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artes visuais, Irani Correa Pinto

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  • INTRODUO

    Este projeto descreve e analisa o trabalho desenvolvido por, Irani Corra Pinto, artista e educadora, no perodo em que ministrou aulas de desenho e pintura em seu atelier. Atuou na cidade de Trs Rios (RJ) por cerca de 30 anos e ministrou cursos em Areal (antigo distrito de Trs Rios), Posse (distrito do municpio de Petrpolis), Sapucaia (RJ), em So Jos do Vale do Rio Preto (RJ) e em Juiz de Fora (MG).

    Irani desenhava desde pequena e teve como primeira professora uma pintora Russa que se chamava Katarina Sresnevska Zelentzeff (1887-1976). Katarina residiu em Trs Rios de 1945 a 1951 e ensinou pintura para Irani at quando se mudou para Juiz de Fora. Irani continuou pintando e passou a ensinar algumas amigas, fazendo trabalhos de escola e pinturas para conhecidos.

    Aps seu casamento ela ficou afastada da pintura por uns tempos e s retornou quando j tinha seu seis filhos. Ela precisou trabalhar em casa para ajudar na manuteno da famlia e acabou praticamente criando uma escolinha de arte informal.

    Como eu sou sua segunda filha e nasci em 1960, lembro-me que em torno dos sete anos desenhava todo dia e seguia o seu mtodo de desenhar. Ela utilizava seus prprios desenhos com temas variados para os alunos exercitarem proporo e sombreado, assim como fotos e algumas revistas americanas muito utilizadas na poca publicadas aqui pelo Walter Foster1. Mas eu cresci ajudando minha me, participando da sua luta, conversando e ouvindo sua opinio e seus conceitos sobre arte. Participei das dificuldades em conseguir material numa cidade do interior fluminense, a dificuldade em conseguir espao para expor levando-a a optar por colocar seus quadros e de seus alunos, nas praas e em lojas, cedidas por amigos. Compartilhei de sua paixo pela arte que era suprida comprando livros daqueles vendidos porta a porta.

    Comecei a analisar toda esta histria ao ler o depoimento de Ana Mae Barbosa2 em seus livros sobre o que ocorreu com o ensino de arte na dcada de 1 The Nude by Fritz Willis 96 Book - published by Walter T. Foster.

    2 Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, autora de vrios livros sobre Arte-Educao, mais conhecida

    no meio acadmico como "Ana Mae", optou-se portanto, pela utilizao do nome: Ana Mae no decorrer do trabalho. Nas Referncias est citada normalmente como BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos.

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    1960, 70 e 80 e percebi que, de certa forma, todos fazemos parte desta historia, e que a minha paixo pela arte esta agora encontrando um novo eixo. Reporto-me tambm aqui a uma frase de Ana Mae que reala a importncia do reconhecimento e orgulho do passado para a formao dos arte/educadores 3 (p. 253, MAE, Ana, Ensino de arte, Histria e Memria, Ed. Perspectiva, SP, 2008).

    A partir do breve relato colocado acima, este trabalho procura realizar um levantamento da histria e do processo de ensino-aprendizagem desenvolvido pela artista, descrever as atividades exercidas em seu atelier e a sua contribuio artstica na regio em que atuou no decorrer deste perodo.

    A pesquisa pretende incentivar a preservao da memria cultural de Trs Rios, atravs do resgate de imagens e relatos sobre a importncia do ensino de arte, contribuir para ampliar os relatos sobre o ensino de arte no Brasil e incitar uma avaliao sobre o impacto do aprendizado de arte em pequenas cidades do interior como Trs Rios.

    Foi utilizada como metodologia a abordagem biogrfico-narrativa, baseada em relato oral documentado em vdeo, entrevista por escrito, reproduo e transcrio de documentos, fotos de obras, materiais didticos, depoimento recebido atravs de correio eletrnico, sites de internet, revista digital, etc. Tendo como referncia histrica autores como Bento (1949), Mae (2008), Freire (1989), Costa (1940) e outros.

    Nesta direo o primeiro captulo aborda o momento histrico da cidade de Trs Rios buscando comparar o processo do ensino desenvolvido por Irani com os estudos de Escolas de Arte que comearam a surgir em fins da dcada de 1960 e nas dcadas de 1970 e 80. Salientando a sua abordagem em relao ao uso de imagens no trabalho criativo de seus alunos e a influncia da leitura de livros de arte e gravuras que fundamentaram o seu ensino.

    O segundo captulo trata da sua histria e procura mostrar como Irani superou obstculos e dificuldades para colocar em prtica suas atividades e desenvolver seu trabalho criativo.

    O terceiro captulo demonstra a sua participao na vida de alguns de seus ex-alunos e comprovam as manifestaes de carinho e gratido que Irani recebe deles e da comunidade que sempre apreciou seu trabalho.

    3 MAE, Ana, Ensino de arte, Memria e Histria, Ed. Perspectiva, SP, pg. 253, 2008.

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    A poca da Escolinha de Arte

    foi um perodo de F

    na arte/educao

    Ensino de Arte, Memria e Histria (ANA MAE, 2008)

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    1 PARALELO ENTRE O ENSINO DE ARTE EM TRS RIOS E O ENSINO DE ARTE NO BRASIL A PARTIR DA DCADA DE 1960

    Para que se possa fazer um paralelo entre o ensino de arte em Trs Rios e o ensino de arte no Brasil a partir da dcada de 1960 atravs da artista e educadora Irani Corra Pinto, necessrio conhecer um pouco da sua realidade e sua atuao. Num perodo em que o ensino de arte, na maioria dos estados brasileiros, era realizado em escolas informais, a partir de ateli, Irani trabalhava de maneira dinmica na tentativa de fomentar e valorizar a arte em sua cidade e regio.

    Buscando um princpio histrico que permitir analisar o movimento de escolinhas de arte no Brasil como um fenmeno educacional e sua relao com o incio do ensino de arte nas escolas, torna-se imprescindvel basear este estudo em Ana Mae j que, alm de ser uma das pioneiras em arte-educao no Brasil, foi quem mais colaborou para o conhecimento da memria e da histria do ensino de arte no Brasil.

    01 - Vista do Mirante de Trs Rios

    Irani Correa Pinto nasceu em Trs Rios em 1934, e na sua adolescncia comeou seus primeiros contatos com a arte, da esta pesquisa reportar a meados da dcada de 1960, poca em que comeou a ensinar arte. Em se tratando de um estudo relacionado ao ensino em escolinhas de arte pode-se fazer uma comparao com o artigo de Ana Mae sobre Arte Educao no Brasil: do modernismo ao ps-

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    modernismo, no qual percebe-se a importncia dos atelieres de arte e das escolinhas de arte no Brasil.

    A partir de 1947, comearam a aparecer atelieres para crianas em vrias cidades do Brasil, em geral orientados por artistas que tinham como objetivo liberar a expresso da criana fazendo com que ela se manifestasse livremente sem interferncia do adulto. [...] Destes atelieres, os dirigidos por Guido Viaro (Curitiba) e por Lula Cardoso Aires (Recife), so exemplos significativos. O primeiro existe at hoje, mantido pela Prefeitura e at os incios de 90, ltima vez que o visitei, fazia um timo trabalho. A escola de Lula Cardoso Ayres, criada em 1947, teve curta existncia e sua proposta bsica era dar lpis, papel e tinta criana e deixar que ela se expressasse livremente. Seguindo o mesmo princpio, outro pernambucano, Augusto Rodrigues, criou em 1948 a Escolinha de Arte do Brasil que comeou a funcionar nas dependncias de uma biblioteca infantil no Rio de Janeiro. [...] A iniciativa de Augusto Rodrigues a qual estiveram ligados Alcides da Rocha Miranda e Clvis Graciano logo recebeu a aprovao e o incentivo de educadores envolvidos no movimento de redemocratizao da educao como Helena Antipoff e Ansio Teixeira que retornara da Amaznia onde se refugiara e chegara a conseguir ser um prspero empresrio. Depois que iniciou seus cursos de formao de professores, a Escolinha de Arte do Brasil teve uma enorme influncia multiplicadora. Professores, ex-alunos da Escolinha criaram Escolinhas de Arte por todo o Brasil, chegando a haver 32 Escolinhas no pas. Usando principalmente argumentos psicolgicos as Escolinhas comearam a tentar convencer a escola comum da necessidade de deixar a criana se expressar livremente usando lpis, pincel, tinta, argila etc. Naquele momento parecia um discurso de convencimento no vazio, uma vez que os programas editados pelas secretarias de educao e Ministrio de Educao, deveriam ser seguidos pelas escolas e tolhiam a autonomia do professor4.

    O artista/educador na primeira metade do sculo XX, tinha na liberdade de expresso e na utilizao de mtodos mais flexveis o principal atrativo para os jovens e adolescentes da poca. Procuravam ampliar o aprendizado de tcnicas e procedimentos artsticos, mas, no s a preocupao com a formao artstica que iria direcionar os mtodos de ensino das escolinhas de arte, tambm outros mtodos que rene trs elementos bsicos: o psicolgico, o sociolgico e o elemento esttico, nas suas mais variadas manifestaes.

    Esses trs elementos so assim trabalhados atravs das metodologias do ensino da arte: o elemento psicolgico atende individualidade, manifestando-se sempre pela diferenciao dos elementos compositivos e representativos do trabalho artstico; o

    4 MAE, Ana, Arte Educao no Brasil: do modernismo ao ps-modernismo. Artigo Publicado na

    Revista Digital Arte&, n.0, pg.12, out 2003. Disponvel em: .

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    sociolgico permeia a configurao das especificidades que traduzem o contexto social. Quanto a contedos, trabalhavam-se cenrios, entorno urbano, meio ambiente todos os elementos que refletem determinada sociedade em determinada poca -, a questo formal estava muito relacionada com a atualizao da arte. Essa viso de mundo obrigatoriamente contempornea. Um artista atual no pode produzir uma viso de mundo ultrapassada, atravs de simbologia de outra poca. No estaria produzindo arte, mas repetindo frmulas. A contemporaneidade se traduz pela busca de configuraes, ideolgica e esteticamente indicativas do seu tempo5.

    Irani tinha esta viso contempornea do mundo a partir da maneira como procurava trabalhar com a arte, transformando na maioria das vezes seus alunos em aprendizes amigos, desenvolvendo uma relao de confiana e de liberdade de ao. Ela cultivou saberes mais tambm cultivou sentimentos, estimulando em seus alunos a alegria e a valorizao da vida.

    1.1 A realidade de Trs Rios em relao produo e o ensino de arte

    Trs Rios um municpio pequeno, localizado na Regio Centro Sul no Estado do Rio de Janeiro. Seus municpios limtrofes so: Areal ao Sul, Chiador (MG), Comendador Levy Gasparian, Paraba do Sul, So Jos do Vale do Rio Preto e Sapucaia. Ocupa uma rea de 324,496 km e possui uma populao de 72.848 hab. (cont. IBGE/ 2007). Encontramos algumas referncias histricas no site de Trs Rios:

    Em seu territrio, o encontro dos rios Paraba do Sul, Piabanha e Paraibuna desponta como referncia imediata desde o incio do sculo XIX, quando uma concesso da coroa portuguesa ao fazendeiro Antonio Barroso Pereira, identifica a regio como Entre-Rios. Nas terras que abrigavam cinco grandes fazendas de Barroso Pereira, j na condio de baro de Entre-Rios, em 1861, foi inaugurada a Rodovia Unio Indstria, que ligava Petrpolis (RJ) a Juiz de Fora (MG). Na mesma poca, a construo da estao ferroviria local foi o estmulo necessrio para que o pequeno povoado, formando as margens da rodovia, passasse a ser conhecido como Entre-Rios. A movimentao provocada pela rodovia e pela ferrovia, aliada ao aforamento de terras, contribuiu para o rpido progresso da regio, que passou ao 2 distrito de Paraba do Sul em 1890, sendo elevada categoria de municpio emancipado em 1939. A denominao oficial de Trs Rios veio quatro anos depois6.

    5 MAE, Ana (org.) , Ensino de Arte, Memria e Histria, So Paulo: Perspectiva, pg. 284, 2008.

    6 Disponvel em: http://www.tresrios.rj.gov.br/v2007/n/tr_conheca.php>. Acesso 02 out. 2009.

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    Trs Rios na dcada de 1960 era uma cidade pequena, com poucos anos de independncia poltica administrativa (efetivada em 1939) e no possua escolas de arte vinculadas educao. Das instituies artsticas e culturais faziam parte o Grmio Musical 1 de maio que preparava vrios jove ns e que teve como um dos seus fundadores o av de Irani, Mario Batista, o Grupo de Amadores Teatrais Viriato Corra e a Academia Trirriense de Letras e Artes .

    02 - Irani e suas irms na porta do Foto Jos que era de seu pai

    1.2 Relaes entre a obra de Jeanne Milde e Irani Corra Pinto

    Jeanne Milde, foi uma escultora Belga que veio para o Brasil para participar do processo de renovao do ensino em Minas Gerais. Foi a primeira mulher escultora, com formao superior a atuar em Belo Horizonte.

    Jeanne Milde uniu a arte aos trabalhos manuais, mas no tinha como objetivo a mera reproduo ou a mecanizao das atividades, mas sim, tentava provocar em suas alunas o desenvolvimento da criatividade por meio de materiais alternativos. Neste aspecto percebe-se a similaridade de aes entre Milde e Irani nas atividades desenvolvidas com seus alunos. O que possibilitou reunir a experincia de uma mulher como Milde que tinha formao superior, mas que viu nas caractersticas de

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    materiais diferenciados, disponveis na regio em que estava trabalhando, a possibilidade de investigar novos usos para estes materiais.

    Jeanne Milde introduziu na educao mineira uma arte erudita ao ensinar tcnicas de escultura, pintura, desenho e outras; mas, tambm, desenvolveu uma arte mais aplicada, ao orientar as alunas na criao de objetos de uso cotidiano, inserindo na construo destes, materiais alternativos encontrados na prpria regio de Minas, que serviam tanto para as atividades de trabalhos manuais, quanto para as outras matrias de ensino. Por outro lado, estaria colocando em prtica o princpio do movimento da reforma pedaggica, que era fazer o aluno aprender, e no ensinar. Essa era a condio do processo educativo da criatividade: aprender descobrindo. A escola deveria preparar o aluno para a vida prtica (o fazer). Dessa forma, os conhecimentos no poderiam ser obtidos atravs do conhecimento abstrato, mas por meio das coisas que a realidade circundante poderia oferecer. Mas para que o aluno aprendesse era preciso passar pelo processo de experimentao das coisas, ou seja, o ideal era aprender fazendo. Segundo Milde: O importante na Escola Nova, ensinar a criana a aprender, isto , dar-lhe o caminho da experincia. A criana deve ser estimulada a pesquisar, de acordo com as suas possibilidades. Alm disso, deve ser preparada psicologicamente para as lutas da vida, adquirindo na escola, noes de sociabilidade, num ambiente de amizade e cooperao com os outros coleguinhas {...}. O importante orientar as crianas e no apenas repetir-lhes as lies, simplesmente.7

    03 - Jeane Milde estava entre os participantes da Exposio de Arte Moderna do Bar Brasil, em 1936

    7 Idem, p. 127-128, 2008.

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    Assim como Milde, Irani desenvolveu tcnicas de arte aplicada, realizando trabalhos em madeira com pirgrafo, entalhe, e tambm materiais reciclados em vrias peas artesanais. Sua participao na Feira Nacional de Artesanato realizada em Miguel Pereira8 (RJ), possibilitou a divulgao do seu trabalho artstico e artesanal que era ento vendido para turistas de vrios estados brasileiros.

    1.3 Leitura de Imagens

    Vrias escolinhas de arte no Brasil estimulavam o contato com os artistas, relatando como eles produziam e divulgavam seus trabalhos. Isso era realizado sem a inteno de promover releituras, mas buscando fornecer aos alunos um motivo de inquietao, de mudana na sua maneira de olhar e representar o que v e sente. Observar imagens, experimentar, decodificar, leva a um caminho que permite o desenvolvimento da criatividade sem os excessos que a livre expresso autorizou como forma de incentivo a criao infantil.

    04 - Quadro executado por Irani, baseado em gravura antiga sobre a histria da vacina

    Irani utilizava imagens e gravuras para fornecer aos seus alunos a possibilidade de experimentao de tcnicas e estilos diferentes, mas sempre ressaltava a importncia da descoberta prpria de cada um, a partir do momento em que conseguisse o domnio dos materiais e a segurana necessria para iniciar um trabalho independente e criativo. 8 Irani possui certificado de participao de 1976, 1994 e 1995, mas durante alguns anos dividiu o

    estande com sua filha Rose Mary e outros com a Vnia, que tambm produzia artesanato.

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    Em suas aulas sempre procurou estimular o desenho livre, falando para os alunos no se preocuparem com o conceito de beleza. Estimulava o aluno a experimentar novas opes, no ter medo de realizar algo diferente e principalmente no ser to crtico consigo mesmo. A viso de Irani coincide com o que Lcio Costa dizia em seu programa de reformulao do ensino do desenho:

    [...] esses novos adolescentes, atormentados pelas crticas inoportunas e inbeis dos mais velhos, j perderam a confiana neles mesmos e naquele seu mundo imaginrio onde tudo era possvel e tinha explicao: sentem-se inseguros, acham os desenhos que fazem ridculos, tem medo de errar9.

    Ana Mae fala da inabilidade de alguns em ensinar arte e da capacidade de leitura e produo de imagens como parte de um processo de conhecimento.

    [...] Contudo, no s incluindo arte no curriculum que a mgica de favorecer o crescimento individual e o comportamento de cidado como construtor de sua prpria nao acontece. Alm de reservar um lugar para a arte no curriculum, o que est longe de ser realizado de fato, at mesmo pelos pases desenvolvidos, tambm necessrio se preocupar como a arte concebida e ensinada. Em minha experincia tenho visto as artes visuais sendo ensinadas principalmente como desenho geomtrico, ainda seguindo a tradio positivista, ou a arte nas escolas sendo utilizada na comemorao de festas, na produo de presentes estereotipados para os dias das mes ou dos pais e, na melhor das hipteses, apenas como livre expresso. A falta de preparao de pessoal para ensinar artes um problema crucial, nos levando a confundir improvisao com criatividade. A anemia terica domina a arte-educao que est fracassando na sua misso de favorecer o conhecimento nas e sobre artes visuais, organizado de forma a relacionar produo artstica com apreciao esttica e informao histrica, esta integrao corresponde epistemologia da arte. O conhecimento das artes tem lugar na interseo da experimentao, decodificao e informao. Nas artes visuais, estar apto a produzir uma imagem e ser capaz de ler uma imagem so duas habilidades interrelacionadas10.

    Vrias escolinhas de arte atuaram no Brasil a partir da dcada de 1940 e segundo Ana Mae o ensino de arte s teve incio nas escolas a partir de 1971, quando a educao artstica se tornou disciplina obrigatria nos currculos de 1 e 2 graus. As escolas de arte atuaram neste perodo na formao de profissionais para 9 COSTA, Lcio. O Ensino do desenho. Disponvel em:

    . Acesso em 02 out. 2008. 10

    Arte, Educao e Cultura - Ana Mae Barbosa. Disponvel em: . Acesso em 02 nov. 2009.

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    lecionar artes e da em diante, vrias reformas educacionais buscaram estruturar o ensino de Arte. Entretanto, somente no incio da dcada de 1980 os professores de arte-educao comearam a se organizar visando fazer uma anlise crtica sobre o ensino de arte no Brasil, assim como instituir alguns cursos de ps-graduao na rea, com o objetivo de ampliar o nmero de profissionais/pesquisadores em Arte-educao.

    Por outro lado, enquanto o ensino de arte estava sendo implementado nas Universidades, vrios artistas trabalhavam em seus atelieres e participavam ativamente no incentivo ao aprendizado e ao desenvolvimento do fazer artstico11. E exatamente neste contexto que se percebe o trabalho de Irani tendo como conseqncia a formao artstica de vrios jovens e adultos em sua cidade e regio, e o mais importante meio de que se utilizou para a divulgao de seu trabalho foi a proximidade com o pblico atravs das exposies realizadas em praas e espaos pblicos.

    Como em Trs Rios no h Museus, nem Galerias de Artes, Irani, buscou novas formas de mostrar seu trabalho e, de certa forma, foi quebrando a barreira que o preconceito originava em relao ao artista plstico que usualmente era considerado irreverente e irresponsvel. Seu trabalho contnuo de divulgao da arte em Trs Rios serviu para alicerar o ensino de arte como uma forma de promover o ser humano e valorizar a cultura local.

    1.4 A Importncia do ato de ler

    Na busca de subsdios para a orientao dessa pesquisa, foram encontradas nas referncias bibliogrficas das professoras Rosvita Kolb e Sonia Assis a indicao de dois livros de Paulo Freire: A importncia do ato de ler e Pedagogia da Autonomia: saberes necessrios a prtica educativa.

    O acerto da escolha se fez mais evidente a partir da citao que Ana Mae faz em seu livro indicando Nomia e Paulo Freire como seus grandes incentivadores e orientadores12.

    Freire no seu livro, A Importncia do Ato de Ler, alm de relembrar seu processo de aprendizado atravs da leitura apaixonada e curiosa do mundo nos

    11

    MAE, Ana, Arte Educao no Brasil: do modernismo ao ps-modernismo. Artigo Publicado na Revista Digital Arte&, n.0, pg.12, out 2003. Disponvel em: 12

    MAE, Ana (org.) , Ensino de Arte, Memria e Histria,So Paulo: Perspectiva, p. 240, 2008.

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    instiga a aproximar a educao formal da informal quando fala das possibilidades de reunir historias atravs de relatos orais, depoimentos gravados que poderiam gerar um conjunto de histrias da rea 13. Ressalta-se que a intuio foi responsvel pela busca destes livros, e, ao mergulhar na leitura, foram identificadas, em muitas falas de Freire, o mesmo entusiasmo pela leitura que sentia em Irani quando chegava com um livro novo e o apresentava aos filhos. Essa necessidade de relatar histrias e experincias fundamentada pela valorizao da nossa memria e o exemplo de Irani partiu desta vontade de contar histrias, como quando seus filhos eram pequenos e ela lia toda noite histrias e mais histrias como as do livro Histrias que Jesus contou e casos antigos que lhe foram contados por sua me e ela repassava aos filhos.

    Mergulhando mais nas idias de Freire no captulo: Ensinar exige reflexo crtica sobre a prtica:

    [...] A prtica docente crtica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinmico, dialtico, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prtica docente espontnea ou quase espontnea, "desarmada", indiscutivelmente produz um saber ingnuo, um saber de experincia feito, a que falta a rigorosidade metdica que caracteriza a curiosidade epistemolgica do sujeito. Este no o saber que a rigorosidade do pensar certo procura. Por isso, fundamental que, na prtica da formao docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensvel pensar certo no presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrrio, o pensar certo que supera o ingnuo tem que ser produzido pelo prprio aprendiz em comunho com o professor formador. preciso, por outro lado, reinsistir em que a matriz do pensar ingnuo como a do crtico a curiosidade mesma, caracterstica do fenmeno vital. Neste sentido, indubitavelmente, to curioso o professor chamado leigo no interior de Pernambuco quanto o professor de Filosofia da Educao na Universidade A ou B. o de que se precisa possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, atravs da reflexo sobre a prtica, a curiosidade ingnua, percebendo-se como tal, se v tornando crtica. [...] Por outro lado, que quanto mais me assumo como estou assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingnua para o de curiosidade epistemolgica. No possvel a assuno que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz necessariamente sujeito tambm 14.

    13

    FREIRE, Paulo, A importncia do ato de ler, Cortez Editora, 23 edio, pg. 20, 1989. 14

    FREIRE, Paulo, Pedagogia da Autonomia: saberes necessrios a prtica educativa, pg. 22, 1996.

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    A dedicao que Irani sempre teve com a leitura, fundamentou seu processo de conhecimento e, desde sua adolescncia, este fato lhe possibilitou descobrir novos caminhos e sedimentar seus conhecimentos sobre histria da arte. Irani construiu ento, um caminho de aprendizado como autodidata, aprofundando-se na leitura de diversos autores e buscando enriquecer sua produo artstica assim como expor aos alunos a produo de outros artistas. O aprendizado sobre a histria da arte e tambm o aumento da auto-estima de seus alunos era efetivado atravs do seu incentivo constante visando o aprimoramento de suas habilidades e o desenvolvimento da criatividade.

    Analisando a preocupao em pesquisar e buscar coisas novas e o fazer artstico de Irani Correa Pinto pode-se fazer um paralelo com o que Paulo Freire fala sobre o ato de ensinar: "formar muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas"15. E tambm: "No h docncia sem discncia, as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenas que os conotam, no se reduzem condio de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender" 16.

    O autor ainda acrescenta que,

    Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possvel ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possvel - depois, preciso - trabalhar maneiras, caminhos, mtodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se dilua na experincia realmente fundante de aprender. No temo dizer que inexiste validade do ensino de que no resulta um aprendizado em que o aprendiz no se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado que no foi apreendido no pode realmente ser aprendido pelo aprendiz. No h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino contnuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer e o que ainda no conheo e comunicar ou anunciar a novidade 17.

    Apesar de no ter uma escola formal Irani lecionou por vrias dcadas. Passou a confeccionar suas prprias telas e fornecer aos seus alunos na tentativa de facilitar a aquisio dos materiais necessrios para pintura. Buscava autores 15

    Idem, pg. 15, 1996. 16

    Idem, pg. 25. 17

    Idem, pg. 16.

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    diversos para subsidiar seu ensino e enriquecer seu acervo com imagens e gravuras. Irani desenvolveu sua prpria leitura sobre a arte, sua prpria leitura do mundo e citando Freire, percebemos a importncia que o autor d a leitura do mundo e a leitura da palavra.

    Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me referi acima, este movimento do mundo palavra e da palavra ao mundo est sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo atravs da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porm, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra no apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de escrev-lo ou de reescrev-lo, quer dizer, de transform-lo atravs de nossa prtica consciente18.

    No existe maior justificativa para fundamentar um trabalho do que possibilitar a percepo dos valores que se perdem no tempo quando no se valoriza a memria e a histria do nosso pas. Segundo Mae19, ainda temos vrios temas a serem pesquisados e est implcito um princpio histrico, do que tambm pode decorrer anlises de outros ncleos do movimento de Escolinhas de Arte, a fim da montagem de uma ampla histria deste fenmeno educacional. Possumos uma fonte riqussima de conhecimento e experincias que esto se perdendo e esta mais uma tentativa de reconstruir uma parte desta colcha de retalhos a qual faz parte a Histria da Arte Brasileira.

    18

    FREIRE, Paulo, A Importncia do Ato de Ler em trs artigos que se completam, pg. 13, 1989. 19

    apud CARVALHO, 2008, p. 272.

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    H uma distncia muito grande entre a imagem e o prprio fazer e a gente avalia o fazer depois de ter realizado um fato fsico [...] no cotidiano voc tambm est avaliando o tempo todo... tudo isto faz parte de um conjunto que vai tornar expressivo. [...] Eu acho que a gente no olha s com os olhos, a gente olha com o ser todo [...] a beleza e a viso tudo isto so coisas onde a pessoa responde com todo o seu ser intelectual, mas tambm sensvel e sensual.

    Fayga Ostrower (JANELA da Alma - trechos de seu depoimento no filme)

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    2 RESUMO BIOGRFICO DE IRANI CORRA PINTO

    Irani Corra Pinto, nasceu em 16 de novembro 1934, filha de Manoela Batista Nunes e Jos Correa Nunes. Comeou a pintar por volta dos 12 anos e costumava juntar os trocados que ganhava para comprar balas e ia para a papelaria de Dona Violeta Silveira para comprar tintas para pintar. Como sua famlia era muito grande, tinha 11 irmos, sempre foi difcil adquirir os materiais de que precisava e quando Katarina Sresnevska Zelentzeff mudou-se para Trs Rios, Irani comeou a fazer aulas de pintura com ela.

    05 - Irani quando criana

    Katarina Sresnevska Zelentzeff20, cursou a Escola Imperial de Belas Artes na Rssia, onde estudou com Nicholas Roerich21 e Anatole Kalgozodoff22, completando o curso num trabalho conjunto de grande importncia que foi o retrato da alma. Em 20

    AMARAL, Lucas Marques do, A Parreiras e seus artistas: crnica da Sociedade Belas Artes Antnio Parreiras e Dicionrio Biogrfico de alguns de seus artistas, FUNALFA Edies, p. 121-122, 2004. O escritor era amigo pessoal de Katarina e seu aluno de pintura. Em 1976, aos 88 anos, ela partiu em seus braos. 21

    Disponvel em: Nicolas Roerich encontra-se tambm com a grafia Nikolai Konstantinovich Rerich ou Nicholas Roerich. 22

    Disponvel em , grafia Anatol Kaigorodoff (1878-?), St. Petersburg, Rssia.

  • 26

    Trs Rios, Dona Katarina (como a chamavam) morou numa casa ampla com muitas mangueiras, em frente onde hoje o SESC, e manteve um atelier de 1945 a 1951 quando retornou para Juiz de Fora onde viveu at sua morte em 1976.

    Quando Irani comeou a estudar pintura, Dona Katarina lhe falou: voc gosta de cores quentes igual a mim. Foi ela quem lhe ensinou a preparar as telas para pintar e mostrava como aproveitar ao mximo os tubos de tintas, contando como durante o perodo da guerra, na Rssia, era difcil conseguir material e os tubos eram abertos e totalmente limpos para serem vendidos e reaproveitados pela indstria.

    Irani tinha cinco irms, sempre foi alegre e gostava de danar e at participou de muitos bailes no CAER (Clube Atltico Entre Rios) e se apresentava danando para ajudar a angariar dinheiro para as reformas do clube. Salienta-se o trabalho que Irani executou na Foto Jos, de propriedade de seu pai, de revelao de fotografia durante vrios anos, com quem aprendeu tambm a fazer retoques e colorizao de fotos. Vrias gravuras que Irani utilizou em suas aulas foram presentes de seu pai, Jos Corra Nunes, que sabia do seu interesse por arte e a ajudava a aumentar o seu acervo de imagens.

    06 - Irani e seu marido, Jlio Corra Pinto

    Irani comeou a lecionar pintura aos 20 anos de idade. Casou-se em 1959 com o comerciante Jlio Corra Pinto e, em funo do casamento, o casal parou de estudar no Colgio Ruy Barbosa e s pode retornar aos estudos anos mais tarde. Irani e Julio tiveram seis filhos de 1959 a 1967, Tnia, Rose Mary, Vnia, Jacqueline, Jlio Csar e Jorge Jos. Ficou afastada das aulas de pintura por uma longa

  • 27

    temporada e incentivada por sua amiga Dona Dia Louro voltou a dar aulas particulares.

    2.1 A experincia como educadora a partir da dcada de 60

    Irani comeou a dar aulas inicialmente para os sobrinhos de D. Dia Louro, (esposa do ex-prefeito da cidade Cesar Pereira Louro - 1959 a 1963), e depois foi gradualmente aumentando o nmero de alunos. Passou a dar aulas na casa em que morava na Travessa Santa Filomena, Bairro Porto Vermelho, em Trs Rios para crianas, adolescentes e adultos.

    07 - Irani, Jlio e seus filhos quando pequenos em 1967

  • 28

    08 - Irani, Jlio e seus filhos em 1969, na residncia da Travessa Santa Filomena

    Na dcada de 1970, Irani retornou aos estudos, completando a oitava srie.

    Mudou-se em 1974 para uma casa na Rua Baro do Rio Branco aonde ampliou

    muito seu nmero de alunos. Como necessitava de material para seus alunos de

    pintura ela comeou confeccionar os chassis das telas depois passou a encomendar

    de um marceneiro as ripas com um chanfro que o seu marido Jlio, montava e na

    qual ela esticava o tecido e dava o acabamento final. Utilizava o tecido tipo

    Americano e preparava uma mistura de cola de madeira com tinta PVA que aplicava

    em vrias demos at obter uma tela firme e bem esticada para as suas pinturas.

    Jlio, seu marido, apesar de no participar das exposies ou do aspecto

    mais social da arte, sempre ajudou na confeco de telas e na compra de materiais necessrios para o seu trabalho. Dirigia muitas vezes at os locais em que ela

    ensinava e muitas vezes, aguardava a aula terminar, ouvindo msica clssica no

    rdio da sua Variant.

  • 29

    09 - Em 1974 na casa Rua Baro do Rio Branco, aniversrio de 15 anos de sua filha primognita, Tnia.

    Em 1976 mudou-se para um apartamento no Conjunto Residencial que todos chamavam de BNH do Amrica (antiga sede de um clube de futebol). Passou a dar aulas na sala e abriu uma parede que dava para um dos quartos para ampliar seu espao de trabalho, seus dois meninos dormiam nesta saleta e num dos quartos ficava o casal e no outro ficavam suas quatro filhas. Foi um perodo de mudanas e eles adquiriram uma papelaria Arco ris - o que facilitou mais a aquisio de materiais diversos para desenho e pintura e ajudou a manter o custeio dos estudos de seus seis filhos no Colgio Ruy Barbosa. Iniciou em 1976, seu curso em Sapucaia23 no Colgio Gov. Roberto Silveira e neste mesmo ano realizou uma exposio com seus alunos. Posteriormente passou a dar aulas na residncia de Marinez Dutra que morava ao lado do Colgio. Durante este ano tambm participou da feira dominical de artesanato na Praa So Sebastio vendendo pinturas e artesanatos (entalhes e pirogravuras)24. 23

    Sapucaia um municpio do estado do Rio de Janeiro. Faz divisa com os municpios de Alm Paraba (MG), Carmo (RJ), Chiador (MG), So Jos do Vale do Rio Preto, Sumidouro e Trs Rios (RJ). A populao recenseada em 2008 foi de 17.352 habitantes. Ocupa uma rea de 540,35 km. 24

    Veja documento no anexo 1, p. 61.

  • 30

    10 - Exposio com alunos no Colgio Governador Roberto Silveira, Sapucaia - RJ (1976). Na foto a amiga e aluna, Lucia Helena dos Prazeres (Trs Rios).

    Em 1977 buscou aprofundar-se no estudo da arte participando da Sociedade Brasileira de Belas Artes na Rua do Lavradio, 84, no Rio de Janeiro o que lhe permitiu o aprimoramento em algumas tcnicas de pintura e tambm lhe rendeu elogios da professora Italiana Finalti que, afirmou para suas alunas ser Irani uma artista que j estava pronta25. Em seu acervo Irani possui uma das pinturas que executou durante este perodo:

    11 - Quadro realizado durante o curso na Sociedade Brasileira de Belas Artes (Rio de Janeiro)

    25

    Comentrio de Irani em julho de 2009 durante entrevista (ver recibo da Sociedade Brasileira de Belas Artes no anexo 2, p. 62).

  • 31

    Em 1977, Irani comeou a dar aulas em So Jos do Vale do Rio Preto - RJ (na poca era distrito de Petrpolis), situado na Regio Serrana Fluminense26. Irani e Jlio saam de Trs Rios cedinho, algumas vezes de nibus, outras numa antiga Variant, levando suas prprias telas e vrios materiais como, tintas e pincis, para vender para seus alunos, pois em So Jos estes materiais de pintura no eram encontrados. Normalmente estas aulas eram aos sbados e ela tinha como auxiliares suas filhas, Tnia e Rose Mary que ajudavam na distribuio dos materiais e nas orientaes passadas para alguns alunos.

    12 - Irani e seus alunos na Escola Municipal Santa Isabel na localidade de Jaguara em So Jos do Vale do Rio Preto (1978). No alto a direita, a diretora Nair Eblen Antunes e Irani.

    Comeou tambm neste mesmo ano a realizar trabalhos na procisso de Corpus Christi confeccionando quadros com p de mrmore tingido. Durante vrios anos os trabalhos de Irani chamaram a ateno nas ruas da cidade e seus alunos e filhas ajudavam nesta tarefa. Em 1978, Rose Mary iniciou o curso de Desenho e Artes Plsticas na UFJF e, pouco depois, comeou a ajudar na divulgao de seu trabalho, pois comearam a expor juntas em Trs Rios e Juiz de Fora. 26

    So Jos do Vale do Rio Preto - Encontra-se na regio serrana do Estado do Rio de Janeiro e faz divisa com os municpios de Petrpolis, Sapucaia, Sumidouro, Terespolis e Trs Rios. Possui aproximadamente 269 km2 de extenso territorial. A populao do Municpio, segundo o Censo Demogrfico de 2006 do IBGE, de 21.375 habitantes. o maior produtor hortifrutigranjeiro do Estado do Rio de Janeiro.

  • 32

    13 - Detalhes da decorao de Corpus Christi realizada por Irani (1994)

    Durante o incio da dcada de 1980 comeou a dar aulas em Areal27 e Posse (distrito de Petrpolis) acompanhada de suas filhas Tnia, Jacqueline e Vnia que se revezavam. As aulas aconteciam na casa de amigas de Irani em Areal e na estrada da Posse ( caminho de So Jos) na residncia de Emlia Bagio28. Em Posse, Irani fez um painel ao fundo do altar universal no prdio da comunidade da Fraternidade Ecltica Espiritualista Universal (1983) e um retrato de Nicolas Camile Flammarion (1984)29.

    Deu aulas no SESC - Trs Rios, substituindo uma professora que estava de licena na poca, e ao fim deste perodo realizou uma exposio com os alunos na sede do SESC.

    Irani lecionou ininterruptamente at fins de 1980 quando esteve afastada durante alguns anos sem lecionar, devido a um tratamento contra alergia, mas no deixou de pintar porque dizia ser impossvel parar totalmente. No incio da dcada de 1990, Irani aposentou-se como artes, j que no havia a regulamentao da profisso de artista plstica no INPS (Instituto Nacional de Previdncia Social). 27

    Areal - Emancipado de Trs Rios em 1993, encontra-se na regio centro fluminense e faz divisa com Paraba do Sul, Petrpolis e Trs Rios. Possui aproximadamente 110,5 Km2 de extenso territorial. A populao do Municpio de 11.797 habitantes. 28

    Emlia de Oliveira Rodrigues Bagio, residente na Estrada Silveira Mota - Posse Petrpolis (RJ). 29

    Veja foto e documento nos anexos 3 e 4, pginas 63 e 64 respectivamente.

  • 33

    2.1.1 Irani em Juiz de Fora

    Em 1991 volta a expor e realiza uma mostra denominada Famlia Corra Pinto com seus seis filhos no espao cultural BANESPA, esta exposio foi organizada por sua filha Rose e foi exposta tambm no Realce Arte Bar (que funcionava na Rua Braz Bernardino) em Juiz de Fora. A partir da teve incio um perodo em que Irani participou de vrias exposies e eventos artsticos promovidos pela FUNALFA em Juiz de Fora.

    14 - Foto do convite da exposio Famlia Corra Pinto realizada no BANESPA em 1991. Da esq. para a direita: Jacqueline, Jorge Jos, Irani, Rose Mary e Julio Csar.

    Sentados: Tnia e Vnia.

    Em 1992 Irani deu aulas de desenho e pintura no ateli de Artes Plsticas no CCBM (Centro Cultural Bernardo Mascarenhas) situado na Avenida Getulio Vargas, em Juiz de Fora. Realizou mais duas exposies no CCBM neste mesmo ano: a primeira com sua filha Rose Valverde no perodo de julho a agosto e a Exposio "Trs Geraes" com Rose Valverde e sua neta Alline Valverde (ento com nove anos) de 10 a 28 de dezembro no Salo Inferior Norte do CCBM.

  • 34

    De 1994 a 1998, Irani exps em Miguel Pereira e em Trs Rios por vrias ocasies. No mesmo perodo montou um atelier Rua Tupinambs, no Bairro Monte Castelo, em Trs Rios30.

    A partir de 2000 transferiu seu atelier para a Av. Dr. Vasconcellos, 203 no Centro da cidade aonde mantinha uma exposio permanente com suas obras.

    Em 06 de maro de 1999 recebeu o certificado Viriato Correa do Grupo de Amadores Teatrais Viriato Corra pelo seu trabalho na rea de Artes Plsticas em Trs Rios.

    15 - Certificado Viriato Corra, recebido por Irani em 1999

    Em setembro de 2000 Irani inaugurou a exposio Magia Cigana realizada no Salo de Festas de sua filha Tnia, tendo como organizadora do evento sua outra filha, Rose Valverde. A mostra contou com 42 quadros cujo tema era a vida dos ciganos, recriando seus costumes, sua dana, e sua paixo pela liberdade.

    30

    Ver Biografia no Anexo 7, pg. 67.

  • 35

    16 - O Vereador Amauri Rodrigues e Irani no vernissage da exposio Magia Cigana em Trs Rios

    Recebeu ainda neste ano, atravs do Sr. Vereador Modesto Jos de Freitas, a Moo de aplausos da Cmara Municipal de Trs Rios pela realizao de sua exposio Magia Cigana e pela dedicao e competncia artstica e sua busca pelo aprimoramento da cultura em sua cidade31. Em 2003, Rose organizou no Clube Bom Pastor em Juiz de Fora a exposio Magia Cigana reunindo 24 obras de Irani (parte das obras da mostra anterior exposta em Trs Rios), 11 obras de Rose Valverde e 06 obras de Jorge Corra Pinto. O vernissage da exposio contou com uma apresentao de um grupo de dana do Centro de Cultura Cigana de Juiz de Fora e foi documentada pelo colunista Jos Luiz Magro no programa Fatos em Foco, exibido pela TV Alterosa.

    31

    Veja documento da Moo de Aplausos no Anexo 6, pg. 66.

  • 36

    17 - Momento da entrevista concedida para o programa Fatos em Foco.

    A partir de ento Irani tem realizado suas obras no ateli, em sua residncia, num stio na Estrada Bela Vista. Executa quadros feitos por encomenda, no tendo realizado desde ento exposies de seus quadros em galerias.

    2.2 Suas referncias tericas e imagticas

    Irani contou que sempre gostou de ler e citou alguns exemplos, como a coleo dos livros de Humberto de Campos, que eram do Dr. Rubens, um amigo da famlia.

    Seu futuro cunhado, David, que veio a casar-se com Iraid, lhe deu de presente o livro MANET NO BRASIL: estudo comemorativo da passagem do centenrio da visita do pintor ao Rio de Janeiro e lhe endereou a seguinte dedicatria transcrita do livro32.

    [Irany, fiquei satisfeitssimo de ver que voc est se esforando seriamente no sentido de ser uma moa culta e instruda, alm de artista inata que ... Estou certo que voc ser sempre para seus irmos menores o exemplo de aplicao e dedicao ao saber. Muito me alegra que voc esteja adquirindo esta cultura e instruo num colgio evanglico de orientao sadia e crist. Certo estou que esta biografia de Manet concorrer para aumentar o subsidio de seus conhecimentos na arte para a qual nasceu voc33.

    32

    Ver imagem escaneada no Anexo 3, pg. 63. 33

    David Genuncio ex-professor de qumica da ETPC (Escola Tcnica Pandi Calgeras), Volta Redonda - RJ.

  • 37

    De fato, o colgio em que Irani estudava era de orientao Evanglica, mas Irani posteriormente optou pela Doutrina Esprita e instruiu seus filhos de acordo com o Evangelho Esprita. Conforme citei anteriormente, ela lia para seus filhos parbolas e histrias espritas34. Um interessante relato de Irani foi a historia de um casal de namorados que adoravam as revistas Readers Digest e quando se casaram, por possurem duas colees, doaram uma delas para ela. E como ela conta, leu todas as revistas em pouco tempo.

    Irani comprava muitos livros que na poca eram vendidos de porta em porta e se tornou compradora assdua de livros de arte, muitas vezes encomendava livros especficos como uma coleo de livros que ensinava tcnicas de Artesanato, a coleo Os bichos e outros livros de tcnicas de pintura35.

    2.3 Materiais e tcnicas utilizadas em suas aulas

    Num questionrio apresentado a Irani36 ela descreve suas atividades em sala de aula. Em conversa em Juiz de Fora, conta que aprendeu a preparar suas telas com Katarina e que inicialmente aplicava uma mistura de leo de linhaa com gelatina derretida e tinta branca (a base dgua) sobre o tecido e a esticava em estruturas de madeira. Depois de vrias experimentaes comeou a usar a tinta Coralmur com cola de madeira derretida em banho-maria37.

    2.4 Descrio de outras atividades artsticas

    Artes aplicadas

    Irani confeccionava peas de artesanato como: vasos feito em papelo, revestido com cereais (arroz e macarro) e pintado com tinta spray, e objetos reciclados e reaproveitados que se transformavam em mini-quadros e enfeites. Fazia tamancos e sandlias. Pintava jaquetas Jeans e camisetas (com ilustraes de capas de CD, paisagens, flores, animais). Trabalhava com Pirogrfo38, fazendo pinturas em madeira mesclando a tcnica de pirogravura com pintura.

    34

    Conforme citado no captulo 1, pg. 21. 35

    Materiais Didticos utilizados nas aulas por Irani. Anexo 8, pg. 70. 36

    Relato com questes enviadas por email e respondido por Irani (manuscrito), ver anexo 9, pg. 72. 37

    Relato fornecido dia 25 de outubro de 2009, quando esteve em visita a Juiz de Fora. 38

    Equipamento eltrico que possui um pequeno basto com ponteiras de metal de vrios tamanhos e formatos, utilizado para pirogravuras em couro, cortia, madeira e veludo.

  • 38

    Com seus setenta e cinco anos, Irani continua a realizar trabalhos nos quais mescla o artesanato e a pintura e faz desta atividade uma distrao e como ela mesma diz, uma forma de passar o tempo. A atividade artstica sua fonte de energia e no seu dia-a-dia em seu stio trabalha durante horas curtindo o ato de pintar.

    18 - Irani trabalhando em seu atelier no stio.

    Artesanato confeccionado por Irani em seu atelier

    19 20

  • 39

    21 22

    23 24

    25 26 27

  • 40

    28

    2.5 Impresses sobre a Arte

    Em julho de 2009 realizei uma gravao em vdeo com Irani executando uma pintura de flores. Enquanto pintava, relembrava fatos de sua adolescncia, as dificuldades para conseguir material de pintura, quando conheceu Dona Katarina e outros acontecimentos de sua vida39. Em menos de meia hora Irani deslizando o pincel sobre a tela criou um pequeno quadro de flores, que como ela mesma diz, sua paixo.

    29 Irani pintando em seu atelier

    39

    Vdeo Iraniarts 2009, postado por Rose Valverde no Youtube, Disponvel em: < http://www.youtube.com/watch?v=-Q87sW2rLzg>.

  • 41

    30 31

    Extrai desse vdeo alguns comentrios que salienta a sua paixo pela pintura e a sua admirao pela Dona Katarina, como quando ela diz: [...]Em tudo que eu pudesse eu pintava [...]. Sobre a profa Katarina S. Zetentzeff: [...] ela me ensinou muita coisa de arte, que eu trago comigo. E ainda sobre arte: Arte no tem mistrio no... No gosto de cpia...40. A minha arte veio atravs do olhar e, nossa maior mestra a natureza 41.

    Irani possui um perfil no Orkut Irani Arts - para manter contato com familiares, amigos, ex-alunos e clientes. Mantm tambm um arquivo com seu currculo e algumas de suas obras no blog: .

    40

    Trecho do depoimento, Vdeo Iraniarts 2009, postado por Rose Valverde no Youtube, Disponvel em: < http://www.youtube.com/watch?v=-Q87sW2rLzg>. 41

    Depoimento fornecido por telefone em 18/10/2009.

  • 42

    O escasso valor que se vinha dando Arte na Educao afastou o artista das salas de aula. Traz-lo para dentro da escola vencer o preconceito contra a Arte.

    Teoria e prtica da educao artstica (ANA MAE BARBOSA, 1975)

  • 43

    3 RESULTADOS OBTIDOS NO ENSINO DE ARTE POR IRANI C. PINTO

    Alm de ensinar no seu ateli em Trs Rios, Irani tambm deu aulas nas cidades de Sapucaia e So Jos do Vale do Rio Preto, nos distritos de Areal (ex-distrito de Trs Rios) e Posse (distrito de Petrpolis) e, ainda por um pequeno perodo em Juiz de Fora. Em Trs Rios alm das aulas que ministrou em vrios locais, Irani tambm realizava freqentes exposies com seus alunos em praas e locais pblicos, participou de feiras de artesanato e eventos artsticos procurando sempre levar a arte comunidade.

    Neste levantamento conseguiu-se reunir cerca de 200 fichas de ex-alunos42 (parte do seu arquivo particular) que freqentavam as aulas de desenho, pintura e pintura em tecido. Reuniu-se tambm alguns depoimentos para ampliar as informaes sobre o ensino de arte em Trs Rios e as conseqncias do trabalho que Irani desenvolveu por mais de trinta anos como arte-educadora.

    Em 2009, Irani recebeu de seu neto Yuri43 um presente especial, a montagem de seu blog e seu endereo no ORKUT, com o objetivo de divulgar seu trabalho, mostrar o seu acervo e efetuar contatos com ex-alunos e amigos. Atravs deste meio conseguiu-se o depoimento da ex-aluna, Telma Cardoso Sabione Milagres, que estudou com ela na dcada de 1970:

    Voc faz parte da minha histria e agradeo sempre a Deus por isso!!! Portanto, esquec-la se torna impossvel. Voc sempre foi minha referencia de vida. At hoje, quando me vejo em apuros por qualquer situao, penso: o que a Irani faria se estivesse no meu lugar? Imediatamente minha mente clareia e surge a soluo do problema... Desculpe-me, mas, embora voc no saiba, desfruto de todos os seus poderes sensitivos at hoje. Voc me ensinou a us-los e fui boa aluna... Tenho certeza que voc est bem, pois pessoas como voc, mesmo que enfrente, eventualmente, alguma adversidade, recebe-a como presente de Deus e usa-a para crescimento, por isso, no cabe a pergunta (Como voc est, espero que bem) Tenho certeza que est bem e ponto final. Quando ao chapeuzinho de angu, jamais esquecerei, pois aquela foi a melhor poca da minha vida... Minha filha j Mdica na rea de Onco-Hematologia, ou seja, doenas e canceres de sangue, transplante de medula ssea, etc... Atualmente trabalha no HU - Hospital Universitrio de Juiz de Fora, Hospital Santa Teresa em Petrpolis e Hospital Alcides Carneiro em Petrpolis. Obrigada por isso tambm, pois para educ-la, tomei como referencia a forma como voc

    42

    Veja listagem dos alunos no Anexo 10, pgina 76. 43

    Yuri filho de Vnia Corra Pinto Soares e Oswaldo Coutinho Soares.

  • 44

    educava seus filhos, carinho, muito dilogo, limites, incentivo, coragem e acima de tudo muito amor... Atravs da Fernanda tomei conhecimento do falecimento da Irene. Fiquei muito mal por vrios dias. No sei lidar direito com isso ainda no [...].

    Em 2007, Irani reencontrou seu ex-aluno Joel da Silva Melo44 que lhe endereou o seguinte depoimento:

    Parece que o tempo no passou para voc. s feito as grandes obras, quanto mais o tempo passa to bom de se rever... Joel Melo ...............................................................................................

    Minha mestra de arte Irani Dificilmente te ver, s feito grandes obras, tens o momento certo para acontecer... Um amigo da Arte, hoje formado em Artes Plsticas, que sempre te admirei como a grande mestra que foi para mim...

    Um ex-aluno de pintura Joel Melo 10-07-07

    3.1 Promovendo encontros com ex-alunos

    Na tentativa de reunir mais informaes sobre seu trabalho promoveu-se alguns encontros entre Irani e alguns ex-alunos que ocorreram no incio de Janeiro de 2010.

    O primeiro encontro aconteceu com o ex-aluno Jorge Luiz Conde das Neves, atualmente Cirurgio Dentista com consultrio na Rua Dr. Walmir Peanha, 64 (2 andar) em Trs Rios. Jorge foi um dos primeiros alunos de Irani, comeou a estudar ainda adolescente e em meio h muita emoo e risos, lembrou das artes que fazia durante as aulas e contou, sobre os quadros que fez neste perodo e que ainda possui em sua casa.

    44

    Joel da Silva Melo estudou pintura com Irani no ano de 1981, quando ela residia na Rua 7 de Setembro, prximo ao Colgio Walter Francklin. Formou-se em Artes na Universo - Niteri. Atualmente ensina atividades artsticas para idosos numa Instituio de Trs Rios. Veja Anexo 14, pg. 86.

  • 45

    32 - Irani e seu ex-aluno Jorge Luiz Conde das Neves

    Jorge lembrou que seu amigo Ronaldo, o Pulginha, estudou tambm na mesma poca e que ele chegou a iniciar seu curso na UFJF em Artes, mas no concluiu. Pintou durante muitos anos e hoje com problemas de sade parou suas atividades artsticas.

    No mesmo prdio, situado Rua Dr. Walmir Peanha, aconteceu o segundo encontro, agora com sua ex-aluna, Rosangela Vale de Miranda, que iniciou seus estudos quando Irani ainda morava no BNH do Amrica. Rosangela tornou-se sua amiga e colaborou muito com Irani nas exposies realizadas em Trs Rios, Sapucaia e Miguel Pereira. Durante vrios anos ajudou no transporte das obras de Irani e de seus alunos para as praas e locais de exposio variados, pois dirigia muito bem e valorizava a iniciativa de Irani de aproximar a arte da comunidade, divulgando e vendendo as obras que produziam.

    Rosangela atualmente advogada, mas guarda ainda diversos trabalhos realizados durante este perodo que como ela diz: deixou boas lembranas.

  • 46

    33 - Irani e sua ex-aluna Rosangela Vale de Miranda

    Na tarde do dia 08 de janeiro de 2009, realizamos outro encontro importante com a ex-aluna Aparecida de Souza de Oliveira45, residente na Rua So Jos, 1938 (atrs da UPA). Conforme relatou Dona Aparecida46, seu encontro com a arte foi um presente de Deus.

    Aparecida participou de vrias exposies em Trs Rios e Petrpolis, mudou-se para Rondnia onde continuou atuando como artista e realizou vrias exposies, confeccionou obras sobre locais e fatos histricos da cidade, pintou grandes murais encomendados por rgos Pblicos de Rondnia. Recebeu prmio de 2 lugar no Concurso Listel / Teleron, tendo seu trabalho publicado na capa da lista telefnica de 1998 (foto 35 e 36). Possui trs obras no acervo da Fundao Cultural de Rondnia aonde retratou a Estrada de Ferro Madeira-Mamor, galpes antigos e a Fauna da regio. Atualmente mora em Trs Rios e possui em seu acervo mais de trinta obras alm das pinturas murais que ela executou em sua residncia.

    45

    Aparecida de Souza de Oliveira reside na Rua So Jos, 1938 (atrs da UPA) - Trs Rios (RJ). 46

    Veja mais trechos de seu depoimento em vdeo, transcrito no Anexo 11, pg. 80.

  • 47

    34 - Irani observando o painel realizado por Aparecida de Souza de Oliveira

    35 - Aparecida com a obra premiada pela Listel/Teleron

  • 48

    36 Capa do Guia de Porto Velho com a obra de Aparecida

    3.2 Visita a So Jos do Vale do Rio Preto

    Em 09 de janeiro, eu, Irani, Jacqueline (sua quarta filha) e seu filho Daniel, em uma rpida visita a So Jose do Vale do Rio Preto, conseguimos rever vrios locais aonde Irani lecionou. Passamos primeiro na Escola Municipal Santa Isabel (localidade de Jaguara) que na poca era dirigida por Nair Eblen Antunes (j falecida) e foi aonde comeou seu curso de desenho e pintura que possibilitou durante anos a realizao do encontro desses alunos com a arte.

    37 - Escola Municipal Santa Isabel na localidade de Jaguara

  • 49

    O segundo local visitado foi a sede da Parquia da Igreja Matriz de So Jos localizada na Praa Domingos Scali, aonde Irani tambm lecionou no perodo de 1977 at meados da dcada de 1980, mantendo uma mdia de 14 alunos em cada aula47.

    38 - Parquia da Igreja de So Jos aonde Irani lecionou aps 1977 at meados de 80.

    O prdio da Parquia da Igreja Matriz de So Jos situa-se no centro de So Jos do Vale do Rio Preto, e neste local Irani, conheceu uma das alunas que a acompanhou durante praticamente todo este perodo: Nazir Pacheco Furtado, que colaborou conosco fornecendo nomes e apresentando alguns quadros existentes no Hotel Fazenda Valverde, de sua propriedade.

    Estudaram tambm no mesmo perodo que Nazir, sua irm adotiva, Maria Angela, sua filha Elizabete Furtado Cardoso e Maria Luisa Faraco (esposa do prefeito Adilson Faraco Brugger de Oliveira, reeleito na atual gesto, 2008-2012) e a filha de Maria Luisa.

    De todos os alunos que estudaram em So Jos somente Rita Pacheco continuou trabalhando com arte e d aulas tambm. Infelizmente, no conseguimos nos encontrar com Rita nesta ocasio, mas soubemos pela Nazir, que ela d aula de pintura e desenho para vrios alunos na sua residncia em So Jos.

    47

    Veja listagem de alunos fornecida por Nazir Furtado, no Anexo 12, pg.81.

  • 50

    39 - Irani e Nazir na frente do Hotel Fazenda Valverde

    40 Navio leo sobre tela de Nazir pintado durante o curso (sem data)

    Chegamos ento Fazenda Valverde e, nesta fazenda que data da poca do Imprio, encontrei alm de um extenso acervo de mveis e objetos antigos,

  • 51

    expostas em suas paredes algumas obras da Nazir, da Elizabete (sua filha)48 e da Magna (sua Nora)49, realizados no perodo em que estudaram Pintura com Irani.

    41 - Cristo leo sobre tela de Nazir (sem data)

    42 - Quadro Preto Velho de Elizabete Furtado Cardoso leo sobre tela 60x80 (1978) 48

    Quadros pintados por Elizabete figuras 42, 43 e 44. 49

    Quadro pintado por Magna, figura 45.

  • 52

    43 - Quadro Cristo, Maria e Jos de Elizabete - leo sobre tela - 80x100 (1984)

    44 - Quadro Paisagem de Elizabete leo sobre tela - 80x120 (11/03/1978)

  • 53

    45 - Quadro Casario de Magna leo sobre tela 30x60 (02/04/1980)

    Segundo o relato de Irani, ela possua uma sala imensa cheia de quadros que produziu durante o tempo em que ela lecionava em So Jos. Nazir informou que nestes anos presenteou vrias pessoas com seus quadros, mas ainda mantm muitos no prprio casaro do Hotel. Aprender a criar, desenvolveu em Nazir uma energia dinmica e produtiva que mobiliza suas aes e, a sua gratido por Irani, pelo que observei, se deve ao fato de que ela abriu as portas para este aprendizado.

    Foi um encontro emocionante o que presenciei, pois pude rever esta mulher pequena na estatura, mas grande nos ideais e na fora ao dirigir o Hotel Fazenda Valverde com tanta dedicao e cuidado procurando preservar seus objetos artsticos e peas da poca da escravido e fins do Imprio.

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    3.3 Depoimento de Valria - ex-aluna do SESC / TR

    Em 2006 fui convidada para fazer parte do grupo focal da Prof.a Valria que estava finalizando sua tese de mestrado sobre: Concepes e prticas de professores de artes visuais pela Faculdade de Educao UFJF50. Na poca conversamos muito sobre o ensino de Arte, mas eu nem sabia de onde ela era.

    Coincidncia ou no, o depoimento de Valria Maia Soares Bittar, surgiu de uma maneira imprevisvel. H pouco tempo quando trocamos alguns emails na tentativa de programar nossa participao no Congresso Latinoamericano e Caribenho de Arte Educadores em BH, comentei que estava fazendo o trabalho final da minha ps-graduao, sobre minha me, que morava em Trs Rios. Depois de vrias trocas de emails vimos que ela foi aluna de Irani, quando lecionou no SESC, bem antes da Valria fazer o vestibular para o curso de artes.

    46 - A Prof.a Valria Maia Soares Bittar e a autora no Congresso da CONFAEB em BH

    Fomos ao Congresso e conversamos um pouco sobre o contato que Valria teve com Irani, e algumas coisas que ela se lembrava. Mas como estvamos com muitas atividades e ela me comunicou que ia mudar para So Paulo no fim de ano, ficou de me enviar posteriormente por email o seu depoimento51.

