s — somente deveres? ervidor público civil · 2017. 3. 12. · governo anterior, ficou submetido...

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12 — Revista do TRF – 1ª Região — janeiro/2002 — Artigos doutrinários * Juiz-Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. S ervidor público civil somente deveres? A perda progressiva de direitos e vantagens e as perspectivas de recobramento Antônio Augusto Catão Alves* Ao disciplinar a Organização do Estado no Título III, a Constituição Fe- deral, no Capítulo VII, estruturou a Ad- ministração Pública e, na Seção II desse capítulo, a atividade do seu agente, o ser- vidor público civil. Por conseguinte, dei- xou claro o constituinte de 1988 que a Administração Pública é exercida por meio desse servidor, inexistindo, conse- qüentemente, possibilidade de que agen- tes privados venham a fazê-lo. Diante disso, além de regime labo- ral diverso do empregado privado, ou seja, o estatutário, com possibilidade de alteração das condições de lavor, unila- teralmente, sem anuência do servidor, em face das peculiaridades da Adminis- tração Pública, pormenor que levou o constituinte a eliminar do serviço públi- co o regime contratual de trabalho, re- tornando à sistemática primitiva, e das regras rígidas de admissão e comporta- mento, acrescentou outras normas, ou- torgando-lhe novos direitos e vantagens (Constituição Federal, art. 39, § 2º), ine- xistentes, como o salário mínimo, a irre- dutibilidade do salário, a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal, a licença paternidade, o direito à sindicalização, o direito de gre- ve e a isonomia salarial com os servido- res militares, mediante proibição de re- visão salarial para estes em índices e épo- cas diversas. Nota-se, assim, que, dessa forma, entendendo que o servidor público civil é indispensável ao regular desempenho da Administração Pública, o legislador constituinte, não só lhe atribuiu, com exclusividade, esse desempenho, mas, também, procurou fortalecê-lo e presti- giá-lo, uma vez que o bom e o mau fun- cionamento dos serviços públicos depen- dem da atuação desse servidor. Evidentemente, e sempre foi assim no serviço público brasileiro, dependen- do de quem exerça a Presidência da Re- pública, o servidor público civil é valori- Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 14, n. 1, p. 12-17, jan. 2002.

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Page 1: S — somente deveres? ervidor público civil · 2017. 3. 12. · governo anterior, ficou submetido a um dirigente que nele não vê somente indolência e responsa-bilidade pelo mau

12 — Revista do TRF – 1ª Região — janeiro/2002 — Artigos doutrinários

* Juiz-Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Servidor público civil — somente deveres?A perda progressiva de direitos evantagens e as perspectivas derecobramento

Antônio Augusto Catão Alves*

Ao disciplinar a Organização doEstado no Título III, a Constituição Fe-deral, no Capítulo VII, estruturou a Ad-ministração Pública e, na Seção II dessecapítulo, a atividade do seu agente, o ser-vidor público civil. Por conseguinte, dei-xou claro o constituinte de 1988 que aAdministração Pública é exercida pormeio desse servidor, inexistindo, conse-qüentemente, possibilidade de que agen-tes privados venham a fazê-lo.

Diante disso, além de regime labo-ral diverso do empregado privado, ouseja, o estatutário, com possibilidade dealteração das condições de lavor, unila-teralmente, sem anuência do servidor,em face das peculiaridades da Adminis-tração Pública, pormenor que levou oconstituinte a eliminar do serviço públi-co o regime contratual de trabalho, re-tornando à sistemática primitiva, e dasregras rígidas de admissão e comporta-mento, acrescentou outras normas, ou-torgando-lhe novos direitos e vantagens(Constituição Federal, art. 39, § 2º), ine-

xistentes, como o salário mínimo, a irre-dutibilidade do salário, a remuneração dotrabalho noturno superior à do diurno, ogozo de férias anuais remuneradas com,pelo menos, um terço a mais do que osalário normal, a licença paternidade, odireito à sindicalização, o direito de gre-ve e a isonomia salarial com os servido-res militares, mediante proibição de re-visão salarial para estes em índices e épo-cas diversas.

Nota-se, assim, que, dessa forma,entendendo que o servidor público civilé indispensável ao regular desempenhoda Administração Pública, o legisladorconstituinte, não só lhe atribuiu, comexclusividade, esse desempenho, mas,também, procurou fortalecê-lo e presti-giá-lo, uma vez que o bom e o mau fun-cionamento dos serviços públicos depen-dem da atuação desse servidor.

Evidentemente, e sempre foi assimno serviço público brasileiro, dependen-do de quem exerça a Presidência da Re-pública, o servidor público civil é valori-

Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 14, n. 1, p. 12-17, jan. 2002.

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zado ou desvalorizado; na primeira hipótese, res-ponsável pelo bom desempenho da máquina ad-ministrativa e considerados relevantes seus ser-viços, ocasião em que direitos e vantagens reti-rados são-lhe devolvidos e acrescidos de novos;na última, acusado de indolente e responsávelpela deficiente prestação do serviço público,quando, na realidade, outros são os fatores quegeram essa deficiência, época em que direitos evantagens lhe são suprimidos.

Desse modo, com equilíbrio entre cortes, re-cobramentos e obtenção denovos direitos e vantagens,o servidor público civil sem-pre manteve uma situaçãoque, se não era apenas debonança, também, não oafligia por lapso grande,permitindo-lhe desenvolversuas atividades, ainda quenas épocas aflitivas, comesperança de dias melhores.

Ocorre, porém, que, modificada a situaçãopolítica do País e permitida a reeleição do Presi-dente da República, com esta, o atual período pre-sidencial foi estendido para oito anos, e o servi-dor público civil, que vinha sendo prestigiado pelogoverno anterior, ficou submetido a um dirigenteque nele não vê somente indolência e responsa-bilidade pelo mau desempenho das atividadesadministrativas, mas causa e efeito de tudo deruim que acontece à Nação, em retórica que jánão mais convence até o menos esclarecido ci-dadão, como, exemplificando, a inflação, o défi-cit da Previdência Social, a corrupção, a dívidainterna, a dívida externa, o desequilíbrio das con-

tas públicas, as falências da saúde, da segurançae da educação e as epidemias de dengue e defebre amarela.

Com esse pensamento, já em fevereiro de1994, cancelou, mediante Medida Provisória edi-tada no último dia do período aquisitivo, (MedidaProvisória 434, de 28/02/94), reposição salarial in-flacionária de 47,94% (quarenta e sete inteiros enoventa e quatro centésimos por cento), concedi-da ao servidor público civil pelo governo anterior,que Itamar Franco presidia.

A seguir, criou dois Pla-nos de Demissão Voluntáriaao argumento de necessida-de de promover equilíbrionas contas públicas, quandoé público e notório que ou-tras são as causas e que onúmero de servidores públi-cos é insuficiente ao desen-volvimento satisfatório do

serviço público, aumentando a deficiência na suaprestação.

Não fora isso, atribuiu ao servidor públicocivil a responsabilidade pelo déficit da Previdên-cia Social por serem integrais os proventos dasua aposentadoria, esquecendo-se que ela nun-ca teve caráter securitário, mas significou, sem-pre, prêmio pelos seus relevantes serviços, pres-tados à sociedade como agente do Estado, e,portanto, nunca dependeu de cálculos atuariais,nem havia, anteriormente, sido responsável pormais esse descontrole financeiro, destinando-seo desconto nos seus salários, tão-somente, aocusteio de assistência médica.

... as perdas ganham nívelconstitucional, minudência que

demonstra, à saciedade,as enormes dificuldades que,

futuramente, terão que servencidas para o recobramento.

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Em relação à legislação ordinária, preocupante,também, se me afigura a supressão de conquistas

funcionais... Conseqüentemente, como seu inimigonúmero um, por meio dessas supressões, avilta a

função pública e desestimula seus ocupantes e aquelesque, porventura, pretendessesm ocupá-la, com reflexos

e prejuízos para maior interessado, o usuário doservidor público, em resumo, o povo.

E mais, a maior prova de tais assertivas estáno fato de não ter a União Federal recolhido, ja-mais, desde que o primeiro servidor público pisouneste País com Pedro Álvares Cabral, um centavo,sequer, a qualquer fundo previdenciário do servi-dor público.

Não é só; o legislador constituinte de 1988autorizou a criação de regime de previdência con-tributiva para o servidor público civil, mas o legis-lador ordinário preferiu manter sua aposentadoriacomo prêmio aodeterminar no art.231, § 2º, da Lei8.112/90 que elafosse custeada, in-tegralmente, peloTesouro Nacional.

Não obstan-te isso, insistiutanto o atual go-vernante na trans-formação da apo-sentadoria do servidor público civil de prêmio emsecuritária, que conseguiu concretizá-la por meioda Emenda Constitucional 20/98, quando, então,criou regime de previdência de caráter contributi-vo, com equilíbrio financeiro e atuarial, e aposenta-doria que não mais depende, tão-somente, de tem-po de serviço, mas de tempo de contribuição (Cons-tituição Federal, art. 40, § 1º), transformação quetivera início por meio da Emenda Constitucional 03/93, com acréscimo de mais um parágrafo, o sexto,ao art. 40 da Constituição Federal.

De outro lado, se direitos e vantagens do ser-vidor público civil, antigamente, perdidos por le-gislação ordinária, poderiam, posteriormente, da

mesma forma, ser-lhe devolvidos, ocorrendo, rara etimidamente, supressão mediante alterações cons-titucionais, atualmente, em proporções gigantes-cas e amofinadoras, as perdas ganham nível cons-titucional, minudência que demonstra, à sacieda-de, as enormes dificuldades que, futuramente, te-rão que ser vencidas para o recobramento.

Diante disso, podemos destacar o direito degreve, que não mais será exercido nos termos e li-mites definidos em lei complementar, mas, após a

Emenda Cons-titucional 19/98, em lei ordi-nária (Consti-tuição Federal,art 37, VII) tão-somente, per-mitindo, commaior facilida-de, sua altera-ção até por Me-dida Provisóriapara abortar

possíveis reivindicações que a utilizem como for-ma de persuasão; a acumulação remunerada de car-gos públicos permitida foi submetida ao teto deremuneração (Constituição Federal, art. 37, XVI –Emenda Constitucional 19/98), pormenor que podelevar o servidor a receber salário inferior ao legal-mente estipulado pelo exercício de um dos cargos,quando os vencimentos de ambos ultrapassarem olimite constitucional, regra aplicável a proventos deaposentadoria (Constituição Federal, art. 42, § 11),o que implica exceção dentro da exceção; a trans-formação da aposentadoria-prêmio em aposen-tadoria-securitária, feita com a criação de regimede previdência de caráter contributivo, com equi-

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líbrio financeiro e atuarial, permitida a inativaçãonão mais em decorrência do tempo de serviço eindependentemente de cálculos atuariais ou con-tribuições, mas, unicamente, com espeque no tem-po de contribuição, acrescido de idade mínima,antes inexistente (60 anos de idade e 35 de con-tribuição – homem; 55 anos de idade e 30 de con-tribuição – mulher), norma estendida, também, àaposentadoria proporcional e à compulsória (Cons-tituição Federal, art. 40, § 1º, - Emenda Constitu-cional 20/98); proventos de aposentadoria calcu-lados somente com base na remuneração do car-go efetivo (Constituição Federal, art. 40, §§ 2º e3º – Emenda Constitucional 20/98); aposentado-rias e pensões com valor limitado ao máximo es-tabelecido para os benefici-ários da Previdência Social(Constituição Federal, art.40, § 14 – Emenda Consti-tucional 20/98); aumento doprazo de estabilidade de 02(dois) para 03 (três) anos eseu abrandamento, median-te autorização para perda decargo do servidor público ci-vil estável após procedimen-to de avaliação periódicade desempenho (Constituição Federal, art. 41 e §1º, III – Emenda Constitucional 19/98) e avaliaçãoespecial de desempenho como condição para aqui-sição de estabilidade. (Constituição Federal, art.41, § 4º – Emenda Constitucional 19/98.)

