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Autores Bruno Zeni Stélio Furlan Romantismo e Realismo na Literatura Portuguesa 2009 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br

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AutoresBruno Zeni Stélio Furlan

Romantismo e Realismo

na Literatura Portuguesa

2009

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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR

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Z54 Zeni, Bruno; Furlan, Stélio / Romantismo e Realismo na Literatura Portuguesa. / Bruno Zeni; Stélio Furlan

— Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009.188 p.

ISBN: 978-85-7638-895-1

1. Literatura Portuguesa – História e Crítica. 2. Poesia. 3. Prosa. 4. Movimentos Literários. I. Título.

CDD 869.09

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Sumário

Trovadorismo | 7

Classicismo: poesia lírica | 21Lírica clássica: Camões | 23Conclusão | 29

Classicismo: poesia épica | 37Conceito de epopéia | 39Os Lusíadas: um prodígio arquitetônico | 39Conclusão | 50

Barroco | 55Pode-se falar em Barroco? | 55Poesia barroca portuguesa | 57Prosa barroca portuguesa | 61Conclusão | 65

Arcadismo | 71A reação contra o Barroco literário | 72Principais lemas dos poetas árcades | 74Bocage e o Arcadismo | 78Conclusão | 79

A alma romântica | 87Introdução | 87Contexto histórico | 88O espírito romântico | 90Os três momentos do Romantismo português | 93Primeiras obras românticas em Portugal | 95

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O primeiro momento romântico | 101Introdução | 101Almeida Garrett | 102Alexandre Herculano | 105António Feliciano de Castilho | 107

O Ultra-Romantismo | 113Entre a paixão e a melancolia | 113Soares de Passos | 114Camilo Castelo Branco | 117Outros autores ultra-românticos | 119

A Questão Coimbrã e a transição para o Realismo | 123O terceiro momento romântico | 123A polêmica entre Castilho e Antero de Quental | 124João de Deus | 125Júlio Dinis | 128Outros autores do terceiro momento romântico | 130

O Realismo em Portugal | 135Introdução | 135Contexto histórico e ideológico do movimento na Europa | 136Características do movimento | 137Principais nomes do Realismo na Europa | 138O Realismo em Portugal | 139As primeiras manifestações realistas | 142

A prosa realista | 147Introdução | 147Eça de Queirós | 148Eça e Machado | 152Outros prosadores | 153

A poesia realista | 159A Geração de 70 e a poesia | 159Antero de Quental | 160Cesário Verde | 163

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Apresentação

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Carlos Drummond de Andrade

“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: ‘Navegar é pre-ciso, viver não é preciso’. Quero para mim o espírito [d]esta frase, trans-formada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar”. Essa conhecida passagem de Fernando Pessoa serve-nos de mote para justificarmos as travessias e os percursos pelo vas-to espaço da Literatura Portuguesa.

O objetivo principal é o de compreender elementos para o estudo crítico-produtivo das manifestações canônicas da Literatura Portuguesa, entre 1189 e 1890, situando-a no contexto da literatura ocidental. Utiliza-remos essas datas menos como marcos definitivos do que como balizas temporais para localizarmos, entre aproximações e distanciamentos, cada arte poética ao longo desse recorte temporal.

Como estratégia de leitura, vamos centrar nosso investimento dis-cursivo e investigativo no que singulariza as diferentes manifestações li-terárias do medievo ao final do século XIX, a saber: o Trovadorismo (séc.XII – XV), o Classicismo (1527-1580), o Barroco (1580-1765), o Arcadismo (1756-1825), o Romantismo (1825-1865) e o Realismo (1865-1890).

Alguns estudiosos das origens da Literatura Portuguesa conside-ram 1189 um dos anos prováveis da escrita da “Canção da Ribeirinha”, de Paio Soares de Taveirós, a quem se atribui o primeiro poema escrito. Os historiadores da Literatura Portuguesa consideram o ano de 1890, com a publicação de Oaristos, de Eugênio de Castro, o marco do fim do Realismo português e o começo do Simbolismo, movimento que antecipa a poesia moderna em Portugal.

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Desejamos que estas páginas sobre literatura portuguesa estimu-lem a reflexão sobre a importância da literatura como um modo privi-legiado de conhecimento, como uma maneira especial de ver e dizer o mundo. E também que possam incentivar o contato prazeroso com o texto, o que chamaremos de fruição textual.

Bruno Zeni e Stélio Furlan.

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Arcadismo Stélio Furlan

Phil

Pond

er

Templo grego dedicado à deusa Athena Partenon, erigido em meados do século VI.

Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis (Fernando Pessoa, 1888-1935)

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72 | Romantismo e Realismo na Literatura Portuguesa

A reação contra o Barroco literárioHá uma passagem em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, lançado em 1881,

que nos interessa. No capítulo VI, no cume de uma montanha, ao narrador do romance Brás Cubas é concedida a oportunidade de ver a descontínua história da humanidade passar diante de seus olhos:

E fixei os olhos, e continuei a ver as idades, que vinham chegando e passando, já então tranqüilo e resoluto, não sei se até alegre. Talvez alegre. Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de apatia e de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de idéias novas, de novas ilusões; em cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera, e amareleciam depois, para remoçar mais tarde.

A descrição desse delírio, no qual as gerações “se superpunham às gerações”, serve-nos de mote para o estudo das “idéias novas” da literatura portuguesa ao longo do século XVIII. Num viés panorâmi-co, esse “cortejo de sistemas” evoca a possibilidade de se pensar a literatura por meio de séculos ou épo-cas. É o que ocorre na monumental História da Literatura Portuguesa, de Antônio José Saraiva e Óscar Lópes. Para tornar o estudo acessível e a difusão mais didática, a literatura portuguesa é divida em épo-ca medieval, renascentista, barroca, árcade [do século das luzes], romântica e contemporânea. É mais uma tentativa de mapear e registrar a complexa textualidade lusitana, toda uma constelação de obras e autores, os diferentes contextos históricos e gostos de época1.

Mas há que se evitar qualquer idéia de progresso ou de evolução no campo literário. A poesia lí-rica trovadoresca medieval, que inaugura a literatura portuguesa, não possui menos fulgor poético ou consciência artesanal do que o lirismo clássico. Se o Barroco foi considerado uma arte complicada, de mau gosto, no aspecto formal ela possui o mesmo rigor que as composições árcades. E vale lembrar que houve uma retomada do trovadorismo medieval ao longo do século XIX e do século XX.

A palavra “inflexão” é o melhor termo que nos ocorre para definirmos os percursos da literatura portuguesa. Conforme o sentido dicionarizado do termo, inflexão significa “mudança da direção”, “pon-to de uma curva no qual a concavidade se inverte”, “modulação”, enfim, “ação de dobrar; sinuosidade, desvio, volta”. Note a ambigüidade do termo, pois a guinada para outra direção também pode signifi-car retorno. Observe um fragmento da Dissertação Terceira, recitada na conferência da Arcádia Lusitana, em 1757:

Devemos imitar e seguir os Antigos: assim no-lo ensina Horácio, no-lo dita a razão, e o confessa todo o mundo literário. Mas esta doutrina, este bom conselho, devemos abraçá-lo e segui-lo de modo que mais pareça que o rejeitamos, isto é, imitando e não traduzindo. Os poetas devem ser imitados nas fábulas, nas imagens, nos pensamentos, no estilo; mas quem imita deve fazer seu o que imita.

E, mais adiante (apud FERREIRA, s/d, p. 61):

Se imito o estilo, não devo servir-me das palavras dos Antigos, mas achar na linguagem portuguesa termos equivalen-tes, enérgicos e majestosos, sem torcer as frases, sem adoptar barbarismos.

A Dissertação Terceira, de Pedro Antônio Correia Garção (1724-1772), é um dos vários textos teó-ricos que definem o ideal neoclássico do Arcadismo2. Os dois fragmentos revelam os aspectos centrais

1 No Brasil, vale mencionar o manual de história literária de Massaud Moisés, intitulado A Literatura Portuguesa Através dos Textos, que a divide em fases históricas, do Trovadorismo ao Modernismo. É um bom livro introdutório para o estudo da literatura lusitana, composto de comentá-rios sobre as características principais de cada fase, aspectos biográficos de seus autores e análises dos textos selecionados.2 Em Portugal, convencionou-se situar o movimento literário entre 1756, ano da fundação da Arcádia Lusitana ou Ulissiponense e da publi-cação do Verdadeiro Método de Estudar, e 1825, ano da publicação do poema “Camões”, de Almeida Garrett, um dos principais escritores do Romantismo. O principal teorizador da estética neoclássica em Portugal foi Candido Lusitano, pseudônimo poético de Francisco José Freire (1719-1773), sobretudo pela elaboração de uma Arte Poética ou Regras da Verdadeira Poesia, de 1748.

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73|Arcadismo

desse “novo” movimento literário. Em primeiro lugar se propõe a retomada dos preceitos da arte clássi-ca3. Em segundo, a crítica ao estilo dificultoso e pomposo do Barroco literário.

A origem do termo “Arcadismo” deriva de uma região da Grécia antiga habitada por pastores que, segundo consta, viviam de modo simples e espontâneo, divertiam-se cantando, fazendo jogos poéti-cos para celebrar o amor e a vida.

