saberes docentes sobre a educação física

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES NA EDUCAO FSICAOS DESAFIOS DO PROCESSO DE FORMAOESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZASAMUEL DE SOUZA NETO

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E

    OS SABERES DOCENTES NA EDUCAO FSICA

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  • Conselho Editorial Acadmico

    Responsvel pela publicao desta obra

    Alexandre Janotta Drigo

    Henrique Luiz Monteiro

    Jose Luiz Riani Costa

    Roberto Tadeu Iaochite

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  • ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZASAMUEL DE SOUZA NETO

    O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA

    E OS SABERES DOCENTES NA EDUCAO FSICA

    OS DESAFIOS DO PROCESSO DE FORMAO

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  • 2013 Editora UNESPCultura AcadmicaPraa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) [email protected]

    CIP Brasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    S718c

    Souza, Esther Vieira Brum deO currculo, a pedagogia da alternncia e os saberes docentes na

    educao fsica [recurso eletrnico] : os desafios do processo de formao / Esther Vieira Brum de Souza, Samuel de Souza Neto. 1. ed. So Paulo : Cultura Acadmica, 2013.

    recurso digital

    Formato: ePDFRequisitos do sistema: Adobe Acrobat ReaderModo de acesso: World Wide WebInclui bibliografiaISBN 978-85-7983-438-7 (recurso eletrnico)

    1. Educao fsica Estudo e ensino. 2. Pedagogia crtica. 3. Educao fsica Currculos. 4. Livros eletrnicos. I. Souza Neto, Samuel de. II. Ttulo.

    12-13-06426 CDD: 613.7 CDU: 613.7

    Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr-Reitoria dePs-Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)

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  • SUMRIO

    Apresentao 7

    1. Introduo 11

    2. Quadro terico e conceitual 31

    3. Caminhos da pesquisa 109

    4. O currculo como um documento de identidade 119

    5. Saberes docentes e competncias 139

    6. A pedagogia da alternncia na perspectiva da formao inicial e da prtica profissional 181

    7. A universidade e a escola como lugares de formao 229

    Consideraes finais 235

    Referncias bibliogrficas 243

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  • APRESENTAO

    Este estudo foi desenvolvido no Programa de Ps-Graduao em Cincias da Motricidade do Instituto de Biocincias da UNESP campus de Rio Claro, na rea de concentrao Pedagogia da Motricidade Humana; linha de pesquisa Formao Profissional e Campo de Trabalho em Educao Fsica, com o ttulo original de Formao inicial do professor de Educao Fsica: um estudo sobre os modelos de alternncia e os saberes docentes. Este trabalho tambm est filiado ao Ncleo de Estudos e Pesquisas em Formao Profissional no campo da Edu-cao Fsica (Nepef), bem como apresenta estreita relao com a linha de pes-quisa Formao de Professores e Trabalho Docente e com o Centre de Recherche Interuniversitaire sur la Formation de la Profession Enseignante (Crifpe).

    Cabe destacar tambm que esta pesquisa contou com o apoio financeiro da Capes, atravs de bolsa de mestrado institucional.

    Sobre a temtica estudada, por meio da reflexo em grupo de estudo sobre a docncia e os fatores que a envolvem, assim como com o trabalho de concluso de curso percebemos que os saberes docentes e a pedagogia da alternncia se re-lacionavam, tendo em vista que ambos propem e discutem a valorizao da pr-tica na formao e atuao docente. Contudo, ainda havia lacunas na compreenso dessa temtica.

    Nessa perspectiva, cabe assinalar que a pedagogia da alternncia consti-tuda de modelos de formao em alternncia que remetem formao em dois contextos distintos e interdependentes: a formao em sala e as situaes de tra-balho (Pedroso, 1996). J na discusso dos saberes, referendamos, entre outros autores, Tardif (2002), que os concebe como conhecimentos, competncias, ha-bilidades e base para o ensino (saber-ensinar).

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  • 8 ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZA SAMUEL DE SOUZA NETO

    Tendo como ponto de partida as diretrizes de formao do professor da edu-cao bsica (Brasil, 2001, 2002) e como pressuposto que essas diretrizes exigem no s uma nova mentalidade como uma nova organizao didtico-curricular, apesar desta compreenso tambm se considera que uma mudana curricular exige uma alterao no s no mbito das mentalidades e discursos como pres-supe uma reviso de seus referenciais na prtica profissional, nesse sentido, buscamos responder s seguintes questes: o novo currculo de formao em Educao Fsica passa a valorizar mais a prtica, mas consegue ir alm do modelo acadmico de slida formao terica? possvel um currculo que no tenha na sua base a pedagogia da alternncia para proporcionar experincias em modelos de alternncia? O fato de encontrarmos uma maior valorizao da prtica pode caracterizar a existncia de um modelo de formao? Qual o lugar que ocupam os saberes docentes nesse currculo? possvel estabelecer relaes entre mo-delos de alternncia e saberes docentes? Qual o status que ocupa nesse processo o saber da experincia?

    Este trabalho foi organizado em oito captulos, sendo que o primeiro cir-cunscreveu-se introduo, apresentando brevemente o problema de estudo e objetivos.

    No segundo captulo, investigamos os contornos da formao em Educao Fsica, apresentando os desafios desse contexto, assim como os objetivos deste estudo; tambm abordamos a questo do currculo abarcando a temtica da teo-rizao curricular no contexto da Educao Fsica, assim como a configurao e o papel da universidade e formao de professores.

    Considerando que o currculo perpassado por pedagogias, modelos de for-mao e saberes, no segundo captulo discutimos a temtica da pedagogia da alternncia, apresentando sua concepo, origem, implicaes e os modelos exis-tentes nessa pedagogia; por fim, nesse captulo, buscamos o entendimento da problemtica dos saberes docentes e da temtica das competncias.

    O terceiro captulo tratou da opo metodolgica escolhida para coletar os dados e analisar os resultados obtidos diante da especificidade do nosso pro-blema de estudo. Alm disso, esse captulo tambm apresenta os participantes da pesquisa e de que forma os resultados sero apresentados na investigao.

    No captulo seguinte, denominado O currculo como um documento de identidade propomos apresentar o modo como esse projeto pedaggico do curso de Educao Fsica de uma universidade pblica do interior paulista (IESpip) foi configurado.

    No quinto captulo, Saberes docentes e competncias, buscamos analisar essa problemtica tendo como referncia o entendimento dos docentes do curso de Educao Fsica de uma universidade pblica do interior paulista (IESpip), os

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 9

    estudantes de licenciatura que vivenciaram um novo currculo, assim como o que o projeto pedaggico do curso privilegiou para orientar o processo de for-mao.

    No captulo A pedagogia da alternncia na perspectiva da formao inicial e da prtica profissional, apresentamos os dados relativos aos modelos de for-mao em alternncia.

    O stimo captulo, denominado A universidade e a escola como lugares de formao, ficou restrito a apresentao e anlise dos resultados.

    Por fim, nas Consideraes finais apresentamos o entendimento estabele-cido diante dos objetivos que nos havamos proposto a investigar e dos resul-tados encontrados, bem como as implicaes e encaminhamentos tendo em vista esses resultados.

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  • o_Curriculo_nova_versao_final.indd 10 05/02/2014 10:33:41

  • 1Introduo

    No intuito de entender o modo como o curso de formao de professores em Educao Fsica no Brasil foi se configurando ao longo dos anos, procuramos, no momento inicial do estudo, mapear os acontecimentos, os embates, os desafios e os avanos da formao na rea.

    Observamos que, ao longo dos anos, diante das mudanas sociais e dos questionamentos realizados, os cursos de formao em Educao Fsica foram sofrendo modificaes. Diante disso, analisaremos quais foram os formatos que essa formao foi ganhando atravs da anlise da legislao referente a esse campo bem como identificaremos quais os limites e possibilidades dessa for-mao.

    Sobre essa questo da formao, Neira (2010) adverte que o currculo em Educao Fsica est refletindo um paradigma frankensteiniano na medida em que os currculos tm sido formatados atravs de contedos esparsos produ-zidos por representaes diversificadas sobre a profisso, muitas vezes atreladas aos setores da sociedade detentores de maior poder econmico e cultural. O autor tambm coloca que os currculos podem ser guiados por motivaes pessoais, modismos e foras externas, isto , motivaes destitudas de carter pedaggico.

    Diante desse cenrio, o autor tambm sinaliza que a escolha de determinadas experincias, contedos e saberes, em detrimento de outros, reflete o sujeito--professor que se quer formar, optando-se por um certo tipo de profissional, e no outro.

    Nessa direo, cabe apontar tambm que a influncia sociopoltica no curr-culo ou a crtica exacerbada a ele podem refletir em outros tipos de reducio-

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  • 12 ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZA SAMUEL DE SOUZA NETO

    nismos, como o do militante, ou no fato de que tudo fica circunscrito s questes econmica, biolgica, ou mesmo cultural.

    Inicialmente, nos cursos de Educao Fsica do Brasil havia a atuao do-cente de mdicos e militares. Essa situao criava uma orientao mais biolgica e, portanto, mais acadmica , pela atuao dos mdicos, e mais relacionada prtica, pela atuao dos militares.

    De acordo com Ramos (1995), o fato de parte dos docentes se formar em organizaes militares valorizou a performance em detrimento do conhecimento, o que acarretou cursos superiores de Educao Fsica essencialmente prticos.

    Tambm nesse sentido, Azevedo & Malina (2004) informam que as origens da formao em Educao Fsica no Brasil remetem s Escolas da Marinha e Mi-litar, que se caracterizavam pelo uso do mtodo alemo, e posteriormente francs, no ensino de atividades esportivas. Na dcada de 1930, segundo os autores, surgem cursos de formao em Educao Fsica nos estados do Esprito Santo, Par, Pernambuco e So Paulo, que funcionavam sem regulamentao e eram pautados pelo mtodo francs.

    Pizani (2011) tambm possui esse entendimento, e afirma que muitos cursos de Educao Fsica foram registrados em meados de 1930, caracterizando-se por uma formao pautada em cursos militares, porm funcionando sem regulamen-tao.

    Em 1938, a Escola de Educao Fsica do Exrcito comeou a orientar dida-ticamente o curso de emergncia, que visava a formar instrutores de Educao Fsica da sociedade civil (Azevedo & Malina, 2004).

    Os autores tambm evidenciam que, na Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos, o corpo docente era formado por mdicos e por pessoas que se des-tacaram no esporte e concluram o curso de emergncia e curso regular da Escola de Educao Fsica do Exrcito. Diante desse fato, constata-se que os profissio-nais formados eram essencialmente tcnicos, desprovidos de formao terica slida. Por sua vez, o curso de licenciatura oferecido possua durao de dois anos, no continha disciplinas pedaggicas e exigia para ingresso um nvel es-colar correspondente ao atual ensino fundamental, ou seja, tratava-se de uma preparao de curta durao para pessoas com pouca escolaridade.

