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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA Ruan José de Alcântara Rodrigues O Último Teorema de Fermat para Primos Regulares Seropédica 2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS

CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

Ruan José de Alcântara Rodrigues

O Último Teorema de Fermat para Primos Regulares

Seropédica2020

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Ruan José de Alcântara Rodrigues

O Último Teorema de Fermat Para Primos Regulares

Monografia apresentada à Banca Examinadorada Universidade Federal Rural do Rio de Ja-neiro, como requisito parcial para obtenção dotítulo de Licenciado em Matemática, sob a ori-entação do Prof. Dr. André Luiz Martins Pe-reira e coorientação do Prof. Dr. DouglasMonsôres de Melo Santos.

Seropédica2020

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Agradecimentos

Primeiramente agradeço à minha mãe Angela Maria da Conceição Alcântara por ser o maiorexemplo de força que eu poderia ter e que junto ao meu pai Rubem José Rodrigues me ensina-ram e deram exemplos dos princípios e valores que levarei pelo resto da minha vida.

Agradeço aos meus irmãos, Rubem, Rubia, Rubiano, Gersica, Roger, Patrícia, Jorge, Renatae Camila, pelo apoio e pelo cuidado durante os mais diversos momentos da minha vida. Emparticular à minha irmã Renata, que foi a grande responsável por eu ter escolhido a UFRRJ,abrindo as portas e dando todo suporte durante a graduação.

Agradeço à minha companheira Kézia pelo carinho, lealdade e por ter passado toda essaetapa ao meu lado me apoiando e dando todo suporte emocional.

Agradeço aos amigos Rafael Reis, Gepatrik e Charlan por me receberem no alojamento eserem verdadeiros exemplos de veteranos.

Agradeço aos amigos Marcelo, Calvim, Mateus, Rômulo, Jocivaldo, Rafael Oliveira, Lucas,Targino e Geovane pelos momentos de estudos e pelas melhores resenhas.

Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. André Luiz Martins Pereira por aceitar conduzir estetrabalho com paciência e dedicação.

Agradeço ao meu coorientador Prof. Dr. Douglas Monsôres de Melo Santos por sua empa-tia, esforço e dedicação para que este trabalho pudesse ser concluído.

Por fim agradeço ao Departamento de Matemática da UFRRJ pela excelência da qualidadetécnica de cada um.

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Resumo

Este trabalho de monografia tem por objetivo demonstrar um caso especial do Último Teoremade Fermat, devido a Kummer, que diz que para um número primo p regular, não existem intei-ros positivos x,y,z que satisfaçam a equação xp + yp = zp. Começaremos relembrando algunsconceitos e resultados das teorias dos grupos, anéis e de galois que são vistos durante a gradua-ção. Em seguida, apresentaremos alguns conceitos e resultados da Álgebra Comutativa, subáreada Álgebra que essencialmente estuda propriedades dos anéis comutativos e módulos sobre es-ses anéis. Dentro deste campo desenvolveremos os conceitos e estudaremos propriedades deextensões inteiras, ideais fracionários e Domínios de Dedekind. Os ideais fracionários em umdomínio de Dedekind têm uma propriedade de fatoração similar a dos números inteiros. Defato, nós construiremos uma multiplicação entre seus ideias fracionários e provaremos que cadaideal fracionário se escreve de maneira única como produto de ideais primos. Tal construçãonos permitirá definir a noção de grupo das classes de um domínio de Dedekind que será a basepara definir o que vem a ser um primo regular. Por fim pelo estudo dos corpos ciclotômicos eseus anéis dos inteiros definiremos os primos regulares e provaremos o teorema de Kummer.

Palavras-chave: Último Teorema Fermat; Corpos Ciclotômicos; Primos Regulares; Dom-pinios de Dedekind.

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Sumário

Introdução 1

1 Noções preliminares 31.1 Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.2 Anéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.3 Teoria de Galois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61.4 Traço e discriminante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2 Anéis Noetherianos e Extensões Inteiras 132.1 Anéis Noetherianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132.2 Extensões Inteiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

3 Domínios de Dedekind 183.1 Ideais fracionários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183.2 Definição e Exemplos de Domínios de Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . 203.3 Fatoração e Divisibilidade de Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233.4 O Grupo das Classes de um Domínio de Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . 27

4 O Último Teorema de Fermat para Primos Regulares 304.1 Corpos Ciclotômicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 304.2 O Último Teorema de Fermat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

Considerações finais 43

Referências Bibliográficas 44

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Introdução

Imagine que você tenha à sua disposição uma grande quantidade de dados (cubinhos) domesmo tamanho e é proposto o seguinte desafio: com esses dados você deve formar dois cubosdo tamanho que você quiser de forma que com o total de dados usados em ambos seja possívelconstruir outro cubo.

Propor tal desafio numa confraternização de amigos, numa turma de ensino básico oumesmo de ensino superior, pode render horas de entretenimento. Depois de tentar por algumtempo é provável que alguém se pergunte se realmente é possível resolvê-lo.

Em termos matemáticos, resolver o desafio dos cubos é encontrar inteiros x,y,z positivos quesatisfaçam a equação x3+y3 = z3. É natural que alguém que tenha afinidade com a matemáticaassocie tal equação ao teorema de Pitágoras e os inteiros aos ternos pitagóricos. A história portrás do problema com os cubos surgiu com um matemático chamado Pierre de Fermat (1607-1665).

De acordo com Singh (vide [1]), Fermat era um magistrado que tinha a matemática comohobby e teve como uma de suas inspirações a coleção Aritmética de Diofante de Alexandria,que era um livro que continha os conhecimentos obtidos por grandes nomes da matemática,como Pitágoras e Euclides, e tentava descrever a teoria dos números através de problemas esoluções.

Fermat não estava interessado em escrever um livro ou artigo para publicar, ele só buscava asatisfação pessoal de resolver um problema sem se importar em escrever provas rigorosas. Elesó escrevia aquilo que era necessário para convencer a si mesmo e frequentemente atirava suasanotações no lixo.

Enquanto estudava o segundo livro da Aritmética, Fermat encontrou uma série de obser-vações, problemas e soluções envolvendo o Teorema de Pitágoras e os ternos pitagóricos. Aosubstituir o quadrado pelo cubo na equação do Teorema Fermat percebeu que era muito difícilencontrar uma solução para a equação.

Na margem de sua Aritmética Fermat escreveu a seguinte nota de observação:

É impossível para um cubo ser escrito como a soma de dois cubos ou umaquarta potência ser escrita como uma soma de dois números elevados a quatro, ou,em geral, para qualquer número que seja elevado a uma potência maior do que doisser escrito como a soma de duas potências semelhantes.

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Em seguida o seguinte comentário:

Eu tenho uma demonstração realmente maravilhosa para esta proposição mas amargem é muito estreita para contê-la.

Além de resolver problemas, Fermat enviava cartas para outros matemáticos os desafiandoa provar alguns dos seus desafios. Apesar disso Fermat nunca publicava suas descobertas. Apublicação só veio depois de sua morte, graças ao seu filho mais velho Clément-Samuel quepercebeu a importância do hobby do pai e passou cinco anos reunindo as cartas, anotações eanalisando os rabiscos nas margens de sua Aritmética, e em 1670 publicou uma edição especialapresentada como Aritmética de Diofante contendo observações de P. de Fermat.

Suas anotações tinham uma série de teoremas que, ou não eram acompanhados por nenhumaexplicação ou tinham apenas indícios da demonstração que os apoiava e como os teoremas sãoos "tijolos"que constroem toda a matemática, era essencial que cada um dos teoremas fossedemonstrado. À medida que os séculos foram passando, todas as demonstrações foram feitas,exceto uma, aquele que viria a ser conhecido como: O Último Teorema de Fermat que diz quenão existem inteiros positivos x,y,z,n com n > 3 que satisfaçam a equação xn + yn = zn.

Houve provas para casos particulares e muitas tentativas falhas da resolução do teorema,dentre as quais destacamos aqui: a de Leonhard Euler que completou um esboço de Fermatprovando o teorema para o caso n = 4 e com a mesma ideia provando para n = 3 (O desafiodos cubos); Cauchy e Lamé que pela abordagem dos números complexos, falharam ao utilizaro conceito de fatoração única dos números naturais.

Ernst Kummer percebeu as falhas de Cauchy e Lamé e elaborou sua própria demonstraçãopara alguns casos específios para n: o dos primos regulares. Este caso será o objeto de estudodeste trabalho monográfico.

Para isso, revisaremos os conceitos necessários das teorias de Anéis, Grupos e de Galoisque foram estudados durante a graduação. É recomendável que o leitor tenha cursado pelomenos as disciplinas básicas de Teoria dos Grupos e dos Anéis. Estudaremos também algumaspropriedades dos domínios de Dedekind, objeto de estudo da Álgebra Comutativa, e definiremosseu grupo das classes. Através do estudo dos corpos ciclotômicos definiremos o que são osprimos regulares, para que possamos chegar ao nosso objetivo.

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Capítulo 1

Noções preliminares

Neste capítulo realizaremos uma breve revisão de algumas teorias que darão suporte para quepossamos chegar ao resultado desejado. Além da revisão, faremos nossas primeiras definiçõesimportantes para que o objetivo deste trabalho seja alcançado. A leitura das referências destetrabalho darão uma base mais aprofundada nestas diversas teorias que serão aqui utilizadas.

Admitiremos que o leitor já tenha familiaridade com conceitos básicos da Teoria dos Grupose dos Anéis. Noções como homomorfismo de anéis e grupos quocientes serão utilizados nodecorrer do texto. Recomendamos [2], o livro de Garcia e Lequain, como referência básicadesses conceitos.

1.1 Grupos

Definição 1.1.1. Seja G um grupo com identidade e. A ordem de G é o número de elementosdo conjunto G, e será denotada por |G|. Se G tem um número infinito de elementos, diz-se quetem ordem infinita.

Definição 1.1.2. A ordem de um elemento x ∈G é o menor inteiro positivo n tal que xn = e. Senão existe tal inteiro n dizemos que x tem ordem infinita.

1.2 Anéis

Definição 1.2.1.

• Os elementos de um anel A que possuem inverso multiplicativo são chamados de inver-

tíveis de A ou unidades de A. Usaremos a notação A× = {x ∈ A : x é uma unidade deA}.

• Elementos a e b de um domínio D são chamados associados se a = ub onde u é umaunidade de D.

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• Um elemento não nulo a de D é chamado irredutível se não for uma unidade e sempreque a = bc com b e c em D então b ou c é uma unidade.

• Sejam D um domínio e a,b ∈ D. Dizemos que a divide b (escrevemos a | b) se existec ∈ D tal que a · c = b.

• Um elemento a de um domínio D é dito primo se a não for uma unidade e se a|bc entãoa|b ou a|c.

Definição 1.2.2. Um domínio D é de fatoração única se todo elemento não nulo e não inver-tível de D se escreve de maneira única (a menos de associados e ordenação) como produto deelementos irredutíveis de D, isto é:

(i) Todo elemento não nulo e não invertível de D é produto finito de fatores irredutíveis.

(ii) Se {pi}1≤i≤s e {q j}1≤ j≤t são famílias finitas de elementos irredutíveis de D tais quep1 · · · ps = q1 · · ·qt , então

• s = t.

• a menos de ordenação, pi é associado a qi, ∀i = 1, . . .s (isto é, existe uma bijeção deσ de {1, . . . ,s} sobre {1, . . . ,s} tal que pi é associado a qσ(i), ∀i = 1, . . .s).

Definição 1.2.3. A característica de um anel A é o menor inteiro positivo n tal que nx = 0 paratodo x ∈ A. Se tal n não existe nós dizemos que A tem característica 0. Denotamos por car(A),a característica de A.

Teorema 1.2.4. Seja A um anel com identidade 1. Se n é o menor inteiro positivo tal que n ·1= 0temos que a característica de A é n. Se não existe um tal inteiro n, então a característica de A

é 0.

Demonstração. Se não existe n inteiro positivo tal que n · 1 = 0, então pela definição de ca-racterística de A, car(A) = 0. Se n é o menor inteiro positivo tal que n · 1 = 0 temos quen · x = n · (1 · x) = (n ·1) · x = 0 para todo x ∈ A. Isto prova que car(A) = n.

Teorema 1.2.5. A característica de um domínio ou é 0 ou é um número primo.

Demonstração. Seja D um domínio. Se car(D) = 0 não há nada a se provar. Suponha quecar(D) = n 6= 0. Pelo teorema anterior, n é o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0. Suponhaque n não é primo. Então existem inteiros s, t tais que n = st com 1 < s, t < n. Assim 0 = n ·1 =

(st) ·1 = (s ·1)(t ·1) e como D é domínio, temos que s ·1 = 0 ou t ·1 = 0. Mas isto contraria ofato de n ser o menor inteiro positivo tal que n ·1 = 0. Logo n é primo.

Definição 1.2.6. Seja A um anel comutativo com identidade 1A. Um A-módulo M é um grupoabeliano (M,+) acrescido de uma operação “ · ” que associa cada par (r,x) ∈ A×M a umelemento r · x ∈M, tal que pra todo r,s ∈ A e x,y ∈M temos:

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i. r · (x+ y) = r · x+ r · y;

ii. (r+ s) · x = r · x+ s · x;

iii. (r · s) · x = r(s · x);

iv. 1A · x = x.

Se A é um corpo então M será um A-espaço vetorial.

Definição 1.2.7. Um A-módulo é dito finitamente gerado se existem β1, . . . ,βm ∈M tais que

M = Aβ1 + · · ·+Aβm.

O conjunto {β1, . . . ,βm} é chamado de um conjunto gerador de M. A notação 〈β1, . . . ,βm〉também é usada para representar o A-módulo gerado por β1, . . . ,βm.

Definição 1.2.8. Um A-módulo M finitamente gerado é dito livre se ele admite um conjuntogerador finito cujos elementos são A-linearmente independentes.

