[email protected] [email protected] correio … é uma realidade, a segu-rança hídrica de boa parte...

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“A vida na fazenda se tornara difícil... No céu azul as últi- mas arribações tinham desa- parecido... Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, enca- minhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos ani- mais um pouco de lama. Ca- vou a areia com as unhas, es- perou que a água marejasse e, debruçando-se no chão, bebeu muito” (Vidas Secas, 1938, Graciliano Ramos). Os cientificistas atribuem às mudanças climáticas. Os críti- cos incriminam os gestores e governantes. Os mais cons- cientes relacionam ao desper- dício da população. Os místi- cos culpam os humores de deuses e santos. Independen- temente das hipóteses, expli- cações, justificativas e argu- mentos, algo até pouco tem- po impensável para a grande maioria está posto: a crise hí- drica é uma realidade, a segu- rança hídrica de boa parte do país está comprometida. Muito se questiona como será possível se adaptar, con- tornar, “sobreviver” sem a abundância de água com a qual a população do estado sempre foi brindada, hidrata- da. Menor duração do ba- nho, menos perda na cozi- nha... menos desperdício, mais racionalidade, mais ri- gor na fiscalização e na taxa- ção. Entretanto, muito pou- co, ou quase nada, vem sen- do discutido em relação a um aspecto muito mais rele- vante do que as consequên- cias da restrição à lavagem dos automóveis: o impacto da tão alardeada (e inespera- da?) crise hídrica sobre a saú- de pública, sobre os mais di- versos prismas. Em uma perspectiva mais míope podemos imaginar os riscos à saúde das pessoas, simplesmente em decorrên- cia do impacto de uma me- nor oferta de água sobre uma das principais medidas de prevenção e controle de doenças: o hábito da lava- gem de mãos. Sabemos que essa prática figura como efi- ciente meio de prevenção de uma enorme gama de doen- ças: diarreias, conjuntivites, hepatites e gripe. Banhos não tomados podem se asso- ciar a uma infinidade de afec- ções e infecções dermatológi- cas. Isso sem mencionar a prevenção de infecções hos- pitalares em serviços de saú- de. Some-se a isso as possí- veis consequências das difi- culdades para higienização e produção de alimentos, com consequente risco de trans- missão de agentes infeccio- sos e intoxicações alimenta- res, de surtos. Os problemas, entretanto, transcendem, em muito, o in- dividual. Colocam a popula- ção, como um todo, de prati- camente todo o Estado de São Paulo, sob risco. A me- nor vazão do rios e a menor capacidade dos reservatórios levam a uma maior concen- tração de poluentes na água a ser tratada para que então possa vir a ser distribuída em cada ávida torneira. Nesse contexto, falhas ou limita- ções nos processos de trata- mento de água poderiam tra- zer efeitos de magnitude in- calculável. Alguns chamam de racio- namento, outros de rodízio. Independentemente da deno- minação, a diminuição (seja fugaz, prolongada ou dura- doura) da oferta de água já vem mobilizando inúmeras pessoas, famílias, bairros, se- tores diversos das cidades a buscar fontes alternativas do, cada vez mais, precioso líqui- do na esperança de verem suas necessidades básicas mi- nimamente atendidas. Mais do que justo, totalmente com- preensível. Muito, muito preocupante, entretanto. A eventual utilização de água imprópria para consumo hu- mano, coletada a partir de minas ou adquirida a partir de caminhões-pipa que co- mercializam o produto sem regulação ou fiscalização, po- de vir a expor as pessoas a inúmeros vírus, bactérias, protozoários e vários outros contaminantes, como metais pesados e outras substâncias químicas potencialmente no- civas à saúde. Gastroenteri- tes, hepatite, intoxicações e, até mesmo, envenenamento são algumas das potenciais consequências. Mais. A intermitência do provimento de água pode vir a culminar com surtos e epi- demias, além das diarreias, de doenças (muito) bem co- nhecidas como a dengue e do “novato” chikungunya. Mas como, se a chuva não veio, “teima” em não vir? Le- do engano daqueles que sem- pre acharam que o Aedes de- pende da água das chuvas. A estocagem antrópica, volun- tária, programada, de água em reservatórios artificiais e impróprios para armazena- mento (baldes, tambores, cai- xas de água e outros tantos sem proteção, sem tela, sem