde o início uma estrutura socialmostrando as conseq5%ncias desta proposi+ão para a compreensão do su$eito do

con'ecimento, do su$eito da experi%ncia moral, o su$eito do vínculo político e o su$eito dafrui+ão estética. F 3u nunca é uma pura individualidade, mas7 “os indivíduos são elesmesmos de natureza espiritual e contém neles estes dois momentos7 o extremo dasingularidade que con'ece e quer para si e o extremo da universalidade que con'ece e quero que é su!stancial(.

omo vimos, era neste ponto que /egel apresentava a categoria central do dese$ocomo primeiro operador de estrutura+ão dos modos de intera+ão social. 'egamos mesmoa ver como, para /egel, a unidade da consci%ncia-de-si com o que 'avia se alo$ado no“interior das oisas( como ess%ncia para além dos fenmenos, unidade entre o sa!er e adetermina+ão essencial dos o!$etos s# seria possível a partir do momento em quecompreendermos as rela+*es entre su$eito e o!$eto não apenas como rela+*es de

con'ecimento, mas primeiramente como rela+*es de dese$o e satisfa+ão. princípio, esta afirma+ão parecia algo totalmente temerário. 3staria /egelcolocando em marc'a alguma forma de psicologismo selvagem que su!mete asexpectativas cognitivas a interesses prático-finalistasG Fu estaria ele insistindo, e aí namel'or tradi+ão que encontramos tam!ém em &ietzsc'e e 0reud, que a razão configuraseus procedimentos Bou se$a, ela define o que é racional e legítimoE através dos interesses postos na realiza+ão de fins práticos, interesses que nos leva a recuperar a dignidadefilos#fica da categoria de “dese$o(G

He fato, insisti nesta segunda alternativa. &este sentido, lem!rei para voc%s umcomentador que viu isto claramente, >o!ert 6ippin7 “/egel parece estar dizendo que o pro!lema da o!$etividade, do que estamos dispostos a contar como uma reivindica+ãoo!$etiva é o pro!lema de satisfa+ão do dese$o, que a ^verdade_ é totalmente relativizada porfins pragmáticos B...E 2udo se passa como se /egel estivesse reivindicando, como muitosfizeram nos séculos R e , que o que conta como explica+*es !em-sucedidasdependem de quais pro!lemas práticos queremos resolver B...E que o con'ecimento é umafun+ão de interesses 'umanos(.

 &o entanto, parece que /egel estaria assim entrando com os dois pés em algumaforma de relativismo que su!mete expectativas universalizantes de verdade a conting%nciade contextos marcados por interesses e dese$os particulares. não ser que /egel se$a capazde mostrar que os interesses práticos não são guiados pelo particularismo de apetites e

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comentário do trec'o que vai do parágrafo Q)K ao Q9<, trec'o no qual /egel se dedica aexpor sua leitura da pe+a de Hiderot, O so2rinho de ameau.

F trec'o a ser comentado na aula de 'o$e co!re um largo período 'ist#rico que vaida 'egemonia romana, passando pelo advento cristianismo, do mundo feudal com suasrela+*es de cavalaria, vassalagem e sua ética da 'onra, isto a fim de terminar na reflexão

so!re as rela+*es entre no!reza e realeza na monarquia a!soluta de uis RV. 6odemosorganizar nosso trec'o da seguinte maneira. parte “F 3stado de direito( trata da maneiracom que /egel compreende o advento do Rmpério romano enquanto figura da desagrega+ãoda eticidade da polis grega e da perda do fundamento su!stancial da razão enquantoorienta+ão para práticas sociais e $ulgamento. ogo em seguida, /egel inicia a segunda

inclina+*es mas que, ao se enga$ar na dimensão prática tendo em vista a satisfa+ão de seusdese$os, os su$eitos realizam necessariamente as aspira+*es universalizantes da razão. ?ascomo defender tal posi+ão partindo da centralidade do dese$o na constitui+ão daconsci%ncia-de-siG

2erminamos a Iltima aula discutindo a estrutura da no+ão 'egeliana de dese$o.

:ostaria de voltar a este ponto a fim de sistematizar mel'or o que /egel tem em mente aofalar so!re o dese$o.

Heel e o de"e2o

6ara /egel, o dese$o B =egierdeE  é a maneira através da qual a consci%ncia-de-siaparece em seu primeiro grau de desenvolvimento. &este sentido, ele é, ao mesmo tempo,modo de intera+ão social e modo de rela+ão ao o!$eto. lém do dese$o, /egel apresenta, aomenos, outros dois operadores reflexivos de determina+ão da consci%ncia-de-si7 o tra!al'oe a linguagem.

 &a aula passada, insisti que /egel vinculava-se a uma longa tradi+ão que remonta a

6latão e compreende o dese$o como manifesta+ão da falta. Rsto fica muito claro em umtrec'o da 3nciclopédia. á, ao falar so!re o dese$o, /egel afirma7

F su$eito intui no o!$eto sua pr#pria falta B 4angel E, sua pr#pria unilateralidade 8 elev% no o!$eto algo que pertence " sua pr#pria ess%ncia e que, no entanto, l'e falta. consci%ncia-de-si pode suprimir esta contradi+ão por não ser um ser, mas umaatividade a!soluta. coloca+ão não poderia ser mais clara. F que move o dese$o é a falta que aparece

intuída no o!$eto. 4m o!$eto que, por isto, pode se pr como aquilo que determina aessencialidade do su$eito. 2er a sua ess%ncia em um Futro Bo o!$etoE é uma contradi+ão quea consci%ncia pode suprimir por não ser exatamente um ser, mas uma atividade, isto nosentido de ser uma reflexão que, por ser posicional, toma a si mesma por o!$eto.

?as, dizer isto é ainda dizer muito pouco. 6ois se o dese$o é falta e o o!$eto aparececomo a determina+ão essencial desta falta, então deveríamos dizer que, na consuma+ão doo!$eto, a consci%ncia encontra sua satisfa+ão. &o entanto, não é isto o que ocorre7

F dese$o e a certeza de si mesma alcan+ada na satisfa+ão do dese$o `notemos estaarticula+ão fundamental7 a certeza de si mesmo é estritamente vinculada aos modosde satisfa+ão do dese$o\ são condicionados pelo o!$eto, pois a satisfa+ão ocorreatravés do suprimir desse Futro, para que 'a$a suprimir, esse Futro deve ser.

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su!se+ão do capítulo, esta cu$o título é7 “F 3spírito alienado de si7 a cultura B 2ildung E(. Ho parágrafo PYP ao PY<, encontramos um resumo geral do que se seguirá neste capítulo.2rata-se deste longo movimento de tentativa de recupera+ão da su!stancialidade da vidaética que vai desem!ocar no iluminismo revolucionário e em seus desdo!ramentos. Ho parágrafo PYY ao PK), temos uma digressão a respeito do conceito de cultura e de sua

 proximidade estrutural com o conceito de aliena+ão B $ntfremdung E. Fu se$a, trata-se deinsistir como os processos de forma+ão da consci%ncia são necessariamente processos dealiena+ão. Ho parágrafo PK9 ao Q@Y, temos o início do movimento 'ist#rico desta segunda parte através de uma descri+ão de rela+*es feudais entre no!reza e realeza a partir de suas próprias expectati*as de legitimidade( /egel irá demonstrar como tais rela+*es não

consci%ncia-de-si não pode assim suprimir o o!$eto através de sua rela+ão negativa para com ele, pois essa rela+ão antes reproduz o o!$eto, assim como o dese$o.

contradi+ão encontra-se aqui na seguinte opera+ão7 o dese$o não é apenas umafun+ão intencional ligada " satisfa+ão da necessidade animal, como se a falta fosse

vinculada " positividade de um o!$eto natural. 3le é opera+ão de auto-posi+ão daconsci%ncia7 através do dese$o a consci%ncia procura se intuir no o!$eto, tomar a si mesmacomo o!$eto e este é o verdadeiro motor da satisfa+ão. través do dese$o, na verdade, aconsci%ncia procura a si mesma. Haí porque /egel pode afirmar que, inicialmente, o dese$oaparece em seu caráter egoísta. Dá na  Filosofia do espírito, de )Y@Q, /egel oferece aestrutura l#gica deste movimento que serve de motor para a figura do dese$o7 F dese$antequer, ou se$a, ele quer se pr Bes 7ill sich set.enE, se fazer o!$eto B6egenstande machenE.Rsto implica inicialmente em tentar destruir o Futro Bo o!$etoE enquanto ess%ncia autnoma. &o entanto, satisfazer-se com um Futro aferrado " positividade de uma condi+ão de meroo!$eto Bno sentido representacionalE significa não realizar a auto-posi+ão da consci%nciaenquanto consci%ncia. consci%ncia s# poderá se pr se ela dese$ar um o!$eto que duplica

a pr#pria estrutura da consci%ncia. 3la s# poderá se satisfazer ao dese$ar uma outraconsci%ncia, ao intuir a si mesmo em uma outra consci%ncia. “ consci%ncia-de-si s#alcan+a satisfa+ão em uma outra consci%ncia-de-si(. Haí porque7

satisfa+ão do dese$o é a reflexão da consci%ncia de si so!re si mesma, ou a certezaque veio a ser verdade. ?as a verdade dessa certeza é antes a reflexão redo!radaB gedoppelte eflexionE, a duplica+ão da consci%ncia-de-si.

6odemos entender mel'or este ponto se levarmos a sério a rela+ão necessária entredese$o e impulso B/rie2 8 termo de difícil tradu+ão que atualmente, devido " influ%ncia psicanalítica, é normalmente traduzido por “pulsão(E. 2anto na 0ilosofia do 3spírito de)Y@Q quanto no livro da 3nciclopédia dedicado " 0ilosofia do 3spírito, /egel insiste nadistin+ão entre dese$o e impulso. Histin+ão que visa apenas mostrar como o segundo é averdade do primeiro. F primeiro ainda estaria aferrado a uma dicotomia não superada entreo su!$etivo e o o!$etivo. Haí porque a o!$etividade aparece como o que deve ser destruído para que a su!$etividade possa se pr. &este sentido, so! o império do dese$o, asu!$etividade é exatamente “o que é privado de outro, privado de conteIdo e ela sente estafalta(. Fu se$a, a falta enquanto desejo ' a primeira manifestação de uma su2jeti*idadeque j9 não se reconhece mais no que ' posto como determinidade , ou que $á não seconfunde como o fluxo simples e contínuo da vida. su!$etividade que é dese$o aparece

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realizam suas pr#prias expectativas e que sua verdade é a rela+ão de completa aliena+ão edilaceramento entre no!reza e monarquia a!soluta, assunto que irá do parágrafo Q)@ até ofinal. 3ntre os parágrafos Q@Y e Q)@, /egel insere uma nota importante so!re a linguagemem sua fun+ão expressiva B“a linguagem como )asein do puro 1i(E.

omo veremos na aula de 'o$e, no comentário deste longo desdo!ramento 'ist#rico

que vai do Rmpério romano " monarquia a!soluta de uis RV, /egel não se preocupa, emmomento algum, em estruturar uma narrativa 'ist#rica de acontecimentos queimpulsionaram o desenvolvimento 'ist#rico. &ão 'á aqui uma filosofia da 'ist#ria no seusentido mais forte do termo e mesmo a compara+ão entre o nosso trec'o e o mesmo trec'oequivalente nas  "içes so2re a filosofia da história demonstra descompassos e grandes

então como a2stração de toda determinidade, mas uma a!stra+ão que, por ser dese$o, procura se intuir no o!$eto e esta é a contradi+ão que anima a consci%ncia-de-si entre seralgo que é puramente para-si e algo que é tam!ém em-si.

6or outro lado, o impulso é, ao mesmo tempo, o fundamento e a supera+ão dodese$o. 3m )Y@Q, /egel afirmava que o dese$o tin'a ainda algo de animal por cair na ilusão

de que sua satisfa+ão estava em um o!$eto externo e particular Bdaí a contradi+ão na qualele necessariamente se enredavaE. Dá o impulso procede da oposi+ão suprimida entresu!$etivo e o!$etivo, o que significa, entre outras coisas, que sua satisfa+ão não é maismarcada exclusivamente pela particularidade do o!$eto, mas se revela como portando “algode universal(. Fu se$a, o impulso implica em uma tentativa de reconcilia+ão com o o!$etoatravés da realiza+ão desta intui+ão da falta no o!$eto. Haí porque7 á onde um `ser\id%ntico a si mesmo comporta em si mesmo uma contradi+ão e é pleno do sentimento desua identidade sendo-em-si com si mesmo, assim como do sentimento oposto de suacontradi+ão interna `vinda do vínculo ao o!$eto\, $á surge necessariamente o impulsoB/rie2E em suprimir tal contradi+ão. F `ser\ não-vivo não tem impulso algum, pois ele não pode suportar a contradi+ão, mas perece quando o Futro de si irrompe em si. `lem!rar

como /egel nunca operou com distin+*es estritas entre impulso e vontade livre - entredese$o patol#gico por o!$etos e vontade ligada " pura forma de uma lei que a consci%nciaerige para si mesma\.

?as voltemos " no+ão de que a satisfa+ão do dese$o é a reflexão da consci%ncia desi so!re si mesma, ou ainda, reflexão redo!rada. /egel procurava com isto fornecer umasaída para o pro!lema da consci%ncia-de-si, ou se$a, da consci%ncia que toma a si mesmacomo o!$eto, que não fosse tri!utária da clivagem entre eu empírico Bo!$eto para aconsci%nciaE e eu transcendental. He fato7 “quando a consci%ncia-de-si é o o!$eto, é tanto3u como o!$eto(, mas como operar tal dualidade sem cair na dicotomia entre empírico etranscendentalG

Rnicialmente, /egel apresentou, através da vida, a idéia de um fundamento comuma partir do qual su$eito e o!$eto se extraem. Fu se$a, ao invés da fundamenta+ão dasopera+*es de auto-determina+ão através da posi+ão de estruturas transcendentais, /egelapresentou um solo comum que se expressa tanto no su$eito quanto no o!$eto. &o entanto, avida é um fundamento imperfeito, pois não é reflexivo, não pode ser posto reflexivamente, $á que a vida não é para si.

/egel apresenta então a no+ão, mais completa, de “reflexão redo!rada(, ou se$a, ano+ão de que a consci%ncia s# pode se pr em um o!$eto que não se$a exatamente umo!$eto, mas que se$a por sua vez uma reflexão, um movimento de passar ao outro e deretornar a si desta aliena+ão. Haí porque a consci%ncia s# pode ser consci%ncia-de-si ao se

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saltos evidentes. Rsto nos leva a perguntar qual a natureza da narrativa e dodesenvolvimento que será apresentado. 4ma questão que, na verdade, toca o pro!lema doestatuto da 'ist#ria no interior da se+ão 3spírito.

:rosso modo, podemos dizer que a maneira peculiar com que /egel corta ocontínuo 'ist#rico, selecionando alguns momentos a despeito de outros igualmente centrais,

é feita em nome de uma 'ist#ria, não de acontecimentos, mas de padr*es de socializa+ãocom seus impasses. Rmpasses estes vinculados " insist%ncia de expectativas não realizadasde recon'ecimento do que se alo$a na posi+ão dos su$eitos. Fu se$a, trata-se principalmentede articular a perspectiva 'ist#rica a partir da maneira com que os su$eitos se inserem em práticas sociais e padr*es de conduta, quais expectativas eles mo!ilizam nesses processosde inser+ão, ou ainda, de socializa+ão e como tais expectativas iniciais são invertidas e

 pr em uma outra consci%ncia-de-si. F o!$eto deve se mostrar como “em si mesmonega+ão(, no sentido de portar esta falta que o leva a procurar sua ess%ncia no seu ser-Futro. 1o!re a no+ão de ^reflexão redo!rada_ podemos especificá-la mais afirmando setratar de um movimento que é, ao mesmo tempo, reflexão-em-si e reflexão-no-Futro.

reflexão-em-si, /egel a define na  $nciclop'dia, é a pr#pria identidade, quer dizer, estarefer%ncia-a-si que su!siste através do excluir de toda a diferen+a. Dá a reflexão-no-Futro éo momento mesmo da diferen+a ou do ser-fora-de-si. ogo, a reflexão duplicada nada maisé do que esta refer%ncia-a-si que é, ao mesmo tempo, refer%ncia-a-Futro. 4ma espécie de $ogo de espel'os duplicado. 2oda vez que a consci%ncia tenta fazer refer%ncia a si ela aca!afazendo refer%ncia a um Futro e vice-versa.

 &este sentido, o pro!lema do fundamento da consci%ncia-de-si s# pode ser resolvidoatravés de um recurso " dinAmica de recon'ecimento entre dese$os. HinAmica derecon'ecimento que nos levará a um “3u que é n#s e um n#s que é eu(. 6or trás deste euque é n#s e de um n#s que é eu, 'á a certeza de que a consci%ncia s# pode ser recon'ecidaquando seu dese$o não for mais dese$o por um o!$eto do mundo, mas dese$o de outro

dese$o, ou antes, dese$o de recon'ecimento. ssim, entramos no dia espiritual da presen+a. experi%ncia fenomenol#gica do advento deste dia espiritual da presen+a é o tema do queficou con'ecido como “a dialética do 1en'or e do 3scravo(.

O )on&l!to )omo &undamento do re)on(e)!mento

consci%ncia-de-si é em si e para si quando e porque é em si e para si para umaFutra, quer dizer, s# é como algo recon'ecido.

3sta afirma+ão sintetiza todo o processo que se desdo!rará através da figura daconsci%ncia-de-si. consci%ncia-de-si s# é na medida em que se p*e para uma Futro ecomo uma Futra. 3la é, neste sentido, a realiza+ão da no+ão de infinitude Benquanto o terem si a nega+ão de si sem, com isto, produzir um o!$eto desprovido de conceitoE. 3stadinAmica da infinitude, ou ainda, esta unidade na duplica+ão, se dará através de opera+*essimétricas de recon'ecimento. &o entanto, elas não estão disponíveis " consci%ncia-de-si. &este sentido, é extremamente sintomático que /egel não fa+a preceder a dinAmica dorecon'ecimento de considera+*es so!re o amor, tal como acontece na 0ilosofia do 3spíritode )Y@Q. 6ois o amor seria esta posi+ão de recon'ecimento mItuo na qual “cada se sa!e nooutro e cada um renunciou a si mesmo(. 3le poderia fornecer uma !ase de socializa+ão'umana que nos permitiria pensar processos sociais mais amplos de recon'ecimento.

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negadas. Rsto talvez nos explique esta peculiaridade maior da narrativa 'ist#rica no interiorda se+ão 3spírito, a sa!er, a maneira com que /egel descreve grandes movimentos'ist#ricos sempre tendo como eixo a perspectiva da consci%ncia inserida em práticassociais, como se tais movimentos pudessem ser descritos como movimentos de auto-reflexão da consci%ncia na sua confronta+ão direta com figuras de so!erania B“F sen'or do

mundo(  ̀3err der elt \, o “poder do 3stado( `>taatsmacht \  , o “nome pr#prio domonarca( etc,E. F que levou comentadores como /onnet' a insistir que /egel opera comocategorias7 “que não concernem "s rela+*es entre mem!ros da sociedade, mas apenas "rela+ão destes com a instAncia superior do 3stado(9PP.

o contrário, /egel não dará lugar algum para o amor nas suas considera+*esfenomenol#gicas so!re a dinAmica do recon'ecimento. tualmente, con'ecemos pro$etosfilos#ficos B/a!ermas, /onnet'E que v%em nisto o sinal do a!andono de um conceito fortede intersu!$etividade primitiva da vida 'umana em prol de uma perspectiva centrada nos processos de auto-media+ão da consci%ncia individual. &o entanto, podemos partir de outra

 perspectiva. 6odemos dizer que /egel age como quem acredita agora que os processosmais elementares de intera+ão social s# são legíveis no interior de dinAmicas de conflito Boque não é estran'o a um 2'omas /o!!es, por exemploE. Fu se$a, o conflito é o primeirodado na constitui+ão dos processos de intera+ão social. 3 mesmo a “vida( enquantofundamento de onde se extraem su$eito e o!$eto foi pensada a partir do conflito entre auniversalidade simples da vida e a multiplicidade de suas figura+*es diferenciadoras.

/egel pode dizer que os processos mais elementares de intera+ão social sãonecessariamente conflituais porque, para ele, tudo se passa como se toda indi*iduação fossenecessariamente uma alienação. onseq5%ncia simples do fato de que toda exterioriza+ão énecessariamente aliena+ão. consci%ncia-de-si s# pode ser recon'ecida enquantoconsci%ncia-de-si se se su!meter " aliena+ão de si. Haí porque /egel pode dizer, a respeito

das intera+*es elementares entre consci%ncias-de-si76ara a consci%ncia-de-si, 'á uma outra consci%ncia-de-si, ou se$a, ela veio para forade si `ela se v% como algo que vem da exterioridade, /egel c'ega a falar em ser-fora-de-si - 8ussersichsein\. Rsso tem dupla significa+ão7 primeiro, ela se perdeu a simesma, pois se ac'a em uma outra ess%ncia `ou se$a, ela se alienou a ver que ela é primeiramente para uma outra consci%ncia\. 1egundo, com isso ela suprimiu oFutro, pois não v% o Futro como ess%ncia, mas é a si mesma que v% no Futro `elas# v%, no outro, a pro$e+ão de si\.

Fu se$a, a primeira manifesta+ão do Futro é como aquele que me leva " perda demim mesmo por me fazer defrontar com algo de mim que se dá na min'a exterioridade.Ve$o no Futro apenas a imagem de mim mesmo, ou apenas a imagem de mim como umoutro. Dá vimos esta dinAmica quando falamos do dese$o. gora, /egel lem!ra que a perdade si é tam!ém perda do Futro `$á que o Futro tam!ém s# é enquanto recon'ecido\. “consci%ncia-de-si deve superar esse seu-ser-Futro(. 3sta supera+ão ou des-aliena+ão daconsci%ncia é necessariamente retorno a si através da constru+ão de um conceito renovadode auto-identidade Bnão mais a auto-identidade enquanto experi%ncia imediata de si a si,mas a identidade enquanto o que recon'ecido pelo FutroE. &o mesmo movimento, ela érecon'ecimento da sua diferen+a para com o Futro. Hiferen+a que poderá ser então

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 &o entanto, podemos sempre lem!rar que uma  fenomenologia do $spírito deve privilegiar o modo com que su$eitos se inserem e a!sorvem modos de racionalidadeencarnados em institui+*es e práticas sociais, constituindo sistemas de expectativas eregimes de a+ão orientada por “raz*es para agir(. &este sentido, vale sempre a penalem!rar que, no interior de práticas sociais, os su$eito realmente agem como se atualizassem

constantemente uma a+ão direta com figuras de so!erania. propriar-se, de maneirareflexiva, da racionalidade encarnada em estruturas sociais Bcondi+ão fundamental para arealiza+ão do conceito de 3spíritoE s# é possível levando em conta a maneira com quesu$eitos $ustificam, para si mesmos, como agir e quais representa+*es eles t%m da figura daso!erania.

recon'ecida porque a consci%ncia sa!e que ela traz e si mesma a diferen+a em rela+ão a simesma. ela verá no Futro a mesma diferen+a que ela encontra nas suas rela+*es " si.

?as esse movimento da consci%ncia-de-si em rela+ão a uma outra consci%ncia-de-sise representa, desse modo, como o agir B/unE de uma delas. 6orém esse agir de uma

tem o duplo sentido B gedoppelte =edeutung  8 um sentidorefer%ncia redo!radoE deser tanto o seu agir como o agir da outra; pois a outra é tam!ém independente,encerrada em si mesma, nada 'á nela que não mediante ela mesma.

F processo de recon'ecimento passará então por uma certa pragmática pois é o agir querealiza a posi+ão da consci%ncia. /egel apenas lem!ra aqui que o pro!lema darecon'ecimento deve ser necessariamente um pro!lema de como práticas sociais sãoconstituídas. 6odemos falar aqui em práticas sociais porque /egel nos lem!ra, com propriedade, que todo agir tem um sentido redo!rado7 ele é, ao mesmo tempo agir dosu$eito e agir do Futro. 2odo agir pressup*e um campo partil'ado de significa+ão no qual oagir se inscreve. 6ois todo agir pressup*e destinatários, é agir feito para um Futro e inscrito

em um campo que não é s# meu, mas é tam!ém campo de um Futro. significa+ão do atonão é assim resultado da intencionalidade dos agentes, mas determina+ão que s# se definena exterioridade da inten+ão.

6or conseguinte, o agir tem duplo sentido Bdoppelsinnig E, não s# enquanto é agirquer so!re si mesmo, quer so!re o Futro, mas tam!ém enquanto indivisamente é oagir tanto de um quanto do Futro.

/egel não teme em pensar a anatomia do ato através da dinAmica de a+ão e rea+ão pr#pria ao $ogo de for+as, na qual a posi+ão da for+a solicitada expressava-senecessariamente na posi+ão da for+a solicitante e na qual um p#lo servia de determina+ãoessencial ao outro p#lo. 3ste movimento duplicado demonstrava como a realiza+ão da for+aera necessariamente o desaparecer do seu conceito simples inicial, ou ainda como odesaparecer da for+a era a realiza+ão do seu conceito. &o caso da intera+ão entreconsci%ncias, veremos como a aliena+ão de cada consci%ncia no Futro $á é a realiza+ão daconsci%ncia-de-si. Rsto apenas demonstra como7

ada extremo é para o Futro o meio termo, mediante o qual é consigo mesmomediatizado e concluído, cada um é para si e para o Futro, ess%ncia imediata sendo para si, que ao mesmo tempo s# é para si através dessa media+ão. 3les se

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Hito isto, vale a pena fazermos uma pequena recapitula+ão a fim de entrarmosdiretamente no comentário do nosso trec'o da Fenomenologia do $spírito(

 &a aula passada, vimos, através do comentário de  8ntígona, de 1#focles, adesagrega+ão do conceito de eticidade em vigor na polis grega. Vimos como /egelidentificava uma lin'a de tensão que perpassava a eticidade grega através da dicotomia

entre a lei 'umana e a lei divina7 su!stAncias de dois nIcleos distintos de socializa+ão, asa!er, a família e a comunidade B6emein7esenE. questão central era7 como a lei dafamília e a lei da  polis podiam sustentar, con$untamente e sem cis*es, esta eticidade que permite indivíduos orientarem $ulgamentos e a+*es. 6ois será a partir da ruptura dacomplementaridade entre lei divina e lei 'umana, ruptura resultante da lenta consci%ncia

recon'ecem como recon'ecendo-se reciprocamente.

Introdu!ndo a d!al9t!)a do Sen(or e do E")ra+o

  partir do parágrafo )YQ, /egel prop*e-se a analisar o processo de manifesta+ão,

 para a consci%ncia-de-si, deste puro conceito de recon'ecimento, desta duplica+ão daconsci%ncia-de-si em sua unidade. Z a partir de agora que teremos uma descri+ãofenomenol#gica da experi%ncia de recon'ecimento da consci%ncia-de-si. 2al descri+ão visafornecer algo como a “forma geral dos processos de recon'ecimento e de intera+ão social(. &ão se trata exatamente de uma antropog%nese, como encontramos na leitura de lexandreLo$Nve, sem dIvida, uma das mais céle!res a respeito deste trec'o da  Fenomenologia do $spírito. &ão se trata de uma antropog%nese, mas da exposi+ão de uma l#gica dorecon'ecimento que será retomada em vários momentos da  Fenomenologia do $spírito,como nas figuras da consci%ncia infeliz, na confronta+ão entre a consci%ncia vil e aconsci%ncia que $ulga, entre outros.

6or outro lado, uma leitura atenta do nosso trec'o demonstra como o verdadeiro

alvo de /egel encontra-se na crítica ao pensamento representativo e na medita+ão so!re ascondi+*es l#gicas de passagem do pensamento representativo ao pensamento especulativoatravés de considera+*es so!re o lugar l#gico do recon'ecimento. F que nos explica porque, na perspectiva do para nós B f1r unsE, a H13 nos leva em dire+ão ao advento de umanova figura da consci%ncia, uma consci%ncia que  pensa e, neste momento, /egel faz umadistin+ão importante entre o!$eto do pensamento BespeculativoE e representa+ão7 “6ara o pensar, o o!$eto não se move em representa+*es ou em figuras, mas sim em conceitos, oque significa7 em um ser-em-si diferente, que imediatamente para a consci%ncia não é nadadiferente dela(.  1e não levamos em conta este primado, a via se a!re para aantropologiza+ão excessiva do discurso 'egeliano em detrimento de considera+*es so!resua articula+ão l#gica.

Ve$amos, por exemplo, como /egel inicia a descri+ão deste movimento dialético7

He início, a consci%ncia-de-si é ser-para-si simples, igual a si mesma mediante oexcluir de si de todo o outro. 6ara ela, sua ess%ncia e o!$eto a!soluto é o 3u, e nessaimediatez ou nesse ser de seu ser-para-si é um singular. F que é Futro para, estácomo o!$eto inessencial, marcado com o sinal do negativo.

 &#s $á vimos uma descri+ão semel'ante exatamente no início da certeza sensível7 o primeiro capítulo do nosso livro. á lemos7

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trágica do advento do ato B/at E de uma individualidade singular, do a!soluto ser para-si daconsci%ncia puramente singular que não se recon'ece mais em um dos p#los da lei Be, poristo, se alo$a em outro p#loE, que a eticidade grega irá dissolver-se.

/egel perce!e a estetiza+ão de tal dissolu+ão como tema central da tragédia grega.Haí porque o trágico será definido por /egel como o c'oque entre pot%ncias su!stanciais e

legitimas em o!ra no agir 'umano7 “ F trágico consiste nisto, que os dois lados da oposi+ãoB6egensat.esE, cada um tomado por si tem uma $ustifica+ão B =erechtigung E, mesmo que s#se$am capazes de fazer valer o verdadeiro conteIdo positivo de seus fins e de seuscaracteres que como nega+ão e lesão da outra instAncia(9PQ. 6ois, no interior da a+ão trágica,a consci%ncia sa!e o que tem de fazer e está decidida a pertencer se$a " lei divina feminina

F sa!er que, de início ou imediatamente é nosso o!$eto não pode ser nen'um outrosenão o sa!er que é tam!ém imediato7 sa!er do imediato ou do ente B...E nem o 3unem a coisa tem aqui a significa+ão de uma media+ão multiforme B...E consci%nciaé 3u, nada mais7 um puro este. F singular sa!e o puro este, ou se$a, sa!e o singular.

3sta semel'an+a de família nos mostra que estamos diante de pro!lemas simétrico. 3u'avia dito que a 0enomenologia é estruturada como um movimento circular que é retomadosempre em estágios mais englo!antes. He uma certa forma, a consci%ncia-de-si vai agoraretomar uma experi%ncia, de uma certa forma, $á apresentada no capítulo dedicado " certezasensível.

1e analisarmos a dialética do 1en'or e do 3scravo com cuidado, veremos que seu pro!lema fenomenol#gico consiste na possi!ilidade de apresenta+ão B )arstellung  8 o termoé várias vezes utilizado por /egel no textoE da consci%ncia como pura a!stra+ão, como puro3u. /egel é muito claro no que diz respeito " importAncia deste movimento de7 “apresentar-se a si mesmo como pura a!stra+ão( que é o motor da a+ão da consci%ncia. ?as desde o

 primeiro capítulo da Fenomenologia so!re a consci%ncia sensível, sa!emos que o espa+o deapresenta+ão do puro 3u é a linguagem B“o ser-aí do puro 3u(E, assim como sa!emos que alinguagem é este meio de apresenta+ão diante de um Futro. &este sentido, a coreografia dealiena+ão pr#pria " dialética do 1en'or e do 3scravo repete o movimento dialético queindica o momento no qual o 3u procura apresentar-se através da linguagem e aca!a poralienar-se como 3u em geral, “nome como nome(. 1endo assim, não ' possí*el apreendera estrutura lógica dos processos de reconhecimento sem le*ar em consideração o que poderíamos chamar de teoria hegeliana da linguagem e da enunciação(Veremos mais afrente como tal aproxima+ão pode nos servir. &o entanto, voltemos ao texto.

3sta apresenta+ão como pura a!stra+ão é, na verdade, o fundamento da auto-determina+ão da su!$etividade. su!$etividade s# aparece como movimento a!soluto dea!stra+ão Bé por vincular o ser do su$eito ao ponto vazio de toda ader%ncia imediata "empiria que /egel continua vinculado " no+ão moderna de su$eito@. F primeiro movimentode auto-determina+ão da su!$etividade consiste pois em negar toda sua ader%ncia com adetermina+ão empírica, consiste em transcender o que a enraíza em contextos e situa+*esdeterminadas “para ser apenas o puro ser negativo da consci%ncia igual-a-si-mesma(. 6ara/egel, a individualidade B Indi*idualit?t E aparece sempre, em um primeiro momento, comonega+ão que recusa toda co-naturalidade imediata com a exterioridade empírica. 6or isto,/egel deve afirmar7

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Bntígona com suas exig%ncia de recon'ecimento de quem partil'a o sangue da famíliaE,se$a " lei 'umana masculina Breonte com suas exig%ncias de que tais aspira+*es derecon'ecimento se su!metam aos imperativos de preserva+ão da polisE. 3ste sa!er é o quesustenta a imediaticidade da decisão, $á que ela tem a significa+ão de um ser natural,enraizado no que a natureza inscreve como sa!er acessível " consci%ncia.

Vimos que, por pensar a decisão B $ntschiendeheit E como o que se fundamenta naimediatez do sa!er, ela não compreende a a+ão como media+ão entre a consci%ncia e o quese coloca como seu Futro, isto $á que a consci%ncia ética exige que o ato não se$a outracoisa senão o que ela sa!e. atividade orientada pelo dever é, para a consci%ncia, algo deimediato e imune " contradi+ão. Hesta forma, /egel compreende que a ruína trágica está na

apresenta+ão de si como pura a!stra+ão da consci%ncia-de-si consiste em mostrar-se como pura nega+ão de sua maneira de ser o!$etiva, ou em mostrar que não estávinculado a nen'um ser-aí B )aseinE determinado, nem " singularidade universal doser-ai em geral, nem " vida.

em!remos do que dissera em aulas anteriores. 6ara /egel, o su$eito moderno nãoera simplesmente fundamento certo do sa!er, mas tam!ém entidade que marcado pelaindetermina+ão su!stancial. 3le é aquilo que nasce através da transcend%ncia em rela+ão atoda e qualquer naturalidade com atri!utos físicos, psicol#gicos ou su!stanciais. omo dirávárias vezes /egel, o su$eito é aquilo que aparece como negatividade que cinde o campo daexperi%ncia e faz com que nen'uma determina+ão su!sista. &a  Filosofia do $spírito, de)Y@Q, ele não deixará de encontrar metáforas para falar deste su$eito que aparece como oque é desprovido de su!stancialidade e de determina+ão fixa7 “F 'omem é esta noite, estenada vazio que contém tudo na simplicidade desta noite, uma riqueza de representa+*es, deimagens infinitamente mIltiplas, nen'uma das quais l'e vem precisamente ao espírito, ouque não existem como efetivamente presentes B...E Z esta noite que desco!rimos quando

ol'amos um 'omem nos ol'os, uma noite que se torna terrível, é a noite do mundo que seavan+a diante de n#s(. 6ara além da ressonAncia poética do trec'o, devemos simplesmentelem!rar como /egel insistia que a pr#pria constitui+ão do su$eito enquanto pura condi+ãoformal de um sa!er que seria eminentemente representativo Bcomo o sa!er na modernidadeEexigia uma opera+ão de “negatividade(. 6odemos inicialmente compreender tal“negatividade( como a posi+ão da inadequa+ão entre as expectativas de recon'ecimento dosu$eito e o campo de determina+*es fenomenais. &este sentido, /egel poderiasimplesmente compreender esta negatividade que “supera a imediatez a!strata, quer dizer, aimediatez que é apenas ente em geral( como “transcendentalidade(, tal como fizera, antesdele, Lant ao insistir, por exemplo, na clivagem necessária entre “eu empírico( e “eutranscendental(. ?as a negatividade 'egeliana não é a transcendentalidade Cantiana. 3la émanifesta+ão, na empiria, daquilo que fundamenta a posi+ão dos su$eitos.

6or isto, a apresenta+ão de si deve aparecer inicialmente como um atoum agir quetende " morte do Futro `" nega+ão completa da essencialidade da perspectiva do Futro\ einclui o arriscar a pr#pria vida, $á que é afirma+ão de si através da nega+ão de todoenraizamente em um )asein natural. &a 0ilosofia do 3spírito, /egel c'ega a falar7 “é umsuicídio na medida em que a consci%ncia se exp*e ao perigo(.

3sta luta de vida e morte entre as consci%ncias é assim fundamentalmente um pro!lema de auto-determina+ão de uma su!$etividade cu$o fundamento é pensado enquantonega+ão `o pro!lema do crime\. /egel é !astante claro neste sentido ao afirmar7

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essencialidade das duas perspectivas e, ao mesmo tempo, no engano em continuar, até ofim, acreditando que o ato ético é aquele fundamentado na certeza interior de seguir umalei, se$a ela divina, se$a ela 'umana. 2anto que a reconcilia+ão será, na verdade, a ruína deam!as as posi+*es, pois ruína da pr#pria eticidade grega.

 &otemos que tal ruína não aconteceria se a polis fosse capaz de se organizar a partir

de exig%ncias de recon'ecimento de uma universalidade a!strata que é a !ase universal daconsci%ncia singular e ess%ncia da lei da família, o que não é o caso da polis grega queainda descon'ece Ga concepção a2strata de que o sujeito pura e simplesmente depende do su2stancial ; do $stadoH. Fu se$a, não se trata de anular o que se aferra no interior domundo su!terrAneo da família, mas de mostrar como ele p*e, ainda de maneira imperfeita,

1# mediante o p*r a vida em risco, a li!erdade se conquista e se prova que aess%ncia da consci%ncia-de-si não é o ser, nem o modo imediato como ela surge,nem o seu su!mergir-se na expansão da vida, mas que nada 'á para a consci%nciaque não se$a para ela momento evanescente B*ersch7indendes 4oment ; que ela é

somente puro ser-para-si. F indivíduo que não arriscou a vida pode ser !emrecon'ecido como pessoa `ou se$a, como mem!ro do vínculo social\, mas nãoalcan+ou a verdade desse recon'ecimento como uma consci%ncia-de-siindependente `o que demonstra que não se trata de descrever simplesmente oadvento dos modos de socia!ilidade, mas de compreender como a consci%ncia podeter a experi%ncia da sua estrutura\.

 &#s 'avíamos visto que /egel está disposto a dar continuidade " idéia de que o princípio desu!$etividade é fundamento das expectativas de racionaliza+ão que suportam a experi%ncia'ist#rica da modernidade. &o entanto, vimos tam!ém como /egel está disposto a falardesta experi%ncia de posi+ão da negatividade do fundamento através de figuras como7

confronta+ão com a morte. 3m termos l#gicos e estritamente 'egelianos, o que aconteceuaqui foi que, ao deter-se diante da ?orte, a consci%ncia c'egou ao fundamento daexist%ncia mesma. &ão é a toa que /egel $oga, deli!eradamente, com os termos .ugrundgeher Baniquilar-seE e .u 6rund geher Bc'egar ao fundamentoE. F fundamento é, nafilosofia 'egeliana, esta determina+ão da reflexão que7 “B...E não tem nen'um conteIdodeterminado em si e para si; tam!ém não é fim, por conseguinte não é ativo nem produtivo(. Fu se$a, trata-se da pura forma, preexistente a qualquer conteIdo que ven'a preenc'%-la. F que a consci%ncia experimentou ao c'egar ao fundamento é que apreenderesta pura forma é, invariavelmente, aniquilar-se enquanto ader%ncia ao ser-aí natural e sedesco!rir como nega+ão de si em si mesmo. F pro!lema, aqui, é como elevar o fundamento" exist%ncia.

em!remos como /egel usa de maneira !astante precisa esta experi%ncia danega+ão a!soluta que é a morte. Uuando, neste contexto, /egel fala em “morte(, ele pensana manifesta+ão fenomenol#gica pr#pria " indetermina+ão fenomenal do que nunca éapenas um simples ente. Fu se$a, a morte indica uma experi%ncia do que não se su!meteaos contornos auto-id%nticos da representa+ão, a morte como aquilo que não se su!mete "determina+ão do 3u. 3ste fundamento que não tem nen'um conteIdo determinado em si e para si, ao se manifestar, toca o pr#prio modo de enraizamento do su$eito naquilo queaparece a ele como mundo. morte é a experi%ncia da fragilidade das imagens do mundo edos sistemas su!stancialmente enraizados de práticas sociais de a+ão e $ustifica+ão. 3la é

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exig%ncias de a!stra+ão que a polis ainda não é capaz de dar conta. 0ato que a feminilidade 8 esta “eterna ironia da comunidade( faz questão de lem!rar7

Uuando a comunidade s# se proporciona sua su!sist%ncia mediante a destrui+ão dafelicidade familiar e da dissolu+ão B 8uflsung E da consci%ncia-de-si na consci%ncia

universal, ela está produzindo, para si mesma, seu inimigo interior naquilo que éreprimido Bunterdr1c+ E e que l'e é ao mesmo tempo essencial 8 na feminilidade emgeral. 3ssa feminilidade 8 a eterna ironia da comunidade - muda por suas intrigas ofim universal do governo em um fim privado, transforma sua atividade universal em

assim um movimento fundamental para a constitui+ão da estrutura moderna dasu!e$tividade.

 &#s retormaremos a este ponto na aula que vem. 6ara finalizar, gostaria apenas dere!ater uma crítica de /onnet', para quem esta leitura de /egel não explicaria porque a“antecipa+ão da morte, se$a a do pr#prio su$eito se$a a do Futro deveria conduzir a umrecon'ecimento da reivindica+ão de direitos individuais(. He fato, a questão não pode ser

respondida se compreendermos o que exige recon'ecimento como sendo direitosindividuais que não encontram posi+ão em situa+*es normativas determinadas. ?as não parece que é isto que /egel coloca em questão em seu texto. o contrário, nos parece quese trata fundamentalmente de mostrar como a constitui+ão dos su$eitos é solidária daconfronta+ão com algo que não se esgota na atualiza+ão de “direitos individuais( positivos,mas que s# se p*e em experi%ncias de negatividade e des-enraizamento que se assemel'am" confronta+ão com o que fragiliza nossos contextos particulares e nossas vis*esdeterminadas de mundo. astIcia de /egel consistirá em mostrar como o demorar-sediante desta negatividade é condi+ão para a constitui+ão de um pensamento do que pode tervalidade universal para os su$eitos.

Cur"o HeelAula 3

 &a aula de 'o$e, continuaremos a leitura dos parágrafos que comp*e ac'amada “dialética do 1en'or e do 3scravo B Knecht ; cu$a tradu+ão maiscorreta seria “servo(E. &a aula passada, 'avíamos c'egado até o parágrafo)YO. Vimos, até então, como uma análise cuidadosa da dialética do 1en'or edo 3scravo nos mostra que seu pro!lema fenomenol#gico consiste na

 possi!ilidade de apresenta+ão B )arstellung  8 o termo é várias vezes utilizado por /egel no textoE da consci%ncia como pura a!stra+ão, como puro 3u.

/egel é muito claro no que diz respeito " importAncia deste movimentode7 “apresentar-se a si mesmo como pura a!stra+ão( que é o motor da a+ão daconsci%ncia. 6ois tal apresenta+ão é, na verdade, o fundamento da auto-determina+ão da su!$etividade. su!$etividade s# aparece como movimentoa!soluto de a!stra+ão Bé por vincular o ser do su$eito ao ponto vazio de toda

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uma o!ra deste indivíduo determinado e perverte a propriedade universal do 3stadoem patrimnio e adorno da família9P<.

O Estado de direito romano

Z a partir de tais pro!lema que devemos compreender a maneira com que /egeltermina a primeira parte da se+ão 3spírito, esta dedicada " no+ão de eticidade no mundoantigo, através de um comentário so!re o estado de direito romano. :rosso modo, /egelcompreende o estado de direito romano como resultado direto da dissolu+ão da eticidade da

ader%ncia imediata " empiria que /egel continua vinculado " no+ão modernade su$eitoE. F primeiro movimento de auto-determina+ão da su!$etividadeconsiste pois em negar toda sua ader%ncia com a determina+ão empírica,consiste em transcender o que a enraíza em contextos e situa+*esdeterminadas “para ser apenas o puro ser negativo da consci%ncia igual-a-si-mesma(. 2al ader%ncia a determina+ão empírica c'ega mesmo a ser definidacomo a “corporeidade da consci%ncia( na qual esta tem seu sentimento de simas que a faz existir " maneira de coisas dispostas diante de uma pot%ncia quel'es é estran'a. F imperativo de anular a imediaticidade de sua exist%nciacorporal pode nos explicar porque, para /egel, a individualidadeB Indi*idualit?t E aparece sempre, em um primeiro momento, como nega+ão querecusa toda co-naturalidade imediata com a exterioridade empírica. 6or isto,vimos como /egel afirmava7

apresenta+ão de si como pura a!stra+ão da consci%ncia-de-si consisteem mostrar-se como pura nega+ão de sua maneira de ser o!$etiva, ou emmostrar que não está vinculado a nen'um ser-aí B )aseinE determinado,nem " singularidade universal do ser-ai em geral, nem " vida.

em!remos do que dissera em aulas anteriores. 6ara /egel, o su$eitomoderno não era simplesmente fundamento certo do sa!er, mas tam!émentidade que marcado pela indetermina+ão su!stancial. 3le é aquilo que nasceatravés da transcend%ncia em rela+ão a toda e qualquer naturalidade comatri!utos físicos, psicol#gicos ou su!stanciais. omo dirá várias vezes /egel,o su$eito é aquilo que aparece como negatividade que cinde o campo daexperi%ncia e faz com que nen'uma determina+ão su!sista. /egel insiste que a

 pr#pria constitui+ão do su$eito enquanto pura condi+ão formal de um sa!erque seria eminentemente representativo Bcomo o sa!er na modernidadeE exigiauma opera+ão de “negatividade(.

6odemos inicialmente compreender tal “negatividade( como a posi+ãoda inadequa+ão entre as expectativas de recon'ecimento do su$eito e o campo

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 polis grega. om a dissolu+ão da eticidade, o que se tem é necessariamente uma tend%nciaa atomiza+ão da su!stAncia social em indivíduos a!solutamente mIltiplos. &o entanto,como o movimento 'ist#rico de ruptura da polis foi animado pela realiza+ão de exig%nciasde universalidade, faz-se necessário que tais exig%ncias se$am de uma forma ou de outra,contempladas por esta nova figura do espírito. &este sentido, a universalidade será

contemplada, de maneira completamente a!strata, na figura $urídica da “pessoa(7

de determina+*es fenomenais. &este sentido, /egel poderia simplesmentecompreender esta negatividade que “supera a imediatez a!strata, quer dizer, aimediatez que é apenas ente em geral( como “transcendentalidade(, tal comofizera, antes dele, Lant ao insistir, por exemplo, na clivagem necessária entre“eu empírico( e “eu transcendental(. ?as vimos como a negatividade'egeliana não é a transcendentalidade Cantiana. 3la é manifesta+ão, naempiria, daquilo que fundamenta a posi+ão dos su$eitos.

6or isto, a apresenta+ão de si deve aparecer inicialmente como umatoum agir que tende " morte do Futro `" nega+ão completa da essencialidadeda perspectiva do Futro\ e inclui o arriscar a pr#pria vida, $á que é afirma+ãode si através da nega+ão de todo enraizamente em um )asein natural. 3ste atoé uma verdadeira “luta de vida e morte(. 4ma luta entre consci%ncias queaparece assim fundamentalmente um o resultado do pro!lema dos modos deauto-determina+ão disponíveis a uma su!$etividade cu$o fundamento é

 pensado enquanto nega+ão. /egel é !astante claro neste sentido ao afirmar7

1# mediante o pr a vida em risco, a li!erdade se conquista e se provaque a ess%ncia da consci%ncia-de-si não é o ser, nem o modo imediatocomo ela surge, nem o seu su!mergir-se na expansão da vida, mas quenada 'á para a consci%ncia que não se$a para ela momento evanescenteB*ersch7indendes 4oment ; que ela é somente puro ser-para-si. Findivíduo que não arriscou a vida pode ser !em recon'ecido como

 pessoa `ou se$a, como mem!ro do vínculo social\, mas não alcan+ou averdade desse recon'ecimento como uma consci%ncia-de-siindependente `o que demonstra que não se trata de descreversimplesmente o advento dos modos de socia!ilidade, mas decompreender como a consci%ncia pode ter a experi%ncia da suaestrutura\.

 &#s 'avíamos visto que /egel está disposto a dar continuidade " idéia de queo princípio de su!$etividade é fundamento das expectativas universalizantes de

)9P

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F universal, estil'a+ado nos átomos dos indivíduos a!solutamente mIltiplos, esseespírito morto, é uma igualdade na qual todos valem como cada um, como pessoasB @ersonenE9PO.

/egel lem!ra que, através do estatuto $urídico da pessoa, o singular que tin'a valor e eraefetivo apenas como sangue universal da família adquire efetividade como o 3u daconsci%ncia-de-si que deve ser recon'ecido como pessoa, como cidadão para além de certoscontextos naturalizados Blem!remos como a figura $urídica de “cidadão romano( foi sendo paulatinamente estendida a todos os mem!ros livres do Rmpério, e não apenas ao cidadãode >oma, isto principalmente a partir da %onstitutio 8ntoniniana, de 9)9 HE. ?as este 3u

racionaliza+ão que suportam a experi%ncia 'ist#rica da modernidade. 3le estáem lin'a direta em rela+ão " no+ão Cantiana de que o fundamento dasopera+*es do que é racional é fornecido pela unidade sintética de apercep+*es.

 &o entanto, vimos tam!ém como /egel está disposto a falar desta experi%nciade posi+ão da negatividade do fundamento através de figuras como aconfronta+ão com a morte. 3m termos l#gicos e estritamente 'egelianos, o queaconteceu aqui foi que, ao deter-se diante da ?orte, a consci%ncia c'egou aofundamento da exist%ncia mesma. &ão é a toa que /egel $oga,deli!eradamente, com os termos  .ugrundgeher Baniquilar-seE e  .u 6rund

 geher Bc'egar ao fundamentoE. F fundamento é, na filosofia 'egeliana, estadetermina+ão da reflexão que7 “B...E não tem nen'um conteIdo determinadoem si e para si; tam!ém não é fim, por conseguinte não é ativo nem

 produtivo(. Fu se$a, trata-se da pura forma, preexistente a qualquer conteIdo

que ven'a preenc'%-la. F que a consci%ncia experimentou ao c'egar aofundamento é que apreender esta pura forma é, invariavelmente, aniquilar-seenquanto ader%ncia ao ser-aí natural e se desco!rir como nega+ão de si em simesmo. F pro!lema, aqui, é como elevar o fundamento " exist%ncia.

em!remos como /egel usa de maneira !astante precisa estaexperi%ncia da nega+ão a!soluta que é a morte. Uuando, neste contexto, /egelfala em “morte(, ele pensa na manifesta+ão fenomenol#gica pr#pria "indetermina+ão fenomenal do que nunca é apenas um simples ente. Fu se$a, amorte indica uma experi%ncia do que não se su!mete aos contornos auto-id%nticos da representa+ão, a morte como aquilo que não se su!mete "determina+ão do 3u. 3ste fundamento que não tem nen'um conteIdodeterminado em si e para si, ao se manifestar, toca o pr#prio modo deenraizamento do su$eito naquilo que aparece a ele como mundo. morte é aexperi%ncia da fragilidade das imagens do mundo e dos sistemassu!stancialmente enraizados de práticas sociais de a+ão e $ustifica+ão. 3la éassim um movimento fundamental para a constitui+ão da estrutura moderna dasu!e$tividade.

)9Q

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recon'ecido $uridicamente com direitos positivos legais é !aseado em uma igualdadeindiferente e meramente exterior ferren'amente criticada por /egel. Haí porque elecaracteriza >oma da seguinte forma7

3m >oma, encontramos principalmente a livre universalidade B freie 8llgemeinheit E,

essa li!erdade a!strata que, por um lado, coloca o 3stado a!strato, a política e o poder acima da individualidade concreta 8 su!ordinando esta totalmente 8 e, poroutro lado, creia perante esta universalidade a personalidade B @ersnlich+eit E, ali!erdade do 3u em si que precisa ser diferenciado da individualidade.  personalidade é a determina+ão fundamental do direito. 3la se manifesta

 &o entanto, “essa comprova+ão por meio da morte suprime `he2en ;erhe2en ; termo não totalmente convergente com aufhe2en( /egel usa o termo

 para indicar uma nega+ão imediata que não implica em conserva+ão\ $ustamente a verdade que dela deveria resultar(. F puro aniquilamento de siatravés da morte !loqueia a auto-posi+ão de si como fundamento. puramorte do outro anula a possi!ilidade do recon'ecimento de tal processo deauto-posi+ão e, por conseq5%ncia, do recon'ecimento da li!erdade implicadaneste processo de auto-posi+ão. Haí porque /egel afirma que a consci%nciafaz a experi%ncia de que “a vida é a posi+ão natural da consci%ncia, aindepend%ncia sem a negatividade a!soluta( e que a morte é apenas uma“nega+ão natural(.

través da luta de vida e morte, a consci%ncia procura suprimir o quel'e aparece como essencialidade al'eia. /egel $oga com um duplo movimentode supressão que é necessariamente convergente. 6or um lado, a consci%ncia

 procura suprimir seu vínculo essencial " vida como  )asein natural, ela procura afirmar-se através da distAncia em rela+ão a tudo o que está preso aociclo irreflexivo da vida. 6or outro lado, a consci%ncia-de-si procura suprimirseu vínculo essencial " outra consci%ncia-de-si a fim de afirmar-se em sua

 pura imediatez id%ntica a si mesma. converg%ncia destes dois movimentosfica explícita se lem!rarmos que a vida fornece a determina+ão empírica daconsci%ncia-de-si, ela fornece o em-si cu$a o!$etividade implicanecessariamente na presen+a do Futro. ssim, negar a vida para se pr como

 pura a!stra+ão é, necessariamente, um movimento que envolve o negar daessencialidade do Futro.

 &o entanto, o contrário tam!ém é verdadeiro. omo vimos no parágrafo )Y<, a imersão integral da consci%ncia no elemento da vidaimplicava na impossi!ilidade do recon'ecimento do Futro como consci%ncia-de-si independente. “1urgindo assim imediatamente, os indivíduos são um

 para outro " maneira de o!$etos comuns, figuras independentes, consci%nciasimersas no ser da vida(. Rsto apenas nos lem!ra como a confronta+ão com anegatividade da morte tem um caráter formador para a consci%ncia-de-si; fato

)9<

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 principalmente na propriedade; é, todavia, indiferente perante as determina+*esconcretas do espírito vivo com as quais a individualidade lida9PY.

 &o entanto, a princípio, o teor negativo de tais coloca+*es pode nos soar estran'o./avíamos visto, na análise da polis grega, a crítica que /egel fazia a um certo ^déficit de

a!stra+ão( que impedia a posi+ão da depend%ncia do su$eito " su!stancialidade de um3stado a!strato como o 3stado moderno. gora, vemos algo praticamente inverso, ou se$a,/egel criticando o 3stado romano exatamente por seu caráter a!strato que s# é capaz defornecer quadros de recon'ecimento de su$eitos como pessoas $urídicas, cu$o estatuto de pessoas está essencialmente vinculado ao estatuto contratual, a!strato e contingente de

que ficará ainda mais evidente no desdo!rar da dialética do 1en'or e do3scravo.

6odemos mesmo dizer que o recon'ecimento não implica exatamenteno afastar-se da morte, até porque a vida do espírito é7 “a vida que suporta amorte e nela se conserva(. F que ele implica é, na verdade, a compreensão deque o que está em $ogo na experi%ncia fenomenol#gica da confronta+ão com amorte não é uma “nega+ão a!strata(7 termo central que indica umacompreensão não-especulativa de rela+*es de oposi+ão. nega+ão a!strata davida produz uma situa+ão na qual os opostos Bvida e morteE7 “não se dão nemse rece!em de volta, um ao outro reciprocamente, através da consci%ncia, masdeixam um ao outro indiferentemente livres, como coisas B )ingeE(. Fu se$a, asignifica+ão dos termos opostos não passa uma na outra. 3sta opera+ão não éaquilo que /egel c'ama aqui de “nega+ão da consci%ncia B Negation des

 =e7ustsseinE(, ou se$a, esta nega+ão determinada que “supera de tal modo que

guarda e mantém o superado e, com isto, so!revive a seu vir-a-ser superado(. consci%ncia deve pois negar a vida de maneira determinada, o que implicaem compreender a vida como espa+o no qual o negativo pode ser convertidoem ser. vida deve ser inicialmente negada para ser recuperada não maiscomo p#lo positividade de doa+ão imanente de sentido, como fundamentooriginário, mas como locus de manifesta+ão da negatividade do su$eito, como“vida do espírito(.

Dom!nação e "er+!dão

?as esta realiza+ão ainda está longe. He fato7 “nessa experi%ncia, vem a ser para a consci%ncia que a vida l'e é tão essencial quanto a pura consci%ncia-de-si(. Rsto implica em uma clivagem7 a consc%ncia recon'ece a essencialidadetanto da vida quanto da pura a!stra+ão em rela+ão ao )asein natural. 6or isto,/egel fala da dissolu+ão da unidade do 3u como 3u simples que apareciaenquanto o!$eto a!soluto da consci%ncia. 3u simples representado pelatautologia do “3u3u( `lem!ra da estrutura proposicional da igualdade a

)9O

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 proprietários B1er uma pessoa, no direito romano, equivale a ter um triplo estatuto7  statusli2ertatis ; não ser escravo; status ci*itatis ;  pertencer a uma comunidade $uridicamenteorganizada e  status familiae ; ser pater familiaeE. Rsto a ponto de afirmar que7 “designaruma indivíduo como pessoa é uma expressão de desprezo(. F que pois estaria realmenteem $ogo nesta crítica 'egeliana " pessoaG

/egel insiste que o estatuto $urídico de pessoa não é a verdadeira realiza+ão daautonomia reflexiva da consci%ncia Blem!remos que, $á na dialética do 1en'or e do3scravo, /egel contrapun'a o recon'ecimento como pessoa e o recon'ecimento comoconsci%ncia-de-si independenteE. 6ois a norma $urídica permite que os su$eitos a$amsimplesmente em conformidade com a norma enquanto guardam seus verdadeiros

determina+ão particular é id%ntica " representa+ão universal\. 3sse 3u simplesse dissolve em dois momentos7 uma pura consci%ncia-de-si, independente e

 para quem o ser para-si é a ess%ncia e uma consci%ncia para-um-outro,consci%ncia aferrada " coisidade B )ingheit E e para quem o essencial é a vidaou o ser-para-um-outro. 3sses dois momentos “são como duas figuras opostasda consic%ncia B...E 4ma é o 1en'or, outra é o 3scravo(.

?as, antes de continuarmos, notemos a am!ig5idade deste “como se(./egel $oga, em vários momentos do texto, com uma dupla acep+ão doantagonismo figurado na dialética do 1en'or e do 3scravo. 6or um lado, ele

 parece ser a exterioriza+ão de uma clivagem interna " consci%ncia na suadivisão entre o recon'ecimento da essencialidade tanto da vida quanto da

 posi+ão de pura a!stra+ão. 6or outro lado, ele aparece como o resultado deuma confronta+ão entre duas consci%ncias-de-si independentes em ummovimento fundador dos processos de intera+ão social. 3sta duplicidade

indica, na verdade, que estamos diante de um modo de interação social que ',ao mesmo tempo, processo de formação da consci&ncia-de-si. omo disseraanteriormente, estrutura+ão de modos de socializa+ão e processos deconstitui+ão do 3u convergem necessariamente em /egel, $á que este nãorecon'ece nen'uma unidade originária da consci%ncia-de-si.

6or outro lado, vale a pena relativizar leituras que procuram encontrar,neste momento da 0enomenologia do 3spírito, as !ases normativas de umateoria da g%nese do social. &ão como deixar de notar diferen+as profundas deinflexão entre esta versão do pro!lema do recon'ecimento apresentada na0enomenologia e aquela apresentada tanto na 0ilosofia do 3spírito, de )Y@Q, ena 3nciclopédia em sua versão de )YJ@. 6or exemplo, na 0ilosofia do 3spírito,de )Y@Q, o pro!lema do recon'ecimento é apresentado de maneira explícitaem termos legais e políticos, $á que a luta pro recon'ecimento se organiza a

 partir de conceitos como7 crime, lei, !ens e constitui+ão. &ada distodesempen'a papel central na apresenta+ão pr#pria " 0enomenologia do3spírito. 6odemos mesmo falar que7 “&esta versão do pro!lema dorecon'ecimento, /egel está primariamente interessado no pro!lema da

)9Y

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interesses e disposi+ão na interioridade B Innerlich+eit E. F estatuto $urídico de pessoa éa!strato não no sentido de incondicional e para além de todo contexto Btal como aparecianas exig%ncias de recon'ecimento suportadas por ntígona a respeito de seu irmão6olinicesE. 3le é a!strato no sentido no sentido de meramente formal e preenc'ido semnen'um enga$amento completo dos su$eitos, universalidade formal que deixo o conteIdo da

a+ão “livre e desordenado(. Haí porque /egel insiste que esta disposi+ão da pessoa nasformas romanas de vida encontra seu correlato necessário no estoicismo, que nada maisseria do que a tematiza+ão filos#fica da ideologia romana da pessoa7

universalidade, a maneira através da qual a atividade determinada introduzidana se+ão precedente, ainda que mediada através formas de intera+ão social,

 pode ser !em sucedida em sua determina+ão apenas se o que /egel c'ama de“vontade particular( se transforme em “vontade universal e essencial(. Z claroque isto não exclui pro!lemas políticos e legais, mas eles s# podem sercompreendidos de maneira correta Be reconfigurados em sua extensãoE seapresentarmos primeiro os pro!lemas centrais que determinarão as !ases maisamplas dos processos de recon'ecimento7 eles tocam a questão do dese$o, darela+ão " vida e " morte e do tra!al'o.

Fs pr#ximos seis parágrafos são extremamente condensados e tentamdar conta dos desdo!ramentos da dissolu+ão unidade inicial do 3u simples.3les são organizados em duas perspectivas distintas. 3ntre os parágrafos )K@ e)KJ, /egel exp*e os impasses do recon'ecimento do ponto de vista do1en'or. Hos parágrafos )KP a )K<, /egel exp*e como o conceito de

recon'ecimento poderá ser realizado através do 3scravo.F 1en'or é logo apresentado como uma consci%ncia que vive algo comoum impasse existencial ligado ao caráter parcial do seu recon'ecimento.3nquanto consci%ncia que ainda procura realizar a no+ão de auto-identidadecomo pura a!stra+ão de si, consci%ncia que procura sustentar uma rela+ãoimediata de si a si, o 1en'or é certo de si através da afirma+ão dainessencialidade de toda alteridade. &o entanto, esta certeza é dependente danega+ão reiterada da inessencialidade do Futro. 4ma nega+ão que não é adestrui+ão pura e simples do Futro, mas a sua domina+ão enquanto desprezo

 pela sua essencialidade independente. omo sa!emos, a necessidade destadomina+ão contradiz a aspira+ão do 1en'or em ser recon'ecido como puraidentidade de si a si, $á que ele é recon'ecido como 1en'or apenas por umaconsci%ncia inessencial. 3ste conceito de recon'ecimento não pode aspirarvalidade universal. Ve$amos como /egel nos apresenta tal impasse.

  /egel primeiro lem!ra que o 1en'or precisa afirmar sua independ%nciae sua domina+ão no interior de dois processos7 na confronta+ão com outraconsci%ncia-de-si e na confronta+ão com o o!$eto Bque, no interior da se+ão

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F estoicismo não é outra coisa que a consci%ncia que leva " sua forma a!strata o princípio do 3stado de direito, independ%ncia desprovida de espírito. 6or sua fugada efetividade, a consci%ncia est#ica s# alcan+ava o pensamento da independ%ncia;ela é a!solutamente para si, porque não vincula sua ess%ncia a um Hasein qualquer,mas a!andona qualquer Hasein e coloca sua ess%ncia somente na unidade do puro

 pensar. Ha mesma maneira, o direito da pessoa não está ligado nem a um Haseinmais rico ou mais poderoso do indivíduo como este indivíduo, nem ainda a umespírito vivo universal; mas antes ao puro 4m B $insE de sua efetividade a!strata oucomo consci%ncia-de-si em geral9PK.

“consci%ncia-de-si( aparece necessariamente como tendo sua verdadeenquanto o!$eto do dese$oE. 2ais processos de domina+ão são organizadoscomo silogismos. F primeiro é enunciado da seguinte forma7

F sen'or se relaciona mediatamente com o escravo por meio do serindependente, pois $ustamente ali o escravo está retido; essa é suacadeia, da qual não podia a!strair-se na luta, e por isto se mostroudependente, por ter sua independ%ncia na coisidade.

Fu se$a, o 1en'or domina o 3scravo através da nega+ão daquilo que l'e éessencial Bao escravoE7 a coisa enquanto )asein natural. domina+ão é, naverdade, nega+ão daquilo que, para o Futro, tem valor essencial, é se mostrarcomo “pot%ncia que está por cima desse ser(. 3ste “silogismo da domina+ão(tem a estrutura que pode ser descrita da seguinte forma7 aE F sen'or

negadomina a coisa ao negar sua essencialidade independente Ba coisa éapenas o!$eto da particularidade do meu dese$oE, !E F escravo v% sua ess%nciana coisa, cE F sen'or negadomina o escravo ao negardominar aquilo que,

 para o escravo, tem valor essencial.?as a primeira proposi+ão deste silogismo pede um desdo!ramento

importante. omo sa!emos, a coisa aparece aqui como o!$eto do dese$o do1en'or. &egá-la e domina-la significa, na verdade, consumi-la, tal comovimos anteriormente no momento de apresenta+ão da satisfa+ão do dese$ocomo consuma+ão. /egel demonstra continuar neste registro ao lem!rar que arela+ão imediata de si a si do sen'or deve ser posta como7 “pura nega+ão dacoisa, ou como gozo B6enussE(. F gozo aparece como satisfa+ão posta naidentidade imediata de si a si, retorno " indiferencia+ão generalizada entresu$eito e o!$eto através da destrui+ão do o!$eto.

 &o entanto, como vimos em aulas anteriores, o 1en'or pode gozar dacoisa e realizar a certeza de si mesmo ligada " satisfa+ão do dese$o somente seesta coisa duplicar a estrutura da consci%ncia-de-si B$á que o dese$o é, naverdade, um modo de auto-posi+ão do su$eitoE. astIcia do 1en'or consiste

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Fu se$a, a tend%ncia natural é que os su$eitos, por conservarem seus interesses nainterioridade do pensar que não se recon'ece completamente na norma $urídica, tendam anão mais se recon'ecer nas determina+*es do 3stado. 3 é desta forma que /egelcompreende a passagem da >epI!lica romana ao Rmpério7 “Fs cidadãos tornaram-seestran'os ao 3stado, pois não encontravam nen'uma satisfa+ão su!$etiva nele(9Q@; fruto da

impossi!ilidade de um recon'ecimento que fosse para além do formalismo da pessoa.Hesta forma, a desagrega+ão pura e simples do 3stado romano em uma multiplicidade deátomos sociais s# não ocorre devido " posi+ão de uma su!$etividade Besta sim plenamenterecon'ecidaE, cu$a vontade realiza-se em ei, vontade solitária e so!erana que se contrap*ea multiplicidade de todas as outras vontades. omo se o 3stado de direito, para se sustentar,

 pois em interpor o escravo entre ele e a coisa. Hesta forma, o 3scravo tra!al'aa coisa e oferece, ao gozo do 1en'or, uma coisa tra!al'ada7 “o sen'orintroduziu o escravo entre ele e a coisa, e assim se conclui somente com adepend%ncia da coisa, e puramente a goza7 enquanto o lado da independ%nciadeixa-o ao escravo, que a tra!al'a(. 1# uma coisa tra!al'ada pode satisfazerum dese$o compreendido fundamentalmente como modo de auto-posi+ão Baté

 porque7 “o tra!al'o é o ato de se fazer coisa(E. Rsto demonstra como o 1en'ors# pode negardominar a coisa, isto no sentido de intuir no o!$eto sua pr#priafalta, através do tra!al'o do 3scravo. F gozo do 1en'or, enquanto posi+ãoimediata de si na coisa, é pois, em Iltima instAncia, impossível. :ozoimpossível porque ele s# pode ser alcan+ado através da media+ão resultante dotra!al'o do 3scravo que, como veremos, se p*e na coisa `é esta consci%ncia

 posta que o sen'or dese$a\.F impasse existencial do 1en'or demonstra-se então nesta posi+ão que

consiste em depender da media+ão do Futro para realizar uma satisfa+ão quese quer imediata. consci%ncia inessencial fornece a verdade da certeza de simesmo do 1en'or. verdade da sua independ%ncia é pois depend%ncia, averdade de sua imediatez é pois media+ão. Haí porque /egel pode falar7 “éclaro que ali onde o sen'or se realizou plenamente ele encontra algototalmente diverso de uma consci%ncia independente, o que é para ele não éuma consci%ncia independente, mas uma consci%ncia dependente(.

/egel então lem!ra que estamos aí diante de um processo parcial derecon'ecimento. omo vimos, o recon'ecimento é uma reflexão duplicadaque comporta quatro momentos7 a reflexão do ser para-si no ser em-si da

 primeira consci%ncia, a reflexão do ser para-si no ser em-si da segundaconsci%ncia, a reflexão do ser em-si da primeira consci%ncia no ser para-si dasegunda consci%ncia e a reflexão do ser em-si da segunda consci%ncia no ser

 para-si da primeira consci%ncia. 3stes dois Iltimos movimentos são resultantesda compreensão de que a dimensão do em-si, enquanto espa+o do que se p*ecomo o!$etividade, é um espa+o de intera+ão social suportado pela presen+areguladora da alteridade. &este sentido, temos aqui apenas a realiza+ão de

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devesse excluir ao-menos-um como o que encarna uma exce+ão so!erana. 3ste será oRmperador, ou, nos dizeres de /egel, o sen'or do mundo7

3sse sen'or do mundo é, para si, dessa maneira a pessoa a!soluta, que ao mesmotempo a!arca em si todo o Hasein e para cu$a consci%ncia não existe espírito mais

elevado. Z pessoa, mas a pessoa solitária que se contrap*e a todos B...E F sen'or domundo tem a consci%ncia efetiva do que ele é. sa!er, a pot%ncia universal daefetividade, na viol%ncia destruidora que exerce contra o 1i de seus sIditos, que sel'e contrap*em9Q).

dois processos7 a reflexão do ser para-si no ser em-si da segunda consci%nciaBo 3scravo através do tra!al'oE e a reflexão do ser em-si da segundaconsci%ncia no ser para-si da primeira consci%ncia Bo 1en'or através daconsuma+ão e do gozo da coisa tra!al'ada pelo 3scravoE. Haí porque /egelafirma7

6ara o recon'ecimento propriamente dito, falta o momento em que osen'or opera so!re o outro o que o outro opera so!re si mesmo; e oescravo faz so!re si o que tam!ém faz o so!re outro. 6ortanto, o que seefetuou foi um recon'ecimento unilateral e desigual.

domina+ão mostra-se assim ser o inverso do que parecia ser, $á que acompleta autonomia se confunde com a completa depend%ncia.

Tra4al(o6 e""/n)!a e an5"t!a

Z neste ponto que /egel deixa o 1en'or em seu impasse e passa "análise do movimento dialética a partir da perspectiva do 3scravo. “1emdIvida, este aparece de início fora de si, e não como a verdade da consci%ncia-de-si(. ?as ele “entrará em si como consci%ncia recalcada so!re si mesma e seconverterá em verdadeira independ%ncia(. Fu se$a, pelas vias da servidão, aconsci%ncia irá realizar a reconcilia+ão com a o!$etividade necessária para arealiza+ão do conceito de consci%ncia-de-si em sua estrutura derecon'ecimento.

/egel come+a lem!rando que a essencialidade do escravo parece estardepositada no 1en'or. Z ele quem domina o seu fazer e consome o o!$eto deseu fazer. Uuer dizer, seu fazer l'e é estran'o, assim como o o!$eto com oqual ela confronta l'e é estran'o. 6or um lado, isto implica que o escravo seelevou para além de sua singularidade, $á que7 “3nquanto queP o escravotra!al'a para o sen'or, ou se$a, não no interesse exclusivo da sua pr#priasingularidade, seu dese$o rece!e esta amplitude consistindo em não ser apenas

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?as a pot%ncia so!erana desta pessoa a!soluta que age a partir de sua pr#pria pot%ncia s# pode aparecer como o dissolver toda determinidade das outras pessoas, como7“o puro devastar B2losses Cer71stenE e, por conseguinte, está somente fora de si, é odispensar Beg7erfenE sua pr#pria consci%ncia-de-si(9Q9. &o entanto, /egel insiste que é s#a partir do retorno " interioridade devido " viol%ncia destruidora do que coloca em

movimento a efetividade que “poderia so!ressair o su!lime e livre espírito docristianismo(9QJ. 3 é este retraimento em dire+ão " interioridade, opera+ão fundamental parao advento da no+ão moderna de su!$etividade que irá impulsionar a segunda parte de nossase+ão, não por outra razão intitulada7 “F espírito alienado de si7 a cultura(.

o dese$o de um este, mas de conter em si o dese$o de um outro(. &o entanto,ter seu dese$o vinculado ao dese$o de um outro ainda não nos fornece auniversalidade do recon'ecimento alme$ado pela consci%ncia. 0az-senecessário que este outro não se$a apenas um outro dese$o particular, mas queele ten'a algo da universalidade incondicional do que é essencial.

/egel então se serve de um certo deslizamento que consiste em dizerque, no interior desta experi%ncia particular, $á 'á algo da ordem de umanecessidade universal que toca ao modo de manifesta+ão do que é essencial.Rsto o permite operar um certo giro de perspectiva que consiste em dizer7 láonde a consci%ncia encontra-se totalmente alienada, é lá que ela podeencontrar-se a si mesma, $á que7 “o espírito s# alcan+a sua verdade " medidaque se encontra a si mesmo no dilaceramento a!soluto(. 3sta idéia de que aconsci%ncia deve se perder para poder se encontrar está intimamente vinculada" maneira com que /egel compreende a no+ão central de “ess%ncia(. F

 parágrafo )KP é muito ilustrativo neste sentido. /egel come+a lem!rando que, para a consci%ncia escrava, a ess%ncia está fora dela mesma, está neste 1en'orque encarna o puro para-si e que despreza o agir da consci%ncia escrava queaparece, para ela mesma, como algo de puramente estran'o e oposto. 3la trazassim a oposi+ão dentro de si e não se recon'ece mais em seu agir, que l'eaparece como agir-para-um-Futro. ontudo, /egel afirma que esta é condi+ãonecessária para que ela experimente a ess%ncia e ten'a nela mesma “essaverdade da pura negatividade e do ser-para-si(. ogo em seguida,complementa7

3ssa consci%ncia sentiu a angIstia, não por isto ou aquilo, não por esteou aquele instante, mas sim através de sua ess%ncia toda, pois sentiu omedo da morte, do sen'or a!soluto. í se dissolveu interiormente, em simesma tremeu em sua totalidade e tudo o que 'avia de fixo, nelavacilou. 3ntretanto, esse movimento universal puro, o fluidificar-sea!soluto de todo su!sistir é a ess%ncia simples da consci%ncia-de-si, anegatividade a!soluta, o puro ser-para-si que assim é nessa consci%ncia.