    Azevedo & Malina (2004) tambm destacam que o Decreto-lei no 8.270/45, promulgado aps a deposio de Getlio Vargas, aumentou a durao do curso para trs anos, resultando em um aumento na carga horria do curso. Em 12 de maio de 1953, a Lei no 1.921, em semelhana s outras licenciaturas, passou a exigir a concluso do 2o ciclo do ensino mdio (atual ensino mdio) para o in-

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 13

    gresso no curso de Educao Fsica, o que pode ter sido um pequeno avano em relao ao aumento da carga horria, resultando em uma aprendizagem maior (dependendo, claro, dos contedos ministrados), e tambm em relao exi-gncia de uma escolarizao maior para ingressar no curso, o que resulta em pro-fissionais com uma cultura geral mais ampla.

    Azevedo & Malina (2004) assinalam que a dcada de 1960, no Brasil e no mundo, foi tomada por agitaes nos contextos poltico, econmico e educa-cional e, nesse momento, o presidente Joo Goulart assume o governo que bus-cava a descentralizao desses cenrios, o que resultou na elaborao de teorizaes inovadoras, como a de Paulo Freire, e a sano de leis como a Lei no 4.024/61, que, em seu artigo 22, prescreve a obrigatoriedade da prtica de Edu-cao Fsica nos cursos primrio e secundrio at os 18 anos de idade de cada indivduo, acontecimento que reflete um avano na medida em que confere ao curso uma pequena valorizao, visto que passa a ser obrigatrio no contexto escolar, igualando-se a outros contedos/disciplinas.

    Diferente da proposta de 1945, segundo Azevedo & Malina (2004), as alte-raes curriculares realizadas a partir de 1960 foram mais substanciais, com a incluso de matrias pedaggicas e oferecimento de autonomia s instituies de ensino superior para atender as peculiaridades regionais; no entanto, no foi alterada a prevalncia das disciplinas tcnico-biolgicas e desportivas.

    Em 1962, aprovado pelo Conselho Federal de Educao (CFE) o Parecer CFE no 292/62, que determinou as matrias pedaggicas dos currculos dos cursos de licenciatura; no mesmo ano, tambm aprovado o Parecer CFE no 298/62, que estabeleceu o currculo com um ncleo obrigatrio de matrias para os cursos de formao em nvel superior do professor de Educao Fsica e do tcnico desportivo (Azevedo & Malina, 2004).

    De acordo com Pizani (2011), a partir de 1961, comearam a surgir preocu-paes pedaggicas em relao formao de professores, fato que significa um avano para a rea, por entenderem a importncia do ensino de Educao Fsica e, com isso, a necessidade de se formar um profissional mais preparado.

    A esse respeito, Ramos (1995) informa que a Educao Fsica no Brasil foi regulamentada pelo Parecer CFE no 894/69 e pela Resoluo CFE no 69/69 (Brasil, 1969a), que delimitaram o currculo mnimo dos cursos de formao. O autor tambm assinala que, a partir desse perodo, os cursos de Educao Fsica formavam o licenciado em Educao Fsica e o tcnico de desportos, o que ini-cialmente resultou em uma confuso entre Educao Fsica e o Esporte e deli-mitou certos perfis profissionais.

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  • 14 ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZA SAMUEL DE SOUZA NETO

    Sobre esse parecer, Anversa (2011) comenta que, como resultado, surgiram matrias com assuntos culturais, profissionais e pedaggicos e, desse modo, o delineamento de um carter pedagogicista, resultado da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) no 4.024/61, que enfatizava a educao integral, na medida em que, com a mudana no quadro de disciplinas, valorizava os as-pectos profissional e cultural e configurava o perfil do professor pacificador, fundamentado em aspectos relacionados ao convvio democrtico e a aes com neutralidade poltico-social.

    De acordo com Azevedo & Malina (2004), o cenrio descrito anteriormente decorrente do atrelamento do Brasil aos Estados Unidos durante a ditadura militar, o que culminou em uma influncia norte-americana na educao brasi-leira, mais especificamente, em uma reforma universitria. No entanto, apesar do esforo, constatou-se que a reforma no curso de Educao Fsica se limitou discusso da organizao de disciplinas a serem excludas e inseridas, mas ainda priorizando a formao de profissionais essencialmente tcnicos.

    Pizani (2011) acrescenta que, em 1968, houve a Reforma Universitria que promoveu transformaes no interior das universidades brasileiras, de acordo com um formato norte-americano, com nfase na privatizao do ensino. Nesse contexto, surgiram, no ano de 1970, alguns cursos sem recursos humanos ade-quados para uma formao de qualidade em Educao Fsica.

    Nessa perspectiva, Souza Neto et al. (2004), ao analisarem a legislao fe-deral da Educao Fsica brasileira, na tentativa de investigar a constituio do campo profissional dessa rea, identificaram quatro momentos distintos:

    a) 1939 constituio do campo Educao Fsica: com o Decreto-lei no 1.212 cria-se a Universidade do Brasil e a Escola Nacional de Educao Fsica e Des-portos. Nesse contexto, a formao do professor de Educao Fsica ocorre em dois anos; do instrutor de ginstica, mdico especializado em Educao Fsica, do tcnico em massagem e tcnico desportivo e professor de Educao Fsica, em um ano. Na proposta curricular, h um ncleo de disciplinas bsicas e um conjunto de matrias especficas, dependendo da opo de atuao. Analisando a configu-rao curricular, podemos aferir que a proposta possui um vis mais pragmtico, com nfase na observao e na experincia. O Quadro 1 apresenta as mudanas que ocorreram entre 1934 e 1939 na formao em Educao Fsica, em relao s disciplinas privilegiadas.

    Segundo os autores, com um currculo com a configurao de 1939, h a formao de um tcnico generalista, encarregado de ser tambm um educador.

    b) 1945 reviso do currculo: com o Decreto-lei no 8.270 e a Lei de Dire-trizes e Bases no 4.024/61, o curso de formao do professor passa a ter durao

    Quadro 1 Grade curricular de 1934 e 1939

    Educao FsicaGrade curricular 1934 1939

    Primeiro ano

    Parte prtica

    1. Prtica do mtodo francs de educao fsica at o 2o grau do ciclo secundrio, inclusive.

    2. Educao fsica da idade madura. 3. Prticas higinicas da velhice. 4. Grandes jogos. 5. Natao. 6. Danas rtmicas.

    1. Anatomia e fisiologia humanas 2. Fisiologia aplicada 3. Cinesiologia 4. Higiene aplicada 5. Socorros de urgncia 6. Biometria 7. Psicologia aplicada 8. Metodologia da Educao Fsica 9. Histria da Educao Fsica e

    dos desportos10. Ginstica rtmica11. Educao fsica geral12. Desportos aquticos13. Desportos terrestres individuais14. Desportos terrestres coletivos15. Desportos de ataque e defesa

    * 15 disciplinas

    Parte terica

    1. Pedagogia da Educao Fsica. 2. Anatomia e fisiologia dos grandes

    aparelhos 3. Mecnica animal e cinesiologia. 4. Psicologia Educativa. 5. Higiene. 6. Histria da Educao Fsica.

    * 12 disciplinas

    Segundo ano

    Parte prtica

    1. Pedagogia da Educao Fsica. 2. Biologia, Antropologia, Morfologia,

    Biometria. 3. Fisioterapia e ginstica ortopdica. 4. Acidentes esportivos, suas prevenes

    e socorros de urgncia.

    1. Cinesiologia 2. Fisioterapia 3. Psicologia aplicada 4. Metodologia da Educao Fsica 5. Organizao da educao fsica

    e dos desportos 6. Ginstica rtmica 7. Educao fsica geral 8. Desportos aquticos 9. Desportos terrestres individuais10. Desportos terrestres coletivos11. Desportos de ataque e defesas

    * 11 disciplinas

    Parte terica

    1. Natao. 2. Ciclo superior do mtodo francs de

    educao fsica: esportes individuais e coletivos.

    3. Danas rtmicas.

    *7 disciplinas

    Fonte: Souza Neto (1999).

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 15

    Sobre esse parecer, Anversa (2011) comenta que, como resultado, surgiram matrias com assuntos culturais, profissionais e pedaggicos e, desse modo, o delineamento de um carter pedagogicista, resultado da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) no 4.024/61, que enfatizava a educao integral, na medida em que, com a mudana no quadro de disciplinas, valorizava os as-pectos profissional e cultural e configurava o perfil do professor pacificador, fundamentado em aspectos relacionados ao convvio democrtico e a aes com neutralidade poltico-social.

    De acordo com Azevedo & Malina (2004), o cenrio descrito anteriormente decorrente do atrelamento do Brasil aos Estados Unidos durante a ditadura militar, o que culminou em uma influncia norte-americana na educao brasi-leira, mais especificamente, em uma reforma universitria. No entanto, apesar do esforo, constatou-se que a reforma no curso de Educao Fsica se limitou discusso da organizao de disciplinas a serem excludas e inseridas, mas ainda priorizando a formao de profissionais essencialmente tcnicos.

    Pizani (2011) acrescenta que, em 1968, houve a Reforma Universitria que promoveu transformaes no interior das universidades brasileiras, de acordo com um formato norte-americano, com nfase na privatizao do ensino. Nesse contexto, surgiram, no ano de 1970, alguns cursos sem recursos humanos ade-quados para uma formao de qualidade em Educao Fsica.

    Nessa perspectiva, Souza Neto et al. (2004), ao analisarem a legislao fe-deral da Educao Fsica brasileira, na tentativa de investigar a constituio do campo profissional dessa rea, identificaram quatro momentos distintos:

    a) 1939 constituio do campo Educao Fsica: com o Decreto-lei no 1.212 cria-se a Universidade do Brasil e a Escola Nacional de Educao Fsica e Des-portos. Nesse contexto, a formao do professor de Educao Fsica ocorre em dois anos; do instrutor de ginstica, mdico especializado em Educao Fsica, do tcnico em massagem e tcnico desportivo e professor de Educao Fsica, em um ano. Na proposta curricular, h um ncleo de disciplinas bsicas e um conjunto de matrias especficas, dependendo da opo de atuao. Analisando a configu-rao curricular, podemos aferir que a proposta possui um vis mais pragmtico, com nfase na observao e na experincia. O Quadro 1 apresenta as mudanas que ocorreram entre 1934 e 1939 na formao em Educao Fsica, em relao s disciplinas privilegiadas.