    50

    BITTAR, Valria Maia Soares, Concepes e prticas de professores de artes visuais, Dissertao (Mestrado em Educao), Juiz de Fora, 2007. Disponvel em: . 51

    Veja a correspondncia eletrnica e o seu depoimento no Anexo 13, p. 82.

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    3.4 Repassando conhecimentos

    O reconhecimento da concepo da arte como conhecimento de vital importncia para sedimentar o ensino de arte no Brasil, precisamos valorizar a contribuio daqueles que fizeram parte desta luta, buscando desenvolver a criatividade, o pensamento crtico, as habilidades artsticas de jovens e adultos que buscam na arte a realizao de seu potencial criador. SILVA e ARAJO em seu estudo sobre Tendncias e Concepes do Ensino de Arte na Educao Escolar Brasileira: Um Estudo a Partir da Trajetria Histrica e Scio-Epistemolgica na Arte/Educao dizem:

    Ao contrrio da concepo de ensino como tcnica que valoriza o produto artstico em detrimento do processo e da concepo de ensino de arte como expresso que supervaloriza o processo, dando pouca importncia ao produto esttico , a concepo de arte como conhecimento vem buscando a valorizao tanto do produto artstico como dos processos desencadeados no ensino de arte, trazendo para o contexto atual da Arte/Educao a idia de arte como processo e produto, que vem sendo defendida por Barbosa (1975), desde a dcada de 1970. Na contemporaneidade, a concepo de ensino de arte como conhecimento vem sendo apontada pelos diferentes estudos, como a orientao mais adequada para o desenvolvimento do ensino de arte na educao escolar.

    A maneira pela qual Irani repassou seus conhecimentos mostra sua preocupao no s com o produto realizado, mas tambm com o processo de ensino. Sua maneira de ensinar privilegiava principalmente a valorizao do aluno e v-se que buscou atravs do estmulo e do incentivo despertar neles o desejo de continuar, caminhando e lutando por seus sonhos.

    Participei destes encontros no como filha, mas como aluna que fui, j que ela me orientou em vrios trabalhos que realizei. Percebe-se a importncia da sua paixo pela arte e como ela colheu de seus alunos a admirao e o carinho cujos gestos eu presenciei nestes encontros. Sua emoo ficou evidente com toda a manifestao de afeto que recebeu, e ainda, tenho certeza que ela sentiu que a arte tratada como um conhecimento, e no somente para liberar uma emoo pode oferecer educao cognitiva, e educao emocional" como diz Ana Mae52.

    52

    BARBOSA, Ana Mae, Arte, Educao e Cultura, Apostila da disciplina Cultura e Educao da Ps Graduao em Arte, Cultura e Educao / IAD UJFJ. Disponvel em:

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    CONSIDERAES FINAIS

    Aps meses de pesquisa, buscando informaes em sites, enviando emails para rgos de comunicao, reunindo documentos e revistas antigas, percebi que a cidade de Trs Rios carece de base de informaes e que sua histria precisa urgentemente ser escrita e documentada para que no se perca o trabalho de tantos artistas e profissionais da cidade.

    Encontrei sites com informaes falhas e incompletas, procurei fazer contatos e no obtive muitas respostas. Preocupo-me com a falta de ateno de vrios profissionais ligados a cultura em relao a memria e a historia do municpio. Incomoda-me o fato de Trs Rios no possuir ainda uma Lei de Incentivo Cultural, que o caminho mais fcil para se trabalhar com a preservao e a divulgao do patrimnio artstico e cultural do municpio.

    A maioria das informaes que obtive foi com a prpria artista e outros arquivos de meu acervo pessoal e de amigos. Nestes momentos a gente percebe a fragilidade do relato histrico, que se concentra nas mos de algumas pessoas mais conscientes e preocupadas com sua memria, e que procuram salvar o pouco que resta desta histria.

    Acredito que no primeiro captulo foi possvel perceber que o trabalho que Irani desenvolveu em Trs Rios semelhante ao de outros artistas espalhados pelo Brasil afora, comprometidos com o ensino de Artes e preocupado em ampliar o nmero de pessoas atuando nesta rea.

    O relato de Ana Mae Barbosa sobre o ensino de Arte e a descrio que ela fez sobre a escultora Jeanne Milde foi tambm uma mostra de que a mulher artista tambm teve um papel importante no ensino de arte no Brasil, j que at ento a maioria dos artistas de que tnhamos conhecimento eram homens.

    O fato de perceber um pequeno nmero de mulheres atuando na Arte na dcada de 1960, nos permite situar Irani numa posio de pioneirismo em relao ao ensino de Arte, pois era raro na poca uma senhora, me de seis filhos, dar aulas em casa e viajar pelos arredores com suas bolsas repletas de materiais artsticos e

    , Acesso 24 ago. 2009.

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    telas para ensinar desenho e pintura em comunidades pequenas mas, interessadas em aprender.

    Entendo que o segundo captulo possibilitou relatar um pouco mais a histria e a dedicao que Irani tinha ao seu trabalho como arte-educadora, pois sua luta no era s pela sobrevivncia, mas tambm pela vontade de divulgar a Arte onde fosse preciso. Nas aulas em sua casa ou nas localidades para onde se locomovia para ensinar, Irani sempre contou com a ajuda de suas filhas e de amigas que compactuavam da mesma dedicao Arte. Mesmo com os problemas de sade que adquiriu no contato com tintas e materiais com alta toxidade, Irani no se afastou de sua paixo pela pintura, mostrando mais uma vez que a arte essencial para sua vida e como ela mesma diz, constantemente, se eu parar de pintar eu morro.

    Terminei o terceiro captulo com uma sensao de misso cumprida. lgico que teria muito mais para pesquisar e mostrar, mas, acredito que, os depoimentos e comentrios que obtive, demonstrou sem dvida a cumplicidade que Irani teve com seus alunos em relao criao artstica. A liberdade de buscar solues, analisar efeitos e pesquisar materiais diversos possibilitou aos seus alunos exercitarem seu lado crtico e tambm colocar em prtica a ousadia na hora de criar.

    Percebi desde o incio que no poderia deixar de promover alguns encontros com seus ex-alunos e os depoimentos que obtive so uma amostra de quanto ela se envolveu com o ensino de arte e como era atenciosa com cada um deles. A sua lista de alunos est incompleta, pois depois de tantos anos, muitas fichas e dados se perderam e em alguns momentos tinha tantos afazeres que no se preocupava muito em preench-las, mas com a ajuda de suas filhas e de alguns ex-alunos acredito que consegui refazer um pouco desta colcha de retalhos que representa a sua historia e a coloca na historia do ensino de arte no Brasil como mais uma pea, entre tantas que souberam muito bem cumprir a sua parte.

    Citando Bento (Apud Ambroise Vollard ), que no cpitulo Uma conversa em Veneza do livro Manet no Brasil, reproduz uma conversa de Charles Toch elogiando o quadro de Manet Les Pieux Du Grand Canal sobre a atmosfera veneziana do quadro e ouviu de Manet a seguinte confisso:

    [...] - No foi na escola que aprendi a construir um quadro. No dia mesmo de minha entrada no curso de Couture, deram-me para

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    copiar a tela dum mestre antigo. Apesar de revir-la em todos os sentidos, Manet no encontrou interesse na composio nem, por sua vez, no trabalho de cpia que lhe mandaram fazer, tendo acrescentado: - Em breve, aps duas ou trs tentativas, desisti de procurar qualquer coisa na arte antiga. Em seguida observao, o pintor ajuntaria: - Mas, aprendi muito durante minha viagem ao Brasil. Quantas noites passei olhando na esteira do navio os jogos de sombra e de luz! Durante o dia, na parte superior, eu no tirava os olhos da linha do horizonte. Eis o que me revelou a maneira de traar um cu53.

    Quando comecei minha pesquisa s encontramos a primeira pgina com a dedicatria do livro de Bento, sobre a viagem de Manet ao Brasil, mas no final do ano, quando organizava alguns documentos encontrei o livro de Irani. Nem lembrava que estava comigo, mas comecei a ler at que encontrei o trecho que citei acima e que me lembrou de sua fala: A minha arte veio atravs do olhar e, nossa maior mestra a natureza. Enfim, independente de estilos, teorias e processos desses artistas a arte do encontro que transformou suas vidas se deu atravs da natureza.

    Espero que esta pesquisa possa servir de exemplo para outros jovens sonhadores em busca da aventura e da paixo que a arte proporciona, alimentando seus dias e iluminando sua vida.

    53

    BENTO, Antonio, Apud Ambroise Vollard. Souvenirs dum Marchand de Tableaux, ditions Albin Michel, Paris, pg. 177.