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1 RODAB: UM NOVO MODELO DE RUPTURA DE BARRAGENS BASEADO EM RESULTADOS EXPERIMENTAIS Mário J. FRANCA Mestre em Hidráulica e Recursos Hídricos, Laboratoire d’Hydraulique Environnementale – EPFL, 1015 Lausanne, Suíça, + 41.21.6932386, [email protected] Frank BRAUNSCHWEIG Meste em Gestão, Ecologia e Modelação dos Recursos Marinhos, Maretec - Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, +351.21.4239016, [email protected] António B. ALMEIDA Professor Catedrático, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura - Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, +351.21.8418150, [email protected] RESUMO: O hidrograma de cheia resultante da ruptura de uma barragem constitui uma condição de fronteira para modelos hidrodinâmicos de simulação de cheias deste tipo de acidente. Um estudo experimental da ruptura de barragens de enrocamento está a ser desenvolvido no laboratório do CEHIDRO (Instituto Superior Técnico). Este estudo pretende complementar a escassa informação sobre a ruptura por galgamento de barragens em enrocamento; alguns resultados preliminares fornecem pistas para a compreensão da sua fenomenologia. A partir do estudo experimental desenvolveu-se um modelo numérico intitulado RoDaB (Rockfill Dam Breaching). O RoDaB, inicialmente concebido para estruturas em enrocamento, é um modelo computacional simplificado (lumped model) que pode ser utilizado para qualquer tipo de barragem em aterro. Tem como resultado um hidrograma de cheia consistente e contínuo, apropriado para a utilização em modelos de propagação de cheias nos vales a jusante de barragens. O modelo RoDaB recorre a três metodologias: totalmente empírica; semi-racional e racional. A primeira abordagem baseia-se no conhecimento a priori dos parâmetros da brecha (geometria final, tempo de formação e tipo de evolução da brecha). A metodologia semi-racional requer o conhecimento da geometria final da brecha mas a sua evolução é controlada pela erodibilidade do material da barragem. Por fim, na abordagem racional, toda a simulação é baseada nas características de erodibilidade do material da barragem. A metodologia de cálculo é baseada nas equações de esvaziamento de uma albufeira ( reservoir routing) e numa equação de erosão da brecha. São apresentados resultados da calibração e simulação do modelo RoDaB para casos de estudo utilizando as três diferentes metodologias. O RoDaB tem um formato amigável de introdução de dados e de obtenção de resultados, permitindo a sua fácil e intensiva exploração a nível científico e a nível prático. PALAVRAS-CHAVE: ruptura de barragem; barragens de aterro; modelação da brecha; modelo computacional

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RODAB: UM NOVO MODELO DE RUPTURA DE BARRAGENS BASEADO EM RESULTADOS EXPERIMENTAIS

Mário J. FRANCA Mestre em Hidráulica e Recursos Hídricos, Laboratoire d’Hydraulique Environnementale – EPFL, 1015 Lausanne, Suíça, + 41.21.6932386,

[email protected]

Frank BRAUNSCHWEIG Meste em Gestão, Ecologia e Modelação dos Recursos Marinhos, Maretec - Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa,

+351.21.4239016, [email protected]

António B. ALMEIDA Professor Catedrático, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura - Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, +351.21.8418150,

[email protected]

RESUMO:

