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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
CURSO DE LETRAS
RODRIGO SANCHES PEREIRA
(NOVI)LÍNGUA E PODER: UMA ANÁLISE DOS LEXEMAS POLISSÊMICOS
DO VOCABULÁRIO B NA ESTRUTURAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PODER E
DELIMITAÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO NA OBRA 1984 DE GEORGE
ORWELL
RIO DE JANEIRO
2016
RODRIGO SANCHES PEREIRA
(NOVI)LÍNGUA E PODER: UMA ANÁLISE DOS LEXEMAS POLISSÊMICOS
DO VOCABULÁRIO B NA ESTRUTURAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PODER E
DELIMITAÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO NA OBRA 1984 DE GEORGE
ORWELL
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em
Letras da Universidade Veiga de Almeida, como
requisito obrigatório e necessário para a obtenção do
título de Licenciatura em Língua Portuguesa e Língua
Inglesa, sob orientação da Professora Claudia Cristina
Mendes Giesel.
RIO DE JANEIRO
2016
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Profª. Dra. Cláudia Cristina Mendes Giesel – Orientadora – UVA
________________________________________________________
Profª.Dra. Sabine Mendes Lima Moura – PUC
________________________________________________________
Profª. M.e. Graziela Borguignon Mota – UVA
Aprovado em _____ de ______________ de 2016.
Conceito: ______
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, especialmente à minha avó por ter representado com maestria o
papel de mãe e avó ao mesmo tempo, por sempre ter me apoiado em todos os momentos da minha
vida e por toda sua preocupação com minha educação desde os anos elementares até a vida
acadêmica.
Agradeço à minha namorada Aline, por todo companheirismo e compreensão nos
momentos difíceis, por sempre ter lidado bem com meu estresse e ansiedade, pelos cuidados, por
todo incentivo e por ser o principal motivo dos meus sorrisos.
Aos meus amigos, especialmente ao Patrick Tavares por todo apoio e pelo auxílio com a
revisão. Aos amigos Alberto Oliveira, Laryssa Rodrigues e Júlio César por toda união em
momentos de sofrimento e desespero causados pela graduação, por terem sido fundamentais na
minha vida acadêmica e pessoal. Obrigado por cada momento extrovertido, cada comemoração
após entregas de pôsteres, artigos e resenhas, por tornarem as aulas no último tempo de sexta-feira
as melhores e fazerem com que o “Antes da Soleira” seja perpetuado em nossas vidas.
À minha orientadora, Cláudia Giesel, não somente por toda a paciência e suporte durante o
desenvolvimento desse trabalho, mas por todo o trabalho que tem feito, por toda influência positiva
que tem exercido sobre seus alunos, esse seu olhar crítico que tem propiciado um enorme
desenvolvimento meu como pessoa e como professor. Sou extremamente grato por tudo, pelas
milhões de resenhas, pôsteres e artigos pedidos, por ter me aceitado como orientando.
Por último e não menos importante, agradeço à mulher mais incrível e admirável da minha
vida, minha mãe Sandra. Apesar de não estar aqui fisicamente, sei que onde quer que esteja está
orgulhosa e comemorando mais essa etapa junto a mim.
“Ao futuro ou ao passado, a um tempo em que o
pensamento seja livre, em que os homens sejam
diferentes uns dos outros, em que não vivam sós – a
um tempo em que a verdade exista e em que o que for
feito não possa ser desfeito:
Da era da uniformidade, da era da solidão, da era do
Grande Irmão, da era do duplipensamento –
saudações!”
George Orwell
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Modelo da concepção tridimensional do discurso (FAIRCLOUGH, 2001)
Figura 2 – Organização Hierárquica da Oceânia
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Número de Ocorrências
Tabela 2 – Significado-Potencial
Tabela 3 – Ambivalência-Potencial
LISTA DE ABREVIATURAS
AD – Análise do Discurso
ACD – Análise Crítica do Discurso
TSD – Teoria Social do Discurso
RESUMO
A língua, dentre as diversas técnicas e métodos de manipulação, exerce um papel imprescindível
na estruturação hegemônica de um Governo. Precisamos entender como as mais simples palavras
no discurso nos influenciam ideologicamente e atuam como chaves para a delimitação do
pensamento crítico individual e na consolidação das relações de poder. A novilíngua, comparada
por Orwell à um "esperanto ideológico" e definida como uma língua composta por palavras curtas
e apocopadas, provoca um mínimo de eco na mente daquele que fala o idioma apresentando uma
tentativa de utilização da língua como ferramenta de controle político-ideológico na obra 1984.
Portanto, a presente pesquisa tem por objetivo analisar e interpretar como as relações de poder são
sustentadas no discurso por intermédio de palavras que possuem um rico campo semântico como
as palavras polissêmicas do vocabulário B de novilíngua na obra 1984 (2009) de George Orwell
sob a ótica da Análise Crítica do Discurso e da concepção tridimensional da Teoria Social do
Discurso de Norman Fairclough (2001). Os resultados da análise apontam a ambivalência lexical
do discurso cotidiano como fator determinante na implementação ideológica e posicionamento do
Governo para a manutenção do poder na obra. Conclui-se que as estruturações das relações de
poder na obra são reforçadas por meio da implementação de palavras polissêmicas que corroboram
com a delimitação do pensamento crítico individual erradicando posicionamentos contrários à
ideologia pregada pela elite.
Palavras-Chaves: Análise crítica do discurso, Ideologia, Hegemonia, 1984, Novilíngua.
ABSTRACT
Amongst the variety of techniques and manipulation methods, the language presents itself as an
important role in the hegemonic organization of a ruling government. We need to understand how
the simplest words in discourse ideologically influence us and act as key points in the critical
thinking delimitation, especially in the consolidation of power. Newspeak, considered by Orwell
an “ideological Esperanto” and defined as a language composed by short words that echo in one’s
mind at the moment of speaking, incites an attempt of using the language as a political and
ideological tool in the novel 1984. Thus, this present work has as objective the analysis and
interpretation of how the power relations are sustained in the discourse by words that present a
plentiful semantic field such as the polysemic words from vocabulary B of newspeak in George
Orwell’s 1984 (2009). This analysis is based on the Critical Discourse Analysis and the three-
dimensional concept of the Social Discourse Theory supported by Norman Fairclough (2001). The
results of this analysis point to the lexical ambivalence in the everyday discourse as determining
factor to the ideological implementation and the government’s position to sustain and withstand
the power control. As a conclusion, the hegemonic relations are reinforced by the employment of
polysemic words in the discourse which corroborate with the individual critical thinking
delimitation, eradicating opposite thoughts to the elite’s ideology and principles.
Keywords: Critical discourse analysis, Ideology, Hegemony, 1984, Newspeak.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 10
2 ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO .................................................................................... 14
2.1. O que é Discurso? ................................................................................................................ 14
2.2. Análise do Discurso x Análise Crítica do Discurso ............................................................. 15
2.3. Ideologia e Hegemonia ........................................................................................................ 18
3 A DISTOPIA DE ORWELL .................................................................................................... 22
3.1. George Orwell ...................................................................................................................... 22
3.2. Dois + Dois = Cinco ............................................................................................................ 24
3.3. (Novi)Língua e Poder .......................................................................................................... 26
4 ANÁLISE DOS LEXEMAS DO VOCABULÁRIO B ........................................................... 31
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 43
10
INTRODUÇÃO
Ao ter acesso às informações para o desenvolvimento do artigo científico sobre línguas
artificiais me deparei com a novilíngua e a obra 1984. Optei, então, pela leitura da obra distópica
de Orwell por puro entretenimento e cogitei até uma possível análise do processo de construção
das palavras em novilíngua. Contudo, durante a leitura sobressaiu-se a geniosidade de Orwell
ao desenvolver uma língua ideologicamente essencial para a manutenção hegemônica do
governo totalitário da obra. A difusão de opiniões contrárias ao sistema seria disseminada por
conta da utilização de uma língua monossêmica que no contexto atual da obra delimita e
futuramente tornaria impossível a construção de pensamentos heréticos.
A leitura do romance 1984 traz à tona discussões sobre temas atemporais que são de
extrema importância para sociedade como a centralização da economia, divisão do mundo
superpotências, a opressão de um governo totalitário, líderes opressores e todo o poder de
manipulação da elite.
Como sabemos, o discurso é um dos meios mais eficazes de disseminação de ideias e
manipulação sendo possível o controle das massas pela simples escolha de palavras, palavras
essas que em sua maioria apresentam conceitos políticos e ideológicos. O idioma criado por
George Orwell em 1984 é um exemplo de como a língua é capaz influenciar o posicionamento
político-ideológico da população. A significação política-ideológica da língua/linguagem no
discurso é um importante fator a ser considerado no que se refere à organização hegemônica de
uma sociedade. Muitas palavras detêm uma enorme capacidade de influência ao estabelecer
posicionamentos políticos e ideológicos nas entrelinhas do discurso. Entretanto, nem todos são
capazes de perceber essa característica da língua, portanto esse trabalho visa trazer à tona a
importância da língua na estruturação das relações de poder.
A presente pesquisa tem por objetivo analisar e interpretar como as relações de poder
são sustentadas no discurso por intermédio de palavras que possuem um rico campo semântico,
as palavras polissêmicas do vocabulário B da língua artificial novilíngua, na obra 1984 (2009)
de George Orwell e da delimitação do pensamento crítico sob à ótica da Análise Crítica do
Discurso.
