rojeto dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para...

16
Confederação Iberoamericana de Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação Confederación Iberoamericana de Asociaciones Científicas y Académicas de la Comunicación Projeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação Leyberson Lelis Chaves Pedrosa 1 , Fernando Oliveira Paulino 2 , Juliana Soares Mendes 3 , Jairo Faria Guedes Coelho 4 , Angélica Sonaglio 5 e Emanuelle Campos 6 ST5: Economia Política da Comunicação Resumo: Este artigo discute alternativas de produção, distribuição e acesso de conteúdos sonoros e as possibilidades de promoção do Direito à Comunicação por meio de ferramentas de comunicação na rede mundial de computadores. Como tema de estudo, escolheu-se o Projeto Dissonante, dissonante.org , que é uma iniciativa comunitária (CABRAL, 2009), inserida em atividades de ensino, pesquisa extensão, que oferece contas de rádio web para grupos interessados em fazer sua própria comunicação. Desde 2007, o projeto já recebeu inscrições de mais de 500 coletivos diferentes do Brasil e de outros países como Portugal, Chile e Espanha. Analisando a atuação dos coletivos que fazem parte do Dissonante, esse texto apresenta elementos para compreender como o exercício da comunicação dentro dos parâmetros do ―faça - você-mesmo‖ contribui para a efetivação do Direito à Comunicação, aproximando o conceito dos debates da Economia Política da Comunicação. Palabras chave: Internet, economia política da comunicação, mudança social Resumen: El artículo discute formas de producción, distribución y acceso de contenido sonoro y las posibilidades de promoción del Derecho a la Comunicación a través de herramientas de comunicación en la red mundial de ordenadores. Como tema de estudio, se eligió el Proyecto Disonante, dissonante.org , que es una acción comunitaria (CABRAL, 2009) inserida en actividades de enseñanza, investigación y extensión que ofrece cuentas de radio web para grupos interesados en hacer su propia comunicación. Desde 2007, el proyecto ya ha inscrito más de 500 diversificados colectivos, de Brasil y de otros países como Portugal, Chile y España. Analizando la actuación de los colectivos que hacen parte del Disonante, esta ponencia presenta elementos para comprender como el ejercicio de la comunicación dentro de los parámetros de ―haga-tú-mismo‖ contribuye para la efectividad del Derecho a la Comunicación, acercándole el concepto hacia los debates de la Economía Política de Comunicación. Palabras-clave: Internet, economía política de la comunicación, cambio social 1 Leyberson Lelis Chaves Pedrosa, Bacharel em Comunicação, mestrando em Comunicação na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, Email: [email protected]; 2 Fernando Oliveira Paulino, Doutor em Comunicação e professor na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Diretor da Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC). Email: [email protected]; 3 Juliana Soares Mendes. Bacharel em Comunicação, mestranda em Ciências Sociais no Centro de Pesquisa e Pós- Graduação sobre as Américas (CEPPAC) da Universidade de Brasília. Email: [email protected]; 4 Jairo Faria Guedes Coelho, Bacharel em Comunicação, mestrando em Comunicação na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Email: [email protected]; 5 Angélica Elisa Sonaglio é estudante de comunicação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Email: [email protected]; 6 Emanuelle Campos é estudante de comunicação (Publicidade e Jornalismo) na Universidade Católica de Brasília. Email: [email protected].

Upload: juliana-soares-mendes

Post on 11-Jan-2016

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Este artigo discute alternativas de produção, distribuição e acesso de conteúdos sonoros e as possibilidades de promoção do Direito à Comunicação por meio de ferramentas de comunicação na rede mundial de computadores. Como tema de estudo, escolheu-se o Projeto Dissonante, dissonante.org, que é uma iniciativa comunitária (CABRAL, 2009), inserida em atividades de ensino, pesquisa extensão, que oferece contas de rádio web para grupos interessados em fazer sua própria comunicação. Desde 2007, o projeto já recebeu inscrições de mais de 500 coletivos diferentes do Brasil e de outros países como Portugal, Chile e Espanha. Analisando a atuação dos coletivos que fazem parte do Dissonante, esse texto apresenta elementos para compreender como o exercício da comunicação dentro dos parâmetros do ―faça- você-mesmo‖ contribui para a efetivação do Direito à Comunicação, aproximando o conceito dos debates da Economia Política da Comunicação.

TRANSCRIPT

Page 1: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

Confederação Iberoamericana de Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação

Confederación Iberoamericana de Asociaciones Científicas y Académicas de la Comunicación

Projeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de

conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

Leyberson Lelis Chaves Pedrosa1 , Fernando Oliveira Paulino

2, Juliana Soares Mendes

3,

Jairo Faria Guedes Coelho4, Angélica Sonaglio

5 e Emanuelle Campos

6

ST5: Economia Política da Comunicação

Resumo: Este artigo discute alternativas de produção, distribuição e acesso de conteúdos sonoros e as

possibilidades de promoção do Direito à Comunicação por meio de ferramentas de comunicação na rede

mundial de computadores. Como tema de estudo, escolheu-se o Projeto Dissonante, dissonante.org, que

é uma iniciativa comunitária (CABRAL, 2009), inserida em atividades de ensino, pesquisa extensão, que

oferece contas de rádio web para grupos interessados em fazer sua própria comunicação. Desde 2007, o

projeto já recebeu inscrições de mais de 500 coletivos diferentes do Brasil e de outros países como

Portugal, Chile e Espanha. Analisando a atuação dos coletivos que fazem parte do Dissonante, esse texto

apresenta elementos para compreender como o exercício da comunicação dentro dos parâmetros do ―faça-

você-mesmo‖ contribui para a efetivação do Direito à Comunicação, aproximando o conceito dos debates

da Economia Política da Comunicação.

Palabras chave: Internet, economia política da comunicação, mudança social

Resumen: El artículo discute formas de producción, distribución y acceso de contenido sonoro y las

posibilidades de promoción del Derecho a la Comunicación a través de herramientas de comunicación en

la red mundial de ordenadores. Como tema de estudio, se eligió el Proyecto Disonante, dissonante.org,

que es una acción comunitaria (CABRAL, 2009) inserida en actividades de enseñanza, investigación y

extensión que ofrece cuentas de radio web para grupos interesados en hacer su propia comunicación.

Desde 2007, el proyecto ya ha inscrito más de 500 diversificados colectivos, de Brasil y de otros países

como Portugal, Chile y España. Analizando la actuación de los colectivos que hacen parte del Disonante,

esta ponencia presenta elementos para comprender como el ejercicio de la comunicación dentro de los

parámetros de ―haga-tú-mismo‖ contribuye para la efectividad del Derecho a la Comunicación,

acercándole el concepto hacia los debates de la Economía Política de Comunicación.

Palabras-clave: Internet, economía política de la comunicación, cambio social

1 Leyberson Lelis Chaves Pedrosa, Bacharel em Comunicação, mestrando em Comunicação na Faculdade de

Comunicação da Universidade de Brasília, Email: [email protected]; 2 Fernando Oliveira Paulino, Doutor em Comunicação e professor na Faculdade de Comunicação da Universidade de

Brasília. Diretor da Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC). Email: [email protected]; 3 Juliana Soares Mendes. Bacharel em Comunicação, mestranda em Ciências Sociais no Centro de Pesquisa e Pós-

Graduação sobre as Américas (CEPPAC) da Universidade de Brasília. Email: [email protected]; 4 Jairo Faria Guedes Coelho, Bacharel em Comunicação, mestrando em Comunicação na Faculdade de Comunicação da

Universidade de Brasília. Email: [email protected]; 5 Angélica Elisa Sonaglio é estudante de comunicação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Email:

[email protected]; 6 Emanuelle Campos é estudante de comunicação (Publicidade e Jornalismo) na Universidade Católica de Brasília. Email:

[email protected].

Page 2: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

Abstract: This paper discusses alternative for radio content production, distribution and access and the

possibilities of promoting the right to communicate through communication tools at the worldwide

network. Project Dissonante, dissonante.org, was chosen as a study subject. The project is a Community

Initiative (Cabral, 2009) that allows teaching, researching and mobilization activities since it offers Web

radio accounts for groups interested in making their own communication. Since 2007, the project has

already enrolled more than 500 different collectives from Brazil and other countries such as Portugal,

Chile and Spain. By analyzing the performance of groups that are part of project Dissonante, this paper

presents evidences that helps us understand how the practice of communication within the parameters of

"do-it-yourself" practices contributes to the realization of the right to communicate, approaching the

concept to Communication Political Economy debates.

Keywords: Internet, political economy of communication, social change

1. Introdução

O Projeto Dissonante é uma iniciativa de extensão que propõe a construção de

uma alternativa de Comunicação livre baseada no funcionamento de um servidor de

rádio web para ―grupos, coletivos, organizações sociais e indivíduos que desejem

transmitir e retransmitir programas de rádio em tempo real de qualquer lugar do mundo‖

(ARCANJO, PEDROSA, 2007, p. 8). A concepção do servidor origina no Trabalho de

Conclusão de Curso de Pedro Arcanjo e Leyberson Pedrosa, orientados pelo Professor

Fernando Oliveira Paulino em 2007. O projeto somou-se a diferentes atividades

conjuntas de promoção da Comunicação enquanto direito humano, por meio da

extensão na Universidade de Brasília, como a rádio Ralacoco e o Projeto Comunicação

Comunitária.

O início das referidas ações de extensão na Faculdade de Comunicação da UnB

se remete a 2002, a partir da efetivação da Rádio Laboratório de Comunicação

Comunitária – Ralacoco FM, ralacoco.dissonante.org, via a criação da disciplina7 e

Projeto de Extensão Comunicação Comunitária -www.unb.br/fac/comcom. O intuito

das iniciativas era promover o encontro e a troca de experiências entre o conhecimento

acadêmico e o saber popular. Tanto o Dissonante, a Ralacoco quanto a disciplina estão

atualmente reunidos sob o Programa de Extensão Comunicação Comunitária da

Faculdade de Comunicação.

Como princípio orientador, o Dissonante entende a Comunicação Social como

um direito humano, livre e aberto a todas as pessoas; um possível instrumento para a

7 A cada semestre, estudantes de varias áreas: Jornalismo, Publicidade, Audiovisual, Nutrição, Biblioteconomia, Serviço

Social, entre outros cursos, matriculam-se nas disciplinas Comunicação Comunitária 1 e 2, estudando conceitos associados a

comunicação para mobilização social e aplicando os conceitos apreendidos em atividades de campo em comunidades do Distrito Federal, como Planaltina, região administrativa onde existe um campus da UnB.

Page 3: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

mobilização e transformação social libertadora (FREIRE, 2007). Portanto, seu material

de divulgação (cartilhas, vídeos-tutoriais e artigos) e o site www.dissonante.org refletem

o esforço de estimulam um processo dialógico sobre a importância do uso de uma

tecnologia social – do servidor de rádio web – perante os grupos ou pessoas com

objetivos e vontades diferentes de se expressar.

O Dissonante recebe diariamente pedidos para criação de rádio web e já foram

estabelecidas mais de 500 contas, promovendo rádios de divulgação de temas

transversais como saúde da mulher, esportes, tecnologias, inclusão digital e educação

ambiental. Os coletivos inscritos são bastante diversificados, de diferentes partes do

Brasil ou de outros países como Chile, Espanha, imigrantes do interior da França, assim

como também fazem partes rádios comunitárias e, inclusive, uma experiência com a

polícia rodoviária responsável por parte das estradas do Rio Grande do Sul. A gestão do

projeto é feita por um coletivo de pesquisadores e voluntários, juntamente a participação

de bolsistas de extensão do Programa Comunicação Comunitária. .

Após quase cinco anos de existência do Dissonante, busca-se nesse artigo refletir

e apresentar elementos para compreender como a produção e veiculação das rádios em

tempo real pelos coletivos contribuem para efetivar o direito à comunicação, tendo em

vista conceitos da Economia Política da Comunicação e as intenções iniciais contidas

no trabalho de conclusão de curso:

―O Projeto não pretende se configurar como única alternativa capaz de sanar

os principais problemas com os monopólios de Comunicação, mas busca

oportunizar um caminho livre para que se exerça o direito de comunicar por

meio da transmissão e reprodução de conteúdos em áudio produzidos de

forma coletiva ou individualmente. Nessa lógica, fortalece as manifestações

sociais e ações políticas em diferentes esferas da micro-estrutura da

sociedade‖ (ARCANJO, PEDROSA, 2007, p. 8).

Portanto, o presente artigo debate também como práticas de comunicação pela

internet podem contribuir para iniciativas de transformação e mobilização social, além

de explorar a potencialidade do uso da internet na promoção do direito humano à

Comunicação e as dificuldades existentes na sua efetiva aplicação,

2. Economia Política da Internet na Comunicação

Algumas tendências econômicas, políticas e legislativas se desenvolveram de

modo a converter a internet em um veículo comercial como outro qualquer. Assim

como outros avanços tecnológicos, a internet se converteu em um meio de obtenção de

Page 4: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

lucro, já que a rentabilidade gerada pelos recursos que as ferramentas web oferecem é

vista pelas empresas como oportunidade de transformá-la em uma indústria.

Tamara Villarreal e Genève Gil (DOWNING, 2004) utilizam o conceito de

enclosure, sugerido por Boal8, para explicar esse fenômeno. Segundo os autores, Boal

utiliza o termo para denominar essas tendências de industrialização da internet em uma

alusão ao movimento homônimo ocorrido no século XIX, na Inglaterra, quando grandes

proprietários de terra cercaram terras comunais para uso privado e, assim, os

agricultores livres se viram obrigados a trabalhar para a pequena nobreza em troca de

salários.

Segundo sugere Boal, é possível relacionar esses movimentos à utilização das

informações na internet com interesses comerciais. Nesse sentido, citando Shapiro9,

Vllarreal e Genève aludem à necessidade de serem preservados e resguardados um

espaço público via web, da mesma forma como fazemos com o espaço físico. Segundo

os autores:

―Inúmeras estratégias de enclosure ameaçam arruinar a existência da internet

tal como a conhecemos hoje, mesmo dentro dos setores menos prováveis. A

promessa das redes de computadores se vê ameaçada, em todos os lugares,

por campanhas orquestradas pelo Estado e pelas forças de mercado visando

enfraquecer seu potencial.‖

Mesmo que interesses comerciais muitas vezes limitem seu uso, o potencial

democrático que a internet apresenta se mostra cada vez mais presente por meio de

iniciativas alternativas de produção, distribuição e acesso a conteúdos audiovisuais pela

sociedade civil na rede.

A partir da utilização dos mecanismos de internet com finalidades lucrativas, os

produtores alternativos se vêem obrigados a buscar outros caminhos diversos àqueles

que já são controlados pela indústria, como é o caso do rádio e da televisão. A internet

se apresenta como uma alternativa que oferece mais possibilidades. Nesse contexto, as

ferramentas de navegação web permitem que a internet se converta em um veículo

acessível a um extenso número de indivíduos e coletivos, os quais podem trocar

qualquer tipo de informação.

Na direção contrária, pode haver a perspectiva de que informações veiculadas na

internet não são confiáveis. Entretanto, a internet permite mais controle da produção

pela audiência. Além disso, essa visão não leva em conta as limitações que implicam os

8 BOAL, I. A. ―a Flow of Monsters: Luddism and Virtual Technologies, em J. Brook & I. A. Boal (orgs.), Resisting the

Virtual Life: The Culture and Politics of Information (São Francisco: City Lights, 1995), pp. 3-16, esp. p. 5. 9 SHAPIRO, A. “Streetcorners in Cyberspace”, em The Nation, 261 (1), 1995, p. 10.

Page 5: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

pontos de vista particulares divulgados pelos meios hegemônicos e exclui a

possibilidade de produção de conteúdo alternativo. (DOWNING, 2004, p. 274)

De acordo com John Downing, a internet pode atuar como um meio radical a

partir da ―participação das pessoas na criação de formas interativas de comunicação que

atuam como força de compensação para o fluxo unilateral que é próprio dos meios

comerciais. (idem, p. 275). Apesar dessa visão otimista sobre a produção de conteúdo

alternativo na internet, é necessário ter em conta que o acesso a essas ferramentas não é

amplo, principalmente em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

Dados do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que o governo brasileiro

desenvolve no intuito de massificar o uso da internet banda larga (de alta velocidade)

por todo o país, indicam que em 2008 cerca de 39% dos brasileiros tinham acesso à

internet. O acesso se dá na maioria das vezes nos domicílios (43%) e em lan houses

(47%). Apesar desses números se destacarem em comparação a outros países, o acesso à

banda larga nos domicílios brasileiros é reduzido, mas o país apresenta um potencial

elevado de ―participar da sociedade da informação, já que possui mais de 64 milhões de

internautas e o brasileiro está entre os que usam mais intensivamente a internet (30

horas e 13 minutos)‖ (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 2010).

Em um sentido ideal, o plano em que trabalha o governo brasileiro auxiliaria no

processo de democratização da internet no país, mas várias críticas a esta política

pública trazem ao cenário discussões que indicam que o projeto se tornará mais um

mecanismo de utilização comercial dos recursos.

Nesse sentido, o pesquisador em Políticas da Comunicação, Murilo César

Ramos, a partir de uma análise dos aspectos estruturais e conjunturais envolvidos no

processo de desenvolvimento do PNBL, critica o plano com o argumento de que:

―[…] ele corre o risco de ser transformado, dada a conjuntura em que está

imerso, em um arremedo tático de curto prazo, ao invés de um projeto

estratégico de longo prazo, como deveria ser o caso de toda política pública

social e de infra-estrutura, voltada à ampliação do Estado e ao bem estar da

sociedade.‖ (RAMOS, 2010)

Para o autor, ―políticas públicas são processos socioculturais e político-

econômicos eivados de conflitos, de contradições, de disputa por espaços de poder na

produção, dispersão e consumo de recursos‖. Nesse sentido, é importante levar em

conta os movimentos dinâmicos a que estão submetidas as ações nos meios de

comunicação, e as iniciativas alternativas se somam às propostas de democratizar o uso

das tecnologias da informação. Cabe ressaltar neste contexto em que as políticas de

Page 6: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

comunicação são permeadas por processos sociais, a emergência de uma cultura

audiovisual que pode contribuir para a mobilização social de coletivos na internet.

3. Promoção de redes sociais pela Internet

Desde seu surgimento em 2007, o Projeto Dissonante esteve próximo de

coletivos organizado e também possibilitou diferentes ações de mobilização social, de

oficinas com a função pedagógica de permitir que mais pessoas se apropriassem das

tecnologias de comunicação10

, até a estruturação de emissoras online para o debate e

divulgação alternativa de informações por participantes de movimentos de ocupação11

no Distrito Federal. No transcorrer do processo de criação do servidor de rádio web,

seus idealizadores dialogaram com membros dos coletivos que participavam — a rádio

Ralacoco e o então projeto de extensão Comunicação Comunitária — para que os

grupos assumissem a gestão do Dissonante como parte de sua atuação para a promoção

do direito humano à comunicação. A partir da divulgação do servidor como uma

ferramenta gratuita de tecnologia social, foram criadas rádios web por coletivos

mobilizados com atuação nas áreas de educação, creative commons, jornalismo

científico, gênero, entre outros.

Conforme reflexão de Bernardo Toro (1997, p. 26), podemos considerar

mobilização social como a ação de convocar pessoas ―a um propósito comum, com

interpretações e sentidos compartilhados‖. Portanto, é um ato de liberdade, movido pela

paixão e não por possíveis manipulações ou persuasões. Uma vez que há uma

imaginário compartilhado, mobilizar é também um processo de comunicação. Nesse

sentido, podemos localizar a mobilização social fomentada pelo Projeto Dissonante

como inserida no paradigma dos chamados Novos Movimentos Sociais. De acordo com

Maria da Glória Gohn (2004), a referida perspectiva valoriza a diversidade de

identidades e da cultura, refutando a concepção de que esta seria um conjunto fixo de

normas herdadas do passado. Os Novos Movimentos Sociais lutam pela mudança de

valores e se opõe à discriminação, considerando a política como uma prática presente no

10

O resultado de algumas oficinas que tiveram o suporte do Projeto Dissonante estão disponíveis em www.trilhassociais.com e

http://www.radiotube.org.br/detalhes.php?opt=16&ord=0&crt=&us=170.

11 Em 2008, durante a ocupação da reitoria da UnB por estudantes em favor de uma gestão mais democrática da

universidade e, em 2009, durante o movimento de ocupação da Câmara Legislativa do Distrito Federal devido a denuncias de um

esquema de corrupção envolvendo grande parte dos representantes da Casa

Page 7: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

cotidiano. O sujeito da ação é coletivo e difuso, a ação é direta e descentralizada, e a

mídia é utilizada para mobilizar a opinião pública.

Considerando o papel central tanto da cultura como da comunicação para a

mobilização social, é necessário indicar que o lugar da cultura na sociedade se

transforma com as emergências das novas tecnologias da comunicação na modernidade.

De acordo com Jesús Martín-Barbero (2007), a hegemonia de uma cultura audiovisual é

frequentemente criticada pelos intelectuais que acreditam que os meios de comunicação

impedem a aprendizagem, o pensamento (resultado da contemplação) e a leitura. Porém,

como explica Barbero, os intelectuais talvez se sintam ameaçados pela mídia, uma vez

que o audiovisual se refere a uma outra cultura, cujas imagens polissêmicas indicam

novos modos de percepção, de linguagem, de sensibilidades e de texto. No entanto, os

imaginários populares que mobilizam as imagens audiovisuais também produzem um

cruzamento entre arcaísmos e modernidades (BARBERO, 2007, p. 41).

Além disso, os saberes e os livros não estão perdidos, mas relocalizados. Com o

texto eletrônico, a leitura e aprendizagem não mais seguem a linearidade ou

sequencialidade. A disseminação dos saberes é acompanhada por uma expansão dos

aprendizados em todas as épocas da vida (em vez de se limitar ao espaço escolar). Há

um apagamento das fronteiras entre o conhecimento e o saber comum, como também

dos limites entre a razão e a imaginação, a natureza e o artificial, a arte e a ciência. Por

fim, é uma cultura desterritorializada cujas características acima descritas servem de

categorias para compreender o Projeto Dissonante como uma ferramenta que pode

promover a mobilização social de diferentes grupos.

No âmbito da internet, o Projeto Dissonante procura se inserir nas novas redes e

mobilizar seus participantes integrando-se aos novos espaços tecnológicos que o

universo online possibilita. Desde que as novas tecnologias começaram a ganhar espaço

na sociedade, tendo como ícone nos últimos dez anos a internet, os adventos que

surgem com ela mudam as concepções de difusão de conteúdos e de interação entre as

pessoas.

As possibilidades de envio de mensagens multimídia, o acesso rápido a bancos

de dados situados a milhares de quilômetros de distância, a facilidade do acesso a

informações na rede e a difusão dessa informação tornam os grupos de pessoas mais

próximos da ―aldeia global‖ preconizada por MCLUHAN (1964). Nesse sentido, a

internet proporciona a interação das rádios com seus ouvintes fazendo com que estes

espaços possam ―multiplicar os seus interlocutores, bem como ensejar o intercâmbio

Page 8: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

entre grupos e pessoas que possuem identidades comuns, mesmo distanciados pela

geografia‖ (MELO, 2005, p. 9).

A internet e as redes sociais fazem o papel de conectar o tradicional com novas

fronteiras globais. As redes sociais são espaços onde conjunto de participantes unem

suas idéias em torno de interesses compartilhados através de um meio (MARTELETO,

2011), neste caso a internet. Dessa maneira, a internet permite com que, no caso de

rádios web, por exemplo, tenhamos o contato com o público que possui contas de rádio

e também os que ouvem as rádios de forma interativa, tendo noção de quem são essas

pessoas, de onde são e qual rádio estão escutando. As redes sociais, apoiadas pelos

computadores, utilizam-se de diversos recursos, como mensagens, fóruns, lista de

discussões, boletins eletrônicos, grupo de notícias, chat, e outros aplicativos que

permitem e instigam a interatividade.

Em função da amplitude dessas características, a rede deve ser compreendida

como um ambiente comunicacional multimídia (BUFARAH, 2011. p.2). O Dissonante

possui uma conta no Twitter12

, uma rede social de microblogging que permite postagens

de textos de até 140 caracteres. O Twitter permite que os usuários sigam o projeto.

Atualmente, a página possui 300 seguidores e segue 131 pessoas de movimentos

sociais, rádios web cadastradas e público em geral. O Twitter está disponível também

não só no seu endereço (http://twitter.com/sejadissonante) mas também na página inicial

do projeto (http://www.dissonante.org).

Denominados com o perfil de ―@sejadissonante‖, o projeto divulga na rede as

rádios que estão no ar, os programas, informações sobre problemas com o servidor,

dicas em geral sobre o que é e como fazer uma rádio web, procura pessoas que postam

informações sobre as rádios cadastradas e recoloca aquela informação na página do

Twitter, fazendo assim com que os coletivos que possuem contas de rádio web, e

também aqueles que são ouvintes, se enxerguem.

Na sociedade das redes (para usar uma terminologia de Manuel Castells), o

associativismo localizado (ONGs comunitárias e associações locais) ou

setorizado (ONGs feministas, ecologistas, étnicas, e outras) ou, ainda, os

movimentos sociais de base locais (de moradores, sem teto, sem terra, etc.)

percebem cada vez mais a necessidade de se articularem com outros grupos

com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade,

produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania. Nesse

processo articulatório, atribuem, portanto, legitimidade às esferas de

mediação (fóruns e redes) entre os movimentos localizados e o Estado, por

12

Das 50 milhões de mensagens postadas todos os dias no Twitter, cerca de 4,5 milhões são em português, segundo pesquisa

divulgada nesta quarta-feira (24) pela consultoria francesa Semiocast. A língua é a terceira mais usada no serviço de microblog,

com 9% do total. (http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia)

Page 9: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

um lado, e buscam construir redes de movimento com relativa autonomia,

por outro. (SCHERER-WARREN, 2011, p.5)

4. Acompanhamento e amostra das rádios online

O levantamento de dados para análise das rádios hospedadas no Projeto

Dissonante foi realizado semanalmente e em horários alternados, no período de 1º de

fevereiro a 26 de junho de 2011. Para isso, foram elaboradas planilhas de

acompanhamento com a demarcação de itens essenciais para identificação dos

conteúdos veiculados pelas rádios: nome, link e os dias da semana, bem como os

horários em que houve ou não acompanhamento das rádios que estavam online.

Ao término desse processo, realizou-se a tabulação dos dados obtidos ao longo

dos cinco meses de acompanhamento, levando em consideração os seguintes itens para

análise: nome das rádios; número de rádios individuais fixas e/ou freqüentes ouvidas no

período; rádios que são ou se auto-identificaram como comunitárias ou livres; estilo

musical; se apresentou algum programa especial ou diferenciado no decorrer da

programação; se faz uso freqüente de publicidade e vinhetas da própria rádio ou da

programação; se conta com a presença de locutor em determinados programas; se há

divulgação de mecanismos de interação com o público (e-mail, telefone, redes sociais,

carta, etc.) e quais rádios apresentaram características de rádios com fins comerciais

(identificadas por palavras específicas, uso corriqueiro de publicidade, e programação

similar a emissoras comerciais)

A ponderação das questões teve em vista que o site é um espaço de promoção do

direito à comunicação e considera seus desafios para tal. Sendo assim, o critério de

escolha dos itens tabulados foi realizado tendo, primordialmente, como base a política

de uso dos serviços do Projeto13

- acordada pelas rádios que solicitam uma conta no site

- tais como respeito aos direitos humanos, a liberdade de opinião, credo, crença e a

diversidade política, étnica e religiosa, bem como não disseminar conteúdos ofensivos

de caráter homofóbico, sexista, racista, ou discriminatório em qualquer espécie.

Somente foram consideradas na amostra geral as rádios que estiveram online

por, pelo menos, mais de um mês durante todo o período de audição em horários

aleatórios de acesso para contemplar diferentes turnos e finais de semana. A análise

considera como aspecto principal o perfil das rádios ouvidas, e não necessariamente sua

13

A política de uso pode ser acessada pelo link http://www.dissonante.org/site/index.php?arquivo=projeto

Page 10: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

periodicidade, uma vez que a Internet possui dinâmica própria e bastante diferente de

rádios tradicionais em FM ou AM.