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Cultura como alienação

segunda parte da se+ão 3spírito é a mais extensa de todas e tenta co!rir um longo período 'ist#rico que vai da lta Rdade ?édia até os desdo!ramentos da >evolu+ão0rancesa. /egel descreve este período nos seguintes termos7

F mundo tem aqui a determina+ão de ser algo exterior B WusserlichesE, o negativo daconsci%ncia-de-si. ontudo, esse mundo é a ess%ncia espiritual, é em si acompenetra+ão do ser e da individualidade. 1eu Hasein é a o!ra da consci%ncia-de-

3ste trec'o talvez desvele seu real foco se lem!rarmos que, para /egel,a ess%ncia não é uma su!stAncia auto-id%ntica que determina as possi!ilidadesdos modos de ser. ess%ncia é a realiza+ão de um movimento de reflexão.

 &este sentido, contrariamente ao ser que procurava sua fundamenta+ão emdetermina+*es fixas, a ess%ncia se p*e como determina+ão reflexiva erelacional. 3m outras palavras, a ess%ncia é a unifica+ão deste movimentoreflexivo de pr seu ser em um outro, cindir-se e retornar a si desta posi+ão.Haí porque /egel pode afirmar que, quando o ser encontra-se determinadocomo ess%ncia, ele aparece como7 “um ser que em si está negado tododeterminado e todo finito(, ou ainda, como “ser que pela negatividade de simesmo se mediatiza consigo(. &este sentido, /egel insiste que ainternaliza+ão da nega+ão de si pr#pria " configura+ão da ess%ncia deve semanifestar inicialmente como negatividade a!soluta diante da perman%ncia de

toda determinidade.Z neste sentido que a angIstia deve ser compreendida como amanifesta+ão fenomenol#gica inicial desta ess%ncia que s# pode se pr atravésdo “fluidificar a!soluto de todo su!sistir(, ou se$a, do negar a essencialidadede toda determinidade aferrada em identidades opositivas. ?anifesta+ãoinicial, daí porque /egel fala de “ess%ncia simples(, mas manifesta+ãoa!solutamente necessária. angIstia pode aqui ter esta fun+ão porque não setrata de um tremor por isto ou aquilo, por este ou aquele instante, mas se trataaqui de uma fragiliza+ão completa de seus vínculos ao mundo e " imagem desi mesmo. Z esta fragiliza+ão que traduz de maneira mais perfeita o que estáem $ogo neste “medo diante da morte, do sen'or a!soluto(. F termo“angIstia( tem aqui um uso feliz porque ele indica exatamente esta posi+ãoexistencial na qual o su$eito parece perder todo vínculo do dese$o em rela+ão aum o!$eto, como se estivéssemos diante de um dese$o não mais desprovido deforma. &o entanto, se a consci%ncia for capaz de compreender a angIstia queela sentiu ao ver a fragiliza+ão de seu mundo e de sua linguagem como

 primeira manifesta+ão do espírito, deste espírito que s# se manifesta

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si, mas é igualmente uma efetividade imediatamente presente e estran'a a ele; temum ser peculiar e a consci%ncia-de-si ali não se recon'ece. 9QP 

Fu se$a, a consci%ncia não recon'ece mais a efetividade exterior do mundo comoseu pr#prio tra!al'o, como sua pr#pria su!stAncia Btal como ocorria nas rela+*es iniciais de

eticidadeE. /averá um longo camin'o de reconcilia+ão com um mundo contra o qual aconsci%ncia não cessará de lutar. &o entanto, tal reconcilia+ão s# será possível quando aconsci%ncia for capaz de internalizar o mundo como o negativo de si mesma, encontrar, emsi mesma, aquilo que a nega. Vimos tal movimento em opera+ão em outros momentos da Fenomenologia. 3le foi a nossa maneira de ler o imperativo idealista de duplica+ão entre a

destruindo toda determinidade fixa, então a consci%ncia poderá compreenderque este “camin'o do desespero( é, no fundo, internaliza+ão do negativocomo determina+ão essencial do ser. Haí porque7 “o temor do sen'or é o início`mas apenas o início\ da sa!edoria(. &este sentido, podemos mesmo dizerque, para /egel, s# é possível se desesperar na modernidade, $á que ele é aexperi%ncia fenomenol#gica central de uma modernidade disposta a

 pro!lematizar tudo o que se p*e na posi+ão de fundamento para os critérios deorienta+ão do $ulgar e do agir.

 &o entanto, ainda não tocamos em um ponto essencial que iráesta!ilizar esta dialética. 6ois a angIstia sentida pela consci%ncia escrava nãofica apenas em uma7

universal dissolu+ão em geral, mas ela se implementa efetivamente noservir B )ienenE. 1ervindo, suprime Bhe2t E em todos os momentos sal

ader%ncia ao ser-aí natural e tra!al'ando-o, o elimina. ?as o sentimentoda pot%ncia a!soluta em geral, e em particular o do servi+o, é apenas adissolu+ão em si e em!ora o temor do sen'or se$a , sem dIvida, o inícioda sa!edoria, a consci%ncia aí é para ela mesma, mas não é ainda o ser

 para-si; ela porém encontra-se a si mesma por meio do tra!al'o.

 &estes Iltimos parágrafos, /egel fará uma grada+ão extremamentesignificativa que diz respeito ao agir da consci%ncia nas suas potencialidadesexpressivas. /egel fala do servi+o B )ienenE, do tra!al'o B 8r2eitenE e doformar B FormierenE. 3sta tríade marca uma realiza+ão progressiva das

 possi!ilidades de auto-posi+ão da consci%ncia no o!$eto do seu agir. F servi+oé apenas a dissolu+ão de si no sentido da completa aliena+ão de si no interiordo agir, que aparece como puro agir-para-um-outro e como-um-outro. Ftra!al'o implica em uma auto-posi+ão reflexiva de si. &o entanto, notemosaqui um dado essencial7 /egel não parece operar exatamente com uma no+ãoexpressivista de tra!al'o que veria sua realiza+ão mais perfeita em uma certacompreensão do fazer estético como manifesta+ão das capacidades

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estrutura do o!$eto e a estrutura do 3u. Veremos pois como isto se dará no interior de ummovimento 'istoricamente determinado.

2al como a polis grega assentava-se so!re a 'armonia de dois princípios contráriosBa lei 'umana do governo e a lei divina da famíliaE, a cultura se assentará em umaduplicidade7 “esse espírito não constitui para si apenas um mundo mas um mundo duplo,

separado e oposto( pois “o presente significa apenas uma efetividade puramente o!$etivaque tem sua consci%ncia além(9QQ. F todo se rompe em um reino no qual a consci%ncia éefetiva Bo reino da efetividade 8 echt der ir+lich+eit E e outro, da pura consci%ncia, quenão tem presen+a efetiva7 o reino da fé B echt der 6lau2en ; não a religião, mas a féenquanto fuga do mundo efetivoE. ei 'umana e lei divina voltarão a se colidirem no

expressivas dos su$eitos. He uma certa forma, a categoria 'egeliana detra!al'o está marcada por ser uma certa defesa contra a angIstia ou, ainda,uma supera+ão dialética da angIstia, $á que ele é auto-posi+ão de umasu!$etividade que sentiu o desaparecer de todo vínculo imediato ao  )aseinnatural, que sentiu o tremor da dissolu+ão de si `algo pr#ximo da categoriaSe!eriana de tra!al'o ascético\. em!remos desta afirma+ão central de /egel7

F tra!al'o é dese$o refreado, um desvanecer contido, ou se$a, o tra!al'oforma. rela+ão negativa para com o o!$eto toma a forma do o!$eto e

 permanente, porque $ustamente o o!$eto tem independ%ncia para otra!al'ador. 3sse meio-termo negativo ou agir formativo é, ao mesmotempo, a singularidade, ou o puro-ser-para-si da consci%ncia que agorano tra!al'o se transfere para fora de si no elemento do permanecer; aconsci%ncia tra!al'adora c'ega assim " intui+ão do ser independente

como intui+ão de si mesma B...E no formar da coisa, torna-se o!$eto parao escravo sua pr#pria negatividade.

 &ota-se claramente aqui o papel de síntese que o tra!al'o desempen'a, $á que ele permite a intui+ão de si através da intui+ão do o!$eto, ou ainda, “aintui+ão do ser independente como intui+ão de si mesmo(. 6or refrear oimpulso destrutivo do dese$o, o tra!al'o forma, isto no sentido de permitir aauto-o!$etiva+ão da estrutura da consci%ncia-de-si em um o!$eto que é suaduplica+ão. realiza+ão da unidade da consci%ncia-de-si na diferen+a érealizada assim pelas estruturas materiais do tra!al'o. 3sta saída dasdicotomias da consci%ncia-de-si através da configura+ão de uma síntesematerialista devido " recupera+ão da centralidade da categoria do tra!al'o seráde suma importAncia para os passos posteriores da filosofia alemã, em especialaqueles que nos conduzem a ?arx.

 &o entanto, so!re o conceito 'egeliano de tra!al'o, vale a pena perce!ercomo ele não está vinculado ao vitalismo de um conceito expressivista, mas auma idéia peculiar de “auto-o!$etiva+ão da negatividade do su$eito( exposta

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Rluminismo, mas o resultado será a posi+ão de um princípio de universalidade concreta7 aconsci%ncia moral Bmoralischen =e7usstseinEda 8uf+l?rung  alemã.

ntes de descrever o tra$eto que nos levará " consci%ncia moral, /egel usa os parágrafos PYY a PK) a fim de expor as rela+*es necessárias entre culturaforma+ão daconsci%ncia B2ildung E e aliena+ão. >etornando a considera+*es postas em vários momentos

doa  Fenomenologia e que serviram para a defini+ão de operadores centrais como“experi%ncia( e “conceito(, /egel serve-se da centralidade do movimento de aliena+ão paradar conta da pr#pria estrutura da consci%ncia-de-si7

através da angIstia diante do “sen'or a!soluto(. Haí porque /egel pode dizer7

1e não suportou o medo a!soluto, mas somente alguma angIstia, aess%ncia negativa ficou sendo para ela algo exterior, sua su!sist%ncia

não foi integralmente contaminada por ela. 3nquanto todos osconteIdos de sua consci%ncia natural não forem a!alados, essaconsci%ncia pertence ainda, em si, ao ser determinado.

He uma certa forma, o caráter alienado do tra!al'o, rela+ão ao o!$eto marcada pelo estran'amento diante de uma “ess%ncia al'eia B FremdeE( aparece assimcomo momento essencial para a forma+ão da consci%ncia-de-si. 1e nãosuportou o medo a!soluto da despossessão de si, a consci%ncia não pode sereencontrar através do tra!al'o, $á que ela estará diante de um o!$eto que nãoduplica sua pr#pria estrutura. ssim, ao invés de um conceito expressivista de

tra!al'o, /egel parece operar com um conceito muito pr#ximo ao seuconceito de linguagem7 a nega+ão determinada do que se alo$a na inten+ão éinício da verdade a!soluta de uma consci%ncia-de-si que traz em si mesma sua

 pr#pria nega+ão. Haí porque7 “inguagem e tra!al'o são exterioriza+*esB Wuβ erungenE nas quais o indivíduo não se conserva mais e não se possui maisa si mesmo; senão que nessas exterioriza+*es faz o interior sair totalmente desi, e o a!andona a Futro(.

 &o entanto, este conceito de tra!al'o será duramente criticado por?arx., tal como veremos na pr#xima aula.

Cur"o HeelAula

 &a aula de 'o$e, trata-se de dar conta de dois o!$etivos. 6rimeiro, gostaria de aprofundar adiscussão a respeito do uso 'egeliano da categoria de “tra!al'o( enquanto figura de sínteseentre su$eito e o!$eto. 6ara tanto, devemos analisar as críticas de &arx a respeito do caráter“a!strato_ do tra!al'o em /egel. 6or outro lado, trata-se de avan+ar em nossa leitura da Fenomenologia do $spírito através da apresenta+ão destas duas figuras da consci%ncia que

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consci%ncia-de-si é algo B $t7asE, s# tem realidade, na medida em que se aliena;com isto se p*e como universal e esse sua universalidade é sua vig%ncia eefetividade. 3ssa igualdade com todos não é, portanto, aquela igualdade do direito;não é aquele imediato ser-recon'ecido e estar-em-vigor da consci%ncia-de-si pelosimples fato de que ela é; mas se ela vigora, é por se ter tornado igual ao unviersal

através da media+ão alienadora Bentfremdende Cermittlung E

9Q<

./egel é claro aqui7 o recon'ecimento de si através da cultura é diferente do

recon'ecimento de si como pessoa $urídica. 6ois o recon'ecimento de si através daforma+ão pr#pria " cultura é “media+ão alienadora( distinta da imediaticidade de uma

seguem a dialética do 1en'or e do 3scravo, ou se$a, o estoicismo e o ceticismo. omdissera anteriormente, a Iltima aula de nosso semestre será dedicada " apresenta+ão, emlin'as gerais, da figura que encerra a se+ão “onsci%ncia-de-si(, a sa!er, a consci%nciainfeliz.

 &a aula passada, terminamos a exposi+ão da dialética do 1en'or e do escravo.

Vimos como a consci%ncia estava "s voltas com o pro!lema do estatuto de seus processosde auto-determina+ão e de auto-posi+ão. 6rocessos estes pensados a partir da exig%nciainicial de “apresentar-se a si mesmo como pura a!stra+ão(. 6ois tal apresenta+ão é, naverdade, o fundamento da auto-determina+ão da su!$etividade. su!$etividade s# aparececomo movimento a!soluto de a!stra+ão Bé por vincular o ser do su$eito ao ponto vazio detoda ader%ncia imediata " empiria que /egel continua vinculado " no+ão moderna desu$eitoE. F primeiro movimento de auto-determina+ão da su!$etividade consiste pois emnegar toda sua ader%ncia com a determina+ão empírica, consiste em transcender o que aenraíza em contextos e situa+*es determinadas “para ser apenas o puro ser negativo daconsci%ncia igual-a-si-mesma(. Vimos como tal ader%ncia a determina+ão empíricac'egava mesmo a ser definida como a “corporeidade da consci%ncia( na qual esta tem seu

sentimento de si mas que a faz existir " maneira de coisas dispostas diante de uma pot%nciaque l'es é estran'a. F imperativo de anular a imediaticidade de sua exist%ncia corporal pode nos explicar porque, para /egel, a individualidade B Indi*idualit?t E aparece sempre,em um primeiro momento, como nega+ão que recusa toda co-naturalidade imediata com aexterioridade empírica.

>ecapitulemos o pro!lema central que anima a se+ão “onsci%ncia-de-si(. consci%ncia mão age mais como quem acredita que o fundamento do sa!er deve ser procurado através da confronta+ão entre representa+*es mentais e estados de coisas dotadostanto de autonomia metafísica quanto de acessi!ilidade epist%mica. omo dirá /egel logono início da nossa se+ão7 “&os modos precedentes da certeza, o verdadeiro é para aconsci%ncia algo outro que ela mesma `$á que a medida da verdade é dada pelo o!$eto e pela adequa+ão do sa!er " ele\. B...E 1urgiu porém agora o que não emerge nas rela+*esanteriores, a sa!er, uma certeza `su!$etiva\ igual " sua verdade `o!$etiva\, $á que a certeza é para si mesma seu o!$eto, e a consci%ncia é para si mesma a verdade(.

Hizer que a certeza é para si mesma seu o!$eto e que a consci%ncia é para si mesmaa verdade implica em dizer que lá onde o sa!er acreditava estar lidando com o!$etosautnomos, ele estava lidando com a pr#pria estrutura da consci%ncia enquanto o quedetermina a configura+ão do que pode aparecer no interior do campo da experi%ncia. &oentanto, eu dissera que não devemos compreender isto como a realiza+ão de uma su!sun+ãointegral do o!$eto " consci%ncia, tal como faz /eidegger ao afirmar, so!re /egel7 “

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consci%ncia que se v% como o que é imediatamente id%ntico a seus direitos positivos. forma+ão, como veremos, será o sacrifício de representa+*es da “natureza originária doindivíduo( Bcu$a verdade é ser uma diferen+a inessencial de grandeza, maior ou menosenergia da vontadeE, será uma disciplina através da qual a consci%ncia verá que toda rela+ãoa si é media+ão através de uma alteridade que l'e é constitutiva. Voltamos novamente ao

 pro!lema da constitui+ão de um conceito de su$eito que não se$a mais dependente de um pensamento da identidade. &este sentido, /egel acredita que a cultura é forma+ão para umarela+ão a si descon'ecida daquilo que poderia ser posto no interior das 'armonias imediatas pr#prias " eticidade grega. Rsto talvez nos explique porque o tra$eto desta parte é um longotra$eto de aprofundamento da despossessão de si. té porque7 “ultivar-se não é

verdade do sa!er, ou se$a, o sa!er como verdade, s# é alcan+ado a partir do momento emque o pr#prio sa!er advém o!$eto para si, em que a certeza não é mais certeza sensível, mascerteza de si mesmo(.

Hevíamos compreender esta no+ão da consci%ncia-de-si como terra pátria daverdade através da idéia de que a experi%ncia fenomenol#gica demonstra, á consci%ncia,

que a estrutura do o!$eto duplica a estrutura do eu. Uuem diz duplica+ão não dizexatamente su!sun+ão. Uuem diz duplica+ão diz simplesmente que a experi%ncia deinadequa+ão entre o!$eto da experi%ncia e representa+ão que determina identidades, umaconstante durante os tr%s capítulos da se+ão consci%ncia que nos levou " compreensão doo!$eto como uma contradi+ão em-si Bisto ao final do capítulo “0or+a e entendimento(E, seráagora sentida no interior do pr#prio 3u. Uuem diz duplica+ão diz que a experi%ncia derefer%ncia-a-si será configurada da mesma maneira que a experi%ncia de confronta+ão entre3u e o!$eto. Fu se$a, em Iltima instAncia, todos os impasses na confronta+ão com o o!$etosão transportados para as opera+*es de auto-refer%ncia.

?as, por outro lado, vimos que a consci%ncia-de-si era a terra pátria da verdade nãoapenas porque a estrutura do o!$eto duplicava a estrutura do eu. /egel insistia, desde o

início que7 “a consci%ncia-de-si é em si e para si quando e porque em si e para si para umaFutra, quer dizer, s# é como algo recon'ecido(. consci%ncia-de-si não era fruto de umadedu+ão transcendental ou de uma experi%ncia de auto-posi+ão da certeza a!soluta de simesma. 3la era o resultado de um processo social de recon'ecimento realizado no interiorde práticas de intera+ão social. omo disse >o!ert =randon7 “toda constitui+ãotranscendental é uma institui+ão social(.

3sta compreensão era uma contri!ui+ão original de /egel ao pro!lema da auto-determina+ão da su!$etividade moderna. 2ratava-se, em Iltima instAncia, de afirmar que osu$eito era resultado de uma g%nese empírica cu$a l#gica estava assentada nas dinAmicas derecon'ecimento. 6or outro lado, isto implicava em dizer que a estrutura do 3u s# poderiaser apreendida enquanto estrutura de intera+ão social com o Futro7 esta figura da alteridadeque representa a presen+a de outro su$eito em geral. `su!meter a produ+ão da identidade auma alteridade primeira e estruturante\

partir daí, /egel podia dar um passo decisivo para o encamin'amento do pro!lema da fundamenta+ão a!soluta do sa!er. 1e a estrutura do o!$eto duplica a estruturado eu e se a estrutura do eu é uma estrutura de intera+ão social, então poderíamos dizer queas aspira+*es cognitivo-instrumentais da razão derivam da racionalidade em opera+ão nosmodos mais elementares de intera+ão social. Fu se$a, trata-se em Iltima instAncia deadmitir que a configura+ão do con'ecimento é uma questão de implementa+ão de interesses práticos socialmente recon'ecidos. 3m Iltima instAncia, isto implica em su!meter as

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desenvolver-se 'armoniosamente como por meio de um crescimento orgAnico, mas opor-sea si mesmo, reencontrar-se mediante um dilaceramento e uma separa+ão. 2al movimento dedilaceramento e de media+ão é característica do conceito 'egeliano de cultura e permite precisar a originalidade de sua pedagogia B no mais amplo sentido do termoE em rela+ão a pedagogia racionalista e 'umanista Baquela dos lugares-tenentes das uzes ou de um certo

'umanismo clássicoE(

9QO

./egel inicia lem!rando que se formar implica em “acordar-se B gem?ss gemacht Ecom a efetividade(, com a su!stAncia, ou ainda, com um padrão de conduta que ten'a valorde espécie B 8rt E e que permita opera+*es valorativas que via!ilizem a indica+ão de algocomo um 2em ou um mal . 2ais opera+*es valorativas aparecem, no interior de práticas

opera+*es de con'ecimento aos critérios de recon'ecimento intersu!$etivo Bo que não podeser recon'ecido intersu!$etivamente não tem realidade para a consci%nciaE. omo lem!rará/a!ermas7 “F su$eito está sempre $á enredado em processos de encontro e troca, edesco!re-se $á situado em contextos. rede de rela+*es su$eito-o!$eto $á está posta, asliga+*es possível com o!$eto $á estão esta!elecidas antes que o su$eito se envolva

efetivamente em rela+*es e entre, de fato, em contato com o mundo B...E &o lugar dasestéreis controvérsias da teoria do con'ecimento, /egel pretende dirigir a dioscussão paraos meios que estruturam as rela+*es entre su$eito e o!$eto $á antes de todo encontroefetivo(.

 &o entanto, vimos como isto levava /egel a afirmar que, a partir de agora, a rela+ãoentre consci%ncia e o!$eto não deveria ser compreendida apenas como rela+*es decon'ecimento, mas como rela+*es de dese$o e satisfa+ão. 0oi assim que compreendemos aafirma+ão na qual a oposi+ão entre fenmeno e verdade era apresentada como tendo poress%ncia a unidade da consci%ncia-de-si consigo mesma Bou se$a, não s# o fenmeno eraalgo apenas para a consci%ncia, mas a verdade do mundo supra-sensível tam!ém era algoapenas para a consci%nciaE.4ma unidade que7 “deve vir-a-ser essencial a ela, o que

significa7 a consci%ncia-de-si é dese$o em geral(. Fu se$a, uma unidade que s# se realiza nomomento em que compreendemos as rela+*es de o!$eto como rela+*es de dese$o esatisfa+ão.

 &otemos quão arriscada era a estratégia 'egeliana. 6ois ela poderia facilmente noslevar a um certo relativismo que su!mete as expectativas universalizantes da razão " particularidade de interesses prático-finalistas animados pelo dese$o. 6or isto /egel precisamostrar que, ao seguir a particularidade de seu dese$o, a consci%ncia vai necessariamenterealizar aquilo que pode aspirar validade universal e racionalmente fundamentada 2oda ase+ão “onsci%ncia-de-si( pode ser apreendida a partir desta perspectiva7 trata-se deentender como a consci%ncia parte do particularismo de uma posi+ão !aseada na simples procura de satisfa+ão de seu dese$o e de sua perspectiva particular de interesses e alcan+a auniversalidade de uma posi+ão na qual ela compreende sua a+ão como a+ão de um “3u queé &#s e de um &#s que é 3u(, ou se$a, a+ão de um 3spírito que nada mais é do que ocon$unto de práticas sociais e processos de intera+ão reflexivamente apreendidos efundamentados.

F primeiro passo fornecido por /egel consistiu em aprofundar a idéia de que averdade do dese$o não era exatamente ser dese$o por um o!$eto particular determinado, masser desejo de reconhecimento, daí porque7 “a consci%ncia-de-si s# alcan+a sua satisfa+ão emuma outra consci%ncia-de-si(. 1endo o dese$o compreendido, no interior de uma longatradi+ão que remonta " 6latão, como manifesta+ão da falta Bfalta esta que determina o

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sociais, como a+ão feita em conformidade com dois princípios distintos7 um é o poder do3stado ou outro é a riqueza B eichtumE. He fato, /egel opera tal distin+ão entre poder de3stado e riqueza porque tem em vista a maneira com que a conduta ética aristocrática,vinculada ao sacrifício de 1i pela 'onra dos princípios reais, apareceu, em solo europeu,como princípio virtuoso de forma+ão em contraposi+ão ao vínculo !urgu%s " acumula+ão

de riqueza e propriedade. 6ois /egel quer mostrar como esta ética aristocrática irá produziras condi+*es o!$etivas para o Rluminismo. &esta perspectiva, o poder de 3stado aparece como “ a su!stAncia simples, a o!ra

universal, a oisa mesma, na qual é enunciada aos indivíduos sua ess%ncia(. 3le é a“a!soluta !ase B6rundlageE( do agir de todos. 6or outro lado, a riqueza é o que “se dissolve

o!$eto como essencialidade do que falta " consci%nciaE, a!ria-se as portas para /egeldeterminar o dese$o como um movimento de auto-posi+ão da consci%ncia B$á que, atravésda satisfa+ão do dese$o, a consci%ncia determina a essencialidade do que l'e constitui comofaltaE. &este sentido,a consci%ncia-de-si s# pode intuir a si mesma em um o!$eto queduplica a estrutura da consci%ncia-de-si, ela s# pode intuir a si mesma em um o!$eto que se

estrutura como uma outra consci%ncia-de-si. Rsto implica em dizer que o particularismo dodese$o é uma ilusão $á que o que anima a consci%ncia em sua a+ão e conduta são exig%nciasuniversalizantes de recon'ecimento de si pelo Futro, exig%ncia de ser recon'ecida nãoapenas enquanto pessoa no interior de ordenamentos $urídicos contextuais e de institui+*es presas a situa+*es s#cio-'ist#ricas determinadas, mas como consci%ncia-de-si singular emtoda e qualquer situa+ão s#cio-'ist#rica e para além de todo e qualquer contexto. 6ara tanto,ela precisará ser recon'ecida por um outro que não se$a apenas uma outra particularidade,mas um Futro que possa suportar aspira+*es universalizantes de recon'ecimento.

3ste processo de recon'ecimento será, no entanto, marcado desde o início peloconflito e pelo antagonismo. onflito que pode aparecer so! a figura da domina+ãoBdialética do 1en'or e do 3scravoE, do afastamento do mundo BautarCeia est#ica e céticaE ou

da consci%ncia de estar aprisionada no que é inessencial Bconsci%ncia infelizE. necessidade do conflito pode ser compreendida se lem!rarmos que realizar tais aspira+*esuniversalizantes de recon'ecimento significa, inicialmente, a!strair-se de toda e qualquerdetermina+ão contextual, apresentar-se a si mesmo como pura nega+ão da maneira de sero!$etiva, como pura transcend%ncia e em rela+ão, inclusive, " perspectiva do Futro. &oentanto, vimos como este movimento leva a consci%ncia a uma posi+ão insustentávelcaracterizada por /egel através da figura da confronta+ão com a morte. onfronta+ãonecessária $á que “s# mediante o pr a vida em risco que a li!erdade se conquista( mas que !loqueia as possi!ilidades de recon'ecimento $á que retira o solo do vínculo " determina+ãoempírica, !ase para a o!$etividade do que é em-si.

 &a verdade, encontramos aqui este movimento tipicamente 'egeliano de derivar a posi+ão da universalidade de experi%ncias iniciais de nega+ão. Z pelas vias da negatividadeque, inicialmente, a universalidade se apresenta, em!ora ainda de maneira a!strata. 6ois anegatividade fornece as !ases da experi&ncia da incondicionalidade, ou se$a, do que não seesgota na atualiza+ão de nen'uma determina+ão particular. questão consiste em sa!ercomo tal experi%ncia pode fornecer parAmetros para a configura da racionalidade dadimensão prática. 6ara tanto, devemos passar desta no+ão de universalidade como puraa!stra+ão para uma universalidade capaz de se encarnar em uma determina+ão concreta.

/egel nos oferece duas figuras da posi+ão desta negatividade no interior da dialéticado 1en'or e do 3scravo. primeira configura a posi+ão do 1en'or e temrinará em uma

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no gozo de todos(, gozo movido pelo egoísmo de quem segue apenas seus pr#priosinteresses imediatos Bem!ora $á vimos como /egel contesta tal atomismo através datematiza+ão do sistema de necessidadesE. consci%ncia pode optar pautar suas a+*es e $ulgamentos, se$a a partir de um princípio, se$a a partir do outro.

/egel lem!ra que estes princípios podem ser invertidos. o internalizar princípios

de forma+ão e conduta através da o!edi%ncia ao poder de 3stado, a consci%ncia encontraaqui7 “sua simples ess%ncia e su!stAncia em geral, mas não sua individualidade como tal,3ncontra nele, sem dIvida, seu ser em-si, mas não seu ser para-si( 9QY. o!edi%ncia aparececomo opressão. riqueza, ao contrário, é “doadora de mil mãos( que tudo entrega "consci%ncia e l'e permite o gozo da realiza+ão de seu pr#prio pro$eto, ela “a todos se

impasse Bno sentido daquilo que não pode realizar seu pr#prio conceitoE, a segundaconfigura a posi+ão do 3scravo e permitirá a continua+ão da experi%ncia fenomenol#gica.

Vimos como, enquanto 1en'or, a consci%ncia procura ainda realizar a no+ão deauto-identidade como pura a!stra+ão de si. ?as enquanto rela+ão imediata de si a si, o1en'or é certo de si através da afirma+ão da inessencialidade de toda alteridade, certeza

que é dependente da nega+ão reiterada da inessencialidade do Futro. 4ma nega+ão que nãoé a destrui+ão pura e simples do Futro, mas a sua domina+ão enquanto desprezo pela suaessencialidade independente. omo vimos, a necessidade desta domina+ão contradiz aaspira+ão do 1en'or em ser recon'ecido como pura identidade de si a si, $á que ele érecon'ecido como 1en'or apenas por uma consci%ncia inessencial. 6or outro lado, ele s#realiza+ão tal identidade através de um gozo destrutivo em rela+ão " essencialidade dacoisa. ?as a coisa que é o!$eto do gozo do 1en'or é uma coisa tra!al'ada pelo 3scravo,coisa na qual o 3scravo se p*e. ssim, o o!$eto que duplica o 1en'or é um o!$eto no qual o3scravo está posto. 1ua identidade imediata é assim mediada pelo 3scravo, F 1en'orconsome um o!$eto no qual o 3scravo se encontra. 3le consome como um $scra*o( realiza+ão do seu conceito é a interversão do seu conceito (

6or outro lado, o 3scravo fornece uma via capaz de nos fazer passar dauniversalidade a!strata " universalidade concreta. /egel come+a lem!rando que aessencialidade do escravo parece estar depositada no 1en'or. Z ele quem domina o seufazer e consome o o!$eto de seu fazer. Uuer dizer, seu fazer l'e é estran'o, assim como oo!$eto com o qual ela confronta l'e é estran'o. 6or um lado, isto implica que o escravo seelevou para além de sua particularidade, $á que7 “3nquanto que o escravo tra!al'a para osen'or, ou se$a, não no interesse exclusivo da sua pr#pria singularidade, seu dese$o rece!eesta amplitude consistindo em não ser apenas o dese$o de um este, mas de conter em si odese$o de um outro(. &o entanto, ter seu dese$o vinculado ao dese$o de um outro ainda nãonos fornece a universalidade do recon'ecimento alme$ado pela consci%ncia. 0az-senecessário que este outro não se$a apenas um outro dese$o particular, mas que ele ten'aalgo da universalidade incondicional do que é essencial

Rsto é possível na medida em que /egel insiste que o 3scravo está su!metido nãoapenas a este 1en'or particular, mas a um 1en'or !soluto. He uma certa forma, ele ageem nome deste 1en'or !soluto. em!remos desta passagem central para a dialética do1en'or e do 3scravo7

3ssa consci%ncia sentiu a angIstia, não por isto ou aquilo, não por este ou aqueleinstante, mas sim através de sua ess%ncia toda, pois sentiu o medo da morte, dosen'or a!soluto. í se dissolveu interiormente, em si mesma tremeu em sua

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entrega e l'es proporciona a consci%ncia de seu 1i(. 3stas duas maneiras de $ulgar darãofiguras distintas da consci%ncia7 a consci%ncia no!re e a consci%ncia vil. /egel as descreveda seguinte forma7

consci%ncia da rela+ão que encontra-igualdade é a consci%ncia no!re. &o poder

 pI!lico encontra o igual a si mesma, v% que nele tem sua ess%ncia simples e aatua+ão dessa ess%ncia e se coloca no servi+o da o!edi%ncia efetiva como no servi+odo respeito interior para com essa ess%ncia. Há-se o mesmo com a riqueza `que aconsci%ncia no!re gan'a por servi+os prestados ao poder de 3stado\ B...E por isso, aconsci%ncia no!re a considera igualmente como ess%ncia em rela+ão a si e

totalidade e tudo o que 'avia de fixo, nela vacilou. 3ntretanto, esse movimentouniversal puro, o fluidificar-se a!soluto de todo su!sistir é a ess%ncia simples daconsci%ncia-de-si, a negatividade a!soluta, o puro ser-para-si que assim é nessaconsci%ncia.

Vimos, na aula passada, a fun+ão positiva desta angIstia diante do um 1en'or quetem valor a!soluto.3la era primeiro modo de manifesta+ão fenomenol#gica de umaess%ncia cu$a reflexividade se p*e necessariamente como fluidificar-se a!soluto de todadeterminidade simples que implica em uma fragiliza+ão a!soluta do que aparecia "consci%ncia como representa+ão natural de si e do mundo. ?as vimos tam!ém como estaangIstia não ficava apenas em uma universal dissolu+ão em geral, mas ela eraimplementada através do servir, do tra!al'o e do formar.

 &este ponto, terminamos a aula passada. 3u insistira na importAncia doaparecimento da categoria do tra!al'o neste contexto. 1ua fun+ão era realizar, ainda que demaneira imperfeita, o que o dese$o não era capaz de fazer, ou se$a, realizar a auto-posi+ãoda consci%ncia-de-si em suas exig%ncias de universalidade. pr#pria defini+ão do tra!al'o

 $á mostrava como ele estava na lin'a direta dos desdo!ramentos do dese$o, $á que otra!al'o é, fundamentalmente7 “dese$o refreado, um desaparecer contido( no qual

a rela+ão negativa para com o o!$eto `advinda da tentativa de su!missão da matéria" forma, e da resist%ncia da matéria " forma\ torna-se a forma do o!$eto e algo permanente B...E a consci%ncia tra!al'adora c'ega assim " intui+ão do serindependente como intui+ão de si mesma B...E no formar da coisa, torna-se o!$eto para o escravo sua pr#pria negatividade.

3sta era uma maneira peculiar de /egel conservar a idéia do tra!al'o como auto- posi+ão das capacidades expressivas dos su$eitos, duplica+ão da consci%ncia em um o!$etoque espel'a sua pr#pria estrutura. realiza+ão da unidade da consci%ncia-de-si nadiferen+a podia assim ser realizada pelas estruturas materiais do tra!al'o Bque é um agiraque necessariamente apresenta-se como modo de intera+ão socialE. &o entanto, /egel, deuma certa forma, esvaziou a dimensão da expressividade $á que o afeto que parecedeterminar a consci%ncia em seu para-si é a angIstia. Z ela que faz com que, no formar, o posto se$a a pr#pria negatividade Be não a realiza+ão autnoma de um pro$eto alo$ado naintencionalidade da consci%nciaE. aliena+ão no tra!al'o, a confronta+ão com o agirenquanto uma ess%ncia estran'a, enquanto agir para-um-Futro a!soluto Be não apenas parauma Futra particularidadeE tem caráter formador por a!rir a consci%ncia " experi%ncia de

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recon'ece por !enfeitor quem l'e dá acesso ao gozo da riqueza e se tem comoo!rigada á gratidão. o contrário, a consci%ncia da outra rela+ão é a consci%ncia vilque sustenta a desigualdade com as duas essencialidades. ssim, v% na so!eraniauma algema e opressão do ser para-si e por isto odeia o so!erano, s# o!edece com perfídia e esta sempre disposta " re!elião. &a riqueza, pela qual o!tém o gozo do

seu ser para-si, tam!ém s# o!tém a desigualdade B...E ama a riqueza , mas a desprezae com o desvanecer do gozo, considera tam!ém desvanecida sua rela+ão com o rico !enfeitor 9QK.

uma alteridade interna como momento fundamental para a posi+ão da identidade. Haí porque7 “o temor do 1en'or Ba!solutoE é o início da sa!edoria(.

Heel6 Mar1 e o tra4al(o

Z neste ponto que devemos introduzir algumas considera+*es do $ovem ?arx so!reo uso 'egeliano da categoria do tra!al'o. em!remos, inicialmente, que o $ovem ?arx pensa o tra!al'o através de uma teoria de cun'o expressivista. F paradigma da auto- posi+ão do su$eito auto-referente é pensado a partir de um certo modo de conce!er aatividade criadora do artista. idéia expressivista da forma+ão cultura reaparece como umaestética da produ+ão. 3la serve de modelo normativo para diferenciar o!$etiva+ão de for+asvitais B?arx fala de “energia espiritual e física(E e aliena+ão./á assim um pensamento daidentidade guiando as expectativas normativas no interior da esfera do tra!al'o não-alienado. Haí porque ?arx fala da aliena+ão como sentimento de seu pr#prio produto comode uma coisa estran'a. &a aliena+ão, o poder social, a for+a produtiva aparece como umafor+a estran'a ao indivíduo, situada fora dele7 “ aliena+ão aparece tanto no fato de que

meu meio de vida é de outro, que meu dese$o é a posse inacessível de outro, como no fatode que cada coisa é outra que ela mesma, que min'a atividade é outra coisa(.3ste ser-fora-de-si, que em /egel aparecia como momento ontol#gico fundamental

das determina+*es de reflexão que estruturam o movimento dialético de auto-refer%ncia évinculado, por ?arx, ao resultado da situa+ão do tra!al'o em um modo específico de produ+ão7 o capitalismo. ertamente, outros modos de produ+ão desenvolveram outrasformas de aliena+ão, mas é certo que a supera+ão da aliena+ão s# poderia se dar através dareconstru+ão das rela+*es de produ+ão. Haí a crítica " supera+ão a!strata, inefetiva, dasupera+ão 'egeliana da aliena+ão7 “em /egel, a nega+ão da nega+ão não é confirma+ão daverdadeira ess%ncia, precisamente mediante a nega+ão da ess%ncia aparente, mas aconfirma+ão da ess%ncia aparente ou da ess%ncia alienada de si em sua nega+ão(.

?arx pensa, por exemplo, nesta primeira posi+ão do tra!al'o na  Fenomenologia do $spírito( Vemos claramente como a supera+ão da aliena+ão através do tra!al'o estávinculada a uma certa re-compreensão do significado da aliena+ão do tra!al'o Be nãoatravés da posi+ão de uma “mudan+a no modo de produ+ão(E. consci%ncia perce!e, notra!al'o alienado, a posi+ão do seu vínculo essencial a uma exterioriza+ão que éconfronta+ão com uma alteridade constitutiva das rela+*es de si a si.

He fato, tudo o que /egel afirma é que7 “1urgiu, para n#s, uma nova figura daconsci%ncia B...E uma consci%ncia que pensa ou uma consci%ncia-de-si livre(.  Rsto poderianos levar " conclusão de que, como o ato de reconcilia+ão é formal Bele é apenas uma nova

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 &o nosso trec'o do texto, /egel dará aten+ão aos desdo!ramentos da consci%nciano!re na tentativa de implementar seu pr#prio conceito de a+ão. He fato, a consci%nciano!re se v% como o “'eroísmo do servi+o(, como a pessoa que renuncia " posse e ao gozode si mesma em prol da efetiva+ão do poder ao qual se sacrifica. Hesta forma, ela dáatualidade ao poder de 3stado através de sua pr#pria a+ão. consci%ncia consegue assim o

respeito B 8chtung E a si e $unto aos outros.?as notemos que é a consci%ncia no!re que dá atualidade e efetividade ao poder de3stado; em Iltima instAncia, é a consci%ncia no!re que diz o que o poder de 3stado é, daí porque /egel afirma que este poder 7 “ainda não possui nen'uma vontade particular, pois aconsci%ncia-de-si servidora ainda não exteriorizou ser puro 1i e assim vivificou o poder de

orienta+ão no pensamento que faz com que a rela+ão negativa para com o o!$etotransforme-se em o!$etiva+ão do que no su$eito aparece inicialmente como negatividadeE, asupera+ão da aliena+ão através de um tra!al'o que forma converte-se em confirma+ão daaliena+ão. Z isto que ?arx tem em mente ao afirmar que, em /egel, o ato é apenas formal7“porque vale como um ato a!strato, porque o ser 'umano mesmo s# vale como ser a!strato

 pensante, como consci%ncia-de-si e, em segundo lugar, porque a apreensão é formal ea!strata, assim a supera+ão da exterioriza+ão torna-se uma confirma+ão da exterioriza+ãoou, para /egel, aquele movimento de auto-produ+ão, de auto-o!$etiva+ão como auto-exterioriza+ão e auto-aliena+ão é a a!soluta e, por isto, a Iltima exterioriza+ão da vida'umana(.

?as /egel opera assim por pensar a supera+ão da aliena+ão não a partir dareformula+ão das condi+*es materiais de produ+ão, mas através de uma reconfigura+ãodialética das rela+*es de identidade e diferen+a diante do o!$eto da experi%ncia. 1em negara importAncia do telos da modifica+ão dos modos de produ+ão, podemos lem!rar tam!émque a posi+ão de rela+*es de iman%ncia entre su$eito e o!$eto Btal como em uma perspectivaexpressivistaE tam!ém é uma forma de aliena+ão. `dorno\

/á ainda uma questão a levantar so!re os usos da categoria de tra!al'o em /egel e?arx. 1a!emos como, para ?arx, o que determina o fato da aliena+ão no capitalismo é adivisão do tra!al'o e o tra!al'o a!strato pensado como mercadoria. 3ste uso visa dar contada seguinte questão7 o que significa falar do tra!al'o como modo de auto-posi+ão daconsci%ncia-de-si em uma situa+ão 'ist#ria dominada pela divisão do tra!al'o e pelotra!al'o a!stratoG 1ignifica necessariamente em compreender que tal reconcilia+ão exigeconfigura+*es profundas nos modos de produ+ão.

divisão do tra!al'o indica como as for+as produtivas e a racionalidade orientada para fins assumem uma forma indiferente ao comércio dos indivíduos enquanto indivíduos.6or outro lado, ela consolida nosso pr#prio produto em uma for+a o!$etiva que nos domina,fixando a atividade social em uma particularidade que !loqueia a manifesta+ão da ess%ncia.Haí porque ?arx afirma que, na sociedade comunista, os indivíduos não teriam uma esferade atividade exclusiva7 “o que cria para mim a possi!ilidade de 'o$e fazer uma coisa,aman'ã outra, ca+ar de man'ã, pescar na parte da tarde, cuidar do gado ao anoitecer, fazercrítica ap#s as refei+*es, a meu !el-prazer, sem nunca me tornar ca+ador, pescador oucrítico(.

He fato, /egel tam!ém procura dar conta do pro!lema da divisão do tra!al'o.3m!ora ele não interfira diretamente no encamin'amento da Fenomenologia do $spírito,ele aparece claramente na Filosofia do $spírito, de )Y@Q, assim como nas "içes so2re a filosofia do direito, " ocasião da apresenta+ão do conceito de “sistema de necessidades(.

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3stado(9<@. linguagem da consci%ncia no!re aparece pois como o conselho B at E dado pelo “orgul'oso vassalo( ao poder de 3stado para a efetiva+ão do !em comum. /egellem!ra ainda que o orgul'o dessa consci%ncia no!re é o recon'ecimento de sua 'onra, nãoapenas pela individualidade do monarca, mas pela maneira com que ele aparece diante daopinião pI!lica Ballgemeinen 4einung E.

/egel insiste pois que este sacrifício da consci%ncia no!re não é efetivamente um, $áque é consel'o que dirige o poder de 3stado B$ogando coma am!iguidadeE e que pauta suasa+*es a partir de um conceito de 'onra que é vínculo ao outro. Haí porque o poder de3stado está sempre diante do separatismo dos que usam o !em universal como ret#rica para

3le c'agará a dizer que7 “através da a!stra+ão do tra!al'o, o singular é mais mecanizado,mais em!rutecido, mais privado de espírito. F espiritual, esta vida realizada consciente-de-si, advém um fazer vazio, a for+a do si consiste na riqueza de seu empreendimento, talfor+a se perde(. ] ocasião, /egel sugere um pesado sistema fiscal de tri!uta+*es a fim deimpedir que domínios da economia se$am pre$udicados pelo desenvolvimento desigual,

levando os tra!al'adores a tra!al'os cada vez mais em!rutecedores. &o entanto,contrariamente a ?arx, /egel acredita que, em um estado capaz de realizar as aspira+*esracionais de fundamenta+ão dos sistemas de intera+ão social, a divisão do tra!al'o podeaparecer como “rela+ão mItua de indivíduos( que precisam coordenar o agir a fim dealcan+ar satisfa+ão coletiva Bver, por exemplo, par. )KK da Filosofia do direitoE.

E"to!)!"mo6 )et!)!"mo e a !ne""en)!al!dade da e&et!+!dade

?as o que nos interessa aqui é o primeiro aspecto da crítica de ?arx, este que diz respeitoao caráter puramente a!strato e formal fornecido por /egel " reconcilia+ão através dotra!al'o. 3ste ponto nos interessa pois ele foi, de uma certa, adiantado pelo pr#prio /egel

na seq5%ncia de nosso texto, em especial através do comentário da figura da consci%nciarepresentada pelo estoicismo. &este ponto, podemos voltar ao comentário de texto.o finalizar a dialética do 1en'or e do 3scravo, /egel introduz novamente a

 perspectiva do para nós a fim de fornecer uma avalia+ão do que estava realmente em $ogono interior do processo dialético que analisamos7

1urgiu, assim, para n#s, uma nova figura da consci%ncia-de-si7 uma consci%ncia queé para si mesma a ess%ncia como infinitude ou puro movimento da consci%ncia, umaconsci%ncia que pensa, ou uma consci%ncia-de-si livre. 6ois é isto o que pensarsignifica7 não ser o!$eto para si como 3u a!strato, mas como 3u que tem ao mesmotempo o significado de ser em-si ou que se relaciona com a ess%ncia o!$etiva demodo que ela ten'a o significado do ser para-si da consci%ncia. 6ara o pensar, oo!$eto não se move em representa+*es ou figuras, mas sim em conceitos, o quesignifica7 num ser em-si diferente que imediatamente para a consci%ncia não é nadadiferente dela.

Fu se$a, a consci%ncia s# pode realmente apreender o que estava em $ogo através dotra!al'o se ela a!andonar o pensar representativo e sua perspectiva de adequa+ão entrerepresenta+*es mentais de um “3u a!strato( e estados de coisas, isto a fim de aceder ao pensar especulativo que realiza esta no+ão de infinitude, comentada anterioremente,

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defender interesses particulares B/egel deve pensar aqui, por exemplo, na  Fronda dosno!res contra nna da ustriaE.

/egel lem!rará novamente que o verdadeiro processo de forma+ão é o sacrifícioque7 “s# é completo quando c'ega até a morte(, sacrifício no qual a consci%ncia sea!andona “tão completamente quanto na morte, porém mantendo-se igualmente nesta

exterioriza+ão(

9<)

. 3 novamente ele lem!rará que a experi%ncia da morte é esta infinitudeque permite a realiza+ão da identidade entre a identidade e a diferen+a7 ^unidade id%ntica desi mesmo, e de si como o oposto de si(.

?as neste ponto, /egel acrescenta uma reflexão extremamente importante e queterá lugar nos parágrafos Q@Y e Q@K. 3le afirma que é através da linguagem que a

enquanto ter em-si sua pr#pria nega+ão Bo o!$etoE através da duplica+ão entre 3u e o!$eto.F tra!al'o compreendido como auto-posi+ão na qual a rela+ão negativa para com o o!$etotorna-se a forma do o!$eto fornece as !ases da a experi%ncia da infinitude do conceito.

6ara compreendermos este ponto, lem!remos desta no+ão 'egeliana do conceitocomo uma estrutura de rela+*es entre o!$etos articuladas a partir de nega+*es determinadas

que se dão no desdo!ramento de processos da experi%ncia. em!remos tam!ém da proposi+ão so!re o 'olismo semAntico de /egel, proposi+ão segundo a qual a compreensãodas rela+*es $á é condi+ão suficiente para a compreensão do conteIdo da experi%ncia.gora /egel afirma que, através de uma compreensão especulativa do tra!al'o, temos aapresenta+ão deste movimento do conceito. Rsto a ponto de podermos seguir /Mppolite edizer que7 “F conceito é o tra!al'o do pensamento(. omo podemos compreender estes pontosG

Dá sa!emos que, através do tra!al'o, a consci%ncia não agiu de acordo com aquiloque os pragmáticos c'amam de “princípio de expressi!ilidade(. 3la não realizou demaneira performativa o que estava em sua inten+ão Ba auto-posi+ão de siE. Ho o!$etotra!al'ado, veio uma experi%ncia de independ%ncia, de resist%ncia ao conceito simples do

3u7 o o!$eto era como um Outro. &o entanto, este Futro é a nega+ão determinada do 3u,através do formar, perce!o este Futro diante do meu agir, ele me nega Bé FutroE e meconserva Bé interno a mim, está no meu agir, por isto, é eu mesmoE. través do tra!al'o, posso refletir-me em meu ser-Futro `que é tanto a resist%ncia do sensível quanto a presen+ade uma outras consci%ncias que descentram o significado da min'a a+ão pois a coloca nointerior de rela+*es sociais 8 os dois níveis devem se articular\. Hesta forma, o tra!al'o nosmostra como o conceito pode esta!elecer rela+*es de nega+ão determinada com os o!$etosaos quais ele se refere.

 &o entanto, a consci%ncia pode operar algo como uma reconcilia+ão formal ea!strata, tal como dissera ?arx Baté porque o tra!al'o foi apresentado inicialmente como posi+ão de uma universalidade a!strata, negatividade em geral vinda da angIstia diante damorteE. o pensar nisto, /egel fala em uma consci%ncia pensante em geral Ba!strataE cu$oo!$eto é apenas a unidade imediata entre ser em-si e ser para-si. 3sta consci%ncia é, para/egel, o estoicismo.

/egel compreende o estoicismo de enão de ício, rísipo, 3píteto e de ?arcourélio como, no fundo, uma filosofia da resigna+ão. :rosso modo, o estoicismocompreende a razão BlogosE como princípio que rege uma &atureza identificada com adivindade. F curso do mundo o!edece assim um determinismo racional. virtude consisteem viver de acordo com a natureza racional aceitando o curso do mundo, ou se$a, aceitandoo destino despo$ando-se de suas paix*es a fim de alcan+ar a apatia e a ataraxia. autarCeia

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consci%ncia realiza enfim este sacrifício de si. Hesta forma, a linguagem é claramenteenunciada como processo de exterioriza+ão e de auto-dissolu+ão da identidade que deve serlido na continuidade das reflex*es de /egel so!re o tra!al'o. inguagem e tra!al'o, $ádissera /egel, “são exterioriza+*es B Wuβ erungenE  nas quais o indivíduo não se conservamais e não se possui mais a si mesmo; senão que nessas exterioriza+*es faz o interior sair

totalmente de si, e o a!andona a Futro(9<9

.qui /egel complementa seu raciocínio afirmando que a linguagem encontra suaverdadeira ess%ncia não como lei ou consel'o Bcom seus potenciais normativosE, mas como“for+a do falar( B Kraft des >prechensE7

est#ica Binfluenciada pelos cínicos e pela sua concep+ão de auto-determina+ão comoafastamento do nomos e dos prazeresE aparece assim como7 “li!erdade, este momentonegativo de a!stra+ão da exist%ncia(. ?esmo que a li!erdade apare+a definida como “a possi!ilidade de agir a partir de sua vontade(, a vontade virtuosa é aquela que se reconciliacom o determinismo racional do curso do mundo. F que explica como é indiferente para o

est#ico ser 3scravo B3pítetoE ou 1en'or B?arco urélioE. 1eu agir é livre “no trono comonas cadeias e em toda forma de depend%ncia do  )asein singular(. 4ma indiferen+a não pode levar a outra coisa que uma “independ%ncia e li!erdade interiores( que, para /egel, ésinal do aparecimento do princípio de su!$etividade.

/egel compreende o estoicismo a partir de duas determina+*es complementares.6rimeiro7

1eu princípio é que a consci%ncia é ess%ncia pensante e que uma coisa s# temessencialidade, ou s# é verdadeira e !oa para ela " medida que a consci%ncia ai secomporta como ess%ncia pensante.

 &ota-se como esta afirma+ão parece corro!orar a exig%ncia 'egeliana de que a consci%ncia-de-si se$a posta como ess%ncia da verdade. inda mais se lem!rarmos da afirma+ão'egeliana segundo a qual a eleva+ão est#ica ao plano do pensamento7 “consiste em que nãose$a a natureza imediata o conteIdo nem a forma do verdadeiro ser da consci%ncia, mas quea racionalidade da natureza se$a aceita pelo pensamento de tal modo que tudo se$averdadeiro e !om na simplicidade do pensamento(. om isto, o estoicismo apreende adiferen+a constante entre o pensar e o que se dá na efetiva+ão fenomenal. &isto, ele é a primeira posi+ão afirmativa da a!stra+ão.

?as esta diferen+a constante, a consci%ncia a compreende como posi+ão de eisgerais que revelam a racionalidade da natureza, ou ainda, “diferen+a simples que está no puro movimento do pensar. >etomamos assim um movimento apresentado no capítulo“0or+a e entendimento(7 ap#s ter a experi%ncia de uma universalidade eminentementenegativa em rela+ão "s determina+*es fenomenais, a consci%ncia transforma tal diferen+aem ei a!strata, com os pro!lemas de aplica+ão da ei ao caso que vimos anteriormente.

 &o entanto, /egel está mais interessado, ao menos nesta parte da  Fenomenologia,nos impasses est#icos a respeito da determina+ão da racionalidade em sua dimensão prática. 1o!re a autarCeia est#ica de uma consci%ncia que se compreende comoessencialidade, /egel dirá7 “1eu agir é conservar-se na impassi!ilidade que continuamentese retira do movimento do )asein, do atuar como do padecer, para a essencialidade simplesdo pensamento(. este respeito, /egel c'egar a afirmar que7 “ a grandeza da filosofia

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om efeito, a linguagem é o Hasein do puro 1i como 1i, pela linguagem entra naexist%ncia a singularidade sendo para si da consci%ncia-de-si, de forma que ela é para os outros B...E ?as a linguagem contém o 3u em sua pureza, s# expressa o 3u,o 3u mesmo. 3sse Hasein do 3u é uma o!$etividade que contém sua verdadeiranatureza. F 3u é este 3u mas, igualmente, o 3u universal. 1eu aparecer é ao mesmo

tempo sua exterioriza+ão e desaparecer e, por isto, seu permanecer nauniversalidade B...E seu desaparecer é, imediatamente, seu permanecer 9<J.

princípio, pode parecer que estamos diante de alguma forma de contradi+ão, $áque ap#s ter dito que a linguagem era uma exterioriza+ão na qual o indivíduo não se

est#ica consiste que nada pode que!rar a vontade se esta se mantém firme B...E e que sequero afastamento da dor pode ser considerado um fim(.

?as /egel não deixa de lem!rar que uma des-aliena+ão que se realiza apenasatravés do formalismo de um pensar que se retira do movimento do  )asein s# podeaparecer como conforma+ão "quilo que não pode, por mim, ser modificado. /egel

apresenta assim uma crítica que será, em várias situa+*es, dirigida contra ele pr#prio7 “li!erdade da consci%ncia é indiferente quanto ao  )asein natural; por isto igualmente odeixou livre,e a reflexão é a reflexão duplicada. li!erdade do pensamento tem somente o puro pensamento por sua verdade, e verdade sem a implementa+ão da vida(. penas comoexemplo desta mesma crítica contra /egel, lem!remos do final de "a patience du concept,de :erard e!run7 “3nquanto a l#gica designava até agora a instAncia que 'aviatransformado o desdo!ramento do logos em um discurso predicativo so!re o entes, a#gica nova não $ulga mais os entes nos quais se investirão as categorias. 3la cessa derelacionar estas a o!$etos e de formar a trama de uma consci%ncia-de-coisas(. Fu ainda.1o!re a 0enomenologia7 “ o que tomávamos por uma narrativa de viagem não nos leva anada, como se, ao final da Fdisséia, taca fosse fosse um nome, ao invés de uma il'a.s

coisas mesmas a respeito das quais esperávamos uma revela+ão, ei-las transmutadas emlinguagem(.F estoicismo tem algo da infinitude, $á que o 3u tem nele o ser-outro. ?as trata-se

de uma reflexão duplicada !aseada na indiferen+a entre os p#los. ess%ncia é apenas aforma como tal, que se afastou da independ%ncia da coisa. ?as a individualidade atuantedeveria encontrar no conceito um princípio de indexa+ão so!re o conteIdo que l'e seriaadequado. ?as aqui o conceito é a!stra+ão, e não conceito determinado. 6ara sair daclausura do pensamento, o conceito deve sa!er determinar-se.

Cur"o HeelJlt!ma aula

/o$e, terminamos a primeira parte do nosso curso. ontinuaremos no semestre que vem aleitura da Fenomenologia do $spírito no ponto em que paramos, ou se$a, o estoicismo e oceticismo como figuras da experi%ncia fenomenol#gica em dire+ão " fundamenta+ãoa!soluta do sa!er. &osso pro$eto é completar a leitura do texto 'egeliano servindo-sesempre de um duplo movimento que articula apreens*es de esquematiza+ão geral ecomentário pontual de texto. &o semestre que vem, discutiremos pois o encamin'amento

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conservava mais, a!andonando seu interior a Futro, /egel afirma agora o inverso, ou se$a,que a linguagem é o Hasein do 1i como 1i. &o entanto, esta contradi+ão é apenas aparente, pois a linguagem perde seu caráter de pura aliena+ão quando compreendemos o 3u nãocomo interioridade, mas como aquilo que tem sua ess%ncia no que se auto-dissolve. ofalar do 3u que acede " linguagem como um universal, /egel novamente se serve do

caráter de d%itico de termos como 3u, isto, agora etc. “3u( é uma fun+ão de indica+ão aqual os su$eitos se su!metem de maneira uniforme. o tentar dizer ^eu_, a consci%nciadesvela a estrutura de significante puro do 3u, esta mesma estrutura que o fil#sofo alemãoc'ama de 7 “nome como nome(, ou ainda “algo em geral( 9<P. 4ma natureza que transformatoda tentativa de refer%ncia-a-si em refer%ncia a si ^para os outros_ e como um Futro. 3ste

da experi%ncia fenomenol#gica nas se+*es posteriores B“>azão(, “3spírito(, “>eligião( e“1a!er a!soluto(E. Rsto nos levará a apreender a especificidade de conceitos centrais para adialética 'egeliana, como7 irreduti!ilidade do princípio de su!$etividade, racionalidade domovimento 'ist#rico, intervers*es de processos de racionaliza+ão dependentes da posi+ãonormativa de critérios de $ustifica+ão. >etomaremos ainda o pro!lema das rela+*es entre

ontologia e teoria das nega+*es tendo em vistas certos desdo!ramentos da dialética no pensamento do século . &este sentido, gostaria de primeiramente comentar os t#picos que servirão de eixo

de discussão para o pr#ximo semestre e que estão apresentados na ementa do curso7

• >azão categorial e razão dialética7 so!re a natureza das distin+*es entre o transcendentale o especulativo e da crítica 'egeliana "s dicotomias do conceito Cantiano deentendimento. se+ão “>azão( e a crítica 'egeliana ao processo de moderniza+ão emsuas dimens*es7 cognitivo-instrumental, prático-finalista e $urídica.

• se+ão “3spírito( e a primeira apresenta+ão de um conceito positivo de razão. 6eistcomo práticas sociais legitimadas de maneira auto-reflexiva. >azão, 'ist#ria e a

natureza da  $rinnerung 'egeliana. Heleuze, crítico de /egel7 a diferen+a entre arepeti+ão e a rememora+ão.• 1o!re o fracasso da polis grega como espa+o de realiza+ão da su!stAncia ética.

 8ntígona entre /egel e acan7 duas leituras so!re o conflito entre aspira+*es dasingularidade, norma familiar e ordenamento $urídico.

• Fs impasses da norma na dimensão prática da razão. /egel como te#rico dasintervers*es da moralidade7 a linguagem do dilaceramento de O so2rinho de ameau, aanálise das clivagens da 6e7issen e o advento da palavra de reconcilia+ão. Rronia edialética ou 6or que não rir da filosofiaG

• teoria 'egeliana do recon'ecimento como a!andono de uma teoria daintersu!$etividade. /a!ermas, crítico de /egel e a incompreensão a respeito da critica

'egeliana a um processo de racionaliza+ão pensado a partir da posi+ão a priori decritérios normativos de $ustifica+ão da dimensão prática0ilosofia e teologia em /egel.

• F conceito 'egeliano de “religião( nos fornece uma teleologia da razãoG 1o!re o pro!lema da conting%ncia em /egel ou 6or que as feridas do 3spírito são curadas semdeixar cicatrizesG F espírito do cristianismo e seu destino na modernidade.

• “F ser do 3u é uma coisa( enquanto $ulgamento infinito e palavra de reconcilia+ão.>etorno ao pro!lema dos destinos das no+*es de conting%ncia, de sensível e detemporalidade na posi+ão do 1a!er !soluto. Uue tipo de síntese o 1a!er !soluto

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eu enquanto individualidade s# pode se manifestar como  fading, como o que estádesaparecendo em um 3u universal. ilusão do imediato da auto-refer%ncia se desvelaassim como media+ão formadora, $á que ela é  produ.ida pelo signo ling1ístico em seucar9ter uni*ersali.ante(

 &ovamente, /egel se serve da l#gica dos d%iticos para falar daquilo que é essencial

nos usos da linguagem. peculiaridade de nossa passagem é que ela ainda servirá paraque /egel mostre uma situa+ão de prática social na qual o 3u se apresenta integralmenteem uma linguagem que não expressa sua individualidade7 trata-se da lison$a.

/egel fez tais considera+*es so!re a linguagem para poder introduzir uma mudan+amaior na rela+ão entre a consci%ncia no!re e o poder de 3stado com o advento da

opera ou F que é exatamente um conceitoG dorno, crítico da no+ão 'egeliana detotalidade sist%mica. 2eoria das nega+*es e ontologia em /egel e dorno.

?as eu gostaria de usar a aula de 'o$e para realizar dois o!$etivos. 6rimeiro, trata-se defornecer, principalmente "queles que, por alguma razão, não acompan'arão o

desdo!ramento deste curso no segundo semestre, uma avalia+ão parcial do que foi o!$etodo nosso tra$eto até agora. 1egundo, trata-se de avan+ar mais um pouco em nossa leitura eapresentar o que está em $ogo na figura da consci%ncia apresentada por /egel so! o nomede “ceticismo(.

O &!m e o !n$)!o

“Vivemos aliás numa época em que a universalidade do espírito está fortementeconsolidada, e a singularidade, como convém, tornou-se tanto mais insignificante; épocaem que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e as reivindica para si. parte que ca!e " atividade do indivíduo na o!ra total do espírito s# pode ser

mínima. ssim, ele deve esquecer-se, como $á o implica a natureza da ci%ncia. &a verdade,o indivíduo deve vir-a-ser, e tam!ém deve fazer o que l'e for possível; mas não se deveexigir muito dele, $á que tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo(.

0oi com esta frase de /egel que iniciamos nosso curso. 6artimos desta frase porqueela parecia sintetizar tudo aquilo que várias lin'as 'egemnicas do pensamento filos#ficodo século imputaram a /egel. 0il#sofo da totalidade do 1a!er !soluto, incapaz de darconta da irreduti!ilidade da diferen+a e das aspira+*es de recon'ecimento do individual "sestratégias de síntese do conceito. 2e#rico de uma modernidade que se realizaria nototalitarismo de um 3stado 4niversal que se $ulga a encarna+ão da “o!ra total do espírito(.3xpressão mais !em aca!ada da cren+a filos#fica de que s# seria possível pensar através daarticula+ão de sistemas fortemente 'ierárquicos e teleol#gicos, com o conseq5ente desprezo pela dignidade ontol#gica do contingente, deste contingente que “tampouco pode esperar desi e reclamar para si mesmo(. ?as o que podemos dizer a respeito destes diagn#sticosagora, depois de uma leitura atenta das partes iniciais desta que é, $untamente com a%i&ncia da "ógica e da $nciclop'dia, uma das tr%s grandes o!ras de /egelG

X claro que uma resposta a!solutamente segura exigiria a compreensão não s# daintegralidade da nossa o!ra, mas tam!ém de sua articula+ão com as outras o!ras, o lugarcorreto da  Fenomenologia no interior do sistema,. assim como a apreensão dodesenvolvimento temporal do pensamento 'egeliano. ?as, por um lado, sa!emos que/egel nunca recusou esta o!ra que inaugura seu período de maturidade. 3la fornece a !ase

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monarquia a!soluta. consci%ncia no!re não mais tenta, através da linguagem doconsel'o, determinar a vontade de um poder do 3stado que passa " condi+ão de 3udeli!erante e universal em sua singularidade7 Inico nome pr#prio diante de nomes semsingularidade. F nome do monarca é pura vontade que decide. Hesta forma7 “o 'eroísmo doservi+o silencioso torna-se o 'eroísmo da lison$a(, de um alienar-se, através da !a$ula+ão, "

vontade de um Futro B/egel pensa so!retudo na no!reza palaciana de Versailles so! uisRVE7

V% sua personalidade como tal dependendo da personalidade contingente de umFutro; do acaso de um instante, de um capric'o, ou aliás de uma circunstAncia

 para a constitui+ão de um programa filos#fico Ba crítica ao primado do entendimentoatravés da reflexividade unificadora do conceito, crítica extensiva a todos os processos deracionaliza+ão na modernidadeE e de um procedimento de encamin'amento de quest*es Badialética renovada através da reconsidera+ão de categorias como “contradi+ão(, “oposi+ão(e “nega+ão(E que nunca será a!andonado por /egel. Fu se$a, a 0enomenologia oferece um

modo de pensar e articular pro!lemas filos#ficos que será a marca da experi%nciaintelectual 'egeliana. &este sentido, a compreensão do que está em $ogo em seus primeiroscapítulos $á nos fornece um quadro seguro das quest*es que preocuparão /egel desdeentão.

em!remos ainda, para refor+ar nossa 'ip#tese, que a decisão 'egeliana de realizaruma nova edi+ão da 0enomenologia, tra!al'o que não foi realizado devido " morte de/egel, apenas demonstrava que a  Fenomenologia do $spírito continuava como pe+afundamental do pro$eto filos#fico 'egeliano. 3 se sa!emos da inten+ão de /egel em retirardo título 7 “1istema da ci%ncia. 6rimeira parte( é porque a 0enomenologia $á nos forneceum sistema de apresenta+ão da ci%ncia que é autnomo em rela+ão a um “sistemaenciclopédico(. 6odemos continuar na idéia de uma dupla figura do sistema e afirmar que

o sa!er fenomenol#gico não se deixa a!sorver completamente pelo sa!er enciclopédico,mas esta!elece uma experi%ncia filos#fica autnoma. &este sentido, devemos leva a sérioestas palavras de /eidegger7 “&a concep+ão 'egeliana da 0enomenologia do 3spírito, oespírito não é o o!$eto da fenomenologia, nem ^fenomenologia_ é o título de uma pesquisa ede uma ci%ncia  so2re algo, como o espírito, por exemplo, mas a 0enomenologia é amodalidade Be não apenas um modo dentre outrosE segundo a qual o espírito é. fenomenologia do espírito designa a entrada em cena, o aparece verdadeiro e integral doespírito(.

?as antes de retornar a uma interpreta+ão do empreendimento 'egeliano, agora a partir do saldo de nossas leituras dos primeiros capítulos da  Fenomenologia, gostaria delem!rar como tal opera+ão nos permite adiantar uma resposta provis#ria para uma questãoque 'avia posto na primeira de nossas aulas7 “F que significa ler /egel 'o$eG(. 6oisdeveríamos ter nos restringido " economia interna dos textos e ignorado como a auto-compreensão filos#fica da contemporaneidade afirmou-se insistentemente como “anti-'egeliana(G omo se nosso tempo exigisse não se recon'ecer no diagn#stico de época enão permitisse deixar-se ler através das categorias fornecidas por /egel. Fu se$a, é possíveller /egel hoje sem levar em conta como nosso momento filos#fico organizou-se, entreoutras estratégias, através dos mIltiplos regimes de contraposi+ão " filosofia 'egelianaG Não estaríamos assim perdendo a oportunidade de entender como a auto-compreensão deum tempo depende, em larga escala, da maneira com que se decide o destino de textos

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indiferente. &o 3stado de direito, o que está so! o poder da ess%ncia o!$etivaaparece como um conteIdo contingente do qual se pode a!strair e o poder não afetao 1i como tal, mas o 1i é antes recon'ecido. 6orém aqui o 1i v% a certeza de si,enquanto tal, ser o mais inessencial e a personalidade pura ser a a!solutaimpessoalidade9<Q.

 Fu se$a, do 1en'or do mundo ao monarca a!soluto, temos um aprofundamento daapropria+ão reflexiva da natureza dilacerada da consci%ncia. 6ois, aqui, a consci%nciano!re se encontrará tão dilacerada quanto a consci%ncia vil, em!ora este dilaceramento se$acondi+ão para a determina+ão da verdade da consci%ncia, até porque7 “ a consci%ncia-de-si

 filosóficos de geraçes anteriores! ompreender como um tempo se define, entre outrasopera+*es, através da maneira com que os fil#sofos l%em os fil#sofos7 prova maior de que a'ist#ria da filosofia é, em larga medida, figura da reflexão filos#fica so!re o presenteG

Hito isto, podemos retornar a nossa leitura a fim de ver em que ela nos permitereorientarmos nas estratégias contemporAneas de compreensão do 'egelianismo. 6artamos

desta crítica várias vezes repetida contra /egel7 fil#sofo da totalidade do 1a!er !soluto,incapaz de dar conta da irreduti!ilidade da diferen+a e das aspira+*es de recon'ecimento doindividual "s estratégias de síntese do conceito. 4ma crítica que levou, por exemplo,/eidegger a falar, a respeito da figura do “para n#s( que comenta a experi%nciafenomenol#gica, de um sintoma claro da orienta+ão prévia da experi%ncia em dire+ão a umconceito $á decidido de !soluto7 “F o!$eto para n#s, nosso o!$eto, é o o!$eto para estesBn#sE que, desde o início, sa!em, comportando-se de maneira mediatizante, ou se$a, a partirdo modo da supera+ão $á caracterizada(. omo se o recurso " perspectiva do “para n#s( nointerior do nosso texto demonstrasse a necessidade de que o tra$eto fenomenol#gico $áfosse, desde o início tra+ado na seguran+a de um dispor que esvazia toda possi!ilidade dereorienta+ão de uma experi%ncia previamente tra+ada.

 &o entanto, vimos como a afirma+ão de que “a consci%ncia é para si mesma sua pr#pria medida( implicava na idéia de que o ritmo da experi%ncia deveria ser determinado pela pr#pria experi%ncia. 2entem lem!rar se, em algum momento, o recurso " perspectivado “para n#s( foi necessário para o desdo!ramento da experi%ncia fenomenol#gica. ocontrário, vimos como as intervers*es e invers*es que guiam o desdo!ramento da Fenomenologia do $spírito são resultantes do pr#prio processo de tentativa de indexa+ãodireta da efetividade "s representa+*es naturais do que é “mero( conceito. Vimos como asa!er fenomenol#gico deve operar com uma perspectiva internalista que praticamente nãofaz uso de nen'um sa!er pressuposto 8 o que demonstra como a no+ão de que o sa!era!soluto está lá posto desde o início é supérflua, desnecessária.

Z verdade que, como vimos, /egel lem!ra que o tra$eto fenomenol#gico s# pode serconfigurado se a 0enomenologia aceitar a!andonar uma gramática filos#fica da finitude, pr#pria ao entendimento. ?as lem!remos que, até agora, os descamin'os da experi%ncia daconsci%ncia não foram, em momento algum, marcados pelo peso da con$uga+ão for+ada deoutra gramática filos#fica. F ponto do qual /egel parte é, digamos, pragmático. 3leconsiste em dizer que os termos fundamentais do sa!er s# poderão definir suassignifica+*es através do uso que deles faremos no interior do campo fenomenol#gico.

Fu se$a, a verdadeira tarefa filos#fica não consiste em tentar esclarecer previamentea significa+ão de conceitos primeiros para a estrutura+ão de todo sa!er possível. verdadeira tarefa filos#fica consiste em partir do uso ordinário desses conceitos para

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s# encontra sua verdade no seu dilaceramento a!soluto(. ?as este dilaceramento deveráainda durar um pouco mais.

Cur"o HeelAula <

 &a aula passada, acompan'amos este tra$eto de forma+ão 'ist#rica da consci%ncia que/egel procura descrever na se+ão 3spírito. Vimos como tal tra$eto s# gan'a inteligi!ilidadese o compreendermos como o desdo!ramento 'ist#rico dos modos com que su$eitos se

mostrar como sua significa+ão não é universalmente con'ecida, como poderia parecer primeiramente. &o entanto, a filosofia não deve ser uma crítica " “representa+ão natural(do sa!er a partir da cren+a de $á possuir uma representa+ão adequada do sa!er. ocontrário, ela deve mostrar que a produ+ão dos conceitos que norteiam o sa!er é o resultadode um processo, e não a pressuposi+ão de uma evid%ncia. dialética deve come+ar sem

conceitos pr#prios, apenas con$ugando os conceitos do entendimento em outra gramática. &a verdade, esta afirma+ão não está totalmente correta. /á ao menos duas pressuposi+*es que guiam /egel. primeira diz respeito " compreensão de que identidadessão produzidas através de rela+*es configuradas a partir da no+ão de “nega+ãodeterminada(, e não através de oposi+*es. ?as,de fato, não se trata totalmente de um pressuposto porque /egel quer mostrar a inconsist%ncia l#gica da no+ão de “extensão( quesustenta as opera+*es de determina+ão de identidades a partir de oposi+ão. ?as 'á de fatoum pressuposto7 “1# o a!soluto é verdade, ou s# o verdadeiro é a!soluto(. 3sta afirma+ãonão é demonstrada, mas apenas postulada. 3., de fato, a perspectiva 'egeliana é uma perspectiva 'olista. F a!soluto pressup*e uma perspectiva 'olista do sa!er. Rsto implica emdizer que o sa!er s# será assegurado em seu fundamento se ele for a!solutamente

fundamentado. 0alar em 1a!er a!soluto não implica em falar em uma a!solutiza+ão dosa!er que implicaria na cren+a em uma dedu+ão integral da efetividade a partir dascategorias do sa!er. 0alar em 1a!er !soluto implica em dizer que o Inico sa!er o!$etivo éaquele que pode ser a!solutamente fundamentado, ou se$a, assegurado em um fundamentoincondicional, universal e concreto Bno sentido de algo que tem, em si, a norma de suadetermina+ão concretaE. Z claro, podemos ter con'ecimento de situa+*es condicionadas eregionais. partir de tais situa+*es, podemos procurar generaliza+*es que nos permitaes!o+ar quadros de previs*es, nos orientar em a+*es cotidianas, entre outros. ?as, para/egel, s# poderemos falar em um sa!er verdadeiro se o que determina a verdade destesa!er for recon'ecido em toda e qualquer condi+ão e em todo e qualquer contexto. F queconstitui o campo do sa!er é aquilo que pode aspirar validade incondicional, universal econcreta.