    Segundo os autores, com um currculo com a configurao de 1939, h a formao de um tcnico generalista, encarregado de ser tambm um educador.

    b) 1945 reviso do currculo: com o Decreto-lei no 8.270 e a Lei de Dire-trizes e Bases no 4.024/61, o curso de formao do professor passa a ter durao

    Quadro 1 Grade curricular de 1934 e 1939

    Educao FsicaGrade curricular 1934 1939

    Primeiro ano

    Parte prtica

    1. Prtica do mtodo francs de educao fsica at o 2o grau do ciclo secundrio, inclusive.

    2. Educao fsica da idade madura. 3. Prticas higinicas da velhice. 4. Grandes jogos. 5. Natao. 6. Danas rtmicas.

    1. Anatomia e fisiologia humanas 2. Fisiologia aplicada 3. Cinesiologia 4. Higiene aplicada 5. Socorros de urgncia 6. Biometria 7. Psicologia aplicada 8. Metodologia da Educao Fsica 9. Histria da Educao Fsica e

    dos desportos10. Ginstica rtmica11. Educao fsica geral12. Desportos aquticos13. Desportos terrestres individuais14. Desportos terrestres coletivos15. Desportos de ataque e defesa

    * 15 disciplinas

    Parte terica

    1. Pedagogia da Educao Fsica. 2. Anatomia e fisiologia dos grandes

    aparelhos 3. Mecnica animal e cinesiologia. 4. Psicologia Educativa. 5. Higiene. 6. Histria da Educao Fsica.

    * 12 disciplinas

    Segundo ano

    Parte prtica

    1. Pedagogia da Educao Fsica. 2. Biologia, Antropologia, Morfologia,

    Biometria. 3. Fisioterapia e ginstica ortopdica. 4. Acidentes esportivos, suas prevenes

    e socorros de urgncia.

    1. Cinesiologia 2. Fisioterapia 3. Psicologia aplicada 4. Metodologia da Educao Fsica 5. Organizao da educao fsica

    e dos desportos 6. Ginstica rtmica 7. Educao fsica geral 8. Desportos aquticos 9. Desportos terrestres individuais10. Desportos terrestres coletivos11. Desportos de ataque e defesas

    * 11 disciplinas

    Parte terica

    1. Natao. 2. Ciclo superior do mtodo francs de

    educao fsica: esportes individuais e coletivos.

    3. Danas rtmicas.

    *7 disciplinas

    Fonte: Souza Neto (1999).

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  • 16 ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZA SAMUEL DE SOUZA NETO

    de trs anos e um currculo mnimo, com um ncleo de matrias capazes de pro-mover formao cultural e profissional adequadas, bem como um percentual de da carga horria para formao pedaggica. Fuzii (2010), com base em Mar-celo Garcia (1999),1 afirma que, devido s mudanas na grade curricular, a pro-posta remete a um modelo de formao de cunho mais cientfico e acadmico.

    c) 1969 currculo mnimo e formao pedaggica: com os pareceres CFE no 292/62 e CFE no 672/69, cria-se um ncleo de matrias pedaggicas (Prtica de Ensino ou Estgio Supervisionado, Psicologia de Educao, Didtica e Estru-tura e Funcionamento do Ensino); com a Reforma Universitria de 1968, se for-talece o modelo de universidade cientfica, a ps-graduao e a perspectiva de um novo currculo. Nessa perspectiva, o Parecer CFE no 894/69 e a Resoluo CFE no 69/69 (Brasil, 1969a) do a direo para os cursos de formao de profes-sores. Para os cursos de Educao Fsica e Tcnico de Desportes, opta-se por durao prevista de trs anos, currculo mnimo de 1.800 horas-aula e reviso do nmero de matrias bsicas de fundamentao cientfica.

    Na anlise de Fuzii (2010), com base em Marcelo Garcia (1999), observa-se uma configurao curricular de orientao prtica, orientao tecnolgica, em decorrncia das prescries do conhecimento esportivo e didtico, bem como orientaes vinculadas ao modelo acadmico.

    No geral, de 1939 a 1969 ocorreram adequaes e mudanas na formao inicial em Educao Fsica, mas que no foram suficientes, desencadeando, nos

    1. Marcelo Garcia (1999) prope olhar para o currculo no mbito da formao, de uma teoria da formao, contemplando orientaes:

    Orientao acadmica: predominante no contexto de formao inicial, e se caracteriza por enfatizar o papel do professor como especialista, em uma ou diversas reas disciplinares, e o domnio do contedo; desse modo, tambm se caracteriza pela transmisso de conhecimentos cientficos e culturais.

    Orientao tecnolgica: foca os conhecimentos e as competncias necessrias para o ensino, concebido como uma cincia aplicada, e o professor concebido como um tcnico.

    Orientao personalista: influenciada pela psicologia da percepo, o humanismo e a fenome-nologia, pois enfatiza o carter pessoal do ensino, a descoberta do modo pessoal de ensinar e a tomada de conscincia de si prprio. Consequentemente, nesse processo de formao, os conhe-cimentos tericos esto ligados prtica, que no dever ocorrer apenas no final desse processo.

    Orientao prtica: tambm uma das orientaes que predominam no ensino da docncia, e valoriza a experincia e a observao como fontes de conhecimento sobre o ensino e sua apren-dizagem.

    Orientao social-reconstrucionista: est relacionada com a concepo anterior, porm se dife-rencia por enfatizar que a reflexo no pode ocorrer como mera anlise tcnica ou prtica, pois deve possuir compromisso tico e social por meio da procura de prticas educativas e sociais mais democrticas e justas.

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 17

    anos seguintes, um forte questionamento das bases de conhecimento da Edu-cao Fsica enquanto rea cientfica e campo profissional.

    Quadro 2 Proposta curricular de 1945 e 1969

    Campo de Conhecimento/Disciplinas* Educao Fsica

    1945 1969

    3 anos 3 anos

    Ncleo BsicoConhecimento do ser humano (Biolgico estudo da vida humana em seu aspecto celular, anatmico, fisiolgico funcional, mecnico, preventivo, e Psicolgico estudo do desenvolvimento humano).

    Anatomia (a) X

    Fisiologia (Aplicada/1945) X X

    Cinesiologia (Aplicada/1945) X X

    Fisioterapia (Aplicada/1945)(Ginstica teraputica)

    X

    Metabologia (Aplicada/1945) X

    (Higiene/1969) Aplicada X X

    Socorros de urgncia X

    Biometria (Aplicada/1945) X X

    Psicologia Aplicada X

    Conhecimento da sociedade (Histrico-social estudo dos valores antropolgico, histrico, social e filosfico das atividades fsica e motora).

    (Histria e/1945) Organizao da Educao Fsica e dos Desportos

    X

    Educao Fsica Geral X

    Ncleo ProfissionalizanteConhecimento ldico (Recreao). Conhecimento Gmnico-Desportivo (Ginstica estudo dos exerccios fsico e motor).

    Recreao X

    Metodologia da Educao Fsica (e Desportos/1945)

    X

    Rtmica X

    Ginstica rtmica (feminino) X

    Ginstica X

    (Esporte estudo dos exerccios fsico e motor).

    Natao X

    Desportos aquticos (e nuticos/1945) X

    Atletismo X

    Desportos terrestres individuais X

    Desportos terrestres coletivos X

    Desportos de ataque e defesas X

    (continua)

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  • 18 ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZA SAMUEL DE SOUZA NETO

    Campo de Conhecimento/Disciplinas* Educao Fsica

    1945 1969

    3 anos 3 anos

    Conhecimento pedaggico (estudo das matrias pedaggicas: Didtica, Estrutura e Funcionamento do Ensino, Psicologia da Educao e Prtica de Ensino) (b)

    Didtica X

    Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Mdio

    X

    Psicologia da Educao X

    Prtica de Ensino X

    * Procurando estabelecer um paralelo com as diretrizes que viriam em 1987, na Resoluo CFE no 3/87, procurou-se fazer uma adequao das categorias para possveis anlises.

    Observaes: (a) os conhecimentos de Anatomia Humana sero feitos por meio de revises em aulas com-plementares disciplina que os reclamar; (b) no Parecer CFE no 292/62 aparece o mnimo a ser exigido na preparao pedaggica do licenciado: Psicologias da Educao, Adolescncia, Aprendizagem; Elementos de Administrao Escolar, Didtica e Prtica de Ensino, sob a forma de estgio supervisionado. Porm, no Parecer CFE no 672/69, as matrias pedaggicas mudam apenas o nome de Elementos de Adminis-trao Escolar para Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1o e 2o Grau. Nesse mesmo ano, o Parecer CFE no 894/69 emitido, observando-se que dever ser dado um relevo maior Prtica de Ensino, tor-nando-se autnoma.Fonte: Adaptado de Souza Neto (1999).

    d) 1987 bacharelado e licenciatura: com os questionamentos sobre os cursos organizados pela orientao do currculo mnimo, as demandas do mercado de trabalho levaram a perspectivar outro tipo de profissional e a necessidade de a Educao Fsica se configurar como campo de conhecimento especfico. Para essa nova fase, foram promulgados o Parecer CFE no 215/87 e a Resoluo CFE no3/87 (Brasil, 1987), criando o bacharelado em Educao Fsica.

    Resultado de discusses no perodo entre 1978 e 1982, Azevedo & Malina (2004) explicam que a Resoluo CFE no 3/87 (Brasil, 1987) tambm conse-quncia do processo de abertura poltica, do agravamento das crises econmicas e da deteriorao dos servios pblicos, o que acarretou o surgimento de sindi-catos e associaes, como os de professores e especialistas da Educao, que or-ganizaram diversos debates sobre os problemas da educao brasileira.

    Nesse sentido, os autores destacam que a inteno era organizar uma pro-posta de formao profissional pautada em habilitaes especficas e a criao do bacharelado caracterizado por uma formao generalista em resposta vola-tilidade do mercado de trabalho; alm disso, destacam que, inicialmente, foi utilizado para as discusses um modelo curricular alemo.

    Como resultado das discusses sobre a nova formao, foram propostos a implantao da licenciatura e do bacharelado, o aumento do perodo do curso de trs para quatro anos de durao e a distribuio das disciplinas em duas

    (continuao)

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 19

    reas de conhecimento: formao geral, subdividida em: a) cunho humanstico que abarca o conhecimento filosfico, do ser humano e sociedade, com 20% da carga horria total; b) cunho tcnico relacionado rea do conhecimento tc-nico com 60% da carga destinada; e aprofundamento de conhecimentos, correspon-dendo a 20% da carga horria total. Assim, com o aumento da carga horria e a delimitao de reas de conhecimento, a nova configurao curricular pde re-sultar em mais qualidade, na medida em que mais conhecimentos podem ser pri-vilegiados nesse processo formativo. O perfil profissional tambm favorecido, com o estabelecimento das modalidades licenciatura e bacharelado.

    Com a Resoluo CFE no 3/87 (Brasil, 1987), Ramos (1995) destaca a possi-bilidade de autonomia da Universidade para criar os cursos de Educao Fsica na modalidade licenciatura e bacharelado e concebe essa mudana como um avano.

    Segundo Anversa (2011), as principais mudanas propostas pelo Parecer CFE no 215/87 so: formao em quatros anos, aumento do mnimo de 1.800 para 2.880 horas-aula, iniciao pesquisa, incluso da monografia de concluso de curso no bacharelado e abertura de novas reas de atuao profissional.

    Para Verenguer (1997), o Parecer CFE no 215/87 busca promover a coe-rncia necessria formao de profissionais de Educao Fsica com o aumento da durao e carga horria do curso de graduao para 4 anos e 2.880 horas-aula, com o ttulo do tcnico desportivo disponibilizado por meio de especializao aps a graduao, e com a criao do bacharelado.

    De acordo com o Parecer CFE no 215/87, o currculo mnimo delimita os referenciais para a caracterizao do perfil dos profissionais, as reas de abran-gncia para o alcance do perfil desejado, a durao mnima, carga horria e por-centagem de carga horria para as duas partes do currculo (formao geral e aprofundamento de conhecimento) visando universalizao do diploma. Nesse sentido, foi sugerido um rol de disciplinas, resultando em flexibilidade e auto-nomia na escolha das disciplinas, fato que exige um amadurecimento acadmico que talvez a rea no possua, pois ainda no h consenso sobre o que essencial para a formao profissional e o que atende s especificidades regionais (Veren-guer, 1997).

    Essa legislao possui como cenrio a dcada de 1980, poca que contou com regresso de ps-graduados ao Brasil, realizao de eventos cientficos, criao de peridicos de diversas reas de conhecimento e um ambiente favorvel dis-cusso de novas ideias e ao desenvolvimento de pesquisa. No bojo desses acon-tecimentos, a ateno tambm se voltou para a preparao profissional e campo de conhecimento em Educao Fsica e sua inter-relao, culminando em crtica licenciatura: os cursos formam, devido a sua abordagem essencialmente tc-

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  • 20 ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZA SAMUEL DE SOUZA NETO

    nica, pseudo-professores ou licenciados com caractersticas de tcnico esportivo e como nica opo de graduao forma, de maneira superficial, profissionais para atuarem nas reas do Esporte, Dana e Lazer ou Recreao (Verenguer, 1997, p.33).

    Apesar dos problemas, segundo Verenguer (1997), tanto o Parecer CFE no 215/87 no seu aspecto normativo (criao do bacharelado, aumento da carga horria e durao mnima) quanto a introduo da discusso sobre a necessidade de caracterizar o campo de conhecimento da Educao Fsica representaram um avano.

    Nessa perspectiva, a rea contou no somente com a discusso da configu-rao do processo de formao, mas tambm com discusses em torno da caracte-rizao do campo de conhecimento da Educao Fsica e, nesse encaminhamento, se propunha a configurao da Educao Fsica como um campo de conhecimento que permitisse estabelecer os critrios bsicos necessrios para a formao de um profissional especfico (Verenguer, 1997). Todos os autores que propunham alter-nativas para essa problemtica acreditavam que os problemas relacionados ca-racterizao profissional e s suas condutas s poderiam ser resolvidos se a atuao profissional estivesse fundamentada em um suporte terico da pesquisa. Desse modo, a autora afirma que a questo da caracterizao do campo de conheci-mento da Educao Fsica de natureza acadmica, porm com consequncias diretas sobre a caracterizao do profissional e sua atuao (idem, p.49).

    A proposta de 1987 organizada nos blocos: Conhecimento do ser humano, Conhecimento da sociedade, e Conhecimento filosfico e tcnico, alm do eixo temtico denominado Conhecimento humanstico e aprofundamento de conhe-cimento. Com esse novo delineamento, o curso passou de 1.800 horas-aula para 2.880 horas-aula e sua estrutura deixou de ser de responsabilidade do Conselho Federal de Educao para ser definido pelas instituies de ensino superior, o que proporcionou mais autonomia e flexibilidade aos cursos.

    Diante desse contexto, Fuzii (2010) identificou, emergindo do novo curr-culo, a orientao acadmica, caracterizada pela formao de um profissional es-pecialista em uma ou diversas disciplinas, bem como a orientao tecnolgica, que privilegia o conhecimento tcnico envolvendo disciplinas; mas o autor tambm alerta para o predomnio do modelo acadmico, de forte base terica, no currculo em questo. O Quadro 3 apresenta o modo como esse novo currculo se configura.

    Sobre o delineamento curricular apresentado anteriormente, segundo Souza Neto (1999), se por um lado o curso ganhou em autonomia e flexibilidade, por outro perdeu um ncleo identificador da rea, isto porque a nova configurao estabelecia a diviso de saberes em duas grandes reas: formao geral huma-nstica e tcnica e aprofundamento de conhecimentos.

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 21

    Quadro 3 Matrias para a grade curricular de 1987

    Formao Geral (80%)

    Formao Geral (80%)

    Aprofundamento de Conhecimento (20%)

    Conhecimento filosficoConhecimento da sociedadeConhecimento do ser humano(= 20%)

    Conhecimento tcnico(= 60%)

    Aprofundamento de conhecimento (= 20%)

    I) Conhecimento filosfico 1 Introduo Filosofia. 2 Filosofia da Educao e do

    Desporto. 3 Caracterizao profissional. 4 tica profissional. 5 Dentre outras.

    OptativasTrabalho de formatura

    II) Conhecimento do ser humano

    1 Fundamentos biolgicos (incluindo tpicos de Histologia, Embriologia, Biofsica, Bioqumica, Citologia e Biologia especialmente Gentica).

    2 Anatomia aplicada. 3 Fisiologia (incluindo

    Fisiologia do Esforo). 4 Aprendizagem motora

    (incluindo Psicomotricidade).

    5 Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade.

    6 Psicologia Desportiva. 7 Cineantropia (Medidas e

    avaliao, incluindo crescimento e desenvolvimento).

    8 Biomecnica do Exerccio. 9 Fundamentos de

    Fisioterapia.10 Dentre outros.

    IV) Conhecimento tcnico 1 Didtica da Educao Fsica. 2 Organizao e

    funcionamento da educao formal e no formal.

    3 Educao Fsica sob o enfoque da educao permanente.

    4 Prtica de ensino. 5 Lazer e recreao. 6 Medidas e avaliao em

    Educao Fsica. 7 Programas de Educao

    Fsica no 1o e 2o graus. 8 Currculos em Educao

    Fsica. 9 Teoria, prtica e metodologia

    dos desportos: do handebol, do atletismo, do basquetebol, do tnis de mesa, da capoeira, da esgrima, do futebol, do futebol de salo, da ginstica olmpica, da ginstica rtmica desportiva, do halterofilismo, do jud, da natao, do polo aqutico, dos saltos ornamentais, do tnis de campo, de outros.

    10 Teoria, prtica e metodologia da ginstica analtica.

    11 Teoria, prtica e metodologia da ginstica natural.

    IV) Conhecimento tcnico (continuao)

    12 Teoria, prtica e metodologia da dana.

    13 Organizao e administrao da Educao Fsica.

    14 Folclore.15 Higiene e socorros de

    urgncia.16 Educao Fsica e esporte

    especial (Atividade fsica voltada para pessoas portadoras de deficincias: fsica, auditiva, visual ou mltipla).

    17 Treinamento desportivo.18 Direito desportivo.19 Comunicao em

    Educao Fsica.20 Seminrio em Educao

    Fsica.21 Tcnica de elaborao de

    projetos em Educao Fsica.

    22 Tecnologia do material e instalaes na Educao Fsica.

    23 O profissional de Educao Fsica como agente de Sade.

    24 Rtmica.25 Esportes comunitrios.26 Dentre outras.

    (continua)

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  • 22 ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZA SAMUEL DE SOUZA NETO

    Formao Geral (80%)

    Formao Geral (80%)

    Aprofundamento de Conhecimento (20%)

    III) Conhecimento da sociedade1 Fundamentos de

    Antropologia Cultural.2 Educao, sociedade e

    cultura fsica.3 Histria da Educao Fsica.4 Sociologia (incluindo a

    Sociologia do Desporto e do Lazer).

    5 Polticas desportivas do Mundo Contemporneo.

    6 Dentre outras.

    Fonte: Souza Neto (1999).

    Com a LDB no 9.394/96, a Educao Fsica enfrentou mudanas no mbito escolar, pois passou a ser considerada componente curricular e no mais ativi-dade, alterao que, para Oliveira (2006), modifica o papel, ao menos teorica-mente, da Educao Fsica no contexto educacional. Posteriormente, com a aprovao da LDB no 10.793, de 1o de dezembro de 2003, alterou-se a LDB no 9.394/96 e a Educao Fsica passa a ser componente curricular obrigatrio.

    Outra norma que nos permite traar o quadro evolutivo da Educao Fsica a Lei no 9.696/98, que visava a regulamentar a profisso de Educao Fsica, delimitar o campo de interveno profissional e criar os Conselhos Federal e Re-gionais de Educao.

    Para Souza Neto et al. (2004), no bojo dessa questo h a presena do fen-meno do profissionalismo e da profissionalizao de uma categoria ou grupo, remetendo, segundo os autores, necessidade de a profisso estar comprometida com um servio, ter produzido um corpo de conhecimento atravs da pesquisa e de sua prtica profissional, e por fim, nessa perspectiva, esse conhecimento deve estar a servio da melhoria da prtica profissional.

    Assim, com a Resoluo CNE/CP no 1/2002 (Brasil, 2002a) e a Resoluo CNE/CP no 2/2002 (Brasil, 2002b), tendo como referncia o Parecer CNE/CP no 9/2001 (Brasil, 2001a), Parecer CNE/CP no 27/2001 (Brasil, 2001b) e Pa-recer CNE/CP no 28/2001 (Brasil, 2001c), instituram-se orientaes para a for-mao do professor da educao bsica, o que abrange o professor de Educao Fsica, com um currculo mnimo de 2.800 horas: 400 horas de prtica como componente curricular, 400 horas de estgio curricular supervisionado (com incio na segunda metade do curso), 1.800 horas de aula para os contedos curri-culares de natureza cientfico-cultural e 200 horas para outras formas de ativi-

    (continuao)

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 23

    dades acadmico-cientfico-culturais, podendo ter durao mnima de trs anos, o que constitui um retrocesso e limite, na medida em que dificulta a concreti-zao das atividades propostas e pode prejudicar a qualidade do curso.

    Pizani (2011) pondera que, com as novas diretrizes, surgem questiona-mentos sobre quais conhecimentos deveriam ser tratados na formao inicial, bem como entende que as diretrizes sugerem novos olhares para a rea da Edu-cao Fsica na perspectiva de se repensar a formao profissional do docente. A autora tambm afirma que no basta o profissional ter conhecimento sobre seu trabalho, pois, com a nfase da nova legislao sobre as competncias, se requer que o profissional saiba transformar os conhecimentos em ao.

    Para Anversa (2011), a formao voltada para a licenciatura est relacionada construo da ao docente, em que se trabalham aspectos da formao peda-ggica por meio da articulao entre teoria e prtica. A formao do bacharel em Educao Fsica, por sua vez, tambm privilegia uma viso crtica, porm, pau-tada para campos de atuao no contexto no escolar.

    Assim, diante das novas orientaes, podemos identificar que h um destaque e valorizao da prtica que deve perpassar toda a formao; tambm as compe-tncias se tornam centrais para configurao dos cursos, como pode ser obser-vado no Quadro 4. Alegre (2006), fazendo uma anlise das novas diretrizes, identifica trs pilares que do sustentao s novas diretrizes: a autonomia das instituies, a dinmica da ao-reflexo e a relao teoria-prtica.

    Trata-se de uma formao norteada por competncias e com uma nova con-cepo de prtica, caracterizada por perpassar todo o processo de formao sem ficar restritas a momentos ou a disciplinas.

    No que se refere formao do bacharel em Educao Fsica, a Resoluo CNE/CES no 7/2004 (Brasil, 2004) props uma formao ampliada e pautada em conhecimentos vinculados ao conhecimento cientfico e tecnolgico, assim como uma formao especfica, em que o objeto de estudo conhecimento iden-tificador da rea nas dimenses dos conhecimentos cultural do movimento, di-dtico-pedaggico e instrumental.

    Para Marcelo Garcia (1999), existe uma teoria da formao subjacente a essa organizao curricular embasando a formao do professor por meio de orientaes. Encontradas nas novas diretrizes, h a orientao prtica, com a prevalncia da nfase na reflexo da experincia, assim como h a orientao tec-nolgica, vinculada pedagogia das competncias que, para Borges (2008), re-flexo da valorizao da prtica e da tentativa de articular a prtica com a teoria. Tambm possvel encontrar a orientao social-reconstrucionista, justificada pela articulao com a questo social da escola, e a orientao acadmica, mais dominante devido a valorizao do conhecimento disciplinar.

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  • 24 ESTHER VIEIRA BRUM DE SOUZA SAMUEL DE SOUZA NETO

    Quadro 4 Proposta curricular de formao de professoresde Educao Fsica, 2004

    Resoluo CNE/CP no 1 e 2 de 2002

    * Conhecimentos para o desenvolvimento de competncias:I cultura geral e profissional;II conhecimentos sobre crianas, adolescentes, jovens e adultos, a includas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e as das comunidades indgenas;III conhecimento sobre dimenso cultural, social, poltica e econmica da educao;IV contedos das reas de conhecimento que sero objeto de ensino;V conhecimento pedaggico;VI conhecimento advindo da experincia.

    Resoluo CNE/CES no 7 de 2004

    Ativ

    . Com

    pl. (

    200

    hora

    s)

    Formao ampliada

    PCC

    (400 horas)

    Relao ser humano-sociedade

    Biologia do corpo humano

    Produo do conhecimento cientfico e tecnolgico

    Formao especfica

    Culturais do movimento humano

    Tcnico-instrumental Didtico-pedaggico

    Fonte: Fuzii (2010).

    Diante desse contexto, possvel perceber que os cursos com esses delinea-mentos refletem tambm um modelo de formao. Fuzii (2010), ao analisar as novas diretrizes de formao de professores, declara que h um modelo dual de formao, constitudo de forte base terica no incio do curso (modelo acad-mico) e de componentes de reflexo de prtica epistemolgica na segunda me-tade desse currculo (modelo profissional), centrado mais na prtica profissional, valorizando o campo de atuao.

    Dessa forma, observa-se a perspectiva de um currculo hbrido, podendo apresentar traos de um modelo acadmico-profissional. Por sua vez, esse curr-culo acadmico e profissional, imbricado, estabelece um vnculo com o movi-mento da profissionalizao docente (Borges, 2008). Para essa autora, a formao deixou de se configurar no mbito de um modelo acadmico ou disciplinar [se-melhante orientao acadmica (Marcelo Garcia, 1999)], passando a ser deli-mitada por um modelo de formao denominado de profissional na Amrica do Norte.

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 25

    Quadro 5 Modelo de formao acadmico e profissional

    Modelo acadmico Modelo profissional

    Prof

    issi

    onal Voltado para a formao do profissional, que

    tomado como um tecnlogo, um expert, que domina um conjunto de conhecimentos formalizados e oriundos da pesquisa, a fim de aplic-los na prtica escolar.

    Voltado para a formao do profissional reflexivo, que produz saberes e que capaz de deliberar sobre sua prpria prtica de objetiv-la, de partilh-la, de question-la e aperfeio-la, melhorando o seu ensino.

    Sabe

    res

    Baseado na epistemologia cientfica. Baseado na epistemologia da prtica.

    Viso unidimensional e disciplinar dos saberes na base da formao.

    Viso pluralista dos saberes na base da formao.

    Saberes cientficos e curriculares so a referncia para formao profissional.

    Saberes prticos e competncias so a referncia de base para a formao profissional.

    Pesquisadores e formadores universitrios produzem e controlam os saberes na base da formao enquanto os professores aplicam os saberes na base da formao.

    Professores e pesquisadores produzem e controlam os saberes na base da profisso, o saber da experincia, os saberes prticos possuem o mesmo estatuto que os saberes cientficos.

    Mod

    alid

    ades

    de

    form

    ao

    Centrada na formao acadmica. Centrada na prtica.

    Estgio no muito longo, no final do curso. Estgio em alternncia ao longo da formao.

    A universidade o centro da formao. A escola o lcus central da formao.

    Apesar das idas ao campo (ao meio escolar), a universidade que controla todo o processo de formao.

    Ocorre em alternncia entre o meio escolar e o meio de formao na universidade. O processo de formao partilhado e, em certa medida, mesmo a avaliao partilhada entre os atores.

    Os atores envolvidos na formao so particularmente os docentes universitrios, os professores que recebem os estagirios se limitam a dar conselhos, partilhar seu espao de trabalho e no participam nem mesmo da avaliao dos estagirios.

    Envolve outros atores alm daqueles tradicionalmente implicados na formao. Alm dos professores associados (ou tutores, ou mestres de estgio), envolve diretores, especialistas e tcnicos de ensino, supervisores.

    Se apoia, sobretudo, em dispositivos tradicionais de transmisso de conhecimentos e notadamente sobre a ideia de que, dominando um bom repertrio de casos e tcnicas, o profissional apto a agir em situaes reais de ensino.

    Envolve dispositivos de desenvolvimento de reflexo sobre a prtica e de tomada de conscincia dos saberes. Ancorada em abordagens do tipo por competncias, problemas, projetos, clnicas, etc.

    Fonte: Borges (2008).

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    Ainda sobre o tipo de formao, Borges (2008) salientou que o antigo mo-delo (acadmico) no dava conta da complexidade dos saberes e do agir necess-rios prtica do profissional e, apesar de no ser a realidade no Brasil, observa-se certa confluncia em curso. Porm, a autora tambm adverte que a prtica, em si mesma, no formadora, e, desse modo, o grande desafio da formao universi-tria a criao de espaos compartilhados com as experincias vivenciadas, pro-movendo a articulao dessas experincias com as teorias e colocando estas a servio da prtica.

    Desse modo, dada a descrio das normas que orientaram a Educao Fsica, podemos constatar que, apesar da regulamentao da profisso em 1998, refle-tindo um processo de profissionalizao da Educao Fsica, prevalece, no deli-neamento dos cursos de formao, o vis do modelo acadmico (Marcelo Garcia, 1999; Borges, 2008), levando-nos tambm a investigar essa questo e averiguar como a prtica e a prtica profissional na relao teoria e prtica emergem nesse novo delineamento.

    Em face das novas diretrizes curriculares, orientando o recorte dos cursos de licenciatura e bacharelado em Educao Fsica, Nascimento (2006) aponta alguns problemas que perpassam a formao inicial em Educao Fsica, no mbito do currculo. Para ele, os problemas representam questes gerais rela-cionadas a determinaes polticas e econmicas. Nesse contexto, identifica como problemas:

    a) Falta de convvio intelectual e isolamento das disciplinas: ocasionada pela estrutura universitria, por problemas de relacionamento entre os departa-mentos nas instituies, conduzindo ao surgimento de comunidade ocupacional determinada por seus problemas de estudos, bem como a hierarquia de pesquisas de acordo com seu enfoque.

    b) Frequente mal-estar no ambiente acadmico: decorrente de salrios inade-quados, da degradao dos espaos de trabalho e das dificuldades na obteno de financiamento pesquisa, alm de outros fatores que indicam o baixo status da profisso acadmica.

    c) Estado de manuteno adiada da infraestrutura: diante da recesso eco-nmica e poltica e de restries de investimento financeiro na educao, e s-tabelecem-se prioridades de investimento em que se privilegia o ensino de ps-graduao e algumas reas de pesquisa, o que resulta em um funciona-mento precrio das instituies e dificuldade no cumprimento de suas funes.

    d) Falta de melhor qualidade da atuao docente e discente: justificada pela falta de interesse dos estudantes universitrios, assim como da falta de poltica institucional, explcita e intencional de capacitao e qualificao docente, o que

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    gera investimentos individuais muitas vezes atrelados apenas ao interesse de progresso na carreira e no na melhoria da qualidade do ensino.

    e) Fragilidade dos contedos na formao inicial: os contedos ensinados de maneira prescritiva e desconexa com a realidade profissional ou as experincias vividas, assim como incoerncias entre o discurso docente e suas prticas forma-tivas, o que provoca um impacto reduzido na formao dos estudantes.

    f) Fragmentao disciplinar na formao inicial: em prol dos modismos e ecle tismo, incha-se o currculo com disciplinas que deveriam ser estabelecidas a partir das exigncias da profisso. Esse fato tambm pode ser observado nos sistemas de crditos ou de matrcula por disciplina, nos quais, como o estu-dante que escolhe as disciplinas, cria-se um currculo com o formato de uma colcha de retalhos. Desse modo, esse currculo perde seu carter de projeto de formao integrado e articulado, contribuindo para a fragmentao curricular pela escolha de disciplinas consideradas mes, o que pode ser acentuado com a ao isolada e desarticulada dos pesquisadores.

    g) Heterogeneidade dos programas de formao profissional da rea: visando atender o interesse dos estudantes e as peculiaridades regionais do mercado de trabalho, os cursos de Educao Fsica so oferecidos de diversas maneiras; essa diversidade resulta em estudantes com formao similar, mas certificados dife-rentes, ou, ao contrrio, estudantes com certificados iguais, porm com formao diferente. Outro problema se refere delimitao do campo de atuao profis-sional, que ou no ocorre, ou ocorre no incio do curso, ou se opta por realizar apenas um aprofundamento dos conhecimentos. Para Nascimento (2006), no cerne dessa questo est a concepo de bacharel e licenciado que as instituies adotam, ou seja, apesar de possurem nomenclaturas diferentes, se assemelham no funcionamento do curso. Desse modo, o autor prope, para a resoluo dessa problemtica, a implementao das novas diretrizes para a formao tanto do li-cenciado quanto do bacharel.

    Em meio ao que foi discutido sobre a formao, algumas consideraes devem ser feitas, como a de que a formao reflete complexidade, problemas e dilemas, modelos ou orientaes, muitas vezes marcados pelo cunho disciplinar, to criticado, mas ainda vigente no processo formativo. Contudo, essa formao tambm reflete uma dinmica de mudanas diante das novas diretrizes curricu-lares, definindo uma formao com novos atributos e desafios que podem con-ferir mais qualidade ao curso.

    Embora haja essa compreenso, considera-se que uma mudana curricular exige uma alterao de mentalidades e discursos. Tambm pressupe uma re-viso de seus referenciais na prtica profissional. Assim, o problema de pesquisa

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    delimita-se compreenso de que se passou de um modelo de formao centrado na qualificao para um modelo de formao voltado para a certificao, no qual a prtica deve permear todo o currculo, mas:

    Quais so os saberes e as prticas da formao, envolvendo a universidade e o local de trabalho? Quais os modelos de alternncia que podem compor a formao desse novo professor e contribuir com uma articulao maior entre teoria e prtica?

    Almeida (1996, p.84) assinala que, quando se pensa numa mudana de cur-rculo, a discusso prioritria gira em torno do perfil profissional a ser formado e dela decorrem as outras questes, como por exemplo, o elenco das disciplinas, o seu contedo e carga horria. Contudo, se esse caminho no respeitado e se se comea pelo avesso, discutindo a carga horria e o elenco das disciplinas, o perfil do profissional a ser formado permanece inalterado, pois:

    Nos cursos de graduao das universidades e faculdades brasileiras, a formao tem por base o fordismo, privilegia-se o especialista e a especialidade, prio-riza-se a tcnica em prejuzo dos seus fundamentos. Os currculos fordistas formam profissionais mutilados que tm uma viso fragmentada da sua pro-fisso e do prprio mundo, em nome de uma suposta especializao. Como es-pecialistas, eles so dependentes das grandes instituies e do Estado, sonham com o emprego vitalcio e com a carreira bem sucedida. (Idem, p.85)

    Dessa forma, no interior desse contexto de reestruturao curricular, em que um novo perfil profissional pode ser desenhado, sugere-se a necessidade de aprofundar os estudos sobre a formao acadmica proposto nos cursos de For-mao de Professores da Educao Bsica de uma universidade pblica do inte-rior paulista (IESpip). Nesse itinerrio, foi estabelecido como objetivo geral:

    analisar os saberes docentes e os modelos de alternncia que emergem do projeto pedaggico e dos relatos dos estudantes e professores vinculados ao curso de Educao Fsica.

    Nessa perspectiva, entre os objetivos especficos, buscamos:

    identificar o corpo de conhecimento e as prticas profissionais que funda-mentam a formao do professor;

    apontar o modelo de formao escolhido no mbito da adequao ou rees-truturao curricular; e,

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 29

    investigar o perfil profissional que emerge do currculo e dos saberes e prticas profissionais do currculo.

    Considerando os objetivos estabelecidos, pretendemos, com este estudo, in-vestigar a temtica dos saberes e da formao em alternncia tendo como refe-rncia o novo currculo desenvolvido para a formao do professor de Educao Fsica de uma universidade pblica do interior paulista (IESpip), instituio em que me formei no curso de Licenciatura em Educao Fsica, tendo vivenciado um currculo em transio, que j possua algumas modificaes, como a nova carga horria do Estgio Curricular Supervisionado.

    No mbito desse processo, observamos que h escassez de estudos relacio-nados formao universitria. O mapeamento realizado por Teixeira, Bernartt & Trindade (2008) apontou que 60,87% dos trabalhos acadmicos discutem a pedagogia da alternncia como uma alternativa para a educao do campo e as relaes entre pedagogia da alternncia e a questo do desenvolvimento, mas no estudam a formao em outras reas.

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  • 2Quadro terIco e conceItual

    O currculo como matriz da formao

    Concebendo o currculo como um espao que contempla saberes e modelos de formao, capaz de promover a formao de sujeitos pelo que se privilegia em relao a contedos, prticas e avaliao, iremos refletir, inicialmente, sobre o que se entende por currculo e, posteriormente, sobre a universidade, a formao presente nesse cenrio e os modelos de formao em alternncia que podem per-passar esse contexto formativo.

    Currculo

    Longe de ser um conceito simples, neutro e de pouco impacto para a for-mao, o currculo nos remete a um conjunto de elementos que podem ou no ser utilizados como instrumento ideolgico ou na formao de um tipo de homem e mundo.

    Na viso de Gimeno Sacristn & Prez Gmez (1998), a palavra currculo procede da palavra latina currere e denota um percurso que deve ser realizado. Com esse mesmo sentido, Silva (1999) pontua que, ao percorrermos essa pista de corrida, concebida como currculo, ela nos torna o que somos, pois ela nos modela. Silva tambm afirma que o currculo um documento de identidade, pois pode ser constitudo de diversas maneiras, de acordo com o seu objetivo, tipo de homem que visa formar, as disciplinas e mtodos de ensino que so privi-legiados. Desse modo, podemos notar que o currculo tanto forma uma identi-dade quanto formado por ela.

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    Na mesma direo, Goodson (1995) explica que o currculo produtor de identidades e de subjetividades sociais determinadas, constituindo-se como re-presentao ou reflexo de determinados interesses sociais. Porm, tambm alerta para o fato de que a incluso ou excluso no currculo consequncia da incluso e excluso na sociedade. Para o autor, entender o currculo ou traar sua histria requer identificar os artefatos sociais, os conhecimentos, os saberes e as habili-dades que triunfaram em um determinado momento, assim como os artefatos que foram descartados. Trata-se de entender tambm o modo como a legitimi-dade de alguns artefatos foi estabelecida. Nesse sentido, o autor chama a ateno para a consequncia de se ignorar essa construo social do currculo que produz a mistificao e reproduo do currculo tradicional na forma e no contedo, pois deixa de questionar as hipteses herdadas e de entender a escolarizao na teoria e operacionaliz-la na prtica.

    Goodson (1995) destaca tambm que o termo curriculum e a ideia de curr-culo como uma sequncia estruturada remonta ascenso do calvinismo no s-culo XVI, momento em que se concebia uma diviso social em dois grupos: o dos eleitos e escolhidos por Deus e o dos que no o foram. Nessa concepo, os eleitos recebiam uma escolarizao avanada, com disciplinas que os capacitavam para dar continuidade aos estudos nas universidades, enquanto os demais estudantes ficavam vinculados a um currculo mais modesto. Porm, continua o autor, em 1868, o currculo j era o principal elemento de diferenciao social, na medida em que os contedos eram escolhidos de acordo com a renda familiar. Nesse contexto, o ensino aparecia organizado, abarcando trs possibilidades: nas fam-lias de boa renda estudava-se at os 19 anos; nas classes mercantis, at os 16 anos, e, nas famlias dos pequenos proprietrios agrcolas, at os 14 anos. Assim, essa trajetria curricular descrita nos faz perceber que o currculo nos remete se-leo e, desse modo, produz diferentes pessoas e reflete padres de conflito e poder.

    Sobre a constituio do currculo como campo de estudo especializado, Pi-rolo et al. (2005), assim como Silva (1999), assinalaram que isso ocorreu pelas ideias de John Franklin Bobbitt (1876-1956), que, no livro The curriculum (1918), props que a escola funcionasse semelhana de uma empresa, isto , com obje-tivos precisos e instrumentos de medio para avaliar se os objetivos foram al-canados. Desse modo, o currculo era visto como um gestor e controlador do sistema educativo, remetendo ideia de controle social.

    No entanto, esse modelo nos conduz tambm s teorias do currculo pro-postas por Silva (1999), cuja anlise se baseia na noo de discurso, isto , na forma como o currculo foi concebido e construdo ao longo do tempo. Para esse

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    autor, as teorias do currculo discutem a natureza humana, a natureza da aprendi-zagem ou do conhecimento, alm da natureza da cultura e da sociedade, podendo ser classificadas em teorias tradicionais, teorias crticas e teorias ps-crticas.

    O currculo circunscrito nas teorias tradicionais se caracteriza pela neutrali-dade, priorizando discusses sobre questes tcnicas como ensino, aprendi-zagem, avaliao, metodologia, didtica, organizao, planejamento, eficincia e objetivos, mantendo, dessa maneira, o statu quo. Essa viso de currculo tornou--se dominante no sculo XX, pois parecia permitir educao tornar-se cient-fica. O livro de Ralph Winfred Tyler (1902-1994), Princpios bsicos de currculo e ensino, publicado em 1949, representa o grande marco desse processo, em que a organizao e o desenvolvimento so os elementos centrais nos estudos sobre o currculo, apesar de o prprio autor afirmar que a filosofia e a sociedade so fontes de objetivos para o currculo (Silva, 1999).

    Tyler buscou responder a questes bsicas sobre os objetivos que deveriam ser alcanados pela escola; as experincias necessrias para que o objetivo fosse alcanado; o modo como as experincias deveriam ser organizadas de modo efi-ciente; e como se poderia ter certeza de que os objetivos seriam alcanados. Esses questionamentos correspondem diviso tradicional educacional em currculo, ensino e instruo e avaliao, tendo como premissa trs pontos: 1) estudos sobre os prprios aprendizes; 2) estudos sobre a vida contempornea; e 3) sugestes dos especialistas de diferentes disciplinas. Nessa direo, o autor sugere que o embasamento deva acontecer pela tica da filosofia social e educacional e da Psi-cologia da Aprendizagem (Silva, 1999).

    Assim, podemos notar que os modelos curriculares de Bobbitt e Tyler (tec-nocrticos) representaram uma reao ao currculo clssico humanista que do-minava a educao secundria desde a sua institucionalizao. Portanto, tornam-se herdeiros do currculo das artes liberais, oriundo da Antiguidade clssica e estabelecido na Idade Mdia e Renascimento, buscando super-lo. Porm, de que modo isso se processou na prtica?

    De acordo com Silva (1999), o currculo clssico humanista trazia subjacente a ele uma teoria implcita, com o objetivo maior de introduzir os estudantes no repertrio das grandes obras literrias e artsticas das heranas clssicas grega e latina, incluindo o domnio de cada lngua. Porm, o acesso era restrito classe dominante. Perspectiva essa que, com a democratizao da escolarizao secun-dria, comeou a ser criticada, tornando-se obsoleta, mas no irrelevante.

    Assim, o currculo clssico humanista foi criticado tanto pelo modelo tecno-crtico como pelo modelo de currculo progressista. O primeiro criticava-o assi-nalando que os conhecimentos e as lnguas ensinadas no preparavam para o

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    trabalho da vida profissional contempornea, enquanto o segundo realizava a sua crtica em funo de que esse modelo desconsiderava a psicologia infantil, os interesses e as experincias das crianas e jovens (Silva, 1999).

    Na viso de Neira & Nunes (2009), um currculo de Educao Fsica perpas-sado por uma pedagogia tecnicista ou, como Silva (1999) denomina, teoria tra-dicional de currculo , caracteriza-se por privilegiar a melhoria dos movimentos, a aptido ou educao pelo movimento, bem como a eficincia em detrimento do carter histrico, tico e poltico das aes humanas e sociais, o que, consequen-temente, resulta na reproduo das desigualdades, injustias sociais e manu-teno do statu quo.

    No mbito desse contexto, assinalamos que a dcada de 1960 foi marcada por grandes agitaes e transformaes, envolvendo movimentos de contestao na Frana, como a revoluo estudantil de 1968, e nos Estados Unidos, contra a guerra no Vietn, entre outros, que repercutiram na educao.

    Na anlise de Silva (1999), em diversos pases surgiram autores buscando renovar a teoria educacional, como as teorias crticas sobre o currculo que pas-saram a colocar em questo a configurao social e educacional, responsabili-zando o statu quo pelas desigualdades e injustias sociais. Assim, o enfoque volta-se para a compreenso de o que faz o currculo em detrimento do como fazer. Trata-se de uma teoria marcada pela desconfiana, pelo questionamento e pela transformao radical, e que discute, entre outras questes, ideologia, re-produo cultural e social, classe social, capitalismo, relaes sociais de pro-duo, conscientizao, emancipao e libertao, currculo oculto e resistncia. Desse perodo, algumas obras passaram a ser referncia, como: A pedagogia do oprimido, Paulo Freire (1970); A ideologia e os aparelhos ideolgicos de Estado, Louis Althusser (1970); A reproduo, Pierre Bourdieu & Jean-Claude Passeron (1970); Ideologia e currculo, Michael Apple (1979) (Silva, 1999, p.30).

    Esses autores, de maneira geral, compreenderam o currculo como um es-pao de poder, pois seu conhecimento fruto das relaes sociais de poder ad-vindas do sistema capitalista, pois reproduz as estruturas sociais vigentes, se constituindo em um aparelho ideolgico do Estado, transmitindo o pensamento dominante.

    Para Silva (1999), a ideologia pode ser entendida por crenas que nos levam a aceitar as estruturas sociais (capitalistas) vigentes como desejveis. A escola, como possvel notar, um aparelho ideolgico central, na medida em que atinge um nmero elevado de pessoas por um longo tempo, por meio do curr-culo (diretamente, em disciplinas como Histria e Geografia, ou indiretamente, como Cincias e Matemtica). A ideologia tambm atua de forma discrimina-tria ao permitir que os sujeitos da classe dominada sejam excludos da escola

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    antes de aprenderem as habilidades e hbitos da classe dominante. Essa excluso faz com que os sujeitos das classes subordinadas se submetam obedincia en-quanto os da classe dominante aprendem a mandar e a controlar.

    Dessa forma, a teoria crtica de currculo tambm se torna responsvel pela noo de currculo oculto, entendido como a totalidade de saberes, valores e comportamentos no explicitados no currculo oficial, mas vivenciados e apren-didos de forma implcita por meio das relaes sociais estabelecidas e das pr-ticas e configurao da escola.

    Neira & Nunes (2009) vo assinalar que, inserido nesse contexto, o currculo da Educao Fsica, influenciado pela perspectiva crtica, trouxe mudanas me-todolgicas no tratamento dos contedos, porm sem anlise do contedo ofere-cido. Nesse sentido, foi proposto refletir sobre o processo de construo de uma determinada prtica corporal, acreditando que apenas isso bastaria para que as prticas da cultura dominante fossem superadas. Entretanto, as teorias crticas tambm se tornam objeto de desconfiana, materializando o movimento ps--crtico, que foi influenciado pelo ps-estruturalismo, ps-modernismo e virada lingustica, de acordo com Pirolo et al. (2005, apud Silva, 1999). Nessa perspec-tiva de currculo, os processos de dominao (anlise da dinmica de poder) passam a ser discutidos por meio das relaes de gnero, etnia, raa e sexuali-dade. Nesse caso, a concepo de identidade cultural e social desenvolvida es-tende a concepo de poltica para alm do sentido tradicional (focalizado nas atividades ao redor do Estado).

    No Brasil, a discusso sobre currculo e cultura tem sido desenvolvida nos ltimos anos sob influncia dos estudos culturais e das discusses norte-ameri-canas sobre multiculturalismo. Macedo (2006) afirma que as questes sobre a ao poltica na sociedade contempornea e a emancipao do sujeito esto no centro das discusses sobre currculo. Alm disso, assinala que, desde os anos 1990, a centralidade da cultura nas sociedades contemporneas tem propiciado uma guinada no campo rumo aos estudos culturais (idem, p.1).

    Contudo, de acordo com Moreira & Candau (2003), essa centralidade no implica considerar apenas a cultura, mas significa admitir que toda prtica social tem uma dimenso cultural. Portanto, entendemos que toda prtica social de-pende de significados e de como e quanto eles esto associados. Desse modo, na nfase ps-estruturalista, os processos de significao dependem da relao do poder com o conhecimento, alm de compreender a subjetividade como ele-mento social, trazendo questionamentos aos conceitos de alienao, emanci-pao e libertao. Diante dessa perspectiva de currculo, Neira & Nunes (2009) assinalam que o currculo da Educao Fsica deveria romper com a transmisso da cultura, das manifestaes corporais culturais e da cultura dominante, e, con-

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    trariamente, propor sua significao por meio das prticas, bem como pela in-vestigao do contexto social de produo e relaes de poder que definiriam os significados das prticas corporais.

    Desse modo, espera-se que os alunos e professores sejam concebidos tambm como produtores de conhecimento, valorizando as experincias que ti-veram e expondo seus pontos de vista sobre a construo histrico-social das prticas sociais. Alm disso, espera-se tambm que, pelo entendimento de que existe um grupo de pessoas marginalizadas e dominadas, estas possam modificar esse cenrio rumo emancipao dos sujeitos.

    Assim sendo, todo o enredo apresentado sobre as teorias do currculo nos permite entender a sua dimenso de saber, identidade e poder. Apontamos tambm para o fato de o currculo poder tomar um formato de acordo com a rea-lidade social, pois fica refm do uso que fez, da compreenso que se tem, do que ele privilegia e do que selecionado a respeito do contedo, avaliao, habilidades e modelos de ensino, no se limitando a conceitos tcnicos de ensino, eficincia ou categorias psicolgicas de aprendizagem, desenvolvimento ou imagens. Na me-dida em que se exclui ou inclui algo no currculo e se faz isso atravs de uma viso de mundo e homem , podemos afirmar que o currculo rompe com qual-quer vnculo com a neutralidade.

    Nesse sentido, nota-se que:

    preciso saber que os currculos no so nem distores, nem inocentes, como acreditam alguns, mas conformam uma filosofia da histria que alimenta vises de mundo e orienta prticas sociais que esto longe de exaurir-se nas salas de aula, servindo para justificar no s as formas mais explcitas e abrangentes de dominao e explorao sociais, como tambm o combate das diferenas e o extermnio das particularidades que se manifestam at nas relaes pessoais mais prximas. (Stephanou, 1998, p.17)

    Sobre essa questo das teorias curriculares, Goodson (1995) denuncia que elas geralmente no apresentam explicaes ou hipteses sobre a realidade, mas se limitam a prescrever, em focar o que deveria ou poderia ser. Assim, ques-tionam-se as formas racionais e cientficas de projeto e implementao curricular advindas de tericos do currculo que no esto presentes no contexto de ensino. Diante desse cenrio, o autor defende que a teoria curricular deve abarcar es-tudos que se concentrem inicialmente sobre as escolas e o ensino e sobre o curr-culo elaborado, desenvolvido e reformulado.

    Contudo, Beane (2000), em defesa de uma perspectiva dinmica e pro-cessual de currculo, o concebe na interseco de prticas, com a finalidade de

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    responder a situaes concretas que podem se configurar como um territrio or ganizado por normas, orientaes, interesses profissionais e aprendizagens. Adverte que no existe uma perspectiva nica que explique a realidade cur ricu-lar e prope um modelo terico que explique que a tomada de decises curricula-res ocorre em diferentes contextos: poltico ou administrativo, de gesto e de realizao.

    Nesse sentido, Gimeno Sacristn & Prez Gmez (1998) tambm apre-sentam uma perspectiva de currculo processual relacionada a uma viso sobre as relaes escola-sociedade, para alm da reproduo social. Essa perspectiva pro-cessual serve para conectar ou observar desconexes entre modelaes pontuais do currculo, mas tambm atua como um modelo de explicao da mudana e das resistncias ao currculo, pois exige alteraes em todas as prticas pr-prias dos contextos por meio das quais adquire significado real.

    No currculo como um processo, podemos observar certas manifestaes ou representaes do projeto pedaggico que funcionam como recortes dessa reali-dade processual e pontos de apoio na investigao curricular. Nessa direo, Gi-meno Sacristn & Prez Gmez (1998) apontam:

    o currculo reunindo os contedos ordenados; os livros-texto e guias didticos; as programaes ou planos realizados pelas instituies de ensino; o conjunto de tarefas de aprendizagem que os alunos realizam e das quais

    extraem um aprendizado real; e os exames e avaliaes realizados pelos professores e o valor desses ele-

    mentos.

