curso hegel - aulas 1-30 - wladimir safatle

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  • 8/13/2019 Curso Hegel - Aulas 1-30 - Wladimir Safatle

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    CURSO SOBRE HEGEL WLADIMIRSAFATLE

    Introduo a Fenomenolo!a do E"#$r!to%r!me!ra Aula

    Vivemos alis numa poca em que a universalidade do esprito est fortemente

    consolidada, e a singularidade, como convm, tornou-se tanto mais insignificante; pocaem que a universalidade se aferra a toda a sua extenso e riqueza acumulada e as reivindicapara si. parte que ca!e " atividade do indivduo na o!ra total do esprito s# pode sermnima. ssim, ele deve esquecer-se, como $ o implica a natureza da ci%ncia. &a verdade,o indivduo deve vir-a-ser, e tam!m deve fazer o que l'e for possvel; mas no se deveexigir muito dele, $ que tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo( ).

    fim de introduzir algumas quest*es e mtodos que nos guiaro neste curso,convm partirmos destas afirma+*es. onvm partirmos destas afirma+*es porque elasparecem sintetizar tudo aquilo que vrias lin'as 'egemnicas do pensamento filos#fico dosculo imputaram a /egel. 0il#sofo da totalidade do 1a!er !soluto, incapaz de darconta da irreduti!ilidade da diferen+a e das aspira+*es de recon'ecimento do individual "s

    estratgias de sntese do conceito. 2e#rico de uma modernidade que se realizaria nototalitarismo de um 3stado 4niversal que se $ulga a encarna+o da o!ra total do esprito(.3xpresso mais !em aca!ada da cren+a filos#fica de que s# seria possvel pensar atravs daarticula+o de sistemas fortemente 'ierrquicos e teleol#gicos, com o conseq5ente desprezopela dignidade ontol#gica do contingente, deste contingente que tampouco pode esperar desi e reclamar para si mesmo(.

    6oderamos ainda desdo!rar uma lista aparentemente infindvel de acusa+*es que opensamento do sculo levantou contra /egel7 tentativa de ressuscitar uma metafsicapr-crtica de forte matiz teol#gico, 'ip#stase da filosofia da consci%ncia, cren+a em uma'ist#ria onde o presente apresentaria uma universalidade do esprito fortementeconsolidada(, 'ist#ria teleol#gica esvaziada da capacidade em apreender um tempo no qual

    acontecimentos ainda fossem possveis. este respeito, /a!ermas, por exemplo, falar7de um esprito que arrasta para dentro do sorvo da sua a!soluta auto-refer%ncia as diversascontradi+*es atuais apenas para faze-las perder o seu carter de realidade, para transforma-las no modus da transpar%ncia fantasmag#rica de um passado recordado 8 e para l'es tirartoda a seriedade(9.

    )/3:3,Fenomenologia I,p. ?1, O discurso filosfico da modernidade,p.

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    ?esmo as tradi+*es filos#ficas que se reclamam do 'egelianismo nunca aceitaram oque poderamos c'amar de um 'egelianismo sem reservas(. 1e a tradi+o marxista, porexemplo, encontrou em /egel uma antropologia filos#fica capaz de expor o processo'ist#rico de forma+o da consci%ncia em suas expectativas cognitivo-instrumental, prtico-moral e esttico-expressiva, ela logo procurou claramente tomar distAncia do que seria

    'olismo esttico da metafsica especulativa resultante do sistema. 6or sua vez, o c'amado'egelianismo de direita Bque vai desde >ozenCranz at Doac'im >itterE faz, de uma certaforma, a opera+o inversa e insiste na su!stancialidade de la+os comunitriosmetafisicamente fundamentados( contra a centralidade da temporalidade 'ist#rica nopensamento dialtico..omo se, mesmo entre os neo-'egelianos, a imagem de /egel fosse ade um pensamento impossvel de c'egar perto demais.

    2udo isto nos leva a colocar uma questo central para a orienta+o deste curso7 Fque significa ler /egel 'o$eG(. Hevemos aqui nos restringir " economia interna dos textos eignorar como a auto-compreenso filos#fica da contemporaneidade afirmou-seinsistentemente como anti-'egeliana(G omo se nosso tempo exigisse no se recon'ecerno diagn#stico de poca e no permitisse deixar-se ler atravs das categorias fornecidas por/egel. Fu se$a, possvel ler /egel hoje sem levar em conta como nosso momentofilos#fico organizou-se, entre outras estratgias, atravs dos mIltiplos regimes decontraposi+o " filosofia 'egelianaG No estaramos assim perdendo a oportunidade deentender como a auto-compreenso de um tempo depende, em larga escala, da maneiracom que se decide o destino de textos filosficos de geraes anteriores! ompreendercomo um tempo se define, entre outras opera+*es, atravs da maneira com que os fil#sofosl%em os fil#sofos7 prova maior de que a 'ist#ria da filosofia , em larga medida, figura dareflexo filos#fica so!re o presenteG

    1im, ler /egel sem levar em conta o peso que o presente imp*e seria perder muitacoisa. 3 aqui no poderamos deixar de fazer ressoar a constata+o de 0oucault7 2odanossa poca, que se$a pela l#gica ou pela epistemologia, que se$a atravs de ?arx ouatravs de &ietzsc'e, tenta escapar de /egel B...E ?as realmente escapar de /egel sup*eapreciar de maneira exata quanto custa se desvincular dele; isto sup*e sa!er at onde /egel,talvez de maneira insidiosa, aproximou-se de n#s; sup*e sa!er o que ainda 'egelianonaquilo que nos permite de pensar contra /egel e de medir em que nosso recuso contra eleainda uma astIcia que ele mesmo nos op*e e ao final da qual ele mesmo nos espera,im#vel(J.&este curso, no faremos outra coisa que levar estas palavras a srio.

    Geora&!a do ant!'(eel!an!"mo )ontem#or*neo

    'amar nossa poca de anti-'egeliana no me parece uma simples concessoret#rica para dramatizar um pouco o incio de um curso so!re um texto recon'ecidamenterduo. &este sentido, no sem valor lem!rar como as tr%s grandes tradi+*es da filosofiaocidentais contemporAnea Bfrancesa, alem, anglo-saxE t%m em comum a distAncia, "svezes am!gua, "s vezes taxativa, em rela+o a /egel.

    1e quisermos oferecer uma certa geografia( do anti-'egelianismo, o mel'or pas acome+ar , sem dIvida, a 0ran+a. 6ois a 'ist#ria da recep+o de /egel na 0ran+a a'ist#ria espetacular de uma reviravolta. 3m seu >elat#rio so!re o estado dos estudos'egelianos na 0ran+a(, de )KJ@, lexandre LoMrN come+a em tom desolador7 2emo um

    J0F442,"#ordre du discours,pp. OP-OQ

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    pouco que ap#s os relat#rios, to ricos em fatos e em nomes, dos meus colegas alemes,ingleses e intalianos, meu pr#prio relat#rio so!re o estado dos estudos 'egelianos na 0ran+al'es pare+a relativamente muito magro e muito po!re(P. magreza e po!reza do'egelianismo franc%s se contrapun'a a ro!ustez de uma filosofia universitriamarcadamente neo-Cantiana. &o entanto, ao reimprimir seu texto na dcada de sessenta,

    LoMrN foi o!rigado a acrescentar um post-scriptum que come+ava da seguinte maneira7Hesde a pu!lica+o deste relat#rio B)KJ@E, a situa+o de /egel no mundo da filosofiaeuropia, e particularmente francesa, mudou completamente7 a filosofia 'egeliana con'eceuum verdadeiro renascimento, ou mel'or, ressurrei+o, e s# perde para o existencialismo aoqual, alis, ela "s vezes procura se unir(.

    He fato, a partir de meados dos anos trinta e at o incio dos anos sessenta, a 0ran+afoi 'egeliana. 4m 'egelianismo a!solutamente particular pois !aseado naFenomenologiado $sprito, livro que at ento era visto como texto menor da !i!liografia 'egeliana poisdesprovido do esfor+o sistemtico presente na %i&ncia da lgica e, principalmente, na$nciclop'dia( o insistir na centralidade daFenomenologia, em especial na figuras figurasda consci%ncia-de-si, como o 1en'or e o escravo e a consci%ncia infeliz, o pensamentofranc%s podia transformar /egel no te#rico da intersu!$etividade e da crtica ao solipsismo.Rntersu!$etividade de um dese$o e de um tra!al'o que so manifesta+*es da negatividade desu$eitos no mais determinados por atri!utos su!stanciais. negatividade do su$eito emsuas opera+*es de dese$o e tra!al'o, assim como a constitui+o de estruturas sociaisuniversais capazes de suportar o recon'ecimento intersu!$etivo deste dese$o e destetra!al'o, apareciam como a grande contri!ui+o de /egel " compreenso das estruturassociais da modernidade, de seus processos de constitui+o e de suas promessas dereconcilia+o.

    0oi lexandre Lo$Nve com seu curso so!re a 0enomenologia do 3sprito quemarcou o pensamento franc%s com esta temtica em grande parte derivada de umaimprovvel leitura 'eideggero-marxista de /egel. 6ara termos uma idia do taman'o destainflu%ncia, !asta lem!rarmos de alguns freq5entadores destes seminrios7 ?aurice?erleau-6ontM, Dacques acan, :eorges =ataille, 6ierre LlossoSsCi, >aMmond ron, 3ricTeil, >aMmond Uueneau, Dean /Mppolite, ndr =reton e, de uma maneira espordica,Dean-6aul 1artre. 2odos eles tero seus pro$etos intelectuais marcados de maneira profundapor este contato com a fenomenologia 'egeliana. >aramente, um comentrio de texto foito decisivo na estrutura+o da experi%ncia intelectual de uma gera+o.

    &o entanto, a partir do come+o dos anos sessenta, a configura+o do pensamentofilos#fico franc%s ir novamente modificar-se de maneira radical e o ponto de viragem sernovamente /egel. F advento do estruturalismo $ colocava em questo a 'eran+a'egeliano-fenomenol#gica ao relativizar a centralidade dos su$eitos agentes e dese$antes navida social. lt'usser, por exemplo, colocara em circula+o um marxismo desprovido detoda e qualquer raiz 'egeliana ao insistir que ?arx trouxera, nO capital, a no+o desistemas que funcionam " revelia dos su$eitos e que, na verdade, mostrara como su$eito(com suas cren+as de autonomia da a+o era a categoria ideol#gica por excel%ncia.

    ?as a 'egemonia do que posteriormente foi c'amado de p#s-estruturalismo( seloudefinitivamente o segundo ostracismo de /egel em solo franc%s. 6ara Heleuze, Motard,Herrida e 0oucault Bem menor grauE, /egel e a dialtica eram, em larga medida, as figurasmaiores do imprio do 4niversal, das totaliza+*es e do pensamento da identidade. /egel

    PLFW>X,$studos de histria do pensamento filosfico,p. )OY

    J

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    como o construtor do son'o de uma meta-narrativa a!soluta animada pela cren+a ina!alvelna unidade da razo. 6ara os p#s-estruturalistas, a negatividade do su$eito 'egeliano eraapenas a Iltima estratgia para su!meter as singularidades ao imprio do 4niversal, damesma forma como a Iltima palavra da dialtica seria sempre a sntese que reconciliariacontradi+*es. 6ois esta negatividade estava fadada a ser recuperada pelas estruturas sociais

    da modernidade com suas aspira+*es universalizantes. ontra isto, o p#s-estruturalismo nocansou de contrapor o pensamento da diferen+a pura BHerridaE, do sensvel BMotardE, dosfluxos no-estruturados de intensidade BHeleuzeE e da im!rica+o aparentemente irredutvelentre razo e poder B0oucaultE. 1e levarmos em conta a importAncia crucial que o p#s-estruturalismo ainda tem na auto-compreenso do nosso tempo, podemos imaginar o pesodestas confronta+*es na determina+o do destino contemporAneo da influ%ncia de /egel.

    Z verdade, nunca devemos esquecer de um $ulgamento tardio de 0oucault aorecon'ecer que /egel estaria na raiz de um outro modo de interroga+o crtica( que nascecom a modernidade e que poderia ser resumido atravs das quest*es7 o que nossaatualidadeG Uual o campo atual de experi%ncias possveisG(. lgo distinto da analtica daverdade de inspira+o Cantiana. 4ma ontologia do presente(, pro$eto no interior do qual,finalmente, o pr#prio 0oucault se verQ. ?as tal recon'ecimento no implicou em retorno a/egel e a sua compreenso da modernidade e seus desafios.

    6or outro lado, se voltarmos os ol'os " tradi+o alem, o cenrio de recusa a /egelno deixar de se fazer sentir. /eidegger, responsvel em larga medida pela recupera+o daimportAncia da Fenomenologia do $sprito, livro ao qual ele dedicou um curso no anoletivo de )KJ@-)KJ), ver /egel como o pice da metafsica do su$eito e do esquecimentodo ser. &este sentido, a sada do quadro epocal da metafsica ocidental deveria ser feita emum movimento, em larga medida contra /egel e sua no+o de su$eito.

    3scola de 0ranCfurt, por sua vez, no deixar de ter uma postura am!gua edilacerada em rela+o " 'eran+a do 'egelianismo. &este sentido, o exemplo mais forte dorno. F mesmo dorno que tentar salvar a dialtica de seus dispositivos de sntesetotalizante, insistindo na irreduti!ilidade das nega+*es e que nunca deixar de ter palavrasduras em rela+o a /egel. 6ois, tal como na tradi+o p#s-estruturalista Bmas por outrasviasE, dorno compreende /egel como aquele que, de uma certa forma, trair seu pr#priomtodo a fim de retornar a um pensamento da identidade. =asta lem!rarmos aqui destaafirma+o escrita pensando no trec'o que a!riu nossa aula7 1e /egel tivesse levado adoutrina da identidade entre o universal e o particular at uma dialtica no interior dopr#prio particular, o particular teria rece!ido tantos direitos quanto o universal. Uue estedireito 8 tal como um pai repreendendo seu fil'o7 Voc% se cr% um ser particular( -, ele oa!aixe ao nvel de simples paixo e psicologize o direito da 'umanidade como se fossenarcisismo, isto no apenas um pecado original individual do fil#sofo(

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    desqualificar a leitura proposta pela primeira gera+o dos 'egelianos franceses. 6ois,contrariamente a /Mppolite e Lo$Nve, /a!ermas no cansar de ver /egel como umaespcie de ?oiss que na sua $uventude vira a terra prometida da intersu!$etividadecomunicacional capaz de fundamentar as aspira+*es universalistas da modernidade, masque, a partir, da 0enomenologia, teria retornado a uma filosofia centrada no su$eito e a um

    conceito mentalista do 1i-mesmo e de auto-reflexo que restringe a compreenso da razoem suas aspira+*es cognitivo-instrumentais " dimenso das confronta+*es entre su$eito-o!$eto. Fu se$a, mesmo entre os defensores da modernidade, a via 'egeliana no pareciamais capaz de fornecer estruturas seguras de orienta+o.

    1e voltarmos, por fim, os ol'os " tradi+o anglo-sax o cenrio era, at !em poucotempo, praticamente desolador. &o entanto, antes da R :uerra ?undial, /egel foi umfil#sofo central em Fxford e am!ridge B=radleM, ?c2aggart, :reenE por fornecer umaalternativa ao empirismo e ao individualismo. 6or sua vez, o pragmatismo norte-americanotam!m foi receptivo a /egel e Do'n HeSeM encontrou no conceito 'egeliano deeticidade( a idia, central para o desenvolvimento de seu pensamento, de que as prticassu!stancialmente arraigadas na comunidade Be mo exatamente no 3stadoE expressam asnormas determinantes para a forma+o da identidade dos indivduos.

    3stas leituras de /egel foram soterradas pela guinada analtica da filosofia anglo-sax. 6ara uma tradi+o que, em larga medida, compreendia os pro!lemas filos#ficos comopro!lemas gramaticais, /egel parecia simplesmente indicar um retorno pr-crtico "metafsica com fortes matizes teol#gicas, isto quando a dialtica no era simplesmentevista como um equvoco l#gico B>ussellE. 3 mesmo autores como Tittgenstein iro imputara /egel um pensamento da identidade e do ?esmo, imputa+o id%ntica ]quela que pareceanimar as crticas de setores relevantes do pensamento franc%s e alemo contemporAneos.em!remos, por exemplo, da seguinte afirma+o de Tittgenstein7 &o, no acredito queten'a algo a ver com /egel. 6ara mim, /egel parece sempre dizer que coisas que parecemdiferentes so, na realidade, id%nticas. ?eu interesse est em mostra que coisas queparecem id%nticas so diferentes(O. F autor da no+o de $ogos de linguagem v%, naestratgia 'egeliana que conserva+o das aspira+*es universalizantes da razo, apenas umafigura totalitria da unidade. &o que diz respeito a /egel, autores to distantes ente si e tocentrais para a constitui+o dos esquemas de auto-compreenso da contemporaneidadequanto Tittgenstein, os franCfurtianos e os p#s-estruturalistas parecem estar de acordo.

    Ler

    Hepois desta longa digresso, podemos voltar a nossa questo inicial a fim de tentarresponde-la7 o que significa e como ler /egel em uma poca profundamente anti-'egeliana G( 6ois, se certo que no somos contemporAneos de /egel, impossvel deixarde levar em conta esta estratgia de determinar as aspira+*es do presente atravs de suarecusa em su!meter-se "quilo que foi trazido atravs da experi%ncia intelectual 'egelianaem sua integralidade.

    3sta questo nos levar, necessariamente, a um pro!lema de mtodo que toca apr#pria compreenso do que uma leitura de textos da tradi+o filos#fica, ainda mais textosque procuram fundar uma ontologia do presente(, tal como o caso da Fenomenologia do$sprito(

    OTR22:3&123R& in H>4>W,ecollections of ittgenstein,p. )QO

    Q

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    reio que esta uma questo de suma importAncia porque voc%s esto no interior deum processo de aprendizagem de leitura. Voc%s aprendero tcnicas fundamentais paratodo e qualquer processo filos#fico de leitura de textos da tradi+o 7 sa!er identificar otempo l#gico que nos ensina a reconstituir a ordem das raz*es internas a um sistemafilos#fico, pensar duas vezes antes de separar as teses de uma o!ra dos movimentos

    internos que as produziram, compreender como o mtodo se encontra em ato no pr#priomovimento estrutural do pensamento filos#fico, entre outros. 2rata-se de um ensinamentofundamental para a constitui+o daquilo que c'amamos de rigor interpretativo( querespeita a autonomia do texto filos#fico enquanto sistema de proposi+*es e no se apressaem impor o tempo do leitor ao autor. >igor que nos lem!ra como o ato de compreender(est sempre su!ordinado ao exerccio de explicar(. ?as ele no define o campo geral dosmodos filos#ficos de leitura. 3le define, isto sim, procedimentos constitutivos da forma+ode todo e qualquer pesquisador em filosofia. 3le o incio irredutvel de todo fazerfilos#fico mas, por mais que isto possa parecer #!vio, o fazer filos#fico vai alm do seuincio.

    em!remos, por exemplo, do que diz Lant a respeito de seu modo de leitura dostextos filos#ficos 7 &o raro acontece, tanto na conversa corrente como em escritos,compreender-se um autor, pelo confronto dos pensamentos que expressou so!re seu o!$eto,mel'or do que ele mesmo se entendeu, isto porque no determinou suficientemente o seuconceito e, assim, por vezes, falou ou at pensou contra sua pr#pria inten+o(Y. 3stecomentrio aparentemente inocente a exposi+o de todo um programa de leitura que,aparentemente, no est totalmente de acordo com as regras do rigor interpretativo. final,Lant recon'ece que sua leitura , digamos, sintomal. 3le ir procurar aqueles pontos dasuperfcie do texto nos quais a letra no condiz com o esprito, nos quais o autorestran'amente pensou contra sua prpria inteno( ?as o que significa admitir umpensamento que se descola de sua pr#pria inten+o e que deixa tra+os deste descolamentonos textos que produzG 6odemos dizer que significa, principalmente, estar atento "s regi*estextuais nas quais o pro$eto do sistema filos#fico trado pelo encadeamento implacvel doconceito que insiste em a!rir novas dire+*es. o menos neste ponto, difcil estar deacordo com :oldsmit', para quem 7 as asser+*es de um sistema no podem ter por causas,tanto pr#ximas quanto imaginrias, seno con'ecidas do fil#sofo e alegadas por ele( K. 'ist#ria da filosofia, ao contrrio, mostra que sim possvel pensar a partir daquilo que oautor produz sem o sa!er, ou sem o recon'ecer. 6ensar deslocando conscientemente aordem das raz*es de um fil#sofo para que a radicalidade de certas conquistas possaaparecer com mais for+a.

    ?as um fil#sofo pode estar atento "quilo que outro fil#sofo produziu sem o sa!erporque, para alm do tempo l#gico, ele admite uma espcie de tempo trans*ersalatravs doqual o presente pode colocar quest*es e rever as respostas do passado. trans*ersalidadefundamental do tempo filos#fico indica que o presente pode, sem deixar de recon'ecer atenso inerente a tal opera+o, aproximar os textos da tradi+o e procurar tra+os deconstru+*es potenciais que foram deixadas pelo camin'o. Ou seja, podemos ler um texto datradio filosfica tendo em *ista seu destino( 3ncontraremos nele, em um movimentoretrospectivo, as marcas de de!ates posteriores. ?apearemos a maneira com que o texto 8em sua vida autnoma 8 foi inserindo-se em de!ates que l'e pareceriam, a primeira vista,estran'os. Rsto implica em compreender como programas filos#ficos que l'e sucederamYL&2, %rtica da ra.o pura, J)PK:FH1?R2/, /empo lgico e tempo histrico na interpretao dos sistemas filosficos,p. )P)

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    foram construdos atravs de um em!ate so!re o sentido da letra deste texto que teima emno querer pertencer ao passado. %ompreender que a histria da recepo de um textofilosfico no ' externa 0 constituio do sentido deste texto( 6ois os textos filos#ficos t%muma peculiaridade maior7 seus processos de negocia+o no se do apenas com os atoresque comp*em a cena da sua escrita; eles se do tam!m com atores que s# se constituiro

    no futuro. 3st segunda orienta+o metodol#gica fornecer as !alizas para o nosso curso.1eguir tal orienta+o metodol#gica significa, na verdade, levar a srio a afirma+ode dorno a respeito da arte de ler /egel7 arte de ler /egel deveria estar atenta aomomento no qual interv%m o novo, o su!stancial e distingui-lo do momento no qualcontinua a funcionar uma mquina que no se v% como uma e que no deveria continuarfuncionando. Z necessrio a todo momento tomar em considera+o duas mximasaparentemente incompatveis 7 a imerso minuciosa e a distAncia livre()@. &ada mais difcilem filosofia do que compati!ilizar o esfor+o minucioso e disciplinado de leitura com acerteza daqueles que sa!em que s# se enxerga uma o!ra " distAncia. ?as, como veremosneste curso, assim, nesta coreografia fundada em sequ%ncias de distAncia e proximidade,que os fil#sofos l%em os fil#sofos.

    6or outro lado, esta perspectiva que pode impor tanto uma imerso minuciosa capazde seguir, se for o caso, o tra$eto da escrita em todos os seus meandros quanto umadistAncia livre que procura esta!elecer, no texto, pontos destacveis nos quais se ancorar,perspectiva que escava, no interior do texto, o novo e o separa do maqunico s# pode vir deuma recusa da atemporalidade da escrita filos#fica pensada como sistema de proposi+*es.Volto a insistir, o tempo da filosofia transversal e permite que o presente reordene asrespostas do passado. Z s# a partir desta transversalidade do tempo que possvel ao leitorocupar o papel de dois atores7 aqueles que fazem parte da cena da escrita e aqueles que seconstituem apenas a posteriori.

    &o que diz respeito " leitura da Fenomenologia do $sprito, tal a!ordagemmetodol#gica implicar em anlises que o!edecero a um movimento duplo. lgumasfiguras sero privilegiadas e, nestes pontos, o comentrio de texto ser articulado'orizontalmente e verticalmente. /orizontalmente, no sentido de re-construir o campo dequest*es que /egel tin'a em mente ao sintetizar tais figuras. Verticalmente, no sentido detranscender o contexto local tendo em vista a reconstitui+o de alguns momentos maioresna 'ist#ria da recep+o de tais figuras e da constela+o de pro!lemas que elas foam capazesde encarnar.

    &o entanto, este tra!al'o de dupla articula+o dos dispositivos de leitura exigir,.porsua vez, que a costura que sustenta a Fenomenologia do $sprito se$a apreendida emmovimentos amplos de identifica+o de eixos gerais. &este sentido, trata-se apenas deservir-se de um movimento de distenso e de contra+o presente na economia interna dapr#pria Fenomenologia( 3conomia marcada pela sucesso entre distens*es de figurasa!ordadas em riquezas de detal'es e contra+*es que procuram dar conta da rememora+oda tra$et#ria da consci%ncia.

    E"trutura do )ur"o

    fim de levar a ca!o tais o!$etivos, este curso ser dividido em cinco m#dulos.ada m#dulo ter, em mdia, dura+o de J aulas expositivas. 3ste curso no prev% a

    )@HF>&F,)rei studien 12er 3egel,p. KY

    O

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    realiza+o de seminrios e o sistema de avalia+o resume-se " monografia de final de curso.ada m#dulo foi organizado a partir de uma questo central, uma ou mais figurasprivilegiadas e um con$unto de textos de introdu+o e de desdo!ramento dos de!atespropostos.

    &o primeiro m#dulo tra!al'aremos algumas quest*es apresentadas no 6refcio e na

    Rntrodu+o relativas a auto-compreenso 'egeliana da peculiaridade de seu pro$etofilos#fico. evaremos a srio a afirma+o de :erard e!run, para quem a filosofia'egeliana e seu mtodo dialtico propun'a, fundamentalmente, uma certa mudan+a degramtica filos#fica capaz de dissolver as dicotomias do entendimento e do pensarrepresentativo7 2al a Inica surpresa que a passagem ao especulativo reserva7 esta lentaaltera+o que parece metamorfosear as palavras que usvamos inicialmente, sem que, noentanto, devamos renunciar a elas ou inventar outras()). Rsto nos levar a eleger comoquesto central deste m#dulo7 F que significa mudar de gramtica filos#ficaG(. 2r%s textosserviro de apoio a nossa discusso, sendo que eles esto dispostos em ordem decomplexidade. 1o eles7 &otas a respeito da lngua e da terminologia 'egeliana(, delexandre LoMrN; 1Coteinos ou como ler(, de dorno e /egel e seu conceito deexperi%ncia(, de /eidegger.

    &o segundo m#dulo, tra!al'aremos a se+o onsci%ncia( privilegiando umaanlise detal'ada da figura da consci%ncia sensvel(. ?eu o!$etivo demonstrar quedevemos levar em conta como o tra$eto fenomenol#gico da consci%ncia em dire+o ao sa!era!soluto come+a atravs da experi%ncia do descompasso irredutvel entre designa+o esignifica+o nos atos de fala. Rsto demonstra a centralidade do pro!lema da linguagem nointerior da reflexo 'egeliana. 3st ser nossa questo central. Veremos qual a teoria dalinguagem que sustenta a maneira como /egel pensa a confronta+o cognitiva entreconsci%ncia e o!$eto para alm de todo e qualquer inferencialismo, assim como aimportAncia de tal descompasso entre designa+o e significa+o enquanto motor doprocesso dialtico na Fenomenologia( &ovamente, teremos tr%s textos de apoio7 3ntre onome e a frase(, de 6aulo rantes; Hialtica, index, refer%ncia(, de Dean-0ran+ois Motarde /olismo e idealismo na 0enomenologia de /egel(, de >o!ert =random..

    &o terceiro m#dulo, tra!al'aremos a se+o onsci%ncia-de-si( privilegiando umaanlise detal'ada da figura da Hialtica do 1en'or e do 3scravo(. 2rata-se de ummomento privilegiado da 0enomenologia por tematizar o incio da su!misso da estruturacongnitivo-instrumental da consci%ncia a uma estrutura intersu!$etiva de recon'ecimentoengendrada pelo conflito. onflito articulado a partir das categorias do tra!al'o e do dese$o.&ossa questo central ir girar em torno do pro!lema de recon'ecimento do tra!al'o e dodese$o na 0enomenologia. Veremos como a l#gica do recon'ecimento do tra!al'o e dodese$o o!edece, por sua vez, a estrutura l#gica posta nas reflex*es 'egelianas so!re alinguagem. &ovamente, teremos tr%s textos de apoio7 guisa de introdu+o(, delexandre Lo$Nve; amin'os da destranscendentaliza+o(, de /a!ermas e rtica dadialtica e da filosofia 'egelianas em geral(, captulo dos 4anuscritos econ5mico-filosficos de ?arx. 4m texto que servir como guia de leitura ser Os primeiros com2atesdo reconhecimento, de 6ierre-Dean a!arriNre e :Sendoline DarczMC7 texto que se prop*e afazer um comentrio lin'a a lin'a do trec'o que estudaremos.

    &o quarto m#dulo tra!al'aremos a se+o >azo(. 1e, na se+o onsci%ncia(, questo da anlise da rela+o cognitivo-instrumental da consci%ncia com o o!$eto, e, na

    ))3=>4&,"a patience du concept,p. ))P

    Y

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    se+o onsci%ncia-de-si(, questo da rela+o de recon'ecimento entre consci%ncias comocondi+o prvia para o con'ecimento de o!$etos, a se+o >azo( pode ser compreendidacomo a anlise das opera+*es da razo em seus processos de categoriza+o. &este sentido,trata-se de um momento privilegiado do texto para analisarmos a complexa rela+o crticaentre Lant e /egel no que diz respeito " estrutura categorial do entendimento enquanto

    !ase para o sa!er cognitivo-instrumental. questo central que nos nortear na anlise dadesta se+o ser as distin+*es que /egel opera entre o transcendental e o especulativo.&este sentido, analisaremos, enquanto figura privilegiada, o modus operandi da crtica'egeliana a duas ci%ncias !astante em voga em sua poca7 a frenologia e a fisiognomia.3scol'a que se $ustifica devido " maneira com que /egel transforma a crtica " linguagemrepresentativa em elemento central de crtica aos pressupostos de uma ci%ncia empricadeterminada. 2eremos, como textos de apoio, o captulo dedicado a Lant nas"ies so2rea histria da filosofia, do pr#prio /egel, rtica de Lant por /egel(, captulo de%onhecimento e interesse, de /a!ermas

    6or fim, o quinto m#dulo ser dedicado " se+o 3sprito(. 3sta longa se+o na qualvemos o processo de rememora+o 'ist#rica como fundamento para a forma+o dasestruturas de orienta+o do $ulgamento traz uma srie de quest*es articuladas de maneiracerrada. qui, vemos mais claramente a razo na 'ist#ria(, ou se$a, a meta-narrativa('egeliana de forma+o agora a partir do 3sprito consciente-de-si que analisa suas figurasno tempo 'ist#rico. Has vrias quest*es que a peculiaridade da a!ordagem 'egelianasuscita, gostaria de me ater a uma em especial. 2rata-se de mostrar como toda a se+o3sprito( estruturada a partir da exig%ncia em pensar o sensvel e a conting%ncia em suairreduti!ilidade, e no, como se tende a ver, enquanto uma tentativa de esgotar toda equalquer dignidade ontol#gica do sensvel e do contingente em prol de um conceitototalizante de 'ist#ria racional. 6ara tanto, deveremos centrar nossa leitura em duas figurascentrais da 0enomenologia 'egeliana que se encontram no incio e no final da nossa se+o7a ruptura da eticidade da polis grega atravs de ntgona e a crtica ao formalismo da moralCantiana atravs das considera+*es so!re a 6e7issen( omo textos de apoio, propon'o,primeiramente, um exerccio de leitura comparativa. 2rata-se de comparar a leitura'egeliana de ntgona a uma leitura contemporAnea proposta por Dacques acan earticulada como contraposi+o " leitura 'egeliana. 2eremos como texto de apoio, pois, duasse+*es do seminrio so!re8 'tica da psican9lise, dedicados a ntgona. 2eremos aindaalguns pargrafos escol'idos de 3sprito do mundo e 'ist#ria da natureza7 digresso so!re/egel(, capitulo da Hialtica &egativa, de dorno

    A Fenomenolo!a do E"#$r!to e "eu e"t!lo

    ?as gostaria ainda de aproveitar esta primeira aula para explicar a razo pela qual aintrodu+o ao pensamento de /egel deve ser feita preferencialmente atravs daFenomenologia do $sprito( 6ois esta escol'a no por si s# evidente. Hurante todo osculo R, !oa parte dos leitores de /egel portavam sua aten+o principalmente aos textosde maturidade, como 8 ci&ncia da "gica e a $nciclop'dia( Fenomenologia era vistacomo um texto onde quest*es centrais da filosofia 'egeliana, como o papel do 3stadoenquanto realiza+o do 3sprito F!$etivo, no eram suficientemente a!ordadas. 3scrito em)Y@< em condi+*es extremamente precrias, o texto no fornecia de maneira clara o sistema'olista da ci%ncia em sua quietude 'ierarquizada, como vemos, por exemplo, na$nciclop'dia(

    K

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    6or outro lado, o pr#prio plano da Fenomenologia ser parcialmente a!sorvido poro!ras posteriores de /egel, em especial a Iltima verso da $nciclop'dia( , ela aparecerclaramente como uma parte do sistema, entre a antropologia e a psicologia. 1eudesenvolvimento ser desmem!rado. s se+*es 3sprito(, >eligio( e 1a!er a!soluto(no sero mais tratadas como momentos da fenomenologia que, por seu lado, ser apenas

    um momento do 3sprito 1u!$etivo. grande articula+o 'ist#rica do processo de forma+oda estrutura de orienta+o do $ulgamento B3sprito(E dar lugar a uma descri+o sist%micada estrutura do direito, das reivindica+*es morais da su!$etividade e do 3stado. >eligio e1a!er !soluto tero tratamento " parte enquanto manifesta+*es do 3sprito !soluto.

    &o entanto, a Fenomenologia deve ser vista como a mel'or introdu+o aopensamento 'egeliano no apenas porque ela foi realmente escrita como uma introdu+o aosistema que, aos poucos, foi gan'ando autonomia. Rntrodu+o que deveria descrever otra$eto de forma+o da consci%ncia em dire+o a um sa!er onde l#gica e ontologia seencontram. Fenomenologia a mel'or introdu+o ao pensamento 'egeliano porque, porum lado7 0enomenologia era para /egel consciente ou inconscientemente, o meio deoferecer ao pI!lico; no um sistema $ pronto, mas a 'ist#ria de seu pr#priodesenvolvimento()9. ?as por outro lado, e esta me parece a razo mais forte, a 0enomenologia ofereceum modo de pensar e articular pro!lemas filos#ficos que ser a marca da experi%nciaintelectual 'egeliana. ?odo que pode ser inicialmente a!ordado atravs de algumasconsidera+*es so!re o estilo da escrita filos#fica da 0enomenologia em particular e de/egel em geral.

    &a verdade, gostaria de terminar a aula de 'o$e com algumas considera+*es arespeito do estilo de /egel. 6ois uma leitura filos#fica deve estar atenta no s# a ordem dasraz*es, mas tam!m aos estilos da escrita. s exig%ncias do estilo no so considera+*esexternas aos o!$etos com os quais um pensamento se defronta. Rsto talvez nos esclare+aporque o estilo de /egel descon'ece um certo regime de clareza na escrita conceitual.

    &o se trata aqui de fazer uma apologia da o!scuridade, mas valeria a pena lem!rara relevAncia da questo a respeito da adequa+o entre clareza e o!$eto. 2odos os o!$etos daexperi%ncia podem ser expostos atravs de uma linguagem de mxima visi!ilidade G 3ulem!raria que, em vrios momentos, a resposta da filosofia foi negativa. 6or exemplo, n#scon'ecemos claramente a recusa de /egel em descrever os o!$etos da experi%ncia atravsda clareza de uma linguagem de inspira+o matemtica, geometria ret#rica fundamentadaatravs de analogias com os dispositivos da geometria euclidiana. apreenso conceitualdos o!$etos da experi%ncia exige uma compreenso especulativa da estrutura proposicionalque nada tem a ver com exig%ncias a!stratas de clareza. o contrrio, a clareza deinspira+o matemtica que guia o uso ordinrio da linguagem do senso comum mistificadora, pois clarifica o que no o!$etivamente claro, procura utilizar categoriza+*esestanques para apreender aquilo que s# pode aparecer de maneira negativa ou atravs designifica+*es fluidas()J.ssim, o esta!elecimento de uma gramtica filos#fica adequadaaca!a por se confundir com um movimento amplo de crtica da linguagem ^clara_ doentendimento. Ha porque7 no difcil de perce!er que a maneira de expor um princpio,de defend%-lo com argumentos, de refutar tam!m com argumentos o princpio oposto, no a forma na qual a verdade pode se manifestar. verdade o movimento dela mesma nelamesma, enquanto que este mtodo o con'ecimento exterior " matria. Z por isto que ele )9/W66FR23, 6&nese e estrutura da Fenomenologia do $sprito,p. uM,4arx : lgica e poltica ; tomo III

    )@

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    particular " matemtica e devemos deix-lo " matemtica()P. &este sentido, podemos seguir:erard e!run e dizer que o verdadeiro o!$etivo da 0enomenologia a refuta+o de todauma gramtica filos#fica atravs de um movimento de esgotamento interno.

    dorno foi talvez aquele que mel'or compreendeu a necessidade da articula+oentre estilo e o!$eto do pensamento em /egel. /egel sem dIvida o Inico dentre os

    grandes fil#sofos que, em alguns momentos, no sa!emos e no podemos decidir so!re oque ele fala exatamente, o Inico a respeito de quem a pr#pria possi!ilidade de tal decisono assegurada()Q. 6roposi+o aparentemente paradoxal por insistir na exist%ncia de umaopacidade constitutiva do estilo 'egeliano, exist%ncia de regi*es de sil%ncio legveis datextura do texto. 6ara dorno, estamos diante de uma opacidade cu$a estrutura deve serdeduzida do pr#prio conteIdo da filosofia 'egeliana7 D que cada proposi+o singular dafilosofia 'egeliana recon'ece sua pr#pria inadequa+o a esta unidade `da totalidade\, aforma exprime esta inadequa+o B

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    experi%ncia intelectual de /egel. 2erminemos 'o$e com esta famosa descri+o fornecidapor /ot'o a respeito de seu professor, /egel. 3la talvez nos diga muito a respeito destefazer filos#fico que ser nosso o!$eto de estudos durante um semestre7 ca!e+a a!aixadacomo se estivesse do!rada so!re si mesma, o ar cansado; ele estava l de p e, enquantofalava, procurava continuamente nos seus grandes cadernos percorrendo-os sem parar em

    todos os sentidos, uma tosse incessante interrompia o desenvolvimento do discurso; a fraseestava l, isolada, ela vin'a com dificuldade, como se fosse arrancada. ada palavra, cadasla!a s# de soltava a contragolpes, pronunciada por uma voz metlica, para em seguidarece!er no amplo dialtico su!io uma ressonAncia surpreendentemente presente, como se,a cada vez, o essencial estivesse l(. F primeiro passo para ler /egel compreender anecessidade destas palavras que teimam em no se su!meter " superfcie.

    Cur"o HeelSeunda aula

    &a aula de 'o$e, ser questo de um comentrio de quest*es centrais que aparecem naprimeira parte do 6refcio, ou se$a, neste trec'o que vai dos pargrafos ) at o )O. &apr#xima aula, comentares o trec'o que vai do pargrafo 9O at o pargrafo JY.

    3ste trec'o importante para n#s por tr%s raz*es. 6rimeiro, /egel fornece umprimeiro quadro de eixos centrais do de!ate filos#fico da poca. Vemos como, no interiordo de!ate a respeito dos desdo!ramentos do p#s-Cantismo, /egel oferece largas reflex*es arespeito da peculiaridade de sua posi+o em contraposi+o a 1c'elling e a um certointuicionismo que se legitimava atravs de seu nome. Fpera+o ainda mais central selem!rarmos que, at ento, /egel era visto apenas como um seguidor privilegiado de1c'elling, a quem estava ligado por la+os de amizade desde a poca em que os dois,$untamente com /lderlin, eram seminaristas em 25!igen.

    6or outro lado, esta reflexo a respeito do de!ate filos#fico da poca vai aos poucossendo enquadrada em uma reflexo mais ampla so!re as expectativas daquilo que ento secolocava como o nosso tempo(, ou se$a, a modernidade. 3sta uma articula+o central, $que /egel , de uma certa forma, o primeiro fil#sofo a transformar o pensamento a respeitodas aspira+*es da modernidade em pro!lema filos#fico central. F que orienta o de!atefilos#fico com sua procura em orientar o $ulgamento nas dimens*es cognitivo-instrumental,prtico-moral e esttico-expressiva , na verdade, a procura da modernidade em fornecer oscritrios de certifica+o de si mesma sem, para isto, depender do recurso constante aesquemas 'erdados da tradi+o e de situa+*es que no do voz "s exig%ncias portadas pelostempos modernos. Fu se$a, o diagn#stico so!re o que constitui nossa poca transforma-se,em /egel, necessariamente em setor de compreenso do sentido do de!ate filos#fico.

    6or fim, atravs desta articula+o cruzada entre diagn#stico de poca econfigura+o das lin'as mestras do de!ate filos#fico, /egel come+a a fornecer algumascaractersticas maiores so!re seu mtodo filos#fico e so!re aquilo que ele compreendecomo sendo tarefa principal para um programa filos#fico de seu tempo. insist%ncia'egeliana no carter aparentemente inadequado de se escrever um prefcio em filosofiaaparece como oportunidade para discuss*es a respeito da maneira de apreender e refletirso!re o!$etos da experi%ncia. ogo no incio, vemos /egel "s voltas com as tentativas de

    )9

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    escapar de dois erros complementares7 o formalismo de inspira+o Cantiana e ointuicionismo de inspira+o sc'ellinguiana.

    Vamos pois analisar cada um destes tr%s aspectos.

    E")re+er um #re&,)!o

    &uma o!ra filos#fica, em razo da natureza da oisa B>acheE, parece no s#suprfluo, mas at inadequado e contraproducente um prefcio 7 esse esclarecimentopreliminar do autor so!re o fim que se prop*e, as circunstAncias de sua o!ra, asrela+*es que $ulga encontrar com as anteriores e atuais so!re o mesmo tema. omefeito, no se pode considerar vlido, em rela+o ao modo como deve ser exposta averdade filos#fica, o que num prefcio seria conveniente dizer so!re a filosofia; porexemplo, fazer um es!o+o geral da tend%ncia e do ponto de vista, do conteIdo gerale resultado da o!ra, um agregado de afirma+*es esparsas e asser+*es so!re averdade. lm do que, por residir a filosofia essencialmente no elemento dauniversalidade que em si inclui o particular, isso suscita nela, mais que em outrasci%ncias, a apar%ncia de que no fim e nos resultados Iltimos que se expressa aoisa mesma B>ache sel2stE em sua ess%ncia perfeita. 0rente a qual odesenvolvimento da exposi+o seria, propriamente falando, o inessencialB

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    Ho mesmo modo, a determina+o das rela+*es que uma o!ra filos#fica $ulga tercom outras so!re o mesmo o!$eto introduz um interesse estran'o e o!scurece o queimporta ao con'ecimento da verdade. om a mesma rigidez com que a opiniocomum B4einungE se prende " oposi+o entre o verdadeiro e o falso, costumatam!m co!rar, ante um sistema filos#fico dado, uma atitude de aprova+o ou

    re$ei+o BiderspruchE. c'a que qualquer esclarecimento a respeito do sistema s#pode ser uma ou outra. &o conce!e a diversidade dos sistemas filos#ficos comodesenvolvimento progressivo da verdade, mas s# v% diversidade e contradi+o `mass# v% contradi+o nesta diversidade\(9@.

    /egel ser o primeiro fil#sofo a ver a reflexo a respeito da 'ist#ria da filosofia comomovimento central no interior do pr#prio fazer filos#fico. 6ara /egel, sistemas filos#ficosno so passveis de simples refuta+o, mas colocam para si uma integralidade fixa depro!lemas7 ada filosofia em si completa e tem, como uma aut%ntica o!ra de arte, atotalidade em si(9). /egel ser ainda mais claro em sua proposi+o da sistematicidade ecomensurali!ilidade dos sistemas filos#ficos7 ?as se o a!soluto, tal como a suamanifesta+o, a razo, eternamente um e o mesmo, como de fato , ento, cada razo quese dirige e se con'ece a si mesma produziu uma verdadeira filosofia e resolveu para si atarefa que, tal como a sua solu+o, a mesma para todas as pocas(99.Rsto implicar em umfazer filos#fico que ver a 'ist#ria da filosofia como 'ist#ria do movimento da razo emdire+o " sua auto-determina+o enquanto ci%ncia BissenschaftE. rememora+o de cadamomento necessria na compreenso do que se coloca a um tempo como tarefa filos#fica.3ste o sentido que podemos dar a metfora usada por /egel a fim de descrever o que estem $ogo na passagem 'ist#rica de um sistema filos#fico a outro7

    F !oto desaparece no desa!roc'ar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta;do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-a B)aseinE da planta,pondo-se como sua verdade em lugar da flor; essas formas no s# se distinguem,mas tam!m se repelem B*erdr?ngen 8 mas cada uma recalca a outraE comoincompatveis entre si. 6orm, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delasmomentos da unidade orgAnica, na qual, longe de se contradizerem B7iderstreiten-longe de entrarem em conflitoE, todos so igualmente necessrios(9J.

    3sta metfora do desenvolvimento orgAnico que demonstra a necessidade de cada momentona constitui+o de uma situa+o que se coloca no presente fundamental paracompreendermos a no+o 'egeliana de 'ist#ria da filosofia. &o entanto, estedesenvolvimento progressivo da verdade(, do qual fala /egel, no reconstitui+o linearda seq5%ncia 'ist#rica dos sistemas filos#ficos. F desenvolvimento da razo no id%nticoaos desenvolvimentos contingentes da 'ist#ria. o contrrio, o esfor+o da filosofia nacompreenso dos modos de realiza+o da verdade consiste em reconstituir seus momentosa partir do ponto de *ista da ra.o( laro est que fica como questo sa!er comofundamentar esta perspectiva meta-'ist#ria que permite a constitui+o de uma 'ist#ria darazo em sua tentativa de reconciliar-se com a experi%ncia(.

    9@idem,p. 999)/3:3,)iferena dos sistemas filosficos de Fichte e >chelling,p. Jache sel2stE(. F que implica em pensar aquiloque no se deixa pr como experi%ncia de o!$etos em geral.

    &este sentido, se /egel afirma que7 verdadeira figura em que a verdade existe s#pode ser o seu sistema cientfico(, devemos $ estar atento para a peculiaridade 'egeliana arespeito da no+o de sistema. &o se trata de pensar a constitui+o de um sistema de

    proposi+*es que d% conta, de maneira coerente, das articula+*es internas do sa!er. Fverdadeiro sistema da ci%ncia aquele capaz de portar, em si mesmo, o que parece negar aarticula+o do sa!er em sistema, ou se$a, a compreenso do o!$eto como devir que no seesgota em sua determina+o como caso de uma no+o geral de o!$eto. F verdadeiro sistemadeve dar conta daquilo que o nega, deve ser capaz de dar a forma do conceito "quilo queparece apresentar-se como no-conceitual.

    &o entanto, para que a filosofia como sistema cientfico possa vir " luz, no !asta anecessidade interna das motiva+*es individuais. 3le deve responder " necessidade externado seu pr#prio tempo. Fu se$a, /egel deve mostrar que o tempo presente pode elevar afilosofia " condi+o de ci%ncia, desta ci%ncia que ser apresentada, na Fenomenologia do$sprito, em sua realiza+o enquanto 1a!er !soluto. &este sentido, a reflexo 'egelianadeve aparecer como reflexo so!re as exig%ncias de um tempo presente( cu$a mel'ordenomina+o modernidade_. reflexo filos#fica deve se colocar como reflexo so!re amodernidade em suas aspira+*es e em seus impasses.

    -C(eou o tem#o de ele+ar a &!lo"o&!a . )ond!o de )!/n)!a0

    F primeiro fil#sofo a desenvolver um conceito preciso de modernidade foi/egel(9Q. He fato, esta afirma+o de /a!ermas precisa por lem!rar como, em /egel, adefini+o de seu programa filos#fico s# possvel atravs da apreenso daquilo que secoloca como situa+o da modernidade. Vemos claramente tal opera+o entre os pargrafos< e )J da 0enomenologia. 2omemos, por exemplo, este diagn#stico de poca que apareceno pargrafo O7

    2omando a manifesta+o dessa exig%ncia `do !soluto\ em seu contexto maisgeral e no nvel em que presentemente se encontra o esprito consciente-de-si `ouse$a, trata-se de compreender o que o presente coloca como exig%ncia do esprito\,vemos que esse foi alm da vida su!stancial que antes levava no elemento dopensamento; alm desta imediatez de sua f, alm da satisfa+o e seguran+a dacerteza que a consci%ncia possua devido " sua reconcilia+o com a ess%ncia e apresen+a universal dela 8 interior e exterior. F esprito no s# foi alm 8 passandoao outro extremo da reflexo, carente-de-su!stAncia, de si so!re si mesmo 8 masultrapassou tam!m isso. &o somente est perdida para ele sua vida essencial; esttam!m consciente dessa perda e da finitude que seu conteIdo. `omo o fil'opr#digo\, re$eitando os restos da comida, confessando sua a!$e+o e maldizendo-a, oesprito agora exige da filosofia no tanto o sa!er do que ele , quanto resgatar pormeio dela, aquela su!stancialidade e densidade do ser `que tin'a perdido\( 9

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    su!stancialmente fundamentado em um poder capaz de unificar as vrias esferas de valoressociais. o contrrio, a modernidade pode ser compreendida como este momento que estnecessariamente "s voltas com o pro!lema da sua auto-ceritificao. 3la no pode maisprocurar em outras pocas os critrios para a racionaliza+o e para a produ+o do sentido desuas esferas de valores. 3la deve criar e fundamentar suas normas a partir de si mesma. Rsto

    significa que a su!stancialidade que outrora enraizava os su$eitos em contextos sociaisaparentemente no-pro!lemticos est fundamentalmente perdida. omo dir, cem anosdepois, ?ax Te!er7 F destino de nossos tempos caracterizado pela racionaliza+o eintelectualiza+o e, acima de tudo, pelo desencantamento do mundo. 6recisamente, osvalores Iltimos e mais su!limes retiraram-se da vida pI!lica, se$a para o reinotranscendental da vida mstica, se$a para a fraternidade das rela+*es 'umanas e pessoais(9O.Fu se$a, aquilo que fornecia o enraizamento dos su$eitos atravs da fundamenta+o dasprticas e critrios da vida social no mais su!stancialmente assegurado.

    3m uma anlise 'o$e clssica, /egel indica tr%s acontecimentos que forampaulatinamente moldando a modernidade em suas exig%ncias7 a reforma protestante `comsua confronta+o direta entre o crente e Heus atravs da su!$etividade da f\, a revolu+ofrancesa `que colocava o pro!lema do 3stado Dusto enquanto aquele capaz de conciliaraspira+*es de universalidade da ei e exig%ncias dos indivduos\ e o Rluminismo `que,segundo /egel, ter em Lant sua realiza+o mais !em aca!ada\. 3m todos estesacontecimentos, o que parece impulsiona-los o aparecimento do que poderamos c'amarde su!$etividade(.

    He fato, para /egel, a su!$etividade aparece como o princpio dos temposmodernos. &o por outra razo que /egel falar, a prop#sito de Hescartes com seucogito7 qui $ podemos sentir em casa e gritar, como o navegante depois de uma larga epenosa travessia por mares tur!ulentos7 - 2errab. om Hescartes come+a a cultura dostempos modernos, o pensamento da filosofia moderna, depois de ter andando por muitotempo em outros camin'os(9Y.

    metfora aqui no poderia ser mais adequada. He fato, o princpio desu!$etividade com seu primado de que a verdade su!meta-se " reflexo, de que o sersu!meta-se ao pensamento, a terra firme, o fundamento a partir do qual a filosofia poderreconstruir seus alicerces. 0az-se necessrio que o fundamento da nova li!erdade se$a oque assegurado por uma certeza `su!$etiva\ que satisfa+a "s exig%ncias da ess%ncia daverdade( 9K. 3ste fundamento no estar em opera+o apenas como su$eito docon'ecimento, mas guiar tam!m a redefini+o das mIltiplas esferas de valores da vidasocial. firmar que o princpio de su!$etividade o fundamento significa assim dizer quenada pode aspirar validade se no for transparente " reflexo su!$etiva. F que nos colocacom um pro!lema inicial so!re o pr#prio conceito de reflexo( e suas conseq5%ncias.

    ?uito ainda 'aver a se dizer a respeito desta questo. ?as podemos introduzi-laatravs de algumas considera+*es feitas por /eidegger a respeito deste mesmo pro!lema, $que, em larga medida, elas no so estran'as "quilo que /egel tem em mente ao lem!rarque o esprito est consciente da perda de sua vida essencial e da finitude de seuconteIdo(.

    3m uma passagem cle!re, /eidegger insiste que a estrutura da reflexo que nascecom o princpio moderno de su!$etividade fundamentalmente posicional. >efletir por

    9OT3=3>, %i&ncia como *ocao in$nsaios de sociologia,p. )Y99Y/3:3,"ies so2re a histria da filosofia - )escartes9K/3RH3::3>,Niet.sche II

    )O

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    diante de si no interior da representa+o, como se colocssemos algo diante de um ol'o damente(.

    1eguindo os rastros de texto cartesiano, ele nos lem!ra que, em vrias passagens,Hescartes usa cogitare e percipere como termos correlatos. 4m uso necessariamentepren'e de consequ%ncias. He fato, /eidegger deve pensar aqui, primeiro, na maneira

    peculiar com que Hescartes utiliza o termo latim percipere( 3le raramente utilizado paradesignar processos sensoriais, como viso e audi+o Bnestes casos, Hescartes prefereutilizar o termosentireE. @ercipere designa, normalmente, a apreenso puramente mentaldo intelecto, $ que, em Hescartes, a inspe+o intelectual que apreende os o!$etos, e no assensa+*es. ssim, por exemplo, na medita+o terceira, ao falar daquilo que aparece aopensamento de maneira clara e distinta, Hescartes afirma7 todas as vezes que volto para ascoisas que penso conce!er mui claramente sou de tal modo persuadido delas ...(J@. ?as, defato, penso conce!er( a tradu+o no muito fiel de percipereAB( Ha mesma forma,Hescartes, mais a frente falar de 7 tudo aquilo que conce!o clara e distintamente( J9pelopensamento. ?as, novamente, o termo conce!er( uma tradu+o aproximada depercipere, $ que o texto latim diz7 illa omnia quae clare percipio(. He onde se v% comopercipere serve, nestes casos, para descrever o pr#prio ato mental do pensamento.

    /eidegger sensvel a este uso peculiar de percipere por Hescartes pois areconstru+o etimol#gica do termo nos mostra que ele significa7 ^tomar posse de algo,apoderar-se B2em?chtigenE de uma coisa, e aqui no sentido de dispor-para-si B>ich-.u-stellenE `lem!remos que >icherstellen confiscar\ na maneira de um dispor-diante-de-siBCor-sich-stellenE, de um re-presentar BCor-stellenE(JJ. Hesta forma, a compreenso decogitarepor Cor-stellen Bre-presentarpor diante de siE estaria mais pr#xima do verdadeirosentido deste fundamento que Hescarte traz como terra firma da filosofia moderna.

    2ais aproxima+*es permitem a /eidegger interpretar o cogitare cartesiano comouma representa+o que compreende o ente como aquilo que essencialmente representvel,como aquilo que pode ser essencialmente disposto no espa+o da representa+o. Z assim quedevemos compreender a frase-c'ave7 F cogitare um dispor-para-si do representvel(JP.ssim, cogitare no seria apenas um processo geral de representa+o, mas seria um ato dedetermina+o da ess%ncia do todo ente como aquilo que acede a representa+o. Rstoindicaria como todo ato de pensar um ato de dominar atravs da su!misso da coisa "representa+o. F diagn#stico de /eidegger seria claro7 algo s# para o 'omem na medidaem que esta!elecido e assegurado como aquilo que ele pode por si mesmo, na am!i%nciaB

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    pr?setierenE(J

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    &esta longa diatri!e, que ser retomada em vrios momentos do prefcio, /egel est, naverdade, acertando contas com seu passado. 3sta idia de que, ao invs da reflexo pr#priaao conceito, a filosofia deve procurar tematizar a auto-intui+o do a!soluto atravs um certoregime de retorno a um plano de iman%ncia que no pode ser o!$eto de diferencia+o , naverdade, a ressonAncia do programa crtico sc'ellinguiano.

    He fato, /egel foi primeiramente visto como um sc'ellinguiano e a Fenomenologiado $sprito, em particular seu prefcio, aparece como o locus da ruptura entre os dois. 3mcarta a 1c'elling, /egel insistir que se tratava de fornecer uma mquina de guerra contraaqueles que deturpariam o pensamento de 1c'elling ao transform-lo em arauto de umafilosofia do imediato. &o entanto, 1c'elling no deixar de dizer7 &a medida em que voc%pr#prio menciona a parte pol%mica deste `seu livro\, eu devia fazer muito pouco caso demim mesmo para aplicar esta pol%mica " min'a pessoa(P@.

    &o entanto, a pol%mica era, de fato, endere+ada a 1c'elling. He maneiraesquemtica, podemos dizer que, pelo menos aos ol'os de /egel, 1c'elling procuraultrapassar as dicotomias da reflexo atravs do recurso a um plano de iman%ncia a partirdo qual o su!$etivo e o o!$etivo se extraem. F su$eito emergiu de um mundo indiferenteque agora ele confronta e con'ece atravs da reflexo. Ha segue, por exemplo, a defini+osc'ellinguiana do !soluto que aparece como indiferen+a a!soluta entre su$eito e o!$eto(.X a natureza que marca este ponto de indiferen+a entre su$eito e o!$eto no qual se encontrao !soluto. Fu se$a, contra o esvaziamento da dignidade ontol#gica da natureza produzidapor Lant, 1c'elling prop*e o resgate da filosofia da natureza como momento da auto-intui+o do !soluto. atividade da natureza como momento de auto-intui+o do!soluto.

    F conceito central aqui intui+o. 1c'elling insiste que ' uma intui+o intelectualque no reflexo, que no posicional, mas que modo de posi+o da unidade semmedia+o entre su$eito e o!$eto. 3ste recurso " intui+o nos leva a questo a respeito domodo de o!$etividade daquilo que s# poderia aparecer " intui+o desprovida de conceito.1c'elling insistir ento no papel central da arte como espa+o no qual se realiza ao!$etividade da intui+o intelectual. arte, como o!$etividade da razo, p*e a exist%nciasensvel como expresso da espiritualidade em uma intui+o que no con'ecimento-de-si,mas manifesta+o do !soluto.

    He fato, /egel no pode aceitar tanto o conceito sc'ellinguiano de !soluto, quantoa maneira com que o recurso a intui+o se d "s espessas do tra!al'o do conceito, como seo recurso " intui+o fosse modo de recupera+o daquilo que o conceito perde ao operar.6ara /egel, no se trata de a!andonar a dimenso conceitual, mas de distinguir conceito erepresentao, fazendo assim com que a pr#pria no+o de reflexo su!$etiva se$a revista e,com ela, a no+o moderna de su$eito.

    &este sentido, um aspecto central de sua crtica a 1c'elling no est norecon'ecimento de que o o!$eto da filosofia e o !soluto enquanto ponto de identidadeentre o su$eito e o o!$eto, mas est no fato de 1c'elling o pressup*e de modo imanente epreviamente acessvel. 6ara /egel, 'aver de fato uma iman%ncia com o !soluto Bpois opensamento no pode pensar sem construir totalidadesE, mas ela ser conquistada comoresultado da experi%ncia, ele ser marcado pelo tra$eto desta experi%ncia, e no aparecercomo resultado previamente posto. Uuando filosofamos, pretendemos provar que a coisa assim. ?as, se a arrancamos da intui+o intelectual, isto no passar de um orculo B...E

    P@arta de 1c'elling a /egel, @9)))Y@O

    9@

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    prova verdadeira de que esta identidade do su!$etivo e do o!$etivo a verdade s# pode sertrazida investigando cada coisa por si mesma, em suas determina+*es l#gicas, essenciais;ento veramos necessariamente que o su!$etivo consiste em converter-se no o!$etivo, e queo o!$etivo no permanece sempre como tal, mas que tende a converter-se no su!$etivo( P).

    3sta identidade entre o su$eito e o!$eto, para alm da su!misso do o!$eto " uma

    reflexo que aparece como dispor-diante-de-si s# poder ser alcan+ado por um sistemafilos#fico capaz de pensar a identidade se instaurando no interior de um processo 'ist#rico-racional, o que no tem nada a ver com um recurso " origem pr-reflexiva. &ovamente,encontramos a compreenso do o!$eto da filosofia como um devir que se constr#i e que s#pode ser apreendido no interior de um tra$eto. Z isto o que /egel tem em vista ao afirmarque7

    F come+o do novo esprito em o produto de uma ampla transforma+o de mIltiplasformas de cultura, o pr%mio de um itinerrio muito complexo, e tam!m de umesfor+o e de uma fadiga multiformes. 3sse come+o o todo `ou o !soluto\, queretornou a si mesmo de sua sucesso `no tempo\ e de sua extenso `no espa+o\; oconceito que veio-a-ser Bge7ordneE conceito simples do todo(P9.

    ?uito ainda 'aver a se dizer a respeito desta instaura+o da unidade do todo em umconceito simples. &o entanto, lem!remos ainda de um ponto central. 3u 'avia dito que amodernidade aparece para /egel como momento 'ist#rico no qual o princpio desu!$etividade pode se pr como fundamento. &o entanto, este su$eito no apenas acondi+o transcendental de toda representa+o Bou se$a, no um su$eito psicol#gico, umindivduo, mas a possi!ilidade de que, ao representar o!$etos, eu apreenda tam!m asregras de organiza+o da experi%ncia de representa+oE. &a verdade, /egel lem!rar que osu$eito aquilo que faz com que o esprito nunca este$a em repouso( porque so suasexig%ncias que instauram um processo no qual o esprito rompe com o mundo do seu ser-a e do seu representar(.

    2ais exig%ncias podem ser mel'or compreendida se lem!rarmos como o su$eitomoderno no era simplesmente fundamento certo do sa!er, mas tam!m entidade quemarcado pela indetermina+o su!stancial. 3le aquilo que nasce atravs da transcend%nciaem rela+o a toda e qualquer naturalidade com atri!utos fsicos, psicol#gicos ousu!stanciais. omo dir vrias vezes /egel, o su$eito aquilo que aparece comonegatividade que cinde o campo da experi%ncia e faz com que nen'uma determina+osu!sista. &aFilosofia do $sprito, de )Y@Q, ele no deixar de encontrar metforas parafalar deste su$eito que aparece como o que desprovido de su!stancialidade e dedetermina+o fixa7 F 'omem esta noite, este nada vazio que contm tudo nasimplicidade desta noite, uma riqueza de representa+*es, de imagens infinitamentemIltiplas, nen'uma das quais l'e vem precisamente ao esprito, ou que no existem comoefetivamente presentes B...E Z esta noite que desco!rimos quando ol'amos um 'omem nosol'os, uma noite que se torna terrvel, a noite do mundo que se avan+a diante de n#s( PJ.

    Hepois de /egel, a modernidade ser cada vez mais identificada com o ef%mero,com o tempo que faz com que tudo o que s#lido se desmanc'e no ar. F mpeto destadestrui+o, a modernidade o tira do su$eito enquanto entidade no su!stancial que lem!ra, "

    P)/3:3,"ies so2re a histria da filosofia - >chellingP9/3:3,Fenomenologia I,p. 9OPJ/3:3,Filosofia do esprito,p. )J

    9)

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    positividade do mundo, a for+a de uma noite que avan+a. 6ensar " altura da modernidadeser, para /egel, pensar uma realidade animada por aquilo que no se deixa apreendercomo su!stAncia Bo que nos coloca diante da proposi+o c'ave de /egel apreender asu!stAncia como su$eito( o conceito que advm conceito simples do todo(E. ?as tal comoa coru$a de ?inerva que s# voa " noite, ser apenas quando a noite do mundo c'egar que a

    filosofia poder realizar sua verdadeira tarefa.Cur"o HeelTer)e!ra aula

    &a aula passada, come+amos a leitura da Fenomenologia do esprito atravs de um trec'ode seu prefcio que vai do primeiro pargrafo at o pargrafo )O. &ele, vimos /egeldefinir, como o!$eto privilegiado da reflexo filos#fica, as expectativas da modernidade ede seus modos de racionaliza+o das dimens*es cognitivo-instrumental, prtico-moral eesttico-expressiva. 4ma reflexo que deveria apreender tais expectativas e processos apartir de uma perspectiva capaz de revel-los como resultados de processos de forma+olegveis no interior de uma compreenso racional da 'ist#ria.

    &o entanto, vimos como /egel definia a modernidade como um momento de ciso.F esprito perdeu a imediatez da sua vida su!stancial, ou se$a, nada l'e aparece mais comosu!stancialmente fundamentado em um poder capaz de unificar as vrias esferas de valoressociais. o contrrio, para /egel, a modernidade deve ser compreendida como estemomento que est necessariamente "s voltas com o pro!lema da sua auto-certificao. 3lano pode mais procurar em outras pocas os critrios para a racionaliza+o e para aprodu+o do sentido de suas esferas de valores. 3la deve criar e fundamentar suas normas apartir de si mesma. Rsto significa que a su!stancialidade que outrora enraizava os su$eitosem contextos sociais aparentemente no-pro!lemticos est fundamentalmente perdida.

    3m uma anlise 'o$e clssica, /egel indica tr%s acontecimentos que forampaulatinamente moldando a modernidade em suas exig%ncias7 a reforma protestante `comsua confronta+o direta entre o crente e Heus atravs da su!$etividade da f\, a revolu+ofrancesa `que colocava o pro!lema do 3stado Dusto enquanto aquele capaz de conciliaraspira+*es de universalidade da ei e exig%ncias dos indivduos\ e o Rluminismo `que,segundo /egel, ter em Lant sua realiza+o mais !em aca!ada\. 3m todos estesacontecimentos, o que parece impulsiona-los o aparecimento do que poderamos c'amarde su!$etividade(.

    He fato, para /egel, a su!$etividade aparece como o princpio dos temposmodernos. &o por outra razo que /egel falar, a prop#sito de Hescartes com seucogito7 qui $ podemos sentir em casa e gritar, como o navegante depois de uma larga epenosa travessia por mares tur!ulentos7 - 2errab. om Hescartes come+a a cultura dostempos modernos, o pensamento da filosofia moderna, depois de ter andando por muitotempo em outros camin'os(PP.

    nalisamos alguns elementos da estrutura reflexiva do princpio de su!$etividade aluz de certas considera+*es de /eidegger a respeito da reflexo como representa+o comsua conseq5ente compreenso do ser como o!$eto para um su$eito cognoscente. Rnsisti comvoc%s que o diagn#stico 'eideggeriano era simtrico aquele que animava /egel. 2odos osdois viam, no advento do princpio de su!$etividade enquanto fundamento da modernidade

    PP/3:3,"ies so2re a histria da filosofia - )escartes

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    e de seus processos de racionaliza+o reflexiva, o cerne das cis*es nas quais a modernidade'avia se enredado. 6ois, para /egel, a reflexo, enquanto disposi+o posicional dos entesdiante de um su$eito, no pode deixar de operar dicotomias e divis*es no interior do que seoferece como o!$eto da experi%ncia entre aquilo que para-mim e aquilo que seria em-si,entre o que se d atravs da receptividade da intui+o e aquilo que ordenado pela

    espontaneidade do entendimento com suas estruturas reflexivas de representa+o, entre oque da ordem do esprito e o que da ordem da natureza, entre o que acessvel "reflexo e o que !soluto. Hesta forma, lem!rei para voc%s que /egel partil'ava odiagn#stico de p#s-Cantianos como 0ic'te e 1c'elling, para quem o primado da reflexo eda su!$etividade, produziu cis*es irreparveis. Ha porque o Inico interesse da razo ode suspender antteses rgidas(PQ.

    &o entanto, /egel no estava disposto a a!andonar o solo de uma filosofia dareflexo. 3le no acreditava que podemos nos curar das feridas da eleva+o do princpiomoderno de su!$etividade " condi+o de fundamento da ci%ncia simplesmente pregandoalguma forma de retorno a uma origem pr-reflexiva e pr-conceitual. &este sentido, /egeldeve iniciar suaFenomenologia do $sprito, livro que marca enfim sua entrada em cena node!ate filos#fico alemo, com uma ruptura clara em rela+o a 1c'elling, a quem /egel foito intelectualmente ligado at ento.

    3u 'avia lem!rado de que, ao menos aos ol'os de /egel, 1c'elling procuravaultrapassar as dicotomias da reflexo atravs do recurso a um plano de iman%ncia a partirdo qual o su!$etivo e o o!$etivo se extraem. F su$eito emergiu de um mundo indiferenteque agora ele confronta e con'ece atravs da reflexo. Ha segue, por exemplo, a defini+osc'ellinguiana do !soluto que aparece como indiferen+a a!soluta entre su$eito e o!$eto(.X a natureza que marcaria este ponto de indiferen+a entre su$eito e o!$eto no qual seencontra o !soluto. Fu se$a, contra o esvaziamento da dignidade ontol#gica da naturezaproduzida por Lant, 1c'elling prop*e o resgate da filosofia da natureza como momento daauto-intui+o do !soluto. F conceito central aqui intui+o. 1c'elling insiste que ' umaintui+o intelectual que no reflexo, que no posicional, mas que modo de posi+o daunidade sem media+o entre su$eito e o!$eto.

    He fato, /egel no pode aceitar tanto o conceito sc'ellinguiano de !soluto, quantoa maneira com que o recurso a intui+o se d "s espessas do tra!al'o do conceito, como seo recurso " intui+o fosse modo de recupera+o daquilo que o conceito perde ao operar.6ara /egel, no se trata de a!andonar a dimenso conceitual, mas de distinguir conceito erepresentao, fazendo assim com que a pr#pria no+o de reflexo su!$etiva se$a revista e,com ela, a no+o moderna de su$eito. reconcilia+o das cis*es da modernidade no serfeita atravs do a!andono do solo do pensamento conceitual, mas atravs da reconstitui+oda no+o de pensamento conceitual. Rsto implicar em uma reorienta+o a respeito desteprincpio que aparece como fundamento para o advento da modernidade, ou se$a, oprincpio de modernidade. 6odemos dizer que a contri!ui+o central de /egel encontra-sena tentativa de recompor a no+o de su!$etividade e tirar da conseq5%ncias maiores para opr#prio funcionamento da razo.

    &este sentido, terminei a aula lem!rando para voc%s um ponto que ser retomado demaneira mais ela!orada na aula de 'o$e. 3u 'avia dito que a modernidade aparece para/egel como momento 'ist#rico no qual o princpio de su!$etividade pode se pr comofundamento. &o entanto, este su$eito no era apenas a condi+o transcendental de toda

    PQ/3:3,)iferena dos sistemas filosficos de Fichte e >chelling,p. JY

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    Fenomenologia aparece aqui como o movimento de apresenta+o da ci%ncia, ou se$a, dareconcilia+o entre pensar e ser, em seu devir. 3sta apresenta+o no simples introdu+o "ci%ncia para uma consci%ncia que ainda nada sa!e, nem apresenta+o prvia do queseriam os fundamentos de todo e qualquer pensamento cientfico. omo vimos na aula

    passada, ela menos ainda a tematiza+o da iman%ncia de um sa!er do !soluto que se datravs de intui+*es intelectuais. apresenta+o do devir em dire+o " ci%ncia arememora+o deste longo e rduo camin'o que vai da consci%ncia em seu estado maisimediato at o esprito realizado. ada uma das etapas deste camin'o fornece um conteIdode experi%ncia e pode ser exposto atravs de uma figura+o, ou se$a, cada uma destas etapasfornece uma figura da consci%ncia.

    Veremos de maneira mais detal'ada o que so tais figuras na aula que vem atravsdo comentrio de certas passagens da Rntrodu+o. 6or enquanto vale a pena insistir em doispontos. 6rimeiro, a fenomenologia implica inicialmente na aceita+o da perspectiva de umcerto primado da consci%ncia. 2rata-se fundamentalmente de descrever o que apareceB$rscheinung 8 termo que pode ser traduzido tanto por fenmeno( quanto por o queaparece(E" consci%ncia a partir das posi+*es que ela adota diante da efetividade, posi+*esque trazem em seu interior conteIdos determinados de experi%ncia enquanto conteIdos demodos de vida em suas dimens*es morais, cognitivas, estticas, etc. ssim, se afenomenologia poder ser definida por /egel como ci%ncia da experi%ncia da consci%ncia(Beste era, por sinal, o ttulo originrio do livro que aparece na primeira edi+o de )Y@OE, porque ela a exposi+o das configura+*es dos campos de experi%ncia da consci%ncia apartir do eixo da forma+o da consci%ncia para o sa!er, ou ainda, para a filosofia.

    &otemos ainda que o campo do que aparece " consci%ncia modifica-se ao ritmo dosfracassos da pr#pria consci%ncia em apreender o que se coloca a partir do seu conceito deexperi%ncia. Higamos que ela encontra sempre algo a mais do que seu conceito deexperi%ncia parecia pressupor. 3nquanto ela acreditar encontrar( o que nega, o que no sesu!mete ao seu conceito a!strato de experi%ncia, isto ao invs de produzir( tal nega+o, aconsci%ncia continuar nos descamin'os do no-sa!er e no compreender como novoso!$etos podem aparecer ao seu campo de experi%ncia. Z isto o que /egel tem em mente aodizer, na$nciclop'dia7 estando dado que o 3u, para si mesmo, apenas identidade formal;o movimento dialtico do conceito 8 a determina+o progressiva da consci%ncia 8 no para ele sua atividade, mas em-si e, para ele, modifica+o do o!$eto(PY.

    &o entanto, ' ainda um ponto que deve ser ressaltado. 3m!ora adote a perspectivada descri+o do que aparece " consci%ncia no interior de seu campo de experi%ncias, /egelno se v% escrevendo uma Fenomenologia da consci&ncia, mas umaFenomenologia do$sprito( 3sta distin+o implica, entre outras coisas, que 'aver um nvel de experi%nciasque s# poder ser corretamente tematizada a partir do momento em que a consci%nciaa!andonar seu primado a fim de dar lugar ao que /egel c'ama de 3sprito B6eistE. Fu se$a,o acesso ao sa!er pressup*e o a!andono da centralidade da no+o de consci%ncia, de seusmodos de percep+o e reflexo, em prol do advento do 3sprito Bque no espcie algumade consci%ncia a!solutizada(E. `aqui ' uma possi!ilidade de distinguir fenomenologia'egeliana das no+*es de fenomenologia pr#prias ao sculo e!run e a no+o de que,para a fenomenologia moderna, a no+o 'egeliana de 1a!er !soluto terrorismo(\

    PY/3:3, 3nciclopdia, par. P)Q

    9Q

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    3sta passagem, assim como a pr#pria compreenso do que /egel quer dizer por3sprito(, podem ser mel'or compreendidos se levarmos em conta o que /egel procuradesenvolver no pargrafo 9Y7

    tarefa de conduzir o indivduo, deste seu estado inculto Bunge2ildeten 8 no

    formadoE at o sa!er, devia ser entendida em seu sentido universal, e tin'a deconsiderar o indivduo universal, o esprito consciente-de-si Beltgeist -o espritodo mundoEna sua forma+o cultural. &o que toca " rela+o entre os dois indivduos,cada momento do indivduo universal se mostra conforme o modo como `o espritouniversal\ o!tm sua forma BFormEconcreta e sua figura+o B6estaltungE pr#pria. Findivduo particular o esprito incompleto, uma figura B6estaltE concreta7 uma s#determinidade predomina em todo seu ser-a, enquanto outras determinidades ali s#ocorrem como tra+os rasurados. B...E F indivduo cu$a su!stAncia o esprito situadono mais alto, percorre esse passado da mesma maneira como quem se apresta aadquirir uma ci%ncia superior, percorre os con'ecimentos preparat#rios que 'muito tem dentro de si, para fazer seu conteIdo presente; evoca de novo suarememora+o B$rinnerungE, sem no entanto ter a seu interesse ou demorar-se neles.F singular deve tam!m percorrer os degraus de forma+o cultural do espritouniversal, conforme seu conteIdo; porm, como figuras $ depositadas pelo esprito,como plataformas de um camin'o $ preparado e aplainado. B...E 3sse ser-a passado propriedade $ adquirida do esprito universal B...E onforme esse ponto de vista, aforma+o cultural considerada a partir do indivduo consiste em adquirir o que l'e apresentado, consumindo em si mesmo sua natureza inorgAnica e apropriando-sedela(PK.

    omo no de*emos compreender este trec'oG 6rimeiro, fato que /egel pressup*eum certo paralelismo ente ontog%nese e filog%nese. 6ois a su!stAncia dos indivduosconcretos um esprito do mundo que, a primeira vista, parece a!sorver um processoracional de forma+o que $ se desenvolveu na 'ist#ria. He fato, a consci%ncia devecompreender que o presente no o Inico modo de presen+a e que se trata,fundamentalmente, de compreender uma no+o de presen+a no mais dependente davisi!ilidade do que se d como imagem no presente.

    4ma leitura tradicional diria ento que ca!eria ao indivduo apenas rememorar esteprocesso, estas plataformas de um camin'o $ aplainado( apropriando-se de um espritoque age no indivduo, mas " sua revelia. verdadeira experi%ncia seria, no fundo, umarememora+o de formas $ tra!al'as pelo desenvolvimento 'ist#rico do esprito. &estemomento, o indivduo deixaria de orientar seu agir e seu $ulgamento como consci%nciaindividual para orientar-se como encarna+o de um esprito do mundo que v% sua a+ocomo posi+o de uma 'ist#ria universal que funciona como elemento privilegiado demedia+o. F indivduo singular transformar-se em consci%ncia do esprito de seu tempo. Fque s# poderia significar uma a!solutiza+o do su$eito que deixa de ser apenas euindividual para ser aquele capaz de narrar a 'ist#ria universal e ocupar sua perspectivaprivilegiada de avalia+o. 3 a que c'egaramos se levssemos ao p da letra afirma+*es decomentadores como Dean /Mppolite, para quem7 'ist#ria do mundo se realizou; preciso somente que o indivduo singular a reencontre em si mesmo B...E 0enomenologia

    PK/3:3,Fenomenologia I,p. JQ-JcheinE, e s#pode faz%-lo voltando-se contra eleYP.

    &o entanto, nesta li!erta+o da apar%ncia, a ci%ncia deve operar atravs de umaperspectiva internalista que no fa+a apelo a nen'um sa!er pressuposto. Rsto implicar naaceita+o de que seus conceitos e pressupostos iniciais devero ser vistos como provis#riose passveis de contnua reorienta+o. Ha porque /egel insiste que ela deve estar disposta aoperar com uma outra gramtica filos#fica. 4ma gramtica na qual os termos fundamentaisdo sa!er s# podero definir suas significa+*es atravs do uso que deles faremos no interiordo campo fenomenol#gico. 3 como apelo a uma mudan+a de gramtica filos#ficaenquanto condi+o inicial para o sa!er fenomenol#gico que devemos compreender estaafirma+o central de /egel7

    ?el'or seria re$eita tudo isso `as divis*es estanques do entendimento\ comorperesenta+*es contingentes e ar!itrrias, e como engano o uso 8 a isso unido 8 depalavras BortenE como o a!soluto, o con'ecer, e tam!m o o!$etivo e o su!$etivo einImeros outros cu$a significa+o dada como geralmente con'ecida. om efeito,dando a entender, de um lado, que sua significa+o universalmente con'ecida e, deoutro lado, que se possui at mesmo seu conceito, parece antes um esquivar-se "tarefa principal que fornecer esse conceitoYQ.

    Y93=>4&,"a patience du concept,p. 9@9YJ/3:3,Fenomenologia,par. OPYP/3:3, idem,par. Oo!ert =random c'amou, em rela+o a /egel, de'olismo semAntico(. 2alvez se$a por isto que /egel afirmar em rela+o a Lant7 Lantconce!e o pensamento como o que traz em si mesmo a diferencia+o `ou se$a, ocon'ecimento das rela+*es de diferen+a e semel'an+a\, mas no compreende que todarealidade consiste nesta diferencia+o(Y

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    estruturas de rela+*es deve fracassar na sua tentativa de dar conta da experi%ncia. &oentanto, este fracasso no deve ser apenas inadequa+o regional do sa!er ao o!$eto, masnega+o a!soluta da gramtica filos#fica que suporta as figuras naturais do sa!er. Haporque /egel afirmar7

    3sse camin'o `de tentativa de realiza+o do conceito natural de sa!er\ pode serconsiderado como o camin'o da dIvida BL7eifelnE ou, com mais propriedade,camin'o do desespero BCer.7eilflungE; pois nele no ocorre o que se costumaentender por dIvida7 um vacilar nessa ou naquela pretensa verdade, seguindo de umconveniente desvanecer-de-novo Bieder*ersch7indenE da duvida e um regresso"quela verdade, de forma que, no fim, a oisa se$a tomada como era antes. ocontrrio, essa dIvida a penetra+o consci%ncia na inverdade do sa!er fenomenalBerscheinenden issenE7 para esse sa!er, o que ' de mais real BeellsteE antessomente o conceito irrealizadoK@.