Isto é, se existem β1, . . . ,βn ∈M com n ∈ N tais que M = 〈β1, . . .βn〉 e

β1a1 + · · ·+βnan = 0⇔ a1 = · · ·= an = 0.

O conjunto {β1, . . . ,βn} é uma base de M e n é seu posto.

Observação 1.2.9. Dados um A-módulo M e S ⊂ M um subconjunto não vazio, o conjuntoN = 〈S〉 := {∑n

i=1 aisi | ai ∈ A, si ∈ S, i = 1, . . .n e n ∈ N} é fechado para as operações de M.Consequentemente, com estas operações, N é um A-módulo. Dizemos que N é gerado pelo

conjunto S.

Quando um A-módulo N está contido em um A-módulo M e além disso, M e N têm asmesmas operações “+ ” e “ · ”, dizemos que N é um A-submódulo de M.

Ideais

Definição 1.2.10. Um subanel I de um anel A é chamado ideal de A se para todo a ∈ A e todox ∈ I, x ·a ∈ I e a · x ∈ I.

Definição 1.2.11. Seja I um ideal de um anel comutativo A.

1. I é um ideal principal de A se I = 〈a〉= {ax : x ∈ A}, ou seja, I é gerado por a.

2. I é um ideal primo de A se I 6= A e para quaisquer a,b ∈ A, ab ∈ I⇒ a ∈ I ou b ∈ I.

3. I é um ideal maximal de A se I 6= A e sempre que J for um ideal próprio de A e I ⊆ J

então J = I.

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Proposição 1.2.12. Sejam A um anel comutativo com unidade e I um ideal de A.

i O anel quociente A/I é um domínio de integridade se, e somente se, I é um ideal primo.

ii O anel quociente A/I é um corpo se, e somente se, I é um ideal maximal

Demonstração. Ver em [3] pag.11, Definição 2.1.

Corolário 1.2.13. Todo ideal maximal em um anel comutativo com unidade é também um ideal

primo.

Demonstração. Pela Proposição 1.2.12: I maximal ⇒ A/I corpo ⇒ A/I domínio ⇒ I primo.

Proposição 1.2.14. Sejam A um anel e S = {a1 ⊂ a2 ⊂ ·· · ⊂ an ⊂ . . .} uma cadeia ascendente

de ideais de A, então

a=⋃

n∈Nan

é um ideal de A.

Demonstração. Dados a,b ∈ a e r ∈ A, temos que a ∈ ai e b ∈ a j para i, j ∈ N. Suponha semperda de generalidade que ai ⊆ a j. Então a,b ∈ a j e como a j é ideal, 0 ∈ a j ⊆ a, a−b ∈ a j ⊆ a

e r ·a ∈ a j ⊆ a. Logo a é ideal de A.

1.3 Teoria de Galois

Definição 1.3.1. Um corpo L é dito uma extensão de K, e denotamos isto por L/K, se L contémK como um subcorpo. O corpo K é chamado de corpo base da extensão L/K.

Exemplo 1.3.2. R é uma extensão de Q.

Observação 1.3.3. Um fato importante sobre uma extensão de corpos L/K é que L é um K-espaço vetorial com a operação de adição sendo a do corpo L enquanto a multiplicação porescalar sendo a de L também:

u · x = ux (u ∈ K,x ∈ L)

Definição 1.3.4. A dimensão de L como um K-espaço vetorial será chamada de grau da exten-

são, que será denotado por [L : K]. Uma extensão de corpos L/K é dita finita se [L : K] < ∞,caso contrário, é dita infinita. Ou seja,

L/K é finita⇔ L é um K-espaço vetorial de dimensão finita.

Exemplo 1.3.5. C/R é finita com [C : R] = 2. Basta notar que {1, i} é uma base de C.

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Definição 1.3.6. O corpo gerado sobre K por uma coleção finita de elementos α1, . . . ,αr ∈ L,denotado por K(α1, . . . ,αr) é o menor subcorpo de L contendo K e α1, . . . ,αr.

Definição 1.3.7. Uma extensão L/K é finitamente gerada se existem finitos elementos α1, . . . ,αr ∈L tais que L = K(α1, . . . ,αr).

Exemplo 1.3.8. Q(√

2) = {a+b√

2 : a,b ∈Q} é uma extensão finitamente gerada de Q. Noteque o inverso de um elemento não nulo a+b

√2 é a

a2−2b2 − ba2−2b2

√2.

Definição 1.3.9. Um corpo numérico (ou corpo numérico algébrico) é uma extensão finita decorpo de Q.

Definição 1.3.10. Seja L/K uma extensão de corpos. Um elemento α∈ L é dito algébrico sobreK, se existe um polinômio não nulo f (x) ∈ K[x] tal que f (α) = 0.

Exemplo 1.3.11. Note que i ∈ C é raiz do polinômio p(x) = x2 +1, ou seja, é algébrico sobreQ. Mas π não é algébrico sobre Q. Este fato não é nenhum pouco elementar, sua demonstraçãopode ser verificada em [4], pág. 18, Proposição 3.4.

Definição 1.3.12. Seja L/K uma extensão de corpos e α ∈ L algébrico sobre K. O polinômio

minimal de α sobre K, é o polinômio mônico de menor grau em K[x] que tem α como raiz.

Definição 1.3.13. Um corpo L é dito uma extensão algébrica de K se todo elemento de L éalgébrico sobre K.

Definição 1.3.14. Seja L/K um extensão de corpos e α ∈ L. Definimos K[α] := {p(α) | p(x) ∈K[x]}. Note que K[α] é um sub-domínio de L. Denotamos por K(α) o corpo de frações de K[α].Se α é algébrico sobre K então K[α] = K(α). (vide 2.1 em [5])

Proposição 1.3.15. Sejam L/K uma extensão de corpos e α ∈ L algébrico sobre K. Denote por

n o grau o polinômio minimal de α sobre K. Então [K(α) : K] = n e K(α) = {a0 +a1α+ · · ·+an−1αn−1 | ai ∈ K,0≤ i≤ n−1}.

Demonstração. Seja p(x)∈K[x] o polinômio minimal de α sobre K. Por hipótese, n= grau p(x).Para provar a proposição, basta mostrar que o conjunto B = {1,α,α2, . . . ,αn−1} é uma base deK(α) como um K-espaço vetorial. Como α é algébrico, K(α) = K[α]. Logo um elemento deK(α) é da forma f (α), f (x) ∈ K[x]. Dividindo f (x) por p(x), obtemos:

f (x) = p(x) ·q(x)+ r(x), q(x),r(x) ∈ K[x],

onde r(x) = 0 ou grau r(x)< grau p(x) = n, isto é,

r(x) = a0 +a1x+ · · ·+an−1xn−1, ai ∈ K ∀i = 0,1, . . . ,n−1.

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Fazendo x = α e usando o fato de p(α) = 0:

f (α) = p(α) ·q(α)+ r(α) = r(α) = a0 +a1α+ · · ·+an−1αn−1.

Logo, B gera K(α) como K-espaço vetorial. Agora, seja b0 + b1α+ · · ·+ bn−1αn−1 = 0 umacombinação linear de B com bi ∈ K ∀i = 0, . . . ,n− 1. Se algum dos bi fosse não nulo, opolinômio g(x) = b0 + b1x+ · · ·+ bn−1xn−1 ∈ K[x] seria não nulo, teria α como raiz e graumenor que n, o que seria um absurdo pois n é o grau do polinômio minimal de α sobre K. Logo,bi = 0 ∀i e isto mostra que B é linearmente independente. Portanto, B é base de K(α)/K.

Definição 1.3.16. O corpo de raízes ou corpo de decomposição de um polinômio f (x) ∈ K[x]

o menor corpo contendo K e todas as raízes de f (x).

Exemplo 1.3.17. O corpo de raízes do polinômio f (x) = x2−2 sobre Q é o corpo Q(√

2). Noteque ±

√2 ∈Q(

√2).

Definição 1.3.18. O fecho algébrico de um corpo K, denotado por K, é um corpo algébricosobre K onde todo polinômio não constante f (x) ∈ K[x] se fatora em polinômios de grau 1 comcoeficientes em K.

Exemplo 1.3.19. Temos que R = C. De fato, essa é uma consequência do Teorema Funda-mental da Álgebra, que afirma que todo polinômio não constante p(x) ∈ C[x] tem alguma raizcomplexa.

Observação 1.3.20. Uma raiz α de um polinômio f (x) é dita simples se (x−α) divide f (x),mas (x−α)2 não divide f (x).

Definição 1.3.21. Um polinômio irredutível p(x) ∈ K[x] é separável sobre K se todas as suasraízes são simples em seu corpo de raízes.

Definição 1.3.22. Dada uma extensão L/K, um elemento α ∈ L é dito separável sobre K se α éraiz de um polinômio separável em K[x]. Em particular, α é algébrico sobre K.

Definição 1.3.23. Uma extensão algébrica L/K é chamada separável se todo elemento de L éseparável sobre K.

Observação 1.3.24. Toda extensão algébrica L/K tal que L ⊂ C é separável. (vide Prop. 3.6em [5]).

Definição 1.3.25. Para extensões F/K e L/K, denotaremos MonoK(L,F) o conjunto de todoshomomorfismos injetivos ϕ : L→ F tais que ϕ(x) = x para todo x ∈ K.

Definição 1.3.26. Dada uma extensão finita L/K e α ∈ L algébrico sobre K, um elementoβ ∈ K é um conjugado de α se existe ϕ ∈ Mono(L,K) tal que ϕ(α) = β. Pode-se provar queMono(L,K) tem no máximo [L : K] elementos, logo existe um número finito de conjugados deα.

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Definição 1.3.27. Uma extensão L/K é normal se ϕ(E) = E para todo ϕ ∈MonoK(E,K).

Teorema 1.3.28. Uma extensão finita E/K é normal se, e somente se, é o corpo de decomposi-

ção para algum polinômio p(x) ∈ K[x].

Demonstração em [6], pág. 54, teorema 3.80.

Definição 1.3.29. Seja K um corpo, uma extensão E/K é chamada galoisiana se é normal eseparável.

Definição 1.3.30. Para uma extensão finita galoisiana E/K, o grupo

Gal(E/K) = AutK(E)

é chamado de grupo galoisiano da extensão ou grupo galoisiano de E sobre K. Os elementos deGal(E/K) são automorfismos de E (ou seja, homomorfismos bijetivos de E em E) que fixamos elementos de K.

1.4 Traço e discriminante

Definição 1.4.1. Seja L/K uma extensão finita de corpos. Para α ∈ L, seja mα : L→ L a trans-formação linear do K-espaço vetorial L definida pela multiplicação por α.

• A aplicação traço TrL/K : L→ K é definida por TrL/K(α) = tr mα para α ∈ L,

onde tr A é a soma dos elementos da diagonal principal da matriz A.

Definição 1.4.2. Sejam K um corpo e V um K-espaço vetorial de dimensão finita. Uma formaK-bilinear (ou simplesmente, forma bilinear) Ψ : V ×V → K em V é uma função que satisfazpara quaisquer λ ∈ K e u,v ∈V :

• Ψ(u+ v,w) = Ψ(u,w)+Ψ(v,w);

• Ψ(u,v+w) = Ψ(u,v)+Ψ(u,w);

• Ψ(λv,w) = λΨ(v,w) = Ψ(v,λw).

Definição 1.4.3. Uma forma K-bilinear Ψ em um K-espaço vetorial V é dita simétrica se paratodo v,w ∈V ,

Ψ(v,w) = Ψ(w,v).

Exemplo 1.4.4. Tome uma matriz Q ∈Mn(K). Podemos definir uma forma bilinear em Kn por

Ψ(v,w) = vT Qw

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para v,w ∈ Kn, onde vT denota a transposta do vetor coluna v. Temos que Ψ é simétrica se, esomente se, Q é simétrica, isto é, QT = Q.

Se Ψ é simétrica então seja Q = (qi j). Se {e1,e2, . . . ,en} é a base canônica de Kn então∀i, j = 1, . . . ,n:

Ψ(ei,e j) = eTi Qe j = qi j

Ψ(e j,ei) = eTj Qei = q ji

Como Ψ é simétrica, Ψ(ei,e j) =Ψ(e j,ei), logo, qi j = q ji, ∀i, j = 1, . . . ,n. Portanto Q=QT .Por outro lado, se Q = QT

Ψ(v,w) = vT Qw = (QT v)T w = wT QT v = wT Qv = Ψ(w,v)

Exemplo 1.4.5. Se L/K é um extensão finita de corpos, então Ψ : L×L→ K definida por

Ψ(α,β) = TrL/K(αβ)

para α,β ∈ L, é uma forma K-bilinear simétrica em L. A verificação é imediata, pois como L écorpo, αβ = βα.

Definição 1.4.6. O discriminante de uma forma bilinear Ψ em um espaço vetorial de dimensãofinita V relativo à base ordenada (v1, ...,vn) de V é o determinante da matriz (Ψ(vi,v j))i, j.

Lema 1.4.7. Seja Ψ : V ×V → K uma forma K-bilinear em um espaço vetorial V de dimensão

finita n≥ 1. Sejam v1, ...,vn ∈V e T : V →V uma transformação linear. Então:

det(Ψ(T vi,T v j)) = (detT )2 ·det(Ψ(vi,v j)).

Demonstração. (1o caso) Suponhamos que {v1,v2, . . . ,vn} é uma base de V . Seja A = (ai j) amatriz de T com respeito a base ordenada (v1, ...,vn). Temos:

Ψ(T vi,T v j) =n

∑k=1

aik

n

∑l=1

a jlΨ(vk,vl).

Como matrizes, temos então:

Ψ(T vi,T v j) = A(Ψ(vi,v j))AT ,

det(Ψ(T vi,T v j)) = det(A(Ψ(vi,v j))AT ),

det(Ψ(T vi,T v j)) = detA ·det(Ψ(vi,v j)) ·detAT ,

e o resultado segue do fato de detT = detA = detAT .(Caso geral) Se os vi formam uma base de V , então para quaisquer w1, ...,wn ∈V existe uma

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transformação U : V →V com U(vi) = wi para todo i. Nós então temos:

det(Ψ(Twi,Tw j)) = det(Ψ(TUvi,TUv j)) = det(TU)2 ·det(Ψ(vi,v j)) =

= det(T )2 ·det(U)2 ·det(Ψ(vi,v j)) = det(T )2 ·det(Ψ(wi,w j)),

onde a segunda e a última igualdade seguem do 1o caso.

Observação 1.4.8. Seja Ψ : V×V →K uma forma K-bilinear num espaço vetorial de dimensãofinita n≥ 1. Então o Lema 1.4.7 implica o seguinte:

a. O discriminante de Ψ relativo a uma base ordenada (v1, . . . ,vn) de V independe da ordemdesses vetores. De fato, seja (vϕ(1), . . . ,vϕ(n)) uma reordenação base e seja T : V → V atransformação tal que T (vi) = vϕ(i). A matriz de T é obtida da matriz identidade através deum número finito de permutações de suas colunas. Uma vez que a permutação das colunasde uma matriz muda apenas o sinal do seu determinante, temos que (detT )2 = (±1)2 = 1. Oresultado segue do lema 1.4.7.

b. Temos det(Ψ(vi,v j)) = 0 se v1, ...,vn ∈V são linearmente dependentes.

Definição 1.4.9. Seja L/K um extensão finita de corpos. O discriminante de L/K relativo a

uma base B = {β1, . . . βn} de L como um K-espaço vetorial é o discriminante da forma bilinear

(α,β) 7→ TrL/K(αβ)

relativo à base B. Denotaremos este discriminante por D(β1, . . . ,βn). Assim:

D(β1, . . . ,βn) = det((TrL/K(βiβ j)).

Definição 1.4.10. Seja K um corpo e seja α1, ...,αn ∈ K. Então a matriz

Q(α1, ...,αn) =

1 α1 ... α

n−11

1 α2 ... αn−12

......

...1 αn ... αn−1

n

é chamada de matriz Vandermonde para α1, ...,αn.

Lema 1.4.11. Seja K um corpo, e seja Q(α1, ...,αn) a matriz Valdermonde para os elementos

α1, ...,αn de K. Então

detQ(α1, ...,αn) = ∏1≤i< j≤n

(α j−αi).

Demonstração. Faremos por indução em n ≥ 1, no caso n = 1 é imediato que detQ(α) = 1para qualquer α ∈ K. Para calcular o determinante de Q = Q(α1, ...,αn), subtraia α1× i−ésima

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coluna de sua (i+1)−ésima coluna de cada 1≤ i≤ n−1, o que não altera o determinante. Nósentão obtemos:

detQ = det

1 0 ... 01 α2−α1 ... α

n−22 (α2−α1)

......

...1 αn−α1 ... αn−2

n (αn−α1)

= det

α2−α1 ... α

n−22 (α2−α1)

......

αn−α1 ... αn−2n (αn−α1)

=

= det

α2−α1 0 . . . 0

0 α3−α1 . . . 0...

......

0 0 . . . αn−α1

·det

1 α2 . . . α

n−22

1 α3 . . . αn−23

......

...1 αn . . . αn−2

n

Logo, como o determinante de uma matriz diagonal é o produto dos elementos da diagonalprincipal, pela hipótese da indução segue o resultado.

Proposição 1.4.12. Suponha que L/K é uma extensão separável de grau n, e seja α ∈ L tal que

L = K(α). Então

D(1,α, . . . ,αn−1) = ∏1≤i< j≤n

(α j−αi)2 6= 0,

onde α1, . . . ,αn são os conjugados de α em um fecho algébrico de K.

Demonstração. [7], Proposição 1.4.13, p.24.

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Capítulo 2

Anéis Noetherianos e Extensões Inteiras

2.1 Anéis Noetherianos

Seja A um anel comutativo com unidade. Provaremos que as seguintes propriedades são equi-valentes:

1. Todo ideal a de A é finitamente gerado.

2. Toda cadeia ascendente de ideais de A estabiliza, isto é, dado S uma cadeia de ideais

a1 ⊆ a2 ⊆ a3 ⊆ ...

para algum i ∈ N temos ai = a j, para todo j > i.

3. Toda coleção não vazia S de ideais possui um ideal que é maximal em S com relação àinclusão.

Demonstração. (1) ⇒ (2) Seja S = {an}n∈N uma cadeia ascendente de ideais. Tome a =⋃n∈N an que pela proposição 1.2.14 é ideal de A. Sejam a1,a2, ...,an ∈ A geradores de a, onde

cada ai ∈ aλi para i = 1, ...,n. Suponha sem perda de generalidade que para todo i = 1, ...,n−1,aλi ⊆ aλn . Assim a1,a2, ...,an ∈ aλn , portanto a⊆ aλn e como aλn ⊆ a temos a= aλn . Logo paratodo n > λn, teremos a= an. Logo a cadeia S estabiliza.

(2)⇒ (3) Suponha que S não possua elemento maximal e seja a0 um ideal qualquer deS . Como S não possui elemento maximal, então ∃a1 ∈ S tal que a0 ( a1. Repetindo o argu-mento anterior para o ideal a1, ∃a2 ∈ S tal que a1 ( a2. Por indução construímos uma cadeiaascendente de ideais:

a0 ( a1 ( a2 ( a3 ( ...,

que não estabiliza, o que é uma contradição. Logo S possui um elemento maximal.(3)⇒ (1) Suponha por absurdo que a seja um ideal de A que não é finitamente gerado. Seja

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S a coleção de ideais próprios de a construída da seguinte forma:

S = {〈a1〉,〈a1,a2〉,〈a1,a2,a3〉, . . . |ai ∈ a e ai+1 /∈ 〈a1, ...,ai〉, i ∈ N}

Note que como a não é finitamente gerado, ∀i ∈ N, ∃ai+1 ∈ a tal que ai+1 /∈ 〈a1, . . . ,ai〉. Segueque S não tem elemento maximal, o que contradiz a hipótese. Logo a é finitamente gerado.

Definição 2.1.1. Um anel A é Noetheriano se satisfaz qualquer uma (e portanto todas) daspropriedades 1,2 e 3 anteriores.

Observação 2.1.2. Em um anel Noetheriano, todo ideal próprio está contido em um ideal ma-ximal do anel. Isto decorre da Propriedade 2 da definição de anel Noetheriano. Para anéiscomutativos com unidade em geral, esta afirmação também é verdadeira, mas é necessário uti-lizar o axioma da escolha (equivalentemente, o Lema de Zorn) em sua demonstração. VideTeorema 0.27 de [5].

Proposição 2.1.3. Se A é um anel Noetheriano e M é um A-módulo finitamente gerado, então

todo A-submódulo de M é finitamente gerado.

Demonstração. [8], proposição 1.4, p.28.

2.2 Extensões Inteiras

Definição 2.2.1. Dizemos que B/A é uma extensão de anéis comutativos se A e B são anéiscomutativos e A é um subanel de B.

Definição 2.2.2. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos com unidade. Dizemos que β∈B

é inteiro sobre A se β é raiz de um polinômio mônico em A[x].

Exemplos 2.2.3. .

1. Todo elemento a ∈ A é inteiro sobre A, pois é raiz do polinômio x−a.

2. Se L/K é uma extensão de corpo e α ∈ L é algébrico sobre K, então α é inteiro sobre K,sendo raiz de seu polinômio minimal que é mônico.

3. O elemento√

2 de Q(√

2) é inteiro sobre Z, sendo raiz do polinômio x2−2.

Proposição 2.2.4. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos com unidade. Para β ∈ B, as

seguintes condições são equivalentes:

i. O elemento β é inteiro sobre A;

ii. Existe n≥ 0 tal que {1,β,β2 . . . ,βn} geram A[β] como um A-módulo;

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iii. O anel A[β] é um A-módulo finitamente gerado;

iv. Existe um A-submódulo finitamente gerado M de B tal que βM ⊆M.

Demonstração.

(i)⇒ (ii) Se β é inteiro sobre A, β é raiz de um polinômio monico g ∈ A[x]. Para todof ∈ A[x], pelo algoritmo da divisão f = qg+ r com q,r ∈ A[x] temos que ou r = 0 ou graur <

graug. Daí segue que f (β) = r(β), concluímos que f (β) pertence ao A-submódulo gerado por{1,β, . . . ,β(graug)−1}, portanto segue (ii).

(ii)⇒ (iii) Consequência direta da hipótese.(iii)⇒ (iv) Basta tomar M = A[β].(iv)⇒ (i) Seja M = A[δ1, . . . ,δn] ⊆ B tal que βM ⊆ M. Temos que ∀i = 1, . . .n,∃ai j ∈ A

com j = 1, . . . ,n tais que:

βδi =n

∑j=1

ai jδ j.

Por definição, β é um autovalor para um autovetor (δ1, . . . ,δ j) de T : Bn → Bn definido pelamatriz quadrada (ai j). O polinômio característico f (x) = char(xI− (ai j)) de T é mônico e temβ como raiz, assim segue (i).

Definição 2.2.5. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos com unidade. Dizemos que B éuma extensão inteira de A se todo elemento de B é inteiro sobre A.

Lema 2.2.6. Suponha que B/A é uma extensão de anéis comutativos tal que B é um A-módulo

finitamente gerado, e seja M um B-submódulo finitamente gerado. Então M é um A-módulo

finitamente gerado.

Demonstração. Em [9], Proposição 2.16, p.28.

Proposição 2.2.7. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos com unidade e suponha que

B = A[β1,β2, . . .βk]

onde βi ∈ B com 1 ≤ i ≤ k. Isto significa que os elementos de B são dados por expressões

polinomiais em β1,β2, . . .βk com coeficientes em A. Então os seguintes itens são equivalentes.

i. O anel B é inteiro sobre A;

ii. Cada βi com 1≤ i≤ k é inteiro sobre A;

iii. O anel B é um A-módulo finitamente gerado.

Demonstração. (i)⇒ (ii) é trivial.(ii)⇒ (iii) Fazemos indução em k.Para k = 1, o resultado segue da proposição 2.2.4. Supondo que o resultado vale para k≥ 1,

temos que Bk := A[β1, . . . ,βk] é A-módulo finitamente gerado. Seja Bk+1 := A[β1, . . . ,βk+1] com

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cada βi inteiro sobre A. Então βk+1 é inteiro sobre Bk. Segue da proposição 2.2.4 que Bk+1 éum Bk-módulo finitamente gerado. Pelo Lema 2.2.6, Bk+1 é um A-módulo finitamente gerado.

(iii)⇒ (i) Para todo β ∈ B, βB⊂ B. Pela proposição 2.2.4, β é inteiro sobre A.

Proposição 2.2.8. (Transitividade de Extensões Inteiras) Suponha que C/B e B/A são extensões

inteiras de anéis comutativos com unidade. Então C/A é uma extensão inteira.

Demonstração. Dado δ ∈ C, existe f (x) = xn + bn−1Xn−1 + · · ·+ b0 ∈ B[x] tal que f (δ) = 0.Seja B′= A[b0, . . . ,bn−1]⊂ B. Como cada bi é inteiro sobre A, pela Proposição 2.2.7, B′ é um A-módulo finitamente gerado. Como δ é inteiro sobre B′, pela Proposição 2.2.4, B′[δ] é B′-módulofinitamente gerado. Pelo Lema 2.2.6, B′[δ] é um A-módulo finitamente gerado. Pela Proposição2.2.7, B′[δ] é inteiro sobre A, portanto δ é inteiro sobre A.

Definição 2.2.9. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos com unidade. Então o fecho

inteiro de A em B é o conjunto de elementos de B que são inteiros sobre A.

Proposição 2.2.10. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos com unidade. Então o fecho

inteiro de A em B é um subanel de B.

Demonstração. Sejam x,y ∈ B inteiros sobre A. Pela Proposição 2.2.7, A[x,y] é inteiro sobreA. Como x± y,x · y ∈ A[x,y] segue que esses elementos são inteiros sobre A. Portanto, o fechointeiro de A é um subanel de B.

Definição 2.2.11. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos com unidade. Dizemos que A

é integralmente fechado em B se A é seu próprio fecho inteiro em B.Dizemos que um domínio de integridade A é integralmente fechado se ele é integralmente

fechado em seu corpo de frações.

Observação 2.2.12. Todo corpo é integralmente fechado. De fato, o corpo de frações de K é opróprio K e α ∈ K⇒ α é raiz de x−α ∈ K[x]. Logo todo elemento de K é inteiro sobre K.

Proposição 2.2.13. Sejam A um domínio integralmente fechado, K seu corpo quociente e seja

L/K uma extensão de corpos. Se β∈ L é inteiro sobre A com polinômio minimal f ∈K[x], então

f ∈ A[x].

Demonstração. Em [7], Proposição 1.2.18, p.16.

Proposição 2.2.14. Sejam A um domínio de fatoração única, K o corpo quociente de A e L/K

uma extensão de corpos. Suponha que β ∈ L é algébrico sobre K com polinômio minimal

f ∈ K[x]. Se β é inteiro sobre A, então f ∈ A[x].

Demonstração. [7], Proposição 1.2.19, p.17.

Corolário 2.2.15. Todo domínio de fatoração única é integralmente fechado.

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Demonstração. Seja A um domínio de fatoração única e K seu corpo de frações. Seja a ∈ K

inteiro sobre A. Evidentemento a é algébrico sobre K com polinômio minimal f (x) = x− a.Pela Proposição 2.2.14, f (x) ∈ A[x], logo a ∈ A. Portanto, A é integralmente fechado.

Proposição 2.2.16. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos com unidade, e suponha que B

é um domínio integralmente fechado. Então o fecho inteiro de A em B é integralmente fechado.

Demonstração. Denote por A o fecho inteiro de A em B e seja K o seu corpo de frações. Dadoα ∈ K inteiro sobre A, temos que mostrar que α ∈ A. Pela Proposição 2.2.7, A[α] é inteiro sobreA. Como A é inteiro sobre A, pela Proposição 2.2.8, A[α] é inteiro sobre A. Segue que α éinteiro sobre A e portanto, α ∈ A.

Definição 2.2.17. O anel dos inteiros OK de um corpo numérico K é o fecho inteiro de Z em K.

Definição 2.2.18. Seja B/A uma extensão inteira de domínio tal que A é integralmente fechado,e suponha que B é livre de posto n como um A-módulo. Seja {β1, . . . ,βn} uma base ordenada deB como um A-módulo livre. O discriminante B sobre A relativo à base {β1, . . . ,βn} é o elementoD(β1, . . . ,βn) ∈ A.

Lema 2.2.19. Sejam K um corpo numérico e OK o seu anel dos inteiros. Então OK é um Z-

módulo livre de posto [K : Q] e o discriminante de OK sobre Z é independente da escolha da

base ordenada de OK como um Z-módulo.

Demonstração. [7], Lema 1.4.25. p.27.

Definição 2.2.20. Se K é um corpo numérico, então o discriminante de K disc(K), é o discri-minante de OK sobre Z relativo a qualquer uma das bases de OK como um Z-modulo livre.

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Capítulo 3

Domínios de Dedekind

3.1 Ideais fracionários

Definição 3.1.1. Um ideal fracionário de um domínio A é um A-submódulo a diferente de zerodo corpo quociente de A para o qual existe um d ∈ A, d 6= 0 tal que da⊆ A.

Observação 3.1.2. Todo ideal diferente de zero em um domínio A é um ideal fracionário, sendoreferido algumas vezes como ideal inteiro. Note que todo ideal fracionário de A que está contidoem A é um ideal inteiro.

Exemplo 3.1.3. Os ideais fracionários de Z são exatamente os Z-submódulos de Q gerados porum número racional diferente de zero. De fato, seja a ideal fracionário de Z. Então ∃d ∈ Z talque da ⊆ Z. Como a é um Z-módulo e d ∈ Z, temos que da é um ideal de Z. Como Z é umdomínio de ideais principais, ∃a ∈ Z tal que da= 〈a〉, portanto a= 〈 a

d 〉.

Lema 3.1.4. Seja A um Domínio Noetheriano. Um A-submódulo diferente de zero do corpo de

frações de A é um ideal fracionário se, e somente se, ele é finitamente gerado.

Demonstração. (⇒) Se a é um ideal fracionário de A, então ∃d ∈ A tal que da ⊆ A. Note queda é um ideal de A. Sendo A um domínio Noetheriano da= 〈b1, . . . ,bn〉. Então a= 〈b1

d , . . . ,bnd 〉

e portantoé finitamente gerado.(⇐) Seja a um A-módulo finitamente gerado contido no corpo de frações de A. Então

a= 〈a1b1, . . . , an

bn〉. Tomando d = b1, . . . ,bn, teremos da⊆ A.

Definição 3.1.5. Seja A um domínio com corpo de frações K, e sejam a e b ideais fracionáriosde A. Definimos:

1. O inverso de a é a−1 = {b ∈ K|ba ⊆ A}. Note que pela definição de ideal fracionário,a−1 6= {0}.

2. O produto de a e b é o A-submódulo de K gerado pelo conjunto {ab|a ∈ a e b ∈ b}.

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3. Dado n ∈ Z, definimos a potência an da seguinte forma:

• Se n = 0 ou n = 1, definimos a0 := A e a1 := a.

• Se n > 1, definimos an por indução, pondo an = an−1 ·a.

• Se n < 0 definimos an = (an)−1.

Observação 3.1.6. O inverso como definido em 3.1.5 é um A-submódulo de K.Para isso, basta mostrar que a−1 é um grupo aditivo de K fechado para “ · ”.Dados b1,b2 ∈ a−1 e a ∈ a, temos que b1a, b2a ∈ a, logo, (b1−b2)a = b1a−b2a ∈ a pois

a é um A-módulo. Se c ∈ A então (c ·b1) ·a = c · (b1a) ∈ a pois b1a ∈ a é um A-módulo. Segueque a−1 é um A-submódulo de K.

Observação 3.1.7. Pela definição, a multiplicação de ideais fracionários em um domínio é umaoperação associativa e comutativa.

Lema 3.1.8. Seja A um domínio com corpo de frações K e sejam a e b ideais fracionários de

A. Então a+b,ab,a∩b e a−1 são ideais fracionários de A.

Demonstração. Sejam d,d′ ∈ A tais que da ⊂ A e d′b ⊂ A. Evidentemente dd′(a+ b) ⊂ A.Temos dd′(a+b) = d′(da)+d(d′b)⊂ A, pois por hipótese, da⊂ A e d′b⊂ A e d,d′ ∈ A. Porfim d ·d′(ab) = (da)(d′b)⊂ A.

Por fim, vamos provar que a−1 é um ideal fracionário. Seja a ∈ a, a 6= 0. Existem e, f ∈ A

com f 6= 0 tais que a = ef . Como a é um A-submódulo de K e a ∈ a, segue que e = f · a ∈ a.

Dado qualquer b ∈ a−1, pela definição de a−1, temos que b ·e ∈ A. Portanto, e ·a−1 ⊂ A. Comoa−1 é um A-submódulo não nulo de K, segue que a−1 é um ideal fracionário.

Definição 3.1.9. Dizemos que um ideal fracionário a de um domínio A é invertível se existe umideal fracionário b de A tal que ab= A.

Lema 3.1.10. Um ideal fracionário a de um domínio A é invertível se e somente se aa−1 = A.

Demonstração. Seja a um ideal fracionário de um domínio A. Pelo Lema 3.1.8, a−1 é um idealfracionário de A. Portanto, se a ·a−1 = A então A é invertível. Reciprocamente, suponha que a

seja invertível. Então existe ideal fracionário b tal que a ·b = A. Pela definição de a−1, temosque b⊂ a−1. Como A é comutativo:

A = a ·b= b ·a⊂ aa−1 ⊂ A.

Portanto, a ·a−1 = A como queríamos.

Exemplo 3.1.11. Considere o ideal maximal 〈x,y〉 de Q[x,y]. Se f ∈ Q(x,y), f 6= 0, é talque f x ∈ Q[x,y](resp., f y ∈ Q[x,y]) então seu denominador é um divisor de x (resp.,y). Assimsendo〈x,y〉−1 =Q[x,y], e teremos

〈x,y〉〈x,y〉−1 = 〈x,y〉 6=Q[x,y].

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Portanto 〈x,y〉 é um ideal fracionário não invertível.

Definição 3.1.12. Um ideal fracionário de A é dito principal se ele é um A-submódulo 〈a〉gerado por um elemento a diferente de zero do corpo quociente de A.

Lema 3.1.13. Seja A um domínio, e seja a um elemento diferente de zero de seu corpo quociente.

Então 〈a〉 é invertível, e 〈a〉−1 = 〈a−1〉.

Demonstração. Primeiramente, mostraremos que 〈a〉−1 = 〈a−1〉. Se x ∈ 〈a〉−1 então xa = b,b ∈ A, logo x = ba−1 ∈ 〈a−1〉. Portanto 〈a〉−1 ⊂ 〈a−1〉. Reciprocamente, se x ∈ 〈a−1〉 então∃b ∈ A tal que x = ba−1. Um elemento de 〈a〉 é da forma c ·a, c ∈ A. Temos:

x · c ·a = ba−1ca = bca−1a = bc ∈ A.

Portanto x ∈ 〈a〉−1 e daí, 〈a〉−1 ⊃ 〈a−1〉. Segue que 〈a〉−1 = 〈a−1〉 e:

〈a〉 · 〈a−1〉= 〈a ·a−1〉= 〈1〉= A.

Portanto, 〈a〉 é invertível.

3.2 Definição e Exemplos de Domínios de Dedekind

Definição 3.2.1. Um domínio de Dedekind é um Domínio Noetheriano e integralmente fechadotal que todo ideal primo diferente de zero é maximal.

Lema 3.2.2. Todo Domínio de Ideais Principais (DIP) é um domínio de Dedekind. Assim se D

é um DIP, valem:

i. D é Noetheriano;

ii. D é integralmente fechado;

iii. Todo ideal primo não nulo de D é maximal.

Demonstração. Seja D um domínio de ideais principais (DIP).i. Dado a um ideal de D, temos a= 〈a〉 para algum a ∈ a. Logo D é Noetheriano.ii. Iremos usar o corolário 2.2.15 que diz que todo DFU é integralmente fechado. Portanto

basta mostrar que todo Domínio de Ideais Principais (DIP) é Domínio de Fatoração Única(DFU).

(a) Existência da fatoração por elementos irredutíveis:Seja a 6= 0 e não irredutível, suponha por absurdo que a não possua divisor irredutível,

então a = a1b1 onde a1,b1 são não nulos e não invertíveis, assim 〈a〉 ( 〈a1〉. Uma vez que

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a não possui divisor irredutível, temos a1 = a2b2 onde a2,b2 são não nulos e não invertíveis,assim 〈a1〉( 〈a2〉, repetindo o processo teremos a cadeia estritamente crescente:

〈a〉( 〈a1〉( 〈a2〉( 〈a3〉 . . .

Absurdo, pois D é Noetheriano.Agora suponha por absurdo que a não possa ser fatorado por primos irredutíveis. Pelo

argumento anterior, a = q1b1, com q1 irredutível e b1 6= 0 não invertível, utilizando novamenteo argumento anterior, em b1 = q2b2, com q2 irredutível e b2 6= 0 não invertível, repetindo oprocesso teremos a cadeia:

〈a〉( 〈b1〉( 〈b2〉( 〈b3〉 . . .

Absurdo, pois D é Noetheriano.(b) Unicidade da fatoração (a menos de ordem e de elementos associados):Primeiro temos que provar que se p ∈ D é irredutível e p | ab, com a,b ∈ D então p | a ou

p | b.Se p | a então nada a se provar. Suponha que p - a. Como D é DIP ∃d ∈ D tal que 〈a, p〉=

〈d〉. Daí obtemos que p = dm e a = dn, com m,n ∈ D. Afirmamos que d é invertível. De fato,se não fosse, teríamos que p e d seriam associados, isto é, d = up com u ∈ D invertível. Daía = dn = upn, ou seja, p | a, contradição.

Sendo d invertível, 〈a, p〉 = D. Existem k, l ∈ D tais que 1 = ka+ l p. Multiplicando aigualdade por b, obtemos b = kab+ l pb.

Como p | ab, segue que p divide cada parcela do 2o membro da igualdade, logo p | b.Suponha que um elemento a ∈ D tenha duas fatorações:

a = p1 . . . pr = q1 . . .qs,

onde cada pi e qi são irredutíveis. Aplicaremos indução em r:Se r = 1, teremos a = p1 irredutível, assim s = 1 e p1 = q1.Suponha que todo elemento que pode ser expresso como um produto de r− 1 elementos

irredutíveis é escrito de modo único (a menos de associados e ordem).Como pr|a e a = q1 . . .qs então pr|q1 . . .qs, assim pr|qi para algum i. Suponha sem perda

de generalidade que pr|qs, uma vez que qs é irredutível, temos qs = upr onde u é uma unidade,temos então:

a = p1 . . . pr−1 pr = q1 . . .qs−1qs

a = p1 . . . pr−1 pr = q1 . . .qs−1upr.

Por cancelamentoa = p1 . . . pr−1 = q1 . . .qs−1u

Pela hipótese de indução as fatorações são idênticas a menos de ordenação e de elementos

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associados. Logo, por (a) e por (b) temos que D é DFU.Pelo Corolário 2.2.15. Todo DFU é integralmente fechado.iii. Seja I um ideal primo de D. Como D é DIP, I = 〈a〉 para algum a ∈ D não invertível e

não nulo. Escreva a como um produto de irredutíveis a = p1 . . . pk. Observe primeiramente quetodo ideal principal gerado por um elemento irredutível é maximal.

Como 〈a〉 é primo, p1 ou p2 . . . pk ∈ 〈a〉.Se p1 ∈ 〈a〉 então p1 = aq e como p1 é irredutível então q é uma unidade. Assim 〈a〉= 〈p1〉

que é maximal pois p1 é irredutível.Se p2 . . . pk ∈ 〈a〉 então como 〈a〉 é primo, p2 ou p3 . . . pk ∈ 〈a〉Se p2 ∈ 〈a〉 então 〈a〉= 〈p2〉 que por sua vez é maximal, pelo mesmo argumento usado para

p1. Por indução teremos todos os casos possíveis, assim I = 〈a〉= 〈pi〉 para algum i = 1, . . . ,k.Logo I é maximal.

Exemplos 3.2.3. .

i. O anel Z é um domínio de Dedekind pelo lema anterior, pois Z é DIP. De fato, se I ⊂ Z éum ideal não nulo, se n é o menor número positivo pertencente a I, segue do Algoritmo dadivisão que I = 〈n〉.

ii. Se K é um corpo, então K[x] é um domínio de Dedekind, pois K[x] é DIP pelo Teorema5.2.7 em [10].

Lema 3.2.4. Sejam A um domínio de integridade e B uma A-álgebra finitamente gerada e inteira

sobre A. Se b é um ideal primo diferente zero de B, então b∩A é um ideal diferente de zero de

A.

