rodrigo 2

Upload: jefferson-andre-pimenta-andre

Post on 13-Oct-2015

57 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

ZENO VELOSO Admitida a concorrncia do cnjuge sobrevivente com os descen- dentes do de czus, observando o que acima foi exposto, caber a ele quinho igual ao dos que sucederem por cabea, no podendo a sua quota ser inferior quarta parte de herana, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer (CC, art. 1.832). Esta soluo se inspirou no art. 2.139, n. 1, do Cdigo Civil portugus. Pelo exposto, se o falecido deixou at trs filhos, a partilha se faz por cabea, dividindo-se a herana, em partes iguais, entre os filhos e o cnjuge. No caso de o de cujus possuir quatro filhos, ou mais, e tendo de ser reservada a quarta parte da herana viva ou ao vivo,os filhos repartiro o restante. Por exemplo: o autor da herana tem quatro filhos. Neste caso, o cnjuge sobrevivente fica com um quarto da herana, e os trs quartos restantes so destinados aos quatro filhos. Mas esta reserva hereditria mnima (1/4), conferida ao cnjuge Ii sobrevivente, pressupe que este cnjuge seja tambm ascendente dos herdeiros com que concorrer, requisito que no previsto no art. 2.139, ir n. 1, do Cdigo Civil lusitano. Se o de cujus deixou descendentes, dos quais o cnjuge sobrevivente no ascendente, ser obedecida a regra geral: ao cnjuge sobrevivente caber um quinho igual ao dos descen-dentes que sucederem por cabea. E se o falecido possua filhos com o cnjuge sobrevivente, mastinha-os, tambm, com outra pessoa? Quidjuris? hiptese que o CdigoCivil no resolveu, expressamente, e que a doutrina e jurisprudnciadevero esclarecer. Neste caso, o cnjuge sobrevivente no ascendentede todos os herdeiros com que est concorrendo. Parece que, assimsendo, a quota hereditria mnima (1/4) no cabvel. Na falta de descendentes, so chamados sucesso os ascenden-tes, em concorrncia com o cnjuge sobrevivente (CC, art. 1.836). Naconcorrncia com os ascendentes, j no se apresentam aquelas restri-es decorrentes do regime de bens do casamento (CC, art. 1.829, 1). Masa quota hereditria varivel: concorrendo com ascendente em primeirograu, ao cnjuge tocar um tero da herana; caber-lhe- a metade destase houver um s ascendente, ou se maior for aquele grau (CC, art. 1.837). Em falta de descendentes e ascendentes, ser deferida a sucessopor inteiro ao cnjuge sobrevivente (CC, art. 1.838). Pelo sistema donovo Cdigo Civil, como vimos, o cnjuge j concorre com os descen-dentes (art. 1.832) e com os ascendentes (art. 1.837) do de cujus. E no276DIREITO SUCESSRIO DOS COMPANHEIROShavendo tais parentes na linha reta, o cnjuge sobrevivente chamado totalidade da herana, excluindo, portanto, os parentes colaterais. Esteart. 1.838 corresponde ao art. 1.611, capul; do Cdigo Civil de 1916, quecopiou o art. 1.0 da Lei Feliciano Penna, de 1907. Neste sentido, dispem oart. 1.931, al. 2, do BGB; o art. 944 do Cdigo Civil espanhol; o art. 2.144do Cdigo Civil portugus; o art. 3.572 do Cdigo Civil argentino. OCdigo Civil italiano, todavia, art. 582, redatado por fora da Reforma doDireito de Famlia, de 1975, enuncia que, mesmo no havendo descen-dentes, nem ascendentes, o cnjuge concorre com irmos e irms dofalecido, embora tenha direito a dois teros da herana. Antes destaReforma, o cnjuge concorria com colaterais at o 4~o grau. Alm desta sucesso em propriedade, do qual o cnjuge saiu emposio privilegiada, como vimos, o CC estatui, ainda, o direito real dehabitao:Art. 1.831. Ao cnjuge sobrevivente, qualquer que seja o regimede bens, ser assegurado, sem prejuzo da participao que lhecaiba na herana, o direito real de habitao relativamente aoimvel destinado residncia da famlia, desde que seja o nicodaquela natureza a inventariar. O art. 1.611, 2.~, do Cdigo Civil de 1916 institui o direito real dehabitao para o cnjuge sobrevivente. Todos apontam o carter assis-tencial desse direito. O legislador quer manter o status, as condies devida do vivo ou da viva, garantir-lhe o teto, a morada. Porm, no hrazo para que o favor legal seja mantido se o cnjuge sobreviventeconstituir nova famlia. O cnjuge j aparece bastante beneficiado nonovo Cdigo. No parece justo que ainda continue exercendo o direitoreal de habitao sobre o imvel em que residia com o falecido, se veio afundar nova famlia, mormente se o dito bem era o nico daquelanatureza existente no esplio. O interesse dos parentes do de cujus deve,tambm, ser observado. Enfim, o art. 1.831 do CC precisa ser modificadopara prever que o direito personalissimo do cnjuge sobrevivente, nestecaso, resolvel, extinguindo-se, se a viva ou o vivo voltar a casar ouconstituir unio estvel. Para efeito comparativo, faamos uma ligeira visita ao direitoportugus. No Cdigo Civil daquele pas, Livro do Direito de Famlia,277ZENO VELOSOTtulo V Dos Alimentos, Captulo II Disposies Especiais, o art. 2.018,que trata do apangio do cnjuge sobrevivo. Falecendo um dos cnjuges,o vivo tem direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixadospelo de cujus. So obrigados, neste caso, prestao de alimentos os herdeirosou legatrios a que tenham sido transmitidos os bens, segundo a propor-o do respectivo valor. O art. 2.019 edita que cessa o direito a alimentosse o alimentado contrair novo casamento ou se tornar indigno do benefciopelo seu comportamento moral. O direito de apangio independe da posio sucessria do cnjugesobrevivente e pressupe a necessidade que possa ter a viva ou o vivoa alimentos. J no Direito das Sucesses, Captulo X Partilha da Herana, Seo4 II Atribuies Preferenciais, aditada pelo Decreto-lei 496, de 25 de I~rII novembro de 1977, o art. 2.103-A do Cdigo Civil portugus determina1k que o cnjuge sobrevivo tem direito a ser encabeado, no momento da q~ partilha, no direito de habitao da casa de morada da famlia e no direitode uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor*~flI recebido exceder o da sua parte sucessria e meao, se a houver. O art.II~ 2.103-C considera recheio o mobilirio e demais objetos ou utensliosdestinados ao cmodo, servio e ornamentao da casa. Veja-se que se trata de mera atribuio preferencial, por ocasio dapartilha. O direito de habitao no um benefcio a mais; no aumentao quinho do cnjuge, tanto assim que este tem de pagar tornas aos co-herdeiros por ter ficado com tal direito, se o valor do mesmo exceder o dasua parte na sucesso do finado, acrescido da meao, se a houver. Este direito de habitao da casa de morada da famlia um direitoreal de gozo sobre coisa alheia. Se a casa integrar a meao ou o quinhohereditrio do cnjuge, a situao j estar resolvida: o cnjuge dono, eno h que se falar em direito de habitao. Jos de Oliveira Ascenso explica: categrico o artigo 2.103-A, que no atribui a casa ou o recheio,mas o direito de habitao da casa de morada ou o direito de uso dorecheio. Por isso, se na partilha a titularidade destes bens pertencerao cnjuge, d-se a consuno dos direitos de uso e habitao, peloque no haver que entrar ento em conta com estas atribuies.1111 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito civiI-sucess~es. Coimbra, s/d, n. 244, p. 486.278DIREITO SUCESSRIO DOS COMPANHEIROS5 SUCESSO ENTRE COMPANHEIROSNO NOVO CDIGO CIVIL - CRTICA Voltando ao direito brasileiro, e tratando, diretamente, do temadesta exposio, verificamos que no Projeto de Cdigo Civil, aprovado,com emendas, em 1984, pela Cmara dos Deputados, no havia nenhumdispositivo que regulasse a sucesso entre companheiros. Quando trami-tava no Senado, o senador Nlson Carneiro apresentou a emenda 358,claramente inspirada no art. 668 do Projeto Orlando Gomes (revisto porOrosimbo Nonato e Caio Mrio da Silva Pereira), com vistas a suprir alacuna. A emenda tem data anterior promulgao da Constituio de1988 e, obviamente, entrada em vigor das Leis 8.971/94 e 9.278/96. Orelator-geral, senador Josaphat Marinho, deu parecer favorvel emenda,mas apresentou subemendas, e o texto foi aprovado pelo Senado, naforma seguinte:Art. 1.802. Na vigncia da unio estvel, a companheira, ou ocompanheiro, participar da sucesso do outro, nas condiesseguintes:1 se concorrer com filhos comuns, ter direito a uma cotaequivalente que por lei for atribuida ao filho;1 se concorrer com descendentes s do autor da herana,tocar-lhe- a metade do que couber a cada um daqueles;III se concorrer com outros parentes sucessveis, ter direito aum tero da herana;IV no havendo parentes sucessveis, ter direito totalidadeda herana. Em obedincia ao art. 65, pargrafo nico, da Constituio Fede-ral, o Projeto de Cdigo Civil foi enviado, em 16 de dezembro de 1997, Cmara dos Deputados (Casa iniciadora). O relator-geral na Cmara,deputado Ricardo Fiu~a, apresentou proposio com vistas a mudar ocaput do artigo aprovado pelo Senado, para inserir a locuo quanto aosbens adquiridos na vigncia da unio estvel, e no ofereceu qualquermodificao aos quatro incisos do mesmo artigo, aprovados pelo Senado.O caput do dispositivo, que teve a numerao alterada, ficou assim:279ZENO VELOSOArt. 1.790. A companheira ou o companheiro participar dasucesso do outro, quanto aos bens adquiridos na vigncia daunio estvel, nas condies seguintes:1 II III Inicialmente, estranhvel a colocao do art. 1.790 e seus incisos,regulando a sucesso entre companheiros, no Captulo denominadoDisposies Gerais, da sucesso em geral. Numa concluso que pode-ria ter sido do conselheiro Accio, personagem de Machado de Assis, nodevia o art. 1.790 estar nas Disposies Gerais porque de disposiesfl gerais no trata. O art. 1.790 tinha de ficar no Captulo que regula aordem da vocao hereditria. Mas este um problema menor. O art. 1.790merece censura e crtica severa porque deficiente e falho, em substn-cia. Significa um retrocesso evidente, representa um verdadeiro equivoco.Quando o senador Nlson Carneiro apresentou a emenda que, em II ~ linhas gerais, resultou no art. 1.790, era outra a realidade social. NemSImesmo a Constituio de 1988 estava em vigor. A longa tramitao doProjeto, as transformaes sociais e as mudanas legislativas que ocorre-ram no perodo, enfim, a evoluo e o avano verificados no Direito Positivocom relao matria tornaram aquela emenda liberal e progressista notempo em que apareceu desatualizada e precria na poca presente. Vimos que as Leis 8.971/94 e 9.278/96 regularam o direito suces-srio entre companheiros imitando as solues j existentes para oscnjuges. Mas as referidas leis no apresentaram para os conviventesalguns requisitos e limitaes que, para as mesmas hipteses, vigoravampara as pessoas casadas, previstos no s no artigo 1.611 do Cdigo Civilde 1916, como indicados na jurisprudncia que se formou em torno damatria, inclusive dos Tribunais superiores. Muitos autores afirmaram que tal discrepncia era desarrazoada,no havendo base para que o companheiro sobrevivente fique numasituao mais benfica e vantajosa do que a do cnjuge suprstite. Adoutrina propugnava por uma alterao legislativa que estabelecesse oequilibrio, a paridade das situaes. O conserto dependia de uma