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Mapa da Grécia antiga.

Em 1690, inspirados na lenda antiga, poetas italianos criaram uma academia literária denomi-nando-a Arcádia, cujo programa era justamente retomar os ideais da poética clássica como forma de combater o que consideravam “mau gosto” na arte. Para evidenciar os princípios de simplicidade e igual-dade, os literatos árcades adotaram pseudônimos de pastores gregos e realizaram reuniões em parques e jardins cuja proposta não era mais que cultuar a vida junto à natureza. Em Portugal, a Arcádia Lusitana ou Ulissiponense, fundada em 1756, tomou por base a Arcádia Romana. Dentre os principais escritores do período destacam-se Correia Garção e Bocage.

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O pintor francês Jean-Baptiste Joseph Pater (1695-1736) testemunha em seus quadros essa aproximação com o natural bem ao gosto da “festa campestre” típica do Arcadismo. Fête Champêtre (1730)

3 Curioso notar que o dito gosto pela Antigüidade também foi renovado pelas descobertas arqueológicas de Pompéia e Herculano, na Itália, e pelas numerosas traduções da Arte Poética, de Horácio (68 a.C.- 8 d.C.), um dos principais estudos sobre os preceitos da arte na Antigüidade.

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74 | Romantismo e Realismo na Literatura Portuguesa

Principais lemas dos poetas árcadesSe a poética barroca possui uma constelação de definições, o mesmo não se pode dizer do

Arcadismo, compreendido a partir de algumas regras da arte bem definidas. Os principais lugares-co-muns que definem o Arcadismo foram extraídos da Arte Poética de Horácio (68 a.C. – 8 d.C.). Recortamos quatro aspectos que condicionaram o pensamento e as atitudes dos poetas árcades, a saber:

Inutilia truncatEsse lema, que significa “cortar as inutilidades”, foi o privilegiado pelos árcades lusitanos. O mote

aparecia subscrito na insígnia da Arcádia Lusitana, representada por uma mão segurando um podão ou foice. O lema fazia jus ao primado da “imitação dos antigos”. Lembrar que, em Portugal, os princípios te-óricos de Horácio já haviam sido sistematizados por Antônio Ferreira, na Carta XII a Diogo Bernardes, em meados do século XVI. Na Carta XII, Ferreira recomendava eliminar o “sobejo” (remover os excessos), re-tocar constantemente os versos a fim de se alcançar a perfeição formal. Leia-se:

Corta o sobejo, vai acrescentando O que falta, o baixo ergue, o alto modera Tudo a ûa igual regra conformando.

O lema Inutilia truncat expressava também a “magnífica idéia de banir da poesia portuguesa o inú-til adorno de palavras empoladas, conceitos estudados, freqüentes antíteses, metáforas exorbitantes” com a finalidade de introduzir “em nossos versos o delicioso e apetecido ar de nobre simplicidade”4.

Nesse sentido, os árcades buscavam uma arte sem antíteses, desequilíbrios ou dilacerações. Contra o retorcimento da sintaxe barroca, “sem torcer as frases”, os poetas árcades cultuavam a sere-nidade, o equilíbrio, a clareza e a simplicidade das idéias. Noutras palavras, cultivavam um vocabulário simples, com frases na ordem direta e com uso muito comedido de figuras de linguagem.

Aurea mediocritasA leitura do poema de Fernando Pessoa, citado como epígrafe deste capítulo, é bastante suges-

tiva para a compreensão do ideário clássico da Aurea mediocritas. O verso “nada teu exagera, ou exclui”, traduz o anseio da justa medida, do equilíbrio, da busca do meio termo. No século XVIII, tal ideário era personificado na exaltação do ideal de herói humilde e honrado. Vejamos como isso é cultivado por Corydon Erymantheo, pseudônimo poético de Correia Garção (1724-1772):

4 A passagem foi extraída da “Oração quarta” em que se declama contra a falta de aplicação dos árcades aos estudos, notando-os esquecidos já das leis da sua empresa e obrigações dos seus estatutos, de Correia Garção, recitada na conferência da Arcádia Lusitana, no dia 30 de Junho de 1759.

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75|Arcadismo

Não cobre vastos campos o meu gado, O maioral não sou da nossa aldeia, Do meu trabalho como, mas, Dirceia, Ainda que sou pobre, vivo honrado.

No jogo da carreira e do cajado Até o destro Algano me receia, Qual loura espiga de grãozinhos cheia Me alegra ver teu rosto delicado.

