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VALTER T. MOTTA Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações Rim e Função Renal Volume 16

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VALTER T. MOTTA Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

Rim e Função Renal

Volume

16

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RIM E FUNÇÃO RENAL

regulação dos l íquidos e eletróli tos e a elimi-nação dos res íduos metaból icos são essenci-

ais à homeostase corpórea. O sistema renal exerce papel fundamental na realização destas funções. O sistema urinário consiste de rins, ureteres, bexiga e uretra. Os rins são os componentes fisiologic a-mente dinâmicos do sistema realizando muitas funções, incluindo a formação da urina. São cinco as funções primárias do rim:

§ Eliminar resíduos metabólicos (uréia, creati-n ina, ácido úrico, ácidos orgânicos, bilirrubina conjugada, drogas e toxinas).

§ Reter nutrientes (proteínas, aminoácidos, gli-cose, sódio, cálcio, cloretos, bicarbonato e água).

§ Regular o equilíbrio eletrolítico no líquido intersticial controlando, simultaneamente, o movimento e a perda de água ao nível celular em colaboração com a pele e os pulmões.

§ Síntetizar eritropoietina, renina, prostaglandi-nas e 1,25-diidroxicolecalciferol (forma ativa da vitamina D).

FUNÇÕES DOS NÉFRONS

O néfron é a unidade organizacional básica do rim e consiste num leito capilar especializado – o glomérulo envolvido pelo epitélio urinário – cá-psula de Bowman – e conectado a uma sucessão de segmentos epiteliais especializados – o s túbulos. Cada rim humano contém cerca de 1,2 milhão de néfrons. O néfron é responsável por dois processos em série: ultraf i l tração glomerular e a reabso r-ção/secreção tubular.

A ultrafil tração é a passagem seletiva de p e-quenas moléculas , água ou íons pela estrutura capilar denominada de glomérulo na porção do néfron conhecida como espaço de Bowman. A reabsorção é o movimento de substâncias para fora do lúmem tubular do néfron e para os capilares renais circundantes ou para o interstício. Isto significa que os r ins conservam ou “reciclam” nutr ientes essenciais ou part ículas f i l t radas. A secreção é o movimento de part ículas dos capilares renais ou interstício para o lúmem do néfron. As partículas secretadas entram no néfron tanto por fi l tração como secreção, ou ambos. T o-dos es tes pro cessos ocorrem simultaneamente e é a estrutura especializada do néfron que os pro -move.

O estudo da função renal visa avaliar:

§ Fil tração glomerular. Esta função é que me-lhor se correlaciona com a capacidade dos rins em manter a composição dos l íquidos corpó-reos .

§ Fluxo sangüíneo renal . É a que mantém a h o-meostase adequada, portanto, que exista fluxo sangüíneo suficiente .

§ Função tubular . É bastante complexa pelas diferentes ações real izadas pelos túbulos.

URINA

A urina é uma solução formada p elo rim, o princi-pal órgão excretor do organismo que mantém constante o volume, a composição química, o pH e a pressão osmótica dos l íquidos do corpo. O suprimento de sangue da unidade funcional é realizado pelas arter ío las aferentes (ao redor de

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1.200 mL/minuto de sangue total passa pelos dois rins de um adulto normal) que dá origem a um grande número de capilares dentro do glomérulo. Estes capilares se unem para formar as arteríolas eferentes que compõe a rede capilar que abastece o tecido tubular adjacente. A formação de urina é um processo que en-vo lve ultrafi l tração, secreção e reabsorção de comp onentes essenciais. Estes processos são con-trolados pela pressão osmótica e hidrostática, pelo s u p rimento de sangue renal e pela secreção de hormônios. Resumidamente, o mecanismo de for-mação de ur ina consis te:

1 Filtração do plasma sangüíneo pelo glomérulo, na velocidade de 130 mL por minuto, com a formação de ultra -f i l t rado com todos os cons -tituintes plasmáticos, exceto (quase totalmente) p ro te ínas e subs tâncias l igadas a elas.

2 No túbulo proximal:

§ Reabsorção passiva de algumas substâncias, tais como glicose, creatinina, aminoácidos, vitamina C, lactato, piruvato etc., pelas c é-lulas tubulares.

§ Secreção ativa de algumas substâncias pelas células tubulares renais e /ou secreção de materiais derivados do líquido intersticial peritubular.

§ Reabsorção isotônica de 8% da água do filtrado, além de cloretos, sódio, potás sio, fósforo e outros eletról i tos. A reabsorção destas substâncias é obrigatória e independe das n ecessidades do organismo.

3 Nos ramos descendente e ascendente da alça de Henle acontece uma reabsorção adicional de água, pelo mecanismo de troca de contracor-rente. Por conseguinte, o volume inicial é re-duzido a 13-16 mL/minuto.

4 O túbulo distal realiza o ajuste da concentração de eletról i tos de acordo com as necessidades orgânicas. O sódio pode ser removido sob a i n-fluência do sistema aldosterona-angiotensina.

O hormônio antidiurético (HAD) controla a r e-absorção da água para estabelecer o equilíbrio osmó tico.

5 No túbulo coletor se processa a transformação final do filtrado em urina hipertônica. O vo-lume é 1,0 mL/min.

O volume da diurese normal, em adultos, varia entre 800 a 1.800 mL em 24 h. Estes valores estão sujei tos a variações, pois são influenciados pelo volume corporal, consumo de 1íquidos, sudoração e temperatura ambiente. Em crianças, a diurese é maior que no adulto em proporção ao volume cor-poral. O volume urinário de 24 horas em várias idades é dado na tabela 9.1. .

Tabela.11.2. Vo lume ur inár io d e 2 4 h o r a s e m r e lação a i dade .