mode-rada interveno; o ajuste carecia de pequena modificao.280DIREITO SUCESSRIO DOS COMPANHEIROS Contrariando estas expectativas, o Cdigo Civil promove um recuonotvel. O panorama foi alterado, radicalmente. Deu-se um grande saltopara trs. Colocou-se o companheiro em posio infinitamente inferiorcom relao que ostenta o cnjuge. A sucesso do companheiro, para comear, limita-se aos bens adqui-ridos na vigncia da unio estvel. Quanto aos bens adquiridos onerosa-mente, durante a convivncia, o companheiro j meeiro, conforme oart. 1.725 do CC, inspirado no art. 5~o da Lei 9.278/96, e que diz: Naunio estvel, salvo conveno vlida entre os companheiros, aplica-ses relaes patrimoniais, no que couber, o regime da comunho parcial debens No se deve confundir meao com direito hereditrio. A meaodecorre de uma relao patrimonial condomnio, comunho , existen-te em vida dos interessados, e estabelecida por lei ou pela vontade daspartes. A sucesso hereditria tem origem na morte, e a herana transmiti-da aos sucessores conforme as previses legais (sucesso legtima) ou avontade do hereditando (sucesso testamentria). Algum pode ser meeiro e herdeiro, como pode ser meeiro sem serherdeiro, ou herdeiro sem ser meeiro, e estas posies jurdicas tm causadiversa, so diferentes, e se baseiam em motivos e regras distintas. Se os bens so comuns, o companheiro sobrevivente tem direito meao. Mas este direito no tem origem na morte do outro convivente. Omeeiro j dono de sua parte ideal antes da abertura da sucesso, por outrottulo. Trata-se de situao que decorre do Direito de Famlia, no do Direitodas Sucesses. A meao do falecido que vai ser objeto da sucesso,juntamente com outros bens, de propriedade exclusiva, se houver. Restringir a incidncia do direito sucessrio do companheiro sobre-vivente aos bens adquiridos pelo de cujus na vigncia da unio estvel notem nenhuma razo, no tem lgica alguma, e quebra todo o sistema,podendo gerar conseqncias extremamente injustas: a companheira demuitos anos de um homem rico, que possua vrios bens na poca em queiniciou o relacionamento afetivo, no herdar coisa alguma do compa-nheiro, se este no adquiriu outros bens durante o tempo da convivencia.Ficar esta mulher se for pobre literalmente desamparada, mormentequando o falecido no cuidou de benefici-la em testamento, ou foisurpreendido pela morte antes de outorgar o testamento que havia resol-vido fazer. O problema se mostra mais grave e delicado se considerarmos281ZENO VELOSOque o CC nem fala no direito real de habitao sobre o imvel destinado residncia da famlia, ao regular a sucesso entre companheiros, deixan-do de prever, em outro retrocesso, o benefcio j estabelecido no art. 7,0,pargrafo nico, da Lei 9.278/96. Uma questo que poder surgir, futuramente, a de que, mesmocom o incio da vigncia do novo Cdigo Civil, continuaria vigorando opargrafo nico do art. 7,0 da Lei 9.278/96, que confere o direito real dehabitao ao companheiro sobrevivente. Realmente, este preceito no incompatvel com qualquer norma do novo Cdigo, podendo-se argu-mentar que ele sobreviver, at porque est na linha determinada pelaConstituio Federal, de reconhecimento e proteo unio estvel,como entidade familiar paralela que fundada no matrimnio. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,quando seja com ela incompatvel ou quando regule inteiramente amatria de que tratava a lei anterior. O Cdigo Civil, art. 2.046, edita: Revogam-se a Lei 3.071, de 1.0 de janeiro de 1916 Cdigo Civil, a Parte Primeira do Cdigo Comercial, Lei 556, de 25 dejunho de 1850, e toda a legislao civil e mercantil abrangidaSg~1II~ por este Cdigo, ou com ele incompatvel, ressalvado o dispostono presente Livro. O Cdigo Civil tem de ser abrangente, mas no pode ser exclusivo.Como se sabe, o Cdigo no contm toda a legislao civil; no e nemque o quisesse seria o estatuto completo da vida privada. Ao contrrio,vivemos a Idade da descodificao, para usar o ttulo sugestivo do livrode Natalino Irti. Sem contar a legislao extravagante, proliferam, ao ladodos Cdigos, microssistemas legais, conforme Orlando Gomes,12 que citaos rnicrossistemas das sociedades por aes, o estatuto da terra, o do mercadode capitais, o da legislao bancria, o do inquilinato, o da responsabili-dade civil, o dos direitos autorais, o dos seguros, o da propriedade industrial,o da proteo ao consumidor. No art. 2.046, o novo Cdigo revoga expressamente o anterior,toda a legislao civil que abrange, ou que com ele seja incompatvel.12 GOMES, Orlando. Novos temas de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, cap. 3, p. 40;AMARAL, Francisco. Direito civil: introduo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 148.282DIREITO SUCESSRIO DOS COMPANHEIROSPorm, a matria que no foi nele inteiramente regulada, ou que com eleno inconcilivel, continua vigorando, e o princpio j estava previstono Digesto (Livro 1, Ttulo III, frags. 26 e 28): posteriores Iegis ad priorespertznent, nisi contrarzae sint. A prpria Constituio, que a norma superior, o comando supre-mo, que confere o fundamento de validade a todo o ordenamento jurdi-co, no desconhece ou revoga, automaticamente, a legislao ordinriaanterior. Ao contrrio, esta continua vigorando, se no for incompatvelcom a nova Constituio, que lhe confere novo fundamento de validade.Hans Kesen explica o fenmeno, em passagem magistral: o que existeno uma criao de Direito inteiramente nova, mas recepo de normasde uma ordem jurdica por uma outra.3 Quanto ao direito real de habitao, beneficiando o companheiro 41sobrevivente, embora o novo Cdigo Civil no tenha se referido ao assun-to, deixando de repetir o que estatui a Lei 9.278/96, no havendo, todavia, aarevogao expressa, nem ocorrendo contradio, possvel, teoricamente,a subsistncia da lei especial e da lei geral posterior, regendo o mesmoassunto. [1 II Mas no se pense que o caso ser resolvido facilmente. A revoga-o tcita ou indireta representa um dos mais tormentosos problemas queo intrprete tem de enfrentar. Sobre a questo, basta advertir que se podeindagar se o CC apresenta, mesmo, uma omisso, se houve um esqueci-mento, se se trata, realmente, de uma lacuna por impreviso do legisla-dor, ou estamos diante de uma excluso intencional, de um silncioeloqente, o beredtes Schweigen do direito alemo?4 Observada aquela criticada limitao quanto aos bens que seroobjeto da sucesso, o CC, art. 1.790, 1, dispe que, se concorrer ocompanheiro sobrevivente com filhos comuns, ter direito a uma quotaequivalente a que por lei for atribuda ao filho. Se concorrer com descen-dentes s do autor da herana, diz o art. 1.790, II, tocar ao companheirosobrevivente a metade do que couber a cada um daqueles. Se concorrercom outros parentes sucessveis (ascendentes, colaterais), ter direito a13 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. deJoo Baptista Machado. 4. cd. Coimbra, 1976, n. 34,p. 290.14 LARENZ, Karl. Metodologia da cincia do direito. Trad. de Jos Lamego. 3. cd. Lisboa: FundaoCalouste Gulbenkian, 1997, p. 525.283ZENO VELOSOum tero da herana (CC, art. 1.790, III). Finalmente, no havendoparentes sucessveis, isto , se o de cujus no tiver descendentes, nemascendentes, nem colaterais at o 4~~) grau, o companheiro sobreviventeter direito totalidade da herana (CC, art. 1790, IV). A totalidade da herana, mencionada no inciso IV do art. 1.790, da herana a que est autorizado o companheiro sobrevivente concor-rer. Mesmo no caso extremo de o falecido no ter parentes sucessveis,cumprindo-se a determinao do caput do art. 1.790, o companheirosobrevivente s vai herdar os bens que tiverem sido adquiridos navigncia da unio estvel. Se o de cujus possua outros bens, adquiridosantes de iniciar a convivncia, e no podendo esses bens integrar aherana do companheiro sobrevivente, passaro para o Municpio oupara o Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscries, oua Unio, quando situados no Territrio Federal (CC, art. 1.844). No hquem possa, em s conscincia, defender ou sustentar esta deciso legal,que chega s raias do absurdo. O art. 1.790 do CC um dispositivo cruele inconseqente. Quando o art. 1.790, capul foi emendado, restringindo a heranaIF~ do companheiro sobrevivente aos bens adquiridos durante a unio est-I~I vel, deviam ter sido reescritos e adaptados nova ordem os incisos doreferido artigo e outras disposies que regulam a matria. O operador do Direito tem de compreender a sucesso dos compa-nheiros diante do comando imperativo, da regra geral do art. 1.790, caputque subordina todas as demais prescries a respeito do tema. A no serque, para escapar da esdrxula e injusta soluo do novo Cdigo Civil,d-se ao assunto um entendimento que desborde da interpretao mesmo construtiva , que admissvel e at louvvel, ingressando nocampo da criao normativa, o que ao intrprete vedado, ao prpriojuiz proibido, porque estar tomando o lugar e exercendo funo doLegislativo, praticando um excesso, uma usurpao, um abuso de poder. O CC, art. 1.839, admite o chamamento para a sucesso doscolaterais at o quarto grau. No Projeto de Cdigo Civil (revisto) deOrlando Gomes, apresentado em 1965, art. 698, ficou estabelecido que nafalta de cnjuge sobrevivente e no havendo descendentes, nem ascen-dentes seriam chamados a suceder os parentes colaterais at o terceirograu. Fico com a opinio do professor Slvio Rodr~~gues, de que a vocaodos colaterais at o 4~ grau revela uma generosidade do legislador, e a284DIREITO SUCESSRIO DOS COMPANHEIROSsucesso dos colaterais no deve ir alm do 3~o grau.15 No obstante, oCdigo Civil portugus (art. 2.147), o espanhol (art. 954), o argentino(art. 3.585) admitem a vocao dos colaterais at o 4o grau. No CdigoCivil italiano (art. 572), o chamamento da parentela vai at o 6.0 grau. OCdigo Civil francs, de 1804, na verso original de seu art. 755, afirma-va que no sucedem os parentes alm do 12. grau. A Lei de 31 de dezembrode 1917 modificou este dispositivo, cuja primeira alinea, agora, prev:Les parents collatraux au-de/ da sixime degr ne succdent pas, lexcep/ion, toutefois, des descendants desfrres et soeurs da d~/unt Osparentes colaterais alm do sexto grau no sucedem, com exce-o, todavia, dos descendentes dos irmos e irms do defunto. ~NI Na segunda alinea, o art. 755 do Code Napolon edita: t Lia No obstante, os parentes colaterais sucedem at o dcimo- segundo grau, quando o defunto no era capaz de testar e no estava sujeito a interdio civil. Tenho acompanhado, h mais de vinte e cinco anos, desde o comeode sua tramitao, na Cmara dos Deputados, o Projeto que redundou noCdigo Civil brasileiro, de 2001. At escrevi um livro opinativo sobre ele.16Creio que o novo Cdigo, sem ser perfeito, que nenhuma obra humana acabada e completa, atende s aspiraes da comunidade jurdica e detoda a gente. Devemos nos orgulhar do resultado. E o mrito no somente dos que redigiram o Anteprojeto, eminentes juristas brasileiros(alguns deles j tendo partido desta vida terrena), mas, igualmente, demuitos deputados federais e senadores que, ao longo do tempo em que aproposio foi discutida no Congresso Nacional, apresentaram centenasde emendas, com vistas a melhor-la, atualiz-la, especialmente diante dasgrandes transformaes e avanos ditados pela Constituio de 1988. Sinto-me vontade, portanto, para reagir contra o modo com quefoi disciplinado o direito sucessrio dos que vivem em unio estvel.15 RODRIGUES, Sflvio. Direito civil. 24. ed. Slo Paulo: Saraiva, 2001, v. 7, n. 41, p. 83.16 VEL()SO, Zeno. Emendas ao projeto de Gdigo Civil Belm: Grafisa, 1985.285ZENO VELOSO Tanto entidade familiar a que se funda no casamento como eentidade familiar a que resulta da unio estvel, quanto entidade familiara comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (CF,art. 226, ~ 30 e 4.0). As famlias constitudas por essas formas tm a mesma dignidade, amesma importncia, so merecedoras de igual respeito, considerao,acatamento. Acabou-se o tempo em que, com base em preconceitosaristocrticos, concepes reacionrias, passadistas, e argumentos repletosde hipocrisia, as famlias eram classificadas como os produtos nas pratelei-ras das mercearias em famlias de primeira classe, de segunda classe e,at, de classe nenhuma. O jurista precisa ter gravada, na alma e nocorao, a advertncia de Vitg/io de S Pereira, de que a famlia um fatonatural, no criada pelo legislador, como o jardineiro no cria a prima-vera, valendo transcrever as sbias lies do saudoso mestre pernambucano:Agora, dizei-me: que que vedes quando vedes um homem euma mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de umpequenino ser, que o fruto do seu amor? Vereis uma famlia.S~NI Passou por l o juiz, com a sua lei, ou o padre, com o seu sacramento?Que importa isto? O acidente convencional no tem fora paraapagar o fato natural.17 Se o princpio da igualdade obriga a que se coloque no mesmoplano tanto a famlia constituda pelo casamento, como a que decorre daconvivncia pblica, contnua e duradoura; se o cnjuge herdeiro, eherdeiro necessrio, concorrendo, inclusive, com descendentes e ascen-dentes do falecido, como se pode admitir tamanha discriminao notratamento conferido aos companheiros? Estava assentada, pacificamente, em nosso direito, a posio docompanheiro sobrevivente similar do cnjuge suprstite. Salvo a neces-sidade de alguns ajustes, no se via na doutrina ptria nenhuma objeomais profunda sobre a forma como a matria foi disciplinada. No h,portanto, razo jurdica, motivo histrico, fundamento tico ou moral,causa sociolgica que justifique mudana to intensa e radical.17 PEREIRA, Virglio de S. Direito de famlia..., cit., p. 90.286DIREITO SUCESSRIO DOS COMPANHEIROS As concepes atuais do povo a respeito da sociedade familiar, quea Constituio de 1988 reconheceu, avocou e subscreveu em normas dehierarquia mxima, no esto minimamente atendidas na acanhada colo-cao a que o companheiro sobtevivente est relegado no Cdigo Civil.Enquanto o cnjuge passou categoria de herdeiro necessrio, e emsituao privilegiada, o companheiro considerado herdeiro facultativo,e em posio bisonha e tmida, muito inferior que ocupava na legislaoque vigorar at que o Cdigo Civil comece a viger. Ainda que se queira prestigiar os cnjuges, incentivar o casamento,enaltecer as famlias matrimonializadas, tem algum sentido, alguma ra-zo, alguma base econmica, social, cultural ou moral estatuir que ocompanheiro sobrevivente vai concorrer com colaterais at o 40 grau dode ctjus, e s tendo direito a um tero da herana? Alerte-se, mais uma vez, que, embora falando os incisos 1 a III doart. 1.790 em quotas da herana, tais incisos, obviamente, esto conecta-dos e presos ao caput do dispositivo, e, segundo este, a sucesso do com-panheiro no considera o patrimnio todo deixado pelo falecido. Ocompanheiro sobrevivente, nos termos do duro preceito do art. 1.790, sparticipar da sucesso do de cujas quanto aos bens adquiridos na vign-cia da unio estvel. No direito sucessrio brasileiro, j se mostrava consolidado equieto o entendimento de que, na falta de parentes em linha reta dofalecido, o companheiro sobrevivente deve ser o herdeiro, afastando-seos colaterais e o Estado. Neste tempo em que vivemos, a concepo de famlia est se contrain-do, para compreender, praticamente, o homem, a mulher e os filhos,vivendo no lar conjugal ou no lar domstico. A famlia, hoje, muitodiferente da famlia patriarcal. E menor, menos hierarquizada. Fala-se emfamlia nuclear, na qual predominam os laos da afetividade e os princpi-os da liberdade e igualdade. O legislador no pode dar as costas para estefato social. Na sociedade contempornea, j esto muito esgaradas, quandono extintas, as relaes de afetividade entre parentes colatetais de 4~ograu (primos, tios-avs, sobrinhos-netos). Em muitos casos, sobretudonas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem, raramente se encon-tram. E o novo Cdigo Civil brasileiro, que vai comear a vigorar no 3~o287ZENOVELOSOmilnio, resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma famlia,manteve uma comunidade de vida com o falecido, s vai herdar, sozinho,se no existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais at o 4~0 graudo de cujas. Temos de convir: isto demais! Para tornar a situao maisgrave e intolervel, conforme a excessiva restrio do caput do art. 1.790,que foi analisado acima, o que o companheiro sobrevivente vai herdarsozinho no todo o patrimnio deixado pelo de cujas, mas, apenas, o que foiadquirido na constncia da unio estvel. Haver alguma pessoa, neste pas, jurista ou leigo, que assegureque tal soluo boa e justa? Por que privilegiar a este extremo vnculosbiolgicos, ainda que remotos, em prejuzo dos vnculos do amor, daq ~ afetividade? Por que os membros da famlia parental, em grau to longn- ~ quo, devem ter preferncia sobre a famlia afetiva (que em tudo compar- ~ vel famlia conjugal) do hereditando?q ~ Sem dvida, neste ponto, o CC no foi feliz. A lei no est imitandoa vida, nem se apresenta em consonancia com a realidade social, quandodecide que uma pessoa que manteve a mais ntima e completa relao como falecido, que sustentou com ele uma convivncia sria, slida, qualifica-da pelo animas de constituio de famlia, que com o autor da heranaprotagonizou, at a morte deste, um grande projeto de vida, fique atrs deparentes colaterais dele, na vocao hereditria. O prprio tempo se in-cumbe de destruir a obra legislativa que no seguiu os ditames do seu tempo,que no obedeceu as indicaes da histria e da civilizao. Alis, no prprio CC, no texto mesmo da nova legislao civil, flagrante a discrepncia, notria a disparidade com que os companheirosso tratados, e isto se conclui simples leitura do que consta no Direitode Famlia e no Direito das Sucesses. Naquele, foi dedicado um ttuloespecial unio estvel arts. 1.723 a 1.727 , e a matria est reguladaconvenientemente, prestigiando-se a unio estvel entre o homem e amulher, com o objetivo de constituio de famlia. Os direitos e deveresdos companheiros esto bem distribudos, imitando-se o estatuto doscnjuges, atendendo, enfim, as melhores expectativas da comunidadejurdica. No Direito das Sucesses, aparece o tenebroso art. 1.790,afrontando o que antes havia sido dito e afirmado, colidindo com o orde-namento dos companheiros, parecendo, at, que o art. 1.790 norma de288DIREITO SUCESSRIO DOS COMPANHEIROSoutro Cdigo, de outra Nao, porque no guarda correspondncia algu-ma (muito ao contrrio) com as que o novo Cdigo Civil brasileiro, nolivro do Direito de Famlia, dedicou s entidades familiares formadas porunies estveis.6 PROPOSTA DE REFORMA LEGISLATIVA Aproveitando que o CC est na vacatio /egis, urge que seja reformadona parte que foi objeto deste estudo. Se a famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado;se a unio estvel reconhecida como entidade familiar; se esto pratica-mente equiparadas as famlias matrimonializadas e as famlias que secriaram informalmente, com a convivncia pblica, contnua e duradouraentre o homem e a mulher, a discrepncia entre a posio sucessria docnjuge suprstite e a do companheiro sobrevivente, alm de contrariar osentimento e as aspiraes sociais, fere e maltrata, na letra e no esprito,os fundamentos constitucionais. Temos de mudar isto. J e j! Consciente de que a crtica doutrinria, cientfica, tem de ser isenta,ponderada, respeitando, sobretudo, o trabalho e o esforo dos que escre-veram o Projeto do Novo Cdigo Civil, preciso, ademais, ofereceralternativa, expor as prprias idias para o conhecimento e anlise detodos. Assim, cabe-me oferecer emenda substitutiva ao mencionado art.1.790 do novo Cdigo Civil brasileiro, advertindo que precisam seralterados, ainda, os arts. 1.831 e 1.839. Inicialmente, necessrio, at por imperativo de tcnica legisla-tiva, deslocar o art. 1.790, e inseri-lo no Ttulo II Da Sucesso Legtima,Captulo 1 Da Ordem da Sucesso Hereditria, em seguida do art. 1.838,que trata da sucesso do cnjuge sobrevivente. O art. 1.839 deve ser alterado, passando a ter a seguinte redao:Se no houver cnjuge sobrevivente, nas condies estabeleci-das no art. 1.830, nem companheira ou companheiro, na formado artigo antecedente, sero chamados a suceder os colateraisat o quarto grau289ZENO VELOSO O art. 1.831 tambm deve ser modificado, para estabelecer, comofaz o art. 1.611, 2.0, do Cdigo Civil de 1916, que o direito real dehabitao s persiste enquanto o cnjuge sobrevivente permanecer vivo ou noconstituir unio estvel. Ento, com base nos arts. 1.829, 1.831, 1.832, 1.837 e 1.838 doCdigo Civil, que editam normas sobre a sucesso dos cnjuges, o artigoque regula a sucesso dos companheiros, com nova localizao e outronmero, deve ficar redigido assim:Art. (...).A companheira ou o companheiro participar da sucesso dooutro, com quem convivia ao tempo do falecimento, nas condi-es seguintes:1 se concorrer com descendentes, ter direito a um quinhoigual ao dos que sucederem por cabea, salvo se tiver havido q ~ comunho de bens durante a unio estvel e o autor da herana no houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos 01,1 companheiros, se tivesse ocorrido, fosse pelo regime da separa-o obrigatria (art. 1.641), observada a situao existente nocomeo da convivncia;II concorrendo com ascendente em primeiro grau, tocar-lhe-um tero da herana; caber-lhe- metade desta, se houver um sascendente ou se maior for aquele grau;III no havendo descendentes nem ascendentes, ter direito totalidade da herana.Pargrafo nico. Ao companheiro sobrevivente, sem prejuzoda participao que lhe caiba na herana, enquanto no consti-tuir nova unio ou casamento, ser assegurado o direito real dehabitao relativamente ao imvel destinado residncia dafamlia, desde que seja o nico daquela natureza a inventariar. Esta emenda no cria fatos, no inventa solues, no d pulos,no introduz grandes novidades. Simplesmente procura resgatar o que aConstituio e as leis, atendendo s esperanas e aos sentimentos sociais,j tinham estabelecido, sem que se vislumbre motivo algum para que oquadro fosse mudado. Reside a, talvez, o mrito que a proposta possa290DIREITO SUCESSRIO DOS COMPANHEIROSter. Esta emenda, singelamente, quer fazer justia aos brasileiros e brasi-leiras que constituem famlias respeitveis e dignas, com base nos laosda afetividade, da compreenso, da solidariedade, da lealdade, da mtuaassistncia moral e material, formando unies estveis que merecem omesmo tratamento dispensado s famlias fundadas no casamento.2915DO NOME DA MULHER CASADA: DIREITODE FAMLIA E DIREITOS DA PERSONALIDADESilmara Juny de A. Chinelato e AlmeidaProfessora Associada da Faculdade de Direitoda Universidade de So Paulo. Doutora e Livre-docentepela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.Autora do livro Do nome da mulher casada:So Paulo/Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2001._________________ Sumrio __________________1. Introduo. 