    /egel apresenta aqui uma dicotomia pren'e de conseq5%ncias entre dM*ida e desespero(6odemos perce!er claramente que /egel, ao falar de uma dIvida que regressa " oisa talcomo era antes, faz aluso " dIvida met#dica cartesiana, ou se$a, a esta disposi+o em7desfazer seriamente uma vez na vida todas as opini*es at ento rece!idas em min'acren+a e come+ar tudo de novo desde os fundamentos, isto se eu quiser esta!elecer algo defirme e constante nas ci%ncias(K). dIvida assim o ponto de partida em dire+o a umfundamento que se apresenta como solo firme da ci%ncia. 1ua medida a clareza e adistin+o da certeza su!$etiva da pura forma do pensar do 3u. lareza e distin+o queaparecem como medidas indu!itveis do sa!er e seriam ndices de uma intui+o imediata erevela+o interior(K9. /egel insiste que este prop#sito de no se entregar na ci%ncia "autoridade do pensamento al'eio, e s# seguir sua pr#pria convic+o(KJno toca no pontocentral7 o modo com que a verdade manifesta-se a um pensar su!metido "s regras sintticasde clareza e distin+o pr#prias "s representa+*es do entendimento.

    ontra esta figura da dIvida, /egel insiste que a consci%ncia deve experimentaralgo da ordem do desespero. &este contexto, desespero( indica no s# a fragiliza+oa!soluta das imagens do mundo Bisto $ podemos encontrar na primeira medita+o deHescartesE, mas o colocar em questo as !ases da gramtica que sustentava o pensar daconsci%ncia natural e seu modo de estruturar rela+*es. 3ste desespero no assim apenas afragiliza+o das imagens do mundo, mas tam!m fragiliza+o da certeza de si e,fundamentalmente, dos modos de orienta+o do pensar 8 o que implica em um tra!al'o donegativo muito mais profundo do que a simples dIvida a respeito da adequa+o de nossasrepresenta+*es. He fato, podemos defender Hescartes desta crtica 'egeliana lem!rando quea figura do g%nio maligno $ implica em uma suspenso dos modos de orienta+o do pensar$ que at mesmo as certeza da matemtica e da adequa+o das representa+*es ao mundoso postas em dIvida. 1e lem!rarmos de um texto 'o$e clssico de Herrida, %ogito ehistria da loucura, poderemos dizer que esta dIvida $ desespero por impedir que osu$eito este$a certo de no ser louco, $ que a figura do g%nio maligno suspende o su$eito detoda e qualquer certeza su!stantiva. &o entanto, podemos lem!rar novamente que, para

    K@/3:3, idemK)H31>231,4editao primeiraK9/3:3,"ies so2re a histria da filosofia - )escartesKJ/3:3,Fenomenologia,par. OY

    P

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    /egel, um ponto fundamental permanece. 3m momento algum a consci%ncia duvida de queo pensar uma questo de dispor de representa+*es e que a clareza e a distin+o socritrios para a orienta+o do pensar. F desespero 'egeliano, no entanto, quer ir at esteponto. Ha porque /egel pode afirmar7

    1eguir sua pr#pria opinio `J2er.eugung ; convic+o\ , em todo o caso, !emmel'or do que se a!andonar " autoridade, mas com a mudan+a `Cer+herung ;inverso\ do crer na autoridade para o crer na pr#pria convic+o, no ficanecessariamente mudado o conteIdo da convic+o `$ que no se trata de umpro!lema de autonomia ou de 'eteronomia do pensar, mas de um pro!lema decon$uga+o de uma gramtica filos#fica naturalizada, ou se$a, de um pro!lema dopensar como conteIdo para si mesmo\; nem fica a verdade introduzida em lugar doerroKP.

    Hesta forma, o desespero, ou ainda a angIstia B8ngstE, aparece para /egel comocondi+o necessria para a consci%ncia entrar neste sa!er fenomenol#gico que modo demanifesta+o do esprito em dire+o ao sa!er de si. qui, entretanto, uma distin+o deve serfeita. o confrontar-se com o desespero, a consci%ncia pode simplesmente aferrar-se "cren+a e " certeza a!soluta de si de maneira tal que nen'uma dIvida possa doravantecolocar o sa!er em movimento. 3la pode recuar e tentar salvar o que est amea+ada deperder(KQ. &este sentido, ela defende-se do desespero atravs da loucura. ?as se aconsci%ncia for capaz de compreender a negatividade que ela sentiu ao ver a fragiliza+o deseu mundo e de sua linguagem como manifesta+o do esprito, deste esprito que s# semanifesta destruindo toda determinidade fixa, ento a consci%ncia poder entrar no ritmodo sa!er fenomenol#gico. &este sentido, podemos mesmo dizer que, para /egel, s# possvel se desesperar na modernidade, $ que ele a experi%ncia fenomenol#gica centralde uma modernidade disposta a pro!lematizar tudo o que se p*e na posi+o de fundamentopara os critrios de orienta+o do $ulgar e do agir.

    ?as se voltarmos ao pargrafo OY, veremos /egel definir este desespero comocamin'o em dire+o " realiza+o do sa!er como ceticismo que atingiu a perfei+oB*oll2ringende >+epti.ismusE(, um ceticismo que incide so!re todo o Am!ito daconsci%ncia fenomenal `e\ torna o esprito capaz de examinar o que verdade, enquantoleva a um desespero, a respeito da representa+*es, pensamentos e opini*es pretensamentenaturais(K

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    ntes de iniciarmos, vale a pena lem!rar que /egel distingue ceticismo modernoBrepresentado principalmente por 1c'ulze e, em certa medida, ?aimonE e o ceticismoantigo. 6ara /egel, o ceticismo moderno seria uma postura que v% como verdadeiro apenaso ser sensvel, aquilo que a consci%ncia sensvel nos entrega, duvidando de todo o mais. Rstoimplica em deixar com que a realidade da empiria su!sista intacta e indu!itvel. &este

    sentido, seu positivismo( no poderia estar mais distante do pensamento especulativo. D oceticismo antigo, ao insistir nas contradi+*es necessrias e irrefutveis que nos deparamosao procurar falar so!re a ess%ncia do que aparece, opera uma crtica da finitudefundamental para a dialtica.

    /egel sa!e muito !em que o ceticismo antigo no consiste em afirmar a merairrealidade do acontecimento. 6or exemplo, ao afirmar que o conceito de movimento contradit#rio, o ctico no pode ser refutado partir do momento em que come+amos aandar. 6ara /egel, o que o ceticismo nega a determina+o essencial da significa+o doacontecimento, o que no quer dizer que nossas representa+*es mentais no ten'amrealidade o!$etiva para ns neste momento e so2 condies determinadas de percepo.Higo que as coisas me aparecem e que eu suspendo o $uzo so!re a sua significa+o(, diro ctico a partir de suas opera+*es de epo+h'. em!remos do que diz e!run, o ceticismo7de demora diante da significa+o das palavras utilizadas, isto ao invs de ir diretamente aoencontro do que elas designam, ele se coloca no ponto de unio do dizer e do dito( KY.

    6ara /egel, isto implica necessariamente no recon'ecimento das contradi+*es quenos enredamos ao nos aferrarmos "s representa+*es finitas da linguagem do entendimento.&este sentido, ceticismo significa demorar-se diante das palavras, dicotomias e rela+*esque apareciam " consci%ncia natural como claramente fundamentadas em sua significa+o.1e o ctico pode afirmar7 4ma teoria por momentos nos seduz e nos parece persuasivaG4m pouco de investiga+o serena logo nos faz encontrar argumentos que a contradigamcom no menos persuasividade(KK porque se trata de mostrar que a determina+o finitaque compreende o pensar como con$unto de teses no pode deixar de mostrar seu cartervacilante e inseguro. 2odas as representa+*es da verdade se encontram expostas a que sedemonstre seu carter finito, $ que todas cont%m uma nega+o , portanto, umacontradi+o()@@. em!remos desta idia central de /egel, o dogmatismo consiste emafirmar como verdadeiro um conteIdo determinado e, com isto, a!solutizar o finito. &estesentido, a crtica ctica s# pode ser !em vinda a um pensamento dialtico, principalmentese pensarmos em dois de seus tropos principais7 a regresso ao infinito e a 'ip#tese. Fprimeiro consiste em considerar que a prova a que o dogmtico quiser recorrer, remete auma outra prova, e assim ao infinito. F segundo diz respeito " tentativa dogmtica de parara regresso ao infinito atravs da posi+o de proposi+*es com valor de axiomas; axiomascontra os quais os cticos iro desvelar o carter de mero pressuposto. /egel compreendeestes dois tropos como argumentos fortes contra a estrutura dedutiva do entendimento.

    &o entanto, /egel levanta duas crticas ao ceticismo antigo. 6rimeiro, ele v% oceticismo como uma certa figura da filosofia da su!$etividade que, para alm da epoC' emrela+o a determina+o essencial de todo fenmeno, assenta-se na seguran+a da certeza daconsci%ncia de si. 3sta crtica pode ser pro!lematizada, mas aquela que realmente nosinteressa outra.

    KY3=>4&,"a patience du concept,p. 9J9KK6F>/2, Cida comum e ceticismo,p. )

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    /egel insiste que a crtica "s representa+*es finitas do entendimento s# podeproduzir uma suspenso ctica do $uzo porque o ceticismo continua aferrado " gramticafilos#fica que ele critica. o compreender a contradi+o como resultado da tentativa dopensar em dar conta do mundo fenom%nico, ela s# v% a contradi+o como puro nada, talcomo duas proposi+*es contradit#rias so!re o mesmo o!$eto resultariam necessariamente

    em um o!$eto vazio sem conceito ou ainda um conceito que se contradiz em si mesmoBnihil negati*umE. F ceticismo est certo em ver na fenomenalidade o espa+o dacontradi+o, e com isto nos levar ao desespero em rela+o a representa+*es, pensamento eopini*es pretensamente naturais, mas est errado na sua maneira de compreender o valor dacontradi+o.

    &este sentido, /egel dever insistir que a apresenta+o da consci%ncia noverdadeira em sua inverdade no um movimento puramente negativo( pois

    F ceticismo que termina com a a!stra+o do nada ou do esvaziamento no pode iralm disso, mas tem de esperar que algo de novo se l'e apresente 8 e que novo se$aesse 8 para $oga-lo no a!ismo vazio. 6orm quando o resultado apreendido como em verdade 8 como nega+o determinada 8 que ento $ surgiu uma nova formaimediatamente, e se a!riu na nega+o a passagem pela qual, atravs da sriecompleta das figuras `da consci%ncia\, o processo se produz por si mesmo)@).

    nteriormente, /egel 'avia dito que o ceticismo diferencia-se do especulativo porque esteIltimo capaz de compreender o nada como algo determinado e que tem um conteIdo.?as o que poderia significar uma nega+o determinada ou um nada determinadoG

    6erce!emos que este conceito importante no interior da economia do nosso texto./egel 'avia dito que o camin'o da consci%ncia em dire+o " realiza+o do sa!er umcamin'o do desespero, pois deve dissolver no s# as imagens do mundo da consci%ncia,mas tam!m indicar a fragiliza+o da certeza de si e, fundamentalmente, dos modos deorienta+o do pensar. &este sentido, o camin'o do sa!er foi comparado a um ceticismo quedemonstra a insta!ilidade das determina+*es finitas do sa!er. &o entanto, o ceticismo paral onde deveria continuar, $ que ele v% a contradi+o resultante da experi%ncia fenom%nicada consci%ncia, contradi+o resultante da tentativa da consci%ncia natural em no ser apenasconceito de sa!er, mas sa!er realizado, como figura do