I d a d e V o l u m e u r i n á r i o d e 2 4 h ( m L )

1 a 2 dias 30 a 60 3 a 10 dias 100 a 300 10 a 60 dias 250 a 450 60 a 360 dias 400 a 500 1 a 3 anos 500 a 600 3 a 5 anos 600 a 700 5 a 8 anos 650 a 1400 8 a 14 anos 800 a 1400

O volume de urina formado durante a noite é menor que o diurno (proporção de aproximada-mente 1:3). Em condições patológicas (exemplo: insuficiência renal) a eliminação noturna pode aumentar, tornando-a maior que a diurna (nictú -ria). Um volume urinário maior que 2.000 mL/d é denominado de pol iúr ia enquanto uma excreção menor que 500 mL/d chama -se ol igúr ia . As prin -cipais causas de poliúria são: grande ingestão de líquidos (polidipsia), insuficiência renal crônica, diabetes mell i tus, diabetes insípido, aldostero -n is mo primário e mobilização de líquido previa -mente acumulado em edemas. A oligúria é encon-trada na redução de ingestão de água, desidratação (dia rréia, vômitos prolongados, sudoração exces -siva) sem a reposição adequada de l íquidos, is -quemia renal, reações de transfusão, pielonefrite, disfu nção glomerular, obstrução e agentes tóxicos.

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Em várias causas renais ou pré -renais a diurese pode cessar completamente (anúria).

Bibliografia consultada

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EXAME QUALITATIVO DE URINA

exame qualitativo de urina (EQU) é um conjunto de provas não-invasivas e baratas

que fornecem informações sobre várias funções metabólicas do organismo. É útil no diagnóstico e tratamento de doença renal ou do trato urinário como, também, na detecção de doenças metabóli-cas ou sistêmicas não relacionadas com o rim. O teste consis te na verif icação da cor e aspecto da amostra; determinação do pH e densidade; pes -qu isa de proteínas, glicose, corpos cetônicos, uro -bilinogênio, bilirrubina, sangue, nitrito e leucócito esterase, além de sedimentoscopia.

COLETA DA URINA

A primeira urina da manhã é recomendada para o EQU pois é mais concentrada, o que garante a detecção de substâncias e elementos figurados que podem estar ausentes em amostras aleatórias mais di luídas. Antes da coleta, os genitais devem ser l impos com uma solução antisséptica suave ou pelo emprego de água e sabão neutro. A mulher deve manter os grandes lábios afastados no mo-mento da micção. Desprezar a primeira e última porção da micção e recolher o jato médio. A amostra deve ser colhida em recipiente descart á-vel, limpo e seco. Com isso evita-se a possibil i-dade de contaminação decorrente da lavagem in -correta de frascos reutilizáveis. O recipiente da amostra deve ser et iquetado com o nome do paci-ente, data e hora da coleta além de outras info r-mações pert inentes.

A análise da urina deve ser realizada até uma hora após a coleta. Refrigerar no máximo por 4 horas a amostra quando não examinada imediata-mente, mas deixar adquirir temperatura ambiente antes de proceder os tes tes . A ur ina deve ser isenta de contaminações vaginais ou fecais .

TIRAS REAGENTES

Nas últ imas décadas foram desenvolvidos vários sistemas analít icos simplificados capazes de fo r-

necer rapidamente uma série de parâmetros na u rina. Os mais comuns são as t iras reagentes que possuem substâncias químicas fixadas a uma tira plást ica, revelando a posi t ividade dos testes por modificações de cor. São encontradas no comércio t iras simples (para a pesquisa de um único parâmetro na urin a) e múltiplas (que permitem a avaliação simultânea de vários componentes). Com a finalidade de o b-ter resultados confiáveis com as t iras reagentes, devem ser tomadas certas precauções: as t iras não devem ser expostas á luz direta do sol, ao calor, a meios úmidos e a substâncias voláteis. Devem ser armazenadas no frasco original. Retirar somente a quantidade de f i tas necessárias para a bateria de exames, a seguir, fechar hermeticamente o frasco. Quando as áreas reativas não apresentam a mesma cor “negativa” impressa na escala cromática que acompanha o produto, as tiras devem ser descart a-das. O uso das f i tas é realizado como segue:

§ Submergir (no máximo um segundo) comple-tamente as áreas reativas da tira em urina re-centemente emitida (se a urina estiver refrige-rada, deixar adquirir a temperatura ambiente), bem misturada e sem centrifugar.

§ Eliminar o excesso de urina encostando a borda lateral da tira ao frasco que contém a amostra.

§ No tempo apropriado, comparar a cor das áreas reativas com a escala cromátic a correspon-den te. Fazer a leitura em local com boa ilumi -nação .

COR

A cor da urina emitida por indivíduos normais varia de amarelo -citrino a amarelo âmbar fraco, segundo a concentração dos pigmentos urocrômi-cos e, em menor medida, da urobilina, uroeritrina, uroporfirinas, riboflavinas, etc. Quando em repouso, a urina escurece prova-velmente pela oxidação do urobilinogênio.

O

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Existem vários fatores e constituintes que p o-dem alterar a cor da urina, incluindo substâncias ingeridas, atividade física, assim como diversos compostos presentes em situações patológicas. O exame da cor da urina deve ser realizado empre-gando uma boa fonte de luz, olhando através de recipiente de vidro transparente contra um fundo branco. As cores comumente encontradas são:

Amarelo-claro ou incolor . É encontrado em pacientes poliúricos, diabetes melli tus, diabetes insípido, insuficiência renal avançada, elevado consumo de l íquidos, medicação diurética e in -gestão de álcool .

Amarelo-escuro ou castanho . É freqüente nos estados oligúricos, anemia perniciosa, estados febris, início das icterícia (presença anormal de bilirrubina), exercício vigoroso e ingestão de arg i-rol, mepacrina, ruibarbo e furandantoínas.

Alaranjada ou avermelhada . É comum em presença de hematúria, hemoglobinúria, mioglobi-núria, icterícias hemolíticas, porfirinúrias e no emprego de anilina, eosina, fenolftaleína, rifocina, sulfanol, tetranol, trional, xantonina, beterraba, vitamina A, derivados de piridina, nitrofurantoína, fenindio na e contaminação menstrual.

Marrom-escuro ou enegrecida . (“Cerveja preta”) ocorre no carcinoma de bexiga (“borra de café”), glomerulonefrite aguda, meta-hemoglobi-núria, alcaptonúria (ácido homogentís ico), febres palustres, melanoma maligno e no uso de me til-dopa ou levodopa, metronidazol, argirol e salici-la tos .

Azulada ou esverdeada . Deve-se a infecção por pseudomonas, icterícias antigas, t ifo, cólera e pela utilização de azul de Evans, azul de metileno, riboflavina, amitriptilina, metocarbamol, cloretos, indican, fenol e santonina (em pH ácido).