Em relação à legislação ordinária, preocupan-te, também, se me afigura a supressão de con-quistas funcionais, não apenas recentes, mas dedécadas, circunstância que me deixa a impressãode que o atual governante, empenhado não ape-

nas em suprimir direitos e vantagens, mas todosos direitos e vantagens do servidor público civil,foi procurá-los no “fundo do baú” para extirpá-losdo seu patrimônio. Conseqüentemente, como seuinimigo número um, por meio dessas supressões,avilta a função pública e desestimula seus ocu-pantes e aqueles que, porventura, pretendessemocupá-la, com reflexos e prejuízos para o maiorinteressado, o usuário do serviço público, em re-sumo, o povo.

Nessa ordem de idéias, temos a incorpora-ção de “quintos”, criada pelo art. 2º da Lei 6.732/79, revogada pelo art. 1º da Lei 9.527/97 após qua-se 20 (vinte) anos de existência; o adicional portempo de serviço, previsto no art. 145, XI, da Lei

1.711/52 como qüinqüênio etransformado em adicionalanual pelo art. 67 da Lei8.112/90, que existia, portan-to, há 48 (quarenta e oito)anos, foi revogado pela Me-dida Provisória 1.964-34/2000 (1ª edição), reeditadatrês vezes e ainda não trans-formada em lei, o que de-monstra a conivência do

Congresso Nacional na supressão mediante omis-são na sua apreciação; a licença por motivo dedoença em pessoa da família sem prejuízo da re-muneração até 90 (noventa) dias, instituída peloart. 172 do Decreto-Lei 1.713/39, há 58 (cinqüen-ta e oito) anos, foi aumentada para 180 dias pelaLei 8.112/90 (art. 83, § 2º) e reduzida, drastica-mente, pela Lei 9.527/97 (art. 1º) para 60 (sessen-ta) dias, prazo após o qual não mais será paga aremuneração; a licença para atividade política,criada pelo art. 121, II, da Lei 1.711/52, e man-

... qualquer perspectiva derecobramento de direitos e

vantagens do servidor públicocivil passa, necessariamente,

pela política governamental devalorização da função pública

e desse servidor.

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tida pelo art. 86 da Lei 8.112/90, foi restringidapelo art. 1º da Lei 9.527/97, que não mais asse-gura o pagamento de remuneração, mas, tão-so-mente, de vencimentos, apenas pelo prazo de trêsmeses, não durante todo o período eletivo; a Li-cença Especial, criada pela Lei 42/35, art. 1º, emantida pelo art. 87 da Lei 8.112/90 com a deno-minação de licença-prêmio-assiduidade, extintapela Lei 9.527/97 (art. 1º) depois de 62 (sessentae dois) anos de existência; desde 28/10/1939, há58 (cinqüenta e oito) anos, o art. 96, § 3º, doDecreto-Lei 1.713/39 previa, para aposentadoria,o arredondamento para um ano do tempo de ser-viço que ultrapassasse 180 (cento e oitenta) dias,benefício que foi mantido pela Lei 8.112/90 (art.101, parágrafo único); contudo, a Lei 9.527/97(art. 18) o revogou, mantendo, entretanto, o le-gislador o cancelamento da contagem, para omesmo fim, até 179 (cento e setenta e nove) dias;a aposentadoria com retribuição de classe oupadrão imediatamente superior ou com a remu-neração de cargo em comissão ou função de con-fiança, outorgada ao servidor público civil pelosarts. 180 e 184 da Lei 1.711/52 e mantida pelosarts. 192 e 193 da Lei 8.112/90, foi revogadapela Lei 9.527/97 (art. 18), conseqüentemente,após 45 (quarenta e cinco) anos de vigência.

Feita essa panorâmica da situação funcionaldo servidor público civil, restam-nos as indaga-ções, que são o tema dessa nossa conversa: Háperspectivas de recobramento desses direitos evantagens perdidos? Sendo afirmativa a respos-ta, como recobrá-los e em que lapso?

Inicialmente, não podemos esquecer que,diversamente do que sempre ocorreu, a perda dedireitos e vantagens de servidor público civil,

dessa vez, não se limitou a supressão por legis-lação ordinária ou, timidamente, em nível cons-titucional, mas nesse nível assumiu magnitudemortificante; que, concomitantemente, modifica-ções profundas, que implicaram perda dessesdireitos e vantagens, criaram transferências deresponsabilidades financeiras grandes e aumen-to de arrecadação para o governo, como a trans-formação da aposentadoria-prêmio em securitá-ria; que inexiste precedente na quantidade de di-reitos e vantagens suprimidos, muitos com re-percussões financeiras consideráveis, e que apolítica de desvalorização do servidor público civile, em conseqüência, da função pública, nuncadurou tanto tempo.

