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G N A R U S | 13 Pesquisa A AMPLIAヌテO DO CONCEITO DE ELITE NA HISTORIOGRAFIA PモS-MODERNA Por Rodrigo Amaral o ano de 1753 Dona Antonia Roiz Pedroza ditava suas vontades em testamento. Começava contando ter recebido uma estranha mercê de Deus quando se encontrava: “(...) molestada na cama de enfermidade que Deus me fez mercê, e temendo as contas que lhe hei de dar, estando em meu perfeito juízo (...) temendo as pessoas do inferno que por minhas culpas mereço das quais Deus pela sua divina misericórdia me livre.” 1 Encomendava sua alma a Deus e a alguns santos, rogava a potentados locais que fossem seus testamenteiros e distribuía – como de costume para pessoas de sua posição – boa quantidade de bens e dinheiro para assegurar missas em favor de sua alma que lhe afastasse das pessoas do inferno. Os receptores iam desde “todos os padres que houver na terra” até a 1 São Tomé, Cx. 20 doc. 48. Igreja de Santo Antonio, na Ilha do Príncipe. Dona Pedroza Declarava ser natural da Ilha de São Tomé e não possuía herdeiros, apesar de ter sido casada três vezes e ao ditar suas vontades estar unida a Miguel de Souza Friz. Mas o que chama atenção neste testamento é a mobilidade social que as vontades da testadora promoveu. Passariam da condição de escravos a libertos dez mancípios: Maria Valério, Maria Benin, Maria Salvador, Martinho, Marcos, Antonia, Jorge e sua mãe, Agostinha e sua filha; Transferia a posse de dezoito escravos a afilhadas, pardas, pardinhos e a Domingos Friz. O testamento demonstra também o poder de Dona Antonia Pedroza e sua capacidade de organização da vida de seus outrora dependentes. Altiva, declarava que se Catherina Goular: “quiser haver alguma coisa do meu casal, os meus Testamenteiros obrigarão a trazer tudo pertencente ao seu, para deles haver partilha, na forma das Ordens de Sua Majestade e não sendo N

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Pesquisa

A AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE ELITE NAHISTORIOGRAFIA PÓS-MODERNA

Por Rodrigo Amaral

o ano de 1753 Dona Antonia Roiz Pedroza ditavasuas vontades em testamento. Começava

contando ter recebido uma estranha mercê de Deusquando se encontrava:

“(...) molestada na cama de enfermidadeque Deus me fez mercê, e temendo as contasque lhe hei de dar, estando em meu perfeitojuízo (...) temendo as pessoas do inferno que porminhas culpas mereço das quais Deus pela suadivina misericórdia me livre.” 1

Encomendava sua alma a Deus e a alguns santos,rogava a potentados locais que fossem seustestamenteiros e distribuía – como de costume parapessoas de sua posição – boa quantidade de bens edinheiro para assegurar missas em favor de sua almaque lhe afastasse das pessoas do inferno. Os receptoresiam desde “todos os padres que houver na terra” até a

1 São Tomé, Cx. 20 doc. 48.

Igreja de Santo Antonio, na Ilha do Príncipe. DonaPedroza Declarava ser natural da Ilha de São Tomé enão possuía herdeiros, apesar de ter sido casada trêsvezes e ao ditar suas vontades estar unida a Miguel deSouza Friz. Mas o que chama atenção neste testamentoé a mobilidade social que as vontades da testadorapromoveu. Passariam da condição de escravos alibertos dez mancípios: Maria Valério, Maria Benin,Maria Salvador, Martinho, Marcos, Antonia, Jorge e suamãe, Agostinha e sua filha; Transferia a posse dedezoito escravos a afilhadas, pardas, pardinhos e aDomingos Friz.

