agroecologia - a dinâmica produtiva da agricultura sustentável

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de Miguel Altieri 1 edio: 1998 Direitos reservados desta edio: Universidade Federal do Rio Grande do Sul Capa: Carla M. Luzzatto Traduo: Marlia Marques Lopes Reviso tcnica: Maria Jos Guazzelli Cludia Job Schmitt Reviso: Cludia Bittencourt Mnica Ballejo Canto Maria da Glria Almeida dos Santos Arte-nal dos desenhos: Rubens Renato Abreu Editorao eletrnica: Priscila dos Santos Novak Miguel Altieri Engenheiro-agrnomo pela Universidade do Chile (1974); mestre pela Universidade Nacional da Colmbia (1976); PhD pela Universidade de Florida (1979); professor de Agroecologia na Universidade da Califrnia, campus de Berkeley, desde 1981; assessor cientco do Consrcio Latino-Americano de Agroecologia e Desenvolvimento (CLADES) desde 1989; coordenador geral do Sustainable Agriculture Networking and Extension (SANE) ligado ao PNUD (Naes Unidas) desde 1994; coordenador do Comit de ONGs do Comit Consultivo de Pesquisa Agrcola Internacional (CGIAR) desde 1997. Principais publicaes: Agroecology: the science of sustainable agriculture (1995) e Biodiversity and pest management in agrosystems (1994). A468a Altieri, Miguel Agroecologia: a dinmica produtiva da agricultura sustentvel / Miguel Altieri. 4.ed. Porto Alegre : Editora da UFRGS, 2004. (Nome da coleo) 1. Agricultura Ecologia. I. Ttulo.

CDU 631.58/.584.9:634.0.1

Catalogao na publicao: Mnica Ballejo Canto CRB 10/1023 ISBN 85-7025-538-1

AGRADECIMENTOSA agroecologia o tema central e o princpio do que hoje chamado agricultura sustentvel. Poucas pessoas tm trabalhado com tanto afinco para desenvolver e explicar esse conceito quanto Miguel A. Altieri, professor adjunto do College of Natural Resources e do Center for Biological Control, University of California, Berkeley. Ele contribuiu com os elementos centrais deste segundo livro-guia do PNUD.1 Com uma experincia nica, tambm coordena nosso programa global denominado Sustainable Agriculture Networking and Extension Programme (SANE-INT/93/201).2 Agradecemos igualmente a contribuio de Paul Faeth, assistente senior do Programa de Economia e Populao do World Resources Institute (WRI),3 pela autorizao fornecida pelo WRI para a publicao do material do Sustainable Agriculture and Rural Development (SARD)4 sobre economia nesta edio. Grandes trechos do texto foram editados por Rosemarie Philips. Linda L. Schmidt habilidosamente produziu o texto final em camera-ready para publicao. Esta obra no teria sido possvel sem o estmulo e levantamento de fundos de Luis Gomez-Echeverri, ento Diretor Interi1 2 3 4

Programa de Desenvolvimento das Naes Unidas. Programa de Rede e Extenso em Agricultura Sustentvel. Instituto Mundial de Recursos. Agricultura Sustentvel e Desenvolvimento Rural.

no da Sustainable Energy and Environment Division (SEED)5 no BPPS e sem o gerenciamento e coordenao dos diferentes inputs por Friedrich Mumm von Mallinckrodt, Presidente e Conselheiro Tcnico em Agricultura Sustentvel e Segurana Alimentar do SEED. Gostaramos, tambm, de agradecer o trabalho e comentrios dos colegas de vrias agncias, mas particularmente Diviso de Assuntos Pblicos e ao Conselho Editorial do PNUD.

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Diviso de energia e ambiente sustentvel.

APRESENTAO QUINTA EDIOPor um novo sentido prtica da agriculturaNa segunda metade do sculo XX, vrios pases latino-americanos engajaram-se na intitulada Revoluo Verde, um iderio produtivo proposto e implementado nos pases mais desenvolvidos aps o trmino da Segunda Guerra Mundial, cuja meta era o aumento da produo e da produtividade das atividades agrcolas, assentando-se para isso no uso intensivo de insumos qumicos, das variedades geneticamente melhoradas de alto rendimento, da irrigao e da motomecanizao. Polticas pblicas nacionais foram criadas, tendo a pesquisa agrcola e a extenso rural aliadas geralmente ao crdito agrcola subsidiado como os principais instrumentos para a concretizao dessas polticas. No Brasil, a partir de meados da dcada de 1980, com a inviabilizao dos subsdios ao crdito, tornam-se gradativamente mais visveis as conseqncias menos gloriosas do padro de agricultura introduzido com a Revoluo Verde. A contestao agricultura e s formas de organizao produtivas oriundas desse iderio traz em seu rastro uma srie de manifestaes sociais que passam a adquirir crescente importncia e legitimidade nos anos mais recentes.

A crtica e o debate em torno de novas formas de agricultura (e de desenvolvimento) se intensificam a partir de alguns fatos e movimentos gerais, tais como: a) Uma crise generalizada nos pases de capitalismo perifrico, a partir da dcada de 1950, mostrando que o progresso no uma virtude natural que todos os sistemas econmicos e todas as sociedades humanas possuem (implicando tambm a crise do industrialismo e da idia de que o desenvolvimento igual a progresso material o qual, por sua vez, traz o bem-estar social , ou que o desenvolvimento tcnico-cientfico implica desenvolvimento socioeconmico, progresso e crescimento). b) As crises sociais, expressas de diferentes maneiras, via concentrao de renda, de riquezas e da terra, o xodo rural e a violncia em todos os sentidos. c) Uma crise ambiental, manifestada tambm de diferentes e graves formas, como, por exemplo, a degradao e a escassez dos recursos naturais, a contaminao dos alimentos etc. d) Uma crise econmica, a partir da diminuio dos nveis mdios de renda e pela constatao de que a maioria dos produtos incentivados pela modernizao agrcola deixou de ser atrativa sob esse aspecto, inclusive algumas commodities. Neste ano de 2008 assume contornos importantes a discusso sobre a crise alimentar mundial, com vrios argumentos em debate e uma hiptese de fundo na cabea de muitos: se uma crise alimentar existe porque existiria tambm uma crise do padro de desenvolvimento imposto agricultura nos ltimos quarenta anos. Ainda que se ostente o aumento espetacular da produtividade nesses anos em alguns cultivos e atividades agropecurias, fato que as mencionadas crises geram problemas e impasses que gradualmente comeam a ganhar momentum, indicando crescentes dificuldades de manuteno do padro produtivo moderno implantado no perodo ps-guerra. No plano econmico, especialmente, destaca-se, como tendncia geral histrica nas dcadas recentes, a

elevao dos custos de produo associada queda real dos preos pagos aos agricultores. Essa falta de sintonia ocorre, por certo, nos pases nos quais os governos no conseguem manter subsdios aos agricultores e assegurar preos sociais dos alimentos compatveis com o nvel de renda dos consumidores. Esse padro de produo insustentvel ressaltado pelo professor Miguel Altieri neste livro: a falta de acesso dos produtores menos favorecidos a insumos caros, bem como questes bsicas de igualdade socioeconmica, obstaculizaram, em muito, a modernizao da agricultura nos pases em desenvolvimento. Essas so algumas das muitas razes e motivaes que iriam produzir a entrada em cena, nos ltimos vinte anos, de experincias diferentes daquela do padro proposto pelo iderio da Revoluo Verde, atraindo a ateno de profissionais das cincias agrrias e de outras reas do conhecimento, bem como de autoridades governamentais e, claro, de muitos agricultores pelo Brasil afora. Esse movimento cresceu e assumiu maior complexidade, hoje sendo denominado de vrias maneiras, muitas vezes caracterizando sua feio tcnica ou produtiva stricto sensu, na qual a agroecologia assume posio destacada. Todo a discusso em torno dessas novas formas de praticar e viver a agricultura insere-se nestes ltimos anos no debate da sustentabilidade do desenvolvimento, indicando, genericamente, um objetivo social e produtivo, qual seja, a adoo de um padro tecnolgico e de organizao social e produtiva que no use de forma predatria os recursos naturais e tampouco modifique to agressivamente a natureza, buscando compatibilizar, como resultado, um padro de produo agrcola que integre equilibradamente objetivos sociais, econmicos e ambientais. Essa nova forma de praticar a agricultura mais sustentvel traz, porm, alguns desafios:1Conforme Maria Leonor Assad e Jalcione Almeida em Agricultura e sustentabilidade: contextos, desafios e cenrios, Cincia & Ambiente, Santa Maria, n. 29, p. 21-22, 2004.1

a) Um desafio ambiental considerando que a agricultura uma atividade causadora de impactos ambientais, decorrentes da substituio de uma vegetao naturalmente adaptada por outra que exige a conteno do processo de sucesso natural, visando ganhos econmicos, o desafio consiste em buscar sistemas de produo agrcola adaptados ao ambiente, de tal forma que a dependncia de insumos externos e de recursos naturais norenovveis seja mnima. b) Um desafio econmico considerando que a agricultura uma atividade capaz de gerar, a curto, mdio e longo prazos, produtos de valor comercial tanto maior quanto maior for o valor agregado, o desafio consiste em adotar sistemas de produo e de cultivo que minimizem perdas e desperdcios e que apresentem produtividade compatvel com os investimentos feitos, e em estabelecer mecanismos que assegurem a competitividade do produto agrcola no mercado interno e/ou externo, garantindo a economicidade da cadeia produtiva e a qualidade do produto. c) Um desafio social considerando a capacidade da agricultura de gerar empregos diretos e indiretos e de contribuir para a conteno de fluxos migratrios, que favorecem a urbanizao acelerada e desorganizada, esse desafio consiste em adotar sistemas de produo que assegurem gerao de renda para o trabalhador rural e que este disponha de condies dignas de trabalho, com remunerao compatvel com sua importncia no processo de produo. Considerando o nmero de famintos no planeta, e particularmente no Brasil, necessrio que a produo agrcola contribua para a segurana alimentar e nutricional. Considerando, ainda, que o contexto social no seja uma externalidade de curto prazo do processo produtivo e, portanto, do desenvolvimento, necessrio construir novos padres de organizao social da produo agrcola por meio da implantao de reforma agrria compatvel com as necessidades locais e da gestao de novas formas de estruturas produtivas.