2. Notcia histrica. 3. O nome da mulher casadano Direito estrangeiro. 4. Direitos da Personalidade: coordena-das fundamentais. 5. O nome da mulher casada no DireitoPositivo brasileiro. 5.1 Direito Constitucional: igualdade real ouformal? 5.2 Evoluo e involuo legislativa acerca do nome damulher casada. 6. O novo Cdigo Civil. 7. Bibliografia.1 INTRODUAOO nome da mulher casada no tem sido considerado pela legislao~ e Doutrina nacionais e estrangeiras, com reflexos na jurisprudncia, emseu aspecto primordial: o dos Direitos da Personalidade. N tica da culpa tem penalizado a mulher, tambm neste tema,d~sprezando-Wxe a ~XenXadie, o c~ue nos motivou a esctevet monogra~rn naqual nos aprofundamos nos temas que aqui sero apresentados em sntesesobre o nome da mulher casada,1 tema no tratado ainda, como tal, naDoutrina brasileira e estrangeira.1 CHINELATO E ALMEIDA, Silmara Juny de A. Do nome da mulher casada: direito de famliae direitos da personalidade. S~o Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitria 2001.2935DO NOME DA MULHER CASADA: DIREITODE FAMLIA E DIREITOS DA PERSONALIDADESilmara Juny de A. Chinelato e AlmeidaProfessora Associada da Faculdade de Direitoda Universidade de So Paulo. Doutora e Livre-docentepela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.Autora do livro Do nome da mulher casada:direito de famlia e direitos da personalidade,So Paulo/Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2001._________________ Sumrio __________________1. Introduo. 2. Notcia histrica. 3. O nome da mulher casadano Direito estrangeiro. 4. Direitos da Personalidade: coordena-das fundamentais. 5. O nome da mulher casada no DireitoPositivo brasileiro. 5.1 Direito Constitucional: igualdade real ouformal? 5.2 Evoluo e involuo legislativa acerca do nome damulher casada. 6. O novo Cdigo Civil. 7. Bibliografia.1 INTRODUO O nome da mulher casada no tem sido considerado pela legislaoe Doutrina nacionais e estrangeiras, com reflexos na jurisprudncia, emseu aspecto primordial: o dos Direitos da Personalidade. A tica da culpa tem penalizado a mulher, tambm neste tema,desprezando-lhe a identidade, o que nos motivou a escrever monografia naqual nos aprofundamos nos temas que aqui sero apresentados em sntesesobre o nome da mulher casada,1 tema no tratado ainda, como tal, naDoutrina brasileira e estrangeira.1 CHINELAT() E ALMEIDA, Silmara Juny de A. Do nome da mulher casada: direito de famliae direitos da personalidade. SIo Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001.293SILMARA JUNY DE A. CHINELATO E ALMEIDA2 NOTCIA HISTRICA Nosso estudo, que remonta Antigidade e Direito Romano,analisa o papel da mulher na famlia. Da funo da mulher como geratriz, representao da continuidadeda espcie, como caracterizao de um dos elementos da casa, ao ladodos filhos, dos escravos e dos clientes, como na sociedade romana do ano100 a. C., com submisso, antes do casamento, ao pai e, depois, ao marido,o papel da mulher no mudou muito durante vrios sculos. Nosso estudo histrico dedica-se, ainda, evoluo da mulher brasi-leira na sociedade e no Direito e demonstra, tambm, que a qesto do nome~IiI da mulher casada sempre esteve ligada submisso ao poder do marido. expressivo que a palavra pater signifique poder e no paibiolgico. Por isso, a mulher no poderia ser paterfamilias, possibilida-de estendida ao filho menor. Nomear significa exercer o poder da a relao clara com a obriga-toriedade de a mulher adotar o patronmico do marido, que vigorou entrenos at a Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977. A anlise da legislao brasileira constitucional e ordinria2 atestaI~it, que um longo trajeto foi percorrido at se chegar facultatividade do usodo patronmico do marido, pela mulher, e igualdade de direitos previstapela Constituio Federal de 1988.3 O NOME DA MULHER CASADANO DIREITO ESTRANGEIRO A anlise breve da legislao estrangeira, demonstra evoluo nosentido de se passar da obrigatoriedade do uso do patronmico do marido,pela mulher, facultatividade. Caminha-se tambm para o reconheci-mento da igualdade de direitos, no prevalecendo o patronmico domarido, no silncio dos interessados.2 Foram objeto de estudo as Constituies desde 1824, bem como a legislao infra-constitucio-nal: Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, Cdigo Civil de 1916, Estatuto da Mulher Casada(Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962), Lei do Divrcio (Lei 6.515, de 26 de dezembro de1977), Lei 8.408, de 13 de fevereiro de 1992.294DO NOME DA MULHER CASADA: DIREITO DE FAMILIA E DIREITOS DA PERSONALIDADE Do estudo da legislao de vrios pases Itlia, Frana, Alemanha,Portugal, Espanha e Japo pareceu-nos mais adequada a da Espanha. O Cdigo Civil espanhol no trata do nome da mulher casada, masa Lei de Registros Pblicos probe que mulher introduza no seu nome oapelido do marido, conforme artigo 137, n. 2, do Regulamento do Regis-tro Civil, de 14 de novembro de 1958. H um uso social bastante generalizado pelo qual a mulhercasada ou viva utiliza o patronimico do marido como parte de seu nome,empregando-se as expresses sefiora de A ou viuda de B.4 DIREITOS DA PERSONALIDADE:COORDENADAS FUNDAMENTAIS O estudo dos Direitos da Personalidade, para o qual muito contri-buram as obras de Adriano de Cupis, Rabinaranat Capelo de Sou~a e, noBrasil, as de Rubens Limongi Frana, Walter Moraes e Carlos Alberto Bitta~ de primordial importncia para o deslinde da questo, no prisma exatosob o qual deve ser considerada. O direito identidade do qual o nome um aspecto insere-seentre os direitos integridade moral, como quer R Limongi Frana, oudireitos morais, como prefere Carlos Alberto Bittar. Para Rabindranath Capello de Sou~a, o direito identidade incidesobre a configurao somtico-psquica de cada indivduo, particular-mente sobre sua imagem fsica, gestos, voz, escrita, retrato moral, recain-do ainda sobre a insero socioambiental de cada pessoa, notadamentesobre sua imagem de vida, sua histria pessoal, o seu decoro, a sua reputaoou bom nome, o seu crdito, a sua identidade sexual, familar, racial, lings-tica, politica, religiosa e cultural.3 A consagrao legislativa do direito ao nome como direito da perso-nalidade encontra-se no Cdigo Civil portugus art. 72, no Cdigo Civilalemo, ~ 12, no Cdigo Civil suo, art. 29, no italiano, arts. 6.~, 70 e 8.0. Na Amrica Latina, destaca-se o recente Cdigo Civil do Peru, de1984-85.3 CAPELO DE SOUZA, Rabindranath. O direito geral de personalidade, p. 249, nota 571.295SILMARA JUNY DE A. CHINELATO E ALMEIDA O novo Cdigo Civil brasileiro cuida de modo tmido dos Direitosda Personalidade, sem sistematizao, tratando expressamente do direitoao nome nos artigos 16 a 19, cuidando especificamente do nome damulher casada, quando da separao e do divrcio, no artigo 1.578.5 O NOME DA MULHER CASADA NO DIREITO POSITIVOBRASILEIRO5.1 Direito Constitucional: igualdade real ou formal? A possibilidade de o marido tambm adotar o patronmico da~ii~Il mulher, que decorre da igualdade consagrada na Constituio Federal de1988 (artigos 50, 1 e 226, ~ 5.~) representa, no nosso modo de ver,igualdade real e no apenas formal.Respalda a Conveno sobre a eliminao de todas as formas de discrimina-o contra a mulhe5 adotada pela Resoluo 34/180 da Assemblia Geraldas Naes Unidas, de 18 de dezembro de 1979, ratificada pelo Brasil emuI~I1.~ de fevereiro de 1984, com reservas, que s foram retiradas em dezembrode 1994. Referiam-se elas exatamente igualdade entre homem e mulher. As normas constitucionais que consagram a igualdade entre ho-mem e mulher so, a nosso entender, normas de eficcia plena, conformesustenta a maioria da Doutrina, no dependendo de lei ordinria. A possibilidade de o marido tambm adotar o patronmico damulher, que decorre da igualdade consagrada na Constituio Federal de1988 (artigos 50 1 e 226, ~ 5.o) no teve repercusso prtica, tendo emvista a refrao que maridos tm em adotar o patronmico da mulher.Nossa pesquisa de campo comprova tal assertiva. um direito no exercido por preconceito. Quando rarssimos maridos quiseram adotar o patronmico damulher, ainda encontraram o preconceito de alguns julgadores. Exem-plifica-o bem o voto vencido proferido na Apelao 198.349-1 do E. TJSP,julgada em 3 de agosto de 1993, publicada na Jurisprudncia do Tribunalde Justia 149:96-100. Do R. voto vencido transcrevemos: Inobstante o princpio constitucional, de carter genrico, no vejo como possa desde logo estender-se ao marido a mesma296DO NOME DA MULHER CASADA: DIREITO DE FAMILIA E DIREITOS DA PERSONALIDADEfaculdade, concedida mulher, a no ser mediante lei. Comono h, at hoje, preceito legal a esse respeito, entendo nocaber admitir-se a opo, que por sinal destoa de nossa tradiojurdica e dos costumes e da sociedade. certo, a meu ver, que no se brinca com o nome, nem deve o nomeservir de pretexto para expor ao ridculo o seu portador. No caso, desupor que no seriam poucos nem pequenos os dissabores a que seexporia o futuro marido, se adotasse o patronmico da esposa, numaatitude talvez poineira, talvez simplesmente galhofa.5.2 Evoluo e involuo legislativa acercado nome da mulher casada O artigo 240 do Cdigo Civil impunha a obrigatoriedade de adoo dopatronmico do marido. A doutrina majoritria defende a compulsoriedade,registrando-se voz discordante e solitria de Spencer Wan~pr4 A obrigatoriedade refletiu-se na jurisprudncia, anotando-se acor-dos que consideraram injria grave a mulher no usar socia]mente o nomedo marido. Mesmo aps ter sido consagrada pela Lei 6.515/77 como opoadotar ou no o patronmico do marido, o costume consolidado de longadata e a nomeao, como ato de poder, constrangeram muitas mulheres aoptar por acrescer, ao seu, o patronmico do marido. J sustentamos em nossa monografia e enfatizamos novamente queconservar o nome de solteira sempre foi e ser questo a ser ponderada e julgada comodireito identidade. Nada tem a ver com amor, nem possvel caracteri~ao deinjria ao marido.5 Sustentamos, ainda, a possibilidade de alterao do nome, na cons-tncia do casamento. O estudo da doutrina nacional revela que, quando da separao edo divrcio, a perda do patronmico da mulher que