Tendo como base os conceitos da Teoria Social do Discurso de Fairclough (2001), faço
uso da concepção tridimensional do discurso para observar, definir o significado-potencial e
ambivalência-potencial dos lexemas da novilíngua, analisar a forma com que esses vocábulos
estão diretamente ligados à ideologia do Partido e como influenciam nas estruturações das
relações de poder e a delimitação do pensamento crítico na distopia de Orwell.
13
Esta pesquisa está composta por cinco capítulos, sendo o primeiro para contextualizá-la
e o ultimo para concluí-la. Os outros capítulos representam respectivamente o embasamento
teórico, a contextualização do corpus, a análise das palavras selecionadas e por fim minhas
considerações finais.
No capítulo 2, inicio discorrendo acerca da importância da Análise do Discurso e a
diferencio da Análise Crítica do Discurso de acordo com teóricos como Fairclough (2001),
Resende e Ramalho (2009) e van Dijk (1998). Em seguida, menciono a importância dos
conceitos de ideologia e hegemonia segundo a visão de analistas do discursos e sua importância
para a concepção tridimensional da Teoria Social do Discurso de Fairclough (2001).
No terceiro capítulo, contextualizo a obra 1984 e o autor, principalmente sobre a relação
direta das experiências de Orwell para o desenvolvimento de sua obra distópica tendo como
base Neto (1984) e os posfácios de Fromm (1961), Pimloot (1989) e Pynchon (2003) presentes
no corpus e discuto brevemente acerca da polissemia lexical da língua de acordo com Birdarra
(2010), Fiorin (2011) e Rossa (2001).
No quarto capítulo, apresento a análise das palavras polissêmicas vocabulário B de
novilíngua sob à ótica da concepção tridimensional da Teoria Social do Discurso de Fairclough
(2001), tendo como prioridade a análise dos campos texto em três diferentes tabelas: (1) número
de ocorrências na obra; (2) significado-potencial; (3) ambivalência-potencial. Por fim, analiso
o campo da prática social interpretando como as palavras selecionadas são importantes no
discurso hegemônico do regime totalitário da obra.
Por último, no capítulo 5 apresento minhas considerações finais acerca da presente
pesquisa.
O propósito desse trabalho é refletir sobre o poder da língua/linguagem no discurso já
que a utilização de certas palavras não está sob total controle de seus interlocutores, mas muitas
vezes estão intrinsecamente ligadas à posicionamentos ideológicos mais complexos, defendidos
por uma elite para auxilia-la na busca pelo poder e na manutenção hegemônica. Ademais, essa
pesquisa não somente identifica a ideologia arquitetada por trás da novilíngua, mas constata
que tanto a língua planejada de Orwell como as línguas naturais apresentam um forte viés
político e ideológico em seu léxico que podem ser utilizados a fim de incitar diferentes
interpretações e manipular o discurso, delimitando o pensamento crítico graças a sua ampla
variedade semântica.
14
2 ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
A ideologia por trás de toda obra de Orwell e principalmente por trás da novilíngua
demonstrara ser primordial para a manutenção das relações de poder no mundo distópico de
1984 (2009) e faz-nos refletir acerca da relação intrínseca entre linguagem e ideologia, não
somente na obra mas também na vida real. Dessa forma, esse capítulo é dedicado a apresentar
a Análise do Crítica do Discurso, doravante ACD, e a Teoria Social do Discurso, TSD, sob a
ótica de Fairclough (2001) e Resende e Ramalho (2010) que são conceitos-chaves para análise
da novilíngua no presente trabalho.
2.1. O que é Discurso?
Logo ao nos afrontarmos com o nome Análise do Discurso prontamente identificamos
o objeto de estudo, contudo do que se trata o termo discurso? Antes de mais nada é necessário
responder a esse primeiro questionamento que vem à tona. Dessa forma, poderei discorrer e
clarificar qual das diversas interpretações de discurso a Análise do Discurso se apropria.
Melo (2009) menciona que a concepção de discurso conforme o estruturalismo baseava-
se no estudo da língua por ela mesma. Segundo as perspectivas estruturalistas, a noção de
discurso é estritamente conectada a um conglomerado de palavras ou sentenças; o sujeito do
discurso é um reprodutor de um sistema linguístico e um decodificador de uma mensagem e a
língua é uma estrutura invariável. Nesse caso, o discurso se confunde com texto. A partir da
década de 60, essa concepção de língua por ela mesma começa a se desestabilizar e assim é
aberta a porta para novas propostas teóricas. Surge, então, a preocupação com a linguagem em
uso, introduzem-se componentes pragmáticos e a dimensão social começa a fazer parte do
estudo da língua.
Fiorin (2010) define discurso como combinações de elementos linguísticos usados pelos
falantes com o propósito de exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu
mundo interior, de agir sobre o mundo.
Resende e Ramalho (2010) apresentam em seu livro duas definições de discurso
segundo as vertentes da linguística formalista e funcionalista. No paradigma formalista, o
discurso é definido como a unidade acima da sentença que segundo Schiffrin (1994 apud
RESENDE; RAMALHO, 2010) contém um problema imediato: o discurso não apresenta
características semelhantes às da sentença. Além disso, se sentenças são criadas no discurso,
parece contraditório definir o discurso como construído daquilo que ele mesmo cria. Por outro
15
lado, o conceito funcionalista define discurso como a linguagem em uso, o que o torna aplicável
para os analistas de discurso, uma vez que o foco de interesse não é apenas a interioridade dos
sistemas linguísticos, mas, sobretudo, a investigação de como esses sistemas funcionam na
representação de eventos, na construção de relações sociais, reafirmação e contestação de
hegemonias no discurso.
Fairclough (2001, p.89, 90) menciona o uso do discurso em um sentido mais estreito:
Quero focalizar a linguagem e, consequentemente uso ‘discurso’ em um
sentido mais estreito do que os cientistas sociais geralmente fazem ao
se referirem ao uso de linguagem falada ou escrita. Usarei o termo
‘discurso’ no qual os linguistas tradicionais normalmente escrevem
sobre o uso de linguagem, parole (fala) ou desempenho.
Ao usar o termo discurso, Fairclough (2001) se propõe a considerar o uso de linguagem
como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis
situacionais. Ele mesmo afirma que isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o
discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e
especialmente sobre os outros, como também um modo de representação. Segundo, implica
uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social. Por outro lado, o discurso é
socialmente constitutivo. O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da
estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem. O discurso é uma prática,
não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e
construindo o mundo em significado.
Orlandi (2009, p. 17) também discorre acerca dessa relação entre discurso e ideologia
ao mencionar que o discurso é o lugar em que se pode observar a relação entre língua e
ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos.
Partindo da ideia que a materialidade específica da ideologia é o
discurso e a materialidade específica do discurso é a língua, trabalha a
relação língua-discurso-ideologia. Essa relação se complementa com o
fato de que, como diz Pêcheux (1975), não há discurso sem sujeito e
não há sujeito sem ideologia; o indivíduo é interpelado em sujeito pela
ideologia e é assim que a língua faz sentido.
2.2. Análise do Discurso x Análise Crítica do Discurso
Após discorrer sobre a definição de discurso para a Análise do Discurso, um segundo
questionamento vem à tona: do que se trata a Análise Crítica do Discurso (ACD) e do que difere
da Análise do Discurso (AD)?
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A linguagem pode ser estudada de inúmeras formas, assim como menciona Orlandi
(2009), podemos concentrar nossa atenção sobre a língua enquanto sistema de signos ou como
sistema de regras formais, e assim temos a Linguística; ou como normas de bem dizer, por
exemplo, a Gramática normativa. Orlandi (2009) também afirma que a própria palavra
gramática como a palavra língua podem ter significados muito diferentes, por isso as gramáticas
e a maneira de se estudar a língua são diferentes em diferentes épocas, em distintas tendências
e autores diversos. Pois é justamente pensando que há inúmeras formas de se significar que os
estudiosos começaram a se interessar pela linguagem de uma maneira particular que é a que
deu origem à Análise do Discurso.
Orlandi (2009) diz que a AD não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato,
mas como a língua no mundo, com maneiras de significar, com pessoas falando, considerando
a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto
membros de uma determinada forma de sociedade. Orlandi (2009), como mencionado
anteriormente, também aborda a relação entre discurso e ideologia e menciona que o discurso
é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se
como a língua produz sentidos por/para os sujeitos.
Na década de 1970, segundo Magalhães (2005), na Universidade na Universidade de
East Eagle, Grã-Bretanha, um grupo de pesquisadores desenvolveu uma abordagem de estudos
de linguagem conhecida como Linguística Crítica. Em 1979, Fowler, Kress, Hodge, e Trew
publicaram Language and Control, um livro que teve repercussão entre linguistas e
pesquisadores de linguagem que se interessavam pela relação entre o estudo do texto e os
conceitos de poder e ideologia. Com isso, outros estudiosos na década de 1980 se dedicaram ao
desenvolvimento dessa abordagem.
Magalhães (2005, p. 2) diz que: “Fairclough, na Universidade de Lancaster, usou a
expressão 'análise crítica do discurso' pela primeira vez em artigo seminal no Journal of
Pragmatics (FAIRCLOUGH, 1985). A análise crítica do discurso (ACD) pode ser considerada
uma continuação da linguística crítica (WODAK, 2001).”