Esbranquiçada ou branco leitosa . Está pre-sente na quilúria, lipidúria maciça, hiperoxalúria primária, fosfatúria e enfermidades purulentas do trato urinário.

ASPECTO

Geralmente, a urina normal e recentemente emi -t ida é l ímpida. Nas urinas alcalinas é freqüente o aparecimento de opacidade por precipitação de fosfatos amorfos – ocasionalmente carbonatos – na forma de névoa branca. A adição de algumas gotas de ácido acét ico disso lve os fos fa tos e os carbonatos. A urina ácida normal também pode mostrar-se opaca devido à precipitação de uratos amorfos, cristais de oxalato de cálcio ou de ácido úrico. Muitas vezes, o aspecto da urina ácida le m-bra pó de t i jolo, provocado pelo acúmulo de pig -mento róseo de uroeritr ina na superfície dos cris -tais. A uroeritrina é um componente normal na urina. A turvação provocada pelos uratos pode ser dissolvida por aquecimento da urina a 60 0 C.

A turvação comumente é causada por leucó-citos, hemácias, células epiteliais ou bactérias. Os leucócitos formam precipitados semelhantes aos provocados pelos fosfatos mas não se dissolvem pela adição de ácido acético; a presença de leucó-citos é confirmada pela sedimentoscopia. A bacte-riúria produz opalescência uniforme que não é removida pela acidificação; de modo geral, estas urinas apresentam cheiro amoniacal pelo desdo-bramento da uréia pelas bactérias. A presença de hemácias (hematúria) promove turvação que é confirmada microscopicamente.

Espermatozóides e l íquido prostát ico causam turvação que pode ser clarificada por acidificação ou aquecimento. O líquido prostático normalmente contém alguns leucócitos e outros elementos. A mucina pode causar f i lamentos e depósi to volu -moso, sobretudo nos estados inf la matórios do trato urinário inferior ou trato genital.

Algumas vezes a urina apresenta aspecto turvo em razão de coágulos sangüíneos, pedaços de tecido, lipídios, levedura, pequenos cálculos, pus, material fecal, talco, antissépticos, cremes vagi-nais e contrastes radiológicos. São ainda causas de turvação a presença de l infa e glóbulos de gor-dura. O aspecto da ur ina é observado após a homo-geinização da mesma. A urina se apresenta l ím-p ida, opaca, leitosa, levemente turva, turva ou fo rtemente turva. A verificação também da pre -sença de componentes anormais como coágulos,

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muco ou pedaços de tecido é de importância para d iagnós t ico .

DENSIDADE

A densidade é uma função direta, mas não propor-cional, do número de partículas na urina. A con-centração de solutos na urina varia com a ingestão de água e solutos, o estado das células tubulares e a influência do hormônio antidiurético (HAD) sobre a reabsorção de água nos túbulos dis tais . A incapacidade de concentrar ou diluir a urina é uma indicação de enfermidade renal ou deficiência hormonal (HAD). Em condições normais (dieta e ingestão de l íquidos habituais) o adulto produz urinas com densidades de 1.015 a 1.025 num período de 24 horas. Para uma amostra de urina ao acaso, a den-sidade pode variar de 1.002 a 1.030.

Densidade urinária aumentada. É encontrada na amiloidose renal, diabetes pancreático, enfe r-midade de Addison, hipersecreção descontrolada de HAD (mixedema, porfiria, abscesso cerebral, meningite tuberculosa), nefropatia obstrut iva, nefropatia vasomotora, obesidade, oligúria funci-onal (estados febris, desidratação, terapia com diuréticos, hipoproteinemia), politraumatismo, p ó s -operatório imediato e síndrome hepatorrenal.

Densidade urinária diminuída. São freqüentes no alcoolismo agudo, aldosteronismo primário, anemia falciforme, diabetes insípido, fase inicial e final da insuficiência renal crônica, pielonefrite crônica e tuberculose renal.

URODENSÍMETRO

O urin odensímetro é um dispositivo flutuador que possui uma escala graduada (1,000 a 1,040) em sua haste, dest inado à aval iação da densidade na urina A medida da densidade é realizada pela colo -cação da urina em proveta de dimensões adequa-das. Evitar a formação de espuma com o emprego de papel de filtro. O urinômetro é submergido na urina e por meio de um pequeno impulso no sen-

t ido giratório, movimentar o mesmo para impedir o contato com as paredes da proveta. Fazer a lei-tura ao nível da parte inferior do me nisco . Geralmente os urodensímetros estão calibrados a uma temperatura específica de 20 0 C. Para leit u -ras realizadas em outras temperaturas faz-se a seguinte correção: somar 0,001 à leitura para cada 3 0 C acima da temperatura de calibração e subtrair 0,001 para cada 3 0 C abaixo da calibração. Para determinações mais exatas, faz-se a corre-ção para o teor de proteína ou gl icose presente. Subtrair 0,003 da leitura para cada l,0 g/dL de proteína na urina. Subtrair 0,004 para cada 1,0 g/dL de glicose na urin a.

REFRACTÔMETRO

O refractômetro mede o índice de refração, relaci-onado ao conteúdo de sólidos totais dissolvidos na urina. O índice de refração é a relação entre a velocidade da luz no ar e a velocidade da luz na solução. Esta relação varia diretamente com o número de part ículas dissolvidas na urina e é pro-porcional à densidade. A vantagem desta determi-nação é o emprego de pequenas quant idades de amostras (algumas gotas). Como ocorre com a densidade, o índice de refração varia com a temperatura, entretanto os equipamentos modernos são compensados entre 15,5 e 37,7 0 C, não sendo necessário efetuar cor-reções dentro estes l imites.

Tiras reagentes. Com a elevação da concentração dos eletrólitos na urina, os reagentes na fita liberam íons hidrogênio, causando a redução do pH e a subseqüente reação proporcional à densidade. A prova se baseia na modificação de pKa de certos poliácidos (polimetil vinil/anidrido ma -léico) que reagem com íons posi t ivos na urina (sódio etc) de tal modo que os grupos ácidos vizi-nhos na molécula se dissociam, l iberando íons hidrogênio e baixando o pH. A área reativa con-tém um indicador – o azul de bromotimol – que mede a alteração de pH correspondente ao conte-údo de sal o u à densidade. As cores da área reagente variam desde o azul intenso em urinas de baixa concentração até o

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amarelo em amostras de maior concentração iônica.

