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SABERES E FAZERES: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DE
GESTORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL
SALGUEIRO, Maria da Penha – UNESA/RJ [email protected]
Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Esse artigo é um recorte da pesquisa da autora sobre representação social de criança por gestores de Educação Infantil. Trata-se de um estudo desenvolvido a partir da perspectiva teórica de Moscovici (1961) articulado com estudos sobre fotografia. A problemática foi investigada entre 27 gestores de 12 instituições privadas do Rio de Janeiro. Em função de os fenômenos sociais relacionados às representações sociais serem de difícil apreensão, optou-se pelo uso de 16 fotografias do cotidiano das instituições infantis, preparadas para expressarem a noção de ‘desenvolvimento da autonomia’, segundo o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil no Brasil. A formação e atuação do gestor educacional enfrentam grandes desafios desde o surgimento das primeiras creches privadas na década de 70. Os avanços da ciência e da tecnologia vêm ocasionando novas formas de pensar e fazer educação. Trabalho em equipe, informática, novas mídias, legislações, dentre outros conhecimentos é o que se espera de quem pretende ocupar essa função. Utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin (1977) e os resultados apontaram: o apoio da ASBREI na formação foi fundamental para o grupo de gestores; houve pouca influência da Lei de Diretrizes e Bases - LDB em função dos gestores, na sua maioria, terem sido professores; 29,63 % dos gestores identificam o ‘ser criança’ com a foto nº 15, onde um menino salta de um pequeno banco de concreto expressando liberdade, conquista, enfrentamento de desafios, ausência de medo. A imagem do salto imprime um sentido de liberdade, dada pela autonomia que se deseja para a criança atual, diferentemente da imagem de “coitadinha” da década de 70/80. Para finalizar, as práticas pedagógicas estão intimamente ligadas à representação social do gestor sobre ‘ser criança’, mais um desafio que merece atenção dos programas de formação.
Palavras-chave: Educação Infantil. Gestão Educacional. Formação de Gestores.
Introdução
No final da década de 70 é notória a busca, por todas as camadas sociais, pelo
atendimento à criança, em creches. O contexto sócio-histórico e econômico desta época,
aliado ao descaso do poder público oportuniza em 1971, o surgimento das primeiras creches
privadas no Município do Rio de Janeiro, localizadas na Zona Sul para a classe média que
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buscava um atendimento de qualidade. No segmento mais desfavorecido da população, o
poder público do nosso Município passa a apoiar formalmente o movimento das creches e
escolas comunitárias, através da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – SMDS.
Esta secretaria detinha uma visão assistencialista, já que o cuidado e a alimentação são as
essências do trabalho, que é visto como um meio de educar a família e a comunidade (SME,
2007).
Mesmo não se tendo a visão de creche como se tem hoje, esta era dirigida, na sua
grande maioria, por mulheres: professoras, pedagogas e psicólogas, que contavam com o
auxílio do “instinto do amor maternal” para administrá-la. O desafio de um atendimento de
qualidade nas creches privadas era uma questão de honra, além de ser, ao mesmo tempo,
instigante e desolador. Seus dirigentes tinham que provar que colocar a criança na creche não
significava uma atitude de abandono da mãe.
Se a concepção de creche como espaço de educação é de 1996, como tem sido a
formação de gestores ao longo do tempo?
Em 1981, por iniciativa de um grupo de dirigentes é criada no Rio de Janeiro a
ASBRAC – Associação Brasileira de Creches que após a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação – LDB passou a denominar-se ASBREI – Associação Brasileira de Educação
Infantil, como órgão de classe de creches públicas e privadas, que além de encaminhar junto
aos órgãos públicos o que se referia aos interesses de seus associados, desempenhava o papel
de formação de seus gestores e de todos os profissionais que atuavam neste segmento.
Naquela época, além dos cursos de Pedagogia e de Administração deixarem a desejar,
também os profissionais de Medicina, Psicologia e Nutrição, exigidos pelo poder público às
creches privadas, tiveram que descobrir uma nova forma de trabalhar, já que nestas
instituições o objetivo principal passa a ser a prevenção da saúde física, emocional e
nutricional em substituição aos aspectos puramente assistenciais.