Martins (2005, p.2) faz uso das palavras de Fairclough (1992) para abordar como a ACD
surgiu:
A Análise Crítica do Discurso, como pode ser lido em Fairclough
(1992) surgiu como uma concretização do desejo de um grupo
específico de linguistas de criação de um método para analisar a
linguagem que aliasse as teorias lingüísticas, sociológicas e políticas, a
seu ver a única maneira adequada de tratar a linguagem, que é um objeto
essencialmente dinâmico. Esta abordagem do discurso e da linguagem
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que alia conceitos e métodos oriundos da Linguística e das Ciências
Sociais de forma satisfatória pode ser considerada inovadora.
Chouliaraki & Fairclough (1999:16) chegam a caracterizar a ACD
como "síntese mutante de outras teorias".
A ACD é “uma síntese mutante de outras teorias”, como mencionado por Chouliaraki e
Fairclough (1999), e isso apenas corrobora a característica multidisciplinar da ACD. Segundo
van Dijk (1993, p.1) a multidisciplinariedade da ACD propõe um amplo campo de estudo. A
ACD permite o estudo das relações entre discurso, poder, hegemonia e desigualdade social
tendo em foco o papel do discurso na (re)produção e luta contra dominação.
Os analistas críticos do discurso, de acordo com van Dijk (1993), visam estudar quais
estruturas, estratégias ou outras propriedades do texto, fala, interação verbal ou eventos
comunicativos trabalham nos modos de reprodução do discurso. Assim como van Dijk (1993),
Billig (2008) define que analistas críticos do discurso buscam analisar a língua de forma crítica
a fim de expor as ideologias e as relações de poder no uso da língua.
Magalhães (2005, p. 3) menciona que a ACD aborda o estudo do texto e eventos em
diversas práticas sociais, propondo uma teoria e um método para descrever, interpretar e
explicar a linguagem no contexto sociohistórico. Dessa forma, a ACD oferece uma valiosa
contribuição de linguistas para o debate de questões ligadas ao racismo, discriminação social,
à violência, à identidade nacional, à autoidentidade, à identidade de gênero, à exclusão social.
Martins (2005) discorre sobre o objetivo da ACD de apresentar o modo como as práticas
linguístico-discursivas estão ligadas às estruturas sociopolíticas mais abrangentes, de poder e
dominação. Martins (2005) novamente cita Fairclough (1981, p. 1) e menciona que a ACD
pretende também aumentar a “consciência de como a linguagem contribui para a dominação de
umas pessoas por outras, já que essa consciência é o primeiro passo para a emancipação”.
Tendo em vista as questões sociopolíticas e analíticas do discurso, Teun van Dijk (1993,
p.4) discorre acerca da preocupação da ACD com as dimensões discursivas do abuso de poder
que surgem ou são sustentadas, legitimadas ou ignoradas pelas elites que promovem injustiça
e desigualdade social.
Diferentemente de outros analistas do discurso, o analista crítico do
discurso apresenta um explícito viés sociopolítico (...) um dos critérios
do seu trabalho é solidariedade com aqueles que mais precisam. Seus
problemas são problemas ‘reais’ que ameaçam as vidas ou bem-estar de
muitos. (VAN DIJIK, 1993, p.4, tradução minha)
Portanto, as abordagens críticas (ACD) diferem das acríticas (AD), segundo Fairclough
(2001, p.31), não apenas na descrição das práticas discursivas, mas também ao mostrarem como
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o discurso é moldado por relações de poder e ideologias e os efeitos construtivos que o discurso
exerce sobre as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crença,
nenhum dos quais é normalmente aparente para os participantes do discurso.
2.3. Ideologia e Hegemonia
É notório, não somente nos dias atuais, mas há tempos, o poder de manipulação que tem
a elite. Vivemos numa sociedade cujos problemas são inúmeros e que são atenuados por
intermédio de eufemismos, discursos arbitrários e falaciosos pela mídia. Não é interessante o
desenvolvimento de cidadãos críticos e reflexivos, pois somente assim serão capazes de
sustentar suas relações de poder por meio da ideologia pregada em seus discursos, sendo
desnecessário o uso de força, assim como Resende e Ramalho (2011, p. 46) mencionam em seu
livro: “uma vez que o poder depende da conquista do consenso e não apenas do uso da força, a
ideologia tem importância na sustentação de relações de poder”.
Segundo van Dijk (1998, p. 16), a ideologia é a base das representações sociais
compartilhadas por membros de um grupo. O autor menciona que o conceito ideologia serve
como uma interface entre estruturas sociais e a cognição social. Isso significa que ideologias
permitem que pessoas, como membros de um grupo, organizem uma magnitude de crenças
sociais, boas ou más, certas ou erradas, e ajam de acordo com elas, o que certamente influencia
na compreensão de mundo em geral.
Fairclough (2001, p.117) define ideologia como significações/construções da realidade
(o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias
dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a
reprodução ou a transformação das relações de dominação.
Fairclough (2001, p. 119) menciona outra questão importante sobre a ideologia:
(...) a ideologia diz respeito aos aspectos ou níveis do texto e do discurso
que podem ser investidos ideologicamente. Uma alegação comum é de
que são 'sentidos', e especialmente os sentidos das palavras (...), que são
ideológicos (...). Os sentidos das palavras são importantes,
naturalmente, mas também o são outros aspectos semânticos, tais como
as pressuposições, as metáforas e a coerência.
A concepção de ideologia segundo diversos estudiosos está intrinsecamente ligada às
relações de poder e a luta hegemônica. Segundo van Dijk (1998, p. 8), na maioria dos casos,
ideologias apresentam uma função material e simbólica dos interesses de um grupo. As
ideologias são utilizadas e modificadas por atores sociais em específicas práticas sociais,
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geralmente discursivas. Dentre esses interesses, o poder sobre outros grupos (ou resistência à
dominação) pode ser considerado como o papel central e o propósito para o desenvolvimento
de ideologias.
Chouliaraki e Fairclough (1999, apud RESENDE; RAMALHO, 2001 p. 47) consideram
que a hegemonia enfatiza a importância da ideologia no estabelecimento e na manutenção da
dominação baseadas mais no consenso que na coerção, a naturalização de práticas e relações
sociais é fundamental para a permanência de articulações baseadas no poder.
Assim como Chouliaraki e Fairclough (1999), van Dijk (1993) também associa a
importância da ideologia no estabelecimento e manutenção da dominação. van Dijk (1993)
define dominação como o poder social exercido por elites, grupos e instituições, o que resulta
em desigualdade de gênero, social, política, cultural e étnica.
van Dijk (1998, p. 30) também aponta o fato de que embora ideologias sejam
propriedades de um grupo social, membros individuais devem pessoalmente endossar, aceitar
e utilizar uma ideologia no seu dia-a-dia, comparando-as às línguas naturais por serem sistemas
essencialmente sociais e compartilhados por membros de um grupo, mas isso não quer dizer
que os membros dessas comunidades não sabem as utilizar individualmente. A partir do
momento que ideologias e crenças são socialmente compartilhadas, não significa que
indivíduos possuam cópias idênticas delas. Em vez disso, cada membro possui a sua própria
versão. Dentre as quais algumas pessoas apresentam somente uma versão limitada, as vezes
incoerente, enquanto outras uma mais consistente e detalhada. Assim, essas versões particulares
de ideologias e crenças permitem que diferenças individuais e até mesmo contradições surjam,
fatores que podem levar à luta contra a dominação, como o que ocorre com a personagem
Winston em 1984 (2009) ao começar a questionar a ideologia estabelecida pelo Socing.
É sob a ótica dessa relação entre hegemonia e ideologia por trás do discurso que
Fairclough (2001) menciona que o que busca em seu trabalho é uma análise de discurso que
focalize a variabilidade, a mudança e a luta; variabilidade entre as práticas e heterogeneidade
entre elas como reflexo sincrônico de processos de mudança histórica que são moldados pela
luta entre as forças sociais.
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Partindo desses pressupostos, Fairclough (2001, p. 89) desenvolveu uma abordagem
cunhada como Teoria Social do Discurso (TSD) cujo objetivo é reunir a análise de discurso
orientada linguisticamente e o pensamento social e político relevante para o discurso e a
linguagem. A TSD, segundo Resende e Ramalho (2010), trata-se de uma proposta com amplo
escopo de aplicação que constitui o modelo teórico-metodológico aberto ao tratamento de
diversas práticas na vida social, capaz de mapear as relações entre os recursos linguísticos os
atores sociais. Para tal, Fairclough (2001, p. 101) apresenta uma concepção tridimensional
(figura 1) do discurso que reúne três das tradições analíticas indispensáveis na análise do
discurso.
Essas três dimensões são a prática social, a prática discursiva e o texto. Resende e
Ramalho (2010, p. 28) definem a prática social e o texto como a dimensão do evento discursivo
e menciona que o texto e a prática social são mediados pela prática discursiva que focaliza os
processos sociocognitivos de produção, distribuição e consumo do texto, processos sociais
relacionados a ambientes econômicos, políticos e institucionais. Fairclough (2001) denomina a
parte que trata da análise do texto como “descrição” e as que tratam da análise da prática
discursiva e social da qual o discurso faz parte como “interpretação”.