O poema revela a imitação dos princípios horacianos, no caso, a poetização do dia-a-dia, da sim-plicidade do ritual familiar, o elogio da virtude, da vida rústica, a indiferença pela vida citadina, enfim, a recorrência às entidades inspiradoras em geral abstratas (Lídia, no caso de Horácio; Marília, no caso de Correia Garção).

Fugere urbemA opção pela vida campestre em oposição à vida urbana era sugerida pelas expressões fugere ur-

bem (fugir da cidade) e sequi naturam (seguir a natureza). O Arcadismo foi um movimento patrocinado pelos filhos da burguesia e não oriundos da corte. Assim, no ideal do fugere urbem lê-se uma posição político-ideológica que remete à luta do burguês culto contra a nobreza. Noutras palavras, a exaltação do pastor humilde e honrado remete ao ideal pequeno burguês de vida sustentada pelo trabalho con-tra os valores aristocráticos5.

Locus amoenusA expressão latina locus amoenus designa um lugar ideal, favorável para a celebração do amor.

Na literatura portuguesa, o mais antológico desses lugares foi desenhado n´Os Lusíadas, de Camões, no episódio da Ilha dos Amores. No desenho da fermosa Ilha, alegre e deleitosa, Camões descreve um vale ameno, com claras fontes e pedras alvas e um vasto arvoredo com seus frutos odoríferos e belos. Observe como Bocage retoma essa tópica com a elegância da forma que caracteriza a sua produção poética:

5 Afora a idealização da vida natural, a poesia árcade surge impregnada pelas idéias do Século das Luzes ou Iluminismo. Segundo o Dicio-nário de Literatura Portuguesa, o Iluminismo constitui um amplo e matizado movimento cultural europeu, que teve impacto considerável em Portugal no século XVIII. Entre as marcas comuns do movimento vale citar a crença sem limites na Razão, o racionalismo contra todas as mani-festações de barbárie, o desprezo pelo fanatismo religioso e pelo espírito da Contra-Reforma e a mentalidade crítica em favor da liberdade de pensamento. Em Portugal, o espírito das Luzes pode ser constatado no combate ao Barroco literário; na poesia, Bocage, cujo verso “Liberdade, onde estás? Quem te demora” é influenciado pelas idéias revolucionárias da época; enfim, esse “espírito renovador estendeu-se ao urbanismo bem visível na ousada reconstrução pombalina da cidade de Lisboa” (MACHADO, 1996, p. 524).

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76 | Romantismo e Realismo na Literatura Portuguesa

Olha, Marília, as flautas dos pastores Que bem que soam, como estão cadentes! (cadentes: com cadência) Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes Os Zéfiros brincar por entre as flores? (Zéfiros: deus mitológico dos ventos suaves)

Vê como ali beijando-se os Amores Incitam nossos ósculos ardentes! (ósculos: beijos) Ei-las de planta em planta as inocentes, As vagas borboletas de mil cores!

Naquele arbusto o rouxinol suspira, Ora nas folhas a abelhinha pára, Ora nos ares sussurrando gira.

Que alegre campo! Que manhã tão clara! Mas ah! Tudo o que vês, se eu não te vira, Mais tristeza que a noite me causara.

No final desse soneto, quando o sujeito poético exclama “Que alegre campo! Que manhã tão cla-ra!”, sugere a retomada da poesia camoniana, em especial aquele verso “Alegres campos, verdes arvore-dos”, de Camões. Dita paisagem ideal para os encontros amorosos era prevista pela tradição clássica da lírica greco-latina. Assim, esta

natureza mágica é conducente ao amor, ao encantamento sensorial e espiritual do Homem, que se integra na perfei-ção em tal plenitude, marcada pela harmonia e homogeneidade. Enfim, estamos perante um paraíso terrestre, onde se enquadra o ser humano que busca a satisfação pela simplicidade.6

Carpe diemPor certo, um dos temas horacianos que mais recebeu variações ao longo da literatura portugue-

sa é o tema do carpe diem. Em um de seus poemas líricos, Horácio aconselhava Leucônoe a aproveitar o dia de hoje por ser incerto o vindouro.

corta a longa esperança, que é breve o nosso prazo de existência. Enquanto conversamos, foge o tempo invejoso. Desfruta o dia de hoje, acreditando o mínimo possível no dia de amanhã7.

Conforme Francisco Achcar, o verbo carpere já mereceu muitos comentários, que geralmente le-vam à conclusão de que seu sentido é, finalmente, “fruir”, “gozar” (1994, p. 93). Em geral se associa à tópi-ca da efemeridade da vida. Noutras palavras, à certeza da fugacidade do tempo donde o apelo à fruição imediata dos prazeres, o convite amoroso.