Demonstração. Sejam b um ideal primo de B e β ∈ b com β 6= 0. Como B é inteiro sobre A,existe g ∈ A[x] mônico tal que g(β) = 0. Seja:

g(x) = a0 +a1x+ · · ·+an−1xn−1 + xn

ai ∈A para todo i= 1, . . . ,n. Seja k =mín{i= 0, . . . ,n−1 | ai 6= 0}. Escrevemos g= xk f . Então:

f (x) = ak +ak+1x+ak+2x2 + · · ·+an−1xn−1−k + xn−k

Com isso temos f ∈ A[x], f (0) = ak 6= 0 e f (β) = 0, pois A[x] é domínio, uma vez que A édomínio. Como β ∈ b e f (0) = ak

−ak =− f (0) = f (β)− f (0) = ak+1β+ak+2β2 + · · ·+an−1β

n−1−k +βn−k ∈ b

Logo b∩A contém um elemento não nulo.

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Proposição 3.2.5. Seja A um domínio de integridade tal que todo ideal primo não nulo é maxi-

mal, e seja B uma A-álgebra finitamente gerada e inteira sobre A. Então todo ideal primo não

nulo em B é maximal.

Demonstração. Dizer que B é uma A-álgebra finitamente gerada, significa que B é um domínioe que existem β1, . . . ,βk ∈ B tais que B = A[β1, . . . ,βk]. Se b é um ideal primo em B, pelo Lema3.2.4 p= b∩A é um ideal não nulo em A. Como b é primo, p= b∩A é ideal primo de A. Pelahipótese, p é maximal. Com isso F = A/p é um corpo.

O núcleo do homomorfismo h : A→ B/b, h(a) = a é p = b∩A. O teorema dos homo-morfismos nos permite identificar F = A/p como um subcorpo de B/b. Via essa identificaçãoconsideramos F ⊂ B/b.

Como B é inteiro sobre A, para cada i, tome fi ∈ A[x] o polinômio mônico tal que βi é umaraiz de fi. Seja fi ∈ F [x] a imagem de fi sob a aplicação canônica A[x]→ F [x] e seja βi aimagem de βi em B/b. Então fi(βi) é a imagem de fi(βi) = 0 em B/b que também é 0. Emoutras palavras βi é algébrico sobre F ∀i = 1, . . . ,n. Segue que a F-álgebra F [β1, . . . ,βn] é umcorpo (vide propriedade informada no final da definição 1.3.14). Daí:

Bb=

A[β1, . . . ,βn]

b=

AA∩b

[β1, . . . ,βn] =Ap[β1, . . . ,βn] = F [β1, . . . ,βn].

Logo B/b é um corpo e portanto, b é maximal.

Proposição 3.2.6. Seja A um domínio de Dedekind, e seja B o fecho inteiro de A em uma

extensão finita e separável do corpo de frações de A. Então B é um domínio de Dedekind.

Demonstração. Pelo Corolário 1.4.22 em [7] temos que B é um A-módulo finitamente gerado.Se b é um ideal de B, então b é um A-submódulo de B. Como A é Noetheriano, b é finitamentegerado pela Proposição 2.1.3. Assim B é Noetheriano. Pela Proposição 2.2.16, B é integral-mente fechado. Por fim, pela Proposição 3.2.5 todo ideal diferente de zero de A é maximal.

Corolário 3.2.7. O anel dos inteiros de qualquer corpo numérico é um domínio de Dedekind.

Demonstração. Imediata da Proposição 3.2.6, fazendo A = Z.

3.3 Fatoração e Divisibilidade de Ideais

Lema 3.3.1. Seja A um domínio Noetheriano, e seja a um ideal de A diferente de zero.

(a) Existem k ≥ 1 e ideais primos p1, . . . ,pk de A tais que o produto p1 · · ·pk ⊆ a.

(b) Suponha que todo ideal primo diferente de zero de A é maximal. Se p1, . . . ,pk são como no

item (a) e p é um ideal primo de A contendo a, então p= pi para algum i positivo, i≤ k.

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Demonstração. (a) Suponha por absurdo que a afirmação é falsa. Considere o conjunto S deideais diferentes de zero de A que não contenham produtos de um número finito de ideais primosde A. Temos que a ∈ S , logo S 6= /0. Como A é Noetheriano, S tem um elemento maximal b.Como b ∈ S , b não é primo. Sejam a,b ∈ A− b com ab ∈ b. Então b+ 〈a〉 e b+ 〈b〉 contémpropriamente o ideal b. Assim, pela maximalidade de b, existem ideais primos p1, . . . ,pk eq1, . . . ,ql de A para algum k, l ≥ 0 tal que p1 . . .pk ⊆ b+ 〈a〉 e qq . . .ql ⊆ b+ 〈b〉. Assim, temos

p1 . . .pkq1 . . .ql ⊆ (b+ 〈a〉)(b+ 〈b〉)⊆ b,

o que contradiz o fato de b ∈ S .b. Suponha que a é próprio, e seja p um ideal primo contendo a. Por hipótese todo ideal

primo diferente de zero de A é maximal. Suponha por contradição que pi 6= p para todo i =

1, . . .k. Sendo pi maximal, segue que pi * p, logo existe bi ∈ pi−p para cada 1≤ i≤ k. Teremosb1 . . .bk /∈ p pois p é primo, assim b1 . . .bk /∈ a, o que contradiz o fato de p1, . . . ,pk ⊂ a. Logopi = p para algum i = 1, . . . ,k.

Lema 3.3.2. Sejam A um domínio de Dedekind e p um ideal primo diferente de zero de A.

Então pp−1 = A. Em outras palavras, todo ideal primo não nulo em um domínio de Dedekind

é invertível.

Demonstração. Lembramos que p−1 = {b ∈ K | b ·p ⊂ A}, onde K é o corpo de frações de A.Como p ⊂ A, 1 ∈ p−1 e portanto, p ⊂ p · p−1 ⊂ A. Como A é domínio de Dedekind, p é idealmaximal de A. Segue que p ·p−1 = p ou p ·p−1 = A. Suponha por absurdo que p ·p−1 = p.

Seja a ∈ p diferente de zero. Pelo Lema 3.3.1a, tomaremos k ≥ 1 o menor inteiro tal queexistem ideais primos p1, . . . ,pk de A com p1 . . .pk ⊆ 〈a〉. Pelo Lema 3.3.1b, podemos suporsem perda de generalidade que pk = p. Pela minimalidade de k, p1 . . .pk−1 6⊂ 〈a〉.

Seja b∈ p1 . . .pk−1 sendo tal que b /∈ 〈a〉. Afirmamos que a−1b /∈ A. De fato, caso contrário,teríamos b = a(a−1b) ∈ 〈a〉, pois 〈a〉 é ideal de A. Assim:

a−1bp= a−1bpk ⊆ a−1p1 . . .pk ⊆ a−1〈a〉 ⊆ A,

o que implica que a−1b ∈ p−1. Combinando esta informação com a igualdade p−1p= p, segueque a−1bp ⊆ p. Uma vez que p é finitamente gerado (pois A é Noetheriano), pela Proposição2.2.4 temos que a−1b é inteiro sobre A. Mas A é integralmente fechado e a−1b /∈ A, o que é umacontradição. Portanto, p−1p= A.

Lema 3.3.3. Sejam A um domínio de Dedekid e p,q⊂A ideais primos. Então (pq)−1 = p−1q−1.

Demonstração. Da definição de inverso de ideal fracionário, temos que (pq)(pq)−1 ⊂ A. PeloLema 3.3.2, p−1p= A e q−1q= A. Daí:

(pq)(pq)−1 ⊂ A⇒ p−1(pq)(pq)−1 ⊂ p−1A⇒ q(pq)−1 ⊂ p−1,

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onde p−1A = p−1 pois p−1 é um A-módulo. Multiplicando a inclusão agora por q−1 e usando acomutatividade do produto, obtemos que (pq)−1 ⊂ p−1q−1.

Recíprocamente, seja ∑mi=1 ai · bi, onde m ∈ N, ai ∈ p−1 e bi ∈ q−1 ∀i = 1, . . . ,m. Um ele-

mento arbitrário de pq é da forma ∑nj=1 c j ·d j, com c j ∈ p e d j ∈ q, ∀ j = 1, . . . ,n. Daí:(

m

∑i=1

aibi

)(n

∑j=1

c jd j

)=

m

∑i=1

(n

∑j=1

(aic j)(bid j)

)∈ A,

pois aic j ∈ A e bid j ∈ A. Logo, (pq)−1 ⊃ p−1q−1.

Teorema 3.3.4. Sejam A um domínio de Dedekind e a um ideal fracionário de A. Então existem

k ≥ 0, ideais primos distintos diferentes de zero p1, . . . ,pk, únicos a menos de ordenação, e

ri ∈ Z únicos e diferentes de zero, ∀i = 1, . . . ,k, tal que a= pr11 · · ·p

rkk . Além disso, a é um ideal

de A se e somente se cada ri é positivo.

Demonstração. Existência da fatoração1o caso: Suponha que a é um ideal próprio diferente de zero de A. Pelo Lema 3.3.1a existem

m > 0 e ideais primos diferentes de zero p1, . . . ,pm de A (não necessariamente distintos) taisque p1 . . .pm ⊆ a.

Se m = 1, então p1 ⊆ a. Como a é próprio e p1 é maximal, pois é primo e A é domínio deDedekind, temos que a= p1.

Suponha por indução que p1 . . .pm−1 = b para todo ideal b de A tal que p1 . . .pm−1 ⊆ b.Para p1 . . .pm ⊆ a, Pela Observação 2.1.2 existe um ideal maximal p que contém a, pois a

é ideal próprio. Pelo Corolário 1.2.13, p é primo. Pelo Lema 3.3.1b, p = pi para algum i ≤ m.Sem perda de generalidade tomamos i = m. Então

p1 . . .pm−1 ⊆ p1 . . .pm−1pp−1 ⊆ p1 . . .pmp

−1 ⊆ ap−1 ⊆ A,

onde a última inclusão segue do fato de a⊂ p. Logo ap−1 é ideal de A.Pela hipótese da indução, existem ideais primos p′1 . . .p

′m−1 de A tais que ap−1 = p′1 . . .p

′m−1.

Fazendo p′m = p, a fatoração de a em ideais primos desejada é obtida multiplicando ambos oslados por p e usando o Lema 3.3.2:

ap−1p= p′1 . . .p′m−1p⇒ a= p′1 . . .p

′m.

2o caso (Geral): Seja a um ideal fracionário de A. Existe d ∈ A tal que da⊆ A. Pelo 1o caso,da = p1 . . .pm para algum m ≥ 1 e p1, . . . ,pm ideais primos. Então escrevemos 〈d〉 = l1 . . . ln

para algum n≥ 1 e l1, . . . , ln ideais primos de. Pelo Lema 3.3.2 e pelo Lema 3.3.3:

a= 〈d〉−1da= l−11 . . . l−1

n p1 . . .pm.

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Se pi = l j para algum i e j, então basta usar em Lema 3.3.2 para removê-los do produto.Assim teremos a fatoração desejada.Unicidade da Fatoração:

Agora suponha que existam duas fatorações para o ideal fracionário a:

pr11 . . .prk

k = qs11 . . .qsl

l ,

para certos k, l ≥ 0, para p1, . . . ,pk,q1, . . . ,pl ideais primos distintos, r1, . . .rk,s1, . . . ,sl inteirosdiferentes de zero. Se ri < 0(resp. si < 0) para algum i, multiplicamos ambos os lados porp−ri

i (resp. q−sii ) e obtemos uma igualdade de dois produtos que envolvem apenas ideais com

potências positivas.Assim assumimos sem perda de generalidade que todo ri e si é positivo. Podemos supor

que t = ∑ki=1 ri é mínimo dentre todas as fatorações de a. Faremos indução em t. Se t = 0,

então k = 0 e portanto, a= A. Então l deve ser zero, pois do contrário, algum s j seria positivoe daí qs1

1 . . .qsll seria próprio, uma contradição. Suponha que a fatoração seja única a menos de

ordenação para t−1.Se t > 0, então pr1

1 · · ·prkk é não próprio e como pk é ideal, a ⊂ pk. Pelo Lema 3.3.1b temos

pk = qi para algum 1 ≤ i ≤ l. Multiplicando os dois lados por p−1k a quantidade t decresce por

1. Pela hipótese da indução, temos que os termos restantes são iguais a menos de ordenação,assim temos o resultado.

Definição 3.3.5. Dizemos que um ideal b de um anel comutativo com unidade A divide umideal a de A se existe um ideal c de A tal que a= bc. Escrevemos b | a para denotar que b dividea.

Definição 3.3.6. Dados um ideal a de um anel comutativo com unidade A e um elemento x emA, dizemos que a divide x quando a divide o ideal principal 〈x〉.

Corolário 3.3.7. Sejam a e b ideais diferentes de zero em um domínio de Dedekind A.

(i) Os ideais a e b não são divisíveis por um mesmo ideal primo se, e somente se, a+b= A.

(ii) Suponha que a⊆ b. Então b | a.

Demonstração. (i)(⇐) Se p | a e p | b para algum ideal primo p, então

a+b= pc+pd= p(c+d)⊆ p,

Assim a+b 6= A e como p é primo, p 6= A.(⇒) Suponha que não exista um ideal primo que divida a e b simultaneamente. Se a e b

estivessem contidos em um mesmo ideal maximal p, este ideal seria um dos ideais primos dosfatorares de a e b, logo p dividiria ambos, contradizendo a hipótese . Assim a+ b não podeestar contido em nenhum ideal maximal, logo a+b= A.

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(ii) Pelo Teorema 3.3.4, escrevemos a= p1 . . .pk e b= q1 . . .ql para ideais primos não nulospi e qi de A. Suponha sem perda de generalidade que pi = qi para todo 1 ≤ i ≤ t para algumt ≤ min(k, l) e que pi (resp. qi) não ocorra na fatoração de b (resp. a) para i > t. Então:

q1 . . .ql = ba⊂b= a+b= p1 . . .pt . . .pk +q1 . . .qt . . .ql = q1 . . .qt . . .pk +q1 . . .qt . . .ql =

= q1 . . .qt(pt+1 . . .pk +qt+1 . . .ql) = q1 . . .qtA = q1 . . .qt ,

onde a penúltima igualdade segue do item (i) e do fato de pt+1, . . . ,pk,qt+1, . . .ql serem distintosdois a dois. Assim t = l, logo b | a.

Definição 3.3.8. Seja A um domínio de Dedekind, e sejam a e b ideais de A. O máximo divisor

comum de a e b é a+b.

Observação 3.3.9. Pelo Corolário 3.3.7, a+b contém e divide ambos a e b e é o menor idealque faz isso.(Na definição 3.3.8, o uso da palavra "máximo"ao invés de "mínimo"é usada parafazer uma analogia à noção de MDC dos números inteiros).

3.4 O Grupo das Classes de um Domínio de Dedekind

Definição 3.4.1. Seja A um domínio de Dedekind. O conjunto I(A) de ideais fracionários de A

é chamado de grupo ideal de A.

Temos o seguinte resultado direto do Teorema 3.3.4:

Corolário 3.4.2. O grupo ideal I(A) de um domínio de Dedekind A é um grupo abeliano para

a operação multiplicação de ideais fracionários. O elemento neutro é o anel A e o inverso de

a ∈ I(A) é a−1. Em particular, em um domínio de Dedekind, todo ideal fracionário é invertível.

Definição 3.4.3. Seja A um domínio de Dedekind. Vamos denotar por P(A) o conjunto de seusideais fracionários principais. Vamos nos referir a ele como grupo de ideais principais de A.

O corolário a seguir é imediato do Teorema 3.3.4 e do Lema 3.1.13:

Corolário 3.4.4. Seja A um domínio de Dedekind. O grupo P(A) é um subgrupo de I(A).

Definição 3.4.5. O grupo das classes Cl(A), de um domínio de Dedekind A é dado por I(A)/P(A),ou seja, o quociente do grupo ideal de A pelo grupo de ideais principais de A.

Como I(A) é abeliano, P(A) é subgrupo normal de I(A), logo o quociente é de fato umgrupo.

Lema 3.4.6. Um domínio de Dedekind A é um DIP se e somente se Cl(A) = A.

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Demonstração. Todo ideal de I(A), pelo Teorema 3.3.4 é da forma ab−1, onde a e b são ideaisnão nulos de A. Se A é um DIP, então a e b são principais, isto é, a = 〈a〉 e b = 〈b〉 para a ∈ a

e b ∈ b. Assim ab−1 = 〈a〉〈b−1〉 = 〈ab−1〉 também é principal, logo I(A) = P(A) e portantoCl(A) = {A} é trivial.

Por outro lado, se Cl(A) é trivial, temos I(A)/P(A) = {A} então I(A) = P(A). Assim se a éum ideal de A, em particular a ∈ I(A), assim a= 〈a〉 para algum a ∈ a⊂ A, logo a é principal.Portanto A é um DIP.

Observação 3.4.7. Pode-se provar que se K =Q(√−5), então ClK é não trivial com |ClK |= 2

(vide [7], Exemplo 4.3.10). Isto reflete o fato de que o grupo das classes de um corpo numéricoé sempre finito. A demonstração deste fato envolve conceitos avançados de Teoria dos númerosAlgébricos e foge ao escopo desse trabalho. Vide [7], Teorema 4.3.8, para uma prova dessefato.

Notação 3.4.8. Seja K um corpo numérico. Vamos denotar IK , PK , e ClK o grupo ideal, grupode ideais principais, e a grupo das classes de OK respectivamente. Também nos referimos aestes como o grupo ideal de K, o grupo de ideais principais de K, e o grupo das classes de K,respectivamente.

Teorema 3.4.9. Um domínio de Dedekind é um Domínio de Fatoração Única se, e somente se,

é um Domínio de Ideais Principais.

Demonstração. Segue da prova do Lema 3.2.2 que todo DIP é um DFU. Precisamos mostrarapenas que um domínio de Dedekind que é um domínio de fatoração única é um domínio deideais principais. Seja A um domínio de Dedekind. Pelo Teorema 3.3.4, é suficiente mostrarque cada ideal primo não nulo p de A é principal.

Sendo p primo e A um domínio de fatoração única, qualquer elemento não nulo de p édivisível por um elemento irredutível π ∈ p. Temos que 〈π〉 ⊂ p. Dados a,b ∈ A com a ·b ∈ 〈π〉então a ·b = π · c, c ∈ A. Como A é DFU o fator irredutível π apararece na fatoração de a ou deb, isto é, a ∈ 〈π〉 ou b ∈ 〈π〉. Segue que 〈π〉 é ideal primo. Como A é domínio de Dedekind, 〈π〉e p são maximais, portanto, p= 〈π〉.

O fecho inteiro B de um domínio de Dedekind A em uma extensão finita e seperável L

de seu corpo de frações K também é um domínio de Dedekind (Corolário 3.2.6). Se p é umideal primo não nulo de A, então podemos considerar o ideal pB de B. Este ideal pode não serprimo, mas ele admite uma fatoração

pB = be11 . . .b

egg (3.4.1)

para ideais primos distintos bi de B e inteiros positivos ei, para i = 1, . . . ,g para algum g ≥ 1.Assim faremos as seguintes definições:

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Definição 3.4.10. Seja B/A uma extensão de anéis comutativos. Dizemos que um ideal primob de B está sobre (ou acima de) um ideal primo p de A se p = b∩A. Dizemostambém que p

está sob (ou abaixo de) b.

Em (3.4.1), os ideais primos de B sobre p são exatamente os bi para i = 1, . . . ,g.

Definição 3.4.11. Seja A um domínio de Dedekind, e seja B o fecho inteiro de A em umaextensão finita e separável L do corpo de frações K de A. Seja p um ideal primo de A.

Dizemos que p é totalmente ramificado em L/K se pB = bm com b ideal primo e m > 1.

Finalizamos esta seção com o resultado abaixo, que é imediato de [7], Teorema 2.5.11.Omitiremos sua demonstração.

Proposição 3.4.12. Sejam A um domínio de Dedekind e B o fecho inteiro de A numa extensão

L/K finita e separável do corpo de frações K de A. Seja p um ideal não nulo de A. Considere a

fatoração pB = be11 . . .b

egg do ideal pB, onde os bi são ideais primos de B. Então

g

∑i=1

ei ≤ [L : K].

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30

Capítulo 4

O Último Teorema de Fermat para PrimosRegulares

4.1 Corpos Ciclotômicos

Definição 4.1.1. Sejam n um inteiro positivo e K um corpo. Dizemos que α ∈ K é uma raiz

n-ésima da unidade se αn = 1. Quando αn = 1 e αk 6= 1, ∀k = 1, ...,n−1, dizemos que α é umaraiz n-ésima primitiva da unidade.

Exemplos 4.1.2.

1. As raízes n-ésimas da unidade em Q ou R são ±1 se n é par e 1 se n é ímpar.

2. Em C, as raízes n-ésimas da unidade são da forma e2kπi

n = cos(2kπ

n )+ isen(2kπ

n ) para k =

1, ...,n. Elas são as raízes do polinômio xn−1 ∈C[x]. Consequentemente, todas as raízesdesse polinômio são distintas.

Denotaremos ζkn, a raiz n-ésima da unidade e

2kπin ∈ C.

Proposição 4.1.3.

(i) As raízes n-ésimas primitivas da unidade em C são da forma ζkn tal que mdc(n,k) = 1.

(ii) Em C, fixada uma raiz n-ésima primitiva da unidade ζ, qualquer outra raiz n-ésima da

unidade é uma potência como potência de ζ.

Demonstração.

(i) Seja ζkn tal que mdc(n,k) = 1, suponha que ζk

n não seja uma raiz n-ésima primitiva daunidade. Então existe a com 1≤ a≤ n−1 tal que (ζk

n)a = 1, assim:

1 = (ζkn)

a = (e2kπi

n )a = e2kaπi

n ,

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o que implica 2kaπ

n = 2πq para algum q ∈ N. Assim kan ∈ N e consequentemente n | ka.

Como mdc(k,n) = 1 temos que n | a, um absurdo, pois 1 ≤ a < n. Logo ζkn é uma raiz

n-ésima primitiva da unidade.

(ii) Seja ζkn uma raiz n-ésima primitiva da unidade, e seja ζa

n uma raiz n-ésima da unidade.Pelo item (i), mdc(k,n) = 1. Pelo Algoritmo de Euclides Estendido existem x,y ∈ Z taisque xk+ yn = 1. Assim xka+ yna = a, então como ζ

ynan = (ζn

n)ya = 1, temos:

ζan = ζ

xka+ynan = ζ

xkan ·ζyna

n = ζxkan = (ζk

n)xa.

Definição 4.1.4. Seja n um inteiro positivo e K um corpo. Note que se ζ e ζ′ são raízes n-ésimas da unidade em K, ζ · ζ′ e ζ−1 também são raízes n-ésimas da unidade. Vamos denotarpor µn(K) o grupo das raízes n-ésimas da unidade em K, com a operação multiplicação. Emparticular, µn(C) tem n elementos e os geradores desse grupo são precisamente as raízes n-ésimas primitivas da unidade.

Exemplo 4.1.5. Para todo n ∈ N, µ2n(R) = {−1,1} e µ2n−1(R) = {1}.

Definição 4.1.6. Vamos denotar por µn o grupo das raízes n-ésimas da unidade em um fechoalgébrico de K, fixado antecipadamente. Pode se provar que este grupo sempre tem ordem n, secar(K) = 0 ou se car(K) = p primo e p não divide n (vide [5], Proposição 8.1, p.125).

Exemplo 4.1.7. Se K = R, teremos R= C e µ4 = {−1,1, i,−i}.

Notação 4.1.8. Seja K um corpo e L uma extensão de K. Se S é um conjunto de elementos deL, então o corpo K(S) é o menor subcorpo de L contendo a união de K e de todos os elementosde S. Se car(K) não divide n então K(µn) será o corpo gerado sobre K pela adjunção de todasas raízes n-ésimas da unidade em um fecho algébrico de K.

Observação 4.1.9. O corpo Q(µn) é Galoisiano sobre Q, pois Q(µn)⊂C e Q(µn) é o corpo dedecomposição de xn− 1. Todas as raízes n-ésimas da unidade são potências de qualquer raizn-ésima primitiva da unidade ζn. Assim Q(µn) =Q(ζn).

Definição 4.1.10. O corpo Q(ζn) é chamado de n-ésimo corpo ciclotômico.

Definição 4.1.11. O n-ésimo polinômio ciclotômico Φn(x) ∈ C[x] é o polinômio mônico degrau mínimo cujas raízes são precisamente as raízes n-ésimas primitivas da unidade. Assim:

Φn(x) = ∏1≤k<n

mdc(k,n)=1

(x−ζkn).

Proposição 4.1.12. Os itens a seguir se verificam:

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(a) Se r,s ∈ N são distintos então Φr(x) e Φs(x) não tem fatores irredutíveis em comum;

(b) xn−1 = ∏d|n

Φd(x);

(c) Φn(x) é mônico de coeficientes inteiros e tem grau ϕ(n), onde ϕ é a função Phi de Euler1

Demonstração. (a) Sejam r e s naturais distintos. Suponha sem perda de generalidade quer < s. Se houvesse um fator irredutível em comum na fatoração de Φr(x) e Φs(x), teríamos quepelo menos uma raiz r-ésima primitiva da unidade também seria uma raiz s-ésima primitiva daunidade, o que é uma contradição.

(b) Quando d percorre o conjunto de todos os divisores positivos de n, o número n/d per-corre esse conjunto de divisores. Note que ζn/d = ζd

n:

∏d|n

Φd(x) = ∏d|n

∏1≤k≤d

mdc(k,d)=1

(x−ζkd) = ∏

d|n∏

1≤k≤n/dmdc(k,n/d)=1

(x−ζdkn ),

onde a última igualdade é obtida trocando d por n/d. Agora iremos mostrar que para cadat = 1, . . . ,n o fator (x− ζt

n) está neste produtório. Tomando t ∈ {1, . . . ,n} e d = mdc(t,n),escrevemos t = dk e n = d n

d com k, nd ∈ N.

Como d | n, 1 ≤ k ≤ n/d e mdc(k,n/d) = 1, temos que (x− ζtn) = (x− ζdk

n ) é fator doprodutório. Como os Φd(x) são todos mônicos, com raízes distintas e não possuem fatoresirredutíveis em comum entre si, temos:

∏d|n

Φd(x) =n

∏t=1

(x−ζtn) = xn−1.

(c) Faremos a prova por indução sobre n≥ 1 para provar que Φn(x) é mônico de coeficientesinteiros.

Para n = 1, Φ1(x) = x− 1 mônico e de coeficientes inteiros. Suponha que o mesmo valepara todos os naturais menores que n. Então, pela hipótese da indução, o polinômio:

q(x) = ∏d|nd<n

Φd(x)

é mônico de coeficientes inteiros. Como xn− 1 = Φn(x)q(x), pelo algoritmo da divisão parapolinômios que Φn(x) é mônico de coeficientes inteiros. Por fim, note que, pela definição deΦn, seu grau é a quantidade de fatores lineares que aparecem na fatoração de Φn(x), que é aquantidade de inteiros k tais que 1≤ k ≤ n e mdc(k,n) = 1. Este é exatamente o valor ϕ(n).

1ϕ(x) = #{n ∈ N | n≤ x e mdc(n,x) = 1}.