O hidrograma de cheia resultante da ruptura de uma barragem constitui uma condição de fronteira para modelos hidrodinâmicos de simulação de cheias deste tipo de acidente. Um estudo experimental da ruptura de barragens de enrocamento está a ser desenvolvido no laboratório do CEHIDRO (Instituto Superior Técnico). Este estudo pretende complementar a escassa informação sobre a ruptura por galgamento de barragens em enrocamento; alguns resultados preliminares fornecem pistas para a compreensão da sua fenomenologia. A partir do estudo experimental desenvolveu-se um modelo numérico intitulado RoDaB (Rockfill Dam Breaching). O RoDaB, inicialmente concebido para estruturas em enrocamento, é um modelo computacional simplificado (lumped model) que pode ser utilizado para qualquer tipo de barragem em aterro. Tem como resultado um hidrograma de cheia consistente e contínuo, apropriado para a utilização em modelos de propagação de cheias nos vales a jusante de barragens. O modelo RoDaB recorre a três metodologias: totalmente empírica; semi-racional e racional. A primeira abordagem baseia-se no conhecimento a priori dos parâmetros da brecha (geometria final, tempo de formação e tipo de evolução da brecha). A metodologia semi-racional requer o conhecimento da geometria final da brecha mas a sua evolução é controlada pela erodibilidade do material da barragem. Por fim, na abordagem racional, toda a simulação é baseada nas características de erodibilidade do material da barragem. A metodologia de cálculo é baseada nas equações de esvaziamento de uma albufeira (reservoir routing) e numa equação de erosão da brecha. São apresentados resultados da calibração e simulação do modelo RoDaB para casos de estudo utilizando as três diferentes metodologias. O RoDaB tem um formato amigável de introdução de dados e de obtenção de resultados, permitindo a sua fácil e intensiva exploração a nível científico e a nível prático.

PALAVRAS-CHAVE:

ruptura de barragem; barragens de aterro; modelação da brecha; modelo computacional

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1 INTRODUÇÃO

A presença de uma barragem num vale induz um factor de risco devido ao enorme potencial destrutivo que constitui o volume de água armazenado por esta. Não obstante a relativamente baixa probabilidade de acontecimento, a hipótese de se verificar uma cheia resultante de um acidente numa barragem, com efeitos devastadores, suscita o crescente interesse dos organismos responsáveis pela segurança e protecção civil e da comunidade técnico-científica, no sentido de estudar e planear soluções de prevenção e mitigação dos seus efeitos.

O hidrograma de cheia resultante da ruptura de uma barragem constitui a condição de fronteira de montante para só modelos hidrodinâmicos de simulação da onda de ruptura. Nas últimas décadas inúmeros estudos têm sido feitos com vista à previsão deste hidrograma que se podem dividir em dois grandes grupos: abordagens com recurso a dados de casos reais e a aproximações por regressão baseadas em características gerais da barragem e da albufeira - WAHL (2001) apresenta uma resenha completa acerca deste métodos; abordagens com recurso a métodos semi-analíticos estabelecidos a partir das leis físicas de esvaziamento da albufeira e da progressão da brecha - ver SINGH (1996). Modelos estocásticos têm também sido apresentados, nomeadamente por KAST e BIEBERSTEIN (1997). Em CADAM (2000) é referida a elevada dispersão de resultados obtidos na previsão dos hidrogramas decorrentes da ruptura de uma barragem como uma das maiores contribuições para a incerteza de todo o processo da análise de segurança dos vales a jusante de barragens. Estima-se uma incerteza de 50% nos resultados referentes ao caudal máximo escoado, e um valor ainda superior na previsão do tempo total de formação da brecha. SINGH (1996), BROICH(1999), CADAM (2000) e ALMEIDA (2001) são exemplos de textos de síntese de conhecimentos sobre a tecnologia de modelação de rupturas de barragem.

A maioria dos estudos publicados relativos à caracterização de brechas em barragens de aterro dizem respeito a estruturas em terra. Todavia, existem registo de vários acidentes com barragens de enrocamento; FRANCA e ALMEIDA (2004) apresentam uma compilação deste tipo de acidentes baseados em diversas fontes. Em 2001 teve início um estudo experimental (FRANCA, 2002) no laboratório do CEHIDRO (IST) visando o estudo do mecanismo de ruptura deste tipo de obras, a configuração final da brecha e o hidrograma efluente de uma ruptura por galgamento. Para tal foi construída uma instalação experimental para a realização de testes em modelos reduzidos.