O testamento demonstra também o poder de DonaAntonia Pedroza e sua capacidade de organização davida de seus outrora dependentes. Altiva, declarava quese Catherina Goular:

“quiser haver alguma coisa do meu casal, osmeus Testamenteiros obrigarão a trazer tudopertencente ao seu, para deles haver partilha, naforma das Ordens de Sua Majestade e não sendo

N

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assim os meus ditos Testamenteiros que as terãotoda a minha fazenda em defesa, porque deoutra sorte não quero que coisa minha vá parasua casa”.2

Catherina Goular que anteriormente recebeu umadiantamento de Dona Antonia aparece numa listapopulacional de 17713 da Ilha do Príncipe casada como português e Sargento Mor Francisco Joaquim, donode 180 escravos. Estranhamente Dona Antonia RoizPedroza declarava como dito acima, não possuirherdeiros.

Dos agraciados com escravos, Quitéria Roiz Pedrozarecebia sete. Esta, 18 anos depois estava casada com o“Pardo legítimo” Manoel Coelho Monteiro, dono de 26cativos. O pardo ilegítimo Joaquim Roiz recebia doismoleques, e em 1771 ainda contava com dois escravossendo anotado na lista populacional como “Ajudante”.À parda Catherina Roiz Pedroza deixava três escravos.Na lista de 1771 esta aparece casada com AntonioAlberto Ferreira, natural da Bahia. Os três escravoshaviam sido prometidos quando de seu casamento. Noano de 1771 o casal somava seis mancípios.

As doações e as imposições sobre as mesmaspretendiam colaborar para organizar a vida dosreceptores, e ao cruzar as vontades de 1753 com osdados de 1771 observa-se que a partilha dos bens datestadora colaborou para pardos, pardinhos e afilhadosentrarem no mercado matrimonial com algumadistinção. Ao herdar escravos e sobrenome algumas dassuas pardinhas se casaram, inclusive com portuguesesou luso-brasileiros.

O pardo legítimo Manoel Coelho Monteirodeclarava em 1755:

“Recebi da mão do Sargento Mor AntonioFriz de Castro como Testamenteiro da DefuntaDona Antonia Roiz Pedroza sete Escravos e ametade da Roupa do seu uso, que a dita defuntadeixou a minha mulher Quiteria Roiz Pedroza, epor ter recebido e estar entregue, passei este pormim feito e assinado para clareza do dito. Ilha doPrincipe, 11 de Janeiro de 1755.”4

2 São Tomé, Cx. 20 doc. 48.3 "Lista dos moradores Brancos, Pardos e Pretos Forros, e Captivosque há na única Freguesia, e Matriz da Virgem Nossa Senhora daConceição desta Cidade de Santo Antonio da Ilha do Principe."AHU - S.Tomé - cx 13 - doc. 4.4 São Tomé, Cx. 20 doc. 48.

O testamento de Dona Antonia pressupunha umasituação interessante para a escrava Maria Benin, queficara forra, “por que tinha já comprado sua pessoa”,mas se Maria quisesse “comprar alguma de suas Negraso podia fazer”. Tal situação aponta para uma hierarquiadentro daquela senzala: Escravos continuavamescravos. Escravos se tornavam forros. Forros setornavam senhores de escravos. Tudo isto costuradopor alianças entre senhora e cativos. Marcos, porexemplo, ficaria forro, mas entre as condições paratanto estava a de se casar com a também alforriadaAntonia. No ano de 1754 os escravos foram avaliados edevidamente alforriados.5

Há neste testamento, mais que uma circulação debens, mas uma circulação de valores e de símbolos deprestígio. O nome Roiz Pedroza que alguns forrospassariam a ostentar marcaria sua nova posição nasociedade, uma mudança de condição de escravos a