A Constituição de 1988 surgiu demonstrando especial preocupação em relação à
infância, refletida na mudança que garantia, à época, o atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a seis anos de idade (BRASIL, 1988); direito este referendado pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990) e posteriormente complementada e
aperfeiçoada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996),
que reconhece a Educação Infantil como 1ª etapa da Educação Básica e de natureza
educacional. Mais tarde, no sentido do ampliar o dever do Estado, em relação ao ensino
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obrigatório e gratuito, a LDB é alterada pelas Leis nº 11.114/05 e nº 11.274/06 que torna
obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos de idade e, consequentemente,
amplia o ensino fundamental para nove anos. Essa mudança altera o atendimento em creches
e pré-escolas que passa a atender crianças de zero até cinco anos de idade e não mais até aos
seis conforme Emenda Constitucional nº 53 de 2006.
A partir de 2001, as creches assistenciais, antes subordinadas à Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Social - SMDS passam para o âmbito da Secretaria Municipal de
Educação – SME. As que não conseguiram atender aos requisitos mínimos previstos na
legislação municipal foram obrigadas a encerrar suas atividades.
Concomitantemente a todos esses acontecimentos, os diretores de creches, de
diferentes formações acadêmicas, preocupados basicamente com tarefas administrativas, se
descobrem forçados pela nova lei, diretores de instituições de educação e passam a se
envolver com professores, coordenador pedagógico, supervisor educacional, Projeto Político-
Pedagógico - PPP, Regimento Escolar, além dos pais, que se apresentam cada vez mais
consciente de seus direitos e exigente quanto às obrigações das instituições educacionais.
Diante deste cenário, muitos diretores tiveram que voltar à universidade para ocupar o
cargo de Diretor de sua própria Creche, especializando-se em Administração Escolar, o que
não era exigido antes da LDB.
Desenvolvimento
Gestão escolar: formação do gestor e seus saberes
A gestão escolar e, por conseguinte, a formação e atuação do gestor ou do diretor
educacional como conhecido em muitas instituições, enfrentam grandes desafios. Os avanços
da ciência e da tecnologia vêm ocasionando novas formas de pensar e fazer educação. O
trabalho em equipe, liderança, a utilização de novas mídias, uma diversidade de legislações
para serem acompanhadas, novas formas de aprender, enfim é uma gama de conhecimento
que faz parte de um novo perfil de quem pretende ocupar essa função.
O maior desafio de um diretor é repensar novas formas de administrar suas instituições
educacionais. A exigência de uma revisão no papel da formação tanto nas instituições
públicas quanto nas privadas é uma preocupação que procede. Um diretor deve ser o
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mediador entre a realidade concreta da sociedade e as mudanças da escola para atender seus
funcionários, crianças/alunos e pela família, no contexto na qual está inserida.
Na visão de Paro (1997), o campo de atuação do diretor não se limita mais ao universo
da escola. Ele precisa promover a participação coletiva dos usuários e da comunidade em
geral, de modo a envolver a população nas decisões, no duplo sentido de direito dos usuários
e de necessidade da escola para o bom desempenho de suas funções.
A formação dos professores e seus saberes não é uma preocupação recente na área da
Educação. Tardif (2002) situa o saber do professor a partir de seis fios condutores. O primeiro
diz respeito ao saber do trabalho – o saber do professor deve ser compreendido em intima
relação com o trabalho na escola e na sala de aula: são as relações mediadas pelo trabalho que
fornecem princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas. O segundo é a
diversidade do saber, pois entende que o saber dos professores é plural, compósito e
heterogêneo, por envolver, no próprio exercício da ação docente, conhecimentos e um saber
fazer bastante variados e, normalmente, de natureza diferente. O terceiro fio é a
temporalidade do saber, no qual reconhece o saber dos professores como temporal, uma vez
que o saber é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional. O
quarto fio condutor é denominado experiência de trabalho enquanto fundamento do saber,
focaliza os saberes oriundos da experiência do trabalho cotidiano como alicerce da prática e
da competência profissional. É no contexto em que ocorre o ensino que o docente desenvolve
o habitus, que são certas disposições adquiridas na e pela prática real. O quinto fio, saberes
humanos expressa a idéia de trabalho interativo, um trabalho em que o trabalhador se
relaciona com o seu objeto de trabalho fundamentalmente por meio da interação humana. O
sexto e último fio, saberes e formação profissional, é decorrente dos anteriores, ou seja,
expressa a necessidade de repensar a formação para o magistério, considerando os saberes dos
professores e as realidades específicas de seu trabalho cotidiano.
A afinidade do educador, segundo Tardif (2002; p. 36) com os saberes não é limitada
ao papel de difusão de conhecimentos já estabelecidos. Ele esclarece que a prática do
professor agrega diferentes saberes e que mantém diferentes relações com eles. Tardif define
o saber docente “[...] como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos
coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares,
curriculares e experienciais”.
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Em sua opinião, o curso de formação nas universidades não tem obtido êxito na
formação adequada do futuro professor por estar centrado no saber acadêmico/teórico,
centrado nos saberes disciplinar. A teoria é observada como um conjunto de conhecimentos
acadêmicos/científicos e a prática seria o bom emprego da teoria, ressaltando a separação
entre teoria e prática.
Num levantamento de dissertações e teses realizado por Andrade (2003) sobre o tema
depois deste período constatou um crescimento considerável de publicações ao longo dos
anos. A maior parte dos trabalhos privilegiou os cursos de formação, seus currículos, seus
projetos pedagógicos, a relação teoria-prática, dentre outros.
Em 2005, a homologação das novas Diretrizes Curriculares para o curso de
Pedagogia estabeleceu:
(...) formação inicial para o exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; aos cursos de ensino médio de modalidade normal e em cursos de educação profissional; na área de serviços e apoio escolar; em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. A formação assim definida abrangerá integradamente à docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral, a elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades educativas (...) (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 6).
Na opinião de Freitas et. al. (2006) as novas diretrizes contribuíram para ampliar a
compreensão da complexidade do campo da pedagogia e o desafio teórico-prático que as
universidades enfrentam para concretizar a reforma proposta, uma vez que a formação nos
cursos de pedagogia necessita garantir a articulação entre a docência, a gestão educacional e a
produção de conhecimentos na área da educação.
Autores como Libaneo (2006) e Pimenta (1998) entre outros, colocam a necessidade
de ter especialistas na área da educação com uma formação mais específica, caso concreto
dos gestores educacionais.
Segundo Bastos (2001), a gestão democrática da educação, reivindicada pelos
movimentos sociais durante o período da ditadura militar [...] abriu uma perspectiva para
resgatar o caráter público da administração pública.
O termo gestão democrática já existe desde a Constituição de 1988, mas somente
ganhou destaque no contexto educacional brasileiro por intermédio da LDB, a partir de 1996.
Quando se fala em gestão, não se trata apenas de controlar recursos, coordenar funcionários e
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assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula. O conceito está associado ao
fortalecimento da democratização do processo pedagógico numa participação de toda a equipe
nos processos de decisões e efetivação dos mesmos.
Enquanto academicamente o assunto é amplamente discutido, a demanda pela
Educação Infantil continua crescendo e cada vez mais se especializando. Os gestores precisam
de formação específica e a Pedagogia não é capaz de alimentá-los do saber que tanto precisam
para enfrentar o dia-a-dia de suas instituições, e acabam procurando outras áreas como a de
Administração de Empresa, que também por sua vez, não preenche todas as necessidades.
Essa problemática pode ser constatada nos estudos de Madeira e Madeira (2002) que
chegaram à conclusão de que as rotinas burocráticas e as providências de manutenção da
escola tomam muito mais tempo e atenção dos dirigentes do que o processo educativo. No
despreparo teórico, metodológico e técnico destes profissionais estão as maiores dificuldades
para enfrentar a organização e o funcionamento da escola, o planejamento, o currículo e a
avaliação.
Figueira (2008) também concluiu que a gestão da escola é voltada para as condições
físicas do patrimônio e para a organização escolar, caracterizando-se como centralizadora e
autoritária que minimiza a participação dos sujeitos envolvidos no processo de gestão. Ela
aponta ainda que as representações sociais de gestão escolar construídas por professores,
diretores e coordenadores pedagógicos da escola pesquisada, focalizam-se na autoridade
centralizada, nas normas e estatutos e nas relações hierárquicas, caracterizando uma gestão
escolar técnico-racional, não democrático-participativa.
O saber vivenciado ao longo da trajetória profissional é construído a partir das
representações, valores e da cultura na qual estão inseridos os gestores, delineando a forma
pela qual administram suas instituições.
Neste estudo optamos pela Teoria das Representações Sociais, de Serge Moscovici
(1961) e complementada por Jodelet (2001). Esta parte do pressuposto de que as
representações são construções simbólicas pela qual um grupo, no caso de gestores, atribui
sentido ao objeto – criança – submetendo as informações sobre o mesmo (objetivação) ao
filtro de suas crenças, valores, modelos e símbolos (ancoragem) de seus grupos de pertença
(indivíduos que compartilham linguagem, preferências, valores, opiniões, crenças) e de
referência (indivíduos que eu tenho como modelo).
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Segundo Moscovici (2003) adquirimos a marca do conhecimento do senso comum
cedo na infância, quando nós começamos a nos relacionar, comunicar e falar. O conhecimento
do senso comum, por isso, não pode ser tão distorcido e errado, como algumas vezes se supôs.
Ele serve muito bem a seus propósitos na vida diária.
Ele ainda acrescenta que as representações sociais são estruturas cognitivas específicas
da sociedade contemporânea, que se constroem no âmago das interações e das práticas
sociais. É uma forma de conhecimento – o saber do senso comum – construída nas relações
grupais e intergrupais, integrando tanto a experiência e a vivência dos sujeitos que a
constroem quanto sua história e sua cultura. As representações são obras nossa; sua
existência no exterior leva a marca de uma passagem pelo psiquismo pessoal e pelo social.
Ao longo da vida, o sujeito recebe uma infinidade de informações. A cada nova
informação ele tende a aproximá-la do seu universo numa tentativa de reconstruí-la e torná-la
natural. Neste processo, o sujeito utiliza seus próprios valores e acaba por “tornar familiar
algo não familiar” (MOSCOVICI, 2003, p. 54), ancorando essa informação que passa a fazer
parte do seu dia-a-dia, na sua maneira de falar e de agir, como uma “forma de saber prático
ligando o sujeito a um objeto” (JODELET, 2001, p.27) e, portanto, caracterizando uma
representação.
Para Jodelet (2001, p.22), representação social é definida como:
Uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber do senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico.
Situada na interface entre o psicológico e o social, corresponde à forma pela qual
apreendemos o mundo através de nossas experiências cotidianas, na interação com o ambiente
e com as pessoas e grupos que nos circundam.
A mudança de foco na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, de
assistencial para educacional, com conseqüente mudança na postura dos diretores, não é
garantia de novas representações sociais de criança. O que se pode dizer é que o grupo
expressa sua identidade pelos sentidos que imprime as suas representações.
Procedimentos metodológicos
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Por serem os fenômenos sociais relacionados às representações sociais de difícil
apreensão, optou-se, neste estudo, pelo uso de fotografias, como estímulo para fazer emergir e
apreender crenças, valores e atitudes dos gestores as quais este estudo pretende desvelar, mais
precisamente, as representações sociais de criança.
Segundo Proust (apud LEITE, 2001),
a transposição da fotografia para a memória empresta-lhe o movimento contínuo do pensamento que é o que se torna necessário fazer para que a foto isolada exprima o seu conteúdo latente e não explícito.
Barthes (1980) afirma que a fotografia é sempre a imagem de algo e está atrelada ao
referente histórico que o gerou. Ler uma fotografia implica em reconstruir no tempo seu
assunto, derivá-lo no passado e conjugá-lo a um futuro virtual. A foto é o registro de um
momento que não poderá ser mais reproduzido. Barthes (1989) destaca a multiplicidade de
leituras que uma imagem pode nos fornecer.
Por tratar-se de imagens com crianças, foram atendidas todas as exigências da
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Para realizar a seqüência de fotos, tomamos por base os objetivos gerais da Educação
Infantil contidos no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL,
1998, Vol. 1).
A construção da identidade e da autonomia na criança se faz por meio das interações
sociais (vínculos) estabelecidas desde o nascimento. De forma gradativa, a criança percebe-se
e percebe o outro acionando seus próprios recursos diante das situações da vida e cuja
desenvoltura torna-se uma marca que a distingue das demais. Esta capacidade de se conduzir
e tomar decisões por si só, levando em consideração regras, valores, sua perspectiva pessoal,
bem como a perspectiva do outro é que constitui a autonomia (BRASIL, 1998, Vol. 2).