tampa) pode vir a criar verda- deiras “maternidades” do mosquito. Além disso, as ele- vadas temperaturas poten- cializam, em muito, as fun- ções biológicas do vetor, sua capacidade reprodutiva e competência vetorial. Se os números de casos de dengue nas últimas epidemias não fo- ram suficientes para demons- trar o quão insuficientes po- dem vir a ser as estratégias vi- gentes e utilizadas para o controle do Aedes, o “debu- tante” chikungunya poderá demonstrar o quão impres- cindível é a participação da sociedade, de cada família, de cada indivíduo no comba- te ao vetor. A população de- ve, de uma vez por todas, compreender que é um dos “acionistas majoritários” na luta contra a dengue e que sua participação não pode ser mais opcional, é um ato de cidadania. Em uma nova era, de glo- balização de agentes infeccio- sos e vetores e dos extremos climáticos, mais do que nun- ca, o mundo deverá incorpo- rar o conceito de que da saú- de do ambiente dependerá, cada vez mais, a saúde da hu- manidade. Finalizadas as eleições, cabe uma análise deste momento histórico. Sim histórico. Sem- pre é bom lembrar que vive- mos em uma democracia, com eleições livres e liberda- de de expressão. Somos uma nação jovem, com pequenos períodos inter- calados de democracia. Após o término da ditadura militar, em 1985, esta é a sétima elei- ção direta para Presidente da República. As instabilidades nas campanhas eleitorais no tocante às acusações pes- soais, a falta de clareza nas propostas, a pouca profundi- dade ou a ausência de discus- são de temas relevantes, se de- vem à tenra infância que vive nossa democracia. Não que is- so justifique os erros dos can- didatos. Não, de forma algu- ma. Mas serve para com- preendermos melhor nosso desenvolvimento como socie- dade. Sob o aspecto eleitoral tive- mos nesta campanha o efeti- vo uso da internet para propa- ganda eleitoral oficial dos can- didatos e também para mani- festações políticas dos eleito- res por meio de sites, blogs, Facebook e Twitter. Dada a inadiável necessidade de dimi- nuição dos custos de campa- nha, temos na internet o futu- ro da propaganda eleitoral, ao lado do rádio e TV, eliminan- do-se propagandas em papel, bonecos, cavaletes e faixas, para o bem do trânsito de veí- culos e do meio ambiente. Vimos também o lado ne- gativo do uso da internet por meio da propagação de calú- nias e difamações aos candi- datos e também de discursos de ódio após as eleições, por meio de mensagens separatis- tas e preconceituosas contra o Norte e Nordeste do país. Importante registrar que as manifestações da internet são passíveis de sanções civis e criminais e cabe a cada cida- dão se manifestar com maturi- dade e responsabilidade. Ca- be, também aos candidatos, uma reflexão para que pos- sam analisar até que ponto in- centivaram as manifestações preconceituosas da popula- ção. Passadas as eleições te- mos agora que pensar no futu- ro de nosso país, com a popu- lação unida em torno do bem comum, deixando de lado o discurso de “nós e eles”. Que esta eleição presidencial tão acirrada possa despertar na população o pleno exercício da cidadania, acompanhando e fiscalizando os candidatos eleitos, em todas as esferas, para que nas próximas elei- ções possamos discutir pro- postas voltadas ao futuro do país. Opinião Causa-me sempre uma certa preocupação quando surgem propostas de reformas, no campo penal, que passeiam ou pela lassidão ou pelo rigo- rismo jurídicos. Tais qualifica- tivos acabam por influenciar não só o debate na escolha das condutas que devem ser penalizadas ou não, mas, so- bretudo, terminam por empo- brecer esse mesmo debate ao restringirem à questão da maior ou menor severidade na repressão das condutas já tipificadas penalmente. E, o que é pior, ocultam, no deba- te, o fato de que a aplicação de uma pena, baseada numa lei laxista ou rigorosa, é sem- pre modulada prudencial- mente pelo juiz no caso con- creto. É uma simplificação bem grosseira de uma área tão sen- sível para a sociedade como o direito penal que, de uns tem- pos para cá, anda pela mar- cha e contramarcha do popu- lismo penal: basta surgir uma tragédia social ou alguma figu- ra de destaque ser vítima de um crime mais grave que nos- so legislador corre pronta- mente para recrudescer as pe- nas para o delito que motivou a comoção social. Então, nos- so mesmo legislador dá-se por satisfeito e, depois, cobra a conta no período eleitoral. O direito penal, visto só pe- la lassidão ou só pelo rigoris- mo, é um direito que se trans- forma numa espécie de con- junto de garantias formais, ocas e assépticas, fechado à to- talidade do mundo e esvazia- do de valoração objetiva. É pre- ciso restabelecer uma metódi- ca mais dialética e menos radi- cal e buscar o primado da ra- cionalidade no discurso penal. Existe um fato verídico que ilustra bem essa ideia. Segun- do Peyrefitte, no começo do terrível inverno de 1942, du- rante a Segunda Guerra Mun- dial, soldados finlandeses, no istmo da Carélia, observavam o fogo da floresta de Raikkola, onde estava concentrada a ar- tilharia soviética, formada por homens, cavalos e canhões. Assustados, muitos cavalos correram para atirar-se no la- go Ládoga para escapar do fo- go intenso: tentaram nadar até a outra margem com a ca- beça empinada fora d’água, cheios de frio e de medo. Subi- tamente, como o ruído seco de um cristal que se parte, a água que os protegia do fogo enregelou e, assim, eles fica- ram aprisionados. Pela ma- nhã, na floresta calcinada, os soldados finlandeses pude- ram contemplar, ao longo do lago, centenas e centenas de cabeças de cavalos, com seus corpos cobertos com uma mortalha branca-azulada. Nosso pensador francês ex- trai dessa imagem chocante o símbolo “de um mal mais per- manente”, consistente “no maniqueísmo, na inversão dialética, a vertigem do tudo ou nada, do branco ao ne- gro”. Aterrorizados pelo risco da morte pelo fogo, os cava- los precipitaram-se a apresar- se numa parede de gelo. Con- tudo, entre o inferno do bra- seiro e o inferno da banquisa, havia uma terceira opção: “lançar-se em fila ao longo da margem, galopando sobre a areia, quando o incêndio não ameaçasse, e molhando os cascos no lago, se as chamas avançassem”. No afã de evitar a morte pe- lo fogo, os cavalos russos pro- vocaram a morte pelo gelo, pois o calor corporal solidifi- cou a água do lago que, na al- vorada seguinte, mais se pare- cia com um cemitério de ani- mais, lá jacentes como símbo- lo da irracionalidade de seus movimentos. Nesse episódio, a “metódica dialética” do des- locamento equino estava em saber temperar ora estar no fogo, ora na água, no breve tempo que uma e outra situa- ção não levariam à morte. E essa metódica, que desembo- cava numa mediedade real, demandava, por certo, uma certa racionalidade também. No direito penal, é preciso abandonar as duas posições extremadas, porque, a medie- dade justa situa-se entre dois erros, uma deficiência e um excesso. O direito não é mate- mática e, por isso, não existe um modelo penalístico “geo- métrico” para indicar, com exatidão, a mediedade do jus- to concreto. Há princípios, conclusões adequadas, leis e, ao mesmo tempo, há tam- bém singularidades fáticas, circunstâncias e exceções que, por envolverem uma ta- refa de manejo típica do juiz, permitem concluir que a me- diedade no campo penal só pode ser encontrada judicia- riamente. Por isso, se a norma penal, lassiva ou rigorista, é condi- ção necessária para o ofício ju- dicial, por outro lado, ela não é a condição suficiente para o trabalho de determinação da mediedade penal, porque ao magistrado compete a impor- tante função de mitigar as de- ficiências e moderar os rigo- res da normativa penal. Visto dessa forma, o direito penal supera os reducionismos das duas posturas antípodas e ga- nha em magnitude e eficácia sociais. Com respeito à diver- gência, é o que penso. Internet no processo eleitoral Maniqueísmo penal? TECNOLOGIA Editor: Rui Motta [email protected] - Editora-assistente: Marcia Marcon [email protected] - Correio do Leitor [email protected] andré fernandes Crise hídrica e saúde pública RODRIGO ANGERAMI ■■ Rodrigo Angerami é médico-infectologista PETER PANUTTO ■■ André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, mestre em filosofia e história da educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras ([email protected]) PREVENÇÃO ■■ Prof. Me. Peter Panutto é diretor da Faculdade de Direito da PUC-Campinas e especialista em direito eleitoral “Temos sido bastante cobrados para buscar de volta aquilo que pagamos além do normal” Graça Foster, presidente da Petrobras, ao admitir que sabia do pagamento de propina por empresa holandesa. dalcio [email protected] A2 CORREIO POPULAR A2 Campinas, quarta-feira, 19 de novembro de 2014

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“A vida na fazenda se tornaradifícil... No céu azul as últi-mas arribações tinham desa-parecido... Fabiano tomou acuia, desceu a ladeira, enca-minhou-se ao rio seco,achou no bebedouro dos ani-mais um pouco de lama. Ca-vou a areia com as unhas, es-perou que a água marejassee, debruçando-se no chão,bebeu muito” (Vidas Secas,1938, Graciliano Ramos).Os cientificistas atribuem àsmudanças climáticas. Os críti-cos incriminam os gestores egovernantes. Os mais cons-cientes relacionam ao desper-dício da população. Os místi-cos culpam os humores dedeuses e santos. Independen-temente das hipóteses, expli-cações, justificativas e argu-mentos, algo até pouco tem-po impensável para a grandemaioria está posto: a crise hí-drica é uma realidade, a segu-rança hídrica de boa parte dopaís está comprometida.

Muito se questiona comoserá possível se adaptar, con-tornar, “sobreviver” sem aabundância de água com aqual a população do estadosempre foi brindada, hidrata-da. Menor duração do ba-nho, menos perda na cozi-nha... menos desperdício,mais racionalidade, mais ri-gor na fiscalização e na taxa-ção. Entretanto, muito pou-co, ou quase nada, vem sen-do discutido em relação aum aspecto muito mais rele-vante do que as consequên-cias da restrição à lavagemdos automóveis: o impactoda tão alardeada (e inespera-da?) crise hídrica sobre a saú-de pública, sobre os mais di-versos prismas.

Em uma perspectiva maismíope podemos imaginar osriscos à saúde das pessoas,

simplesmente em decorrên-cia do impacto de uma me-nor oferta de água sobre umadas principais medidas deprevenção e controle dedoenças: o hábito da lava-gem de mãos. Sabemos queessa prática figura como efi-ciente meio de prevenção deuma enorme gama de doen-ças: diarreias, conjuntivites,hepatites e gripe. Banhosnão tomados podem se asso-ciar a uma infinidade de afec-ções e infecções dermatológi-cas. Isso sem mencionar aprevenção de infecções hos-pitalares em serviços de saú-de. Some-se a isso as possí-veis consequências das difi-culdades para higienização eprodução de alimentos, comconsequente risco de trans-missão de agentes infeccio-sos e intoxicações alimenta-res, de surtos.

Os problemas, entretanto,transcendem, em muito, o in-dividual. Colocam a popula-ção, como um todo, de prati-camente todo o Estado deSão Paulo, sob risco. A me-nor vazão do rios e a menorcapacidade dos reservatórioslevam a uma maior concen-tração de poluentes na águaa ser tratada para que entãopossa vir a ser distribuída emcada ávida torneira. Nesse

contexto, falhas ou limita-ções nos processos de trata-mento de água poderiam tra-zer efeitos de magnitude in-calculável.

Alguns chamam de racio-namento, outros de rodízio.Independentemente da deno-minação, a diminuição (sejafugaz, prolongada ou dura-doura) da oferta de água jávem mobilizando inúmeraspessoas, famílias, bairros, se-tores diversos das cidades abuscar fontes alternativas do,cada vez mais, precioso líqui-do na esperança de veremsuas necessidades básicas mi-nimamente atendidas. Maisdo que justo, totalmente com-preensível. Muito, muitopreocupante, entretanto. Aeventual utilização de águaimprópria para consumo hu-mano, coletada a partir deminas ou adquirida a partirde caminhões-pipa que co-mercializam o produto semregulação ou fiscalização, po-de vir a expor as pessoas ainúmeros vírus, bactérias,protozoários e vários outroscontaminantes, como metaispesados e outras substânciasquímicas potencialmente no-civas à saúde. Gastroenteri-tes, hepatite, intoxicações e,até mesmo, envenenamentosão algumas das potenciais

consequências.Mais. A intermitência do

provimento de água pode vira culminar com surtos e epi-demias, além das diarreias,de doenças (muito) bem co-nhecidas como a dengue edo “novato” chikungunya.Mas como, se a chuva nãoveio, “teima” em não vir? Le-do engano daqueles que sem-pre acharam que o Aedes de-pende da água das chuvas. Aestocagem antrópica, volun-tária, programada, de águaem reservatórios artificiais eimpróprios para armazena-mento (baldes, tambores, cai-xas de água e outros tantossem proteção, sem tela, semtampa) pode vir a criar verda-deiras “maternidades” domosquito. Além disso, as ele-vadas temperaturas poten-cializam, em muito, as fun-ções biológicas do vetor, suacapacidade reprodutiva ecompetência vetorial. Se osnúmeros de casos de denguenas últimas epidemias não fo-ram suficientes para demons-trar o quão insuficientes po-dem vir a ser as estratégias vi-gentes e utilizadas para ocontrole do Aedes, o “debu-tante” chikungunya poderádemonstrar o quão impres-cindível é a participação dasociedade, de cada família,de cada indivíduo no comba-te ao vetor. A população de-ve, de uma vez por todas,compreender que é um dos“acionistas majoritários” naluta contra a dengue e quesua participação não podeser mais opcional, é um atode cidadania.