5 “Luis Carneiro de Siqueira desta Ilha do Príncipe, nela Escrivão dojuízo eclesiástico em toda esta mesma, certifico e dou minha inteirae verdadeira Fé que revendo o inventário dos bens da defunta DonaAntonia Rodrigues Pedroza e nele achei os escravos que a ditadefunta deixou no seu testamento por forros com as avaliaçõesseguintes = um negro crioulo por nome Marcos avaliado emquarenta mil reis = um negro velho crioulo por nome Martinhoavaliado em trinta mil reis = um negro sapateiro por nome Jorgecrioulo avaliado em cinqüenta mil reis = uma negra maior por nomeMaria Salvador, avaliada em vinte e cinco mil reis = uma negra deMaior por nome Maria Benin avaliada em quinze mil reis = umanegra arda por nome Agostinha avaliada em trinta e cinco mil reis =uma molequinha filha da dita por nome Leonor crioula avaliada emdezoito mil reis = uma negra de maior por nome Domingas avaliadaem quinze mil reis = uma negra por nome Antonia Feliciana avaliadaem trinta e cinco mil reis = uma negra crioula por nome MariaValerio avaliada em trinta mil reis; que tudo faz a soma e quantia deduzentos e noventa e três mil reis e o que me consta do ditoinventario com o qual me reporto a esta por me ser pedida erequerida e passei em cumprimento do despacho do reverendovigário sendo aos onze dias do mês de junho; de mil e setecentos ecinqüenta e quatro anos”. São Tomé, Cx. 20 doc. 48.

Ilustração de Jean Baptiste Debret.

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libertos, e para alguns de libertos a libertos donos deescravos.

No Rio de Janeiro, por volta de 1829 morriaDomingos Alves de Azevedo, sua esposa etestamenteira Tereza Maria do Bonsucesso, cuidavapara que suas vontades fossem respeitadas. Em uma desuas declarações afirmava que:

“deverá sair do monte [superior a 23 contosde réis] a quantia de 200$000 que foram dadospelo dito meu marido para a parda Adelaide filhade minha escrava Eva já falecida quando amesma se casasse e igualmente a quantia de100$000 que da mesma forma foram dados paraa parda Eugênia, irmã da dita Adelaide,conforme declara a verba do Testamento comque faleceu o dito meu marido.”6

Vemos aqui mais uma vez um senhor concedendo –e escravos conquistando – alforrias e herdando bens.No testamento, Domingos Alves declarava que “dosescravos que possuo se acham alguns forros” queapesar de não ter passado papel a elas “MinhaTestamenteira sabe muito bem quem são”.7 Ou seja, aquestão das alforrias e bens herdados daquele senhorpelos ex-escravos fazia parte de relações sociaisreconhecidas na comunidade. Reconhecidas a tal pontode promover algumas “das escravas que possuo” aentrar com algum dote no casamento, ou seja,promover a mesma a alguma distinção para ter boaschances no mercado matrimonial.

Outra declaração de Domingos Alves, esta feita em20 de fevereiro de 1828, aponta para o peso que aprestação de serviços dos subalternos tinha na escolhados futuros beneficiários de concessões:

“... e dado o caso que eu faleça na chácara,será assim meu corpo conduzido sendo possívelpelos meus escravos [ao todo Domingos possuía29, nem todos viviam na chácara, alguns serviamna cidade, na Rua da Misericórdia] e os que meconduzirem ficam logo forros e libertos comoque de ventre livre nascessem...”8

Os dois casos acima abordam hierarquias que seformavam seja na América portuguesa, seja em SãoTomé e Príncipe nos séculos XVIII e XIX. Apesar das

6 ANRJ, 1829, Cx.804, Nº 2.9557 Idem, ibidem.8 Idem, ibidem.

disparidades temporais e espaciais, os dois casos nospermite abordar o conceito de elite e discuti-lo à luz deuma revisão historiográfica sobre o conceito. Aplicandoa noção clássica de elite teríamos apenas Dona Antoniae Domingos Alves, podendo incluir no grupo apenas aesposa deste, Tereza Maria do Bonsucesso e o amásiodaquela Miguel de Souza Friz, como elites nas fontescoevas. Mas será que só mesmos os dois casais fazemparte deste grupo? Se ampliarmos a noção para odebate pós-moderno, pardinhas e pardinhos, escravos eescravas podem também fazer parte do grupo.Vejamos:

O historiador inglês Keith Jenkins afirma no seumanual de história 9 para o historiador do pós-modernismo que a história é um discurso cambiante,sempre em transformação e inspira: “mude o olhar,desloque a perspectiva, e surgirão novasinterpretações”.10 Mudar o foco da análise e deslocar aperspectiva gerou uma revolução na análise sobre ossubalternos na historiografia atual. Trabalhadores,camponeses, escravos, mulheres, forros, livres pobres eoutros grupos subalternos foram alçados nas últimasdécadas à categoria de atores sociais, o que significadizer que sua história tem sido contada, ou naperspectiva de Jenkins, interpretada por historiadores.Esta interpretação discorre sobre os significados dosatos destes homens e mulheres que viveram no passadoe o novo papel a que suas histórias foram alçadas.11

9 Chamo de manual pois o texto aborda uma discussão filosófica decomo se deve tratar a interpretação sobre o passado. Questão maisimportante para o ofício do historiador Cf: JENKINS, Keith. AHistória repensada. São Paulo, Contexto, 2001.10 Idem, p.35.11 Ver a este respeito as contribuições de E.P. Thompson. CF:THOMPSON, Edward. P. A formação da classe operária. A árvore daliberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987. THOMPSON, Edward

Casamento.Ilustração de Jean Batiste Debret

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A história das elites tratada no campo do direito,como ensina Hespanha, sofreu de uma “monotoniaformalista”, onde o poder era tratado no âmbito dasinstituições através dos homens que as dominavam.Posteriormente avançar-se-ia ao ponto de “dar rosto” aestes homens, mas a história das elites sofreria umsegundo problema, o de ser interpretado através domarxismo vulgar, onde o poder poderia serexemplificado na “luta de grupos”. É neste segundoaspecto que se encaixam os dois casais acima, masAntónio Manuel Hespanha explica que “a nova históriado poder” tem superado estas noções e encontrado oexercício do poder não somente entre os ricos,poderosos, burgueses, suseranos, homens-bons, reisetc. Com esta nova noção tem se problematizado oconceito de elite.12

Nesta nova abordagem atores sociais que nãogovernavam, não presidiam, não determinavam etc.mas que tinham liderança ou algum tipo deproeminência entre seus pares podem ser tambémdescritos como uma elite. No caso da escravidãomoderna já há trabalhos que tratam os forros comouma elite "vinda de baixo", dada sua escalada paracima na mobilidade social ou até mesmo escravos emmelhores condições que outros dentro da mesmaunidade produtiva sendo uma elite entre os própriosescravos.13

P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional.São Paulo: Companhia das Letras. 1998.12 HESPANHA, António Manuel. Governo, elites e competênciasocial: sugestões para um entendimento renovado da história daselites. BICALHO, Maria Fernanda Baptista & FERLINI, Vera LúciaAmaral. Modos de Governar: Idéias e práticas políticas no Impérioportuguês. Séculos XVI a XIX. São Paulo, Alameda, 2005. pp.39-45.13FERREIRA, Roberto Guedes. Pardos: trabalho, família, aliança emobilidade social. Porto Feliz, São Paulo, c. 1798 – c. 1850. Tese de

Para concluir, até mesmo autores queconsagradamente foram apontados como próceres doconceito clássico de elite merecem uma releitura comoé o caso de Freyre. Em seu clássico sobre a formação dacultura brasileira, Gilberto Freyre14 apresenta o escravode forma muito mais diversa do que já se afirmou.15 Enessa diversidade pode-se perceber um leque deocupações exercidas pelos negros16 no Brasil:

“O Brasil não se limitou a recolher da Áfricaa lama de gente preta que lhe fecundou oscanaviais e os cafezais; que lhe amaciou a terraseca; que lhe completou a riqueza das manchasde massapê. Vieram-lhe da África ‘donas de casa’para seus colonos sem mulher branca; técnicospara as minas; artífices em ferro; negrosentendido na criação de gado e na industriapastoril; comerciantes de panos e sabão; mestres,sacerdotes e tiradores de rezas maometanos(...)”.17