?as várias quest*es se p*em a partir desta pressuposi+ão 'olista. primeira é7quem fala a partir desta perspectiva “meta-contextual(G 1egundo, poderia parecer que/egel entraria aí necessariamente nesta crítica da contemporaneidade a uma figura do pensar que aniquila as singularidades puras, a conting%ncia, a não-identidade e o sensívelem prol de uma 'ip#stase do !soluto e do 4niversal. Fu se$a, uma figura que aniquila aindepend%ncia da coisa em prol da a!solutiza+ão das estruturas cognitivas do su$eito. omodirá dorno7 “1e /egel tivesse levado a doutrina da identidade entre o universal e o particular até uma dialética no interior do pr#prio particular, o particular teria rece!ido

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inserem e a!sorvem regimes de racionalidade encarnados em institui+*es e práticas sociais,constituindo sistemas de expectativas e regimes de a+ão orientada por “raz*es para agir(.  partir da ruptura das expectativas depositadas na eticidade da polis grega e do advento daexperi%ncia de interioridade resultante do recon'ecimento a!strato da pessoa no estadoromano de direito, adentramos nesta parte principal da nossa se+ão, parte intitulada7 “F

espírito alienado de si7 a cultura(.3sta segunda parte da se+ão 3spírito é a mais extensa de todas e tenta co!rir umlongo período 'ist#rico que vai da lta Rdade ?édia até os desdo!ramentos da >evolu+ão0rancesa. /egel descreve este período nos seguintes termos7

tantos direitos quanto o universal. Uue este direito 8 tal como um pai repreendendo seufil'o7 “Voc% se cr% um ser particular( -, ele o a!aixe ao nível de simples paixão e psicologize o direito da 'umanidade como se fosse narcisismo, isto não é apenas um pecado original individual do fil#sofo(.

 ?as lem!remos mais uma vez do que vimos no interior do nosso tra$eto filos#fico./egel partia das expectativas da consci%ncia em fundamentar o sa!er a partir do que l'eaparece de maneira imediata enquanto certeza sensível. 3la $ulga ter diante de si a particularidade que determinaria a essencialidade da coisa mesma. &o entanto, ela faz aexperi%ncia de que não 'á nen'uma designa+ão ostensiva possível da particularidade, deque a “linguagem s# enuncia o universal(. Haí porque7 “F falar tem a natureza divina deinverter imediatamente o visar, de torna-lo algo diverso, não o deixando assim aceder " palavra(.

F que acontece então a partir daíG omo a consci%ncia acredita que a medida daverdade é dada pelo o!$eto, ela procura então um sa!er capaz de dar conta de uma coisa queé, ao mesmo tempo, aquilo que suporta atri!ui+*es predicativas universais que me

 permitiriam apreender a singularidade. &a verdade, /egel apela aqui " estrutura categorialdas propriedades, um pouco como rist#teles lem!rava que as categorias eram os g%nerosmais gerais do ser que permitia a individualiza+ão de su!stAncias 3m rela+ão " certezasensível, a percep+ão procura convergir a estrutura universalizante da linguagem com a particularidade da experi%ncia do mundo através da compreensão dos universais como propriedades gerais de o!$etos. coisa aparece assim como um individual capaz de serdescrito e apreendido por universais, ou ainda, como uma coisa com mIltiplas propriedades. &otamos que a exig%ncia de pensar o que resiste ao conceito é o que move aconsci%ncia.

Vimos ainda como isto levava a consci%ncia a estruturar o o!$eto da percep+ão a partir da dicotomia entre 4m e mIltiplo. 4ma dicotomia que nos levava diretamente parafora da percep+ão enquanto opera+ão que fundamentaria o sa!er. 3ntrávamos assimdiretamente nas considera+*es 'egelianas so!re o primado do entendimento.

 &a passagem em dire+ão ao entendimento, vimos que o motor continuava sendo aexig%ncia de pensar o que resiste ao conceito. &o entanto, a consci%ncia assumia a'umildade de uma certa figura do sa!er que compreende a crítica como determina+ão doslimites do que funciona como expectativa da razão. coisa que aparecia clivada na percep+ão entre 4m e mIltiplo era cindida entre a essencialidade de uma coisa-em-si,incondicional indeterminado, e a coisa enquanto aquilo que é para-um-outro, ou se$a, comofenmeno, “ser que imediatamente é em si mesmo um não-ser B NischtseinE(..

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F mundo tem aqui a determina+ão de ser algo exterior B WusserlichesE, o negativo daconsci%ncia-de-si. ontudo, esse mundo é a ess%ncia espiritual, é em si acompenetra+ão do ser e da individualidade. 1eu Hasein é a o!ra da consci%ncia-de-si, mas é igualmente uma efetividade imediatamente presente e estran'a a ele; temum ser peculiar e a consci%ncia-de-si ali não se recon'ece. 9<< 

Fu se$a, a consci%ncia não recon'ece mais a efetividade exterior do mundo comoseu pr#prio tra!al'o, como sua pr#pria su!stAncia Btal como ocorria nas rela+*es iniciais deeticidadeE. /averá um longo camin'o de reconcilia+ão com um mundo contra o qual aconsci%ncia não cessará de lutar. &o entanto, tal reconcilia+ão s# será possível quando a

Hiante da distin+ão entre fenmeno e coisa-em-si, /egel procurava demonstrar quese tratava do resultado de uma compreensão do sentido como o que se dá na integralidadedo dispor diante do su$eito BCor-sich-stellenE. .6or se aferrar a uma no+ão de presen+a comoo que se dá na integralidade do que se disp*e diante da consci%ncia, uma presen+a comovisi!ilidade da representa+ão, o entendimento não enxerga a negatividade do fenmeno

como o que permite a passagem em dire+ão " ess%ncia, mas como o que a exilava daess%ncia7 “0ascinado pelo o!stáculo, o entendimento não adivin'a que este encontro $á é a promessa deum a$uste, de uma reconcilia+ão(. consci%ncia ainda estava aferrada afinitude e " fixidez do pensar representativo, ela não tin'a para si um modo de pensar capazde dar conta do que não se coloca integralmente em uma determina+ão fixa. F passofundamental da dialética consistia exatamente em a!andonar este conceito de presen+a pr#prio a uma gramática da finitude.

 &o entanto, /egel não apresentava a exig%ncia de tal a!andono como um postuladoexterior ao tra$eto fenomenol#gico. Vimos através da temática do mundo invertido como/egel procurava mostrar que o pensar aferrado "s dicotomias do entendimento entravanecessariamente em contradi+ão ao tentar fundamentar opera+*es cognitivas que tomavam

o que é finito BfenmenoE de maneira a!soluta, ou se$a, que a!solutizava a finitude. F passoem dire+ão " compreensão do o!$eto como infinitude, passo que implicava em entrar nodomínio do pensar especulativo, implica em uma recompreensão da essencialidade dacontradi+ão. Haí porque o conceito de infinito era reconstruído a partir do conceito decontradi+ão7 “ infinitude, ou essa inquieta+ão a!soluta do puro mover-se-a-si-mesmo, fazcom que tudo o que é determinado de qualquer modo 8 por exemplo, como ser 8 se$a anteso contrário dessa determinidade_. Haí a no+ão central7 infinito é o que porta em si mesmosua pr#pria nega+ão e conserva-se em uma determinidade, ao invés de produzir um o!$etovazio de conceito.

 &otemos como nada disto implicava em esvaziar a dignidade ontol#gica do que nãose su!mete ao su$eito. o contrário, se /egel poderia afirmar que quando a infinitude éo!$eto para a consci%ncia ela é necessariamente consci%ncia-de-si, isto significava que aexperi%ncia de confronta+ão entre su$eito e o!$eto servirá de parAmetro para a estrutura+ãodas rela+*es a si. Haí porque insisti que a verdadeira f#rmula 'egeliana era7 a estrutura doo!$eto duplica a estrutura do 3u, e não7o 3u su!mete o o!$eto ao seu primado. infinitudeque consiste em ter em si mesmo um Futro que o nega enquanto identidade fixa ao mesmotempo em que o constitui enquanto estrutura social, eis no que consiste a experi%ncia daconsci%ncia-de-si.

6or fim, vimos como a estrutura de forma+ão da consci%ncia-de-si apresentava, aomesmo tempo, o princípio da infinitude através de uma consci%ncia que, por s# ser

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consci%ncia for capaz de internalizar o mundo como o negativo de si mesma, encontrar, emsi mesma, aquilo que a nega. Vimos tal movimento em opera+ão em outros momentos da Fenomenologia. 3le foi a nossa maneira de ler o imperativo idealista de duplica+ão entre aestrutura do o!$eto e a estrutura do 3u. &ossa tarefa ficou sendo a de compreender comoisto se dará no interior de um movimento 'istoricamente determinado de forma+ão.

/egel inicia lem!rando que se formar implica em “acordar-se B gem?ss gemacht Ecom a efetividade(, com a su!stAncia, ou ainda, com um padrão de conduta que ten'a valorde espécie B 8rt E e que permita opera+*es valorativas que via!ilizem a indica+ão de algocomo um 2em ou um mal . 2ais opera+*es valorativas aparecem, no interior de práticassociais, como a+ão feita em conformidade com dois princípios distintos7 um é o poder do

consci%ncia-de-si enquanto recon'ecida por uma outra consci%ncia-de-si, trazia em simesma seu pr#prio oposto, e o princípio de universalidade, $á que este Futro não era apenasoutra singularidade, mas Futro com valor a!soluto, que a levava a ser recon'ecida paraalém de todo contexto e situa+ão determinada. inda não vimos onde isto nos levará. ?as, para tanto, devemos esperar o pr#ximo semestre e a análise da figura da “consci%ncia

infeliz(.Sa4er a4"oluto e terra #,tr!a da +erdade

?as antes de terminar este curso, gostaria de a!ordar alguns aspectos do pro!lemado 1a!er !soluto, isto a fim de mostrar a inadequa+ão deste diagn#stico contemporAneoque v%, aí, a prova máxima de uma figura totalizante de uma razão centrada no su$eito.

1a!emos que o 1a!er !soluto não é um a!soluto de sa!er, isto no sentido, de umafigura do sa!er capaz de deduzir de si tudo o que é da ordem da conting%ncia e daefetividade. &este sentido, !asta lem!rarmos da famosa ^querela da pena de Lrug_. 3steIltimo acusava o idealismo transcendental de tentar deduzir o sistema completo de nossas

representa+*es a partir da no+ão de !soluto. He onde seguia seu desafio em exigir que oidealismo transcendental deduzisse a pena com a qual ele escrevia naquele momento. este respeito, /egel afirmava que a exig%ncia de dedu+ão da conting%ncia a partir do!soluto era o mais completo contra-senso. onge de procurar produzir uma dedu+ãotranscendental da conting%ncia, o idealismo transcendental recon'ecia o contingenteexatamente como contingente; ou se$a, como o que aparece como negatividadenecessariamente fora de sentido. F contigente B .uf?llig E é o que está destinado a cair B .u fallenE para fora do conceito, o que /egel não cessa de nos lem!rar.

 &a verdade, a temática do 1a!er !soluto implica no recon'ecimento danecessidade de um sa!er que se$a fundamentado de maneira incondicional, universal econcreta, isto se quiser aspirar validade como !ase para os processos de racionaliza+ão e para o esta!elecimento dos critérios de racionalidade. em!remos do diagn#stico de épocaque anima o programa filos#fico 'egeliano7 vivemos em uma época na qual o espírito perdeu a imediatez da sua vida su!stancial, ou se$a, nada l'e aparece mais comosu!stancialmente fundamentado em um poder capaz de unificar as várias esferas de valoressociais. o contrário, a modernidade pode ser compreendida como este momento que estánecessariamente "s voltas com o pro!lema da sua auto-certificação. 3la não pode mais procurar em outras épocas os critérios para a racionaliza+ão e para a produ+ão do sentido desuas esferas de valores. 3la deve criar e fundamentar suas normas a partir de si mesma. Rstosignifica que a su!stancialidade que outrora enraizava os su$eitos em contextos sociais

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3stado ou outro é a riqueza B eichtumE. He fato, /egel opera tal distin+ão entre poder de3stado e riqueza porque tem em vista a maneira com que a conduta ética aristocrática,vinculada ao sacrifício de 1i pela 'onra dos princípios reais, apareceu, em solo europeu,como princípio virtuoso de forma+ão em contraposi+ão ao vínculo !urgu%s " acumula+ãode riqueza e propriedade. 6ois /egel quer mostrar como esta ética aristocrática irá produzir

as condi+*es o!$etivas para o Rluminismo. &esta perspectiva, o poder de 3stado aparece como “ a su!stAncia simples, a o!rauniversal, a oisa mesma, na qual é enunciada aos indivíduos sua ess%ncia(. 3le é a“a!soluta !ase B6rundlageE( do agir de todos. 6or outro lado, a riqueza é o que “se dissolveno gozo de todos(, gozo movido pelo egoísmo de quem segue apenas seus pr#prios

aparentemente não-pro!lemáticos está fundamentalmente perdida. omo dirá, cem anosdepois, ?ax Te!er7 “F destino de nossos tempos é caracterizado pela racionaliza+ão eintelectualiza+ão e, acima de tudo, pelo desencantamento do mundo. 6recisamente, osvalores Iltimos e mais su!limes retiraram-se da vida pI!lica, se$a para o reinotranscendental da vida mística, se$a para a fraternidade das rela+*es 'umanas e pessoais(.

Fu se$a, aquilo que fornecia o enraizamento dos su$eitos através da fundamenta+ão das práticas e critérios da vida social não é mais su!stancialmente assegurado.  3ste fundamento que fornece o solo da unidade da razão e de seus processos deracionaliza+ão em todas as esferas da vida social é o princípio de su!$etividade. Uuando/egel afirma que o sa!er a!soluto é capaz de apreender a su!stAncia como su$eito `como oque tem a estrutura do su$eito\, isto apenas demonstra como a apreensão do que é essencialencontra sua forma no su$eito. Hurante toda a se+ão consci%ncia, vimos como a consci%ncia perdia-se a procurar o fundamento do sa!er no o!$eto através da tentativa de conformarrepresenta+*es mentais a estados de coisas.

?as, ao entrar na se+ão consci%ncia-de-si, vimos que o fundamento do sa!er, estefundamento que fornece o solo da terra pátria da verdade, não era um su$eito assegurado em

sua identidade através de dedu+*es transcendentais ou intui+*es imediatas. 3le era umsu$eito social, desde o início enga$ado em práticas de intera+ão social formadoras de sua pr#pria condi+ão. /egel irá pois transformar este su$eito que se constitui através de práticasde intera+ão social em fundamento a!soluto do que pode ter validade o!$etiva para o sa!er.Rsto ao ponto da no+ão de 3spírito não ser outra coisa do que um campo de práticas sociaisde intera+ão reflexivamente fundamentadas, ou se$a “4m 3u que é &#s, um &#s que é3u(.

0icava então a questão7 o que significava para /egel pensar o su$eito enquantosu$eito socialG 1ignificava inicialmente compreender que, através da centralidade dasdinAmicas do dese$o e do tra!al'o, revela-se que7 “os indivíduos são eles mesmos denatureza espiritual e, nisto, contém neles o duplo momento do extremo da singularidadeque sa!e e quer para si e o extremo da universalidade que sa!e e quer o su!stancial(. Fuse$a, “indivíduo( é o nome desta contradi+ão entre exig%ncias de recon'ecimento dasingularidade e posi+ão de rela+*es constitutivas com um Futro que encarna auniversalidade.

/egel nos oferece um exemplo a respeito destes indivíduos que o locus dacontradi+ão entre singular e universal. >etornemos, por exemplo, a certos exemplos que/egel nos fornece no momento de explicar como algo poderia conter em si a contradi+ão. &otemos a importAncia da afirma+ão de /egel a respeito da presen+a imediata dacontradi+ão nas determinaçes de relação7 “6ai é outro do fil'o e fil'o é outro do pai, cada

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interesses imediatos Bem!ora $á vimos como /egel contesta tal atomismo através datematiza+ão do sistema de necessidadesE. consci%ncia pode optar pautar suas a+*es e $ulgamentos, se$a a partir de um princípio, se$a a partir do outro.

/egel lem!ra que estes princípios podem ser invertidos. o internalizar princípiosde forma+ão e conduta através da o!edi%ncia ao poder de 3stado, a consci%ncia encontra

aqui7 “sua simples ess%ncia e su!stAncia em geral, mas não sua individualidade como tal,3ncontra nele, sem dIvida, seu ser em-si, mas não seu ser para-si( 9<O. o!edi%ncia aparececomo opressão. riqueza, ao contrário, é “doadora de mil mãos( que tudo entrega "consci%ncia e l'e permite o gozo da realiza+ão de seu pr#prio pro$eto, ela “a todos se

termo é apenas como outro do outro B...E. `&o entanto\ F pai, para além da rela+ão ao fil'otam!ém é algo para si Bet7as f1r sichE; mas assim ele não é pai, mas 'omem em geralB 4ann 12erhaupt E(. /egel se serve do mesmo raciocínio em outro exemplo que toca demaneira direta o pro!lema da designa+ão7 “lto ' o que não ' !aixo, alto é determinadoapenas a não ser !aixo, e s# é na medida em que 'á !aixo; e inversamento, em uma

determina+ão encontra-se seu contrário. ?as 7 alto e !aixo, direita e esquerda, tam!émsão termos refletidos em si, algo fora da relação `itálico meu\; mas apenas lugares emgeral .

Fs dois exemplos convergem em uma intui+ão maior7 as determinidades são, aomesmo tempo, algo em uma oposição real e algo  para si, fora do sistema reflexivo dedetermina+*es opositivas. 3las t%m um modo particular de su!sistir pr#prio irredutível./egel $á tin'a su!lin'ado este ponto ao comentar a oposi+ão entre o positivo e o negativoenquanto determina+*es-de-reflexão autnomas7 o negativo tam!ém tem, sem relação ao positi*o `itálico meu\, um su!sistir pr#prio. Fu se$a, o negativo não é simples priva+ão dedetermina+ão ou um positivo em si que aparece como negativo apenas no interior de umarela+ão. 3le é tam!ém um negati*o em si, fora de sua oposi+ão ao positivo, e está é a !ase

da opera+ão de restitui+ão da dimensão ontol#gico do negativo.2ais frases são muito importantes para a compreensão do verdadeiro caráter dacontradi+ão 'egeliana. identidade sempre é enunciada com seu contrário não porque, porexemplo, o pai é o contrário do fil'o e sempre que pomos o pai deveríamos pressupor ofil'o. contradi+ão encontra-se no fato de que o pai é, ao mesmo tempo, determina+ão para os outros Benquanto significante ^pai_ que se determina através de oposi+*es entreoutros significantes7 ^mãe_, ^fil'o_, ^tio_E e indetermina+ão para si Benquanto ele podesempre se identificar com a negatividade da indetermina+ão do 'omem em geralE. omonos indicou izeC7 “não sou apenas ^pai_, esta determina+ão particular, mas para além deseus mandatos sim!#licos, não sou nada mais do que o vazio que deles escapam Be quecomo tal é um produto retroativoE. omo se a inscri+ão da individualidade em um sistemaestrutural de oposi+*es produzisse sempre uma espécie de resto, de fracasso reiterado dainscri+ão que /egel teria recon'ecido através desta maneira de conce!er a contradi+ão.

6ode parecer estran'o que termos como ^'omem em geral_ e ^lugar em geral_ se$amvistos como pontos de excesso da tentativa de inscrever a singularidade em um sistemaestrutural. 6ode parecer, por exemplo, que /egel queira simplesmente mostrar como ossu$eitos são, ao mesmo tempo, singulares individualizados em um universo estrutural deidentidades e diferen+as Bpai de..., fil'o de...E, e pessoa em geral que tem em comum comoutras pessoas propriedades essenciais. &o entanto, se assim fosse, não 'averia sentidoalgum em falar de “contradi+ão( neste caso. 1e /egel v% aqui um exemplo privilegiado de

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entrega e l'es proporciona a consci%ncia de seu 1i(. 3stas duas maneiras de $ulgar darãofiguras distintas da consci%ncia7 a consci%ncia no!re e a consci%ncia vil.

 &a aula passada, seguimos os desdo!ramentos da consci%ncia no!re. He fato, ela sev% como o “'eroísmo do servi+o(, como a pessoa que renuncia " posse e ao gozo de simesma em prol da efetiva+ão do poder ao qual se sacrifica. Hesta forma, ela dá atualidade

ao poder de 3stado através de sua pr#pria a+ão. 3m Iltima instAncia, é a consci%ncia no!reque diz o que o poder de 3stado é, daí porque /egel afirma que este poder 7 “ainda não possui nen'uma vontade particular, pois a consci%ncia-de-si servidora ainda nãoexteriorizou ser puro 1i e assim vivificou o poder de 3stado(9<Y. linguagem daconsci%ncia no!re aparece pois como o conselho B at E dado pelo “orgul'oso vassalo( ao poder de 3stado para a efetiva+ão do !em comum. /egel insiste pois que este sacrifício da

contradi+ão é porque “'omem em geral( é um lugar *a.io que aparece como excesso "sdetermina+*es relacionais e nos envia " dialética do  fundamento B6rund E, que se segue "sreflex*es de /egel so!re a contradi+ão. ssim, servindo-se de um 7it. famoso doidealismo alemão, /egel dirá7 “3stas determina+*es-de-reflexão se superam e a

determina+ão que vai ao a!ismo B .u 6runde gegangeneE é a verdadeira determina+ão daess%ncia. Fu ainda7 ess%ncia, enquanto se determina como fundamento, determina-secomo o não-determinado, e é apenas o superar de seu ser-determinado que é seudeterminar. Fu se$a, isto nos permite deduzir que “'omem em geral( apenas indica o quenão se determina através de predica+*es e individualiza+*es, mas permanece indeterminadoe negativo. Rsto nos explica a razão pela qual, do ponto de vista fenomenol#gico, a opera+ãode ir ao a!ismo e pr o fundamento apare+a como medo da morte.

6odemos criticar esta estratégia 'egeliana afirmando que ele reduz o que está forado sistema a um ponto vazio, a uma presen+a pura desprovida de individualidade predicável. &este sentido, não seria um acaso o fato de /egel comparar o 'orror 'a!itual do pensamento representativo diante da contradi+ão ao 'orror da “natureza diante do vácuo(.

?as tal estratégia pode ser explicada se aceitamos que, do ponto de vista doconceito, o sensível e o contingente aparecem necessariamente como pura opacidade queresiste a toda determinidade. F que é contingente no o!$eto da experi%ncia s# se manifestano interior do sa!er como o que é *a.io de conceito( 1e /egel foi capaz de fazer um $ogo de palavras para afirmar que contingente B .uf?llig E é o que deve cair B .u fallenE, é porque ocontingente é o que cai do conceito, uma queda no *a.io do que não é conceito.

1endo assim, o pro!lema 'egeliano consiste em sa!er como apresentar o que '*a.io de conceito em uma determinidade conceitual, e não como anular o não-conceitualatravés do império total do conceito. Z possível conservar o não-conceitual sem entrar emsua 'ip#staseG 3is uma pro!lemática 'egeliana por excel%ncia. omo !em su!lin'ou?a!ille, 'á, no interior mesmo da ontologia hegeliana, um risco de indetermina+ão quesempre devemos inicialmente assumir  para poder ap#s conjurar( 6ois7 “ada vez que/egel c'ega a um momento de perfei+ão no qual a identidade parece fec'ar-se em simesmo para um gozo autárquico, é a nega+ão desta identidade que salva o !soluto daa!stra+ão e da indetermina+ão(. 

 &este sentido, o 1a!er a!soluto, fundamentado de maneira incondicional, universal e

concreta é o sa!er que recon'ece a racionalidade do que nega o conceito. unidade do

conceito é unidade negati*a com seu limite. ertamente, tal limite pode ser posto de

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consci%ncia no!re não é efetivamente um, $á que é consel'o que dirige o poder de 3stadoB$ogando com a am!iguidadeE e que pauta suas a+*es a partir de um conceito de 'onra queé vínculo ao outro.

 &este contexto, vimos como /egel fazia novamente alusão " experi%ncia danegatividade da morte como verdadeiro processo de forma+ão. F verdadeiro processo de

forma+ão é o sacrifício que7 “s# é completo quando c'ega até a morte(, sacrifício no qual aconsci%ncia se a!andona “tão completamente quanto na morte, porém mantendo-seigualmente nesta exterioriza+ão(9<K.

?as neste ponto, /egel acrescenta uma reflexão extremamente importante. 3leafirma que é através da linguagem que a consci%ncia realiza enfim este sacrifício de si.Hesta forma, a linguagem é claramente enunciada como processo de exterioriza+ão e de

maneira reflexiva e então se dissolver enquanto tal. /egel sempre insiste no fato de que

aquilo que o conceito deixa escapar é um limite seu e, conseq5entemente, nada o impede

de reparar a divisão que ele pr#prio produziu. 3 o pr#prio movimento de rea!sor+ão

infinita do negativo no interior do conceito Bmovimento pensado como pulsa+ão

infinitamente repetida entre aliena+ão - $ntfremdung ; e rememora+ão - $rinnerung E $á

é a síntese conceitual e a realiza+ão do sentido. >ememorar, para /egel, lem!remos

mais uma vez, não é uma reminisc%ncia do que $á ocorreu e não encontrou compreensão

reflexiva adequada. >ememorar não é dispor o acontecimento na forma de

representa+*es. >ememorar é internalizar o negativo, transformá-lo em ser, dotando-o de

determina+ão o!$etiva. 3ste é o verdadeiro tra!al'o do pensar. respeito do qual muito

ainda teremos o que dizer no pr#ximo semestre.

0ica aqui, ao final, a pergunta so!re o que significa, depois deste nosso tra$eto, ler

/egel 'o$e. 1e é certo que /egel foi, em larga medida, aquele que marcou o ponto de

diferencia+ão a partir do qual a contemporaneidade procura pensar-se a si mesma, se é

 !em possível que não estaremos incorrendo em erro ao afirmar que nossa época é

 profundamente anti-'egeliana, talvez se$a porque ela ten'a medo do exílio. >efiro-me a

este exílio no qual a dialética 'egeliana parece nos colocar7 ao mesmo tempo longe do

imediato, longe de uma crítica " modernidade calcada no retorno a alguma forma de pré-

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8/20/2019 SAFATLE, V. Curso Sobre Hegel

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auto-dissolu+ão da identidade que deve ser lido na continuidade das reflex*es de /egelso!re o tra!al'o7

om efeito, a linguagem é o Hasein do puro 1i como 1i, pela linguagem entra naexist%ncia a singularidade sendo para si da consci%ncia-de-si, de forma que ela é

 para os outros B...E ?as a linguagem contém o 3u em sua pureza, s# expressa o 3u,o 3u mesmo. 3sse Hasein do 3u é uma o!$etividade que contém sua verdadeiranatureza. F 3u é este 3u mas, igualmente, o 3u universal. 1eu aparecer é ao mesmo

reflexividade que nos asseguraria no cerne da iman%ncia; iman%ncia do ser, das

multiplicidades não estruturadas e das singularidades puras. &ão. reflexividade do

conceito deverá fazer seu tra!al'o e operar suas sínteses. F que aspira validade racional

deve fundamentar-se na reflexão. &ão devemos a!andonar as exig%ncias do universal.

 &o entanto, esta reflexão não encontra suas diretrizes asseguradas em procedimentos de

fundamenta+ão transcendental. F que é válido incondicionalmente e universalmente

 para um su$eito, ele s# desco!rirá através da experi%ncia, no campo da pragmática do

dese$o, do tra!al'o e da linguagem. ?as uma experi%ncia na qual nossas inten+*es

 parecem a todo momento se voltar contra n#s mesmos, onde nossos atos teimam em

 produzir o que não esperávamos, onde nossa linguagem desmente o que visávamos,

onde o tra!al'o não é expressão prometéica das potencialidades expressivas de eus

assegurados em suas identidades, onde a experi%ncia do negativo aca!a por se

manifestar como o camin'o para alcan+ar o que é essencialmente determinado.

Uuanto ao nosso tempo e seus impasses, poderíamos terminar lem!rando 0oucault,o mesmo 0oucault que " ocasião de sua nomea+ão para o ollNge de 0rance, no lugar deDean /Mppolite, não pode deixar de recon'ecer7 “2oda nossa época, que se$a pela l#gica ou pela epistemologia, que se$a através de ?arx ou através de &ietzsc'e, tenta escapar de/egel B...E ?as realmente escapar de /egel sup*e apreciar de maneira exata quanto custa sedesvincular dele; isto sup*e sa!er até onde /egel, talvez de maneira insidiosa, aproximou-se de n#s; sup*e sa!er o que é ainda 'egeliano naquilo que nos permite pensar contra /egele de medir em que nosso recuso contra ele ainda é uma astIcia que ele mesmo nos op*e eao final da qual ele mesmo nos espera, im#vel(. 3ste talvez se$a o sentido do retorno aos

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tempo sua exterioriza+ão e desaparecer e, por isto, seu permanecer nauniversalidade B...E seu desaparecer é, imediatamente, seu permanecer 9O@.

Fu se$a, ap#s ter dito, na se+ão anterior da  Fenomenologia, que a linguagem erauma exterioriza+ão na qual o indivíduo não se conservava mais, a!andonando seu interior

a Futro, /egel afirma agora o inverso, ou se$a, que a linguagem é o Hasein do 1i como 1i. &o entanto, esta contradi+ão é apenas aparente, pois a linguagem perde seu caráter de puraaliena+ão quando compreendemos o 3u não como interioridade, mas como aquilo que temsua ess%ncia no que se auto-dissolve. o falar do 3u que acede " linguagem como umuniversal, /egel novamente se serve do caráter de d%itico de termos como 3u, isto, agora

clássicos; desco!rir, como dizia acan, que a verdade é sempre nova.

 

Cur"o HeelAula ;

om esta aula, retornamos " leitura da Fenomenologia do $spírito do ponto em queinterrompemos no semestre passado. omo voc%s devem lem!rar, c'egamos até ocomentário da figura do espírito designada por “estoicismo(, deixando para este semestre otérmino da se+ão “consci%ncia-de-si( através do comentário das duas Iltimas figuras quecomp*em esta se+ão, a sa!er, o ceticismo e a consci%ncia infeliz. 4tilizaremos esta aula para analisar a primeira figura e dedicaremos a aula seguinte para a consci%ncia infeliz.

 &o entanto, antes de re-iniciarmos este nosso processo de leituras, gostaria de exporo regime de organiza+ão do curso neste semestre, fornecendo assim uma visão panorAmicado que está por vir.

E"trutura do )ur"o

omo foi dito, esta aula e a pr#xima serão dedicadas ao término do comentário dasfiguras que comp*em a se+ão consci%ncia. partir de então, tentarei dar conta das quatroIltimas se+*es da  Fenomenologia Brazão, 3spírito, religião e 1a!er !solutoE, sendo quecada uma delas será o!$eto de um m#dulo específico de, aproximadamente, quatro aulas. FIltimo m#dulo, este dedicado ao 1a!er !soluto, terá apenas duas aulas; o que faz com quenosso curso ten'a, ao todo, )< aulas.

 &o primeiro m#dulo tra!al'aremos a se+ão “>azão(. 1e, na se+ão “onsci%ncia(,foi questão da análise da rela+ão cognitivo-instrumental da consci%ncia com o o!$eto, e, na

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etc. “3u( é uma fun+ão de indica+ão a qual os su$eitos se su!metem de maneira uniforme.o tentar dizer ^eu_, a consci%ncia desvela a estrutura de significante puro do 3u, estamesma estrutura que o fil#sofo alemão c'ama de 7 “nome como nome(. 4ma natureza quetransforma toda tentativa de refer%ncia-a-si em refer%ncia a si ^para os outros_ e como umFutro. 3ste eu enquanto individualidade s# pode se manifestar como o que está

desaparecendo em um 3u universal. &ovamente, /egel se serve da l#gica dos d%iticos parafalar daquilo que é essencial nos usos da linguagem. peculiaridade de nossa passagem éque ela ainda servirá para que /egel mostre uma situa+ão de prática social na qual o 3u seapresenta integralmente em uma linguagem que não expressa sua individualidade7 trata-seda lison$a.

se+ão “onsci%ncia-de-si(, questão da rela+ão de recon'ecimento entre consci%ncias comocondi+ão prévia para o con'ecimento de o!$etos, a se+ão “>azão( pode ser compreendidacomo a análise das opera+*es da razão moderna em seus processos de racionaliza+ão; razãoagora reflexivamente fundamentada no princípio de uma su!$etividade consciente-de-si..

 &este sentido, encontramos aqui o que poderíamos c'amar de crítica 'egeliana ao processode moderniza+ão em suas dimens*es7 cognitivo-instrumental Brazão o!servadoraE, prático-finalista Brazão ativaE e $urídica Brazão legisladora 8 que é, " sua maneira, umdesdo!ramento da segundaE.

modernidade, enquanto momento que procura realizar expectativas de auto-fundamenta+ão nas mIltiplas esferas da vida social, é vista por /egel como  processohistórico animado pelas promessas de uma razão una do ponto de vista de suas dinAmicasde racionaliza+ão. Rsto significa, por exemplo, que os processos de racionaliza+ão quefornecem os fundamentos descritivos para a ci%ncia moderna e seus métodos de o!serva+ãosão compreendidos como simétricos aos processos de racionaliza+ão em opera+ão noscampos de intera+ão social e na concep+ão de formas modernas de vida social. Rsto

significa tam!ém que os equívocos do primeiro serão simétricos aos equívocos do segundo.6odemos dizer que esta é a perspectiva geral assumida por /egel neste capítulo.  pr#pria maneira com que o capítulo é organizado mostra isto claramente. Veremos como/egel parte de reflex*es so!re certos protocolos de o!serva+ão racional da natureza nafísica, na !iologia e no que c'amaríamos 'o$e de psicologia Bfisiognomia, frenologiaE a fimde alcan+ar a pro!lemática do que conta como a+ão racional para os indi*íduos emsociedade.

F recurso " individualidade neste contexto é fundamental. Z o seu aparecimentocom a exig%ncia de s# aceitar como válido o que pode ser reflexivamente posto que anima aconstitui+ão de formas modernas de vida social que aspiram fundamenta+ão racional. &estecapítulo, /egel passará em revista, de forma crítica, a várias figuras do individualismomoderna em sua dimensão prática7 o 'edonismo faustiano, o sentimentalismo, arecupera+ão do discurso da virtude natural e o individualismo romAntico. o final, veremoscomo estruturas sociais s# poderão ser racionalmente fundamentadas quando passarmos do primado da individualidade ao primado do 3spírito.

 &o interior do nosso capítulo, daremos especial aten+ão a quatro momentos dotexto7 os parágrafos introdut#rios Baté n. 9PJE, a discussão so!re a frenologia e afisiognomia, o su!capítulo entitulado “F prazer e a necessidade(, com seusdesdo!ramentos e o su!capítulo “F reino animal do espírito e a impostura 8 ou a oisamesma(.

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/egel fez tais considera+*es so!re a linguagem para poder introduzir uma mudan+amaior na rela+ão entre a consci%ncia no!re e o poder de 3stado com o advento damonarquia a!soluta. consci%ncia no!re não mais tenta, através da linguagem doconsel'o, determinar a vontade de um poder do 3stado que passa " condi+ão de 3udeli!erante e universal em sua singularidade7 Inico nome pr#prio diante de nomes sem

singularidade. F nome do monarca é pura vontade que decide. Hesta forma7 “o 'eroísmo doservi+o silencioso torna-se o 'eroísmo da lison$a(, de um alienar-se, através da !a$ula+ão, "vontade de um Futro B/egel pensa so!retudo na no!reza palaciana de Versailles so! uisRVE7

omo se trata aqui de fornecer a análise crítica das opera+*es da razão moderna emseus processos de racionaliza+ão e como sa!emos que, para /egel, Lant fornece a reflexãofilos#fica mais !em aca!ada da modernidade, este capítulo se inicia com a posi+ão não-declarada da complexa rela+ão crítica entre Lant e /egel no que diz respeito " estruturacategorial do entendimento enquanto !ase para o sa!er cognitivo-instrumental. 3staremos

atentos a esta articula+ão e, para tanto, pediria a leitura, como textos de apoio, do capítulodedicado a Lant nas "içes so2re a história da filosofia, do pr#prio /egel, “rítica de Lant por /egel(, capítulo de %onhecimento e interesse, de /a!ermas.

F segundo m#dulo será dedicado " se+ão “3spírito(. 3sta longa se+ão na qualvemos o processo de rememora+ão 'ist#rica como fundamento para a forma+ão dasestruturas de orienta+ão do $ulgamento traz uma série de quest*es articuladas de maneiracerrada. 3la é uma se+ão central para a Fenomenologia, isto na medida em que traz, pela primeira vez, as !alizas para a ela!ora+ão de um conceito positivo de razão através dareflexão so!re os modos de auto-posi+ão do espírito. qui, vemos mais claramente “a razãona 'ist#ria(, ou se$a, “a meta-narrativa( 'egeliana de forma+ão agora a partir do 3spíritoconsciente-de-si que analisa suas figuras no tempo 'ist#rico. 6ara tanto, uma discussão

 prévia so!re o regime do recurso 'egeliano " 'ist#ria, assim como " rememora+ão, aparececomo opera+ão necessária.Has várias quest*es que a peculiaridade da a!ordagem 'egeliana suscita, gostaria

de me ater a uma em especial. 2rata-se de mostrar como toda a se+ão “3spírito( éestruturada a partir da exig%ncia em pensar o sensível e a conting%ncia em suairreduti!ilidade, e não, como se tende a ver, enquanto uma tentativa de esgotar toda equalquer dignidade ontol#gica do sensível e do contingente em prol de um conceitototalizante de 'ist#ria racional. 6ara tanto, deveremos centrar nossa leitura em tr%s figurascentrais da 0enomenologia 'egeliana que se encontram no início e no final da nossa se+ão7a ruptura da eticidade da polis grega através de ntígona, a leitura 'egeliana do “cinismoilustrado( de O so2rinho de ameau, de Hiderot, e a crítica ao formalismo da moralCantiana através das considera+*es so!re a 6e7issen  e os processos de interversão damoralidade7( Veremos como se tratam de tr%s exemplos distintos de um mesmo pro!lema7os impasses da norma na dimensão prática da razão. 2ais exemplos inscrevem-se nointerior de uma tentativa 'egeliana mais ampla de pro!lematizar o vínculo, que apareceindissolIvel " modernidade, entre racionaliza+ão e normatiza+ão, ou se$a, posi+ão a prioride critérios normativos de $ustifica+ão.

omo textos de apoio, propon'o, primeiramente, um exercício de leituracomparativa. 2rata-se de comparar a leitura 'egeliana de ntígona a uma leitura

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V% sua personalidade como tal dependendo da personalidade contingente de umFutro; do acaso de um instante, de um capric'o, ou aliás de uma circunstAnciaindiferente. &o 3stado de direito, o que está so! o poder da ess%ncia o!$etivaaparece como um conteIdo contingente do qual se pode a!strair e o poder não afetao 1i como tal, mas o 1i é antes recon'ecido. 6orém aqui o 1i v% a certeza de si,

enquanto tal, ser o mais inessencial e a personalidade pura ser a a!solutaimpessoalidade9O).

 Fu se$a, do 1en'or do mundo ao monarca a!soluto, temos um aprofundamento daapropria+ão reflexiva da natureza dilacerada da consci%ncia. 6ois, aqui, a consci%ncia

contemporAnea proposta por Dacques acan e articulada como contraposi+ão " leitura'egeliana, isto a fim de apresentar duas leituras distintas so!re o conflito entre aspira+*esda singularidade, norma familiar e ordenamento $urídico. 2eremos como texto de apoio, pois, duas se+*es do seminário so!re  8 'tica da psican9lise, dedicados a ntígona. Huasmaneiras de encamin'ar o pro!lema do destino da singularidade aparecerão claramente.

Uuando for questão do comentário so!re a leitura 'egeliana de O so2rinho de ameau,sugiro dois textos de professores do nosso departamento7  X som2ra do iluminismo, de>u!ens >odrigues 2orres 0il'o, e  @aradoxo do intelectual, de 6aulo 3duardo rantes. 6orfim, quando for questão das críticas 'egelianas " moralidade Cantiana, procurarei mostrarcomo elas podem ser compreendidas como a demonstra+ão de que a teoria 'egeliana dorecon'ecimento deve ser distinta de uma teoria da intersu!$etividade de moldes'a!ermasianos. &este momento, uma leitura dos capítulos do  )iscurso filosófico damodernidade dedicados " /egel se fará necessária.

F terceiro m#dulo será dedicado " se+ão “>eligião(. He fato, a posi+ão da religiãocomo penIltimo capítulo da Fenomenologia  pode nos levar a crer que ela simplesmentefornece uma teleologia da razão e dos processos de rememora+ão 'ist#rica que guiaram a

se+ão precedente. &o entanto, /egel não mais parece interessado em alguma forma deretorno " eticidade de antigas s#cio-comunidades religiosas, tal como fora o caso em sua $uventude. F que o interessa é apropriar-se de algo presente na religião, a sa!er, a auto-reflexividade de práticas sociais nas quais uma comunidade pode pr o que aparece a elacomo fundamento a!soluto e incondicional da multiplicidade de suas cren+as e dese$os. Fque interessa a /egel é a religião como estrutura de reconcilia+ão. 6roposi+ão que perdeseu caráter paradoxal se lem!rarmos que /egel nos oferece aqui uma estrutura triádicaBreligião natural, religião da arte e religião reveladaE que culmina em uma reflexão,a!solutamente 'eterodoxa, so!re a estrutura de reconcilia+ão entre espírito e natureza posta pela figura do risto. 4ma análise da rela+ão entre cristianismo e modernidade em /egel sefaz necessária. Voltaremos a um texto de $uventude; O espírito do cristianismo e seudestino a fim de analisar tal ponto. omo textos de apoio, teremos um capítulo de  "a patience du concept intitulado “e vieux mot dat'éisme...( e um trec'o de  8s idades domundo, de 1c'elling.

6or fim, o Iltimo m#dulo será dedicado " se+ão “1a!er a!soluto(. 4ma aten+ãoespecial será dada aos modos de reconcilia+ão entre sensível e conceito, assim como asrela+*es entre tempo e espa+o postuladas nesta se+ão. &este estágio, teremos uma visãomais articulada da dialética 'egeliana, o que nos permitirá avalia-la " luz de outras matrizesda dialética no século , como é o caso da dialética negativa de dorno. 6ara tanto,sugiro, como texto de apoio, um capítulo da  )ial'tica negati*a intitulado7 “3spírito do

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no!re se encontrará tão dilacerada quanto a consci%ncia vil, em!ora este dilaceramento se$acondi+ão para a determina+ão da verdade da consci%ncia, até porque7 “ a consci%ncia-de-sis# encontra sua verdade no seu dilaceramento a!soluto(. ?as este dilaceramento deveráainda durar um pouco mais.

O sobrinho de Rameau

Z neste contexto que /egel recorre novamente a uma figura literária Bcomo $á 'avia feitocom Fausto e 8ntígonaE, mas agora para dar conta do modo com que a linguagem aparece,em práticas sociais 'istoricamente determinadas, como o que desvela a verdadeira natureza

mundo e 'ist#ria da natureza7 digressão so!re /egel(

Da dom!nação ao )et!)!"mo

Vimos, no semestre passado, como a se+ão “consci%ncia-de-si( visava dar conta das

consequ%ncias da experi%ncia de que o o!$eto da certeza sensível, da percep+ão e doentendimento tin'a a mesma estrutura da consci%ncia-de-si. F o!$eto, de uma certa forma,era a duplica+ão da estrutura da consci%ncia-de-si e, enquanto duplica+ão, a reflexão so!rea estrutura da consci%ncia-de-si era, necessariamente, uma reflexão so!re a estrutura doo!$eto. 3ste pressuposto idealista !ásico que consiste em afirmar que o o!$eto daexperi%ncia tem a mesma estrutura do 3u servia para /egel dar um passo além e afirmarque as expectativas cognitivo-instrumentais da consci%ncia eram dependentes de modos deintera+ão social e de práticas sociais. F pro!lema da confronta+ão entre consci%ncia eo!$eto aparecia agora su!ordinado a uma reflexão ampla so!re a natureza da racionalidadeem opera+ão nos modos de intera+ão social. Haí porque tratava-se em Iltima instAncia deadmitir que a configura+ão do con'ecimento é uma questão de implementa+ão de interesses

 práticos socialmente recon'ecidos. 3m Iltima instAncia, isto implicava em su!meter asopera+*es de con'ecimento aos critérios de recon'ecimento intersu!$etivo Bo que não podeser recon'ecido intersu!$etivamente não tem realidade para a consci%nciaE.. 6asso que era possível " medida em que /egel insistira na característica profundamente relacional eintersu!$etiva do 3u. consci%ncia-de-si, não cansava de dizer /egel, s# é na medida emque se p*e para uma Futra e como uma Futra. consci%ncia-de-si s# é enquantoconsci%ncia-de-si recon'ecida.

Vimos como, para /egel, a estrutura do 3u $á era, desde o início, uma estruturasocial e que a idéia do 3u como individualidade simplesmente constraposta "universalidade da estrutura social era rapidamente posta em c'eque a partir do momento emque compreendemos, de maneira correta, o que estava em $ogo na g%nese do processo deindividualiza+ão de 3us socializados. &unca é demais lem!rar que o 3u não é uma puraindividualidade, mas7 “os indivíduos são eles mesmos de natureza espiritual e contém nelesestes dois momentos7 o extremo da singularidade que con'ece e quer para si e o extremo dauniversalidade que con'ece e quer o que é su!stancial(.

 &o entanto, a complexidade da a!ordagem de /egel vin'a da defesa de que os processos mais elementares de intera+ão social e de recon'ecimento são necessariamenteconflituais, antagnicos. Fu se$a, o conflito é o primeiro dado na constitui+ão dos processosde intera+ão social. >epetia-se assim a tend%ncia em compreender as rela+*es daconsci%ncia com seu outro Bse$a o o!$eto, se$a outra consci%nciaE como figuras da

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do 3spírito. F exemplo não deixa de ser surpreendente, $á ele não é outro que a estetiza+ãodeste momento em que o Rluminismo depara-se, em sua aurora, com um processo geral deinversão de suas expectativas normativas através da ironiza+ão cínica das condutas evalores que aspiram validade incondicional, racional e universal. Rnversão capaz de a!riruma “profundeza sem fundo onde desvanece toda a firmeza e su!stAncia( 9O9 que transforma

a “for+a BperformativaE do falar(, a respeito da qual alude /egel, em processos dedissolu+ão de toda determinidade. 2udo se passa como se fosse neste momento que /egelidentifica-se, pela primeira vez, a primeira manifesta+ão 'ist#rica de uma dialética que o pr#prio /egel tentará colocar nos eixos. omo se o fil#sofo, mais uma vez no interior destalonga 'ist#ria de com!ate entre a filosofia e seu outro, deixasse que o anti-fil#sofo

domina+ão e da su!sun+ão da alteridade ao mesmo.Vimos como tais figuras apareciam inicialmente so! a forma de uma dialética do

1en'or e do escravo; dialética que visava fornecer algo como a “forma geral dos processosde recon'ecimento e de intera+ão social(. s outras figuras da consci%ncia-de-si

Bestoicismo, ceticismo e consci%ncia infelizE são, a seu modo desdo!ramentos dos pro!lemas postos pela dialética do 1en'or e do 3scravo. Haí porque vale a penaretornarmos " ela antes de entrarmos na leitura 'egeliana do ceticismo.

o analisar a H13, vimos como a matriz do conflito que l'e servia de motorencontrava-se no fato de que os su$eitos procuram se fazer recon'ecer como o que é capazde a!strair-se de toda e qualquer determina+ão contextual, apresentar-se a si mesmo como pura nega+ão da maneira de ser o!$etiva, como pura transcend%ncia e em rela+ão, inclusive," perspectiva particularizadora do Futro. &o entanto, vimos como este movimento leva aconsci%ncia a uma posi+ão insustentável caracterizada por /egel através da figura daconfronta+ão com a morte. onfronta+ão necessária $á que “s# mediante o pr a vida emrisco que a li!erdade se conquista( mas que !loqueia as possi!ilidades de recon'ecimento

 $á que retira o solo do vínculo " determina+ão empírica, !ase para a o!$etividade do que éem-si. &a verdade, encontramos aqui este movimento tipicamente 'egeliano de derivar a

 posi+ão da universalidade de experi%ncias iniciais de nega+ão. Z pelas vias da negatividadeque, inicialmente, a universalidade se apresenta, em!ora ainda de maneira a!strata. 6ois anegatividade fornece as !ases da experi&ncia da incondicionalidade, ou se$a, do que não seesgota na atualiza+ão de nen'uma determina+ão particular. questão consiste em sa!ercomo tal experi%ncia pode fornecer parAmetros para a configura da racionalidade dadimensão prática. 6ara tanto, devemos passar desta no+ão de universalidade como puraa!stra+ão para uma universalidade capaz de se encarnar em uma determina+ão concreta.

/egel nos oferece duas figuras da posi+ão desta negatividade no interior da dialéticado 1en'or e do 3scravo. primeira configura a posi+ão do 1en'or e temrinará em umaimpasse Bno sentido daquilo que não pode realizar seu pr#prio conceitoE, a segundaconfigura a posi+ão do 3scravo e permitirá a continua+ão da experi%ncia fenomenol#gica.

Vimos como a categoria do tra!al'o aparecia como o saldo fundamental daexperi%ncia levada a ca!o pela consci%ncia posta na posi+ão de 3scravo. fun+ão dotra!al'o consistia em realizar, ainda que de maneira imperfeita, a auto-posi+ão daconsci%ncia-de-si em suas exig%ncias de recon'ecimento, $á que tra!al'o é inicialmentevisto como auto-posi+ão das capacidades expressivas dos su$eitos, duplica+ão daconsci%ncia em um o!$eto que espel'a sua pr#pria estrutura.

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apresentasse suas armas para, posteriormente, aproveitar-se delas. 3ste exemplo, n#ssa!emos, é a pe+a de Hiderot7 O so2rinho de ameau(

A re)u#eração do )!n!"mo #ela" Lue"

p#s o ocaso do cinismo grego e o retorno do cinismo na >oma Rmperial, se$a naforma de movimento crítico de massas, se$a na forma literária Buciano e a sátiramenipéiaE, o cinismo teve que esperar o iluminismo franc%s para reaparecer comoinspira+ão filos#fica relevante. 3sta recupera+ão do cinismo, que c'egou a transformarHi#genes em 'er#i popular na iconografia da >evolu+ão francesa, deve ser compreendida

 &o entanto, e este era um ponto essencial, /egel apresentava através da H13 umconceito não-expressvista de tra!al'o. consci%ncia que tra!al'a não expressa a positividade de seus afetos em um o!$eto que circulará no tecido social. /egel esvaziou adimensão da expressividade como c'ave para a compreensão do tra!al'o. ntes, o tra!al'oé a figura de um ser-fora-de-si necessário, de uma aliena+ão formadora. em!rem desta

temática fundamental em /egel7 o escravo tra!al'a para calar a angIstia diante danegatividade a!soluta da morte, diante da “desterritorializa+ão( completa de si. Z a angIstiaque faz com que, no formar, o posto se$a a pr#pria negatividade Be não a realiza+ãoautnoma de um pro$eto alo$ado na intencionalidade da consci%nciaE. o tra!al'ar, aconsci%ncia prefere aferrar-se a uma ess%ncia estran'a Bdaí porque a primeira figura dotra!al'o é o servi+oE a tentar sustentar-se como pura negatividade a!soluta.

F giro dialético, neste sentido, consiste em que dizer que a aliena+ão no tra!al'o, aconfronta+ão com o agir enquanto uma ess%ncia estran'a, enquanto agir para-um-Futroa!soluto Be não apenas para uma Futra particularidadeE tem caráter formador por a!rir aconsci%ncia " experi%ncia de uma alteridade interna como momento fundamental para a posi+ão da identidade. o se ver essencialmente aferrada ao que l'e é outro, a consci%ncia

tem as condi+*es de passar de uma no+ão de 1i como espa+o da auto-identidade a umano+ão de 1i como infinitude que traz no seu interior aquilo que o nega. e!run c'ega a falardo tra!al'o 'egeliano como o que7 “desarma o estran'amento sem anula a alteridade(, masisto apenas para insistir no caráter a!strato desta reconcilia+ão com a efetividade7 “s# 'áconsola+ão relativa a um mal recon'ecido como mal 8 e o que se trata de compreender é airrealiza+ão do mal(.

0oi a partir deste pro!lema do caráter a!strato da reconcilia+ão proposta pelotra!al'o que a!ordamos a figura da consci%ncia c'amada por /egel de “estoicismo(. 3udissera que, de uma certa forma, as tr%s figuras que sucedem a H13 são desdo!ramentos'egelianos de impasses do recon'ecimento. 2odas elas demonstram o caráter parcial dassolu+*es postas pela H13, o que $oga o pro!lema da realiza+ão das exig%ncias derecon'ecimento para momentos posteriores da  Fenomenologia( fastamento do mundoBestoicismoE aniquilamento do mundo BceticismoE e aprisionamento no mundo Bconsci%nciainfelizE serão tr%s posi+*es da consci%ncia diante de expectativas não realizadas derecon'ecimento.

Vimos como /egel compreendia o estoicismo de enão de ício, rísipo, 3píteto ede ?arco urélio como, no fundo, uma filosofia da resigna+ão. :rosso modo, o estoicismocompreende a razão BlogosE como princípio que rege uma &atureza identificada com adivindade. F curso do mundo o!edece assim um determinismo racional. virtude consisteem viver de acordo com a natureza racional aceitando o curso do mundo, ou se$a, aceitando

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no interior do quadro de articula+ão da crítica iluminista.  parresia cínica com seusarcasmo em rela+ão aos preconceitos sexuais, religiosos, morais e políticos e " autoridadeaparecerá como ponto de orienta+ão da crítica no iluminismo. 6or outro lado, a autar+eia,figura privilegiada da cren+a na autonomia do indivíduo, assim como o cosmopolitismocínico funcionarão como 'orizontes reguladores para a a+ão iluminista em suas aspira+*es

críticas. &o entanto, esta aproxima+ão entre iluministas e cínicos não foi um processosimples, $á que tam!ém se inscrevia em uma economia de desqualifica+ão das uzes pelosanti-iluministas. &este sentido, a posi+ão am!ígua de >ousseau Bque c'egou a ser c'amado por Lant de  )iógenes sutil devido " sua moral de forte inspira+ão naturalista e por

o destino despo$ando-se de suas paix*es a fim de alcan+ar a apatia e a ataraxia. autarCeiaest#ica Binfluenciada pelos cínicos e pela sua concep+ão de auto-determina+ão comoafastamento do nomos e dos prazeresE aparece assim como7 “li!erdade, este momentonegativo de a!stra+ão da exist%ncia(. ?esmo que a li!erdade apare+a definida como “a possi!ilidade de agir a partir de sua vontade(, a vontade virtuosa é aquela que se reconcilia

com o determinismo racional do curso do mundo. F que explica como é indiferente para oest#ico ser 3scravo B3pítetoE ou 1en'or B?arco urélioE. 1eu agir é livre “no trono comonas cadeias e em toda forma de depend%ncia do  )asein singular(. 4ma indiferen+a não pode levar a outra coisa que uma “independ%ncia e li!erdade interiores( que, para /egel, ésinal do aparecimento do princípio de su!$etividade. 1o!re a autarCeia est#ica de umaconsci%ncia que se compreende como essencialidade, /egel dirá7 “1eu agir é conservar-sena impassi!ilidade que continuamente se retira do movimento do )asein, do atuar como do padecer, para a essencialidade simples do pensamento(. este respeito, /egel c'egar aafirmar que7 “ a grandeza da filosofia est#ica consiste que nada pode que!rar a vontade seesta se mantém firme B...E e que sequer o afastamento da dor pode ser considerado um fim(.

?as /egel não deixa de lem!rar que uma des-aliena+ão que se realiza apenas

através do formalismo de um pensar que se retira do movimento do  )asein s# podeaparecer como conforma+ão "quilo que não pode, por mim, ser modificado. /egelapresenta assim uma crítica que será, em várias situa+*es, dirigida contra ele pr#prio7 “li!erdade da consci%ncia é indiferente quanto ao  )asein natural; por isto igualmente odeixou livre, e a reflexão é a reflexão duplicada. li!erdade do pensamento tem somente o puro pensamento por sua verdade, e verdade sem a implementa+ão da vida(. F estoicismotem algo da infinitude, $á que o 3u tem nele o ser-outro. ?as trata-se de uma reflexãoduplicada !aseada na indiferen+a entre os p#los. ess%ncia é apenas a forma como tal, quese afastou da independ%ncia da coisa.

7!!l!"mo e )et!)!"mo

Z no interior desta pro!lemática que devemos compreender a transforma+ão 'egeliana doceticismo como figura da consci%ncia. ntes de iniciarmos, vale a pena lem!rar dois pontos. 6rimeiro, $á sa!emos que /egel distingue ceticismo moderno  Brepresentado principalmente por 1c'ulze e, em certa medida, ?aimonE e o ceticismo antigo. 6ara /egel,o ceticismo moderno seria uma postura que v% como verdadeiro apenas o ser sensível,aquilo que a consci%ncia sensível nos entrega, duvidando de todo o mais. Rsto implica emdeixar com que a realidade da empiria su!sista intacta e indu!itável. &este sentido, seu“positivismo( não poderia estar mais distante do pensamento especulativo. Dá o ceticismo

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0rederico da 6rIssia de mem2ro da seita de )iógenes devido a seu modo de crítica daculturaE e de Voltaire em rela+ão ao cinismo podem ser explicadas. Dá Hlem!ert tin'auma prefer%ncia !em con'ecida pelo cinismo, onde ele recon'ecia o ideal de autonomia.“2oda era(, dirá Hlem!ert, “e, principalmente, a nossa precisa de um Hi#genes(.

 &o entanto, é Hiderot quem ocupa um lugar especial nesta discussão, não apenas

 pelas afinidades evidentes da sua escrita com a sátira menipéia, mas so!retudo por suareflexão a respeito da 'eran+a cínica nas aspira+*es críticas do iluminismo e suas possi!ilidades de inversão. He fato, o sarcasmo cínico diante das imposturas do poderaparece para Hiderot como m'todo e a moral naturalista aparece como um certo hori.ontede reconciliação( F que pode nos explicar porque o artigo da 3nciclopédia dedicado aos

antigo, ao insistir nas contradi+*es necessárias e irrefutáveis que nos deparamos ao procurarfalar so!re a ess%ncia do que aparece, opera uma crítica da finitude fundamental para adialética.

ssim, $á na Rntrodu+ão, /egel 'avia recon'ecido uma certa aproxima+ão entredialética e ceticismo. 3le c'ega mesmo a dizer que a negatividade dialética é um

“ceticismo que atingiu a perfei+ão, um “ceticismo que incide so!re todo o Am!ito daconsci%ncia fenomenal `e\ torna o espírito capaz de examinar o que é verdade, enquantoleva a um desespero, a respeito da representa+*es, pensamentos e opini*es pretensamentenaturais(. Dá em um escrito de $uventude, 8 relação entre ceticismo e filosofia, /egel eraclaro a respeito da necessidade em recon'ecer a proximidade entre negatividade dialética enegatividade cética7 “ verdadeira filosofia tem necessariamente ao mesmo tempo um ladonegativo dirigido contra tudo o que é limitado e contra o amontoado de fatos da consci%nciae de suas certezas irrefutáveis(.

 &o entanto, como veremos, o recon'ecimento de uma certa proximidade com a pot%ncia cética de crítica ao dogmatismo das representa+*es naturais da consci%ncia comumnão implica em posi+ão de simetria entre ceticismo e dialética. té porque, se o recurso ao

estoicismo funcionava como antecipa+ão da crítica ao caráter a!strato da reconcilia+ão'egeliana, o recurso ao ceticismo é, por sua vez, como veremos, antecipa+ão " possívelacusa+ão de “niilismo( vinda dos detratores da dialética.

6artamos pois da maneira com que /egel apresenta o ceticismo em nosso trec'o7

F ceticismo é a realiza+ão do que o estoicismo era somente o conceito 8 e aexperi%ncia efetiva do que é a li!erdade do pensamento7 li!erdade que em-si é onegativo e que assim deve apresentar-se B...E gora, no ceticismo, vem-a-ser para aconsci%ncia a total não-autonomia desse Futro `o  )asein independente\ . F pensamento torna-se pensar que aniquila o ser do mundo multideterminado; e nessamultiforme figura+ão da vida, a negatividade da consci%ncia-de-si livre torna-se anegatividade real.

1e o estoicismo foi apresentado como indiferen+a em rela+ão ao  )asein natural quenos levaria a uma autarCeia vista como “independ%ncia e li!erdade interiores(, ceticismo poderia ser visto como realiza+ão do conceito de li!erdade e autonomia presentes noestoicismo a partir do momento em que ele coloca-se como nega+ão da essencialidade doque aparece. Haí porque /egel pode falar que, no ceticismo, a negatividade da consci%ncia-de-si livre “no trono como nas cadeias e em toda forma de depend%ncia do  )asein singular(tornou-se negatividade real, pensar que aniquila o ser do mundo multideterminado.

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cínicos termina com um elogio a estes “entusiastas da virtude( capazes de “transportar parao meio da sociedade os costumes do estado de natureza(9OJ. ?as Hiderot compreendeu, naaurora das uzes, como uma crítica inspirada nos m#!iles do cinismo grego poderia noslevar a um impasse. &este sentido, O so2rinho de ameau é, sem dIvida, um documentocentral. 6ois podemos ler O so2rinho de ameau como o exemplo mais claro da afirma+ão

de &ie'ues-6r!sting7 “&o cinismo, o Rluminismo desco!re o perigo de uma razão pervertida, razão transformando-se em irracionalidade, razão frustrando-se devido "s suasexpectativas muito exaltadas. F iluminismo conscientiza-se desta amea+a através de sua

qui vale uma precisão. /egel sa!e muito !em que o ceticismo antigo não consisteem afirmar a mera irrealidade do acontecimento. 6or exemplo, ao afirmar que o conceito demovimento é contradit#rio, o cético não pode ser refutado a partir do momento em quecome+amos a andar. 6ara /egel, o que o ceticismo nega é a determina+ão essencial dasignifica+ão do acontecimento, o que não quer dizer que nossas representa+*es mentais não

ten'am realidade o!$etiva  para nós neste momento e so2 condiçes determinadas de percepção. “Higo que as coisas me aparecem e que eu suspendo o $uízo so!re a suasignifica+ão(, dirá o cético a partir de suas opera+*es de epo+h'. F que a epo+h' nãoadmite é que o que aparece Bo fenmenoE se$a tomado como determina+ão essencial. “&ãose discute so!re o fenmeno, que se recon'ece, mas so!re sua interpreta+ão, concedendo-seque algo aparece, investiga-se so!re se o o!$eto é tal qual aparece. F cético sente a do+urado mel e assente que o mel l'e aparece como doce, mas é matéria de dIvida e investiga seele é doce, no que concerne sua ess%ncia ou razão(. Z neste sentido que /egel pode dizerque o ceticismo parece realizar aquilo que nem o dese$o e o tra!al'o foram capazes, ouse$a, negar a su!stancialidade do Futro sem afirmar sua depend%ncia para com este Futro.6ara /egel, o ceticismo simplesmente destr#i a essencialidade do que aparece como Futro,

 $á que ele retira a pretensão de universalidade do que aparece como fenmeno. &os pr#ximos dois parágrafos B9@J e 9@PE, /egel coloca em circula+ão ummovimento de aproxima+ão e de distanciamento entre ceticismo e dialética. 6or um lado, oceticismo mostraindica Bauf.eigenE;

o movimento dialético que são a certeza sensível, a percep+ão e o entendimento; etam!ém a inessencialidade do que tem valor na rela+ão de domina+ão e de servidão,e do que para o pensamento a!strato vale como algo determinado.

ontra as figuras da consci%ncia que compreendiam o sa!er como adequa+ão entrerepresenta+*es mentais e estados de coisas dotados de determina+ão essencial Bcertezasensível, percep+ão, entendimentoE, o ceticismo insiste no caráter contradit#rio do queaparece ao pensar como representa+ão natural; em!ora o valor da contradi+ão não se$a posto em questão. Dá vimos em outra aula que, ao  compreender a contradi+ão comoresultado da tentativa do pensar em dar conta do mundo fenom%nico, o ceticismo s# v% acontradi+ão como puro nada, tal como duas proposi+*es contradit#rias so!re o mesmoo!$eto resultariam necessariamente em um o!$eto vazio sem conceito ou ainda um conceitoque se contradiz em si mesmo Bnihil negati*umE. F ceticismo está certo em ver nafenomenalidade o espa+o da contradi+ão, e com isto nos levar ao desespero em rela+ão arepresenta+*es, pensamento e opini*es pretensamente naturais, mas está errado na sua

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afinidade com o cinismo. reflexão so!re o cinismo providencia uma pe+a necessária deauto-recon'ecimento e auto-crítica(9OP.

6odemos fazer tal afirma+ão porque, de uma certa forma, tanto a posi+ão doso!rin'o quanto a posi+ão do fil#sofo são articuladas so! a égide do cinismo. F so!rin'oc'ega a dizer, no inicio da pe+a, que7 “estaria mel'or entre Hi#genes e 0rinéia, pois sou

atrevido como o primeiro e freq5ento com gosto a casa dos outros(

9OQ

. &o final da pe+a, ofil#sofo procura inverter a dire+ão e convocar o cinismo para servir de !ase de crítica aoamoralismo cínico do so!rin'o7 “/á um ser dispensado da pantomima. Z o fil#sofo `cínico\que nada tem e nada demanda(9O<. omo se um “falso( e um “verdadeiro( cinismoestivessem postos em rota de confronta+ão. F que corro!ora aquilo que Hiderot 'avia

maneira de compreender o valor da contradi+ãoE. 1egundo /egel, é por isto que ele podever uma nega+ão simples como resultado da afirma+ão7 “4ma teoria `descri+ão de estadode coisas\ por momentos nos seduz e nos parece persuasivaG 4m pouco de investiga+ãoserena logo nos faz encontrar argumentos que a contradigam com não menos persuasividade(.

6or outro lado, contra a tentativa est#ica de determinar a ess%ncia a partir das leisgerais do pensamento a!strato ou de uma teoria causal da percep+ão fundada emrepresenta+*es privilegiadas Blem!remos que o ceticismo se afirma contra o pano de fundoda teoria est#ica do con'ecimentoE, o ceticismo lem!ra das incertezas nas quais o pensamento te#rico se enreda $á que toda representa+ão não é apenas de um o2jeto, mastam!ém de algu'm.

 &o entanto, /egel levanta uma diferen+a maior entre ceticismo e dialética. 3la dizrespeito "quilo que poderíamos c'amar de “origem da experi%ncia da negatividade(7

F dialético, como movimento negativo, tal como é imediatamente, revela-se`erscheint 8 manifesta-seaparece\ de início " consci%ncia como algo a que ela está

entregue; e que não é por meio da consci%ncia mesma. omo ceticismo, aocontrário, o movimento dialético é momento da consci%ncia-de-si 8 para a qual $ánão acontece, sem sa!er como, que desvane+adesapare+a seu verdadeiro e realB eellesE. 6ois é essa consci%ncia-de-si que na certeza de sua li!erdade fazdesvanecerdesaparecer até esse outro que se fazia passar por real.

Fu se$a, na perspectiva dialética, o movimento negativo é algo que aparece "consci%ncia vindo do pr#prio o!$eto, trata-se de um movimento impulsionado pela coisamesma, em um certo sentido, a negatividade vem da coisa. 6or isto, a consci%ncia pareceestar entregue a uma for+a que opera "s suas costas. 3la deve recon'ecer a essencialidadedesta nega+ão que vem da coisa mesma, isto ao ponto de tal experi%ncia com negatividadereonfigurar as estruturas de rela+ão da consci%ncia á si mesma.

 &o ceticismo, a nega+ão é consciente de si B>el2st2e7usstsein NegationE no sentidode ser um pro$eto conscientemente realizado pela pr#pria consci%ncia. Rsto explica, segundo/egel, a impossi!ilidade da consci%ncia-de-si modificar seu modos de rela+ão " si a partirdesta experi%ncia da negatividade. 6or isto que /egel irá falar da “ataraxia do pensar-se a simesmo, a imutável e verdadeira certeza de si mesmo(. 3m outras palavras, mesmo que oaparecer se manifeste ao cético como espa+o da contradi+ão, a consci%ncia, por sua vez, é oque não é contradit#rio, o que é7 “determinidade frente ao desigual(. Fu se$a, para /egel, oceticismo é, em Iltima instAncia, um certo retorno " posi+ão do 1en'or que procura

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escrito no capítulo da 3nciclopédia dedicado ao cinismo7 “os falsos cínicos foram uma popula+a de !andidos travestidos de fil#sofos, e os cínicos antigos, pessoas muito 'onestasque não merecem senão uma censura " qual geralmente não se encora$a7 é a de terem sidoentusiastas da virtude(.

2al duplicidade demonstra como o que estará em $ogo na pe+a é a possi!ilidade da

crítica esclarecida realizar suas aspira+*es de emancipa+ão, recorrendo para isto "autar+eia cínica, ou de inverter-se em seu contrário, caindo assim so! a desarticula+ão dafor+a performativa da crítica. 6rocesso ainda mais complexo porque, como nos lem!ra2orres 0il'o, aqui7 “a Rlustra+ão morde sua pr#pria cauda e gera seu Futro, mas sem que

assegurar a pura certeza imediata de si, certeza da interioridade através da aniquila+ão dasua depend%ncia ao o!$eto. Z assim que /egel compreende a ataraxia cética7 “a natureza doceticismo consiste em crer que, quando o o!$etivo desaparece, o que se tomava porverdade, o ser ou o determinado, todo o afirmativo, e quando o espírito suspende seuassentimento, a consci%ncia de si alcan+a um estado de seguran+a e de imuta!ilidade(.

 &otamos aqui esta estratégia tipicamente 'egeliana de compreender certos aspectos da'ist#ria da filosofia a partir de pro!lemáticas pr#prias " filosofia moderna da su!$etividade. &o entanto, /egel insiste que a verdade da consci%ncia cética é ser uma consci%ncia

clivada $á que, na dimensão da a+ão, ela é uma7

consci%ncia que é empírica, dirigida para o que não tem para ela realidade alguma;o!edece "quilo que para ela não é nen'uma ess%ncia, faz e leva " efetividade o que para ela não tem verdade alguma.

Fu se$a, mesmo recon'ecendo a impossi!ilidade de afirmar a essencialidade do queaparece, ela age como se aceitasse a essencialidade do que aparece, $á que o que aparece,

aparece de maneira essencial para mim( ?esmo so! regime de epo+h, a consci%ncia nãodeixa de enga$ar-se na a+ão tal como aqueles que confundem o que aparece como o que sedetermina essencialmente. 3m Iltima instAncia, segundo /egel, a dimensão da a+ão entraem contradi+ão com a dimensão da $ustifica+ão. Haí porque /egel afirma que o ceticismoaparece como um 2e7usstlose Faselei Bum falat#rio desprovido de consci%ncia 8 isto nosentido de alguém que não sa!e o que dizE. Hiríamos 'o$e que sua posi+ão equivale a uma“contradi+ão performativa(, $á que7

1eu agir e suas palavras se contradizem sempre e, desse modo, ela mesma tem umaconsci%ncia duplicada contradit#ria da imuta!ilidade e igualdade; e da completaconting%ncia e desigualdade consigo mesmo.

ssim, quando /egel afirma que o cético “declara a nulidade do ver, do ouvir etc., eela mesma v%, ouve, etc.(, ele quer apenas insistir nesta posi+ão clivada de quem se v%aprisionado em um mundo cu$a realidade essencial parece não poder ser fundamentada, $áque é a!solutamente vinculada " dimensão do fenmeno. 3sta clivagem, para /egel, s# pode resultar na “infelicidade( de quem se v% necessariamente distante do que possa terfundamento a!soluto e incondicionado. 3sta clivagem s# pode resultar em uma“consci%ncia infeliz(.

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esse Futro, por ser gerado por ela, l'e se$a necessariamente d#cil( 9OO. &este sentido, vale a pena acompan'armos de perto este em!ate entre a consci%ncia no!re do fil#sofo e aconsci%ncia vil do so!rin'o.

2odos con'ecemos a estrutura da pe+a. Hois personagens encontram-se no afé>egence, perto do 6alais >oMal7 um BeuE é honn&te homme e  fil#sofo esclarecido com

aspira+*es moralizantes, outro BeleE é Dean-0ran+ois >ameau, so!rin'o do grande Dean-6'illipe >ameau, mIsico medíocre, inconstante, amoral e figura sempre presente nos sal*esda no!reza devido ao seu poder infinito de !a$ula+ão. pe+a inteira é um grande diálogoentre os dois, no qual é questão da vida dos sal*es parisienses, das querelas musicais da

Cur"o HeelAula <

Vimos, na aula passada, como /egel apresentava a figura da consci%ncia vinculada ao

ceticismo enquanto desdo!ramento dos impasses de recon'ecimento 'erdados da dialéticado 1en'or e do 3scravo. Dá 'avíamos visto como o tra!al'o a!strato do 3scravo levava aconsci%ncia a uma autonomia do pensar que encontrava sua mel'or realiza+ão na autarCeiaest#ica com sua indiferen+a em rela+ão aquilo que /egel c'ama de )asein natural. 3ra nointerior deste contexto que podíamos compreender a afirma+ão7

F ceticismo é a realiza+ão do que o estoicismo era somente o conceito 8 e aexperi%ncia efetiva do que é a li!erdade do pensamento7 li!erdade que em-si é onegativo e que assim deve apresentar-se B...E gora, no ceticismo, vem-a-ser para aconsci%ncia a total não-autonomia desse Futro `o  )asein independente\ . F pensamento torna-se pensar que aniquila o ser do mundo multideterminado; e nessa

multiforme figura+ão da vida, a negatividade da consci%ncia-de-si livre torna-se anegatividade real.