Percebemos a presença desse lema na Lira XIV, de Marília de Dirceu, do poeta Tomás Antônio Gonzaga8:

6 Disponível em: <www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/L/locus_amoenus.htm>. Acesso em: 14 fev. 2008.7 Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos (ACHCAR, 1994, p. 119).8 Tomás Antônio Gonzaga (Porto, 1744 – Moçambique,1810?), filho de um magistrado brasileiro, passou a sua infância na Bahia e formou-se em Cânones, em Coimbra. Foi um dos líderes mais importantes da Inconfidência Mineira, em Minas Gerais, no Brasil.

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77|Arcadismo

Minha bela Marília, tudo passa; A sorte deste mundo é mal segura; Se vem depois dos males a ventura, Vem depois dos prazeres a desgraça.

E, mais adiante,

Que havemos de esperar, Marília bela? Que vão passando os florescentes dias? As glórias, que vêm tarde, já vêm frias; E pode enfim mudar-se a nossa estrela. Ah! Não, minha Marília, Aproveite-se o tempo, antes que faça O estrago de roubar ao corpo as forças E ao semblante a graça.

Resta dizer que a poesia de feições clássicas não ficou reduzida ao século XVII. Quer como crítica quer como apologia, entre os vários exemplos possíveis, esse lugar-comum foi revisitado por Fernando Pessoa, para a construção do seu heterônimo Ricardo Reis, e mais recentemente, por Sophia de Mello Breyner Andresen9. Vale lembrar aqueles versos do poema I, publicado em Dual (1972), nos quais acon-selha Lídia a aproveitar o momento presente:

Não creias, Lídia, que nenhum estio Por nós perdido possa regressar Oferecendo a flor Que adiamos colher.

Cada dia te é dado uma só vez E no redondo círculo da noite Não existe piedade Para aquele que hesita.

Mais tarde será tarde e já é tarde. O tempo apaga tudo menos esse Longo indelével rasto Que o não-vivido deixa.

Não creias na demora em que te medes. Jamais se detém Kronos cujo passo (Kronos: divindade que personifica o Tempo) Vai sempre mais à frente Do que o teu próprio passo.

9 Sophia de Mello Breyner Andresen, autora de intenso entusiasmo poético, recebeu vários prêmios entre os quais vale destacar: Grande Prê-mio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças (1992); Prêmio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores (1994); e o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, (2003). Poesia (1944), O Dia do Mar (1947), Coral (1950), No Tempo Dividido (1954), Mar Novo (1958), O Cristo Cigano (1961), Livro Sexto (1962), Geografia (1967), Dual (1972), O Nome das Coisas (1977), Navegações (1983), Ilhas (1989), Musa (1994) O Búzio de Cós (1998) são alguns dos seus principais livros de poesias.

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78 | Romantismo e Realismo na Literatura Portuguesa

Bocage e o ArcadismoManuel Maria L´Hedoux Barbosa du Bocage (1765-1805) é considerado o melhor poeta do sécu-

lo XVIII e um dos melhores sonetistas da literatura portuguesa ao lado de Camões, Antero de Quental e Florbela Espanca. Embora considerado “o máximo cinzelador da métrica”, inigualável na construção de ver-sos tecnicamente perfeitos, também foi desqualificado como “vadio e inútil”. Escritor polêmico, por certo.

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Bocage e as Ninfas (óleo de Fernando Santos - Museu de Setúbal)

Em 1790, Bocage integra-se à Nova Arcádia, agremiação literária que pretendia dar continuidade às idéias da Arcádia Lusitana ou Ulissiponense. E, como era usual entre escritores dessa estirpe, adotou o pseudônimo de Elmano Sadino. O nome Elmano surgiu de uma inversão de Manoel, e Sadino deriva de Sado em homenagem ao rio que banha Setúbal, cidade em que o poeta nasceu.

No início de sua atividade literária, Bocage reflete nitidamente a influência das convenções do Arcadismo: cultiva a poesia satírica e a lírica (idílios, odes, canções, elegias, sonetos...). Seus poemas ce-dem ao convencionalismo arcádico, seja na sugestão pastoril, seja no uso de figuras da mitologia clás-sica. Nesse caso, vale dizer que são permeados por certo ar de artificialismo. E Bocage tem consciência disso, uma vez que finda um dos seus sonetos afirmando que certos versos são

Escritos pela mão do Fingimento Cantados pela voz da Dependência.

Bocage sugere que o credo arcádico descamba na inautenticidade por conta da adoção mecâ-nica de processos de exprimir, pela dependência ou subserviência aos modismos dados de antemão. Observe estes tercetos dedicados a Marília:

Reside em teus costumes a candura, (candura: doçura, brandura) Mora a firmeza no teu peito amante, A razão com teus risos se mistura;

És dos céus o composto mais brilhante: Deram-se as mãos virtude e formosura, Para criar tua alma e teu semblante.

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79|Arcadismo

Os tercetos de Bocage se resumem na exaltação da mulher como um verdadeiro prodígio de beleza, de equilíbrio emocional e racional, bem ao gosto das idéias iluministas ou do chamado Século das Luzes.

Não se pode deixar de mencionar o convencionalismo amoroso que atravessa o poema, expresso não só no desenho dos traços femininos que o recato então permitia, como também no nome da mu-lher. É como se os poemas tratassem de um mesmo sujeito amoroso, de uma mesma mulher inspirado-ra e de um mesmo tipo de amor.

Na oficina do poema árcade se empregava a ferramenta clássica para talhar uma composição poética: reproduziam-se os modelos consagrados pela tradição, tanto na estrutura métrica, estrófica, quanto na atmosfera do poema. O leitor se reconhecia no poema sintonizando a sua sensibilidade na longa cadeia da tradição.

Tomás Antônio Gonzaga, “o mais árcade de nossos árcades”, também sintoniza a sua sensibilida-de nesse repertório de elementos básicos da poética clássica:

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado; De tosco trato, d’expressões grosseiro, Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Tenho próprio casal, e nele assisto; (casal: pequena propriedade) Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite, E mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!10

Afora Marília, Lídia, Neera e Cloe eram as figuras femininas abstratas a quem os poetas árcades endereçavam seus poemas. Assim, as imagens, os motivos poéticos eram elaborados a partir de traços de uma experiência herdada e acabavam por cercear a liberdade da imaginação.

ConclusãoPara concluir, resta dizer que no Arcadismo, se há uma retomada da arte poética renascentista e

da Antigüidade Clássica, há também o desvio que conduz à renovação. As transgressões de Bocage são bastante ilustrativas. Trata-se de um poeta criador, inventivo e não de mero reprodutor dos preceitos clássicos. Observe como ele ultrapassa os limites e convenções árcades em favor de uma expressão mais pura e livre de seu mundo pessoal:

10 Edição recomendável: A Poesia dos Inconfidentes, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1996.

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80 | Romantismo e Realismo na Literatura Portuguesa

A frouxidão no amor é uma ofensa, Ofensa que se eleva a grau supremo; Paixão requer paixão, fervor e extremo; Com extremo e fervor se recompensa.

Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença! Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo; Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo; Em sombras a razão se me condensa.

Tu só tens gratidão, só tens brandura, (brandura: ternura, doçura) E antes que um coração pouco amoroso Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso, Mas de teu peito a lânguida ternura (lânguida: sensual ou fraca) Tem-me cativo e não me faz ditoso. (ditoso: feliz)

No que diz respeito à estrutura interna do poema, podemos identificar quatro momentos distin-tos. Como se lê no primeiro verso da primeira estrofe, diante da “brandura” da amada na relação amoro-sa, o sujeito poético afirma a única forma como entende o amor: deve ser vivido de modo intenso.

No segundo quarteto, o sujeito poético compara a maneira como ele ama e os sentimentos com os quais é retribuído.

No primeiro terceto, ele confessa qual o tipo de comportamento que gostaria de ver na amada, no lugar da gratidão e da ternura.

Por fim, arremata o poema explicando que a falta de paixão da amada é capaz de o fazer sofrer ou o enfadar muito mais que o “aspecto iroso”; logo, se considera infeliz por estar preso a um amor ape-nas terno e sem fervor.

Ao confessar as palpitações do seu mundo emocional, Bocage passa do convencional ao confes-sional, da pose arcádica à liberação dos sentimentos reprimidos. Noutras palavras, brinda o leitor com um poema que apresenta elementos da poética árcade (a forma fixa do soneto; o verso decassílabo; a alusão à razão), bem como apresenta elementos românticos (o tom confessional do poema e a superva-lorização das emoções pessoais).

Nesse sentido, pode-se dizer que Bocage é um poeta que se torna arrebatador quando defende a libertação do sentimento da camisa de força do convencionalismo e artificialismo dos árcades. Em suma, por conta da veemência passional, do ardor dos sentimentos, Bocage faz estalar a casca das convenções e indicia uma nova maneira de compreender o fazer literário prenunciando a aurora romântica.

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81|Arcadismo

Texto complementarEm 1746, Luís Antônio Verney (1713-1792), publica o Verdadeiro Método de Estudar, uma obra re-

digida sob a forma epistolar que se apresenta dividida em dez cartas, trata de questões relacionadas às disciplinas lecionadas na época e de questões pedagógicas como o acesso da mulher à cultura. Leia abaixo um trecho desta obra.