Utilizaremos nesse estudo as dimensões texto e prática social, porém, priorizando as
categorias analíticas: vocabulário, ideologia e hegemonia. A primeira para análise das palavras
Figura 1 - Modelo da concepção tridimensional do discurso (FAIRCLOUGH, 2001)
21
individuais do vocabulário B da novilíngua, ideologia (sentido) e hegemonia (orientações
políticas, sociais e ideológicas) para analisar como os lexemas polissêmicos do vocabulário B
em novilíngua atuam na construção e manutenção das relações de poder e delimitação do
pensamento crítico.
O vocabulário pode ser investigado de diversas formas e para Fairclough (2001) um dos
focos da análise recai sobre a criação de palavras e sua significância política e ideológica. Outro
foco é o sentido da palavra, já que as estruturações particulares das relações entre palavras e
das relações entre os sentidos de uma palavra são formas de hegemonia. Toda a palavra possui
uma gama de significados convencionalmente associados a ela que geralmente são
representadas nos dicionários. Essa gama de significados é classificada por Fairclough (2001)
como “significado-potencial”.
Fairclough (2010, p. 231) faz uso da menção de Pêcheux: “a variação semântica é uma
faceta e um fator do conflito ideológico” e diz que a relação palavra-significado pode mudar
rapidamente em processos de contestação e mudança social, portanto muitos significados
potenciais são instáveis. Além disso, menciona as ambivalências e ambiguidades de
significado, ambivalência-potencial, e o jogo retórico dos significados potenciais com os
significados das palavras.
As palavras têm tipicamente vários significados, e estes são lexicalizados (criados) de
várias maneiras. A relação de palavras com os significados segundo Fairclough (2001) é de
muitos-para-um e não de um-para-um.
Segundo Fairclough (2001, p. 230):
Isso significa que como produtores estamos diante de escolhas sobre
como usar uma palavra e como expressar um significado um significado
por meio de palavras, e como intérpretes sempre nos confrontamos com
decisões sobre como interpretar as escolhas que os produtores fizeram.
Portanto, para Fairclough (2001) essas escolhas e decisões não são puramente
individuais dos intérpretes, os significados das palavras e as lexicalizações de significados são
questões socialmente variáveis e socialmente contestadas por serem facetas de processos sociais
e culturais mais amplos.
22
3 A DISTOPIA DE ORWELL
Distopia, na terminologia literária, é um gênero que comumente retrata sociedades
controladas por regimes totalitários, opressivos e que apresentam atmosferas profundamente
pessimistas acerca do futuro da humanidade. Essas sociedades distópicas são definidas por
Araújo (2008, p. 156) como “aquelas nas quais o Estado absoluto controla a vida e as mentes
de seus cidadãos”.
Para Araújo (2008) as distopias visam demonstrar tendências contemporâneas que
limitam a liberdade humana, já que invertem a perspectiva utópica, uma vez que o futuro é
descrito como pior do que o presente em decorrência de um projeto coletivo. Araújo (2008)
menciona que as distopias são frequentemente criadas como avisos, ou até mesmo sátiras, a fim
de apresentar as atuais convenções sociais e limites extrapolados ao máximo. Por conseguinte,
esse tipo de obra nos faz críticos por “explorar moralmente os dilemas presentes que refletem
negativamente no futuro”. Esses dilemas fazem parte de alguns dos traços característicos da
distopia consideradas por Araújo (2008, p. 200):
(...) explorar moralmente os dilemas presentes que refletem
negativamente no futuro, oferecem críticas sociais e apresentam as
simpatias políticas do autor, exploram a estupidez coletiva, o poder é
mantido por uma elite pela somatização e consequente alívio de certas
carências e privações do indivíduo, possuem discurso pessimista,
raramente “flertando” com a esperança.
As distopias sempre exerceram um papel de destaque na literatura, romances como A
Máquina do Tempo, escrito por H.G. Wells em 1895, o clássico Admirável Mundo Novo (1932)
de Aldous Huxley, que teve o romance de H.G. Wells como uma das inspirações, e uma das
mais famosas obras de Eric Arthur Blair, mais conhecido por seu pseudônimo George Orwell,
1984 (1948).
3.1. George Orwell
Eric Arthur Blair, mais conhecido por seu pseudônimo George Orwell, é o escritor da
sátira à revolução soviética A Revolução dos Bichos e ao líder supremo de um estado totalitário,
semelhante à Stalin, na distopia 1984 (2009).
Santos (2011) menciona que toda a vida de Eric Arthur Blair foi dedicada à luta
antisstalinista, anti-imperialista e a favor da liberdade. Segundo Neto (1984, p. 8) um artigo
escrito por Orwell pouco após a Segunda Guerra Mundial expunha claramente suas convicções
23
políticas: “Cada linha de trabalho sério que escrevi desde 1936 foi escrita direta ou
indiretamente contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático, como eu o entendo”.
Antes mesmo de 1936, suas obras já mostravam grande preocupação na luta pelos
oprimidos. Neto (1984, p.11) diz que “sua capacidade de indignação face a uma injustiça o
levava às vezes a defender aqueles a quem previamente atacara, assim que sentisse que algo
injusto estivesse acontecendo com eles”.
Sua infância teve um papel importante no desenvolvimento de seu senso político. Orwell
frequentou colégios da elite britânica como bolsista e durante esse período percebeu o
preconceito, a humilhação e o tratamento desigual que sua condição econômica lhe impunham,
conforme mencionado por Santos (2011) e descrito por Neto (1984, p. 18):
Ele estava lá para ganhar bolsas de estudo e ganhar renome para o
colégio, e os diretores deixavam isto bem claro. Os alunos mais pobres
sofriam toda forma de pequenas humilhações, destinadas a lhes mostrar
seu devido lugar, só alunos ricos ou de origem nobre tinham privilégios
adicionais e, principalmente não sofriam castigos físicos, que eram as
punições, inclusive para notas ruins.
Orwell, segundo Santos (2011, p. 66), ainda jovem, decide não ir para uma das mais
renomadas universidades britânicas e opta pela carreira militar. Durante seu período a serviço
do império britânico na Birmânia1, Orwell presenciou injustiças “contra o povo birmanês que
resistia a invasão do império britânico e lutava por sua liberdade” como descritas na carta:
(...) o imperialismo era algo maligno e que o quanto antes eu
renunciasse ao emprego e saísse dali, tanto melhor. Na teoria – claro e
no íntimo – eu era a favor dos birmaneses e contra os opressores, os
britânicos (...) isso me oprimia com uma sensação de culpa
insuportável. (HITCHENS, 2010, p. 26 apud SANTOS, 2011, p. 66-67)
Esse período na Birmânia, de acordo com Santos (2011), mudou profundamente Orwell.
Neto (1984, p. 29) menciona que, de licença, em sua volta para Inglaterra em 1927, Orwell
decide largar o serviço militar pois sua consciência pesada “necessitava de alguma forma de
expiação, o que ajuda a explicar suas atitudes posteriores”. Era a vez então de passar para o
outro lado depois de tanto tempo identificado com os opressores.
Segundo Neto (1984, p. 33-34) Orwell confessa em uma carta para um colega que:
(...) sentia que teria que escapar não meramente do imperialismo, mas
de qualquer forma de domínio do homem sobre o homem. Eu queria me
submergir, descer junto aos oprimidos, ser um deles e estar ao seu lado
contra seus tiranos.
1 República da União de Mianmar, como consta na constituição do país, ou Birmânia, nome dado por seus
colonizadores no século XIX, país do sudeste asiático.
24
Orwell sempre buscava estar o mais próximo possível do tópico que buscava escrever
para influenciar seus escritos, tanto que todas suas obras possuem relações diretas com suas
experiências pessoais e para Neto (1984, p. 12) Orwell “pertencia àquele gênero de autores para
quem o melhor tema para escrever é o que se conhece melhor”, se algo o interessava:
Ele mergulhava apaixonadamente, sem ligar para consequências – o
exemplo mais pitoresco foi sua tentativa em ser preso para poder
descrever a vida numa prisão. Seus primeiros livros tiveram a pobreza
como tema principal, e ele chegou a viver algum tempo como mendigo.
Contudo, talvez sua experiência mais marcante tenha sido no ano de 1936. Neto (1984,
p. 12) menciona que a participação de Orwell na Guerra Civil Espanhola ao lado dos
anarquistas, trotskistas e da esquerda antisstalinista acarretou em uma profunda “crença de
decência inata no povo comum”, e desgosto “com o papel da intelligentsia2” já que esta estaria
contagiada pela doutrina da adoração do poder típica de nossa época, esquecida dos valores
humanistas do passado”.
A Guerra Civil Espanhola, segundo Santos (2011, p. 69-70), serviu para que Orwell
conhecesse bem como as práticas e a política stalinistas eram e testemunhou a ameaça do
totalitarismo. A partir de então, Orwell percebeu que o stalinismo estava mais preocupado com
a formação do império russo do que com a libertação dos povos. Apesar de vestirem roupas
marxistas libertárias, suas práticas eram extremamente ditatoriais e repressivas. Santos (2011)
diz que “essa contradição fez com que Orwell centralizasse seus escritos tanto em artigos como
romances para denunciar a política adotada pelo governo russo e a figura de Stalin”.
Stalin era considerado um “assassino repugnante” por Orwell e um de seus objetivos
políticos era livrar o Ocidente do que chamou de “mito soviético3” e a forma mais prática de
disseminar essa ideia foi o que deu origem a A Revolução dos Bichos, uma das suas mais
relevantes obras no tocante à denúncia política juntamente com 1984.