1e o estoicismo foi apresentado como indiferen+a em rela+ão ao  )asein natural que noslevaria a uma autarCeia vista como “independ%ncia e li!erdade interiores(, ceticismo poderia ser visto como realiza+ão do conceito de li!erdade e autonomia presentes noestoicismo a partir do momento em que ele coloca-se como nega+ão da essencialidade doque aparece. Haí porque /egel pode falar que, no ceticismo, a negatividade da consci%ncia-de-si livre “no trono como nas cadeias e em toda forma de depend%ncia do  )asein singular(tornou-se negatividade real, pensar que aniquila o ser do mundo multideterminado.

?as tratava-se, principalmente, de mostrar as distin+*es entre a negatividadedialética e esta negatividade cética. Vimos como, por um lado, o ceticismo indicavaBauf.eigenE;

o movimento dialético que são a certeza sensível, a percep+ão e o entendimento; etam!ém a inessencialidade do que tem valor na rela+ão de domina+ão e de servidão,e do que para o pensamento a!strato vale como algo determinado.

ontra as figuras dogmáticas da consci%ncia que compreendiam o sa!er comoadequa+ão entre representa+*es mentais e estados de coisas dotados de determina+ão

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época e, principalmente, da maneira com que o so!rin'o realiza de maneira invertida todosos argumentos morais do fil#sofo esclarecido.

Z exatamente esta maneira de voltar as armas da razão contra o pr#prioesclarecimento, auto-crítica da razão que produz apenas o !loqueio dos processosemancipat#rios e das possi!ilidade de reorienta+ão da conduta, que transformou a pe+a em

momento c'ave de auto-compreensão do pro$eto iluminista. sua maneira, Hiderot $á noscoloca, na aurora das uzes, diante de uma “falsa consci%ncia esclarecida(, alguém que falacomo um auf+l?rer e age como uma falsa consci%ncia, clivagem que levou /egel a ver aquio exemplo supremo de uma “consci%ncia dilacerada(, mas sem a tragédia de umaconsci%ncia infeliz. 3 foi exatamente este caráter de ilustra+ão de um !loqueio do

essencial Bcerteza sensível, percep+ão, entendimentoE, o ceticismo insistia no carátercontradit#rio do que aparece ao pensar como representa+ão natural; em!ora o valor dacontradi+ão não se$a posto em questão. F ceticismo está certo em ver na fenomenalidade oespa+o da contradi+ão, e com isto nos levar ao desespero em rela+ão a representa+*es, pensamento e opini*es pretensamente naturais, mas está errado na sua maneira de

compreender o valor da contradi+ão. 1egundo /egel, é por isto que ele pode ver umanega+ão simples como resultado da afirma+ão7 “4ma teoria `descri+ão de estado de coisas\ por momentos nos seduz e nos parece persuasivaG 4m pouco de investiga+ão serena logonos faz encontrar argumentos que a contradigam com não menos persuasividade(. 6oroutro lado, contra a tentativa est#ica de determinar a ess%ncia a partir das leis gerais do pensamento a!strato ou de uma teoria causal da percep+ão fundada em representa+*es privilegiadasE, o ceticismo lem!rava das incertezas nas quais o pensamento te#rico seenreda $á que toda representa+ão não é apenas de um o2jeto, mas tam!ém de algu'm.

Vimos como /egel levantava, então, uma diferen+a maior entre ceticismo edialética. 3la diz respeito "quilo que poderíamos c'amar de “origem da experi%ncia danegatividade(7

F dialético, como movimento negativo, tal como é imediatamente, revela-se`erscheint 8 manifesta-seaparece\ de início " consci%ncia como algo a que ela estáentregue; e que não é por meio da consci%ncia mesma. omo ceticismo, aocontrário, o movimento dialético é momento da consci%ncia-de-si 8 para a qual $ánão acontece, sem sa!er como, que desvane+adesapare+a seu verdadeiro e realB eellesE. 6ois é essa consci%ncia-de-si que na certeza de sua li!erdade fazdesvanecerdesaparecer até esse outro que se fazia passar por real.

Fu se$a, na perspectiva dialética, o movimento negativo é algo que aparece "consci%ncia vindo do pr#prio o!$eto, trata-se de um movimento impulsionado pela coisamesma, em um certo sentido, a negatividade vem da coisa. 6or isto, a consci%ncia pareceestar entregue a uma for+a que opera "s suas costas. 3la deve recon'ecer a essencialidadedesta nega+ão que vem da coisa mesma, isto ao ponto de tal experi%ncia com negatividadereonfigurar as estruturas de rela+ão da consci%ncia á si mesma.

 &o ceticismo, a nega+ão é consciente de si B>el2st2e7usstsein NegationE no sentidode ser um pro$eto conscientemente realizado pela pr#pria consci%ncia. Rsto explica, segundo/egel, a impossi!ilidade da consci%ncia-de-si modificar seu modos de rela+ão " si a partirdesta experi%ncia da negatividade. 6or isto que /egel irá falar da “ataraxia do pensar-se a simesmo, a imutável e verdadeira certeza de si mesmo(. 3m outras palavras, mesmo que o

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esclarecimento que marcou sua recep+ão em solo alemão através da tradu+ão feita por:oet'e em )Y@P Bque, de fato, é a primeira pu!lica+ão desta pe+a que s# terá uma primeiraversão francesa em )Y9)E e comentada, em primeira mão, por /egel na Fenomenologia do $spíritoYZT(

F primeiro ponto a ser levantado é a maneira com que >ameau aparece como uma

espécie de duplo do fil#sofo. 3le tem a mesma forma+ão que o fil#sofo esclarecido Bele l%2eofrasto, a =ruMNre e ?oliNreE. Fs dois partil'am o mesmo ceticismo em rela+ão aosvalores esta!elecidos da vida social. “Hefender a pátriaG(, pergunta o fil#sofo, “Vaidade. &ão 'á mais pátria. He um p#lo a outro, eu s# ve$o tiranos e escravos(, responde >ameau.“2er um lugar na sociedade e realizar seus deveresG(, continua o fil#sofo. “Vaidade. Uue

aparecer se manifeste ao cético como espa+o da contradi+ão, a consci%ncia, por sua vez, é oque não é contradit#rio, o que é7 “determinidade frente ao desigual(. Fu se$a, para /egel, oceticismo é, em Iltima instAncia, um certo retorno " posi+ão do 1en'or que procuraassegurar a pura certeza imediata de si, certeza da interioridade através da aniquila+ão dasua depend%ncia ao o!$eto. Z assim que /egel compreendia a ataraxia cética.

 &o entanto, /egel insistia que a verdade da consci%ncia cética era ser umaconsci%ncia clivada $á que, na dimensão da a+ão, ela era uma7

consci%ncia que é empírica, dirigida para o que não tem para ela realidade alguma;o!edece "quilo que para ela não é nen'uma ess%ncia, faz e leva " efetividade o que para ela não tem verdade alguma.

Fu se$a, mesmo recon'ecendo a impossi!ilidade de afirmar a essencialidade do queaparece, ela age como se aceitasse a essencialidade do que aparece, $á que o que aparece,aparece de maneira essencial para mim( ?esmo so! regime de epo+h, a consci%ncia nãodeixa de enga$ar-se na a+ão tal como aqueles que confundem o que aparece como o que se

determina essencialmente( 3m Iltima instAncia, segundo /egel, a dimensão da a+ão entraem contradi+ão com a dimensão da $ustifica+ão. Haí porque /egel afirma que o ceticismoaparece como um 2e7usstlose Faselei Bum falat#rio desprovido de consci%ncia 8 isto nosentido de alguém que não sa!e o que dizE. Hiríamos 'o$e que sua posi+ão equivale a uma“contradi+ão performativa(, $á que7

1eu agir e suas palavras se contradizem sempre e, desse modo, ela mesma tem umaconsci%ncia duplicada contradit#ria da imuta!ilidade e igualdade; e da completaconting%ncia e desigualdade consigo mesmo.

ssim, quando /egel afirma que o cético “declara a nulidade do ver, do ouvir etc., eela mesma v%, ouve, etc.(, ele quer apenas insistir nesta posi+ão clivada de quem se v%aprisionado em um mundo cu$a realidade essencial parece não poder ser fundamentada, $áque é a!solutamente vinculada " dimensão do fenmeno. 3sta clivagem, para /egel, s# pode resultar na “infelicidade( de quem se v% necessariamente distante do que possa terfundamento a!soluto e incondicionado. 3sta clivagem s# pode resultar em uma“consci%ncia infeliz(. onsci%ncia que recon'ece a parcialidade de sua perspectiva devincula+ão ao mundo, mas que não pode dar realidade efetiva a uma perspectivafundamentada de maneira incondicional e a!soluta.

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importa termos lugar ou não, desde que se$amos ricos, pois s# procuramos um lugar parasermos ricos(9OK. crescente-se a esta lista o mesmo desprezo em rela+ão " moral sexual eaos valores religiosos. 6roximidades ainda mais acentuadas se lem!rarmos que váriasafirma+*es e posi+*es de >ameau são partil'adas pelo pr#prio Hiderot em outros escritos,como é o caso dos $ulgamentos musicais de >ameau contra seu tio. Rsto a ponto de

 podermos falar de um “espel'amento( pacientemente construído entre o fil#sofo ilustrado eo anti-filosofo cínico.Z tal espel'amento que leva Hiderot a afirmar7 “ louco, arquilouco, como é

 possível que na sua ca!e+a ruim, encontre-se idéias tão $ustas misturadas com tanta

A !n&el!)!dade da )l!+aem da )on")!/n)!a

- consci%ncia infeliz é o tema fundamental da  Fenomenologia do $spírito( omo efeito,não tendo ainda c'egado " identidade concreta da certeza e da verdade, visando portanto aum além de si mesma, consci%ncia enquanto tal sempre é, em seu princípio, consci%ncia

infeliz e a consci%ncia feliz é ou uma consci%ncia ing%nua, que ignora ainda suainfelicidade, ou uma consci%ncia que tansps sua dualidade e reencontrou a unidade paraalém da separa+ão(. 3sta afirma+ão de /Mppolite demonstra como alguns comentadores procuraram transformar a consci%ncia infeliz, com seu desespero em rela+ão " sua pr#pria perspectiva de apreensão do mundo, em figura central para a compreensão 'egeliana daconsci%ncia. Via a!erta, na verdade, por Dean Ta'l, com seu livro cannico "e malheur dela conscience dans la philosophie de 3egel, de )K9K.

He fato, a consci%ncia infeliz ocupa uma posi+ão importante na economia do textoda  Fenomenologia, $á que ela marca a passagem da se+ão “consci%ncia-de-si( " se+ão“razão(. &este sentido, ela esgota as expectativas que animaram o tra$eto fenomenol#gicona primeira se+ão e indica as condi+*es para a consolida+ão de um novo parAmetro de

organiza+ão para as aspira+*es da razão em fornecer um critério fundamentado decorrespond%ncia entre conceito e o!$eto.Vimos como a se+ão “consci%ncia-de-si( estava marcada pela compreensão de que a

racionalidade das opera+*es cognitivo-instrumentais da consci%ncia dependia daracionalidade dos modos de intera+ão social entre consci%ncias7 conseq5%ncia 'egeliana do postulado idealista a respeito do qual a estrutura do o!$eto duplica a estrutura do 3u. ?asvimos, desde o início, que tais modos de intera+ão social, para servirem de fundamento para as aspira+*es da razão, não poderiam aparecer apenas como modos de intera+ão entreconsci%ncias particulares. 3le deveria poder preenc'er exig%ncias gerais de validadeuniversal. Rsto implicava em pensar modos de rela+ão da consci%ncia com aquilo que éuniversal. Vimos, $á na dialética do 1en'or e do 3scravo como o movimento deconfronta+ão entre consci%ncias era relativizado a partir do momento em que um Futroa!soluto Ba morteE e universal Bainda que uma universalidade a!strataE aparecia na posi+ãode 1en'or a ser recon'ecido, permitindo o advento de um tra!al'o a!strato. Vimos, noestoicismo, como tal no+ão de tra!al'o fornecia as condi+*es para o advento de umasu!$etividade cu$a manifesta+ão mais clara era a interioridade da autar+eia. Vimos, por fim,no ceticismo, como a consci%ncia c'egava " clivagem de recon'ecer a inessencialidade deseu agir e a parcialidade de sua perspectiva. ?as se ela recon'ece sua posi+ão particular é porque ela tem um conceito de universalidade que a ela se contrap*e Bum pouco comoHescartes que afirmava ver a prova da exist%ncia de Heus da consci%ncia da min'a

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extravagAncia(9Y@. omo se o so!rin'o fornecesse a imagem invertida do fil#sofo, umaimagem invertida da razão. X neste sentido que devemos compreender a coloca+ão de/egel7

3sse espírito é esta a!soluta e universal inversão e aliena+ão da efetividade e do

 pensamento da pura cultura. F que no mundo da cultura se experimenta é que nãotem verdade nem as ess%ncias efetivas do poder e da riqueza, nem seus conceitosdeterminados, !em e mal, ou a consci%ncia do !em e a consci%ncia do mal, a

finitudeE. consci%ncia infeliz será marcada pois pela tentativa de unificar sua posi+ão particular e a universalidade do que no ceticismo s# aparecia de maneira negativa. 2alunifica+ão permitirá o advento da razão enquanto primeira tentativa de fundamentar auniversalidade da a+ão e do con'ecer de consci%ncias-de-si.

Hito isto, devemos entrar no comentário do texto a fim de compreender como esta

 passagem se estrutura. Rnicialmente, lem!remos que a figura da consci%ncia infeliz marcauma guinada a!rupta do encamin'amento do tra$eto da consci%ncia em dire+ão á reflexãoso!re estruturas pr#prias " religião. Vários comentadores $á apontaram a incid%ncia detemáticas desenvolvidas inicialmente por /egel em seus escritos teol#gicos de $uventudeligadas ao $udaísmo e ao cristianismo. Rsto apenas indica como, para /egel, a religião é a primeira manifesta+ão de expectativas de fundamenta+ão a!soluta e incondicional de práticas sociais e critérios de $ustifica+ão. consci%ncia compreende a perspectivauniversalista com a qual ela se relaciona7 “como a perspectiva do ol'o de Heus que, sealguém alcan+á-lo, será capaz de afirmar o que á verdadeiro e válido, assim como o que nãoé(. 0undamenta+ão imperfeita pois ainda marcada pelo pensamento da representa+ão. ?ascamin'o necessário em dire+ão " realiza+ão da “ci%ncia(. He qualquer forma, perce!emos

que, para /egel, filosofia e religião são diferentes formas de práticas sociais através dasquais su$eitos procuram alcan+ar reflexivamente a posi+ão do que fundamenta, de maneiraa!soluta, suas condutas e $ulgamentos.

 &osso trec'o está, grosso modo, dividido em tr%s partes. primeira via até o parágrafo 9@K e visa apresentar a cisão que caracteriza a consci%ncia infeliz. 3la recon'ece,ao mesmo tempo, a particularidade de sua perspectiva B/egel fala em muta!ilidade 8 7alndel2are - e inessencialidadeEe a imuta!ilidade e a essencialidade da consci%ncia deuma Futra consci%ncia Bque não é mais Futra consci%ncia particular 8 como no caso do1en'or da Hialética do 1en'or e do 3scravo 8 mas consci%ncia que se afirma comouniversalE. 3sta cisão entre o imutável e o particular Bno caso, a singularidadeE rece!eráuma primeira tentativa de concilia+ão através do que /egel c'ama de “figura+ão doimutável na singularidade(. 3ste é o assunto central do trec'o que vai do parágrafo 9)@ ao9)J. &o entanto, como veremos, a figura+ão não anula a cisão. Fs pr#ximos )< parágrafosB9)P9J@E descreverão tr%s tentativas da consci%ncia anular a cisão, se$a através da presen+ado imutável através do fervor e do sentimento B9)Q9)OE, se$a através de um agir ritualizadoque encontra sua expressão mais !em aca!ada na a+ão de gra+as B9)Y999E, se$a através dosacrifício de si mesmo, sacrifício de sua pr#pria singularidade B99J9J@E. Z através das viasdo sacrifício de si que as condi+*es o!$etivas para a passagem em dire+ão " razão estarão postas.

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consci%ncia no!re e a consci%ncia vil; senão que todos esses momentos se invertem,antes, um no outro, e cada um é o contrário de si9Y).

/egel recon'ece claramente um conteIdo de verdade nesta experi%ncia, tanto queafirma, mais a frente, que7 “no entanto, o espírito verdadeiro é $ustamente essa unidade dos

a!solutamente separados( que zom!a das determina+*es normativas de uma razão fundadana figura do ordenamento $urídico. omo se fosse nesta experi%ncia de inversão cínica quea dialética encontrasse uma de suas raízes. &este sentido, não é por acaso que esta maneirade /egel descrever o dilaceramento de um espírito que tudo nega, que tudo inverte soe tão pr#ximo da maneira com que a dialética fora compreendida7 “ dialética aparecia como um

Um luta !nterna

ogo no início de nosso trec'o, /egel exp*e claramente a estrutura da consci%nciainfeliz7

3ssa consci%ncia infeliz, cindida dentro de si, $á que essa contradi+ão de suaess%ncia é, para ela, uma consci%ncia, deve ter numa consci%ncia sempre tam!ém aoutra; de tal maneira que é desalo$ada imediatamente de cada uma quando pensa terc'egado " vit#ria e " quietude da unidade. ?as seu verdadeiro retorno a si mesma,ou a reconcilia+ão consigo, representará o conceito do espírito que se tornou um servivo e entrou na esfera da exist%ncia; porque nela mesma como uma consci%nciaindivisa $á é ao mesmo tempo uma consci%ncia duplicada. 3la mesma é o intuir deuma consci%ncia-de-si numa outra; e ela mesma é am!as, e a unidade de am!as étam!ém para ela a ess%ncia. ontudo, para-si, ainda não é a ess%ncia mesma, aindanão é a unidade das duas.

consci%ncia infeliz tem, em rela+ão "s outras figuras da consci%ncia, a peculiaridade deter internalizado a cisão entre consci%ncia e ess%ncia. 3ss%ncia esta figurada em uma outraconsci%ncia-de-si que se afirma como aquela que tem para si a perspectiva universal devalida+ão de condutas e $ulgamentos. 6or ter internalizado esta perspectiva de uma outraconsci%ncia essencial, ela pode intuir a si mesma em uma outra, ser ao mesmo tempoam!as. Fu se$a, a clivagem incide na consci%ncia e, por incidir nela, pode ser superada.

 &o entanto, tal internaliza+ão não foi reflexivamente apreendida. 6or isto, /egelafirma que “para-si( a consci%ncia infeliz ainda não é a unidade com a determina+ãoessencial. 6or outro lado, as condi+*es o!$etivas para tal unidade $á estão dadas desde oceticismo, $á que s# é possível ser cético ao recon'ecer a essencialidade de um ponto devista universal Bque não pode ser assumido por nen'um dos su$eitosE. F tra$eto daconsci%ncia infeliz será pois a apreensão reflexiva de tal processo de internaliza+ão.

 &#s $á vimos como se apresenta a clivagem da consci%ncia infeliz7 ela é ao mesmorecon'ecimento de si como consci%ncia inessencial, perspectiva particular e contextual, erecon'ecimento da essencialidade, da imuta!ilidade de uma perspectiva que nega seu particularismo. “?as como consci%ncia da imuta!ilidade ou da ess%ncia simples, `aconsci%ncia infeliz\ deve ao mesmo tempo proceder a li!ertar-se do inessencial, li!ertar-sede si mesma(. Fu se$a, a consci%ncia não pode repousar-se na ataraxia de quem se sa!eaprisionado em um inessencial inexpugnável. Haí porque /egel pode dizer7

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fazer exterior e negativo que não peQtencia " oisa mesma e que teria seu fundamento nasi,ples vaidade entendida como uma tentativa su!$etiva de fazer vacilar e dissolver o que éfirme e verdadeiro ou ao menos como um fazer que tenderia ao nada, entendido como avaidade do o!$eto tratado dialeticamente(9Y9. omo se a tarefa 'egeliana fosse salvar a for+ado negativo desta figura de uma auto-dissolu+ão irnica do determinado.

?as, se voltarmos " pe+a, veremos que esta auto-recon'ecimento da razão em suaforma invertida nos explica, por exemplo, porque o fil#sofo, na pe+a, é o!rigado a afirmar7“/avia em tudo isto muita coisa que se pensa, a partir das quais se conduz mas que não sediz. 3le recon'ecia vícios que outros tem, mas não era 'ip#crita. 3le não era nem mais nemmenos a!ominável que eles, mas apenas mais franco e mais conseq5ente, e algumas vezes

a consci%ncia da vida, de ser )asein e de seu agir é somente a dor em rela+ão a esse )asein e agir, pois nisso s# possui a consci%ncia de seu contrário como sendo aess%ncia, e a consci%ncia da pr#pria nulidade.3sta inquietude de quem procura se livrar do aprisionamento no inessencial leva a

consci%ncia " ascensão rumo ao imutável, reconcilia+ão com a ess%ncia

F!uração do !mut,+el

primeira forma de reconcilia+ão com a ess%ncia é aquilo que /egel c'ama de figura+ãoB6staltung E do imutável na dimensão da singularidade B $in.elnheit E. Fu se$a, trata-se de umconformar-se da ess%ncia " determina+ão particular. Z neste sentido que devemosinterpretar a afirma+ão de /egel7 “&esse movimento a consci%ncia experimenta $ustamenteo surgir da singularidade no imutável e do imutável na singularidade(.

/egel tem claramente em mente um exemplo de tal processo7 a encarna+ão doristo, presen+a de Heus na figura+ão do 'umano. &a verdade, o esquema da trindadecristã orienta todo o desdo!ramento deste su!-capítulo na configura+ão do movimento de

reconcilia+ão da consci%ncia infeliz. Rsto fica claro na afirma+ão7F primeiro imutável é para a consci%ncia apenas a ess%ncia estran'a B fremdeE quecondena a singularidade `o Heus distante do $udaísmo 8 o imutável é oposto "singularidade em geral\, enquanto o segundo imutável é uma figura dasingularidade, tal como a pr#pria consci%ncia `o risto 8 o imutável é um singularoposto a outro singular\; eis que no terceiro imutável `o espírito santo 8 o imutável éum s# com o singular\ a consci%ncia ver-a-ser espírito, tem a alegria de ali seencontrar e se torna consciente de ter reconciliado sua singularidade com ouniversal.

/egel insiste que esta figura+ão do imutável é uma reconcilia+ão imperfeita. Hefato, o imutável adquire a figura da singularidade. ?as ele aparece como um outro singulardiante da consci%ncia, e não como uma posi+ão da ess%ncia " qual a consci%ncia infelizenfim participa. Haí porque /egel lem!ra que7

através da figura+ão do imutável, o momento do além não s# permanece mas aindase refor+a, pois, se pela figura da efetividade singular parece de um lado ac'egar-semais " consci%ncia singular, de outro está frente a ela como um impenetrável 4nosensível, com toda a rigidez do 3fetivo.

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 profundo na sua deprava+ão(9YJ. Fu se$a, não se tratava de 'ipocrisia no caso de >ameau. Fque não deve nos surpreender. final, a 'ipocrisia é uma das mMltiplas m9scaras dainsinceridade dos que escondem a particularidade do interesse através da universalidade dodever; máscara que cai através de uma crítica capaz de desvelar os verdadeiros interesses por trás da apar%ncia de universalidade, confrontando assim o “texto ideol#gico( com o

“texto recalcado( ao pontuar os n#s sintomais nos quais se l% a contradição performati*aentre os procedimentos de $ustifica+ão e o domínio da a+ão. &o entanto, isto não pode darconta da posi+ão de >ameau, fundada toda ela na franqueza da enuncia+ão da verdade,nesta “franqueza fora do comum(9YP que faz tremer o fil#sofo por não ver seguir-se destaenuncia+ão a reorienta+ão da conduta que normalmente poderíamos esperar.

Fu se$a, a simples manifesta+ão da ess%ncia no campo do que é fenomenalmentedeterminado não !asta para termos " nossa disposi+ão um protocolo geral de reconcilia+ão.Rsto é apenas “em geral um acontecer( B12erhaupt ein 6eschehenE, acontecimento queaparece como apresentar-se da ess%ncia, mas que ainda não indica as modalidades de

apreensão reflexiva de tal apresentar-se. consci%ncia ainda se v% distante de talacontecimento. Haí porque ela deve levar " unidade sua “rela+ão inicialmente exterior como imutável figurado como uma efetividadeuma realidade estran'a(.

O e"&orço de re)on)!l!ação

partir do parágrafo 9)P, /egel descreve o movimento através do qual aconsci%ncia infeliz se esfor+a em atingir a unidade com a ess%ncia. 2al movimento étríplice, devido " tríplice configura+ão dos modos de rela+ão com o que aparece como além.6rimeiro, como pura consci%ncia através do sentimento. 1egundo, como consci%ncia práticae dese$ante que, através do agir, procura unificar-se com a ess%ncia. 6or fim, como

consci%ncia de seu ser-para-si através do sacrifício de si./egel assim descreve o primeiro modo de rela+ão com o que aparece como além7

 &essa primeira modalidade em que a tratamos como pura consci%ncia, a consci%nciainfeliz não se relaciona com seu o!$eto como pensante B...E consci%ncia, por assimdizer, apenas camin'a na dire+ão do pensar e é fervor devoto. 1eu pensamento,sendo tal, fica em um uniforme B gestaltlose ; informeE !adalar de sinos ouemana+ão de cálidos vapores; um pensar musical que não c'ega ao conceito, o qualseria a Inica modalidade o!$etiva imanente. 1em dIvida, seu o!$eto virá aoencontro desse sentimento B F1hlenE interior puro e infinito, mas não se apresentarácomo conceitual, surgirá pois como algo estran'o.

2al como vimos no capítulo dedicado " certeza sensível, novamente a consci%nciacr% aproximar-se do essencial através da iman%ncia do que se apresenta de maneira pré-conceitual, através do puro intuir do sentimento. 3ste intuir manifesta-se através dadevo+ão de um fervor que mais se assemel'a a um “pensar musical que não c'ega aoconceito(.

3sta figura do pensar musical é extremamente ilustrativa. /á uma claracontraposi+ão entre forma musical e conceito que perpassa vários momentos da filosofia'egeliana. análise de tal contraposi+ão pode nos esclarecer certos aspectos do que está

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 &ada pode dizer-l'e `a consci%ncia simples e 'onesta do fil#sofo\ que ele mesmo`>ameau\ não sai!a e não diga B...E essa consci%ncia `o fil#sofo\, enquanto sup*econtradizer o conteIdo do discurso do espírito, apenas o resumiu de uma maneiratrivial, carente de pensamento9YQ.

omo nos lem!ra >u!ens 2orres 0il'o7 “F cínico adere a seu discurso a tal pontoque não mente7 não fala contra a verdade, pois não fala em nome dela; não é moral nemimoral, pois não opera so!re o pressuposto dessa distin+ão, não é 'ip#crita7 não esconde seuser verdadeiro, pois não é nada, ^ no fundo_, não tem nen'uma ess%ncia(9Y<. F anti-fil#sofocínico que é >ameau nos coloca, na verdade, diante de uma enuncia+ão da verdade

em $ogo neste momento do nosso texto1egundo /egel, a mIsica seria a mais su!$etiva das artes, linguagem da pura

interioridade, $á que seu conteIdo seria o puro 3u, inteiramente vazio de determina+*eso!$etivas. em!remos, por exemplo, como /egel insiste no fato da mIsica não produzir

uma o!$etividade espacialmente durável. 6ois o som é uma exterioriza+ão que, precisamente converge o momento de sua exterioriza+ão com o momento de seudesaparecimento. mIsica seria muito pr#xima deste elemento de li!erdade formal paranão ser7 “de todas as artes, aquela que é mais apta a se li!erar B...E da expressão de todoconteIdo determinado(. o contrário da poesia, onde o significante fnico continua sendo adesigna+ão de uma representa+ão e não aspira significa+ão apenas por si mesmo, a mIsica permite " forma sonora de transformar-se em fim essencial enquanto edifício sonoro. ?asela perde a o!$etividade interior dos conceitos e representa+*es que a linguagem poéticaapresenta " consci%ncia. mIsica aparece assim como linguagem da interioridadesu!$etiva da sensa+ão.

0ora da arte, o som Bgrito, exclama+ão etc.E $á é exterioriza+ão imediata de estados

de alma e de sensa+*es. ?as, na sensa+ão, a distin+ão entre o eu e o o!$eto não pode ser posta. Hesta forma, na mIsica. “ consci%ncia, que não tendo mais nen'um o!$eto em facedela, é tragada pelo fluxo contínuo de sons(. mIsica, e este seria o seu pecado maior, não permitiria com isto a reflexividade que funda a consci%ncia-de-si, ainda mais porque elalevaria a consci%ncia " percep+ão a!strata de si. 3is o ponto central7 seu “pressentimento doinfinito( e sua tentativa de ser uma “língua para além da linguagem( seria, segundo /egel,fundada so!re a aus%ncia de reflexividade pr#pria " forma musical.

/egel termina esta exposi+ão da primeira modalidade de unifica+ão com a ess%ncialem!rando que a informidade de um pensar musical fevoroso pode inverter-se emo!$etifica+ão da ess%ncia7 “singular como o!$eto ou como um efetivo, o!$eto da certezasensível imediata(. consci%ncia sai então á procura de o!$etos que possa representar aess%ncia. &o entanto, ela encontra apenas “o sepulcro de sua vida(. `s cruzadas comosím!olo 'ist#rico de uma verdade metafísica mas tam!ém o signo como tImulo de pedraque guarda em si uma alma estran'a que, no entanto, é fonte de significado\.

3sta experi%ncia de que a representa+ão material da ess%ncia no mundo é umsepulcro impulsiona o advento do segundo modo de esfor+o de unifica+ão. consci%nciaagora não mais tenta apreender a ess%ncia através da certeza imediata do sentimento. 3la éconsci%ncia que dese$a e tra!al'a, ou se$a, consci%ncia que nega o mundo como sepulcro. &o entanto7

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desprovida de for+a perlocucionária, uma enuncia+ão que inverte os modos de indexa+ãoentre norma e caso. 6ois ele é capaz e inverter nossos modos de indexação entre critériosnormativos e consequ%ncias da a+ão, sem que isto implique necessariamente em umacontradi+ão performativa, ou se$a, em uma contradi+ão entre aquilo que fa+o e que aquiloque digo.  Ironi.ação significa assim ruptura entre expectati*as de *alidade e

determinaçes fenomenais, ruptura que é uma contradi+ão posta que visa aparecer comocontradi+ão resolvida, como contradi+ão resolvida no realismo cínico de quem diz7 “3stiveum dia " mesa de um ministro espirituoso do >ei de 0ran+a, !em, ele nos demonstrou, clarocomo um e um são dois, que nada era mais Itil ao povo que a mentira, nada mais nocivo

efetividade contra a qual se voltam o dese$o e o tra!al'o $á não é uma nulidadeem si que ela apenas deva superar B 8uf.uhe2endesE e consumir. Z uma efetividadecindida em dois peda+os, tal como a pr#pria consci%ncia7 s# por um lado ela é em sinula, mas pelo outro lado é um mundo consagrado, a figura do imutável.

Fu se$a, o mundo aparece, ao mesmo tempo, como nada e sagrado, como sepulcro ecomo o que deve ser consagrado ao imutável `a transu!stancia+ão\. F sentido do agir daconsci%ncia não é apenas a nega+ão do mundo, mas o construir a comun'ão através de umtra!al'o que é consagra+ão ao imutável, tra!al'o que é santifica+ão. Rsto é possível porque7“ exist%ncia sensível tornou-se um sím!olo, não é o que é; e se ela se entrega "consci%ncia é porque o pr#prio imutável faz disso um dom para a consci%ncia(.

/egel insiste que esta clivagem do o!$eto Bentre o que deve ser negado e o que deveser consagradoE apenas duplica uma clivagem da pr#pria consci%ncia. &a dimensão do agir,a consci%ncia, v% suas faculdades e for+as como7 “um dom estran'o Beine fremde 6a2eE queo imutável concede " consci%ncia para que dele goze(. /á um avan+o aqui pois aconsci%ncia não v% mais o imutável como o que se manifesta diante dela. 3le está

internalizado na pr#pria consci%ncia através de um agir que é dom divino. ess%ncia nãoestá mais em um além da consci%ncia singular. &o entanto, é Heus quem age através daconsci%ncia, assim como o 1en'or era o verdadeiro su$eito da a+ão do 3scravo. Haí porque/egel afirma7 “nega a satisfa+ão da consci%ncia de sua independ%ncia e transfere a ess%nciade seu agir de si para o além(. F agir da consci%ncia aparece, de uma certa forma, como a pr#pria nega+ão da consci%ncia.

3sta nega+ão e consagra+ão do mundo através de um agir que é “dom estran'o( temsua figura+ão perfeita na a+ão de gra+as. 2odo o agir da consci%ncia neste estágio é, emIltima instAncia, uma a+ão de gra+as. +ão através da qual o su$eito oferece " Heus o frutode seu pr#prio dom.

 &o entanto, /egel insiste que, na a+ão de gra+as, a renIncia " satisfa+ão dosentimento-de-si é apenas aparente. He fato, a consci%ncia recon'ece que seu agir é agir deum Futro, mas é ela quem recon'ece. Z a pr#pria consci%ncia que, de maneira reflexiva,recon'ece a essencialidade do Futro atra*'s do seu próprio agir particular( 6or isto, /egelnão deixa de insistir que7 “o movimento completo se reflete no extremo da singularidade(, $á que o imutável, este, não reflete para-si no singular. &este sentido, a passividade daconsci%ncia era a ilusão de uma renIncia aparente e, por isto, inefetiva.

A re)on)!l!ação atra+9" do "a)r!&$)!o

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que a verdade(9YO.3sta inconstAncia e despreendimento irnico é fruto da experi%ncia dodescompasso entre idéia e efetividade. 3la então enuncia , nesta insta!ilidade da indexa+ãoda idéia, o caráter formal dos valores que guiam a crítica ilustrada. omo nos lem!ra 6aulorantes7 “F vazio, a vaidade tantas vezes salientada por /egel, da consci%ncia dilaceradado so!rin'o, que carece da experi%ncia perversa 8 a nos fiarmos na tradu+ão de Cer+herung

 por perversão, proposta por /Mppolite 8 da vacuidade de todas as coisas para forrar sua pr#pria consci%ncia, espel'a-se no formalismo discursivo, !em falante da raciocina+ão(9YY.

7aturea e m5"!)a

F Iltimo movimento do nosso texto é, na verdade, um aprofundamento destemovimento de despossessão de si que foi apenas encenado de maneira aparente através daa+ão de gra+as. /egel pensa, aqui, processos de reconcilia+ão efetiva com o universalatravés do sacrifício de si devido ao ascetismo e " culpa!ilidade. Ve$amos como isto se dá.

/egel afirma que este terceiro estágio organiza-se através de uma rela+ão na qual a

consci%ncia aparece como nulidade B Nichtig+eit E.6or isto, agir e gozo perdem todo conteIdo e sentidos universais 8 pois assimteriam um ser-em-si e para-si, e am!os se retiram " sua singularidade, " qual aconsci%ncia está dirigida para superá-la.

consci%ncia perce!e seu agir e seu gozar como sempre aferrado " particularidade," sensi!ilidade, ao cálculo do prazer. Fu se$a, agir e gozar sempre marcado pelaanimalidade Bque aparece como “o inimigo( no interior do si mesmoE. través daculpa!ilidade e da mortifica+ão ascética, a consci%ncia adentra em uma luta contra simesmo que s# pode produzir “miséria e infelicidade(. &o entanto, algo de positivo se

es!o+a neste luta de si contra si mesmo, pois “ao sentimento de sua infelicidade e " misériade seu agir $unta-se a am!os tam!ém a consci%ncia da sua unidade com o imutável(, $á queesta tentativa de aniquila+ão imediata do ser sensível é feita em nome do pensamento doimutável, um pensamento a respeito do qual a consci%ncia não con'ece determinidadealguma `Heus é um Heus escondido\.

/egel ainda lem!ra que a media+ão entre o pensamento do imutável e ainefetividade do vínculo ao sensível não ocorre inicialmente na consci%ncia, mas em ummeio-termo Bo ministro, ou ainda, a igre$aE. ?edia+ão tam!ém ilus#ria, mas necessária. &ecessária porque a consci%ncia irá, de uma certa forma, transformar a sua rela+ão com omeio-termo em modo de efetiva+ão e determina+ão do imutável. 3la su!mete-se ao meio-termo como suplemento " su!missão impossível a um imutável que não pode se determinarde maneira plena.

 &esta su!missão ao meio-termo, a consci%ncia “se p*e a fazer algo totalmenteestran'o(, “algo que não compreende( até ter a certeza de; “ter-se exteriorizadoBent?ussert E verdadeiramente de seu 3u, e de ter feito de sua consci%ncia-de-si imediatauma coisa B )ingeE um ser o!$etificado B gegenst?ndlichen >einE(. &este sacrifício de siatravés da aliena+ão do seu agir, aliena+ão resultante de uma decisão que ela mesma tomade pr sua vontade como um Futro, de ter em si sua pr#pria nega+ão, /egel indica ocamin'o para a reconcilia+ão. 6ois ela não trocou sua perspectiva particular, por outra perspectiva particular. o contrário, na confronta+ão com o automatismo da a+ão

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?as poderíamos procurar determinar uma distin+ão entre >ameau e o fil#sofoatravés do pro!lema do fundamento da crítica. He uma certa forma, os dois partil'am atemática cínica da crítica ao nomos em nome da recupera+ão da phisis( “F que é uma !oaeduca+ão(, diz >ameau, “a não ser aquela que conduz a todas as formas de gozo, sem perigo e sem inconveniente(9YK.  phisis aparece aqui como espa+o de retorno a um gozo

dos sentidos impossi!ilitado pela civiliza+ão7 “!e!er !om vin'o. engalfin'ar-se com !elasmul'eres, dormir em leitos !em macios7 o resto é vaidade(9K@. omo se o so!rin'o apenasatualizasse esta crítica ao nomos que álicles faz, diante de 1#crates7 “este que quiser vivercorretamente sua vida deve, de um lado, deixar suas paix*es serem as maiores possíveis enão mutilá-las; ser capaz, por outro lado, de colocar a servi+o destas paix*es as for+as de

desprovida de sentido, de um agir que não é posi+ão da expressividade de nen'um su$eito, aconsci%ncia pode alcan+ar a universalidade do que é a!strato. razão pode então come+ara aparecer.

4m camin'o que a consci%ncia ainda não apreende reflexivamente. 6ara ela, o agircontinua sendo um agir miserável. &o entanto,

Cur"o HeelAula ?

partir desta aula, iniciaremos a análise da quinta se+ão da  Fenomenologia do $spírito7 “onsci%ncia e verdade da razão(( 2rata-se de uma se+ão extensa, tanto emtaman'o quanto em aspira+*es.  1e, na se+ão “onsci%ncia(, foi questão da análise darela+ão cognitivo-instrumental da consci%ncia com o o!$eto, e, na se+ão “onsci%ncia-de-si(, questão da rela+ão de recon'ecimento entre consci%ncias como condi+ão prévia para ocon'ecimento de o!$etos, a se+ão “>azão( pode ser compreendida como a análise dasopera+*es da razão moderna em seus processos de racionaliza+ão; razão agora

reflexivamente fundamentada no princípio de uma su!$etividade consciente-de-si.. &estesentido, encontramos aqui o que poderíamos c'amar de crítica 'egeliana ao processo demoderniza+ão em suas dimens*es7 cognitivo-instrumental Brazão o!servadoraE, prático-finalista Brazão ativaE e $urídica Brazão legisladora 8 que é, " sua maneira, umdesdo!ramento da segundaE. 2ais dimens*es correspondem, grosso modo, "s tr%ssu!divis*es da nossa se+ão7

• >azão o!servadora• >azão ativa ou efetiva+ão da consci%ncia-de-si racional através de si mesma• individualidade que é real em si e para si mesma Bem!ora, nesta su!se+ão, o

capítulo “F reino animal do espírito( permane+a mais pr#ximo de considera+*esso!re a estrutura prático-finalista da razão em sua dimensão estético-expressivaE

em!remos, neste sentido, de um ponto $á tematizado anteriormente. modernidade, enquanto momento que procura realizar expectativas de auto-fundamenta+ãonas mIltiplas esferas da vida social, é vista por /egel como processo histórico animado pelas promessas de uma razão una do ponto de vista de suas dinAmicas de racionaliza+ão.Rsto significa, por exemplo, que os processos de racionaliza+ão que fornecem osfundamentos descritivos para a ci%ncia moderna e seus métodos de o!serva+ão sãocompreendidos como simétricos aos processos de racionaliza+ão em opera+ão nos campos

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sua energia e intelig%ncia. 3m suma, dar a cada dese$o a plenitude da satisfa+ão B...E1ensualidade, licen+a, li!erdade sem reservas7 eis a virtude e a felicidadeb Uuanto ao resto,quanto a estas !elas conven+*es 'umanas que estão em oposi+ão com a natureza, isto éapenas falat#rio e não tem valor algum(9K).

ontra esta phisis que legitima uma ética do excesso e do gozo, o fil#sofo procura

retomar " moral naturalista cínica articulada a partir da apatia e da domina+ão de si. 3, defato, este cinismo, o so!rin'o parece descon'ecer. F fil#sofo dirá7 “/á um ser que sedispensa da pantomima `e da lison$a\. Z o fil#sofo `cínico\ que não tem nada e não pedenada B...E Hi#genes zom!ava das necessidades(9K9. 6ois, como sa!emos, o recurso cínico "

de intera+ão social e na concep+ão de formas modernas de vida social. Rsto significatam!ém que os equívocos do primeiro serão simétricos aos equívocos do segundo.

6odemos dizer que esta é a perspectiva geral assumida por /egel neste capítulo.  pr#pria maneira com que o capítulo é organizado mostra isto claramente. /egel parte dereflex*es so!re certos protocolos de o!serva+ão racional da natureza na física, na !iologia e

no que c'amaríamos 'o$e de psicologia Bfisiognomia, frenologiaE a fim de alcan+ar a pro!lemática do que conta como a+ão racional para os indi*íduos em sociedade.F recurso " individualidade neste contexto é fundamental. Z o seu aparecimento

com a exig%ncia de s# aceitar como válido o que pode ser reflexivamente posto que anima aconstitui+ão de formas modernas de vida social que aspiram fundamenta+ão racional. &estecapítulo, que se inicia com uma reflexão so!re o primado da su!$etividade transcendentalno idealismo, /egel passará em revista, de forma crítica, a várias figuras do individualismomoderno em sua dimensão prática7 o 'edonismo faustiano, o sentimentalismo da ei docora+ão, a recupera+ão do discurso da virtude natural e o individualismo romAntico BFreino animal do espíritoE. o final, veremos como estruturas sociais s# poderão serracionalmente fundamentadas quando passarmos do primado da individualidade ao

 primado do 3spírito.s aulas deste m#dulo serão em nImero de quatro e serão organizadas da seguinteforma7 a aula de 'o$e será um comentário dos primeiros parágrafos da se+ão Baté n. 9JKE. segunda aula visará fornecer um panorama geral da su!se+ão “ razão o!servadora(.6ediria uma aten+ão especial para o Iltimo capítulo desta su!se+ão7 “F!serva+ão da rela+ãoda consci%ncia-de-si com sua efetividade imediata7 fisiognomia e frenologia( pois nosdemoraremos mais nele. terceira aula, será dedicada " su!se+ão “a razão ativa( e a %nfase principal será dada ao su!capítulo entitulado “F prazer e a necessidade(. 6or fim, a quartaaula será dedicada " su!se+ão “ individualidade que é real em si e para si mesma( e aaten+ão especial será dada ao su!capítulo “F reino animal do espírito e a impostura 8 ou aoisa mesma(.

 &o entanto, antes de iniciarmos nossa leitura, gostaria de fazer algumasconsidera+*es gerais so!re a se+ão em questão e os desdo!ramentos do pro$eto inicial dolivro. 3stas quest*es são pertinentes porque, a partir deste ponto, a estrutura+ão do livrosegue uma divisão diferente do que foi anteriormente posto. 3m um índice anexado posteriormente " impressão da o!ra, /egel 'avia divido a 0enomenologia em tr%s partes7 . onsci%ncia. =. onsci%ncia-de-si, mas . ficou, de uma certa forma, vazio, $á que olivro divide-se, a partir daí, em BE >azão, B==E 3spírito, BE >eligião e BHHE1a!er a!soluto. 6or outro lado, o capítulo da 3nciclopédia de )YJ@ dedicado " Fenomenologia do $spírito tem apenas tr%s partes e termina em uma se+ão intitulada

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 phisis significa “restri+ão(, em especial, restringir o dese$o "quilo que é prescrito pelanatureza.

/egel lem!ra, no entanto, que esta maneira de procurar um solo para além dasinvers*es de >ameau através da recupera+ão de uma certa “natureza( é tarefa fadada aofracasso7 “Hi#genes no seu tonel está condicionado pelo mundo que procura negar( 9KJ. 3ste

recurso cínico "  phisis s# pode fundar uma li!erdade negativa que depende da perpetua+ãodo nomos  para se afirmar.  li!erdade cínica não é “li!erdade de fazer determinadasa+*es(, mas principalmente “li!erdade em rela+ão a certos o!$etos e paix*es( e nada maisa!strato do que esta!elecer a distin+ão entre o que é da ordem da natureza e o que é daordem da cultura em matéria de necessidades. li!erdade afirma-se assim

“razão( Rsto levou alguns comentadores a acreditar que o pro$eto original do nosso livroterminaria na se+ão razão e que /egel teria, no pr#prio processo de reda+ão, modificado o pro$eto acrescentando as novas se+*es.

F que é certo é que, a partir da se+ão “razão, c'egamos a um estádio de unidadeentre consci%ncia e consci%ncia-de-si cu$a realiza+ão perfeita nos levará ao sa!er a!soluto.

/á, de fato, uma unidade de prop#sito nestas quatro se+*es finais, $á que cada uma mostrarámodos distintos de posi+ão deste princípio de unidade. &este sentido, o “caráter progressivo( que animava o desenvolvimento da 0enomenologia dá lugar a uma procura pela perspectiva possível de fundamenta+ão de um “programa positivo para as aspira+*esde fundamenta+ão da razão(. Haí porque7 “é apenas ap#s o capítulo so!re a razão que a0enomenologia c'ega ao ponto que /egel tin'a inicialmente situado no capítulo so!re aconsci%ncia-de-si7 ess%ncia e fenmeno se respondem, o espírito se mostra “ess%nciaa!soluta sustentando-se a si mesmo(. partir de então, será a se+ão “espírito( que passará" condi+ão de centro de gravidade da o!ra.

Ideal!"mo )omo modern!"mo

 &o pensamento que captou 8 de que a consci%ncia singular é em si a ess%nciaa!soluta -, a consci%ncia retorna a si mesma. 6ara a consci%ncia infeliz o ser em-si éo além dela mesma. 6orém seu movimento nela implementou a singularidade emseu completo desenvolvimento, ou a singularidade que é a consci%ncia efetiva,como o negativo de si mesma; quer dizer, como um extremo o!$etivo posto. 3moutras palavras, arrancou de si seu ser para-si e fez dele um ser. &esse processo veioa ser tam!ém para a consci%ncia sua unidade com esse universal B...E e como aconsci%ncia se conserva a si mesma em sua negatividade, essa unidade constitui naconsci%ncia como tal sua ess%ncia.  &#s vimos na aula passada o resultado final do movimento pr#prio " figura da

consci%ncia infeliz. consci%ncia infeliz tin'a, em rela+ão "s outras figuras da consci%ncia,a peculiaridade de ter internalizado a cisão entre a particularidade da perspectiva daconsci%ncia e a universalidade de uma perspectiva vinculada " ess%ncia, fundamentada demaneira incondicional e a!soluta. 3ss%ncia esta figurada em uma outra consci%ncia-de-si BoimutávelE que se afirma como aquela que tem para si a perspectiva universal de valida+ãode condutas e $ulgamentos. 6or ter internalizado esta perspectiva de uma outra consci%nciaessencial, ela pode intuir a si mesma em uma outra, ser ao mesmo tempo am!as. Fu se$a, aclivagem incide na consci%ncia e, por incidir nela, pode ser superada.

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fundamentalmente enquanto afirma+ão da aus%ncia de vínculos ao nomos. ?as esteconceito de li!erdade negativa como domina+ão de si que se afirma através da nega+ão aonomos, isto é, que depende da nega+ão para por-se, encontra sua essencialidade exatamentelá onde a nega+ão opera. Haí seu caráter eminentemente a!strato que /egel $á 'aviacriticado " ocasião de suas coloca+*es so!re o estoicismo. 3 é este caráter a!strato que faz

o fil#sofo ser o!rigado a entrar continuamente em contradi+ão quando o assunto são os prazeres, ora recusando-os, ora a!ra+ando-os7 “3u não desprezo os prazeres dos sentidos.2en'o tam!ém um palácio e ele é em!elezado por iguarias delicadas e de um vin'odelicioso. 2en'o um cora+ão e ol'os, e amo ver uma !ela mul'er. mo sentir em min'as

Hepois de um longo movimento onde a tentativa de reconcilia+ão e de anula+ão dacisão levou a consci%ncia infeliz a aproximar-se da ess%ncia se$a através da iman%ncia doque se apresenta de maneira pré-conceitual, através do puro intuir do sentimento, se$aatravés da nega+ão do mundo a partir de um dese$o e de um tra!al'o que são figuras de umagir no qual a consci%ncia renuncia a si, vimos como o texto camin'ava para a exposi+ão de

uma estrutura peculiar de reconcilia+ão. &#s vimos como a consci%ncia infeliz podia, ao final, retornar a si e ser“consci%ncia singular que é em si a ess%ncia a!soluta(. 2al opera+ão dependia da posi+ãoda singularidade Bda consci%ncia aferrada ao particularismo de sua perspectivaE como “onegativo de si mesma(. través desta nega+ão de si, a consci%ncia podia tecer e internalizaruma unidade com a ess%ncia.

o final da se+ão consci%ncia-de-si, tal nega+ão gan'ou a figura do sacrifício de siatravés da aliena+ão completa do seu agir e mortifica+ão de si pelas vias do ascetismo e daculpa!ilidade. &o entanto, esta aliena+ão e este sacrifício não foram feitos em nome dainternaliza+ão da perspectiva de uma outra consci%ncia que se colocaria na posi+ão dedomina+ão. 6ara além disto, este sacrifício de si através da aliena+ão do seu agir foi

aliena+ão resultante de uma decisão, tomada pela própria consci&ncia, de pr sua vontadecomo um Futro, de ter em si sua pr#pria nega+ão. ?as neste “pr sua vontade como umFutro(, a consci%ncia não trocou sua perspectiva particular por outra perspectiva particular.o contrário, ao fazer “algo que não compreende(, “algo totalmente estran'o, rituais quel'e traz representa+*es e fala linguagem sem sentido( a consci%ncia se confrontou com oautomatismo de um agir desprovido de sentido, de um agir que não é posi+ão daexpressividade de nen'um su$eito. He forma, ela pode alcan+ar a universalidade do que éa!strato, desprovido de todo vínculo essencial ao sensível. ssim, da dialética do 1en'or edo 3scravo BnIcleo motor da se+ão “consci%ncia-de-si(E até a figura da consci%ncia infeliz,temos o aprofundamento de um movimento de forma+ão que passa pela auto-posi+ão de sicomo pura negatividade Bauto-posi+ão que /egel alude ao dizer que a consci%ncia“arrancou de si seu ser para-si e fez dele um ser(E. uto-posi+ão que s# se completa quandoa consci%ncia se v% agindo e dese$ando a partir de um Futro incondicional e a2soluto,Futro que é a primeira figura, no interior do campo de experi%ncias da consci%ncia, douniversal.

Hito Rsto /egel pode então iniciar esta nova se+ão afirmando7

6orque a consci%ncia-de-si é razão, sua rela+ão `Cerh?ltnis\, até agora negativafrente ao ser-outro  ̀seja a perspecti*a de uma outra consci&ncia singular, seja asdeterminaçes empíricas do mundo\, se converte em uma atitude positiva. té

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mãos a 'armonia e delicadeza de sua garganta, pressionar seus lá!ios contra os meus,alimentar a volIpia em seus ol'os e expira-la entre seus !ra+os( 9KP.

 &este sentido, o fil#sofo ilustrado é consciente de que a fundamenta+ão da críticaem uma moral naturalista s# pode nos levar a um impasse. F cinismo do so!rin'o seriaassim apenas o cinismo que passou pela experi%ncia da impossi!ilidade da fundamenta+ão

da crítica em uma moral natural de estilo rousseauista. &este sentido, seu conteIdo deverdade seria incontestável. 2anto que a resposta " exorta+ão de retorno " phisis feita pelofil#sofo apelando ao exemplo de Hi#genes, será um “outro( programa de retorno "  phisisenquanto espa+o de reconcilia+ão com as necessidades7 “mas preciso de !oa cama, de !oa

agora, s# se preocupava com sua independ%ncia e sua li!erdade, a fim de salvar-se econservar-se para si mesma, "s custas do mundo ou de sua pr#pria efetividade, $áque am!os l'e pareciam o negativo de sua ess%ncia. ?as como razão segura de simesma, a consci%ncia-de-si encontrou a paz em rela+ão a am!os, e pode suportá-los, pois está certa de si mesma como sendo a realidade B ealit?t E, ou se$a, está certa de

que toda a efetividade não é outra coisa que ela.qui, $á encontramos a defini+ão operacional de “razão( com a qual /egel

tra!al'ará na  Fenomenologia do $spírito7 a razão é a certeza da consci%ncia ser toda arealidade, ou se$a, certeza de que o que aparece como outro tem a mesma estrutura daconsci%ncia-de-si. &#s voltamos aqui "quilo que apresentei como postulado fundamental doidealismo7 “ estrutura do o!$eto duplica a estrutura do 3u(, e não é por outra razão que/egel compreende o idealismo como “figura( da razão, como momento 'ist#rico de posi+ão do conceito da razão. ?omento 'ist#rico este dependente dos processos desu!e$tiva+ão socialmente postos pela fé cristã.

 &este parágrafo vemos /egel descrevendo uma mudan+a !rutal de perspectiva7 a

consci%ncia negava toda sua depend%ncia essencial em rela+ão ao ser-outro. &ega+ão que alevou a afirmar-se contra o ser-outro, se$a através de uma li!erdade interior que era apenasfigura do afastamento e da aniquila+ão do mundo Bestoicismo e ceticismoE, se$a através deuma procura pela independ%ncia a!strata. &o entanto, agora, a consci%ncia está segura deter se reconciliado com a realidade, ou se$a7 ^ está certa de que toda a efetividade não éoutra coisa que ela(, ^ a consci%ncia tem a certeza de que s# a si experimenta no mundo(.

primeira questão que devemos responder é7 o que aconteceu " consci%ncia paraque tal reconcilia+ão fosse possívelG 1e não partirmos desta questão, poderemos nosdesviar do verdadeiro alvo da indaga+ão 'egeliana. 6ois, sem ela, é fácil interpretarmos demaneira equivocada afirma+*es como7

Ho mesmo modo que a consci%ncia que vem " cena como razão tem em si essacerteza imediatamente, assim tam!ém o idealismo a enuncia da forma imediata7 3usou 3u, no sentido de que 3u é o!$eto para mim. &ão no sentido de o!$eto daconsci%ncia-de-si em geral, que seria um o!$eto vazio em geral `o $u como auto-intuição a2strata de si\, nem de o!$eto da consci%ncia de si livre, que é retirado dosoutro que ainda tem valor `a auto-o2jetificação de si atra*'s da li2erdade a2solutaque se aferra a um contingente; mas sim que o 3u é o!$eto, com a consci%ncia donão-ser `da nulidade\ que qualquer outro o!$eto; é o o!$eto Inico, é toda a realidadee presen+a.

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mesa, roupa quente no inverno, roupa fresca no verão, repouso, din'eiro e muitas outrascoisas. 6ortanto prefiro deve-los " !enevol%ncia do que adquiri-los pelo tra!al'o(9KQ.

 &o entanto, 'á um ponto em que o fil#sofo e o so!rin'o claramente conciliam-se, eeste ponto toca o pro!lema de um certo recurso " natureza. 2rata-se da mIsica. Rsto a pontodo fil#sofo afirmar7 “omo é possível que com um tato tão fino, uma sensi!ilidade tão

grande para as !elezas da arte musical, voc% se$a tão cego para as !elas coisas em moral,tão insensível aos c'armes da virtudeG(9K<. 6odemos mesmo dizer que as digress*es so!remIsica não são extemporAneas ao em!ate central do texto, mas nos revelam um terreno não pro!lemático da crítica presente no solo estético. ?as este terreno da crítica estética ficacomo promessa não realizada na efetividade da vida social.

princípio, pode parecer que, a partir de agora, o 3u tem a consci%ncia de encontrar suaimagem auto-id%ntica em toda a realidade e presen+a, como se o 3u aparecesse enfim comofundamento e solo da visi!ilidade do que se p*e como presen+a. final, a compara+ão dosa!er com o o!$eto não 'avia sido definida anteriormente por /egel como compara+ão da

consci%ncia consigo mesmaG &o entanto, sa!emos que não é exatamente isto que /egel tem em mente. Vimos, nase+ão “consci%ncia-de-si(, como /egel insistia que o 3u e seu “sentimento de auto-identidade( eram resultados de um longo processo de socializa+ão e de intera+ão socialBentre consci%ncias e intera+ão su$eitoo!$etoE. 2al perspectiva que apreende o processo deforma+ão do 3u procurava deixar evidente seu caráter fundamentalmente relacional e anti-solipsista. /egel c'egava mesmo a insistir que tais processos formadores de socializa+ãose estruturavam a partir de dinAmicas de aliena+ão do agir e do dese$o Bas duas faculdadesexpressivas fundamentais até agoraE através da internaliza+ão da perspectiva do Futro. ?asa forma+ão do su$eito moderno s# c'ega a seu resultado final através da internaliza+ão da perspectiva de um Futro cu$o dese$o e agir são incondicionais. Haí porque e!run podia

afirmar7 “ em troca de seus sofrimentos, é o gozo do “universal( que se oferece áconsci%ncia... !elo presente(.Hesta forma, os su$eitos modernos apareciam como locus de exig%ncias a!stratas de

universalidade conjugadas e assumidas no particular, universalidade que dependia davincula+ão dos su$eitos ao particular para se afirmar enquanto tal ( 3ste era o valor positivodos processos de mortifica+ão e culpa!ilidade7 a consci%ncia não pode aniquilar seu vínculo" particularidade `comparar a consci%ncia infeliz com o movimento final da se+ão“espírito(\. 3les eram, assim, a identidade entre a identidade e a diferen+a. 3ra estaa!oli+ão da auto-identidade imediata que permitia ao 3u duplicar a estrutura do o!$eto e ter,assim, a certeza de ser toda a realidade. &ão que ele pudesse, a partir daí, deduzir toda arealidade; mas ele tin'a a possi!ilidade recon'ecer a racionalidade da irreduti!ilidade dosensível. >acionalidade que nos levava a esta no+ão de infinitude do pensar enquantocapacidade do conceito em a!sorver aquilo que o nega sem, com isto, dissolver-se na posi+ão de um o!$eto vazio de conceito.

/egel insiste então que o idealismo nos traz este conceito renovado de consci%ncia-de-si enquanto fundamento do sa!er, enquanto condi+ão para a consci%ncia de o!$eto eenquanto princípio de racionaliza+ão de todas as esferas sociais de valores. Haí porque/egel parte, na se+ão “razão(, de uma re-compreensão da proposi+ão fundamental de auto-identidade do su$eito B3u3uE. 2rata-se de insistir que a correta ela!ora+ão do processo deforma+ão da consci%ncia nos impede de compreender esta auto-identidade do su$eito como

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em!remos como, ao falar da mIsica italiana, o so!rin'o dirá 7 “Uue verdadeb Uueexpressãob(9KO. ?ais a frente, ele advertirá7 “reia em tudo o que disse, pois é a verdade(9KY,3 ainda7 “ F verdadeiro, o !om, o !elo t%m seus direitos(9KK. Uue o voca!ulário daexpressividade da verdade, ou se$a, da parresia, entre na !oca deste anti-fil#sofo cínico, eisalgo que deve surpreender. inda mais porque durante toda a digressão so!re a mIsica, os

 p#los invertem-se no interior da pe+a. o perguntar7 “qual o modelo do mIsico quando elefaz um cantoG(, o fil#sofo recon'ece sua ina!ilidade para responder " questão e ouveatentamente a interven+ão segura do so!rin'o que irá dar uma aula so!re “a verdade emmIsica(, pois é do “canto verdadeiro(, do “su!lime( que será questão na interven+ão doso!rin'o.

 posi+ão imediata da auto-percep+ão de si. 6ara tanto, um de!ate entre /egel, 0ic'te e, principalmente, Lant desen'a-se neste momento do nosso texto.

/egel afirma que o idealismo apareceu até agora como o resultado de um longoesquecimento do que estava em $ogo no processo de forma+ão da consci%ncia-de-si. Haí porque ele pode dizer que a consci%ncia7 “deixou para trás esse camin'o `de sua forma+ão\

e o esqueceu, ao surgir imediatamente como razão(. Fu ainda, que o idealismo7 “quecome+a por tal asser+ão B3u3uE sem mostrar aquele camin'o `do processo de forma+ão do3u\ é por isto tam!ém pura asser+a* que não se conce!e a si mesma(.

 &a verdade, /egel quer contrapor uma compreensão transcendental das estruturasda razão " descri+ão fenomenologia do processo de forma+ão de seus conceitos, emespecial do processo de forma+ão deste princípio fundamental que é a auto-identidadeimediata do  $u penso e da centralidade da estrutura categorial do entendimento. &estesentido, /Mppolite tem razão ao lem!rar que /egel procura enquadrar o idealismo, emespecial o Cantiano, como um “fenmeno da 'ist#ria do espírito(, como uma figura daconsci%ncia, e não apenas como tese filos#fica. 6ara tanto, vale a pena tra+ar os tra+osgerais da maneira com que /egel compreende as articula+*es entre entendimento e

consci%ncia-de-si em Lant.Kant6 )ateor!a" e un!dade "!nt9t!)a de a#er)e#ção

He maneira sumária, podemos lem!rar de alguns tra+os gerais da experi%nciaintelectual Cantiana que /egel tem em mente. Higamos que Lant come+a por perguntar7“qual é o fato do con'ecimento Bquid factiEG(. F fato do con'ecimento consiste em termosrepresenta+*es gra+as "s quais $ulgamos. Dulgar, aqui, significa principalmente reportar odiverso da intui+ão a representa+*es, a conceitos. >epresenta+*es e conceitos cu$a fun+ãoconsiste !asicamente em serem predicados de $uízos possíveis para todo e qualquer o!$eto.

 &o entanto, sa!emos que estes predicados de $uízos possíveis, para poderemresponder a aspira+*es de universalidade, não devem ser resultantes de alguma forma deg%nese empírica ou de indu+ão a partir de situa+*es empíricas contextuais. 2ais predicadosBou predicamentosE devem ter realidade transcendental, isto se lem!rarmos que“transcendental( diz respeito ao con'ecimento a priori de como certas representa+*es econceito são aplicados ou possíveis. 3m Iltima instAncia, podemos representar a priori todoo!$eto possível da intui+ão pois podemos deduzir a priori as formas da percep+ão. consci%ncia de um o!$eto não pode ser entendida simplesmente nos termos de possuir umdeterminado estado mental. 2er consci%ncia de um o!$eto significa capacidade derepresentar o!$etos em suas diferen+as estruturadas, unificar o!$etos a partir de regras

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 3 o que diz o so!rin'oG Hiderot serve-se aqui do so!rin'o para dar vazão " sua posi+ão a respeito da querela que contrapun'a Dean-6'illipe >ameau e defensores da operaitaliana como >ousseau e :rimm. 6rosso modo, trata-se de uma contraposi+ão entre umano+ão de modernidade musical vinculada ao primado da 'armonia e das regras estritas deuma progressão 'armnica derivada da teoria fisicalista do som, 'armonia que a!ria as

 portas para uma polifonia contrapontística controlada pelo centro 'armnico, e uma rea+ãoque insistia no primado da melodia e da simplicidade monofnica inspirada no canto.6osi+ão rousseauista que Ha'l'aus caracterizou !em7 “4m sentimentalismo que ama ver-seestimulado pela mIsica, um racionalismo que quer programas, uma pintura musical namIsica instrumental e a nostalgia de uma antiguidade que se op*e " polifonia moderna,

reflexivamente apreendidas pela consci%ncia. Rsto significa su!meter a consci%ncia "consci%ncia-de-si B$á que consci%ncia-de-si, aqui, não é exatamente con'ecimento-de-si,mas posi+ão das condi+*es gerais da experi%nciaE .

1a!emos, no entanto, que não !asta ter princípios, faz-se necessário que ten'amos aocasião de exerc%-los. ?eros princípios su!$etivos ligados " estrutura de nossa psicologia

de nada serviriam para dar o!$etividade ao con'ecimento. omo nos lem!ra Heleuze7 “oque nos apresenta de maneira a formar uma &atureza deve necessariamente o!edecer a princípios do mesmo g%nero Bmais ainda, aos mesmos princípiosE que aqueles que regulamo curso das nossas representa+*es(. Hesta forma, trata-se de su!stituir a idéia de uma'armonia entre su$eito e o!$eto por uma su!missão necessária do o!$eto ao su$eito.Fpera+ão que serve de !ase para o que Lant c'ama de “revolu+ão copernicana(.

 &o entanto, tal su!missão não pode nos levar a um idealismo su!$etivista. s coisasnão são simples produtos de nossas atividades. s exig%ncias do realismo devem serrespeitadas. Lant tentará preenc'er tais exig%ncias através de uma análise das faculdades docon'ecimento Bsensi!ilidade, imagina+ão, entendimento e razãoE e de suas rela+*esinternas. omo se o pro!lema da rela+ão entre su$eito e o!$eto tendesse a ser internalizado e

convertido em um pro!lema de rela+*es entre faculdades.Lant insiste que 'á uma faculdade passiva Bsensi!ilidadeE e tr%s faculdades ativas. faculdade passiva rece!e a matéria que dará origem aos o!$etos, assim como as faculdadesativas sintetizam a forma dos o!$etos através da intui+ão no espa+o e no tempo e através dacategoriza+ão como predica+ão de todo o!$eto possível " experi%ncia. ssim, do ponto devista da forma, o que aparece " consci%ncia, ou se$a, os fenmenos, s# podem estarsu!metidos "s categorias do entendimento. &o entanto, do ponto de vista da matéria, a'armonia s# pode ser postulada de maneira ideal pelas idéias da razão, que são apenasidéias reguladoras. razão é a faculdade que diz7 “tudo se passa como se...(. s idéias darazão não são simples fic+*es, elas t%m valor regulador, mas seu o!$eto é indeterminado e pro!lemático Ba coisa em-siE. o tentar legislar diretamente so!re a sensi!ilidade, a razão produz apenas falsos pro!lemas e ilus*es Bparalogismos e antinomiasE.

F resultado é pois a possi!ilidade de falarmos de leis que7 “a priori fundamentam anatureza, tomada como con$unto de o!$etos da experi%ncia(. ?as o pre+o a ser pago será orecon'ecimento de que a experi%ncia refere-se apenas a fenmenos, e não a coisas em-si,que se mantém para n#s incognoscíveis. Z isto que /egel tem em mente ao afirmar, so!re oidealismo Cantiano7 “ razão é a certeza de ser toda a realidade. ?as esse em-si ou essarealidade é, ainda, um a!solutamente universal, é a pura a!stra+ão da realidade(.

 &o entanto, é exatamente o pro!lema da centralidade da su!missão do diverso "scategorias na constitui+ão do o!$eto da experi%ncia que interessa " /egel neste momento.

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confusa e sa*ant , uma simplicidade tocante da monofonia grega 8 eis os compostos daestética musical de >ousseau(J@@.

6ara >ousseau, tratava-se, na verdade, de, através da defesa da centralidade damelodia, defender a estrutura mimética da racionalidade musical. ?imetismo entre mIsicae a expressão natural da linguagem com suas entona+*es e acentos. Rsto o permite vincular

a mIsica " uma pedagogia da arte capaz de servir de veículo de forma+ão moral porrecuperar o vínculo entre natureza e culturaJ@). He maneira surpreendente, é a esta vertenteque o so!rin'o de >ameau se vinculará Bneste sentido, contra seu tioE. verdade da procura da autenticidade que se perdeu no interior das práticas sociais. em!remos porexemplo do que diz >ameau so!rin'o a respeito da questão7 “qual é o modelo da mIsica e

3le quer criticar um processo de racionaliza+ão que é !asicamente compreendido comocategoriza+ão. 6rocesso que, para /egel, s# pode levar a esta “pura a!stra+ão da realidade(.6ara fazer a critica a uma racionaliza+ão compreendida como categoriza+ão, /egel parte dovínculo indissociável entre consci%ncia-de-si e estrutura+ão dos modos de rela+ão entrecategorias e diversidade advinda da intui+ão. Haí porque, /egel parte de afirma+*es como7

“o 3u `no idealismo Cantiano\ é apenas a pura essencialidade do ente ou a categoriasimples(.1a!emos que Lant organiza os modos de categoriza+ão a partir das fun+*es l#gicas

do $uízo. s categorias serão definidas como7 “conceitos de um o!$eto em geral, porintermédio dos quaisa intui+ão desse o!$eto se considera determinada em rela+ão a uma das funçes lógicas do $uízo(. Haí porque a tá!ua das categorias Bcom suas quatro su!divis*esem quantidadequalidademodalidade e rela+ãoE é deduzida das quatro rI!ricas do $ulgamento. Lant quer evitar o erro de rist#teles que7 “não estava de posse de um princípio( de dedu+ão transcendental de categorias. &o entanto, /egel dirá7

om isto se admite que a imediatez, o asseverar e o encontrar são a!andonados, e

que o conceituar B =egreifenE principia. ontudo, admitir a multiplicidade decategorias de uma maneira qualquer 8 por exemplo, a partir dos $uízos 8 como umac'ado, e fazer passar por !oas as categorias assim encontradas, isto deve serconsiderado um ultra$e " ci%ncia.

Fu se$a, não parece " /egel que as formas l#gicas do $uízo possam aspirar fornecer, por si s#, modos fundamentados de organiza+ão do diverso da experi%ncia. razão aqui éclara7 as formas l#gicas do $uízo são, para /egel, representa+*es naturais do pensar,sedimenta+*es de pressupostos que não são postos. 6or exemplo, aos dividir $uízos,segundo a quantidade, em universais, particulares e singulares, o pensar pressup*e anaturalidade de processos fundamentais de identidade, diferen+a e rela+ão. 6ois são elesque me permitem, por exemplo, particularizar uma representa+ão e generalizar outra. verdadeira questão, para /egel, é7 de onde o entendimento retira a certeza de seus pressupostos de identidade e diferen+a que estruturam a pr#pria possi!ilidade deconfigura+ão de categoriasG resposta está na auto-identidade imediata da consci%ncia-de-si. Z nesta dire+ão que devemos compreender a afirma+ão de /egel7

F idealismo enuncia a unidade simples da consci%ncia B3u3uE como sendo toda arealidade, e faz dela imediatamente a ess%ncia, sem t%-la conceituado como ess%nciaa!solutamente negativa. Z apenas esta Iltima que tem em si a nega+ão, a

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do cantoG(7 “Z a declama+ão B...E quanto mais esta declama+ão será forte e verdadeira,quanto mais o canto que a ela se conforma cortá-la em um maior nImero de ponto, mais ocanto será verdadeiro e !elo(J@9.

3stas não parecem palavras de um cínico desencantado. ?as ela nos revela que oimpulso cínico Bno sentido modernoE pode conviver com uma nostalgia da verdade como

expressão imanente que se guarda na arte. F cinismo demonstra assim sua nostalgia daiman%ncia como critério de valida+ão dos $ulgamentos, uma iman%ncia que s# seria possível na arte.

2alvez isto nos permita ver no cinismo não exatamente um amoralismo, mas umaespécie de 'iper-moralismo que recon'ece sua impossi!ilidade em se realizar no campo daconviv%ncia social e que, com isto, volta-se, por exemplo, para uma 'iper-moraliza+ão da

determinidade e a diferen+a. ?as se isto é inconce!ível `para o idealismo\, é maisinconce!ível ainda que 'a$a na categoria diferen+as ou espécies B...E as mIltiplascategorias são espécies da categoria pura.

He fato, Lant sempre insistiu que7 “todo o diverso da intui+ão possui uma rela+ãonecessária ao  $u penso no mesmo su$eito em que esse diverso se encontra(. 6ois a liga+ãoBCer2indung E do diverso em geral deve ser um ato da espontaneidade do su$eito. &oentanto, esta liga+ão pressup*e a representa+ão da unidade sint'tica do diverso construída a partir de pressuposi+*es de identidade e diferen+a. Rsto implica não apenas que todas asrepresenta+*es de o!$eto devem ser min'as B“o $u penso deve poder acompan'ar todas asmin'as representa+*es(E para que elas possam ser apropriadas reflexivamente. ?as implicafundamentalmente que, para que elas possam apropriadas reflexivamente, elas devem serestruturadas a partir de um princípio interno de liga+ão e de unidade que se$areflexivamente recon'ecido pela consci%ncia-de-si. Haí porque a regra de unidade sintéticado diverso da experi%ncia é fornecida pela estrutura+ão da pr#pria unidade sintética de

apercep+*es, ou se$a, pela auto-intui+ão imediata da consci%ncia-de-si que7 “ao produzir arepresenta+ão eu penso, que tem de poder acompan'ar todas as outras, e que é uma eid%ntica em toda a consci%ncia, não pode ser acompanhada por nenhuma outra(. Lantainda é mais claro ao afirmar que7 “F o!$eto é aquilo em cu$o conceito está reunido odiverso de uma intui+ão dada. ?as toda a reunião das representa+*es exige a unidade daconsci%ncia na respectiva síntese(.

qui fica mais claro a estratégia 'egeliana de reconstituir as aspira+*es da razãoatravés da reconstitui+ão desta categoria fundamental, a sa!er, o su$eito como fundamentodas opera+*es de reflexividade. 6ois questionada a possi!ilidade da auto-intui+ão imediatade si, são os postulados fundamentais de constitui+ão de processos de identidade, diferen+a,unidade, liga+ão que estarão a!alados. Z por esta razão que /egel, mais uma vez, faz apeloa coloca+*es como7

razão apela para a consci%ncia-de-si de cada consci%ncia7 3u sou 3u, o 3u é meuo!$eto e min'a ess%ncia e ninguém l'e negará essa verdade. 6orém, ao fundar averdade neste apelo, sanciona a verdade da outra certeza, a sa!er, 'á para mim umoutro, um outro que me é o!$eto e ess%ncia B...E 1omente quando a razão surge comoreflexão a partir dessa certeza oposta é que surge sua afirma+ão de si, não maisapenas como certeza e asser+ão, mas como verdade(.

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arte. 4m pouco como se >ameau so!rin'o fosse de fato um cínico grego que passou pelaexperi%ncia da inconsist%ncia do recurso " p'isis como espa+o positivo de doa+ão desentido e de fundamenta+ão dos $ulgamentos. 3le perde assim o solo que permitiria umaorienta+ão segura para a su!missão das significa+*es a designa+*es de essencialidade,opera+ão que vimos ser a !ase da teoria cínica da linguagem. partir deste momento, o

descompasso entre idéia e efetividade faz-se sentir de uma maneira cada vez mais forte.De uma +erdade ue ": "e enun)!a atra+9" do r!"o

1e assim for, então O so2rinho de ameau nos colocaria diante do seguinte pro!lema7 o que acontece quando a razão parece perder o solo que garantiria seus processos

/egel ainda analisa, nos parágrafos 9J< e 9JO algumas ela!ora+*es da filosofia de0ic'te em rela+ão aos impasses do idealismo Cantiano. leitura 'egeliana de 0ic'teBdesenvolvida principalmente no artigo )iferenças entre os sistemas de Fichte e >chelling e "içes so2re a história da filosofiaE, parte da no+ão de que7 “om efeito, para 0ic'te, a

fonte das categorias e das idéias é o 3u, mas todas as representa+*es e todos os pensamentos são um mIltiplo sintetizado pelo pensar(.0ic'te parte do caráter a!soluto do 3u, deste primeiro princípio de que eu sou igual

a mim mesmo B3u3uE. ?as esta consci%ncia de si não é uma identidade morta; ela é aauto-posi+ão reflexiva de si em um o!$eto, ou ainda, auto-posi+ão de si na condi+ão deo!$eto. Rsto for+a que tal primeiro princípio se$a acrescido de um segundo7 3u pon'o diantedo 3u um &ão-3u B Ich set.e dem Ich ein Nicht-Ich entgegenE enquanto oposi+ãodeterminante. Z isto que /egel tem em mente ao afirmar7

omo unidade negativa, `a consci%ncia-de-si\ exclui de si tanto as diferen+as comotais, quanto essa primeira unidade pura e imediata como tal; é a singularidade, uma

nova categoria que é a consci%ncia excludente, consci%ncia para a qual 'á um Futro.0ic'te procura realizar a síntese desta divisão através de um terceiro princípio que afirma7“F eu e o &ão-eu são esta!elecidos con$untamente pelo 3u e no seu interior como limitadosentre si(. ?aneira de tentar dar conta deste movimento através do qual a consci%ncia sai desi7 “como categoria simples, passando ] simplicidade e ao o!$eto B...E suprimindo o o!$etocomo distinto para apropriar-se dele e proclamando-se como certeza de ser toda arealidade(.

/egel se interessa por este esquema por ver, nele, como o princípio de identidadealo$ado na auto-intui+ão da consci%ncia-de-si aparece, no interior mesmo do idealismo,como o que deve produzir necessariamente a diferen+a enquanto aquilo que não se su!meteao quadro categorial, $á que as categorias tem o 3u penso enquanto fundamento. Haí porque/egel pode falar que o idealismo encontra-se em uma7

contradi+ão imediata, ao afirmar como ess%ncia algo que é duplo e pura esimplesmente oposto7 a unidade sintética de apercep+ão e, igualmente, a coisa. 6oisa coisa, ao ser c'amada tam!ém c'oque estran'o ou ess%ncia empírica, ousensi!ilidade, ou coisa em si, em seu conceito fica sempre a mesma e estran'a "unidade sintética de apercep+ão.

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de fundamenta+ão, o solo que garantiria a indexa+ão não-pro!lemática entre idéia eefetividadeG 4ma das respostas é7 ela transforma-se em ironiza+ão a!soluta das condutas. Zisto que /egel tem em mente ao afirmar7

F conteIdo do discurso que o espírito profere de si mesmo e so!re si mesmo é,

assim, a inversão de todos os conceitos e realidades, o engano universal de simesmo e dos outros. Dustamente por isso, o descaramento de enunciar essaimpostura é a maior verdadeJ@J.

Hito isto, /egel irá mostrar, em toda a se+ão “razão(, mostrar como tal contradi+ão,resultante de um vínculo a!strato entre consci%ncia-de-si e identidade imediata, vai seconfigurando no interior dos processos de racionaliza+ão de campos mIltiplos da vidasocial Bci%ncia, política, arte, direitoE. Z este movimento que seguiremos a partir da aula quevem.

Cur"o HeelAula

F longo período de greve nos o!riga a iniciar esta aula através de uma recapitula+ão daintrodu+ão " se+ão “>azão(, isto a fim de nos orientarmos de maneira mais segura nocomentário do su!-capítulo dedicado " “razão o!servadora(.

em!remos, inicialmente, do pro$eto que marca a escrita da se+ão intitulada“onsci%ncia e verdade da razão(( 1e, na se+ão “onsci%ncia(, foi questão da análise da

rela+ão cognitivo-instrumental da consci%ncia com o o!$eto, e, na se+ão “onsci%ncia-de-si(, questão da rela+ão de recon'ecimento entre consci%ncias como condi+ão prévia para ocon'ecimento de o!$etos, a se+ão “>azão( pode ser compreendida como a análise dasopera+*es da razão moderna em seus processos de racionaliza+ão; razão agorareflexivamente fundamentada no princípio de uma su!$etividade consciente-de-si..

 &#s vimos, $á nos primeiros parágrafos, a defini+ão operacional de “razão( com aqual /egel tra!al'ará na Fenomenologia do $spírito7 a razão é a certeza da consci%ncia sertoda a realidade, ou se$a, certeza de que o que aparece como outro tem a mesma estruturada consci%ncia-de-si7

6orque a consci%ncia-de-si é razão, sua rela+ão `Cerh?ltnis\, até agora negativafrente ao ser-outro  ̀seja a perspecti*a de uma outra consci&ncia singular, seja asdeterminaçes empíricas do mundo\, se converte em uma atitude positiva. téagora, s# se preocupava com sua independ%ncia e sua li!erdade, a fim de salvar-se econservar-se para si mesma, "s custas do mundo ou de sua pr#pria efetividade, $áque am!os l'e pareciam o negativo de sua ess%ncia. ?as como razão segura de simesma, a consci%ncia-de-si encontrou a paz em rela+ão a am!os, e pode suportá-los, pois está certa de si mesma como sendo a realidade B ealit?t E, ou se$a, está certa deque toda a efetividade não é outra coisa que ela.

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1a!emos que a parresia cínica enquanto prática de forma+ão daquele a quem o falarda verdade se endere+a estava a!solutamente indissociada do riso. F 'umor aparecia comoa maneira correta de dizer aquilo que é da ordem da verdade, 'umor que invertedesigna+*es e que esvazia significa+*es. F que nos explica porque as formas datransmissão filos#fica dos cínicos estavam todas vinculadas a modos 'umorísticos.

=aC'tin v%, na forma 'umorística dos fil#sofos cínicos, as marcas do 'umor popularcontra as instaura+*es do g%nero épico7 “Z precisamente o 'umorista que destr#i o g%neroépico, e geralmente destr#i toda distAncia 'ierárquica(J@P. &este processo de destrui+ão, atémesmo a fixidez da imagem de si, imagem construída no g%nero épico através daidentifica+ão com um missão sim!#lica que deve ser assumida pelo su$eito, é a!alada. Rsto

 &#s voltamos aqui "quilo que apresentei como postulado fundamental do idealismo7“ estrutura do o!$eto duplica a estrutura do 3u(, e não é por outra razão que /egelcompreende o idealismo como “figura( da razão, como momento 'ist#rico de posi+ão doconceito da razão. &este parágrafo vemos pois /egel descrevendo uma mudan+a !rutal de

 perspectiva7 a consci%ncia negava toda sua depend%ncia essencial em rela+ão ao ser-outro. &ega+ão que a levou a afirmar-se contra o ser-outro, se$a através de uma li!erdade interiorque era apenas figura do afastamento e da aniquila+ão do mundo Bestoicismo e ceticismoE,se$a através de uma procura pela independ%ncia a!strata. &o entanto, agora, a consci%nciaestá segura de ter se reconciliado com a realidade, ou se$a7 ^ está certa de que toda aefetividade não é outra coisa que ela(, ^ a consci%ncia tem a certeza de que s# a siexperimenta no mundo(. 4ma certeza vinculada " posi+ão do princípio de su!$etividadecomo fundamento do sa!er.

ssim, a partir da se+ão “>azão(, c'egamos a um estádio de unidade entreconsci%ncia de o!$eto e consci%ncia-de-si cu$a realiza+ão perfeita nos levará ao sa!era!soluto. /á, desta forma, uma unidade de prop#sito nas quatro se+*es finais que comp*em

a  Fenomenologia do $spírito, $á que cada uma mostrará modos distintos de posi+ão deste princípio de unidade. 3ntre as se+*es “>azão(, “3spírito(, “>eligião( e “1a!er !soluto(não 'á exatamente um desenvolvimento progressivo, mas uma apresenta+ão de quatro perspectivas distintas de reflexão a respeito da unidade entre consci%ncia de o!$eto econsci%ncia-de-si. &este sentido, a perspectiva apresentada na se+ão “>azão( é, desde oinício, alvo de críticas claras da parte de /egel. &ela, /egel procura configurar uma certaexperi%ncia da modernidade em dire+ão " racionaliza+ão de suas esferas de valores;racionaliza+ão esta que alcan+a a forma de sua reflexão filos#fica através do idealismo.

em!remos, neste sentido, de um ponto $á tematizado anteriormente. modernidade, enquanto momento que procura realizar expectativas de auto-fundamenta+ãonas mIltiplas esferas da vida social, é vista por /egel como processo histórico animado pelas promessas de uma razão una do ponto de vista de suas dinAmicas de racionaliza+ão.Rsto significa, por exemplo, que os processos de racionaliza+ão que fornecem osfundamentos descritivos para a ci%ncia moderna e seus métodos de o!serva+ão sãocompreendidos como simétricos aos processos de racionaliza+ão em opera+ão nos camposde intera+ão social e na concep+ão de formas modernas de vida social. Rsto significatam!ém que os equívocos do primeiro serão simétricos aos equívocos do segundo.

6odemos dizer que esta é a perspectiva geral assumida por /egel neste capítulo. &este sentido, encontramos aqui o que poderíamos c'amar de crítica 'egeliana ao processode moderniza+ão em suas dimens*es7 cognitivo-instrumental Brazão o!servadoraE, prático-

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 permite que o su$eito7 “adquira a iniciativa ideol#gica e ling5ística necessária para mudar anatureza de sua pr#pria imagem(J@Q. ?as ao perder o enraizamento da parresia em umamoral naturalista, a crítica se v% diante de uma ironiza+ão de toda determinidade.

dissolu+ão irnica de toda determinidade aparece inicialmente na imagem de sifornecida pelo so!rin'o7 “ &ada é mais dessemel'ante dele mesmo do que ele mesmo(, dirá

o fil#sofo. “2rata-se de um composto de altivez e !aixeza, de !om senso e desrazão. Znecessário que as no+*es de 'onesto e desonesto este$am estran'amente em!aral'adas nasua ca!e+a(J@<. ?ais a frente, encontraremos o mesmo tipo de $ulgamento7 “3u estavaconfuso com tanta sagacidade e tanta !aixeza, idéias tão $ustas e alternativamente tão

finalista Brazão ativaE e $urídica Brazão legisladora 8 que é, " sua maneira, umdesdo!ramento da segundaE. 2ais dimens*es correspondem, grosso modo, "s tr%ssu!divis*es da nossa se+ão7 >azão o!servadora, >azão ativa ou efetiva+ão daconsci%ncia-de-si racional através de si mesma e, por fim, individualidade que é real emsi e para si mesma Bem!ora, nesta su!se+ão, o capítulo “F reino animal do espírito(

 permane+a mais pr#ximo de considera+*es so!re a estrutura prático-finalista da razão emsua dimensão estético-expressivaEHito isto, vimos como /egel iniciava o capítulo a partir de uma crítica a perspectiva

Cantiana de compreender racionali.ação como categori.ação( Vimos como /egel es!o+auma crítica " centralidade das no+*es de categoria Bpredicados gerais de um o!$etoqualquerE e de unidade sintética de apercep+*es para as opera+*es racionais doentendimento na sua configura+ão dos o!$etos do con'ecimento. &ão se trata, para /egel,de colocar em questão a posi+ão do princípio de su!$etividade como fundamento para asopera+*es da razão, mas se trata de afirmar que o idealismo aparecera até então como oresultado de um longo esquecimento do que estava em $ogo no processo de forma+ão daconsci%ncia-de-si. Haí porque ele pode dizer que a consci%ncia7 “deixou para trás esse

camin'o `de sua forma+ão\ e o esqueceu, ao surgir imediatamente como razão(. Fu ainda,que o idealismo7 “que come+a por tal asser+ão B3u3uE sem mostrar aquele camin'o `do processo de forma+ão do 3u\ é por isto tam!ém pura asser+ão que não se conce!e a simesma(. &a verdade, /egel quer contrapor uma compreensão transcendental das estruturasda razão " descri+ão fenomenologia do processo de forma+ão de seus conceitosBperspectiva que ele colocará em marc'a na se+ão “3spírito(E, em especial do processo deforma+ão deste princípio fundamental que é a auto-identidade imediata do  $u penso e dacentralidade da estrutura categorial do entendimento. &este sentido, /a!ermas tin'a razãoao afirmar que7 “/egel quer su!stituir a empresa da teoria do con'ecimento pela auto-reflexão fenomenol#gica do espírito(.

2al contraposi+ão traz uma série de conseq5%ncias. principal delas diz respeito "tentativa 'egeliana de dissociar princípio de su!$etividade e princípio de identidade. Fsu$eito 'egeliana não é locus da identidade imediata e, se o su$eito continua sendofundamento do sa!er, isto traz conseq5%ncias profundas para os modos de orienta+ão do pensamento em suas mIltiplas aspira+*es. Haí porque este capítulo se inicia com umareflexão so!re o primado da su!$etividade transcendental no idealismo, camin'a em dire+ãoa uma apresenta+ão de discursos científicos so!re a individualidade 'egemnicos " épocaBfisiognomia e frenologiaE e passa em revista, de forma crítica, a várias figuras doindividualismo moderno em sua dimensão prática7 o 'edonismo faustiano, osentimentalismo da ei do cora+ão, a recupera+ão do discurso da virtude natural e o

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falsas(J@O. Fu se$a, >ameau fornece uma imagem dilacerada de si, imagem irnica que nãose acomoda a nen'um princípio de identidade. /egel verá aqui este a!ismo interior, uma profundidade sem fundo onde desvanece toda firmeza e su!stAncia. Rroniza+ão a!soluta quefaz com que o su$eito nunca este$a lá onde seu dizer aponta e que, por isto, não é outra coisaque uma linguagem do dilaceramento na qual7

uma s# e mesma personalidade B @ersnlich+eit E é tanto su$eito quanto predicado.?as estes $uízo id%ntico é, ao mesmo tempo, o $uízo infinito `um $uízo do tipo “oespírito é um osso(\; pois essa personalidade está a!solutamente cindida, e o su$eito

individualismo romAntico BF reino animal do espíritoE.1o!re o vínculo entre su!$etividade e identidade no programa filos#fico do

idealismo, lem!remos como Lant sempre insistiu que7 “todo o diverso da intui+ão possuiuma rela+ão necessária ao $u penso no mesmo su$eito em que esse diverso se encontra(.6ois a liga+ão BCer2indung E do diverso em geral deve ser um ato da espontaneidade do

su$eito. &o entanto, esta liga+ão pressup*e a representa+ão da unidade sint'tica do diversoconstruída a partir de pressuposi+*es de identidade e diferen+a. Rsto implica não apenas quetodas as representa+*es de o!$eto devem ser min'as B“o $u penso deve poder acompan'artodas as min'as representa+*es(E para que elas possam ser apropriadas reflexivamente. ?asimplica fundamentalmente que, para que elas possam apropriadas reflexivamente, elasdevem ser estruturadas a partir de um princípio interno de liga+ão e de unidade que se$areflexivamente recon'ecido pela consci%ncia-de-si. Haí porque a regra de unidade sintéticado diverso da experi%ncia é fornecida pela estrutura+ão da pr#pria unidade sintética deapercep+*es, ou se$a, pela auto-intui+ão imediata da consci%ncia-de-si que7 “ao produzir arepresenta+ão eu penso, que tem de poder acompan'ar todas as outras, e que é uma eid%ntica em toda a consci%ncia, não pode ser acompanhada por nenhuma outra(. s

representa+*es devem se estruturar a partir de um princípio de identidade que é, na verdade,a imagem do eu penso( Lant ainda é mais claro ao afirmar que7 “F o!$eto é aquilo em cu$oconceito está reunido o diverso de uma intui+ão dada. ?as toda a reunião dasrepresenta+*es exige a unidade da consci%ncia na respectiva síntese(. ssim, quando /egelconstr#i um 7it. a dizer que, para a consci%ncia, “o ser tem a significa+ão do seu( B das>ein die =edeutung das >einen hat E, ele tem em vista o fato de que ser o!$eto para aconsci%ncia significa estruturar-se a partir de um princípio interno de liga+ão que é modo dacosnci%ncia apropriar-se do mundo. Haí porque, /egel pode afirmar que a consci%ncia7

gora avan+a para a apropria+ão universal Ballgemeinen =esit.nehumung E  da propriedade que l'e é assegurada e planta em todos os cimos e em todos os a!ismoso signo B LeichenE da sua so!erania `o termo ' importante j9 que h9 uma crítica do signo neste su2-capítulo\.

qui fica mais claro a estratégia 'egeliana de reconstituir as aspira+*es da razãoatravés da reconstitui+ão desta categoria fundamental, a sa!er, o su$eito como fundamentodas opera+*es de reflexividade. 6ois questionada a possi!ilidade da auto-intui+ão imediatade si, são os postulados fundamentais de constitui+ão de processos de identidade, diferen+a,unidade, liga+ão que estarão a!alados. 6or isto, /egel dirá7

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e o predicado são pura e simplesmente entes indiferentes que nada t%m a ver umcom o outro, a ponto de cada um ser a pot%ncia de uma personalidade pr#pria J@Y.

?aneira 'egeliana de afirmar que as determina+*es atri!utivas do predicado estãocindidas em rela+ão " idéia que se alo$a na posi+ão de su$eito. Rsto que /egel tem em vista a

afirmar que o ser para-si se p*e como o!$eto enquanto Futro, não que ten'a outroconteIdo, mas seu conteIdo é o pr#prio 1i em a!soluta oposi+ão. 3m outro contexto, isto poderia ser a pr#pria realiza+ão do conceito de espírito, até porque, esta cisão é consciente-de-si, ela não se dá mais "s costas da consci%ncia,. &o entanto, o espírito não se realiza

6orém a razão, mesmo revolvendo todas as entran'as das coisas e a!rindo-l'estodas as veias a fim de ver-se $orrar dali para fora não alcan+ará essa felicidade `de ser toda a realidade\, mas deve ter-se realizado B*ollendent E antes em si mesma para depois experimentar sua plena realiza+ão BCollendung E.

>ealizar-se em si mesma antes de se experimentar no mundo significa que a razãodeve racionalizar inicialmente o que l'e serve de fundamento, ou se$a, a individualidade,isto antes de sa!er como se orientar na experi%ncia do mundo. Haí porque o tra$eto donosso su!-capítulo vai da física "s “ci%ncias da individualidade( enquanto paradigmas deconstitui+ão do o!$eto de o!serva+ão científica. Hesta forma, o camin'o que /egel escol'e para desdo!rar tal questionamento passa pela exposi+ão fenomenol#gica do tra$eto daci%ncia moderna, ou antes, da razão efetiva B7ir+liche Cernunft E na realiza+ão de suacerteza de ser toda a realidade. 6ois no campo da ci%ncia aparecerá, de maneira aindaimperfeita Be no interior de uma “falsa ci%ncia da individualidade(, ou se$a, da frenologiaE,o modo de duplica+ão entre o o!$eto “efetivo, sensivelmente presente( B7ir+liche, sinnlich- gegen7?rtigeE e um 3u que não se su!mete mais ao princípio de identidade.

o final, veremos como a razão s# poderá apreender o que é da ordem dofundamento de seus processos se a!andonar a tentativa de compreender a confronta+ão como o!$eto a partir das dinAmicas de “o!serva+ão( da imediatez do ser ou da unidade imediatado 3u. Hevemos compreender a razão como atividade Bpensada a partir dos processos dedese$o, tra!al'o e linguagemE, e não como o!serva+ão. Haí porque nosso su!-capítulo darálugar a um outro, intitulado exatamente7 a razão ativa.

O4"er+ar a naturea

 &o interior da primeira se+ão B“ o!serva+ão da natureza(E do nosso su!-capítulo,encontramos dois momentos distintos. F primeiro vai até o parágrafo 9QJ, o segundo émais extenso e vai do parágrafo 9QP até o 9KO. &a primeira parte, /egel retoma váriosmotivos anteriormente expostos nos capítulo dedicados " certeza sensível, " percep+ão e aoentendimento, isto a fim de mostrar os limites de uma no+ão de “experi%ncia( vinculada "“o!serva+ão(. &ota-se, em vários momentos, algumas refer%ncias claras ao empirismo e "teoria do con'ecimento que suportava a física da época. &a segunda parte, /egel centra o pro!lema da razão na o!serva+ão do orgAnico. omo veremos, trata-se de um o!$eto quetem estatuto especial por levar a razão " reflexão so!re a vida enquanto conceito do sa!er.s refer%ncias não são apenas " !iologia da época, mas tam!ém " filosofia da natureza de1c'elling. oloca+*es so!re a vida enquanto o!$eto da experi%ncia que apareceram no

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 porque a cisão é posta ironicamente. omo se o su$eito afirmasse que aquilo que é dado aver é $ogo de apar%ncias postas enquanto tais.

Z neste ponto que a crítica a esta figura da consci%ncia gan'a for+a. /egel odilaceramento da consci%ncia é o riso sarcástico so!re o Hasein e so!re ela mesma. >iso dequem con'ece o su!stancial como pura desunião e conflito. &o entanto, dirá /egel esta

consci%ncia não compreende o que con'ece, pois não v% o conflito, que permite a inversãode tudo em seu contrário, como o resultado de uma desarticula+ão dos princípios deorienta+ão do pensar da pr#pria consci%ncia. 3la continua orientando seus $ulgamento poruma no+ão de unidade que ,esta sim, é irreal Bo sentido dos $ulgamentos musicais de>ameauE. Z neste sentido que devemos compreender a afirma+ão central7

capítulo dedicado á consci%ncia-de-si serão novamente retomadas.Uuando a consci%ncia carente-de-pensamento expressa Bausspricht E o o!servar e oexperimentar como a fonte da verdade, suas palavras !em que poderiam soar comose apenas se tratasse do sa!orear, c'eirar, tocar, ouvir e ver. 6orém essa consci%nciano afã com que recomenda o gostar, o c'eirar, etc., esquece de dizer que tam!ém o

o!$eto desse sentir $á está de fato determinado para ela essencialmente e que, paraela, essa determina+ão vale pelo menos tanto como esse sentir B...E F perce!ido deveter pelo menos a significa+ão de um universal, e não de um isto sensível.

Z através de uma retomada de pro!lemas $á apresentados no capítulo dedicado "certeza sensível que /egel inicia a exposi+ão fenomenol#gica do tra$eto da ci%nciamoderna. 2rata-se, como vemos, de mostrar os impasses de um conceito de experi%nciavinculado " imediaticidade da o!serva+ão Bo alvo privilegiado aqui é o empirismo, estemesmo empirismo que7 “ao analisar os o!$etos encontra-se em erro se acredita que os deixacomo são7 pois de fato ele transforma o concreto em um a!strato(E. Rmpasses que $á vimosatravés da descri+ão da impossi!ilidade de apreensão imediata do isto sensível para além

das determina+*es estruturais do pensamento. Fuvir, ver, ou c'eirar algo é operar rela+*es,identidades e diferen+as que são previamente estruturadas pelo pensamento e que aspiramvalidade universal.

 &o entanto, estas determina+*es universais são, de início, puras a!stra+*es, são7 “oque permanece sempre igual a si( B sich gleist =lei2endeE. ssim, a descri+ão das coisas éfeita so!re um extirpar do sensível. “_1# 'á ci%ncia do geral_ dizia rist#teles. Z nessesentido que a consci%ncia !usca desco!rir, na experi%ncia g%neros sempre novos paradescrever(. Hescri+ão esta que exige que o pensar opere distin+*es entre o que é essencial eo que é inessencial, o que preso ainda " dispersão sensível. Z tal distin+ão que permite "razão afirmar7 “aquilo pelo qual as coisas são con'ecidas é mais relevante para a descri+ãoque o con$unto restante das propriedades sensíveis(. Veremos, a partir daí, /egel articular odesenvolvimento fenomenol#gico do o!$eto da razão a partir de dicotomias internas quelem!ram o esquema, apresentado no capítulo so!re a percep+ão, da clivagem do o!$etoentre uno e mIltiplo, ou ainda, entre su!stAncia Bser em repouso 8 ser para-si apreendidoatravés de “sinais característicos( 4er+maleE e atri!utos Bser em rela+ão 8 ser em-siE.

consci%ncia aprofunda suas descri+*es a fim de dar conta da particulariza+ão dosseus o!$etos através da enumera+ão, cada vez mais ampla, de multiplicidades de atri!utosque vão se afirmando contra o universal simples pr#prio ao g%nero, $á que a multiplicidadede atri!utos é diferenciadora no ní*el   da oposição entre atri2utos de indi*íduos. &oentanto, aqui a o!serva+ão, enquanto restri+ão ao simples que delimita a dispersão sensível

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3nquanto con'ece o espiritual pelo lado da desunião e do conflito 8 que o 1i unificadentro de si, mas não o con'ece pelo lado dessa união, sa!e muito !em $ulgar osu!stancial, mas perdeu a capacidade de compreend%-lo. 3ssa vaidade necessita poisda vaidade de todas as coisas para se proporcionar, a partir delas, a consci%ncia do

1i7 ela mesmo portante produz essa vaidade e é a alma que a sustém B...E 3sse 1i é anatureza de todas as rela+*es que se dilaceram a si mesma e o dilacerar conscientedelasJ@K.

mediante o universal, vai aos poucos perdendo seu princípio de configura+ão simples deo!$etos do mundo7

6or isso a razão deve, antes, a!andonar a determinidade inerte que tin'a o sem!lantedo permanecer, pela o!serva+ão da determinidade tal como é em verdade, a sa!er,

como um referir-se ao seu contrário `isto no sentido de um referir-se ao que não sedetermina atra*'s do g&nero\ . 

 &este ponto, /egel repete uma passagem que $á vimos no capítulo so!re oentendimento e que diz respeito " compreensão de que o con'ecimento deve passar dao!serva+ão de universais " determina+ão de leis que organizam os o!$etos em taxionomias. natureza aparece como con$unto de fenmenos regidos por leis. 4niversais são assim leisgerais e a!stratas de organiza+ão das determinidades, leis que, /egel não cansa de lem!rar,se afirmam enquanto li!erta+ão em rela+ão ao ser sensível `o caso da eletricidade negativacomo eletricidade da resina e da eletricidade positiva como eletricidade do vidro\. &oentanto, con'ecemos, desde o capítulo so!re o entendimento, a crítica 'egeliana a uma

figura do con'ecer como determina+ão de leis. em!remos, por exemplo, de como eleafirmava7 “a lei não preenc'e completamente o fenmeno. lei está nele presente, mas nãoé toda a sua presen+a, so! situa+*es sempre outras, `o fenmeno\ tem sempre outrarealidade Bir+lich+eit E(. /egel procurava dizer que a lei não esgota toda a realidade dofenmeno, 'á algo no fenmeno que sempre ultrapassa a determina+ão da lei. 2rata-sefundamentalmente de um pro!lema de aplica+ão da lei ao caso.

3sta perspectiva é retomada neste momento do nosso texto. 2anto que /egel nãoesquecer de dizer, a respeito da lei7 “F que é universalmente válido tam!ém vigorauniversalmente. F que deve-ser B soll E tam!ém é no agir Bist in der /at E, F que apenas deveser, sem ser, não tem verdade alguma(. &o entanto, a aplica+ão da lei " multiplicidade doscasos é realizada através da analogia e pro!a!ilidade. omo lem!ra /egel, a consci%ncianão exige que se fa+a a prova com todas as provas para afirmar que as pedras, ao seremlevantadas da terra e soltas, caem7

1# que a analogia não dá nen'um pleno direito; mas ainda por sua pr#pria naturezase contradiz com tanta freq5%ncia que pela analogia mesma se 'á de concluir que aanalogia não permite fazer conclusão nen'uma.

crítica de /egel a um certo pro!a!ilismo indutivista irá aparecer posteriormentena 'ist#ria da filosofia em vários momentos. &ão foram poucos aqueles que lem!raram que

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6ois a consci%ncia deve agora passar da Cer+ehung que tudo dissolve " 8ufhe2unfque conserva o que nega trazendo, com isto, um conceito renovado de identidade. ?as paratanto ainda muito 'averá a se tril'ar.

Cur"o HeelAula ?

 &a aula de 'o$e, daremos continuidade ao comentário da su!se+ão “F 3spírito alienado de1i7 a cultura(, terminando a primeira parte da su!se+ão, esta intitulada “F mundo do

a analogia é um dispositivo fraco do ponto de vista epist%mico, $á que. em um certo sentido,qualquer coisa pode ser análoga a qualquer outra coisa . 6ara /egel, um sa!er verdadeirodeve ser fundamentado de maneira a sustentar proposi+*es que aspirem universalidade enecessidade. ?uito diferente é afirmar que a pedra cai por ser pesada e ter, assim, umarela+ão essencial com a terra. &este ponto, /egel afirma que a lei está mais pr#xima doconceito. oposi+ão entre lei e conceito no interior da economia do nosso texto é essencial por nos mostrar que /egel que as explica+*es científicas devem tender a ser explica+*esfinalistas e é por isto que, a partir do parágrafo 9QP, o fil#sofo dedica um longo trec'o desua reflexão " o!serva+ão do orgAnico. 1e /egel pode afirmar aqui que se trata de “umoutro tipo de o!servar(, é porque o orgAnico su!mete-se mais claramente a explica+*es dotipo finalista do que o inorgAnico. ess%ncia do orgAnico, dirá /egel, está no conceitofinalista B L7ec+2egriffeE, isto no sentido de que a finalidade não é algo exterior trazida peloentendimento su!$etivo, mas algo imanente " pr#pria natureza orgAnica Bem!ora a naturezaorgAnica não se$a marcada pela apropria+ão reflexiva e auto-posi+ão de seu pr#prio fimE.6or esta razão, /egel demonstra aqui mais interesse pela !iologia do que pela física.em!remos ainda que7 “o tipo de descri+*es teleol#gicas apropriadas para descri+*es deorganismos são o que 'o$e c'amamos de descri+*es funcionais(. 

Observação do orgânico

 &ão se trata aqui de entrar nos detal'es deste momento de nosso texto. F que seráfornecido é uma visão panorAmica e operacional que nos auxiliará na compreensão dodesenvolvimento do texto e da necessidade deste momento.

o!serva+ão da natureza orgAnica ocupa um momento fundamental para /egel naeconomia do nosso texto porque ela fornece um modo de articula+ão entre necessidade edetermina+ão fenomenal distinto da exterioridade e da alteridade pr#pria as articula+*esentre ei e fenmeno. omo dirá /egel7

4m o!$eto tal, que tem em si o processo na simplicidade do conceito, é o orgAnico.Z ele essa a!soluta fluidez em que se dissolve a determinidade através da qual seriasomente para outro.

Fu se$a, a natureza orgAnica é um processo de dissolu+ão da determinidadeBfenmenoE como algo de puramente exterior e de contraposto ao conceito. Haí porque elaé a primeira manifesta+ão da “simplicidade( do conceito. 1implicidade que deve ser

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3spírito alienado de si( e dando conta da segunda parte7 “F iluminismo(. 6ara a aula quevem, ficará o comentário da Iltima parte, esta dedicada " reflexão fenomenol#gica so!re a>evolu+ão 0rancesa, “ li!erdade a!soluta e o terror(, assim como o comentário da primeira parte da Iltima su!se+ão da se+ão “3spírito(, esta intitulada “F 3spírito certo de1i7 a moralidade(. 6arte esta onde /egel procura dar conta do que ele denomina de “Visão

moral do mundo( no interior do idealismo alemão. Hesta forma, terminaremos este cursocomentando as figuras da consci%ncia-de-si que finalizam a se+ão “3spírito(, como a6e7issen, a !ela alma e o confronto entre má consci%ncia e consci%ncia do dever, isto a fimde mostrar como as quest*es postas neste momento da  Fenomenologia nos levarãodiretamente " tematiza+ão correta do que /egel entende por 1a!er !soluto.

compreendida aqui como realiza+ão do auto-movimento do conceito que se encontra comorealidade. &este sentido, se a razão é a certeza da consci%ncia ser toda a realidade, o que poderia ser dito tam!ém de outra forma7 certeza do conceito ser a pr#pria realidadeBlem!remos desta frase cannica7 “o real deve ser racional(E, então a natureza orgAnica nãoé contingente do ponto de vista da razão, mas $á é racionalmente orientada Bde onde se

segue a importAncia, no interior do sistema 'egeliano, de uma filosofia da naturezaE. omo $á vimos no capítulo dedicado á consci%ncia-de-si, " ocasião do aparecimento da vida comoo!$eto da consci%ncia, a exist%ncia da razão na natureza orgAnica é ainda imperfeita. vidaé ainda uma figura imperfeita da razão porque seu movimento não é para-si, ou se$a, não éreflexivamente posto e apreendido. ?as não se trata, por outro lado, de simplesmentenegar, através de uma nega+ão simples, o que a reflexão so!re a vida traz. He fato, 'á umacerta continuidade entre a vida e a consci%ncia-de-si claramente posta por /egel nosseguintes termos7 “ consci%ncia-de-si é a unidade para a qual é a infinita unidade dasdiferen+as, mas a vida é apenas essa unidade mesma, de tal forma que não é ao mesmotempo para si mesma(.

Vimos, no capítulo dedicado " consci%ncia-de-si, como a vida era apresentada

enquanto tensão entre a universalidade da unidade da vida Ba a!soluta fluidezE e a particularidade do indivíduo ou da multiplicidade diferenciadora das formas viventes./egel irá retornar a esta tensão Bque $á está presente na pr#pria defini+ão do orgAnicoapresentada no parágrafo 9QPE através da idéia de que a finalidade da vida está expostaatravés da no+ão de que “o exterior deve expressar o interior_. Fu se$a, /egel não a!orda o pro!lema da finalidade na natureza orgAnica através do pro!lema da determina+ão entremeio am!iente e espécie, como seria o aparentemente mais natural. omo diz o pr#prio/egel7

em!ora se$a possível $ustapor o p%lo espesso com a região n#rdica , a estrutura dos peixes com a água, a das aves com o ar, contudo no conceito de região n#rdica nãoestá o conceito de pelagem espessa, no conceito de mas não está o da estrutura dos peixes.

 &a natureza orgAnica, dirá /egel, a rela+ão de determina+ão é entre o interiorBfluidez universal na qual se alo$a a finalidade enquanto conceitoE e o exterior Bque /egelc'ama "s vezes de ser inerte 8 por se contrapor ao movimento do fluxo contínuo da vida; "svezes de figura+ãoE. 6artindo do estado do con'ecimento !iol#gico de sua épocaBLielmeMerE, /egel pensa inicialmente o interior a partir de fun+*es e propriedades como7irrita!ilidade Bcu$a expressão exterior seria o sistema nervosoE, sensi!ilidade Bsistema

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 &#s vimos, desde o início do comentário da se+ão “3spírito( como /egel procuraconstituir um tra$eto de forma+ão 'ist#rica da consci%ncia que s# gan'a inteligi!ilidade se ocompreendermos como o desdo!ramento 'ist#rico dos modos com que su$eitos se insereme a!sorvem regimes de racionalidade encarnados em institui+*es e práticas sociais,constituindo sistemas de expectativas e regimes de a+ão orientada por “raz*es para agir(.

6artimos da ruptura das expectativas depositadas na eticidade da polis grega devido "confronta+ão entre dois princípios que se transformam em antagnicos no interior da polis7a lei 'umana da comunidade e a lei divina da família. Vimos como expectativasuniversalizantes de recon'ecimento depositadas, de maneira imperfeita, na lei divina noslevaram ao recon'ecimento do universal a!strato da pessoa no estado romano de direito.

muscularE e reprodu+ão. /egel faz uma extensa crítica a tal perspectiva por ver nela umaforma de apreender o organismo segundo o aspecto a!strato da exist%ncia morta, pois elesdeixam de ser momentos de um processo inseparável. Vale aqui o que /egel dirá mais afrente7 “seus momentos assim captados pertencem á anatomia e ao cadáver, não aocon'ecimento e ao organismo vivo(. 2al crítica servirá tam!ém para /egel descartar a

no+ão de que propriedades mensuráveis em grandezas quantitativas Bpeso, resist%ncia, cor,durezaE possam dar conta do que é da ordem da manifesta+ão da ess%ncia do orgAnico. Zneste sentido que devemos compreender as passagens em que /egel contrap*e o nImeroem sua indiferen+a " particularidade do ser e o conceito.

He fato, este trec'o do texto camin'a para mostra como a expressão do interior noexterior que caracterizaria a natureza orgAnica s# pode ser compreendida se a!andonarmosa no+ão de expressão imediata. Uuando /egel fala que o “orgAnico é uma singularidadeque, por sua vez, é negatividade pura(, ele tem mente o fato da natureza orgAnica, enquantotensão entre a universalidade da unidade da vida e a particularidade do indivíduo, entre soma e  plasma, ser o espa+o de uma auto-nega+ão da determinidade. &o entanto, estanatureza negativa da unidade do orgAnico não é o!$eto para a pr#pria natureza. 3la é o!$eto

apenas para a consci%ncia-de-si. Haí porque, a partir deste momento e tal qual o movimentoque vimos no capítulo dedicado " consci%ncia-de-si, a o!serva+ão deixa de ser focada noorgAnico para focar-se na o!serva+ão da consci%ncia-de-si, primeiro em sua pureza e, emseguida, em sua refer%ncia " efetividade. F padrão para a o!serva+ão científica deixa de sera !iologia para ser aquilo que c'amaríamos atualmente de “psicologia(.

O4"er+ação da )on")!/n)!a'de'"!

 &este retorno da o!serva+ão " pr#pria consci%ncia-de-si, /egel afirma que a razão parte daquilo que parece ser, imediatamente, a determina+ão pura do conceito, ou se$a, asleis l#gicas do pensar. &ão se trata aqui de fazer uma crítica "s figuras tradicionais dal#gica, $á que /egel insiste que o lugar adequado para se tratar de tal pro!lema se$a a l#gicaespeculativa. Haí se segue o caráter sumário da passagem.

 &este momento do nosso texto, o que interessa /egel é a maneira com que aconsci%ncia-de-si irá realizar a proposi+ão “o exterior exprime o interior( que apareceracomo modo de realiza+ão da razão enquanto certeza de ser toda a realidade, certeza deencontrar na realidade aquilo que é da ordem do movimento do conceito. Dá vimos comoesta “expressão( não é posi+ão imediata do expresso, mas nega+ão dialética. F primeiro passo da auto-o!serva+ão da consci%ncia-de-si será tomar tal nega+ão por uma nega+ãosimples. ssim, tal como na figura da consci%ncia c'amada por /egel de “estoicismo(, a

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?odo de recon'ecimento que, por sua vez, permitiu o advento de uma experi%ncia dainterioridade que será fundamental para a constitui+ão do princípio moderno desu!$etividade.

3ra através desta experi%ncia de distanciamento do mundo resultante da posi+ão dainterioridade como espa+o privilegiado para a singularidade da su!$etividade que entramos

na segunda su!se+ão intitulada, não por outra razão7 “F espírito alienado de si7 a cultura(.“F mundo tem aqui a determina+ão de ser algo exterior B WusserlichesE, o negativo daconsci%ncia-de-si(, dizia /egel a fim de dar conta do teor de toda esta su!se+ão que visaco!rir este período 'ist#rico que vai da lta Rdade ?édia até os desdo!ramentos da>evolu+ão 0rancesa. 2eor marcado pelo esfor+o da consci%ncia em se reconciliar com o

consci%ncia fará apelo " autonomia do pensar enquanto autonomia da interioridade quenega todo vínculo " exterioridade, isto ao mesmo tempo em que se apresenta em suaimediaticidade " consci%ncia. Haí porque7 “a o!serva+ão encontra primeiro as leis do pensar(. eis que serão caracterizadas como7 “o movimento a!strato do negativo(.

 &o entanto, esta aparente aus%ncia de conteIdo devido " a!stra+ão pr#pria " lei não

será exatamente o foco da crítica 'egeliana. He uma maneira inesperada, /egel afirma queo pro!lema aqui é exatamente o inverso7 as leis formais do pensamento t%m um conteIdo eeste conteIdo é a pr#pria forma. Hevemos entender isto no sentido da forma l#gica $á sermarcada por decis*es a respeito da configura+ão da empiria. Fu se$a, a crítica 'egeliananão é direcionada ao formalismo da lei, mas ao seu excessivo caráter derivado da empiria.Veremos mel'or este ponto quando for questão da crítica 'egeliana ao imperativo moralCantiano.

F que /egel procura salientar neste momento é que o movimento engativo pr#prioao pensar irá se mostrar7 “em sua realidade como consci%ncia agente(. 2al como na passagem do estoicismo ao ceticismo, onde a autonomia do pensar demonstrava suaverdade enquanto nega+ão consciente do mundo, na passagem da o!serva+ão das leis

l#gicas " o!serva+ão das leis psicol#gicas temos uma revela+ão de que a verdade do pensaré o agir Bisto no sentido de que o pensar é uma forma do agirE.s leis psicol#gicas são apresentadas aqui como leis de determina+ão da a+ão e da

conduta. &este sentido, as leis psicol#gicas tratariam da determina+ão da interioridade doindivíduo, com suas inclina+*es, faculdades e paix*es, a partir da exterioridade dos 'á!itos,costumes e circunstAncias sociais diversas. &o entanto, esta rela+ão de determina+ão éapresentada por /egel na forma de um paradoxo7

lei dessas rela+*es entre os dois lados deveria agora conter o tipo de efeito e deinflu%ncia que essas circunstAncias determinadas exercem so!re a individualidade.3ssa individualidade consiste $ustamente nisto7 `)\ em ser o universal e portanto emconfluir de uma maneira tranq5ila imediata com esse universal que está presente noscostumes, 'á!itos etc.; `9\ em comportar-se como oposta a eles e, portanto, eminvert%-los; `J\ como tam!ém em comportar-se, em sua singularidade, com totalindiferen+a a seu respeito, não os deixando agir so!re ela nem sendo ativa contraeles.

Fu se$a, c'egamos " conclusão paradoxal de que a individualidade consiste emadaptar-se ao universal dos costumes e 'á!itos, em opor-se a eles e em comportar-se demaneira indiferente a eles. ?as isto visa lem!rar que s# da pr#pria individualidade

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mundo, nem que se$a "s custas de uma reconstru+ão, de uma forma+ão revolucionária domundo social e das práticas de intera+ão social, impulso este de forma+ão dependente deuma reflexão filos#fica de larga escala so!re a ess%ncia e seus modos de rela+ão com asu!$etividade.

Vimos como /egel iniciava lem!rando que se formar implica em “acordar-se

B gem?ss gemacht E com a efetividade(, com a su!stAncia, ou ainda, com um padrão deconduta que ten'a valor de espécie B 8rt E e que permita opera+*es valorativas quevia!ilizem a indica+ão de algo como um 2em ou um mal . 2ais opera+*es valorativasaparecem, no interior de práticas sociais, como a+ão feita em conformidade com dois princípios distintos7 um é o poder do 3stado ou outro é a riqueza B eichtumE. He fato,

depende a que deve ter influ%ncia so!re ela e qual influ%ncia isso deve ter. F su$eito éaquele que se assu$eita " determina+*es exteriores, e este assu$eitar-se s# tem for+a porenga$ar o dese$o individual do su$eito. ssim, como a efetividade é suscetível de uma duplasignifica+ão contrária, isto em virtude da li!erdade do indivíduo, então o mundo doindivíduo deve ser conce!ido a partir dele mesmo. Heste modo a necessidade psicol#gica

torna-se uma palavra vazia, $á que aceita a possi!ilidade a!soluta do individuo ter e não terdeterminada influ%ncia. &este sentido, alcan+amos um ponto extremo da desarticula+ão dasexig%ncias expressivas entre exterior e interior 

Z neste ponto que /egel traz uma longa digressão so!re duas pseudo-ci%ncias muitoem voga " sua época7 a fisiognomia Baté o parágrafo J99E e a frenologia Baté o parágrafoJQKE. 2al digressão é peculiar so! vários aspectos. 6rimeiro, trata-se do Inico lugar na Fenomenologia em que /egel faz, claramente, uma crítica direta a ci%ncias determinadasde sua época, crítica acompan'ada por reflex*es so!re a teoria dos signos e que não seráretomada em outras vers*es da fenomenologia Bcomo aquela apresentada na $nciclop'diaE.6or outro lado, do ponto de vista estilístico, trata-se de um dos raros momentos em que/egel ap#ia o desenvolvimento de seu raciocínio em cita+*es Bic'ten!ergE e usa

deli!eradamente a ironia. 6ara além de tais peculiaridades, vale a pena insistir em um fatoessencial7 'á aqui uma primeira manifesta+ão possível do esquema 'egeliano dereconcilia+ão. nalisemos este ponto mais de perto.

análise das leis psicol#gicas redundou em um impasse devido a multiplicidade demodos de entrela+amento entre individualidade e efetividade. o!serva+ão passa a análisedo que a individualidade é em-si e para-si. Hesta forma, surge, no indivíduo mesmo aoposi+ão entre exterior e interior7 “oposi+ão que consiste em ser, de dupla maneira, tanto omovimento da consci%ncia quanto o ser fixo da efetividade fenomenal 8 efetividade essaque no indivíduo é, efetivamente, a sua(. /á algo aqui de uma reflexão so!re o pro!lema darela+ão mentecorpo na qual o corpo aparece inicialmente como signo do interior.

He maneira sumária, lem!remos que a fisiognomia era uma pseudo-ci%nciainfluente " época de /egel, isto devido, principalmente, " 8 arte de conhecer os homensatra*'s da fisionomia, entre em )OOQ pelo suí+o Do'ann Laspar avater (  &ele, avaterdefendia, com vários esquemas interpretativos que muito impressionaram :oet'e, a possi!ilidade de con'ecer as predisposi+*es de conduta dos su$eitos através dos tra+os dorosto. F rosto aparece assim como o exterior que pode, inclusive, ser distinto da pr#priaconduta efetiva dos su$eitos Bdaí a importAncia da rela+ão entre o rosto e a  predisposição "condutaE. ssim, o rosto é ao mesmo tempo a expressão do interior e apenas um signo dointerior7 “é expressão, de certo, mas ao mesmo tempo é apenas um signo, de forma que, para o conteIdo expresso, a constitui+ão do que o exprimiu é de todo diferente(. 6or isto,

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/egel opera tal distin+ão entre poder de 3stado e riqueza porque tem em vista a maneiracom que a conduta ética aristocrática, vinculada ao sacrifício de 1i pela 'onra dos princípios reais, apareceu, em solo europeu, como princípio virtuoso de forma+ão emcontraposi+ão ao vínculo !urgu%s " acumula+ão de riqueza e propriedade. /egel então procurava analisar se a ética aristocrática da 'onra podia, através de sua a+ão, realizar seu

 pr#prio conceito. Ztica que se via como “'eroísmo do servi+o(, ou se$a, como a pessoa querenuncia " posse e ao gozo de si mesma em prol da efetiva+ão do poder ao qual se sacrifica. &o entanto, partindo desta no+ão $á apresentada na se+ão “razão(, de que a

ndividualidade é o princípio universal de inversão, /egel lem!ra que este servi+o em nomedo universal era servi+o em nome do universal a partir da perspecti*a do particular( /egel

/egel pode dizer que o rosto é tanto a expressão do interior quanto sua máscara, em umarepeti+ão da indetermina+ão da rela+ão entre individualidade e exterioridade social talcomo vimos quando foi questão das leis psicol#gicas.

em!remos ainda, neste ponto, da defini+ão, fornecida por /egel, de signo7

4m signo 8 um exterior, expressão contingente cu$o lado efetivo é para sidesprovido de significa+ão B2edeutunglosE 8 uma linguagem cu$os sons ecom!ina+*es de sons não são a coisa mesma, mas vinculam-se a ele através do livrear!ítrio.

omo vimos anteriormente, a ar!itrariedade do signo indica uma clivageminsuperável entre significante e significado, entre palavra e refer%ncia, entre inten+ão esentido. &esta posi+ão da clivagem, a fisiognomia que a inten+ão Bou a predisposi+ão decomportamento que pode ser identificada na exterioridadeE é o que tem valor designifica+ão, mesmo se essa inten+ão nunca passe ao ato. ?as, citando ic'ten!erg, /egeldirá7

“1e alguém dissesse ^ages na verdade como um 'omem 'onesto, mas ve$o por teuaspecto que te for+as e que és um canal'a no teu cora+ão, não 'á dIvida que até aconsuma+ão dos séculos um qualquer su$eito de !rios responderia com um soco nacara(. 4ma tal réplica acerta no alvo, pois é a refuta+ão do primeiro pressuposto detal ci%ncia do visar, segundo a qual, $ustamente, a efetividade de um 'omem é seurosto.

ontra este enraizamento da significa+ão na interioridade da intencionalidade,/egel dirá que “o verdadeiro ser do 'omem é seu ato B...E o ato é isto7 e seu ser não ésomente um signo, mas a coisa mesma(. &o ato consumado, a falasa indetermina+ão daintencionaldiade é aniquilada e encontra sua verdadeira significa+ão. &o entanto, /egelnada diz neste momento so!re qual a perspectiva correta de interpreta+ão do ato. 3ste é um ponto importante que irá nos levar ao segundo su!capítulo de nossa se+ão, a sa!er, a razãoativa. 1em uma perspectiva fundamentada e universalmente válida de interpreta+ão do atonão 'averá como darmos conta do que está em $ogo nos procedimentos de fundamenta+ãoda razão.

6or fim, no trec'o que vai do parágrafo J9J a JP<, /egel tece uma amplaconsidera+ão so!re a frenologia. “0renologia( era o estudo, desenvolvido inicialmente pelomédico austríaco 0ranz-Dosep' :all, da estrutura do crAnio de modo a determinar o caráter

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insiste pois que este sacrifício da consci%ncia no!re não é efetivamente um, $á que éconsel'o que dirige o poder de 3stado, $ogando com a am!ig5idade que permite aintrodu+ão de interesses particularistas. Vimos então como o verdadeiro sacrifício B$á que ocamin'o de forma+ão para a cultura é de fato um camin'o marcado por um certo sacrifícioresultante daquilo que, no campo fenomenol#gico, é descrito como “confronta+ão com a

morte( enquanto nega+ão a!soluta de toda determinidadeE s# poderá ser feito quando aconsci%ncia se pr, de maneira integral, no interior da linguagem, quando ela compreendera linguagem como7 “o  )asein do puro 1i como 1i(. 6ois, desta forma, através da sua posi+ão na linguagem, a consci%ncia passa " condi+ão de 3u universal, isto no sentido de3u imediatamente recon'ecido por um Futro que é figura do campo de intera+*es sociais.

e a capacidade mental. =aseando-se na assun+ão de que as faculdades mentais estariamlocalizadas em #rgãos cere!rais( que poderiam ser detectados por inspe+ão visual docrAnio, a frenologia aparece para /egel como compreensão do exterior como umaefetividade completamente estática, uma simples coisa que não é signo.

He fato, a frenologia procura um ponto do corpo no qual a intencionalidade do

espírito possa estar imediatamente encarnada e ela o encontra no sistema nervoso7 “océre!ro e a espin'a dorsal podem ser considerados como a presen+a imediata daconsci%ncia-de-si(. ?as o crAnio é o outro do cére!ro7 o )asein em repouso como caputmortuum( 6oderíamos então imaginar que o cére!ro interfere na configura+ão do crAnio. Fque significaria elevar o crAnio " condi+ão de efetividade do  )asein do 'omem.

 &o entanto, /egel insiste que o crAnio não é um signo7

Fs tra+os do rosto, o gesto, o tom 8 e tam!ém uma coluna, um marco numa il'adeserta 8 anunciam logo que se visa alguma outra coisa do que imediatamenteapenas são. Hão-se logo a entender como signos porque t%m neles umadeterminidade que indica assim algo diverso, $á que não l'es pertence

 peculiarmente. 2am!ém " vista de um crAnio muitas coisas diversas podem ocorrer,como a /amlet ao ver o crAnio de WoricC. ?as a caixa craniana, tomada por si, éuma coisa tão indiferente e cAndida que nada 'á para ver ou visar imediatamente, anão ser ela pr#pria.

Fu se$a, o crAnio não é um signo por não poder significar outra coisa do queapresenta. 3le é, antes, a anula+ão de toda transcend%ncia de significa+ão, pura presen+amorta. 6or outro lado, /egel não deixa de lem!rar que as determina+*es das regi*es docrAnio que correspondem a sentimentos, tra+os de caráter etc. não são atri!utos do crAnio7“mas dependem do estado da psicologia( por serem socialmente determinados. 3ste é osentido da afirma+ão7 “ frenologia natural não s# ac'a que um 'omem fin#rio ten'a atrásda orel'a uma !ossa do taman'o de um pun'o, mas ainda representa que a esposa infiel possua protu!erAncias na testa; não na sua, mas na do marido(.

 &o entanto, /egel afirma que esta Iltima etapa da razão o!servadora é a pior detodas, mas sua reversão B<m+ehrung E é necessária. 6ois, até agora, a razão enquantocerteza de ser toda a realidade, de ser duplica+ão do 3u no o!$eto repetiu o mesmo impasse. &a o!serva+ão da natureza inorgAnica, a razão s# alcan+ava a forma da lei, universalidadea!strata que perde o ser sensível. &a o!serva+ão da natureza orgAnica, o conceito universalera apenas “interior( que não conseguia auto-intuir o regime de sua expressão no exterior. &a o!serva+ão da individualidade consciente-de-si, este pro!lema persistiu. s leis

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?as para que a linguagem se$a capaz de realizar tais expectativas, faz-se necessárioque ela se$a compreendida, em sua “for+a performativa( de produ+ão e determina+ão deidentidades, assim como a “for+a performativa_ de enga$amento em condutas, a partir deuma perspectiva especulativa. lém do que, /egel precisa mostrar que tal perspectivaespeculativa de compreensão da linguagem  foi reali.ada historicamente, ou se$a, ela foi

capaz de fornecer o fundamento para a constitui+ão de processos sociais de forma+ão e dere-compreensão de institui+*es. 2arefa dupla que /egel, até agora, adiou. &a aula passada, vimos como /egel identificava a primeira manifesta+ão deste

regime de funcionamento da linguagem, ou se$a, uma manifesta+ão ainda imperfeita,através daquilo que ele c'ama de “linguagem do dilaceramento( B>prache der Lerrisenheit E, ou se$a, linguagem da ironiza+ão de toda determinidade e de dissolu+ão detodo conteIdo. inguagem que /egel compreende como a figura de um certo modo desocializa+ão marcado pela ironi.ação a2soluta das condutas resultante da apreensão

 psicol#gicas não fornecem uma reflexão fundamentada so!re os procedimentos dedetermina+ão da individualidade, a fisiognomia pensa a rela+ão entre interior e exterior

so!re a forma do signo Bo que a fez recuperar uma no+ão de intencionalidade como fonte designifica+ãoE. &a frenologia, o espírito não se expressa como signo, mas se coloca comocoisa. >esultado que pode ser formalizado na proposi+ão7 “o ser do espírito é um osso(.

 &o entanto, /egel diz, de maneira surpreendente que tal proposi+ão tem uma duplasignifica+ão7 uma especulativa e outra pr#pria a um su$eito “que não possui consci%nciaclara do que diz(. 2udo depende da compreensão da proposi+ão “F espírito é um osso(como um “$uízo infinito( e não como uma simples atri!ui+ão predicativa. &a %i&ncia dalógica, /egel definiu o $ulgamento infinito como uma rela+ão entre termos sem rela+ão7“3le deve ser um $ulgamento, conter uma rela+ão entre su$eito e predicado, mas tal rela+ão,ao mesmo tempo, não pode ser(. &o entanto7 “o $ulgamento infinito, como infinito, seria arealiza+ão da vida incluindo-se BerfassendenE a si mesmo( . Rsto porque a posi+ão da

distAncia entre su$eito e predicado permite a constitui+ão de uma unidade negativa que p*eo predicado como nega+ão determinada do su$eito Btrata-se de uma oposi+ão entre termosincomensuráveisE7 “F o!$eto presente é determinado como um negativo, porém aconsci%ncia é determina+ão como consci%ncia-de-si perante ele(. F o!$eto presente nadamais é do que a encarna+ão da negatividade da cosnci%ncia-de-si.

 &ovamente, “o espírito é um osso( pode ser apenas a pura aliena+ão de si naefetividade desprovida de conceito, ou uma posi+ão de si em um o!$eto que é a encarna+ãoda negatividade. omo dirá /egel, o camin'o que nos leva ao su!lime é o mesmo camin'oque nos leva " coisifica+ão desprovida de espírito..

Cur"o HeelAula

 &a aula passada, iniciamos o tra$eto de descri+ão dos momentos que comp*e a se+ão“erteza e verdade da razão(. Vimos como a se+ão “>azão( devia ser compreendidacomo um espa+o de análise das opera+*es da razão moderna em seus processos deracionaliza+ão; razão agora reflexivamente fundamentada no princípio de umasu!$etividade consciente-de-si..

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reflexiva do colapso da ética artistocrática da 'onra e, conseq5entemente, da internaliza+ãoreflexiva da aus%ncia de fundamento seguro para a forma+ão do 3u a partir de um padrãolegítimo de valora+ão. 3sta linguagem do dilaceramento, /egel a identificava em opera+ãona era da monarquia a!soluta francesa com sua no!reza palaciana reduzida " condi+ão de“agregado(. 4m importante comentário de uma pe+a de Hiderot, O so2rinho de ameau,

serviu como ilustra+ão do que /egel tin'a em mente.Vimos na aula passada, como /egel identificava um conteIdo de verdade nestalinguagem dilacerada da ironia7

Vimos como esta posi+ão do princípio de su!$etividade como fundamento dasopera+*es da razão permitira o advento da certeza da razão ser toda a realidade. consci%ncia está segura de ter se reconciliado com a realidade, ou se$a, como diz o pr#prio/egel7 “está certa de que toda a efetividade não é outra coisa que ela(, ou ainda, “aconsci%ncia tem a certeza de que s# a si experimenta no mundo(, isto devido á

converg%ncia entre consci%ncia e consci%ncia-de-si. ?odos de operar com o postuladoidealista de que7 “a estrutura do o!$eto duplica a estrutura do 3u(.Hito isto, vimos como /egel iniciava o capítulo a partir de uma crítica a perspectiva

Cantiana de compreender racionali.ação como categori.ação( Vimos como /egel es!o+auma crítica " centralidade das no+*es de categoria Bpredicados gerais de um o!$etoqualquerE e de unidade sintética de apercep+*es para as opera+*es racionais doentendimento na sua configura+ão dos o!$etos do con'ecimento. &ão se trata, para /egel,de colocar em questão a posi+ão do princípio de su!$etividade como fundamento para asopera+*es da razão, mas se trata de afirmar que o idealismo aparecera até então como oresultado de um longo esquecimento do que estava em $ogo no processo de forma+ão daconsci%ncia-de-si. Haí porque ele pode dizer que a consci%ncia7 “deixou para trás esse

camin'o `de sua forma+ão\ e o esqueceu, ao surgir imediatamente como razão(. Fu ainda,que o idealismo7 “que come+a por tal asser+ão B3u3uE sem mostrar aquele camin'o `do processo de forma+ão do 3u\ é por isto tam!ém pura asser+ão que não se conce!e a simesma(. &a verdade, /egel quer contrapor uma compreensão transcendental das estruturasda razão " descri+ão fenomenologia do processo de forma+ão de seus conceitosBperspectiva que ele colocará em marc'a na se+ão “3spírito(E, em especial do processo deforma+ão deste princípio fundamental que é a auto-identidade imediata do  $u penso e dacentralidade da estrutura categorial do entendimento. &este sentido, /a!ermas tin'a razãoao afirmar que7 “/egel quer su!stituir a empresa da teoria do con'ecimento pela auto-reflexão fenomenol#gica do espírito(.

2al contraposi+ão traz uma série de conseq5%ncias. principal delas diz respeito "tentativa 'egeliana de dissociar princípio de su!$etividade e princípio de identidade. Fsu$eito 'egeliana não é locus da identidade imediata e, se o su$eito continua sendofundamento do sa!er, isto traz conseq5%ncias profundas para os modos de orienta+ão do pensamento em suas mIltiplas aspira+*es. Haí porque este capítulo se inicia com umareflexão so!re o primado da su!$etividade transcendental no idealismo, camin'a em dire+ãoa uma apresenta+ão de discursos científicos so!re a individualidade 'egemnicos " épocaBfisiognomia e frenologiaE e passa em revista, de forma crítica, a várias figuras doindividualismo moderno em sua dimensão prática7 o 'edonismo faustiano, osentimentalismo da ei do cora+ão, a recupera+ão do discurso da virtude natural e o

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?as a linguagem do dilaceramento é a linguagem perfeita e o verdadeiro espíritoexistente de todo esse mundo da cultura. 3sse espírito é esta a!soluta e universalinversão e aliena+ão da efetividade e do pensamento da pura cultura. F que nomundo da cultura se experimenta é que não tem verdade nem as ess%ncias efetivasdo poder e da riqueza, nem seus conceitos determinados, !em e mal, ou a

consci%ncia do !em e a consci%ncia do mal, a consci%ncia no!re e a consci%ncia vil;senão que todos esses momentos se invertem, antes, um no outro, e cada um é ocontrário de siJ)@.

individualismo romAntico BF reino animal do espíritoE.1o!re o su!-capítulo dedicado á razão o!servadora, vimos como ele era animado

 pela tentativa da consci%ncia fundamentar sua certeza de ser toda a realidade, istoinicialmente no campo das rela+*es cognitivo-instrumentais. He fato, /egel procuravafornecer uma descri+ão fenomenol#gica do desenvolvimento da ci%ncia moderna até o

início do século R. 6artindo de uma no+ão empirista de experi%ncia, /egel afirma7Uuando a consci%ncia carente-de-pensamento expressa Bausspricht E o o!servar e oexperimentar como a fonte da verdade, suas palavras !em que poderiam soar comose apenas se tratasse do sa!orear, c'eirar, tocar, ouvir e ver. 6orém essa consci%nciano afã com que recomenda o gostar, o c'eirar, etc., esquece de dizer que tam!ém oo!$eto desse sentir $á está de fato determinado para ela essencialmente e que, paraela, essa determina+ão vale pelo menos tanto como esse sentir B...E F perce!ido deveter pelo menos a significa+ão de um universal, e não de um isto sensível.

3ra através de uma retomada de pro!lemas $á apresentados no capítulo dedicado "

certeza sensível que /egel iniciava a exposi+ão fenomenol#gica do tra$eto da ci%nciamoderna. 2ratava-se, como vimos, de mostrar os impasses de um conceito de experi%nciavinculado " imediaticidade da o!serva+ão Bo alvo privilegiado aqui é o empirismo, estemesmo empirismo que7 “ao analisar os o!$etos encontra-se em erro se acredita que os deixacomo são7 pois de fato ele transforma o concreto em um a!strato(E. Rmpasses que $á vimosatravés da descri+ão da impossi!ilidade de apreensão imediata do isto sensível para alémdas determina+*es estruturais do pensamento. Fuvir, ver, ou c'eirar algo é operar rela+*es,identidades e diferen+as que são previamente estruturadas pelo pensamento e que aspiramvalidade universal. Fu se$a, lá onde a consci%ncia acreditava o!servar particulares, elaestava a o!servar universais como g%neros ou predica+*es de propriedades universais.

 &este ponto, /egel repetia uma passagem que $á vimos no capítulo so!re oentendimento e que diz respeito " compreensão de que o con'ecimento deve passar dao!serva+ão de universais " determina+ão de leis que organizam os o!$etos em taxionomias. natureza aparece como con$unto de fenmenos regidos por leis. 4niversais são assim leisgerais e a!stratas de organiza+ão das determinidades, leis que, /egel não cansa de lem!rar,se afirmam enquanto li!erta+ão em rela+ão ao ser sensível. &o entanto, con'ecemos, desdeo capítulo so!re o entendimento, a crítica 'egeliana a uma figura do con'ecer comodetermina+ão de leis. em!remos, por exemplo, de como ele afirmava7 “a lei não preenc'ecompletamente o fenmeno. lei está nele presente, mas não é toda a sua presen+a, so!situa+*es sempre outras, `o fenmeno\ tem sempre outra realidade Bir+lich+eit E(. /egel

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/egel recon'ece claramente um conteIdo de verdade nesta experi%ncia, tanto queafirma, mais a frente, que7 “no entanto, o espírito verdadeiro é $ustamente essa unidade dosa!solutamente separados( que zom!a das determina+*es normativas de uma razão fundadana figura do ordenamento $urídico. Ironi.ação significa assim ruptura entre expectati*as de*alidade e determinaçes fenomenais, ruptura que é uma contradi+ão posta que visa

aparecer como contradi+ão resolvida. omo se fosse nesta experi%ncia de inversão cínicaque a dialética encontrasse uma de suas raízes./egel 'avia colocado todo este desenvolvimento da  Fenomenologia do $spírito so!

o signo de uma reflexão so!re a posi+ão da consci%ncia-de-si no interior da linguagemenquanto processo de sacrifício de si que era, ao mesmo tempo, um processo de forma+ão.

 procurava dizer que a lei não esgota toda a realidade do fenmeno, 'á algo no fenmenoque sempre ultrapassa a determina+ão da lei. 2rata-se fundamentalmente de um pro!lemade aplica+ão da lei ao caso. /egel apresentava os modos de indexa+ão entre leis e casos a partir de opera+*es como a analogia e a indu+ão pro!a!ilística.

partir da crítica aos usos das no+*es de analogia e de indu+ão pro!a!ilística na

estrutura+ão da racionalidade da experi%ncia, /egel insiste na necessidade da consci%ncia passar a “um outro tipo de o!servar(. 3ste outro tipo de o!servar implica tam!ém namudan+a do o!$eto privilegiado de investiga+ão racional. ?udan+a esta marcada pela passagem do inorgAnico ao orgAnico. omo vimos, se /egel pode afirmar aqui que se tratade “um outro tipo de o!servar(, é porque o orgAnico su!mete-se mais claramente aexplica+*es do tipo finalista do que o inorgAnico. ess%ncia do orgAnico, dirá /egel, estáno conceito finalista B L7ec+2egriffeE, isto no sentido de que a finalidade não é algo exteriortrazida pelo entendimento su!$etivo, mas algo imanente " pr#pria natureza orgAnicaBem!ora a natureza orgAnica não se$a marcada pela apropria+ão reflexiva e auto-posi+ão deseu pr#prio fimE. 6or esta razão, /egel demonstra aqui mais interesse pela !iologia do que pela física. em!remos ainda que7 “o tipo de descri+*es teleol#gicas apropriadas para

descri+*es de organismos são o que 'o$e c'amamos de descri+*es funcionais(. &o interior da análise da o!serva+ão do orgAnico, /egel procurou defender que arealiza+ão do conceito de finalidade não devia ser compreendido através de alguma no+ãoconfusa de “adapta+ão ao meio(. Vimos, no capítulo dedicado " consci%ncia-de-si, como avida era apresentada enquanto tensão entre a universalidade da unidade da vida Ba a!solutafluidezE e a particularidade do indivíduo ou da multiplicidade diferenciadora das formasviventes. /egel irá retornar a esta tensão através da idéia de que a finalidade da vida estáexposta através da no+ão de que “o exterior Bque /egel c'ama "s vezes de ser inerte 8 porse contrapor ao movimento do fluxo contínuo da vida; "s vezes de figura+ãoE deveexpressar o interior Bfluidez universal na qual se alo$a a finalidade enquanto conceitoE_. Fuse$a, /egel não a!orda o pro!lema da finalidade na natureza orgAnica através do pro!lemada determina+ão entre meio am!iente e espécie, como seria o aparentemente mais natural.

He fato, este trec'o do texto camin'ou para mostra como a expressão do interior noexterior que caracterizaria a natureza orgAnica s# pode ser compreendida se a!andonarmosa no+ão de expressão imediata. Uuando /egel fala, por exemplo, que o “orgAnico é umasingularidade que, por sua vez, é negatividade pura(, ele tin'a mente o fato da naturezaorgAnica, enquanto tensão entre a universalidade da unidade da vida e a particularidade doindivíduo, entre soma e  plasma, ser o espa+o de uma auto-nega+ão da determinidade. &oentanto, esta natureza negativa da unidade do orgAnico não é o!$eto para a pr#pria natureza.3la é o!$eto apenas para a consci%ncia-de-si. Haí porque, a partir deste momento e tal qual

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3ste sacrifício de si resultante do fato de se pr no interior de uma linguagem dilacerada daironiza+ão é, na verdade, sacrifício da imagem de si, sacrifício da determina+ão estática desi em uma determinidade identitária7

F conteIdo do discurso que o espírito profere de si mesmo e so!re si mesmo é,

assim, a inversão de todos os conceitos e realidades, o engano universal de simesmo e dos outros. Dustamente por isso, o descaramento de enunciar essaimpostura é a maior verdadeJ)).

o movimento que vimos no capítulo dedicado " consci%ncia-de-si, a o!serva+ão deixa deser focada no orgAnico para focar-se na o!serva+ão da consci%ncia-de-si, primeiro em sua pureza e, em seguida, em sua refer%ncia " efetividade. F padrão para a o!serva+ãocientífica deixa de ser a !iologia para ser aquilo que c'amaríamos atualmente de“psicologia(.

em!remos aqui simplesmente deste dois momentos finais do nosso su!-capítulodedicados ao comentário de duas pseudo-ci%ncias7 a fisiognomia e a frenologia F queinteressava /egel aqui era a maneira com que a consci%ncia-de-si tentava efetivar a proposi+ão “o exterior exprime o interior( que aparecera como modo de realiza+ão darazão enquanto certeza de ser toda a realidade, certeza de encontrar na realidade aquilo queé da ordem do movimento do conceito.

1a!emos que a fisiognomia estava !aseada na cren+a em con'ecer as predisposi+*esde conduta dos su$eitos através dos tra+os do rosto. F rosto aparece assim como o exteriorque pode, inclusive, ser distinto da pr#pria conduta efetiva dos su$eitos Bdaí a importAnciada rela+ão entre o rosto e a  predisposição " condutaE. Rsto levava a fisiognomia a defender oenraizamento do senrtido da conduta na predisposi+ão. ontra este enraizamento da

significa+ão na interioridade da intencionalidade, /egel dirá que “o verdadeiro ser do'omem é seu ato B...E o ato é isto7 e seu ser não é somente um signo, mas a coisa mesma(. &o ato consumado, a falsa indetermina+ão da intencionalidade é aniquilada e encontra suaverdadeira significa+ão. &o entanto, /egel nada diz neste momento so!re qual a perspectiva correta de interpreta+ão do ato. 3ste é um ponto importante que irá nos levar aosegundo su!capítulo de nossa se+ão, a sa!er, a razão ativa. 1em uma perspectivafundamentada e universalmente válida de interpreta+ão do ato não 'averá como darmosconta do que está em $ogo nos procedimentos de fundamenta+ão da razão.

6or fim, /egel tecera uma ampla considera+ão so!re a frenologia, ou se$a, o estudoda estrutura do crAnio de modo a determinar o caráter e a capacidade mental. =aseando-sena assun+ão de que as faculdades mentais estariam localizadas em #rgãos cere!rais( que poderiam ser detectados por inspe+ão visual do crAnio, a frenologia aparece para /egelcomo compreensão do exterior como uma efetividade completamente estática, uma simplescoisa que não é signo.

/egel afirmava que esta Iltima etapa da razão o!servadora era a pior de todas, massua reversão B<m+ehrung E era necessária. té agora, a razão enquanto certeza de ser toda arealidade, de ser duplica+ão do 3u no o!$eto repetira o mesmo impasse. &a o!serva+ão danatureza inorgAnica, a razão s# alcan+ava a forma da lei, universalidade a!strata que perdeo ser sensível. &a o!serva+ão da natureza orgAnica, o conceito universal era apenas“interior( que não conseguia auto-intuir o regime de sua expressão no exterior. &a

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Fu se$a, neste processo de dissolu+ão, até mesmo a fixidez da imagem de si éa!alada. /egel é atento ao fato da dissolu+ão irnica de toda determinidade aparecer naimagem de si fornecida pelo so!rin'o de >ameau7 “ &ada é mais dessemel'ante delemesmo do que ele mesmo(, dirá o fil#sofo. “2rata-se de um composto de altivez e !aixeza,de !om senso e desrazão. Z necessário que as no+*es de 'onesto e desonesto este$am

estran'amente em!aral'adas na sua ca!e+a(

J)9

. ?ais a frente, encontraremos o mesmo tipode $ulgamento7 “3u estava confuso com tanta sagacidade e tanta !aixeza, idéias tão $ustas ealternativamente tão falsas(J)J. Fu se$a, >ameau fornece uma imagem dilacerada de si,imagem irnica que não se acomoda a nen'um princípio de identidade. /egel verá aquieste a!ismo interior, uma profundidade sem fundo onde desvanece toda firmeza e

o!serva+ão da individualidade consciente-de-si, este pro!lema persistira. fisiognomia pensa a rela+ão entre interior e exterior so!re a forma do signo Bo que a fez recuperar umano+ão de intencionalidade como fonte de significa+ãoE. &a frenologia, o espírito não seexpressa como signo, mas se coloca como coisa. >esultado que pode ser formalizado na proposi+ão7 “o ser do espírito é um osso(.

 &o entanto, /egel diz, de maneira surpreendente que tal proposi+ão tem uma duplasignifica+ão7 uma especulativa e outra pr#pria a um su$eito “que não possui consci%nciaclara do que diz(. 2udo depende da compreensão da proposi+ão “F espírito é um osso(como um “$uízo infinito( e não como uma simples atri!ui+ão predicativa. &a %i&ncia dalógica, /egel definiu o $ulgamento infinito como uma rela+ão entre termos sem rela+ão7“3le deve ser um $ulgamento, conter uma rela+ão entre su$eito e predicado, mas tal rela+ão,ao mesmo tempo, não pode ser(. &o entanto7 “o $ulgamento infinito, como infinito, seria arealiza+ão da vida incluindo-se BerfassendenE a si mesmo( . Rsto porque a posi+ão dadistAncia entre su$eito e predicado permite a constitui+ão de uma unidade negativa que p*eo predicado como nega+ão determinada do su$eito Btrata-se de uma oposi+ão entre termosincomensuráveisE7 “F o!$eto presente é determinado como um negativo, porém aconsci%ncia é determina+ão como consci%ncia-de-si perante ele(. F o!$eto presente nadamais é do que a encarna+ão da negatividade da consci%ncia-de-si.

 &ovamente, “o espírito é um osso( pode ser apenas a pura aliena+ão de si naefetividade desprovida de conceito, ou uma posi+ão de si em um o!$eto que é a encarna+ãoda negatividade. omo dirá /egel, o camin'o que nos leva ao su!lime é o mesmo camin'oque nos leva " coisifica+ão desprovida de espírito. 

 A razão ativa e a procura da felicidade

2erminamos o su!-capítulo dedicado " “razão o!servadora( com algumas certezas.6rimeiro, o movimento de experimenta+ão que visava fornecer uma descri+ão racional domundo dos o!$etos, a partir de uma série de aprofundamento de seus pressupostos, levou aconsci%ncia a pro!lematizar sua pr#pria estrutura de auto-identidade. F o!$eto daconsci%ncia deixou de ser a natureza inorgAnica, para ser a natureza orgAnica e, por fim, elamesma. o se tomar como o!$eto do sa!er a consci%ncia compreendeu, de uma parte, que osentido de sua a+ão ultrapassa sua pr#pria intencionalidade e suas representa+*es. &oentanto, ela ainda não alcan+ou uma perspectiva fundamentada de apreensão do sentido doato. 6or outro lado, ao tentar tomar a si mesma por o!$eto, a consci%ncia se o!$etificou deforma tal que, em uma inversão dialética, a!riu-se para ela a possi!ilidade de se apreender

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su!stAncia. Rroniza+ão a!soluta que faz com que o su$eito nunca este$a lá onde seu dizeraponta e que, por isto, não é outra coisa que uma linguagem do dilaceramento na qual7

uma s# e mesma personalidade B @ersnlich+eit E é tanto su$eito quanto predicado.?as estes $uízo id%ntico é, ao mesmo tempo, o $uízo infinito `um $uízo do tipo “o

espírito é um osso(\; pois essa personalidade está a!solutamente cindida, e o su$eitoe o predicado são pura e simplesmente entes indiferentes que nada t%m a ver umcom o outro, a ponto de cada um ser a pot%ncia de uma personalidade pr#pria J)P.

seu o!$eto como a forma da negatividade da consci%ncia, como a presen+a datranscend%ncia negativa da consci%ncia. 3stas duas conseq5%ncias serão desdo!radas nosu!-capítulo dedicado " “efetiva+ão da consci%ncia-de-si racional através de si mesma(.7

consci%ncia-de-si encontra a coisa como a si e a si como coisa, quer dizer, é para

ela que essa consci%ncia é, em si, efetividade o!$etiva. &ão é mais a certezaimediata de ser toda a realidade, mas é uma certeza tal que o imediato tem para ela aforma de um superado, de modo que sua o!$etividade s# vale como superfície, cu$ointerior e ess%ncia é a pr#pria consci%ncia-de-si. ssim sendo, o o!$eto a que ela serefere é uma consci%ncia-de-si, um o!$eto que está na forma da coisidade, isto é, umo!$eto independente.

F movimento proposto por esta afirma+ão não deixa de ser surpreendente. consci%ncia-de-si encontra a si como coisa Bencontro formalizado pela afirma+ão “o ser doespírito é um osso(E. ?as este encontrar não implica que a consci%ncia este$aimediatamente presente na coisa. presen+a imediata da coisa ' a forma de uma

 superação, de uma aufhe2ung( 3la é uma superfície que manifesta um interior cu$a ess%nciaé a pr#pria consci%ncia-de-si Brealizando assim a proposi+ão finalista segundo a qual “oexterior deve expressar o interior(E. Hesta forma, o o!$eto Blem!remos, o mesmo o!$eto quefoi posto como um osso, o!$etifica+ão morta que alienava a consci%ncia-de-siE podeduplicar a estrutura da consci%ncia-de-si. Rsto permite a /egel afirmar que ela é entãoespírito7 “que tem a certeza de ter sua unidade consigo mesmo na duplica+ão de suaconsci%ncia-de-si e na independ%ncia das duas consci%ncias-de-si(. F recon'ecimento entreconsci%ncias, que funda o advento do espírito, s# é possível no interior da confronta+ãoentre su$eito e o!$eto. /á algo da consci%ncia que s# pode ser recon'ecido através daconfronta+ão direta com o o!$eto `como se, para ser recon'ecida como consci%ncia-de-si, aconsci%ncia devesse recon'ecer algo da ordem da opacidade dos o!$etos no seu interior.Haí porque o conceito de todo este momento do texto é de que7 “dass die Hing'eit das05rsic'sein des :eistes sel!st ist a coisidade é o para-si do 3spírito 8 veremos mel'or este ponto no decorrer do nosso cursoE, e não através do recon'ecimento intersu!$etivo.:uardemos este ponto pois ele será Itil mais " frente, quando for questão do comentário dosu!-capítulo “o reino animal do espírito(.

He fato, o que /egel se prop*e a fazer neste su!-capítulo dedicado á razão ativa édescrever fenomenologicamente o tra$eto da consci%ncia em dire+ão " fundamenta+ãouniversal e incondicional do campo de significa+ão de seus atos e condutas, $á que,inicialmente7 “essa razão ativa s# está consciente de si mesma como de um indivíduo(.

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?aneira 'egeliana de afirmar que as determina+*es atri!utivas do predicado estãocindidas em rela+ão " idéia que se alo$a na posi+ão de su$eito. Rsto que /egel tem em vista aafirmar que o ser para-si se p*e como o!$eto enquanto Futro, não que ten'a outroconteIdo, mas seu conteIdo é o pr#prio 1i em a!soluta oposi+ão. 3m outro contexto, isto poderia ser a pr#pria realiza+ão do conceito de espírito, até porque, esta cisão é consciente-

de-si, ela não se dá mais "s costas da consci%ncia,. &o entanto, o espírito não se realiza porque a cisão é posta ironicamente.Z neste ponto que a crítica a esta figura da consci%ncia gan'a for+a. /egel o

dilaceramento da consci%ncia é o riso sarcástico so!re o Hasein e so!re ela mesma. >iso dequem con'ece o su!stancial como pura desunião e conflito. &o entanto, dirá /egel esta

 &a introdu+ão ao su!-capítulo dedicado " razão ativa, /egel fornece o nome deste3spírito realizado enquanto unidade da identidade da consci%ncia-de-si com sua diferen+a.2rata-se do “reino da eticidade B>ittlich+eit E(7

om efeito, este reino não é outra coisa que a a!soluta unidade espiritual dos

indivíduos em sua efetividade independente. X uma consci%ncia-de-si universal emsi, que é tão efetiva em uma outra consci%ncia que essa tem perfeita independ%ncia,ou se$a, é uma coisa para ela.

 &#s veremos de maneira mais apropriada o conceito 'egeliano de “eticidade(quando for questão do início da se+ão “3spírito(. 6or enquanto, podemos lem!rarinicialmente que, para /egel, a razão demonstra sua efetividade e unidade principalmenteatravés da vida ética que se realiza no solo de comunidades no interior das quais os su$eitos podem ser recon'ecidos como su$eitos. em!remos, por exemplo, desta no+ão de espíritocomo o solo que posi+ão de práticas sociais fundamentadas de forma a preenc'eremexig%ncias de universalidade e reflexivamente apropriadas. Haí porque7

Z na vida de um povo B "e2ens eines Col+s - Col+geist E que o conceito tem, de fato, aefetiva+ão da razão consciente-de-si e sua realidade perfeita B*ollendenteE, ao intuir,na independ%ncia do Futro, a completa unidade com ele; ou se$a, ao ter por o!$eto,como meu ser-para-mim, essa livre coisidade de um outro por mim desco!erta 8 queé o negativo de mim mesmo.

 &otemos como esta vida de um povo exige um conceito dialético de nega+ão, $á quesua unidade é construída a partir da possi!ilidade intuir a si mesmo na independ%ncia doFutro, independ%ncia que aparece, inclusive, so! a forma de uma coisidade livre, coisidadeque é, a princípio, o negativo da pr#pria figura do su$eito. &este sentido, poderíamos seguir1ouc'es-Hagues, para quem7 “ " vida ética segundo seu conceito é creditada umanegatividade dialética que consiste na não-fixa+ão do negativo, na não-opositividade dosopostos, na eleva+ão para além de toda determinidade. 2odos estes termos significam oa!soluto, a li!erdade e a nega+ão aut%nticos(. Z s# nesta condi+ão que /egel pode afirmarque, na eticidade, o agir particular é uma “'a!ilidade B6eschc+lich+eit E  universal, ocostume B>itteE de todos(, que o tra!al'o é tra!al'o universal conscientemente posto e queas leis de seu povo exprimem o cada indivíduo é e faz..

Veremos, mais a frente, como /egel procurava, na  polis grega e nas primeirascomunidades cristãs as figuras paradigmáticas para pensar a realiza+ão do espírito segundo

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consci%ncia não compreende o que con'ece, pois não v% o conflito, que permite a inversãode tudo em seu contrário, como o resultado de uma desarticula+ão dos princípios deorienta+ão do pensar da pr#pria consci%ncia. 3la continua orientando seus $ulgamento poruma no+ão de unidade e de rela+ão que, esta sim, é irreal e nunca pro!lematizada. Z nestesentido que devemos compreender a afirma+ão central7

3nquanto con'ece o espiritual pelo lado da desunião e do conflito 8 que o 1i unificadentro de si, mas não o con'ece pelo lado dessa união, sa!e muito !em $ulgar osu!stancial, mas perdeu a capacidade de compreend%-lo. 3ssa vaidade necessita poisda vaidade de todas as coisas para se proporcionar, a partir delas, a consci%ncia do

a figura da eticidade. &o entanto, o que nos interessa agora é um paradoxo enunciado por/egel nos seguintes termos7

?as a consci%ncia-de-si que de início s# era espírito imediatamente e segundo oconceito saiu BherausgetretenE  dessa felicidade que consiste em ter alcan+ado seu

destino e em viver nele, ou então7 ainda não alcan+ou sua felicidade. 6ode-se dizerigualmente uma coisa ou outra. razão precisa BmussE sair dessa felicidade, poissomente em si, ou imediatamente a vida de um povo livre é a eticidade real.

Fu se$a, o que /egel diz é7 a consci%ncia perdeu sua felicidade e nunca a alcan+ou,até porque, perder e nunca ter tido é a mesma coisa. lém do mais, ela precisa perderaquilo que nunca teve. Rsto tudo apenas indica o estatuto ilus#rio da imediaticidade pr#pria" eticidade em sua primeira manifesta+ão. 6ois a consci%ncia ainda não sa!e que é7 “purasingularidade para si(, ou se$a, ela ainda não é recon'ecida enquanto consci%ncia-de-si. 6oroutro lado, “a totalidade dos costumes e das leis é uma su!stAncia ética determinada(, istono sentido de uma eticidade “comunitarista( que não é capaz de preenc'er exig%ncias de

universalidade. Fs dois pro!lemas se resumem a um s# $á que é a consci%ncia-de-si comsuas exig%ncias de ser recon'ecida em todo e qualquer contexto, para além de toda equalquer determinidade que fornece o solo para a posi+ão das aspira+*es de universalidade.ssim, tal como no prefácio " 0enomenologia, no qual /egel afirmava que os temposmodernos, era o momento 'ist#rico em que7 “ não somente está perdida, para o espírito, suavida essencial; está consciente desta perda e da finitude que é seu conteIdo(, agora ofil#sofo não deixa de lem!rar que a consci%ncia aparece isolada, $á que sua confian+aimediata no espírito, suas leis, costumes e conteIdos vinculados " tradi+ão está que!rada.

qui vale a pena uma digressão a fim de explicitar mel'or algumas coordenadas'ist#ricas do conceito 'egeliano de reconcilia+ão. o falar so!re o encontro de si nointerior da eticidade, /egel fala de “felicidade(. 3ste termo não é an#dino. inda ressoavana consci%ncia da época a afirma+ão de 1aint-Dust, dita na 2ri!una da onven+ão em J demar+o de )OKP, diante das possi!ilidades a!ertas pela >evolu+ão francesa7 “ felicidade éuma idéia nova na 3uropa(. 6ara 1aint-Dust, a felicidade era uma idéia nova na 3uropa porque, pela primeira vez, ela poderia guiar a racionalidade das esferas que comp*em o político. &este sentido, o primeiro parágrafo da Heclara+ão que precede a onstitui+ão de)OKJ não poderia ser mais claro7 “F o!$etivo da sociedade é a felicidade geral B2onheurcommuneE e o governo é seu defensor(.

Uue a promessa de realiza+ão de uma política da felicidade apare+a em ummomento 'ist#rico fundador da modernidade política, isto é algo que não nos surpreende.

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1i7 ela mesmo portanto produz essa vaidade e é a alma que a sustém B...E 3sse 1i é anatureza de todas as rela+*es que se dilaceram a si mesma e o dilacerar conscientedelasJ)Q.

Fu se$a, este processo de forma+ão ainda é imperfeito porque o sacrifício de si foi,

na verdade, sacrifício da imagem de si, e não sacrifício do que fornece ao 1i a seguran+aontol#gica de sua posi+ão. 6osi+ão que vimos, desde a discussão 'egeliana so!re a no+ãoCantiana de “categorias(, isto na se+ão “>azão(, está vinculada " intui+ão imediata deestruturas l#gicas gerais para o pensar Bvinculadas a no+*es de identidade, rela+ão,diferen+a, unidadeE. 2al como no ceticismo, a negação no ní*el fenomenológico não se

escatologia pr#pria a toda política revolucionária moderna depende da promessa ut#picada efetiva+ão possível de uma realidade $urídica na qual ei social e satisfa+ão su!$etiva possam enfim aparecer reconciliadas.

Z por levar em conta as aspira+*es do princípio de su!$etividade no interior daesfera do político que podemos dizer que estamos diante de uma no+ão de felicidade

enquanto fenmeno eminentemente moderno. &otemos a tensão interna " felicidade na suaversão moderna. 3la deve englo!ar, ao mesmo tempo, imperativos de recon'ecimento dasingularidade dos su$eitos e imperativos de integra+ão da multiplicidade dos su$eitos naunidade do corpo social e de suas representa+*es. Hevemos assim falar em tensão interna "felicidade porque ela deve dar conta de dois imperativos aparentemente antagnicos. /áassim, na aurora do pro$eto moderno, uma articula+ão fundamental entre felicidade euniversalidade que nos explica, entre outras coisas, porque todos os grandes pro$etos deteoria política na modernidade Biluministas, Lant, /egelE estão de acordo em pelo menosum ponto7 a a+ão política que visa a felicidade su!$etiva deve produzir a reconcilia+ãoo!$etiva com o ordenamento $urídico de uma figura institucionalizada do 4niversal Bde prefer%ncia, com a realidade $urídica do 3stado $usto 8 em!ora, no caso da  Fenomenologia

a figura do 3stado Dusto nunca apare+aE./egel a!orda esta tensão a partir do seu ponto mais pro!lemático, ou se$a, darela+ão entre ei e dese$o Bnão é por outra razão que a primeira figura da razão ativa serádescrita so! o nome de “o prazer e a necessidade B Not7endig+eit EE(. Dá no parágrafo JQO,/egel não deixa de lem!rar que, quando a su!stAncia ética parece ter sido re!aixada a“predicado carente-de-si(, a consci%ncia tende a pautar seu agir a partir da forma de um7(querer imediato ou de um impulso natural B Naturrtrie2sE(. 3la terá, no entanto, aexperi%ncia da falsidade das representa+*es que colocam nestes impulsos naturais seudestino. &*s $á vimos como, para /egel, o impulso é, ao mesmo tempo, o fundamento e asupera+ão do dese$o natural. 3m )Y@Q, /egel afirmava que o dese$o tin'a ainda algo deanimal por cair na ilusão de que sua satisfa+ão estava em um o!$eto externo e particularBdaí a contradi+ão na qual ele necessariamente se enredavaE. Dá o impulso procede daoposi+ão suprimida entre su!$etivo e o!$etivo, o que significa, entre outras coisas, que suasatisfa+ão não é mais marcada exclusivamente pela particularidade do o!$eto, mas se revelacomo portando “algo de universal(. 3sta é a experi%ncia que a consci%ncia fará.

Hedon!"mo e "er+!dão

primeira figura deste tra$eto é o 'edonismo faustiano, as outras serão osentimentalismo da lei do cora+ão, a recupera+ão da virtude natural e o individualismo

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ele*a ao ní*el ontológico e este é o pro!lema central. F que permite que o su$eito, que sedilacera no nível fenomenol#gico, ainda guarde uma certa seguran+a transcendental pr#pria, ao menos segundo /egel, ao uso totalizante da linguagem irnica. Haí porque/egel poderá dizer7

consci%ncia dilacerada é em si apenas a igualdade consigo mesmo da puraconsci%ncia, isto para n#s, mas não para si mesma. 3la é somente a eleva+ãoimediata, ainda não realizada B*ollendenteE dentro de si, e possui seu princípiooposto pelo qual é condicionada B2edingt E, apenas dentro de si, mas não como

romAntico.He uma certa forma, é como um grande comentário ao  Fausto, de :oet'e, que

/egel estrutura este momento intitulado “F prazer e a necessidade(. escol'a aqui éclara7 0austo é aquele que encarna a perda moderna do enraizamento a eticidade e suas

 promessas. 1eu con'ecimento da tradi+ão e da extensão integral do sa!er, “filosofia,medicina, $urisprud%ncia e teologia(, de nada serve. &em as práticas da ci%ncia moderna,nem as tradi+*es e costumes do passado podem contar para ele como fundamentados. felicidade l'e está cada vez mais distante. &este sentido, sua “tradu+ão( do início do3nvagel'o segundo 1ão Doão7 “ &o início, era o ver!o( para “&o início, era a a+ão B /at E( 

demonstra o desenraizamento da palavra partil'ada que funda vínculos comunitários em prol da cren+a de que o agir sa!erá impor suas pr#prias regras. Haí, a compreensão de que éracional pautar a a+ão e a conduta a partir de exig%ncias irrestritas de satisfa+ão dos“impulsos naturais(7

3le então toma a vida como se col'e um fruto maduro e que, do modo como se

oferece " mão, essa o agarra. 1eu agir é um agir do dese$o somente segundo um dosmomentos. &ão procede " elimina+ão da ess%ncia o!$etiva toda, mas s# a forma deseu ser-outro ou de sua independ%ncia `de*ido 9 tentati*a de união com o o2jetoatra*'s do pra.er, ou ainda, de*ido 0 tentati*a de su2missão do desejo do outro aodesejo da consci&ncia ; 0austo e :retc'en\.

figura de Fausto é importante aqui porque a conduta 'edonista não deve ser vistacomo simplesmente “irracional(, mas como a decisão deli!erada de alguém que v% oesgotamento da racionalidade de costumes e sa!eres que perderam toda sua essencialidade. &este sentido, este 'edonismo é uma posi+ão su!$etiva moderna por excel%ncia por resultarda fragiliza+ão completa das imagens de mundo. em!remos, por exemplo, que 0austo éaquele que sucum!e ao “espírito que nega( Bder 6eist, der stets *erneint E, "quele quelem!ra, “'egelianamente(, que7 “tudo o que emerge Bentsteht E é digno s# de perecerB .ugrunde geht E(.

/egel procura lem!rar que o gozo do dese$o advindo da anula+ão da independ%nciado o!$eto , do reencontrar-se a si no o!$eto, do “reduzir a ess%ncia da outra consci%ncia a simesmo( através da su!missão do seu dese$o, não é pr a si mesmo como consci%ncia-de-sisingular7 “a consci%ncia-de-si não se torna o!$eto como este singular, mas sim comounidade de si mesma e de outra consci%ncia-de-si 8 por isto, como singular suprimido, oucomo universal(.

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mestre do movimento mediador B*ermittelte =e7egung E `diferen+a a!soluta que,imediatamente, não é diferen+a alguma\.J)<

F9 e "a4er

6odemos dizer que é a partir desta exig%ncia de elevar a nega+ão, do nívelfenomenol#gico ao nível l#gico, que nosso texto será impulsionado. &o entanto, talexig%ncia s# será realizada ao final da se+ão “3spírito(, " ocasião das discuss*es a respeitoda no+ão, central para o idealismo alemão, de moralidade. ntes, /egel precisa dar contade um duplo desdo!ramento da auto-dissolu+ão do mundo da cultura através da ironiza+ão.

princípio, isto poderia parecer uma reconcilia+ão !em sucedida. través dodese$o, duas consci%ncia se unem demonstrando que o impulso meramente particular $á eradesde sempre algo que pode aspirar uma certa universalidade B$á que ele é o que convém aduas consci%ncias-de-siE. ?as não é por esta via que /egel irá tril'ar. &o parágrafo J<J,/egel insiste que, no prazer, a consci%ncia se confronta com uma “ess%ncia negativa(

Bnegati*e esenE que devora a satisfa+ão do impulso em um o!$eto, que devora a quietudedo gozo. 3ss%ncia negativa esta que não é outra coisa que uma “categoria a!strata( Bisto nosentido de uma representa+ão que não se aplica a nen'um o!$etoE..

3sta no+ão de ess%ncia negativa pr#pria ao gozo do prazer é fundamental. /egel parece estar insistindo que o agir em nome do prazer não é um agir que se aquieta no gozo.3le é um movimento circular que nunca se realiza por ser, na verdade, um “círculo dea!stra+*es(, $á que não 'á nada mais a!strato do que “impulsos naturais(7

F que se torna, pois, no prazer desfrutado, o!$eto da consci%ncia-de-si como suaess%ncia é a expansão de essencialidades vazias 8 a pura unidade, a pura diferen+a esua rela+ão. lém disso, o o!$eto que a individualidade experimenta como sua

ess%ncia não tem conteIdo nen'um. 3 o que se c'ama necessidade, destino etc( é $ustamente uma coisa que ninguém sa!e dizer o que faz, quais suas leisdeterminadas e seu conteIdo positivo.

Fu se$a, no prazer, o que advém o!$eto são essencialidades vazias, desprovidas dequalquer conteIdo, o que os li!ertinos sa!em muito !em Be que ?efist#feles procuraensinar a 0austoE, pois eles não se vinculam a nen'um o!$eto privilegiado, mas sa!em queo prazer está no movimento de passagem de um o!$eto a outro. Haí porque, /egel a firmaque a necessidade é apenas a “rela+ão simples e vazia B...E cu$a o!ra é apenas o nada dasingularidade(. ssim, ao invés de poder realizar o dito7 “inza é toda teoria e verde aárvore de ouro da vida(, o 'edonismo apenas se v% aprisionado na zona cinzenta daa!stra+ão da necessidade. consci%ncia apenas trocou uma a!stra+ão por outra. oacreditar levar a vida, encontrava apenas a morte `1ade e a mortifica+ão do o!$eto 8 0austoe a morte de :retc'en\.

ssim, por meio da experi%ncia 8 em que sua verdade deveria vir-a-ser para ela 8 aconsci%ncia tornou-se antes um enigma para si mesma7 as conseq5%ncias de seusatos não são, para ela, atos seus B...E o Iltimo momento de sua exist%ncia é o pensamento de sua perda na necessidade

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3ste duplo desdo!ramento é o o!$eto do final desta parte “F mundo do 3spírito alienado desi( e diz respeito ao conflito entre dois princípios de valora+ão e forma+ão7 a fé B 6lau2enE ea pura intelec+ão B $insicht  8 a tradu+ão !rasileira optou por “intelig%ncia(, a inglesa por“insig't(; de qualquer forma, a idéia fundamental aqui é uma opera+ão de “apreensãointelectual(E. /egel então inicia dizendo7

F espírito da aliena+ão de si tem seu Hasein no mundo da cultura, porém quantoeste todo se alienou de si mesmo, para além dele está o mundo inefetivo da puraconsci%ncia ou do pensar. 1eu conteIdo é o puramente pensado, e o pensar, seuelemento a!solutoJ)O.

F 'edonismo não é uma forma de autonomia, o que 0austo desco!rirá de maneira trágica onão mais se recon'ecer nas conseq5%ncias de seus atos. “3 quem foi que a lan+ou na perdi+ão(, dirá ?efist#feles a prop#sito do destino de :retc'en, “0ui eu ou foste-o tuG(.

Cur"o HeelAula

 &a aula passada, come+amos a análise das figuras que comp*em o su!-capítulo “a razãoativa(. Vimos, anteriormente, como a consci%ncia tentava realizar o conceito da razãoenquanto “certeza de ser toda a realidade(. Uuando foi questão da análise dos protocolosracionais de o!serva+ão , vimos como a natureza o movimento de experimenta+ão quevisava fornecer uma descri+ão racional do mundo dos o!$etos, a partir de uma série deaprofundamento de seus pressupostos, levou a consci%ncia a pro!lematizar sua pr#priaestrutura de auto-identidade. F o!$eto da consci%ncia deixou de ser a natureza inorgAnica,

 para ser a natureza orgAnica e, por fim, ela mesma. o se tomar como o!$eto do sa!er, aconsci%ncia compreendeu, de uma parte, que o sentido de sua a+ão ultrapassa sua pr#priaintencionalidade e suas representa+*es. &o entanto, ela ainda não alcan+ou uma perspectivafundamentada de apreensão do sentido do ato. 6or outro lado, ao tentar tomar a si mesma por o!$eto, a consci%ncia se o!$etificou de forma tal que, em uma inversão dialética, a!riu-se para ela a possi!ilidade de se apreender seu o!$eto como a forma da negatividade daconsci%ncia, como a presen+a da transcend%ncia negativa da consci%ncia.

He fato, o que /egel se prop*e a fazer neste su!-capítulo dedicado á razão ativa édescrever fenomenologicamente o tra$eto da consci%ncia em dire+ão " fundamenta+ãouniversal e incondicional do campo de significa+ão de seus atos e condutas, $á que,inicialmente7 “essa razão ativa s# está consciente de si mesma como de um indivíduo(.

 &a introdu+ão ao su!-capítulo dedicado " razão ativa, /egel fornece o nome deste3spírito realizado enquanto unidade da identidade da consci%ncia-de-si com sua diferen+a.2rata-se do “reino da eticidade B>ittlich+eit E(7

om efeito, este reino não é outra coisa que a a!soluta unidade espiritual dosindivíduos em sua efetividade independente. X uma consci%ncia-de-si universal emsi, que é tão efetiva em uma outra consci%ncia que essa tem perfeita independ%ncia,ou se$a, é uma coisa para ela.

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3ste mundo inefetivo do pensar é, na verdade, o segundo princípio, que 'avia sido posto $á na introdu+ão " nossa su!se+ão e no qual a interioridade se alo$ara. 3le apareceagora como alternativa " desarticula+ão de um processo de forma+ão vinculado ao mundoda cultura. ontra a aus%ncia de fundamento de tal processo de forma+ão, a consci%ncia pode procurar afastar-se do mundo através do puro pensar. ?as, neste contexto, não se trata

de recuperar alguma forma de estoicismo, figura da consci%ncia para a qual a ess%ncia eraexatamente a pura forma do pensar. 6ois aqui, a consci%ncia sa!e que a ess%ncia, mesmotendo seu fundamento além da efetividade, vale como ess%ncia efetiva que reconfigura omundo. &o entanto, esta ess%ncia efetiva se p*e apenas como o!$eto de fé B 6lau2enE7 “essaefetividade da ess%ncia é apenas uma efetividade da pura consci%ncia, e não da consci%ncia

Rsto nos lem!rava como a razão demonstra sua efetividade e unidade principalmente atravésda vida ética que se realiza no solo de comunidades no interior das quais os su$eitos podemser recon'ecidos como su$eitos. &este sentido, gan'a importAncia a no+ão de 3spírito,apresentada em momentos anteriores do nosso curso, enquanto o solo que posi+ão de práticas sociais fundamentadas de forma a preenc'erem exig%ncias de universalidade e

reflexivamente apropriadas. Haí porque7Z na vida de um povo B "e2ens eines Col+s - Col+geist E que o conceito tem, de fato, aefetiva+ão da razão consciente-de-si e sua realidade perfeita B*ollendenteE, ao intuir,na independ%ncia do Futro, a completa unidade com ele; ou se$a, ao ter por o!$eto,como meu ser-para-mim, essa livre coisidade de um outro por mim desco!erta 8 queé o negativo de mim mesmo.

 &o entanto, /egel salienta claramente o estatuto ilus#rio da imediaticidade pr#pria "eticidade em sua primeira manifesta+ão. 6ois a consci%ncia ainda não sa!e que é7 “purasingularidade para si(, ou se$a, ela ainda não é recon'ecida enquanto consci%ncia-de-si. 6or

outro lado, “a totalidade dos costumes e das leis é uma su!stAncia ética determinada(, istono sentido de uma eticidade “comunitarista( que não é capaz de preenc'er exig%ncias deuniversalidade. Fs dois pro!lemas se resumem a um s# $á que é a consci%ncia-de-si comsuas exig%ncias de ser recon'ecida em todo e qualquer contexto, para além de toda equalquer determinidade que fornece o solo para a posi+ão das aspira+*es de universalidade.ssim, tal como no prefácio " 0enomenologia, no qual /egel afirmava que os temposmodernos, era o momento 'ist#rico em que7 “ não somente está perdida, para o espírito, suavida essencial; está consciente desta perda e da finitude que é seu conteIdo(, agora ofil#sofo não deixa de lem!rar que a consci%ncia aparece isolada, $á que sua confian+aimediata no espírito, suas leis, costumes e conteIdos vinculados " tradi+ão está que!rada.

/egel a!orda esta tensão entre expectativas de recon'ecimento da singularidade dasu!$etividade e o universalismo da eticidade a partir do seu ponto mais pro!lemático, ouse$a, da rela+ão entre ei e dese$o Bnão é por outra razão que a primeira figura da razãoativa será descrita so! o nome de “o prazer e a necessidade B Not7endig+eit EE(. Dá no parágrafo JQO, /egel não deixa de lem!rar que, quando a su!stAncia ética parece ter sidore!aixada a “predicado carente-de-si(, a consci%ncia tende a pautar seu agir a partir daforma de um7 (querer imediato ou de um impulso natural B Naturrtrie2sE(. 3la terá, noentanto, a experi%ncia da falsidade das representa+*es que colocam nestes impulsos naturaisseu destino. 3m )Y@Q, /egel afirmava que o dese$o tin'a ainda algo de animal por cair nailusão de que sua satisfa+ão estava em um o!$eto externo e particular Bdaí a contradi+ão na

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efetiva(. /egel pensa, aqui, nestas figuras 'ist#ricas de recupera+ão do emotivismo da fécontra a aus%ncia de fundamento do mundo da cultura B$anseismo, pietismo etc.E

 &este sentido, /egel distingue  f' e religião(  &o contexto do nosso texto, a féaparece como uma certa fuga do mundo em dire+ão " interioridade da pura consci%ncia. Dáa religião, para a qual /egel dedicará toda uma se+ão no  Fenomenologia, é a primeira

manifesta+ão de expectativas de fundamenta+ão a!soluta e incondicional de práticas sociaise critérios de $ustifica+ão. consci%ncia compreende a perspectiva universalista com a qualela se relaciona7 “como a perspectiva do ol'o de Heus que, se alguém alcan+á-lo, serácapaz de afirmar o que á verdadeiro e válido, assim como o que não é( J)Y. 0undamenta+ãoimperfeita pois ainda marcada pelo pensamento da representa+ão. ?as camin'o necessário

qual ele necessariamente se enredavaE. Dá o impulso procede da oposi+ão suprimida entresu!$etivo e o!$etivo, o que significa, entre outras coisas, que sua satisfa+ão não é maismarcada exclusivamente pela particularidade do o!$eto, mas se revela como portando “algode universal(. 3sta é a experi%ncia que a consci%ncia fará.

 &a aula passada, analisamos a primeira figura deste tra$eto, ou se$a, o 'edonismo

faustiano apresentado !a su!-se+ão7 o prazer e a necessidade.He uma certa forma, é como um grande comentário ao  Fausto, de :oet'e, que/egel estrutura este momento intitulado “F prazer e a necessidade(. escol'a aqui éclara7 0austo é aquele que encarna a perda moderna do enraizamento a eticidade e suas promessas. 1eu con'ecimento da tradi+ão e da extensão integral do sa!er, “filosofia,medicina, $urisprud%ncia e teologia(, de nada serve. &em as práticas da ci%ncia moderna,nem as tradi+*es e costumes do passado podem contar para ele como fundamentados. felicidade l'e está cada vez mais distante. &este sentido, sua “tradu+ão( do início do3nvagel'o segundo 1ão Doão7 “ &o início, era o ver!o( para “&o início, era a a+ão B /at E( 

demonstra o desenraizamento da palavra partil'ada que funda vínculos comunitários em prol da cren+a de que o agir sa!erá impor suas pr#prias regras. Haí, a compreensão de que é

racional pautar a a+ão e a conduta a partir de exig%ncias irrestritas de satisfa+ão dos“impulsos naturais(7 &este sentido, este 'edonismo é uma posi+ão su!$etiva moderna porexcel%ncia por resultar da fragiliza+ão completa das imagens de mundo. em!remos, porexemplo, que 0austo é aquele que sucum!e ao “espírito que nega( B der 6eist, der stets*erneint E, "quele que lem!ra, “'egelianamente(, que7 “tudo o que emerge Bentsteht E é dignos# de perecer B .ugrunde geht E(.

 &a aula passada, a crítica 'egeliana ao 'edonismo foi apresentada da seguinteforma. /egel insiste que, no prazer, a consci%ncia se confronta com uma “ess%ncianegativa( Bnegati*e esenE que devora a satisfa+ão do impulso em um o!$eto, que devora aquietude do gozo. 3ss%ncia negativa esta que não é outra coisa que uma “categoriaa!strata( Bisto no sentido de uma representa+ão que não se aplica a nen'um o!$etoE. 3stano+ão de ess%ncia negativa pr#pria ao gozo do prazer é fundamental. /egel parece estarinsistindo que o agir em nome do prazer não é um agir que se aquieta no gozo. 3le é ummovimento circular que nunca se realiza por ser, na verdade, um “círculo de a!stra+*es(, $áque não 'á nada mais a!strato do que “impulsos naturais(. Fu se$a, no prazer, o que advémo!$eto são essencialidades vazias, desprovidas de qualquer conteIdo, o que os li!ertinossa!em muito !em Be que ?efist#feles procura ensinar a 0austoE, pois eles não se vinculama nen'um o!$eto privilegiado, mas sa!em que o prazer está no movimento de passagem deum o!$eto a outro. Haí porque, /egel afirma que a necessidade é apenas a “rela+ão simplese vazia B...E cu$a o!ra é apenas o nada da singularidade(. Z este impasse que irá gerar a

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em dire+ão " realiza+ão da “ci%ncia(. He qualquer forma, perce!emos que, para /egel,filosofia e religião são diferentes formas de práticas sociais através das quais su$eitos procuram alcan+ar reflexivamente a posi+ão do que fundamenta, de maneira a!soluta, suascondutas e $ulgamentos. ?ais a frente, /egel recon'ecerá que a “ess%ncia da fé é o espíritoda comunidade(, mas o sentido de tal determina+ão essencial ainda não está presente para a

 pr#pria consci%ncia crente./egel lem!ra então que, enquanto fuga do mundo, a fé é “determinidade daoposi+ão( que tem, em si, o mundo que, continuamente, nega. 3la o tem em sua verdadeespiritual7

 passagem Bou, por que não dizer, a conversãoE do 'edonismo ao sentimentalismo da ei docora+ão.

Do (edon!"mo . Le! do )oração

F cora+ão tem suas raz*es que a razão não con'ece; perce!e-se isso em mil coisas.Higo que o cora+ão ama o ser universal naturalmente e a si mesmo naturalmente,conforme aquilo a que se aplique; e ele se endurece contra um ou outro, " suaescol'a. >e$eitastes um e conservastes o outro7 será devido " razão que vos amais av#s pr#priosG

2odos voc%s certamente con'ecem esta afirma+ão de 6ascal feita a fim de insistir naautonomia entre o que é da ordem do sentimento Bdomínio privilegiado para a verdadeirauniversalidade, assim como para o amor de siE e o que é da ordem da razão cognitiva. &otemos, no entanto, uma peculiaridade da afirma+ão pascaliana. o vincular as raz*es docora+ão ao sentimento do universal, 6ascal c'ega mesmo a afirmar7 “con'ecemos a verdade

não s# pela razão, mas tam!ém pelo cora+ão; é desta Iltima maneira que con'ecemos os princípios, e é em vão que o raciocínio, que deles não participa, tenta com!at%-los(. Fuse$a, os sentimentos fornecem princípios gerais que não precisariam da demonstra+ão darazão para aspirarem fundamenta+ão universal.

He uma certa forma, é partir desta perspectiva que /egel constr#i a figura da ei docora+ão. &#s 'avíamos visto como a verdade do 'edonismo estava na revela+ão de que osu!meter a a+ão " necessidade dos “impulsos naturais( era su!meter-se a um “círculo dea!stra+*es( cu$a o!ra é apenas o nada da singularidade. destrui+ão a qual o dese$osu!metido ao 'edonismo nos leva é resultado da rela+ão simples e vazia pr#pria ao conceitomesmo de necessidade. gora, repetindo um movimento que $á vimos no capítulo “for+a eentendimento( e que vai da a!stra+ão " determina+ão da ei, /egel lem!ra que 'á umainversão quase natural do 'edonismo em sentimentalismo reformador `lem!remos docaráter professoral e mesmo reformador do 'edonismo li!ertino do século VRRR\. re$ei+ão moderna da idéia de uma razão enraizada na tradi+ão e em modos de vidaarraigados foi 'istoricamente seguida pelo culto do sentimento e do retorno " certeza dosafetos. Z a isto que ele alude ao apresentar a nova figura da seguinte forma7

necessidade é a pr#pria consci%ncia-de-si, que nessa figura é para si o necessário`o que $á era o caso no 'edonismo\7 sa!e que tem em si imediatamente o universalou a lei. lei, devido a essa determina+ão de estar imediatamente no ser-para-si da

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pura consci%ncia é $ustamente a reflexão a partir do mundo da cultura, de modoque a su!stAncia deste mundo, !em como as massas em que se articula, se mostramcomo são em si7 como essencialidades espirituais, como movimentos a!solutamenteirriquietos ou determina+*es que imediatamente se superam em seu contrárioJ)K.

 &o entanto, a fé coloca a ess%ncia para além destas determinidades que passamincessantemente em seu contrário, em!ora ela ainda não ve$a tais passagens como um dosmodo de manifesta+ão da ess%ncia. F que /egel insiste ao afirmar7

consci%ncia, c'ama-se lei do cora+ão.

necessidade deixa de ser posta como a afirma+ão da particularidade da posi+ãosingular da consci%ncia que procura o prazer, para ser o universal ou aquilo que funda umalei cu$as raízes se encontram no sentimentalismo do cora+ão.

?as lem!remos que ficamos com um pro!lema relativo " indetermina+ão do queaparecia como “necessidade(, como “impulsos naturais(. 3sta indetermina+ão continua. Heuma certa forma, a ei do cora+ão não poderá ser realizada porque ela, no fundo, nadaenuncia. 3le se enraíza em uma imediaticidade que é apenas outra forma de dizer asu!missão ao império da a!stra+ão. Haí porque o Inico conteIdo possível desta ei seránegativo7a ei do cora+ão é o que não se deixa realizar na efetividade. 7

0rente a este cora+ão está uma efetividade; pois dentro do cora+ão a lei primeiro ésomente para si `pura figura negativa\, ainda não se efetivou, e por isto é tam!émalgo outro que o conceito B...E He um lado, a efetividade é lei que oprime aindividualidade singular, uma violenta ordem do mundo que contradiz a lei do

cora+ão. He outro lado, é uma 'umanidade padecente so! essa ordem, que nãosegue a lei do cora+ão mas que está su!metida a uma necessidade estran'a.

Fu se$a, a efetividade aparece su!metida a uma lei que, ao mesmo tempo, vai contraos interesses da particularidade e da universalidade composta pela soma dos outros particulares, que tam!ém tenderiam a seguir a lei do cora+ão. ssim, a+ão da consci%ncia parecer ser, ao mesmo tempo, particular e universal7 “F que a individualidade torna efetivaé a lei mesma, portanto seu prazer é ao mesmo tempo prazer universal de todos oscora+*es(. 1eu prazer é imediatamente “conforme " lei( B6eset.m?ssigeE, ele éimeditamente o que é feito em nome da produ+ão do “!em da 'umanidade(. &o entanto, aconsci%ncia não se pergunta7 se ninguém suporta a lei da efetividade B$á que ela vai contraesta lei que está enraizada no cora+ão de todosE, então como ela pde se perpetuar atéagoraG &a verdade, veremos que, como a lei do cora+ão é, em Iltima instAncia vazia dequalquer determina+ão Bcomo sempre é vazia as aspira+*es de significado de conteIdosintencionais e conteIdos disposicionais privadosE, faz-se necessário que a consci%ncia perpetue um com!ate incessante com uma efetividade que não teria valor, isto para que aei do cora+ão possa se determinar de maneira negati*a(

6ara mostrar esta natureza negativa Bno sentido de uma nega+ão a!strataE da ei docora+ão, /egel escreve como quem se pergunta7 o que aconteceria se tal ei se efetivasseG

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o espírito segundo sua verdade é, em uma unidade indivisa, tanto o movimentoa!soluto e a negatividade de seu aparecer, quanto sua ess%ncia satisfeita em simesma e sua quietude passiva.J9@ 

 &este ponto, /egel lem!ra que estes dois movimentos da ess%ncia irão aparecer de

maneira separada, em!ora ten'am a mesma fonte. F primeiro movimento será a fé, osegundo a pura intelec+ão. pura intelec+ão é esta ess%ncia interior satisfeita em umaquietude passiva. omo ela nasce de um afastamento do mundo da cultura, de início elanão tem conteIdo em si mesma, seu o!$eto é o puro 3u enquanto fonte do conceituar, istono sentido de que o o!$eto s# terá verdade para ela na medida em que tiver a forma do 3u

?as nessa efetiva+ão `como ordem universal\, a lei de fato escapou do cora+ão e setornou, imediatamente, apenas a rela+ão que ela deveria superar. 6or essaefetiva+ão, $ustamente, a lei do cora+ão deixa de ser a lei do cora+ão B...E om aefetiva+ão de sua lei, ele não produz sua lei; pois em!ora, em si, se$a a sua, para oindivíduo é uma efetiva+ão estran'a. F que ele faz é enredar-se na ordem efetiva

como numa superpot%ncia estran'a, que aliás não s# l'e é estran'a, mas inimiga.Fu se$a, ao se efetivar a lei se intervém, o indivíduo não mais a recon'ece como lei

do seu cora+ão, mas como curso de uma efetividade estran'a. 3la não se recon'ece nessa“universalidade livre( que é fruto do seu agir. 6ois, /egel não cansará de lem!rar, em!ora aforma do ato se$a universal, seu conteIdo ainda é particular, aferrado á particularidade dossentimentos individuais.

Hevemos pois perguntar7 por que o indivíduo não pode se recon'ecer na efetiva+ãoda lei do cora+ãoG 6odemos dar duas raz*es. 6rimeiro, toda efetiva+ão será inadequada parauma lei cu$a verdade é ser indeterminada por se enraizar em um sentimentalismo que, porsua vez, assenta-se em um conceito de necessidade natural que é a pura forma da “rela+ão

simples e vazia(. He fato, a consci%ncia parte necessariamente da posi+ão prévia de sa!er oque quer dizer e de como agir socialmente para fazer o que quer dizer. ?as esta posi+ãoserá sistematicamente intervertida pela dinAmica dos processos de experi%ncia. em!remoscomo /egel diz, logo no início do nosso capítulo7 “inguagem e tra!al'o sãoexterioriza+*es nas quais o su$eito não se conserva mais e não se possui mais a si mesmo(;e não algo como7 “inguagem e tra!al'o são exterioriza+*es nas quais o su$eito expressaconteIdos intencionais privados e realiza expectativas referenciais(. Rsto vale para aefetiva+ão do que aparece, para a interioridade do cora+ão, enquanto ei universal. 6oisatravés da efetiva+ão, a consci%ncia terá a experi%ncia de que seu sa!er da ei era a figuramesma da indetermina+ão. 6or isto, através da exterioriza+ão da ei do cora+ão, o su$eitonão se possui mais a si mesmo.

6or outro lado, /egel não deixa de lem!rar que, mesmo agindo em nome de umaei que aspira universalidade7

F cora+ão deste indivíduo apenas ps sua efetividade no seu ato, que expressa seuser-para-si ou seu prazer. F ato deve valer imediatamente como universal  ̀sua significação não de*e ser mediada pela perspecti*a do Outro\, isto significa, ele éna verdade algo de particular  ̀j9 que sua significação nasce da imediaticidade dacerte.a da consci&ncia\7 da universalidade tem apenas a forma, seu conteIdo particular `o prazer individual\ deve, como tal, valer por universal. 6or isso os

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Btal como vimos no caso da análise 'egeliana das categoriasE. em!remos aqui novamentedeste postulado idealista central7 a estrutura do o!$eto deve duplicar a estrutura do 3u.

Dá a fé irá aparecer tam!ém como pura consci%ncia, mas que tem por o!$eto aess%ncia que adquire, inicialmente, a figura degradada da representa+ão de um ser o!$etivo,de um Futro além da consci%ncia-de-si B )eusE. 6or isto, ela é nega+ão do mundo através de

um servi+o em nome de Heus. &o entanto, /egel lem!ra que7 “ a articula+ão do mundo realtam!ém constitui a organiza+ão do mundo da fé(J9), isto no sentido de que o movimentofenomenol#gico de auto-dissolu+ão das determinidades duplica a estrutura do mundoteol#gico. ?aneira de insistir que esta nega+ão do mundo apenas irá perpetuá-lo pois é feitaa partir dele mesmo.

outros não encontram realizada nesse conteIdo a lei de seu cora+ão, e sim a de umoutro B...E 6or conseguinte, o indivíduo, como antes a!ominava apenas a lei rígida,agora ac'a os cora+*es dos pr#prios 'omens, contrários a suas excelentes inten+*ese dignos de a!omina+ão.

Fu se$a, a consci%ncia descon'ece a natureza da eficácia Bir+sam+eit E da a+ão, istono sentido dela não ter " sua disposi+ão uma perspectiva correta de avalia+ão dos processosde produ+ão do sentido da a+ão social. 3la está certa de ter imediatamente " sua disposi+ãoo sentido de seu ato Bse$a ele político, moralE. 6oderíamos dizer, parafraseando ?erleau-6ontM, que essa consci%ncia age em nome de7 “uma filosofia do 'omem interior que nãoencontra a menor dificuldade de princípios nas rela+*es com os outros, a menor opacidadeno funcionamento social e su!stitui a cultura política pela exorta+ão moral(. &o entanto, overdadeiro sentido de sua a+ão s# seria produzido através da media+ão a partir do sistemade expectativas das outras consci%ncias. ?edia+ão impossível $á que a consci%ncia éincapaz de enxergar a imagem de si mesmo que oferece aos outros. 6or isto, ela não podecompreender a inversão de seu ímpeto reformador em pura e simples opressão. F resultado

da ei do cora+ão s# pode ser a implementa+ão de um conflito entre consci%ncias, “umaluta de todos contra todos(. Haí porque “o pulsar do cora+ão pela !em da 'umanidadedesanda assim na fIria de uma presun+ão desvairada(.F amor pela 'umanidade transforma-se facilmente em desprezo.

 &este ponto, /egel come+a a inserir uma inversão importante que consiste em dizerque, através do conflito derivado da tentativa de efetiva+ão da perspectiva singular deinterpreta+ão desta "ei uni*ersal de todos os coraçes, a consci%ncia vai, paulatinamente,tendo a experi%ncia da necessidade da ordem efetiva Bque aparecera inicialmente comosimplesmente opressoraE7

?as aquilo onde a consci%ncia não se recon'ece $á não é a necessidade morta, e sima necessidade enquanto vivificada por meio da individualidade universal B...E elaencontra essa ordem vivificada pela consci%ncia de todos,e como lei de todos oscora+*es B...E o mesmo tempo, a ordem viva e su!sistente é tam!ém sua pr#priaess%ncia e o!ra `da consci%ncia\; não produz outra coisa a não ser essa ordem queestá em unidade igualmente imediata com a consci%ncia-de-si.

Rsto deve ser compreendido de duas maneiras. 6rimeiro, ao ir contra a ordem efetivaem nome da ei do cora+ão, a consci%ncia experimenta uma resist%ncia, vinda de outrasconsci%ncias, que demonstra a validade do que parecia apenas signo de opressão7 “s leis

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/egel então termina este Iltimo trec'o de “F mundo do 3spírito alienado de si(afirmando a necessidade de avaliar se a pura intelec+ão poderá realizar seu pr#prio conceitode superar toda depend%ncia outra convertendo-a " forma do 3u, ou se$a, esta certeza darazão consciente-de-si de ser toda a verdade(. 4m certeza enunciada na máxima iluminista7“1ede para v#s mesmas o que sois todas em v#s mesmas7 sede racionais( J99.

A luta do Ilum!n!"mo )ontra "! me"mo

 &a  Fenomenologia, /egel organiza sua reflexão so!re o iluminismo e suasexpectativas de racionaliza+ão a partir de uma confronta+ão com a fé que, em vários

vigentes são defendidas contra a lei de um indivíduo porque não são uma necessidademorta e vazia, desprovida de consci%ncia, e sim a universalidade e a su!stAncia espirituais(.?as, por outro lado, /egel faz questão de frisar que esta vivifica+ão da ordem não é apenaso resultado de uma rea+ão a todo e qualquer impulso moral reformador. 3la é o!ra daconsci%ncia agente, ela é mesmo sua ess%ncia. F que isto pode significar a não ser que a

consci%ncia está, de uma certa forma, implicada na ordem contra a qual ela lutaG 1elem!rarmos que ela não luta apenas contra uma ordem positiva que se apresenta naefetividade, mas contra a pr#pria efetiva+ão da sua a+ão B$á que efetiva-la significanecessariamente inserir sua a+ão em contextos que $á estão previamente determinados e queconfiguram a significa+ão da a+ãoE, então este ponto pode ficar mais claro.

/egel insiste neste ponto ao afirmar que a consci%ncia sai desta experi%ncia deaplica+ão da ei do cora+ão “dilacerada no que tem de mais íntimo( pois duplicada entre aintencionalidade de sua a+ão e a opacidade de seus resultados. 3ste dilaceramento seráfigurado através de no+*es clínicas como7 “loucura( Bahnsinn ; “delírio( ahnE ou“desvario( BCerr1c+theit E. /egel c'ega mesmo a fornecer algo como uma “f#rmula geral daloucura(7

1e algo é de fato efetivo ou essencial para a consci%ncia em geral B =e7usstsein12erhaupt E mas não o é para mim, então, na consci%ncia de sua nadidadeB Nichtig+eit E, eu que sou tam!ém consci%ncia em geral ten'o ao mesmo tempo aconsci%ncia de sua efetividade. Fra, quando os dois momentos são fixados, istoforma uma unidade B $inheit E que é a loucura no seu caráter universal.

oucura é aqui compreendida como uma clivagem da consci%ncia, uma certa  squi.eque faz com que duas proposi+*es contradit#rias formem uma unidade. 4ma unidade não é posta, mas mascarada pela clivagem entre min'as cren+as, a+*es e perspectivas particularesde avalia+ão e as cren+as, a+*es e perspectivas de avalia+ão de uma posi+ão socialmente partil'ada Bconsci%ncia em geralE a respeito da qual eu “recon'e+o sem recon'ecer( ourecon'e+o apenas de maneira invertida so! a forma de delírio. Hesta forma, o que marca aloucura é o fato de que um destes p#los é pro$etado Bheraus7irft E  para fora da consci%ncia,que o exprime como um Futro. Fu se$a, a consci%ncia pro$eta para fora de si sua pr#priadivisão e luta contra sua pr#pria imagem invertida. &este sentido, não é por outra razão que psicanalistas como Dacques acan vão encontrar nesta descri+ão 'egeliana da ei docora+ão a ess%ncia de certas nosografias clínicas marcadas exatamente pela denega+ão daimplica+ão do su$eito com uma realidade “viciosa e amoral( na qual ele não se recon'ece.

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 pontos, apresenta-se como uma retomada do conflito, pr#prio " polis grega, entre um princípio 'umano e um princípio divino de conduta socializa+ão7

F o!$eto peculiar contra o qual a pura intelig%ncia dirige a for+a do conceito é a féenquanto forma da pura consci%ncia que se l'e contrap*e no mesmo elemento do

 pensamento puro

J9J

.?as antes de a!ordar tal confronta+ão, /egel lem!ra que a pura intelec+ão tem

tam!ém um relacionamento negativo com a efetividade do mundo social da cultura. Hiantedo sentimento da dissolu+ão de tudo o que se consolida, a intelec+ão se p*e como o

Re)u#erar o d!")ur"o da +!rtude natural

?as, ao invés de cair na loucura, a consci%ncia pode continuar o tra$etofenomenol#gico e ainda procurar fundamentar uma perspectiva de avalia+ão racional dosentido de sua conduta e a+ão. omo saldo das experi%ncias anteriores, ela sa!e que o

individualismo do 'edonismo e do sentimentalismo não conseguiram fornecer uma perspectiva capaz de preenc'er exig%ncias universalizantes da razão em sua dimensão prática. inda resta assim uma maneira que seria a tentativa deli!erada de anula+ão daindividualidade. Rsto ela fará através da recupera+ão do discurso da virtude natural, sentidofundamental da figura “ virtude e o curso do mundo(7

 &a primeira figura da razão ativa, a consci%ncia-de-si era, para si, puraindividualidade, e frente a ela se postava a universalidade vazia. &a segundo figura,cada uma das duas partes contin'a os dois momentos 8 lei e individualidade7 umadas partes, o cora+ão, era sua unidade imediata, e a outra, sua oposi+ão. qui, narela+ão entre a virtude e o curso-do-mundo, os dois mem!ros são, cada um, unidade

e oposi+ão desses momentos, ou se$a, são um movimento da lei e daindividualidade, mas em sentido oposto. 6ara a consci%ncia da virtude, a lei é oessencial, enquanto a individualidade é o que deve ser superado, tanto na suaconsci%ncia mesma quanto no curso do mundo. &ela, a individualidade pr#pria devedisciplinar-se so! o universal, o verdadeiro e o !em em si.

Fu se$a, a consci%ncia, através da recupera+ão do discurso da virtude natural tentainverter o sentimentalismo da ei do cora+ão ao afirmar que seria apenas através dosacrifício da individualidade Bque é visto como o “princípio de inversão( do sentidovirtuoso do curso do mundoE e da aniquila+ão dos egoísmos que o curso do mundo podeaparecer tal como é em sua verdade. s a+*es não devem ser vistas como o que é feito pelaindividualidade, mas como o que é feito como a!nega+ão a partir do !em em si. !nega+ãofeita a partir da fé em uma 6rovid%ncia que garante a virtuosidade do curso do mundo, istoquando a individualidade não interfere a partir de seus pr#prios desígnios egoístas.

omo vemos., o curso do mundo aqui guarda algo da ordem do estoicismo. 3stemesmo estoicismo que compreendia a razão BlogosE como princípio que rege uma &aturezaidentificada com a divindade. F curso do mundo o!edeceria assim um determinismoracional. virtude consistiria em viver de acordo com a natureza racional aceitando ocurso do mundo, ou se$a, aceitando o destino despo$ando-se de suas paix*es a fim dealcan+ar a apatia e a ataraxia.

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apreender formal que reIne, em uma imagem universal Ballgemeines =ild E do mundo, ostra+os dispersos da multiplicidade de perspectivas que a ironiza+ão colocava em conflito afim de dissolv%-los todos. 3sta imagem universal é o sa!er cu$a realiza+ão, enquantocompila+ão de vers*es da oisa mesma, é a 3nciclopédia7

3nciclopédia mostra " maioria que 'á uma perspectiva mel'or que a sua ou, pelomenos, mostra a todos que 'á um Titz mais variado que o deles, um mel'or sa!er euma capacidade de $ulgamento em geral, como algo universal e agorauniversalmente con'ecidoJ9P.

 &o entanto, /egel lem!rará que esta virtude antiga pr#pria ainda ao estoicismogrego era resultado de um certo enraizamento do indivíduo na vida ética de um povo, 6oristo, ela não se7 “revoltava contra a efetividade como se fosse uma inversão universal econtra o curso do mundo(. Dá o discurso da virtude que é recuperado pelos modernos não pode mais fazer apelo " su!stAncia ética, por isto ela é7 “virtude desprovida de ess%ncia,

uma virtude somente da representa+ão e das palavras(. &esta su!missão virtuosa da consci%ncia " 6rovid%ncia, /egel retoma algumasela!ora+*es $á apresentadas quando foi questão da figura da “consci%ncia infeliz(.em!remos por exemplo do pro!lema do agir como a+ão de gra+as, pois recon'ecimentode que o fruto do agir é dom divino. 3sta temática retorna em nosso capítulo quando /egelcentra o conflito pr#prio " a+ão virtuosa no uso de “dons(7

F !em ou o universal, tal como surge aqui é o que se c'ama dons, capacidades,for+as B6a2en, F?hig+eit, Kr?fteE. X um modo de ser do espiritual, no qual esteespiritual é apresentado como um universal, o qual precisa do princípio daindividualidade para sua vivifica+ão e movimento e tem sua efetividade nesse

 princípio `sem a a+ão da individualidade, tais dons não teriam efetividade\.3nquanto su!metido " virtude, tais dons e for+as são !em aplicados, mas enquanto

está no curso do mundo su!metido ao individualismo é mal aplicado e produz maus frutos.ssim, a luta da virtude “não pode ser levada a sério( porque, em Iltima instAncia, aconsci%ncia atualiza suas capacidades e for+as para lutar contra suas capacidades e for+asatravés do ascetismo e do sacrifício de si. Haí porque /egel pode dizer que7 “assemel'a-sea virtude não s# a um com!atente que na luta está todo ocupado em conservar sua espadasem manc'a; e mais ainda7 que entrou na luta para preservar suas armas(. X o pr#prioindivíduo que efetiva capacidades e for+as contra si mesmo, $á que é s# através doindivíduo que algo pode ter efetividade7

6ortanto, a virtude é vencida pelo curso do mundo, pois sua finalidade `da virtude\ éa ess%ncia inefetiva a!strata B...E virtude pretendia consistir em levar o !em "efetividade por meio do sacrifício da individualidade; ora, o lado da efetividade nãoé outro que o lado da individualidade.

individualidade é o princípio da efetividade, $á que a individualidade que atua é oque inverte o nada da a!stra+ão em ser da realidade. Haí porque /egel pode dizer que arecupera+ão moderna da virtude é pura ret#rica que não pode determinar de maneira precisa

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2al rela+ão ao sa!er apenas demonstra como o Rluminismo se v% como puraconsci%ncia da ess%ncia a!soluta de toda efetividade, o que o diferencia de outrasmodalidades de comportamento negativo da consci%ncia. pura intelec+ão esclarecidacoloca pois a fé como seu oposto, como o que é oposto " razão e " verdade. fé aparece pois como um tecido de supersti+*es, preconceitos e erros que se organiza em um reino de

erro que s# pode su!sistir através da for+a do despotismo e a má inten+ão de sacerdotesenganadores. ontra este reino de erros, a intelec+ão faz apelo ao tra!al'o doesclarecimento que ilumina, através da crítica, o povo que ainda não alcan+ou a reflexão.Fu se$a, a intelec+ão se p*e como um tra!al'o de esclarecimento contra fé supersticiosa.

sua significa+ão.omo resultado, /egel afirma que a consci%ncia “0az a experi%ncia de que o curso

do mundo não é tão mal como aparentava(. om isto, está descartada a tentativa de produzir o !em através do sacrifício da individualidade, $á que “o movimento daindividualidade é a realidade do universal(. 6ara tanto, /egel deve mostrar que mesmo lá

onde a pr#pria individualidade pensa agir de maneira egoísta, ela está realizando algo daordem do universal7

individualidade do curso do mundo pode !em supor que s# age para si ou poregoísmo, ela é mel'or do que imagina7 seu agir é ao mesmo tempo um ente em-si,um agir universal. Uuando age por egoísmo, não sa!e simplesmente o que faz.

He fato, /egel pensas aqui em duas coisas. 6rimeiro, as sociedades modernas não podem procurar fundamenta+ão moral a partir de uma tentativa de realizar reformas moraisatravés da virtude privada. /egel é muito sensível a esta idéia dos economistas ingleses,como dam 1mit', de que o agir aparentemente egoísta está articulado no interior de um

sistema de necessidades que faz com que a riqueza social se$a produzida. ?as, por outrolado, devemos lem!rar tam!ém que, para /egel, o dese$o o!edece a uma g%nese social, enão alguma forma de determina+ão natural ou patol#gica.. Hesta forma, a realiza+ão dodese$o sempre atualiza algo de universal, até porque os su$eitos dese$am, em IltimainstAncia, serem recon'ecidos como su$eitos no interior de estruturas sociais que possarealizar aspira+*es de universalidade. 3sta é a verdade do dese$o 'umano, segundo /egel, enão um afundar-se no particularismo de necessidade e impulsos pretensamente naturais.

?as para que a consci%ncia possa c'egar a tal compreensão foi necessário que elao!servasse o fracasso de suas tentativas em fundar sua a+ão através da procurar imediata pelo prazer, ou fundar a ei através da certeza imediata do cora+ão. 2anto em caso comoem outro, a consci%ncia ainda vinculava seu dese$o a um princípio de identidade que l'e permitia sa!er exatamente o que fazer para alcan+ar a realiza+ão do dese$o, a reconcilia+ãocom o o!$eto. &a Iltima figura, esta dedicada " recupera+ão moderna do discurso da virtudenatural, a consci%ncia acredita ter, através da nega+ão de si, o acesso a uma perspectivauniversalmente fundamentada, tal como vimos na consci%ncia infeliz. &ovamente, eladesco!re que lá onde ela $ulgava agir de maneira mais alienada Bagir vinculado a umaindividualidade que não podia mais aspirar enraizamento su!stancial algum e marcada pelaopacidade em rela+ão ao sentido de seu agir 8 que aparecia inicialmente como, !aixo,egoísta, inefetivoE, ela desco!re portar em si algo da ordem do que pode aspiraruniversalidade. Veremos na aula que vem até onde esta perspectiva pode nos levar.

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 &otemos, inicialmente que o contexto desta confronta+ão é tipicamente franc%s./egel faz questão de salientar isto ao falar do formalismo moroso e morto da “religião positiva( em solo franc%s. >eligião positiva deve ser entendida aqui como o con$unto de práticas incapazes de colocar como fundamento o princípio luterano de su!$etividade e decrítica " positividade imediata de toda e qualquer determina+ão sensível. Haí porque /egel

 pode afirmar7 “F que utero iniciou na esfera do Animo e do sentimento 8 a li!erdade doespírito que inconsciente de sua raiz simples não se auto-apreende, mas que $á é 1iuniversal, diante do qual desaparece todo conteIdo do pensar -, tais determina+*es e pensamentos universais foram proclamador pelos franceses como princípios gerais e a

Cur"o HeelAula

om a aula de 'o$e, terminamos o m#dulo dedicado " leitura do capítulo V da Fenomenologia do $spírito, “erteza e verdade da razão(. &este sentido,antes de apresentarmos os Iltimos desdo!ramentos do capítulo, faz-senecessário voltarmos para uma apreensão geral do tra$eto descrito por /egelaté aqui. ntes disto, gostaria de apresentar a reestrutura+ão do calendário denossas aulas.

partir da aula que vem, teremos o seguinte calendário7• Hia @) de novem!ro7 o conceito 'egeliano de eticidade Bcomentário da

su!se+ão7 “o mundo éticoE. eitura de apoio7 3egel e os gregos, /eidegger • Hia @Y de novem!ro7 a leitura 'egeliana de ntígona Bcomentário da

su!se+ão7 “a a+ão ética(E. eitura de apoio7 >eçes [I[ a [[I do>emin9rio CII , Dacques acan e o capítulo dedicado " poesia dramática no%urso de est'tica, de /egel

• Hia )Q de novem!ro7 /egel e O so2rinho de ameau Bcomentário dasu!se+ão7 “F mundo do espírito alienado de si(E. eitura de apoio7

 @aradoxo do intelectual, 6aulo rantes e %inismo ilustrado, >u!ens>odrigues 2orres 0il'o

• Hia 997 /egel e a revolu+ão francesa Bcomentário da su!se+ão7 “F

iluminismo(E. eitura de apoio7 O iluminismo e a re*olução, capítulo de "içes so2re a filosofia da história, de /egel

• Hia 9K7 Fs impasses da moralidade Bcomentário da su!se+ão 6e7issen7 a !ela alma, o mal e seu perdãoE

• Hia @< de dezem!ro7 F conceito 'egeliano de religião Bapresenta+ão docapítulo “>eligião(E. eitura de apoio7 “es vieux mots dat'éisme ...(, dee!run

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convic+ão do indivíduo em si mesmo(J9Q. Fu se$a, para /egel, a reforma é o come+o da 8uf+l?rung . 6roposi+ão importante por nos explicar como uma concilia+ão com algo que se ps no interior da fé poderá ser realizada pelo idealismo alemão Blem!rando sempre que a 8uf+l?rung alemã não foi, exatamente, anti-religiosaE. em!remos ainda que, desde sua $uventude, /egel insiste na necessidade de reconciliar as !iparti+*es da razão moderna, em

especial aquela que impede ver, na religião, a for+a de determina+ão da rela+ão com oa!soluto que impede a enteifica+ão de uma antropologia da finitude. partir do parágrafo QPO e até o QQ@, /egel irá configurar a maneira com que o

Rluminismo apresenta a fé como seu oposto. 3ste movimento será retomado de maneirainvertida entre os parágrafos QQ) e QQ<. 4m pouco como 0oucault fará no século ,

• Hia )J de dezem!ro7 F sa!er a!osluto Bapresenta+ão do capítulo “F sa!era!soluto(E

Re)a#!tulação

Hesde o início deste m#dulo, procurei insistir na especificidade do capítulo“erteza e Verdade da razão(. 6ois, se na se+ão “onsci%ncia(, foi questão daanálise da rela+ão cognitivo-instrumental da consci%ncia com o o!$eto, e, nase+ão “onsci%ncia-de-si(, questão da rela+ão de recon'ecimento entreconsci%ncias como condi+ão prévia para o con'ecimento de o!$etos, a partirda se+ão “razão(, c'egamos a um estádio de unidade entre consci%ncia econsci%ncia-de-si, unidade que pode ser sintetizada através da no+ão de que aestrutura do 3u duplica a estrutura do o!$eto e cu$a realiza+ão perfeita noslevará ao sa!er a!soluto. /á, de fato, uma unidade de prop#sito nestas quatro

se+*es finais, $á que cada uma mostrará modos distintos de posi+ão deste princípio de unidade. &este sentido, o “caráter progressivo( que animava o desenvolvimento

da 0enomenologia dá lugar a uma procura pela perspectiva possível defundamenta+ão de um “programa positivo para as aspira+*es defundamenta+ão da razão(. Haí porque7 “é apenas ap#s o capítulo so!re a razãoque a 0enomenologia c'ega ao ponto que /egel tin'a inicialmente situado nocapítulo so!re a consci%ncia-de-si7 ess%ncia e fenmeno se respondem, oespírito se mostra “ess%ncia a!soluta sustentando-se a si mesmo(.

?as a primeira manifesta+ão desta unidade entre consci%ncia de o!$etoe consci%ncia-de-si, unidade que /egel c'ama exatamente de “razão(Blem!remos da defini+ão cannica7 “a razão é a certeza da consci%ncia ser todaa realidade(E, é imperfeita. 6ara /egel, tal imperfei+ão é a marca da razãomoderna que 'avia encontrado sua consci%ncia filos#fica mais !em aca!adano idealismo. Haí porque, a se+ão “>azão( devia ser compreendida como aanálise das opera+*es da razão moderna em seus processos de racionaliza+ão;razão agora reflexivamente fundamentada no princípio de uma su!$etividade

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/egel é sensível ao fato de que aquilo que a razão proclama como o Futro de si mesmo,como a desrazão, como a loucura7 “não pode ser outra coisa que ela mesma, s# podecondenar o que ela é(. 6ois o programa de implementa+ão da razão é eminentementecrítico, a razão se realiza através da crítica ao seu Futro, a um Futro que ela deve pr, queela deve produzir como sua figura invertida, como seu exterior, isto  para poder se reali.ar(

3la se define através desta oposi+ão que l'e é constitutiva7 “6ortanto, quando a razão falade um Futro que ela, de fato s# fala de si mesma; assim não sai de si( J9<. Haí porque /egelafirmará, mais a frente, que o iluminismo é, na verdade, pouco iluminado so!re si mesmo.

omo a razão configura então o seu Futro na figura da féG /egel insiste em quatrodimens*es da crítica que serão apresentadas em vários momentos de nosso trec'o. 6odemos

consciente-de-si.. &este sentido, deveríamos encontrar aqui o que pode serc'amado de crítica 'egeliana ao processo de moderniza+ão em suasdimens*es7 cognitivo-instrumental Brazão o!servadoraE, prático-finalistaBrazão ativaE e $urídica Brazão legisladora 8 que é, " sua maneira, umdesdo!ramento da segundaE.omo $á deve estar claro para voc%s, a miríade de críticas que /egel endere+aaos processos modernos de racionaliza+ão convergem normalmente em um

 ponto comum7 são desdo!ramentos da incompreensão a respeito da estruturada consci%ncia-de-si, incompreensão derivada da tend%ncia em compreender osu$eito como locus pri*ilegiado do princípio de identidade( /egel insiste queo idealismo Bmovimento do qual ele se v% parteE nos traz um conceitorenovado de consci%ncia-de-si enquanto fundamento do sa!er, enquantocondi+ão para a consci%ncia de o!$eto e enquanto princípio de racionaliza+ãode todas as esferas sociais de valores. Haí porque vimos /egel partir, na se+ão

“razão(, de uma re-compreensão da proposi+ão fundamental de auto-identidade do su$eito B3u3uE. 2ratava-se de insistir que a correta ela!ora+ãodo processo de forma+ão da consci%ncia nos impedia de compreender estaauto-identidade do su$eito como posi+ão imediata da auto-percep+ão de si.

Vimos ainda como nosso capítulo come+ava tam!ém com uma pro!lematiza+ão a respeito do  $u penso como fundamento para a estruturacategorial do entendimento, sendo que Bsempre é !om lem!rarE as categoriaseram os operadores que permitiam a realiza+ão do conceito de razão comoconsci%ncia de ser toda a realidade Benquanto campo possível de experi%nciasracionaisE. /egel insistia que a regra de unidade sintética do diverso daexperi%ncia era fornecida pela estrutura+ão da pr#pria unidade sintética deapercep+*es, ou se$a, pela auto-intui+ão imediata da consci%ncia-de-si que7“ao produzir a representa+ão eu penso, que tem de poder acompan'ar todas asoutras, e que é uma e id%ntica em toda a consci%ncia, não pode seracompanhada por nenhuma outra(. Lant ainda é mais claro ao afirmar que7“F o!$eto é aquilo em cu$o conceito está reunido o diverso de uma intui+ãodada. ?as toda a reunião das representa+*es exige a unidade da consci%ncia

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designar estas quatro aspectos como sendo7 a pro$e+ão Bo que é ess%ncia a!soluta daconsci%ncia é produzida por ela mesmaE, o encantamento fetic'ista Ba consci%ncia adora um puro o!$eto sensívelE, a inexatidão 'ist#rica e textos sagrados e o sacrifício de si em nomede um Futro. 3m todos os tr%s casos, /egel tentará demonstrar que o Rluminismo, emIltima instAncia, não sa!e o que diz e sua crítica, em larga medida, não tem o!$eto.

Uuando o Rluminismo insiste que a ess%ncia a!soluta que é o!$eto da fé é, naverdade, seu pr#prio pensamento, a fé afirma que o Rluminismo nada l'e diz de novo7“porque para a fé seu o!$eto é tam!ém $ustamente isto, pura ess%ncia de sua pr#priaconsci%ncia(J9O. ?as é fato que o Rluminismo insistia no caráter factício deste Futro, no fatode que ele era pro$e+ão de um produto da pr#pria consci%ncia. /egel lem!ra então que, para

na respectiva síntese(. ssim, quando /egel constr#i um 7it. ao dizer que, para a consci%ncia, “o ser tem a significa+ão do seu( Bdas >ein die =edeutungdas >einen hat E, ele tem em vista o fato de que ser o!$eto para a consci%nciasignifica estruturar-se a partir de um princípio interno de liga+ão que é mododa cosnci%ncia apropriar-se do mundo.

F que /egel procurava pois era reconstituir as aspira+*es da razãoatravés da reconstitui+ão desta categoria fundamental, a sa!er, o su$eito comofundamento das opera+*es de reflexividade. 6ois questionada a possi!ilidadeda auto-intui+ão imediata de si, são os postulados fundamentais deconstitui+ão de processos de identidade, diferen+a, unidade, liga+ão queestarão a!alados. 6or isto, /egel não esquecerá de dizer que7

6orém a razão, mesmo revolvendo todas as entran'as das coisas ea!rindo-l'es todas as veias a fim de ver-se $orrar dali para fora não

alcan+ará essa felicidade `de ser toda a realidade\, mas deve ter-serealizado B*ollendent E antes em si mesma para depois experimentar sua plena realiza+ão BCollendung E.

>ealizar-se em si mesma antes de se experimentar no mundo significaque a razão deve racionalizar inicialmente o que l'e serve de fundamento, ouse$a, a individualidade, isto antes de sa!er como se orientar na experi%ncia domundo. Haí porque vimos como a crítica " dimensão cognitivo-instrumentalda razão ia da o!serva+ão da natureza inorgAnica BfísicaE, a o!serva+ão danatureza orgAnica B!iologiaE para encontrar nas “ci%ncias da individualidade(os paradigmas de constitui+ão do o!$eto de o!serva+ão científica. o final,vimos como a razão s# podia apreender o que é da ordem do fundamento deseus processos ao a!andonar a tentativa de compreender a confronta+ão com oo!$eto a partir das dinAmicas de “o!serva+ão( da imediatez do ser ou daunidade imediata do 3u. Hevemos compreender a razão como atividadeBpensada a partir dos processos de dese$o, tra!al'o e linguagemE, e não comoo!serva+ão. Haí porque /egel dirá que “o verdadeiro ser do 'omem é seu ato

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a fé, da mesma forma, é s# através de seu agir e produzir que a rela+ão pode " ess%ncia pode se realizar, pois7

a ess%ncia a!soluta da fé não é a ess%ncia a!strata que se encontra além daconsci%ncia crente; é, sim, o espírito da comunidade, é a unidade da ess%ncia

a!strata e da consci%ncia-de-si

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.He qualquer forma, o produzir não deve ser fundamento Inico da ess%ncia, $á que

ela é, ao mesmo tempo, algo em si Bno interior de uma rela+ãoE e para si Bfora de toda equalquer rela+ãoE. ?as o Rluminismo continua insistindo que o o!$eto da fé é uma ess%ncia

B...E o ato é isto7 e seu ser não é somente um signo, mas a coisa mesma(. Rstolevava /egel a procurar o fundamento da unidade da razão em sua dimensão

 prática, sentido maior da passagem da razão o!servadora " razão ativa. omodirá 6inCard7 “ concep+ão Cantiana da racionalidade como o que é comum atodos os su$eitos e como o que os faz su$eito auto-determinados, e nãosu!stAncias determinadas de fora s# pode ser realizada através da concep+ãoda razão como prática social, e não através da concep+ão da razão como

 princípio de com!ina+ão de representa+*es no interior de experi%nciacoerente. F modelo representacional de con'ecimento 8 modelo de um su$eitoinspecionando suas representa+*es do mundo 8 deve dar lugar ao modelo decon'ecimento como participação em práticas sociais(.

He fato, /egel apresentava esta no+ão de que o verdadeiro ser o 'omemé seu ato no interior de uma reflexão so!re a fisiognomia. Vimos como afisiognomia era uma pseudo-ci%ncia, muito em voga " época, !aseada na

cren+a em con'ecer as predisposi+*es de conduta dos su$eitos através dostra+os do rosto. F rosto aparece assim como o exterior que pode, inclusive, serdistinto da pr#pria conduta efetiva dos su$eitos Bdaí a importAncia da rela+ãoentre o rosto e a  predisposição " condutaE. Rsto levava a fisiognomia adefender o enraizamento do sentido da conduta na predisposi+ão. 3ra contraeste enraizamento da significa+ão na interioridade da intencionalidade que/egel afirmava que o verdadeiro ser do 'omem é seu ato. 6ois, no atoconsumado, a falsa indetermina+ão da intencionalidade é aniquilada eencontra sua verdadeira significa+ão. &o entanto, /egel nada dizia so!re quala perspectiva correta de interpreta+ão do ato. 3ste era o pro!lema que deveriaser resolvido pela su!se+ão dedica " razão ativa. 1em uma perspectivafundamentada e universalmente válida de interpreta+ão do ato não 'averácomo darmos conta do que está em $ogo nos procedimentos de fundamenta+ãoda razão. 0oi para dar conta deste pro!lema que /egel apresentou, pela

 primeira vez, o conceito de “eticidade(, ou de “razão ética( para falarmos com>o!ert 6ippin. 3sta eticidade era a manifesta+ão BOffen2arung do conceitode espírito como con$unto de práticas sociais racionalmente fundamentadas e

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na qual a consci%ncia não recon'ece seu produto, como o alfaiate que não v% suas marcasna roupa que produz, por isto seu produto é algo que aparece como estran'o " consci%ncia7

?as aqui o Rluminismo é completamente insensato; a fé experimenta-o como umdiscurso que não sa!e o que diz, não compreende o assunto quando fala e impostura

dos sacerdotes e da ilusão do povo. 0ala disso como se por um passe de mágica dossacerdotes prestidigitadores deslizasse sorrateiramente para dentro da consci%nciaalgo a!solutamente estran'o e Futro em lugar da ess%ncia, e diz ao mesmo tempoque se trata de uma ess%ncia da consci%ncia que nela cr%, confia nela e procura faz%-

reflexivamente apropriadas. em!remos novamente da maneira com que/egel anunciava o advento do reino da eticidade7

om efeito, este reino não é outra coisa que a a!soluta unidadeespiritual dos indivíduos em sua efetividade independente. X umaconsci%ncia-de-si universal em si, que é tão efetiva em uma outraconsci%ncia que essa tem perfeita independ%ncia, ou se$a, é uma coisa

 para ela.

 &o entanto, sa!íamos desde o prefácio da  Fenomenologia do $spíritoque /egel compreendia os tempos modernos enquanto momento 'ist#rico emque7 “ não somente está perdida, para o espírito, sua vida essencial; `mas\ estáconsciente desta perda e da finitude que é seu conteIdo(. &este sentido, todo o

resto do nosso capítulo pode ser compreendido como o movimento no qual aconsci%ncia desco!re a necessidade e a impossi!ilidade de posi+ão de umconceito de eticidade na modernidade, isto se não formos capazes deconce!ermos práticas e institui+*es sociais capazes de responder "s demandasde recon'ecimento de su$eitos não-su!stanciais e locus de uma “negatividadedialética que consiste na não-fixa+ão do negativo, na não-opositividade dosopostos, na eleva+ão para além de toda determinidade(. omo tais práticas einstitui+*es não são sentidas como necessárias por su$eitos que ainda se auto-compreendem como pura identidade a si na dimensão da a+ão, então /egelterá que criticar todas as figuras da su!$etividade agente vinculada "imediaticidade da auto-identidade. 3ste foi o eixo que guiou a apresenta+ão'egeliana das figuras da razão na dimensão prática7 o 'edonismo faustiano, osentimentalismo da lei do cora+ão e a recupera+ão moderna do discurso davirtude natural. Veremos na aula de 'o$e mais tr%s outras figuras7 aindividualidade romAntica Bo >eino animal do 3spíritoE, o formalismo éticoB>azão legisladoraE e a tentativa de recupera+ão imediata da eticidade B>azãoexaminando as leisE.

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la propicia B...E F Rluminismo enuncia imediatamente como sendo o mais pr#prio daconsci%ncia o que enuncia como algo a ela estran'oJ9K.

/egel completa então lem!rando que esta rela+ão entre a consci%ncia e a ess%nciano interior da fé não pode ser compreendida como figura do engano. consci%ncia não

 pode pro$etar algo para fora de si e se nada sa!er a respeito de tal opera+ão. F que está em $ogo no interior de tal opera+ão é, antes, algo da ordem da verdade da rela+ão daconsci%ncia ao que fundamenta seu agir de maneira incondicional e mo!iliza seu dese$o. fé pode pr tal fundamento de maneira inadequada Bso! a forma da representa+ãoE, ela pode p-lo de maneira não especulativa, mas ela não pode se enganar a respeito do que constitui

penas a título de recapitula+ão, lem!remos como /egel come+avaapresentando esta auto-identidade da individualidade através do recurso aoagir em nome da satisfa+ão de impulsos naturais Bo 'edonismoE. /egel insistiaque, o prazer advindo de tal satisfa+ão era confronta+ão da consci%ncia comuma “ess%ncia negativa( Bnegati*e esenE que devora a quietude do gozo.3ss%ncia negativa esta que não é outra coisa que uma “categoria a!strata( Bistono sentido de uma representa+ão que não se aplica a nen'um o!$etoE..

3sta no+ão de ess%ncia negativa pr#pria ao gozo do prazer erafundamental. /egel parece estar insistindo que o agir em nome do prazer nãoé um agir que se aquieta no gozo. 3le é um movimento circular que nunca serealiza por ser, na verdade, um “círculo de a!stra+*es(, $á que não 'á nadamais a!strato do que “impulsos naturais( . Haí porque, /egel afirma que anecessidade é apenas a “rela+ão simples e vazia B...E cu$a o!ra é apenas o nadada singularidade(.

consci%ncia então procurava a auto-identidade de si não mais naafirma+ão da singularidade através de impulsos naturais, mas através da suareconcilia+ão imediata com o universal de todas as vontades através da “eido cora+ão(. través da lei do cora+ão, a necessidade deixou de ser postacomo a afirma+ão da particularidade da posi+ão singular da consci%ncia que

 procura o prazer, para ser o universal ou aquilo que funda uma lei cu$as raízesse encontram no sentimentalismo do cora+ão

?as lem!remos que ficamos com um pro!lema relativo "indetermina+ão do que aparecia como “necessidade(, como “impulsosnaturais(. 3sta indetermina+ão continua. He uma certa forma, a ei do cora+ãonão poderá ser realizada porque ela, no fundo, nada enuncia. 6or isto, so! oimpério da ei do cora+ão, a consci%ncia nunca irá se recon'ecer nasconseq5%ncias de seus pr#prios atos. /egel afirma que a consci%nciadescon'ece a natureza da eficácia Bir+sam+eit E da a+ão, isto no sentido delanão ter " sua disposi+ão uma perspectiva correta de avalia+ão dos processos de

 produ+ão do sentido da a+ão social. 3la está certa de ter imediatamente " suadisposi+ão o sentido de seu ato Bse$a ele político, moralE. 6oderíamos dizer,

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a pr#pria consci%ncia-de-si. Haí porque /egel, ao comentar a pergunta enunciada por0rederico da 6rIssia, “se é permitido enganar um povo(, dirá simplesmente que a perguntafoi mal colocada, porque não se “engana( um povo. “3ngano( diz respeito a sistemasindividualizados de cren+a. ?as a fé é forma de vida e processo de forma+ão que seencarna em comunidades e em expectativas de $ustifica+ão. 3nquanto elemento do processo

de forma+ão da consci%ncia européia da época, é algo da pr#pria fé que permite aconstitui+ão de processos internaliza+ão reflexiva de auto-crítica. Haí a resposta 'egeliana7

1em dIvida, é possível em algum caso vender latão por outro, passar din'eiro falso por verdadeiro, poder ser que muitos aceitem uma !atal'a perdida como gan'a, é

 parafraseando ?erleau-6ontM, que essa consci%ncia age em nome de7 “umafilosofia do 'omem interior que não encontra a menor dificuldade de

 princípios nas rela+*es com os outros, a menor opacidade no funcionamentosocial e su!stitui a cultura política pela exorta+ão moral(. omo vimos, oresultado será um dilaceramento da identidade da consci%ncia que não podeser por ela recon'ecido. Haí porque, a ei do cora+ão termina na loucura.

Vimos ainda como a consci%ncia podia ainda tentar, deli!eradamente,anular a pr#pria individualidade para salvar o princípio de identidade. Rsto elafará através da recupera+ão do discurso da virtude natural, sentidofundamental da figura “ virtude e o curso do mundo(7

consci%ncia, através da recupera+ão do discurso da virtude naturaltenta inverter o sentimentalismo da ei do cora+ão ao afirmar que seria apenasatravés do sacrifício da individualidade Bque é visto como o “princípio deinversão( do sentido virtuoso do curso do mundoE e da aniquila+ão dos

egoísmos que o curso do mundo pode aparecer tal como é em sua verdade. sa+*es não devem ser vistas como o que é feito pela individualidade, mas comoo que é feito como a!nega+ão a partir do !em em si. !nega+ão feita a partirda fé em uma 6rovid%ncia que garante a virtuosidade do curso do mundo, istoquando a individualidade usa corretamente seus dons e for+as, nãointerferindo a partir de seus pr#prios desígnios egoístas. &o entanto, aconsci%ncia fez a experi%ncia de que a individualidade é o princípio daefetividade, $á que a individualidade que atua é o que inverte o nada daa!stra+ão em ser da realidade. Haí porque /egel pode dizer que a recupera+ãomoderna da virtude é pura ret#rica que não pode determinar de maneira

 precisa sua significa+ão. o final, vimos como a consci%ncia virtuosa sereconciliava com o curso do mundo através da suspensão da oposi+ão entre oagir particular e os interesses do universal7 “ individualidade do curso-do-mundo pode !em supor que s# age para si ou por egoísmo(, dirá /egel, “ela émel'or do que imagina, seu agir é ao mesmo tempo um agir universal sendoem si. Uuando age por egoísmo, não sa!e simplesmente o que faz(.

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 possível conseguir que se acredite por algum tempo em outras mentiras so!re coisassensíveis e acontecimentos isolados. 6orém, no sa!er da ess%ncia, em que aconsci%ncia tem a certeza de si mesma, está descartado completamente o pensamento do enganoJJ@.

6or outro lado, o Rluminismo critica o encantamento fetic'ista da fé que adora uma“coisa ordinária, ente da certeza sensível(, um peda+o de pedra, um toco de madeira, um pão que !rotou do campo. He novo, /egel procura corrigir a crítica esclarecida7

O re!no an!mal do e"#$r!to

Z como uma tentativa de agir a partir da pressuposi+ão destareconcilia+ão com um curso do mundo produzido pelo agir das consci%nciasque a Iltima su!se+ão, “ individualidade que é real em si e para si mesma(,deve ser compreendida. 6or isto, /egel inicia7

consci%ncia-de-si agora captou o conceito de si, que antes era s# onosso a seu respeito7 o conceito de ser, na certeza de si mesmo, toda arealidade. Haqui em diante tem por fim e ess%ncia a interpenetra+ãoespontAnea `2e7egende )urchdringung - o movimento espontAneo deinterpenetra+ão\ do universal Bdons e capacidadesE e da individualidade.

omo a finalidade do agir da consci%ncia é o movimento espontAneo de

interpenetra+ão entre o universal e a individualidade, /egel pode afirmar quea razão tem por o!$eto a pr#pria categoria Benquanto predica+ão geral deo!$etos possíveis da experi%nciaE, isto no sentido de que a universalidade decategorias pensadas de maneira especulativa e a partir da experi%nciaresultante do agir da consci%ncia pode agora dar conta da integralidade do quese apresenta " experi%ncia. F que s# pode significar que a matéria e afinalidade do agir $á estão reconciliados no pr#prio agir, uma outra forma dedizer que “a pura categoria adveio consciente de si mesma(, ou ainda, que aconsci%ncia tem, imediatamente, a apreensão da perspectiva de sentido dasconseq5%ncias do seu agir7

6or conseguinte, o agir tem o aspecto do movimento de um círculo quelivre no vácuo se move em si mesmo, sem o!stáculos  ̀pois nãoencontra resist&ncia alguma *inda de uma realidade resistente 0

 perspecti*a de compreensão da consci&ncia\; ora se amplia, ora sereduz e, perfeitamente satisfeito, s# !rinca em si mesmo e consigomesmo B...E F agir nada altera e não vai contra nada. Z a pura forma do

9P9

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F que a fé adora não é para ela, em a!soluto, nem pedra nem madeira ou pão, nemqualquer outra coisa sensível temporal. 1e ocorre ao iluminismo dizer que o o!$etoda fé é isto tam!ém, ou mesmo, que é isto em si e em verdade, precisa notar que afé, de um lado, con'ece igualmente aquele tam!ém, mas para ela está fora de suaadora+ão coisas como pedra etc., em geral para ela nada são em si; para ela s# é em

si a ess%ncia do puro pensar 

JJ)

.He fato, enquanto consci%ncia cindida entre o além da efetividade e seu aquém, a fé

deve ter presente em si este ponto de vista da coisa sensível, segundo o qual a coisa sensível

transladar `J2erset.en ; traduzir\ do não-visível ao visível`6esehen7erden\(.

 &o entanto, a consci%ncia fará a experi%ncia de que sua pressuposi+ão dereconcilia+ão ainda não está realizada e, por enquanto, não poderá serrealizada. consci%ncia ainda compreende a “reconcilia+ão( como expulsão

 para fora de si de toda dinAmica conflitual e negativa com o em-si pr#prio "o!$etividade. F reconciliar como o !rincar que nada altera e não vai contranada. 3sta suspensão do tra!al'o do negativo não é ainda a figura dasupera+ão reconciliadora.

fim de expor a dinAmica desta experi%ncia, /egel sintetiza suasreflex*es so!re a anatomia do ato em um momento central deste capítulo7 “Freino animal do espírito e a impostura ou coisa mesma(. onvém nosdetermos mais demoradamente neste ponto.

F título “F reino animal do espírito( $á diz muito a respeito do que virá.Z !em provável que /egel tivesse em mente esta frase do poema 3Dperion, de/lderlin onde ele discute com o erudito7 “como se a natureza 'umana fossedissolvida em uma multidão de reinos animais(. He fato, /egel pensa em umaestrutura de intera+ão social !aseada na conversa+ão, daí porque, por exemplo,uma figura que aparece neste momento do capítulo é a consci%ncia 'onesta, ouo honn&te homme7 cidadão culto e cosmopolita da 0ran+a do VRRR e capaz deentrar, com eloq5%ncia, em qualquer discussão letrada de salão literário. ?asesta conversa+ão será tal que nos desco!riremos que cada individualidade sefec'a em uma natureza originária delimitada, como se enga$assem naconversa+ão apenas para expressarem a si mesmos. 3les se enga$am assim emum 'orizonte espiritual, mas agem como quem está ainda ligado aodeterminismo particularista do reino animal. 3les estão assim em um reinoanimal do espírito( Lo$Nve c'egou mesmo a ver neste “agir que nada altera(, a

 pr#pria figura do intelectual7 “p#s os 'er#is do romantismo, /egel consideraaqui os especialistas, professores, artistas que conferem ar!itrariamente " suafun+ão um valor a!soluto, sem se aperce!er que ela é para os outros

9PJ

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tem um presen+a irredutível e “valor em si e para si( JJ9. &o entanto, a consci%ncia crentenão é capaz de apreender de maneira especulativa uma unidade que ela mesma p*e. /egelinsistirá nesta no+ão de que a fé p*e o que ela não consegue tematizar, como se elaesquecesse o que faz.

/egel segue desta maneira na análise de outras dimens*es da crítica iluminista " fé,

isto até que ele possa colocar a questão central7 mas o que o iluminismo apresentará ap#s aluta com a féG7 “Uuando são !anidos todos os preconceitos e supersti+*es, então surge a pergunta7 e agora, que restaG Uue verdade o iluminismo difundiu em lugar dos preconceitose supersti+*esG(JJJ. /egel recon'ece que o Rluminismo, ao iluminar o mundo celestial comas representa+*es do mundo sensível, coloca a fé como consci%ncia da rela+ão do finito que

indivíduos uma realidade estran'a " qual procuram su!stituir a sua pr#priacausa. >econ'ecemos aqui o 'orror da época diante dos especialistas(. Hequalquer maneira, uma coisa é certa7 /egel tem em mente, entre outras coisas,uma certa passagem do individualismo Bindivíduos com con$untos id%nticos deinteresses e li!erdadesE " individualidade romAntica Bcada indivíduo tem umanatureza Inica incomensurável que se expressa em uma o!raE, individualidadeque !em pode dar conta da posi+ão exc%ntrica dos intelectuais no que dizrespeito " rela+ão com o tecido social.

?as vemos que o título desta parte é duplicado7 “F reino animal doespírito e a impostura ou coisa mesma B>ache sel2st E(. omo veremos, ouso deste termo no contexto da economia interna do texto é am!íguo.&oentanto, para apreender mel'or a natureza desta am!ig5idade, faz-senecessário entrarmos no comentário do texto.

Vale a pena inicialmente perce!er que o texto é dividido em tr%s partes7

do parágrafo JKO a P@P temos uma descri+ão detal'ada do movimentoespontAneo de interpenetra+ão entre universal e individualidade tal como é pressuposto pela consci%ncia neste momento. 3ntre os parágrafos P@Q e P@K,temos a descri+ão da experi%ncia da consci%ncia ao tentar realizar tal

 pressuposi+ão. 6or fim, do parágrafo P)@ ao ))Y, temos um longo trec'odedicado " tematiza+ão do pro!lema da experi%ncia que a consci%ncia cr%fazer com a oisa mesma.

/egel parte então de uma posi+ão similar "quela que vimos quando foiquestão dos “impulsos naturais( que guiaram o 'edonismo faustiano7

individualidade entre em cena, pois, como natureza origináriadeterminada, como natureza originária porque é em si; comooriginariamente determinada porque o negativo está no em si o qual,

 portanto, é uma qualidade B...E determinidade originária da natureza é pois somente princípio simples, um elemento universal transparenteonde a individualidade não s# permanece livre e igual a si mesma, comotam!ém aí desenvolve irreprimida as suas diferen+as.

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é ente em si com o a!soluto, tal como o iluminismo. ?as a fé é agora um “iluminismoinsatisfeito(, marcado pela infelicidade da distAncia em rela+ão a um fundamentoincondicional e a!soluto.

Dá para o “iluminismo satisfeito( de si, dois camin'os complementares se a!rirão7 omaterialismo BHiderot, a ?ettrie, /ol!ac', /elvetiusE e o deísmo agn#stico de Voltaire e

Hlam!ert. 6ois a ess%ncia a!soluta se torna um vazio a respeito do qual não se podeatri!uir determina+*es ou predicados, $á que toda determinidade foi posta como umafinitude, como ess%ncia e representa+ão 'umana. 3ste vazio pode então gan'ar a figura deum deismo agn#stico do &tre supr&me. Fu, antes, sendo nulo tudo o que se p*e comoess%ncia além da certeza sensível, o Rluminismo pode dar lugar a um materialismo cu$oconceito de matéria nada mais é que o universal a!strato. 6ois a matéria aqui é o que resta

3sta natureza originária determinada aparece inicialmente comoconteIdo imediato da finalidade do agir. 0inalidade que é expressão defaculdades como o talento, o caráter etc. omo se trata de um elementotransparente, a consci%ncia compreender o agir como7 “um puro traduzir daforma do ainda não apresentado BdargestelltenE " forma do ser apresentado(.

Z fato que a esta altura $á sa!emos que esta no+ão de agir como puratradu+ão do interior no exterior não deixa de nos colocar pro!lemas, até

 porque7 “o indivíduo não pode sa!er o que ele é antes de se ter levado "efetividade através do agir(. ?as isto equivale a dizer que a consci%ncia não

 pode determina a finalidade de seu agir antes de ter efetivamente agido, isto sequiser ainda conservar alguma identidade entre efetividade e ato. Haí um

 paradoxo exposto por /egel nos seguintes termos7

F indivíduo que vai agir parece encontrar-se em um círculo onde cadamomento $á pressup*e o outro e desse modo não pode encontrarnen'um come+o. om efeito, s# através da a+ão aprende a con'ecer suaess%ncia originária que deve ser sua finalidade, mas para agir deve

 possuir antes a finalidade `quer di.er, o indi*íduo só sa2e o que fa. equal a significação da sua ação para al'm da intencionalidadeimediata\. 6or isso mesmo, deve come+ar imediatamente e se$am quaisforem as circunstAncias, sem maiores pondera+*es so!re o come+o, omeio B 4ittel E  e a finalidade da a+ão  ̀$ste GdecisionismoH tem sua

 justificati*a( O sujeito j9 est9 desde sempre inserido em um complexode pr9xis sociais e j9 age desde sempre ; ca2e a ele apenas assumirreflexi*amente como sua esta ação que ele j9 fa.\. omo come+o, essanatureza está presente nas circunstAncias do agir e o interesse que oindivíduo encontra em algo $á é a resposta dada " questão7 se deve agir eo que fazer.

9PQ

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quando a!straímos o ver, o tocar, o gostar como qualidades da imagina+ão. “ matéria éantes a pura a!stra+ão e desse modo está presente a pura ess%ncia do pensar como oa!soluto saem predicado, não diferenciado e não determinado em si( JJP. 3sta pura a!stra+ãoé o universal que aparece de maneira invertida no deismo agn#stico e que pode darfundamento a um utilitarismo que s# v%, nas coisas, o que é Itil ao gozo, como se o

'omem7 “tal como saiu das mãos de deus, circulasse neste mundo como em um $ardim porele plantado(.

Cur"o Heel

ssim, o círculo é que!rado porque o agir $á está presente antes daassun+ão, pela consci%ncia, de um pro$eto. s circunstAncias que levam " a+ão

 $á são a natureza originária do indivíduo porque são circunstAncias  para aação deste indi*íduo Buma circunstAncia para a a+ão não é vista assim portodos os indivíduos 8 um indivíduo é a soma das circunstAncias que ele faz

 suaE. a!e " consci%ncia apreender reflexivamente uma a+ão Bcomposta decircunstAncias, meio e finalidadeE da qual ela $á é suporte7 “assim a a+ão emsua totalidade não sai fora de si mesma(.

 &o entanto, /egel lem!ra que o círculo se complexifica se levamos emconta a rela+ão da consci%ncia com a o!ra resultante da a+ão, pois, aoconfrontar-se com a o!ra7 “a consci%ncia se determina como o que inclui adeterminidade como negatividade em geral, como agir; a consci%ncia é ouniversal em contraste com aquela determinidade da o!ra(. /egel quer dizercom isto, que mesmo recon'ecendo-se reflexivamente no agir, a consci%ncia é

sempre aquilo que se comporta diante da o!ra como “negatividade em geral(.Rsto a permite tomar distAncia da pr#pria o!ra, compará-la com outras eaplicar $ulgamentos de valor. ?as /egel afirma que, neste estágio, talnegatividade em geral seria inefetiva porque a consci%ncia $á está certa de que7“nada é para a individualidade que não se$a por meio dela B...E 1e$a o que forque ele fa+a ou que l'e aconte+a, foi ele quem fez e isto é ele; o indivíduo s#

 pode ter a consci%ncia da tradu+ão simples de si, da noite da possi!ilidade parao dia da presen+a B...E o que vem a seu encontro na luz do dia é o mesmo que

 $azia adormecido na noite(. questão que fica é, pois7 pode a consci%ncia realizar tais

 pressuposi+*es na experi%nciaG 6ode a consci%ncia realizar tal movimentoespontAneo de interpenetra+ão entre a universalidade da significa+ão de seuagir e a particularidade de contextos na experi%nciaG 3ste é o pro!lemaa!ordado por /egel na segunda parte do nosso texto, esta que vai do parágrafoP@Q ao P@K.

/egel parte do pro!lema da confronta+ão entre consci%ncia e o!ra. Hefato, a consci%ncia, devido a sua estrutura transcendente e negativa que

9P<

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Aula

 &a aula de 'o$e, terminaremos su!se+ão7 “F espírito alienado de si7 a cultura(. Rsto nos permitirá, na aula que vem, terminar o curso através de um comentário das quest*es

centrais que aparecem na Iltima su!se+ão da se+ão “3spírito(7 esta intitulada “F espíritocerto de si7 a moralidade(. 2ais quest*es nos permitirão compreender ela!ora+*es centraisapresentadas por /egel na se+ão final Fenomenologia do $spírito7 esta intitulada “F 1a!er!soluto(.

 procura ser recon'ecida “se retira de sua o!ra(, “ela mesma é o espa+o semdeterminidade que não se encontra preenc'ido por sua o!ra(. ?as lem!remosque a consci%ncia deve adotar uma posi+ão negativa em rela+ão " o!ra porqueesta é aquilo que se confronta perpetuamente com outras consci%ncias, ou se$a,a significa+ão da o!ra é resultado da interfer%ncia de outras consci%ncias. 3laé o que se constr#i na confronta+ão incessante entre consci%ncias. Haí porque/egel afirma7

o!ra é assim lan+ada para fora em um su!sistir no qual adeterminidade da natureza originária se retorna contra as outrasnaturezas determinadas, nas quais interfere e que interferem nela; enesse movimento universal `a o!ra\ se perde como momentoevanescente B...E 3m geral, a o!ra é assim algo de ef%mero que seextingue pelo contra$ogo de outras for+as e de outros interesses e que

apresenta a realidade da individualidade mais como evanescente do quecomo implementada.

Hevido " sua passagem ao campo social, a o!ra desaparece para dar lugar aum enla+amento em um feixe de interpreta+*es sempre contradit#rias,

 polifnicas e estran'as ao pr#prio autor. F que a consci%ncia experimentaatravés de sua o!ra é pois a7 “a inadequa+ão do conceito e da realidade queem sua ess%ncia reside(. Fu se$a, o que a consci%ncia v% na o!ra não é asimples tradu+ão da noite da possi!ilidade para o dia da presen+a, mas aformaliza+ão da inadequa+ão entre efetividade e conceito que é a pr#priaess%ncia da consci%ncia `inadequa+ão que vem desde o início da0enomenologia do 3spírito através do descompasso entre designa+ão esignifica+ão\.

=lanc'ot, em um texto intitulado “ literatura e o direito " morte(, procurou retirar deste trec'o da 0enomenologia, uma teoria do 'eidegero-'egeliana do fenmeno literário enquanto nadifica+ão. “em escrevendo, ele `oescritor\ faz a experi%ncia de si mesmo como um nada ao tra!al'o e, ap#s ter

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Vimos, na aula passada, como /egel se via o!rigado a compreender asconsequ%ncias deste processo de auto-dissolu+ão do mundo da cultura através da ironiza+ãoque foi o!$eto de nosso comentário 'á duas aulas atrás. Hesta ironiza+ão a!soluta dascondutas, /egel procurava nos demonstrar que seguiam dois desdo!ramentos possíveis,duas posi+*es no que diz respeito a recupera+ão de princípios de valora+ão e forma+ão

capazes de dar conta da perda de fundamento para o 3u no interior de modos desocializa+ão na aurora da modernidade7 o emotivismo da recupera+ão moderna da féB6lau2enE e a pura intelec+ão do esclarecimento. ontra a aus%ncia de fundamento de um processo de forma+ão vinculado " cultura, a consci%ncia pode procurar afastar-se do mundoatravés do puro pensar.

escrito, ele faz a experi%ncia de sua o!ra como alguma coisa que desaparece. o!ra desaparece, mas o fato de desaparecer sem mantém, aparece como oessencial, como o movimento que permite " o!ra se realizar entrando no cursoda 'ist#ria, se reali.ar desaparecendo(. &este sentido, escrever transforma-seno ato perpétuo de auto-dissolu+ão. través da palavra, o su$eito perpetua seuevanescimento e encontra sua realidade na figura de uma quase-presen+a queé uma ainda-aus%ncia.

He fato, /egel afirma que o conteIdo da experi%ncia de confronta+ãocom a o!ra feita pela consci%ncia é a o!ra evanescente B*ersch7indendeer+ E. 4ma dissolu+ão que gan'a a forma da pr#pria o!ra7 “F que se mantémnão é o desaparecimento, pois esta é efetiva e vinculada " o!ra, desaparecendocom ela. F negativo vai ao fundamento B .u 6rundeE $unto com o positivo, doqual é a nega+ão(. F que nos permite compreender “o desparecimento dodesaparecer( do qual fala /egel como a possi!ilidade de compreender a o!ra

enquanto manifesta+ão, enquanto apresenta+ão do que s# encontra forma nesta passagem incessante ao outro. qui, vale algumas considera+*es precisas de:erard e!run7 “F espírito é tanto inscri+ão em uma figura finita quantodissolu+ão incessante desta figura+ão(, daí porque( a o!$etividade s# seapresenta devido ao fato de desaparecer(, “a Inica o!$etividade que convém "Rdéia é aquela que se suprime(

A Co!"a me"ma

Z neste contexto que /egel introduz o conceito de oisa mesma B>ache sel2st E. o apreender a negatividade que vem " cena na o!ra, ao apreender amultiplicidade de perspectivas que se confrontam na o!ra e anulam acompreensão do agir como transpar%ncia, a consci%ncia pode compreender talnegatividade e tal multiplica+ão de perspectivas como manifesta+ão da oisamesma.

 &a #gica, a oisa mesma era definida como “totalidade dedetermina+*es(, como o que se apresenta como “incondicionado(. &este

9PY

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/egel lem!ra que estes dois movimentos da ess%ncia irão aparecer de maneiraseparada, em!ora ten'am a mesma fonte. pura intelec+ão é esta ess%ncia interiorsatisfeita em uma quietude passiva. omo ela nasce de um afastamento do mundo dacultura, de início ela não tem conteIdo em si mesma, seu o!$eto é o puro 3u enquanto fontedo conceituar, isto no sentido de que o o!$eto s# terá verdade para ela na medida em que

tiver a forma do 3u Btal como vimos no caso da análise 'egeliana das categoriasE.em!remos aqui novamente deste postulado idealista central7 a estrutura do o!$eto deveduplicar a estrutura do 3u.

Dá a fé irá aparecer tam!ém como pura consci%ncia, mas que tem por o!$eto aess%ncia que adquire, inicialmente, a figura degradada da representa+ão de um ser o!$etivo,

sentido, ela é a realiza+ão do conceito de o!$eto de um sa!er fundamentado demaneira incondicional e universal. F!$eto que não se coloca como resultadodo agir contingente de um indivíduo, mas de uma consci%ncia-de-siuniversalmente recon'ecida. lgo desta no+ão $á está presente na primeiradefini+ão de oisa mesma fornecida por /egel7

oisa mesma s# se op*e a esses momentos `da o!ra\ enquanto sesup*e que devem ser válidos isoladamente, pois ela é essencialmentesua unidade, como interpenetra+ão da efetividade e da individualidade.1endo um agir 8 e como agir, puro agir em geral 8 é tam!ém agir desseindivíduo. 3 sendo esse agir como ainda l'e pertencendo, em oposi+ão "efetividade, tam!ém é a passagem dessa determinidade " oposta; eenfim, é uma efetividade que está presente para a consci%ncia.

Fu se$a, a oisa mesma é o que supera os momentos evanescentes dao!ra, poi se encontra em todos os momentos e transcende todos eles. 6or outrolado, ela é o que realiza uma passagem no oposto formalizando a rela+ão entreagir do indivíduo e efetividade. &o entanto, a primeira apropria+ão reflexivada estrutura da oisa mesma não nos leva em dire+ão a este sa!er de si que é,ao mesmo tempo, sa!er da efetividade, e que é a meta da 0enomenologia. 3lanos leva a um certo $ogo de contrários e culto de paradoxos que será mel'ortematizado na se+ão “3spírito( " ocasião do comentário 'egeliano do texto deHiderot, O so2rinho de ameau. qui, /egel c'ega a esta!elecer uma divisãoque será mel'or tematizada mais a frente7 podemos tomar a oisa mesmacomo su$eito Be que, na verdade, é uma forma de desdo!rar a proposi+ão“apreender a su!stAncia como su$eito(E ou como predica+ão universal queca!e a toda e qualquer coisa. Z neste Iltimo sentido que ela aparece aqui.

6ara tanto, /egel lem!rará7 a primeira figura da consci%ncia capaz de serelacionar com a oisa mesma é a consci%ncia 'onesta, ou se$a, o honn&tehomme das conversa+*es e sal*es, versado na arte dos paradoxos e dasinvers*es `/egel esta!elece uma lin'a reta entre o honn&te homme e o cinismo

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de um Futro além da consci%ncia-de-si B )eusE. 6or isto, ela é nega+ão do mundo através deum servi+o em nome de Heus. &o entanto, /egel lem!ra que7 “ a articula+ão do mundo realtam!ém constitui a organiza+ão do mundo da fé(JJQ, isto no sentido de que o movimentofenomenol#gico de auto-dissolu+ão das determinidades duplica a estrutura do mundoteol#gico. ?aneira de insistir que esta nega+ão do mundo apenas irá perpetuá-lo pois é feita

a partir dele mesmo.Vimos como, na Fenomenologia, /egel organiza sua reflexão so!re o iluminismo esuas expectativas de racionaliza+ão a partir de uma confronta+ão com a fé que, em vários pontos, apresenta-se como uma retomada do conflito, pr#prio " polis grega, entre um princípio 'umano e um princípio divino de conduta socializa+ão.

do so!rin'o de >ameau\. 3le sa!e $ogar com a multiplicidade de perspectivasatravés da arte da conversa+ão !ril'ante. om isto, ele dissolve todadeterminidade da coisa B )ing E. Hevido a esta dissolu+ão7

/a$a o que 'ouver, a consci%ncia 'onesta vai sempre implementar eatingir a oisa mesma, $á que é o predicado de todos esses momentoscomo este g%nero universal B...E 6ara ela, a oisa mesma é tanto oisasua como a!solutamente o!ra nen'uma; ou se$a, é o puro agir, ou afinalidade vazia, ou ainda, uma efetividade desativada. 0az su$eito desse

 predicado uma significa+ão depois da outra e as esquecesucessivamente.

Z isto que permite a /egel afirmar que a verdade da 'onestidade dessaconsci%ncia é não ser tão 'onesta quanto parece. &a verdade, se lem!rarmos

que /egel pensava aqui na individualidade romAntica e se lem!rarmos do queocorrerá mais a frente, quando alguns temas aqui apresentados serãoretomados, podemos dizer que esta consci%ncia que é capaz de colocar a oisaem uma determinidade e em seu contrário é, no fundo, uma figura da ironia.omparemos, por exemplo duas afirma+*es de /egel7

4m dos momentos do conteIdo `da oisa\ é trazido pela consci%ncia "luz e apresentado aos outros; mas a consci%ncia, ao mesmo tempo,reflete fora dele so!re si mesma e o oposto tam!ém está presente nela, aconsci%ncia o retém para si como o seu.

1ua atividade principal consiste em decompor e dissolver tudo o quequer tornar-se o!$etivo e adquirir uma figura estável e firme deefetividade.

He fato, a Iltima cita+ão é /egel falando da ironia romAntica. 3 damesma forma que ele lem!rará que, para a consci%ncia 'onesta, o que l'e

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pura intelec+ão esclarecida coloca pois a fé como seu oposto, como o que éoposto " razão e " verdade. fé aparece pois como um tecido de supersti+*es, preconceitose erros que se organiza em um reino de erro que s# pode su!sistir através da for+a dodespotismo e a má inten+ão de sacerdotes enganadores. ontra este reino de erros, aintelec+ão faz apelo ao tra!al'o do esclarecimento que ilumina, através da crítica, o povo

que ainda não alcan+ou a reflexão. Fu se$a, a intelec+ão se p*e como um tra!al'o deesclarecimento contra fé supersticiosa.?as, um pouco como 0oucault fará no século , /egel é sensível ao fato de que

aquilo que a razão proclama como o Futro de si mesmo, como a desrazão, como a loucura7“não pode ser outra coisa que ela mesma, s# pode condenar o que ela é(. 6ois o programa

interessa na oisa é sua pr#pria expressão, interesse expresso pelo fato de que7“quando demonstra interesse pela o!ra, é a si mesmo que nela se deleita(,devemos compreender isto a partir de coloca+*es de /egel so!re a posi+ão dasu!$etividade na ironia. em!remos ainda do que /egel diz neste sentido7“6ara o artista contemporAneo, o fasto de estar vinculado a uma qualidade

 particular e a um modo de exposi+ão que s# convém a esta matéria é algo de passado B...E &en'um conteIdo, nen'uma forma não é mais imediatamenteid%ntica ao fervor íntimo, " natureza, " ess%ncia su!stancial e " semconsci%ncia do artista(. 6or isto, toda forma pode ser invertida e consci%ncia

 pode sempre se colocar fora do momento do conteIdo que apresenta.?as a consci%ncia deve compreender de outra maneira esta

incondicionalidade da oisa mesma. 3la deve passar da ironia " dialética. 1#uma verdadeira perspectiva dialética pode mostrar como7

oisa mesma é uma ess%ncia cu$o ser é o agir do indivíduo singular ede todos os indivíduos e cu$o agir é imediatamente para outros, ou umaoisa [como vimos na defini+ão de eticidade\ e que s# é oisa comoagir de todos e de cada um. Z a ess%ncia que é ess%ncia de todas asess%ncias, a ess%ncia espiritual.

?as ainda teremos que esperar para c'egar até este ponto.

Cur"o HeelAula 3

 &a aula de 'o$e, será questão, principalmente, do conceito 'egeliano de eticidadeB>ittlich+eit E. Z o comentário de tal conceito que nos permitirá finalizarmos a se+ão “certezae verdade da razão(, assim como iniciarmos a se+ão “3spírito(.

 &a aula passada, 'avíamos come+ado o comentário da su!se+ão “a individualidadeque é real em si e para si mesma( insistindo como se tratava de um momento do texto que procurava realizar a pressuposi+ão de que a consci%ncia se orientava a partir da

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de implementa+ão da razão é eminentemente crítico, a razão se realiza através da crítica aoseu Futro, a um Futro que ela deve pr, que ela deve produzir como sua figura invertida,como seu exterior, isto para poder se reali.ar( 3la se define através desta oposi+ão que l'eé constitutiva7 “6ortanto, quando a razão fala de um Futro que ela, de fato s# fala de simesma; assim não sai de si(JJ<. Haí porque /egel afirmará, mais a frente, que o iluminismo

é, na verdade, pouco iluminado so!re si mesmo./egel completa então lem!rando que esta rela+ão entre a consci%ncia e a ess%nciano interior da fé não pode ser compreendida como figura do engano, tal omo procura fazero iluminismo. F que está em $ogo no interior de tal opera+ão é, antes, algo da ordem daverdade da rela+ão da consci%ncia ao que fundamenta seu agir de maneira incondicional e

reconcilia+ão com um curso do mundo produzido pelo pr#prio agir das consci%ncias. 6oristo, /egel iniciava7

consci%ncia-de-si agora captou o conceito de si, que antes era s# o nosso a seurespeito7 o conceito de ser, na certeza de si mesmo, toda a realidade. Haqui em

diante tem por fim e ess%ncia a interpenetra+ão espontAnea `2e7egende )urchdringung - o movimento espontAneo de interpenetra+ão\ do universal Bdons ecapacidadesE e da individualidade.

fim de expor a dinAmica desta experi%ncia de reconcilia+ão, /egel sintetizava suasreflex*es so!re a anatomia do ato em um momento central da  Fenomenologia intitulado7“F reino animal do espírito e a impostura ou coisa mesma(. ?omento no qual é questãode uma primeira reconcilia+ão através de uma posi+ão imperfeita de um 'orizonte comumde racionalidade pressupostos pelo agir social e, principalmente, pelo falar que procurarealizar aspira+*es de recon'ecimento.

3m um momento importante, /egel centrava a economia do texto a partir da

reflexão a respeito do pro!lema da confronta+ão, ou ainda, do recon'ecimento, entreconsci%ncia e sua o!ra Bque pode ser compreendida neste contexto como todo e qualquerresultado socialmente recon'ecido do agir individualE. He fato, a consci%ncia, devido a suaestrutura transcendente e negativa que procura ser recon'ecida “se retira de sua o!ra(, “elamesma é o espa+o sem determinidade que não se encontra preenc'ido por sua o!ra(. ?aslem!remos que a consci%ncia deve adotar uma posi+ão negativa em rela+ão " o!ra porqueesta é aquilo que se confronta perpetuamente com outras consci%ncias, ou se$a, asignifica+ão da o!ra é resultado da interfer%ncia de outras consci%ncias. 3la é o que seconstr#i na confronta+ão incessante entre consci%ncias. Haí porque /egel afirma7

o!ra é assim lan+ada para fora em um su!sistir no qual a determinidade danatureza originária se retorna contra as outras naturezas determinadas, nas quaisinterfere e que interferem nela; e nesse movimento universal `a o!ra\ se perde comomomento evanescente B...E 3m geral, a o!ra é assim algo de ef%mero que se extingue pelo contra$ogo de outras for+as e de outros interesses e que apresenta a realidade daindividualidade mais como evanescente do que como implementada.

Hevido " sua passagem ao campo social, a o!ra desaparece para dar lugar aoenla+amento em um feixe de interpreta+*es sempre contradit#rias, polifnicas e estran'asao pr#prio autor. F que a consci%ncia experimenta através de sua o!ra é pois a7 “a

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mo!iliza seu dese$o. fé pode pr tal fundamento de maneira inadequada Bso! a forma darepresenta+ãoE, ela pode p-lo de maneira não especulativa, mas ela não pode se enganar arespeito do que constitui a pr#pria consci%ncia-de-si. Haí porque /egel, ao comentar a pergunta enunciada por 0rederico da 6rIssia, “se é permitido enganar um povo(, dirásimplesmente que a pergunta foi mal colocada, porque não se “engana( um povo. “3ngano(

diz respeito a sistemas individualizados de cren+a. ?as a fé é forma de vida e processo deforma+ão que se encarna em comunidades e em expectativas de $ustifica+ão. 3nquantoelemento do processo de forma+ão da consci%ncia européia da época, é algo da pr#pria féque permite a constitui+ão de processos internaliza+ão reflexiva de auto-crítica. Haí aresposta 'egeliana7

inadequa+ão do conceito e da realidade que em sua ess%ncia reside(. Fu se$a, o que aconsci%ncia v% na o!ra não é a simples tradu+ão da noite da possi!ilidade para o dia da presen+a, mas a formaliza+ão da inadequa+ão entre efetividade e conceito que é a pr#priaess%ncia da consci%ncia.

He fato, /egel afirma que o conteIdo da experi%ncia de confronta+ão com a o!ra

feita pela consci%ncia é a o!ra evanescente B*ersch7indende er+ E. 4ma dissolu+ão quegan'a a forma da pr#pria o!ra7 “F que se mantém não é o desaparecimento, pois esta éefetiva e vinculada " o!ra, desaparecendo com ela. F negativo vai ao fundamento B .u6rundeE $unto com o positivo, do qual é a nega+ão(. F que nos permite compreender “odesparecimento do desaparecer( do qual fala /egel como a possi!ilidade de compreender ao!ra enquanto manifesta+ão, enquanto apresenta+ão do que s# encontra forma nesta passagem incessante ao outro.

Z neste contexto que /egel introduz o conceito de oisa mesma B>ache sel2st E. oapreender a negatividade que vem " cena na o!ra, ao apreender a multiplicidade de perspectivas que se confrontam na o!ra e anulam a compreensão do agir comotranspar%ncia, a consci%ncia pode compreender tal negatividade e tal multiplica+ão de

 perspectivas como manifesta+ão da oisa mesma. 6ois a oisa mesma seria o fundamentoincondicionado do sa!er, fundamento que supera os momentos evanescentes da o!ra, $á queela se encontra em todos os momentos, transcendendo todos eles.

 &o entanto, vimos como a primeira apropria+ão reflexiva da estrutura da oisamesma não nos levava em dire+ão a este sa!er de si que é, ao mesmo tempo, sa!er daefetividade, e que é a meta da 0enomenologia. 3la nos levava a um certo $ogo de contráriose culto de paradoxos que será mel'or tematizado na se+ão “3spírito( " ocasião docomentário 'egeliano do texto de Hiderot, O so2rinho de ameau. Z exatamente por istoque /egel lem!rará7 a primeira figura da consci%ncia capaz de se relacionar com a oisamesma é a consci%ncia 'onesta, ou se$a, o honn&te homme das conversa+*es e sal*es,versado na arte dos paradoxos e das invers*es. 4m honn&te homme que é este capaz de $ogar com a multiplicidade de perspectivas através da arte da conversa+ão !ril'ante. Z destaforma que ele dissolve toda determinidade da coisa B )ing E, o que não significa colocar umfundamento incondicionado para o sa!er.

em!rei para voc%s como esta consci%ncia que é capaz de colocar a oisa em umadeterminidade e em seu contrário é, no fundo, uma figura da ironia. 3sta mesma ironia que,mais tarde LierCegaard afirmará ser7 “um $ogo infinitamente leve com o nada(. ?as aconsci%ncia deve compreender de outra maneira esta incondicionalidade da oisa mesma.3la deve passar da ironia " dialética. 1# uma verdadeira perspectiva dialética pode mostrarcomo7

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1em dIvida, é possível em algum caso vender latão por outro, passar din'eiro falso por verdadeiro, poder ser que muitos aceitem uma !atal'a perdida como gan'a, é possível conseguir que se acredite por algum tempo em outras mentiras so!re coisassensíveis e acontecimentos isolados. 6orém, no sa!er da ess%ncia, em que a

consci%ncia tem a certeza de si mesma, está descartado completamente o pensamento do enganoJJO.

/egel segue desta maneira na análise de outras dimens*es da crítica iluminista " fé,isto até que ele possa colocar a questão central7 mas o que o iluminismo apresentará ap#s a

oisa mesma é uma ess%ncia cu$o ser é o agir do indivíduo singular e de todos osindivíduos e cu$o agir é imediatamente para outros, ou uma oisa ` como *imos nadefinição de eticidade\ e que s# é oisa como agir de todos e de cada um. Z aess%ncia que é ess%ncia de todas as ess%ncias, a ess%ncia espiritual.

Z tendo tal questão em vista que /egel encamin'a a se+ão razão para seu final através deduas Iltimas figuras da razão7 a “>azão legisladora( e a “>azão examinando as leis(.

A #r!me!ra tentat!+a de real!ação )on")!ente do )on)e!to de et!)!dade

Ha su!se+ão “F reino animal do espírito( " su!se+ão “ razão legisladora( o que temos éuma mudan+a de perspectiva que leva a consci%ncia a não compreender o fundamentoincondicional da razão Ba oisa mesmaE como perspectiva transcendente, mas como formade prática social capaz de englo!ar a multiplicidade de perspectivas da consci%ncia. Haí porque /egel pode anunciar7 “essa oisa `mesma\ é na verdade a su!stAncia ética e sua

consci%ncia, consci%ncia ética(. passagem é possível se compreendermos a intera+ãosocial não mais como o campo conflitual de posi+ão de perspectivas incomensuráveis, mascomo campo cu$a dinAmica conflitual é desde sempre previamente organizada a partir denormas e critérios normativos de $ulgamento tacitamente partil'ados. 2ais normas ecritérios tomam a forma de ei, e é neste sentido que devemos entender a afirma+ão de/egel7

3nquanto a consci%ncia-de-si se sa!e como momento do ser para-si dessa su!stAncia`ética\, então exprime nela o  )asein da lei, isto de tal forma que a sã razão sa!eimediatamente o que é $usto e !om. 2ão imediatamente ela o sa!e, comoimediatamente para ela tam!ém é válido, e imediatamente diz7 isto é $usto e !om. 3diz precisamente isto, pois são leis determinadas, é a oisa mesma implementada,c'eia de conteIdo.

Fu se$a, enfim a consci%ncia cr% fundar a razão, enquanto certeza da consci%ncia sertoda a realidade, em uma estrutura de práticas sociais de $ulgamento universalmentefundamentada e imediatamente válida para a consci%ncia na orienta+ão de suas a+*es,estrutura que /egel c'ama simplesmente de eticidade( Z por se compreender imersa naeticidade `uma eticidade que pode gan'ar a forma ideal de um reino dos fins\ através daaceita+ão de leis determinadas que a consci%ncia tem um sa!er imediato e um dizer

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luta com a féG7 “Uuando são !anidos todos os preconceitos e supersti+*es, então surge a pergunta7 e agora, que restaG Uue verdade o iluminismo difundiu em lugar dos preconceitose supersti+*esG(JJY. /egel recon'ece que o Rluminismo, ao iluminar o mundo celestial comas representa+*es do mundo sensível, coloca a fé como consci%ncia da rela+ão do finito queé ente em si com o a!soluto, tal como o iluminismo. ?as a fé é agora um “iluminismo

insatisfeito(, marcado pela infelicidade da distAncia em rela+ão a um fundamentoincondicional e a!soluto.Dá para o “iluminismo satisfeito( de si, dois camin'os complementares se a!rirão7 o

materialismo BHiderot, a ?ettrie, /ol!ac', /elvetiusE e o deísmo agn#stico de Voltaire eHlam!ert. 6ois a ess%ncia a!soluta se torna um vazio a respeito do qual não se pode

imediato so!re o $usto e o !om. consci%ncia aparece aqui como procura de realiza+ão doconceito de eticidade em condi+*es condizente com a auto-compreensão dos su$eitos namodernidade enquanto su$eitos capazes de recon'ecer a validade de conteIdos normativos.

 &o entanto, /egel quer mostrar que a consci%ncia não pode realizar o conceito deeticidade se pensa-lo como con$unto partil'ado de leis determinadas que poderiam ter

fundamenta+ão categ#rica, universal e incondicional. Haí porque /egel afirma que osexemplos de algumas dessas leis demonstrarão que, se as tomarmos na forma de máximasda sã razão, elas produzirão o contrário do que pareciam enunciar, o contrário do que aconsci%ncia visava.

/egel fornece aqui dois exemplos. F primeiro está na máxima “ada um deve falara verdade(. 3m!ora ela pare+a a enuncia+ão de um incondicional, na verdade, ela é a posi+ão de uma condi+ão enunciada da seguinte forma “ada um deve falar a verdadesegundo seu con'ecimento e convic+ão(. 6ois este dever B sollenE é direcionado aoassentimento da su!$etividade. &ão se trata de dizer7 “ada um deve falar a verdaderecon'ecida pela comunidade(, mas “cada um deve falar a verdade que sa!e e acredita(. 3se /egel pode afirmar que7 “ necessidade universal, o válido em si que a máxima queria

enunciar, se inverte antes em uma completa conting%ncia( é porque ele lem!ra que, namodernidade, não 'á como ignorar que a su!$etividade, com seu sistema individual decren+as, interesses, raz*es para agir e contextos de interpreta+ão de afirma+*es comaspira+ão de universalidade, é o que fornece designa+*es mIltiplas para a significa+ão dalei. Fu se$a, a normatividade da lei partil'ada intersu!$etivamente não garante aracionalidade das práticas.

Z nesta mesma via que /egel comenta outra máxima com aspira+*esuniversalizantes, “ma o pr#ximo como a ti mesmo(7 “Uuer dizer7 devo amar o pr#ximocom intelig%ncia; um amor ininteligente talvez l'e faria mais dano que o #dio(. ?as comoalcan+ar a perspectiva universalmente válida que garanta a eficácia do meu amorG /egelsimplesmente lem!ra7

?as o !em fazer essencial e inteligente é, em sua figura mais rica e maisimportante, o agir inteligente universal do 3stado. omparado com esse agir, o agirdo indivíduo como indivíduo é, em geral, algo tão insignificante que quase não valea pena falar dele.

F que /egel quer dizer aqui é7 s# no interior de institui+*es capazes de realizar asaspira+*es de recon'ecimento da su!$etividade que posso realizar esta forma derecon'ecimento que é o amor. 4m modo de amor fora das estruturas de recon'ecimento

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atri!uir determina+*es ou predicados, $á que toda determinidade foi posta como umafinitude, como ess%ncia e representa+ão 'umana. 3ste vazio pode então gan'ar a figura deum deismo agn#stico do &tre supr&me. Fu, antes, sendo nulo tudo o que se p*e comoess%ncia além da certeza sensível, o Rluminismo pode dar lugar a um materialismo cu$oconceito de matéria nada mais é que o universal a!strato. 6ois a matéria aqui é o que resta

quando a!straímos o ver, o tocar, o gostar como qualidades da imagina+ão. “ matéria éantes a pura a!stra+ão e desse modo está presente a pura ess%ncia do pensar como oa!soluto saem predicado, não diferenciado e não determinado em si( JJK. 3sta pura a!stra+ãoé o universal que aparece de maneira invertida no deismo agn#stico e que pode darfundamento a um utilitarismo que s# v%, nas coisas, o que é Itil ao gozo, como se o

que institui+*es espiritualizadas são capazes de realizar não seria sequer compreendidocomo amor. &ovamente, de nada adianta a normatividade da lei endere+ar-se " capacidadede determina+ão da efetividade pela su!$etividade.

Uual é pois a solu+ão que se apresenta " consci%nciaG 4ma solu+ão possível éa!andonar a no+ão de eticidade como o que é determinado enquanto campo de leis

determinadas( 1e a consci%ncia parece ser capaz de inverter toda determina+ão danormatividade da lei, então ela pode ainda compreender a máxima apenas como“universalidade formal e tautol#gica(. Z válido como lei aquilo que não contradiz a simesmo. ssim a consci%ncia ética deixa de ser razão legisladora e passa a comparar as leisa partir deste padrão de medida. 3la aparece então como “>azão examinando as leis(7

F universal $á não é a su!stAncia enquanto ente e válida, ou o $usto em si e para si;mas é o simples que compara um conteIdo somente consigo mesmo e o o!serva afim de ver se é uma tautologia.

He fato, /egel tem em mente a estratégia Cantiana de determina+ão da validade

transcendental da ei moral através da posi+ão de um imperativo que nada diz so!re o quedeve ser feito, mas que diz apenas que o deve ser feito deve ser capazes de se su!meter "exig%ncias de universalidade `no sentido, de não contradi+ão\ e de incondicionalidade. &#s $á vimos como, para /egel, a filosofia Cantiana representaria de maneira mais aca!ada asexpectativas e estratégias de fundamenta+ão da modernidade. Haí porque nossso capítulotermina desta forma.

 &o entanto, não é aqui que devemos desenvolver as críticas de /egel " estratégiaCantiana de encamin'amento do pro!lema da fundamenta+ão da razão na dimensão prática.Rsto será questão mais a frente, ao final da se+ão “3spírito(. 6or enquanto, devemos apenasinsistir que /egel demonstra não acreditar que tal estratégia possa garantir a possi!ilidadede realiza+ão de alguma forma de comunidade capaz de fundamentar critérios partil'adosde racionalidade do agir.

/egel se serve neste momento de um exemplo7 a tentativa de fundar a no+ão dedireito a partir do direito " propriedade. propriedade é a rela+ão so! a qual a oisa émin'a7 “eu coloco na oisa min'a vontade pessoal(. ?as qual a natureza desta posi+ão do3u na oisaG 1eria ela pura ar!itrariedade e conting%ncia ou seria derivada dorecon'ecimento da oisa ser “o!$eto necessário da necessidade(G 1e for o primeiro caso,não 'á como fundar o direito so!re a ar!itrariedade, a for+a e a conting%ncia. 1e for osegundo caso, então7 “a coisa deve aceder " posse de acordo com a necessidade dosingular(.

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'omem7 “tal como saiu das mãos de Heus, circulasse neste mundo como em um $ardim porele plantado(.

A re+olução &ran)e"a e a l!4erdade a4"oluta

Z a partir deste contexto que /egel se prop*e a analisar a >evolu+ão 0rancesa e seusdesdo!ramentos. inda ressoava para /egel e seus contemporAneos os desdo!ramentosrecentes desta >evolu+ão a!ra+ada de maneira fervorosa por 1c'elling, /egel e /olderlin "época de estudantes no seminário de 25!igen. /egel procura aqui compreender a>evolu+ão 0rancesa como a passagem ao ato do pro$eto moderno de determinar o princípio

3ntretanto prover " necessidade Inica exclusivamente segundo a conting%nciacontradiz a natureza da ess%ncia consciente 8 a Inica de que se fala aqui. 6ois aess%ncia consciente deve representar-se sua necessidade so! a forma dauniversalidade.

Fu se$a, a necessidade do singular, para poder fundar a propriedade, deve ser recon'ecidauniversalmente. ?as isto significa que a propriedade s# é min'a na medida em que a coisaé, tam!ém, um ser-para-outros. &ão é a direito a propriedade que funda o direito e se validade maneira tautol#ica, $á que ele pressup*e previamente a validade de estruturas sociaiselementares de recon'ecimento Bque devem ser validadasE. Haí porque /egel afirma7

F que possuo é uma coisa B )ing E, isto é, um ser para outros em geral, totalmenteuniversal e sem a determinidade de ser s# para mim; que 3u a possua, contradiz suacoisidade universal.

F resultado é novamente negativo, $á que, se o legislar e o examinar leis demonstraram nãoserem nada, isto significa que am!os são momentos precários da consci%ncia ética. Rsto nãosignifica tam!ém a!rir-se para alguma forma de “legislar imediato(, o que tem aqui osentido de ser lei de uma consci%ncia singular com um conteIdo ar!itrário. F máximo que aconsci%ncia ética do Rdealismo c'egará é algo perto da f#rmula Cantiana “>aciocinai quantoquiseres e so!re o que quiseres, mas o!edecei(, ou se$a, no uso pI!lico da razão, raciocinai;mas no uso privado, este que determina o agir social, deve-se seguir as leis que se p*e noscostumes e o!edecer. 6ois7

s leis são. 1e indago seu nascimento e as limito ao ponto de sua origem, $á passeialém delas pois então sou eu o universal e elas o condicionado e o limitado. 1edevem legitimar-se a meus ol'os, $á pus em movimento seu ser em-si, ina!alável eas considero como algo que para mim talvez se$a verdadeiro, talvez não se$a. Fra, adisposi+ão ética consiste precisamente em ater-se firmemente ao que é $usto e ema!ster-se de tudo o que possa mover e desviar o $usto.

Haí porque não é sem ironia que /egel traz como exemplo o dito de ntígona diante dereonte, dito no qual ela $ustifica sua a+ão de ir contra as leis da polis contrapondo uma leiainda mais universal não-escrita e infalível7 “&ão é de 'o$e, nem de ontem, mas de sempreque vive esse direito e ninguém sa!e quando foi que surgiu e apareceu(. omo veremos

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de su!$etividade como fundamento para os modos de racionaliza+ão das mIltiplas esferassociais de valores. 3ste é o sentido de afirma+*es como7 “F que utero iniciou na esfera doAnimo e do sentimento 8 a li!erdade do espírito que inconsciente de sua raiz simples não seauto-apreende, mas que $á é 1i universal, diante do qual desaparece todo conteIdo do pensar -, tais determina+*es e pensamentos universais foram proclamador pelos franceses

como princípios gerais e a convic+ão do indivíduo em si mesmo(

JP@

. Fu se$a, os franceses procuraram transformar um princípio que estava apenas na esfera da interioridade em protocolo geral de racionaliza+ão da vida social. Rsto pode nos explicar porque7 “>evolu+ão 0rancesa é o acontecimento em torno do qual se concentram, para /egel, todasas determina+*es da filosofia em rela+ão ao tempo, marcando o pro!lema, em uma atitude

mais a frente, esta lei para além da polis não representou o fundamento da eticidade mas, aocontrário, o momento de consci%ncia do esgotamento da eticidade da polis grega. 2udo se passa assim como se /egel lem!rasse que não 'á como, no interior do quadro es!o+ado nase+ão “>azão( e que diz respeito aos processos de racionaliza+ão tais como eles são

 pensados na modernidade e tais como eles se encontram tematizados a partir do idealismo,realizar um conceito de eticidade. 6ara tanto, será necessário procurar uma alternativa paraa compreensão do que determina as expectativas e aspira+*es que fundam a modernidadeenquanto pro$eto. 6ara tanto, será necessário tematizar o advento do espírito.

E"#$r!to e #ol!" rea

omo $á foi dito anteriormente, a se+ão “3spírito( foi, durante a reda+ão da Fenomenologia,  paulatinamente transformando-se no centro de gravidade do livro. 4matransforma+ão !em ilustrada pela pr#pria modifica+ão do título7 de %i&ncia da experi&nciada consci&ncia para Fenomenologia do $spírito( He fato, podemos dizer que é apenas aqui,

nesta que é a se+ão mais extensa do livro, que /egel irá apresentar algo como um conceito positivo de razão capaz de realizar o pro$eto da consci%ncia ter a certeza de ser toda arealidade. 6odemos dizer ainda que ela é o cerne da especificidade do livro 'egeliano, até porque ela não será retomada em nen'uma outra versão da 0enomenologia Bcomo, porexemplo, aquela que encontramos na $nciclop'diaE. 3m seu lugar, /egel tem a tend%nciaem colocar uma certa descri+ão sist%mica das estruturas $urídico-normativas que nos levam" compreensão especulativa das fun+*es do 3stado. 2udo isto nos deixa com a questão desa!er o que está em $ogo e qual a especificidade dos modos de desdo!ramentos da se+ão“3spírito(. /á tr%s pontos que devem ser discutidos aqui7 a fun+ão da 'ist#ria e darememora+ão na auto-compreensão do 3spírito, os pro!lemas vinculados " realiza+ão doconceito de eticidade Benquanto cerne da pr#pria no+ão de espíritoE e aquilo que poderíamos c'amar de fundamentos l#gico-ontol#gicos para a realiza+ão do conceito deespírito.

1o!re o primeiro ponto, lem!remos do que /egel diz a respeito das figuras queserão apresentadas na se+ão “3spírito(7

1ão figuras porém que diferem das anteriores por serem os espíritos reais,efetividades propriamente ditas e serem, em vez apenas de figuras da consci%ncia,figuras de um mundo.

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de defesa e de ataque; nen'uma outra filosofia foi tão intimamente filosofia da>evolu+ão(JP).

 &este sentido, não devemos esquecer que /egel nunca pde retornar " >evolu+ão0rancesa como quem se volta a um acontecimento encerrado. 1ua época era ainda épocados desdo!ramentos incertos, das agita+*es políticas e insta!ilidades resultantes da

>evolu+ão e de suas estratégias que encarnavam o pr#prio pro$eto de auto-certifica+ão damodernidade. o escrever a  Fenomenologia, /egel não é mais o entusiasta de umacontecimento que a!ria, diante de si, todas as possi!ilidades promessas. 3le é o fil#sofoque reflete so!re a rela+ão irredutível entre a li!erdade a!soluta prometida pelos ideaisrevolucionários e o terror $aco!ino. 4m terror que demonstrou a impossi!ilidade da

Fu se$a, contrariamente "s figuras anteriores, agora /egel assume claramente que se tratamde figuras de um mundo, ou se$a, figuras claramente articuladas a momentos s#cio-'ist#ricos.

He fato, do ponto de vista 'ist#rico, podemos organizar o capítulo a partir das tr%s partes que o comp*e BF 3spírito verdadeiro7 a eticidade; F 3spírito alienado de si mesmo7

a cultura; F 3spírito certo de si mesmo7 a moralidadeE. primeira parte diz respeito, principalmente, ao mundo grego e " possi!ilidade de sua recupera+ão enquanto alternativa para os impasses e cis*es da modernidade.

em!remos, neste sentido, como foi particularmente forte para a gera+ão de /egelBo mesmo para o /egel de $uventude; ver, por exemplo, seu >istema da eticidadeE, principalmente ap#s a crítica rousseauista " inautenticidade das formas modernas de vida, atentativa de construir uma alternativa " modernidade através recurso a formas de vida emodos de socializa+ão pr#prios " uma :récia antiga idealizada e paradigmática. &estesentido, não é estran'o que a reflexão 'egeliana so!re a eticidade comece a partir de umadiscussão a respeito da polis grega, ou mel'or, a respeito da maneira com que os modernoscompreendiam o poder a!soluto de unifica+ão que imperava na polis grega. 6ois a questão

fundamental aqui7 “&ão está vinculada aos detal'es 'ist#ricos da vida grega per se mas dizrespeito a sa!er se a vida grega idealizada por muitos de seus contemporAneos `de /egel\ pode, em seus pr#prios termos, contar como alternativa genuína para a vida moderna(. Haí porque /eidegger irá compreender claramente que, para /egel7 “ filosofia dos gregos `esuas formas de vida\ é a instAncia de um ^ainda não_. 3la não é ainda a consuma+ão mas,contudo, é unicamente conce!ida do ponto de vista desta consuma+ão que se definiu comoo sistema do idealismo especulativo(.

He fato, a maneira com que /egel caracteriza os gregos $á é !astante sintomática7“Fs gregos tin'am a unidade su!stancial da natureza e do espírito como fundamento eess%ncia; e tendo e sa!endo isto como o!$eto, não c'egaram a desaparecer nesta unidade,mas permaneceram B gegangenE nela sem caírem no extremo da su!$etividade formal `dosmodernos\ formando assim uma unidade consigo mesmos; como su$eitos livres que t%m poress%ncia, conteIdo e su!strato esta primeira unidade; como su$eitos livre cu$o o!$eto é a !eleza(. Vemos como as formas gregas de vida realizariam, assim, esta no+ão de vida éticade um povo expressa da seguinte forma7

F espírito é su!stAncia e a ess%ncia universal, igual a si mesma e permanente7 oina!alável e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de todos, seu fim esua meta, como é tam!ém o em-si pensado de toda consci%ncia-de-si.

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>evolu+ão encontrar ou introduzir solu+*es políticas duráveis. Haí porque o título de nossotrec'o não é outro que7 “ li!erdade a!soluta e o terror(. F que não deve nos enganar7/egel nunca será um adversário da >evolu+ão 0rancesa. &o momento em que termina deescrever a Fenomenologia, ele não deixa de saudar &apoleão como “a alma do mundo( naqual /egel deposita ainda a esperan+a da amplia+ão de processos de moderniza+ão. ?as ele

tem consci%ncia tam!ém de que a >evolu+ão a!riu, para a modernidade, um desafio a partirdo qual se medem os acontecimentos do presente.6odemos, nesse contexto, nos apoiar nas palavras de >itter7 “ssim, a atitude de

/egel em rela+ão " >evolu+ão é dupla7 ele adota com entusiasmo o que com ela entrou na'ist#ria e, ao mesmo tempo, ele compreende que seus pro!lemas não foram resolvidos, que

?as, como veremos, /egel insistirá que tal li!erdade do su$eito deverá aparecer de maneiratrágica no interior da polis grega. 3la se mostrará como ainda não realizada e esta será afun+ão do comentário de 8ntígona( Hesta forma, a primeira parte do capítulo se organizaráem dois grandes !locos7 o mundo ético Bonde é questão da exposi+ão do ideal de eticidadeda polis gregaE e a a+ão ética Bonde é questão do advento trágico da impossi!ilidade de

realiza+ão de tal conceito devido "s exig%ncias de recon'ecimento do que não se colocaintegralmente como determinado pela lei da polisE. F terceiro movimento, “F estado dedireito(, é um desdo!ramento das conseq5%ncias da desagrega+ão do ideal grego deeticidade.

segunda parte da se+ão, “F 3spírito alienado de si mesma7 a cultura(, de umlongo movimento 'ist#rico que vai do feudalismo ao terror revolucionário marcada poruma certa consci%ncia do dilaceramento Bdevido ao esvaziamento su!stancial da eticidadeEe a tentativa revolucionária de sua supera+ão7

F mundo tem aqui a determina+ão de ser algo exterior, o negativo da consci%ncia-de-si B...E 1eu )asein `do mundo\ é a o!ra da consci%ncia-de-si, mas é igualmente

uma efetividade imediatamente presente e estran'a a ela7 tem um ser peculiar e aconsci%ncia de si ali não se recon'ece.

/egel es!o+a um tra$eto, presente em toda su!se+ão “F mundo do espírito alienadode si(, que vai assim da análise da ética aristocrática da 'onra, das rela+*es da aristocraciacom a monarquia a!soluta a fim de demonstrar como a modernidade adquire a consci%nciado a!soluto dilaceramento da consci%ncia-de-si e da a!soluta ruína da eticidade nasrela+*es sociais de lison$a e cortesia que marcaram a vida aristocrática pré-revolu+ãofrancesa, de onde se segue a importAncia, dada por /egel, ao comentário do texto deHiderot7 O so2rinho de ameau(

s duas Iltimas su!se+*es desta parte, “F iluminismo( e “ li!erdade a!soluta e oterror( visam dar conta da tentativa e desdo!ramento do esfor+o revolucionário moderno derecupera+ão de uma “razão ética(, razão capaz de fundamentar-se no interior de práticassociais auto-reflexivas que orientam o $ulgamento e conduta da universalidade de su$eitos./egel se esfor+a aqui em demonstrar como o pro$eto revolucionário era ainda tri!utário dasdicotomias pr#prias ao entendimento, depend%ncia mais clara na oposi+ão que perpassa oiluminismo e a fé religiosa.

 &#s vimos, desde o início da discussão a respeito do tra$eto fenomenol#gico daconsci%ncia, como /egel insistia que a configura+ão do campo fenomenol#gico deexperi%ncia era dependente de considera+*es l#gicas a respeito de princípios como

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seu resvalamento á tirania era necessário. >evolu+ão colocou o pro!lema que a épocadeve resolver. F fato de que ele não foi resolvido deixa a questão de sa!er por que, nem a pr#pria >evolu+ão, nem os esfor+os revolucionários e a restaura+ão nos anos seguintes nãoalcan+aram a esta!ilidade política(JP9, nem a realiza+ão do pro!lema da efetiva+ão políticaconcreta da li!erdade. &este contexto, não é sem pol%mica que a posteridade compreendeu

o fato de que as reflex*es so!re a >evolu+ão 0rancesa na Fenomenologia são seguidas deum retorno " interioridade da moralidade. em!remos, por exemplo, de /egel afirmando7“&a leman'a, o princípio de li!erdade irrompe como pensamento, como conceito; na0ran+a, como realidade(JPJ. omo se o que não conseguisse se realizar no plano político

identidade, oposi+ão, rela+ão e diferen+a. Higamos que, para /egel, h9 uma 2ase lógica para a configuração do campo fenomenológico e para a experi&ncia que o sujeito fa. de simesmo e de sua estrutura de auto-reflexão. 3sta !ase l#gica, como veremos, tem, naverdade, um peso ontol#gico Bdaí porque a %i&ncia da lógica 'egeliana é, de fato, umtratado de ontologiaE. F campo fenomenol#gico é assim o campo no qual se manifesta

confus*es ontol#gicas e, como veremos, a oposi+ão entre fé e iluminismo é um !eloexemplo neste sentido. Z isto que permite a /egel afirmar7 “o pr#prio iluminismo, querecorda " fé o posto de seus momentos separados, é igualmente pouco iluminado so!re simesmo(. omo veremos, o terror é uma conseq5%ncia inevitável de uma confusão nointerior das “pressuposi+*es l#gicas( do iluminismo.

6or fim, a terceira parte de nossa se+ão, “F espírito certo de si mesmo7 amoralidade(, /egel tenta colocar em marc'a a idéia de que as expectativas e aspira+*es deli!erdade, de auto-determina+ão su!$etivas e de auto-certifica+ão da modernidadedepositadas na revolu+ão francesa seriam realizadas pelo idealismo alemão. 6ois a guinadaem dire+ão á moralidade não significa simplesmente um recol'imento em dire+ão "interioridade da su!$etividade enquanto espa+o possível de reforma moral. 2rata-se, na

verdade, de insistir que, através da pro!lematiza+ão da moralidade, o idealismo alemãoa!riu as portas para a compreensão de que o fundamento das práticas e processos deracionaliza+ão que queiram realizar as aspira+*es modernas está na consci%ncia-de-si, istono sentido de que apenas uma pro!lematiza+ão do conceito de consci%ncia-de-si podefornecer a reformula+ão dos princípios l#gicos que guiam a a+ão dos su$eitos na realiza+ãode institui+*es e práticas sociais " altura da modernidade. guinada em dire+ão ámoralidade permitirá " /egel demonstrar a aus%ncia de vínculos entre su!e$tividade e princípio de identidade, a!rindo, com isto, camin'o para a realiza+ão de um conceito deeticidade capaz de dar conta das aspira+*es de recon'ecimento de su$eitos modernos.

He fato, como veremos, e este é o segundo ponto que propus a!ordar Bo que dizrespeito aos pro!lemas do conceito de eticidadeE, uma rápida visão panorAmica da se+ão“3spírito( nos permite mostrar que /egel privilegia, na verdade, momentos 'ist#ricos emque a su!$etividade irrompe demonstrando uma não-identidade que insiste para além dasdemandas de recon'ecimento que práticas sociais podem dar conta. ntígona, o so!rin'odo >ameau, os impasses do terror7 todos t%m em comum o fato de serem inflex*es'ist#ricas da consci%ncia de uma demanda que permanece sem lugar, recalcadas no interiordas figuras institucionais de certos momentos s#cio-'ist#ricos. ?as esta é a verdadeira'ist#ria do 3spírito. 'ist#ria da paulatina consci%ncia da não-identidade da su!$etividade.Haí porque e!run lem!rará, em uma formula+ão !em sucedida7 “1e somos asseguradosque o progresso não é repetitivo, mas explicitador, é porque o 3spírito não se produz em

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encontrasse seu lugar natural na auto-determina+ão da su!$etividade a partir da perspectivada fundamenta+ão dos $ulgamentos morais.

