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18 Rumo à Agricultura Sustentável Os problemas da agricultura moderna Os fantásticos aumentos de produtividade na agricuLtura moderna têm sido acompanhados, muitas vezes, peLadegra- dação ambientaL (erosão do soLo, poLuiçãocom pesticidas, saLinização),probLemassociais (eLiminaçãoda agricuLturafa- miliar; concentração de terras, recursos e produção; modifica- ção dos padrões de migraçãorural/urbano) e peLouso excessi- vo dos recursos naturais. ALémdisso, deaLgunsanos para cá, a agricuLtura tem estado sujeita às restrições causadas peLos crescentes preços do petróLeo. Os probLemasda agricuLtura moderna podem tornar-se ainda piores na medida em que as tecnoLogiasmodernas oci- dentais, desenvoLvidassob determinadas condiçõesecoLógicas e socioeconômicas, forem sendo ampLamenteapLicadas nos paises em desenvoLvimento,como ocorreu em aLgunspro- gramasda chamadaRevoLuçãoVerde(CapituLo4). A agricuLtura moderna tornou-se aLtamente compLexa,com uma produção de grãos dependente do manejo intensivo e da disponibiLidade ininterrupta do suprimento de energia e de insumos. Este Livrobaseia-se na premissade que esse enfoque moderno não é o mais apropriado à faLtade energia e aos probLemasambientais atuais e futuros; que o progresso na direção da sustentabiLidade,conservação de recursos, eficiên-

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Page 1: Rumo à Agricultura Sustentável€¦ · mento e a adoção da agricultura sustentável, é impossível separar os problemas biológicos da prática da agricultura "eco-lógica",

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Rumo à AgriculturaSustentável

Os problemas da agricultura moderna

Osfantásticos aumentos de produtividade na agricuLturamoderna têm sido acompanhados, muitas vezes, peLadegra-dação ambientaL (erosão do soLo, poLuiçãocom pesticidas,saLinização),probLemassociais (eLiminaçãoda agricuLturafa-miliar; concentração de terras, recursos e produção; modifica-ção dos padrões de migraçãorural/urbano) e peLouso excessi-vo dos recursos naturais. ALémdisso, de aLgunsanos para cá, aagricuLturatem estado sujeita às restrições causadas peLoscrescentes preços do petróLeo.

Os probLemasda agricuLtura moderna podem tornar-seainda piores na medida em que as tecnoLogiasmodernas oci-dentais, desenvoLvidassob determinadas condiçõesecoLógicase socioeconômicas, forem sendo ampLamenteapLicadasnospaises em desenvoLvimento,como já ocorreu em aLgunspro-gramas da chamada RevoLuçãoVerde(CapituLo4).

A agricuLtura moderna tornou-se aLtamente compLexa,comuma produção de grãos dependente do manejo intensivo e dadisponibiLidadeininterrupta do suprimento de energia e deinsumos. Este Livrobaseia-se na premissade que esse enfoquemoderno não é o mais apropriado à faLtade energia e aosprobLemasambientais atuais e futuros; que o progresso nadireção da sustentabiLidade,conservação de recursos, eficiên-

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cia energética, viabilidade econômicaejustiça social é o maisadequado.

Acompreensãodossistemastradicionaisde produçãopoderevelarindícios ecológicosimportantes parao desenvolvimen-to de sistemas alternativos de manejo e produção, tanto paraos paísesindustrializados, quanto paraaquelesemdesenvolvi-mento.

Odesafio que secoloca à pesquisaemagricultura susten-tável é como aprender a compartilhar inovações entre paísesindustrializados e emdesenvolvimento, eliminando a transfe-rência tecnológica que ocorre num único sentido: do mundoindustrializado para o TerceiroMundo. Esteintercâmbio deve

ser equilibrado, especialmente na área de biotecnologia, quetem grandedependênciada disponibilidade de diversidadege-nética das espécies cultivadas ainda preservada nosagroecossistemastradicionais. Nãoéjusto que os melhoristasde plantas dos paísesindustrializados tenham livre acessoaogermoplasmamantido nosagroecossistemastradicionais, semque haja compensaçãoaos paísesdo TerceiroMundo.

Sendo realista, a busca por modelos de agricultura sus-tentável terá que combinar elementosda agricultura tradicio-nal como conhecimentocientífico moderno.A complementaçãodo uso de variedades e insumos convencionais com as

tecnologias tradicionais irá garantir uma produção agrícolamais acessívele sustentáveL.NosEstadosUnidos e em outros

paísesindustrializados, a adoçãodestaabordagemnecessitaráde grandes ajustes na estrutura agrícola, baseadano uso in-tensivo de capital e insumos. Nospaísesemdesenvolvimento,tambémserãonecessáriasmudançasestruturais,principalmentepara corrigir desigualdadesna distribuição de recursos, mastambém será precisoque os governosreconheçamo conheci-mento da populaçãorural como o principal recurso. Odesafioserá, então, maximizar o uso deste recurso em estratégiasparaum desenvolvimentoagrícola autônomo.

Ao examinar os problemasque dificultam o desenvolvi-mento e a adoção da agricultura sustentável, é impossívelsepararos problemasbiológicosda prática da agricultura "eco-lógica", dos problemassocioeconômicos,comoa inadequaçãodo crédito, da tecnologia, da educação, da falta de apoiopolítico e doacessoaoserviçopúblico.Ascomplicaçõessoci-ais e os preconceitos políticos, mais do que os de ordemtéc-nica, são provavelmentea principal barreira para a transiçãode sistemas de produção com alto uso de capital e energia,para sistemas agrícolas de baixo consumo de energia e usointensivo da mão-de-obra.

Uma estratégia para se alcançar uma produção agrícolasustentável terá que fazer mais do que simplesmente modifi-car as técnicas tradicionais. Uma estratégia de sucessoseráproduto de novas abordagens para o desenho deagroecossistemasque integre manejo com os recursosregio-nais e opere na estrutura e nas condições ambientais esocioeconômicasexistentes (Loucks, 1977). As opçõesdeve-rão se basear na interação de fatores, como as espécies, asrotações, o espaçamento,os nutrientes, a umidadedo solo, aspragas, a colheita e outros procedimentosagronômicos, e te-rão queacomodarasnecessidadesde conservaçãode energia ede recursos,proteger a qualidadeambiental e a saúdepública,contribuindo parao desenvolvimentosocioeconômicoeqüita-tivo.

Estessistemasdevem contribuir parao desenvolvimentorural e para a igualdade sociaL.Paraque isso ocorra, os meca-nismos políticos devem incentivar a substituição do capitalpelo trabalho, reduzir os níveisde mecanizaçãoe os tamanhosdas propriedades, diversificar a produçãoagrícola e enfatizaras iniciativas controladas pelos trabalhadorese/ou a partici-paçãode agricultores no processode desenvolvimento.As re-formas sociais nesta linha terão os benefícios adicionais doaumento da oferta de empregoe reduçãoda dependênciados

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produtores em relaçãoao crédito, àsindústrias e aosgovernos(Levins, 1973).

É óbvio que estastransformaçõespropostaspodementrarem conflito com a visão capitalista ocidental ou neoliberaldodesenvolvimentoagrkolamoderno.Pode-seargumentar,porexem-plo, que a maior mecanizaçãoreduzos custosde produçãoouque é necessáriaemáreasondea mão-de-obraadequadanão édisponlvel, e quea produçãodiversificadacria problemasparaamecanização.Outrapreocupaçãoé seastecnologiassustentáveisserãocapazesdealimentarosdoisbilhõesdepessoasa maisquehabitarãoo pLanetaaté o fim do sécuLo.Essascnticas podemserváLidas,seanalisadasdentro da atuaLestruturasocioeconômica.Massãomenosválidassereconhecermosqueosagroecossistemassustentáveisrepresentamtransformaçõesprofundas,com gran-desimplicaçõessociaise pollticas. Entende-seaqui quea maiorparte dos problemasatuais e futuros de má nutrição e de fomesão causados,principalmente,pelos modelosde distribuição ebaixo acessoaos alimentos causadospela pobreza,e não porlimitaçõesagronômicasou pelo tipo detecnoLogiausadona pro-duçãode alimentos.

Biodiversidade: a chave para aoperacionalização da agricultura sustentável

Comofoi enfatizadonestelivro, a principalestratégiadaagriculturasustentáveléarestauraçãodadiversidadeagncoladapaisagemruraLUmproblemacritico daagriculturamoder-na é a perdada biodiversidade,queatinge formasextremasnasmonoculturas.Defato, a agriculturamodernaé terrivel-mentedependentedeumaspoucasvariedadescomoculturasprincipais.Porexemplo,nosEstadosUnidos,60- 70%daáreatotal de feijão é plantadacomduasou três variedades,72%da áreade batatascomquatrovariedadese 53%do algodãocomtrêsvariedades(AcademiaNacionaldeCiências,1972).

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IAGROECOLOGIA. BASES CIENTÍFICAS PARA UMA AGRICULTURASUSTENTÁVEL 549

Ospesquisadoresvêm advertindo repetidamente sobre aextrema vulnerabilidade associadaà uniformidade genética.Emnenhumaáreaasconseqüênciasdareduçãoda biodiversidadesãotão evidentesquanto no manejode pragas.Ainstabilidadedos agroecossistemasmanifesta-se através do aumento dosproblemascom pragase é cadavez mais ligada à expansãodasmonoculturas, que se dá às expensasda vegetação natural,diminuindo assim a diversidade dos habitats locais (Altieri eLetourneau, 1982; Flint e Roberts,1988).Ascomunidadesdeplantas que são modificadas paraatender às necessidadeses-peciais dos sereshumanostornam-se sujeitas a graves danospelas pragase, geralmente, quanto mais intensamente a co-munidade é modificada, maisabundante e séria é a praga.

Portanto, um importante motivo para manter, restaurar eou aumentar a biodiversidade nos agroecossistemasé que eladesempenhadiversosserviçosecoLógicos.Cita-secomo exem-plos, a reciclagem de nutrientes, o controle do microclimalocal, o controle dos processoshidrológicos, o controLe dapopulaçãode organismosindesejáveise a a reversãode conta-minação por substâncias qUlmicas nocivas. Estes processosrenováveise serviçosecológicossãoprincipalmente de nature-za biológica, o que faz com que sua persistência dependadamanutenção da diversidade biológica (Figura 18.1). Quandoestes serviçosambientais são perdidosdevido a uma simplifi-caçãobiológica, os custoseconômicose ecológicospodemserbastante significativos. Economicamente,os custos agrkolasincluem a necessidadede fornecer àsculturas osdispendiososinsumos, uma vez que os agroecossistemasencontram-sepri-vados de seus componentesfuncionais básicos de controle,perdendoa capacidadedesustentar seupróprio equillbrio, emtermos de fertilidade dos solos e do controle de pragas. Oscustos freqüentemente envolvem uma redução na qualidadede vida, devido à menor qualidade do solo, da água e dosalimentos produzidos quando ocorre contaminação comagrotóxicos ou nitratos.

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As evidências experimentais dos agroecossistemas mo-dernos sugerem que a biodiversidade pode ser usada parameLhoraro manejo de pragas (Andow, 1991). Vários estu-dos mostram que é posslveL estabilizar a comunidade deinsetos dos agroecossistemas através do uso de espéciesque mantenham e estimuLemas popuLaçõesde inimigos na-turais ou que apresentem efeitos diretos sobre as pragas.

Nos palses em desenvoLvimento, a biodiversidade podeajudar a grande massa de agricuLtores pobres, em sua maio-ria confinados às terras marginais, encostas e áreas semirrigação, permitindo que eLes atinjam a auto-suficiênciaaLimentar durante todo o ano, reduzindo a dependência dosdispendiosos e escassos insumos agroqulmicos e desenvoL-vendo sistemas de produção que restabeLeçam a capacidadeprodutiva de suas pequenas propriedades (ALtieri, 1987).Tecnicamente, a abordagem consiste no pLanejamento desistemas agrkoLas de uso múLtipLo,enfatizando a conserva-ção do soLoe das cuLturas, alcançando a meLhoriada ferti-Lidadedo soLoe a proteção das cuLturasatravés da integraçãode árvores, animais e agricuLtura. Como se vê na Figura18.2, há diversas opções para a diversificação dos sistemasde cuLtivo, que dependerão se as monocuLturas a seremmodificadas baseiam-se em sistemas de pLantas anuais ouperenes. A diversificação também pode ocorrer fora da uni-dade de produção, por exempLo,nos Limitesentre as áreascuLtivadas e quebra-ventos, cinturões de proteção e cercas-vivas, os quais podem meLhoraro ambiente para a faunasilvestre e insetos benéficos, oferecendo fontes de madeira,matéria orgânica, néctar para as abeLhas poLinizadoras e,aLémdisso, modificar a veLocidadedo vento e o microcLima(ALtierie Letourneau, 1982).

Figura 18.1 - A integração de recursos, componentes e fun-ções em sistemas agrícolas diversificados.

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/ SistemasAgrícolaModernos~

colas reduza necessidadede insumosexternos. A combinaçãocerta, em termos espaciaise temporais, das espéciesanuais,árvores, animais, solos etc., aumenta as interações esinergismosque sustentam as produçõese a conservaçãodosrecursos.

Figura 18.2-Opçõespara diversificação de espéciesanuaisou perenesbaseadasnossistemasagrícolasda Califórnia.

Os objetivos e demandas da agriculturasustentável

Aquestãocentral da agricultura sustentável não é atingira produção máxima, masa estabilidade à longo prazo. O de-senvolvimento de agroecossistemasde pequenaescala, auto-suficientes, diversificados e economicamenteviáveis provemde novos desenhosde sistemasde cultivo e/ou produção ani-

mal, manejadoscomtecnologia adaptadaao ambiente local ebaseadasnos recursosdos agricultores. Aconservaçãodos re-cursose da energia, a qualidade ambiental, a saúdepública eo desenvolvimentosocioeconômicoeqüitativo devemser con-sideradosao tomar-se decisõessobreasespécies,asrotações,

o espaçamento,a adubação,o controle de pragase a colheita.Do ponto de vista do manejo, os componentesbásicosde umagroecossistemasustentável incluem:

Rotaçõese sequênciasde culturas

Cultivosmúltiplos(consorciados,

em faixasetc.1

PlantioDireto

Plantiode cobertura

Pousiosmanejados

Coberturamorta

Quebra.ventos

Sislemas,~ Sistemasdeproduçã,mista: / Siste~as ,

Agropastolls pecuária(animaisleagrícola(vegetaisl Agrossllvlpastolls

Agrossilvicultura

WrodlJjãorombinada

dewl!tlas anuaise áMxes)

Plantiodecobertura

. I Policullurasperenesefrutíferasconsorciadascom

espéciesanuaisCoberturamorta

Cinturõesdeproteção

Manejodavegetaçãocircunvizinha

1. Coberturavegetalcomo uma medidaeficientena con-servaçãodosoloedaágua,realizadaatravésdousodepráticasde plantio direto, coberturamorta,coberturaviva etc.

2. Suprimentoregulardematériaorgânica(esterco,com-posto)e promoçãodaatividadebióticado solo.

3. Mecanismosde reciclagemde nutrientesatravésdouso de rotaçõesde culturas,sistemasintegradosdeproduçãodeplantase animais,sistemasagroflorestaise sistemasconsorciadosbaseadosem leguminosaseespéciessemelhantes.

OsexemplosdedesenvolvimentoruraldebasenaAméricaLatina sugerem que a manutenção e/ou aumento dabiodiversidadenosagroecossistemastradicionaisrepresentamumaestratégiaque garantealimentaçãoe fontes de rendadiversificadas,produçãoestável,riscosmínimos,produçãoin-tensivacomlimitadosrecursose retornomáximosob baixosníveisdetecnologia.Acomplementaridadedasatividadesagri-

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Hortaliças 6 I m" II mhed I

monoculturas

j EstratégiasdeDiversificação

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4.Controledepragas,asseguradopelamaioratividadedosagentesdecontrole biológico, alcançadaporin-termédio do manejoda biodiversidadee da introdu-çãoe/ou conservaçãodosinimigos naturais.

5. Maior controle biológico de pragascoma diversifi-cação.

6. Maiorcapacidadede uso múltiplo da paisagem.7. Manutençãodaproduçãoagrfeolasemusodeinsumos

químicosquedegradamo ambiente.

Oscomponentesacimasão organizadosnumaestraté-gia que prioriza a conservaçãoe o manejo dos recursosagrícolaslocais, seguindoumametodologiadedesenvolvi-mentoqueenfatizaa participação,o conhecimentotradici-onal e a adaptaçãoàscondiçõeslocais (Tabela18.1).

Dentroda estrutura de umaabordagemagroecológicaparticipativa, osobjetivoseconômicos,sociaise ambientaissão definidos pela comunidade rural local e sãoimplementadastecnologiasde baixo usode insumosexter-nos paraharmonizaro crescimentoeconômico,a eqüidadesociale a preservaçãoambiental (Figura18.3). Finalmente,além do desenvolvimento e da difusão das tecnologiasagroecológicas,a promoçãoda agricultura sustentávelre-quermudançasnasprioridadesdapesquisa,napolítica agrí-cola e agrária e no sistemaeconômico,incluindo preçosemercadomais justo, assimcomo incentivos governamen-tais (Figura 18.4).

AGROECOLOGIA- BASESCIENTÍFICAS PARA UMA AGRICULTURASUSTENTÁVEL 555

Tabela 18.1 -Elementos técnicos básicos para uma estraté-gia agroecológica de desenvolvimento.

1.CODserY8eioe reltner.cão dos recursos naturais

a. Solo(erosio, rertilidade e sanidadevegetal)b. Água (captaçio, cooservaçio i. si,u, manejo, irrigaçio)c. Germoplasma(espéciesnuivas de plantase animais, variedadeslocais, germoplasma adaptado)d. Faunae nora benéficas(inimigos naturais, polinizadores, uso múltiplo da vegetaçio)2. Manejo dos recursos produllvos

a. DiversificaçioTemporal (rotações,seqOhcias etc.)Espacial (policullurlS, sistemas agronorcstlis, sistemas mistos de culturas/animais)Geoélica (muUiliohagens etc.)Regional (zoneamenlo, microbacias etc.)

b. Reeiclagemde nutrientes e matéria orgAnicaDiomassavegetal (adubo verde. restoscuUurais, finçio de niuoghio)Biomassaanimal (esterco. urina ele.)

Rcutilizaçiodos nutrientesc recursosinternos c externos ~propriedadec. Regulaçio biótica (proteçio de cuUurase saúdeanimal)

Coouole biológico aatural (fomea,o dos ageatesaaturais de controle)Coatrole biológico artificial (importaçio e aumento dos inimigos Dllurais, iaseticidas botânicos,produtos veterinários alternativos ele.)

3,Implemealaçio de elemenlos lécalcos

a. Definiçio da regeneraçio dos recursos, técoiIcasd-cconscrvaçio e manejo apropriadas às necessidadeslocais e b circunstAncias socioeconômicas.

b. O arvel de implemeataçiopodeser em termos de microbacia, de propriedade ou de sistemade cuUivo.c. A implemealaçio é guiada por uma coacepçio boUSlica (integrada) e, porlaalo, aio enfali.. elemenlos

isolados.

d. A esuatégiaprecisaeSlarde acordocom a lógicado produtor e deve iacorporar as lécnicas de manejodos recursos.

Figura 18.3 - O papel da agroecologia no atendimento dosobjetivos sociais, ambientais e econômicos no meio rural.

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Tecnologlas de baixos Insumos externos

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Figura 18.4 - Requisitos à Agricultura Sustentável.