OSMOMETRIA

A osmometria mede a concentração de um soluto em um líquido. A capacidade renal de diluir e concentrar urina é melhor avaliada pela medida da osmolal idade – concentração de part ículas osmo-ticamente at ivas por massa de solvente – na urina. O osmômetro é o aparelho para medir a osmola-lidade. Os valores de referência estão entre 300 a 900 mOsm/kg de água. O rim é capaz de excretar urina com concen-trações var iadas através da ação dos túbulos r e-nais . Nos estados de carência de água, o ADH estimula a conservação de água ao máximo (reab-sorção do solvente aumentada), d e tal forma que a urina pode chegar a atingir uma alta osmolalidade de 1.200 mOsm/kg. Com uma ingestão excessiva de água, a diluição máxima pode produzir uma osmolalidade tão baixa quanto 50 mOsm/kg. Na infância e nas idades avançadas, es tes valores difere m; para aqueles pacientes com mais de 65 anos, geralmente não conseguem obter concentra-ções máximas acima de 700 mOsm/kg, enquanto a habilidade de diluição máxima, freqüentemente não é menor do que 100 a 150 mOsm/kg.

PH

O pH urinário reflete a capacidade do rim em manter a concentração normal dos íons hidrogênio no liquido extracelular. Para conservar um pH constante no sangue (ao redor de 7,4) , o glomé-rulo excreta vários ácidos produzidos pela ativ i-dade metabólica, tais como ácidos sulfúrico, fo s -fórico, clorídrico, pirúvico, láctico e cítrico além de corpos cetônicos. Estes ácidos são excretados principalmente com o sódio. Nas células tubulares os íons h idrogênio são t rocados pelo sódio pre-sente no fil trado glomerular e a urina torna-se ácida. Os íons hidrogênio são também excretados como íons amônio. Normalmente, o pH da urina varia entre 4,5 e 8,0. Níveis abaixo ou acima des -tes valores não são f is iologicamente possíveis .

§ pH urinário baixo. Várias condições determi-nam a acidez urinária (pH baixo), dentre as quais citam-se: acidose metabólica (acidose d i-abética, diarréias graves, desnutrição), acidose respiratória, clima quente, dieta protéica, fe-nilcetonúria, intoxicação pelo álcool metílico, intoxicação pela salic ilato, medicações acidifi-cantes (cloreto de amônio), tuberculose renal e urina matinal.

§ pH urinário e levado. A alcalinidade urinária (pH alto) é comum na acidose tubular renal, a l-calose metabólica e/ou respiratória, aldostero-nismo primário, deficiência potássica, dieta vegetariana, diuréticos que inibem a anidrase carbônica, infecções urinárias provocadas por bactérias que desdobram a uréia em amônia (Proteus mirabil is) , s índrome de Addison, u rina pós -prandial e urina vespertina. A de-mora na análise da urina não refrigerada pela ação de bactér ias .

Na conduta de problemas clínicos específicos, o pH urinário deve ser mantido constantemente elevado ou diminuído, seja por meio de regimes dietéticos e/ou medicamentos. O efeito de certas drogas também dependem do pH urinário, Si tuações que exigem urinas ác idas: tratamento dos cálculos urinários de fosfato amoníaco-mag-nesiano, fosfato ou carbonato de cálcio; nas infec-ções do trato urinário e, de modo especial , na-quelas causadas por germes desdobradores da u réia; durante o tratamento com mandelato de metenamina, tetraciclina e nitrofurantoínas, as quais têm maior efeito terapêutico em urinas áci-da s . Si tuações que exigem urinas alcal inas: trata-mento dos cálculos urinários de ácido úrico ou cis t ina; no controle das intoxicações por salicila-tos; durante o tratamento com sulfonamidas (para prevenir a precipitação de cristais da droga no trato urinário), estreptomicina, cloranfenicol e canamicina. O pH é determinado pelo emprego dos indic a-dores vermelho de me tila e azul de bromotimol, que permitem a diferenciação de valores de meia unidade entre 5 e 9. Este teste compõe as t iras reat ivas encontradas no comércio.

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PROTEÍNAS

Tiras reagentes. A presença de prote ínas na urina é detectada pela modificação da cor de uma área na fita reativa impregnada com azul de te-trabromofenol tamponado ou com tetraclorofenol-tetrabtomosulfotaleína tamponado em pH ácido. A área apresenta cor amarela que modifica para verde ou azul em presença de proteínas . A inten-sid ade de cor é proporcional a quantidade de pro -teínas presentes. Permanecendo inalterado o pH, a s p ro teínas provocam uma pseudoviragem do indicador (erro protéico dos indicadores). O “erro protéico dos indicadores” é mais ou menos pronunciado segundo o número de grupos amino l ivres nas diversas frações protéicas. É mais intenso para a albumina e débil para as glo -bulinas, gl icoproteínas, mucoproteínas etc. As proteínas de Bence-Jones não mostram, na prática, erro protéico. Centrifugar as urinas que destinam-se a este teste e que apresentam macrohematúria. O teste deve ser realizado conforme o indicado acima, com a avaliação proposta pelo fabricante. O resultado é semi -quantitativo e expresso em cruzes :

Resultado em cruzes Resultado em mg/dL Traços <50

+ <100 ++ <150

+++ >150 Resultados falsos posi t ivo são encontrados nas urinas muito alcalinas (pH acima de 9), elimin a-ção de polivinilpirrolidona (expansor do plasma), alcalóides em geral, compostos com radicais de amônio quaternário (detergentes) e alcalóides em geral. Resultados falsos negativso ocorrem na protei-núria de Bence-Jones, globinúria predominante e urinas conservadas com ácidos minerais fortes.