 &o entanto, devemos lem!rar que /egel procura demonstrar como o 3spírito s# poderá realmente realizar seu processo de forma+ão quando a nega+ão for uma opera+ão deestrutura+ão de rela+*es não apenas no nível fenomenol#gico Bcomo vimos até agoraE, mas

tam!ém no nível ontol#gico. Rsto significa uma pro!lematiza+ão da pr#pria no+ão modernade su$eito que não encontrou ainda lugar e que não encontrar9 lugar na e*olução Francesa( 2oda a+ão de moderniza+ão s# poderá ser realizada " condi+ão de que a figura daconsci%ncia-de-si não se$a mais vista como determina+ão auto-id%ntica que expulsa parafora de si a irreduti!ilidade de toda alteridade. 3m Iltima instAncia, o terror será o resultado

 produzindo suas forma+*es finitas mas, ao contrário, em recusando-as uma ap#s outra. &ãoé a pot%ncias dos impérios, mas suas morte que dá " /ist#ria “razão( B...E o Inico tipo dedevir que esposa o movimento do onceito não tem nada em comum com a transi+ãoindiferente de uma forma " outra7 ele s# pode ser um devir que sanciona a insta!ilidade dafigura que v%m de ser transgredida, um devir expressamente nadificador(.

 Fu se$a, se o 3spírito é esta realiza+ão de um campo de práticas e institui+*essociais capazes de responder a demandas de recon'ecimento da su!$etividade, ele s# podeser tematizado através da rememora+ão 'ist#rica deste movimento contínuo de dissolu+ãode todo campo finito de práticas e institui+*es. 'ist#ria dessa dissolu+ão é talvez overdadeiro telos da 'istoricidade 'egeliana. 6ois o 3spírito é a consci%ncia de que aconsci%ncia-de-si s# poderá ser consci%ncia-de-si universal quando este “devirexpressamente nadificador( for capaz de tomar a forma de práticas sociais reflexivamentefundamentadas. 3sta é, segundo /egel, a 'ist#ria da modernidade enquanto pro$eto.Veremos a partir de agora, como /egel imagina que ela poderá ser realizada.

Cur"o Heel

Aula

aula de 'o$e será dedicada ao comentário da su!se+ão “F mundo ético7 a lei 'umana e alei divina, o 'omem e a mul'er(. omo ele, n#s come+amos a apreender, de maneira maissistemática, a maneira com que a  Fenomenologia do $spírito apresenta o conceito deeticidade ou “razão ética(7 !ase para a articula+ão da no+ão de “3spírito(.omo sa!emos, a primeira parte de nossa se+ão, este que tem por título7 “F 3spíritoverdadeiro7 a eticidade( diz respeito, principalmente, " reflexão filos#fica so!re o mundogrego e so!re a possi!ilidade de sua recupera+ão enquanto alternativa para os impasses ecis*es da modernidade. Vimos como, neste sentido, como foi particularmente forte para agera+ão de /egel Bo mesmo para o /egel de $uventude; ver, por exemplo, seu >istema daeticidadeE, principalmente ap#s a crítica rousseauista " inautenticidade das formasmodernas de vida, a tentativa de construir uma alternativa " modernidade através recurso aformas de vida e modos de socializa+ão pr#prios " uma :récia antiga idealizada e paradigmática. &este sentido, não é estran'o que a reflexão 'egeliana so!re a eticidadecomece a partir de uma discussão a respeito da polis grega, ou mel'or, a respeito damaneira com que os modernos compreendiam o poder a!soluto de unifica+ão que imperavana polis grega. 6ois a questão fundamental aqui7 “&ão está vinculada aos detal'es'ist#ricos da vida grega  per se mas diz respeito a sa!er se a vida grega idealizada por

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direto deste equívoco no interior da filosofia moderna do su$eito. 1igamos pois oencamin'amento 'egeliano a respeito da reflexão filos#fica so!re a >evolu+ão 0rancesa.

/egel come+a lem!rando que, á pergunta7 “F que vem ap#s a crítica iluministaG(,'avia seguido a posi+ão de uma universalidade a!strata que se encontrava tanto no deismoagn#stico, quanto no materialismo e no utilitarismo. 4niversalidade vinculada "

consci%ncia-de-si, presente imediatamente " consci%ncia-de-si, e que agora passará "dimensão da a+ão s#cio-política. ssim7 “dessa revolu+ão interior surge agora a revolu+ãoefetiva na efetividade, a nova figura da consci%ncia, a li!erdade a!soluta( JPP. Fu se$a, emIltima instAncia, o colapso da forma+ão no interior do mundo da cultura, colapso marcado pela passagem da ética aristocrática da 'onra " ironiza+ão a!soluta das condutas da

muitos de seus contemporAneos `de /egel\ pode, em seus pr#prios termos, contar comoalternativa genuína para a vida moderna(. Haí porque /eidegger irá compreenderclaramente que, para /egel7 “ filosofia dos gregos `e suas formas de vida\ é a instAncia deum ^ainda não_. 3la não é ainda a consuma+ão mas, contudo, é unicamente conce!ida do ponto de vista desta consuma+ão que se definiu como o sistema do idealismo especulativo(.

He fato, a maneira com que /egel caracterizara os gregos $á era !astante sintomática7Fs gregos tin'am a unidade su!stancial da natureza e do espírito como fundamentoe ess%ncia; e tendo e sa!endo isto como o!$eto, não c'egaram a desaparecer nestaunidade, mas permaneceram B gegangenE nela sem caírem no extremo dasu!$etividade formal `dos modernos\ formando assim uma unidade consigomesmos; como su$eitos livres que t%m por ess%ncia, conteIdo e su!strato esta primeira unidade; como su$eitos livres cu$o o!$eto é a !eleza.

Vemos como as formas gregas de vida pareciam poder realizar, assim, esta no+ão de vidaética de um povo expressa da seguinte forma7

F espírito é su!stAncia e a ess%ncia universal, igual a si mesma e permanente7 oina!alável e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de todos, seu fim esua meta, como é tam!ém o em-si pensado de toda consci%ncia-de-si.

?as /egel insistirá que tal li!erdade do su$eito s# poderá aparecer de maneira trágica nointerior da polis grega pois esta li!erdade, quando se manifesta, $á é sinal da ruína daeticidade grega. 3sta será a fun+ão do comentário de  8ntígona no interior de nosso textoBmas /egel poderia tam!ém ter lem!rado de sua leitura do $ulgamento de 1#cratesE ( Hestaforma, a primeira parte do capítulo se organizará em dois grandes !locos7 o mundo éticoBonde é questão da exposi+ão do ideal de eticidade da polis gregaE e a a+ão ética Bonde équestão do advento trágico da impossi!ilidade de realiza+ão de tal conceito devido "sexig%ncias de recon'ecimento do que não se coloca integralmente como determinado pelalei da polisE. F terceiro movimento, “F estado de direito(, é um desdo!ramento dasconseq5%ncias da desagrega+ão do ideal grego de eticidade.

Heel e o" reo"

ntes de iniciarmos o comentário de nosso trec'o, vale a pena expor algumasconsidera+*es gerais so!re a leitura que /egel faz da polis grega. on'ecemos afirma+*es

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linguagem do dilaceramento, será resolvido pelo esclarecimento através da auto-determina+ão de si gra+as " realiza+ão da li!erdade a!soluta da consci%ncia-de-si, li!erdadenão constrangida nem pela natureza, nem por normas da vida social sustentadas no recurso" tradi+ão i!erdade que coloca a modernidade diante do pro!lema da auto-certifica+ão.

?as lem!remos que não faria sentido algum ver nesta li!erdade a!soluta a

entifica+ão de formas de particularismo do dese$o, um pouco como $á vimos através do'edonismo faustiano. F dese$o nunca é totalmente particular pois é resultado de processosde socializa+ão através dos quais se faz sentir a presen+a do que aspira universalidade. auto-determina+ão do dese$o através de uma li!erdade a!soluta s# pode se realizar em umaforma de socializa+ão que se$a, reflexivamente, posta como o resultado de uma auto-

como, por exemplo7

 &a verdade, a li!erdade do indivíduo existe na :récia, mas ainda não atingiu aconcep+ão a!strata de que o su$eito pura e simplesmente depende do su!stancial 8do 3stado.

Dá vimos como /eidegger critica /egel por compreender a :récia como um “aindanão(, como “o que ainda não colocou os pés so!re a terra da filosofia, ou se$a, aconsci%ncia-de-si na qual somente o o!$eto representado pode ser como tal(. Fu se$a, /egelestaria afirmando, entre outras coisas, que a eticidade grega não podia suportar exig%nciasde recon'ecimento de su$eitos compreendidos como consci%ncias-de-si. Haí porque eleafirmaria que a moralidade, enquanto su!$etividade da convic+ão e da inten+ão ainda nãoestaria presente. lei vigora por ser a lei ancorada nos costumes e no 'á!ito. 3la não é oque se su!mete ao exame de uma consci%ncia que s# pode aceitar por válido aquilo cu$acausa se su!mete ao seu pensar. Haí porque /egel insiste que a decisão na  polis eranormalmente vinculada " compreensão do que enunciava os oráculos. Uuando a decisão

 passa a ser fruto da discussão onde particulares procuram se impor no interior da  polisanimados pela consci%ncia da “contradi+ão entre seu sa!er so!re a eticidade da sua a+ão e oque é ético em si e para si( , então a ruína $á estava " espreita.

?as a cita+ão acima de /egel é interessante por dizer que a impossi!ilidade domundo social grego dar conta das aspira+*es de recon'ecimento da su!$etividade que negaa naturalidade dos costumes e 'á!itos está vinculada a aus%ncia de institui+*es pensadasso! a forma daquilo que /egel c'ama de “3stado(. 3m vários momentos, /egel afirma7 osgregos não con'eciam a a!stra+ão do 3stado, apenas essa tenas, essa 3sparta, essa 2e!as.

 &a verdade, este “déficit de a!stra+ão( que aparece na eticidade grega, tende,estran'amente, a apontar para uma certa defesa do formalismo do su$eito moderno. Rstotalvez possa ser explicado se lem!rarmos que tal déficit de a!stra+ão vincula-se, entreoutros, ao fato do fundamento da li!erdade do espírito grego estar condicionado em rela+ãoessencial com um estímulo da natureza. F natural no pensamento grego não é negado, masremodelado Bum2ildenE para a expressão do su$eito. 6oderíamos mesmo dizer que os gregosdescon'ecem o tra!al'o da angIstia; na verdade, eles con'ecem apenas7 “a alegreautoconfian+a perante a naturalidade sensível( B )as frohe >el2stgef1hl gegen die sinnliche Nat1rlich+eit E. F fato da naturalidade do sensível não ser negada com a for+a de umauniversalidade que p*e, inicialmente através da a!stra+ão, a não-identidade do su$eito comtoda determina+ão particular da efetividade Bo que leva o sensível a ser posto enquanto puraconting%ncia que resiste ao conceito do pensarE nos explica esta afirma+ão-c'ave de /egel7

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legisla+ão. Z neste sentido que podemos compreender a afirma+ão de /egel7 “ certeza desi é o su$eito universal, e seu conceito que-sa!e B7issender =egriff E é a ess%ncia de todaefetividade(JPQ.

Z tendo tais quest*es em vista que /egel pode lem!rar desta pro!lemáticarousseauista por excel%ncia de que a auto-determina+ão do dese$o e do agir através de uma

li!erdade a!soluta não nos leva " entifica+ão do particularismo, mas " “vontade universal(,vontade geral7

om efeito, a vontade é em si a consci%ncia da personalidade ou de um ada umB \edesE e deve ser como esta vontade efetiva aut%ntica, como ess%ncia consciente-

“&a !eleza grega, o sensível é signo B LeichenE, expressão, inv#lucro B 31lleE através do qualo espírito se manifesta(.

firmar que o sensível é signo que pode aparecer, ao mesmo tempo, comoexpressão e inv#lucro, poderia parecer contradit#rio se não sou!éssemos $á como /egelcompreende os impasses da representa+ão. >epresentar algo é presentificar uma aus%ncia,

expressar a oisa através de um elemento ar!itrário, um inv#lucro. confian+a gregadiante da naturalidade sensível é confian+a diante do que 0oucault um dia c'amará de“assinatura do mundo(, “marcas visíveis que Heus disps so!re a superfície da 2erra paranos fazer con'ecer os segredos interiores(. ?as, e é neste ponto que /egel insiste, se osensível é marca que indica uma presen+a para além de si mesmo é porque o signo imp*euma no+ão de presen+a como visi!ilidade. representa+ão é apenas a *isi2ilidade que sempre difere( Haí porque gan'a importAncia uma afirma+ão como esta de e!run arespeito da leitura 'egeliana dos gregos7 “F deus grego pode até se tornar familiar a nossosol'os, mas $amais viver uma vida 'umana `como o deus cristão\(, ou se$a, $amais seapresentar como o que se encarna em um sensível que não é expressão, mas que é puraconting%ncia que deve se auto-anular.

Rsto nos permite compreender mel'or a defesa que /egel faz da “concep+ão a!stratado su$eito do 3stado moderno( contra o enraizamento su!stancial dos indivíduos nadetermina+ão regional da  polis grega. estaticidade dos costumes e 'á!itos desta polisdeterminada, costumes e 'á!itos que expressariam a positividade da su!stAncia ética, éfigura de um pensar que compreende a rela+ão entre leis e su!stAncia da mesma forma quecompreende a rela+ão entre sensível e sentido, ou se$a, como signo e representa+ão. &estecontexto, o su$eito, com suas exig%ncias universais de recon'ecimento para além de todocon$unto determinado e contextual de leis e costumes, é o que guarda a for+a para a cria+ãode institui+*es não mais su!metidas a um pensamento da representa+ão. 3 é isto que oconceito moderno de 3stado procuraria realizar e que a vida ética da  polis grega não temcomo dar conta. Haí porque o primeiro advento da su!$etividade no interior da  polis deveaparecer como princípio de interversão das leis através dos sofistas.

F pro!lema maior que uma teoria desta natureza deve resolver é, pois, como pensarinstitui+*es que não se dissolvam, $á que7 “os 3stados, enquanto instAncias particulares efinitas, são necessariamente inadequados ao movimento da /ist#ria `animada pelaconsci%ncia paulatina das exig%ncias de recon'ecimento da su!$etividade\(, pois “do pontode vista da /ist#ria-do-mundo, os estados não são mais do que momentos evanescentes(.Veremos como /egel tentará resolver este pro!lema do interior do nosso texto.

A le! (umana e a le! d!+!na

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de-si, de toda e cada uma personalidade, de modo que cada uma sempreindivisamente fa+a tudo; e o que surge como agir do todo é o agir imediato econsciente de ada umJP<.

3sta reconcilia+ão entre o impessoal e o pessoal, entre o que tem validade universal

e o que é con$ugado no particular será o o!$etivo maior da >evolu+ão francesa, !astalem!rar aqui novamente desta frase lapidar de 1aint-Dust, declarada na 2ri!una daonven+ão em J de mar+o de )OKP, diante das possi!ilidades a!ertas pela >evolu+ãofrancesa,7 “ felicidade é uma idéia nova na 3uropa(. 0rase esta que apenas glosava o primeiro parágrafo da Heclara+ão que precede a onstitui+ão de )OKJ7 “F o!$etivo da

partir destas considera+*es gerais, podemos passar a maneira com que /egelcaracteriza a constitui+ão do mundo grego como alternativa para as dicotomias damodernidade e de suas formas de vida. 1ervindo-se do esquema de aparecimento dadiversidade tal como vimos na passagem da certeza sensível " percep+ão, /egel inicia7

ssim com a consci%ncia ser sensível a!strato passa " percep+ão, assim tam!ém acerteza imediata do ser ético real; e como, para a percep+ão sensível, o ser simplesse torna uma coisa de propriedades mIltiplas, assim para a percep+ão ética, o casodo agir é uma efetividade de mIltiplas rela+*es éticas B*ielen sittlichen =e.iehungenE.

Fu se$a, o $ulgamento a respeito do agir não é $ulgamento simples Bque não deveatualizar contextos para determinar seu sentidoE, ele é $ulgamento que se defronta semprecomo uma a+ão portadora de mIltiplas rela+*es. 3sta diversidade de circunstAncias tende ase su!meter a uma oposi+ão entre aquilo que /egel c'ama, inicialmente, de “lei da

singularidade( e “lei da universalidade(.2al dualidade pode se impor porque o espírito ético é comunidade B6emei7esenEque, ao mesmo tempo, emerge no agir de cada indivíduo7

F espírito é a comunidade que para n#s, ao entrarmos na figura+ão prática da razãoem geral, era a ess%ncia a!soluta, e que aqui emergiu em sua verdade para simesmo, como ess%ncia ética consciente, e como ess%ncia para a consci%ncia, quen#s temos por o!$eto B...E omo su!stAncia efetiva, o espírito é um povo; comoconsci%ncia efetiva, é cidadão do povo.

ssim, na forma da universalidade, a lei é “lei con'ecida e costume corrente(, ou se$a, oque se encontra lá, diante da consci%ncia como o que se enraíza na vida de um povo. &oforma da singularidade, a lei é “certeza efetiva de si mesmo no indivíduo em geral(, ouse$a, a certifica+ão que tem o indivíduo de que a lei que a comunidade segue é $usta. &oentanto7 “'á uma outra pot%ncia que se contrap*e B gegen12er E a essa pot%ncia ética ea!ertura BOffen2ar+eit E7 é a lei divina(. ssim, a eticidade dos costumes que legitima a a+ãodo 3stado encontra duas contraposi+*es potenciais7 a particularidade dos interessesindividuais e a universalidade mais ampla do que é incondicional B$á que é divinoE. Z a istoque /egel alude ao afirmar7

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sociedade é a felicidade geral B2onheur communeE e o governo é seu defensor(. X destaforma, dirá /egel, que7 “3ssa su!stAncia indivisa da li!erdade a!soluta `capaz de realizartal felicidade geral\ se eleva ao trono do mundo sem que poder algum possa l'e oporresist%ncia(JPO.

 &o entanto, ao su!ir ao trono do mundo, a li!erdade a!soluta da consci%ncia-de-si

reconciliada com o universal dissolve toda organiza+ão social com suas divis*es, todasmassas e estados estanques, $á que a consci%ncia-de-si não está vinculada " estado e posi+*es sociais, ela é o que realiza o universal7

ada consci%ncia singular se eleva da esfera " qual era alocada, não encontra maisnessa massa particular sua ess%ncia e sua o!ra; ao contrário, compreende seu 1i

omo universalidade efetiva, o pode do 3stado é uma for+a voltada contra o ser para-si individual, e como efetividade em geral, encontra ainda um outro que ele naess%ncia interior.

3sta dupla contraposi+ão tende a convergir, $á que o ser para-si individual e aess%ncia interior incondicional se encontram vinculados no seio da família. questãocentral será pois7 como a lei da família e a lei da  polis podem sustentar, con$untamente esem cis*es, esta eticidade que permite indivíduos orientarem $ulgamentos e a+*es.

/egel parte lem!rando que não se trata aqui de alguma forma de contraposi+ãoentre natureza e sociedade, $á que7 “a família não está no interior de sua ess%ncia éticaenquanto ela é o comportamento da natureza de seus mem!ros(, pois “essa rela+ão danatureza é tam!ém um espírito(. Rsto não impede /egel de insistir na consci%ncia que osgregos tin'am da for+a disruptiva do que continua vinculado " família7

família, como o conceito desprovido de consci%ncia e ainda interior da

efetividade consciente-de-si, como o elemento da efetividade do povo, se contrap*eao pr#prio povo; como ser ético imediato se contrap*e " eticidade que se forma e sesustém mediante o tra!al'o em prol do universal; os 6enates se contrap*em aoespírito universal.

Haí porque o relacionamento ético dos mem!ros da família $á deve ser algo voltado" vida ética da comunidade. /egel descarta que tal relacionamento ético se$a orelacionamento da sensi!ilidade ou o exclusivismo da rela+ão de amor. ntes, ele é o7 “pro 1ingular para família, em su!$ugar BunterjochenE sua naturalidade e singularidade e emeducá-lo para a virtude, para viver no universal e para o universal(. 4m viver no universalque não é simples fruto da opressão em rela+ão "s aspira+*es da particularidade, masforma+ão em dire+ão a uma li!erdade que li!erta+ão das ilus*es da imediaticidade. 6oisenquanto não é cidadão e pertence " família, o 1ingular é uma “som!ra inefetiva semcontornos(.

 &o entanto, não deixa de ser sintomático que /egel fa+a uma $un+ão inesperada aodizer que esta forma+ão do 1ingular para viver no universal se realize de maneira mais !emaca!ada no rito fIne!re, no cuidado em rela+ão ao morto Be é através da rela+ão ao morteque nasce a consci%ncia da lei divinaE. ?as qual pode ser a rela+ão entre a forma+ão para ouniversal e o cuidado em rela+ão ao mortoG /egel não deixa de lem!rar aqui que o morto é7

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como o conceito da vontade e todas as massas como ess%ncia dessa vontade e, porconseguinte, tam!ém s# pode efetivar-se em um tra!al'o que se$a tra!al'o total JPY.

He fato, a consci%ncia singular aparece como finalidade universal, sua linguagemaparece como linguagem capaz de realizar aspira+*es universais de recon'ecimento, seu

tra!al'o, um tra!al'o feito em nome do universal. oposi+ão não é mais externa aconsci%ncia; entre, por exemplo, consci%ncia e o!$eto que resiste, mas aparece apenas comodiferen+a entre a consci%ncia singular e a consci%ncia universal. F movimento é assimapenas interno " consci%ncia-de-si universal, seu o!$eto é lei dada por ela mesma e o!ra porela mesma realizada7 “ssim, ao passar " atividade e ao criar o!$etividade, nada fez de

aquele que da longa série de seu ser-ai disperso, se recol'eu em uma figura+ãoaca!ada ` a figura venerada pela mem#ria\ e se elevou da inquieta+ão da vidacontingente " quietude da universalidade.

Rsto a fim de poder dizer que a morte, com sua negatividade a!soluta, é o tra!al'o

supremo que o indivíduo como tal empreende para a comunidade. &o entanto, e este é ummomento essencial do texto, 'á ao menos duas mortes( primeira morte é esta “negatividade natural( que atinge o indivíduo como

essencialmente singular, pois7

3nquanto o indivíduo é essencialmente singular, é acidental que sua morte estivesseimediatamente conexa com seu tra!al'o pelo universal e fosse seu resultado B...Enesse movimento, a consci%ncia não retorna a si mesma, nem se torna consci%ncia-de-si B...E a morte é o lado da cisão em que o ser para-si alcan+ado é um Futro que oente que iniciou o movimento `$á vimos este movimento na Hialética do sen'or e doescravo\.

ssim, o orgAnico é reconduzido ao inorgAnico. ?as 'á uma segunda morte, umamorte sim!#lica através da qual o ser morto retorna a si, elevando-se " condi+ão deindividualidade universal `no sentido de universalmente recon'ecida\ e consci%ncia-de-siuniversal. morte significa, entre outras coisas, dissocia+ão entre o ser e o agir. &ão podendo mais agir, o morto está “a!andonado a toda individualidade irracional e "s for+asda matéria a!strata(, ele é puro ser para Futro a merc% da decomposi+ão. ?as, através dorito fIne!re, a família age para conservar o que estava negado, guardando a identidade doque está morto para fora do ciclo de decomposi+ão. Hesta forma, o agir do que está morto permanece no agir da família.

3ste permanecer de um agir que vale incondicionalmente e que deve ser conservadoincondicionalmente é a ess%ncia da lei divina. 3sta é, por sua vez, a “pot%ncia do puro4niversal a!strato que, como é fundamento B6rund E da individualidade, reconduz aindividualidade " pura a!stra+ão(. Rsto significa que a lei divina é a primeira posi+ão daindividualidade como incondicionalidade ou `por enquanto\ a!stra+ão. &o entanto, /egelnão deixa de lem!rar que este é o fundamento da pr#pria individualidade e que, importantesalientar, não poderá ser posto no interior da lei da  polis sem que tal posi+ão não nos leve,no limite, a um impasse no interior da pr#pria vida ética.

O o+erno e a &am$l!a

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singular mas somente leis e atos-de-3stado(JPK. Hesta forma, esta li!erdade a!soluta daconsci%ncia-de-si $á seria, imediatamente, li!erdade institucionalizada.

?as notemos aqui um ponto essencial. /egel dirá que, no interior desta no+ão deli!erdade, a consci%ncia nada a!andona na figura de um o!$eto contraposto, ela nãorecon'ece nen'uma negatividade que ven'a do o!$eto, por isto, ela não pode realizar

nen'uma o!ra positiva. /egel está dizendo que a li!erdade s# realiza algo de positivo láonde ela se depara com uma nega+ão que a ela se contrap*e. firma+ão que pode parecero!scura, mas que diz respeito " no+ão de que7

Hito isto, /egel retorna as considera+*es so!re a lei da  polis lem!rando que acomunidade tem sua vitalidade efetiva no governo B egierung E7 “F espírito tem aí suarealidade ou seu  )asein e a família é elemento dessa realidade(. 3nquanto unidade, ogoverno permite, " comunidade, em sistemas independentes de interesse e propriedade

Bcorpora+*es, associa+*es autnomas etc.E. ?as, de uma maneira a!solutamente particular,este governo não é conce!ido a partir de uma sociedade nascida da necessidade e visando aconserva+ão de seus mem!ros. 3ste governo não repousa so!re uma promessa de paz e derepouso. o contrário, ele realiza a nega+ão a!soluta que consiste em viver para ouniversal7

6ara não deixar que os indivíduos se enraízem e endure+am nesse isolar-se e que,desta forma, o todo se desagregue e o espírito se evapore, o governo deve, detempos em tempos, sacudi-los em seu íntimo pelas guerras e com isso l'es ferir e pertur!ar a ordem rotineira e o direito " independ%ncia. Uuanto aos indivíduos, queafundados nessa rotina e direito se desprendem do todo aspiram ao ser para-si

inviolável e " seguran+a da pessoa, o governo, no tra!al'o que l'es imp*e, deve dar-l'es a sentir seu sen'or7 a morte. 6or essa dissolu+ão da forma da su!sist%ncia, oespírito impede o so+o!rar do  )asein ético no natural, preserva o 1i de suaconsci%ncia e o eleva " li!erdade e " for+a. ess%ncia negativa se mostra como a pot%ncia peculiar da comunidade e como a for+a de sua autoconserva+ão.

Hesta forma, vemos como a temática do conflito como fundador do vínculo socialBtal como vimos na dialética do sen'or e do escravoE aparece como fundamento para a a+ãodo 3stado. 1e o governo não repousa so!re uma promessa de paz é porque o processo deforma+ão, que se iniciou na família, deve animar os processos de intera+ão social enquantomeios para a realiza+ão da su!$etividade como universalidade desprovida de toda ader%nciaao )asein natural, enquanto o que se realiza através de um tra!al'o que é confronta+ão coma fragiliza+ão das imagens estáticas do mundo.

 &otemos que esta guerra da qual fala /egel não é a explosão de #dio resultante dalesão da propriedade particular ou do dano a mim enquanto indivíduo particular. guerra écampo de “sacrifício do singular ao universal enquanto risco aceito(. 1e na :récia, talguerra era, de fato, movimento presente na vida ética do povo, $á que o fazer a guerra eracondi+ão exigida de todo cidadão, não deixa de ser verdade que /egel conce!e aqui oestado como o que dissolve a seguran+a e a fixidez das determina+*es finitas. guerra é onome do processo que demonstra como a aniquila+ão do finito é modo de manifesta+ão de

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o!ra " qual poderia c'egar a li!erdade, que toma consci%ncia-de-si, consistiria emfazer-se o!$eto B6egenstandeE e ser permanente como su!stAncia universal. 3sseser-Futro seria a diferen+a na li!erdadeJQ@

verdadeira li!erdade consiste em fazer-se o!$eto, mas um fazer-se o!$eto que não

significa coisifica+ão, o!$etifica+ão de si. 2rata-se de um fazer-se o!$eto que implica emrecon'ecer-se naquilo que aparece como mais exterior " determina+ão autnoma do su$eito.>econ'ecer a racionalidade do momento de 'eteronomia no interior da realiza+ão davontade. omo veremos na aula que vem, este é o fundamento da no+ão 'egeliana de

sua ess%ncia. &este sentido, /egel é !astante claro, 'á7

um momento ético da guerra, que não deve ser considerada como um mal a!soluto ecomo uma conting%ncia simplesmente exterior B...E é necessário que o finito, a possessão e a vida se$am postos como contingentes, pois este é o conceito do finito

B...E guerra, enquanto situa+ão na qual levamos a sério a vaidade dos !ens e dascoisas deste mundo é assim o momento no qual a idealidade do particular rece!e seudireito e advém efetividade.

Rsto para enfim dizer7 “ li!erdade é morte do medo de morrer(.2ais coloca+*es so!re a guerra dizem muito a respeito da configura+ão necessária de

institui+*es e práticas sociais que queiram estar " altura das exig%ncias da modernidade. Fque é importante nesta reflexão so!re a guerra é a compreensão de que institui+*es quequeiram ser capazes de recon'ecer su$eitos não su!stanciais devem fundar-se em práticassociais pensadas a partir de um tra!al'o que é recon'ecimento da so!erania de uma figurada nega+ão cu$a manifesta+ão fenomenol#gica pode ser uma certa morte sim!#lica. 2rata-

se da figura de institui+*es sociais que não ten'am mais por fun+ão identificar su$eitos emidentidades e determina+*es fixas.?as continuemos no texto a fim de ver como /egel compreende o impasse no qual

a vida ética grega irá enredar-se, o que será Itil para a compreensão da verdadeira forma deinstitui+*es e práticas sociais capazes de realizar as expectativas de recon'ecimento que/egel indica " modernidade.

partir do parágrafo PQ<, /egel descreve a natureza dos relacionamentos nointerior da família7 maneira de estruturar o modo de articula+ão entre lei divina e lei'umana. 2r%s regimes de rela+ão são privilegiados7 a rela+ão marido e mul'er, pais e fil'os,além da rela+ão entre irmão e irmã. /egel logo descarta a centralidade da rela+ão entremarido e mul'er, $á que ela é7

F imediato recon'ecer-se de uma consci%ncia na outra e o con'ecer do mItuo serrecon'ecido. 3sse recon'ecer-se, por ser o natural e não o ético, é apenas arepresenta+ão e a imagem do espírito, e não o pr#prio espírito efetivo.

Fu se$a, utilizando-se da idéia do amor como posi+ão imediata do recon'ecer-se emuma outra consci%ncia, /egel afirma que tal recon'ecimento está ainda marcado por algoda ordem da naturalidade Bno caso, a reprodu+ãoE, em!ora /egel admita que o casamento é“uma a+ão ética da li!erdade e não uma liga+ão da naturalidade imediata e de seus

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moralidade, assim como o fundamento de sua crítica " no+*es como “determina+ãotranscendental da vontade(, segundo Lant.

 &este momento do nosso texto, /egel tentará explorar um impasse maior no processo de realiza+ão do agir em nome da vontade universal. 6ois, para que o universalc'egue ao ato , faz-se necessário que uma consci%ncia-de-si singular assuma a efetiva+ão da

vontade universal. ?as, assim todas as outras consci%ncias-de-si singulares estão excluídasdo poder executivo que determina a a+ão. /egel sintetiza claramente este impasse noseguinte trec'o7

impulsos( que nada tem a ver com uma perspectiva contratualista do tipo Cantiano. 6oroutro lado, $á vimos vários momentos em que /egel desqualifica o amor como modelo paraa orienta+ão de opera+*es de recon'ecimento. /egel verá ainda, na rela+ão pais e fil'os, aefetividade da representa+ão do espírito posta na rela+ão entre marido e mul'er. 6ois7

piedade dos pais para com seus fil'os está $ustamente afetada por essa emo+ão dever o seu ser para-si advir nos fil'os sem poder recuperá-lo; senão que permaneceuma efetividade al'eia B fremdeE.

3sta rela+ão ainda é marcada por algo de uma rela+ão natural. penas a rela+ãoentre irmã e irmão seria distinta, pois eles “não se dese$am um ao outro( de maneirasensual, “rela+ão desprovida de dese$o(. &a verdade, /egel utiliza tal rela+ão para falar danatureza ética da diferen+a sexual, daí porque o texto encamin'a-se para uma reflexão arespeito do que significa as posi+*es feminina e masculina. He fato, a maneira com que/egel compreende a natureza ética da diferen+a sexual não deixa de ter sua peculiarridade7

diferen+a da eticidade da mul'er em rela+ão " do 'omem consiste, $ustamente, emque a mul'er, em sua determina+ão para a singularidade o no seu prazer, permaneceimediatamente universal e al'eia " singularidade do dese$o. &o 'omem, aocontrário, esses dois lados se separam um do outro e enquanto ele como cidadão possui a for+a consciente-de-si da universalidade, adquire com isso o direito aodese$o `no interior da família\.

F que /egel diz é que o feminino, enquanto puro “pressentimento da ess%ncia ética(fica vinculado " universalidade a!strata da lei divina da família. Haí, /egel retira aconclusão de que as mul'eres estariam menos vinculadas " determina+ão particular doo!$eto do dese$o, como se eles pudessem trocar mais facilmente de o!$eto, que aparececomo “algo contingente, que pode ser su!stituído por um outro. &o lar da eticidade, aquiloem que se !aseiam as rela+*es da mul'er não é esse marido, nem este fil'o, mas ummarido, fil'os em geral(. F feminino como indiferen+a em rela+ão " singularidade.

Dá o 'omem seria aquele que a!andonaria a eticidade imediata e elementar dafamília

Cur"o HeelAula 8

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6ara que o universal c'egue a um ato, precisa que se concentre no uno daindividualidade e pon'a no todo uma consci%ncia-de-si singular, pois a vontadeuniversal s# é vontade efetiva em um 1i que é uno `a execu+ão é sempre um atri!utoda individualidade\. ?as, dessa maneira, todos os outros singulares estão excluídosda totalidade desse ato e nele s# t%m uma participa+ão limitada; de modo que o ato

não seria ato da efetiva consci%ncia-de-si universal. ssim a li!erdade universal não pode produzir nen'uma o!ra nem ato positivo `$á que todo ato positivo realizadolevanta a oposi+ão dos outros singulares\; resta-l'e somente o agir negativo, éapenas a fIria do desaparecer JQ).

 &a aula de 'o$e, daremos continuidade ao comentário da primeira parte da se+ão “3spírito(,ou se$a, esta dedicada " posi+ão do conceito de eticidade no interior da  polis grega.

Vimos, desde o início deste m#dulo, como /egel partia da tentativa de seuscontemporAneos Be dele mesmo na $uventudeE em construir uma alternativa " modernidade

através do recurso a formas de vida e modos de socializa+ão pr#prios " uma :récia antigaidealizada e paradigmática. &o entanto, o poder a!soluto de unifica+ão em opera+ão na polis grega será posto como o que estava fadado a dissolver-se7 maneira de mostrar comomodos de socializa+ão pr#prios " :récia antiga não poderiam fornecer alternativas aosimpasses e "s dissocia+*es da modernidade.

 &este sentido, partimos do diagn#stico que estava presente em afirma+*es como7

 &a verdade, a li!erdade do indivíduo existe na :récia, mas ainda não atingiu aconcep+ão a!strata de que o su$eito pura e simplesmente depende do su!stancial 8do 3stado.

/eidegger criticara /egel por compreender a :récia como um “ainda não(, como“o que ainda não colocou os pés so!re a terra da filosofia, ou se$a, a consci%ncia-de-si naqual somente o o!$eto representado pode ser como tal(. Fu se$a, /egel estaria afirmando,entre outras coisas, que a eticidade grega não podia suportar exig%ncias de recon'ecimentode su$eitos compreendidos como consci%ncias-de-si. Haí porque ele afirmaria que amoralidade, enquanto su!$etividade da convic+ão e da inten+ão ainda não estaria presente. lei vigora por ser a lei ancorada nos costumes e no 'á!ito. 3la não é o que se su!mete aoexame de uma consci%ncia que s# pode aceitar por válido aquilo cu$a causa se su!mete aoseu pensar. Haí porque /egel insiste que a decisão na polis era normalmente vinculada "compreensão do que enunciava os oráculos. Uuando a decisão passa a ser fruto dadiscussão onde particulares procuram se impor no interior da  polis animados pelaconsci%ncia da “contradi+ão entre seu sa!er so!re a eticidade da sua a+ão e o que é ético emsi e para si( , então a ruína $á estava " espreita.

 &a verdade, este “déficit de a!stra+ão( que aparece na compreensão doenraizamento su!stancial dos indivíduos na determina+ão regional da  polis grega, tende,estran'amente, a apontar para uma certa defesa do formalismo do su$eito moderno. Rstotalvez possa ser explicado se lem!rarmos que tal déficit de a!stra+ão vincula-se, entreoutros, ao fato do fundamento da li!erdade do espírito grego estar condicionado em rela+ãoessencial com um estímulo da natureza. F natural no pensamento grego não é negado, masremodelado Bum2ildenE para a expressão do su$eito. 6oderíamos mesmo dizer que os gregos

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/egel lem!rará que o governo aparece assim necessariamente como uma fac+ãovitoriosa e no fato mesmo de ser fac+ão reside a necessidade de sua queda ou,inversamente, o fato de ser governo o torna fac+ão e culpado. ?as, para o governo, o queestá frente a ele contraposto é apenas uma vontade inefetiva, sem realidade alguma eimpossível de ser recon'ecida. ssim, entre os dois p#los, a universalidade do que se

coloca na posi+ão do governo e a consci%ncia-de-si efetiva, 'á uma pura nega+ãototalmente não mediatizada. Z por isto que a Inica o!ra da li!erdade a!soluta será a morte. &ão uma morte como figura fenomenol#gica da confronta+ão com um fundamentoincondicionado e a!soluto e que momento fundamental de todo verdadeiro processos deforma+ão. qui, trata-se de uma morte sem alcance interior, morte que não realiza nada.“?orte mais fria, mais rasteira; sem mais significa+ão do que cortar uma ca!e+a de couve

descon'ecem o tra!al'o da angIstia; na verdade, eles con'ecem apenas7 “a alegreautoconfian+a perante a naturalidade sensível( B )as frohe >el2stgef1hl gegen die sinnliche Nat1rlich+eit E. Rsto se traduzirá no vínculo natural, não-reflexivo " estaticidade doscostumes e 'á!itos desta  polis determinada, costumes e 'á!itos que expressariam a

 positividade da su!stAncia ética. &este contexto, o su$eito, com suas exig%ncias universaisde recon'ecimento para além de todo con$unto determinado e contextual de leis e costumes,é o que guarda a for+a para a cria+ão de institui+*es não mais su!metidas a talnaturaliza+ão.

6artindo destas considera+*es gerais, vimos como /egel organizava a lin'a detensão que perpassava a eticidade grega através da dicotomia entre a lei 'umana e a leidivina7 su!stAncias de dois nIcleos distintos de socializa+ão, a sa!er, a família e acomunidade B6emein7esenE. . questão central será pois7 como a lei da família e a lei da polis podem sustentar, con$untamente e sem cis*es, esta eticidade que permite indivíduosorientarem $ulgamentos e a+*es.

/egel parte lem!rando que não se trata aqui de alguma forma de contraposi+ão

entre natureza e sociedade, $á que7 “a família não está no interior de sua ess%ncia éticaenquanto ela é o comportamento da natureza de seus mem!ros(, pois “essa rela+ão danatureza é tam!ém um espírito(. Rsto não impede /egel de insistir na consci%ncia que osgregos tin'am da for+a disruptiva do que continua vinculado " família7

família, como o conceito desprovido de consci%ncia e ainda interior daefetividade consciente-de-si, como o elemento da efetividade do povo, se contrap*eao pr#prio povo; como ser ético imediato se contrap*e " eticidade que se forma e sesustém mediante o tra!al'o em prol do universal; os 6enates se contrap*em aoespírito universal.

Haí porque o relacionamento ético dos mem!ros da família $á deve ser algo voltado" vida ética da comunidade. /egel descarta que tal relacionamento ético se$a orelacionamento da sensi!ilidade ou o exclusivismo da rela+ão de amor. ntes, ele é o7 “pro 1ingular para família, em su!$ugar BunterjochenE sua naturalidade e singularidade e emeducá-lo para a virtude, para viver no universal e para o universal(. 4m viver no universalque não é simples fruto da opressão em rela+ão "s aspira+*es da particularidade, masforma+ão em dire+ão a uma li!erdade que li!erta+ão das ilus*es da imediaticidade. 6oisenquanto não é cidadão e pertence " família, o 1ingular é uma “som!ra inefetiva semcontornos(.

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ou !e!er um gole de água(JQ9. omo dirá /egel7 “agora reina a virtude e o terror, pois avirtude su!$etiva que governa a partir da fé acarreta a mais terrível tirania. 3la exerce seu poder sem formas $udiciais, e sua puni+ão é igualmente simples, a morte(JQJ.

li!erdade a!soluta aparece assim como consci%ncia-de-si a!strata que elimina,dentro de si, toda diferen+a e toda su!sist%ncia da diferen+a. 3la é li!erdade que p*e o

a!soluto, mas sem predicado, apenas como o puro pensar. F terror da morte é a intui+ãodessa ess%ncia negativa. vontade universal se transforma nessa ess%ncia negativa, $á quea pura negatividade encontra na vontade universal o seu su!sistir.

He fato, a princípio poderia parecer que estaríamos diante deste movimento, posto $á na reflexão so!re a eticidade grega, da a+ão do governo como a+ão que nega as estruturas

 &o entanto, não deixa de ser sintomático que /egel fa+a uma $un+ão inesperada aodizer que esta forma+ão do 1ingular para viver no universal se realize de maneira mais !emaca!ada no rito fIne!re, no cuidado em rela+ão ao morto Be é através da rela+ão ao morteque nasce a consci%ncia da lei divinaE. Vimos que /egel mostrava como tal cuidadosignificava que a lei divina é a primeira posi+ão da individualidade como

incondicionalidade ou `por enquanto\ a!stra+ão. lei divina que encontra seu solo nafamília é posi+ão do 1ingular como universalidade a!strata. 3sta lei gan'ará suanaturalidade através do seu vínculo " posi+ão feminina. F feminino, enquanto puro“pressentimento da ess%ncia ética( fica vinculado " universalidade a!strata da lei divina dafamília.6or sua vez, o governo da comunidade que efetiva a lei 'umana tam!ém é !aseado em umacerta for+a da a!stra+ão. 6ois este governo não é conce!ido a partir de uma sociedadenascida da necessidade e visando a conserva+ão de seus mem!ros, ele não repousa so!reuma promessa de paz e de repouso mas realiza a nega+ão a!soluta que consiste em viver para o universal7

6ara não deixar que os indivíduos se enraízem e endure+am nesse isolar-se e que,desta forma, o todo se desagregue e o espírito se evapore, o governo deve, detempos em tempos, sacudi-los em seu íntimo pelas guerras e com isso l'es ferir e pertur!ar a ordem rotineira e o direito " independ%ncia. Uuanto aos indivíduos, queafundados nessa rotina e direito se desprendem do todo aspiram ao ser para-siinviolável e " seguran+a da pessoa, o governo, no tra!al'o que l'es imp*e, deve dar-l'es a sentir seu sen'or7 a morte. 6or essa dissolu+ão da forma da su!sist%ncia, oespírito impede o so+o!rar do  )asein ético no natural, preserva o 1i de suaconsci%ncia e o eleva " li!erdade e " for+a. ess%ncia negativa se mostra como a pot%ncia peculiar da comunidade e como a for+a de sua autoconserva+ão.

Hesta forma, vimos como a temática do conflito como fundador do vínculo socialBtal como vimos na dialética do sen'or e do escravoE aparece como fundamento para a a+ãodo 3stado. 1e o governo não repousa so!re uma promessa de paz é porque o processo deforma+ão, que se iniciou na família, deve animar os processos de intera+ão social enquantomeios para a realiza+ão da su!$etividade como universalidade desprovida de toda ader%nciaao )asein natural, enquanto o que se realiza através de um tra!al'o que é confronta+ão coma fragiliza+ão das imagens estáticas do mundo.

4ma certa 'armonia parece se instaurar $á que7

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estanques da sociedade civil através da guerra Bou, por que não, do terrorE, isto a fim de“não deixar que se enraízem e endure+am nesse isolar-se e que por issso o todo sedesagregue e o espírito se evapore(JQP. &o entanto, tal movimento não se realiza porque omundo estava pura e simplesmente na forma da consci%ncia. &ão 'avia nen'umasu!stAncia a ela contraposta. forma+ão tem como saldo aqui o compreender a efetividade

como desaparecer, como um passar ao nada vazio, uma aliena+ão na forma da puraa!stra+ão que nada retri!ui pelo sacrifício. &o entanto, é neste ponto que /egel encamin'a esta experi%ncia 'ist#rica para sua

supera+ão em outra figura da consci%ncia. 6ois, agora, a negatividade a!soluta não aparece" consci%ncia como algo estran'o, algo que l'e vem de fora, como, por exemplo, o além da

6elo espírito da família, o 'omem é enviado " comunidade e nele encontra suaess%ncia consciente-de-si. omo desse modo a família possui na comunidade suauniversal su!stAncia e su!sist%ncia, assim, inversamente a comunidade tem nafamília o elemento formal de sua efetividade; e na lei divina, sua for+a elegitima+ão.

6or isto que /egel poderá afirmar7

união do 'omem e da mul'er constitui o meio-termo ativo do todo, o elementoque cindido nesses extremos da lei divina e da lei 'umana é igualmente suaunifica+ão imediata. que faz daqueles dois primeiros silogismos um mesmosilogismo e que unifica em um s# os movimentos opostos.

 &o entanto, esta 'armonia será que!rada, $á que a lei divina guardada pelo femininoirá demonstrar como a lei da  polis não pode realizar, de forma adequada, exig%ncias deuniversalidade. Z desta forma que aparece a figura do todo como equilí!rio estável de

todas as partes ou do reino ético como mundo imaculado que não é manc'ado pornen'uma cisão.

Ant$ona e Creonte

Z a partir da ruptura da complementaridade entre lei divina e lei 'umana, ruptura resultanteda lenta consci%ncia trágica do advento do ato B /at E de uma individualidade singular, doa!soluto ser para-si da consci%ncia puramente singular que não se recon'ece mais em umdos p#los da lei, que a eticidade grega irá dissolver-se. Z a isto que /egel alude ao afirmar7

6orém a consci%ncia de si ainda não surgiu em seu direito como individualidadesingular devido ao modo como a oposi+ão está constituída nesse reino ético7 nele, aindividualidade, por um lado, s# tem valor como vontade universal, por outro, comosangue da família B...E &en'um ato foi ainda cometido; ora, o ato é o si efetivo. Fato pertur!a o calmo movimento e organiza+ão do mundo ético.

/egel ainda afirma que, através do ato, instaura-se uma passagem de opostosBJ2ergange $ntgegengeset.er E entre os dois p#los da eticidade. 6assagem através da qual auniversalidade efetiva da lei 'umana se transforma na particularidade a!strata da lei dafamília e vice-versa. o agir a partir de um dos p#los, a consci%ncia vinculada "

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consci%ncia infeliz. 3la é posta como a verdade da sua ess%ncia, ela l'e é interna. consci%ncia $á não v% mais sua posi+ão como aquela assegurada pela identidade Bcomo erao caso da consci%ncia rica de espírito do so!rin'o de >ameauE. >econ'ecendo anecessidade da experi%ncia 'ist#rica do terror enquanto internaliza+ão da negatividade quedevasta toda determina+ão fenomenal, /egel dirá7

?as, por isso mesmo, a vontade universal forma imediatamente uma unidade com aconsci%ncia-de-si, ou se$a, é o puramente positivo porque é o puramente negativo; e

su!stancialidade da lei 7 “se mostra mais como anula+ão B Nichtig+eit E de si mesmo e dooutro do que como sua confirma+ão(. nula+ão que devora tanto a lei divina quanto a lei'umana.

He fato, /egel demonstra que a consci%ncia de tal dissolu+ão da 'armonia daeticidade aparece claramente na trag'dia BZsquilo e 1#foclesE e na com'dia Brist#fanesE(

2odas as duas formas teatrais 'egemnicas no mundo grego seriam estetiza+*es daclivagem entre fundamento e efetividade do dever. &a comédia, por exemplo, a ironiza+ãode toda determinidade e de toda a+ão feita em nome do dever demonstra a perda desu!stancialidade do que antes valia imediatamente e a transforma+ão do que aspira validadeuniversal em máscara para paix*es particulares. Z a isto que /egel alude ao falar dacomédia como7

uma colisão de dever contra dever, uma colisão que, segundo o conteIdo equivale "colisão entre paixão e dever, pois a paixão é tam!ém capaz de ser representada comdever. om efeito, o dever, quando a consci%ncia se retira de sua essencialidadesu!stancial imediata para dentro de si, torna-se o universal formal em que se adapta

igualmente !em todo e qualquer conteIdo.Fu se$a, vemos novamente esta figura do riso como dissolu+ão do que aspira

determinidade através da invertersão do que aspira universalidade no interior do universodas leis em posi+ão da particularidade. 4m riso que instaura, por sua vez, o locus de umasu!$etividade irnica enquanto perspectiva a!soluta de avalia+ão dos 'á!itos e costumes.Haí porque7 “&a comédia, o que nos é dado, pelo riso, a ver de todos os indivíduos que sedissolvem a si mesmos e a partir de si mesmos é a vit#ria de suas su!$etividades e o fato deque estas guardam ainda toda seguran+a( $á que a su!$etividade “se faz con'ecer comonaturezas superiores devido a não estarem seriamente vinculados " finitude na qual estão,mas continuam acima dela, firmes e seguros de si mesmos face aos fracassos e perdas(.

2ais reflex*es so!re a comédia não serão aprofundadas neste momento do texto da Fenomenologia( He fato, encontraremos novamente a su!$etividade irnica, mas não maiscomo figura da comédia antiga Bque ainda guarda um vínculo entre a su!$etividade e o queé su!stancialE, e sim como figura da comédia moderna BO so2rinho de ameauE. 0igura queleva o potencial de negatividade, de dissolu+ão da comédia ao paroxismo por plicá-lo a pr#pria perspectiva de enuncia+ão da crítica dos costumes e 'á!itos. em!remos que é poresta razão que7 “a comédia leva simplesmente " dissolu+ão B 8uflsung E da arte. finalidade de toda arte é a identidade produzida pelo espírito na qual o eterno, o divino, overdadeiro em si e para si revelem-se em uma fenomenalidade e uma figura reais a nossa

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a morte sem sentido, a negatividade do 1i não-preenc'ido, transforma-se noconceito interior, em a!soluta positividadeJQQ.

om isto, a nega+ão pode passar ao nível ontol#gico. ?as, para que tal desígno serealize, faz-se necessário entrarmos no momento da moralidade. 3 é isto que veremos na

aula que vem.

visão exterior, a nossa afetividade a a nossa representa+ão. ?as a comédia s# representa talunidade em sua autodestrui+ão(.

He fato, /egel está, no texto da Fenomenologia, mais interessado em mostrar osimpasses estetizados pela tragédia grega, em especial as tragédias de 1#focles B Rdipo rei e 8ntígonaE. 6ara /egel, o tema verdadeira da tragédia grega é o c'oque entre pot%ncias

su!stanciais e legitimas em o!ra no agir 'umano7 “ F trágico consiste nisto, que os doislados da oposi+ão B6egensat.esE, cada um tomado por si tem uma $ustifica+ãoB =erechtigung E, mesmo que s# se$am capazes de fazer valer o verdadeiro conteIdo positivode seus fins e de seus caracteres que como nega+ão e lesão da outra instAncia(. 6ois, nointerior da a+ão trágica, a consci%ncia sa!e o que tem de fazer e está decidida a pertencerse$a " lei divina feminina Bcom suas exig%ncia de recon'ecimento de quem partil'a osangue da famíliaE, se$a " lei 'umana masculina Bcom suas exig%ncias de que tais aspira+*esde recon'ecimento se su!metam aos imperativos de preserva+ão da polisE. 3ste sa!er é oque sustenta a imediaticidade da decisão, $á que ela tem a significa+ão de um ser natural,enraizado no que a natureza inscreve como sa!er acessível " consci%ncia.

 &otemos que, por pensar a decisão B $ntschiendeheit E como o que se fundamenta na

imediatez do sa!er, e não a media+ão entre a consci%ncia e o que se coloca como seu Futro,isto $á que a consci%ncia ética exige que o ato não se$a outra coisa senão o que ela sa!e. atividade orientada pelo dever é, para a consci%ncia, algo de imediato e imune "contradi+ão. 6or isto, ela é essencialmente caráter B%hara+ter E que s# pode aferrar-se a umdos lados da lei7

 &ão é válida para a consci%ncia a igual essencialidade a am!as; a oposi+ão semanifesta, por isso, como uma colisão infeliz do dever somente com a efetividadedesprovida de direito B...E omo v% o direito somente de seu lado, e do outro, o nãodireito B<nrecht E, a consci%ncia que pertence " lei divina enxerga, do outro lado, aviol%ncia 'umana contingente. ?as a consci%ncia que pertence " lei 'umana v% nolado oposto a o!stina+ão e a deso!edi%ncia do )asein interior.

qui, /egel $á pensa claramente no conflito que anima  8ntígona, de 1#focles entrea lei da família e a lei do 3stado. inda 'averá um outro conflito trágico fundamental7 esteque op*e o agir consciente e imediatamente imputável o agir desprovido de consci%ncia Beimputável apenas de maneira trágicaE em Rdipo rei( 3m comum, os dois colocam em cena o pro!lema de uma concep+ão de ato vinculada " disposi+ão intencional da consci%ncia.3ntre outras raz*es, é por isto que /egel prefere pensar os desdo!ramentos da dissolu+ãoda eticidade através da tragédia, e não da comédia. 6ois, contrariamente " seguran+a da

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igualdade da su!$etividade a si mesma que sustenta a ironiza+ão das determina+*es nacomédia, a tragédia coloca em cena um ato cu$as conseq5%ncias se afirmam para além dosa!er da consci%ncia.

He fato, esta colisão entre consci%ncias éticas é o cerne da leitura que /egel faz da 8ntígona. o falar do conflito entre família e estado, /egel não pensa em uma simples

contraposi+ão entre particularidade dos interesses familiares e universalidade dos interessesde preserva+ão da polis. 1e assim fosse, não 'averia sentido em falar de colisão deconsci%ncias éticas. He fato, /egel lem!ra que, para si, cada um dos p#los fundamenta-seno universal e v% o outro como enredado no particularismo de interesses regionais. 2odosos dois se colocam como formas distintas de “viver no universal(. 6ois7

F movimento da lei 'umana e da lei divina encontra a expressão de seu necessidadeem indivíduos em que o universal se manifesta como um  pathos, e a atividade domovimento como um agir individual, que dá um sem!lante de conting%ncia "necessidade desse movimento.

6ara ntígona, sua a+ão de render 'omenagens funerárias ao irmão criminosodemonstrava o particularismo da lei da polis enunciada pela conting%ncia de um 'omem,reonte7 “ tua lei não é a lei dos deuses; apenas o capric'o ocasional de um 'omem. &ãoacredito que tua proclama+ão ten'a tal for+a que possa su!stituir as leis não escritas doscostumes e os estatutos infalíveis dos deuses. 6orque essas não são leis de 'o$e, nem deontem, mas de todos os tempos; ninguém sa!e quando apareceram. &ão, eu não iria arriscaro castigo dos deuses para satisfazer o orgul'o de um po!re rei. 3u sei que vou morrer, nãovouG ?esmo sem teu decreto B...E ?orrer mais cedo não é uma amargura, amargura seriadeixar a!andonado o corpo de um irmão(. F fundamental, nesta afirma+ão, é que a a+ãonão é legitimada simplesmente em nome do vínculo natural ao sangue, mas principalmenteela é legítima porque a lei divina entrega, aos mem!ros da família, a o!riga+ão de realizar orecon'ecimento da incondicionalidade da posi+ão dos su$eitos, para além dasdetermina+*es contextuais de a+*es.

6or sua vez, reonte v%, no ato de ntígona, apenas o particularismo sedicioso dequem coloca seus interesses “comunitaristas( de sangue acima da universalidade das leis da polis. “omo c'efe de estado, agi em defesa da pátria(, ele dirá. 6ois “ eu não poderiadecepcionar o povo que fez tantos sacrifícios e nem meus 'omens em armas, que deram suavida pela causa, permitindo que ela tratasse nossa vit#ria com desprezo `rendendo'omenagens funerárias ao irmão criminoso\. &ão adianta ela apelar para as liga+*es desangue e parentesco. 6ois se não consigo governar min'a pr#pria casa `ntígona era noiva

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do fil'o de reonte, /émon\, como poderei manter min'a autoridade na área mais amplado estadoG 1# sa!e comandar quem comanda o mais ínfimo detal'e. 1# sa!e comandarquem desde cedo aprende a o!edecer. pior peste que pode atacar uma cidade é aanarquia. &ão estou disposto a deixar a disciplina corroer meu governo comandada por umamul'er. 1e temos que cair do poder, que isso aconte+a diante de outro 'omem(.

Hesta forma, /egel compreende que a ruína trágica está na essencialidade das duas perspectivas e, ao mesmo tempo, no engano em continuar, até o fim, acreditando que o atoético é aquele fundamentado na certeza interior de seguir uma lei, se$a ela divina, se$a ela'umana. 2anto que a reconcilia+ão será, na verdade, a ruína de am!as as posi+*es, poisruína da pr#pria eticidade grega. F que faz sentido, se aceitarmos que7 “o conflito entrentígona e reonte é, na verdade, o conflito de am!os com a “su!stãncia(, com a !asenormativa da vida grega( fundada so!re duas disposi+*es contrárias que serão postas emsua contrariedade pelo agir da consci%ncia. Haí porque, a su!stAncia ética s# poderáaparecer como “pot%ncia negativa que devora os dois lados(.

/á ainda, aqui, o resultado de uma no+ão de “mal( vinculada necessariamente a parcialidade do agir. Haí porque /egel pode afirmar que7

6elo ato, a consci%ncia-de-si torna-se culpa B>chuld ou, ainda, responsa!ilidademoralE. om certeza, ela é o agir e o agir é sua pr#pria ess%ncia. culpa rece!etam!ém a significa+ão de crime BCer2rechensE, pois a consci%ncia-de-si, comosimples consci%ncia ética, consagrou-se a uma lei, mas renegou a outra e a violoumediante seu ato `o que demonstra que o crime não é apenas a parcialidade da a+ão,mas tam!ém a primeira posi+ão de um déficit de recon'ecimento, $á que , através docrime, a consci%ncia como quem não se recon'ece como su$eito da lei violada\.

/egel lem!ra, neste sentido, do papel do coro na tragédia7 “o coro diz respeitoessencialmente a perspectiva a partir da qual, face a complexidade ética das situa+*es, nãose pode mais !radar leis $urídicas determinadas em vigor nem dogmas religiosos estáticos(. pr#pria degrada+ão da fun+ão do coro na tragédia moderna seria a estetiza+ão da perdade um princípio de reconcilia+ão " disposi+ão na modernidade.

?as estaremos incorrendo em erro se compreendermos a responsa!iliza+ão moraldo ato, camin'o para a reconcilia+ão, como simples resultado da deposi+ão de um dos p#losda lei em prol do outro Bsu!missão da lei da família " lei da polis e vice-versaE., até porque7

F movimento dessas pot%ncias éticas, uma em rela+ão " outra, e dasindividualidades que as p*em em vida e a+ão, s# atinge seu verdadeiro fim ao

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sofrerem am!os os lados a mesma ruína. om efeito, nen'uma dessas pot%ncias temso!re a outra a vantagem de ser um momento mais essencial da su!stAncia.

 &este sentido, podemos dizer que a culparesponsa!ilidade moral resultante do ato

Blem!remos, s# é culpado quem recon'ece a parcialidade de seu ato diante da lei opostaE éresultado da compreensão de que, diante do particularismo da lei, a consci%ncia s# podeagir escol'endo um dos lados da ess%ncia, mesmo sa!endo que tal escol'a será sua ruína.6ois7 “o agir mesmo é uma cisão(, isto no sentido de que o cumprimento de umadesigna+ão do agir evoca a designa+ão oposta como ess%ncia violada e 'ostil. ?as agir édecidir so!re o que é falível, é decidir so!re o que pode Be muitas vezes deveE posteriormente ser anulado e superado. Rsto implica na compreensão de que “todo ato moralé falível B Fehl2ar+eit E(, pois ele é aquilo que se coloca na aus%ncia de garantias da ei, semcontudo sustentar-se no decisionismo da iman%ncia da pura vontade como fonte de sentido.Haí porque7 “inocente é s# o não agir B NichttunE, tal como o ser das pedras, nem mesmo oser da crian+a é inocente(. culpa de todo verdadeiro ato vem do fato dele ser uso de uma

 posi+ão particular como estratégia de sustenta+ão de exig%ncias de recon'ecimento que nãoencontram lugar em determina+*es da lei. Rsto talvez nos explique porque7 “ a estes tipos de'er#is Bntígona, reonteE, não 'averia pior in$usti+a que dizer que agiram inocentemente.Z a 'onra dos grandes caracteres de serem culpados. 3les não querem suscitar a piedade,nem serem tocantes. 6ois isto não é o su!stancial, mas sim o aprofundamento su!$etivo da personalidade, a dor pessoal que eles emitem(.

/egel faz então uma compara+ão entre Zdipo e ntígona a respeito daimputa!ilidade do ato. He fato, a tragédia de Zdipo diz respeito, entre outras coisas, "imputa!ilidade ou não do que a consci%ncia faz sem sa!er, pois7 “ao fil'o, o pai não semostra no ofensor que ele fere, nem a mão na rain'a que toma por esposa. Heste modo, está" espreita da consci%ncia-de-si ética uma pot%ncia avessa " luz que, quando o fato B /at Eocorreu, irrompe e a col'e em flagrante(. ontrariamente " leitura clássica da pe+a de1#focles BVoltaire, orneilleE, que via no não sa!er do protagonista algo de a!solutamenteinverossímil, /egel compreende Zdipo como a figura do sa!er su!metido ao  pathos dadisposi+ão ética na individualidade7 “a identidade de um logos e de um pathos( que indicaa dissocia+ão entre a particularidade da posi+ão dos su$eito e uma perspectiva universal deavalia+ão do significado da a+ão.

 &este sentido, ntígona é a internaliza+ão reflexiva de tal identidade entre logos e pat'os. Haí porque /egel poderá afirmar7

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6orém a consci%ncia ética é mais completa, sua culpa mais pura quando con'eceantecipadamente a lei e a pot%ncia que se l'e op*em, quando toma por viol%ncia ein$usti+a, por uma conting%ncia ética; e como ntígona, comete o crime sa!endo oque faz `ela su!mete o logos, enquanto eticidade composta por duas leis, ao pat'osde uma escol'a\.

A d!""olução da #ol!"

Ho parágrafo POJ ao PO<, /egel irá pois aprofundar a no+ão de que a colisão entrentígona e reonte é, na verdade, uma luta de am!os contra a eticidade grega e exposi+ãode disposi+*es contradit#rias no interior mesmo desta eticidade. 3le retoma a descri+ãodeste processo de socializa+ão através do qual o $ovem passa de mem!ro da família "cidadão da polis. em!remos como tal processo era descrito como o7 “pr o 1ingular parafamília, em su!$ugar BunterjochenE sua naturalidade e singularidade e em educá-lo para avirtude, para viver no universal e para o universal(. 4m viver no universal que não ésimples fruto da opressão em rela+ão "s aspira+*es da particularidade, mas forma+ão em

dire+ão a uma li!erdade que li!erta+ão das ilus*es da imediaticidade.qui, /egel retorna a este ponto, mas para lem!rar que ele ainda pertence "natureza da qual procurava se arrancar, o que se demonstra com “a figura contingente dedois irmãos que, com igual direito, se apoderam da comunidade(. 3les trazem a !eligerAncia do que está aferrado " natureza para o interior da comunidade. onseq5%nciade uma lei 'umana que tem na lei da família7 “ a raiz de sua for+a(.

6or seguir esta dupla lei, a polis deve sustentar-se na t%nue lin'a do que não agravanen'uma das duas. 2arefa impossível, pois a posi+ão de uma implica na redu+ão da outraao nível da particularidade. não ser que a polis se$a capaz de se organizar a partir deexig%ncias de recon'ecimento de uma universalidade a!strata que é a !ase universal daconsci%ncia singular e ess%ncia da lei da família, o que não é o caso da polis grega queainda descon'ece Ga concepção a2strata de que o sujeito pura e simplesmente depende do su2stancial ; do $stadoH. Fu se$a, não se trata de anular o que se aferra no interior domundo su!terrAneo da família, mas de mostrar como ele p*e, ainda de maneira imperfeita,exig%ncias de a!stra+ão que a polis ainda não é capaz de dar conta. 0ato que a feminilidade 8 esta “eterna ironia da comunidade( faz questão de lem!rar7

Uuando a comunidade s# se proporciona sua su!sist%ncia mediante a destrui+ão dafelicidade familiar e da dissolu+ão B 8uflsung E da consci%ncia-de-si na consci%nciauniversal, ela está produzindo, para si mesma, seu inimigo interior naquilo que é

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reprimido Bunterdr1c+ E e que l'e é ao mesmo tempo essencial 8 na feminilidade emgeral. 3ssa feminilidade 8 a eterna ironia da comunidade - muda por suas intrigas ofim universal do governo em um fim privado, transforma sua atividade universal emuma o!ra deste indivíduo determinado e perverte a propriedade universal do 3stadoem patrimnio e adorno da família. 

ssim, a comunidade produz o princípio de sua ruína através da a+ão repressoracontra ele. Z o que foi posto, pelo governo, como interesse particular que demonstra a particularidade do interesse do governo rompendo a imediaticidade do vínculo " lei.  partir de então, a su!stAncia ética será apenas uma universalidade formal, ou se$a, acomunidade desprovida de espírito do estado de direito romano. om isto, é através dosconflitos internos aos modos de socializa+ão e "s formas de vida grega que /egel procurademonstrar a invalidade da tentativa de encontrar saídas alternativas para a modernidadeatravés do retorno a uma esticidade a ser recuperada em esferas sociais pré-modernas.

Ant$ona entre Heel e La)an

ntes de terminarmos a aula, vale a pena correr o risco de pecarmos por anacronismo, istoa fim de esta!elecer um paralelo entre duas leituras de ntígona7 uma que aparece nointerior de um pro$eto filos#fico de realiza+ão do conceito de modernidade B/egelE e outro,mais perto de n#s, que tende, aparentemente, a insistir no esgotamento das possi!ilidadesde reconcilia+ão com uma perspectiva capaz de realizar exig%ncias de universalidadeBacanE.

acan a!orda este texto a fim de fornecer uma figura de reflexão para o pro!lema daa+ão ética. 3le nos lem!ra que a a+ão de ntígona é sustentada em uma dimensão deexterioridade ao universo sim!#lico que sustenta a polis e suas determina+*es identitárias.Haí a afirma+ão de que se trata de uma a+ão7 “de uma vida que vai se confundir com amorte certa, morte vivida de maneira antecipada, morte estendendo-se so!re o domínio davida, vida estendendo-se so!re a morte(. 4ma a+ão que visa a 8t' e que retira, de ntígona,todo retrato 'umano, como impulso em dire+ão a uma singularidade limite dos que nãocedem em seu dese$o, mesmo que ele os leva a este ponto onde a vida se estende " morte.

acan cr% que /egel não se dá conta desta natureza da a+ão de ntígona, principalmente devido a uma pretensa sedu+ão da reconcilia+ão prometida pela pe+a. &oentanto, vimos que para /egel a reconcilia+ão significa dissolu+ão B 8flsung E e destrui+ãodos p#los que procuram determinar a a+ão a partir da imediaticidade da su!stAncia ética.6or outro lado, /egel recon'ece claramente que, enquanto a+ão vinculada " lei divina,

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ntígona é aquela que sustenta o recon'ecimento da universalidade a!strata de su$eitos quese p*em para além das determina+*es contextuais de suas a+*es. 4niversalidade a!stratacu$a figura fenomenol#gica privilegiada é a morte. &este sentido, acan não está distantede /egel quando afirma7 “que ntígona representa, por sua posi+ão, este limite radical que, para além de todos os conteIdos, de tudo o que 6olinice pde fazer de !em e de mal

mantém o valor Inico de seu ser(. 1epara+ão do ser de todas as caracteriza+*es do drama'ist#rico que ele atravessou.6or outro lado, acan não v% em reonte um princípio de lei que confronta-se com

outro princípio, mas o dese$o em infligir, a seu inimigo 6olinice uma segunda morte.Hese$o que se expressa so! a “linguagem da razão prática(, so! a tentativa de transformar o !em de todos em “lei sem limites( que visa a aniquilar todo ponto de excesso que não sesu!meta " enuncia+ão da lei. eitura de um tempo que não acredita mais na possi!ilidadeque a lei que sustenta as intera+*es sociais possa dar conta do que é da ordem dasingularidade. ?as lem!remos que /egel recon'ece que, a partir de então, a lei 'umanarepresentada por reonte vai " ruína, $unto com a pr#pria no+ão de eticidade grega. >estainda sa!er o que pode entrar em seu lugar.

9PP /F&&32/, "uta por reconhecimento, p. OQ9PQ /3:3, idem, p. Q9J9P< /3:3, Fenomenologia, par. POQ9PO /3:3, Fenomenologia, par. POO9PY /3:3, Filosofia da história, p. 9JK9PK /3:3, Fenomenologia, par. POK9Q@ /3:3, Filosofia da 3istórica, p. 9<Q9Q) /3:3, Fenomenologia, par. PY)-PY99Q9 /3:3, Fenomenologia, par. PY99QJ /3:3, Filosofia da história, p. 9JK9QP /3:3, Fenomenologia, par. PYP9QQ /3:3, Fenomenologia, par. PY<9Q< /3:3, Fenomenologia, par. PYY9QO /W66FR23, 6&nese, p. P)@9QY /3:3, Fenomenologia, par. PKO9QK /3:3, Fenomenologia, par. Q@@-Q@)9<@ /3:3,. Fenomenologia, par. Q@Q9<) /3:3, Fenomenologia, par. Q@O9<9 /3:3, Fenomenologia, p. )KY9<J /3:3, Fenomenologia, par. Q@Y9<P /3:3, >cience de la logique III, op.cit , p. )))9<Q /3:3, Fenomenologia, par. Q)O

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9<< /3:3, Fenomenologia, par. PYP9<O /3:3, Fenomenologia, par. PKO9<Y /3:3,. Fenomenologia, par. Q@Q9<K /3:3, Fenomenologia, par. Q@O9O@ /3:3, Fenomenologia, par. Q@Y9O) /3:3, Fenomenologia, par. Q)O9O9 /3:3, Fenomenologia, par. Q)K9OJ 3&RF6HR3, volume RV, p. )KY9OP &R3/431-6>=12R&:, /he modern reception of cDnicism, p. JJJ9OQ HRH3>F2, "e ne*eu de ameau, p. PK9O< idem, p. )9K9OO 2F>>31 0R/F, $nsaio de filosofia ilustrada, p. <K.9OY  'ist#ria do texto comporta um grande périplo. p#s a morte de Hiderot, ?me de Vandeul manda umlote de manuscritos para atarina RR da >Issia. &ele, estava o original de O so2rinho de ameau( Fmanuscrito será comprado por um oficial alemão que, por sua vez, passa-o ao editor Lnoc' de >iga efinalmente a irmão de 1c'iller. 3ste, compreendendo logo a importAncia da pe+a, encomenda uma tradu+ão ":oet'e, que será pu!licada em )[email protected] HRH3>F2, idem, pp. OQ-O<9Y@ HRH3>F2, idem, p. <K9Y) /3:3, Fenomenologia, par. Q9)9Y9 /3:3, %i&ncia da lógica I,9YJ HRH3>F2, idem, p. ))K9YP idem, p. <99YQ /3:3, Fenomenologia, par. Q9J9Y< 2F>>31 0R/F, $nsaios de filosofia ilustrada, p. QY9YO HRH3>F2, idem, p. Q@9YY >&231, essentimento da dial'tica, p. JQ9YK idem, p. )9)9K@ idem, p. OQ9K) 62hF, 6órgias, PK99K9 HRH3>F2, idem, p. )J@9KJ /3:3, Fenomenologia, par. Q9P9KP idem, p. OO9KQ idem, p. )J@9K< idem, p. ))<9KO idem, p. )@<9KY idem, p. )@O9KK idem, p. )@KJ@@ H//41, idem, p. PKJ@) em!remos do que diz >ousseau 7 Uuand on songe que, de tous les peuples de la terre, qui tous ont unemusique et un c'ant, les 3uropéens sont les seuls qui aient une harmonie, des accords, et qui trouvent cemélange agréa!le ; quand on songe que le mode a duré tant de siNcles, sans que, de toutes les nations qui ontcultivé les !eaux-arts, aucune ait connu cette harmonie ; quaucun animal, quaucun oiseau, quaucun %tre dans

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la nature ne produit dautre accord que lunisson, ni dautre musique que la mélodie ; que les languesorientales, si sonores, si musicales, exercées avec tant dart, nont $amais guidé ces peuples voluptueux et

 passionnés vers notre harmonie ; que sans elle leur musique avait des effets si prodigieux ; quavec elle lantre en a de si fai!les ; quenfin il était réservé " des peuples du &ord, dont les organes durs et grossiers sont

 plus touc'és de léclat et du !ruit des voix que de la douceur des accents et de la mélodie des inflexions, defaire cette grande découverte et de la donner pour principe " toutes les rNgles de lart ; quand, dis-$e, on faitattention " tout cela, il est !ien difficile de soup+onner que toute notre harmonie nest quune inventiongot'ique et !ar!are, dont nous ne nous fusions $amais avisés si nous eussions été plus sensi!les aux vérita!les

 !eautés de lart et " la musique vraiment naturelle J@9 HRH3>2F, idem, )@<J@J /3:3, Fenomenologia, par. Q99J@P =L/2R&, /he dialogical imagination, p. 9JJ@Q =L/2R&, idem, p. JYJ@< HRH3>F2, idem, p. P<J@O idem, p. <9J@Y idem, p. Q<J@K /3:3, fenomenologia, ipar( UY] J)@ /3:3, Fenomenologia, par. Q9)J)) /3:3, Fenomenologia, par. Q99J)9 HRH3>F2, idem, p. P<J)J idem, p. <9J)P idem, p. Q<J)Q /3:3, Fenomenologia, par ( UY] J)< /3:3, Fenomenologia, par. Q9OJ)O /3:3, Fenomenologia, par. Q9OJ)Y 6R&L>H, /he socialitD of reason, p. Y@J)K /3:3, Fenomenologia, par. Q9KJ9@ /3:3, Fenomenologia, par. Q9KJ9) /3:3, Fenomenologia, par. QJ)J99 /3:3, Fenomenologia, par. QJOJ9J /3:3, Fenomenologia, par. QJYJ9P /3:3, Fenomenologia, par. QP@J9Q /3:3, "içes so2re a história da filosofia ; a filosofia francesaJ9< /3:3, Fenomenologia, par. QPYJ9O /3:3, Fenomenologia, par. QPKJ9Y /3:3, Fenomenologia, par. QPKJ9K /3:3, Fenomenologia, par. QQ@JJ@ /3:3, Fenomenologia, par. QQ@JJ) /3:3, Fenomenologia, par. QQJJJ9 /3:3, Fenomenologia, par. Q<OJJJ /3:3, Fenomenologia, par. QQOJJP /3:3, Fenomenologia, par. QO<JJQ /3:3, Fenomenologia, par. QJ)

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