3.2. Dois + Dois = Cinco
Impossível não associar esse simples erro matemático à uma das mais famosas
expressões que remetem diretamente à manipulação do partido totalitário da obra 1984 de
George Orwell. Onde quer que vejamos que dois mais dois é igual a cinco lembraremos
2 Conjunto de intelectuais que guiam ou buscam guiar o desenvolvimento político, artístico ou social de suas
sociedades. 3 Segundo Neto (1984, p. 72) “a crença de que a URSS é um estado socialista”
25
automaticamente do mundo distópico de Orwell, talvez apenas a palavra duplipensar4 possua
uma associação mais forte com a obra do que 2+2=5, apesar de ser uma representação do
duplipensar.
A obra 1984 foi escrito por George Orwell em 1948, década inversa ao título do romance
o que ocasionou em diversos questionamentos como o quê Orwell pretendia com 1984, se
estaria ele prevendo um terrível futuro para a sociedade ou seria apenas uma crítica ao regime
stalinista?
Santos (2011, p. 73) menciona que a crítica existente em 1984 não somente denunciava
os expurgos stalinistas, mas também a “baixeza moral que sua época esteve mergulhada”,
devido ao fato de que “todo expurgo stalinista teria sido esquecido momentaneamente durante
o período que o ditador Stalin era considerado aliado”. Para Santos (2011) a publicação de 1984
também conseguiu lembrar que Stalin, então aliado da Inglaterra, era um tirano e que ao se aliar
a ele o império britânico não se faria mais nobre.
Silva (2010, p. 220) considera que a temática de 1984 relaciona a memória e a história
como arma de ação política, visto que parte dela foi concebida em meio a ascensão de regimes
totalitários como na Itália de Mussolini e na Espanha de Franco, o que era uma ameaça à
democracia. Considerando essa temática política e o “aviso” de Orwell, Neto (1984, p. 84) diz
que 1984 “é a descrição do mundo imaginado pelos neopessimistas. Para Orwell, eles
cometeram o gravíssimo erro de considerar o totalitarismo como inevitável(...)” e menciona
também que Orwell declarou que escreveu 1984 com isso em mente: “Eu acredito que ideias
totalitárias se enraizaram nas mentes dos intelectuais em toda parte, e eu tentei induzi-las às
suas consequências lógicas”.
Neto (1984) então considera que a repulsa provocada ao ler a obra foi planejada para
servir como um aviso do futuro terrível que poderia acontecer, assim como dito por Orwell.
O romance 1984 trouxe à tona discussões sobre assuntos atemporais que são de extrema
importância para sociedade. A centralização da economia, divisão do mundo em “zonas de
influência” das superpotências, a opressão de um governo totalitário, líderes opressores e todo
o poder de manipulação da elite.
4 Neto (1984, p. 78) define o Duplipensar como “a capacidade de guardar simultaneamente duas crenças
contraditórias na cabeça, aceitando ambas”. Sabemos que 2+2=4, contudo se o Grande Irmão diz que 2+2=5,
apesar de ser comprovadamente um resultado errôneo, temos que considerá-lo verdade absoluta pois o Grande
Irmão nunca erra e questiona-lo é crime.
26
A divisão do mundo em zonas de influência é demonstrada por Orwell na obra com as
três principais potências: Oceânia, Lestásia e Eurásia, cada qual com seu sistema totalitário e
sempre em guerras entre si, já que a guerra era financeiramente interessante pois estimulava o
aumento na produção de armamentos e de outros materiais para guerra, consequentemente os
membros do partido trabalhavam mais e a guerra era um ótimo pretexto para economizar as
rações e reduzir outros “benefícios” dos membros dos partidos.
No fictício país da Oceânia o ser humano tem sua vida vigiada por um sistema de
câmeras onipresentes atentas a qualquer tipo de pensamento ou possível atitude herege e que
representam o Grande Irmão, Big Brother, o líder supremo do partido totalitário Socing, ou o
socialismo inglês de acordo com Orwell (2009).
O partido é divido em quatro ministérios distintos segundo Orwell (2009, p. 14): “O
Ministério da verdade, responsável por notícias, entretenimento, educação e belas-artes, O
Ministério da Paz, responsável pela guerra. O Ministério do Amor, ao qual cabia manter a lei e
a ordem. E o Ministério da Pujança, responsável pelas questões econômicas”.
O Socing estabelece um governo opressor e manipulador que tem contradições como
slogans: “Guerra é Paz”, “Liberdade é escravidão” e “Ignorância é Força”. Slogans que
remetem diretamente ao duplipensar e apresentam a clara intenção de delimitação de
pensamento crítico dos cidadãos por intermédio das contradições, influências como
manipulação da mídia e uma futura delimitação da língua por intermédio da utilização da
novilíngua como idioma oficial da Oceânia para impossibilitar que ideologias contra o partido
possam ser reproduzidas e as relações de poder sejam sustentadas.
3.3. (Novi)Língua e Poder
“Se o pensamento corrompe a linguagem, a
linguagem também pode corromper o
pensamento.”
(George Orwell)
A linguagem exerce um papel fundamental na sociedade desde a antiguidade e segundo
Fiorin (2010) é por meio dela que podemos nomear, criar e transformar o universo real assim
como a troca de experiências, falar sobre o que existiu e o que poderá a vir existir. Bem como
não há sociedade sem linguagem, não há sociedade sem comunicação. Ainda de acordo com
Fiorin (2010), a linguagem verbal é matéria do pensamento e veículo da comunicação social.
Dessa forma, tudo produzido como linguagem ocorre em sociedade e para ser comunicado
27
constitui uma realidade material que se relaciona com o exterior. A linguagem é relativamente
autônoma como expressões de ideias, propósitos e emoções, no entanto, ela é orientada pela
visão de mundo, pelas injunções da realidade social, histórica e cultural de seu falante, portanto
por vezes é utilizada como poderosa ferramenta política, e assim é capaz de influenciar e causar
inúmeros impactos socioculturais, como citado por Orwell na epígrafe desse subcapítulo
Sendo a linguagem verbal materia do pensamento e veículo da comunicação social, não
seria ela carregada de ideologia? Fiorin (2010, p.61) afirma que nenhuma comunicação é neutra
ou ingênua no sentido de que nela estão em jogo os valores ideológicos dos sujeitos da
comunicação. Bakhtin menciona que diferentes classes sociais utilizam do mesmo sistema
linguístico, contudo, não produzem discursos ideologicamente semelhantes e com isso
instalam-se choques e contradições que fazem da língua “a arena onde se desenvolve a luta de
classes”. (FIORIN, 2010. apud BAKHTIN, 1981, p. 46)
As línguas artificiais também são orientadas por injunções da realidade social, histórica
e cultural, principalmente por terem sido criadas com um propósito específico e não como fruto
natural da comunicação de um povo. Isso é o que ocorre com o idioma artificial criado pelo
governo totalitário de 1984 (2009). O newspeak, também traduzido como novafala ou
novilíngua, é um idioma carregado de propósitos, lexicalmente pobre, porém destaca-se por
uma polivalência e ambiguidade semântica de certos vocábulos para que através do domínio da
fala a novilíngua seja mais um dos diversos meios de manipulação que proporcionariam a
consolidação e sustentação do Socing na obra. A novilíngua, depois de pronta, ocasionaria na
delimitação do pensamento crítico e consequentemente um maior controle sobre os indivíduos,
evitando assim a propagação de pensamentos heréticos e a luta contra a dominação.
Tendo em vista a importância da língua/linguagem para a manutenção do poder e
ideologia do partido. Santos (2011) discute o conceito de língua/linguagem em 1984 (2009) e
afirma que a linguagem é multifacetada e atravessada por diferentes vozes provenientes dos
discursos sociais tanto na vida como na arte. Dessa forma, Santos (2011) revelou ser viável
tratar a novilíngua como uma língua de fato e não como um sistema de códigos ou qualquer
outro meio de comunicação menos complexo ou inferior a língua humana, entendendo a língua
não somente como conjunto de regras gramaticais, mas como: “um conjunto difuso de
variedades geográficas, temporais e sociais(...) atravessado por índices sociais de valores
oriundos das diversas experiências sócio-histórica dos grupos sociais(...)” (SANTOS, 2011.
apud FARACO, 2009, p. 57)
28
Assim como Santos (2011) que ao afirmar que o controle semântico da novilíngua está
atrelado a manipulação da mente do sujeito falante para que este coloque em funcionamento
apenas os sentidos autorizados, Garcia e Mozzillo (2010) afirmam que a novilíngua foi
construída a partir de uma “simplificação” radical do inglês, ou seja, uma diminuição proposital
do léxico a fim de reduzir as possibilidades de pensamento. Além de ressaltarem que por ser
um idioma proveniente de uma obra distópica, um gênero que trata o autoritarismo, a novilíngua
é apresentada como um meio de domínio sobre o indivíduo, diferentemente de outras línguas
artificiais, já que possui seus sentidos construídos sobre conceitos pré-existentes, ou seja, o
vocabulário da novilíngua é criado a partir de palavras da língua natural vigente, a anticlíngua.
Todavia, mesmo sendo estruturalmente e semanticamente dependentes da anticlíngua, as
palavras não apresentam um sentido único e que possam ser traduzidos para um termo de língua
natural, assim como mencionado por Garcia e Mozzillo (2010, p. 7): “Nem uma palavra da
novilíngua pode ser compreendida superficialmente ou sem algum significado político que não
remeta a uma reflexão sobre a situação real da coletividade humana”.