Teste químico. Os testes químicos para detectar as proteínas na urin a são geralmente baseadas na precipitação pelo calor ou por reação com preci-pitantes aniônicos. Os mais empregados são: coa-gulação pelo calor; ácido nítr ico concentrado (anel de Heller); ácido nítrico + sulfato de magné-sio (Robert); ácido sulfossalicílico; ácido tricloro-

acético e ácido acético. O ácido sulfossalicíl ico é o ácido mais freqüentemente empregado pois não necessita o uso de calor. São uti l izadas as mais distintas concentrações e proporções deste ácido e cada uma delas com diferentes escalas de result a-d o s . O significado clínico da proteinúria foi tratado no capítulo Aminoácidos e Proteínas. Em resumo, tem-se lesão da membrana glomerular (distúrbios do complexo imune, amiloidose, agentes tóxicos); comprometimento da reabsorção tubular; mieloma múltiplo; nefropatia diabética; pré -eclâmpsia; proteinúria ortostát ica ou postural .

PROTEINÚRIA DE BENCE JONES

Pacientes com mieloma múltiplo – distúrbio proli-ferat ivo dos plasmócitos produtores de imunogo-bulinas – apres entam teores muito elevados de imunoglobulinas monoclonais de cadeias leves (proteínas de Bence Jones). Esta proteína de baixa massa molecular é filtrada em níveis que ultrapas-sam a capacidade de reabsorção tubular, com e x-creção na urina. A prote ína de Bence Jones coagula em temp e-raturas si tuadas entre 40-60 0 C, dissolvendo-se quando a temperatura atinge 100 0 C. Deste modo, quando a amostra de urina fica opaca entre 40-60 0 C e transparente a 100 0 C, há indícios da pre -s ença de proteína de Bence Jones. M uitos pacien-tes não produzem quantidades detectáveis de pro -te ínas de Bence Jones na urina, sendo que a quan-t idade excretada aumenta com a lesão tubular. Para o diagnóstico executa-se a dosagem de pro -teínas e imunoeletroforese tanto na urina como no s o ro .

GLICOSE

Os açúcares são componentes normais na urina. Sendo moléculas pequenas, a gl icose e outros açúcares são facilmente fi l trados através do glo -mérulos. Para evitar a perda, os carboidratos são reabsorvidos por mecanismos de transporte ativo nas células do túbulos proximais. Este mecanismo é bastante eficiente e remove quase toda a glicose normalmente filtrada pelo glomérulo. Quando a

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concentração de glicose plasmática ultrapassa 180 mg/dL, a capacidade de reabsorção é excedida e o açúcar passa para a urina. Mesmo com teores normais de glicose sangüínea, algum açúcar pode ser encontrado na urina, pois é impossível aos túbulos serem totalmente eficientes na capacidade de reabsorção. Quantidades signif icantes de glicose são d e-tectadas na urina quando houver elevadas concen-trações de glicose na corrente circulatória, como ocorre na diabetes. A glicose também é encon-t rada na urina em certas enfermidades do túbulo proximal (síndrome de Fanconi e nefropatia tubu-lar avançada) que podem impedir a capacidade de absorção.

Tira reagente. Testes enzimáticos, empregando a glicose oxidase, peroxidase e um cromogênio oxidam seletivamente a glicose pela remoção de dois íons hidrogênio formando ácido glicônico. Os íons hidrogênio removidos combinam-se com o oxigênio atmosférico para produzir peróxido de hidrogênio que em presença de peroxidase oxida um cromogênio com modificação de cor. O cro -mogênio utilizado varia com as diferentes fitas reat ivas. Açúcares como a galactose, f rutose e lactose não interferem neste teste. Contudo, elevadas concentrações de ácido ascórbico, ácido homo -gent ís ico, aspirina, cetonas ou uratos podem pro -vocar a inibição da reação enzimática. Resultados falsos-posit ivo são raros, no entanto podem ocor-rer por contaminação da vidraria pelo hipoclorito de s ódio (solução alvejante) ou quando os perío-dos de leitura da fi ta forem ultrapassados. Os re -sultados semi -quanti tat ivos obtidos em cruzes se relacionam com os valores em mg/dL como segue:

Resutados em cruzes Resultados em mg/dL Traços <100

+ <250 ++ <300

+++ <500 ++++ >1.000

Teste químico. Para a avaliação semi -quanti ta-t iva, a gl icose pode ser testada como substância

redutora na urina. O teste comumente usado é o de Benedict baseado na reação de uma solução alca-l ina de sulfato de cobre, a quente, que oxida as substâncias redutoras na urina (glicose, galactose, frutose, maltose, lactose, xilulose, arabinose, ri-bose) , com a redução do íon cúprico a íon cu-proso, resultando em formação de hidróxido cu-proso (amarelo) ou óxido cuproso (vermelho).

CETONAS

As cetonas são formadas por t rês substâncias : acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona. A ex-cessiva formação destes compostos, devido a dis-túrbios no metabolismo dos carboidratos e l ip í -dios, provoca o aumento na concentração sangüí-nea (cetonemia) com a conseqüente excreção uri-nária (cetonúria). Ocorre redução das cetonas por volatização em urinas não analisadas logo após a coleta e/ou não refrigeradas .

Tira reagente. A reação está baseada na forma-ção de complexo colorido entre o acetoacetato e acetona com o nitroferricianeto/glicina em meio alcalino ou do acetoacetato com o nitroferricia-neto tamponado. O β-hidrozibutirato não reage nes t e s t e s t e s . Falsos-positivo são encontrados em concentra-ções elevadas de ácido fenilpirúvico (fenilcetonú-ria), metabólitos da L-dopa, fenolftaleína (la -xan te). Quando presente os resultados são expres -sos em cruzes que correspondem aos seguintes valores em mg/dL.

Resultado em cruzes Resultados em mg/dL Traços <5

+ <15 ++ <50

+++ <150

Teste químico. O emprego de cloreto de ferro para a detectação de cetonas na ur ina ( tes te de Gerhardt) foi abandonado pela pouca sensibilidade e falta de especificidade. A ace tona e o acetoacetato reagem com o n i-troprussiato de sódio (nitroferricianeto) em pre-

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256 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

sença de álcali para formar um complexo de cor púrpura (teste de Rothera). Este método permite detectar aproximadamente 1 a 5 mg/dL de acetoa-cetato e 10 a 25 mg/dL de acetona. O β-hidroxibutirato não é detectado nesta prova.

UROBILINOGÊNIO

O urobilinogênio é um pigmento biliar resultante da degradação da hemoglobina. É formado no intestino a partir da redução da bilirrubina pelas bactérias intestinais. Parte do urobilinogênio é reabsorvido pelo intest ino, caindo no sangue e levado ao f ígado. Ao passar pelos r ins é f i l t rado pelos glomérulos. Encontra -se grande quantidade de urobil inogênio na urina nas hepatopatias e distúrbios hemolít icos. A demora da pesquisa em urinas não refrigeradas provoca a diminuição do urobilinogênio por sua oxidação e conversão em urobilina.