O RoDaB é um modelo computacional, simplificado, para a simulação de ruptura por galgamento de barragens em aterro. O RoDaB (Rockfill Dam Breaking) foi inicialmente concebido para ser aplicado a barragens de enrocamento (FRANCA e ALMEIDA, 2004), tendo sido posteriormente adaptado para qualquer tipo de barragem em aterro. No entanto, é possível, para o caso de barragens em enrocamento, utilizar os resultados experimentais obtidos com os testes laboratoriais. O modelo é baseado numa metodologia simples de esvaziamento de albufeira (reservoir routing), tendo como condição fronteira de jusante a vazão na brecha que, por sua vez, é dependente da erosão da brecha. O RoDaB faz o cálculo da evolução da brecha recorrendo a três metodologias diferentes: i) totalmente empírica; semi-racional e racional. A primeira abordagem baseia-se no conhecimento a priori dos parâmetros da brecha (geometria final, tempo de formação e tipo de evolução da brecha). A metodologia semi-racional requer o conhecimento da geometria final da brecha mas a sua evolução é controlada pela erodibilidade do material da barragem, usando para tal uma equação de erosão de Exner adaptada. Por fim, na abordagem racional, toda a simulação é baseada nas características de erodibilidade do material da barragem (uma vez mais utilizando uma equação de erosão de Exner adaptada).

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O ambiente de utilização amigável e a facilidade de exportar os resultados (Figura 1), fazem do modelo RoDaB uma ferramenta atraente não só para a prática de engenharia mas também como instrumento de investigação em metodologias matemáticas para a simulação de rupturas de barragens. Neste texto apresentam-se, resumidamente os resultados experimentais para barragens em enrocamento e que poderão ser utilizados no modelo RoDaB; a metodologia de cálculo do RoDaB, incluindo as três diferentes abordagens, o processo de calibração e a aplicação do modelo.

Figura 1 Janela principal do programa RoDaB.

2 TESTES LABORATORIAIS

FRANCA e ALMEIDA (2002) apresentam os resultados do estudo experimental levado a cabo no CEHIDRO com recurso a modelos reduzidos de barragens de enrocamento com impermeabilização por meio de uma tela semi rígida a montante (Figura 2). Os modelos de barragem têm 0.50 m de altura, inclinações de ambos os paramentos de 1.0:1.5 (vertical: horizontal), 2.00 m de desenvolvimento do coroamento cuja largura é de 0.20 m. A escolha da granulometria do material da barragem (D50 = 18.9 mm, D0 = 9.52 mm) teve em conta a semelhança de Froude assumida para o estudo experimental .

Desenho sem escala

Albufeira Modelo de barragem

Transdutor de pressão

Medição contínuade caudal

Sistema de captaçãode imagam digital

Estabilizador do escoamento

Restituição

Ligação a PC Figura 2 Instalação experimental no laboratório do CEHIDRO (FRANCA e ALMEIDA, 2002).

Os seguintes resultados dos testes experimentais são apresentados e alguns deles poderão ser utilizados no modelo RoDaB como opção do utilizador, somente para o estudo de barragens em enrocamento:

- a configuração final da brecha tem uma forma parabólica com uma relação entre a largura no topo e a altura da barragem de cerca de 2,25, e entre a largura média e a altura da barragem de cerca de 1,70;

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- a deposição dos blocos de enrocamento a jusante trava o processo erosivo, limitando a profundidade da brecha a cerca de 80% da altura da barragem;

- o galgamento induz uma brecha inicial com uma largura da ordem de grandeza da altura da barragem;

- e evolução da brecha não é contínua, estando sujeita a escorregamentos no talude de jusante (passíveis de modelação com recurso a princípio geotécnicos de estabilidade de taludes) que o fragilizam e permitem a continuação do processo erosivo;

- a taxa de evolução da largura da brecha é inferior à taxa de evolução da soleira (cerca de 80%), verificando-se que nos instantes iniciais a brecha atinge uma largura da ordem de grandeza da largura final.

A Figura 3 mostra uma sequência de fotografias relativa a um dos testes com modelos reduzidos. São visíveis as diversas fases do teste, enchimento da albufeira, início do galgamento, erosão e desenvolvimento da brecha e finalmente estabilização da configuração da brecha.

Figura 3 Sequência de imagens de um dos testes com modelos reduzidos (FRANCA, 2002).