Neto (1984) descreve a finalidade da novilíngua como destinada a eliminar pensamentos
subversivos e que teve origem nos comentários que Orwell fazia sobre o papel da linguagem
na literatura e principalmente na política, pela forma que políticos e intelectuais corrompiam o
sentido das palavras e a maneira pela qual emitiam opiniões contraditórias, onde ambas eram
aceitas.
O próprio Orwell (2009, p. 68, 69) através da personagem Syme, uma das responsáveis
pela construção da décima primeira edição do dicionário de novilíngua na obra, explica o
objetivo da criação da língua:
(...) Você não vê que a verdadeira finalidade da Novafala é estreitar o
âmbito do pensamento? No fim, tornaremos o crimepensar literalmente
impossível, já que não haverá palavras para expressá-lo. Todo conceito
de que pudermos necessitar será expresso por apenas uma palavra, com
significado rigidamente definido, e todos seus significados subsidiários
serão eliminados e esquecidos. Na Décima Primeira Edição já estamos
quase atingindo esse objetivo. Só que o processo continuará avançando
até muito depois que eu e você estivermos mortos(...). A Revolução se
completará quando a língua for perfeita. A Novafala é o Socing, e o
Socing é a Novafala(...)
A novilíngua não era apenas mais uma das incontáveis ferramentas de manipulação do
partido, toda a ideologia e o intuito por trás dessa língua na obra de Orwell a coloca em um
patamar superior, tanto que o autor dedica um apêndice, “Os princípios da Novafala”,
29
totalmente destinado à contextualização da língua e sua estrutura, o que reitera a importância
dessa ferramenta no contexto da obra.
A destruição lexical e a delimitação semântica das palavras em novilíngua reduziriam
de forma significativa o fluxo de pensamento humano, assim, a partir do momento que
pensamentos dependem de palavras para serem formulados, eles dificilmente poderiam divergir
dos princípios estabelecidos pelo sistema. O vocabulário da novilíngua, conforme Orwell
destaca no apêndice da obra (p.347), foi elaborado a fim de conferir expressões exatas e literais
a todos os significados que um membro do partido pudesse apropriadamente querer transmitir,
ao mesmo tempo que excluía todos os demais significados e inclusive a possiblidade de chegar
a eles por meios indiretos, restringindo e estruturando o vocabulário da língua em três classes
distintas. Para que tal feito fosse possível, a língua ganhou novas palavras, recorreu a
eliminação daquelas que consideravam indesejáveis, bem como à subtração de significados
heréticos e até onde fosse possível, de todo e qualquer significado secundário que pudesse
apresentar algum pensamento divergente. A novilíngua, então, viu-se estruturada em:
Vocabulários A, B e C. As três classes de palavras foram divididas de acordo com suas
peculiaridades, contudo, obedeciam às mesmas regras gramaticais.
O vocabulário A é composto por palavras destinadas exclusivamente a exprimir
pensamentos simples e de uso cotidiano. Os lexemas que compõem a classe A são palavras já
existentes na língua inglesa como: comer, beber, trabalhar, subir, descer, cão, árvore, casa, entre
outras. Todas as palavras do inglês que se enquadravam no vocabulário A e que apresentaram
qualquer tipo de polissemia semântica foram eliminadas, restando apena vocábulos
monossêmicos cuja sonoridade curta exercia outro fator importante: o conceito de simplicidade
e clareza que dificilmente os lexemas dos vocabulários B e C apresentavam.
O vocabulário C, segundo Orwell (2009), é composto por palavras científicas e técnicas
e, de acordo com Santos (2011) e Osike (2011) um número muito pequeno das palavras do tipo
C eram utilizadas no dia a dia, cada profissional estava limitado a palavras dentro do contexto
de sua especialidade.
No tocante ao vocabulário B, objeto de estudo desse trabalho, este grupo abrange
palavras compostas criadas para fins políticos. Orwell (2009, p. 352) afirma que sem uma real
compreensão dos princípios do Socing era difícil empregar tais palavras corretamente. Em
alguns casos, era possível traduzi-las para anticlíngua ou mesmo para palavras do vocabulário
A, porém isso em geral exigia longas paráfrases e sempre resultava na perda de certas nuances
30
de sentido. Tratava-se de uma espécie de taquigrafia verbal, frequentemente resumindo grandes
extensões de ideias em poucas sílabas, mostrando-se, ao mesmo tempo, mais precisas e eficazes
do que o vocabulário empregado no dia a dia.
Santos (2011) destaca que o vocabulário B além de consistir em palavras que giravam
em torno de assuntos políticos, também visava impulsionar uma atitude mental sobre a pessoa
que estava usando esta classe de palavras. Osike (2011) atesta que a principal função das
palavras do vocabulário B é a destruição de significados. Osike (2011) diz ainda que cada
palavra tinha seu significado ampliado de modo a abarcar várias outras que, contidas em uma
só, acabavam por cair em desuso. Bem como o próprio Orwell (2009, p. 353) ao mencionar que
certas palavras da novilíngua possuíam seus significados ampliados até que elas pudessem
conter em si mesmas exércitos inteiros de vocábulos que, estando devidamente representado
por um único termo, podiam ser então eliminados e esquecidos.
Algumas palavras incluídas no vocabulário B possuíam significados
extremamente sutis, quase ininteligíveis para que os que não
dominassem o idioma de todo. Veja-se, por exemplo, uma frase típica
de um editorial do Times, como Pensocrépitos desventresentem o
Socing. A tradução mais sucinta disso em Velhafala seria: “Aqueles
cujas ideias se formaram antes da revolução não tem como alcançar
uma compreensão sensível dos princípios do Socing. Além disso,
apenas uma pessoa imersa no universo ideológico do Socing seria capaz
de perceber toda a força da palavra ventresentir, que implicava uma
aceitação cega e entusiástica, difícil de ser imaginada hoje em dia, ou
do termo pensocrépito, que estava inextricavelmente vinculado à ideia
de perversidade e decadência.
Por meio desse trecho supracitado de Orwell (2009), é notável como a polissemia
semântica do vocabulário B é peça primordial na destruição de vocábulos heréticos e
consequentemente na consolidação do poder do partido. Rossa (2001, p. 23) define polissemia
como a existência de mais de um sentido, estando os sentidos associados a um item lexical e
mantendo entre si algum tipo de relação semântica. Partilhando da mesma visão, Bidarra (2010,
p. 4) menciona:
Significados não guardam entre si qualquer tipo de relação (casos de
homonímia), mas quando, ao contrário, mantêm uns com os outros uma
ligação semântica intrínseca. Essa última, por isso chamada polissemia,
por suas características e comportamento(...)
Assim como Rossa (2001) e Bidarra (2010), Fiorin (2011, p. 130) descreve que a
polissemia está relacionada ao uso do discurso que se faz de uma mesma palavra, dessa forma
possui um único significante que corresponde à vários significados.
31
4 ANÁLISE DOS LEXEMAS DO VOCABULÁRIO B
“Ninguém, não importa quão inteligente ou
habilidoso em pensamento crítico, está protegido
contra sugestões subliminares que se cunham no
nosso subconsciente (...)” 5
(bell hooks)
A metodologia utilizada para atingir o objetivo seguiu a respectiva dinâmica: foram
selecionados nove lexemas que compõem o vocabulário B presentes no corpus 1894 (2009),
posteriormente, sob à ótica da Teoria Social do Discurso de Fairclough (2001) e sua concepção
tridimensional do discurso, analiso os lexemas selecionados priorizando as dimensões texto e
prática social, dando um maior enfoque para as categorias analíticas: vocabulário, ideologia e
hegemonia. A primeira para análise das palavras selecionadas do vocabulário B de novilíngua,
ideologia para a análise dos sentidos dessas palavras e hegemonia para análise de suas
inclinações políticas, sociais e ideológicas.
Ademais, para a seleção dos lexemas a serem analisados, optei pela escolha dos
vocábulos cuja importância ideológica e polivalência semântica tendem a ser primordiais na
estruturação das relações de poder e delimitação do pensamento crítico na obra 1984 (2009).
As palavras selecionadas são: bompensar, ventresentir, duplipensar, sexocrime, benesexo,
crimepensar, pensamento-crime, crimeinterrupção, patofalar.
Os vocábulos supracitados são palavras compostas e, em sua grande maioria
substantivos-verbos, todas de fácil pronunciação. Essas palavras fazem parte do vocabulário B
de novilíngua e são utilizadas em alusão à pensamentos e ações de cunho político e ideológico.
Algumas delas, por apresentar um campo semântico muito amplo, acabam englobando termos
considerados contraditórios e ainda assim remetem ao que é proposto pelo partido totalitário da
obra, refletindo positivamente e/ou negativamente de acordo com a intenção do partido.
No que se refere à análise, as dimensões dos fenômenos da novilíngua que acarretam as
estruturações das relações de poder e a delimitação do pensamento crítico na obra são
analisados por diferentes fatores, dentre os quais os principais são: (1) o número de menções na
obra (2) os diferentes termos que podem ser englobados pela palavra; (3) sua significação
5 Tradução minha de: “No one, no matter how intelligent and skillful at critical thinking, is protected against the
subliminal suggestions that imprint themselves on our unconscious brain (…)”
32
ideológica. Esses fatores estão organizados em uma tabela com a análise individual dos lexemas
selecionados.