Tira reagente. A pesquisa do urobilinogênio na urina é realizada por tiras impregnadas pelo D-dimetilaminobenzaldeído em meio ácido ou por 4 -metoxibenzeno-diazonio -tetrafluorborato também em meio ácido. A primeira reação sofre interfe-rências do porfobilinogênio, indol, escatol, sulfi-soxasol, ácido p -aminossalicílico, procaína e me-ti ldopa (Aldomet). A segunda reação é a fetada de modo negativo por nitrito ( > 5 mg/dL) e formol (> 200 mg/dL). Falsos-posi t ivo são encontrados em pacientes que recebem fenazopiridina.

Prova química. A reação de Ehrlich é univer-salmente utilizada para este teste. Emprega o p -dimetilaminobenzaldeído em ácido clorídrico concentrado que reage com o urobil inogênio e porfobilinogênio para formar um aldeído colorido. A adição de acetato de sódio intensif ica a cor vermelha do aldeído e inibe a formação de cor pelo escatol e indol.

BILIRRUBINA

A bil irrubina conjugada pode estar presente na urina de pacientes portadores de enfermidade h e-patocelular ou icterícia obstrutiva, pelo extrava-

samento para a circulação. É importante salientar que muitas vezes a bilirrubinúria precede a icterí -cia clínica, pois o umbral renal no adulto se en-contra entre 2 e 4 mg/dL. A icterícia ocasionada pela grande destruição de hemácias não produz bilirrubinúria, pois a bilirrubina sérica está pre-sente na forma não-conjugada e , ass im, não pode ser excretada pelos rins.

Tira reagente. Os testes em tiras estão baseados na reação de acoplamento de um sal de diazônio com a bilirrubina em meio ácido. Contudo, os produtos existentes no comércio, diferem quanto ao sal ut i l izado para o desenvolvimento de cor. As áreas reagentes estão impregnadas de 2,6-dicloro-diazônio tetrafluorborato ou 2,4-dicloroanilina diazônio. O emprego, o desenvolvimento de cor e interpretação são fornecidos pelos fabricantes. Falsos-negat ivo: ocorrem em presença de ele-vados teores de ácido ascórbico, nitrito (infecções do trato urinário) ou por oxidação da bilirrubina à biliverdina por exposição à luz. Falsos-pos i t ivo: são freqüentes em pacientes que recebem grandes doses de cloropromazina. Metabóli tos de drogas c omo a fenazopiridina p o-dem desenvolver cor vermelha em pH ácido e mascarar o resultado.

Prova química. O cloreto de bário se combina com radicais de sulfato na urina forma ndo um precipitado de sulfato de bário ( teste de Fouchet). Os pigmentos biliares pre sen tes se aderem a estas moléculas de grande tamanho. O clo reto de ferro em presença de ácido tricloroacético, provoca a oxidação da bilirrubina (amarela) ou biliverdina (verde). Este teste é bastante sensível pois fornece resul tados posi t ivos a part i r da concentração de 0,15 a 0,20 mg/dL. Outro teste emprega tabletes (Ictotest , Ames) contendo p -nitrobenzenodiazônio p -tolueno que reage com a bilirrubina com formação de cor azul ou púrpura. Os tabletes também contêm ácido sulfossalicílico, bicarbonato de s ódio e ácido b ó-rico.

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Rim e função renal 257

HEMATÚRIA, HEMOGLOBINÚRIA E

MIOGLOBINÚRIA

Hematúria é a presença de um número anormal de hemácias n a urina sendo encontrada em pacientes com sangramento ao longo do trato genitourinário. Hematúria maciça , que resulta em urina cor rosa, vermelha ou marron, pode ocorrer nas infecções do trato urinário, cálculo renal, tumor do trato urinário, rim policísistico e glomerulonefrite pós-estreptocócica. A maior parte dos casos de hema-túria são microscópicas. A presença de cil indros eritrocitários é a evidência definitiva de sangra-mento parenquimal renal.

Hemoglobinúria indica a presença de hemo-globina em solução na urina e reflete hemólise intravascular que ocorre durante episódios de s índrome urêmica hemolítica, púrpura tromboci-topênica trombótica (PTT), hemoglobinúria paro -xís tica noturna, reações transfusionais hemolí t i-cas, hemólise por toxinas bacterianas (sept ice-mia), veneno de cobra ou aranha, malária e quei-maduras severas. Exercícios extenuantes podem ser seguidos de hemoglobinúria. A hemoglobina leve aparece na urina quando a capacidade de l igação da haptoglobina plasmática est iver satu-rada. A h emoglobina é metabolizada pelas células renais em ferritina e hemossiderina, detectadas na urina usando o corante azul da Prússia. Quantida-des apreciáveis de sangue, detectada pela visuali-zação da amostra, é denominada macrohematúria . Nos casos onde as hemácias são encontradas so-mente no exame microscópico do sedimento uriná-rio, chama -se microhematúria . Devido à importância do estabelecimento do diagnóstico diferencial entre hemoglobinúria e hematúria, a análise do sedimento urinário revela, em se tratando de hematúria, a presença de hemá-cias intactas, enquanto na hemoglobinúria, não são encontradas hemácias ou, se existirem, são em número reduzido. Como a hemoglobinúria é um achado incomum, um teste posit ivo para a hemo-globina com um sedimento urinário normal deve ser melhor investigado. Urinas muito alcalinas ou com densidade urinária muito baixa (<1,007) p o-dem provocar hemólise dos eritrócitos, l iberando o conteúdo de hemoglobina na urina. A presença deste t ipo de hemoglobina se considera como h e-

matúria quando é conhecida a sua origem, apesar da grande dificuldade em distinguir da hemoglo-binúria verdadeira.