3 METODOLOGIA

3.1 Hipóteses de validade do modelo

O modelo RoDaB é válido para as hipóteses seguintes:

a ruptura da barragem é parcial e suficientemente gradual para serem desprezados os efeitos inerciais e ondulatórios respectivamente na carga hidráulica e na superfície livre da albufeira;

t = 0 s t = 120 s

t = 300 s t = 1 000 s

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a ruptura da barragem é induzida pelo galgamento desta não sendo considerados os fenómenos desencadeados por instabilidades ou arraste de material no interior do corpo da barragem resultantes do escoamento de percolação, nem eventuais deslizamentos decorrentes de instabilidades no talude de montante;

o regolfo pelas condições de jusante não influencia a vazão no canal formado pela brecha, pelo que não causa interferência na vazão da soleira.

3.2 Esvaziamento da albufeira

A versão mais ampla do modelo RoDaB segue os mesmo princípios apresentados por FRANCA e ALMEIDA (2004) para a versão inicial destinada a barragens em enrocamento. A simulação da albufeira é feita através de um modelo simples de balanço de volumes, baseado na equação da continuidade ou de conservação da massa, em que se admite que a superfície livre se mantém horizontal:

Q i − QB − QC =dVR

dt (1)

em que:

Qi – afluente à albufeira resultante do hidrograma de cheia; (m3s-1)

QB – caudal efluente através da brecha; (m3s-1)

QC – caudal efluente por galgamento do coroamento; (m3s-1)

VR – volume na albufeira; (m3)

t – variável tempo. (s)

A variação do nível da albufeira relaciona-se com a variação de volume armazenado através da curva de volumes da albufeira e, usualmente, esta relação é expressa em termos de uma constante denominada coeficiente dinâmico ou coeficiente de resposta dinâmica da albufeira λR. Este coeficiente dinâmico quantifica a rapidez de resposta da albufeira, no que respeita o nível de água, a variações de volume impostas nas fronteiras da albufeira, e é aplicado entre dois pontos da curva de volumes. Substituindo λR na Eq. (1):

λR Q i − QB − QC( )=dNR

dt (2)

em que:

NR – nível de água na albufeira; (m)

λR – coeficiente dinâmico da albufeira. (m-2)

Para que o modelo de esvaziamento da albufeira fique completo é necessário definirem-se formulações para o cálculo do caudal na brecha (QB) e sobre o coroamento (QC).

3.3 Caudal efluente por galgamento do coroamento

O caudal efluente sobre o coroamento da barragem é função da carga hidráulica sobre este, do comprimento de parte do coroamento galgado e do coeficiente de vazão do coroamento. Para o cálculo do caudal sobre o coroamento pode ser adoptada uma equação típica da vazão de soleiras descarregadoras:

QC = CC ′ L C 2g NR − NC( )1.5 (3)

em que:

CC – coeficiente de vazão do coroamento da barragem; (-)

L’C – comprimento do coroamento galgado; (m)

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NC – cota do nível do coroamento. (m)

Esta formulação é consistente com a hipótese de se desprezarem os efeitos inerciais nomeadamente os decorrentes da propagação de ondas na albufeira provocadas pela abertura “rápida” de uma brecha. Note-se que só se pode verificar caudal de galgamento num trecho da barragem quando o valor da cota do plano de água na albufeira for superior à cota do coroamento desse trecho. Para o cálculo do coeficiente de vazão sobre o coroamento, no caso de barragens em enrocamento, o RoDaB tem como opção a utilização da expressão apresentada por MARTINS (1981) definida para o galgamento de barragens de enrocamento, em função da carga hidráulica sobre o coroamento e da respectiva largura.

3.4 Caudal efluente pela brecha

SINGH e SCARLATOS (1988) afirmam, que de acordo com observações experimentais e dados de casos de estudo, o cálculo contínuo do caudal efluente pela brecha pode ser feito com uma equação de vazão de um descarregador semelhante à Eq. (3):

QB = CBWB NR − NB( )1.5 (4)

em que:

CB – coeficiente de vazão da brecha; (-)

WB – largura da brecha; (m)

NB – cota do fundo da brecha. (m)

COLEMAN et al. (1997) apresentou resultados experimentais para barragens feitas de material incoerente e sugeriu o valor de 1.3 para o coeficiente de vazão da expressão anterior. A utilização da Eq. (4) para o cálculo da vazão na brecha pressupõe um canal suficientemente largo para que se possa negligenciar a vazão das zonas junto à parede da brecha, onde o expoente da carga hidráulica é geralmente diferente de 1,5. SINGH (1996) sugere na descrição do modelo BEED que a vazão nas zonas junto às margens seja calculada em função da carga hidráulica elevada ao expoente 2,5. Em estudos futuros, a influência da submergência do canal constituído pela brecha, imposta por condições de jusante, deverá ser avaliada na vazão da brecha.

3.5 Início do processo de ruptura

O RoDaB permite ao utilizador a opção por quatro modos de iniciar o processo de formação da brecha:

definição de um valor crítico de caudal sobre a barragem, tal como sugerido por OLIVIER (1967) para barragens em enrocamento;

definição de um valor crítico de altura de água sobre o coroamento;

definição de um valor crítico de velocidade de escoamento sobre o coroamento, como sugerido por IZBASH e KHALDRE (1976) para enrocamentos;

definição de um valor crítico de altura de água sobre o coroamento utilizando a formulação de MARTINS (1981), só aplicável a barragens em enrocamento.

3.6 Modelo empírico de evolução da brecha

A formulação do desenvolvimento da geometria da brecha é simplesmente baseada na evolução de uma configuração inicial até um configuração final, ambas conhecidas. A a sua estrutura matemática é semelhante à apresentada por FREAD (1984):

NB(t) = NC −t

t B

ρN

hB (4)

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WB(t) = WBini +

tt B

ρW

WBfin − WB

ini( ) (5)

em que:

ρN – expoente de evolução do fundo da brecha (normalmente tomado igual a 1, evolução linear); (-)

tB – tempo de formação da brecha; (s)

hB – profundidade final da brecha. (m)

ρw – expoente de evolução da largura da brecha (normalmente tomado igual a 1, evolução linear); (-)

Existem diversas formulações empíricas para a estimativa dos parâmetros da brecha em barragens de aterro, geometria e tempo de formação (WAHL, 2001). Um exemplo comum de formulação matemática para estimar a configuração geométrica final da brecha é a metodologia apresentada por FROEHLICH(1987).

3.7 Modelo semi-racional de evolução da brecha

Na formulação semi-racional, a configuração final da brecha é ainda requerida como condição final da simulação da brecha, tal como no caso anterior. No entanto, a evolução da brecha é calculada de um modo intitulado racional, utilizando as seguinte equações de erosão para o desenvolvimento da largura e da cota do fundo da brecha:

dNB(t)

dt= −Cs,b

QB(t)β s,b

AB(t)β s,b (6)

dWB(t)

dt= −Cs,m

QB(t)β s,m

AB(t)β s,m (7)

em que:

Cs,b – coeficiente de erosão do nível da brecha; (-)

βs,b – expoente de erosão do nível da brecha; (-)

AB(t) – área da brecha; (m2)

Cs,m – coeficiente de erosão das margens da brecha; (-)

βs,m – expoente de erosão das margens da brecha. (-)

FRANCA e ALMEIDA (2004) referem que os coeficientes e expoentes de erosão apresentados são função da erodibilidade do material da barragem, podendo ser estimados a partir da sua curva granulométrica.

3.8 Modelo semi-racional de evolução da brecha

No denominado modelo racional , a evolução da geometria da brecha é calculada utilizando o mesmo procedimento apresentado anteriormente para o caso semi-racional. Neste modelo, não há qualquer limitação ao processo erosivo; a evolução da brecha está, in extremis, limitada fisicamente pela largura do vale e pela cota do fundo deste. A brecha desenvolve-se enquanto a capacidade erosiva do escoamento o permitir.

Esta formulação tem a vantagem de ser pouco dependente de parâmetros empíricos determinados com recurso a regressões a partir de casos observados. É apenas função das características geométricas da barragem, do seu material constituinte (parâmetros C e β), e do coeficiente de resposta dinâmica da albufeira.

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4 APLICAÇÃO DO MODELO

4.1 Introdução geral

O utilizador definirá à partida a metodologia a utilizar na simulação de desenvolvimento da brecha, tendo para tal que fornecer os parâmetros respectivos, além de todos os dados relativos às características da barragem e da albufeira. O RoDaB permite a análise de resultados de duas formas distintas: o utilizador pode utilizar um pós-processador incorporado no modelo para análise gráfica; ou então poderá exportar os dados para um ficheiro em formato do tipo xls que poderá ser editado numa folha de cálculo de utilização comum. O modelo RoDaB fornece séries temporais de dados respeitantes às seguintes variáveis:

caudal afluente;

nível de água na albufeira;

volume de água na albufeira;

caudal efluente sobre o coroamento;

caudal efluente pela brecha;

caudal efluente total;

nível da brecha;

largura da brecha.

Nesta secção do texto o modelo RoDaB é aplicado para o acidente de ruptura da barragem de Salles Oliveira no Brasil, ocorrido no ano de 1977. O empreendimento, destinado à produção de energia eléctrica, foi construída no ano de 1966, cerca de 10 km a jusante da barragem de Euclides da Cunha. A barragem de Salles de Oliveira foi galgada durante sete horas (PONCE, 1982) até que o caudal de cheia proveniente da ruptura da barragem de Euclides da Cunha despoletou a formação de uma brecha e consequente ruptura. O tempo de formação da brecha foi aproximadamente de duas horas. De acordo com SINGH (1996) o caudal máximo resultante da ruptura da barragem de Euclides da Cunha foi de 1.01x103 m3/s. Este valor é útil para a definição do hidrograma afluente à secção da barragem de Salles Oliveira. As características gerais da barragem de Salles Oliveira e os parâmetros da brecha são apresentados no Quadro 1:

Quadro 1 Características da barragem de Salles Oliveira e da brecha formada (SINGH, 1996) ___________________________________________________________________________________________________________________

Altura da barragem Comprimento do coroamento Volume da albufeira Largura da brecha Tempo de formação da brecha Caudal máximo ___________________________________________________________________________________________________________________

m m m3 m h m3/s ___________________________________________________________________________________________________________________

35 167 2.6x107 35 2 7200 ___________________________________________________________________________________________________________________

O modelo RoDaB foi aplicado para o caso de estudo da barragem de Salles Oliveira utilizando as três abordagens possíveis para o cálculo da evolução da brecha descritas anteriormente. A calibração do modelo nos três casos teve em conta os dados conhecidos acerca do tempo de formação da brecha e do caudal máximo de ruptura. A profundidade da brecha foi sempre considerada igual à altura da barragem. Considerou-se que a formação da brecha se inicia quando existe uma altura de 10 cm de água acima do coroamento. O coeficiente de vazão da brecha foi considerado igual a 1.30, tal como sugerido por COLEMAN et al. (1997).

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4.2 Resultados

Os parâmetros de erosão das equações (6) e (7) utilizadas no modelo racional e semi-racional, determinados após calibração do modelo, são Cs,b = 0.00032 e βs,b = 2.0. Estes valores correspondem à mesma ordem de grandeza dos parâmetros determinados em modelos semelhantes, nomeadamente o modelo BEED apresentado por SINGH (1996). Em termos de evolução da geometria da brecha, e até que no modelo semi-racional a evolução seja limitada pelo valor da largura da brecha final, os resultados são idênticos para ambos os métodos uma vez que seguem as mesmas leis, equações (6) e (7). Na metodologia puramente empírica, foi encontrado um valor de 3.5 para expoente de evolução tanto da largura como da cota do fundo da brecha, o que vai de encontro à hipótese comum em engenharia de uma evolução linear da brecha. As Figuras 4 e 5 mostram os hidrogramas efluentes total e através da brecha pelas três diferentes metodologias. São apresentados resultados para o método puramente empírico com um expoente linear, tal

como é vulgarmente utilizado na prática de engenharia.

Figura 4 Hidrograma efluente total calculado pelas diferente metodologias.

Figura 5 Hidrograma efluente pela brecha calculado pelas diferente metodologias.