As rádios que não entraram na amostra por aparecerem por alguns dias

esporadicamente, e não se repetindo de um mês para o outro podem ser distribuídas da

seguinte forma:

Quadro 1 – As seis rádios que foram excluídas da amostra

Perfil

4 rádios Características de rádio comercial, prevalecendo conteúdos musicais;

1 rádio Institucional educativa, com variedade de músicas em licença Creative

Commons, e com veiculação de campanhas educativas de trânsito e contra

o trabalho infantil;

1 rádio Características religiosas e veiculação de músicas comerciais;

Uma das emissoras que não entrou no escopo da amostra foi a rádio PRF/RS,

gerida por um dos departamentos da Polícia Rodoviária Federal do Rio Grande do Sul.

É importante, no entanto, destacar que no mês em que ela constou nas planilhas de

acompanhamento, os conteúdos veiculados se destacaram por sua diversidade de

temáticas. Eis os apontamentos de dois dias de audição:

Quadro 2 – Apontamentos sobre a Rádio PRF/RS

Rádio PRF/RS

QUARTA-FEIRA – 02/02 - 22h54 às 23h17 Propagandas institucionais, educacionais; músicas

nacionais apresentadas por um locutor.

SEXTA-FEIRA- 25/02 - 10h47 às 11h Campanha da Polícias Rodoviária Federal, do

Ministério Público do Trabalho contra a exploração do

trabalho infantil, prevenção de acidentes nas rodovias;

músicas: MPB, vinhetas da rádio.

A tabulação das planilhas dos cinco meses de acompanhamento apresentaram o

seguinte quadro estatístico geral:

Quadro 3 – Amostra das rádios web: dados gerais

Perfil das 13 rádios/coletivos considerados:

Auto-identificação

comunitária

9 - não se identificam como rádios comunitárias;

4 - se identificam como rádios comunitárias.

Musical 9 - apresentam prevalência de músicas do circuito comercial;

1 - prevalência de músicas regionais do Sul do Brasil e músicas comerciais;

2 - prevalência de músicas fora do circuito comercial: nacionais,

internacionais, folclóricas e regionais;

1 - sem exibição musical nos horários acompanhados.

Programação

diversificada

9 - não apresentaram programas temáticos e ou focalizados;

4 - com veiculação de programas diferenciados.

Page 11: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

Publicidade 6 - não apresentaram publicidade;

4 - faz uso de publicidade;

1 - exibição de campanha governamental (contra a Dengue);

2 - exibição de campanhas governamentais e publicidade local.

Locução 4 - não tinham a presença de um locutor homem ou mulher;

6 - presença de locutor homem em alguns programas;

2 - presença de locutor homem e/ou mulher em alguns programas;

1 - presença predominante de locutor homem na maioria dos programas e de

locutora em alguns programas.

Canais de interação 8 - não apresentaram canal de comunicação com o ouvinte;

2 - possuem contato, mas não foi especificado;

3 - possuem contato por telefone, dos quais 1 permite ainda o uso de sms e o

outro de participação ao vivo.

Identidade 3 - não veicularam vinhetas próprias ou de parceiros;

9 - possuem vinhetas próprias da rádio;

1 - possui vinhetas próprias da rádio e específicas dos programas.

Características

comerciais

4 foram identificadas com características totalmente comunitárias;

9 apresentam aspectos de rádios comerciais.

5 - Análise dos dados amostrais: diversidade, direitos humanos e publicidade

Esse artigo pretender iniciar o processo de análise sobre os coletivos inscritos no

site do Projeto Dissonante de 2007 até 2011. Dessa forma, considera-se que o

acompanhamento sistematizado em horários aleatórios compreende apenas um

panorama parcial das emissoras online que utilizam o Dissonante enquanto uma

tecnologia social. Quando um coletivo envia uma solicitação de criação de conta de

rádio web, ele apresenta um projeto da rádio a ser transmitida, aceita as políticas de uso

e assume todas as responsabilidades no cumprimento das mesmas. Em seguida, o

coletivo que gere o Dissonante avalia a proposta e libera a conta. Os dois parágrafos

iniciais as Política de uso são:

―I - respeitar os direitos humanos:

a) respeitar sempre a liberdade de opinião, credo, crença e a diversidade

política, étnica e religiosa; b) zelar pela diversidade cultura e regional, sem

cercear nenhum tipo de expressão; c) não disseminar nenhum conteúdo

ofensivo de caráter homofóbico, sexista, racista, ou discriminatório em

qualquer espécie.

II - ter responsabilidade social:

a) responder pelos seus atos de acordo com o item I ; b) ter clareza que é

responsável pelo que expressa‖

Consideramos que o parágrafo I em seu item b indica a necessidade de

diversidade nas emissoras, que podem, por exemplo, explorar músicas regionais ou

alternativas. Levando-se em consideração que a amostra representa apenas momentos

específicos da rádio acompanhada, percebe-se pelo quadro geral (quadro 3) que a

diversidade é fator presente em 31% das rádios ouvidas, que exibiram programação

Page 12: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

diferenciada ou em 23% se considerarmos a reprodução de músicas regionais ou

nacionais fora do circuito comercial.

Destaca-se nesse cenário a Rádio UnB - experimental, na qual reproduz os

programas jornalísticas produzidos pelos estudantes de Comunicação da Faculdade de

Comunicação. Seu caráter experimental se refere à fase atual de testes de transmissão e

recepção dos produtos radiofônicos elaborados e executados por estudantes de

Comunicação. Outra rádio que se sobressai em relação à diversidade de conteúdo é a

Master FM, que em sua solicitação de criação de conta apresenta-se como uma rádio

comunitária (apesar do acompanhamento apontar algumas características de rádio

comercial) oscilando entre a exibição de músicas do circuito comercial e músicas

regionais da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

Em relação ao item c do parágrafo I da Política de Uso, analisamos as emissoras

para verificar se há disseminação de conteúdo que seja ofensivo, de caráter homofóbico,

sexista, racista, ou discriminatório. Não é perceptível a veiculação de conteúdos de

caráter preconceituoso nas rádios consideradas. Contudo, é interessante notar que há

uma predominância de locutores do sexo masculino nas grades de programação das

emissoras. As locutoras aparecem minoritariamente somente em 33% das rádios que

tinham a presença de uma pessoa na função de locutor. Esse número diminui para 23%

se incluirmos as rádios cuja programação não tinha nenhuma locução durante o

acompanhamento. Este dado permite futuras investigações e aprofundamentos sobre o

papel da mulher na produção de conteúdo radiofônico para as emissoras que participam

do Projeto Dissonante.

Porém, dentro do perfil das rádios da amostra, é importante destacar a presença

da Rádio Alternativa AMUNAM, formada pela Associação das Mulheres de Nazaré da

Mata, em Pernambuco. Sua programação valoriza a diversidade e há a presença de

locutoras e locutores, além da abordagem de temáticas específicas de valorização da

mulher, condizentes com os princípios do Dissonante.

O último parágrafo da Política de Uso do projeto enfatiza o uso das emissoras

para a produção de uma comunicação livre e a autogestão das rádios que participam do

Dissonante. Segundo o referido parágrafo:

―III - por parte do Projeto Dissonante

a)O Projeto não é responsável pela quebra dos itens acima e estimula a ação

coletiva entre indivíduos e grupos para filtrar e excluir possíveis

desrespeitos a esse acordo mútuo. Em caso de problemas, envie e-mail para

Page 13: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

[email protected].

b) os servidores do Projeto DIssonante devem ser usados para a promoção

de uma Comunicação Livre. Logo, as rádios participantes não devem usar a

conta de rádio web para fins comerciais e/ou de lucro. Caso isso aconteça, o

ponto de montagem criado será desabilitado e, possivelmente, expirado. ―

Como estratégia para perceber se o parágrafo III da Política de Uso (que trata do

respeito a um uso não comercial do projeto) foram observados o perfil musical,

considerando o circuito musical das rádios comerciais, o tipo de publicidade e a auto-

identificação dos coletivos. Ainda que aproximadamente 30% das rádios se auto-

identificam como rádios comunitárias (legalizadas ou não em FM ou AM), metade delas

apresenta características típicas de rádio comercial. Já a outra metade são geridas por

associações comunitárias. Contudo, um aspecto positivo percebido na observação da

amostra é que 54% das rádios não veiculou qualquer tipo de publicidade comercial, e

15% exibiu apenas publicidades locais, associadas a campanhas governamentais.

Apesar da legislação sobre rádio comunitária (Lei 9.612 de 1998) proibir a

publicidade nas emissoras (permitindo somente a figura do ―apoio cultural‖, sem

especificar melhor o conceito), se faz necessário problematizar como as rádios podem

obter recursos para sobreviver. Evidentemente há possibilidades de se recorrer a ações

para levantar fundos (bazares, rifas, etc.), porém nos questionamos se essas medidas são

suficientes para garantir a sustentabilidade das rádios, principalmente quando as

emissoras online também funcionam como FM ou AM e possuem custos de locação de

espaço, energia elétrica e manutenção de equipamentos. Torna-se necessário buscar

entre o equilíbrio de uma comunicação livre que valorize a internet como um espaço

público (e não meramente comercial) e as necessidades de recursos para manter a

emissora. Além disso, considerando o papel das rádios comunitárias em divulgar

informações de caráter público às populações (sobre saúde, segurança e educação), há

que se iniciar o debate sobre a possibilidade do Poder Público investir nas rádios

comunitárias como difusoras das campanhas governamentais para a promoção da saúde

e demais direitos.

Além dos aspectos referentes ao perfil e conteúdo das rádios do Dissonante,

também verificamos outras características que podem servir para novas aproximações e

comparações das emissoras online do projeto:

Page 14: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

Rotatividade: poucas rádios permaneceram fixas na grade, o que demonstra a

variedade e adaptabilidade ou flexibilidade das emissoras online, que se

diferenciam, assim, das rádios tradicionais em FM e AM;

Dificuldades de transmissão: algumas rádios demonstraram certa instabilidade

no sinal de transmissão, chegando a ficar ―fora do ar‖ diversos dias da semana,

ou apresentando ruídos e forte interferências no sinal. Foi observado também,

que não é comum que as emissoras, ao apresentarem qualquer tipo de problemas

na transmissão, oferecerem explicações ou esclarecimentos aos ouvintes sobre as

falhas apresentadas. Esses problemas técnicos revelam também os desafios

apresentados ao Dissonante, que procura ampliar e melhorar o serviço com a

instalação de um segundo servidor no campus da UnB em Planaltina-DF.

Rádios que se destacaram na promoção do direito à comunicação: Rádios como

a Utopia FM, Rádio Web Colaborativa Mucury Cultural e Tâmara FM, além de

se identificarem como rádios comunitárias e livres, apresentaram uma

programação diversificada em seu conteúdo. A programação dessas emissoras

foge de padrões comerciais, evitando, por exemplo, o uso de publicidade,

vinhetas e músicas comerciais. Além disso, em determinados horários

apresentaram programas informativos, regionais e culturais que visavam a

comunidade regional de suas respectivas cidades.

Presença de rádios comerciais: algumas rádios (conforme o quadro 3)

apresentam conteúdo pouco variado e muito semelhante a rádios comerciais.

Afinal, disponibilizam boa parte da programação para publicidade local, não

oferecem um canal de contato com ouvintes (seja por e-mail ou telefone) e

repertório semanal de programas ou músicas é pouco variado.

6. Considerações finais

O Projeto Dissonante trabalha para construir espaços em que indivíduos e,

especialmente, coletivos possam exercer seu direito à comunicação, se reconhecendo

não somente como consumidores de informação, mas também como produtores. Além

de oferecer a possibilidade de criação de uma conta de rádio web, o Dissonante também

estabelece parcerias e se insere em mobilizações sociais para que grupos possam exercer

seu direito de forma mais total. Dessa maneira, o projeto não se caracteriza somente

Page 15: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

como um servidor de rádio, mas se constitui como uma articulação em rede que

pretende instigar o “fazer comunicação” de forma mais interativa e conectada.

Nesse sentido, pretende desempenhar dois papéis. Inicialmente, fortalecer

coletivos, pré-existentes ou não, de comunicação livre, e estimular a parcerias com

outros coletivos e mobilizações sociais. O segundo papel se refere aos usos do Projeto

Dissonante como tecnologia social para a transmissão de debates ou eventos, como

instrumento pedagógico em oficinas e como ferramenta de divulgação de informação

alternativa, por exemplo, em manifestações sociais. O objetivo dessas ações é permitir

que a rádio web perca seu pretenso caráter de técnica neutra e se converta “em campo

de criatividade, inclusive técnica, para emissores e receptores que terão de lutar a todo

momento: uns para fazer-se ouvir e outros para conseguir escutar” (BARBERO, 2004,

p.189).

Cconsiderando o esforço do projeto em ampliar o direito à comunicação, se faz

necessário conhecer o perfil das emissoras que participam do Dissonante. A partir da

observação e análise das rádios, é possível estimular a articulação entre as emissoras, a

autogestão do servidor e o respeito à diversidade e direitos humanos. Isto é, conhecer as

rádios web do Dissonante permite que pensemos em ações que possam consolidar uma

rede de emissoras online de todo o país (e até algumas internacionais) por meio, por

exemplo, de encontros, oficinas, fóruns, etc. A presente análise, então, se apresenta

como uma primeira etapa de planejamento para futuras ações do projeto.

O perfil de uma amostra reduzida de emissoras revela rádios web que

compartilham os princípios do Dissonante. Algumas dessas rádios se declararam

comunitárias (4 de 13 emissoras). Porém, a maioria, que não assumiu necessariamente o

discurso e o termo “rádio comunitária”, mostraram em sua programação uma demanda

(por vezes silenciada) em produzir sua comunicação. Por exemplo, 9 das 13 emissoras

possuem vinhetas originais para identificar a rádio. Além disso, 54% das rádios não

veiculou publicidade comercial e 15% apresentou apenas publicidades locais

(associadas a campanhas governamentais). Ou seja, há um universo de rádios no

Dissonante a ser explorado e a análise inicial indica avanços para o direito à

comunicação por meio da Internet, exemplificando, portanto, que é possível ultrapassar

cada vez mais a característica limitada do Dissonante como um servidor e consolidar

uma rede de comunicação livre por meio das rádios web no Brasil e no mundo.

Referências:

Page 16: rojeto Dissonante: alternativa de produção, distribuição e acesso de conteúdo sonoro para promoção do Direito à Comunicação

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 13ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006

ARCANJO, Pedro; PEDROSA, Leyberson L C. Projeto Dissonante – faça-rádio-web-

você-mesmo. Uma experiência de comunicação livre. Brasília , 2007 in

http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/1719/1/2007_LeybersonPedrosa_PedroMatos.pd

f. Acessado em 25 de junho de 2011.

BARBERO, Jesús Martín. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da

comunicação na cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

BUFARAH JUNIOR, Alvaro. Rádio na internet, convergência de possibilidades. Anais

do 26. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belo Horizonte-MG,

setembro de 2003. São Paulo: Intercom, 2003. [cd-rom]

Décio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 1964.

DOWNING, J.D.H. Mídia Radical: rebeldía nas comunicações e movimentos sociais /

John Downing com a colaboração de Tamara Villarreal Ford, Genève Gil, Laura Stein ;

tradução Silvana Vieira. – 2ª ed. – Editora Senac, São Paulo: 2004.

GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Edições Loyola,

2004.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. La desencantada experiencia del intelectual

contemporáneo. Utopía y Praxis Latinoamericana/ Año 12. N° 39 (Octubre-Diciembre,

2007), pp.33.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem. Tradução:

MELO, José Marques de. Folkcomunicação na era digital: A comunicação dos

marginalizados invade a aldeia global. Disponível em: <

http://www.marquesdemelo.pro.br/textos/textos_recentes/txt_rec_03.htm>. Acesso em:

11 abr. 2011.

MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Um Plano Nacional para Banda Larga:

Sumário Executivo. Brasília: 2010. Disponível em:

<http://www.mc.gov.br/images/pnbl/sumario-executivo1.pdf>, acesso em 27/06/2011.

PAIVA, Raquel. Retorno da Comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro:

Editora Mauad, 2007.

RAMOS, M. C. (2010). Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga: uma perspectiva

de economia política das políticas públicas. In: Anais da IV Conferência ACORN-

REDECOM, Brasília, DF, de 14 e 15 de maio. Disponível em: < http://www.acorn-

redecom.org/papers/acornredecom2010ramos.pdf>, acesso em 27/06/2011.

SCHERER-WARREN, Ilse. Das Mobilizações às Redes de Movimentos Sociais.

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-

69922006000100007>. Acesso em: 20 jun. 2011.

TORO, Bernardo. Mobilização Social: Uma Teoria para a universalização da cidadania.

In MONTORO, T. (org). Comunicação e Mobilização Social. Brasília. Brasília: UnB,

vol 1, 1997, pp. 26-40.