Tira reagente. A zona de teste está impregnada com uma mistura tamponada de um peróxido or-gânico e o cromogênio tetrametilbenzidina. A reação s e baseia na atividade pseudoperoxidásica da hemoglobina que catalisa a transferência de um átomo de oxigênio do peróxido para o cromogê-nio. As hemácias intactas na urina se hemolisam ao entrar em contato com a área reagente. A h e-moglobina l iberada atua sobre o reat ivo produ-zindo pontos verdes d ispersos ou concent rados sobre o fundo amarelo. Por outro lado, a hemo -globina livre e a mioglobina fornecem uma colo -ração verde ou verde azulado uniforme. Na hemó -lise parc ial surgem quadros mistos. Deste modo, a reação torna-se positiva em presença de eritrócitos in tactos, assim como hemoglobina livre e mioglo -b ina. As tiras reagentes detectam 0,05 a 0,3 mg/dL de hemoglobina na urina. Falsos-pos i t ivo: são produzidos por cer tos oxidantes como hipocloritos, às vezes empregados na limpeza de material e peroxidases bacterianas na bacteriúria intensa. Em tais casos, deve-se avaliar cautelosamente uma reação positiva, part i-cularmente se o sedimento não apresentar hemá-cias . Falsos-negat ivo: encontram-se em presença d e níveis elevados de ácido ascórbico. Os nitritos em grande concentração atrasam o desenvolvimento de cor. O formol, empregado como conservante, pode levar a reações diminuídas ou negativas.

Prova química. Os métodos para a pesquisa da hemoglobina estão baseados na ação das heme -proteínas que atuam como peroxidases, catali-s ando a redução do peróxido de hidrogênio para fo rmar água. Esta reação necessita um doador de hidrogênio, em geral o guaiaco ou o -tolidina (um derivado da benzidina). A oxidação do doador resulta em cor azul, cuja intensidade é proporcio -nal aos teores de hemoglobina. A benzidina básica é carcinogênica e a exces -siva absorção pela pele, por via oral ou a inalação do pó pode provocar câncer de bexiga. Este r isco provavelmente também exista com o uso de o-

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258 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

tolidina (derivado da benzidina) apesar de não ainda comprovado. Por conseguinte, é essencial o cuidado no manuseio des tes compostos .

A mioglobinúria acompanha a destruição aguda de f ibras musculares e é encontrada no exercício excessivo, convulsões, hipertermia e queimaduras severas. Pacientes com mioglobin ú-ria tem níveis elevados de creatina quinase no soro. O teste de precipitação de sulfato de amônio é comumente usado para detectar mioglobinúria e é assim realizado: adiciona-se 2,8 g d e sulfato de amônio a 5 mL de urina centrifugada. Misturar e deixar em repouso por 5 minutos. Filtrar. Usar a fi ta reativa para detectar sangue. Se for posit iva, indica presença de mioglobina, pois o sulfato de amônio precipita a hemoglobina que dasaparece do fil trado.

N ITRITO

O teste para detectação de nitr i tos na urina é uma prova indireta para o diagnóstico precoce de bac-teriúria significativa e assintomática. Os microor-ganismos comumente encontrados nas infecções urinárias, tais como Escherichia col i , Enterobac-ter , Citrobacter, Klebsiel la e espécies de Proteus contêm enzimas que reduzem o nitrato da urina a nitrito. O nitrito ingerido em medicamentos ou alimentação não é eliminado como tal. A prova para detectação do nitrito é útil para o diagnóstico precoce das infecções da bexiga (cist i te), da pie-lonefrite, na avaliação da terapia com antibióticos, na monitoração de pacientes com alto risco de infecção do trato urinário e na seleção de amostras para a cultura de urina. Para a obtenção de resul-tados aceitáveis, esta prova deve ser realizada com as seguintes precauções:

§ Os germes nitrato redutores necessi tam de quantidade suficiente de substrato (sem nitrato não se forma nitri to). Isto é conseguido medi-ante a ingestão de al imentos contendo ni t rato na véspera do teste (cenoura, couve, espinafre, carne, saladas etc.) .

§ O incubador mais favorável é a bexiga; utili-zar, pois, a primeira urina da manhã que tenha

permanecido no mínimo quatro horas na be-xiga.

§ A prova d eve ser realizada o mais depressa possível após a emissão da urina.

§ A urina não deve conter ant ibiót icos ou sulfo -namidas. Nestes casos suspender a terapia por t rês dias antes da prova.

Tira reagente. Dois tipos de áreas reagentes são encontradas para a pesquisa de nitrito. Em meio ácido, o nitrito reage com o ácido p -arsanílico produzindo um composto diazônio que é acoplado com uma benzoquinolina para produzir cor rosa (Ames). No produto da Boehringer uma amina aromática, a sulfanilamida reage com o nitrit o em presença de um tampão ácido produzindo a partir de um sal de diazônio. Este sal se l iga a benoqui-nolina para formar cor rosa. Resultados negativos não afastam a presença de bacteriúria significa-t iva. Falsos-pos i t ivo: são encontrados após ingestão de fármacos que coram a urina de vermelho ou torna-se vermelho em meio ácido (ex.: fenazopiri-dina). Pontos ou extremidades rosa na área da fita são interpretados como negat ivo. Falsos-negat ivo: ocorrem em concentrações elevadas de ácido ascórbico, urobilinogênio e pH baixo.

LEUCÓCITO ESTERASE

Os leucócitos neutrófilos contêm muitas esterases que catalisam a hidrólise de um éster para produ-zir o álcool e o ácido correspondente. O nível de esterase na urina está correlacionado com o nú-mero de neutrófi los presente. Os eri trócitos e cé-lulas do trato urinário não modificam o teor de esterase. Este teste deve ser confirmado pela aná-lise microscópica do sedimento urinário.

Tira reagente. O substrato, um éster do ácido carbônico com indoxil, é hidrolizado pela ação da leucócito esterase em indoxil que por oxidação desenvolve cor azul. Com a finalidade de reduzir o tempo de reação foi adicionado um sal diazônio que reage com o indoxil para formar cor púrpura.

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Rim e função renal 259

A intensidade de cor é proporcional ao número de leucócitos presentes na amostra. Falsos-pos i t ivo: são freqüentes em presença de agentes oxidantes. A contaminação com líquido vaginal é outra fonte de resul tados errôneos. Falsos-negat ivo: são encont rados por inibição na cor promovida por grandes quantidades de ácido ascórbico. O formol também inibe a reação. A interpretação da cor é afetada pela nitrofuran-toína.