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Exemplos 4.1.13. O item (b) da Proposição 4.1.12 permite que calculemos efetivamente os po-linômios ciclotômicos de forma recursiva. De fato, se p é primo, temos que xp−1 = Φ1(x) ·Φp.Como Φ1(x) = x−1 segue que Φp =

xp−1x−1 = xp−1+xp−2+ ...+x2+x+1. Como consequência,

temos que Φ2 = x+1, Φ3 = x2+x+1 e Φ5 = x4+x3+x2+x+1. Para calcular Φ4(x), observeque x4−1 = Φ1(x) ·Φ2(x) ·Φ4(x). Logo Φ4 =

x4−1(x−1)(x+1) = x2 +1;

A próxima proposição é apresentada em um primeiro curso de Teoria de Galois. Uma provapode ser encontrada em [5], (7.14).

Proposição 4.1.14. Para todo n ∈ N, Φn(x) é irredutível sobre Q. Em particular, Φn(x) é o

polinômio minimal de ζn sobre Q e [Q(ζn) : Q] = grau Φn(x) = ϕ(n).

Lema 4.1.15. Seja n≥ 1 e seja i, j ∈ Z relativamente primos a n. Então:

1−ζin

1−ζjn∈ O×Q(ζn)

.

Demonstração. Seja k ∈ Z com jk≡ 1 mod n. A existência de k vem do fato de mdc( j,n) = 1.Então:

jki≡ i mod n ⇒ jki = nq+ i para q ∈ Z.

Portanto:

1−ζin

1−ζjn=

1−ζinζ

nqn

1−ζjn

=1−ζ

i+nqn

1−ζjn

=1−ζ

i jkn

1−ζjn= 1+ζ

jn + ...+ζ

j(ik−1)n

Como ζn ∈ OQ(ζn), isto é, ζn é um inteiro algébrico, a soma de suas potências também o é .

Assim 1−ζin

1−ζjn∈ OQ(ζn). Pelo mesmo argumento

(1−ζi

n

1−ζjn

)−1

=1−ζ

jn

1−ζin∈ OQ(ζn).

Portanto temos o resultado desejado.

Iremos denotar Z[ζn] o anel gerado sobre Z pelas raízes n-ésimas da unidade.

Proposição 4.1.16. Se ζpr uma raiz pr-ésima primitiva da unidade, então o elemento 1−ζpr é

um elemento primo de OQ(ζpr ), e 〈p〉 = 〈1− ζpr〉ϕ(pr). Em particular, o ideal pZ é totalmente

ramificado em Q(ζpr)/Q. (vide Definição 3.4.11)

Demonstração. Por definição, ζpr é raiz de Φpr(x). Como Φpr(x) ∈ Z[x], ζpr é inteiro sobreZ. Assim pela Proposição 2.2.10, o anel Z[ζpr ] está contido em OQ(ζpr ). Usando o item (b) da

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Proposição 4.1.12 para n = pr e lembrando que 1≤ d < pr, d | pr⇒ d | pr−1 temos:

Φpr(x) =xpr −1

∏d|pr−1

Φd(x)=

xpr −1xpr−1−1

=t p−1t−1

= 1+ t + ...+ t p−1, onde t = xpr−1.

Assim:Φpr(1) = p,

portanto, pela definição de polinômio ciclotômico:

p = Φpr(1) = ∏1≤i≤pr−1

mdc(pr,i)=1

(1−ζipr) = ∏

1≤i≤pr−1mdc(pr,i)=1

1−ζipr

1−ζpr(1−ζpr). (4.1.1)

Pelo Lema 4.1.15 e sua prova, os quocientes1−ζi

pr

1−ζpr∈ Z[ζpr ] e são invertíveis neste anel para

1 ≤ i ≤ pr − 1 e mdc(pr, i) = 1. Existem ϕ(pr) inteiros i com estas propriedades, logo por(4.1.1) p = u · (1− ζpr)ϕ(pr), com u uma unidade em OQ(ζpr ). Assim, temos uma igualdade deideais em OQ(ζpr ):

〈p〉= 〈1−ζpr〉ϕ(pr).

Como OQ(ζpr ) é um domínio de Dedekind, existem ideais primos p1, . . . ,pn de OQ(ζpr ) einteiros positivos r1, . . .rn tais que:

〈1−ζpr〉= pr11 . . .prn

n .

Segue que 〈p〉= 〈1−ζpr〉ϕ(pr)= pr1ϕ(pr)1 · · ·prnϕ(pr)

n , o que dá a fatoração do ideal 〈p〉 em OQ(ζpr )

como o produto de ideais primos neste anel. Pela proposição 3.4.12, temos que:

r1ϕ(pr)+ · · ·+ rnϕ(pr) = ϕ(pr) · (r1 + · · ·+ rn)≤ [Q(ζpr) : Q] = ϕ(pr).

Segue que n = 1 e r1 = 1. Denotando p := p1, concluímos que 〈1− ζpr〉 = p e que 〈p〉 =pϕ(pr). Segue que 1− ζpr é um elemento primo de OQ(ζpr ) e 〈p〉 é totalmente ramificado emQ(ζpr)/Q.

Na prova da Proposição 4.1.16, provamos que Z[ζp]⊂OQ(ζp). Utilizando noções mais avan-çadas da Teoria dos Números, pode-se provar que a inclusão é uma igualdade, num contextobem geral (vide [7], proposição 3.1.20).

Proposição 4.1.17. Para todo n ∈ N, o anel Z[ζn] é o anel dos inteiros de Q(ζn)

Demonstração. Em [7], Proposição 3.1.20.

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Proposição 4.1.18. Sejam K ⊂C um corpo, α∈C algébrico sobre K e p(x)∈K[x] o polinômio

minimal de α sobre K. Se n = grau p(x) então:

p(x) = (x−σ1(α)) · · ·(x−σn(α)),

onde σ1, . . . ,σn são todos os homomorfismos injetivos possíveis de K(α) em C que fixam os

elementos de K.

Demonstração. Seja σ : K(α)→ C um homomorfismo injetivo que fixa os elementos de K.Um elemento de K(α) é da forma β = a0 + a1α+ · · ·+ an−1αn−1, onde ai ∈ K ∀i. Temos queσ(β) = a0 +a1σ(α)+ · · ·+an−1αn−1, logo, σ fica inteiramente definido pelo seu valor em α.

Como α é raiz de p(x) e σ é homomorfimo, temos:

p(α) = 0⇒ σ(p(α)) = σ(0)⇒ σ(p(α)) = 0⇒ p(σ(α)) = 0.

Logo σ(α) é raiz de p(x).Reciprocamente, para toda raiz γ de p(x), o homomorfismo ψ : K[x]→ K[γ], ψ( f (x)) =

f (γ) é sobrejetivo e tem núcleo igual a 〈p(x)〉 visto que p(x) é irredutível. O teorema doshomomorfismos nos dá o seguinte isomorfismo:

K[x]/〈p(x)〉 ' K[γ],

que leva x em γ. Segue que K(α) = K[α] ' K[x]/〈p(x)〉 ' K[γ] = K(γ) e essa composta deisomorfismos define um isomorfismo σ : K(α)→ K(γ)⊂ C tal que σ(α) = γ e que fixa K. Istoconclui a prova.

Corolário 4.1.19. Seja ζn ∈ C uma raiz n-ésima primitiva da unidade. Os automorfismos de

Gal(Q(ζn)/Q) são da forma σ : Q(ζn)→ Q(ζn), σ(ζn) = ζin onde 1 ≤ i < n e mdc(i,n) = 1.

Em particular Gal(Q(ζn)/Q)' Z∗n, o grupo multiplicativo das classes invertíveis em Zn.

Demonstração. O n-ésimo polinômio ciclotômico Φn(x) é o polinômio minimal de ζn. PelaProposição 4.1.18, se σ : Q(ζn)→ Q(ζn) é um automorfismo, σ(ζn) é raiz de Φn(x), logoé uma raiz n-ésima primitiva da unidade. Portanto σ(ζn) = ζi

n, 1 ≤ i < n e mdc(i,n) = 1.Como os elementos de Z∗n são exatamente as classes i com mdc(i,n) = 1, é imediado quea função Z∗n → Gal(Q(ζn)/Q) que associa i ∈ Z∗n a σ : Q(ζn) → Q(ζn), σ(ζn) = ζi

n é umisomorfismo.

Lema 4.1.20. Sejam n,N ∈ N. O conjunto dos inteiros algébricos α tais que [Q(α) : Q]≤ n e

| σ(α) |≤ N para todos os homomorfismos injetivos σ : Q(α)→ C é finito.

Demonstração. Seja p(x) ∈ Q[x] o polinômio minimal de α sobre Q. Pela Proposição 4.1.18,p(x) = (x−σ1(α)) · · ·(x−σm(α)), onde σi são os homomorfismos injetivos de Q(α)→ C em = grau p(x) = [Q(α) : Q]≤ n. Pela Proposição 2.2.13, p(x) ∈ Z[x]. O coeficiente ai de p(x),

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de grau i, é a soma dos (mi ) produtos (−1)m−i ·σk1(α) · · ·σkm−i(α), com 1 ≤ k1 < k2 < · · · <

km−i ≤ m. Logo:

| ai |≤ (mi )· máx{| σ j(α) |m−i| j = 1, . . . ,m} ≤ (n

i ) ·Nm−i

Como cada ai ∈ Z, existem finitos polinômios em Z[x] tais que seus coeficientes satisfaçama última desigualdade, logo o conjunto dos inteiros algébricos considerado no enunciado doLema é finito.

Proposição 4.1.21. Seja K um corpo numérico. O grupo µ(K) das raízes da unidade em K é

finito e:

µ(K) = {α ∈ OK || σ(α) |= 1 para todo homomorfismo injetivo σ : K→ C}.

Demonstração. Se α ∈ OK e | σ(α) |= 1 para todo σ : K → C homomorfismo injetivo, então| σ(αn) |=| σ(α)n |=| σ(α) |n= 1 ∀n ∈ N e ∀σ. Pelo Lema 4.1.20, o grupo cíclico 〈α〉 é finito.Segue que ∃m ∈ N tal que αm = 1, isto é, α ∈ µ(K).

Reciprocamente, se ζ ∈ µ(K) então ζ é uma raiz n-ésima primitiva da unidade para algumn ∈ N. Então Q(ζ) ⊂ K, o que implica que ζ ∈ OQ(ζ) ⊂ OK . Além disso, pelo Corolário4.1.19, se σ : K→ C é um homomorfismo injetivo, σ(ζ) = ζi para algum i = 1, . . . ,n−1 commdc(i,n) = 1. Logo | σ(ζ) |=| ζi |=| ζ |i= 1. Isto conclui a prova.

O seguinte resultado, que terá sua demonstração omitida, diz respeito a quais raízes daunidade pertencem ao corpo Q(ζn). Indicamos [11], Lema 11.4, pág 189, para uma prova.

Lema 4.1.22. As únicas raízes da unidade pertencendo a Q(ζn) são da forma±ζjn, j = 0, . . .n−

1.

4.2 O Último Teorema de Fermat

O Último Teorema de Fermat(UTF), afirma a não existência de soluções inteiras para xn +

yn = zn com xyz 6= 0 pra todo n ≥ 3. Fermat provou a conjectura para n = 4. O UTF foiprovado por Andrew Wiles em 1996 usando métodos muito além deste trabalho. Provaremosaqui um caso particular do UTF, devido a Kummer, para expoentes primos ímpares de umaclasse especial: a dos primos regulares.

Definição 4.2.1. Dizemos que um primo ímpar p é regular se p não divide a ordem de ClQ(ζp).

Observação 4.2.2. O grupo de classe nem sempre tem ordem finita, mas para um corpo numé-rico esse resultado é verdadeiro, a demonstração para isso encontra-se em [12] teorema 4.4.

Fixando um primo p e uma raiz p-ésima da unidade em Q(ζp). Vamos precisar de algunslemas.

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Lema 4.2.3. Sejam x,y∈Z primos entre si, e suponha que p - x+y. Então os elementos x+ζipy

de Z[ζp] para 0≤ i≤ p−1 são dois a dois primos entre si.

Demonstração. Suponha que exista q um ideal primo de Z[ζp] dividindo ambos x+ ζipy e x+

ζjpy para certos i, j com 0≤ i < j < p. então:

q | x+ζipy → q | ζ j

p(x+ζipy) → q | ζ j

px+ζjpζi

py

q | x+ζjpy → q | ζi

p(x+ζjpy) → q | ζi

px+ζjpζi

py

q | ζ jpy−ζi

py q | ζ jpx−ζi

px

ou seja, q | (ζ jp− ζi

p)y e q | (ζ jp− ζi

p)x. Como x e y são primos entre si, q não pode dividir x ey simultaneamente, pois do contrário, teríamos x,y ∈ q⇒ 1 = mdc(x,y) ∈ q, o que impossível,pois q é primo. Logo q|(ζ j

p−ζip). Como q é primo segue da igualdade

(ζ jp−ζ

ip) = ζ

jp(1−ζp)

(1−ζi− jp )

(1−ζp),

que ζjp ∈ q ou 1− ζp ∈ q ou 1−ζ

i− jp

1−ζ j. A primeira possibilidade implicaria em q conter uma raiz

p-ésima da unidade e a terceira em conter um elemento invertível de Z[ζp], pelo Lema 4.1.15.Qualquer uma dessas possibilidades implicaria 1 ∈ q, o que é impossível. Segue que 1−ζp ∈ q.Como 1− ζp é um elemento primo de Z[ζp] e este anel é domínio de Dedekind, segue queq= 〈1−ζp〉. Portanto, como 1−ζi

p = (1−ζp)(1+ζp + · · ·+ζi−1p ) ∈ q, temos:

y(1−ζip) ≡ 0 mod (1−ζp)

yζip− y ≡ 0 mod (1−ζp)

yζip ≡ y mod (1−ζp)

x+ yζip ≡ x+ y mod (1−ζp)

⇓x+ y ≡ 0 mod (1−ζp)

⇓x+ y ≡ 0 mod (p)

onde a penúltima implicação segue da suposição de que q | x+ζipy e a última do fato de 〈p〉=

q∩Z (vide Proposição 4.1.16). Assim, p | x+ y, o que é uma contradição, logo q não podeexistir.