Nas Figuras 6 a 8 são apresentadas as evoluções no tempo do nível de água na albufeira e da evolução dos parâmetros geométricos da brecha.

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Time (s)

Empirical model r = 1Empirical model r = 4Semi-rational modelRational model

ρ = 1ρ = 3.5

Modelo empírico ρ=1Modelo empírico ρ=3.5Modelo semi-racionalModelo racional

Tempo (s)

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Time (s)

Empirical model r = 1Empirical model r = 4Semi-rational modelRational model

ρ = 1ρ = 3.5

Modelo empírico ρ=1Modelo empírico ρ=3.5Modelo semi-racionalModelo racional

Tempo (s)

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Figura 6 Evolução da cota de água na albufeira.

Figura 7 Evolução da cota da brecha.

Figura 8 Evolução da largura da brecha.

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Empirical model r = 1Empirical model r = 4Semi-rational modelRational model

ρ 1ρ = 3.5

Modelo empíri co ρ=1Modelo empíri co ρ=3.5Modelo semi- racionalModelo racional

Tempo (s)

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Time (s)

Empirical model r = 1Empirical model r = 4Semi-rational modelRational model

ρ = 1ρ = 3.5

Modelo empíri co ρ=1Modelo empíri co ρ=3.5Modelo semi-racionalModelo racional

Tempo (s)

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Time (s)

Empirical model r = 1Empirical model r = 4Semi-rational modelRational model

ρ = 1ρ = 3.5

Modelo empírico ρ=1Modelo empírico ρ=3.5Modelo semi-racionalModelo racional

Tempo (s)

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Os resultados da metodologia racional mostram que, neste caso, não é a área da brecha que é condicionante para o valor do caudal máximo efluente. De facto, apesar de a largura da brecha continuar a aumentar após duas horas de simulação, o caudal diminui. De acordo com WALDER e O’CONNOR (1997) e FRANCA (2002), estamos então na presença de uma denominada pequena albufeira. No Quadro 2 são apresentados os principais resultados das quatro simulações realizadas: QP,B – caudal efluente máximo e tP – tempo de ocorrência do caudal máximo.

Quadro 2 Resultados de aplicações do RoDaB _____________________________________________________________________

QP,B tP ________ _______

m3/s h _____________________________________________________________________

Modelo empírico ρW=ρN=1 4575 2:00 _____________________________________________________________________

Modelo empírico ρW=ρN=3.5 7255 2:00 _____________________________________________________________________

Modelo semi-racional 7132 1:51 _____________________________________________________________________

Modelo racional 7260 1:51 _____________________________________________________________________

A Figura 9 é uma imagem do ambiente de trabalho amigável do modelo RoDaB, nomeadamente do pós-processamento de resultados de forma gráfica:

Figura 8 Apresentação de resultados do RoDaB.

5 CONCLUSÕES

A simplicidade da formulação na metodologia racional do modelo RoDaB, permite apenas a utilização de dois parâmetros determinados empiricamente e dependentes principalmente da granulometria do material constituinte da barragem. Futuros estudos deverão ser feitos de forma a obter uma gama razoável de variação dos parâmetros do tipo C e β por forma à aplicação do modelo fácil e expedita na prática de engenharia.

Os parâmetros do tipo C e β determinados para a barragem de Salles Oliveira correspondem à mesma ordem de grandeza dos parâmetros determinados em metodologias semelhantes por outros autores. A abordagem puramente empírica tem uma evolução com um expoente de 3.5 o que é contra as expectativas e a prática comum onde a evolução linear é de um modo geral utilizada.

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O ambiente de trabalho amigável do RoDaB permite a sua utilização expedita na prática de engenharia. Também permite a sua aplicação em análises sistemáticas de simulações de ruptura, para apoio ao estudo de metodologias matemáticas, puramente racionais e também à análise adimensional dos parâmetros envolventes na fenomenologia da ruptura de barragens.

Futuros desenvolvimentos deverão estabelecer uma gama de valores plausíveis dos coeficientes tipo C e β determinados com base em dados de casos de estudo e provenientes de testes experimentais em modelos à escala reduzida e em verdadeira grandeza.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (POCTI/ECM/2688/95).

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