incorporou ao de suafamlia de origem o do marido, agora tambm patronmico dela, estsempre e ainda! relacionada culpa, sem considerar o direito 4 \VAMPRE, Spencer. Do nome ciii!. Rio de Janeiro: Briguiet, 1935, p. 126.5 Consultem-se, em nossa monografia, p. 84 et seq., acrdos que sustentam o contrario.6 Consultem-se, p. 85-92 de nossa monografia.297SILMARA JUNY DE A. CHINELATO E ALMEIDAidentidade, tnica primordial da questo. Nem mesmo s mulheres que secasaram antes da Lei 6.515, de 1977, no regime da obrigatoriedade daadoo do patronmico do marido, a maioria da doutrina se mostrasensvel analise do direito identidade, registrando-se vozes discordan-tes isoladas como as de Gustavo Tepedino, Eduardo de Oliveira Leite, MariaCelina Bodin de Moraes. Esses autores como ns, sustentam que ao adotaro patronmico do marido, passa aquele a ser patronmico da mulher,incorporando-se a sua identidade.7 O reflexo da tese minoritria na jurisprudncia imediato, confor-me estudos que fizemos nas decises de Tribunais dos diversos Estados. A Lei 8.408, de 13 de fevereiro de 1992, representa um retrocesso,pois se antes dela a mulher poderia conservar o patronmico do marido,se considerada inocente, agora no o pode, como regra que admite trsexcees. A primeira privilegia apenas a identidade profissional, revelando-selhe litista. A materfamilias no tem identidade. A segunda exceo protege o 4~r~ interesse de filhos que teriam o patronmico muito diferente do da me.Seria de aferio objetiva, o que tem sido desmentido pelo exame demuitos casos concretos. A terceira hiptese, que teria alcance mais amplo,tambm tem-se revelado tmida, cingindo-se, no mais das vezes, tambmIiL discusso de prejuzo identidade profissional, na viso da jurisprudncia.Alguns poucos acrdos de nossos Tribunais assim enfrentam aquesto, segundo pesquisa analitica, reproduzida em nossa monografia.Registrem-se acrdos do TJRS e alguns do TJSP.6 O NOVO CODIGO CIVIL Propomos que a questo do nome da mulher casada, quando daseparao e do divrcio, seja sempre analisada sob a tica do direito identidade, como direito da personalidade da mulher, j que o nomeagora dela e no do marido.7 MORAES, Maria Celina Bodin de. Sobre o nome da pessoa humana. Revista Brasileira de Direitode Famlia. Instituto Brasileiro de Direito de Famlia. Porto Alegre, Sntese, n. 7, p. 38-59,out./nov./dez. 2000. TEPEDINO, Gustavo. O papel da culpa na separao e no divrcio. In:Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 367-388. LEITE, Eduardo Oliveira.Mulher separada. Continuidade do uso do nome do marido. Parecer. Resta dos Tbnnais o. 780,p. 103-21, out. 2000.298DO NOME DA MULHER CASADA: DIREITO DE FAMLIA E DIREITOS DA PERSONALIDADE Essa proposta de direito constituendo, que julgamos o ideal de legisla-o, na esteira da espanhola, no foi acolhida pelo novo Cdigo Civil. O artigo 1.578 do novo Cdigo perfilha o que denominamos siste-ma mitigado de culpa, possibilitando ao cnjuge vencido (pressupondoque tambm o homem exercer o direito de utilizar o patronmico damulher) conservar o nome do outro cnjuge, como regra, que ser excep-cionada se houver trs requisitos cumulativos: 1. ser vencido na ao de separao judicial; 2. requerimento expresso do vencedor; 3. no-ocorrncia de:3.1. evidente prejuzo para identificao ou3.2. manifesta distino entre seu nome de famlia e o dos filhoshavidos da unio dissolvida ou3.3. dano grave reconhecido na deciso judicial. Anossover,onovoCdigoCivil,emboraaindaestejaatreladoculpa na questo do nome da mulher, representa um avano em relao Lei 8.408, de 1992, pois admite a conservao do nome como regra e nocomo exceo. Melhor seria se tivesse previsto que a mulher ou o maridoconservaria o patronmico adquirido com casamento, como regra, poden-do a ele renunciar se e quando no o tenha incorporado em sua identidade. Nossa proposta em termos de legislao constituenda no sentidode que o casamento no importa alterao do patronmico. Assim pensamos,pois adotar um patronmico um ato de amor;8 retir-lo, um ato de desa-mor e dio, sustentando interminveis polmicas judiciais e extrajudiciais. Como o Direito de Famlia comea onde termina o amor , naspalavras precisas e sensveis do jurista paulista Agostinho Arrucla A/vim, aconservao do patronmico da famlia de origem representar um pontonevrlgico a menos a enfrentar nas interminveis e apaixonantes discus-ses que sustentam a separao e o divrcio.8 O problema que quase nunca se pensa na propriedade com que dele tratou Vincius deMoraes no Soneto da fidelidade, do qual transcrevemos os versos finais:E assim, quando mais tarde me procureQuem sabe a morte, angstia de quem viveQuem sabe a solido, fim de quem amaEu possa me dizer do amor (que tive):Que no seja imortal, posto que chamaMas que seja infinito enquanto dure.299SILMARA JUNY DE A. CHINELATO E ALMEIDA7 BIBLIOGRAFIABITTAR, Carlos Alberto. Direitos da personalidade. 2.ed. Rio de Janeiro:Forense Universitria, 1995.CAPELO DE SOUZA, Rabindranath V. A. O direito geral de personalidade.Coimbra: Coimbra Editora, 1995.CHINELATO E ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu. Do nome da mulhercasada: direito de famlia e direitos da personalidade. So Paulo/Riode Janeiro: Forense Universitria, 2001.DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. de Adriano VeraJardim. Lisboa: Livraria Morais, 1961.LEITE, Eduardo Oliveira. Mulher separada. Continuidade do uso do nomedo marido. Parecer. Rettista dos Tribunais n. 780, p. 103-21, out. 2000.LIMONGI FRANA, Rubens. Do nome civil das pessoas naturais. 3. cd. So Paulo: RT, 1975. q . Manual de direito civil. 3.ed. So Paulo: RT, 1981.~III~I . O nome civil da mulher casada diante da nova Constituio.Repertrio IOB de Jurisprudncia. 1.a quinz. out. 1999, n. 19/89, p. 341-40.Direitos da personalidade. Coordenadas fundamentais. Revista dosTribunais, v. 56, p. 9-16.MORAES, Maria Ceina Bodin de. Sobre o nome da pessoa humana.Revista Brasileira de Direito de Famlia. Instituto Brasileiro de Direito deFamlia. Porto Alegre, Sntese, n. 7, p. 38-59, out./nov./dez. 2000.TEPEDINO, Gustavo. O papel da culpa na separao e no divrcio. In:Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.WAMPR, Spencer. Do nome civil. Rio de Janeiro: Briguiet, 1935.3006A ESTATIZAAO DAS RELAES AFETIVASE A IMPOSIO DE DIREITOS E DEVERESNO CASAMENTO E NA UNIO ESTVELMaria Berenice DiasDesembargadora do Tribunal de Justia do Rio Grandedo Sul. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.__________________ Sumrio __________________1. Um bem-querer. 2. Um querer sem liberdade. 3. Um querer limitado. 4. Um querer cheio de responsabilidade. 5. Um querer sem fim. 6. Mesmo no querendo. 7. Bibliografia.1 UM BEM-QUERER Os vnculos afetivos so da ordem do desejo, impulso para vidaque remete necessidade de completude. So fenmenos naturais, quesempre existiram independentemente de regras ou tabus e bem antes daformao do Estado e do surgimento das religies. So questes com-plexas, refere Rodrzgo da Cunha Pereira, pois de se indagar se o Direitopode mesmo legislar sobre a sexualidade, uma vez que esta pressupe odesejo. No se sabe, ou pelo menos no se escreveu ainda, se o Direito 1que legisla sobre o desejo, ou se o desejo que legisla sobre o Direito Sob a justificativa de se estabelecerem padres de moralidade e regu-lamentar a ordem social, foram gerados interditos proibies de naturezacultural, e no biolgica e nominaram-se os relacionamentos afetivos de1 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de famlia: uma abordagem psicanaltica. 2. ed. BeloHorizonte: Dei Rey, p. 53.301MARIA BERENICE DIASfamlia. O Estado solenizou sua formao pelo casamento e transformou afamlia em uma instituio. A Igreja deu-lhe status de sacramento. Seja oEstado da espcie que for, tenha a formao que tiver, nomine a religio oseu deus da forma que o idealize, o fato que ambos acabaram seimiscuindo na vida das pessoas e regulamentando suas relaes amorosas.Como lembra Vi?glio de S Pereira A famlia um fato natural, o casa-mento uma conveno social.2 No entanto, a partir desse intervencionis-mo, os vnculos interpessoais, para merecerem aceitao social e o reconhe-cimento jurdico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionouchamar de matrimnio. Uma vez atendidos os pressupostos e requisitosestabelecidos, o casamento transforma-se em unio praticamente indissolvel. Igualmente o Estado s reconhecia a existncia da relao matri- monializada, vedando quaisquer direitos s relaes nominadas por esp- rias, adulterinas ou concubinrias. Somente a famlia legtima era Iii reconhecida, sendo que a filiao estava condicionada ao estado civil dosq r11pais, s merecendo reconhecimento a prole nascida dentro de um casa-mento.3 Os filhos havidos de relaes extramatrimoniais eram alvo de5 ~ uma enorme gama de nominaes de contedo pejorativo e discrimina-torio. Nenhum direito possuam, sendo condenados invisibilidade, poisno podiam buscar seu reconhecimento ou sua identidade. Durantemuito tempo, os filhos ilegtimos estavam fadados morte, pois nemalimentos podiam buscar.42 UM QUERER SEM LIBERDADE A vontade das partes auscultada to-s no momento da constitui-o da famlia. No so questionados os noivos sobre seus sentimentos,nem perquirida a causa do casamento, pois se colhe a simples manifes-tao da vontade de casar: de livre vontade que ofa~eis?2 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito civil: estudos. Belo Horizonte: DeiRey, 2000, p. 24.3 Essa odiosa diserimina~o permaneceu at o advento da Constituiiio Federal, em 1988, quevedou qualquer designao discriminatria (~ 6. do art. 227).4 A Lei 883/48 autorizou ao filho ilegtimo acionar o pai em segredo de justia, mas s parabuscar alimentos.302A ESTATIZAO DAS RELAES AFETIVAS E A IMPOSIO DE DIREITOS... Porm, se a vontade elemento essencial para a solenizao docasamento, mais nenhuma relevncia possui aps ser proferida a palavrasim Parece que o Estado, com sua onipotncia, olvida que so os vnculose pactos ntimos que ligam o par, e no as imposies sociais ou os manda-mentos legais que os mantm unidos. No se limita a lei a chancelar ocasamento e atribuir responsabilidades ao casal, pois tambm busca inter-ferir na sua vida ntima, impondo deveres e assegurando direitos paraserem cumpridos durante o perodo de convvio. Alm dos deveres impos-tos a ambos os cnjuges, como o de fidelidade recproca, vida em comume mtua assistncia,5 tambm divide a lei direitos e deveres entre omarido e a mulher,6 distino que se tem por no mais vigorante desde oadvento da Constituio Federal, que os considera exercidos igualmentepelo homem e pela mulher.7 Essa ingerncia, alm de nitidamente descabida, de tododespicienda. Ainda que tente a lei impor obrigaes e assegurar direitos,o descumprimento de qualquer dos deveres no gera a possibilidade deser buscado seu adimplemento em juzo. Como os imperativos previstosna lei no tm como ser impostos por deciso judicial, mister concluirque tais previses servem to-s e eventualmente para fundamentar umaao de separao. Ou seja, as regras estabelecidas para vigoraremdurante a vida em comum tm utilidade para justificar o pedido de sepa-rao, isto , so invocveis somente depois de findo o casamento. Ainfringncia aos deveres conjugais outorga legitimidade para a busca daseparao mediante a imputao ao infrator da culpa pelo fim do amor. Durante a vigncia da sociedade conjugal, o eventual ou reiterado,dissimulado ou pblico inadimplemento dos deveres por um ou ambos oscnjuges em nada afeta a existncia, a validade ou a eficcia do casamen-to. Assim, de concluir-se que de nada adianta o legislador tentar imporcondutas ou modo de viver a quem optou por oficializar o seu relaciona-mento afetivo. O compromisso assumido perante o Estado dispe deinmeras seqelas, quer quanto prole, quer com relao a terceiros, querainda, e principalmente, quando do desfazimento do vnculo, pela separa-5 Art. 231 do Cdigo Civil.6 Arts. 233 a 255 do Cdigo Civil.7 ~ 5. do art. 226 da Constituio Federal.303MARIA BERENICE DIASo, pelo divrcio ou pela morte. Ainda que, com referncia a tais ques-tes, seja necessrio o regramento legal, descabido tentar interferir naintimidade do casal, intromisso que ningum quer e de nada serve.3 UM QUERER LIMITADO Ainda que a lei imponha algumas restries para o casamento eestabelea certos impedimentos, ao menos um deles se mostra de tododescabido: presumir a incapacidade para as mulheres a partir dos 50 anos epara os homens a contar dos 60 anos, impondo a obrigatoriedade do regimede separao de bens.8 Identificada como norma de ordem pblica denatureza protetiva isso quando da edio do Cdigo, nos idos de 1916 ,hoje tal dispositivo no resiste ao confronto com os mais elementaresprincpios que merecem proteo constitucional: o direito liberdade, igualdade e o respeito dignidade. Descabe restringir a capacidade de algumpelo mero implemento de determinada idade, limitao estabelecida deforma absolutamente aleatria to-s para impedir a prtica de um determi-nado ato. Ao depois, tal gera a possibi]idade do enriquecimento injustificadoao subtrair a presuno do estado condominial dos bens adquiridos navigncia do casamento. Finalmente, como dita limitao inexiste na unioestvel, o tratamento desigualitrio afasta a possibilidade de sua permann-cia no ordenamento jurdico. Felizmente vem a jurisprudncia afastandoessa restrio, tendo-a como no recepcionada pelo estatuto constitucional.4 UM QUERER CHEIO DE RESPONSABILIDADE O casamento parece ser o destino de todos os cidados, pois, comoafirma Srgio Resende de Barros, a sociedade humana no uma sociedadede indivduos, nem a sociedade politica uma sociedade de cidados, massim de famlias.98 O mc. II do att. 258 do CC mereceu abrandamento pela Smula 377 do STF: No regime deseparao legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constncia do casamento.9 BARROS, Srgio Resende de. A ideologia da famlia. Palestra proferida na X Jornada de Direitodc Famlia, promovida pelo IARGS, dia 01 .09.2001, em Porto Alegre-RS.304A ESTATIZAAO DAS RELAES AFETIVAS E A IMPOSIO DE DIREITOS... Celebrado o casamento, tem-se por constituda a famlia, a qual setransforma na base da sociedade, passando a merecer a especial ateno doEstado.l Apesar de a Constituio assegurar assistncia famlia na pessoa decada um dos que a integram,11 e imposta famlia o dever de garantir, crianae ao adolescente, com absoluta primazia, todos os direitos que lhes soassegurados, bem como o dever de amparar as pessoas idosas. S emcarter secundrio tal dever atribudo sociedade, ou, em ordem sucessi-va, invoca da a participao do Estado de forma supletiva ou residual.12Ou seja, exime-se o Estado de seus deveres sociais, delegando-os famlia,sem garantir-lhe condies ou repassar-lhe recursos para o desempenho detais funes.Inconscientemente, vale-se o Constituinte da ideologia da fam-lia para assim desonerar o Estado ou ao menos compartir o nus de certas funes pblicas e deveres socais, para cujo desempe-nho e adimplemento a grande maioria das famlias brasileiras notm recursos econmicos, nem outras condies~135 UM QUERER SEM FIM Outorgados tantos privilgios famlia e atribuindo-lhe tambmtantas responsabilidades, o Estado s pode insurgir-se contra sua dissolu-o. Em um primeiro momento, o casamento era indissolvel e s podiaser desconstitudo pela anulao. Para isso, indispensvel a ocorrncia deerro essencial, ou quanto identidade ou quanto personalidade do outro.Fora disso, era possvel o rompimento do casamento apenas pelo desquite,que, no entanto, no o dissolvia, restando os cnjuges numa situao suigeneris. No mais eram casados, mas cessavam os deveres matrimoniais.Porm, o vnculo do casamento permanecia, o que impedia os desquitadosde buscarem reconstituir suas vidas mediante novo casamento. 10 Art. 226 da Constituio Federal. 11 ~ 8. do art. 226 da Constituio Federal. 12 Arts. 227 e 230 da Constituio Federal. 13 BARROS, Srgio Resende de. A ideologia da famlia, loc. eit.305MARIA BERENICE DIAS A Lei do Divrcio limitou-se a proceder a uma alterao exclusiva-mente terminolgica. O desquite passou a ser chamado de separao,com idnticas caractersticas, isto , rompe o casamento, mas no odissolve, fazendo-se necessrio, aps o decurso de um ano, volver viajudicial para transformar a separao em divorcio. Mesmo aps o advento da dissolvabilidade do vnculo do matrim-nio, continua no bastando a vontade dos cnjuges para se desvencilha-rem do casamento. Ainda que haja consenso das partes, mister queestejam casados h mais de dois anos para buscarem a separao. Somen-te depois do decurso de mais um ano que podem buscar a chancelajudicial para o reconhecimento do fim do casamento. De outro lado,mesmo de forma consensual, o divrcio s pode ser buscado se j estive-rem separados de fato h mais de dois anos. Curioso que, aps o decurso do prazo de um ano do fim da vida emcomum, se desinteressa o Estado em identificar e punir o responsvelpela separao. Antes de decorrido esse prazo, somente o cnjuge ino-cente pode buscar a separao, devendo atribuir e provar a culpa do ru:conduta desonrosa ou infringncia aos deveres conjugais, necessitandodemonstrar tambm que tais posturas tornam insuportvel a vida emcomum. Assim, cumulativas as causas para ser buscada a separao: almda prova da culpa, mister que o magistrado reconhea que o comporta-mento do ru tem o condo de inviabilizar a convivncia do par. Hoje, ainda que tal causa de pedir conste da lei, cada ve~ mais vaisaindo de cena o to[pico da culpat4 e vem a jurisprudncia auscultando amelhor doutrina e decretando a separao mediante a mera alegao dedesencontros e desentendimentos ou evidncia de personalidades distin-tas ou incompatibilidade de gnios. Diante da quantidade de regras impostas, pouco ou quase nadavale a vontade dos nubentes, o que permite concluir que o casamentono passa de um mero contrato de adeso, com clusulas, condies,regras e at posturas prvia e unilateralmente estabelecidas, e, pior, porquem no faz parte do contrato. Assim, mister reconhecer que se estdiante de um paradoxo. Para casar basta a mera manifestao da vontade14 RIBEIRO, Renato Janine. A famlia na travessia do milnio. Anais do II Congresso de Direito deFamlia. Belo Horizonte: DeI Rey, 2000, p. 19.306A ESTATIZAAO DAS RELAES AFETIVAS E A IMPOSIO DE DIREITOS...dos noivos, que, no mximo, podem, mediante pacto antenupcial, esco-lher o regime de bens que vigorar quando da dissoluo do casamento.6 MESMO NO QUERENDO No s em relao ao casamento ocorre a interferncia estatal navida afetiva das pessoas. Os vnculos de convivncia formados sem o selo da oficialidadeingressaram no mundo jurdico por obra da jurisprudncia, sob o nome deconcubinato. Essas estruturas familiares acabaram aceitas pela socieda-de, impondo que a Constituio Federal albergasse no conceito de enti-dade familiar o que chamou de unio estvel. Assumiu o Estado, noentanto, o encargo de promover sua converso em casamento, normaque, no dizer de Giselda Maria Fernandes Novaes Hirona/ea, a mais intil, Isde todas as inutilidades A legislao infraconstitucional que veio a regular essa nova espciede famliat6 acabou praticamente copiando o modelo oficial do casamento.Alm de estabelecer os requisitos para o seu reconhecimento, impedeveres e cria direitos. Assegura alimentos, estabelece o regime de bens,tnsere o convivente na ordem de vocao hereditria, institui usufruto econcede direito real de habitao. Aqui tambm pouco resta da vontade dopar, cabendo concluir-se que a unio estvel se transforma em um casa-mento por decurso de prazo. A exaustiva regulamentao da unio estvel a faz objeto de umdirigismo estatal no querido pelos conviventes. Tratando-se de relaesde carter privado, cabe questionar a legitimidade de sua publicizao. Assim, passou o Estado a regular no s os vnculos que buscam orespaldo legal para se constiturem, mas tambm os relacionamentos queescolhem seus prprios caminhos e que no desejam qualquer interferncia.A sexualidade, que da ordem do desejo, sempre escapar aonormatizvel, [conforme bem lembra Rodrtgo da Cunha Pereira] OEstado no pde mais controlar as formas de constituio das15 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Op. cit, p. 27.16 Leis 8.971, de 29.12.1984, e 9.278, de 10.05.1996.307MARIA BERENICE DIASfamlias... eia mesmo plural. O gnero famlia comporta vriasespcies, como a do casamento, que maior proteo recebe doEstado, das unies estveis e a comunidade dos pais e seusdescendentes (art. 226, CF). Estas e outras formas vm exprimira liberdade dos sujeitos de constiturem a famlia da forma quelhes convier, no espao de sua liberdade.7 No momento em que o formato hierrquico da famlia cedeu suademocratizao, em que as relaes so muito mais de igualdade e derespeito mtuo e o trao fundamental a lealdade, no mais existemrazes, quer morais, religiosas, politicas, fsicas ou naturais, que justifi-quem essa excessiva e indevida ingerncia do Estado na vida das pessoas. A esfera privada das relaes conjugais tende cada vez mais arepudiar a interferncia do pblico, no se podendo deixar de concluirque est ocorrendo uma verdadeira estatizao do afeto.7 BIBLIOGRAFIABARROS, Srgio Resende de. A ideologia da famlia. Palestra proferida na XJornada de Direito de Famlia, promovida pelo IARGS, dia 01 .09.2001,em Porto Alegre-RS.HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito civil: estudos. BeloHorizonte: Dei Rey, 2000.PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de famlia: uma abordagem psicana-litica. 2. ed. Belo Horizonte: Dei Rey, 1999.RIBEIRO, Renato Janine. A famlia na travessia do milnio. Anais do IICongresso de Direito de Famlia. Belo Horizonte: Dei Rey, 2000.17 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit., p. 55.3087A PRATICA DA MEDIAOEIiana Riberti NazarethPsicloga. Psicanalista do Instituto de Psicanliseda Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo.Terapeuta de Famlia e de Casal Mediadora.Coordenadora do Ncleo de Mediao do IBDFAM-SP.Membro da International Society of Family Law.Membro do Frum Mundial de Mediao._________________ Sumrio __________________1. Introduo. 