    Beane (2000), no tocante ao currculo, tambm acena para a questo da coe-rncia e, nesse sentido, afirma que ela remete objetividade, unidade, rele-vncia e pertinncia no mbito de um currculo em que as partes esto ligadas e integradas; as aes esto ligadas a um objetivo abrangente, envolvendo temas relacionados ao cotidiano e integrao de experincias educacionais vincu-ladas aos esquemas cognitivos. Dessa forma, torna-se possvel observar que essa coerncia rompe com a ideia de um currculo fragmentado, perpassado por disciplinas que no conversam e marcado por deixar contedo e prtica em segundo plano.

    Veiga-Neto (2005), por sua vez, elucida que, entre os temas mais discutidos na esfera do currculo nos estudos recentes, esto a interdisciplinaridade, a con-textualizao e a flexibilidade. Nesse sentido, afirma que a interdisciplinari-dade o tema mais estudado, sobre o qual os especialistas propem pedagogias

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    interdisciplinares e novos desenhos curriculares em detrimento da estrutura disciplinar do currculo. Nesse contexto, a interdisciplinaridade concebida, geralmente, como uma integrao ou uma fuso entre as disciplinas. No en-tanto, o autor se ope ao currculo dessa natureza, e defende um currculo de natureza transdisciplinar, no qual a abordagem curricular considera os saberes disciplinares, porm os ultrapassa e os mantm em tenso e transao constante.

    A contextualizao, por sua vez, proposta em face dos currculos funda-mentados no ensino livresco, retrico e acadmico, portanto, distante da vida cotidiana. Nesse sentido, seus defensores propem novas pedagogias e reformas curriculares capazes de promover contedos e metodologias relacionadas com os contextos sociais e culturais dos alunos (Veiga-Neto, 2005). A flexibilidade comumente concebida como algo positivo para os processos formativos, na medida em que se caracteriza por promover a maleabilidade, isto , a capaci-dade de mudar e transformar o currculo em resposta s demandas externas. No entanto, o autor chama a ateno para o fato de que essa flexibilidade pode levar perda de autonomia das instituies e mesmo a um ajustamento e confor-mao passiva e sem questionamento aos valores e prticas econmicas e cultu-rais. Com relao ao currculo de formao de professores, Flores (2000) observa que esse currculo implicaria uma determinada orientao conceitual que fun-damentaria seu contedo e forma, abrangendo uma viso concreta do papel da escola e dos professores. Assinala que a relao entre teoria e prtica uma das marcas definidoras desse currculo, de maneira que a nfase em uma dessas ver-tentes determinaria a configurao de diferentes modelos formativos. Por isso, defende uma viso holstica para o currculo de formao de professores, em que esteja presente a promoo de uma atitude crtica fomentadora da dimenso autorreflexiva do conhecimento.

    Na esfera da Educao Fsica, Alegre (2006), pensando a formao desse professor, apresenta alguns encaminhamentos que visam a produzir um novo currculo e ou a reestrutur-lo, considerando quatro etapas:

    O melhor das prticas atuais: pautado nas experincias vivenciadas pelos professores e nas ideias e elementos contidos nos currculos de diversas instituies que demonstraram a sua eficincia.

    Filosofia princpios programas: tem como perspectiva considerar a filo-sofia da instituio, filosofia educacional atual, buscando identificar fina-lidades, metas e objetivos, e averiguar se os princpios que orientam a seleo de cursos esto de acordo com a misso da escola em que o curr-culo ser desenvolvido.

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 39

    Anlises do trabalho funes competncias experincias: momento em que se prope uma anlise criteriosa das funes (papis) que os indiv-duos em formao devero desempenhar, bem como a identificao das competncias necessrias para o desempenho dessas funes.

    Abordagem conceitual: momento em que se busca averiguar se os conceitos considerados como essenciais so organizados em uma progresso lgica, e se os fatos e princpios que sustentam esses conceitos so integrados em unidades de ensino.

    Assim, busca-se elaborar um currculo equilibrado, pautado nas quatro di-menses que privilegiam o melhor das prticas atuais como referncia: a filo-sofia que fundamenta a escolha das metas, objetivos e princpios em relao ao curso, de acordo com a proposio da instituio; as anlises do trabalho a serem desenvolvidas, considerando o papel de professor e suas competncias e; por fim, a questo da abordagem conceitual, momento em que se privilegia o referencial conceitual do curso no mbito da interdependncia com as unidades de ensino.

    Entretanto, Stephanou (1998) no deixar de fazer um alerta sobre esse pro-cesso ao assinalar que, no Brasil, h um clima de renovao curricular para o qual preciso ter certa cautela, pois rtulos de novo padecem de uso abusivo, assim como so problemticos os enquadramentos de certo, atualizado ou progressista atribudos aos modelos curriculares que, a exemplo de livros, mudam apenas as embalagens, sem que tenha ocorrido, de fato, qualquer modi-ficao.

    No mbito desse processo, Gimeno Sacristn & Prez Gmez (1998) en-tendem que as reformas educacionais so formadas por aes de naturezas di-versas, compreendendo mudanas nas legislaes, nas formas de financiamento, na relao entre as diferentes instncias do poder oficial (poder central, estados e municpios), na gesto das escolas, nos dispositivos de controle da formao pro-fissional (especialmente na formao de professores), na instituio de processos de avaliao centralizada nos resultados, entre outros aspectos; mas deve se des-tacar aqui a formao de professores, pois esse momento pode se constituir como a base da atuao docente.

    Diante desse fato, Lopes (2002) chama a ateno para a questo das prticas curriculares anteriores a uma reforma, pois essas prticas tendem a ser negadas e/ou criticadas como desatualizadas, de modo a instituir um discurso favorvel ao que ser implementado. Essa postura pode ser um empecilho, pois, mesmo no mbito de uma reforma, um currculo vigente um elemento de reflexo consti-

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    tudo tanto por aspectos positivos como por limitaes, que devem ser analisadas e superadas.

    Assim sendo, o currculo torna-se o foco central das reformas educacionais, podendo assumir um enfoque prescritivo que, para Sampaio & Marin (2004), explicita-se tambm no conjunto das medidas consideradas necessrias ao ali-nhamento do pas s prioridades acordadas em mbito internacional.

    No geral, o conjunto das polticas curriculares pode ser entendido como propostas e prticas curriculares que se inter-relacionam, no podendo ser sepa-radas. Alm disso, as polticas no se resumem apenas aos documentos escritos, mas incluem os processos de planejamento vivenciados e reconstrudos em mltiplos espaos e por mltiplos sujeitos no corpo social da educao. So pro-dues que vo alm das instncias governamentais. Dentro dessa premissa encontram-se, com regularidade crescente, teses, dissertaes, documentos ofi-ciais, artigos e livros sobre currculo, como pode ser visto, por exemplo, na pro-duo cientfica correspondente aos trabalhos apresentados por Moreira (2002) do Grupo de Trabalho, de 1996 a 2000, tanto na perspectiva nacional como in-ternacional.

    Moreira (2002) assinala que as bibliografias evidenciam, dominantemente, o recurso a especialistas em currculo e a autores da Filosofia, da Sociologia, dos Estudos Culturais, bem como presena de autores ps-modernos e ps-estru-turalistas. Todavia, a participao de autores ligados chamada cincia ps-mo-derna escassa, assim como as menes a autores associados Psicologia e Antropologia e, mais raras ainda, as referncias a autores relacionados Histria, mesmo nos estudos de cunho histrico.

    O autor evidencia que um breve exame dos trabalhos revela preocupaes com o cotidiano escolar, a construo do conhecimento em redes, os artefatos cul-turais distintos, as propostas curriculares, o multiculturalismo, o poder de con-trole e de governo do currculo, bem como com a histria do pensamento curricular e das disciplinas (Moreira, 2002). Alm disso, fortes crticas so ex-plicitamente dirigidas Didtica, a Paulo Freire e interdisciplinaridade. Porm, no se encontram crticas abertas a outros autores, nacionais e estrangeiros, que tm se dedicado ao estudo de questes de currculo e, no que diz respeito pro-duo brasileira, pouco se dialoga com as outras reas pedaggicas.

    Como se pode observar, so variados os interesses dos pesquisadores que constroem o campo, assim como so diversificadas as fontes e influncias te-ricas (Moreira, 2002). No entanto, para o autor, o avano ser alcanado se houver uma maior autonomia no campo do currculo. Assim, resta apontar a im-portncia da adoo de uma postura histrica, o que requer um intenso dilogo entre os atuais pesquisadores do campo e deles com seus antecessores.

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  • O CURRCULO, A PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA E OS SABERES DOCENTES 41

    Moreira (2005) afirma que so poucos os estudos sobre o currculo do ensino superior e assinala que existe a necessidade de propor estudos para promover a compreenso tanto da especificidade quanto da complexidade envolvidas no planejamento e desenvolvimento desses currculos. O autor tambm afirma notar as dificuldades existentes na generalizao desses currculos, decorrentes dos diversos cursos oferecidos na universidade.

    Diante da necessidade de renovao curricular no ensino superior, Moreira (2005) assinala que esse processo precisa ocorrer em face da discusso dos efeitos da globalizao e da viso de universidade existente, o que denota o quanto o processo de elaborao curricular carece de se pautar por diferentes fontes e sa-beres.

    Nesse sentido, o autor afirma que a globalizao entendida como um con-junto de processos que funcionam de maneira contraditria e antagnica, com efeitos sobre as dimenses econmica, social, poltica, cultural, religiosa e jur-dica no benfica, por ocasionar a desigualdade, a excluso social, o desem-prego latente, a violncia urbana e os riscos ecolgicos. Diante desse cenrio, o autor levanta duas questes: de que maneira os currculos preparam profissio-nais e cidados para lidar com a diversidade e conflitos locais, regionais, nacio-nais e transnacionais? De que maneira esse processo atinge a construo das identidades culturais e profissionais?

    Em relao universidade, o autor se posiciona em favor de seu papel forma-tivo. Diante disso, espera-se que a universidade no se feche em si mesma, se esgotando no ensino e na pesquisa, e no se reduza ao mercado de trabalho. Mas que tenha responsabilidades sociais, estando aberta aos anseios e desafios da co-munidade, e articule ensino, pesquisa e extenso de modo a integrar qualidade acadmica e compromisso social (posteriormente se discutir mais sobre a uni-versidade).

    Concebendo o currculo como um territrio contestado em que diversos grupos e agentes lutam pela oficializao e prestgio de conhecimentos, signifi-cados, mtodos e habilidades, Moreira (2005) prope que coexistam princpios ger