Na concepção de Kamii (1997, p. 108), seguidora de Piaget,
[...] a essência da autonomia é que as crianças se tornem capazes de tomar decisões por elas mesmas. Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Autonomia significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação.
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O estudo utilizou 16 fotografias com as mesmas características de tamanho, coloração,
textura e resolução digital. Os cenários retratam o cotidiano das crianças e as fotos
evidenciavam, com mais vigor, o eixo autonomia.
Quanto aos procedimentos metodológicos, optou-se pelo paradigma qualitativo de
pesquisa, que na opinião de Bogdan e Biklen (1999) permite entender o comportamento e a
experiência humana, através da compreensão de como as pessoas (gestores) constroem
significados sobre um objeto (criança) e como os descrevem.
O campo da pesquisa é formado por 12 instituições, associadas à ASBREI, no mínimo
por 10 anos, e localizadas nas Zonas Norte, Sul e Oeste do Rio de Janeiro e por 27 gestores
com no mínimo 10 anos de efetiva atuação em Educação Infantil.
Na coleta de dados utilizamos questionários enviados por meio eletrônico com
informações sócio-econômicas e profissionais de cada gestor; visita a instituição para
conhecer a estrutura física e as práticas pedagógicas; entrevista com foto, em número de 16,
gravadas em áudio; entrevista conversacional sobre: De que forma a LDB interferiu no seu
trabalho com as crianças? Como se deu sua formação de gestor e qual a relevância da
ASBREI neste processo? ; diário de campo como complemento aos relatos, observações das
visitas, descrição de pessoas e lugares, funcionamento da instituição e demais atividades.
Na entrevista, pedimos que o sujeito organizasse as fotos em grupos, de no mínimo 2 e
no máximo 4 fotos, justificando a escolha. Ao final foi solicitado que juntasse todas as fotos,
escolhessem apenas uma única para responder:
Qual dessas fotos melhor representa ser criança? Justifique.
Encerrada esta etapa, partiu-se para uma entrevista conversacional sobre a LDB e por
último, sobre o papel da ASBREI.
As fotos selecionadas encontram-se no Quadro 1, a seguir.
Foto 1 Foto 2 Foto 3 Foto 4
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Foto 5 Foto 6 Foto 7 Foto 8
Foto 9 Foto 10 Foto 11 Foto 12
Foto 13 Foto 14 Foto 15 Foto 16
Quadro 1 – Fotos selecionadas
Fonte: Regina Reis – Fotógrafa
Análise dos dados e discussão dos resultados
O material coletado nas gravações foi analisado por meio da técnica de análise de
conteúdo (BARDIN, 1977). Das falas dos gestores emergem explícita ou implicitamente os
sentidos que atribuem à criança.
A foto nº 15 foi escolhida por 29,63% dos gestores como a que mais representa ser
criança e tida como expressão de “liberdade, conquista, enfrentamento de desafios, ausência
de medo”. A imagem do salto imprime um sentido de liberdade, dada pela autonomia que se
deseja para a criança atual, diferentemente da imagem de “coitadinha” da década de 70/80.
O perfil dos gestores entrevistados é predominantemente feminino (85,18%) com
idade entre 37 e 78 anos; tempo de atuação na educação de 10 a 49 anos; tempo como gestor
no mínimo de 10 anos e no máximo de 38 anos (48,15%).
Quanto à formação, 12 cursaram o Normal – 44,44 %; 8 Psicologia – 29,63%; 6
Pedagogia – 25,92%; 5 Licenciatura – 18,52%; 3 Administração de Empresas – 11,11% ; 1
Arquitetura – 3,70%; 1 Serviço Social – 3,70% e 3 não terminaram o curso superior –
11,11%. Dos 27 entrevistados, 16 cursaram pós-graduação – 59,26% sendo 1 doutor e 1
mestre e 5 possuem mais de uma especialização – 18,52%. Os 3 sujeitos que fizeram o curso
de Administração de Empresas, tiveram por força da LDB, que cursar a especialização em
Administração Escolar – 11,11%, assim como 5 gestores pertencentes aos cursos de
psicologia (2), licenciatura (2) e arquitetura (1) também tiveram que cursar Administração
Escolar – 18,52% .
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Quanto ao tempo de gestão, 19 gestores têm mais de 20 anos de experiência, enquanto
os demais têm até 20 anos.
Com relação ao perfil das instituições, as duas instituições mais antigas fazem neste
ano de 2011, 40 anos. O horário de funcionamento é de 12 horas, de 2ª a 6ª feira durante o ano
todo e nos meses de férias, janeiro e julho, a maioria trabalha em regime de Colônia de Férias.
Quanto ao atendimento, 8 trabalham somente com a Educação Infantil, enquanto 4
também trabalham também com o Ensino Fundamental.
Considerações Finais
O empenho deste grupo de gestores em oferecer um trabalho de qualidade, levou à
formação da associação. A luta da ASBREI pelo reconhecimento da creche como espaço
saudável de desenvolvimento da criança, sinaliza que o grupo estava à frente do seu tempo em
pensar que era possível ‘ser criança’ mesmo freqüentando creche. O trabalho desenvolvido
nas instituições evidencia o enfoque de natureza educacional; os gestores relatam que
sofreram pouca ou nenhuma influência da LDB, pois já trabalhavam com a concepção de
educação, planejando as atividades em função do desenvolvimento das crianças.
O fato da maioria dos gestores da ASBREI, já ter sido professor, parece justificar seus
discursos, mas não é suficiente para desempenhar o papel de gestor. Há outros saberes, citado
por eles próprios, como necessários neste papel como os das áreas administrativa, financeira,
contábil, marketing, legislação tributária, direito educacional, recursos humanos, dentre
outros.
Observamos que além de apoiar ações legislativas, a ASBREI apoiou também ações
de caráter complementar aos diferentes tipos de formação.
Em algumas instituições as tarefas administrativas são realizadas por gestores de
diferentes áreas de formação. Em outras, por gestores de formação específica, ou seja, para a
área pedagógica, gestor com formação pedagógica, para área administrativa, gestor com
formação em Administração de Empresas, Economia, dentre outras.
A maioria das instituições administradas somente por profissionais oriundos da área
pedagógica e psicológica aponta mais dificuldades para lidar com questões financeiras,
tributárias e de marketing, por exemplo.
A formação de gestores educacionais e os saberes necessários à função de gestor
continuam sendo um desafio para o curso de Pedagogia. Como existe um abismo entre os
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conhecimentos oferecidos nas universidades e a realidade escolar, os gestores acabam
aprendendo na prática. Para este grupo, o importante nesta função é a conjugação dos
planejamentos administrativos aos pedagógicos e vice-versa, voltada para a realidade de cada
instituição.
Este fato sinaliza a necessidade de discussão do currículo dos cursos de formação de
maneira a atender aos desafios da contemporaneidade, uma vez que estes não contemplam às
necessidades do dia-a-dia de uma escola. Novos saberes como liderança, o trabalho em
equipe, novas tecnologias, saber lidar com a diversidade humana e com as adversidades,
elaborar metas, mesclar as dimensões pedagógicas e administrativas em prol da aprendizagem
de adultos e crianças são alguns dos conhecimentos necessários a esta função, sem falar no
estudo das teorias pedagógicas.
A ASBREI desempenhou o papel de apoio à formação desses gestores realizando
palestras, grupos de estudo, cursos específicos nas áreas de marketing, contábil e financeira,
organização de congressos e viagens internacionais para troca de experiências, dentre outros.
Como assinala Tardif (2002), a prática e o intercâmbio de saberes de diferentes áreas
do conhecimento adquiridos no contexto de uma história de vida e de uma carreira
profissional definem o saber do gestor como plural. Marcados pela heterogeneidade e pela
pluralidade carregam em si a marca de cada ser humano, construído a partir das
representações, valores e da cultura na qual estão inseridos e delineando a forma pela qual
administram suas instituições.
Para finalizar, constatamos que a prática pedagógica adotada pelas instituições está
intimamente ligada à representação social do gestor sobre ser criança. Assim, ao conhecermos
as representações sociais de criança de um grupo, é possível trabalharmos novas práticas de
formação de gestores, mais um desafio que merece atenção dos programas de formação.
REFERÊNCIAS
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