Manejo, uso e conservaçãodos recursos produtivos

Desenvolvimento e

dlfuslo deteçnologlas

efetivas,acess(velse de baixocusto

Mudança InstituclonalOrganização SocialDesenvolvimento derecursos humanos

Pesquisa partlclpatlva

Polltlca agrária compaUvelMercado e preços JustosIncenUvos econômicos

Contabilidade AmblentalEstabilidade Polftlca

A transição rumo à Agricultura Sustentável

AestruturadaagricuLturaempresariaLe a organizaçãodapesquisaagricoLa(queenfocaprobLemasdecurto prazo,mo-dificandocomfreqüênciaa tecnoLogiaemuso)impedemqueasrecomendaçõesdepesquisasecoLógicassejamincorporadasnossistemasdemanejoagricoLa(ButteLL,1980a).ÉóbvioqueasempresasagricoLasnãoinvestirãoemtecnologiassustentá-veiscujosLucrosnãopodemserimediatamentecapitalizados.

Defato, a ênfasenasaLtasprodutividadescontinua,sen-do que na décadade 80, este enfoqueé exempLificadopeLapromoçãoemLargaescaLadabiotecnoLogia,comoo novoapa-rato tecnoLógicocapazderesoLverosprobLemasdebaixapro-dutividade,especiaLmenteda agricuLturado TerceiroMundo(Bartone BriLL,1983).Argumentava-sequea cuLturadeteci-dospoderiaserimediatamenteusadaparaaceLerara produçãode variedadestoLerantesà secae resistentesa doenças.

J

AGROECOLOGIA-BASESCIENTÍFICASPARAUMAAGRICULTURASUSTENTÁVEL557

o transpLantede embriõesoferecea possibilidade de meLhoriadasespéciesanimais. Assim,os proponentesdessaabordagemafirmam queastecnoLogiasdetransferência genética e cuLturade tecidos podemfornecer rapidamentemateriaLvegetaLadap-táveLa diversas regiões do mundo, inclusive às áreas margi-nais.

Um probLemaimportante paraos pLanejadoresrurais serátransferir e adaptar as biotecnoLogiasàs condições sociais,econômicase políticas que prevaLecemnos paisesem desen-volvimento. Dadaa atuaLsituação econômica destes paises,com graves probLemasde dividas externas, é razoáveLesperarque a biotecnologia poderá não ser adequadaao seu próprioambiente econômico e ecológico Local,massim às condiçõesdo grande mercadode exportação representadopeLasnaçõesindustrializadas (Kenneye ButteLl,1984; Hansenet aL., 1984).

Como aumento do usodestastecnologias, deverãosurgirregrasque protejam o públicodosproblemasambientaise desaúdeque podemocorrer coma Liberaçãode organismosobti-dos através da engenharia genética (Brill,1985). Existempre-ocupaçõesde que testes ouintroduçõespossamlevar a "Licen-çasecológicas"permitindo burlar a legislaçãoconcernenteaosorganismos geneticamente modificados, mesmo quecompo-nentes da biota Local.As burocraciasdo TerceiroMundo são

geralmente vagarosasou ineficientes em reforçara segurança,uma situação exploradapor muitas companhias transnacionaispara comercializar os produtos que foram banidos dos paisesdesenvolvidos.

Emboraos interessadosna biotecnoLogiaargumentemqueasplantasproduzidaspodemser resistentesa muitaspragasecapazesde desenvolver-seemsolos pobresemnutrientes (di-minuindo assim a necessidade de agrotóxicos e fertilizantes),esta abordagemtorna os agricuLtores,especiaLmenteos pe-quenos, cada vez mais dependentes das companhias de se-mentes. Coma tendência de enfatizar os "pacotes" sementes/

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agroquimicos, os produtores tornam-se automaticamente de-pendentes dos agroquimicos necessários para o cultivo destasvariedades (Buttell, 1980b). Isto é particularmente verdadeirono caso das biotecnologias que desenvolvemvariedades comobjetivos especificos (como resistência a herbicidas). O pro-blema é que quando os produtores perdem sua autonomia,seus sistemas de produção passam a ser controlados por insti-tuições distantes, sobre as quais as comunidades rurais têmpouco controle.

Por outro lado, nos paises industrializados, as considera-ções sobre agricultura consorciada (policultivo) são inibidaspelo atual sistema de posse da terra e pelos projetos das má-quinas agricolas. Portanto, a pesquisa sobre a ecologia dospolicultivos somente faz sentido se parte de um programamais amplo que inclua a reforma agrária e o redesenho dasmáquinas (Levins, 1973). Outras limitações inerentes às con-dições sociais prevalecentes tornam dificil a adoção da agri-cultura ecológica:

o que inibiria o investimento de capital e impediria oestabelecimento de relações lucrativas e estáveis entreprodutores, atacadistas e processadores. Muitos agri-cultores não mudariam para sistemas alternativos amenos que houvesse uma boa perspectiva de ganhosmonetários, fosse pelo aumento da produção ou peladiminuição dos custos. Asdiferentes atitudes depende-rão principalmente da percepção dos agricultores, comrelação aos beneficios econômicos a curto e médio pra-zo da agricultura sustentável.

Aparentemente, não será possivelsuperar estas limitaçõessem grandes mudanças na estrutura da agricultura dos EstadosUnidos. Oprocesso de mudança poderia ser acelerado se:

. Devidoà complexidadeambiental dos sistemas de pro-dução, as tecnologias agricolas sustentáveis devem serespecificas para cada local. Portanto, as tecnologiasdesenvolvidasemestações experimentaispodemser ina-dequadas para regiõesque apresentem agroecossistemassustentáveis heterogêneos.

. Aabordagem holistica aplicada ao planejamento estru-tural e ao manejo do agroecossistema tenderia a que-brar as barreirasdisciplinares, desafiando as tendênciasmercantilistas da atual educação agricola, da pesquisae da extensão, bem como a estrutura inflexivel dosmercados urbanos/rurais.

. Durante umafase de transição, a produção agricola e aqualidade do produto, incluindo seu aspecto visual,poderiam variar e gerar imprevisibilidade nas colheitas,

1. Apesquisa e a extensão agricola dessem atenção aosproblemas de longo prazo, enfatizando as tecnologiasde pequena escala, especificas para os locais, desenvol-vidos nas propriedades e com a cooperação ativa dospequenos agricultores.

2. O planejamento agricola fosse integrado, com umaperspectiva ecológica para todos os usos da terra, per-seguindo múltiplos objetivos, como a produção de ali-mentos para consumoe para comercialização,a melhoriada qualidade nutricional, a proteção da saúde dos tra-balhadores rurais e dos consumidores, a proteção doambiente e a distribuição equilibrada da população en-tre os meios urbanose rurais (Levinse Lewontin,1985).

3. Cooperativasentre produtores e consumidores surgis-sem, incentivando os mercados locais, e se as coopera-tivas de produtores coordenassem as metas de produ-ção, para evitar sub ou superproduções e estabelecerpadrões "objetivos" de qualidade visual dos produtos.

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4. Aprodução agrícola se tornasse uma atividade famili-ar, baseada em decisões cooperativas sobre questõescomo manejo agrícola, compra 'de insumos, crédito econtratação de mão-de-obra.

5. Ospequenos agricultores se organizasseme se tornas-sem uma força politica para garantir reforma agráriajusta, legislação apropriada e melhor acesso aos servi-ços públicos, ao crédito e à tecnologia.

6. Aagricultura se tornasse objeto de decisões de politi-cas públicas mais amplas, subordinando o manejo dosrecursos agrícolas aos interesses politicos e econômi-cos da sociedade.

7. Os consumidores se tornassem mais efetivos no

questionamento das agendas de pesquisa agrícola, asquais ignoram a saúde, a nutrição e o ambiente.

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Ospré-requisitos para o desenvolvimento de uma agricul-tura sustentável não são apenas biológicos ou técnicos, mastambém sociais, econômicos e politicos, ilustrando as exigên-cias necessárias à sociedade sustentável. Éinconcebivel pro-mover mudanças ecológicas no setor agrícola sem advogarmudanças compativeis noutras áreas correlacionadasda socie-dade. O mais importante pré-requisito da agricultura ecológi-ca é um ser humano evoluido e consciente, cuja atitude comrespeitoà naturezaseja de coexistênciae não de exploração.

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