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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO O DISCURSO SOBRE SAÚDE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA VISÃO SOBRE A PRODUÇÃO DE MATERIAIS EDUCATIVOS DE CIÊNCIAS PARA A REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO Rita Vilanova Prata Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

O DISCURSO SOBRE SAÚDE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA VISÃO SOBRE A PRODUÇÃO DE MATERIAIS

EDUCATIVOS DE CIÊNCIAS PARA A REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO

Rita Vilanova Prata

Rio de Janeiro 2007

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O DISCURSO SOBRE SAÚDE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA VISÃO SOBRE A PRODUÇÃO DE MATERIAIS

EDUCATIVOS DE CIÊNCIAS PARA A REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO

Rita Vilanova Prata

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de pós-graduação Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde.

Rio de Janeiro Fevereiro/2007

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Prata, Rita Vilanova. O Discurso sobre saúde na educação de jovens e adultos: uma visão sobre a produção de materiais educativos de ciências para a rede municipal de educação do Rio de Janeiro / Rita Vilanova Prata. - Rio de Janeiro, 2007. 110 f.: il.

Orientadora: Isabel Gomes Rodrigues Martins. Dissertação (mestrado) – UFRJ / NUTES / Programa de Pós- graduação em Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde, 2007. Referências Bibliográficas: f. 106-110 1. Linguagem. 2.Ensino de Ciências. 3. Educação de Jovens e Adultos. I. Martins, I.G.R. II. Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. III. O Discurso sobre saúde na educação de jovens e adultos: uma visão sobre a produção de materiais educativos de ciências para a rede municipal de educação do Rio de Janeiro

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O DISCURSO SOBRE SAÚDE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA VISÃO SOBRE A PRODUÇÃO DE MATERIAIS EDUCATIVOS DE CIÊNCIAS PARA A REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE

JANEIRO

Rita Vilanova Prata

Orientadora: Profª Drª Isabel Gomes Rodrigues Martins Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de pós-graduação Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde. Aprovada por:

____________________________________________ Presidente, Profª Drª Isabel Gomes Rodrigues Martins Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde/UFRJ ____________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Fleury Mortimer Faculdade de Educação/UFMG ____________________________________________ Profª. Drª. Branca Falabela Fabrício Faculdade de Letras/UFRJ

Rio de Janeiro Fevereiro/2007

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Dedico esta dissertação ao meu filho Tomás, que representa a principal razão da minha

existência e da minha esperança na Educação.

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AGRADECIMENTOS Ao Thiago, por compartilhar a esperança na Educação e pelas conversas diárias que me ajudam a olhar para o mundo. Obrigada pelo seu amor. Aos meus pais, Carlos e Maria, por sempre me apoiarem em minhas decisões, em todos os momentos da minha vida. Aos meus irmãos, Eduardo e Felipe, por estarem presentes em todos os momentos em que precisei. Ao amigo Marcio Menezes pela grande amizade que construímos, pelas conversas sobre os sentidos da pesquisa e pela ajuda na elaboração do abstract. À amiga Gabriela Góes, por todas as risadas, que fazem a vida parecer mais leve e pela amizade que já dura tantos anos. À Isabel Martins, orientadora deste trabalho, por estar sempre presente e disposta a dialogar. Obrigada pela formação humana que pude construir graças aos nossos encontros e leituras. Aos colegas Teo, Maíra, Aparecida, Rose e Andréa por compartilharem os anseios e aprendizagens, e por todos os momentos de descontração. Ao Professor Carmelo Brás de Carvalho, por ter me incentivado a participar da seleção para o mestrado, e agora para o doutorado, e ainda pela carta de recomendação ainda no processo de seleção para o mestrado. Ao Professor Luiz Paulo da Moita Lopes, pela avaliação do meu projeto de mestrado e pela participação como membro da banca. Obrigada pelo interesse em meu trabalho. Aos Professores Eduardo Mortimer, Branca Fabrício, e Vera Helena de Siqueira, por aceitarem participar da avaliação deste trabalho. Ao CNPq, pela bolsa de estudos concedida. À toda equipe do PEJA, especialmente à Flora Prata Machado e Maria Luiza Lixa, por toda a disponibilidade e abertura para a elaboração desta pesquisa. Aos professores que elaboraram o material analisado nesta investigação. Obrigada pela colaboração e disponibilidade.

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Se todos os rios são doces de onde tira sal o mar?

Como sabem as estações

que devem mudar de camisa?

Por que tão lentas no inverno e tão palpitantes depois?

E como sabem as raízes

que devem subir para a luz?

E logo saudar o ar com tantas flores e cores?

Sempre é a mesma primavera

a que repete seu papel?

Pablo Neruda

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RESUMO

PRATA, Rita Vilanova. O Discurso sobre Saúde na Educação de Jovens e Adultos: uma visão sobre a produção de materiais educativos de ciências para a Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Neste trabalho aspectos relacionados às aproximações entre a Educação em Ciências e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) foram problematizados, com objetivo central de compreender que discursos foram mobilizados na produção de textos que abordam temas de saúde para esta modalidade da educação básica. Para tanto, textos produzidos por professores de Ciências que atuam nesta modalidade da educação básica no município do Rio de Janeiro foram analisados sob a perspectiva da análise crítica do discurso, uma proposta teórico-metodológica na qual os textos são considerados produtos históricos e sociais, portanto heterogêneos, e em constante transformação de acordo com as relações que se estabelecem para a sua produção. As análises identificam elementos de intertextualidade e interdiscursividade e discutem aspectos referentes ao processo de produção textual, buscando caracterizar a forma com que outros textos foram mobilizados para a elaboração do material analisado. Com base nas análises realizadas são discutidas ainda a maneira como os diferentes discursos relacionados a esta produção constituem o texto e as relações entre estes e aspectos da atual conjuntura para a EJA. Os resultados da pesquisa apontam para a utilização de livros didáticos de Ciências como o principal recurso mobilizado para a produção de textos sobre saúde pelos professores de Ciências, o que sugere um movimento de adaptações de propostas para o ensino regular, especialmente no que diz respeito à contextualização dos conteúdos de ciências e à educação para a cidadania. No que tange a configuração do discurso sobre saúde nestes textos, os resultados apontam para o predomínio de elementos do discurso higienista, o que sugere que apesar da circulação de uma série de textos que vislumbram diferentes possibilidades de desenvolvimento dos temas de saúde na Educação de Jovens e Adultos, a abordagem com base neste discurso parece representar um domínio sobre as demais. PALAVRAS-CHAVE: EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS; ENSINO DE CIÊNCIAS; SAÚDE; TEXTOS

DIDÁTICOS; ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO

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ABSTRACT

PRATA, Rita Vilanova. O Discurso sobre Saúde na Educação de Jovens e Adultos: uma visão sobre a produção de materiais educativos de ciências para a Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

In this work we explore relationships between Science Education and Adult Education in an attempt to understand which set of discourses have been used on the production of Health related texts which appear in educational materials for this education modality elaborated by a group of science teachers from Rio de Janeiro. The investigation was conducted under the perspective of critical discourse analysis, a theoretical-methodological framework which takes texts to be historical and social productions and, consequently, heterogeneous and under constant transformation according to the interrelationships created for their production. In order to characterize the way in which other texts were used to construct such textbooks, we identify elements of intertextuality and interdircursivity and discuss some aspects of the process of text production. Based on textual analyses we identify how different discourses related to this production sum up to a single text and discuss their relation with the social aspects involved with this production. Our results suggest that school science textbooks represent the main source of ideas for the production of the educational materials analysed. Furthermore our analyses reveal that the texts analysed, include adaptations from established curriculum proposals designed for Elementary and Secondary school levels, especially through the emphasis on aspects concerning both the role of everyday matters in the contextualisation of science contents and teaching for citizenship. Finally we argue that Hygienistic discourses about health issues seem to prevail over the other discourses which constitute the materials analysed. KEYWORDS: ADULT EDUCATION; SCIENCE EDUCATION; HEALTH; TEXTBOOKS; CRITICAL

DISCOURSE ANALYSIS

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: trecho referente ao tema tratamento da água no material da EJA ............................. 61 Figura 2: seção sobre as estações de tratamento de água do material de referência ................ 62 Figura 3: Apresentação da classificação morfológica das bactérias ......................................... 74 Figura 4: Seção Bactérias nos alimentos .................................................................................. 76 Figura 5: Seção Bactérias que protegem .................................................................................. 77 Figura 6: Seção Bactérias “ecológicas” ................................................................................... 79 Figura 7: Seção Bactérias que causam doenças ........................................................................ 80 Figura 8: Seção Cianofíceas ...................................................................................................... 81 Figura 9: Seção reprodução e esporulação de bactérias ............................................................ 83 Figura 10: Texto de abertura e trecho da introdução da aula sobre nematelmintos .................. 90 Figura 11: Seção sobre ascaridíase ............................................................................................ 93 Figura 12: Seção sobre os nematelmintos ancilóstomo e necátor ............................................. 94 Figura 13: Seção sobre as verminoses causadas pelo oxiúro e pela filaria ................................ 95 Figura 14: Exemplos da abordagem dada às verminoses em um dos materiais de referência ... 96

LISTA DE QUADROS Quadro 1: Organização temática do Bloco I .............................................................................. 47 Quadro 2: Gêneros discursivos que configuram os componentes do Caderno de Textos do material educativo ................................................................................................ 49 Quadro 3: Gêneros discursivos que configuram os elementos do Caderno de Atividades do material educativo ........................................................................................... 49 Quadro 4: Gêneros textuais que configuram os elementos dos Anexos do material educativo .................................................................................................................. 49 Quadro 5: categorias de análise da interdiscursividade .............................................................. 57 Quadro 6: categorias de análise da intertextualidade manifesta ................................................. 57 Quadro 7: exemplos do estilo ...................................................................................................... 85

LISTA DE ESQUEMAS Esquema 1: Organização do material educativo de ciências do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) ................................................................................... 44 Esquema 2: relações entre discurso representado e representador ............................................. 63 Esquema 3: relações entre discurso representado e representador ............................................. 65 Esquema 4: representação indireta e pressuposição ................................................................... 68 Esquema 5: representações diretas e indiretas ............................................................................ 69 Esquema 6: representação indireta ............................................................................................. 92

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11 1. QUADRO TEÓRICO E QUESTÕES DE PESQUISA ................................................... 15 1.1 Quadro teórico: análise crítica do discurso .................................................................... 15 1.2 Educação em Ciências ....................................................................................................... 19 1.2.1 Ensino de Ciências: da formação do cientista a formação do cidadão ........................... 19 1.2.2 O livro didático de Ciências: aspectos do discurso científico-escolar .............................. 24 1.2.3 Os temas de saúde na educação em Ciências ................................................................... 28 1.3 Educação de Jovens e Adultos .......................................................................................... 31 1.3.1 A constituição da educação de jovens e adultos como modalidade da educação básica ................................................................................................. 31 1.3.2 Educação em ciências e os temas de saúde na EJA ............................................................36 1.4 Questões e objetivos da pesquisa ........................................................................................ 38 2 QUADRO METODOLÓGICO ........................................................................................... 41 2.1 Metodologia da Pesquisa ................................................................................................... 41 2.2 Apresentação do material .................................................................................................. 43 2.2.1 O Projeto em que se inserem os materiais analisados ...................................................... 43 2.2.2 A estrutura do material didático – Bloco I ........................................................................ 46 2.3 A Seleção do Corpus ........................................................................................................... 48 2.4 Quadro metodológico ......................................................................................................51 2.4.1 Análise Crítica do discurso ................................................................................................. 51 2.4.2 Aspectos da linguagem científica em livros didáticos ........................................................ 54 2.5 Categorias da análise e desenvolvimento da pesquisa ...................................................... 56 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES .......................................................................................... 59 3.1 Intertextualidade manifesta: representação discursiva e pressuposição ..........................59 3.1.1 Resultados: representações discursivas e pressuposições .................................................. 60 3.1.2 Discussão...............................................................................................................................70 3.2 Interdiscursividade: gêneros, estilos e discursos ................................................................73 3.2.1Resultados: elementos do gênero científico e sua relação com os outros gêneros ...............73 3.2.2 Discussão ............................................................................................................................. 84 3.3 O discurso sobre saúde no material para a EJA ................................................................ 89 3.3.1 Discursos sobre saúde no estudo dos vermes ...................................................................... 90 3.3.2 Discussão ..............................................................................................................................97 4. CONCLUSÕES ........................................................................................................................99 4.1 Considerações finais ..............................................................................................................99 4.2 Contribuições da pesquisa para o ensino de Ciências e para a EJA ...............................103 4.3 Perspectivas para novos estudos sobre a produção de textos didáticos para a EJA .... 104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 106

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INTRODUÇÃO

As questões investigadas nesta pesquisa envolvem essencialmente o encontro entre a

educação em Ciências e a educação para aqueles que, por diversas razões, não tiveram acesso a

este direito quando crianças. A motivação para o estudo das questões da educação popular surgiu

durante a minha graduação em medicina veterinária, aonde tive a oportunidade de participar de

projetos de pesquisa e extensão na área da ecologia.

Atuando nestes projetos, realizei os meus primeiros contatos, embora de maneira

informal, com a educação popular. Durante o desenvolvimento dos trabalhos de campo, comecei

a desenvolver uma visão crítica sobre as implicações destes para as populações, geralmente

desprovidas dos direitos civis, que habitavam em nosso “campo de trabalho”. Percebi que,

muitas vezes, projetos com objetivos de preservação do meio ambiente são desenvolvidos sem

levar em consideração os anseios e as necessidades das pessoas que estão no seu entorno.

Entendo que uma destas necessidades é a educação básica, e neste contexto, comecei a me

interessar pelas propostas da educação popular e do ensino de Ciências. Busquei, desta forma, me

aproximar de projetos e desenvolver iniciativas junto ao campo da educação popular, e nesta

aproximação acabei por me interessar pelo seu aspecto formal, a Educação de Jovens e Adultos.

Estas experiências motivaram a elaboração de um anteprojeto de pesquisa que articulava

questões que diziam respeito ao estudo das aproximações entre o ensino de Ciências e a

Educação de Jovens e Adultos. No primeiro ano do mestrado no Laboratório de Linguagens e

Mediações do NUTES-UFRJ, tive a chance de me aproximar de diversos estudos que tinham

como objeto o livro didático de Ciências, que tinham no estudo da linguagem a principal

abordagem para a compreensão do papel deste recurso didático na educação em Ciências. Estes

estudos representaram uma importante influência na definição do meu objeto de pesquisa, no

momento da elaboração do meu projeto final do mestrado, no qual propus estudar as

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aproximações entre as propostas do ensino de Ciências e as da Educação de Jovens e Adultos em

textos didáticos elaborados por professores de Ciências que atuam nesta modalidade da educação.

Nos encontros do grupo de pesquisa do laboratório, assim como nas disciplinas cursadas,

tive a oportunidade de me aproximar das perspectivas teóricas dos estudos do discurso, e em

especial as da análise crítica do discurso (ACD), que constituíram o quadro teórico e

metodológico desta pesquisa. Durante este período desenvolvi a visão de que o livro didático

apresenta uma linguagem peculiar, que envolve aspectos que vão além da mera transposição de

textos científicos para textos didáticos. Pude perceber que a produção de livros didáticos articula

diferentes práticas sociais como, por exemplo, o atendimento a critérios de avaliação, demandas

econômicas e recomendações curriculares, e ainda, que estas práticas deixam marcas nos textos.

De acordo com esta perspectiva, tais práticas são historicamente construídas, e o olhar para os

textos depende do entendimento das configurações histórica e social nas quais estes se

constituem. Neste sentido, o olhar para o objeto estudado nesta pesquisa foi realizado de acordo

com a perspectiva de que os textos constituem e são constituídos pelas práticas sociais, o que

implica uma visão de que os textos são heterogêneos, e ainda, de que os mesmos podem ser

considerados como uma representação dos discursos.

Com base nestas considerações, a pesquisa foi desenvolvida tendo em vista o objetivo

geral de compreender que discursos foram mobilizados na produção de textos que abordam temas

de saúde para a Educação de Jovens e Adultos. O foco em temas de saúde (discutido com mais

detalhes no capítulo 2) foi definido em função da questão que estes representam um tema

constante nas discussões sobre a educação popular e ainda devido à proximidade com a minha

formação inicial, na área da saúde.

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A aproximação ao objetivo da pesquisa, de maneira mais específica, foi realizada no

sentido de caracterizar a forma com que outros textos foram mobilizados para a elaboração do

material analisado, identificando-se, desta forma, a maneira como os discursos estão

representados no mesmo.

A dissertação aqui apresentada está organizada em quatro capítulos. No primeiro são

apresentadas as perspectivas teóricas da análise crítica do discurso, sendo explorados os conceitos

e pressupostos que configuram a teoria social do discurso proposta por Norman Fairclough. Para

tanto, buscamos em Foucault e Bakhtin alguns elementos que permitissem significar aspectos

desta teoria, que apresentamos no quadro teórico. Ainda no capítulo 1 realizamos uma revisão

sobre um conjunto de textos que permitiram uma aproximação aos discursos sobre o ensino de

Ciências, a Educação de Jovens e Adultos e a educação em saúde, no sentido de contextualizar a

produção dos textos que analisamos. Por fim, apresentamos neste capítulo os objetivos da

pesquisa, gerais e específicos, e as questões de investigação.

O capítulo 2 apresenta o quadro metodológico, aonde a pesquisa é delimitada no campo

das ciências sociais como um estudo de caso, de caráter documental e cuja abordagem é

qualitativa. Em seguida é apresentado o projeto em que os materiais analisados foram elaborados,

com objetivo de permitir a aproximação a aspectos de sua história e ainda das práticas que

configuram aspectos relacionados à forma dos textos. São apresentados ainda os critérios para a

seleção do corpus e o quadro metodológico proposto pela ACD. Finalmente, são destacadas as

categorias que foram exploradas para a análise do corpus e descritas as etapas da análise.

No capítulo 3 são apresentados os resultados e a discussão das análises. Este capítulo foi

dividido em três seções, que correspondem à análise de cada um dos textos selecionados para a

constituição do corpus. Procurei enfatizar diferentes aspectos da análise textual em cada uma das

seções. Na primeira seção, a análise focalizou o entendimento de como os livros didáticos de

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Ciências que os professores apontaram como referência para a produção do material foram

utilizados na elaboração do texto. Na segunda seção foi priorizada a análise dos gêneros textuais,

com o foco voltado principalmente para a relação entre estes e as atividades que configuram as

práticas relacionadas à produção do texto. Na última seção a análise foi voltada para o discurso

sobre saúde que se constitui no texto, e de maneira semelhante às abordagens das duas seções

precedentes, a mesma foi realizada no sentido de destacar a mudança discursiva em relação aos

livros didáticos apontados como referência pelos professores.

Finalmente, no capítulo 4 são tecidas as considerações finais e as conclusões com base

nas questões de estudo propostas e nos resultados da pesquisa. Com base nas conclusões são

apontadas as possíveis contribuições para o ensino de Ciências e para a Educação de Jovens e

Adultos, e ainda o potencial do tema pesquisado para estudos futuros.

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1. QUADRO TEÓRICO E QUESTÕES DE PESQUISA

Este trabalho localiza-se no campo da Educação em Ciências, mais especificamente na

produção de materiais educativos para o ensino das ciências naturais. Entretanto, aqui nosso foco

está voltado para a modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e desta forma, nas

possíveis aproximações entre estes dois campos para esta produção. Para tanto, o quadro teórico

eleito para o desenvolvimento desta pesquisa inscreve-se nas propostas da Análise Crítica do

Discurso, uma abordagem teórico-metodológica que considera os textos como integrantes dos

processos sociais, sendo constituídos historicamente e participando ativamente das manutenções,

construções e modificações dos eventos sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Neste sentido, em uma

análise sob esta perspectiva torna-se essencial caracterizar aspectos da historicidade dos textos.

Esta caracterização permite não só significar os textos e suas configurações em termos de

estabilidades e rupturas com convenções como discutir efeitos dos textos na sociedade e vice-

versa (FAIRCLOUGH 2001).

Nos tópicos a seguir buscamos apresentar as perspectivas e pressupostos que orientaram

as nossas discussões ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Em seguida discutiremos

transformações sociais e educacionais no cenário brasileiro, com base em um de conjunto de

textos e contextos potencialmente relevantes para a significação dos materiais que constituem o

objeto analisado nesta pesquisa. Por fim, apresentamos as questões de nossa investigação.

.

1.1 Quadro teórico: análise crítica do discurso

A Análise Crítica do Discurso (KRESS 1988, FAIRCLOUGH 2001) representa uma

vertente da análise do discurso que tem como objetivo o entendimento das relações entre os

discursos e as mudanças sociais, através da compreensão de como a linguagem toma parte nestes

processos. Esta abordagem é considerada crítica por se preocupar em discernir conexões, nem

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sempre óbvias, entre a linguagem e outros elementos da vida social, como por exemplo, as

relações de poder e dominação (FAIRCLOUGH 2001a).

A Análise Crítica do Discurso (ACD) tem como principais influências as idéias de

Gramsci sobre hegemonia, as de Althusser sobre ideologia, o conceito de intertextualidade de

Kristeva, desenvolvido com base nos textos de Bakhtin e as contribuições de Foucault para os

estudos do discurso. Apresentamos a seguir uma breve síntese das bases teóricas nas quais se

origina a ACD.

Na perspectiva da ACD, os eventos discursivos envolvem de maneira dinâmica textos e

práticas sociais. Pressupõe, portanto, que a vida social é formada por um conjunto de práticas

interligadas, que são constantemente transformadas. Tais práticas podem ser definidas como

modos de utilização de recursos concretos e abstratos (por exemplo, texto e linguagem,

respectivamente), em épocas e lugares particulares (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999).

De acordo com esta perspectiva, as práticas sociais fazem a mediação entre o concreto e o

abstrato, por meio do controle e da seleção de certas possibilidades em detrimento de outras,

podendo influenciar a manutenção ou a ruptura das estruturas de poder e dominação

(FAIRCLOUGH, 2004).

O discurso como prática social é determinado pelas ordens do discurso. Isto significa que

é possível distinguir fronteiras e relações na totalidade de um conjunto estruturado de práticas

discursivas em domínios sociais específicos. O conceito de ordens do discurso enfatiza, no

entanto, que embora esses sistemas sofram uma série de regulações de acordo com o cenário

histórico e social, os mesmos são abertos e passíveis de rearticulações e modificações.

De acordo com a visão da ACD, os discursos são considerados como uma forma de

prática social, em relação dialética com as estruturas sociais e com poder constitutivo sobres estas

(MEURER, 2005). Os textos, por sua vez, são apontados como a realização lingüística na qual os

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discursos se manifestam, no sentido de organizá-los e de definir e estabelecer como o texto

poderá ser. Esta perspectiva implica uma visão de que os textos são heterogêneos e perpassados

pelas relações de poder, contendo pistas das práticas sociais em que estes se inscrevem, que

muitas vezes são muito naturalizadas e não são percebidas pelos indivíduos (MEURER, 2005).

O conceito de hegemonia relaciona-se com o poder e com as disputas que se estabelecem

nos sistemas sociais para a sua aquisição. Enfatiza o aspecto que o poder pode assumir uma

forma (que não é única) que depende da conquista do consentimento de uma maioria nos grupos

sociais existentes (FAIRCLOUGH, 2001a). A luta hegemônica constitui um elemento de todos os

domínios da vida social, e o poder hegemônico é mantido ideologicamente por meio das

suposições do senso comum na vida cotidiana (FORGACS, 1988 apud FAIRCLOUGH, 2001a).

Neste sentido, a hegemonia está mais ligada à formação de alianças do que à dominação, o que

implica em uma luta constante sobre os pontos de maior instabilidade entre os grupos sociais no

sentido de construir, manter ou romper alianças e relações de dominação ou subordinação

(FAIRCLOUGH 2001). Esta concepção de luta hegemônica, que considera as articulações,

desarticulações e rearticulações de elementos representa um importante elemento para a visão da

ACD sobre os discursos. Segundo Fairclough (2001),

pode-se considerar uma ordem de discurso como a faceta discursiva do equilíbrio contraditório e instável que constitui uma hegemonia, e a articulação e a rearticulação de ordens de discurso são, conseqüentemente, um marco delimitador na luta hegemônica.

A Análise Crítica do Discurso considera, a exemplo das abordagens bakhtinianas

(BAKHTIN 2000), que todo texto é constituído por elementos de outros textos. Atualizam e

respondem a textos que o antecederam ao mesmo tempo que se orientam e se antecipam a textos

que o seguirão, em uma relação essencialmente dialógica. Esta heterogeneidade dos textos

incorpora as relações entre as convenções e práticas que estruturam e as ordens do discurso,

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podendo recorrer a elas direta ou indiretamente. Desta forma, a intertextualidade é socialmente

limitada e restringida nas relações e lutas pelo poder hegemônico. Segundo Fairclough (2001,

p.135),

a combinação da teoria da hegemonia com a intertextualidade é particularmente produtiva. Não só se pode mapear as possibilidades e as limitações para os processos intertextuais dentro de hegemonias particulares e estados de luta hegemônica, mas também conceituar processos intertextuais e processos de contestação e reestruturação de ordens de discurso como processos de luta hegemônica na esfera do discurso, que têm efeitos sobre a luta hegemônica assim como são afetados por ela no sentido mais amplo.

A concepção de ideologia adotada pela ACD, por sua vez, assume que a mesma localiza-

se tanto nas estruturas (ou seja, nas ordens do discurso), que remetem aos eventos passados,

como nas condições para a constituição dos eventos atuais. As ideologias representam, portanto,

um conjunto de orientações que são historicamente acumuladas e naturalizadas e que são

construídas com base em uma série de normas e convenções que podem ser, entretanto,

transformadas ou desnaturalizadas nos eventos discursivos (FAIRCLOUGH, 2001).

Uma importante questão sobre a ideologia para as propostas da ACD diz respeito às suas

relações com os textos, no que tange os aspectos relativos à forma e aos sentidos das palavras (ou

o conteúdo). Segundo Fairclough (2001), embora os sentidos das palavras sejam importantes,

aspectos semânticos como as metáforas, as pressuposições e a coerência são também

fundamentais para a aproximação às ideologias veiculadas pelos textos. No que tange à relação

entre e a forma e conteúdo dos textos, a perspectiva da ACD aponta para uma estreita relação

destes aspectos, que podem ser investidos ideologicamente em vários níveis. Neste sentido, uma

oposição rígida entre forma e conteúdo pode ser considerada equivocada, dada a importância

desta relação para a aproximação às ideologias presentes nos textos.

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Com base nos conceitos apontados anteriormente, Fairclough (2001) propõe uma

abordagem tridimensional dos eventos discursivos, que envolve simultaneamente uma

aproximação aos textos, às práticas sociais e às práticas discursivas (que são entendidas como uma

forma particular da prática social). A análise textual, considerada mais descritiva preocupa-se em

discernir aspectos relacionados ao vocabulário, à gramática, à coesão, e a estrutura textual. A

análise da prática social, por sua vez procura discutir o discurso em relação às ideologias e ao

poder, com foco na luta hegemônica.

Finalmente, a análise da prática discursiva busca se aproximar dos processos de produção,

distribuição e consumo textual. Estes processos estão envolvidos com os movimentos discursivos

e, desta forma, com fatores sociais. Fica evidente, desta forma, a natureza dinâmica da produção

textual, aonde textos transformam discursos e estes transformam os textos e a prática social.

A perspectiva teórica da ACD aponta para uma aproximação a heterogeneidade dos textos

como elemento essencial para o entendimento dos processos de produção textual. A análise da

produção de textos envolve, desta forma a abordagem à aspectos da intertextualidade, que na

proposta da ACD são representados pela interdiscursividade e pela intertextualidade manifesta. Na

primeira, o objetivo relaciona-se com o delineamento dos tipos de discurso presentes no texto

(FAIRCLOUGH, 2001). Na intertextualidade manifesta, busca-se especificar como outros textos

participam na constituição do texto analisado. Neste trabalho discutiremos a dimensão intertextual

na análise de textos de ciências produzidos por professores da rede municipal do Rio de Janeiro

para a Educação de Jovens e Adultos. Para tanto, discutimos a seguir aspectos da constituição

discursiva dos dois principais campos onde se inscreve a produção dos materiais eleitos para

nossas análises: a Educação em Ciências e a Educação de Jovens e Adultos.

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1.2 Educação em Ciências 1.2.1 Ensino de Ciências: da formação do cientista a formação do cidadão

A introdução do ensino de Ciências na escola ocorreu no início do século XX

(CANAVARRO, apud NARDI e ALMEIDA, 2004), mas foi sobretudo após a Segunda Guerra

Mundial que a disciplina ciências naturais adquiriu importância e passou a ser alvo de projetos

educacionais em vários países. As mudanças ocorridas no período pós-guerra, como a

profissionalização da ciência, a crescente industrialização e o desenvolvimento tecnológico e

científico não puderam deixar de impactar o currículo escolar (KRASILCHIK, 1987), que passou

a responder a uma nova demanda: a formação do futuro cientista. O Brasil acompanhou esta

tendência, e o ensino de Ciências passou a ter aqui um caráter propedêutico, cujo principal

objetivo era a formação de uma elite de cientistas que libertariam o país da dependência

estrangeira e impulsionariam o desenvolvimento científico-tecnológico (KRASILCHIK, 2000).

Na década de 1960, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em dezembro

de 1961 representa uma mudança na concepção de educação, uma vez que o acesso à escola é

ampliado a todos os cidadãos em idade escolar (KRASILCHIK, 2000). Segundo a autora, é

criada neste momento uma nova função para o ensino de ciências: o desenvolvimento de um

espírito crítico através da apreensão do método científico, uma vez que os sujeitos do processo

passam a ser homens comuns.

No período do regime militar, a educação brasileira passou por novas mudanças, e seus

objetivos voltam-se então para a formação do trabalhador, contribuindo para o plano de

desenvolvimento econômico do país (KRASILCHIK, 2000). Estas alterações foram legitimadas

pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1971 e as conseqüências para o ensino de Ciências

foram significativas, uma vez que este passou a apresentar um caráter profissionalizante

(KRASILCHIK, 2000).

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Durante a década de 1970, temas como ética, degradação ambiental, qualidade de vida e as

implicações sociais da produção científica e tecnológica passam a integrar as discussões sobre os

caminhos da ciência em nossa sociedade, refletindo um processo histórico em que se configura

uma economia globalizada e o aumento das desigualdades entre países centrais e periféricos. A

noção de que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia leva ao desenvolvimento social passa a

ser questionada, e conseqüentemente, os objetivos do ensino de Ciências são revisitados, no

sentido de responder a uma demanda por um ensino que contemple as questões e implicações

sociais da ciência.

Durante a década de 1980, firmou-se um compromisso internacional entre diversos países

membros da UNESCO que tinha como meta a democratização do acesso ao conhecimento

científico sob o lema “Ciência para Todos” (CAZELLI e FRANCO, 2001). Segundo os autores,

surge neste momento o desafio de pensar em propostas que levem as questões anteriormente

mencionadas em consideração e para tanto, diferentes abordagens vêm sendo testadas para atingir

este fim, qual seja, tornar os educandos cientificamente alfabetizados. Com a abertura política, é

promulgada em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases vigente até os dias atuais. Os objetivos da

educação no país são novamente revistos, cabendo agora à escola a responsabilidade de formar o

cidadão-trabalhador. Neste período são desenvolvidos pelo Ministério da Educação projetos

curriculares de abrangência nacional, representados principalmente pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN).

As propostas de Ensino de Ciências, apoiadas nos referenciais teóricos da alfabetização

científica, passam a ser marcadas por objetivos voltados para a formação do cidadão, e pelo

desenvolvimento de atividades com implicação social, através de recomendações que valorizam a

contextualização e a integração entre as disciplinas. As propostas de alfabetização científica

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representam, portanto, uma das principais influências do pensamento sobre o ensino de ciências

atualmente, com ampla produção acadêmica sobre o assunto.

Segundo Fourez (2003), podemos observar o Ensino de Ciências sob duas perspectivas que

se relacionam com as finalidades desta prática: a primeira visa à formação de especialistas por

meio do ensino das disciplinas química, física e biologia, e a segunda, a alfabetização científica

para a formação cidadã, por meio de temas como ambiente, poluição, tecnologia, medicina, etc.

Segundo o autor, a perspectiva cidadã apresenta três finalidades: a primeira, relacionada com a

formação humana implica uma instrumentalização para a participação na cultura. A segunda,

social, diz respeito à autonomia e a diminuição das desigualdades e a terceira, econômica,

relaciona-se com a promoção de vocações científicas e tecnológicas necessária à produção de

riquezas. Esta última parece ser complementar à finalidade da formação de especialista, entretanto,

não é evidente que o ensino das disciplinas seja a melhor maneira de despertar aptidões e desta

forma, a melhor maneira de se promover vocações pode se relacionar com o despertar dos sentidos

do que se pode fazer com as ciências (FOUREZ, 2003).

De acordo com Terneiro-Vieira (2004), as propostas atuais para o ensino de ciências

enfatizam a instrumentalização dos estudantes para o desenvolvimento de um pensamento crítico,

o que representa uma genuína necessidade em uma sociedade tecnológica e científica, onde cada

movimento do homem pode ser influenciado pelos produtos da ciência. De acordo com a autora,

o desenvolvimento destas capacidades permite aos indivíduos se posicionarem em relação às

questões da ciência, por meio da detecção de incongruências nas argumentações ou atuar no

sentido de suspender certas tomadas de decisão em casos em que não haja evidências suficientes

para traçar e sustentar uma conclusão (TERNEIRO-VIEIRA, 2004).

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Segundo Pella et al (apud LAUGKSCH, 2000), um indivíduo cientificamente alfabetizado

caracteriza-se por entender as inter-relações entre ciência e sociedade, a ética que rege a produção

científica, a natureza da ciência, as diferenças entre ciência e tecnologia, conceitos básicos da

ciência e as inter-relações entre a ciência e as humanidades. Neste sentido, o indivíduo letrado

cientificamente seria capaz de desenvolver habilidades que o permitiriam utilizar conceitos

científicos para a tomada de decisões responsáveis sobre sua própria vida (FOUREZ, apud

PFUETZENREITER, 2001).

De acordo com Shen (1975, apud DELIZOICOV e LORENZETTI, 2001), podemos

distinguir três tipos de alfabetização científica, que diferem em seus objetivos, público e meios de

disseminação. O primeiro tipo, denominado alfabetização científica prática, serve aos propósitos

de contribuir para a superação de problemas práticos do cotidiano, especialmente àqueles

presentes em populações pobres. O segundo tipo, chamado de alfabetização científica cívica

relaciona-se à informação dos sujeitos sobre as questões relativas à ciência, o que permitiria uma

participação mais efetiva da população e seus representantes na tomada de decisões que

envolvessem questões relacionadas à ciência e a tecnologia. Já a alfabetização científica cultural

relaciona-se com um desejo de um pequeno grupo de não-especialistas de buscar o entendimento

da produção científica enquanto empreendimento humano. Este tipo de alfabetização não está

relacionado diretamente com a tomada de decisões ou com a resolução de problemas, e sim com

uma ampliação da visão de mundo daqueles que se interessam por assuntos científicos.

No campo do currículo, muitos trabalhos vêm sendo publicados no Brasil destacando as

potencialidades de currículos com ênfase nas questões que relacionam ciência, tecnologia e

sociedade. Tais currículos diferenciam-se significativamente dos convencionais, pois se

preocupam com a formação de atitudes e valores, são organizados em temas, em contraposição

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aos extensos programas tradicionalmente oferecidos e valorizam as opiniões dos estudantes

(SANTOS E MORTIMER, 2000). A abordagem em temas, segundo Auler (2003) reflete a

preocupação com os objetivos do ensino de Ciências, e permite a instrumentalização do aluno

para sua maior compreensão e atuação na sociedade contemporânea. Neste trabalho, o autor

destaca ainda a influência de Paulo Freire e Synders na dimensão ontológica desta abordagem do

ensino, entendida como problematizadora e feita em sintonia com as crenças e contradições dos

alunos (AULER e DELIZOICOV, 2001). Segundo Auler e Delizoicov (2006), as aproximações

entre os referenciais ligados ao movimento Ciência – Tecnologia – Sociedade e os pressupostos

ligados à obra de Paulo Freire na educação escolar podem ser estabelecidas no sentido da

problematização do modelo de decisões tecnocráticas, na superação da perspectiva salvacionista

e redentora atribuída à ciência e à tecnologia e ainda, à superação do determinismo tecnológico,

expressando uma concepção de não neutralidade das ciências. Esta visão busca a ruptura, no

ensino das Ciências, com a concepção de um modelo linear do progresso, que pressupõe que o

desenvolvimento da ciência e da tecnologia gerariam um maior desenvolvimento econômico, e

por conseqüência, um maior desenvolvimento social.

Concordando com os Auler e Delizoicov (2006), Muenchen (2005) destaca o potencial da

alfabetização científica na contribuição para desenvolvimento da leitura crítica da realidade

proposta por Paulo Freire, ao questionar pressuposições como a neutralidade da ciência e o

determinismo tecnológico. Auler et al (2005) enfatizam ainda que o pensamento deste educador

vem contribuindo para a elaboração de currículos de ciências mais sensíveis ao entorno, e mais

abertos às questões contemporâneas que são fortemente marcadas pela dimensão científico-

tecnológica.

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1.2.2 O livro didático de Ciências: aspectos do discurso científico-escolar

As considerações acima se remetem a importantes dimensões constitutivas e orientadoras

de ações educativas no espaço escolar e que impactam a produção de textos que circulam e

fundamentam o desenvolvimento de práticas nestes espaços, tais como currículos, projetos

político-pedagógicos e livros didáticos. Com relação a este último, embora não constitua o

objeto desta pesquisa, vimos que livros didáticos de Ciências foram fonte primária para todos os

textos analisados no material elaborado pelos professores. Neste sentido, julgamos relevante

apresentar uma breve revisão sobre a produção de livros didáticos de Ciências no Brasil.

A primeira ação governamental sobre a produção dos livros didáticos data do ano de 1929.

Neste ano, foi criado o Instituto Nacional do Livro que estimulou, por meio de suas ações, o

crescimento da produção e da circulação de livros didáticos nacionais (BRASIL, 2003). Desde

então, diversas ações vêm sendo coordenadas por esta instituição, entre elas, o Programa Nacional

do Livro Didático (PNLD), criado em 1985, que tem como uma de suas atribuições principais a

avaliação dos livros didáticos (BRASIL, 2003). O PNLD passa a representar um importante

instrumento de escolha dos livros didáticos por escolas e professores, configurando-se em um

importante elemento regulador da produção destes materiais.

Por sua vez, os primeiros trabalhos acadêmicos sobre o livro didático datam das décadas de

1950 e 1960, representando importantes referências para os estudos que se seguiram (FREITAG et

al apud NASCIMENTO, 2003). Os enfoques destes estudos variaram bastante nas décadas

seguintes, transitando entre questões como as representações de gênero nos livros didáticos ou o

embasamento psicopedagógico dos mesmos.

As questões relativas ao livro didático vêm sendo discutidas sob diversas perspectivas

teóricas e metodológicas. Parece consensual, dentre as diversas abordagens, o papel central que os

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materiais educativos assumem na educação brasileira, e a sua constituição como uma das principais

formas de documentação e consulta, influenciando o trabalho pedagógico e o cotidiano da sala de

aula (BRASIL, 2003; SANDRIN, PORTO e NARDI, 2004; CALDAS, CUNHA e MAGALHÃES,

2000; NUNES-MACEDO, MORTIMER e GREEN, 2004; NASCIMENTO e MARTINS, 2005).

Segundo Sandrin, Porto e Nardi (2004), tal posição deve-se ao seu potencial em veicular

conhecimentos científicos e a facilidade na utilização diária por alunos e professores, justificando

as preocupações e as críticas em relação à qualidade do seu conteúdo.

Segundo Nascimento e Martins (2005), apesar do papel estruturante do livro didático, este

não tem sido objeto de estudos mais sistemáticos e abrangentes por parte da comunidade do ensino

de Ciências. Os estudos que visam a analisar o conteúdo dos livros didáticos geralmente

concentram-se em analisar a sua adequação a aspectos como a idade dos educandos e a sua

realidade econômica e geográfica. Também são freqüentes estudos que buscam analisar a correção

científica, a ausência de certos conceitos e contradições nas explicações. A forma de apresentação

dos conteúdos dos livros didáticos, também vem sendo objeto de diversos estudos. Estes trabalhos

representam uma importante contribuição na melhoria da acurácia conceitual e na busca por banir

preconceitos e textos que representem ameaças à segurança dos alunos, mas não respondem a

algumas questões importantes referentes à linguagem e às praticas de utilização deste recurso

didático (MARTINS, 2006).

Recentemente, entretanto, tem-se percebido uma ampliação dos estudos que investigam estes

textos sob a perspectiva da linguagem, apontando para questões como a prática de leitura, critérios

de escolha e gêneros discursivos que compõe o livro didático (NASCIMENTO e MARTINS,

2005). Muitos destes estudos vêm se apoiando nos referenciais teóricos dos Estudos do Discurso,

considerando o livro didático como uma faceta das práticas pedagógica e docente, e buscando,

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neste sentido, o entendimento das atividades relacionadas a sua produção, circulação e consumo.

Nesta perspectiva, os textos são influenciados e influenciam situações e demandas da sociedade em

que estes se inserem, como por exemplo, nas recomendações curriculares, legislação, no mercado

editorial e nas políticas de avaliação (MARTINS, 2006). Neste sentido, estes estudos vêm

buscando elementos para a construção de uma visão crítica a respeito deste importante recurso que

é o livro didático, por meio do entendimento das relações entre a sua produção, circulação e

consumo e a configuração dos elementos sociais que as compõe, apontando para o

desenvolvimento de determinadas visões de mundo, em detrimento de outras, na sociedade em que

vivemos.

Em uma revisão sobre pesquisas sobre o livro didático na perspectiva dos estudos do

discurso, Martins (2006) aponta para algumas considerações sobre este recurso relevantes para o

seu entendimento, que foram compartilhadas no desenvolvimento desta pesquisa. A primeira delas

consiste na concepção do livro didático como um artefato cultural. Isto significa que sua produção,

circulação e consumo estão vinculadas a uma rede de práticas sociais, que são socialmente e

historicamente localizadas (MARTINS, 2006). Segundo a autora, esta concepção permite vincular

os formatos dos livros didáticos a diferentes práticas discursivas, o que permite o entendimento de

questões relacionadas, por exemplo, às condições de trabalho nas escolas e os critérios e

procedimentos na sua escolha. Esta visão dos textos, entre eles do livro didático, aponta para a

diversidade de linguagens que são encontradas nestes, entre elas a linguagem verbal, a matemática,

a imagética e suas relações para a produção de sentidos. Estas relações podem envolver a

subordinação de uma por outra, a complementação, a oposição ou a elaboração. Estes textos são

chamados de multimodais e demandam uma série de habilidades dos leitores para a sua

compreensão.

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No que tange a questão dos gêneros discursivos, alguns estudos apontam para o

entendimento do livro didático como uma construção híbrida, na perspectiva bakhtiniana,

entendida como a mistura de linguagens sociais em um único enunciado (BRAGA e MORTIMER,

2003). Neste sentido, construções híbridas não representam uma soma de diversos gêneros do

discurso, e sim um construído nas relações estabelecidas no encontro dos diferentes discursos. Esta

proposição enfatiza a pluralidade de discursos que circulam por este recurso didático e a relevância

deste conceito para o seu entendimento. Ressalta ainda o entendimento de que estas relações

configuram o que podemos chamar de um discurso científico-escolar, que circula nas mais diversas

esferas de atuação na educação em ciências (SILVA e SCHNETZELER, 2006; REZENDE E

OSTERMANN, 2006; NASCIMENTO e MARTINS, 2005; CAJAS, 2001) Segundo Martins

(2006, p.125),

O texto do livro didático não é uma simples adaptação do texto científico para efeito do ensino escolar, exclusivamente por meio de transposições didáticas e conteúdos de referência. Ele reflete complexas relações entre ciências, cultura e sociedade no contexto da formação dos cidadãos e se constitui a partir de interações situadas em práticas sociais típicas do ensino na escola.

Ao analisar livros didáticos de biologia para o segundo segmento do Ensino Fundamental

Braga e Mortimer (2003), propõem que estes textos são constituídos por elementos dos gêneros

de discurso científico3 e didático, e ainda por elementos de contextualização. .

De acordo as perspectivas apresentadas, um olhar sobre a produção de textos que estejam

relacionados ao discurso científico-escolar, estende-se ao encontro da linguagem que é peculiar à

ciência com uma diversidade de gêneros e com as relações entre estes. Tais relações nos

permitem uma aproximação a uma visão de como estas veiculam certas posições sobre o papel do

ensino de ciências, em detrimento de outras, em nossa sociedade.

3 A este respeito, ver seção 2.4.2

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1.2.3 Os temas de saúde na educação em Ciências

Neste trabalho definimos para nossas análises um recorte que privilegia temas

relacionados à saúde. (ver seção 2.3). Por esta razão, discutimos aspectos da função da escola na

educação para a saúde que, no Brasil, remontam à democratização do ensino público, no início do

século XX (SPAZZIANI, 2001). Este período foi marcado por uma mudança na configuração do

campo da medicina cujas práticas eram baseadas em prescrições e normatizações. Segundo

Herschmann (apud BASSINELLO, 2004 p.37) os médicos

buscando aumentar seu poder de atuação, legitimavam seus discursos através de prescrições, novos métodos e formas de controle social, com o propósito de intervir, como conselheiros e tutores, ocupando espaços importantes, sendo um deles a instituição escolar

Neste momento, as recomendações eram baseadas em manuais, que adotavam a higiene

como uma doutrina que representava a principal função da ordem médica, apresentada como a

arte de conservar e aperfeiçoar a saúde, visando a criação de sujeitos higiênicos, higienizados e

higienizadores (GONDRA, apud BASSINELLO, 2004).

A inserção de temas de saúde nas escolas brasileiras tornou-se obrigatória com a

implementação por meio do artigo sete da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira no

ano de 1971. Este artigo atribuía à escola o estímulo ao conhecimento e à prática da saúde básica

e da higiene (MOHR e SCHALL, 1992). Segundo Spazziani (2001) os programas curriculares de

saúde desenvolvidos neste período mostraram-se insuficientes na promoção da saúde e na

mudança de atitudes da população, especialmente a mais pobre, ressaltando os problemas

inerentes às práticas sociais envolvidas no ensino de temas de saúde na escola. De acordo com a

autora

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esses programas de saúde, construídos desde a criação da puericultura, no final do século passado, absorvem o discurso da medicalização4 e tem como premissa a ignorância e a falta de informação das crianças e de seus familiares sobre conceitos e práticas de saúde saudáveis, e portanto, suas propostas tem se orientado no sentido de oferecer estes conhecimentos e as mudanças de atitude necessárias para transformar o quadro da saúde e da aprendizagem das crianças com dificuldades. Como conseqüência dessa visão, suas ações têm como único sentido o saber científico – como o conhecimento verdadeiro e saudável – para aqueles que nada sabem, portanto nada tem a dizer, devem ouvir e reproduzir para aprender (SPAZZIANI, 2001 p.45).

Somado aos problemas inerentes à abordagem, a efetivação dos objetivos dos programas

de saúde na escola esbarram também na prática docente. Segundo Mohr e Schall (1992), a falta

de formação específica dos professores representa obstáculo à atuação como mediadores para o

ensino de temas de saúde o que eleva o livro didático à posição de principal instrumento para o

desenvolvimento de práticas de educação em saúde. De acordo com Spazziani (2001), o professor

sente-se inseguro ao ensinar temas de saúde e acredita necessitar de formação específica ou da

presença de especialistas para tal. Além disso, e ainda que os professores dificilmente invocam os

saberes e práticas cotidianas das crianças para discutir os temas de saúde na sala de aula.

A nova lei 9394 da educação, promulgada em 1996 não menciona a questão da saúde na

escola que perde, portanto, o caráter legal do texto anterior (SPAZZIANI, 2001). Com a criação

dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para o segundo segmento do ensino fundamental

no ano de 1998, os temas de saúde passam a integrar os temas transversais, cujos objetivos

apresentados relacionam-se com uma aproximação das disciplinas convencionais ao cotidiano do

aluno, tornando-as mais significativas sem sobrecarregar o currículo das disciplinas

(SPAZZIANI, 2001). Os PCN vêm sendo alvo de diversas críticas por parte da comunidade

educacional e no caso dos temas de saúde vem sendo considerado

bem próximo do discurso higienista, talvez sob outro formato, o manual PCN Saúde menciona que a criança no início da vida escolar traz consigo a valoração

4 O conceito medicalização aponta o papel social da medicina na sociedade, que atua como instrumento de controle sobre os modos de vida das pessoas.

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de comportamentos favoráveis ou desfavoráveis à saúde oriundos da família e outros grupos de relação mais direta, ou seja, a conformação de hábitos (legitimados por esses grupos) não necessariamente considerados adequados (BASSINELLO, 2004 p.39).

No que tange o livro didático de ciências, poucos estudos vêm sendo realizados no sentido

de problematizar as abordagens dadas ao tema saúde no livro didático de ciências. De acordo

com o Programa Nacional do Livro Didático a presença de conteúdos de saúde e higiene

(juntamente com zoologia, botânica, ecologia, fisiologia e anatomia humanas, princípios de

geologia, física, astronomia e química) representa um requisito necessário à aprovação na

avaliação deste programa, por constituir tema tradicionalmente abordado por professores do

Ensino Fundamental.

Mohr (2000), ao analisar conteúdos de saúde em livros didáticos para o primeiro

segmento do ensino fundamental, propõe alguns critérios para a avaliação destes conteúdos

relacionados ao enfoque dado à saúde, à correção científica, à adequação a categorias como à

realidade econômica, geográfica, social à faixa etária, entre outros. A autora aponta diversos

problemas nos materiais analisados como conceituação insuficiente, fragmentação dos temas,

falta de explicações de termos desconhecidos e prevalência de um enfoque de caráter curativo

sobre as diversas questões que envolvem a saúde, além da desvinculação entre saúde e meio

ambiente.

1.3 Educação de Jovens e Adultos

1.3.1 A constituição da educação de jovens e adultos como modalidade da educação básica

Antes de formular nossas questões de pesquisa faz-se necessário discutir aspectos

particulares da constituição do campo da Educação de Jovens e Adultos EJA). Em seu sentido mais

amplo a EJA compreende os mais diversos processos de formação, continuada e permanente,

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formais e informais, perpassando quase todos os espaços de convívio social. Entretanto, as

preocupações com a escolarização básica têm sido centrais no pensamento da EJA, dada a grande

dívida social que existe com a população que não teve acesso à escola: até 1996, 66,2% dos

brasileiros com mais de quinze anos de idade não haviam concluído o ensino fundamental (DI

PIERRO, JOIA e RIBEIRO, 2001). Entretanto, segundo Di Pierro (2005), a prioridade dada à

escolarização, legitimada pela Constituição Federal de 1988 relegou a um plano secundário outras

dimensões igualmente relevantes da educação popular, como a formação política e a qualificação

para o trabalho.

Segundo Haddad e Di Pierro (2000), foi sobretudo na segunda metade do século XX

que a educação de jovens e adultos adquiriu sua própria identidade. A primeira proposta oficial

para a educação de jovens e adultos foi realizada em 1947, através da Campanha para Educação de

Adolescentes e Adultos (CEAA) que, apesar de apresentar uma proposta mais ampla de educação,

teve suas ações somente voltadas para a alfabetização e para ações de educação sanitária

(FÁVERO, 2004). A CEEA, que durou até o final da década de 50, atendia principalmente ao

objetivo de prover qualificações mínimas à força de trabalho, condição necessária para que o país

desenvolvesse o seu plano de desenvolvimento (HADDAD e DI PIERRO, 2000). As campanhas

que se seguiram na década de 60, interrompidas pelo golpe militar, também foram voltadas para a

alfabetização, com as propostas de leitura de mundo de Paulo Freire e o Movimento de Cultura

Popular, os Centros Populares de Cultura e outros. Os movimentos de educação popular

representaram uma grande influência para a construção da identidade da educação de jovens e

adultos, especialmente a pedagogia de Paulo Freire, baseada no diálogo e voltada para a

conscientização e organização para a transformação social (RIBEIRO, 1999). Durante o regime

militar, programas nacionais como a Cruzada ABC (Ação Básica Cristã), extinta em 1971, e o

MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) foram criados para suprir as lacunas deixadas

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pela repressão aos movimentos de educação popular. O MOBRAL representou uma campanha de

massa, com objetivo de sanar o problema do analfabetismo e ainda realizar uma ação ideológica

que mantivesse a situação política vigente (HADDAD e DI PIERRO, 2000). Com a abertura

política e com a evidente ineficiência do programa, o MOBRAL foi extinto em 1985 (DI PIERRO,

JOIA e RIBEIRO, 2001).

A “doutrina do ensino supletivo”, assim denominada por seus formuladores, foi

desenvolvida com base em preceitos tecnicistas e fundamentou a disseminação das modalidades de

educação não presencial em centros de estudos supletivos e telecursos. Juntamente com a

modalidade presencial, configurou-se neste período um subsistema de ensino supletivo que ganhou

força devido à ampliação da escolaridade obrigatória de quatro para oito anos de estudo (DI

PIERRO, 2005).

A Constituição Brasileira de 1988, influenciada pela revitalização dos pensamentos e

práticas dos grupos de educação popular reprimidos pelo regime militar, estabelece o direito à

educação de jovens e adultos, quando expressa a garantia de ensino fundamental, obrigatório e

gratuito para cidadãos em qualquer idade. Este período foi marcado pela manutenção do lugar dos

cursos supletivos na educação, através da criação da Fundação Nacional para Educação de Jovens e

Adultos – Educar, e após a sua extinção, em 1990, pela descentralização dos projetos de EJA, que

ficaram a cargo dos estados e municípios (HADDAD e DI PIERRO, 2000).

A LDB 9.394/96, nos artigos que dizem respeito à educação de jovens e adultos

especificamente incorpora uma mudança conceitual, aonde o ensino supletivo foi substituído pela

educação em um sentido mais amplo, compreendendo os diversos processos de formação

(SOARES, 2002). Segundo Paiva (2004), as novas construções da realidade brasileira passam a ser

incorporadas ao aparato legal. Estas construções podem ser associadas à reivindicação dos direitos

pelos jovens e adultos excluídos do sistema educacional e se dão num contexto de articulação das

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diversas iniciativas ligadas a EJA com objetivo de representação do país na V CONFITEA

(Conferência Internacional de Educação de Adultos), realizada em Hamburgo em 1997. Estas

iniciativas envolveram mapeamentos das instituições e das ações desenvolvidas na EJA em âmbito

estadual, regional e nacional. A articulação impulsionada pela V CONFITEA teve continuidade

com a formação dos fóruns estaduais de EJA e com a realização de encontros anuais que discutem

esta modalidade da educação. Segundo Soares (2002), as ações desenvolvidas pelos fóruns e

encontros contribuíram diretamente com a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

EJA, uma vez que foi possível ler, discutir e ver incorporadas as contribuições às muitas versões do

documento.

O parecer CEB 11/2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

educação de jovens e adultos pode ser considerado o principal documento regulamentador e

normatizador para este segmento da educação, define a EJA como modalidade da educação básica

e como direito do cidadão. Mais que normatizar e regulamentar, este documento pode ser

considerado um marco, uma vez que supera a concepção de suplência e aligeiramento do ensino,

amplamente utilizada e difundida até poucos anos atrás, e legitima o direito por uma educação de

qualidade. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação de jovens e adultos conceituam

este segmento como “uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional,

com finalidades e funções específicas” (parecer CEB 11/2000).

São estabelecidas, portanto, neste documento as funções reparadora, equalizadora e

qualificadora da EJA. A primeira relaciona-se com a concepção de que o estudante da EJA teve o

direito à educação negado, e que este deve ser restaurado. A segunda relaciona-se com a promoção

de oportunidades que levem a uma condição igualitária na sociedade e a última, com o direito de

aprender por toda a vida. Neste sentido, as finalidades da EJA vão além dos processos iniciais de

alfabetização, buscando formar indivíduos capazes de se apropriar das múltiplas linguagens

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presentes na sociedade, e de estabelecer um diálogo entre estas e suas experiências de vida e de

trabalho. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA estabelecem, desta forma, o currículo em

duas partes: uma base nacional comum, que garanta a integração, e outra parte, diversificada, que

garanta a contextualização.

A despeito de tão significativas mudanças conceituais na legislação, a cultura escolar

brasileira encontra-se ainda impregnada pela concepção compensatória que norteou o ensino

supletivo, que somada à crônica escassez de recursos financeiros e a falta de formação específica

resulta na manutenção dos modelos do ensino regular e conseqüentemente nos resultados

qualitativos insipientes atingidos pela EJA (DI PIERRO, 2005). As políticas federais para

educação básica na década de 1990, por meio do Fundo de Valorização de Ensino Fundamental

(FUNDEF) excluíram as matrículas da Educação de Jovens e Adultos da focalização de recursos

do fundo, que ficaram dependentes da capacidade financeira e da vontade política dos governos de

cada Unidade da Federação. Entretanto, apesar das condições precárias de financiamento, as

matrículas no setor público aumentaram 220% no período entre 1998 e 2004, revelando a grande

demanda social pela Educação de Jovens e Adultos (DI PIERRO, 2005).

Embora a alfabetização de jovens e adultos tenha passado a representar prioridade na

agenda das políticas públicas para a educação implementadas pelo governo eleito em 2002, o

sistema de financiamento foi mantido. É somente na proposta do FUNDEB (Fundo de

Financiamento da Educação Básica) com implementação prevista para 2007 que a EJA volta a ser

incluída no sistema captação de recursos. Durante este governo, os diferentes programas de

alfabetização e elevação da escolaridade do Ministério da Educação e Cultura (MEC) foram

reunidos na Coordenação de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade (SECAD), que vem delineando formas de diagnóstico

acompanhamento e avaliação dos programas de EJA.

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A discussão acima sugere que, com as conquistas democráticas, o paradigma da educação

popular, cujas idéias foram originalmente desenvolvidas por Paulo Freire nos anos sessenta,

dicotomizou-se em duas frentes: a da educação pública popular a das ações não governamentais

(GADOTTI, 2000). Segundo o autor,

de um lado ela ganhou uma nova vitalidade no interior do Estado, diluindo-se em suas políticas públicas; e, de outro, continuou como educação não-formal, dispersando-se em milhares de pequenas experiências. Perdeu em unidade, ganhou em diversidade e conseguiu atravessar numerosas fronteiras. Hoje ela incorporou-se ao pensamento pedagógico universal e orienta a atuação de muitos educadores espalhados pelo mundo (GADOTTI, 2000 p.6, grifo do autor).

1.3.2 Educação em ciências e os temas de saúde na EJA

As mudanças na legislação, assim como a crescente procura por cursos de EJA pela

população, cria uma nova demanda para pesquisadores, professores e demais profissionais que

atuam na educação. As diferentes disciplinas devem agora pensar sobre como a formação de

professores, os currículos e os materiais educativos podem contemplar as necessidades dos

educandos da EJA em toda a sua diversidade. Poucos trabalhos, entretanto, vêm problematizando

as questões envolvidas na educação em Ciências para a modalidade jovens e adultos em seus

aspectos teóricos e práticos.

De forma geral, os trabalhos sobre o ensino de Ciências na EJA preconizam o

desenvolvimento da cidadania e a formação de um espírito crítico em relação à ciência e a

tecnologia, por meio de iniciativas baseadas no conhecimento e na experiência de vida dos

educandos. Segundo Muenchen (2006, p. 32),

O ensino de Ciências Naturais para jovens e adultos fundamenta-se nos mesmos objetivos gerais do ensino voltado para crianças e adolescentes, uma vez que a formação para a cidadania constitui meta de todos os segmentos e modalidades da escolaridade.

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Em uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais de Ciências para a EJA, Vilanova e

Martins (2005) apontam que esta proposta apresenta em muitos aspectos o discurso dos

Parâmetros Curriculares Nacionais. No que tange as relações com a modalidade regular, os

trabalhos levantados buscam na maioria das vezes, se aproximar das propostas para este

segmento da educação. De acordo com Sanhos, Bispo e Omena (2005, p. 415),

Em se tratando da EJA, é importante levar em conta que o aluno se encontra inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais, trazendo consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas, necessitando a escola valorizá-la, se possível dentro do conteúdo das disciplinas, de forma transversal, como também sugerem os PCN.

A adaptação de propostas, no entanto, se afasta das recomendações para a EJA, cujos

trabalhos vêm demonstrando que abordagens desenvolvidas com base nos parâmetros do ensino

regular acabam por não conseguir manter os alunos na escola e defendendo a idéia de que as

questões da EJA precisam ir além daquelas apresentadas na LDB (NÜHRICH, 2005).

O debate sobre temas de saúde, por sua vez, constitui parte da história da educação

popular no Brasil. O Movimento de Educação de Base incluiu em seu programa noções de “saúde

popular”, e em 1964 uma cartilha denominada “Mutirão para a saúde” foi distribuída em larga

escala (BRANDÃO, 2001). Na década de1970, junto aos movimentos sociais emergentes

começaram a surgir experiências que buscavam integrar as comunidades com as questões de

saúde coletiva, que com a abertura política, buscaram reivindicar serviços públicos locais e a

exigir participação no controle de serviços já estruturados (VASCONCELOS, 2004). As

propostas de educação popular em saúde, compartilhando das idéias de Paulo Freire, defendem

abordagens integradoras e emancipadoras, que representem

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não apenas um atendimento profissional competente “aos menos favorecidos”, dentro da faixa da assistência pública à saúde de mulheres e homens do povo, mas de um intercâmbio de saberes,de valores, de projetos de vida, de alternativas socioculturais de superação de um modo de vida subalterno dentro de uma sociedade desigual (BRANDÃO, 2001 p.129).

Os objetivos da educação popular em saúde, desta forma, distanciam-se das abordagens

prescritivas e normativas, tendo como foco principal a promoção de atitudes que visem a

transformação social. Segundo Brandão (apud VASCONCELOS, 2004),

a Educação Popular não visa criar sujeitos subalternos educados: sujeitos limpos, polidos, alfabetizados, bebendo água fervida, comendo farinha de soja e utilizando fossas sépticas. A Educação Popular é um modo de participação de agentes eruditos (professores, padres, cientistas sociais, profissionais de saúde e outros) nesse trabalho político. Ela busca trabalhar pedagogicamente o homem e os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando formas coletivas de aprendizado e investigação, de modo a promover o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento. É uma estratégia de construção da participação popular no redirecionamento da vida social.

As relações entre a educação e a promoção da saúde configuram uma preocupação

também nos documentos da Educação de Jovens e Adultos. A V Conferência Internacional sobre

Educação de Adultos (V CONFINTEA), na Declaração de Hamburgo, texto que documenta os

compromissos firmados por representantes de diversos países em relação aos objetivos desta

modalidade da educação, dedica o 16° compromisso à educação para a saúde, que representa

um direito humano básico. Investimentos em educação são investimentos em saúde. A educação continuada pode contribuir significativamente para a promoção da saúde e para a prevenção de doenças. A educação de adultos democratiza a oportunidade de acesso à saúde.

1.4 Questões e objetivos da pesquisa

Tendo em vista as discussões desenvolvidas ao longo deste capítulo, apresentamos a

seguir a síntese dos pressupostos que foram auxiliares ao desenvolvimento das questões que

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buscamos investigar nesta pesquisa, que tem como objeto textos elaborados por professores da

Educação de Jovens e Adultos para a constituição de um material didático de Ciências.

i) Os discursos são uma forma de prática social;

ii) Os textos configuram a materialização do discurso, sendo desta forma regulados por estes;

iii) Os textos integram os processos sociais e desta forma, influenciam e são influenciados por

estes;

iv) Todo texto é constituído por elementos de outros textos, e a relação entre eles é

essencialmente dialógica;

v) Os materiais didáticos de Ciências constituem aspectos do discurso científico-escolar;

vi) O discurso científico-escolar pode ser considerado um discurso híbrido, que se constrói nas

relações entre diferentes gêneros.

Com base nestes pressupostos, buscamos desenvolver esta pesquisa tendo em vista o

objetivo de compreender como se configuram os textos sobre saúde nesta situação discursiva, na

qual os professores são os produtores do texto. As questões de pesquisa que propomos para a

aproximação ao nosso objetivo são apresentadas a seguir:

a) Como o discurso científico-escolar se configura no material para a Educação de Jovens e

Adultos?

b) Que discursos sobre saúde, educação em Ciências e Educação de Jovens e Adultos se

materializam nos textos analisados?

c) Que processos de produção textual podem se observados em relação aos textos de

referência?

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De acordo com as questões de pesquisa apresentadas, pudemos apontar os objetivos

específicos que nortearam nossos procedimentos de análise. Os objetivos específicos são

apresentados a seguir:

I. Identificar os elementos do gênero científico, bem como de outros gêneros discursivos

presentes no corpus e compreender suas relações;

II. Caracterizar os discursos que se configuram nos textos selecionados para análise;

III. Identificar as representações do discurso dos livros didáticos de Ciências apontados

pelos autores como referência para a produção do material para a EJA.

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2 QUADRO METODOLÓGICO

2.1 Metodologia da Pesquisa

De acordo com a perspectiva teórica apresentada, o texto didático, objeto de estudo

proposto nesta pesquisa, representa um produto que se constitui historicamente e ainda de acordo

com as relações sociais que se estabelecem para a sua concepção. Neste sentido, entendemos que

a pesquisa aqui apresentada localiza-se no campo das Ciências Sociais, o que implica trabalhar

com algumas premissas. A primeira, já mencionada, está relacionada com a historicidade dos

seus objetos de pesquisa e sugere que vivemos em um constante embate entre o que está dado e o

que está sendo construído, o que ressalta o caráter provisório, dinâmico e específico de qualquer

questão social (MINAYO, 1994).

Devemos ressaltar ainda a questão da identidade entre o sujeito e o objeto. Segundo

Lüdke e André (1986), a pesquisa, no que tange as Ciências Sociais, trata de problemas que

envolvem atividades humanas e sociais e, portanto está inevitavelmente relacionada à visão de

mundo dos envolvidos em sua produção, seus valores, princípios preferências e interesses. Esta

visão implica o fato de que a pesquisa no campo das Ciências sociais é intrínseca e

extrinsecamente ideológica e que, portanto, as abordagens dadas ao objeto de estudo, entendidas

como relação entre o pesquisador e o seu campo de estudo veiculam a visão de mundo de ambos

e tem implicações em todo o desenvolvimento da pesquisa (MINAYO, 1994).

Estas premissas tem como conseqüência que a abordagem dada aos objetos das Ciências

Sociais seja de caráter essencialmente qualitativo (MINAYO, 1994). A abordagem qualitativa

responde a questões muito particulares da realidade social, nas quais as quantificações se

mostraram de pouca utilidade no decorrer do desenvolvimento das Ciências Sociais. A pesquisa

qualitativa busca, neste sentido, aproximar-se por meio de seus instrumentos e teorias do

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dinamismo da vida em sociedade, em toda a sua diversidade, ainda que de forma sempre

imperfeita e inacabada, nos limites dos recortes das situações pesquisadas.

Nesta pesquisa o nosso olhar está voltado para uma circunstância particular, a produção

de textos didáticos por professores de ciências em um contexto específico, o projeto de Educação

de Jovens e Adultos implementado pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.

Nosso objeto relaciona-se, portanto, com uma situação dentre as muitas existentes e possíveis no

universo de produção de materiais educativos para esta modalidade da educação, o que configura

nossa pesquisa como um estudo de caso.

De acordo com Lüdke e André (1986), as características dos estudos de caso se

superpõem aos pressupostos da pesquisa qualitativa e destacam que os mesmos enfatizam a

interpretação em um contexto, utilizam uma variedade de fontes de informação, buscam uma

aproximação à realidade da forma mais completa e profunda possível e desta forma, procuram

representar os diferentes, e por vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social.

Podemos ainda delimitar esta pesquisa como de caráter documental, uma vez que nossos

dados são constituídos por textos já existentes. Segundo Alves-Mazzotti (1999), considera-se

como documento qualquer registro escrito que possa ser utilizado como fonte de informação,

podendo representar a única fonte de dados, ou ser combinado com outras técnicas de coleta. De

acordo com Lüdke e André (1986), a análise documental apresenta como principais vantagens a

estabilidade e riqueza das fontes e a possibilidade da obtenção de dados quando o acesso aos

produtores do texto não é possível ou quando o contato com estes possa alterar seu

comportamento ou seus pontos de vista. As autoras apontam como críticas freqüentes a este

método a questão da representatividade dos documentos em relação aos processos estudados uma

vez que os mesmos são resultado de escolhas arbitrárias dos seus autores. A perspectiva teórica

adotada nesta pesquisa, entretanto, considera os textos como integrantes dos processos sociais e

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que as escolhas focalizadas na sua produção representam uma prática constitutiva das situações

discursivas representando, portanto, dados essenciais para a aproximação ao nosso objeto de

estudo.

2.2 Apresentação do material

2.2.1 O Projeto em que se inserem os materiais analisados

O Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA), representa a proposta da Secretaria

Municipal de Educação do Rio de Janeiro para esta modalidade educacional. O projeto, iniciado

em 1985, inicialmente objetivava promover a alfabetização, e foi somente em 1998, com recursos

do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, que passou a atender o primeiro e o

segundo segmentos do Ensino Fundamental, através de uma proposta de ensino não seriado, em

blocos e progressivo (MACHADO, 2004). Esta ampliação representou uma expressiva expansão

do projeto, que no período entre 1998 e 2003 teve o número de matrículas aumentado em cerca

de 8,5 vezes, saltando de 2.968 alunos para aproximadamente 26.000 (MACHADO, 2004).

O segundo segmento do ensino fundamental, neste programa, estrutura-se como uma

proposta de ensino não-seriado, acelerativo e progressivo, realizado de forma presencial, em

horário noturno, distinto do ensino supletivo e do regular noturno (FAVERO e BRENNER,

2006). É desenvolvido em dois blocos, compostos por três unidades de progressão cada. Cada

bloco tem duração de um ano e cada disciplina é ministrada uma vez por semana. Existem

turmas compostas por estudantes na mesma unidade de progressão e ainda turmas

multisseriadas. A proposta curricular para educação de jovens e adultos está em processo de

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elaboração, e desta forma o material didático acaba por ser um importante norteador do

planejamento dos professores do PEJA5 .

Os materiais didáticos estão organizados de acordo com as unidades de progressão

(para cada unidade de progressão de cada disciplina existe um material educativo). É

importante ressaltar que os materiais são emprestados aos alunos do PEJA e que estes não

podem ser retirados da escola, sendo devolvidos ao final da aula.

O material de ciências foi inicialmente produzido por um grupo de professores desta

disciplina que não possuíam nenhuma experiência na EJA, o que acabou por resultar em uma

grande rejeição deste material por parte dos docentes que atuavam neste segmento. Esta

rejeição motivou a produção de um novo material, cujo produto consiste no objeto desta

pesquisa. A organização da utilização dos materiais educativos é apresentada no esquema a

seguir:

UP1-Unidade de Progressão 1 (12 aulas)

BLOCO I UP2-Unidade de Progressão 2 (12 aulas) Duração: um ano UP3-Unidade de Progressão 3 (12 aulas)

UP1-Unidade de Progressão 1 (12 aulas)

BLOCO II UP2-Unidade de Progressão 2 (12 aulas) Duração: um ano UP3-Unidade de Progressão 3 (12 aulas) Esquema 1: Organização do material educativo de ciências do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)

5 A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro possui uma proposta curricular própria, denominada Multieducação. A inserção da EJA nesta proposta ainda está em fase de elaboração.

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O material referente ao Bloco I é composto por um volume de texto, um caderno de

atividades e um anexo. Este material foi elaborado por professores de ciências da EJA, e está

sofrendo uma revisão, ainda em estágio inicial, por professores que participaram do processo

inicial de produção. O material está sendo utilizado pelos estudantes da Rede. A demanda pela

produção de um material próprio ocorreu neste projeto em função da estrutura do curso, em

Unidades de Progressão. A elaboração do material referente ao Bloco I durou aproximadamente

dois anos, iniciando-se no início de 2002 e sendo terminada no final de 2003, com o material

começando a circular na rede municipal no ano de 2004. O projeto recebeu verbas de um edital

do FNDE, que cobriu apenas parte das despesas com impressão dos volumes (em torno de 25%

dos gastos com a gráfica). Os professores receberam uma ajuda de custo para trabalharem na

elaboração do material (R$ 20,00 por hora trabalhada), provinda de recursos da Secretaria

Municipal de Educação.

A formação da equipe foi voluntária, sendo exigida unicamente a atuação como professor

de ciências no PEJA como requisito necessário para integrar a equipe. A equipe foi formada por

um grupo de sete professores, mantendo-se durante todo o processo de produção do material. Um

dos professores foi escolhido como coordenador do grupo, ficando a cargo de reunir, organizar e

revisar os textos produzidos. O grupo contava ainda com uma coordenadora, integrante do quadro

de profissionais do PEJA, com formação em pedagogia e cuja função era o acompanhamento das

atividades do grupo.

A versão disponível para o Bloco II é composta por três volumes

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um para cada Unidade de Progressão4. As atividades, leituras complementares e bibliografia

estão integradas ao texto. Este material também foi elaborado por um grupo de professores da

EJA, entretanto, ainda não foi distribuído para a Rede Municipal de Educação. Uma vez que a

única versão disponível do material é provisória e que este ainda não circula pela Rede Municipal

de Educação, optamos por não utilizar este texto como objeto de estudo nesta pesquisa.

2.2.2 A estrutura do material didático – Bloco I

O material didático relativo ao Caderno de Textos do Bloco I é oferecido na forma de um

caderno de tamanho A4 com capa em papel brilhante, acabamento em espiral, e sua edição é feita

em cores, com um total de 217 páginas. O Caderno de Atividades apresenta a mesma forma e

acabamento, entretanto sua edição é em preto e branco, com 147 páginas. Os Anexos são

disponibilizados na forma de fotocópia, sem capa e com acabamento em espiral.

Conforme demonstrado no esquema, o material educativo de ciências utilizado no

Programa de Educação de Jovens e Adultos referente ao Bloco I está organizado na forma de

aulas. O material apresenta ainda uma folha de rosto, seguida por uma ficha contendo as pessoas

envolvidas com a produção do material de maneira hierarquizada (começando com o Prefeito e

terminando com os autores), e o endereço, telefone e endereço eletrônico do projeto. A seguir,

observamos um texto de apresentação do material endereçado aos alunos e o índice das aulas,

cujos temas são apresentados na tabela a seguir.

4 A organização em três volumes representa uma versão provisória, organizada para atender a outro programa.

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BLOCO I Aula Tema UP1 UP2 UP3 1 Método Científico Água-características Peixes 2 Movimentos da terra-

estações do ano Água-pressão, densidade, Arquimedes e Pascal

Anfíbios

3 Ambientes brasileiros-florestas

Estados físicos da água, ciclo da água, tratamento

Répteis

4 Manguezal, restinga, costão

Origem da vida-evolução Aves

5 Cerrado e caatinga Características e classificação dos seres vivos

Mamíferos

6 Pantanal e campos Vírus Fotossíntese e respiração 7 Ambientes urbanos Bactérias Partes vegetais - raiz,

caule, folha, flor, fruto e semente

8 Terra-rochas, camadas e placas

Protozoários-fungos Algas, briófitas e pteridófitas

9 Solo e subsolo-recursos minerais

Invertebrados I-poríferos, celenterados e platelmintos

Gimnospermas e angiospermas

10 Atmosfera-camadas, composição, propriedades, pressão

Invertebrados II-nematelmintos e anelídeos

Conceitos em ecologia

11 Poluição do ar - C.F.C., ozônio, inversão térmica e chuva ácida

Invertebrados III-artrópodos Cadeias e teias alimentares

12 Meteorologia Invertebrados IV-moluscos e equinodermos

Relações ecológicas

Quadro 1: Organização temática do Bloco I.

Cada aula do Caderno de Textos é geralmente composta por uma caixa contendo um texto

de abertura - na sua maioria textos escritos, embora existam ainda esquemas e imagens - seguido

por seções de conteúdo, intercaladas com imagens, textos de apoio, gráficos, tabelas e caixas de

textos contendo na maioria das vezes glossários e curiosidades. O Caderno de Atividades,

também organizado na forma de aulas, traz o mesmo texto de abertura do Caderno de Textos

seguido basicamente por questionários. Neste Caderno são utilizadas ainda imagens e textos

relacionados aos exercícios. Os anexos trazem sugestões de atividades práticas e teóricas para a

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maioria das aulas, indicam vídeos e leituras complementares, sendo ainda apresentada a

bibliografia utilizada para a elaboração do material.

2.3 A Seleção do Corpus

O estabelecimento dos critérios para a construção do corpus analisado nesta pesquisa

levou em consideração essencialmente dois aspectos, que não deixam de estar relacionados, mas

podem ser descritos separadamente: o primeiro diz respeito à escolha dos temas analisados e o

segundo, à seleção dos textos do material educativo que analisamos neste trabalho.

As temáticas da saúde constituíram-se historicamente como um importante elemento nas

propostas da Educação Popular e da Educação de Jovens e Adultos5. Neste sentido, um dos

critérios para a seleção desta temática está relacionado às diferentes possibilidades discursivas

para a produção de um material educativo sobre saúde para a Educação de Jovens e Adultos no

contexto de uma proposta para o ensino de Ciências. A escolha de temas de saúde está ainda

relacionada à formação inicial da pesquisadora, uma vez que entendemos que a proximidade aos

conteúdos pesquisados representa condição para uma visão mais completa sobre os textos

analisados.

A seleção dos textos para análise foi realizada em duas etapas. Na primeira, buscamos

explorar o material como um todo, com foco nos diferentes gêneros discursivos e textuais que o

constituem6. Nesta etapa buscamos observar ainda aspectos da forma de apresentação dos

conteúdos, que se mostrou bastante homogênea em todo o caderno de textos. A síntese dos

resultados do mapeamento dos gêneros discursivos é apresentada a seguir:

5 A este respeito, ver seção 1.3.2 6 A distinção entre gêneros discursivos e gêneros textuais não foi priorizada aqui, pois de acordo com a proposta teórica da ACD, isto não representa uma prerrogativa para as análises.

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Componentes do Caderno de Textos Gêneros discursivos Caixas de abertura Literatura (contos, poesias, ensaios, infanto-

juvenil, adulta, cordel); letras de música; história da ciência; científico (diagramas); divulgação científica, pinturas

Caixas de Texto Literatura (biografias); cartas; vocabulário; curiosidades; científico

Textos de apoio Documentos históricos; receita culinária; quadrinhos; reportagens; divulgação científica

Quadro 2: Gêneros discursivos e textuais que configuram os componentes do Caderno de Textos do material educativo. Componentes do Caderno de Atividades Gêneros discursivos Caixas de abertura Idem ao Caderno de textos Textos de apoio aos exercícios Quadrinho; reportagem; divulgação

científica; literatura; ditado popular; manual técnico

Quadro 3: Gêneros discursivos e textuais que configuram os elementos do Caderno de Atividades do material educativo. Componentes dos Anexos Gêneros discursivos Bibliografia Livro didático; divulgação científica;

divulgação institucional; reportagens; livros técnicos; artigos técnicos; almanaque; guia; enciclopédia; literatura Leituras complementares: letra de música; reportagem; divulgação científica; divulgação institucional

Sugestões de atividades

Experimentos Quadro 4: Gêneros discursivos e textuais que configuram os elementos dos Anexos do material educativo. No mapeamento do caderno de textos e do caderno de atividades nosso foco esteve

voltado para os textos de apoio, encontrados nas caixas de abertura e intercalados ao texto

principal ou aos exercícios, no caso do caderno de atividades. Nos anexos, buscamos uma

aproximação ao texto principal, por meio da bibliografia. Percebemos, por meio da bibliografia

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apresentada como referência para a elaboração do material, que os livros didáticos de Ciências

para o ensino regular constituíam a principal fonte de consulta para os autores dos textos aqui

analisados. Desta forma, o acesso aos textos dos livros didáticos de referência constituiu o nosso

primeiro critério para a seleção dos textos para análise.

Partindo da visão que o texto didático representa uma construção híbrida, tivemos como

segundo critério para a seleção do corpus a presença de diferentes tipos de texto na sua

constituição, uma vez que buscamos perceber na heterogeneidade dos textos o encontro entre o

discurso da EJA e o do ensino de Ciências.

Buscamos então levantar as aulas que discutiam temas de saúde, identificando a de

número 7 na UP1 e as de número 3, 6, 7, 8, 9 e 10 na UP2, não observando a discussão de

nenhum tema de saúde na UP3. Por fim, submetemos estas aulas aos critérios anteriormente

mencionados definindo o nosso conjunto de textos para análise, representados pela seção

referente ao tratamento da água na aula 3 (Estados físicos da água, ciclo da água, tratamento),

toda a aula 7 (Bactérias) e a seção referente aos nematelmintos na aula 10 (Invertebrados II -

nematelmintos e anelídeos), todas localizadas na Unidade de Progressão 2. O texto referente a

aula 3 não apresentava a variedade de gêneros discursivos, entretanto, optamos por incluí-lo em

nossas análises por ele ser potencialmente relevante para a análise da categoria representação

discursiva, apresentada na seção 2.4. É importante ressaltar que os textos selecionados podem ser

considerados representativos do caderno de textos como um todo, no que tange os aspectos da

forma e da apresentação dos conteúdos.

2.4 Quadro metodológico

2.4.1 Análise Crítica do discurso

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Em nossas análises buscamos dar ênfase a um dos aspetos envolvidos na relação entre a

prática discursiva e os textos, que se refere a sua produção. Para tanto, procuramos nos aproximar

de aspectos da heterogeneidade dos textos, apresentados a seguir.

Segundo Fairclough (2001), o entendimento da heterogeneidade dos textos nos permite uma

aproximação dos elementos de estruturação e reestruturação das ordens do discurso. De acordo

com a perspectiva teórica da ACD, a análise da heterogeneidade dos textos implica a abordagem

em duas dimensões: a interdiscursividade e a intertextualidade manifesta. Segundo Fairclough

(2001, p. 152),

A intertextualidade manifesta é o caso em que se recorre explicitamente a outros textos específicos em um texto, enquanto interdiscursividade é uma questão de como um tipo de discurso é constituído por meio de elementos de ordens do discurso.

O entendimento da interdiscursividade (ou intertextualidade constitutiva), portanto,

relaciona-se com a compreensão da heterogeneidade dos textos por meio dos elementos da ordem

do discurso, que na proposta teórica da ACD são representados pelos gêneros, estilos, discursos e

ainda as atividades envolvidas na produção do texto. Estas construções podem ocorrer de maneira

normativa tendendo a naturalização da ordem do discurso, ou de forma criativa, configurando

novos elementos de ordem do discurso, uma vez que os limites entre estes elementos estão

constantemente abertos para serem redesenhados à medida que as ordens do discurso são

desarticuladas e rearticuladas no curso da luta hegemônica (FAIRCLOUGH 2001).

Segundo Bakhtin (2000), os gêneros podem ser entendidos como tipos relativamente

estáveis de enunciados, elaborados pelos diferentes campos de utilização da língua.

Coerentemente com esta visão, a abordagem da Análise Crítica do Discurso aponta que os

gêneros não implicam somente tipos particulares de texto, mas também os seus processos de

produção, distribuição e consumo (FAIRCLOUGH 2001). Isto implica a visão de que cada

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gênero ocorre em um determinado contexto, envolvendo diferentes sujeitos que o produzem e

interpretam (MEURER, 2005). Cabe ressaltar, entretanto, o caráter da diversidade que é inerente

aos gêneros do discurso. Segundo Bakhtin (2003, p. 262),

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo.

Desta forma, em muitas situações discursivas podemos perceber a coexistência de

diversos gêneros, caso em que poderíamos denominá-las como construções híbridas. Segundo

Bakhtin (1934 apud BRAGA e MORTIMER, 2003 p. 58),

Denominamos construção híbrida o enunciado que, segundo índices gramaticais (sintáticos) e composicionais, pertence a um único falante, mas onde, na realidade, estão confundidos dois enunciados, dois modos de falar, dois estilos, duas “linguagens”, duas perspectivas semânticas e axiológicas.

Os estilos podem ser classificados em categorias que Halliday (1978) chamou de tenor,

modo e modo retórico. O conceito de estilo relaciona-se com a questão de que a linguagem varia

de acordo com a situação, ou seja, determina a seleção de significados e as formas que são

utilizadas para sua expressão de acordo com o contexto social em que os textos são produzidos.

Neste sentido, a categoria tenor está relacionada com o status e o papel das relações estabelecidas

no texto, ou seja, é determinado pelas redes de comunicação formadas pelos diferentes grupos

sociais. O modo é determinado pelas estratégias e escolhas da linguagem utilizada de acordo com a

situação, ou seja, com o canal de comunicação adotado (HALLIDAY, 1978). Os estilos variam

ainda de acordo com o modo retórico, podendo ser classificados como argumentativo, expositivo

ou descritivo (FAIRCLOUGH, 2001).

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Os discursos, segundo Fairclough (2001), configuram formas particulares de construção

dos textos, no sentido em que enfatizam determinados conteúdos e áreas do conhecimento de

maneira bastante arbitrária, de acordo com os interesses institucionais. Neste sentido, os discursos

podem ser entendidos como o conjunto de enunciados que, articulados por meio da linguagem

expressam os valores e os significados das diferentes instituições (MEURER, 2005).

Por fim, as atividades relacionam-se com o tipo de ação envolvido na produção do texto,

sendo determinadas desta forma, pelas relações estabelecidas para a produção de sentidos na

elaboração dos textos. As atividades relacionam-se, portanto, com as posições de sujeito

assumidas pelos participantes envolvidos na ação, que são socialmente constituídas e legitimadas

em relação ao tipo de atividade. Neste sentido, as atividades delimitam um conjunto de opções, e

não uma estrutura rígida (FAIRCLOUGH, 2001).

A segunda dimensão diz respeito à intertextualidade manifesta, ou seja, às formas pelas

quais outros textos estão explicitamente marcados na superfície textual. A intertextualidade pode

acontecer de maneira normativa, com a naturalização da forma pela qual se recorre a determinados

textos e convenções, mas pode, contudo, ocorrer de maneira criativa, com novas configurações de

elementos de ordens do discurso e novos modos de intertextualidade manifesta (FAIRCLOUGH,

2001). As categorias eleitas neste trabalho para a observação da intertextualidade manifesta

relacionam-se com a representação discursiva e com a pressuposição. A representação do discurso

corresponde a uma forma de intertextualidade na qual textos estão explicitamente marcados em um

outro, podendo ser diretas ou indiretas. No caso das representações diretas, pretende-se reproduzir

as palavras exatas do discurso representado, já as indiretas tendem a ser ambivalentes, não se

podendo ter a certeza da medida em que as palavras do original são reproduzidas ou não. A

categoria representação do discurso, portanto, busca uma aproximação aos tipos de discurso, o

modo como estes estão representados e ainda a sua função no texto, através do entendimento do

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que é citado, como e por quê, podendo ir além do conteúdo do discurso representado, incluindo

ainda aspectos do estilo e do contexto dos enunciados representados (FAIRCLOUGH, 2001).

As pressuposições são representadas no texto por proposições que são consideradas pelos

seus produtores como algo estabelecido, sendo, portanto, uma forma de incorporar outros textos,

que podem ou não ter sido produzidos pelos sujeitos envolvidos na produção do texto analisado.

Segundo Fairclough (2001) as pressuposições podem ser sinceras ou manipulativas, ou seja, podem

apresentar uma proposição como estabelecida com objetivo de manipulação do leitor, uma vez que

proposições são freqüentemente difíceis de desafiar.

Segundo Fairclough (2001), a vantagem em utilizar tais termos consiste na possibilidade

de delineamento dos diferentes elementos de ordens do discurso e a proposição de algumas

categorias de análise. Entretanto, estas devem ser utilizadas com cautela, pois um quadro

analítico muito fechado pode negligenciar as complexidades do processo e, ainda, devido à

diversidade de elementos de ordens de discurso, sua delimitação pode nem sempre ser evidente

(FAIRCLOUGH, 2001).

2.4.2 Aspectos da linguagem científica em livros didáticos

Em nossa proposta de análise, feita com base na perspectiva teórico-metodológica da

análise crítica do discurso, a aproximação dos gêneros discursivos representa um elemento

central para a abordagem da interdiscursividade. Encontramos em Martin (2003), uma

contribuição sobre os elementos do gênero científico que nos auxiliou nossas análises, sendo

apresentada a seguir.

A linguagem científica pode ser considerada como parte constitutiva do processo de

produção deste conhecimento, sendo impossível separar a ciência do modo como esta é escrita.

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Os textos científicos possuem, além da especificidade léxica que freqüentemente é

apontada como fator complicador para sua compreensão, uma estrutura gramatical peculiar,

caracterizada pela escrita em longos grupos nominais, ao invés de sentenças. Estes grupos são

formados por conjuntos de conceitos e definições interligados, que juntamente com o vocabulário

técnico possuem a função de locar o máximo de informação no menor espaço possível. Neste

sentido, a linguagem constitui uma das mais importantes tecnologias desenvolvidas pelos

cientistas (MARTIN, 1993).

Segundo Martin (1993), para que um estudante torne-se cientificamente letrado7, o

mesmo deve ser capaz de ler e escrever sobre os diferentes gêneros que compõem os textos

científicos. Neste sentido, a apropriação da linguagem científica torna-se atributo indispensável à

compreensão de uma ciência, o que traz implicações para seu ensino e aprendizagem (BRAGA E

MORTIMER, 2003).

A informação científica pode ser formulada de diferentes maneiras, e na sua escrita

podemos observar diferentes gêneros, entre diagramas e textos (MARTIN, 1993). Este autor

identifica os relatórios (reports) - classificações, decomposições, descrições de funções e

listagem de propriedades - e as explicações como gêneros presentes nos textos científicos, que

são adaptados aos diferentes aspectos das diversas áreas da ciência.

Os relatórios podem ser considerados o principal gênero observado nos textos científicos,

e sua principal função é a organização de informações (características e funções), no sentido de

classificá-las ou decompô-las (MARTIN, 1993). De acordo com o autor, nas classificações a

informação está organizada em classes e subclasses, e cada uma dessas pode ser definida, descrita

e exemplificada. No caso das decomposições, as informações são descritas de maneira

6 Do inglês literate in science: tornar-se capaz utilizar os conhecimentos científicos na vida cotidiana. É, portanto, análogo ao conceito de alfabetização científica que se tornou mais comum nos textos sobre ensino de Ciências no Brasil.

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semelhante, porém as definições estão arranjadas de modo a estabelecer relações entre as partes e

o todo de um determinado conhecimento científico. Na escrita científica podem ser identificados

ainda os relatórios descritivos, nos quais são expostas as funções da entidade ou fenômeno que se

deseja relatar ou realizadas definições através da listagem das propriedades de um determinado

objeto (MARTIN, 1993).

Um outro gênero apontado pelo autor são as explicações, que se configuram quando o foco

está na apresentação de um processo. Assim como nos relatórios, apresentam elementos

genéricos e verbos no infinitivo, mas possuem um maior número de “verbos de ação” e as ações

organizadas numa seqüência lógica.

2.5 Categorias da análise e desenvolvimento da pesquisa

De acordo com Fairclough (2001), a análise da produção de textos envolve a abordagem

da interdiscursividade e da intertextualidade manifesta. No caso da primeira, buscamos delinear

os gêneros discursivos, tipos de atividade, estilos e discursos. A análise da intertextualidade

manifesta envolveu as categorias representação discursiva e a pressuposição. Apresentamos nas

tabelas a seguir as categorias que foram definidas para a análise do corpus.

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INTERDISCURSIVIDADE

Categoria Descrição

Gênero discursivo Identificação dos gêneros discursivos presentes no corpus; identificação dos elementos do gênero científico de acordo com as categorias propostas por Martin (1993)8.

Tipos de atividade Identificação do conjunto de posições de sujeito que são socialmente constituídas e reconhecidas em conexão com a atividade da produção dos textos nesta prática social.

Estilos Especificação dos estilos de acordo com o tenor, modo e modo retórico.

Discursos Delineamento dos discursos que se constituem no material analisado.

Quadro 5: categorias de análise da interdiscursividade

INTERTEXTUALIDADE MANIFESTA

Categoria Descrição

Representação discursiva Identificação das representações diretas e indiretas; identificação de aspectos do significado ideacional, do contexto e do estilo nestas representações.

Pressuposição Identificação das pressuposições e discussão do seu papel em relação aos textos utilizados no contexto da produção do material.

Quadro 6: categorias de análise da intertextualidade manifesta

As análises de cada uma das aulas selecionadas para a constituição do corpus

foram feitas separadamente, sendo apresentadas no capítulo 3. Na análise do trecho sobre o

tratamento da água, apresentada na seção 3.1, nossa ênfase foi para os aspectos da

intertextualidade manifesta. Na seção 3.2, em que analisamos a interdiscursividade na aula sobre

bactérias, nosso foco esteve voltado principalmente para a questão dos gêneros discursivos e a 8 As categorias são representadas pelas classificações, decomposições, descrições de funções, e listagem de propriedades e explicações.

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3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Intertextualidade manifesta: representação discursiva e pressuposição

Nesta seção buscamos abordar aspectos da intertextualidade manifesta, por meio das

categorias representação discursiva e pressuposição. No caso da primeira, buscamos nos livros

didáticos de Ciências indicados pelos produtores do material como referência para a elaboração

do texto uma aproximação da maneira como estes são utilizados para a criação de um material

para a Educação de Jovens e Adultos. Para tanto, buscamos observar essencialmente as

representações, diretas e indiretas, e a sua contextualização no texto analisado. No caso das

pressuposições, nossa intenção foi apontar a maneira como estas se configuram no texto e as suas

possíveis relações com os discursos sobre saúde.

A aula selecionada para a análise da intertextualidade manifesta representa a de número

três do caderno de textos da Unidade de Progressão 2, cujos temas compreendem o tratamento da

água e as agressões que podem atingir este recurso natural.Esta é a terceira aula da Unidade de

Progressão 2, e apresenta ainda conteúdos sobre os estados físicos da água e o ciclo da água. Esta

aula é composta por quatro páginas, apresentando como texto de abertura um esquema que

representa o ciclo da água, seguido pelo texto principal, que é intercalado com esquemas, uma

figura e uma caixa de texto contendo um glossário (intitulada vocabulário), localizada no final da

aula. O texto selecionado para análise nesta aula corresponde às seções referentes ao tratamento

da água e as agressões, por representar o trecho que articula as relações entre água e saúde.

Os livros apontados pelos autores como referência para esta aula foram a segunda edição

de “A Terra, um Planeta Vivo”, de Paulo Maurício Silva e S.R. Fontinha publicada em 1999 e a

primeira edição de “O Planeta Terra”, de autoria de Fernando Gewandsznajder, publicada em

2000. Entretanto, pudemos identificar somente o segundo como fonte de referência para a

elaboração do trecho que analisamos, com exceção da figura relacionada ao ciclo da água

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(Figura1), que foi reproduzida do livro A Terra, um Planeta Vivo. Neste sentido, ao

mencionarmos nas análises a seguir o livro de referência, este corresponde ao título “O Planeta

Terra”.

O livro de referência, indicado para a quinta série do ensino fundamental, é organizado

em cinco unidades, que abordam os temas “Seres Vivos e Ambiente”, “As Rochas e o Solo”, “A

Água”, “O Ar” e “O Universo”, nesta seqüência. A apresentação do tema tratamento da água é

realizada no capítulo 11 da unidade III (“A Água”), sendo denominado “A qualidade da água”.

O capítulo 11 do livro “O Planeta Terra” é organizado em seções: na primeira, são

exploradas as relações entre as propriedades da água e o potencial da mesma como um risco à

saúde; nas três seções subseqüentes são apresentados os conceitos de água potável, água destilada

e água mineral; em seguida, é apresentada a seção sobre as estações de tratamento da água, cujo

texto representou a referência para a elaboração do material que analisamos nesta pesquisa;

finalmente, a última seção apresenta os processos relativos ao tratamento de esgoto.

No livro apontado como referência o tema ciclo da água é discutido em outro capítulo,

assim como os estados físicos da água. No material analisado, entretanto, estes conteúdos estão

agrupados em uma única aula na qual, a partir de uma explicação bastante sintetizada sobre o

ciclo da água, é introduzido o tema tratamento da água.

3.1.1 Resultados: representações discursivas e pressuposições

Nas Figuras 1 e 2 são apresentados os textos do material para a EJA e o material de

referência referentes à apresentação do processo de tratamento que ocorre nas estações de

tratamento de água.

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Figura 1: trecho referente ao tema tratamento da água no material da EJA (retirado de Educação

de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.91-92)

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Figura 2: seção sobre as estações de tratamento de água do material de referência (retirado de O Planeta Terra, de Fernando Gewandsznajder, p. 129-130)

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Destacamos a seguir alguns trechos dos dois materiais, buscando aspectos da

intertextualidade manifesta. Inicialmente identificamos uma representação indireta, conforme

aponta o esquema abaixo:

Esquema 2: relações entre discurso representado e representador.

No Esquema 2 podemos observar um exemplo de como os conteúdos foram sintetizados

para a apresentação dos temas “ciclo da água” e “tratamento da água”. Os produtores do material

utilizam uma das fases do ciclo da água, a formação das chuvas, para introduzir, por meio de uma

analogia com o processo de alimentação, a questão do abastecimento de água para os centros

urbanos. Neste trecho os autores utilizam a figura retirada do livro “A Terra, um Planeta Vivo”.

Esta figura apresenta um esquema do ciclo da água e tem o seu tamanho reduzido em relação ao

original publicado, no qual a mesma ocupa três quartos da página e é apresentada no contexto de

uma explicação sobre as relações entre este processo e a purificação da água. É importante

ressaltar que a figura traz a imagem de uma criança.

No que diz respeito às transformações ocorridas em relação ao texto de referência

pudemos apontar as seguintes mudanças, destacadas no Esquema 1:

o No trecho sublinhado: no material de referência, é apontado que nem todas as casas das

grandes cidades recebem água encanada e tratada. O material da EJA, por sua vez, refere-

se à presença das estações de tratamento nas grandes cidades, não fazendo referência à

Muitas casas das grandes cidades recebem água encanada, vinda de rios ou represas. Essa água é submetida a tratamentos especiais para eliminar impurezas e os micróbios que prejudicam a saúde.

A água da chuva “alimenta” os rios que servem para abastecer os centros urbanos. A maioria das grandes cidades possui Estações de Tratamento de Água (ETA), onde ela é tratada e distribuída para a população.

Material de referência Material da EJA

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questão do acesso à água tratada. A distribuição da água é mencionada no discurso

representador (o do material da EJA), entretanto, não é estabelecida a relação entre

distribuição de água tratada e a água encanada, como é feito no material de referência.

o No trecho em itálico: o material de referência indica os objetivos do tratamento da água

em uma estação, destacando a sua relação com a saúde. Estes objetivos são suprimidos no

discurso representador, que se limita a dizer que a água é tratada. Neste sentido, podemos

apontar aqui uma possível pressuposição, a de que ao se afirmar que a água é tratada,

subentende-se que a mesma não é prejudicial à saúde, o que permitiria aos autores do

texto suprimir esta informação na sua elaboração.

Em seguida no texto analisado é feita uma apresentação bastante detalhada sobre a

Estação de Tratamento de Água do Guandu, na qual são descritas a sua capacidade, localização, a

formação do rio Guandu e ainda a data da sua inauguração. O texto segue com a reprodução de

um esquema do livro de referência e com uma explicação baseada no mesmo. Esta explicação

aponta também um exemplo de representação indireta, na qual é feito um resumo da explicação

do processo que ocorre em uma estação de tratamento de água. Apresentamos no Esquema 3 o

conjunto da explicação sobre o tratamento da água no material de referência e no material da

EJA:

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I

Material da EJA

Material de referência

II

Material da EJA

Material de referência

III

Material da EJA

Material de referência

Esquema 3: relações entre discurso representado e representador.

Após algumas horas no tanque de decantação, a água que fica por cima das impurezas, e que está mais limpa, passa por um filtro formado por várias camadas de pequenas pedras (cascalhos) e areia. À medida que a água vai passando pelo filtro, as partículas de areia ou de argila que não se depositaram vão ficando presas nos espaços entre os grãos de areia. Parte dos micróbios também fica presa nos filtros. É a etapa conhecida como filtração (negrito do autor).

Em C ocorre a filtração onde a água quase limpa passa de cima para baixo atravessando uma barreira de pedras e cascalhos

Mas nem todos os micróbios que podem causar doenças se depositam no fundo do tanque ou são retidos pelo filtro. Por isso, a água recebe produtos contendo o elemento cloro, que mata os micróbios (cloração), e o flúor, um mineral importante para a formação dos dentes. A água é então levada através de encanamentos subterrâneos para as casas ou edifícios.

indo para o tanque D recebendo cloro para matar microorganismos como bactérias. Em seguida, a água agora potável vai para reservatórios que abastecem a cidade.

No tanque B adiciona-se cal (que reduz a acidez da água) e sulfato de alumínio que se une à sujeira maior (floculação) e vai para o fundo do tanque de decantação.

Na estação de tratamento, a água passa por tanques de cimento e recebe produtos, como o sulfato de alumínio e o hidróxido de cálcio (cal hidratada). Essas substâncias fazem partículas finas de areia e de argila se juntarem, formando partículas maiores, os flocos. Esse processo é chamado floculação. Como essas partículas são maiores e mais pesadas, elas vão se depositando aos poucos no fundo de outro tanque, o tanque de decantação. Desse modo, algumas impurezas sólidas da água ficam retidas (negritos do autor).

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Nos trechos I, II e III, destacados no Esquema 3, apontamos uma série de supressões que

aparentam resultar na constituição de um resumo do material de referência . Neste movimento, o

texto do material de referência, que é basicamente narrativo, assume no discurso representador a

forma de seqüência de informações itemizadas, aonde são preservados basicamente elementos

descritivos do processo de tratamento da água (marcadas por linhas tracejadas no Esquema 3). As

explicações, por sua vez, são eliminadas. Devemos também destacar que as representações em

relação ao material de referência foram identificadas a partir do processo de floculação, indicado

pela letra B. Neste sentido a formulação sobre o processo de captação parece ser original dos

autores (ver Figura 1), assim como a informação sobre a acidez da água (entre parênteses no

trecho I) e o exemplo das bactérias (ver trecho III). Desta forma, o sentido destas supressões

parece apontar para uma intenção de se preservar o essencial para a descrição do processo de

maneira coerente, embora da forma mais abreviada possível.

Após a discussão sobre a questão do tratamento da água são abordadas as agressões que

este recurso natural sofre por meio da ação humana. Neste trecho pudemos identificar exemplos

de representações diretas e indiretas e uma pressuposição, representadas no Esquema 4.

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Material de referência Material da EJA Esquema 4: representação indireta e pressuposição No Esquema 4 podemos observar mais alguns exemplos de supressão (trecho em itálico),

que se refere à relação entre o processo de tratamento de água e os seus custos e ainda, às

escassas reservas de água doce no planeta. O exemplo de reaproveitamento de água também é

suprimido (trecho sublinhado). Neste trecho, entretanto, os produtores do material para a EJA

apresentam formulações relativas à relação entre a preservação da água doce e a das nascentes,

mananciais e florestas, que não são apontadas no material de referência.

Os parágrafos destacados no Esquema 4 introduzem, em ambos os materiais, uma série de

medidas que podem ajudar a preservar a água, que podem ser observadas no Esquema 5:

A produção de água potável é cara: a água dos rios ou de outras fontes precisa passar por uma série de processos nas estações de tratamento e depois tem de ser distribuída para a população. Além disso, a quantidade de água doce no mundo é muito pequena e, ainda assim, as reservas de água doce vêm sendo cada vez mais atingidas pelos poluentes lançados pelo ser humano. Por isso, todos devemos procurar economizar o chamado “precioso líquido”. No Japão, por exemplo, a água que sai pelo ralo é reaproveitada para abastecer os vasos sanitários e só depois vira esgoto.

A água é um produto precioso. Seu tratamento é caro e por isso todos nós devemos ajudar economizando água. Devemos também proteger as nascentes dos rios, os mananciais, e as florestas, pois em muitas delas existem nascentes de águas.

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Material de referência Material da EJA Esquema 5: representações diretas e indiretas

Podemos observar no Esquema 5 um exemplo de representação direta (sublinhadas nos

trechos apresentados) destacado em itálico) e mais alguns exemplos de representações indiretas

(destacadas em itálico). A exemplo do que foi apontado no Esquema 4, os produtores reforçam a

importância da preservação de outros elementos do ambiente para a preservação da água, o que

não é observado no material de referência. No caso das representações indiretas, são ainda

adicionados dados quantitativos sobre o desperdício de água, cujas fontes não são indicadas, o

que impossibilita uma análise das representações deste aspecto.

o Consertar imediatamente os vazamentos de torneiras, descargas e canos.

o Não deixar a torneira aberta sem necessidade, por exemplo, enquanto se escovam os dentes ou enquanto se ensaboam as louças. Procurar ensaboar primeiro todas as louças para depois enxaguar tudo de uma vez só.

o Ficar no banho somente o tempo necessário. Depois de se molhar, fechar o chuveiro, ensaboar-se e, a seguir, abri-lo para enxaguar.

o Manter a válvula da descarga regulada para não lançar muita água. O ideal é que o vaso sanitário tenha uma caixa acoplada. A caixa descarrega cerca de 6 litros, enquanto a válvula pode gastar 20 litros por vez.

o Na lavagem de carros, deve-se utilizar balde em vez de mangueira, que também deve ser evitada na limpeza de calçadas.

o Proteger as matas ciliares (vegetação da margem dos rios)

o Não jogar entulho nos rios. o Consertar imediatamente os vazamentos de

torneiras, descargas e canos. o Não deixar a torneira aberta sem uso. o Tomar banho usando racionalmente a água.

Durante o banho com o chuveiro ligado por 15 minutos, gastamos 144 litros de água. Se fechar o registro enquanto se ensaboa, o consumo cai para 48 litros.

o Escovar os dentes com a torneira aberta por cinco minutos gasta 12 litros de água. Molhar a escova, fechar a torneira e enxaguar a boca usando um copo economiza 11,5 litros de água.

o Dar preferência a vaso sanitário que tenha caixa acoplada, que gasta aproximadamente 6 litros de água. A descarga comum gasta mais de 20 litros.

o Evitar usar água de mangueira como vassoura para limpar calçadas

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Estas representações discursivas estão ligadas a uma pressuposição no texto transcrito no

Esquema 4, destacada em negrito no mesmo. Esta pressuposição corresponde a um discurso sobre

a preservação do meio ambiente que se encontra bastante naturalizado em nossa sociedade, onde

há uma tendência de centralizar nas ações do cotidiano dos indivíduos a responsabilidade pela

preservação dos recursos naturais. O consumo individual da água, entretanto, representa 8% do

volume consumido, contra 70% do consumo pela agricultura e 22% do consumo pelas indústrias

(BRITO-PELEGRINI, PATERNIANI e PELEGRINI, 2005).

A mesma pressuposição também pode ser observada em seguida, no que tange a

preservação das nascentes, mananciais e florestas. O Esquema 5 representa aspectos deste

discurso, ao prescrever uma série de medidas para a preservação da água que podem ser adotadas

por cada indivíduo. Neste sentido, embora o discurso representado seja o do livro didático de

referência, este está ligado a um discurso que corresponde atualmente à opinião geral, estando

presente em uma série de outros textos, como os da mídia e os das campanhas para economia de

água e para a preservação dos recursos naturais.

3.1.2 Discussão

Nossas análises apontam as supressões como principal recurso para a contextualização do

discurso do material de referência no material para a EJA para a abordagem do tema tratamento

da água e as agressões. Devemos lembrar que o projeto para o ensino fundamental no qual se

insere o material analisado é desenvolvido em dois anos, metade do tempo dedicado a este

segmento no ensino regular. Logo, os produtores do material precisam realizar uma série de

escolhas para que o material seja adequado ao formato do projeto. No caso desta aula, as escolhas

acabaram por não abordar alguns aspectos importantes para a compreensão do processo de

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tratamento da água (ver Esquema 3) e a ênfase na relação entre o tratamento da água e a

promoção da saúde (exemplificados nas análises relacionadas aos Esquemas 2 e 3).

Em relação à figura reproduzida a partir do livro “A Terra, um Planeta Vivo”, de Paulo

Maurício Silva e S.R. Fontinha podemos destacar que a redução das dimensões da figura

compromete a explicação que esta se propõe apresentar, por dificultar o reconhecimento visual

das estruturas gráfica mobilizadas para a representação do ciclo da água. É importante ressaltar

também que a utilização desta figura se afasta das recomendações para a EJA, por representar a

imagem de uma criança.

Um importante aspecto, também não discutido no material para a EJA, é o problema do

acesso à água tratada em muitas regiões do país e as alternativas de tratamento onde o

abastecimento não é economicamente viável. A problematização da questão do acesso à água

representa um potencial elemento para a discussão das relações entre tecnologia e sociedade. A

discussão deste tema, neste sentido, permitiria uma aproximação a duas recomendações das

propostas da alfabetização científica (FOUREZ, 2003; TERNEIRO-VIEIRA, 2004): a primeira,

relaciona-se ao objetivo de instrumentalizar o aluno para o desenvolvimento de um pensamento

crítico sobre as implicações sociais do acesso a água tratada e as relações de poder que se

estabelecem para o abastecimento de água em nosso país. A segunda relaciona-se com o

elemento de contextualização que o acesso à água pode representar para os estudantes da EJA,

uma vez que muitos dos alunos que hoje estudam na EJA são imigrantes vindos de regiões em

que o acesso à água representa um grave problema social.

A discussão sobre o tratamento à água também apresenta elementos para uma abordagem

de acordo com as recomendações contidas nas propostas da educação popular em saúde, uma vez

que a relação entre água e saúde depende muitas vezes da conquista pelo direito à água tratada,

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ou seja, relaciona-se com a integração entre as comunidades e os assuntos de saúde coletiva

(VASCONCELOS, 2004).

Neste sentido, na elaboração da aula sobre o tratamento da água não pudemos identificar

aproximações ao discurso da alfabetização científica, tampouco ao da educação popular em

saúde, o que parece indicar que a principal voz aqui é a do discurso presente no ensino supletivo,

nos quais os conteúdos são reduzidos para se adaptarem à realidade de um curso que deve ser

desenvolvido em dois anos. De acordo com Di Pierro (2005), as práticas que configuram cultura

escolar brasileira encontram-se ainda impregnadas por uma visão compensatória de educação de

jovens e adultos, que inspiraram a abordagem dos supletivos. Este paradigma enclausura as

propostas para a EJA nas rígidas referências curriculares e metodológicas do ensino regular (DI

PIERRO, 2005), as quais parecem representar uma forte influência para a produção do material

que analisamos. Neste contexto podemos destacar também o papel estruturante que os livros

didáticos de Ciências assumem na constituição do material analisado. A utilização de livros

didáticos para a elaboração de textos por professores constitui uma prática muito naturalizada no

espaço escolar, constituindo um importante recurso para a produção dos textos.

Neste sentido, a produção do texto que analisamos nesta seção parece ser regulada

essencialmente por dois aspectos: o primeiro relaciona-se com as demandas do projeto, que tem a

sua proposta organizada na forma de aulas, e ainda com as relacionadas pelo tempo de duração

do curso. O segundo, pelos recursos disponíveis dos membros (FAIRCLOUGH, 2001), ou seja,

as normas e convenções que se estabelecem nesta situação discursiva, em que a utilização de

livros didáticos representa a primeira escolha e a principal influência para a produção de textos

pelos professores.

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3.2 Interdiscursividade: gêneros, estilos e discursos

Nesta seção buscamos identificar os diferentes gêneros que constituem o texto referente à

aula de número sete do Caderno de Textos da Unidade de Progressão 2, no qual é apresentado o

conteúdo Bactérias. Procuramos ainda estabelecer relações entre estes e os estilos e tipos de

atividade, bem como relacioná-los com alguns aspectos da intertextualidade manifesta.

A aula sobre bactérias neste material tem a extensão de cinco páginas, e como no restante

das aulas, possui um texto de abertura, representado pela letra da música O Pulso, de autoria de

Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Bellotto. O texto está dividido em seis seções, sendo

que a primeira e a última não apresentam título, apesar de estarem estruturadas como as demais

seções. São referentes à introdução (constituída pela letra de música e o texto subseqüente), e aos

temas Bactérias nos Alimentos, Bactérias que Protegem, Bactérias “Ecológicas” (aspas dos

autores), Bactérias que Causam Doenças, Cianobactérias, e a última, referente à reprodução e ao

processo de esporulação das bactérias.

O texto apresenta algumas figuras, na sua maioria fotografias coloridas de microscopia, e

ainda dois esquemas, quatro caixas de texto (uma receita de iogurte e as três restantes intituladas

“Você Sabia?”) e uma reportagem de jornal, além do texto principal.

3.2.1Resultados: elementos do gênero científico e sua relação com os outros gêneros

De acordo com o quadro metodológico apresentado, buscamos, com base nas categorias

propostas por Martin (1993), identificar elementos do gênero científico no texto didático

analisado (ver seção 2.4.2). No caso da aula sete, todo o seu conteúdo está organizado na forma

de classificações. A primeira classificação é apresentada na introdução, como ilustrado na figura

a seguir:

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Figura 3: Apresentação da classificação morfológica das bactérias (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.112).

A seção de introdução ao tema apresenta a classificação segundo o critério morfológico

das bactérias, através da utilização de fotografias de microscopia. O texto define as bactérias

como seres microscópicos, causadores de algumas doenças, mas não busca relacionar a

classificação aos agentes etiológicos das doenças utilizadas como exemplo no texto. Uma

definição mais completa é apresentada no trecho destacado em vermelho na Figura 3, transcrito a

seguir:

As bactérias estão por toda a parte. Na água, na terra, na poeira do ar, em todos os

ambientes, dentro e fora do nosso corpo e até nos alimentos. Apesar disso não podemos vê-las

pois só são visíveis com o auxílio de um microscópio. As bactérias não possuem um núcleo

definido na célula única que compõe seus organismos. O seu material genético está espalhado

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Figura 4: Seção Bactérias nos alimentos (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.113).

Nesta seção os autores apresentam um processo, a fermentação do leite por bactérias que

tem como resultado a produção do iogurte. A explicação, destacada em vermelho na Figura 4 é o

aspecto do gênero científico utilizado para a descrição do processo, apresentando principalmente

a utilização de verbos “de ação” (sublinhados na figura acima), e com suas ações organizadas em

uma seqüência lógica (MARTIN, 1993), que podem ser representadas da seguinte maneira:

Leite livre de microorganismos → contato com bactérias → multiplicação e alimentação →

produção do iogurte.

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Segundo Martin (1993), a descrição de processos geralmente leva à utilização de

exemplos e experimentos para a sua explicação. No caso desta seção, esta função é representada

pela receita culinária, na qual o processo é exemplificado. É importante ressaltar que a utilização

de receita de iogurte nos textos sobre bactérias representa um artifício recorrente nos livros

didáticos de Ciências, constituindo um exemplo tradicional do repertório da ciência escolar.

o Bactérias que protegem

Nesta seção identificamos como elemento do gênero científico mais uma

classificação, em que se procura descrever propriedades das bactérias na defesa dos organismos e

a definição de flora bacteriana, conforme ilustrado na Figura 5.

Figura 5: Seção Bactérias que protegem (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.113).

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Figura 6: Seção Bactérias “ecológicas” (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.113).

De maneira semelhante ao exemplo da seção Bactérias nos alimentos, as explicações

destacadas por linhas pontilhadas na Figura 6 possuem uma alta freqüência de verbos “de ação”

(sublinhados em preto) e organizam os eventos em uma seqüência lógica: bactérias no solo →

retirada de nitrogênio do ar → transformação em sais utilizáveis por vegetais.

A explicação seguinte, destacada por linhas pontilhadas vermelhas pode ser representada

pela seguinte seqüência: decomposição de cadáveres → devolução de substâncias ao solo →

fertilização do solo. No primeiro trecho destacado podemos identificar ainda a definição de um

termo técnico – bactérias nitrificantes - feita em relação à sentença de explicação anterior. No

segundo trecho podemos observar a mesma estrutura, que define a reciclagem da natureza em

relação à explicação antecedente.

o Bactérias que causam doenças

Nesta seção identificamos como elementos do gênero científico a definição e a

explicação, destacados a seguir na Figura 7.

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Figura 7: Seção Bactérias que causam doenças (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.114).

O primeiro trecho, destacado por linhas vermelhas, define e exemplifica bactérias

patogênicas, de acordo com os parâmetros já mencionados nas seções analisadas anteriormente.

Nesta seção, entretanto, observamos um novo elemento, não observado até aqui na análise da

aula sobre bactérias. O trecho destacado por linhas pontilhadas vermelhas apresenta aspectos da

história da descoberta dos antibióticos, caracterizando o que Martin (1993) denomina biografia.

Segundo o autor, as biografias podem apresentar o trabalho de um cientista ou a construção de

uma linha particular de investigação.

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A seção apresenta ainda uma explicação sobre o processo de fabricação de vacinas,

sublinhada na Figura 7.

o Cianofíceas

Figura 8: Seção Cianofíceas (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.114).

A seção sobre as algas azuis define as mesmas como representantes do Reino Monera, por

meio da descrição vinculada à classificação taxonômica destes organismos. Esta descrição é feita

por meio da recapitulação de características anteriormente apresentadas e da introdução daquelas

que as diferenciam dos demais representantes deste reino (sublinhada na Figura 8). A seção

descreve ainda aspectos da ecologia das cianofíceas, apresentando seu habitat e sua função como

organismos pioneiros (sublinhada em vermelho na Figura 8).

Nesta seção pudemos identificar ainda a listagem de propriedades como elemento para a

apresentação deste tópico. A mesma pode ser observada no trecho destacado por linhas tracejadas

na Figura 8, aonde são apresentadas as propriedades de produção de oxigênio e de fixação do

nitrogênio.

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o Reprodução e esporulação de bactérias

A última seção da aula sete apresenta os processo de esporulação e de uma das

formas de reprodução das bactérias (reprodução assexuada), embora a ênfase seja claramente no

primeiro. O processo é descrito no texto principal (destacado em vermelho na Figura 9),

explicado por meio de um esquema e exemplificado por meio de uma reportagem de jornal. O

processo de reprodução assexuada é apresentado apenas por meio de uma sentença no texto

principal (sublinhada na Figura 9) e por um esquema. A seção é apresentada na figura a seguir:

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Figura 9: Seção reprodução e esporulação de bactérias (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.115).

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3.2.2 Discussão

De acordo com nossas análises, a aula sobre bactérias é constituída basicamente por

elementos do gênero científico, no qual destacam-se as definições, descrições, listagens de

propriedades, classificações, explicações e exemplificações. Identificamos ainda outros gêneros,

representados por uma letra de música, uma receita culinária, um trecho de um texto de

divulgação científica e uma reportagem de jornal.

Apesar de mobilizar outros gêneros, além do científico, os autores o fazem preservando

uma coerência com a abordagem pedagógica adotada para a discussão conceitual pretendida, no

caso apresentar generalizações, seguidas por exemplos. No caso da letra de música, os autores

retiram alguns exemplos da mesma para introduzir um dos temas abordados na aula, as bactérias

patogênicas. Na seção Bactérias nos Alimentos, a receita de iogurte representa um exemplo de

um processo de produção de alimentos que envolve bactérias.

A citação da revista de divulgação científica, localizada na seção Bactérias que Protegem,

representa também um exemplo da relação entre homem e bactéria, ao apresentar a proporção

entre o número de células de ambos. A reportagem de jornal utilizada constitui também uma

exemplificação do processo de esporulação das bactérias, uma vez que apresenta a descoberta de

uma bactéria em animação suspensa e apresenta as condições que possibilitaram o fenômeno (ver

Figura 7).

Na produção do texto sobre bactérias, os autores buscam exemplos em gêneros distintos

do científico. Tais gêneros, representados nesta aula pelos textos jornalísticos, pela receita e pela

letra de música, circulam em nosso cotidiano, sendo, portanto familiares ao leitor. Neste sentido,

estes gêneros parecem assumir aqui a função de contextualização dos assuntos apresentados,

acompanhando uma tendência mais geral dos livros didáticos de Ciências, na qual os elementos

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de contextualização representam um componente significativo do discurso científico-escolar,

conforme apontado por Martins (2006), Braga e Mortimer (2003) e Nascimento (2003).

No que tange a questão do estilo, pudemos também observar uma aproximação aos livros

didáticos de Ciências, o que é natural, uma vez que estamos falando aqui de textos didáticos. De

maneira geral, o estilo é o escrito informal, no qual os autores dirigem-se freqüentemente ao

leitor, configurando, nestas situações, um tenor conversacional. Apresentamos na tabela a seguir

alguns exemplos:

Seção Exemplo

Introdução Você beberia isto se soubesse que está cheio de bactérias vivas aí dentro?

Bactérias nos Alimentos O homem aprendeu a utilizar microorganismos para fabricar alimentos há muito tempo. Que tal preparar esta receita?

Cianobactérias Estes seres, também chamados de algas azuis, possuem clorofila e fazem fotossíntese. Mas não se engane!Eles não são vegetais!

Quadro 7: exemplos do estilo.

O tenor conversacional parece representar aqui o atendimento a uma recomendação que se

encontra presente nas mais diversas esferas da prática pedagógica. Estas recomendações dizem

respeito à necessidade de se dialogar com o aluno, e de explorar as suas concepções prévias,

podendo ser encontrada em documentos como os parâmetros curriculares nacionais, a proposta

curricular para a EJA, textos acadêmicos e ainda, nas assessorias pedagógicas dos livros

didáticos.

O modo retórico relaciona-se com o ensino de definições, conceitos e processos. Neste

sentido, as posições de sujeito que se estabelecem nesta relação podem ser representadas pelos

produtores do material, professores com experiência na Educação de Jovens e Adultos e sem

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formação específica para a elaboração de materiais didáticos e pelos receptores, constituídos

pelos demais professores da Rede Municipal de Educação e os seus alunos.

O tipo de atividade, desta forma, parece estar relacionado com a abordagem dada ao tema

bactérias. O livro didático apontado pelos autores como referência para a elaboração do capítulo

apresenta os mesmos conteúdos que o material aqui analisado, entretanto, a ênfase do primeiro

está voltada para as características celulares das bactérias e para a apresentação bastante

detalhada de algumas doenças causadas por estas, embora não aborde a questão das vacinas. O

material analisado, por sua vez, aborda as bactérias na sua relação com o homem e com o meio

ambiente, buscando destacar as diferentes funções das bactérias nos ecossistemas e os tipos de

relação entre estas e outros organismos. Neste sentido a opção aqui parece ser a de apresentar o

tema de uma maneira mais abrangente, com uma evidente preocupação em contextualizar os

conteúdos apresentados. Estas escolhas podem ser discutidas em relação a dois aspectos

principais, que discutimos a seguir.

O primeiro remete-se à questão do recurso dos membros (FAIRCLOUGH, 2001). Embora

os tópicos apresentados na discussão sobre as bactérias se aproximem aos dos materiais de

referência, o foco de abordagem é bastante diferente. Neste sentido, estas escolhas parecem ser

feitas com base na experiência prática dos professores, ou ainda com base em recomendações

para a EJA, como por exemplo, a proposta curricular do governo federal para a Educação de

Jovens e Adultos. Nesta proposta, enfatiza-se que

(...) conteúdos e métodos habituais em ciências naturais devem ser revistos criticamente na elaboração e consecução dos projetos educativos. É necessário rever a prioridade que se dá às meras descrições dos fenômenos naturais e à transmissão de definições, regras e fórmulas – muitas vezes sem estabelecer vínculos com a realidade do estudante ou outros contextos que tornariam o conhecimento científico mais interessante, instigante e útil (...). O acesso às ciências naturais em EJA deve se dar juntamente com a promoção da racionalidade, a confirmação de competências adquiridas na vida extra escolar e o banimento do medo e dos preconceitos (BRASIL, 2002).

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Neste sentido, nesta aula parece se configurar uma relação mais equilibrada entre as vozes

da EJA e do ensino de Ciências presente nos livros didáticos, o que aponta para a discussão do

segundo aspecto, os discursos sobre saúde que se delineiam neste diálogo.

No caso das doenças causadas por bactérias a opção foi trazer alguns exemplos, sem

descrever os mecanismos de transmissão das doenças ou apresentar os nomes científicos dos

agentes etiológicos. A escolha no caso desta seção foi a ênfase em aspectos de prevenção e cura

das doenças causadas por bactérias, contextualizados por aspectos da história da ciência. As

doenças causadas por bactérias são também destacadas na seção de introdução por meio da letra

de música, da qual são retiradas umas séries de exemplos.

Embora a seção sobre doenças causadas por bactérias aborde a questão da prevenção por

meio das vacinas, os autores limitam-se a explicar o processo da sua produção e também o de

imunização. Por sua vez, questões como o direito a vacinação e a sua importância para a saúde

coletiva não são abordadas, o que distancia este texto do discurso da educação popular em saúde.

O discurso que é delineado nesta seção aproxima-se principalmente do discurso

higienista, uma vez que no texto a ciência médica é apresentada de forma salvacionista, conforme

apontado nos trechos transcritos a seguir:

Estas bactérias já levaram a morte um imenso número de pessoas, principalmente antes delas serem conhecidas pelos cientistas e dos remédios que temos hoje serem inventados. Depois dos antibióticos, os cientistas inventaram as vacinas, fabricadas a partir das próprias bactérias, que são enfraquecidas e introduzidas em nosso organismo.

As posições de sujeito que se estabelecem nesta relação (entre produtores e receptores do

texto) revelam-se, portanto bastante assimétricas. Ao tratar a ciência médica como responsável

por evitar a morte de um imenso número de pessoas por meio da descoberta dos antibióticos e

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vacinas é estabelecida uma relação em que a ciência detém os conhecimentos e os meios, e desta

forma, a autoridade sobre as questões de saúde, posicionando os receptores como sujeitos

passivos nesta relação.

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3.3 O discurso sobre saúde no material para a EJA

Nesta seção procuramos nos aproximar de como o discurso sobre saúde se configura neste

material, por meio da análise da aula sobre os nematelmintos, um grupo de parasitas que possui

como representantes uma série de vermes que prejudicam a saúde humana. Assim como nas

análises sobre o tratamento da água e sobre as bactérias apresentadas anteriormente, buscamos

uma aproximação aos materiais apontados como referência para a elaboração da aula analisada,

no sentido de compreender a mudança discursiva que ocorre na produção de um material didático

específico para a Educação de Jovens e Adultos.

A aula sobre nematelmintos corresponde à aula de número 10 da Unidade de Progressão

2, que aborda ainda o grupo dos anelídeos. A aula é composta por sete páginas, quatro das quais

são dedicadas ao estudo dos vermes cilíndricos, e aonde podemos encontrar, além do texto

principal, uma fotografia e dois esquemas. O texto de abertura da aula é composto por uma

ilustração, com a figura do Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato que representava um

símbolo pejorativo do homem do interior, preguiçoso e indolente e que teve esta imagem

modificada no contexto do movimento sanitarista, seguida de uma citação deste autor. O texto

segue com uma introdução sobre a importância do estudo dos vermes, apresenta as características

dos nematelmintos e as seções subseqüentes, relativas às doenças causadas por estes parasitas.

Os livros didáticos de Ciências apontados como referência para a elaboração desta aula

são “Os Seres Vivos”, de Carlos Barros (1995), “Ciências e Educação Ambiental”, de Daniel

Cruz (1999) e “O Ambiente Biológico”, de Plínio Carvalho Lopes (1996). Estes livros são

indicados para a sexta série do ensino fundamental, agrupando os conteúdos sobre os seres vivos

e nos quais os nematelmintos são estudados no capítulo sobre os invertebrados. As análises deste

texto foram realizadas com base na organização da aula (introdução e as demais seções,

referentes às doenças causadas por vermes) sendo apresentadas nos tópicos da sub-seção 3.3.1.

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3.3.1 Discursos sobre saúde no estudo dos vermes

o Texto de abertura e introdução

A seção referente à introdução da aula 10 apresenta um parágrafo que destaca a

importância do estudo dos vermes, feita em relação ao texto de abertura, conforme demonstrado

na figura a seguir:

Figura 10: Texto de abertura e trecho da introdução da aula sobre nematelmintos (grifos em itálico dos autores). (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.131-132)

“O Jeca não é assim: está assim.

MonteiroLobato

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Pudemos destacar essencialmente dois aspectos em relação aos textos apresentados na

figura acima. Primeiramente estes representam um elemento de contextualização para os

estudantes da EJA, por abordar questões relativas ao mundo do trabalho e do desenvolvimento

econômico. Esta abordagem é amplamente difundida em textos com recomendações para a EJA,

representando um dos objetivos do ensino de Ciências na Proposta Curricular do governo federal

para a Educação de Jovens e Adultos, conforme transcrito abaixo:

(...) as leis vigentes preconizam a integração entre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a vida cidadã, de modo que cada componente curricular contribua com uma melhor orientação para o trabalho e com a ampliação dos significados das experiências de vida dos alunos.

A contextualização neste caso é feita pela utilização da figura do Jeca Tatu, personagem

familiar a todos que conhecem a obra literária de Monteiro Lobato e que figurou em campanhas

publicitárias de fortificantes e inseticidas, na primeira metade do século XX, e posteriormente

inspirou filmes que retratavam a vida no interior do Brasil. Destaca-se também a importância do

estudo dos vermes em relação a uma situação que muitos já viveram ou presenciaram, a falta de

disposição para o trabalho devido a um problema de saúde.

O segundo aspecto destacado relaciona-se com a abordagem da educação em saúde à qual

este texto se aproxima. O discurso no trecho apresentado na Figura 10 representa aspectos do

discurso higienista, que busca estabelecer articulações entre medicina, saúde e sociedade em

termos de condições políticas, econômicas e ideológicas (GOMES e ADORNO, 1990). No caso

do nosso exemplo, são apresentadas relações entre a manutenção da saúde, centrada no indivíduo

e o desenvolvimento econômico do país.

Após o parágrafo sobre a importância do estudo dos vermes são apresentadas as

características dos nematelmintos. Esta é feita na forma de uma representação indireta, com base

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na definição do livro Ciências e Educação Ambiental, de Daniel Cruz, ilustrada no esquema a

seguir.

Material de referência (grifos do autor) Material da EJA (grifos dos autores) Esquema 6: representação indireta De maneira semelhante à apresentada nas análises da seção 3.1, nesta representação

indireta são suprimidos aspectos relacionados às características biológicas dos nematelmintos.

Entretanto, os autores do material para a EJA enfatizam neste trecho a questão das doenças

causadas por estes vermes, por meio da referência aos seus nomes científicos e às doenças

causadas por estes, que nos materiais apontados como referência são expostas nos tópicos que

abordam cada uma das verminoses. Neste sentido, a questão aqui não se relaciona a uma redução

do conteúdo sobre este assunto, mas sim de uma escolha por dar maior ênfase às doenças

causadas por estes vermes, aos possíveis ambientes onde podem se desenvolver e às

características morfológicas que permitem seu reconhecimento visual.

Os nematelmintos (nemato = “fio”, helminto = “verme”) possuem o corpo cilíndrico e sem segmentos. Não tem membros locomotores e muitos são parasitas. Os de vida livre (que não são parasitas) não tem mais que um centímetro de comprimento e podem apresentar hábitos terrestres ou aquáticos. Exemplos de nematelmintos: ascárida, ancilóstomo, necátor, oxiúro e filária. Os nematelmintos não possuem sangue nem sistema circulatório. O alimento e os gases respiratórios são transportados lentamente, de célula a célula, através do líquido que existe entre elas.

O nome nematelminto significa nemato = fio; helminto = verme; são animais que apresentam, portanto, o corpo cilíndrico e alongado. Podem ser parasitas de plantas e animais ou ter vida livre em ambientes terrestres e aquáticos. Estes últimos são bem pequenos, chegando a ter no máximo um centímetro de comprimento, enquanto os parasitas podem atingir até alguns metros. O nematelminto mais conhecido é o Ascaris lumbricoides, conhecido popularmente como lombriga e que causa a ASCARIDÍASE. Outros como o Ancilostoma duodenale (ancilóstomo) e o Necátor americanus (Necátor) provocam o AMARELÃO.

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O texto para a EJA tem prosseguimento de maneira semelhante aos materiais apontados

como referência, apresentando a discussão sobre as doenças causadas pelos nematelmintos, cujas

análises são apresentadas a seguir.

As doenças causadas por nematelmintos discutidas no material para a EJA são as

causadas pela ascárida (lombriga), pelo ancilóstomo e o necátor, pelo oxiúro e pela filaria. As

mesmas são apresentadas na mesma ordem e de maneira semelhante a do livro “Os Seres Vivos”,

de autoria de Daniel Cruz, embora de maneira resumida. Nas figuras a seguir apresentamos as

seções que discutem cada uma destas verminoses.

Figura 11: Seção sobre ascaridíase (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.132-133).

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Figura 12: Seção sobre os nematelmintos ancilóstomo e necátor (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.133-134)

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Figura 13: Seção sobre as verminoses causadas pelo oxiúro e pela filária (retirado de Educação de Jovens e Adultos II: Ciências – Bloco I, p.134) Ainda que a apresentação de cada uma das doenças não seja uniforme, é possível observar

que a abordagem dada a cada uma das verminoses é feita de maneira semelhante, conforme

apontado no esquema a seguir:

Elementos do ciclo de vida

Aspectos morfológicos

Verminose Transmissão

Danos à saúde

Prevenção

Esquema 7: abordagem dada ao conteúdo sobre verminoses causadas por nematelmintos

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Embora os livros didáticos apontados como referência apresentem o conteúdo de maneira

mais detalhada, a abordagem é semelhante à observada no material para a EJA, conforme

ilustrado no exemplo da Figura 14.

Figura 14: Exemplos da abordagem dada às verminoses em um dos materiais de referência (retirados de Os Seres Vivos, de Daniel Cruz, p.158-159). A abordagem apontada no Esquema 7 reproduz, portanto, a forma pela qual o livro

didático de referência propõe estudar os nematelmintos. Esta abordagem, entretanto, representa

uma maneira bastante tradicional de se estudar os vermes, podendo ser observada em diferentes

gêneros discursivos, como em campanhas de saúde e livros técnicos.

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3.3.2 Discussão

No que tange à questão da prevenção às doenças, a mesma é feita, em todas as doenças,

de maneira prescritiva, apontando o que as pessoas devem ou não fazer para evitarem as

verminoses. Neste sentido, pudemos identificar nestas recomendações elementos do discurso

higienista, no qual as posições de sujeito são bastante assimétricas, representadas pelos

possuidores do conhecimento e pelos indivíduos que devem aceitar as recomendações, para assim

se manterem saudáveis.

De acordo com as propostas da alfabetização científica e do movimento ciência-

tecnologia e sociedade, os conteúdos de Ciências devem ser desenvolvidos no sentido

instrumentalizar os estudantes para o posicionamento crítico sobre as questões que envolvem a

ciência (AULER, 2003; FOUREZ, 2003; TERNEIRO-VIEIRA, 2004). No caso do estudo dos

vermes, a questão de que as verminoses estão, de maneira geral, ligadas a problemas sociais,

como a falta de acesso à rede de esgotos, poderia representar uma das formas de aproximação a

estas propostas. No caso desta aula, entretanto, a relação entre a existência de redes de esgoto e a

prevalência de verminoses é feita de forma prescritiva, por meio da recomendação para que se

defeque somente em vasos sanitários ligados à rede de esgotos, na seção sobre ascaridíase.

A discussão de que a prevalência das verminoses reflete um problema de acesso ao

serviço de tratamento de esgotos representaria ainda o atendimento às recomendações das

propostas da educação popular em saúde, no sentido de que este debate pode promover subsídios

para a participação popular na reivindicação por serviços de saúde (BRANDÃO, apud

VASCONCELOS, 2004).

Desta forma, não pudemos identificar aqui nenhuma aproximação aos discursos da

alfabetização científica, do movimento ciência-tecnologia-sociedade ou ao da educação popular

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em saúde, no que tange os objetivos da formação de sujeitos críticos e participativos em relação

às questões que envolvem a ciência e a sociedade.

O discurso higienista, por sua vez, parece representar o principal norteador do texto desta

aula. É interessante ressaltar que, de acordo com nossas análises, este discurso vem representado

por duas vozes distintas, a da educação de Jovens e Adultos, podendo ser observada na

contextualização discutida com base na Figura 1, na qual são destacadas as relações entre a saúde

e o desenvolvimento econômico do país e na abordagem às doenças causadas por vermes, na qual

o discurso representado é o do livro didático de ciências.

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4. CONCLUSÕES

4.1 Considerações finais

Nesta pesquisa buscamos nos aproximar da produção de um conjunto de textos didáticos

sobre saúde elaborados por um grupo de professores que atuam na Educação de Jovens e

Adultos. Nossa abordagem a estes textos foi realizada de acordo com os referenciais teóricos da

análise crítica do discurso, nos quais os textos são considerados heterogêneos e um produto

histórico e social sendo, portanto, constantemente transformados no curso da luta hegemônica.

Partimos do pressuposto que os textos didáticos representam aspectos do discurso científico

escolar, e que este representa um discurso híbrido, por mobilizar elementos de outros discursos

na sua constituição, como por exemplo, o discurso das ciências de referência, o discurso

pedagógico e o midiático.

Os processos de produção textual são, segundo Fairclough (2001), restringidos pelos

recursos disponíveis dos membros, que representam o conjunto de normas e convenções que

regulam a produção de um texto. Estes processos são também restringidos pela natureza

específica da prática em que a produção do texto está inserida, aonde são determinados os

elementos dos recursos anteriormente mencionados a que se recorre e como isto é feito

(FAIRCLOUGH, 2001).

No caso desta pesquisa, pudemos destacar como principais elementos reguladores da

produção dos textos: as demandas do projeto no qual os materiais estão inseridos, as

recomendações para a EJA e a utilização de livros didáticos de Ciências para o ensino regular.

O Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) tem como proposta o

desenvolvimento do segundo segmento do ensino fundamental em um período de dois anos, e

uma organização em que cada disciplina é oferecida uma vez por semana. Esta organização

demandou a elaboração de um material educativo próprio, organizado na forma de aulas. É

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importante ressaltar ainda que os materiais não podem ser retirados da escola. Neste sentido, as

necessidades do projeto encontram-se marcadas no texto no que diz respeito a sua forma, bastante

homogênea, e a sua extensão, em média com cinco páginas por aula.

No que tange as recomendações para a EJA, pudemos observar diferentes aspectos da

contextualização dos conteúdos no desenvolvimento do texto da aula sobre as doenças causadas

por vermes e na abordagem dada ao conteúdo bactérias. Notamos uma preocupação em

relacionar conteúdos de ciências ao mundo do trabalho e a abordagem diferenciada dos conteúdos

na aula sobre bactérias, na qual foram priorizados aspectos das suas relações com o homem e o

meio ambiente. Vimos, assim, um equilíbrio entre o discurso da EJA e o discurso da ciência

escolar, conforme materializado nos livros didáticos de Ciências.

Entretanto, na análise dos nossos dados foi possível identificar que os livros didáticos de

Ciências para o ensino regular constituíram a principal referência para a elaboração dos textos do

material que analisamos. Neste movimento, pudemos perceber uma preocupação na manutenção

dos tópicos abordados pelos livros de Ciências nas três aulas analisadas. Outros elementos

destacados foram a intenção de se resumir o texto dos materiais de referência e a abordagem dada

aos temas discutidos no texto, que se mostrou semelhante à dos livros de Ciências em dois dos

textos analisados. Nossos resultados apontaram, neste sentido, para uma tendência bastante

normativa em relação a este elemento regulador da produção textual dos materiais didáticos que

analisamos nesta pesquisa. Esta conclusão pode ser relacionada a dois aspectos: o primeiro diz

respeito ao papel estruturante que os livros didáticos parecem assumir na prática docente em

nossa realidade educacional. No caso de nossas análises esta questão é evidenciada

principalmente pela questão da preservação dos tópicos que estruturam os capítulos dos livros

didáticos apontados como referência e a reprodução de esquemas e figuras, inclusive a que traz a

imagem de uma criança na introdução da discussão do tema tratamento da água. Podemos

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sugerir, por meio destas discussões, que o livro didático assume aqui um papel de autoridade

nesta prática de produção de textos, aonde os professores parecem não se sentir autorizados a

modificar os tópicos apresentados no livro de referência, o que implica, muitas vezes, em uma

redução dos conteúdos.

Estas conclusões remetem à discussão do segundo aspecto, relacionado à questão da

adaptação de propostas e materiais do ensino regular para a Educação de Jovens e Adultos. Nas

recentes mudanças da legislação, a Educação de Jovens e Adultos passa a constituir uma

modalidade da educação básica, garantindo o direito a uma educação plena aos estudantes jovens

e adultos. São criadas neste contexto demandas pela produção de recomendações curriculares e

materiais educativos que atendam às especificidades dos educandos e dos profissionais que atuam

na EJA. Entretanto, ainda são escassas produções acadêmicas que articulem propostas sobre o

ensino de Ciências e a EJA e referências a esta modalidade da educação ainda figuram de

maneira tímida nas disciplinas e práticas de estágio dos cursos de licenciatura nas diferentes áreas

das ciências naturais e biológicas. Neste sentido, o movimento de adaptação de materiais parece

ser o recurso disponível aos professores para a elaboração dos textos que analisamos.

Buscamos ainda, em nossas discussões refletir sobre as possibilidades de aproximação às

recomendações da alfabetização científica e da educação popular em saúde, por entendermos que

estas abordagens compartilham uma série de pressupostos e objetivos com a Educação de Jovens

e Adultos. Estes podem ser representados pelo papel que estas abordagens se propõem assumir na

formação para a cidadania e no desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos. Não

pudemos identificar, entretanto, estas aproximações nos temas de saúde pesquisados.

No que tange os discursos sobre saúde pudemos identificar essencialmente elementos do

discurso higienista. Esses elementos foram representados pela perspectiva salvacionista das

relações entre a ciência e a promoção da saúde, pela responsabilização dos indivíduos na

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preservação da saúde de modo a garantir o desenvolvimento econômico do país e pelo caráter

prescritivo das recomendações para a prevenção das doenças causadas por vermes. Pudemos

destacar também na análise do texto sobre as agressões à água uma abordagem centrada em

prescrições. É importante destacar que em nossas discussões apontamos que este discurso se

configura nos textos por meio de diferentes vozes, a dos livros didáticos de Ciências, e a da

Educação de Jovens e Adultos, por meio de suas recomendações e da experiência prática dos

professores.

Pudemos ainda chamar a atenção para mais um aspecto deste discurso, em que se

configuram uma série de prescrições centradas nos indivíduos. Este discurso afasta-se dos

objetivos de mobilização social que se originam nas propostas da educação popular e da

formação cidadã presente nas propostas da alfabetização científica. Com base nestas discussões, é

possível sugerir que apesar da circulação de uma série de textos que vislumbram diferentes

possibilidades da abordagem dos temas de saúde nas diferentes esferas da educação, o discurso

higienista representa o principal norteador da elaboração dos textos sobre saúde. Neste sentido,

podemos apontar o domínio hegemônico deste discurso na configuração da produção textual que

propusemos analisar nesta pesquisa.

4.2 Contribuições da pesquisa para o ensino de Ciências e para a EJA

Nesta pesquisa buscamos problematizar aspectos relacionados ao encontro do ensino de

Ciências e da Educação de Jovens e Adultos. Pretendemos por meio das nossas discussões

contribuir para o preenchimento de uma lacuna sobre as abordagens e objetivos do ensino de

Ciências nesta modalidade da educação básica, por meio da aproximação de uma prática de

autoria de textos didáticos. Buscamos, para tanto, nos apoiar nos referenciais teóricos da análise

crítica do discurso, na qual são enfatizados os aspectos constitutivos da linguagem na sociedade.

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Acreditamos que a perspectiva teórica e metodológica adotada neste estudo representa

uma importante contribuição para a análise de textos sobre educação e para a educação, uma vez

que permite uma visão dos diferentes elementos que regulam e configuram as práticas educativas

em diferentes contextos. No caso deste estudo, esta abordagem possibilitou a aproximação das

relações entre diferentes esferas de poder que acabam por influenciar uma série de escolhas, em

detrimento de outras, na construção de uma visão sobre saúde em um material que é utilizado por

milhares de estudantes. Neste sentido, entendemos que análises realizadas de acordo com esta

perspectiva podem representar um elemento significativo para a revisão de propostas e

abordagens desenvolvidas no campo educação em Ciências e em especial no campo da Educação

de Jovens e Adultos, que por ser de constituição recente, representa terreno fértil para inovações.

Entendemos que esta abordagem também representa uma contribuição para as pesquisas

sobre o livro didático, por reforçar a importância da consideração de aspectos relacionados a sua

linguagem e às práticas de produção de textos para o entendimento e a do desenvolvimento de

uma visão crítica sobre o seu papel como recurso pedagógico. O presente estudo pretendeu ainda

colaborar com as discussões sobre o livro didático de Ciências no que diz respeito ao seu

entendimento como gênero discursivo, de seu caráter dinâmico e das diversas possibilidades e

restrições que envolvem a sua produção.

Finalmente, acreditamos contribuir para a discussão sobre o papel do ensino de Ciências

na construção da cidadania e dos diferentes textos que podem ser mobilizados para o

desenvolvimento de práticas com objetivo de mudança social.

4.3 Perspectivas para novos estudos sobre a produção de textos didáticos para a EJA

De acordo com a perspectiva metodológica adotada nesta pesquisa, o estudo de questões

relativas a processos sociais pressupõe que estes são sempre inacabados, por apontarem para a

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investigação de uma diversidade de questões que surgem durante o período da pesquisa. Neste

estudo nosso foco esteve voltado para o processo de produção de textos por professores em um

contexto bastante específico, e nosso olhar voltou-se principalmente para a utilização de textos de

livros didáticos como recurso nesta prática. Neste sentido, durante o desenvolvimento desta

pesquisa pudemos destacar algumas questões em relação ao nosso objeto e ainda questões mais

gerais, que não puderam ser exploradas nos limites desta pesquisa.

Em relação ao objeto pesquisado, o texto didático de Ciências produzido por professores

da EJA, notamos que um estudo que contemplasse as histórias de leitura dos seus autores

permitiria uma aproximação mais detalhada a alguns pressupostos que destacamos em nossas

análises, como por exemplo, a perspectiva salvacionista da ciência médica e as relações entre

saúde e trabalho.

Do ponto de vista do seu recorte, nesta pesquisa privilegiamos o estudo da prática de

produção de textos com base em uma proposta teórico-metodológica que articula práticas sociais,

práticas discursivas e textos. A análise da prática discursiva, entretanto, envolve ainda os

processos de distribuição e consumo dos textos. Desta forma, estudos que contemplassem estes

aspectos da prática discursiva permitiriam uma visão mais completa dos movimentos discursivos

que se configuram nesta prática social.

Finalmente, apontamos para a necessidade do desenvolvimento de pesquisas que abordem

os discursos sobre de cidadania que se constituem em propostas e materiais didáticos para o ensino

de Ciências. A formação do cidadão vem se configurando como uma demanda para a criação uma

série de projetos na área da educação, incluindo o que se relaciona com a produção que analisamos

nesta pesquisa. O conceito de cidadania, entretanto, caracteriza-se por um alto grau de polissemia,

o que acarreta uma pluralidade de efeitos de sentido e de utilizações nas diferentes situações

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discursivas. Neste sentido, diferentes concepções sobre este conceito vêm sendo utilizadas para

estabelecer relações de sentido entre a cidadania e as questões relacionadas ao ensino de Ciências,

como por exemplo, a promoção da saúde e as relações entre o homem e o meio ambiente. Esta

questão implica na necessidade de uma preocupação do entendimento das bases epistemológicas

em que as propostas de ensino de Ciências com objetivo de formação para a cidadania são

construídas, contribuindo, deste modo, para o diálogo sobre o papel do ensino de Ciências na

sociedade.

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