A diversidade em Freyre não pára por aí, é naquestão de gênero que ganha contornos mais nítidos,seja na vida mais suave das mucamas em relação aoshomens escravos do eito, seja na maior maldadefeminina no trato dos escravos: o chamado “sadismosdas sinhás”.18 Uma vida comparada não com a deescravos “mas de pessoas da casa. Espécie de parentespobres nas famílias Europeias”, levariam essasmucamas, além das amas de criar, dos irmãos decriação dos meninos brancos. Mas este trecho emFreyre, lido nas entrelinhas e não na sanha crítica(importante, mas muitas vezes mal lidas e exageradas)da democracia racial, apresenta uma diversidadeimpressionante através de seu olhar. E estas"pretalhonas enormes" podem mesmo ser vistas comouma elite entre os escravos, bem como os cativos deSão Tomé, no início deste paper que não só saíram da

doutorado. Programa de Pós-graduação em História Social,Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005; MACHADO, Cacilda.A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na produção dahierarquia social. (São José dos Pinhais – PR, passagem do XVIII parao XIX). Tese de doutorado. Programa de Pós-graduação em HistóriaSocial, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.14 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 43ª edição, Rio deJaneiro, Record, 2001. p.362.15 CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão noBrasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grandedo Sul. 2 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1977.16 Utilizo a palavra negro em itálico pois o que Freyre viu comonegro, eu vejo como africano e mais precisamente, mina, cabinda,angola etc. ou seus descendentes, para que não se confunda o queera ser negro no Brasil colonial com o significado de ser negroatualmente.17 Idem.p.365.18 Idem. pP.392-394.

Dama com escravos(Anônimo, Bahia, c. 1860)

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escravidão, mas saíram da escravidão com legadostestamentais do senhor do Rio de Janeiro ou da senhorasão-tomense.

“Quanto às mães pretas, referem astradições o lugar verdadeiramente de honra, queficavam ocupando no seio das famíliaspatriarcais. Alforriadas, arredondavam-se quasesempre em pretalhonas enormes. Negras a quese faziam todas as vontades: os meninostomavam-lhe benção; os escravos tratavam-nasde senhoras; os boleeiros andavam com elas decarro. E dia de festa, quem as visse, anchas eenganjentas entre os brancos de casa, havia desupô-las senhoras bem nascidas; nunca ex-escravas vindas da senzala.”19

Está aí uma nítida hierarquia entre os subalternos,diferenças que vão desde os escravos até as“pretalhonas enormes” que uma vez alforriadasostentariam honra entre os seus, marcando assim adiferença entre eles. Diferença já existente quandoeram escravas. O motivo destas diferenças, Freyremesmo explica: a “promoção de indivíduos da senzala àcasa-grande” seria resultado de “qualidades físicas emorais; e não á toa e desleixadamente”. Para subirnesta hierarquia a escrava seria escolhida pelo senhorentre “as melhores escravas da senzala”; Além dequalidades pessoais como asseio, beleza e força, Freyrecoloca que a questão do tempo seria um fatorpreponderante quando da escolha de ladinas e não deboçais.20

Em suma, o novo conceito de elite incorpora grupos,pessoas e famílias que antes eram vistos comosubalternos sem voz e sem lógica própria de atuaçãodada sua condição subalterna perante os poderososmembros das classes dominantes.21 Um dos grandesganhos da nova noção é vê-los exatamente na condiçãocontrária: com voz, com suas lógicas próprias deatuação e como utilizavam sua condição subalternapara obter ganhos dentro das normas da sociedade.

19 Idem, p.406.20 Idem, PP.406-7.21 MELLO E SOUZA, Laura. Os desclassificados do ouro: a pobrezamineira no século XVIII. Riode Janeiro: Graal, 1986.

Rodrigo Amaral: É Doutor em História pela UFRJ e Professordo departamento de História das Faculdades IntegradasSimonsen e da UCAM.

Para saber mais: