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1 TIPOLOGIA DOS CONFLITOS SOBRE OCUPAÇÃO DA TERRA EM MOÇAMBIQUE Uacitissa Mandamule Nº 37 Fevereiro 2016 Documento de Trabalho Observador Rural

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TIPOLOGIA DOS CONFLITOS SOBRE OCUPAÇÃO DA TERRA EM MOÇAMBIQUE

Uacitissa Mandamule

Nº 37

Fevereiro

2016

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O documento de trabalho (Working Paper) OBSERVADOR RURAL (OMR) é uma publicação do

Observatório do Meio Rural. É uma publicação não periódica de distribuição institucional e

individual. Também pode aceder-se ao OBSERVADOR RURAL no site do OMR

(www.omrmz.org).

Os objectivos do OBSERVADOR RURAL são:

Reflectir e promover a troca de opiniões sobre temas da actualidade moçambicana e

assuntos internacionais.

Dar a conhecer à sociedade os resultados dos debates, de pesquisas e reflexões sobre

temas relevantes do sector agrário e do meio rural.

O OBSERVADOR RURAL é um espaço de publicação destinado principalmente aos

investigadores e técnicos que pesquisam, trabalham ou que tenham algum interesse pela área

objecto do OMR. Podem ainda propor trabalhos para publicação outros cidadãos nacionais ou

estrangeiros.

Os conteúdos são da exclusiva responsabilidade dos autores, não vinculando, para qualquer efeito

ao Observatório do Meio Rural nem os seus parceiros ou patrocinadores.

Os textos publicados no OBSERVADOR RURAL estão em forma de draft. Os autores agradecem

contribuições para aprofundamento e correcções, para a melhoria do documento final.

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Este documento de trabalho resulta do projecto de investigação sobre as

Tipologia dos conflitos sobre ocupação da terra em Moçambique que teve

como financiador principal o Fundo para o Ambiente de Negócios (FAN).

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TIPOLOGIA DOS CONFLITOS SOBRE OCUPAÇÃO DA TERRA EM

MOÇAMBIQUE

Uacitissa Mandamule1

1. INTRODUÇÃO

O tema em estudo mostra-se relevante na actual conjuntura nacional, na qual se assiste ao

despoletar de novos conflitos e agravamento dos já existentes envolvendo famílias, comunidades,

Estado e/ou investidores privados pelo acesso à terra. O trabalho propõe-se, de forma geral, a

formular uma tipologia dos conflitos sobre ocupação da terra em Moçambique e, de maneira mais

específica, conceptualizar e identificar os tipos de conflitos sobre ocupação da terra em

Moçambique, mapear os actores envolvidos nos conflitos da terra e apontar as formas de gestão

e resolução dos conflitos adoptadas em cada tipo de conflito identificado, tendo em conta,

também, as características da sociedade em que acontecem (matrilinear ou patrilinear).

Este documento resulta de uma pesquisa qualitativa na qual se recorreu à revisão bibliográfica de

obras gerais e especializadas sobre o tema em estudo e à observação não-participante. Foram

igualmente aplicadas entrevistas individuais e colectivas junto a informantes-chave, como

pesquisadores, autoridades comunitárias, camponeses (associados e individuais), autoridades

administrativas, investidores e homens e mulheres membros das comunidades locais.

A recolha de dados decorreu entre os meses de Julho e Agosto de 2015, em sete distritos de três

províncias, nomeadamente: Marracuene em Maputo, Angoche, Malema, Monapo e Ribaué, em

Nampula, e Gurué e Alto Molócué na Zambézia. Foram identificados, nestes locais, conflitos de

terra de natureza variada e categorizados em função dos actores envolvidos e dos direitos

reivindicados, sendo os mais frequentes os seguintes: conflitos intra-familiares, conflitos inter-

familiares, conflitos inter-comunitários e conflitos entre investidores e comunidades locais. Neste

último caso, optou-se, estrategicamente, por estudar os conflitos de terra ligados aos agro-

investimentos em curso no Corredor de Desenvolvimento de Nacala, podendo as análises feitas

aplicarem-se aos casos de disputas que envolvam as empresas de mineração e exploração de

hidrocarbonetos existentes no país.

A similaridade entre as dinâmicas encontradas no campo levou-nos, metodologicamente, a optar

por apresentar, neste artigo, apenas quatro dos sete distritos visitados, nomeadamente: Alto

Molócué, Gurué, Malema e Marracuene. Em geral, constatou-se que os conflitos de terra

registam-se, quer no meio rural, como no meio urbano, e estão ligados, não só ao crescimento

demográfico, à expansão das cidades e à procura de terra para habitação que a acompanham, como

também a questões culturais ligadas à herança e à tradição, às deficiências na implementação da

Lei de Terras e outros instrumentos legais, à sobreposição dos direitos costumeiro e positivo e à

implantação de projectos de investimento, que demandam grandes extensões de terras férteis em

locais onde comunidades estão instaladas há mais de 10 anos. Constataram-se, igualmente,

algumas semelhanças nas formas de resolução dos conflitos, sobretudo no que concerne aos

actores envolvidos que podem ser: pessoas mais velhas da comunidade, autoridades tradicionais

e religiosas, tribunais comunitários e judiciais, autoridades administrativas, através dos Serviços

Distritais de Actividades Económicas, Administradores dos distritos, Organizações da Sociedade

Civil e os próprios investidores.

1 Uacitissa Mandamule, mestre em Ciência Política e Assistente de Investigação no OMR. Docente

na Universidade Politécnica e no Instituto Superior de Administração Pública.

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Incluindo a introdução, o artigo comporta quatro secções. Na segunda secção apresentam-se as

diferentes correntes teóricas para a compreensão dos conflitos de terra; a terceira secção é

dedicada à apresentação e análise dos conflitos mapeados nos quatro distritos acima referidos e,

por fim, na quarta secção apresentam-se as considerações finais.

2. ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE OS CONFLITOS DE TERRA

Segundo Fernandes (2006), apud Felício e Fernandes (2007), um conflito de terra é um confronto

entre classes sociais, entre modelos de desenvolvimento2, por territórios, enfrentado a partir da

conjugação de forças que disputam ideologias para convencerem ou derrotarem as forças opostas.

Chauveau e Mathieu (1998) consideram que um conflito de terra pode ser iminente ou declarado.

O conflito de terra é iminente quando envolve violência simbólica e é declarado quando a carga

de violência simbólica ou física ultrapassa o considerado tolerável nas relações da vida social

quotidiana, ou seja, quando passa da simples ameaça, presente nos momentos de interacção e

negociação quotidiana, à acção. Assim, pode-se considerar um conflito de terra a disputa,

simbólica ou física, pelo acesso e controlo deste recurso, que opõe diferentes interessados e

utilizadores.

Em Dynamiques et enjeux des conflits fonciers, Chauveau e Mathieu (1998:245) propõem duas

correntes de análise dos conflitos de terra e suas causas. A primeira corrente vê nos conflitos de

terra fenómenos completamente negativos a resolver ou prevenir, o máximo possível, por meio

de autoridades externas competentes, dotadas de meios próprios. Esta corrente tem em conta o

papel dado à integração social, como elemento estruturante das sociedades, e considera a violência

e injustiça, frequentemente presentes nos conflitos, fontes de desperdícios humanos e sociais. A

desvantagem desta abordagem, consideram os autores, é de confiar a resolução dos conflitos de

terra a actores externos ao local onde acontecem os conflitos (poderes públicos), correndo o risco

de ser ineficaz por querer impor uma ordem social muito diferente das lógicas sociais locais e

criar violência e injustiças de outra natureza, que podem enfraquecer as capacidades locais de

resolução dos conflitos.

Esta visão pode ser encontrada em autores como Durkheim (1893), por exemplo. Em De la

division du travail social, Durkheim considera que os conflitos são reveladores de uma ruptura

do contrato moral e da coesão social, e uma forma patológica ligada à divisão social do trabalho.

Durkheim considera positiva a diferenciação dos indivíduos e das profissões, a regressão da

autoridade da tradição e o domínio crescente da razão, mas, no entanto, observa que, com a divisão

do trabalho, os homens deixaram de conhecer o seu lugar e o seu papel, entrando em

confrontações e aumentando a taxa de suicídios, expressão de certos traços patológicos da

organização actual da vida colectiva (Aron, 2000).

A segunda corrente, de carácter neo-institucionalista, vê nos conflitos de terra uma forma normal

e, por vezes, necessária e benéfica à vida social. Esta corrente considera que o conflito é um meio,

entre outros, de comunicação entre diferentes actores e grupos de actores, e reflecte a inadaptação

entre os sistemas preexistentes de identificação e administração dos direitos sobre a terra, e os

novos problemas que se colocam ao sistema social. Para esta corrente, o aumento progressivo da

2 Os modelos de desenvolvimento a que se refere Fernandes (2006) são o Paradigma da Questão

Agrária e o Paradigma do Capitalismo Agrário. O Paradigma da Questão Agrária explica as disputas

territoriais e as conflitualidades no meio rural tendo como ponto de partida as lutas de classe, e

considera que os problemas agrários fazem parte da estrutura do capitalismo. Já o Paradigma do

Capitalismo Agrário considera que as desigualdades geradas pelas relações capitalistas são um

problema conjuntural, superável por meio de políticas que possibilitem a integração do campesinato

ou agricultor familiar de base no mercado capitalista (Fernandes et al. 2014).

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escassez e do valor da terra conduzem a conflitos sobre a propriedade da terra, que levam à

necessidade de uma inovação institucional.

Esta ideia do conflito como um estado normal e forma de interacção constitutiva da sociedade é

defendida, no domínio da sociologia, por autores como Marx (1845), Coser (1956) e Simmel

(1966), por exemplo. Na obra Conflict and the web group-affiliations, Simmel (1966) considera

o conflito como algo positivo que resolve tensões entre elementos contrários. O autor considera

que, “se toda a interacção entre os indivíduos é uma inter-acção3, o conflito, que é uma das formas

de interacção mais intensa e que envolve, não apenas um único indivíduo, deve certamente ser

considerado uma forma de inter-acção (...). Assim como o universo necessita de forças atractivas

e repulsivas, amor e ódio, a sociedade também, para alcançar uma determinada configuração,

precisa de uma relação quantitativa de harmonia e desarmonia, de associação e competição. O

conflito é, assim, uma forma de alcançar uma certa unidade, ainda que seja por meio da

aniquilação de uma das partes conflituantes” (p.15).

Apoiando-se nos trabalhos de Simmel, Coser (1956) considera, igualmente, em Les fonctions du

conflit social, o conflito como um factor regulador da ordem social, que ajuda a fortalecer os

vínculos entre os membros dos grupos em oposição, a tal ponto que um grupo possa ter interesse

em que apareça um inimigo exterior para poder consolidar os laços entre os seus membros. O

conflito, entende Coser, nem sempre provoca problemas de relacionamento no seio dos grupos

em que ele acontece; pelo contrário, ele pode cumprir uma importante função de integração social.

Como se pode depreender, as abordagens teóricas sobre os conflitos de terra não são coincidentes;

elas também variam e opõem-se entre si. Uma análise sobre a realidade moçambicana, também

diversa, não deve cingir-se, apenas, a uma das duas correntes, mas, sim, considerar a combinação

entre as mesmas por forma a obter uma melhor compreensão sobre as conflitualidades sobre a

ocupação da terra no país, que serão apresentadas na secção que se segue, através dos casos de

Alto Molócué, Gurué, Malema e Marracuene.

3. AS CONFLITUALIDADES RURAIS EM MOÇAMBIQUE

3.1 O distrito de Alto Molócué: características gerais e fundiárias

Situado na região da Alta Zambézia, a 362 km da capital, Quelimane, o distrito de Alto Molócué

tem uma superfície de 6.375 km² e está administrativamente dividido em 2 postos administrativos,

Alto Molócué sede e Nauela, por sua vez subdivididos em dez localidades, nomeadamente: Vila

sede do Distrito de Alto Molócué, Malua, Calaia, Chapala, Ecole, Mutala, Nacuaca, Nimala,

Nivava, Novanana no posto administrativo Molócué sede, e Nauela e Mahiua no posto

administrativo de Nauela.

3 Sociation em inglês.

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Figura 1

Localização geográfica do distrito de Alto Molócué

Fonte: INE, 2013

O rio Ligonha separa, a Norte, o distrito de Alto Molócué da província de Nampula,

concretamente dos distritos de Malema e Ribaué. A Sul, o distrito faz limite com o Distrito de Ile,

a Este, com o Distrito do Gilé e, a Oeste, com o Distrito de Gurué (INE, 2013).

Os dados estatísticos do INE (2013) indicam que Alto Molócué é um dos distritos mais populosos

da Zambézia, com cerca de 346.369 habitantes, dos quais 179.412 mulheres (51,8%) e 166.957

homens (48,2%). A maior aglomeração populacional regista-se nas localidades de Nauela sede,

com 42.656 habitantes (15,6%), e, na vila sede do distrito, com 42.200 habitantes (15,4%). A

população do distrito é maioritariamente rural, jovem, sendo que 21% da população vive nas

zonas urbanas (MAE, 2005).

Alto Molócué pertence à zona agro-ecológica 10 (R10) que ocorre nas regiões de alta altitude da

Zambézia, Niassa, Angónia e Manica. Esta é uma região com grande potencial agrícola,

caracterizada pela existência de terras aráveis, bastante férteis, níveis satisfatórios de precipitação,

com uma média anual de 1200 mm, e temperaturas que favorecem a produção agrícola [Sitoe,

2005; Walker et al. 2006].

A agricultura é, maioritariamente de sequeiro, feita em pequenas explorações familiares, em

regime de consociação de culturas e com recurso a métodos tradicionais de fertilização dos solos

e técnicas rudimentares de cultivo. As principais culturas alimentares são o milho, mandioca,

mapira, hortícolas, arroz e os feijões. Para além de contribuírem para a segurança alimentar das

famílias, os feijões e o milho constituem, juntamente com o algodão, girassol, tabaco e a soja, as

principais culturas de rendimento (MAE, 2005).

A população economicamente activa estava estimada, em 2005, em cerca de 83 mil pessoas das

quais 97% são trabalhadores familiares, ou por conta própria, e apenas 3% eram trabalhadores

com emprego formal no Estado e nas empresas privadas. Um olhar sobre a distribuição da

população activa por ramo de actividade indica que a agricultura é a principal fonte de

sobrevivência das famílias, ocupando a maior parte da população activa do distrito (cerca de

92%), estando os restantes 8% distribuídos pelos sectores secundário e terciário (MAE, 2005).

Devido à proximidade de fontes de água, a maior concentração de explorações familiares localiza-

se nas margens das diferentes vias fluviais que percorrem o distrito.

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O potencial de terra arável do distrito é de cerca de 400 mil hectares, da área total de 637 mil do

distrito. O distrito conta com cerca de 59.326 explorações agrícolas, sendo a maioria (59.324)

pequenas e médias e explorações, e apenas 2 grandes explorações. A área cultivada pelas

pequenas e médias explorações é de 48.999 hectares, e as grandes explorações ocupam 107

hectares. A área média da unidade de produção do sector familiar é de 0,8 hectares (INE, 2013).

Para além da agricultura, a população do distrito de Alto Molócué dedica-se à pesca, carpintaria,

artesanato e pecuária. Uma parte da produção pecuária destina-se ao consumo da família

(galinhas, patos e cabritos) e outra para a comercialização (cabritos, porcos e ovelhas). No

entanto, o facto de o distrito não estar próximo da zona costeira limita a prática da pesca. Ademais,

a frequente ocorrência de doenças, a falta de fundos e as deficiências dos serviços de extensão

rural constituem, também, constrangimentos consideráveis para o desenvolvimento da actividade

pecuária (MAE, 2005).

O distrito apresenta igualmente algumas ocorrências minerais de turmalinas, quartzo, água

marinha azul médio, berilo industrial, columbo-tantalite, ouro e outros. Estes recursos são, na sua

maioria, explorados artesanalmente, e ocorrem nas localidades de Nacuaca, Novanana, Mutala e

Nauela sede (MAE, 2005).

A transmissão do poder e da herança faz-se por sucessão matrilinear, ou seja, a criança pertence

à linhagem da mãe. Esta pertença não significa, no entanto, que são as mulheres que detêm o

poder sobre a casa e os recursos, mas, sim, que os homens da família materna é que têm poder e

influência sobre a criança. A pessoa mais importante para a criança não é seu pai biológico, mas

seu tio materno mais velho que tem maior peso na educação e orientação da criança (MAE, 2005).

3.1.1 Tipos de conflitualidade e formas de resolução

O crescimento populacional no distrito tem levado a uma certa pressão sobre a terra e outros

recursos, que leva ao surgimento de conflitos de terra. Devido às suas condições agro-climáticas,

a região do Posto Administrativo de Nauela é a mais produtiva do Distrito e a mais propensa ao

surgimento de conflitos de terra. A concorrência pelo acesso à terra, sobretudo nas zonas onde

passam recursos hídricos do distrito, constitui o principal eixo de conflitualidade quer no seio de

uma mesma família, quer entre famílias diferentes.

a) Conflito Intra-familiar (entre pessoas da mesma família)

O conflito intra-familiar é aquele que acontece no seio da família nuclear ou alargada, envolvendo

os binómios pais-filhos, maridos-esposas, sogros-noras/genros, etc., sempre que haja divergência

de objectivos e interesses entre os mesmos (Gaspar, 2003).

Este tipo de conflito de terras é o que mais se verifica no distrito de Alto Molócué, com maior

incidência na localidade de Nauela-sede. A disputa acontece, em muitos casos, entre tios e

sobrinhos, podendo, em determinadas situações, envolver os filhos dentro uma mesma família

(homens e mulheres). Segundo a tradição e cultura predominantes nestas sociedades

matrilineares, o filho que atinge a maturidade deve deixar a sua zona de origem para se instalar

na terra onde irá contrair matrimónio. A terra que ele irá ocupar pertence à mulher enquanto

membro do “nihimo” (linhagem materna), devendo o homem construir a sua palhota e cultivar

dentro da área matrimonial reservada à sua mulher, ficando somente encarregue das suas

sobrinhas. Com excepção dos instrumentos de trabalhos e pequenos pertences, os principais bens

económicos, tais como as casas e as terras, não passam para os filhos masculinos da família, uma

vez que estes terão que deixar a terra onde nasceram quando atingirem a fase adulta. Assim, as

filhas da família e os sobrinhos uterinos da mesma são os herdeiros preferenciais da sociedade

matrilinear (Geffray, 1989; Muteia, 1996).

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No entanto, a herança para os sobrinhos uterinos nem sempre constitui unanimidade no seio destas

sociedades, particularmente no que concerne à partilha da terra. Assim, dois posicionamentos

contrários existem envolvendo, por um lado, os que defendem a herança da terra para os sobrinhos

uterinos (sistema matrilinear) e, por outro lado, os que defendem a herança da terra apenas para

os filhos do casal (característico do sistema patrilinear). Quando o chefe de família morre, é

frequente os sobrinhos uterinos reivindicarem as terras deixadas pelo seu tio, argumentando ser a

norma vigente na família e na sociedade por gerações. O conflito surge pois os filhos,

descendentes directos do falecido, também reclamam a herança das terras deixadas pelo seu pai,

não aceitando compartilhar a mesma com os seus primos.

A disputa sobre a herança e divisão das terras pode igualmente envolver os filhos de uma mesma

família (homens e mulheres). Verificou-se nesta parcela do país que as novas gerações, com

algum grau de instrução, líderes comunitários, algumas instituições religiosas e membros da

administração local, consideram que os filhos têm o direito de herdar todos os bens deixados pelos

seus pais, incluindo as terras da família. Os filhos são os frutos directos deixados pelos pais, e são

o garante da continuidade do legado da família e, portanto, os legítimos merecedores da herança,

pondo em causa o princípio matrilocal destas sociedades que também reconhece os sobrinhos

uterinos como herdeiros.

Apesar de concordarem sobre quem deve herdar os bens da família, os filhos (homens e mulheres)

não são unânimes quanto ao sexo que merece gerir os bens herdados. A disputa surge pois as

filhas, que são consideradas guardiãs da família, defendem que os seus irmãos não devem ter

direitos sobre as terras deixadas pelos pais uma vez que estes, ao contrair matrimónio, receberão

um espaço nas terras da família de sua mulher, onde irão construir a sua casa, destroncar e cultivar

a terra.

Quando se separa, o homem deve, automaticamente, regressar à sua zona de origem onde deverá

reconstruir a sua vida até contrair um novo matrimónio. Este regresso nem sempre é pacífico pois,

em alguns casos, os filhos regressados encontram que as irmãs já contraíram matrimónio e, por

sua vez, os maridos vieram fixar residência nas terras da família da esposa. Como nem sempre os

filhos regressados aceitam que os seus cunhados tenham fixado residência nas terras da família,

os irmãos regressados e as irmãs guardiãs das terras da família entram em conflito, alguns dos

quais tornam-se graves, chegando a envolver agressões físicas e práticas obscurantistas, na

tentativa de impedir o acesso à terra pelo pretendente4.

Se o homem morre e a viúva se une a um outro homem, este deverá igualmente abandonar a sua

zona de origem para habitar na terra de sua esposa. Tal não sucede apenas nos casos em que o

novo casal não é aprovado pelos filhos do anterior casamento, sendo a mulher obrigada a mudar-

se para a zona de origem do novo marido. Nestes casos, quando o casal se separa ou o homem

perde a vida, a mulher é destituída de todos os bens pelos familiares do falecido, incluindo a

machamba que cultivava.

Quando, ao contrário, é a mulher a perder a vida, à semelhança do que acontece em caso de

separação, o homem deve regressar à sua zona de origem, onde irá negociar com as suas irmãs

para que estas lhe concedam um espaço para refazer a sua vida, até contrair um novo matrimónio

e mudar-se novamente para as terras da nova esposa. O regresso do homem para a sua zona de

origem dá-se 40 dias após a morte da esposa, numa cerimónia tradicional dirigida pelos anciãos

da família da falecida junto com algumas autoridades tradicionais locais. Aos pertences do viúvo,

adiciona-se uma quantia simbólica em dinheiro, como forma de agradecer pelo tempo que o

4 Note-se que nas sociedades matrilineares a poligamia é uma prática comum, isto é, o homem pode ter

várias esposas, a condição que cada uma esteja na sua aldeia. Com efeito, o homem não tem casa “própria”;

ele vive na casa da esposa com quem estiver naquele momento.

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homem cuidou de sua filha e das terras da família. A terra e os outros bens do casal ficam para os

filhos e a família da mulher, por se tratar de propriedade daquela.

Este sistema de estruturação e funcionamento da sociedade confere maiores vantagens às

mulheres em relação aos homens, sobretudo no que concerne ao acesso e gestão da terra e dos

bens da família. O sentido de dependência para com o homem é menor entre as mulheres nas

sociedades matrilineares quando comparado com a situação das mulheres nas sociedades

patrilineares. Nestas últimas, a preferência da sucessão do poder e dos bens é dada ao filho homem

mais velho, uma vez que o acesso à terra pela mulher dá-se através do matrimónio ou do pai que

a autoriza a cultivar as terras da família. O cenário descrito nas sociedades matrilineares contribui

para aumentar a capacidade de reivindicação e o poder de decisão às mulheres, no que concerne

às terras da família (Muteia, 1996).

Um exemplo desta assertiva pode ser encontrado na divisão das áreas cultivadas pelo casal que

surge em resultado da distribuição desigual das receitas provenientes da produção e

comercialização de culturas de maior rendimento que se verificava entre os casais. Assim, o

homem e a mulher só produzem as mesmas culturas, nas mesmas áreas, se estas forem culturas

alimentares da família como, por exemplo, hortícolas, milho e mandioca. No entanto, tratando-se

de culturas de rendimento, como o feijão e a soja, é possível encontrar casais produzindo em

espaços separados de uma mesma machamba, uma decisão consensual tomada pelo casal como

forma de permitir que cada um use a receita para outros fins que desejar, para além do sustento

da família, e evitar discussões entre os casais, que são frequentes quando não há separação das

áreas.

Formas de resolução

Os conflitos de terra intra-familiares são resolvidos a nível das comunidades pelos líderes

comunitários (régulos e secretários de bairro), com o envolvimento dos residentes mais antigos

da comunidade e as pessoas mais velhas da família. Nestes encontros de concertação, em que as

partes em conflito apresentam as suas reclamações e são ouvidos os membros mais velhos da

família, chega-se a uma conclusão sobre como será feita a partilha do espaço. Caso não se consiga

resolver o problema a nível familiar, o caso é transferido para o tribunal comunitário que se

encarrega de ouvir os envolvidos, avaliar o espaço em disputa, e, com recurso aos instrumentos

legais, proceder à identificação dos verdadeiros beneficiários da terra, tal como descreve um dos

nossos entrevistados:

Aqui no regulado de Guilherme [Nauela] fomos confrontados com um caso de uma família onde

o homem, antes de falecer, tinha feito uma pequena aldeia, onde, numa parte, estava a família da

esposa e, na outra, a família dele. No entanto, quando ele perde a vida, surge um conflito porque

a família do falecido queria que os filhos e a família da mulher saíssem daquele lugar. Para a

resolução deste conflito, convocaram-se todos os membros das duas famílias, líderes

comunitários, e nós, membros dos tribunais comunitários, e resolveu-se que os filhos seriam os

legítimos herdeiros das terras deixadas pelo pai. (Entrevista concedida a 05/08/2015).

O exemplo acima mostra, de certa maneira, que a fronteira entre os princípios de base do sistema

matrilinear - herança para as sobrinhas uterinas - e do sistema patrilinear - herança para os filhos

- é cada vez menos ténue, impulsionada também pelas regras do direito positivo praticadas pelos

tribunais comunitários.

Ainda nesta categoria de conflitos, é possível identificar situações de disputa de terras envolvendo

camponeses locais e seus familiares deslocados de guerra. Efectivamente, a guerra civil em

Moçambique provocou um movimento de abandono das zonas de origem, sobretudo por parte da

população rural, que procurou instalar-se nas zonas urbanas ou refugiar-se nos países vizinhos. O

fim dos confrontos armados, a realização das primeiras eleições gerais em 1994 e os indícios de

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recuperação económica que o país registou nos últimos anos, contribuíram para levar alguns

destes deslocados de guerra a regressar às suas zonas de origem e reassentar-se nas suas antigas

áreas5. Assim, em alguns locais, como Nauela, Muhito e Namipaua, é frequente a ocorrência de

conflitos de terra uma vez que os regressados de guerra procuram recuperar os espaços familiares,

ao mesmo tempo que os ocupantes posteriores (membros, ou não, da família) não aceitam

abandonar estes mesmos espaços.

b) Conflito Inter-Familiar

O conflito inter-familiar ocorre quando duas ou mais famílias entram em concorrência pelo acesso

e posse de um mesmo espaço. Basicamente, estes conflitos relacionam-se com a não-observância

dos limites e o desrespeito pelos marcos que separam as áreas de uma e outra família. Estes

ocorrem com maior incidência nas regiões próximas das vias fluviais, visto que as condições

naturais destas favorecem a prática da actividade agrícola, principal fonte de rendimento e de

subsistência das famílias no meio rural.

Um dos factores que concorre para o surgimento deste tipo de conflitos é o crescimento

demográfico que o distrito vem registando, que se faz acompanhar por uma maior pressão sobre

os recursos naturais. As Projecções Anuais da População Total das províncias e distritos do INE

(2013) indicam que a população total do distrito terá passado de 296,205 habitantes em 2009 para

360,604 habitantes em 2014, o que corresponde a um aumento na ordem dos 21%. Com efeito,

este crescimento populacional tem por consequência: (i) a redução dos espaços habitacionais

disponíveis; (ii) uma escassez de áreas de produção na medida em que mais de 90% da população

economicamente activa trabalha no sector agrário; (iii) uma redução das áreas de cultivo por cada

membro familiar e, por consequência, (iv) o surgimento de disputas e altercações entre os

diferentes utilizadores, algumas das quais de difícil resolução.

Efectivamente, à medida que o número de agregados familiares aumenta, a necessidade de

expandir as áreas de produção por forma a responder às necessidades alimentares e financeiras da

família também cresce. A escassez de novos espaços para onde alargar as áreas de produção leva

a que os produtores ultrapassem os limites das suas áreas, invadindo espaços pertencentes a outras

famílias. Geralmente, os espaços de que se apropriam os agressores são áreas ociosas,

consideradas reservas da família, que, por não serem cultivadas, provocam a avidez de outras

pessoas, como referiu um camponês de Nauela:

Aqui em Nauela temos registado muitos problemas nas [zonas] baixas, próximo dos rios, porque

é onde se produzem feijões e hortícolas. Se você encontra um terreno que não vai até aos rios

você vai viver muito mal porque não vai conseguir fazer nem arroz nem feijão [...] As pessoas

saem [do seu espaço] para atacar o outro lado [do rio] porque o terreno não chega para toda a

família. O terreno não se aumenta mas as pessoas estão a aumentar, eu tenho filhos e os meus

filhos têm filhos, e todos estes têm que conviver no mesmo espaço. (Entrevista concedida a

06/08/2015).

Outro factor que concorre para a ocorrência deste tipo de conflitos é a ocorrência de inundações

nos principais rios (Molócué, Luaia, Lice, Namirrue, Mulela, Mutuasse e Errequele) durante o

período chuvoso, que afectam a produção das famílias nas margens ou proximidades desses rios.

5Alguns trabalhos (Muteia, 1996; Vivet, 2012) mostram que nem todas as famílias deslocadas de

guerra optaram por regressar às suas terras de origem. Algumas destas famílias optaram por fixar -

se definitivamente nos locais em que se encontravam por inércia ou por receio que novos confrontos

surgissem. Outros ainda há que, durante o movimento de regresso e reassentamento, preferiram

instalar-se, não nas suas zonas de origem, mas em locais intermédios, em terrenos de empresas

abandonadas ou ainda em áreas protegidas e de conservação, criando igualmente conflitos com os

legítimos donos, no primeiro caso, e com o Estado, no caso das áreas protegidas e de conservação.

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Nestas situações, a tendência das famílias é atravessar para o lado menos afectado, entrando em

competição com os ocupantes aí anteriormente instalados.

Formas de resolução dos conflitos inter-familiares

A resolução deste tipo de conflitos envolve os líderes comunitários, em primeira instância, e, em

caso de dificuldades, os casos são reportados aos tribunais comunitários, com conhecimento dos

Serviços Distritais de Actividades Económicas (SDAE) e, posteriormente, ao tribunal judicial do

distrito. Os tribunais comunitários têm o papel de auscultar as partes envolvidas, visitar o espaço

em disputa e deliberar sobre o processo.

Com a ajuda dos líderes comunitários, identificam-se os residentes mais velhos da comunidade,

que contam a história do local e da primeira família a ocupar as terras em disputa e ajudam,

igualmente, a identificar os marcos que separam a área de uma e de outra família. Os marcos são,

na sua maioria, pouco claros e dificilmente identificáveis ao longo do tempo. A deliberação é feita

após a medição das áreas em disputa, podendo optar-se pela retirada da família invasora do

espaço, ou por um acordo que permita que a família invasora possa, com a autorização dos

legítimos donos, permanecer no espaço por ela ocupado, dentro de condições fixadas e acordadas

entre as partes, como refere um membro do Tribunal comunitário da localidade de Guilherme:

Para resolver estes conflitos nós convidamos os líderes comunitários e religiosos. Primeiro,

vamos ao terreno, avaliamos e, dependendo do caso, fazemos uma divisão por igual e as duas

partes ficam satisfeitas. Quando não conseguimos resolver o problema, encaminhamos o caso

para o tribunal do distrito. Por exemplo, o Sr. Gemo, do povoado de Julião, tinha um terreno

onde vivia com os filhos. Depois de ele falecer, veio uma família vizinha reclamar por causa dos

limites, dizendo que os filhos do Sr. Gemo tinham também ocupado uma área que não lhes

pertencia [...] Nós fomos lá e vimos que eles realmente tinham entrado no terreno de dono e, por

isso, deviam se retirar da área mas [...] A situação só ficou resolvida depois de chamarmos o

pessoal da Agricultura (SDAE), porque eles não aceitavam a nossa decisão. (Entrevista

concedida a 06/08/2015).

Para além de um importante centro comercial, o Posto Administrativo de Nauela representa um

importante campo de lutas políticas e partidárias que condicionam os processos de resolução de

conflitos de terra. Mais do que uma questão social, a terra tem sido instrumentalizada pelos

partidos políticos para manter a sua legitimidade junto da população local. A legitimidade das

autoridades tradicionais legalmente indicadas não é reconhecida pelos chefes tradicionais do

partido Renamo, cuja influência e notoriedade nesta região são consideráveis6. Quando existem

conflitos de terra envolvendo membros do seu partido e outras pessoas, os líderes da Renamo

podem não aceitar que os casos sejam julgados pelos tribunais comunitários por entender que

aqueles estão apenas ao serviço dos interesses do partido Frelimo e dos seus membros a nível

local, o que reduz a eficácia dos tribunais comunitários na resolução dos conflitos de terra.

3.2 Distrito de Gurué: características gerais e fundiárias

Particularmente conhecido pelas suas vastas plantações de chá, o distrito de Gurué localiza-se na

região da alta Zambézia e faz limite a norte com o distrito de Malema (Nampula), a Sul com o

distrito de Namarroi, a Este com os distritos de Alto Molócué e Ile, e a Oeste com os distritos de

Milange (Zambézia) e de Cuamba (Niassa).

6 Vide, Chichava (2007).

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Figura 2

Localização geográfica do Distrito de Gurué

Fonte: INE, 2013

Administrativamente, o distrito do Gurué divide-se em dois postos administrativos: Lioma e

Mepuagina, por sua vez subdivididos em 10 localidades: Lioma sede, Magige, Mintulo, Mualijane

e Tetete, em Lioma, e Mepuagiua sede, Incize, Nicoropale, Nipive e Mugaveia em Mepuagiua.

Em 2013, a população do distrito estava estimada em 363,959 habitantes, na sua maioria mulheres

(50,8%), e de matriz rural (INE, 2013).

O degradado estado das vias de acesso secundárias e terciárias do distrito dificulta a mobilidade,

atrasa o escoamento dos produtos e reduz as oportunidades de mercado para os produtores locais.

Ainda assim, o distrito possui importantes ligações com Quelimane, Nampula e Malawi através

da EN1, via Ile, que também o ligam à linha férrea de Nacala, o que tem servido para atrair o

interesse de investidores.

As formas de acesso à terra mais frequentes no distrito são: normas consuetudinárias, ocupação

por boa-fé e pelo DUAT. À semelhança de Alto Molócué, Gurué situa-se na zona Agro-ecológica

10 (R10), devido às características naturais das suas terras que favorecem o desenvolvimento da

actividade agrícola, principal actividade para 88% do total da população economicamente activa,

estimada em cerca de 88 mil pessoas, segundo dados do MAE (2005).

Existem no distrito cerca de 53.988 pequenas e médias explorações agro-pecuárias familiares,

com uma área média de 1 hectare. A produção é feita em condições de sequeiro, num regime de

consociação de produção, sobretudo de milho e feijão vulgar, principais culturas alimentares. A

batata-reno, o feijão-manteiga, o tabaco, e, com maior incidência nos últimos anos, a soja,

constituem as principais culturas de rendimento produzidas no distrito.

3.2.1 Tipos de conflitualidades e formas de resolução

As práticas e tradições societais locais constituem um dos primeiros focos de origem de conflitos

de terra, colocando em oposição membros de uma mesma família, bem como indivíduos de

famílias diferentes. As ocupações desordenadas de áreas pertencentes às várias plantações de chá,

que cobrem o cinturão verde do distrito, constituem o segundo epicentro conflituoso em Gurué,

envolvendo, por um lado, as populações em busca de áreas cultiváveis e habitacionais próximas

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da cidade e, por outro lado, as empresas chazeiras cujas áreas são agredidas pelas primeiras. O

terceiro motivo de conflitualidade está ligado à febre da soja que, com o crescente investimento

no agro-negócio, à escala global (Mosca e Bruna, 2015), atraiu um número considerável de

projectos de investimento, de investidores nacionais e estrangeiros, para as terras férteis de Gurué,

alguns dos quais entraram em disputa com as comunidades locais.

a) Conflito intra-familiar

Embora não muito frequentes, registam-se no distrito de Gurué conflitos entre membros de uma

mesma família relacionados, essencialmente, com questões de herança. Basicamente, as disputas

surgem quando a divisão das terras entre os filhos não é feita de maneira equitativa e agravam-se

quando a qualidade dos solos das áreas atribuídas a uns é considerada pelos outros como sendo

mais produtiva. Os conflitos acontecem, também, naqueles casos em que o homem, por motivos

de separação (pouco frequentes) ou morte da esposa, regressa à sua comunidade de origem, onde

não encontra espaço para construir a sua habitação e fazer a sua machamba, pois o seu anterior

espaço já foi ocupado pelas irmãs e seus maridos.

A resolução deste tipo de conflitos é feita a nível interno das famílias, com ajuda de algumas

testemunhas locais que conhecem a família. Porque as testemunhas apresentadas pelos membros

em conflito, por vezes, têm procedência duvidosa, é comum solicitar-se a intervenção dos régulos

e secretários do bairro, para ajudar na mediação e possibilitar a resolução do conflito. Os conflitos

somente são reportados ao conhecimento dos tribunais comunitários e, posteriormente, ao tribunal

judicial, quando a disputa chega a envolver agressão física. A deliberação mais frequente tem sido

a partilha das terras, que consiste na divisão igualitária da área em disputa entre os filhos da

família.

b) Conflito inter-familiar

Igualmente pouco reportado às autoridades, este tipo de conflito está essencialmente ligado à não-

observância dos limites ou à invasão de áreas familiares não utilizadas. A falta de delimitação, a

existência de marcos baseados em suposições e na oralidade, a falta de registo dos direitos de

propriedade pelas famílias, aliados à pobreza e ao crescimento dos agregados familiares, são

elementos que concorrem para que as famílias expandam as suas áreas de cultivo, mesmo para

espaços alheios. Estes espaços tendem a ser áreas cujos proprietários nunca cultivaram, ou

deixaram de cultivar por um considerável período de tempo, que são desbravadas e cultivadas

pelos novos ocupantes. Quando a família se apercebe que as suas terras estão sendo exploradas

por terceiros, sem a sua autorização, surge o conflito. Os conflitos podem, igualmente, acontecer

porque os irmãos mais velhos podem resolver vender uma parte das terras da família a outras

pessoas, sem informar os irmãos mais novos.

As autoridades comunitárias e os extensionistas locais jogam um papel importante na resolução

deste tipo de conflito, mobilizando as partes em conflito e identificando as pessoas mais antigas

da comunidade. Estas ajudam a perceber a qual das famílias pertence a área, se os limites

apresentados pela família ofendida coincidem, ou não, com os indicados por eles, e, em função

disso, delimita-se o espaço e colocam-se marcos para separar as áreas. À família ofendida é feita

uma compensação em culturas ou valores monetários pelas plantas ou árvores destruídas durante

o processo de ocupação da família agressora.

c) Conflitos inter-comunitários

O procedimento acima referido pode aplicar-se, igualmente, naqueles casos em que as famílias

em disputa pertencem a comunidades vizinhas. A diferença é que, neste caso, os conflitos são

resolvidos com o envolvimento das autoridades comunitárias das comunidades em conflito,

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podendo, por vezes, recorrer-se à ajuda das autoridades administrativas, também das comunidades

envolvidas.

Embora não muito frequentes, os conflitos inter-comunitários acontecem, sobretudo, nas zonas

limítrofes que separam o posto administrativo de Lioma dos outros postos administrativos, e são

resultado da procura por terras mais produtivas. Assim, por exemplo, foram registados conflitos

de terra envolvendo comunidades do Posto Administrativo de Molumbo (Milange, Zambézia) e

comunidades do Posto Administrativo de Lioma (Gurué), entre comunidades do Posto

Administrativo de Mutuali (Malema, Nampula) e do Posto Administrativo de Lioma (Gurué), e

comunidades do Posto Administrativo de Etatara (Cuamba, Niassa) vs comunidade de Ruace, no

Posto Administrativo de Lioma.

Este interesse pelas terras de Gurué, em particular de Lioma, está ligado às boas condições que

aquelas oferecem para a produção de culturas de rendimento como o tabaco, o gergelim e,

sobretudo a soja, esta última que, “para além de ter um mercado garantido pelas empresas de

produção de ração para frangos oferece maiores rendimentos aos produtores quando comparados

com o algodão7, o amendoim e o milho produzidos nas terras de Cuamba, em Niassa, por

exemplo”8.

d) Conflitos Empresas Chazeiras vs comunidades

Os conflitos entre as empresas de produção de chá e a população instalada nas áreas de cultivo

daquela cultura não são recentes. Estes existem antes mesmo da introdução das políticas de

privatização das várias unidades de produção de chá existentes no distrito, que culminaram com

a redução da intervenção estatal nos assuntos ligados à produção e comercialização do chá.

Eduardo D., antigo trabalhador da Unidade de Direcção do Chá (UDC), conta a história da

produção do chá em Gurué:

Depois da nacionalização da terra, em 1975, o Estado moçambicano decidiu intervencionar na

cultura do chá, formando, para o efeito, as chamadas Comissões Administrativas de gestão de

produção. Esta intervenção do Estado teve como causa o abandono por parte dos proprietários

das empresas de produção de chá, quase todos de origem portuguesa. Este abandono levou o

Estado a formar uma nova comissão de gestão, que culminou com a formação de várias Unidades

de Produção (UP). Existiram, no distrito de Gurué, doze unidades de produção, sob

responsabilidade da Unidade de Direcção do Chá (UDC).

A UDC tinha como principal tarefa inventariar todos os problemas relacionados com a cultura

do chá. A UDC concluiu que, embora existissem vários campos de produção de chá subutilizados

que podiam ser reabilitados, havia um problema maior relacionado com a incapacidade técnica

instalada nas fábricas, que dificultava que as empresas tivessem bons resultados. Esta

inventariação culminou com o desenho de um novo projecto chamado Tea Rehabilitation

Program (TRP), implementado em três fases. O objectivo deste novo programa era de montar

maquinaria tecnologicamente moderna, para assegurar que cada uma das três zonas em que

estavam divididas as unidades de produção funcionasse plenamente e melhorasse a sua

capacidade de produção, e construir mais uma nova unidade de produção, isto é, a UP 13.

Por causa da guerra civil, que se intensificava, apenas uma parte do equipamento importado

para o porto de Nacala é que conseguiu chegar ao Gurué. Uma parte do material importado

permaneceu mesmo no porto, outra parte considerável ficou pelo caminho e, como resultado, o

7 O valor mínimo praticado pelos produtores era de 18 meticais por quilo de soja, comparativamente

a 10 meticais por quilo de algodão. 8 Chefe do Posto Administrativo de Lioma, entrevista de 27/07/2015.

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TRP acabou não sendo totalmente implementado. Estas situações levaram a que o Estado

começasse com o processo de privatização do chá em 1998, tendo a UP4 e a UP6 sido as

primeiras unidades a serem entregues a uma empresa privada, no caso a Empresa Chazeira de

Moçambique. Actualmente, o apoio do Estado à produção de chá reduziu consideravelmente,

estando muitas das empresas de chá a se debater com problemas de sustentabilidade e a cultura

do chá em risco de extinção9.

Actualmente, os conflitos de terra acontecem porque trabalhadores das empresas de chá

constroem habitações e retiram plantas de chá para abrir machambas familiares, na sua maioria

para a produção do feijão e do arroz para consumo ou venda na cidade de Gurué. Ainda que

autorizados a construir residências com material precário, os trabalhadores optam,

diferentemente, por construir habitações com recurso a material convencional (chapas de zinco,

cimento e blocos), mais dificilmente removível. Na tentativa de abrir novas áreas de produção,

ou expandir as já existentes, a população recorre, igualmente, às queimadas que se alastram

destruindo as plantações de chá das empresas.

Figura 3

À esquerda, parte de uma plantação de chá queimada por populares. À direita, uma machamba

familiar de feijão e uma plantação de chá.

A fraca capacidade financeira das empresas chazeiras em explorar a totalidade das áreas de que

têm DUAT, leva a que existam áreas não trabalhadas o que propicia o surgimento de novos

assentamentos ou a firmação dos já existentes, sobretudo porque muitos dos trabalhadores das

empresas provêm de distritos circunvizinhos, como Ile, Namarrói e Gilé, e, mesmo sendo

sazonais, tendem a instalar-se próximo do seu local de trabalho. Esta situação deixa antever que

os conflitos poderão agravar-se caso as empresas tenham capacidade financeira para explorar a

totalidade das áreas no seu DUAT, sendo que, em algumas delas, já se formaram aldeias com

autoridades representativas eleitas e com infra-estruturas, como escolas.

Certas empresas chazeiras possuem áreas que se estendem até à zona municipal. Com o

crescimento da cidade, a imigração crescente e o aumento da população, o ordenamento do

território torna-se uma questão preocupante no distrito. As áreas não exploradas das empresas

chazeiras que se localizam próximo da cidade são usadas pelos munícipes para a construção de

9 Entrevista em 28/07/2015.

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residências e estabelecimentos comerciais, sendo que “estas ocupações não são consentidas nem

pela empresa, nem pelo município, o que leva ao surgimento de conflitos”10.

e) Conflitos Investidores vs comunidades

Um outro tipo conflitos de terra surgiu com a chegada de novas empresas com o objectivo de

produzir soja no distrito. Considerado a capital da soja, Gurué tornou-se um destino preferencial

para os investidores, nacionais e estrangeiros, que pretendem investir nesta lucrativa cultura, para

os pequenos e médios produtores do distrito e não só.

Grande parte da produção da soja é consumida internamente, sendo os principais compradores as

empresas de produção de ração para aves como King Frango, Higest, Novos Horizontes, etc. Em

Agosto de 2015 o preço de venda por quilo de soja variava entre os 17 e os 18 meticais, o que faz

da soja uma importante cultura de rendimento.

A soja foi inicialmente introduzida em Lioma pelos brasileiros11, nos anos 80, e reintroduzida

pela Visão Mundial em 2012. Mas foi graças à intervenção dos doadores e ONGs, como a Clusa,

TechnoServe, Gates Foundation, investidores noruegueses, suíços e americanos, Instituto

Internacional de Agricultura Tropical, que a soja se tornou numa cultura lucrativa de eleição. No

Gurué existem cerca de 4.400 agricultores, o correspondente a 1/5 dos produtores de soja em

Moçambique. Estes produtores cultivam 5.000 hectares e, só na campanha de 2011/2012,

produziram aproximadamente 6.000 toneladas de soja (Hanlon e Smart, 2012:2).

Este interesse crescente pela soja, e a corrida pelas terras de Gurué que o acompanha, tem

resultado em conflitos entre os investidores, desejosos de ocupar grandes extensões de terras, e

as comunidades locais, muitas vezes retiradas das suas áreas para dar lugar às grandes machambas

de soja, como espelham os exemplos das empresas Hoyo Hoyo e AgroMoz12.

1. Hoyo Hoyo e os conflitos com a comunidade de Ruace

Lioma era o celeiro da Zambézia, mas agora há risco de fome porque não temos onde produzir,

uma vez que a empresa retirou-nos a área, ao mesmo tempo que não quer acolher os jovens para

serem seus trabalhadores. Nós dependemos da agricultura, os nossos filhos também; nós

produzimos, vendemos e vivemos na base disto. Eles deixaram as suas casas para vir aqui, e nós,

vamos para onde? (Comunidade de Ruace, entrevista concedida a 22/07/2015).

A Hoyo Hoyo faz parte da companhia Quifel Natural Resources S.A., dirigida por Miguel Pais

do Amaral, conhecido empresário de origem portuguesa. A companhia “actua em diversos países

da África Subsaariana, Brasil, Portugal e Espanha. Em Moçambique, a companhia, através das

suas empresas subsidiárias e filiais, possui duas áreas que totalizam 30 000 hectares de terra, com

direitos de concessão por um período de 50 anos, renovável até 99 anos”13. A Quifel é também

proprietária da Leya que, por sua vez, é proprietária da Texto Editores e da Ndjira, duas das mais

importantes empresas editoras de Moçambique (Hanlon e Smart, 2012).

10 Funcionário do SDAE de Gurué, entrevista concedida a 27/07/2015. 11 Parte de um projecto de desenvolvimento de um complexo agro-industrial com base na soja –

complexo de Lioma, o governo contratou uma empresa brasileira para a implementação do projecto. 12 Para além destas, existem no distrito de Gurué quatro outras grandes empresas de produção de

soja: a AgroMoz, Rei do Agro, ALIF Química e a African Century Agriculture (ACA). 13 http://www.oaklandinstitute.org/sites/oaklandinstitute.org/files/Quifel%20Investor%20Summary

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O projecto Hoyo Hoyo foi lançado em 2009. Inicialmente, a Quifel pretendia uma área de 23 000

hectares mas o Conselho de Ministros concessionou apenas 10 000 hectares da antiga machamba

estatal de Lioma, localidade de Ruace, que, posteriormente, foram reduzidos para os actuais 3.500

hectares, sendo a área aberta para a exploração correspondente a 2.800 hectares.

Segundo um representante da empresa, “a primeira campanha de produção da Hoyo Hoyo iniciou

em 2012, e estava virada para a produção de soja. Na campanha de 2014/2015 a Hoyo Hoyo

começou a introduzir o cultivo do milho, mas a principal cultura produzida pela empresa continua

sendo a soja. A empresa possui 56 trabalhadores permanentes, dos quais duas mulheres na área

administrativa, e 54 homens, que possuem contratos de trabalho por período indeterminado para

os nacionais, e de dois anos para os três trabalhadores estrangeiros. A empresa conta, ainda, com

alguns trabalhadores sazonais que variam de acordo com a época”14.

O conflito entre a Hoyo Hoyo e a comunidade local surge porque as áreas da antiga empresa

estatal de Lioma, abandonadas durante a guerra, e, actualmente, concessionadas à Hoyo Hoyo,

foram sendo ocupadas, ao longo dos anos, pela população, que acabou adquirindo o direito de

ocupação por boa-fé previsto pela Lei de Terras 19/97 de 19 de Outubro, que garante que os

indivíduos que estejam a utilizar a terra há, pelo menos, dez anos adquirem o Direito de Uso e

Aproveitamento da Terra15. Outro elemento que contribui para o surgimento dos conflitos está

ligado ao incumprimento das promessas feitas pela empresa durante a realização da consulta

comunitária, situação que provoca frustração e insatisfação entre a comunidade, referido numa

entrevista do seguinte modo:

A empresa prometeu emprego, água, e outros benefícios sociais, como reabilitar a estrada,

construir escola, melhorar o hospital e construir uma fábrica de produção de bolachas e

processamento da soja. Mas, como nada disto aconteceu, as pessoas começaram a sentir-se mal

e a reivindicar. Eles ofereceram uma ambulância que quase sempre está avariada […]. A

comunidade não está satisfeita e, por isso, o conflito continua até hoje (Funcionário dos serviços

de extensão rural, entrevista concedida a 22/07/2015).

O relatório da UNAC16 e da GRAIN17 (2015) sobre os grandes investimentos no Corredor de

Nacala indica que havia perto de 836 camponeses que cultivavam 1.945 dos 3.500 hectares que a

empresa Hoyo Hoyo pretendia usar. Assim, decidiu-se que a empresa deveria procurar uma área

de reassentamento onde a comunidade pudesse refazer as suas machambas e retomar a actividade

agrícola, principal fonte de subsistência das famílias. Houve também uma compensação

monetária que variou entre 1.500 e 4.500 meticais, tal como refere T. Augusto, membro da

Associação para o Desenvolvimento das Mulheres (ADEMU):

A área identificada pela empresa é uma área improdutiva, pantanosa, de difícil acesso, sobretudo

no período chuvoso, e, por isso, as pessoas não conseguem aceder às suas plantações. A própria

empresa fez um campo de demonstração na mesma área mas não saiu [produziu] nada, mesmo

com todas as condições de deslocação que a empresa possui. Os que foram indemnizados

receberam apenas 1.500 meticais por hectare, o que não é justo. (Entrevista colectiva com a

comunidade de Ruace, concedida a 22/07/2015).

14 Trabalhador da Hoyo Hoyo, entrevista concedida a 23/07/2015. 15 Artigo 12 da Lei de Terra (19/97 de 19 de Outubro). 16 União Nacional dos Camponeses 17 A Grain é uma organização de pesquisa não-governamental que trabalha na defesa dos direitos

dos pequenos produtores e no apoio aos movimentos sociais. Vide: https://www.grain.org/.

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No entanto, a empresa, distanciando-se das acusações feitas pela população, afirma existir uma

boa relação entre a empresa e a comunidade, e que nenhum tipo de conflito foi registado no

momento do reassentamento. “Temos uma ambulância que a empresa deu à comunidade cuja

manutenção é feita pela própria empresa. Abrimos dois furos de água, reabilitámos a ponte e

fizemos um banco de sementes onde entregamos semente aos produtores reassentados”18.

O conflito teve uma repercussão nacional o que exigiu, igualmente, uma intervenção, não apenas

local, mas, também, a nível central. Assim, foi formada uma equipa multissectorial que englobava

o Administrador do distrito, técnicos da Direcção Provincial de Agricultura, extensionistas do

distrito de Gurué e agentes de ONGs, como a TechnoServe, tendo a equipa constatado que,

efectivamente, as condições do terreno identificado para o reassentamento não eram adequadas

para a actividade agrícola e, portanto, a empresa devia preparar uma outra área de reassentamento,

até agora não indicada às comunidades.

2. Agromoz na capital da soja

A AgroMoz, também localizada no Posto Administrativo de Lioma, é outra empresa cuja chegada

e actuação resultaram em conflitos de terras entre a mesma e a população da aldeia de Wakhua

que reclama ter sido retirada das terras por si ocupadas, por boa-fé, para dar lugar à grande

plantação de soja em 2012. A AgroMoz é uma joint venture entre o Grupo Américo Amorim de

Portugal e a Intelec, gerida pelo grupo Pinesso do Brasil, possuindo este último mais de 180 000

ha no Brasil e 22 000 ha no Sudão (UNAC e GRAIN, 2015).

A AgroMoz ocupou uma área de 3.000 hectares em Lioma, numa zona limite entre as províncias

da Zambézia e de Nampula, tendo provocado a deslocação de cerca de 1.000 pessoas19. Em

Wakhua não houve uma consulta comunitária nos moldes previstos por Lei, facto que culminou

com a realização de um processo compensatório pouco transparente, onde as pessoas ligadas ao

sistema do poder a nível da comunidade foram as maiores beneficiárias. Dionísio M., do Fórum

de produtores Iapaca, refere:

Quando eles [AgroMoz] pediram a área quase que ajoelhavam. Eles disseram que precisavam

de 200 hectares para fazer uma machamba-escola, onde os camponeses iriam aprender a fazer

machamba, etc. Eles trouxeram um documento para a comunidade assinar que, para eles, era a

consulta comunitária. Depois, na prática, foram abrir 3.000 hectares afectando 1.000 famílias

que hoje estão sem campos para cultivar. Algumas pessoas receberam indemnização que variava

entre 2.500 e 3.000 meticais, o que não correspondia ao valor das machambas e pequenas casas

que as pessoas tinham dentro daquela área. (Entrevista concedida a 01/08/2015).

Uma parte das pessoas afastadas de Whakua emigrou para a localidade vizinha de Nakarari, que

pertence ao Posto Administrativo de Mutuáli, distrito de Malema, em Nampula, e outra terá

emigrado para as cidades de Gurué e de Malema. Em Nakarari, os deslocados de Whakua

passaram a alugar terras aos nativos para abrir campos de cultivo, ao mesmo tempo que pediam

áreas para a construção de residências.

Em geral, o tamanho das áreas ocupadas pelas pessoas vindas de Gurué é menor quando

comparado às áreas que ocupavam na zona de origem, o que provocou diminuição do nível de

vida destas famílias e repercutiu-se a nível da segurança alimentar e nutricional das famílias que

são obrigadas a recorrer ao mercado de trabalho como única solução, como referiu Ermelinda D.,

18 Hoyo Hoyo, entrevista de 23/07/2015. 19 Júlio Paulino, “Mozambique: More than 1,000 people displaced from their lands in Lioma”:

http://farmlandgrab.org/24164#sthash.NVgQIHVF.dpuf, @Verdade, 24 de Outubro de 2014.

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residente em Mutuáli: “eles saíram de lá e vieram pedir terras aqui. Se tinham 10 ou 20 hectares,

aqui, eles não terão acesso aos mesmos 10 ou 20 hectares. As pessoas dizem que antigamente

produziam milho para comer durante todo o ano, mas, agora, não conseguem mais a mesma

produção, e não estão a ver como alimentar as suas crianças.”

Para além dos 3.000 hectares, “a empresa possui, actualmente, um DUAT provisório de 9.000

hectares numa área e 1.000 hectares noutra, totalizando 13.000 hectares. No começo, a empresa

havia admitido pessoas para trabalharem nos campos, mas, mais tarde, essas pessoas foram

despedidas porque a empresa trabalha com grande maquinaria. A pulverização dos campos da

empresa é feita por meios aéreos e, muitas vezes, os produtos usados destroem as culturas da

população que tem machambas nas áreas vizinhas e, nestes casos, nunca dão a justa

compensação”, refere Dionísio M., do fórum IAPACA.

3.3 Distrito de Malema: características gerais e fundiárias

O distrito de Malema localiza-se na província de Nampula. A Norte faz limite com a província de

Niassa (Nipepe, Maua e Metarica), a Sul, com a província de Zambézia (Gurué e Alto Molócué),

a Este, com os distritos de Lalaua e Ribaué e, a Oeste, com o distrito de Cuamba (Niassa). O

Distrito está dividido em três postos administrativos: Malema sede, Chuhulo e Mutuáli, por sua

vez, subdivididos em 10 localidades (MAE, 2012).

Com uma superfície total de 6.386 km², a população do Distrito está estimada em 185 839

habitantes em 2012, dos quais 51% são do sexo feminino (INE, 2012). O Posto Administrativo

de Malema sede é o mais populoso, com 112 741 residentes.

O distrito de Malema é atravessado por vários rios e riachos nas margens dos quais as populações

praticam a agricultura e a pesca. A agricultura, a principal actividade praticada pelos agregados

familiares, é feita manualmente em pequenas explorações familiares, em regime de consociação

de culturas como o milho, feijão e batata-reno, quer para consumo, como para venda. A existência

de pastagens favorece o desenvolvimento da pecuária, e o comércio informal também contribui

para o sustento das famílias (MAE, 2012).

Figura 4

Localização geográfica do distrito de Malema.

Fonte: Cenacarta, 1999

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A população economicamente activa do distrito é estimada em 77 mil pessoas, o que corresponde

a 77% da população de 15 anos ou mais. Destes, a participação masculina no universo da

população economicamente activa é superior à feminina, isto é, 81% contra 72%,

respectivamente. Olhando para o ramo de actividade, o sector que ocupa maior percentagem da

população economicamente activa é o agrário (91%). Existem no distrito 35 mil explorações

agrícolas, com uma área média de 1,3 hectares. Existe um fraco registo dos terrenos e, nas

explorações familiares, ainda que as mulheres sejam as responsáveis por trabalhar a terra, o

registo é feito em nome do homem (MAE, 2012).

3.3.1 Tipos de conflitualidades e formas de resolução

A posição estratégica no Corredor de Desenvolvimento de Nacala, a ligação com Nacala e

Cuamba, através da linha férrea que facilita o escoamento de produtos e a mobilidade das pessoas,

e as características agro-ecológicas favoráveis, sobretudo na região de Mutuáli, aumentam a

procura por terras em Malema, situação que provoca conflitos de terra entre os novos ocupantes

(empresas) e as comunidades. O distrito tem também registado conflitos de natureza familiar e

comunitária, com maior incidência nas regiões de Muralelo e Nataleia, no Posto Administrativo

de Malema sede.

Conflitos inter-familiares

Tal como foi descrito nos outros distritos, os conflitos inter-familiares estão relacionados com a

questão da herança. Como explica Carlos N20., “segundo a tradição, o herdeiro não é o filho, mas

sim os sobrinhos. Só que, actualmente, os filhos reclamam a herança dos seus pais ao mesmo

tempo que os sobrinhos recorrem à tradição para terem acesso às terras do tio”. Aqui também os

conflitos são geridos e resolvidos ao nível da própria família, que tem vindo a considerar, como

herdeiros legítimos, os filhos do chefe de família, tal como nas sociedades patrilineares.

a) Conflitos inter-comunitários

Os conflitos entre as comunidades em Malema surgem em virtude dos processos de delimitação

e demarcação das terras comunitárias. Os marcos identificados, por vezes, não com o

consentimento unânime dos líderes comunitários, provocam conflitos entre os mesmos. Os

régulos reclamam que, durante o processo de demarcação das terras, as comunidades perdem

áreas que faziam parte da sua jurisdição, a favor das comunidades vizinhas, o que reduz o seu

poder de influência dentro das comunidades. Tunga-Bau (2012) refere que a influência de um

chefe tradicional é sempre proporcional à extensão do território que ele é suposto administrar. A

partir do momento em que a autoridade tradicional perde o seu território, a noção de tributo ligada

ao poder também perde a sua razão de ser, tal como se regista nestes casos.

Embora pouco frequente, este tipo de conflito registou-se, por exemplo, entre as comunidades de

Muluvala e Mpitamualo, no Posto Administrativo de Nataleia, onde o régulo A. Girafa, da

comunidade Muluvala, reclama que, em virtude de não se terem observado os limites fixados

pelos antepassados, uma parte das áreas sob seu controlo foi desanexada a favor do régulo da

comunidade de Mpitamualo.

A tentativa de resolução deste conflito exigiu a presença das autoridades administrativas e das

ONGs parceiras responsáveis pela delimitação, bem como dos régulos das comunidades em

disputa, acompanhadas por testemunhas que conhecem os limites das suas áreas. No entanto, o

20 Entrevista de 31/07/2015.

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conflito ainda existe, de forma latente, na medida em que o régulo Girafa continua a não

reconhecer os novos limites fixados pela administração.

b) Conflitos investidores vs comunidades: o caso da MOZACO

A Mozambique Agriculture Corporation (MOZACO) é uma empresa constituída, em Junho de

2012, pela Rioforte Investments e João Ferreira dos Santos (JFS Holding), com sede em Malema,

numa posição estratégica no Corredor de Desenvolvimento de Nacala21. Em 2013, a empresa

obteve um DUAT de 2.389 hectares na aldeia de Natuto, com o objectivo de cultivar soja, algodão,

milho e girassol. Na área concessionada à MOZACO, registam-se ocupações pela população

(habitações e culturas), num espaço que totaliza 1.300 hectares. Durante a campanha 2013/2014,

a área efectivamente explorada pela empresa foi de 400 hectares, tendo produzido soja e algodão.

Segundo refere o relatório da UNAC e GRAIN (2015:7), a área ocupada pela MOZACO tinha

sido ocupada durante o período colonial por um empresário português, chamado Morgado, que aí

produzia tabaco e algodão. Com a nacionalização da terra após a independência, o governo

instalou naquelas áreas uma empresa estatal denominada Unidade de Namele, com explorações

também em Ribaué e Lalaua. Com o encerramento da empresa, os antigos trabalhadores da

Unidade de Namele foram-se apropriando de pequenas parcelas, que cultivam até hoje. Depois

da Unidade de Namele, a empresa João Ferreira dos Santos (JFS) obteve um DUAT sobre aquelas

áreas, onde passou a cultivar tabaco tipo Virgínia e algodão até 2011.

Uma vez que a empresa JFS não explorava todas as áreas, a população continuou ocupando e

explorando uma parte das áreas, que actualmente a MOZACO pretende recuperar. Esta situação

resultou num grande conflito porque a comunidade não aceitou ser retirada das terras por si

ocupadas, algumas das quais remontam ao tempo da Unidade de Namele.

A comunidade reclama a efectividade do direito de ocupação da terra por boa-fé, previsto por Lei,

sobretudo num contexto de implementação de grandes projectos de investimento. A falta de

realização da consulta comunitária, as difíceis condições das áreas reassentamento e as

indemnizações, que, muitas vezes, não correspondem ao valor real das culturas e residências dos

agregados familiares, figuram entre as principais reclamações da população, como referiu um dos

entrevistados:

A MOZACO é propensa a conflitos porque, para além de ter comunidades à volta, as pessoas já

ocupavam por boa-fé aquelas terras. Há pessoas que foram retiradas, foram deixadas numa zona

pantanosa. Ali mesmo onde está a MOZACO, tem uma família que não saiu, mas, na verdade, as

comunidades estão a ser deslocadas sem vontade própria e sem dar condições iguais ou melhores

que as anteriores, o que é uma violação dos direitos humanos (Representante da Sociedade Civil

de Malema, entrevista concedida a 02/08/2015).

Este conflito intensificou-se em 2014, nos meses que antecederam as eleições gerais em 15 de

Outubro. Num dos encontros de resolução, solicitados pela empresa junto ao Governo, a

comunidade não compareceu, em jeito de protesto, tendo esta, de seguida, feito um abaixo-

assinado com mais de 160 assinaturas, onde demandava, entre outros aspectos, a realização da

consulta comunitária, a identificação de espaços para a abertura de machambas e o pagamento

das indemnizações às famílias afastadas. Em alguns casos a população pautou por forjar o plantio

de algumas culturas e colocar sepulcros, não apenas como forma de protesto, mas também

como estratégia para receber compensações monetárias.

21 ADECRU, “Nova aliança do G8 atinge e usurpa terra e água de 50 mil pessoas em Moçambique”-

http://farmlandgrab.org/post/view/24602#sthash.CkWrhDil.dpuf, 2 de Março de 2015.

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A forma como foram conduzidas as tentativas de resolução deste conflito denota como os

conflitos de terra são, por um lado, objecto de recuperação e instrumentalização pelos partidos

políticos, tornando-se importantes ferramentas para captar um eleitorado descontente com a

actuação das instituições responsáveis por proteger os seus interesses. Mas, por outro lado, o

período pré-eleitoral constituiu uma importante janela de oportunidade para que o eleitorado

pudesse colocar maior pressão sobre os decisores públicos, para que as suas exigências fossem

consideradas ou incluídas nos programas de governação, tal como aponta a citação que se segue:

A empresa propôs ajudar no reassentamento das famílias com o pagamento de 50% do valor da

construção das casas, reabilitar a escola e não remover o cemitério que lá se encontra, mas a

população não aceitou. Como havia uma delegação do Governo Provincial, eles chegaram a

ameaçar votar num outro partido, como estava-se no período eleitoral22. (Trabalhador da

MOZACO, entrevista concedida a 02/08/2015).

Nos primeiros cinco anos de funcionamento da empresa, foi feito um investimento de 5 milhões

de dólares americanos. O objectivo é expandir a área para 20 000 hectares, com um investimento

total de 45 milhões de dólares. Até agora, cerca de 1.000 camponeses foram expulsos das suas

terras para dar lugar ao projecto, e mais de 4.500 famílias serão, igualmente, afectadas caso o

projecto seja expandido para 20 000 hectares23.

3.3 Distrito de Marracuene: características gerais e fundiárias

Marracuene é um distrito situado na parte meridional de Moçambique, a 30 km da cidade de

Maputo. Seus limites são: a norte, o distrito de Manhiça; a Sul, a cidade de Maputo; a Este o

Oceano Índico e a Oeste o distrito da Moamba e a cidade da Matola. O distrito está dividido em

dois postos administrativos, tais são: o posto administrativo de Marracuene-sede, que

engloba a comunidade de Marracuene e as localidades de Michafutene e Nhongonhane; e o

posto administrativo de Machubo, com duas localidades (Taúla e Macandza). Segundo dados

do INE (2013), a superfície do distrito é de 697 km², sendo a população total estimada em 118,949

habitantes, em 2012.

22 O entrevistado faz alusão às eleições gerais de 15 de Outubro de 2014 que, no final, foram ganhas

pelo partido Frelimo, principal força política do distrito. 23 Clement Ntauzi, “Peasants accuse presidential candidates of marginalising small scale

agriculture”: http://farmlandgrab.org/24165#sthash.czhwJBq1.dpuf, 6 de Outubro 2014.

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Figura 5

Localização geográfica do distrito de Marracuene

Fonte: INE, 2013

À semelhança dos outros distritos acima descritos, a agricultura constitui a base da economia de

Marracuene, sendo as principais culturas alimentares e de rendimento as hortícolas, arroz, milho,

mandioca, batata-doce e bananas. O potencial de terra arável do distrito é estimado em cerca de

35 mil hectares, o correspondente a metade da área total do distrito.

Existem no distrito cerca de 10 mil explorações agrícolas, maioritariamente exploradas pelo sector

familiar, ocupando uma área média de 1 hectare. As explorações familiares são feitas com recurso

à tracção animal, ao regadio por gravidade e moto-bombas, para além do uso da enxada de cabo

curto. Até 2005 o distrito contava com um total de 55 hectares de médios regadios destinados à

produção de hortícolas e de banana, bem como de 5 pequenos regadios com um total de 201

hectares de valas dos quais apenas 40 encontravam-se operacionais (MAE, 2005). Na maioria

dos casos, os direitos de propriedade da terra não estão formalmente registados. No regime

familiar, em caso de existência, o título de propriedade está registado em nome do homem

(MAE, 2005).

A proximidade geográfica de Marracuene da cidade de Maputo (30 km) é um dos motivos do

aumento da procura por terras naquele distrito que, actualmente, tem que responder ao

crescimento populacional, não só da população do seu distrito, como também da população

proveniente da província e cidade de Maputo. Com uma população maioritariamente rural (taxa

de urbanização de 25%), e uma densidade populacional de 87 hab/km², considerada elevada, há

uma grande pressão sobre os recursos, em particular a terra.

A sociedade em Marracuene é patrilinear, onde a transmissão do poder e da herança sobre a terra

e os bens da família é feita de pai para o filho mais velho, ou outro parente da linhagem paterna

(Muteia, 1996). As práticas culturais e tradições que prevalecem neste tipo de sociedade

desfavorecem as mulheres, cujo acesso à terra dá-se por via do casamento, que lhe permite cultivar

as terras do seu marido, ou por via do pai, onde aquela trabalha nas machambas pertencentes à

família até contrair matrimónio e mudar-se para as terras do marido.

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Em caso de separação, a mulher perde o direito de permanecer na terra do marido. Basicamente,

os bens do casal permanecem com o marido e a mulher muda-se para a terra do seu pai, até contrair

um novo matrimónio. Em alguns casos, pode haver divisão dos bens adquiridos ao longo do

casamento entre os dois, mas a terra e as benfeitorias nela existentes continuam na posse do

homem.

Quando o homem perde a vida, dois cenários podem se verificar: a mulher pode ter o direito de

uso da terra reconhecido pelos familiares de seu marido, mas em outros casos ela pode ser

compelida por aqueles (familiares do falecido) a abandonar a terra e a casa em que vivia, sendo-

lhe retirados todos os bens do casal, por se acreditar que de algum modo ela tenha provocado a

morte do marido para se apropriar dos bens e da casa. No entanto, em algumas famílias admite-

se que a mulher permaneça na terra do falecido junto com os seus filhos e, em outros casos, ela

pode se ver na situação de ter que se casar com um homem da família do falecido, sendo o papel

de liderança da família, assim como de educação e paternidade em relação aos filhos do casamento

anterior automaticamente transferido para o novo marido (Muteia, 1996).

No caso em que a mulher perde a vida antes do homem, este último não perde a terra pois, para

além de ser favorecido pelas normas culturais, a terra em que vivia com a falecida foi por si

adquirida ou pertence à sua família. Portanto, verifica-se que o sistema patrilinear concede maior

protecção e preferência ao homem em detrimento da mulher, reflectindo-se esta diferenciação não

apenas no acesso desigual à terra e outros bens, mas também na limitada participação da mulher

no processo de tomada de decisões sobre as questões familiares e conjugais.

Tipos de conflitos de terra registados

Em Marracuene têm sido registados casos isolados de conflitos de terra entre as empresas que

operam no distrito e as comunidades locais. À semelhança dos distritos acima descritos, os

conflitos relacionam-se com a violação dos limites das áreas de uns e outros. A fraca informação

sobre a natureza dos projectos de investimentos a serem implantados também concorre para o

surgimento de conflitos, uma vez que as comunidades desconhecem o tipo de actividade que as

empresas pretendem, efectivamente, desenvolver (Mandamule, 2015).

A maior preocupação, actualmente, é a existência de um mercado informal de terras num contexto

de grande procura de espaços habitacionais, onde o mesmo espaço de terra é vendido para pessoas

diferentes, resultando em conflitos entre os que vendem a terra e os que compram esses terrenos24.

A venda múltipla de espaços tem vindo a aumentar nos últimos anos, impulsionada pela

construção de infra-estruturas como estradas e a Feira Internacional de Maputo (FACIM)25. A

construção da estrada circular, que liga o distrito de Marracuene à cidade de Maputo, veio juntar-

se aos factores de atracção do interesse pelas terras de naquele distrito26. A propósito do aumento

da procura por terras em Marracuene, o secretário de Ricatla aponta:

Ricatla é um dos bairros que ficou muito tempo sem crescimento, mas com a vinda da Facim, que

está dentro de Ricatla, o bairro desenvolveu muito. Isto culminou com uma pressão que

ultrapassa as capacidades do bairro, em termos do número pessoas que vêm adquirir espaços.

Estas pessoas são da província e cidade de Maputo e vêm à procura de espaços para a habitação.

(Entrevista concedida a 23/09/2015).

24 Sobre os mercados de Terras em Moçambique, vide Negrão (2004). 25 Jornal Domingo, <Guebuza preocupado com conflitos de terra>, 03 de Setembro de 2013. 26 Jornal Notícias, < Guerra por terra em Chihango >, 26 de Agosto de 2013.

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Comprovada a venda múltipla de um terreno, o vendedor pode optar pela devolução do valor que

recebeu ou pela identificação de um outro espaço, que corresponda à mesma dimensão que o

primeiro, e atribuí-lo ao último comprador. Esta decisão, geralmente, é tomada na presença dos

lesados e das autoridades tradicionais, mediadoras do conflito. Um número considerável de casos

é também reportado e julgado nos tribunais judiciais.

As aquisições de terras para a construção de grandes infra-estruturas, como a Estrada Circular de

Maputo, foram realizadas através de indemnizações monetárias e reassentamentos das pessoas

cujos bens e propriedades (casas, empreendimentos comerciais, locais sagrados, etc.) foram

afectados pelas obras. Este processo de reassentamento e compensação foi acompanhado por

manifestações e descontentamento quanto aos efeitos ambientais da implementação dessas infra-

estruturas, ao valor das indemnizações aos afectados, assim como a desagrado com as áreas de

reassentamento27.

Devido ao uso do sistema de regadios, não é frequente a ocorrência de conflitos de terra entre os

produtores. Estes estão, na sua maioria, organizados em associações, e possuem áreas claramente

delimitadas, onde cada associação conhece os limites e marcos da sua área. Existem cerca de 38

associações e cooperativas que desenvolvem diferentes actividades, como a agricultura e

pecuária. Na parte agrícola, as associações possuem um espaço comum, onde cada membro

cultiva individualmente a sua parcela. O que une os associados é a terra e a limpeza das valas que

transportam a água para a irrigação dos campos.

O principal constrangimento que as associações de produtores agrícolas enfrentam, relaciona-se

com o deficiente acesso ao mercado, provocado pela escassez de meios de transporte para escoar

os produtos até aos pontos de venda, que se situam, principalmente, na província de Maputo e no

distrito da Manhiça. Esta situação leva a que sejam os compradores, que se deslocam até às áreas

dos produtores, a fixar o preço que pretendem pagar pelos produtos, impossibilitando os

camponeses de fixarem o valor da sua mercadoria, em função dos gastos e investimentos (tempo

e trabalho) feitos.

4. CONCLUSÃO

Existem diferentes interesses políticos, económicos, sociais e culturais à volta da terra que podem

condicionar o surgimento de conflitos entre os diferentes utilizadores. Os estudos de caso acima

apresentados podem ajudar o leitor na compreensão dos tipos de conflitos sobre a ocupação da

terra existentes no país, suas causas, actores envolvidos, tipo de direitos reivindicados e as formas

de resolução mobilizadas em cada contexto.

No geral, o desconhecimento dos marcos e a não-observância dos limites, as normas de sucessão

e herança vigentes segundo a sociedade (matrilinear ou patrilinear), a venda de terras no meio

urbano, as deficiências na realização das consultas comunitárias no âmbito dos projectos de

investimento, a fraca capacidade institucional de aplicar a Lei de Terras, sobretudo quando há

interesses económicos poderoso envolvidos, as alianças clientelistas feitas por algumas elites

ligadas ao sistema do poder junto aos investidores, as difíceis condições em que as famílias

reassentadas se encontram nos novos espaços e as compensações e indemnizações, que nem

27 Jornal o país, http://opais.sapo.mz/index.php/economia/38-economia/25955-obras-da-circular-de-

maputo-ja-mexem.html, 26 de Junho de 2013; Jornal notícias,

http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/capital/35224-obras-da-circular-de-maputo-retomado-

reassentamento, 22 de Abril de 2015.

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sempre correspondem ao valor real das propriedades das famílias (culturas, habitações, lugares

sagrados e de culto), estão entre as principais causas dos conflitos.

Qualquer uma das formas de ocupação da terra previstas por lei (costume, boa-fé e DUAT) é

susceptível de provocar conflitos de terra. As áreas disputadas podem ser machambas familiares

ou singulares, áreas abandonadas de antigas empresas estatais, ocupadas pela população e,

actualmente, concessionadas aos investidores privados, ou, ainda, áreas legalizadas pertencentes

às empresas chazeiras “invadidas” e ocupadas pela população. Os direitos reivindicados variam

de acordo com a natureza da área em disputa e condicionam a amplitude do conflito e a duração

da sua resolução, sendo os mais amplos e de difícil resolução os conflitos ligados à não-

observância da Lei de Terras, por parte das autoridades, no que concerne à ocupação costumeira

e por boa-fé, a favor da posse de um documento escrito, dito DUAT.

As disputas pela posse da terra no meio rural fazem-se acompanhar, por um lado, por formas de

resistência como abaixo-assinados, falta de comparência nos encontros com as autoridades

administrativas e campanhas de oposição contra os projectos de investimento (Campanha Não ao

ProSAVANA, por exemplo), ao mesmo tempo que, por outro lado, verificam-se formas de aliança

com as grandes empresas, sobretudo por parte das elites locais ligadas ao sistema de poder. As

deslocações não consentidas pelas pessoas atingidas para as comunidades próximas e cidades, os

saques e sabotagens às grandes plantações privadas, o plantio apressado de culturas, com o

objectivo de receber compensação monetária, ou ainda a colocação de sepulcros forjados, são

algumas das formas de escape às degradadas condições a que estão sujeitas as comunidades.

Devido à sua localização estratégica e às favoráveis condições agro-ecológicas, as terras ao longo

do Corredor de Desenvolvimento de Nacala são propensas à ocorrência de conflitos de terra,

sobretudo entre as empresas, que investem no agro-negócio, uma actividade que demanda grandes

extensões de terra para a sua implementação, e as comunidades locais, que se vêem afastadas do

seu habitat e destituídas da sua principal fonte de subsistência, a terra. Já no meio urbano, como

no distrito de Marracuene, os conflitos estão associados à expansão das cidades e pela crescente

procura por terra para a construção de infra-estruturas e de habitações que a acompanha.

A cultura e tradições das sociedades patrilineares desfavorecem as mulheres no que concerne à

posse da terra, ao contrário do que se verifica nas sociedades matrilineares em que as mulheres,

não só têm acesso à terra herança dos pais, como, também, têm maior poder de decisão e

influência sobre a gestão da terra dentro do casamento.

Tratando-se de conflitos com empresas privadas, a resolução é mais fácil nas comunidades

assistidas por organizações da sociedade civil. Estas constituem, junto com as associações de

camponeses, uma importante contra-força de resistência à dilapidação dos recursos das

comunidades, e jogam um papel importante de advocacia por um maior respeito pelos direitos

humanos das comunidades locais. A divulgação das leis e a efectiva implementação destas pelas

autoridades competentes pode também ser uma ferramenta útil para a prevenção dos conflitos de

terra no país.

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28

Anexo 1

Quadro-resumo dos tipos de conflitualidades por distrito visitado

Distrito

Tipo de conflitualidades

Intra-

familiar

Inter-

familiar

Inter-

comunitário

Investidores

vs

Comunidades

Mercado

informal de

terra

Alto Molócué

Gurué

Malema

Marracuene

Ribaué

Monapo

Angoche

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Título

Autor(es)

36

Políticas públicas e agricultura

João Mosca e Máriam Abbas Janeiro 2016

35

Pardais da china, jatrofa e tractores de

Moçambique: remédios que não prestam para

o desenvolvimento rural

Luis Artur Dezembro 2015

34 A política monetária e a agricultura em

Moçambique

Máriam Abbas Novembro 2015

33 A influência do estado de saúde da população na

produção agrícola em Moçambique

Luís Artur e Arsénio Jorge

Outubro 2015

32 Discursos à volta do regime de propriedade

da terra em Moçambique

Uacitissa Mandamule Setembro de 2015

31 Prosavana: discursos, práticas e realidades João Mosca e Natacha Bruna Agosto de 2015

30 Do modo de vida camponês à pluriactividade

impacto do assalariamento urbano na

economia familiar rural

João Feijó e Aleia Rachide Agy Julho de 2015

29 Educação e produção agrícola em Moçambique:

o caso do milho

Natacha Bruna Junho de 2015

28 Legislação sobre os recursos naturais em

Moçambique: convergências e conflitos na

relação com a terra

Eduardo Chiziane Maio de 2015

27 Relações Transfronteiriças de Moçambique António Júnior, Yasser Arafat Dadá e

Momade Ibraimo Abril de 2015

26 Macroeconomia e a produção agrícola em

Moçambique

Máriam Abbas Abril de 2015

25 Entre discurso e prática: dinâmicas locais no

acesso aos fundos de desenvolvimento distrital

em Memba

Nelson Capaina

Março de 2015

24 Agricultura familiar em Moçambique:

Ideologias e Políticas

João Mosca Fevereiro de 2015

23 Transportes públicos rodoviários na cidade de

Maputo: entre os TPM e os My Love

Kayola da Barca Vieira, Yasser

Arafat Dadá e Margarida Martins Dezembro de 2014

22 Lei de Terras: Entre a Lei e as Práticas na

defesa de Direitos sobre a terra Eduardo Chiziane Novembro 2014

21 Associações de pequenos produtores do sul de

Moçambique: constrangimentos e desafios António Júnior, Yasser Arafat Dadá e

João Mosca Outubro de 2014

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Título

Autor(es)

20

Influência das taxas de câmbio na agricultura

João Mosca, Yasser Arafat Dadá e

Kátia Amreén Pereira Setembro de 2014

19

Competitividade do Algodão Em Moçambique

Natacha Bruna

Agosto de 2014

18 O Impacto da Exploração Florestal no

Desenvolvimento das Comunidades Locais

nas Áreas de Exploração dos Recursos

Faunísticos na Província de Nampula

Carlos Manuel Serra, António

Cuna, Assane Amade e Félix Goia Julho de 2014

17 Competitividade do subsector do caju em

Moçambique

Máriam Abbas Junho de 2014

16

Mercantilização do gado bovino no distrito de

Chicualacuala

António Manuel Júnior Maio de 2014

15

Os efeitos do HIV e SIDA no sector agrário e no

bem-estar nas províncias de Tete e Niassa

Luís Artur, Ussene Buleza, Mateus

Marassiro, Garcia Júnior

Abril de 2014

14 Investimento no sector agrário João Mosca e Yasser Arafat Dadá

Março de 2014

13 Subsídios à Agricultura João Mosca, Kátia Amreén Pereira e

Yasser Arafat Dadá Fevereiro de 2014

12 Anatomia Pós-Fukushima dos Estudos sobre

o ProSAVANA:

Focalizando no “Os mitos por trás do

ProSavana” de Natalia Fingermann

Sayaka Funada-Classen Dezembro de 2013

11

Crédito Agrário

João Mosca, Natacha Bruna, Katia

Amreén Pereira e

Yasser Arafat Dadá

Novembro de 2013

10 Shallow roots of local development or

branching out for new opportunities: how

local communities in Mozambique may

benefit from investments in land and forestry

exploitation

Emelie Blomgren & Jessica

Lindkvist Outubro de 2013

9 Orçamento do estado para a agricultura Américo Izaltino Casamo, João

Mosca e Yasser Arafat Setembro de 2013

8 Agricultural Intensification in Mozambique.

Opportunities and Obstacles—Lessons from

Ten Villages

Peter E. Coughlin

Nícia Givá Julho de 2013

7 Agro-Negócio em Nampula: casos e expectativas

do ProSAVANA

Dipac Jaiantilal Junho de 2013

6 Estrangeirização da terra, agronegócio e

campesinato no Brasil e em Moçambique

Elizabeth Alice Clements e

Bernardo Mançano Fernandes Maio de 2013

5 Contributo para o estudo dos determinantes

da produção agrícola João Mosca e

Yasser Arafat Dadá Abril de 2013

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Título

Autor(es)

4

Algumas dinâmicas estruturais do sector

agrário.

João Mosca, Vitor Matavel e

Yasser Arafat Dadá Março de 2013

3

Preços e mercados de produtos agrícolas

alimentares.

João Mosca e Máriam Abbas Janeiro de 2013

2

Balança Comercial Agrícola.

Para uma estratégia de substituição de

importações?

João Mosca e Natacha Bruna Novembro de 2012

1

Porque é que a produção alimentar não é

prioritária?

João Mosca Setembro de 2012