Em uma nova era, de glo-balização de agentes infeccio-sos e vetores e dos extremosclimáticos, mais do que nun-ca, o mundo deverá incorpo-rar o conceito de que da saú-de do ambiente dependerá,cada vez mais, a saúde da hu-manidade.

Finalizadas as eleições, cabeuma análise deste momentohistórico. Sim histórico. Sem-pre é bom lembrar que vive-mos em uma democracia,com eleições livres e liberda-de de expressão.

Somos uma nação jovem,com pequenos períodos inter-calados de democracia. Apóso término da ditadura militar,em 1985, esta é a sétima elei-ção direta para Presidente daRepública. As instabilidadesnas campanhas eleitorais notocante às acusações pes-soais, a falta de clareza naspropostas, a pouca profundi-dade ou a ausência de discus-são de temas relevantes, se de-

vem à tenra infância que vivenossa democracia. Não que is-so justifique os erros dos can-didatos. Não, de forma algu-ma. Mas serve para com-preendermos melhor nossodesenvolvimento como socie-dade.

Sob o aspecto eleitoral tive-mos nesta campanha o efeti-vo uso da internet para propa-ganda eleitoral oficial dos can-didatos e também para mani-

festações políticas dos eleito-res por meio de sites, blogs,Facebook e Twitter. Dada ainadiável necessidade de dimi-nuição dos custos de campa-nha, temos na internet o futu-ro da propaganda eleitoral, aolado do rádio e TV, eliminan-do-se propagandas em papel,bonecos, cavaletes e faixas,para o bem do trânsito de veí-culos e do meio ambiente.

Vimos também o lado ne-

gativo do uso da internet pormeio da propagação de calú-nias e difamações aos candi-datos e também de discursosde ódio após as eleições, pormeio de mensagens separatis-tas e preconceituosas contrao Norte e Nordeste do país.

Importante registrar queas manifestações da internetsão passíveis de sanções civise criminais e cabe a cada cida-dão se manifestar com maturi-dade e responsabilidade. Ca-be, também aos candidatos,uma reflexão para que pos-sam analisar até que ponto in-centivaram as manifestaçõespreconceituosas da popula-ção.

Passadas as eleições te-mos agora que pensar no futu-ro de nosso país, com a popu-lação unida em torno do bemcomum, deixando de lado odiscurso de “nós e eles”. Queesta eleição presidencial tãoacirrada possa despertar napopulação o pleno exercícioda cidadania, acompanhandoe fiscalizando os candidatoseleitos, em todas as esferas,para que nas próximas elei-ções possamos discutir pro-postas voltadas ao futuro dopaís.

Opinião

Causa-me sempre uma certapreocupação quando surgempropostas de reformas, nocampo penal, que passeiamou pela lassidão ou pelo rigo-rismo jurídicos. Tais qualifica-tivos acabam por influenciarnão só o debate na escolhadas condutas que devem serpenalizadas ou não, mas, so-bretudo, terminam por empo-brecer esse mesmo debate aorestringirem à questão damaior ou menor severidadena repressão das condutas játipificadas penalmente. E, oque é pior, ocultam, no deba-te, o fato de que a aplicaçãode uma pena, baseada numalei laxista ou rigorosa, é sem-pre modulada prudencial-mente pelo juiz no caso con-creto.

É uma simplificação bemgrosseira de uma área tão sen-sível para a sociedade como odireito penal que, de uns tem-pos para cá, anda pela mar-cha e contramarcha do popu-lismo penal: basta surgir umatragédia social ou alguma figu-ra de destaque ser vítima deum crime mais grave que nos-so legislador corre pronta-mente para recrudescer as pe-nas para o delito que motivoua comoção social. Então, nos-so mesmo legislador dá-sepor satisfeito e, depois, cobraa conta no período eleitoral.

O direito penal, visto só pe-la lassidão ou só pelo rigoris-mo, é um direito que se trans-forma numa espécie de con-junto de garantias formais,ocas e assépticas, fechado à to-talidade do mundo e esvazia-do de valoração objetiva. É pre-ciso restabelecer uma metódi-ca mais dialética e menos radi-cal e buscar o primado da ra-cionalidade no discurso penal.