Estilo simples e estilo medíocreAo estilo sublime contrapomos o estilo simples ou humilde. Assim como as coisas grandes

devem explicar-se magnificamente, assim o que é humilde deve-se dizer com estilo mui simples e modo de exprimir mui natural. As expressões do estilo simples são tiradas dos modos mais comuns de falar a língua; e isto não se pode fazer sem perfeito conhecimento da dita língua. Esta é, segun-do os mestres da arte, a grande dificuldade do estilo simples. Fácil coisa é a um homem de alguma literatura ornar o discurso com figuras; antes todos propendemos para isso, não só porque o discur-so se encurta, mas porque talvez nos explicamos melhor com uma figura do que com muitas pala-vras. Pelo contrário, para nos explicarmos naturalmente e sem figura, é necessário buscar o termo próprio, que exprima o que se quer, o qual nem sempre se acha, ou, ao menos, não sem dificuldade, e sempre se quer perfeita inteligência da língua para o executar. Além disso, as figuras encantam o leitor e impedem-lhe penetrar é descobrir os vícios que se cobrem com tão ricos vestidos. Não as-sim no estilo simples, o qual, como não faz pompa de ornamemtos, deixa considerar miudamente os pensamentos do escritor...

Isto que digo das expressões comuns e naturais deve-se entender com proporção. Não quero dizer que um homem civil fale como a plebe, mas que fale naturalmente. A matéria do estilo humil-de não pede elevação de figuras, etc., mas nem por isso se deve exprimir com aquelas toscas pala-vras de que usa o povo ignorante. Não é o mesmo estilo baixo que estilo simples. O estilo baixo são modos de falar dos ignorantes e pouco cultos: o estilo simples é modo de falar natural e sem orna-mentos, mas com palavras próprias e puras. Pode um pensamento ter estilo sublime, e não ser pen-samento sublime; e pode achar-se um pensamento sublime, com estilo simples. Explico-me. Para ser sublime o estilo, basta que eu vista um pensamento e o orne com figuras próprias, ainda que ó pensamento nada tenha de sublime. Pelo contrário, chamamos simplesmente sublime (com os retó-ricos) àquela beleza e galantaria de um pensamento que agrada e eleva o leitor, ainda que seja pro-ferida com as mais simples palavras. De sorte que o sublime pode-se achar em um só pensamento nu figura, etc. Importa muito entender e distinguir isto, para não ser enfadonho nas conversações e nas obras que pedem estilo humilde.

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Do que tenho dito fica claro qual é o estilo medíocre: aquele, digo, que participa de um e ou-tro estilo. Também este estilo não é pouco dificultoso, porque é necessário conservar uma media-nia que não degenere em viciosos extremos. e são poucos aqueles que conhecem as coisas na sua justa proporção e formam aquela ideia que merecem. Já disse que a matéria é a que determina qual há-de ser o estilo; e assim uma matéria medíocre pede um estilo proporcionado. A maior parte das coisas de que falamos são medíocres; e daqui vem que neste estilo de falar deve-se empregar um homem que quer falar bem e conseguir fama de homem eloquente. Um homem de juízo, que co-nhece as coisas como são, forma delas ideias justas e verdadeiras, e as explica com as palavras que são mais próprias. Donde vem que o estilo medíocre compete propriamente às Ciências todas, à His-tória e outras coisas deste género, nas quais se representam coisas não vis, mas medíocres; porém representam-se da mesma sorte que são, e com palavras próprias. Também as cartas de negócios graves, ou eruditas, e aquelas de cerimónia a pessoas grandes, etc., costumam ser neste estilo. É, po-rém, de advertir que o estilo medíocre admite todos os ornamentas da arte: beleza de figuras, metá-foras, pensamentos finos, belas descrições, harmonia do número e da cadência. Contudo, não tem a vivacidade e grandeza do sublime. Participa de um e outro, sem se assemelhar a nenhum. Tem mais força e abundância que o simples, menos elevação que o sublime, e prossegue com passo igual e mui brandamente.

Leia agora um soneto “não oficial“ de Bocage, retirado do livro Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas.

Soneto de EpitáfioLá, quando em mim perder a humanidade Mais um daqueles que não fazem falta, Verbi-gratia – o teólogo, o peralta, (Verbi-gratia: latim, “por exemplo”) Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade, Que engrole sub-venites em voz alta; (engrole sub-venites: pronuncia mal socorrei) Pingados gatarrões, gente de malta, (gatarrões, gente de malta: gatunos, marginais) Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa Sepulcro me cavar em ermo outeiro, (ermo outeiro: colina solitária) Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

“Aqui dorme Bocage, o putanheiro; Passou vida folgada e milagrosa; Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro”.