A relação de palavras com seus significados é de muitos-para-um e não de um-para-um
como menciona Fairclough (2001). O campo semântico do vocabulário B da novilíngua é um
exemplo disso por possuir uma polivalência semântica bem mais abrangente do que as línguas
naturais, tal qual uma única palavra é capaz de expressar uma variedade de significados, muitas
vezes através de longas paráfrases, e dependendo dos interlocutores e do contexto que está
inserido, esses sentidos podem ser alterados de acordo com a ideologia pregada pelo Socing.
No entanto, certas palavras se apresentaram ideologicamente primordiais para a estruturação
do Socing e, portanto, foram as selecionadas para esse trabalho.
Abaixo apresento uma tabela com a frequência que as palavras bompensar, ventresentir,
duplipensar, sexocrime, benesexo, pensamento-crime, crimepensar, crimeinterrupção,
patofalar são mencionadas tanto no decorrer do romance quanto no posfácio escrito por Orwell
(2009).
Tabela 1 - Número de ocorrências
Palavras Número de menções
Bompensar 1 Posfácio
Ventresentir 2 Posfácio
Duplipensar 25 Obra e Posfácio
Sexocrime 1 Posfácio
Benesexo 1 Posfácio
Pensamento-crime 12 Obra
Crimepensar 1 Posfácio
Crimeinterrupção 6 Obra
Patofalar 2 Obra e Posfácio
33
Como visto na tabela, algumas palavras apareceram poucas vezes no decorrer do
romance ou até mesmo somente no posfácio, isso ocorre porque a novilíngua ainda está em
desenvolvimento e, portanto, não está sendo usada por completo, apesar de já ser considerada
a língua oficial, somente algumas décadas mais tarde ela seria implementada e aboliria o inglês
comum. Além disso, optei pela inclusão dos vocábulos pensamento-crime e sexocrime que
apesar de poderem ser atribuídos ao campo semântico do vocábulo crimepensar, assim como
benesexo e duplipensar de bompensar, considero imprescindíveis para a estruturação
hegemônica por meio da língua.
Apesar de não ser um exímio linguista, Orwell foi capaz de criar palavras que
consolidariam a novilíngua como o projeto mais ousado e promissor de controle de pensamento.
Todos campos semânticos dos vocábulos listados acima corroboram com os princípios do
Socing. A significação política e ideológica, segundo Fairclough (2001) podem ser identificadas
por intermédio da análise do vocabulário e, nesse caso, da criação de palavras, além de
mencionar a importância do sentido que essas palavras podem exprimir.
Assim como mencionado no Capítulo 2, toda a palavra abarca uma gama de significados
convencionalmente associados a ela que geralmente são representadas nos dicionários,
classificada como “significado-potencial” por Fairclough (2001).
Partindo desses pressupostos apresento nas próximas páginas duas tabelas, a primeira
com o significado-potencial de cada um dos lexemas selecionados tendo como base o apêndice
de Orwell (2009), e a segunda com a representação das palavras correspondentes à sua gama
polissêmica, sua ambivalência-potencial, como classifica Fairclough (2001).
34
Tabela 2 - Significado-Potencial
Palavras Significado-Potencial
Bompensar Pensar de maneira ortodoxa, seguindo
indiscutivelmente os princípios defendidos pelo Socing.
Ventresentir Aceitação cega e entusiástica.
Duplipensar
Capacidade de abrigar duas crenças contraditórias e
acreditar em ambas, levando em consideração o que o
Socing define como verdade.
Sexocrime Quaisquer pensamentos, tentativas ou ato sexual cujo
principal motivo seja o prazer.
Benesexo Sexo como algo desagradável, uma obrigação somente
com o intuito de procriar.
Pensamento-crime Pensamentos que divergem dos princípios do Socing.
Crimepensar Capacidade de considerar qualquer pensamento que
divirja dos princípios do Socing.
Crimeinterrupção Capacidade de estacar, como por instinto, todo
pensamento perigoso.
Patofalar
Substantivo-verbo que possui dois sentidos
contraditórios. Quando aplicada a um adversário, é uma
ofensa; aplicada a alguém que você concorda, é elogio.
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Tabela 3 - Ambivalência-Potencial
A polissemia semântica das palavras do vocabulário B de novilíngua impossibilita
traduções exatas, muitas vezes, somente por meio de longas paráfrases é possível definir o
significado-potencial desses vocábulos. Fairclough (2001, p. 231) menciona que em alguns
Palavras Ambivalência-Potencial
Bompensar
Totalitarismo, tradicionalismo, desigualdade, violência,
submissão, duplipensar, não questionamento aos
princípios do socing, castidade, sexo para fins
reprodutivos, idolatria ao Grande Irmão
Ventresentir Intrínseco, enraizado, determinado, profundo,
significativo
Duplipensar Duplicidade, dualidade
Sexocrime Homossexualidade, adultério, fornicação, sexo por
prazer
Benesexo Castidade, sexo para fins reprodutivos
Pensamento-crime Dúvida, inovação, ciência, razão, lógica, liberdade,
justiça, internacionalismo, igualdade, prazer, moralidade
Crimepensar
Dúvida, inovação, ciência, razão, lógica, liberdade,
justiça, internacionalismo, igualdade, prazer, moralidade,
homossexualidade, adultério, fornicação, sexo por
prazer.
Crimeinterrupção Interromper, estacar, deter o pensamento-crime
Patofalar Grandiloquente, eloquente, convincente, expressivo,
prolixo, confuso, ininteligível, impreciso, atrapalhado.
36
casos os significados-potenciais são ilusórios, “especialmente onde palavras e significados
estão envolvidos em processos de contestação e mudança social e cultural”.
O objetivo da novilíngua é a consolidação da hegemonia por meio da imposição
ideológica, tendo o vocabulário B como o mais importante por controlar e manipular pontos-
chaves, por apresentar vocábulos que são utilizados para se referir à questões políticas e
ideológicas, além de possuir uma rica variação semântica que segundo Pêcheux (apud
FAICLOUG 2001, p. 232) “é uma faceta e um fator do conflito ideológico”. Desse modo, os
falantes de novilíngua estão diante de escolhas muito restritas sobre como e quando usar uma
palavra para expressar pensamentos políticos e ideológicos, além de como interpretá-las.
A utilização das palavras do vocabulário B, mais especificamente as analisadas nesse
trabalho, corroboram com o discurso hegemônico do partido. O discurso na obra é moldado e
restringido pelas relações de poder e classe social.
Na obra de Orwell, os habitantes da Oceânia são divididos em três classes sociais
distintas. O Partido, Socing, está dividido em duas classes sociais, uma elite na qual estavam os
melhores postos e importantes membros que possuem certas regalias, o Partido Interno, e o
Partido Externo que é formado por funcionários secundários, como a personagem principal
Winston, e por último os Proletas, a população comum que vivia sob condições precárias e não
tinham a capacidade de produzir qualquer tipo de pensamento-crime, eles não eram vigiadas da
mesma forma que os membros do Partido Interno, portanto não havia necessidade de se
comunicarem em novilíngua.
A ideologia defendida pelo Socing apresenta uma função material e simbólica dos
interesses do Partido, mais precisamente do Partido Interno, que prevalecem no discurso. As
escolhas e decisões não são puramente individuais dos intérpretes, como dito por Fairclough
(2001).
A novilíngua foi planejada para ser uma versão padronizada e manipuladora de idioma,
qualquer discurso mais complexo do que atividades cotidianas não é feito conscientemente
pelos membros do Partido Externo, visto que a ideologia e as crenças do Socing são socialmente
compartilhadas no discurso. Ademais, o objetivo de transformar a língua padrão em uma língua
monossêmica, o que de fato inviabiliza versões particulares de crenças e ideologias, erradicaria
contradições e questionamentos que levariam à luta contra a dominação, não sendo necessário
o uso de outros métodos como tortura e ameaças.
37
O discurso dos membros do Partido Externo é aparentemente o mais manipulado pela
elite da Oceânia. As palavras analisadas nesse capítulo são pontos-chaves na coerção de
pensamentos divergentes ao Socing e são responsáveis pela manutenção da estrutura
hegemônica na sociedade da obra como representado na figura a seguir:
A figura onipresente, onipotente e onisciente do Grande Irmão pode ser considerada
como a personificação do Socing, portanto é posicionada no topo da tabela hierárquica. A
função ideológica da figura do Grande Irmão é servir apenas como uma representação simbólica
do Socing, que é controlada pela elite, o Partido Interno, que representa 2% da população da
Oceânia e é encarregado de suprimir a individualidade dos cidadãos e reforçar que destinem
toda suas vidas ao Socing. Para tal, o Partido Interno é responsável pelo desenvolvimento e
implementação da novilíngua, pelo controle da mídia, administração da mão de obra
trabalhadora e supervisão de todos os membros da classe mais baixa do Partido, o Partido
Externo que representa 13% da população, visando a manutenção das relações de poder.
Enquanto os Proletas, apesar de maioria, 85% dos habitantes da Oceânia, possuíam mais
liberdade por estarem longe do alcance das teletelas e da Polícia das Ideias6. Isso apenas ocorre
6 Polícia das ideias ou Patrulha do Pensamento, como o nome já diz é o órgão responsável pelo patrulhamento do
pensamento e atitudes dos membros do Partido.
Figura 2 - Organização Hierárquica da Oceânia
38
pois são considerados inofensivos para o sistema, então os Proletas somente eram punidos por
crimes comuns e não por pensamento-crime, já que não existia esse perigo.