Existe um fato verídico queilustra bem essa ideia. Segun-do Peyrefitte, no começo doterrível inverno de 1942, du-rante a Segunda Guerra Mun-dial, soldados finlandeses, noistmo da Carélia, observavamo fogo da floresta de Raikkola,onde estava concentrada a ar-tilharia soviética, formada porhomens, cavalos e canhões.Assustados, muitos cavaloscorreram para atirar-se no la-go Ládoga para escapar do fo-go intenso: tentaram nadaraté a outra margem com a ca-beça empinada fora d’água,cheios de frio e de medo. Subi-tamente, como o ruído secode um cristal que se parte, aágua que os protegia do fogoenregelou e, assim, eles fica-ram aprisionados. Pela ma-nhã, na floresta calcinada, ossoldados finlandeses pude-ram contemplar, ao longo dolago, centenas e centenas decabeças de cavalos, com seuscorpos cobertos com umamortalha branca-azulada.

Nosso pensador francês ex-

trai dessa imagem chocante osímbolo “de um mal mais per-manente”, consistente “nomaniqueísmo, na inversãodialética, a vertigem do tudoou nada, do branco ao ne-gro”. Aterrorizados pelo riscoda morte pelo fogo, os cava-los precipitaram-se a apresar-se numa parede de gelo. Con-tudo, entre o inferno do bra-seiro e o inferno da banquisa,havia uma terceira opção:“lançar-se em fila ao longo damargem, galopando sobre aareia, quando o incêndio nãoameaçasse, e molhando oscascos no lago, se as chamasavançassem”.

No afã de evitar a morte pe-lo fogo, os cavalos russos pro-vocaram a morte pelo gelo,pois o calor corporal solidifi-cou a água do lago que, na al-vorada seguinte, mais se pare-cia com um cemitério de ani-mais, lá jacentes como símbo-lo da irracionalidade de seusmovimentos. Nesse episódio,a “metódica dialética” do des-locamento equino estava emsaber temperar ora estar nofogo, ora na água, no brevetempo que uma e outra situa-ção não levariam à morte. Eessa metódica, que desembo-cava numa mediedade real,demandava, por certo, umacerta racionalidade também.

No direito penal, é precisoabandonar as duas posiçõesextremadas, porque, a medie-dade justa situa-se entre doiserros, uma deficiência e umexcesso. O direito não é mate-mática e, por isso, não existeum modelo penalístico “geo-métrico” para indicar, comexatidão, a mediedade do jus-to concreto. Há princípios,conclusões adequadas, leis e,ao mesmo tempo, há tam-bém singularidades fáticas,circunstâncias e exceçõesque, por envolverem uma ta-refa de manejo típica do juiz,permitem concluir que a me-diedade no campo penal sópode ser encontrada judicia-riamente.

Por isso, se a norma penal,lassiva ou rigorista, é condi-ção necessária para o ofício ju-dicial, por outro lado, ela nãoé a condição suficiente para otrabalho de determinação damediedade penal, porque aomagistrado compete a impor-tante função de mitigar as de-ficiências e moderar os rigo-res da normativa penal. Vistodessa forma, o direito penalsupera os reducionismos dasduas posturas antípodas e ga-nha em magnitude e eficáciasociais. Com respeito à diver-gência, é o que penso.

Internet no processo eleitoral

Maniqueísmopenal?

TECNOLOGIA

Editor: Rui Motta [email protected] - Editora-assistente: Marcia Marcon [email protected] - Correio do Leitor [email protected]

andréfernandes

Crise hídrica e saúde públicaRODRIGO

ANGERAMI

■ ■ Rodrigo Angerami émédico-infectologista

PETER

PANUTTO

■ ■ André Gonçalves Fernandes é juiz dedireito, mestre em filosofia e história daeducação, pesquisador,professor, coordenador do IFE Campinas emembro da Academia Campinense deLetras ([email protected])

PREVENÇÃO

■ ■ Prof. Me. Peter Panutto é diretor daFaculdade de Direito da PUC-Campinas eespecialista em direito eleitoral

“Temos sido bastante cobrados para buscar devolta aquilo que pagamos alémdo normal”Graça Foster, presidente da Petrobras, ao admitir que sabia do pagamento de propina por empresa holandesa.

dalcio

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A2 CORREIO POPULARA2Campinas, quarta-feira, 19 de novembro de 2014