Disponível em: <http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/Bocage.htm>. Acesso em: 10 fev. 2008

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Estudos Literários1. Observe a estrofe do poema intitulado “A Henriqueta, minha filha”, da poetisa lusitana Marquesa

de Alorna (1750-1839), e identifique uma das principais características do Arcadismo.

Gosta os frutos da Quina do Descanso: Para longa esperança o espaço é breve; A idade foge enquanto discorremos: Aproveita os momentos.

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2. Pedro Antônio Correia Garção, no texto intitulado “Sátira II” define um dos aspectos fundamentais do ideal árcade. Identifique-o:

Imite-se a pureza dos Antigos, Mas sem escravidão, com gosto livre, Com polida dicção, com frase nova, Que a fez ou adoptou a nossa idade. Ao tempo estão sujeitas as palavras; Umas se fazem velhas, outras nascem: Assim vemos a fértil Primavera Encher de folhas robustas ao robusto tronco, A quem despiu o Inverno desabrido. (desabrido: severo) Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes: Camões dizia imigo, eu inimigo; O ponto está que ambos expliquemos Aquilo que pensamos. A energia Do discurso e da frase não consiste No feitio das vozes, mas na força

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85|Arcadismo

3. O fragmento textual colhido na Epístola I, de Pedro Antônio Correia Garção (1724-1772), aponta para dois dos aspectos fundamentais da literatura árcade. Identifique-os:

Não busques pensamentos esquisitos, Em denegridas nuvens embrulhados; (denegridas: enegrecidas, manchadas) Não tragas, não, metáforas violentas, Imitando esse corvo do Mondego, (corvo do Mondego: Francisco de Pina e Melo, Que entre os cisnes do Tejo anda grasnando; defensor do gongorismo) Usa da pura língua portuguesa Que aprendido já tens no bom Ferreira, No Camões imortal, um Sousa e Barros.

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4. O poeta luso-brasileiro Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810?) foi um dos principais representan-tes do Arcadismo, movimento literário também conhecido por “setecentismo”. Leia o fragmento abaixo, extraído das “Liras de Marília de Dirceu”, (Dirceu é o pseudônimo poético de Gonzaga), e identifique ao menos duas características da poesia árcade.

Se não tivermos lãs, e peles finas, podem mui bem cobrir as carnes nossas as peles dos cordeiros mal curtidas, e os panos feitos com as lãs mais grossas. mas ao menos será o teu vestido por mãos de amor, por minhas mãos cosido.

Nós iremos pescar na quente sesta Com canas, e com cestos os peixinhos: Nós iremos caçar nas manhãs frias Com a vara envisgada os passarinhos. (vara envisgada: untada com visgo ou cola) Para nos divertir faremos quanto Reputa o varão sábio, honesto e santo. (Reputa: julga, aconselha)

Nas noites de serão nos sentaremos c’os filhos, se os tivermos, à fogueira; entre as falsas histórias, que contares, lhes contarás a minha, verdadeira. Pasmados te ouvirão; eu, entretanto ainda o rosto banharei de pranto.

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Gabarito

Arcadismo

1. Marquesa de Alorna retoma no seu poema um dos lugares-comuns típicos do Arcadismo, a sa-ber, a tópica da brevidade da vida expresso no lema carpe diem, como se pode perceber no verso “Aproveita os momentos”.

2. O movimento literário denominado Arcadismo consiste fundamentalmente numa retomada das formas e dos modelos da literatura greco-latina. Isso se constata no texto de Correia Garção, no qual defende a imitação da “pureza dos antigos”.

3. O movimento literário denominado Arcadismo possui dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, uma crítica aos excessos do barroco literário, concebido como estilo dificultoso, obscuro, como é sugerido nos três primeiros versos da referida estrofe. Em segundo lugar, o movimento se caracteriza pela imitação dos modelos consagrados pela tradição, no caso, a imitação dos mestres da poesia renascentista, a exemplo de Camões e Ferreira.

4. Entre os lugares-comuns do Arcadismo presentes no poema dedicado à Marília pode-se mencio-nar a opção pela vida campestre, o que nos remete aos lemas do fugere urbem, “fugir da cidade” e sequi naturam, “seguir a natureza”. Concorde à proposta de cultuar a vida natural, personificada no pastor honesto, os poetas árcades cultivaram a simplicidade de vocabulário e de idéias e um uso muito comedido de figuras de linguagem, como se pode ler nas estrofes do poema de Gonzaga.

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