Lema 4.2.4. Seja ε ∈ Z[ζp]×. Então existe um j ∈ Z tal que εζ

jp é fixado pela conjugação de

números complexos (ou seja, é um número real).

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Demonstração. Para p = 2 o resultado é imediato. Seja p ímpar. Se α ∈Q(ζp) então

α =p−2

∑j=0

a jζjp, a j ∈Q, ∀ j.

Logo,

α =p−2

∑j=0

a jζpj=

p−2

∑j=0

a jζ− jp ,

onde a última igualdade segue do fato de ζp ·ζp =| ζp |2= 1. Se σ∈Gal(Q(ζp)/Q) então comoσ(ζp) = ζi

p para algum i = 0, . . . , p− 1, mdc(i, p) = 1, temos que | σ(ζp) |= 1 e novamente,σ(ζp) = σ(ζp). Segue que:

σ(α) = σ(p−2

∑j=0

a jζ− jp ) =

p−2

∑j=0

a jσ(ζp)− j =

p−2

∑j=0

a jσ(ζp) j =p−2

∑j=0

a jσ(ζp) j = σ(α).

Portanto:

| σ(εε−1) |=| σ(ε)σ(ε−1) |=

∣∣∣∣σ(ε)σ(ε)

∣∣∣∣=∣∣∣∣∣σ(ε)σ(ε)

∣∣∣∣∣= 1,

pois todo complexo tem o mesmo módulo que seu conjugado. Segue que σ(εε−1) tem módulo1, ∀σ∈Gal(Q(ζp)/Q). Pela Proposição 4.1.21, εε−1 é uma raiz da unidade. Pelo Lema 4.1.22,εε−1 =±ζi

p para algum i ∈ {0,1, . . . , p−1}.Suponha por absurdo que o Lema seja falso. Então ∀ j ∈ Z, εζ

jp 6= εζ

jp = εζ

− jp . Assim,

εζ− jp

εζjp= εε−1ζ

−2 jp 6= 1, ∀ j ∈ Z, ou seja, εε−1 6= ζ

2 jp , ∀ j ∈ Z. Segue desta última afirmação que

εε−1 não é uma raiz p-ésima da unidade. Portanto, εε−1 =−ζip.

Como ε ∈ Z[ζp], podemos “dividir” ε por 1−ζp, obtendo c ∈ Z e x ∈ Z[ζp] tais que:

ε = x(1−ζp)+ c.

Portanto ε≡ c mod(1−ζp) e daí, ε≡ c mod(1−ζp).Repare que 1−ζi

p =(1−ζp)(1+ζp+ · · ·+ζi−1p )≡ 0 mod(1−ζp), logo ζi

p≡ 1 mod(1−ζp).Portanto:

ε =−ζipε≡−ε≡−c mod(1−ζp).

Como ε≡ c mod(1−ζp), segue que 2ε≡ 0 mod(1−ζp), isto é, 2ε ∈ 〈1−ζp〉. Pela Proposição4.1.16, 〈1− ζp〉 é um ideal primo e p ∈ 〈1− ζp〉. Como p é ímpar, 2 /∈ 〈1− ζp〉, pois docontrário, 1 = mdc(2, p) ∈ 〈1− ζp〉, o que não é possível. Segue que ε ∈ 〈1− ζp〉, isto é,ε ≡ 0 mod(1− ζp). Como ε ≡ ε mod(1− ζp), concluímos que ε ∈ 〈1− ζp〉. Mas isto é umabsurdo, pois por hipótese, ε é invertível em Z[ζp]. Isto conclui a prova do Lema.

Lema 4.2.5. Para todo α ∈ Z[ζp] e p primo, αp ∈ Z+ pZ[ζp].

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Demonstração. Escreva α = a0+aaζp+ · · ·+ap−2ζp−2p , ai ∈ Z ∀i. Como os binomiais (p

i ) sãomúltiplos de p (e portanto nulos módulo p) para todo i = 1, . . . , p−1, temos:

αp = (a0 +a1ζp + · · ·+ap−2ζ

p−2p )p ≡ ap

0 +(a1ζp)p + · · ·+(ap−2ζ

p−2p )p p≡

≡ ap0 +ap

1 + · · ·+app−2 mod p

Portanto, existe x ∈ Z[ζp] tal que

αp = (ap

0 + · · ·+app−2)+ px.

Como a soma entre parênteses é um número inteiro, o Lema está provado.

Lema 4.2.6. Seja α = a0 +a1ζp + · · ·+ap−1ζp−1p com ai ∈ Z ∀i tal que ao menos um dos ai é

nulo. Se α é divisível por um número inteiro n, isto é, se α ∈ nZ[ζp], então todos os coeficientes

ai são divisíveis por n.

Demonstração. Como Φp(x) = xp−1 + xp−2 + · · ·+ x+ 1, segue que 1+ ζp + · · ·+ ζp−1p = 0.

Como {1,ζp, . . . ,ζp−2p } é uma base de Q(ζp)/Q, qualquer subconjunto de {1,ζp, . . . ,ζ

p−1p }

com p−1 elementos também será uma base dessa extensão.Suponha que ap−1 = 0. Por hipótese, α ∈ nZ[ζp], logo:

a0 +a1ζp + · · ·+ap−1ζp−2 = n(b0 +b1ζp + · · ·+bp−2ζp−2),

onde bi ∈ Z ∀i. Isto nos dá a seguinte combinação linear nula em Z[ζp]:

(a0−nb0)+(a1−nb1)ζp + · · ·+(ap−2−nbp−2)ζp−2p = 0.

Portanto, ai = nbi, ∀i.Suponha agora que ap−1 6= 0. Então, outro coeficiente de α deverá ser nulo, digamos a0.

Logo:α = a1ζp + · · ·+ap−1ζ

p−1p .

Como {ζp,ζ2p, . . . ,ζ

p−1p } também é uma base, temos que todo β ∈ Z[ζp] pode ser escrito como

combinação de seus elementos. Logo, como α ∈ nZ[ζp]:

a1ζp + · · ·+ap−1ζp−1p = nb1ζp + · · ·+nbp−1ζ

p−1p ,

onde bi ∈ Z ∀i. Da mesma forma que o caso anterior, concluímos que ai = nbi ∀i.Os demais casos em que a j = 0, 1 ≤ j ≤ p− 2, se procede de forma análoga, utilizando a

base {1,ζp, . . .ζj−1p ,ζ

j+1p , . . . ,ζ

p−1p }.

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Agora finalmente temos todas as ferramentas para provar o resultado principal desta mono-grafia.

Teorema 4.2.7. (Kummer). Seja p um primo regular. Então não existem inteiros x,y,z com

p - xyz tal que xp + yp = zp.

Demonstração. Suponha por absurdo existam x,y,z ∈ Z com p - xyz tais que xp + yp = zp.Removendo os fatores em comum podemos supor mdc(x,y,z) = 1.

Para o caso onde p= 3, note que sendo x∈Z e x 6= 3q temos que ou x= 3q+1, ou x= 3q+2,com q ∈ Z. Temos:

x = 3q+1 ⇒ x3 = 9 ·3q3 +9 ·3q2 +9q+1 ⇒ x3 ≡ 1 (mod 9).x = 3q+2 ⇒ x3 = 9 ·3q3 +9 ·6q2 +9 ·12q+8 ⇒ x3 ≡−1 (mod 9).

como vale o mesmo para y e para z, as únicas possibilidades são:

• ou x3 + y3 ≡ 0(mod 9);

• ou x3 + y3 ≡ 2(mod 9);

• ou x3 + y3 ≡−2(mod 9).

Mas x3+y3 = z3 ≡−1,1 ou 0(mod 9), contradição. Assim o Teorema está provado para p = 3.Então, podemos assumir p≥ 5 a partir de agora.Se x≡ y (mod p) e x≡−z (mod p) então xp ≡ yp (mod p) e xp ≡−zp (mod p), assim como

xp + yp = zp, temos:

2xp ≡ yp− zp(mod p)⇒ 2xp ≡−xp(mod p)⇒ 3xp ≡ 0(mod p),

ou seja, p divide 3xp, o que não pode acontecer uma vez que p - xyz e p ≥ 5. Segue que umadas congruências x ≡ y(mod p) e x ≡ z(mod p) não é verdadeira. Se a primeira não ocorre,p - x− y. Se a segunda congruência não ocorre, p - x− (−z), daí rearrumamos a equação parax3 +(−z)3 = (−y)3, chamamos −y = z′ e −z = y′ obtendo x3 + y′3 = z′3 assim teremos quep | x+ z′ e p - x− y′. Então sem perda de generalidade, podemos assumir que p - x− y.

Em Z[ζp], xp + yp pode ser fatorado, e temos

p−1

∏i=0

(x+ζipy) = zp.

De fato, as raízes do polinômio T p +1 são −1,−ζp, . . . ,−ζp−1p . Logo

T p +1 =p−1

∏i=0

(T +ζip).

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Fazendo T = xy e multiplicando os dois lado das igualdade por yp, obtemos:

zp = xp + yp =p−1

∏i=0

(x+ζipy).

Em termos de ideais, isto significa que

p−1

∏i=0〈x+ζ

ipy〉= 〈z〉p.

Pelo Lema 4.2.3, os ideais 〈x+ ζipy〉 são primos dois a dois, assim para que o produtório

seja uma p-ésima potência de um ideal, temos que cada ideal 〈x+ ζipy〉 também deve ser uma

p-ésima potência de algum ideal a de Z[ζp]. Então:

〈x+ζpy〉= ap.

Esta igualdade significa que ap = 1 em ClQ(ζp). Seja h =|ClQ(ζp) |. Por hipótese, p não dividea ordem h de ClQ(ζp). Assim mdc(p,h) = 1, então ∃r,s ∈ Z tais que rp+ sh = 1. Temos:

a= arp+sh = arp · ash = (ap)r · (ah)s = 1r · 1s = 1,

ou seja, o ideal a é principal. Seja α∈Z[ζp] um gerador de a. Então temos que 〈x+ζyp〉= 〈αp〉.

Portanto:x+ζpy = εα

p,

para algum ε ∈ Z[ζp]×. Pelo Lema 4.2.5, ∃c ∈ Z tal que αp ≡ c mod p.

Pelo Lema 4.2.4, existe j ∈ Z tal que ε′ = ζjpε é fixado pela conjugação complexa. Então

temos que x+ζpy = ε′ζ− jp αp, logo:

x+ζpy≡ ζ− jp ε′c mod (p),

então, aplicando o conjugado em ambos os membros da congruência temos:

x+ζ−1p y≡ ζ

jpε′c mod (p),

pois ε′ = ε. As duas últimas congruências implicam que ζjp(x+ζpy)≡ ζ

− jp (x+ζ−1

p y) mod p.Portanto, x+ζ−1

p y−ζ2 jp x−ζ

2 j+1p y é divisível por p.

Se ζ2 jp , ζ

2 j+1p , 1 e ζ−1

p são raízes p-ésimas da unidade distintas, então uma vez que p−1≥ 4,pelo Lema 4.2.6 x e y são divisíveis por p, uma contradição.

Logo, dois dos termos ζ2 jp , ζ

2 j+1p , 1 e ζ−1

p devem ser iguais. Não podemos ter ζ−1p = 1, pois

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ζp 6= 1. Pelo mesmo motivo, ζ2 jp 6= ζ

2 j+1p . Assim, restam as seguintes possibilidades:

(1) ζ2 jp = 1; (2) ζ

2 j+1p = 1; (3) ζ

2 jp = ζ

−1p ; (4) ζ

2 j+1p = ζ

−1p .

Note que (2) e (3) são equivalentes e que (4) é equivalente a ζ2 j+2p = 1. Segue que 1= ζ

2 jp ,ζ

2 j+1p

ou ζ2 j+2p .

No primeiro desses casos, temos que ζ−1p y− ζ

2 j+1p é divisível por p, logo pelo Lema 4.2.6

p divide y, uma contradição.No segundo caso, temos que (x−y)+ζ−1

p y−ζ2 j+1p x é divisível por p, logo pelo Lema 4.2.6

p divide x− y, novamente uma contradição.No último caso, temos que ζ

2 j+1p = ζ−1

p , logo x− ζ2 jp x é divisível por p, logo pelo Lema

4.2.6 p divide x, contradição, finalizando a prova.

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Considerações finais

Neste trabalho foi provado um caso particular do UTF, que apesar no fim ter sido uma falha,foi responsável por expandir o estudo de estruturas e objetos matemáticos, desenvolvendo amatemática principalmente na área da teoria dos números algébricos.

A principal motivação para a escolha do tema, foi poder estudar uma aplicação para ospolinômios e extensões ciclotômicas, que foi um assunto que me chamou atenção durante adisciplina de introdução à Teoria de Galois.

Até que se chegasse na prova do teorema, ficou claro o quanto as disciplinas de base e boasreferências são importantes numa pesquisa, e em alguns momentos compreender plenamente al-guns resultados foi desafiador, o que certamente me trouxe grande amadurecimento na pesquisaem matemática, principalmente na área de Álgebra.

Apesar de não ter sido possível demonstrar todos os resultados devido a complexidade dotema para um aluno de graduação, os objetivos traçados foram cumpridos satisfatoriamente.

Pode ser percebido que algumas proposições e teoremas foram apenas enunciados e refe-renciados. Espero poder dar continuidade nos estudos nesta área específica da álgebra para queessas lacunas deixadas no texto possam demonstradas de forma completa numa futura pesquisaou num curso de Teoria dos Números.

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