2. O procedimento da mediao. 3. Etapas da mediao. 4. Concluso. 5. Bibliografia.1 INTRODUO Como este artigo versa sobre A Prtica da Mediao, penso ser tilapresent-lo de forma a mostrar como se d o procedimento passo-a-passo.Desse modo, o profissional que se interessa pela Mediao poder teruma noo de suas etapas de desenvolvimento. Desejo esclarecer tambm que muitos dos aspectos que abordo aseguir so mais aplicveis Mediao Familiar. A Mediao Comercial, por exemplo, se assemelha mais Concilia-o, algo com o qual os advogados, administradores de empresas e econo-mistas esto mais familiarizados. A Mediao Familiar tem sua especificidade, pois voltada con-duo de conflitos que envolvem nveis diversos de complexidade, emque o intrapsquico e o intersubjetivo exercem papis preponderantes. No entanto, cabe ressaltar, a Mediao se aplica a qualquer contex-to de relao humana: s relaes comerciais, como j dito, mas tambms de vizinhana, de comunidade, entre pases, etnias etc.309ELIANA RIBERTI NAZARETH Concebida como uma transdisc~blina, a Mediao utiliza conheci-mentos de vrias disciplinas, como a Psicologia, a Psicanlise, a TeoriaGeral de Sistemas, a Teoria do Conflito, o Direito, a Sociologia etc. Alm de coordenar o Ncleo de Mediao do IBDFAM/SP, faoparte do Programa de Fortalecimento da Mediao e da ArbitragemComercial no Brasil Banco Interamericano de Desenvolvimento, Con-federao das Associaes Comerciais do Brasil e SEBRAE , que tempor objetivo promover a cultura de paz entre nos.2 O PROCEDIMENTO DA MEDIAOLet us never negotiate out of fear,but let us never fear to negotiateJohn E. Kennec~y A Mediao pode ser concebida de duas maneiras: como tcnica ecomo procedimento. Gomo tcnica, pode contribuir com outros mtodosde conduo de conflitos, como a Conciliao e a Arbitragem, auxilian-do-os a melhor formular acordos ou solues mutuamente satisfatrioss partes em conflito. Como procedimento, sobretudo o modelo maiscomplexo que o da Mediao Familiar, tem fases que compem todoum processo, cujos passos abordarei mais adiante. Ainda como procedimento, pode ser aplicado a dois planos distin-tos de emergncia do conflito. O primeiro plano refere-se ao sistema de profissionais e consisteem o mediador trabalhar os conflitos suscitados na equipe dos que atuamcom as pessoas e famlias em crise. o que poderamos chamar de Media-o-suporte. O objetivo desenvolver nesses profissionais a habilidadee capacidade de compreenso e continncia emocional necessrias aoatendimento. Freqentemente h a produo na equipe de conflitos queguardam semelhana com o conflitos originais, isto , com os conflitosdaquelas famlias ou casais merecedores de ateno. Denominados con-flitos por procurao, so na maioria das vezes inconscientes. O segundo plano refere-se Mediao-direta, isto , quando omediador interfere diretamente nos sistemas em crise.310A PP~T~CA DA MED~AAO Pode ser global ou parcial, enfocando todos ou somente algunsaspectos de uma situao. Pode-se definir a Mediao como:Um mtodo de conduo de conflitos, voluntrio e sigiloso, noqual um terceiro neutro, imparcial, escolhido pelas partes eespecialmente capacitado, colabora com as pessoas que se en-contram em um impasse, para que restabeleam a comunicaoprodutiva, ajudando-as a chegar a um acordo, se esse for o caso. Pode incidir em qualquer momento da emergncia de um conflito.Pode ser paraprocessual ou no guardar relao alguma com o processojudicial. Destaca-se as seguintes vantagens e objetivos:Vantagens voluntria; rpida; consensual; evita a manuteno do conflito; facilita a comunicao do casal antes, durante e aps umaseparao; gera alternativas criativas; o mediador escolhido pelas partes, o que lhe confere maiorconfiana e credibilidade; acordos so construdos pelas pessoas; portanto, so mais dura-douros, pois atendem suas necessidades, evitando o apareci-mento das chamadas aes-filhotes.Objetivos Fomentar relaes mais harmoniosas dentro das condies possveis.Poder ser escutado e conseguir acertos referente a questes apa-rentemente inconciliveis resulta em alivio importante de an-gstia e sofrimento. De acordo com Ho/mes e Rahe (1967), odivrcio ocupa o segundo lugar no ranking dos acontecimentosestressantes. Antes dele, vem somente a morte do companheiro.Depois dele, vem a morte de amigos queridos e a prpria priso. Estimular a autodeterminao da famlia.311ELIANA RIBERTI NAZARETHEm um processo de separao, observa-se o alijamento cadavez maior das pessoas em relao a decises fundamentaisconcernentes s suas prprias vidas. Apurar melhor as responsabilidades parentais. Determinar dentro do melhor interesse da criana o que mais adequado.H os aspectos gerais desse princpio, porm h os especficos, queso derivados dos diferentes momentos da vida da criana e dos pais,de sua origem social, cultural, tnica e do tipo de famlia de origemde cada um dos genitores (que o que fornece os substratos para oexerccio das funes e papis paterno e materno). Em outraspalavras, a Mediao permite que sejam avaliadas e estabelecidas asmelhores condies de atendimento s necessidades da criana. Equilibrar os tempos.As pessoas possuem tempos diferentes de amadurecimento dodesapego, isto , evoluem diferentemente frente separao.Observa-se que quem pede a separao a elabora e amadurecemais rapidamente, pois, na verdade, a idia de separar-se est pre-sente em seu imaginrio muito tempo antes de ser verbalizada. Discriminar o que de ordem legal e o que de ordem emocional.Essas duas ordens se confundem nos momentos de crise. Mui-tos, quando se separam, alimentam a iluso de que ganhandouma ao estaro sendo ressarcidos dos prejuzos emocionaissentidos e temidos.Poder-se-ia ento dizer que a meta da Mediao fornecer ascondies mnimas para que as pessoas, em situao de crise,passem a operar de uma maneira mais madura. Assim, temos esquematicamente:META DA MEDIAO Funcionamento + Primitivo > Funcionamento + Maduro Inflexibilidade ~ Maleabilidade Desconfiana > Cautela Dominar ~ Ceder agora Benefcio Posterior Submisso * Concesses Culpa * Responsabilidade Ganhar * Negociar312A PRTICA DA MEDIAO3 ETAPAS DA MEDIAOA seguir, apresento os passos que compem as seis etapas daMediao.Etapa .~ Abertura Nesta etapa, o mediador explica s pessoas o processo da Media-o, seus objetivos e alcances. Mostra tambm suas vantagens e limites.Etapa 2: Apresentao das partes Aqui, o mediador procura mapear a situao. Quem so as pessoas?Traa o perfil dos indivduos,como chegaram mediao,quem mais est envolvido no conflito. Qual a queixa?Trazida?Encoberta?Traa o perfil do conflito. Qual a expectativa das pessoas?Em relao ao problema,em relao ao futuro,em relao s prprias vidas. Quais os objetivos das pessoas?A curto, mdio e longo prazos.Etapa 3: Levantamento de opes Nesta e nas duas etapas seguintes, torna-se de vital importncia opreparo tcnico do mediador, a fim de que possa no s criar um campopossvel de trabalho, mas estimular modificaes efetivas. Assim, recomenda-se ao mediador: Escuta dinmica (capacidade de amortecer/absorver impactos):Postura ativa,ouvir com ateno,respeito,receptividade,pacincia,sem pressa,313ELIANA RIBERTI NAZARETH sem julgamentos, sem pr-conceitos, avaliao. Colocar-se no lugar das pessoas: qual o sofrimento? Acreditar na capacidade de mudana das pessoas. Criar um clima propcio a trocas e discusses: no permitir ataques pessoais, transformar a surdez em pequenos interesses, no se deixar entreter por argumentaes. Estabelecer os reais interesses. Levantamento de opes propriamente dito: o que j tentaram, o que ainda no tentaram, o que gostariam de tentar.Etapa 4: Negociao O uso de determinadas tcnicas promove e agiliza a negociao deopes: micro-enfoque; perguntas esclarecedoras; redimensionamento do problema; desdramatizao; questionamento circular; refrasear; refletir; assinalar; inverter os lugares; convite a sugestes; transformar os pactos implicitos em acordos explcitos; promover condies para a consecuo de combinados pontuaisem cada entrevista.Etapa 5: AgendaLevantamento das prioridades e possibilidades de consecuo notempo.Etapa 6: FechamentoConcluso do processo, confeco do acordo, se existir, e retomadado caso pelos advogados para o adequado encaminhamento jurdico.314A PRTICA DA MEDIAO4 CONCLUSO Alm do preparo tcnico e pessoal do profissional, suas atitudesinfluenciam a conduo e o resultado do processo. Tais atitudes depen-dero em grande parte da profisso de origem e do tipo de mediador quese queira e se possa ser. Observa-se que os advogados costumam intervir mais, enquantoque psiclogos intervm menos. Uma experincia que tem obtido bonsresultados a da co-mediao, em que um advogado e um psiclogoatuam juntos. Porm, independentemente das peculiaridades, talentos e forma-o do mediador, na Mediao Familiar seu objetivo deve visar a trans-formao do conflito, sem o qu o procedimento perde em eficacia a) Dessa maneira, o profissional estar apto a: conduzir o processo e no as escolhas; estimular acordos participativos; 1) usar os aspectos transferenciais e contra-transferenciais do aqui-,e~.e-agora da entrevista para promover a construo de um relacio-namento diferente daquele que tiveram anteriormente com pro-fissionais ou entre eles mesmos; reformular e reorganizar a comunicao; estimular a busca de novos significados para o conflito; promover o aparecimento de emoes novas: tristeza e pesar, afim de que o luto pelas perdas possa ser postenormente elaborado.5 BIBLIOGRAFIAHOLMES, T; RAHE, H. The social readjustment rating scale. Journal ofP~ychosomatic Research, 1967, v. 11.FARINHA, A. H. L.; LAVADINHO, C. Mediao famili ar e responsabilida-des parentais. Coimbra: Livraria Almedina, 1997.3158A POLTICA PBLICA DA MEDIAOE A EXPERINCIA BRASILEIRAguida Arruda BarbosaAdvogada especialista em Direito de Famlia.Diretora da Comisso de Mediao do IBDFAM.Professora de Direito de Famlia e Mediao Familiarno IMES Instituto Municipal de Ensino Superiorde So Caetano do Sul (SP). Membro da FdrationInternationale des Femmes des Carrires Juridiques._________________ Sumrio __________________1. A histria da mediao no Brasil. 2. Tendncia norte-america-na. 3. Tendncia europia. 4. Mediao familiar interdisciplinar.5. O pioneirismo da experincia brasileira Projeto de Lei daMediao. 6. MEC Normatizao do padro de excelnciado curso de direito. 7. Concluso. 8. Bibliografia.1 A HISTRIA DA MEDIAO NO BRASIL Em outubro de 1995, em So Paulo, o extinto IBEIDF (InstitutoBrasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Famlia), que exer-ceu importante papel no desenvolvimento da construo de uma teoriamoderna na abordagem dos conflitos familiares, tomou a iniciativa deinstituir uma comisso temtica para estudo da Mediao Familiar. Esse fato histrico foi o marco inicial de sistematizao dos estu-dos da Mediao Familiar no Brasil. Profissionais de Direito, Psicologia,Servio Social, Medicina, Psicanlise etc. reuniram-se e formaram umacomissao multidisciplinar e multiprofissional, que chegou a contar com aparticipao de cerca de trinta pessoas.317GUIDA ARRUDA BARBOSA Os integrantes da comisso realizavam reunies semanais paraexposio de textos, relatos de casos e troca de experincias, comenta-vam e recomendavam leituras. Enfim, abria-se um espao para comparti-lhamento de idias e ideais. Em decorrncia do rpido desenvolvimento do projeto, foi promo-vido um evento na PUC-SP cursos de Direito e Psicologia em parceriacom o IBEIDF, com o propsito de divulgar os primeiros resultadosdaquele importante trabalho de pesquisa. Logo outras instituies repre-sentativas das profisses jurdicas, como a AASP (Associao dos Advo-gados de So Paulo) e IASP (Instituto dos Advogados de So Paulo),interessaram-se pelo movimento. Em seguida, o tema mediao foiinserido nos cursos de Direito de Famlia, ministrados pelas mencionadasinstituies. Em 1997 o IBEIDF brinda a Mediao Familiar com substanciososeventos. Em fevereiro, lanada a obra coletiva Direito de Famlia e CindasHumanas Cadernos de Estudos n. 1, publicando o primeiro texto jurdicosobre Mediao Familiar1 no Brasil. Outros eventos estenderam-se durante o mesmo ano, com a inicia-tiva de convidar trs mediadores estrangeiros para virem ao Brasil eministrarem cursos de formao de mediadores: Pedro Herscovici e EduardoJos Cardenas, da Argentina, e Claude de Don/eer, da Frana. Os cursos ministrados pelos mediadores estrangeiros trouxeramparticipantes de outros Estados brasileiros, vindo a tornar reconhecida-mente nacional a iniciativa paulista do IBEIDF, na implantao da media-o familiar. A comisso temtica logo concluiu que a mediao agrupava duastendncias bem definidas. Uma, proveniente da Argentina, que, por sua vez,refletia a experincia norte-americana desenvolvida desde a dcada de 1960,portanto, j amadurecida naquele pas. Outra, a vertente europia, comcaractersticas muito diferenciadas do modelo norte-americano.1 BARBOSA, guida Arruda. O direito de famlia e a mediao familiar. Inserido na obracoletiva Direito de Famlia e Cincias Humanas. Caderno de Estudos n. 1. Jurdica Brasileira, Silo Paulo,1997, p. 23-32.318 A POLTICA PBLICA DA MEDIAO E A EXPERINCIA BRASILEIRA2 TENDNCIA NORTE-AMERICANA Nos Estados Unidos, a mediao desenvolveu-se com o objetivo desatisfazer a necessidade de aliviar o Judicirio, cada vez mais sobrecarrega-do pela crescente demanda judicial. Assim, sob o enfoque de negociao, amediao encontra em Harvard a fundamentao terica que a conceituacomo um modo de resoluo de conflitos. O objetivo focaliza-se no acordoentre as partes, afastando qualquer preocupao com as causas subjacentesdo impasse. Logo, no h preocupao com o carter preventivo. Sob tais aspectos, a mediao norte-americana apresenta-se comocircuito derivado tendente ao aperfeioamento do acesso justia,decorrente da exploso do contencioso. Coincide, justamente, com atendncia mundial de criao de instncias de conciliao e arbitragempara todas as causas. A excluso das de pequeno valor da apreciao dasinstncias superiores logo mereceu crticas, pois as chamadas pequenascausas passaram a ser tratadas como justia de segunda classe ou umanova forma de controle social. Diante do alto custo do acesso justia, nos Estados Unidos, oscidados aderem, rapidamente, via intitulada ADR Alternative DisputeResolution, que se apresenta como uma alternativa rpida e econmica, naqual foi inserida a mediao.3 TENDNCIA EUROPIA A outra vertente dos estudos da mediao familiar estava atreladaao modelo europeu. Na metade da dcada de 1980, franceses interessados nas experin-cias norte-americanas tiveram a iniciativa de estudar a mediao noCanad, pas que, pela facilidade da proximidade geogrfica aos EstadosUnidos e pelo acesso dupla lingua oficial ingls e francs realizouuma mediao entre o continente americano e o europeu. Assim, com asdevidas adaptaes, comea a ser construdo um modelo inicialmentefrancs, mas que logo se torna um modelo europeu de mediao.319GUIDA ARRUDA BARBOSA A prtica da mediao familiar na Frana foi enraizada e estruturadasob o enfoque da interdisczjilinaridade, afastando-se, assim, do conceito demediao consagrado nos Estados Unidos de resoluo de conflitos paraconstruir um conceito prprio, pautado na trasformao do conflito. A divergncia no conceito, entre as duas marcadas tendncias damediao, est na origem do movimento. Enquanto nos Estados Unidosa mediao correspondia a uma resposta capaz de desafogar o Judicirio,na Frana teve a sua origem na cole des Parents e no Conseil Congugal etFamilial, institutos que se aperfeioaram a partir do desenvolvimentoterico da mediao familiar.4 MEDIAO FAMILIAR INTERDISCIPLINAR A diferena essencial entre as duas vertentes centra-se no mbitode abordagem do tema. Enquanto a busca de resoluo de conflitos possuinatureza unidisciplinar (sistema de um s nvel e um s objetivo), a transjbr-mao de conflito essencia]mente interdisciplinar, pois se define como axio-mtica comum a um grupo de disciplinas conexas e definida no nvel hie-rrquico imediatamente superior, introduzindo-se noo de finalidade. Registre-se, porm, a forte tendncia que, freqentemente, se estabe-lece entre interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade.Inicialmente, releva considerar o conceito de disciplinaridade como:Explorao cientfica especializada de determinado domniohomogneo de estudo, isto , o conjunto sistemtico e organiza-do de conhecimentos que apresentam caractersticas prpriasnos planos do ensino, da formao, dos mtodos e das matrias;esta explorao consiste em fazer surgir novos conhecimentosque se substituem aos antigos 3 Assim, como doutrina, ensina Hilton Japiassu: a multidisczblinaridade uma gama de disciplinas adotadas simultaneamente, abstradas das tela-2 JAPIASSU, Hiiton. Interdisciplinaridade epatelo,gia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 71.320 A POLTICA PBLICA DA MEDIAO E A EXPERINCIA BRASILEIRAes existentes entre si. A pluridisc~~linaridade, ao contrrio, caracteriza-sepela justaposio de diversas disciplinas situadas geralmente no mesmonvel hierrquico e agrupadas, mantendo-se as relaes existentes. Em sntese, nica semelhana entre multidisplinaridade e pluridis-ciplinaridade est no agrupamento disciplinar, enquanto a diferena marcada pela existncia, ou no, de cooperao. Um exemplo tpico de pluridisciplinaridade pode ser explicitadopela atuao do servio tcnico de psicologia e servio social no PoderJudicirio. O juiz requer estudos de outras disciplinas que iro cooperarcom a aplicao do Direito. Cada profissional independente para atuarno campo de sua disciplina de especializao, sem que haja, porm, acoordenao de um sobre os demais. Neste passo cabe registrar a freqente confuso que se faz quanto percepo do conceito de mediao familiar. Muitos profissionais decla-ram-se mediadores porque atuam com a multidisciplinaridade, o que,evidentemente, no basta. A exemplo, no Brasil h instituies srias queacreditam e declaram realizar mediao familiar, porque o atendimentoao cliente feito por advogado e psiclogo ou asistente-social, simulta-neamente. Claro que essa forma de abordagem da pessoa em estado desofrimento louvvel, ampliando, em muito, a qualidade de atuaoprofissional. Entretanto, no se trata de mediao, visto que esta temcontedo interdiczplinar, e no meramente multidisc~plinar. O conceito de interdisciplinaridade envolve maior complexidadepor se tratar de neologismo que traduz um significado ainda no inteira-mente sintetizado pela compreenso universal. Na Blgica, por exemplo, considerada interdisciplinar a relao entre Direito Penal e DireitoCivil. J na Frana, h uma forte tendncia a se considerar interdisciplinara relao entre disciplinas com diferentes mtodos de observao domesmo fenmeno. No Direito de Famlia francs, por exemplo, h uma coordenaohierrquica rigorosa e uma cooperao sistemtica entre Psicanlise eDireito, com a finalidade de construo de um Direito de Famlia maisaberto, com a compreenso das qualidades intrnsecas das relaes fami-liares. Essa viso moderna do conceito de famlia s foi tornada possvelcom a implantao da interdisciplinaridade no estudo desse campo doconhecimento.321GUIDA ARRUDA BARBOSA A interdisciplinaridade3 decorrente dos tempos atuais e resultante doestgio em que se encontra a teoria do conhecimento cientfico. Para Japiassu2Constitui importante instrumento de reorganizao do meiocientfico, a partir da construo de um saber que toma poremprstimo os saberes de outras disciplinas, integrando-os numconhecimento de um nvel hierarquicamente superior. Enfim, em elogivel aporte de Ldia Almeida Prado,4 a interdis-ciplinaridade amplia a potencialidade do conhecimento humano, pelaarticulao entre as disciplinas e o estabelecimento de um dilogo entreos mesmos, visando construo de uma conduta epistemolgica. importante destacar que se trata de conduta individual, e nocoletiva, como acreditam alguns que confundem o conceito de interdisci-plinaridade com pluridisciplinaridade e multidisciplinaridade. A produo de conhecimento interdisciplinar oriunda da adoode uma atitude individual, construda com suporte na observao e nacooperao com outros saberes. Para tanto, fundamental desperte nopesquisador uma nova manifestao de inteligncia e uma nova pedago-gia, opondo a extrema especializao propedutica interdisciplinar. Assim, para compreender a mediao familiar interdisciplinar preciso adotar uma atitude corajosa de despojamento de conceitos e pre-conceitos j ultrapassados, pois trata-se de uma atitude ousada de amplia-o do conhecimento.5 O PIONEIRISMO DA EXPERINCIA BRASILEIRA -PROJETO DE LEI DA MEDIAO Numa atitude ousada, em busca de um conhecimento a partir datica interdisciplinar, coube a um grupo de pesquisadores brasileiros,5 o3 JAPIASSU, Hilton. Op. cit., p. 18.4 ALMEIDA PRADO, Ldia. Apontamentos de aulas ministradas no Curso de Ps-Graduao daFaculdade de Direito da Universidade de So Paulo, 2001.5 O Projeto de Lei que institui a medialo de autoria da advogada e mediadora AguidaAmdaBarbosa, Desembargador do TJSP Antonio Cesar Pe/uso, das Psicanalistas e mediadoras E/lana322 A POLTICA PBLICA DA MEDIAO E A EXPERIENCIA BRASILEIRApioneirismo da iniciativa de construo de um projeto de lei que institui amediao familiar. A inspirao que se prestou de mbolo a essa iniciativa foi o estudoda insero da mediao no Cdigo de Processo Civil da Frana, querecepcionou o instituto em reforma processual de 8 de janeiro de 1995.No ttulo II Disposies de Procedimento Civil, a Primeira Parte6intitula-se A Conciliao e a Mediao Judiciarta A experincia francesa revelava que a instituio legal da mediaoprestava-se a conceitu-la, permitindo, a partir da, que se organizassecomo prtica social que permeia o Judicirio, garantindo as prerrogativasde cidadania. Iniciava-se, assim, a trajetria de um projeto de lei brasileira demediao, norteado pelo modelo europeu. Em dezembro de 1998 a Depu-tada Zulai Cobra Ribeiro adotou aquele estudo, dando origem ao Projetode Lei 4.827/98, que j t