Os Proletas, assim como menciona Winston na obra, deveriam ser os principais autores
de uma futura revolução contra o Socing. A importância dada aos Proletas está diretamente
ligada ao fato de possuírem uma menor supervisão do Partido, por serem considerados como
inofensivos, incapazes de sustentar ou até mesmo imaginar uma revolução hegemônica e
principalmente pela não utilização da novilíngua, o que possibilitaria a disseminação de ideias
contrárias e propagação do posicionamento revolucionário que a novilíngua não é capaz de
permitir por todo seu controle ideológico.
Como mencionado por bell hooks na epígrafe desse capítulo “ninguém está protegido
contra sugestões subliminares” e isso se prova com o controle ideológico apresentado pela
novilíngua, os mais claros exemplos são as palavras do vocabulário B analisadas nesse estudo.
A palavra duplipensar e todas suas variações, por exemplo, estão estritamente ligadas
aos princípios de duplicidade e mutabilidade do passado, conceitos presentes em praticamente
qualquer referência ao Socing e ao Grande Irmão. Esse vocábulo encaixa-se nas entrelinhas dos
três principais lemas do partido “Guerra é Paz”, “Liberdade é Escravidão” e “Ignorância é
Força”, além do famoso 2+2=4.
O paradoxo do duplipensamento remete à ortodoxia, ao bompensar, é uma palavra
utilizada frequentemente por todos os membros do Partido, do nível mais baixo à elite para
reforçar os princípios do Socing, erradicar o pensamento-crime e qualquer dúvida quanto a
veracidade das informações providas pelo Grande Irmão.
Crimepensar, pensamento-crime e todas suas variações também estão diretamente
ligadas aos princípios do Socing, e têm como o intuito reprimir e erradicar o pensamento/atitude
herege. As palavras crimepensar e pensamento-crime talvez sejam as palavras mais utilizadas
no discurso recorrente na obra, cuja novilíngua ainda não fora totalmente implementada. Esses
vocábulos são utilizadas por todos os membros do partido, em especial pelas classes mais
populosas do Partido, o Partido Externo.
Outro fator importante ligado ao uso frequente da novilíngua e principalmente das
palavras crimepensar, pensamento-crime, duplipensar, bompensar e crimeinterrupção traz
uma referência ao papel do Governo na educação. A educação das crianças é exclusivamente
feita por órgãos do Partido, os pais não possuem a mínima participação no processo. Os órgãos
do Partido são responsáveis por doutrinarem essas crianças com os ideais do Socing, o que
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ocasiona numa diminuição dos laços afetivos entre as família, tendo o amor ao Grande Irmão
acima de tudo. À essas crianças e jovens são atribuídas grandes responsabilidades junto ao
Socing e eles servem como uma ramificação da Polícia das Ideias que além da utilização das
teletelas7 possuem o auxílio constante da Tropa dos Espiões8.
Muitos jovens também participam da Liga Juvenil Antissexo, organização responsável
por pregar a castidade, utilizando constantemente os vocábulos benesexo e sexocrime em seus
discursos. O sexo em 1984 é proibido pelo Partido, o sexo só é feito como uma contribuição ao
Grande Irmão, apenas para fins reprodutivos. O discurso sexual na obra é extremamente restrito
a benesexo e sexocrime visto que a liberdade sexual pode ocasionar paixões e desviar os
membros do Partido do amor ao Grande Irmão cujas consequências poderiam ser um estopim
para a revolução, como demonstrado no romance entre Winston e Júlia.
Quanto aos vocábulos patofalar e ventresentir, eles são aparentemente utilizados por
um extremo conhecedor da novilíngua, talvez por serem palavras recentes no contexto atual da
obra.
O vocábulo patofalar é encontrado no discurso da personagem Syme para descrever os
avanços da novilíngua e como essa delimitação de palavras é fundamental na manutenção do
Socing. Esse lexema demonstra claramente o totalitarismo e a preocupação do Partido com as
definições de aliados e inimigos. Numa sociedade como a Oceânia, onde o totalitarismo do
Socing e a figura do Grande Irmão não permitem a escolha de quem é inimigo ou aliado, um
vocábulo cujos sentidos variam de acordo com os interpretes e à quem são deferidos demonstra
uma visível relação de poder existente no discurso. Não existe livre escolha ao utilizar a palavra
patofalar e suas variações, todos os posicionamentos já estão predefinidos pelo Socing, porém
podem ser mudados a qualquer momento pelo Grande Irmão.
Dizer que alguém patofala é uma forma de reforçar os princípios do Socing e refutar
posicionamentos opostos à ideologia do Partido. Um exemplo seria a frase: Os líderes da
Eurásia patofalaram sobre as técnicas de guerra do Grande Irmão. Nessa frase, os líderes
Eurasianos podem ter falado inteligivelmente e elogiado o posicionamento do Grande Irmão,
7 Teletela é um tipo de supertelevisão instalada em todas as moradias e lugares de convivência dos membros do
Partido. Ao mesmo que transmite informativos e ordens do Partido, a teletela também vigia cada centímetro do
local, os sons, expressões faciais e qualquer atitude que possa se enquadrar em um pensamento-crime. 8 A Tropa dos Espiões pode ser considerada como uma tropa de “escoteiros” cuja função é que as crianças que são
espiões delatem qualquer atividade suspeita de pensamento-crime.
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caso sejam aliados, tanto como podem ter mencionado falácias, posicionamentos errôneos e
absurdos referente as técnicas do Grande Irmão caso seja considerado inimigos.
Ventresentir, por outro lado, não possui um valor ideológico tão importante quanto os
vocábulos anteriores, mas remete ao extremo conhecimento de algo, um domínio tão profundo
que alguém que ventresente os ensinamentos do Grande Irmão domina os princípios do Socing
com maestria e é tido como um exemplo a ser seguido. Seu antônimo, desventresente, refere-
se a incapacidade de atingir tal ponto essencial para a compreensão de algum princípio. A
palavra ventresentir e suas variações provavelmente devem ser sucedidas pela palavra Socing
ou quaisquer outras que remetem à ideologia e a ortodoxia do Partido.
Com a consolidação da novilíngua como idioma oficial da Oceânia, todos os lexemas
do vocabulário B seriam utilizados por todo Partido Externo, o principal alvo de manipulação
da elite. O alto escalão do Partido não é mencionado na obra, o mais próximo de um membro
do Partido Interno que conhecemos é O’Brien, que aparentemente não seria afetado pela
implementação da novilíngua, não é interessante para a classe dominante que seus membros
possuam seu pensamento crítico delimitado por conta da língua falada, portanto uma parte da
elite, não todos os membros do Partido Interno, ainda teriam o inglês antigo como língua
principal para que assim sejam capazes articularem seus pensamentos políticos e ideológicos a
fim de manter as relações de poder e erradicar a mínima faísca que possa acarretar em revolução
das classes oprimidas.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve como objetivo compreender os processos ideológicos na estruturação
hegemônica da sociedade de 1984 (2009) e analisar as palavras polissêmicas do vocabulário B
de novilíngua que contribuem para esse fator. As palavras analisadas à luz da Teoria Social do
Discurso de Fariclough (2001) demonstram a preocupação ideológica na escolha de vocábulos
cujo campo semântico apresentasse amplitude suficiente, juntamente com a destruição do léxico
do inglês antigo, para levar o pensamento crítico individual à delimitação desejada. Assim,
provocando o apoio e legitimação dos posicionamentos defendidos pelo Socing, a língua pode
então ser considerada a principal ferramenta para a consolidação do poder.
A elaboração desse trabalho gerou uma preocupação maior acerca dos discursos
ambíguos e falaciosos propagados pelos meios de manipulação da elite. Diferentemente da
análise de uma língua já estabelecida e completa, a análise crítica do discurso da obra foi mais
complicado do que esperado por impossibilitar a análise dos vocábulos polissêmicos dentro de
sentenças em novilíngua, o que talvez resultaria numa análise mais coerente e precisa dessas
palavras em seu contexto político-ideológico no romance.
Durante todo o processo de pesquisa a intenção desse trabalho foi de apresentar o papel
da língua na estruturação hegemônica de um Governo, permeando a importância da
interpretação dos mais simples discursos e das palavras que exercem posicionamentos políticos-
ideológicos a favor de uma elite. O produto da análise crítica desse trabalho aponta a polissemia
lexical como fator determinante para a delimitação do pensamento crítico e consolidação do
poder na sociedade, apesar de ter analisado o discurso presente numa língua artificial e num
romance, esse controle ideológico não está restrito à língua planejada de 1984, mas é algo
presente nas línguas naturais.
A novilíngua, por estar presente numa obra distópica, deve ser considerada um aviso de
como a língua sob fortes posicionamentos políticos e ideológicos e reforçada pelo uso de
vocábulos polissêmicos é capaz de estruturar as relações de poder na sociedade e erradicar
posicionamentos contrários à ideologia pregada pela elite.
É fundamental que analisemos os discursos propagados pela mídia e figuras influentes
cuidadosamente, nossos discursos muitas vezes são meras representações e reflexos de
discursos opressores planejados a influenciar e controlar os nossos posicionamentos políticos e
ideológicos para que tenhamos a falsa sensação de termos livre escolha. Somente por meio
42
dessa preocupação seremos capazes de apresentar posicionamentos opostos ao que nos é
estabelecido e assim pararemos de cultuar os Grandes Irmãos do mundo real.
43
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