Estabelecidas essas premissas, podemos as-severar que qualquer perspectiva de recobramen-to de direitos e vantagens do servidor público ci-vil passa, necessariamente, pela política governa-mental de valorização da função pública e desseservidor. Logo, como, indubitavelmente, não háindícios de que a atual política seja alterada até ofinal do próximo ano, não vejo perspectiva, a cur-to prazo, da recuperação em comento, ainda que,mitigadamente, mesmo porque, as investidas con-tra tais direitos e vantagens continuam, como oretorno à tentativa de criar contribuição previden-ciária para inativos, não obstante sua rejeição peloCongresso Nacional, várias vezes, e pelo Supre-mo Tribunal Federal.

Entendo, porém, que no próximo período pre-sidencial, ainda que a atual política de pessoalperdure, sempre haverá possibilidade de sensibi-lização do governante para a necessidade de valo-rização do servidor público civil como condiçãode sobrevivência do próprio serviço público. A

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Saúde, a Segurança e a Educação, pilares de so-brevivência da sociedade, não agüentarão, pormuito tempo, a atual política de pessoal. Epidemi-as de dengue e febre amarela, atingindo níveis decalamidade pública pela persistência e alastramen-to; doentes morrendo em filas de postos de saúdepor falta de médicos e enfermeiros para atendê-los, já que as condições de trabalho e salarial nãoseduzem esses profissionais; assaltos a qualquerhora do dia ou da noite; violência sempre crescen-te; impossibilidade de caminhar-se pelas ruas porfalta de policiamento preventivo, uma vez que osriscos da função e os salários não atraem candi-datos a policiais; um policial-militar do DistritoFederal recebia, até setembro último, R$ 115,80(cento e quinze reais e oitenta centavos) de soldo,valor inferior ao salário mínimo, que, somado atodas as vantagens e gratificações, não ultra-passava a remuneração de R$ 1.197,35 (mil, centoe noventa e sete reais e trinta e cinco centavos);hoje, apesar de reajuste obtido a partir de outu-bro, alcança pouco mais de R$ 1.400,00 (mil equatrocentos reais) (dezembro de 2000); avilta-mento de salários de professores e técnicos emeducação e falta de condições de trabalho nas es-colas, resultando em ensino deficiente para nãodizer totalmente ineficiente. E em outros setoresda Administração, fiscais que não fiscalizam, comevidente prejuízo para os cofres públicos, em de-corrência de desestímulo funcional.

Igualmente, direitos e vantagens perdidospor meio de alterações da Constituição Federalpoderão, embora com maior dificuldade, ser de-volvidos ao servidor público civil. Todavia, aque-les que, suprimidos e substituídos por nova sis-temática, implicaram, sobretudo, alívio de caixae aumento de arrecadação, dificilmente serão re-cuperados, ainda que a política de pessoal mudecompletamente. Entre eles, o maior deles, a trans-formação da aposentadoria-prêmio em securitá-ria. A esperança maior é que, a exemplo do queocorreu com outros dispositivos constitucionais,o projeto de instituição do regime de previdênciacomplementar fique a toscanejar no CongressoNacional e o servidor público civil, nos termosdo art. 40, § 16, da Constituição Federal, perma-neça com o direito de aposentar-se com venci-mentos integrais.

Finalmente, conquistas de décadas, que fo-ram revogadas, poderão, por intermédio de novapolítica de pessoal ou sensibilização do PoderPúblico para a valorização do servidor públicocivil e do próprio serviço público, se extintas porlegislação ordinária, com maior facilidade, pelotempo de sua existência e pela força da tradição,ser, integralmente, restauradas, desde que a eli-minação não tenha resultado, repito, em alíviosensível de caixa ou aumento de arrecadação. Não,porém, imediatamente.

Boletim Informativo de JurisprudênciaPublicação eletrônica que divulga resumos não oficiais

dos julgados do TRF - 1ª Região.Elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento.

Veja semanalmente no endereço

www.trf1.gov.br

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