d) Um desafio territorial considerando que a agricultura potencialmente uma atividade capaz de se integrar a outras atividades rurais, esse desafio consiste em buscar a viabilizao de uma efetiva integrao agrcola com o espao rural, por meio da pluriatividade e da multifuncionalidade desses espaos. e) Um desafio tecnolgico considerando que a agricultura fortemente dependente de tecnologias para o aumento da produo e da produtividade, e que muitas das tecnologias, sobretudo aquelas intensivas em capital, so causadoras de impactos ao ambiente, urge que se desenvolvam novos processos produtivos nos quais as tecnologias sejam menos agressivas ambientalmente, mantendo uma adequada relao produo/produtividade. Esses desafios so tanto maiores e mais complexos quanto maior for o nmero de limitaes impostas pela natureza e, para super-los, necessrio um profundo conhecimento sobre o meio, tanto em seus aspectos fsicos e biolgicos quanto em seus aspectos humanos. necessria uma nova (agri)cultura que concilie processos biolgicos (base do crescimento de plantas e animais) e processos geoqumicos e fsicos (base do funcionamento de solos que sustentam a produo agrcola) com os processos produtivos, os quais envolvem componentes sociais, polticos, econmicos e culturais. Essa abordagem deve-se basear no conhecimento que se tem hoje do funcionamento dos ecossistemas terrestres: a) o equilbrio da natureza extremamente delicado (e instvel) e os seres humanos podem modific-lo de maneira irreversvel, pelo menos em termos de escala de vida humana; b) a Terra no um reservatrio ilimitado de recursos; c) no longo prazo, a sociedade jamais indenizada pelos danos ambientais e pelos desperdcios de recursos naturais, nem em termos econmicos, nem em termos sociais; d) o fictcio bem-estar de alguns segmentos sociais se d custa da explorao real e atual de excludos, que no usufruem vantagens econmicas e sociais mnimas, e pelo comprometimento das novas geraes,

que tendem a se deparar com problemas sociais e econmicos cada vez mais complexos. No so poucos, pois, os desafios e enfrentamentos na direo de uma agricultura e de um desenvolvimento mais sustentveis. Mas como tornar a agricultura brasileira mais sustentvel, garantindo os ganhos de produtividade agrcola atuais ou at mesmo os aumentando? Essa parece ser uma questo de peso, sobre a qual todos os interessados no desenvolvimento deveriam se debruar. Vrias tentativas de resposta j foram ensaiadas nos ltimos anos, por dentro e por fora do status quo reinante, algumas delas atravs de um movimento que originalmente se chamou de agricultura alternativa (dcada de 1970) e que hoje se agrupa em torno das iniciativas de agricultura ecolgica.2 A agroecologia tem sido difundida na Amrica Latina, em outros pases e no Brasil, em especial, como sendo um padro tcnico-agronmico capaz de orientar as diferentes estratgias de desenvolvimento rural sustentvel, avaliando as potencialidades dos sistemas agrcolas atravs de uma perspectiva social, econmica e ecolgica. O objetivo maior da agricultura sustentvel que sustenta o enfoque agroecolgico a manuteno da produtividade agrcola com o mnimo possvel de impactos ambientais e com retornos econmico-financeiros adequados meta de reduo da pobreza, assim atendendo s necessidades sociais das populaes rurais. Muitos trabalhos, acadmicos ou no, foram produzidos nos ltimos anos sobre a agroecologia; eles buscaram aprofundar temas e analis-los, afirmando-a conceitualmente e enquanto modelo terico e prtico interpretativo dos sistemas agrcolas.A esse respeito ver, entre outros, os trabalhos pioneiros de Jalcione Almeida, Tecnologia moderna versus tecnologia alternativa: a luta pelo monoplio da competncia tecnolgica na agricultura, Porto Alegre, Programa de Ps-Graduao em Sociologia Rural/UFRGS, 1989; e de Eduardo Ehlers, O que se entende por agricultura sustentvel? So Paulo, Procam/USP, 1994. Para uma interpretao sociolgica sobre o tema, ver Jalcione Almeida, A construo social de uma nova agricultura, Porto Alegre, Editora da UFRGS, 1999.2

Sem dvida, a obra do professor Miguel Altieri foi central neste contexto. Quando foi lanada a primeira edio de Agroecologia: a dinmica produtiva da agricultura sustentvel, em 1998, pela Editora da UFRGS, essa publicao teve uma enorme aceitao, esgotando-se em pouco tempo. Este livro preencheu um vcuo na produo intelectual sobre o tema e acabou se transformando em obra referencial nos estudos acadmicos e debates sociais, verdadeiro manual de ao e prtica agroecolgica no Brasil.3 Vrios anos se passaram, e este livro de Altieri continua atual e muito requisitado, justificando sua quinta edio, agora lanada. Desta vez, alamos a publicao do professor Miguel Altieri a um lugar destacado em nossa Srie Estudos Rurais (SER), coletnea de textos, desde a dcada passada, patrocinada pelo Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Rural (PGDR) em colaborao com a Editora da UFRGS.4 O que proposto por Miguel Altieri neste livro certamente poder ser bem utilizado para esclarecer as noes e os conceitos centrais da agroecologia, sugerir caminhos metodolgicos e analisar experincias produtivas, tudo fundado em uma perspectiva crtica e coerente com os princpios formativos deste campo cientfico. Este livro tambm poder ajudar a responder a dvidas e, principalmente, a enfrentar os desafios colocados defronte daqueles que pensam a agroecologia como bandeira de luta e instrumento de ao social, bem como a pens-la como promessa de renovao do social, dos sistemas tcnicos e como fonte de mudanas culturais. A proposta agroecolgia e a contribuio de Miguel Altieri podem auxiliar a superar entraves sociais e produtivos que so constitudos a partir da atual condio de marginalizao e excluso de certos grupos sociais e da sua necessidade urgente em obterTambm tem sido bastante influente no campo cientfico e na ao social a publicao de Miguel Altieri intitulada Agroecologia: as bases cientficas da agricultura alternativa, Rio de Janeiro, PTA/FASE, 1989. 4 Ver ttulos da Srie Estudos Rurais em www.ufrgs.br/pgdr.3

resultados imediatos no plano da reproduo social. Esses so importantes fatores que jogam contra a capacidade de afirmao dessas novas idias, pelo menos no curto e mdio prazos. A contribuio de Altieri pode tambm colaborar para a superao da grande heterogeneidade que ainda caracteriza a perspectiva agroecolgica, particularmente em relao ao seu padro tecnolgico e s suas formas sociais, tendentes a se constituir em uma barreira ao avano dessas idias. Desde j, do ponto de vista metodolgico, esta publicao ajuda a operacionalizar a noo de agroecologia, transformando seus princpios em ao. Agroecologia: a dinmica produtiva da agricultura sustentvel , sem dvida, um poderoso instrumento de visualizao e viabilizao da agroecologia como rea de conhecimento e como prtica produtiva. Este livro serve como instrumento para pensar e agir em nome da agroecologia no como a institucionalizao da marginalizao da agricultura alternativa ou ecolgica, tampouco apenas como ecologizao da agricultura moderna ou convencional, e sim como uma forma de agricultura apreendida enquanto uma verdadeira alternativa tcnico-cientfica global, como uma renovao do social e do sistema tcnico-produtivo, podendo constituir-se em fonte de importantes mudanas culturais. Este livro serve como um verdadeiro emulador de aes que buscam outras interpretaes tcnicas e sociais que possam indicar uma possibilidade de operar um novo sentido para a prtica da agricultura. Nessas formas reside a capacidade de lutar e afirmar o potencial poltico transformador da agroecologia, agregando diferentes categorias e grupos sociais, mobilizando-os no sentido da sua afirmao enquanto alternativa social e tcnica capaz de superar os impasses do atual padro de agricultura e de desenvolvimento. Nessa linha de raciocnio, so fundamentalmente razes sociais e polticas aquelas capazes de afirmar verdadeiros movimentos sociais amplificados, e no somente os mritos tcnicos e morais do conjunto de idias ou proposies agroecolgicas.

Esta a herclea tarefa com que se defronta a agroecologia, para a qual este livro se apresenta como importante instrumento de superao. Esses desafios colocados agroecologia, que por instantes tomam a forma de um ideal estratgico, por vezes mal definido nas aes e lutas em curso, devem construir um projeto capaz de orientar novas formas de produo e organizao social e contribuir para um projeto que ultrapasse o campo da contestao e da oposio pura e simples tecnocracia, ao produtivismo e s polticas agrcolas inadequadas. Tais aes devero mostrar, mais claramente, que se pode reconstruir uma imagem da trama social a partir de novas experincias sociais, da agregao de indivduos e de grupos que parecem ter perdido toda forma de identificao profissional e social. Ademais, essas aes devem ser capazes de viabilizar novas experincias que incrementem a produo, com qualidade e maior conservao ambiental, capaz de atender a uma demanda crescente de alimentos pela populao. Eis, em nossa opinio, a tarefa da agroecologia. Cremos que Miguel Altieri, com este livro (e sua produo intelectual), pode muito contribuir nesta direo, afirmando a agroecologia como nova rea do conhecimento, como forma de produo e como verdadeiro movimento social. Temos o mximo orgulho de anunciar a quinta edio de Agroecologia: a dinmica produtiva da agricultura sustentvel, agora compondo a Srie Estudos Rurais do PGDR. Boa leitura. Porto Alegre, julho de 2008. Jalcione AlmeidaPrograma de Ps-Graduao em Desenvolvimento Rural Comisso Editorial da Srie Estudos Rurais

SUMRIOIntroduo ........................................................................................................................................................................................ 19 Agroecologia: objetivos e conceitos ............................................................................................................... 23 A agroecologia dos agroecossistemas tradicionais ..................................................................... 29 Programas de desenvolvimento rural baseados na agroecologia ............................ 41 A agroecologia dos sistemas de produo em larga escala .............................................. 65 Uma anlise econmica da agricultura sustentvel ................................................................. 81 Concluso .......................................................................................................................................................................................... 109 Referncias.......................................................................................................................................................................................

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INTRODUOEm que pese os inmeros projetos de desenvolvimento internacionais e patrocinados pelo Estado, a misria, a escassez de alimentos, a desnutrio, o declnio nas condies de sade e a degradao ambiental continuam sendo problemas no mundo em desenvolvimento. Em muitas regies, a modernizao da agricultura, com a utilizao de tecnologias intensivas em insumos, aconteceu sem a distribuio da terra. Os benefcios dessas medidas geralmente chamadas de Revoluo Verde foram extremamente desiguais em termos de sua distribuio, com os maiores e mais ricos agricultores, que controlam o capital e as terras frteis, sendo privilegiados, em detrimento dos agricultores mais pobres e com menos recursos. A Revoluo Verde tambm contribuiu para disseminar problemas ambientais, como eroso do solo, desertificao, poluio por agrotxicos e perda de biodiversidade (Redclift e Goodman, 1991). A crise agrcola-ecolgica existente, hoje, na maior parte do Terceiro Mundo, resulta do fracasso do paradigma dominante de desenvolvimento. As estratgias de desenvolvimento convencionais revelaram-se fundamentalmente limitadas em sua capacidade de promover um desenvolvimento equnime e sustentvel. No foram capazes nem de atingir os mais pobres, nem de resolver o problema da fome, da desnutrio ou as questes ambientais. As19

inovaes tecnolgicas no se tornaram disponveis aos agricultores pequenos ou pobres em recursos em termos favorveis, nem se adequaram s suas condies agroecolgicas e socioeconmicas (Chambers e Ghildyal, 1985). Recentemente, a discusso sobre o desenvolvimento sustentvel ganhou rpido impulso em resposta ao declnio na qualidade da vida rural, bem como degradao da base de recursos naturais associada agricultura moderna. O conceito de sustentabilidade controverso e quase sempre maldefinido; apesar disso, til, pois reconhece que a agricultura afetada pela evoluo dos sistemas socioeconmicos e naturais, isto , o desenvolvimento agrcola resulta da complexa interao de muitos fatores. A produo agrcola deixou de ser uma questo puramente tcnica, passando a ser vista como um processo condicionado por dimenses sociais, culturais, polticas e econmicas (Conway e Barbier, 1990). H um interesse geral em reintegrar uma racionalidade ecolgica produo agrcola, e em fazer ajustes mais abrangentes na agricultura convencional, para torn-la ambiental, social e economicamente vivel e compatvel. Muitos avanos tecnolgicos inovadores esto sendo introduzidos, mas h, ainda, muito destaque para os aspectos tecnolgicos. O foco a substituio de insumos, ou seja, substituir agroqumicos caros e degradadores do meio ambiente e tecnologias intensivas em insumos por tecnologias brandas, de baixo uso de insumos externos. Este enfoque no atinge, no entanto, as causas ecolgicas dos problemas ambientais na agricultura moderna, profundamente enraizadas na estrutura de monocultura predominante em sistemas de produo de larga escala. A estreita viso dominante argumenta que causas especficas afetam a produtividade, e que o fator limitante, qualquer que seja, pode ser superado com tecnologias alternativas. Essa viso no reconhece e desvia a ateno do fato de que os fatores limi20

tantes so somente os sintomas de um distrbio mais sistmico, inerente aos desequilbrios dentro do agroecossistema. Os enfoques que percebem o problema da sustentabilidade somente como um desafio tecnolgico da produo no conseguem chegar s razes fundamentais da no-sustentabilidade dos sistemas agrcolas. Novos agroecossistemas sustentveis no podem ser implementados sem uma mudana nos determinantes socioeconmicos que governam o que produzido, como produzido e para quem produzido. Para serem eficazes, as estratgias de desenvolvimento devem incorporar no somente dimenses tecnolgicas, mas tambm questes sociais e econmicas. Somente polticas e aes baseadas em tal estratgia podem fazer frente aos fatores estruturais e socioeconmicos que determinam a crise agrcola-ambiental e a misria rural que ainda existem no mundo em desenvolvimento. S uma compreenso mais profunda da ecologia humana dos sistemas agrcolas pode levar a medidas coerentes com uma agricultura realmente sustentvel. Assim, a emergncia da agroecologia como uma nova e dinmica cincia representa um enorme salto na direo certa. A agroecologia fornece os princpios ecolgicos bsicos para o estudo e tratamento de ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam culturalmente sensveis, socialmente justos e economicamente viveis (Altieri, 1987).

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AGROECOLOGIA:OBJETIVOS E CONCEITOSA agroecologia fornece uma estrutura metodolgica de trabalho para a compreenso mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como dos princpios segundo os quais eles funcionam. Trata-se de uma nova abordagem que integra os princpios agronmicos, ecolgicos e socioeconmicos compreenso e avaliao do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrcolas e a sociedade como um todo. Ela utiliza os agroecossistemas como unidade de estudo, ultrapassando a viso unidimensional gentica, agronomia, edafologia incluindo dimenses ecolgicas, sociais e culturais. Uma abordagem agroecolgica incentiva os pesquisadores a penetrar no conhecimento e nas tcnicas dos agricultores e a desenvolver agroecossistemas com uma dependncia mnima de insumos agroqumicos e energticos externos. O objetivo trabalhar com e alimentar sistemas agrcolas complexos onde as interaes ecolgicas e sinergismos entre os componentes biolgicos criem, eles prprios, a fertilidade do solo, a produtividade e a proteo das culturas (Altieri, 1987). A produo sustentvel em um agroecossistema deriva do equilbrio entre plantas, solos, nutrientes, luz solar, umidade e outros organismos coexistentes. O agroecossistema produtivo e saudvel quando essas condies de crescimento ricas e equilibra23

das prevalecem, e quando as plantas permanecem resilientes de modo a tolerar estresses e adversidades. s vezes, as perturbaes podem ser superadas por agroecossistemas vigorosos, que sejam adaptveis e diversificados o suficiente para se recuperarem passado o perodo de estresse. Ocasionalmente, os agricultores que empregam mtodos alternativos podem ter de aplicar medidas mais drsticas (isto , inseticidas botnicos, fertilizantes alternativos) para controlar pragas especficas ou deficincias do solo. A agroecologia engloba orientaes de como fazer isso, cuidadosamente, sem provocar danos desnecessrios ou irreparveis. Alm da luta contra as pragas, doenas ou problemas do solo, o agroecologista procura restaurar a resilincia e a fora do agroecossistema. Se a causa da doena, das pragas, da degradao do solo, por exemplo, for entendida como desequilbrio, ento o objetivo do tratamento agroecolgico restabelec-lo. O tratamento e a recuperao so orientados por um conjunto de princpios especficos e diretrizes tecnolgicas (Quadro 1). Na agroecologia, a preservao e ampliao da biodiversidade dos agroecossistemas o primeiro princpio utilizado para produzir auto-regulao e sustentabilidade (Altieri, Anderson e Merrick, 1987). Quando a biodiversidade restituda aos agroecossistemas, numerosas e complexas interaes passam a estabelecer-se entre o solo, as plantas e os animais. O aproveitamento de interaes e sinergismos complementares pode resultar em efeitos benficos, pois: - cria uma cobertura vegetal contnua para a proteo do solo; - assegura constante produo de alimentos, variedade na dieta alimentar e produo de alimentos e outros produtos para o mercado; - fecha os ciclos de nutrientes e garante o uso eficaz dos recursos locais; - contribui para a conservao do solo e dos recursos hdricos atravs da cobertura morta e da proteo contra o vento;24

Quadro 1 Elementos tcnicos bsicos de uma estratgia agroecolgica I . Conservao e Regenerao dos Recursos Naturais a. Solo (controle da eroso, fertilidade e sade das plantas) b. gua (captao/coleta, conservao in situ, manejo e irrigao) c. Germoplasma (espcies nativas de plantas e animais, espcies locais, germoplasma adaptado) d. Fauna e flora benficas (inimigos naturais, polinizadores, vegetao de mltiplo uso) II. Manejo dos Recursos Produtivos a. Diversificao: - temporal (isto , rotaes, seqncias) - espacial (policultivos, agroflorestas, sistemas mistos de plantio/criao de animais) - gentica (multilinhas) - regional (isto , zoneamento, bacias hidrogrficas) b. Reciclagem dos nutrientes e matria orgnica: - biomassa de plantas (adubo verde, resduos das colheitas, fixao de nitrognio) - biomassa animal (esterco, urina, etc.) - reutilizao de nutrientes e recursos internos e externos propriedade c. Regulao bitica (proteo de cultivos e sade animal): - controle biolgico natural (aumento dos agentes de controle natural) - controle biolgico artificial (importao e aumento de inimigos naturais, inseticidas botnicos, produtos veterinrios alternativos, etc.) III. Implementao de Elementos Tcnicos a. Definio de tcnicas de regenerao, conservao e manejo de recursos adequados s necessidades locais e ao contexto agroecolgico e socioeconmico. b. O nvel de implementao pode ser o da microrregio, bacia hidrogrfica, unidade produtiva ou sistema de cultivo. c. A implementao orientada por uma concepo holstica (integrada) e, portanto, no sobrevaloriza elementos isolados. d. A estratgia deve estar de acordo com a racionalidade camponesa, incorporando elementos do manejo tradicional de recursos.

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- intensifica o controle biolgico de pragas fornecendo um habitat para os inimigos naturais; - aumenta a capacidade de mltiplo uso do territrio; - assegura uma produo sustentvel das culturas sem o uso de insumos qumicos que possam degradar o ambiente (Altieri, Letourneau e Davis, 1983). Porm, restaurar a sade ecolgica no o nico objetivo da agroecologia. De fato, a sustentabilidade no possvel sem a preservao da diversidade cultural que nutre as agriculturas locais. O estudo da etnocincia (o sistema de conhecimento de um grupo tnico local e naturalmente originado) tem revelado que o conhecimento das pessoas do local sobre o ambiente, a vegetao, os animais e solos pode ser bastante detalhado. O conhecimento campons sobre os ecossistemas geralmente resulta em estratgias produtivas multidimensionais de uso da terra, que criam, dentro de certos limites ecolgicos e tcnicos, a auto-suficincia alimentar das comunidades em determinadas regies (Toledo et al., 1985). Para os agroecologistas, vrios aspectos dos sistemas tradicionais de conhecimento so particularmente relevantes, incluindo a o conhecimento de prticas agrcolas e do ambiente fsico, os sistemas taxonmicos populares e o emprego de tecnologias de baixo uso de insumos. Muitos cientistas nos pases desenvolvidos esto comeando a mostrar interesse pela agricultura tradicional em seus mais diferentes aspectos: capacidade de tolerar riscos, eficincia produtiva de misturas simbiticas de cultivos, reciclagem de materiais, utilizao dos recursos e germoplasmas locais, habilidade em explorar toda uma gama de microambientes. possvel obter, atravs do estudo da agricultura tradicional, informaes importantes que podem ser utilizadas no desenvolvimento de estratgias agrcolas apropriadas, adequadas s necessidades, preferncias e base de recursos de grupos especficos de agricultores e agroecossistemas regionais (Altieri, 1983). Entretanto, tal transferncia de26

conhecimentos deve ocorrer rapidamente, ou essa riqueza de prticas se perder para sempre. A produo estvel somente pode acontecer no contexto de uma organizao social que proteja a integridade dos recursos naturais e estimule a interao harmnica entre os seres humanos, o agroecossistema e o ambiente. A agroecologia fornece as ferramentas metodolgicas necessrias para que a participao da comunidade venha a se tornar a fora geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvolvimento. O objetivo que os camponeses se tornem os arquitetos e atores de seu prprio desenvolvimento (Chambers, 1983).

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A AGROECOLOGIADOS AGROECOSSISTEMAS TRADICIONAISOs sistemas agrcolas tradicionais surgiram no decorrer de sculos de evoluo biolgica e cultural. Eles representam as experincias acumuladas de agricultores interagindo com o meio ambiente sem acesso a insumos externos, capital ou conhecimento cientfico (Brokenshaw, Warren e Werner, 1979). Utilizando a autoconfiana criativa, o conhecimento emprico e os recursos locais disponveis, os agricultores tradicionais freqentemente desenvolveram sistemas agrcolas com produtividades sustentveis (Harwood, 1979). Uma caracterstica notvel desses sistemas o grau de diversidade das plantas, geralmente na forma de policultivos e/ou padres agroflorestais (Clawson, 1985). Essa estratgia de minimizar o risco atravs do cultivo de vrias espcies e variedades de plantas estabiliza a produtividade a longo prazo, promove a diversidade do regime alimentar e maximiza os retornos com baixos nveis de tecnologia e recursos limitados (Richards, 1985). Os sistemas de cultivo tradicionais fornecem 20% da oferta de alimentos do mundo (Francis, 1986). Os policultivos constituem no mnimo 80% da rea cultivada da frica Ocidental e boa parte da produo de alimentos bsicos nos trpicos latino-americanos. Os agroecossistemas tropicais, compostos de parcelas produtivas e em pousio, hortas domsticas complexas29

e lotes agroflorestais, geralmente contm mais de 100 espcies por campo de cultivo proporcionando materiais de construo, lenha, ferramentas, medicamentos, alimentos para o gado e para o consumo humano. Hortas no Mxico, Indonsia e Amazonas exibem formas altamente eficientes de uso do solo, incorporando cultivos variados com distintos hbitos de crescimento (Alcorn, 1984). O resultado uma estrutura semelhante das florestas tropicais, com diversas espcies e uma configurao estratificada (Denevan et al., 1984). Pequenas reas ao redor das casas dos agricultores geralmente abrigam 80 a 125 espcies de plantas teis, muitas delas para alimentao e uso medicinal. Muitos agroecossistemas tradicionais encontram-se em centros de diversidade gentica, contendo, portanto, populaes de plantas cultivadas locais, variadas e adaptadas, bem como de parentes selvagens e silvestres destas diferentes culturas. (Harlan, 1976). Estes agroecossistemas constituem-se essencialmente em repositrios in situ de diversidade gentica. H muitas descries de sistemas em que os agricultores dos trpicos plantam mltiplas variedades de cada cultura, criando diversidade intra e interespecfica, aumentando assim a segurana da colheita. Por exemplo, nos Andes, os agricultores cultivam cerca de 50 variedades de batata em seus campos de cultivo (Brush, 1982). Da mesma forma, na Tailndia e na Indonsia, os agricultores cultivam muitas variedades de arroz em suas lavouras, variedades essas adaptadas a uma ampla gama de condies ambientais. Regularmente, trocam sementes com os vizinhos (Grigg, 1974). A diversidade gentica resultante aumenta a resistncia s doenas que atacam espcies particulares de plantas, possibilita aos agricultores explorar diferentes microclimas, atender suas necessidades nutricionais e obter, ainda, outros benefcios atravs de sua utilizao. Os agricultores tradicionais preservam a biodiversidade no somente nas reas cultivadas, mas tambm naquelas sem cultivos. Muitos camponeses mantm reas cobertas por florestas, lagos,30

pastagens, arroios e pntanos, no interior ou em reas adjacentes aos seus campos de cultivos, suprindo-se, assim, de produtos teis, como alimentos, materiais de construo, medicamentos, fertilizantes orgnicos, combustveis e artigos religiosos. Em condies midas e tropicais, a coleta de recursos originrios de florestas primrias e secundrias pode ser bastante importante. Na regio de Uxpanapa, em Veracruz, Mxico, os agricultores utilizam cerca de 435 espcies selvagens de plantas e animais, das quais 229 so consumidas. Em muitas reas semi-ridas, a coleta possibilita aos camponeses e aos grupos indgenas manter seus padres nutricionais mesmo em tempos de seca (Toledo et al., 1985). Embora os agroecossistemas tradicionais variem com as circunstncias geogrficas e histricas, muitas caractersticas estruturais e funcionais so compartilhadas pelos diferentes sistemas, pois eles: - contm um grande nmero de espcies; - exploram toda uma gama de microambientes com caractersticas distintas, tais como solo, gua, temperatura, altitude, declividade ou fertilidade, seja em um nico campo de cultivo, seja em uma regio; - mantm os ciclos de materiais e resduos atravs de prticas eficientes de reciclagem; - tm como suporte interdependncias biolgicas complexas, resultando em um certo grau de supresso biolgica de pragas; - utilizam baixos nveis de insumos tecnolgicos, mobilizando recursos locais baseados na energia humana e animal; - fazem uso de variedades locais e espcies silvestres de plantas e animais; - produzem para consumo local.

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Os servios ecolgicos da biodiversidade nos agroecossistemas tradicionaisNos agroecossistemas tradicionais, a predominncia de sistemas de cultivo complexos e diversificados de suma importncia para os camponeses, na medida em que as interaes entre plantas cultivadas, animais e rvores resultam em sinergismos benficos que permitem aos agroecossistemas promover sua prpria fertilidade de solo, controle de pestes e produtividade (Altieri, 1987; Harwood, 1979; e Richards, 1985). Atravs do plantio intercalado, os agricultores beneficiam-se da capacidade dos sistemas de cultivo de reutilizar seus prprios estoques de nutriente. A tendncia de algumas culturas de exaurir o solo contrabalanada atravs do cultivo intercalado de outras espcies que enriquecem o solo com matria orgnica. O nitrognio do solo, por exemplo, pode ser incrementado com a incorporao de leguminosas mistura de cultivos, e a assimilao de fsforo pode ser intensificada com o plantio de espcies que estimulem as associaes com micorrizas (Vandermeer, 1989). A estrutura complexa dos agroecossistemas tradicionais diminui as perdas por ao de pragas, atravs de uma variedade de mecanismos biolgicos. O consorciamento de distintas espcies ajuda a criar habitats para os inimigos naturais das pragas, bem como hospedeiros alternativos para as mesmas. Um cultivo pode ser utilizado como hospedeiro diversivo, protegendo de riscos outros cultivos mais suscetveis ou mais valorizados economicamente. A grande diversidade de espcies desenvolvendo-se simultaneamente em policultivos, ajuda na preveno de pragas evitando sua proliferao entre indivduos da mesma espcie, que ali se encontram relativamente isolados uns dos outros. Onde uma agricultura itinerante praticada, a abertura de pequenos lotes em reas cobertas por vegetao de floresta secundria permite tambm uma fcil migrao de predadores naturais das pragas oriundos das florestas adjacentes (Altieri, 1991).32

O rendimento total por hectare , com freqncia, mais alto em policultivos do que em monocultivos, mesmo quando a produo de cada um dos componentes individuais reduzida. Essa vantagem geralmente expressa como ndice Equivalente de Terra (IET), que expressa a rea de monocultivo necessria para produzir a mesma quantidade que um hectare de policultivo, utilizando-se a mesma populao de plantas. Se o IET maior que 1, o policultivo resultar em maior produtividade (Francis, 1986). Uma estratgia importante para minimizar as perdas em caso de ataques de doenas e nematides o aumento de espcies e/ ou de diversidade gentica dos sistemas de cultivo, utilizando-se, simultaneamente, vrios focos de resistncia. A mistura de diferentes espcies de plantas ou variedades pode retardar o surto de doenas, reduzir a disseminao de esporos infectados e modificar as condies ambientais, tais como umidade, luminosidade, temperatura e deslocamento de ar, tornando-as menos favorveis difuso de certas doenas. Muitos sistemas de consorciamento previnem a concorrncia por parte das ervas adventcias, principalmente porque as grandes reas de cobertura das folhas de seus complexos dossis, evitam que a luminosidade atinja espcies de ervas sensveis. Em geral, o ponto a partir do qual as ervas adventcias comeam a representar um problema depende dos tipos de culturas e da proporo das diferentes espcies cultivadas, sua densidade, onde so plantadas, fertilidade do solo e prticas de manejo. A eliminao das ervas adventcias pode ser feita nos cultivos consorciados acrescentando-se espcies que inibam sua germinao ou desenvolvimento atravs da alelopatia. Cultivos como centeio, cevada, trigo, tabaco e aveia liberam substncias txicas no ambiente, ou atravs de suas razes ou da decomposio vegetal. Essas toxinas inibem a germinao e desenvolvimento de algumas espcies de ervas, como a mostardeira selvagem (Brassica spp.) e a papoula. Os camponeses que trabalham com sistemas de produo33

tradicionais tm conhecimento e compreenso sofisticados sobre a biodiversidade agrcola que manuseiam. por essa razo que os agroecologistas opem-se quelas abordagens que separam o estudo da biodiversidade agrcola do estudo das culturas que as alimenta.

A natureza complexa do conhecimento etnoecolgico dos agricultoresA etnoecologia o estudo e descrio de sistemas de conhecimento de grupos tnicos rurais indgenas sobre o mundo natural (Alcorn, 1984). Esse conhecimento tem muitas dimenses, incluindo lingstica, botnica, zoologia, artesanato e agricultura, e deriva da interao direta entre os seres humanos e o meio ambiente. Os povos indgenas extraem as informaes mais adaptveis e teis do meio atravs de sistemas especiais de conhecimento e percepo. Desse modo, preservam e repassam informaes de gerao a gerao por meios orais ou empricos (Chambers, 1983). Seu conhecimento sobre solos, climas, vegetao, animais e ecossistemas geralmente resulta em estratgias produtivas multidimensionais (isto , mltiplos ecossistemas com mltiplas espcies), e essas estratgias proporcionam, dentro de certos limites ecolgicos e tcnicos, a auto-suficincia alimentar dos agricultores em uma determinada regio (Toledo et al., 1985). Para os agroecologistas, quatro aspectos desses sistemas tradicionais de conhecimento so relevantes (Altieri, 1987): Conhecimento sobre o meio ambiente. O conhecimento indgena sobre o meio ambiente fsico , com freqncia, detalhado. Muitos agricultores desenvolveram calendrios tradicionais para controlar a programao das atividades agrcolas. Podem semear de acordo com a fase da lua, acreditando que h fases lunares de precipitao. Muitos tambm enfrentam a sazona34

lidade climtica utilizando indicadores de clima baseados na fenologia (ou seja, incio da florao) da vegetao local. Tipos de solo, graus de fertilidade e categorias de uso da terra so tambm discriminados em detalhe por esses agricultores. Os solos so identificados pela cor, textura e at pelo sabor. Os agricultores itinerantes geralmente classificam seus solos baseados na vegetao superficial. Em geral, a classificao de solo pelos camponeses depende da natureza de sua relao com a terra (Williams e Ortiz Solorio, 1981). Os sistemas asteca de classificao eram muito complexos, identificando mais de 24 tipos de solo pela origem, cor, textura, cheiro, consistncia e componentes orgnicos. Esses solos tambm eram classificados de acordo com o potencial agrcola e utilizados tanto nas avaliaes territoriais quanto no censo rural. Os camponeses andinos em Coporaque, Peru, identificam quatro principais tipos de solos. Cada um tem caractersticas especficas que definem o sistema de cultivo mais adequado (Brush, 1982). Taxonomias biolgicas populares. Foram registrados muitos sistemas complexos utilizados pelos indgenas para agrupar plantas e animais (Berlin et al., 1973). Geralmente, o nome tradicional de uma planta ou animal revela o status taxonmico daquele indivduo. Pesquisadores descobriram que, em geral, h uma forte correlao entre as taxonomias popular e cientfica. A classificao de animais, especialmente insetos e pssaros, est difundida entre os agricultores e os grupos indgenas. Os insetos e artrpodos tm um papel relevante como pragas, causas de doenas, alimento e medicamentos, sendo importantes na mitologia e no folclore. Em muitas regies, as pragas na agricultura so toleradas, pois tambm constituem produtos agrcolas, isto , os agricultores tradicionais podem consumir plantas e animais que, em outras situaes, seriam considerados pragas (Brokenshaw et al., 1980). As taxonomias etnobotnicas so as taxonomias tradicionais35

mais comumente registradas. O conhecimento etnobotnico de certos campesinos no Mxico to elaborado que os maias do Tzetal, Purepecha e Yucatan conseguem identificar mais de 1.200, 900 e 500 espcies de plantas, respectivamente (Toledo et al., 1985). De modo semelhante, mulheres aborgenes !ko, na Botswana, identificaram 206 das 211 plantas coletadas pelos pesquisadores (Chambers, 1983), e os plantadores swidden Hanunu, nas Filipinas, mais de 1.600 espcies de plantas (Grigg, 1974). A natureza experimental do conhecimento tradicional. A vantagem do conhecimento popular rural que ele baseado no apenas em observaes precisas mas, tambm, em conhecimento experimental. Esta abordagem experimental bastante evidente na seleo de variedades de sementes para ambientes especficos, mas tambm implcita, na testagem de novos mtodos de cultivo, visando a superao de limites biolgicos ou socioeconmicos particulares. De fato, os agricultores geralmente atingem uma riqueza de observao e uma acuidade de descries acessveis aos cientistas ocidentais somente atravs de um longo e detalhado processo de mensurao e quantificao (Chambers, 1983). S recentemente os pesquisadores comearam a descrever e registrar parte desse conhecimento. As evidncias sugerem que as descries mais precisas derivam de comunidades cujos ambientes so de grande diversidade fsica e biolgica, e de comunidades que vivem nos limites de sobrevivncia (Chambers, 1983). Alm disso, os membros mais antigos das comunidades possuem um conhecimento mais abrangente e detalhado do que os mais jovens (Klee, 1980). Conhecimento das prticas agrcolas. A maioria dos pequenos agricultores emprega prticas destinadas a otimizar a produtividade a longo prazo, em vez de maximiz-la a curto prazo (Gliessman et al., 1981). Os insumos so, no geral, originrios de reas adjacentes e o trabalho agrcola desempenhado por homens e animais. Ao trabalhar com esses limites espaciais e energticos,36

os pequenos agricultores aprenderam a reconhecer e utilizar os recursos disponveis no local (Wilken, 1987). Ao confrontarem-se com problemas especficos, como declives, inundaes, secas, pragas, doenas e baixa fertilidade do solo, os pequenos agricultores, em todo o mundo, desenvolveram sistemas peculiares de trabalho para super-los (Quadro 2). Eles atendem s exigncias ambientais de seu sistema de produo de alimentos concentrando-se em uns poucos processos e princpios (Knight, 1980), descritos a seguir. Diversidade e continuidade espacial e temporal. Cultivos mistos garantem constante produo de alimentos e cobertura vegetal para proteo do solo, assegurando uma oferta regular e variada e, em conseqncia, uma dieta alimentar nutritiva e diversificada. A extenso do perodo de colheita reduz a necessidade de armazenamento, prtica quase sempre arriscada em climas midos, mantendo tambm as relaes biticas (complexos predador/ presa, bactrias fixadoras de nitrognio) que podem beneficiar o agricultor. Otimizao do uso de espao e recursos. A combinao de plantas com diferentes hbitos de crescimento, copadas e estruturas de razes, possibilita o melhor uso dos recursos ambientais, como nutrientes, gua e radiao solar. Cultivos mistos maximizam o uso de um ambiente especfico. Em sistemas agroflorestais complexos, os cultivos podem crescer sob as copas das rvores, caso exista penetrao suficiente de luz. Reciclagem de nutrientes. Os pequenos agricultores asseguram a fertilidade do solo mantendo fechados os ciclos de nutrientes, energia, gua e resduos. Assim, muitos enriquecem o solo coletando nutrientes (como esterco e liteira) externamente s suas unidades de produo agrcola, adotando sistemas de rotao ou pousio, ou incluindo leguminosas em seus padres de consorciamento ou intercalamento de cultivos. Conservao da gua. Onde a agricultura dependente da37

Quadro 2 Alguns exemplos de sistemas de administrao do solo, espao, gua e vegetao utilizados por agricultores tradicionais no mundo (de acordo com Klee, 1980)Obstculos ambientaisEspao limitado Encostas declivosas Fertilidade dos solos marginais

ObjetivoMaximizar o uso de recursos e terra do ambiente. Controlar a eroso e conservar os recursos hdricos. Manter a fertilidade do solo e reciclar a matria orgnica.

Prtica recomendadaCultivo intercalado, agroflorestamento, cultivo em diferentes extratos, hortas caseiras, zoneamento agrcola por altitude, subdiviso da propriedade, rotao. Construo de terraos, cultivo em curvas de nvel, barreiras vivas ou artificiais, cobertura morta, nivelamento, cultivo contnuo e de pousio, taipas de pedra. Pousios naturais ou melhorados, rotaes de cultura e plantio consorciado com leguminosas, coleta de resduos, compostagem, esterco, adubao verde, pastagem de animais em reas de pousio, solos de latrina e restos domsticos, restos de capina, solos de formigueiros como fonte de fertilizantes, uso de depsitos de aluvio, uso de aguaps, plantio de leguminosas em alias, folhas, galhos e outros entulhos arrancados, vegetao queimada, etc. Agricultura de campos elevados (chinampas, tablones), campos com drenos, diques, etc. Controle de fluxo de gua atravs de canais e represas feitas de pequenas valas. reas cavadas at o nvel da gua. Irrigao por borrifao. Irrigao de canais atravs de lagos formados pelo lenol fretico, poos, lagoas e reservatrios. Uso de espcies e variedades tolerantes seca, cobertura morta, indicadores de clima, plantio misto no final da estao de chuvas, cultivos com curtos perodos de crescimento. Reduo ou aumento de sombra, espaamento de plantas, poda, cultivos tolerantes sombra, aumento de densidade das plantas, cobertura morta, controle do vento com o uso de cercas vivas, cercas, linhas de rvores, capina e arao superficiais, cultivo mnimo, consrcios; agroflorestamento, plantio em alias, etc. Plantio abundante para permitir um certo risco de ocorrncia de pragas, observao dos cultivos, cercas vivas ou cercados, uso de variedades resistentes, plantio misto, aumento dos inimigos naturais, caa, coleta, uso de venenos, repelentes, plantio em pocas de menor ataque de pragas.

Enchente ou gua em excesso Excesso de gua

Integrar a agricultura com a oferta de gua. Disponibilidade de gua por canal ou diretamente.

Pluvosidade instvel

Melhor utilizao da umidade disponvel. Melhorar o microclima.

Temperatura ou radiao solar extremas

Incidncia de pragas (invertebradas, vertebradas)

Proteger as plantaes, minimizar as populaes de pragas.

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gua das chuvas, a pluviosidade o principal determinante do tipo de rotao utilizado pelo agricultor. Em reas de pouca umidade, d-se preferncia s plantas tolerantes seca (como cajanus,6 batata-doce, mandioca, paino e sorgo), e prticas de manejo que buscam manter o solo coberto (como o uso da cobertura morta) para evitar a evaporao e o escoamento de gua. Onde a precipitao superior a 1.500 mm/ano, a maioria dos sistemas de cultivo baseada no arroz. Sob constantes cheias, em vez de investirem em sistemas dispendiosos de drenagem, os agricultores desenvolvem sistemas integrados de agricultura/aquacultura, como as chinampas do Mxico Central (Wilken, 1987). Controle de sucesso e proteo de cultivos. Os agricultores desenvolveram uma gama de estratgias para enfrentar a competio com organismos indesejveis. Cultivos mistos evitam ataques catastrficos de insetos e pragas e as coberturas podem efetivamente suprimir o crescimento de ervas adventcias e diminuir a necessidade de control-las; alm disso, as prticas culturais como a cobertura morta, mudanas nos perodos de plantio e na densidade, uso de variedades resistentes e de inseticidas botnicos e/ou repelentes podem diminuir a interferncia das pragas (Thurston, 1992).

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Feijo guandu (N. do T.). 39

PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO RURALBASEADOS NA AGROECOLOGIAA urgente necessidade de combater a misria rural e regenerar a base de recursos das pequenas propriedades tem estimulado diversas Organizaes No-Governamentais (ONGs), nos pases em desenvolvimento, a buscar ativamente novas estratgias de desenvolvimento e manejo de recursos na agricultura. O trabalho das ONGs est inspirado na crena de que a pesquisa e o desenvolvimento agrcola devem operar baseados em uma abordagem de baixo para cima, utilizando os recursos j disponveis: a populao local, suas necessidades e aspiraes, seu conhecimento agrcola e recursos naturais autctones. Acredita-se que as estratgias baseadas na participao, capacidades e recursos locais aumentam a produtividade enquanto conservam a base dos recursos. O conhecimento local dos agricultores sobre o ambiente, plantas, solos e processos ecolgicos possui uma grande importncia nesse novo paradigma agroecolgico (Altieri e Yurievich, 1991). Algumas ONGs envolvidas em programas de desenvolvimento rural (PDR) demonstraram uma capacidade nica de compreender a natureza especfica e diferenciada da pequena produo, promovendo experincias bem-sucedidas na gerao e transferncia de tecnologias camponesas. Um elemento-chave tem sido o desenvolvimento de novos mtodos agrcolas baseados em princpios agroecolgicos, que se assemelham ao processo de produo cam41

pons. Essa abordagem distingue-se daquela da Revoluo Verde no apenas tecnicamente, ao reforar o emprego de tecnologias de baixo uso de insumos, mas tambm por critrios socioeconmicos, no que tange s culturas afetadas, beneficirios, necessidades de pesquisa e participao local (Quadro 3). A abordagem agroecolgica tambm mais sensvel s complexidades dos sistemas agrcolas locais. Nela, os critrios de desempenho incluem no s uma produo crescente, mas tambm propriedades como sustentabilidade, segurana alimentar, estabilidade biolgica, conservao de recursos e eqidade. Um problema da Revoluo Verde nas regies agrcolas heterogneas, que ela concentrou seus esforos nos agricultores mais bem providos de recursos, no topo do gradiente, esperando que os agricultores progressistas ou avanados ser vissem como exemplo a outros, em um processo difusionista de transferncia de tecnologias (Figura 1). Os agroecologistas, ao contrrio, enfatizam que, para o desenvolvimento ser realmente de baixo para cima, deve comear com

Figura 1 Agricultores em relao tecnologia e aos mercados.Nota: o enfoque da agroecologia nos agricultores com poucos recursos, isto , aqueles que tm o menor acesso aos insumos tecnolgicos e poucas relaes com o mercado. A agroecologia v esses agricultores como o ponto de partida para uma estratgia de desenvolvimento rural sustentvel.

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Quadro 3 Comparao entre as tecnologias da Revoluo Verde e da agroecologiaCaractersticasTcnicas: Cultivos afetados reas afetadas Trigo, milho, arroz, etc. Na sua maioria, reas planas e irrigveis. Monocultivos geneticamente uniformes. Agroqumicos, maquinrio; alta dependncia de insumos externos e combustvel fssil. Todos os cultivos. Todas as reas, especialmente as marginais (dependentes da chuva, enconstas declivosas). Policultivos geneticamente heterogneos. Fixao de nitrognio, controle biolgico de pragas, corretivos orgnicos, grande dependncia nos recursos locais renovveis.

Revoluo Verde

Agroecologia

Sistema de cultivo dominante Insumos predominantes

Ambientais: Impactos e riscos sade Mdios a altos (poluio qumica, eroso, salinizao, resistncia a agrotxicos, etc.). Riscos sade na aplicao dos agrotxicos e nos seus resduos no alimento. Na maioria, variedades tradicionais e raas locais. Nenhum.

Cultivos deslocados Econmicas: Custos das pesquisas Necessidades financeiras Retorno financeiro

Nenhum.

Relativamente altos. Altas. Todos os insumos devem ser adquiridos no mercado. Alto. Resultados rpidos. Alta produtividade da mo-de-obra.

Relativamente baixos. Baixas. A maioria dos insumos est disponvel no local. Mdio. Precisa de um determinado perodo para obter resultados mais significativos. Baixa a mdia produtividade da mo-de-obra.

Institucionais: Desenvolvimento tecnolgico Socioculturais: Capacitaes necessrias pesquisa Cultivo convencional e outras disciplinas de cincias agrcolas. Ecologia e especializaes multidisciplinares.continua...

Setor semipblico, empresas privadas.

Na maioria, pblixas; grande envolvimento de ONGs.

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...continuao

CaractersticasParticipao

Revoluo VerdeBaixa (na maioria, mtodos de cima para baixo). Utilizados para determinar os obstculos adoo das tecnologias. Muito baixa.

AgroecologiaAlta. Socialmente ativadora, induz ao envolvimento da comunidade.

Integrao cultural

Alta. Uso extensivo de conhecimento tradicional e formas locais de organizao.

aqueles pequenos agricultores da parte inferior do gradiente. Assim, a abordagem agroecolgica provou ser culturalmente compatvel, na medida em que se constri com base no conhecimento agrcola tradicional, combinando-o com elementos da moderna cincia agrcola (Altieri e Hecht, 1989). As tcnicas resultantes tambm so ecologicamente corretas, pois no modificam ou transformam radicalmente o ecossistema campons, mas, sim, identificam elementos tradicionais e/ou novos de manejo que, uma vez incorporados, otimizam a unidade de produo. A nfase nos recursos locais disponveis diminui os custos de produo, viabilizando economicamente as tecnologias agroecolgicas. Alm disso, os formatos produtivos e tcnicas agroecolgicas, por definio, conduzem a nveis maiores de participao. Em termos prticos, a aplicao de princpios agroecolgicos aos programas de desenvolvimento rural tem se traduzido em uma diversidade de programas de pesquisa e demonstrao e sistemas alternativos de produo. Esses programas possuem uma srie de objetivos (Altieri,1992): a) melhorar a produo de alimentos bsicos ao nvel das unidades produtivas, fortalecendo e enriquecendo a dieta alimentar das famlias. Isto tem envolvido a valorizao de produtos tradicionais (caruru, quinoa, tremoos, etc.) e a conservao de germoplasma de variedades cultivadas locais; b) resgatar e reavaliar o conhecimento e as tecnologias camponesas;44

c) promover o uso eficiente dos recursos locais (isto , terra, mo-de-obra, subprodutos agrcolas, etc.); d) aumentar a diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos; e) melhorar a base de recursos naturais atravs da conservao e regenerao da gua e do solo, enfatizando o controle da eroso, a captao de gua, o reflorestamento, etc.; f) reduzir o uso de insumos externos, diminuindo a dependncia e sustentando, ao mesmo tempo, os nveis de produtividade, atravs de tecnologias apropriadas, da experimentao e implementao da agricultura orgnica e outras tcnicas de baixo uso de insumos; g) garantir que os sistemas alternativos resultem em um fortalecimento no s das famlias, mas de toda a comunidade. Assim, as intervenes e processos tecnolgicos so complementados por programas de educao que preservam e reforam a racionalidade camponesa, auxiliando, simultaneamente, na transio para novas tecnologias, relaes com o mercado e organizao social.

Exemplos de programas agroecolgicos promovidos pelas ONGsExemplos de programas promovidos por ONGs, utilizando abordagens agroecolgicas, podem ser encontrados em diferentes partes do mundo. Cultivo em alias na frica. Na frica tropical mida, as reas com perodos de pousio crescentemente reduzidos, vem apresentando um rpido declnio de sua fertilidade e do rendimento das colheitas. Essas regies necessitam sistemas de cultivo intensivo, como o cultivo em alias, e um sistema melhorado de pousio, no qual arbustos ou rvores leguminosas so plantados em associa45

o com espcies alimentcias, visando acelerar a regenerao dos nutrientes do solo, e diminuindo, portanto, o tempo de pousio. Nesse mtodo de cultivo em alias, as rvores e arbustos fornecem adubo verde para os cultivos associados, e os materiais de poda so utilizados como cobertura e sombra durante o pousio, visando diminuir as ervas adventcias. Os materiais de poda servem tambm como alimento para animais, como estacas e lenha (Kang et al., 1984). Logo, o plantio em alias um sistema de mltiplo uso. Nele, os cultivos crescem em alias (com dois a quatro metros de largura) formadas por rvores e arbustos. Experimentos na frica, em que a leucena (Leucaena leucocephala) foi intercalada com milho, mostraram um aumento significativo na produo das culturas. O nitrognio foliar das ramas podadas da leucena, distribudas na superfcie ou incorporadas ao solo, contribuiu para um aumento significativo de 23% na produtividade do milho, quando comparada com a parcela-testemunha. As avaliaes dos sistemas de cultivo em alias mostram que, para estabilizar os sistemas de agricultura itinerante, necessrio proporcionar um perodo eficaz de descanso ou pousio, acompanhado de uma srie de melhorias durante a poca de cultivo, de forma a diminuir a eroso e manter a fertilidade do solo. Estabilizar sistemas de agricultura itinerante em um nvel capaz de sustentar nveis de produtividade, suprir as necessidades da populao local e permitir um perodo adequado de pousio, traz benefcios tanto ecolgicos quanto sociais. Diminuindo a eroso do solo, a perda de fertilidade e a invaso de ervas adventcias, a populao tem mais chances de permanecer na mesma rea. Em reas que foram densamente cultivadas com L. leucocephala, esta foi atacada por psildeos. De modo a evitar a uniformidade e a vulnerabilidade praga, as alias devem ser feitas com uma mistura de diversas espcies e variedades de leguminosas. Promoo de sistemas agrcolas integrados em Bangladesh. Em pro46

jetos promovidos pelo International Center for Living Aquatic Resources Management (ICLARM),7 cientistas ajudaram instituies locais de Bangladesh a desenvolver tecnologias sustentveis de piscicultura, compatveis com os recursos das unidades domsticas e sistemas agrcolas existentes. As tecnologias possibilitam uma piscicultura de ciclo curto, utilizando espcies como o peixerei (Puntius gonionotus) e a tilpia do Nilo (Oreochromis niloticus), em audes pequenos (100-200 m2) e sazonais (4-6 meses), integrados ao sistema de produo agrcola existente. Os agricultores demonstraram satisfao com a integrao entre a piscicultura e outras atividades agrcolas, e planejam dar continuidade e expandir essas prticas. Seus motivos para tal so mais diversos e complexos do que dinheiro e alimentos. As famlias adotam o sistema pelo lazer e relaes sociais que ele proporciona, para gerar insumos para outras atividades produtivas e por obter um rpido retorno econmico, devido ao curto tempo de crescimento dos peixes. Os agricultores podem produzir peixe por 12 a 30 centavos de dlar/kg, comparados com 81 a 1,16 centavos de dlar por kg-1. Alguns deles, com valas temporrias pequenas de 170 m2, produzem de 25 a 30 kg de peixe nos 4-6 meses em que a gua est disponvel. Um aude de cerca de 300 m2 pode prover uma famlia de seis pessoas com uma quantidade de peixe que ultrapassa o consumo anual de 7,9 kg per capita. As ONGs, como o Bangladesh Rural Advancement Committee (BRAC)8 e a Proshika, assistem hoje a mais de 30 mil criadores de peixes, dos quais quase 60% so mulheres, na utilizao de audes e valas sazonais antigamente abandonadas. A adoo pelas mulheres da piscicultura integrada, no apenas lhes fortalece socialmente, como tambm melhora a alimentao de suas famlias. O BRAC fornece crdito a mulheres que, em alguns casos, nunca7 8

Centro Internacional de Administrao de Recursos Aquticos Vivos. Comit para o Progresso Rural de Bangladesh. 47

haviam tido acesso a esse benefcio; sua taxa de inadimplncia de apenas 2%. Esse um importante indicativo do grau de sucesso do programa (Lightfoot, 1990). Conservao dos solos nas encostas na Amrica Central. Loma Linda, uma ONG hondurenha, desenvolveu um sistema simples de plantio sem revolvimento de solo. Enquanto a terra est em pousio, as ervas adventcias so retiradas com um faco ou outras ferramentas apropriadas, sem remover o solo. Com o auxlio de uma enxada ou um arado pequeno, abrem-se pequenos sulcos a cada 50-60 cm, seguindo-se a curva de nvel. As sementes e o composto e/ou esterco de aves so colocados no sulco e cobertos com terra. Na medida em que cresce o cultivo, as ervas adventcias so mantidas roadas para evitar a competio excessiva, e sua biomassa deixada no local como cobertura e como fonte de matria orgnica. Podem ser obtidas excelentes colheitas sem o uso de fertilizantes qumicos e, o mais importante, sem uma perda significativa de solo (Altieri, 1991). Com um projeto semelhante em Guinope, Honduras, a organizao privada voluntria, World Neighbours, comeou um programa de desenvolvimento e treinamento agrcola visando controlar a eroso e recuperar a fertilidade do solo. O programa introduziu prticas de conservao do solo como drenagem e valas em curva de nvel, barreiras de capim, e taipas de pedra, dando nfase, tambm, utilizao de mtodos de fertilizao orgnica, como o uso do esterco de aves e o consorciamento com leguminosas. No primeiro ano, a produo triplicou ou quadruplicou de 400 kg por hectare para um faixa de 1.200 a 1.600 kg. Essa triplicao na produo de gros por hectare assegurou s 1.200 famlias que participaram do programa um bom suprimento de gros para o ano seguinte. Nos ltimos cinco anos, quarenta outras aldeias buscaram treinamento em prticas de conservao do solo (Bunch, 1988). O aumento da produtividade por hectare significou que a maio48

ria dos agricultores est agora cultivando menos terras do que antes, permitindo que mais reas possam voltar a ser florestas de pinho ou serem usadas para o plantio de pastagens, pomares e caf. O resultado lquido que centenas de hectares, antigamente usados para uma agricultura erosiva, esto agora cobertos por rvores. Reconstruindo terraos abandonados nos Andes. No Peru, vrias ONGs e agncias governamentais tm se engajado em programas de recuperao de terraos abandonados e na construo de novos terraos em vrias regies do pas. No Vale Colca, no Sul do Peru, por exemplo, o Programa de Acondicionamiento Territorial y Vivienda Rural (PRATVIR)9 patrocina a reconstruo de terraos oferecendo s comunidades de camponeses emprstimos a juros baixos ou sementes e outros insumos para recuperar grandes reas (at 30 hectares) de terraos abandonados. Os terraos diminuem os riscos em tempos de geada e/ou seca, reduzem as perdas do solo, ampliam as opes de plantio (devido ao microclima e s vantagens hidrulicas) e melhoram a produo. Os dados do primeiro ano de cultivo em terraos recm-construdos revelam um aumento de 43-65% na produo de batatas, milho e cevada, em comparao com a produtividade dessas mesmas culturas em encostas sem terraos (Treacey, 1989). Em Cajamarca, Peru, a EDAC-CIED, uma ONG, juntamente com comunidades de camponeses, iniciou um projeto bastante amplo de conservao do solo. Em dez anos, plantaram mais de 550 mil espcies de rvores nativas e exticas e construram cerca de 850 hectares de terraos e 173 hectares de canais de drenagem e infiltrao. O resultado final de cerca de 1.124 hectares de terra em regime de conservao (aproximadamente 32% da terra arvel total), beneficiando 1.247 famlias (em torno de 52% do total). A produtividade das culturas cresceu significativamente (por exemplo, a batata aumentou de 5 t por hectare para 8 t por9

Programa de Adequao Territorial e Propriedade Rural. 49

hectare, e a produo de oca saltou de 3 para 8 t por hectare). A criao de gado de corte e de alpaca para l, somada ao aumento da produtividade das culturas, elevou a renda das famlias de uma mdia de $108 por ano, em 1983, para mais de $500 atualmente (Sanchez, 1989). Um dos principais obstculos na construo de terraos que eles exigem uso intensivo de mo-de-obra. Estima-se que sejam necessrios 2.000 dias de um trabalhador para completar a reconstruo de um hectare. Entretanto, em outras reas do Peru, com bom planejamento, a reconstruo de terraos tem se mostrado um trabalho menos intensivo, exigindo somente 350-500 dirias de um trabalhador por hectare. Recriando a agricultura inca nos Andes Peruanos. No Peru, o novo entusiasmo por tecnologias antigas tem sido capaz de reavivar um engenhoso sistema de campos elevados desenvolvido no altiplano dos Andes Peruanos h cerca de 3.000 anos. Os waru-warus, que consistiam em plataformas de solo rodeadas por valas cheias de gua, produziam grandes safras em meio a enchentes, secas e geadas mortais, comuns em altitudes de quase 4.000 metros. Ao redor do lago Titicaca, ainda so encontrados vestgios de mais de 80 mil deles. Em 1984, vrias ONGs e agncias governamentais criaram o Proyecto Interinstitucional de Rehabilitacion de Waru-Waru en el Altiplano (PIWA)10 para prestar assistncia aos agricultores locais na reconstruo dos antigos campos de cultivo (Sanchez, 1989). A combinao de camas altas e canais tem produzido efeitos ambientais significativos e bastante sofisticados. Durante as secas, a umidade dos canais sobe lentamente at as razes por ao capilar; durante as enchentes, os sulcos drenam o excesso de chuva. Os waru-warus tambm reduzem o impacto dos extremos de temperatura. A gua dos canais absorve o calor do sol durante o dia e irradia-o novamente noite, ajudando, assim, a proteger10

Projeto Interinstitucional de Reabilitao de Waru-Waru no Altiplano.

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os cultivos contra a geada. Nas camas altas assim construdas, as temperaturas durante a noite podem ser vrios graus acima das do restante da regio. O sistema tambm mantm sua prpria fertilidade do solo. Nos canais, os restos de aluvio, sedimentos, algas, plantas e animais se transformam em um adubo rico em nutrientes, que pode ser retirado periodicamente e adicionado aos canteiros. A anlise do solo de amostras dos waru-warus reconstrudos mostrou maiores nveis de nitrognio ntrico, fsforo e potssio, bem como um pH de 4,8 a 6,5, timo para o plantio de batata (Erickson e Chandler, 1989). Todos esses efeitos ambientais determinam a produtividade mais alta dos waru-warus quando comparada dos solos do pampa, fertilizados com produtos qumicos. No distrito de Huatta, os campos elevados recuperados produziram safras impressionantes, exibindo uma produo sustentada de batata de 8 a 14 t/ha/ ano. Esses nmeros contrastam favoravelmente com a mdia de produo de batatas em Puno, de 1 a 4 t/ha/ano (Erickson e Chandler, 1989). Em Camjata, a produo de batata chegou a 13 t/ha/ano, e a de quinoa alcanou 2 t/ha/ano nos waru-warus reconstrudos pelos agricultores assistidos pelo Centro de Investigacin, Educacin y Desarrollo (CIED),11 uma ONG local. A rea total reconstruda foi de cerca de 20 hectares. Essa tecnologia antiga est provando ser to produtiva e barata que est sendo ativamente promovida pelas ONGs em todo o altiplano, em detrimento da agricultura moderna. Ela no exige equipamentos ou fertilizantes modernos; o principal gasto com a mo-de-obra para cavar os canais e construir as plataformas. A exigncia de mo-de-obra altamente varivel, oscilando de 200 a 1.000 dirias de um trabalhador por hectare. Envolvimento dos agricultores em programas de conservao gentica in situ. Na tentativa de diminuir a eroso gentica, desencadeada pela introduo de variedades modernas de batata, e de recuperar11

Centro de Investigao, Educao e Desenvolvimento. 51

alguns dos germoplasmas de batatas nativas, que antes caracterizavam os agroecossistemas locais, o Centro de Educacin y Tecnologia (CET) iniciou um programa de conservao in situ no seu centro de treinamento de agricultores, na Ilha de Chilo, no Chile, e em vrias comunidades vizinhas. Em 1988, os tcnicos do CET pesquisaram vrias reas agrcolas de Chilo e coletaram centenas de amostras de batatas nativas ainda plantadas por alguns pequenos agricultores, principalmente os ndios Huilliche, em toda a extenso da ilha. Em 1989, o CET estabeleceu uma coleo viva (banco de sementes) de 96 variedades de batata no Centro de Notuco, cada uma delas plantada em fileiras de 5-10 plantas, em uma rea de meio hectare de terra. Desde 1989 essas variedades tm sido plantadas a cada ano e so submetidas a uma seleo das caractersticas agronmicas desejveis. Tambm so cultivadas para distribuio entre os agricultores, aumentando suas variedades de sementes. Em 1990, os tcnicos do CET iniciaram um programa de conservao in situ envolvendo 21 agricultores em cinco diferentes comunidades rurais (Dicham, Petanes, Huitauque, Notue e Huicha). Cada campons recebe uma amostra de cinco diferentes variedades nativas a serem plantadas em seus campos de batata, reintroduzindo, assim, a diversidade gentica. Aps a colheita, os agricultores devolvem parte da produo de sementes ao CET (para o banco de sementes), trocam sementes com outros produtores ou plantam as sementes novamente em suas propriedades, para consumo e continuidade do processo de reproduo do material gentico. A Figura 2 descreve a dinmica de conservao e troca das 96 variedades mantidas no banco de sementes do CET e plantadas pelos 21 agricultores colaboradores (Altieri, 1992). Desde 1995, mais agricultores envolveram-se no projeto, e o CET vem ajudando na seleo das variedades, baseada nas necessidades dos agricultores e nas caractersticas desejveis. As variedades selecionadas sero difundidas e distribudas entre os parti52

Figura 2 Estratgia de conservao gentica popular in situ, adaptada para batatas pelo Centro de Educacin y Tecnologia (CET), em Chilo, Sul do Chile (Altieri, 1991).

cipantes do programa. As sementes excedentes podem tambm ser vendidas a outros camponeses ou trocadas por sementes de variedades tradicionais ainda no disponveis no banco do CET. Essa estratgia no somente permitir uma oferta contnua de sementes de valor para a subsistncia de agricultores pobres em recursos, como tambm ser um repositrio de diversidade gentica vital, a ser utilizado tanto na reintroduo da diversidade nos campos de cultivo dos camponeses como em futuras atividades agrcolas regionais. Melhora na oferta de alimentos e na renda das pequenas propriedades mediterrneas do Chile. Desde 1980, o CET tem se engajado em um programa de desenvolvimento rural, cujos objetivos incluem: a) assessorar os agricultores visando atingir a auto-suficincia alimentar durante todo o ano; b) recuperar a capacidade produtiva de suas terras. O mtodo envolve o estabelecimento de vrias propriedades-modelo de meio hectare, que consistem de uma combinao de forrageiras e outras plantas de lavoura,

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olercolas, rvores florestais e frutferas, e animais (Figura 3). Os cultivos e animais utilizados so escolhidos de acordo com seu valor nutricional, sua adaptabilidade s condies agroclimticas locais, os padres de consumo dos camponeses locais e oportunidades de mercado disponveis. A maioria das olercolas plantada em canteiros altamente compostados (5x1m cada) localizados na horta, cada um dos quais chega a produzir mais de 83 kg de olercolas frescas por ms. O restante da rea de 200 m2 ao redor da casa utilizado como pomar e na criao

Figura 3 Modelo de um sistema auto-suficiente de agricultura baseado em um diagrama rotativo adaptado para ambientes mediterrneos (Altieri, 1987).

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de animais (uma vaca Jersey, uma Holstein, 10 galinhas de postura, 3 coelhos e 2 colmias de abelhas Langstroth). As olercolas, cereais e forrageiras restantes so produzidas em um sistema de rotao de culturas de seis anos em uma rea de 4.200 m2 adjacente horta. Atinge-se uma produo relativamente constante (cerca de 6 t ao ano de biomassa til de 13 diferentes espcies de plantas), dividindo a terra em uma srie de pequenos campos com capacidade produtiva equivalente, estabelecendo tantas parcelas quantos forem os anos da rotao. Esse sistema de rotao de culturas foi planejado para produzir a mxima variedade de cultivos bsicos em seis lotes, beneficiando-se das propriedades de recuperao do solo e das caractersticas internas de controle biolgico do sistema de rotao. Com o passar dos anos, a fertilidade do solo na propriedade melhorou (nveis de P2O5, que eram limitantes no incio, aumentaram de 5 para 15 p.p.m.) e nenhum problema srio de praga ou doena foi registrado. rvores frutferas no pomar e ao redor dos lotes da rotao produzem cerca de 843 kg de frutas por ano (uva, marmelo, pra e ameixa). A produo de forragem atinge cerca de 18 t por 0,21 ha/ano. A mdia de produo de leite de 3.200 litros ao ano, e de ovos chega a 2.531 unidades anuais. Uma anlise nutricional do sistema, baseada em suas produes (leite, ovos, carne, frutas, vegetais, mel), mostra que ele atingiu excedentes de 250% de protenas, 80 e 550% em vitaminas A e C, respectivamente, e 330% de clcio. Uma anlise econmica domstica indica que, dada uma lista de preferncias, a proporo entre a venda de excedentes e a compra de itens preferenciais d uma receita lquida de US$790. Se toda a produo da rea fosse vendida a preos de atacado, a famlia poderia gerar uma renda lquida mensal 1,5 vezes maior do que o salrio mnimo mensal legal no Chile (Altieri, 1987). Em regies onde os agricultores possuem limitaes de rea, so incentivados a adotar sistemas integrados de plantio-criao,55

caracterizados por duas fases: uma pastagem de trs anos que abastea o sistema com nutrientes e matria orgnica, e uma outra fase de trs anos que extraia os nutrientes acumulados. Este sistema oferece as vantagens de produzir colheitas e resduos, cobertura do solo, ruptura de ciclos de pragas, etc. (Figura 4). Integrar os animais crucial, embora as raas sejam selecionadas cuidadosamente pelo tamanho e necessidades nutricionais, de modo a no exercer uma demanda muito grande sobre os recursos nas pastagens. O pastejo rotativo uma maneira eficaz de constantemente proporcionar alimento ao gado, possibilitando a rpida recuperao da pastagem e a distribuio uniforme do esterco no solo. Este mtodo integrado de cultivo-criao demonstrou eficcia na Ilha de Chilo, onde os nveis de fsforo e o rendimento das colheitas aumentaram dramaticamente aps seis anos de rotao plantio-pastagem em terras marginais e defi-

Figura 4 Modelo de uma propriedade integrada.Nota: este modelo mostra uma propriedade integrada com desenho espacial e temporal para cultivos, pastagens, animais e rvores. A pastagem constitui a fase de aporte da rotao, e os cultivos, a fase extrativa. Os animais so manejados com pastoreio rotativo.

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cientes em fsforo (Figura 5). Aps o sexto ano, a produtividade das batatas duplica, e somente metade da quantidade de fertilizantes qumicos e de esterco de gado necessria para sustentar essa produo. Espera-se que, aps o terceiro ciclo completo de rotao, nenhum insumo externo seja necessrio para manter nveis aceitveis de produo. A estruturao biolgica garantir o desempenho do sistema.

Figura 5 Efeitos de uma etapa de seis anos de rotao na Ilha de Chilo, Chile (medidos em termos dos nveis crescentes de fsforo, primeira e segunda rotaes).

Avaliao da sustentabilidade das intervenes agroecolgicas das ONGsMuitos dos projetos das ONGs, baseados em uma abordagem agroecolgica, carecem de avaliaes formais e detalhadas. Todavia, h fortes evidncias de que muitas dessas organizaes tm gerado e adaptado inovaes tecnolgicas capazes de contribuir, significa57

tivamente, na melhoria das condies de vida dos camponeses, aumentando sua segurana alimentar, fortalecendo a produo de subsistncia, gerando fontes de renda e melhorando a base de recursos naturais. Esses programas tiveram xito atravs de novas tecnologias e arranjos institucionais, bem como da utilizao de mtodos originais de promoo da participao das comunidades rurais. Efeitos documentados de prticas agroecolgicas reforadas pelas ONGs so mostrados no Quadro 4. Centenas de esforos individuais mostram-se promissores no que diz respeito ao desenvolvimento de formas mais sustentveis de produzir alimentos (Conway e Barbier, 1990; Reijntjes et al., 1992). Existem, no entanto, poucos instrumentos ou indicadores adequados para avaliar a viabilidade, adaptabilidade e durabilidade dos programas agroecolgicos. Todavia, dois procedimentos relativamente novos so promissores: o diagnstico rpido participativo (DRP) e a contabilidade de recursos naturais (CRN). As tcnicas de diagnstico rpido participativo enfatizam mtodos no-formais de levantamento e apresentao de dados, visando favorecer um processo participativo entre as pessoas do local e os pesquisadores. Para conduzir o DRP, uma equipe multidisciplinar trabalha com a comunidade local em uma srie de etapas, iniciando com a escolha do lugar e terminando com a avaliao e monitoramento do projeto. O objetivo mobilizar comunidades para definir problemas prioritrios e oportunidades, preparando planos especficos de interveno nos locais escolhidos. O levantamento e a apresentao de dados um processo complexo que utiliza mapas, transees, diagramas, linhas de tempo e entrevistas semi-estruturadas individuais e em grupo. As tecnologias potenciais so avaliadas atravs de critrios muito gerais, com base em preocupaes ambientais, econmicas e sociais, expressas pelos moradores locais (Conway e Barbier, 1990). Os diagramas de DRP podem ser utilizados para comparar os diferentes efeitos previstos de duas abordagens ou tecnologias concorrentes (ou seja, a proposta agroecolgica e a da Revoluo58

Quadro 4 Efeitos registrados das estratgias produtivas da agroecologia implementadas pelas ONGs I . Efeitos no solo a. Aumento do contedo da matria orgnica. Estmulo da atividade biolgica. Incremento da mineralizao dos nutrientes. b. Queda da eroso. Conservao do solo e da gua. c. Melhoria da estrutura e condies gerais do solo. Melhoria da reteno e reciclagem de nutrientes. Equilbrio positivo dos nutrientes. d. Aumento da atividade de micorrizas e de antagonistas. II. Efeitos sobre pragas, doenas e ervas adventcias a. A diversificao afeta pragas de insetos, reduzindo herbvoros e estimulando os inimigos naturais. b. Consrcios em linhas ou mistos reduzem os patgenos. c. A ampla cobertura dos solos com opolicultivos elimina ervas. d. Plantaes de cobertura em pomares diminuem o ataque de insetos e infestao de ervas. e. O cultivo mnimo pode reduzir doenas de solo. III. Efeitos sobre a produo a. A produo por unidade de rea pode ser de 5-10% menor, mas em relao a outros fatores (por unidade de energia, de perdas no solo, etc.) maior. b. Policultivos produzem mais que monocultivos. c. Pode haver uma perda inicial na produo durante a converso ao manejo orgnico, que poder ser minimizada com a substituio de insumos. Melhora na produo com o passar do tempo. d. A variabilidade da produo baixa; a estabilidade da produo maior e h menos riscos envolvidos. IV. Efeitos sobre os aspectos econmicos a. Baixos custos de produo. b. Baixos custos ambientais (fatores externos), menor depreciao do solo, baixos custos por contaminao. c. Maior eficincia energtica e menor uso total de energia. d. As exigncias de mo-de-obra so maiores para algumas prticas, e menores para outras. H uma diluio ou uma difuso do efeito dessas exigncias durante a estao, evitando picos nas demandas de mo-de-obra.59

Verde) (Figura 6). O diagrama facilita a avaliao das qualidades relativas de cada tecnologia com relao aos seus impactos sociais e ambientais, acessibilidade, benefcios, custos, requisitos tcnicos e prioridades entre os agricultores locais (Conway, 1985).

Figura 6 Comparao da produo de milho na pequena propriedade utilizando tcnicas da Revoluo Verde e tradicionais em Cheranatzicurin, Mxico (de acordo com Altieri e Masera, 1993).Nota: este diagrama permite uma rpida observao das vantagens do sistema agroecolgico, uma vez que contm mais figuras sombreadas. Ele tambm ressalta as seguintes questes: as opes da Revoluo Verde tm maior produtividade em termos de mo-de-obra e geram retornos econmicos mais rpidos do que as tecnologias tradicionais, cujo desempenho melhor nos critrios ambientais e socioculturais; os herbicidas e fertilizantes qumicos so relativamente baratos (devido aos subsdios do governo) e disponveis, enquanto alguns recursos locais, como mo-de-obra e esterco, no esto entre as prioridades dos agricultores direcionadas ao aumento da produtividade da mo-de-obra. Assim, o xito de uma abordagem agroecolgica nessa regio depende da capacidade das tcnicas propostas de se fundamentar nas melhores caractersticas ambientais e sociais dos sistemas tradicionais e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade da mo-de-obra desses sistemas. Em casos onde as tcnicas agroecolgicas no geram benefcios imediatos (por exemplo, a fertilizao com composto gera melhores resultados aps dois ou trs anos), deve-se conceder incentivos aos agricultores locais que compensem a produo inicial mais baixa do que a obtida nas das opes convencionais.

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As tcnicas de contabilizao dos recursos naturais incorporam as externalidades ambientais anlise custo-benefcio convencional, e podem ser usadas para avaliar a rentabilidade dos sistemas de produo agrcola alternativos, quando os recursos naturais so contabilizados (Faeth et al., 1991). Um modelo de CRN foi utilizado para comparar a rentabilidade, produtividade, uso de insumos e a produtividade do solo na produo camponesa de trigo com manejo convencional e agroecolgico no Chile. O sistema de cultivo alternativo avaliado inclua a subsemeadura de trigo em cobertura viva de trevo vermelho, adubado com 15 toneladas mtricas de esterco por hectare. Esse sistema foi comparado com uma monocultura erosiva de trigo. O sistema alternativo de manejo apresentou perdas de solo cumulativas, estimadas para um horizonte de trinta anos, inferiores ao sistema de manejo convencional, o que manteve a produtividade relativamente alta no longo prazo (Figura 7 a e b). O monocultivo convencional de trigo mostrou taxas mais altas de perdas de solo, gerando um declnio significativo da produtividade ao longo do tempo. O modelo mostrou que a adoo ou no de prticas de conservao do solo pelos agricultores depender da disponibilidade de mo-de-obra, da existncia de novas tecFigura 7 Perdas no solo e produo de trigo durante mais de trinta anos com os sistemas convencionais e agroecolgicos no Chile.

7a - Perdas cumulativas no solo nos dois sistemas (centmetros por hectare/ano).

7b - Produes de trigo como funo das perdas no solo (toneladas mtricas/ano).61

nologias agroecolgicas e de um sistema de extenso apropriado e participativo para a disseminao dessas tecnologias. Previu, tambm, uma mudana total para prticas orgnicas em reas de agricultura dependente de chuva, no Chile, desde que os camponeses tenham conhecimento suficiente sobre essas tecnologias, bem como mo-de-obra disponvel para utiliz-las, uma vez reconhecido o significado da degradao dos recursos naturais. O DRP e a CRN parecem tcnicas promissoras de avaliao da agricultura economicamente sustentvel, mas ambas enfrentam grandes obstculos quando aplicadas no contexto da agricultura camponesa. Em relao a alguns produtos da agricultura camponesa, o mercado ruim ou inexistente. Alm disso, dados precisos sobre eroso do solo e outros impactos ambientais podem no ser disponveis, tornando difcil a estimativa das perdas financeiras causadas pela degradao do ambiente. As tcnicas de CRN tambm perpetuam a tendncia a reduzir todo o processo de avaliao a um indicador monetrio (isto , custos dos recursos naturais dentro e fora da unidade produtiva) e podem ser aplicadas de cima para baixo. Qualquer que seja o mtodo utilizado para avaliar a sustentabilidade das pequenas propriedades, ele deve fornecer um indicador da situao de, no mnimo, quatro atributos: a) manuteno da capacidade produtiva do agroecossistema (capacidade produtiva); b) preservao da base de recursos naturais e da biodiversidade (integridade ecolgica); c) fortalecimento da organizao social e diminuio da pobreza (sade social); d) fortalecimento das comunidades locais, manuteno das tradies e participao popular no processo de desenvolvimento (identidade cultural). Esses critrios podem ser avaliados usando-se uma srie de62

indicadores-chave socioeconmicos, ambientais e culturais, enumerados no Quadro 5.Quadro 5 Associao entre as caractersticas de avaliao do desenvolvimento rural e os indicadores de sustentabilidadeIndicadorProdutividade dos cultivos Fertilidade do solo e capacidade de reciclagem dos nutrientes Eroso do solo Sanidade da lavoura (incidncia de pragas e doenas) Situao da biodiversidade (germoplasma nativo, florestas) Sade da paisagem (situao das bacias hidrogrficas, corredores biolgicos) Condies de sade e nutricionais Solidariedade e participao da comunidade Emprego e renda Insumos externos necessrios, custos de produo Aceitabilidade cultural das tecnologias

Capacidade produtiva

Integridade ecolgica