SEDIMENTOSCOPIA

A sedimentoscopia é a par te do EQU que mais dados fornece, proporcionando uma visão do que ocorre nos néfrons que a formaram. Para obter-se um bom sedimento, t rês condições são necessá-rias: a) que a urina seja recente; b) que a urina seja concentrada e c) que a urina seja ácida. Urina de baixa concentração e pH alcalino resultam em pronta dissolução dos elementos formados. Quando a urina permenece longo tempo estag-nada, há possibil idade de sua alcalinização e con-seqüente desintegração celular .

CÉLULAS EPITELIAIS

Algumas células epitel iais encontradas no sedi-mento urinário resultam da descamação normal das células velhas, enquanto outras representam lesão epitelial por processos inflamatórios ou doenças renais . São encontradas em três t ipos na urina:

Células escamosas. São as mais comumente encontradas na urina e com menor significado. Provêm do revestimento da vagina, da uretra fe-minina e das porções inferiores da uretra mascu-lina.

Células transicionais ou caudadas. O cálice renal, a pelve renal, ureter e bexiga são revestidos por várias camadas de epitélio transicional. Em indivíduos normais, poucas células transicionais são encontradas na urina e representam descama-ção normal. O número destas células aumenta

após ca teterização urinária ou outros procedi-mentos de instrumentação. Além destas condições, podem indicar processos que necessitam maiores investigações como o carcinoma renal.

Células dos túbulos renais. Pequena quant i-dade de células dos túbulos renais aparecem na urina de indivíduos saudáveis e representam a descamação normal do epitél io velho dos túbulos renais. Recém-nascidos têm mais células de túbu-los renais na urina que crianças mais velhas e adultos. As células dos túbulos contornados distal e proximal são encontradas na ur ina como resul-tado de isquemia aguda ou doença tubular renal tóxica (como: necrose tubular aguda por metais pesados ou drogas) .

Os sedimentos urinários podem conter número aumentado de células dos túbulos coletores em vários t ipos de doenças renais, como na nefri te, necrose tubular aguda, rejeição a transplante renal e envenenamento por sal ici latos. Quando estas células aparecem como fragmentos intactos do epitélio tubular indicam necrose isquêmica do epitélio tubular, trauma, choque ou sepse . Quando ocorre a passagem de l ipídios pela membrana glomerular, como nos casos de nefrose lipídica, as células do túbulo renal absorvem lip í -dios e são chamadas corpos adiposos ovais . Em geral , são vistas em conjunto com gotículas de gordura que flutuam no sedimento. O exame do sedimento com luz polarizada, produz a formação de imagens característ icas nas gotículas que con-têm colesterol (cruz-de-malta).

LEUCOCITÚRIA

Os leucóci tos podem entrar na urina através de qualquer ponto ao longo do trato urinário ou atra-vés de secreções genitais . O aumento no número de leucócitos (>4 por campo) que apresentam ou não fenômenos degenerat ivos (granulações gro s-seiras no citoplasma, inclusão de bactérias etc.) na urina é chamado piúr ia . A piúria pode expressar-se pela eliminação de leucócitos isolados ou aglu-tinados ou pelo aparecimento na urina de cilindros hialinos com inclusão de leucócitos. Pode resultar de infecções bacter ianas ou de outras doenças

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260 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

renais ou do trato urinário. As infecções que com-preendem pielonefrite, cistite, prostatite e uretrite podem ser acompanhadas de bactérias ou não, como no caso da infecção por Chlamydia. A piúria também está presente em patologias não infeccio-sas, c omo a glomerulonefrite, o lúpus eritematoso sistêmico e os tumores.

HEMATÚRIA

Normalmente as hemácias são encontradas na urina de pessoas normais em pequenas quantid a-des . Todas as hemácias presentes na ur ina se ori-ginam do sistema vascular. O número aumentado de hemácias na urina representa rompimento da integridade da barreira vascular, por injúria ou doença, na membrana glomerular ou no trato g e-nitourinário. As condições que resultam em h e-matúria incluem várias doenças renais como glo -merulonefrites, pielonefrites, cistites, cálculos, tumores e traumas. Qualquer condição que resulte em inflamação ou comprometa a integridade do sistema vascular pode resultar em hematúria. A possibi l idade de contaminação menstrual deve ser considerada em amostras colhidas em mulheres. A presença de hemácias e também de cilindros na urina pode ocorrer após exercícios intensos. As vezes é necessár ia a pesquisa de hemácias dismórficas para diferenciar entre hematúria de origem glomerular da de origem não glomerular. A presença de hemácias dismórficas sugere san-gramento de origem glomerular. As hemácias não dismórficas (com morfologia normal) são encon-tradas em urina de pacientes com patologias extra -glomerulares. Esta pesquisa necessi ta de micro s -copia de contraste de fase.

CILINDRÚRIA

São moldes mais ou menos cil índricos do túbulo contornado distal e do ducto coletor. O principal componente dos ci l indros é a proteína de Tamm-Horsfall , que é uma mucoproteína secretada s o -mente pelas células tubulares renais. A presença de cilindros urinários é chamada cilindrúria. Seu aparecimento é explicado por três fatores: a) da concentração e da natureza da proteína exi s ten te

no interior do túbulo renal; b) de um pH ácido e c) da concentração elevada de substâncias solventes. O tamanho dos cilindros pode variar em função do diâmetro do túbulo no qual foram formados. Ci-lindros largos indicam a formação em túbulos renais dilatados ou em túbulos coletores. O achado de muitos cil indros céreos largos indica pro gnóst ico desfavorável . Assim, os t ipos de ci-l indros encontrados no sedimento representam diferentes condições cl ínicas.

Cilindros hialinos. São formados pela precip i-tação de uma matriz homogênea de proteína de Tamm-Horsfall e são os mais comumente obser-vados na urina. A presença de 0 a 2 por campo de pequeno aumento é considerada normal, assim como quantidades elevadas em situações fisiológi-cas como exercício físico intenso, febre, desidra-tação e estresse emocional . Estão presentes nas glomerulonefrites, pielonefrites, doença renal crônica, anestesia geral e insuficiência cardíaca congest iva.

Cilindros hemáticos. Os cilindros hemáticos es tão associados a doença renal intr ínseca. Suas hemácias são freqüentemente de origem glomeru-lar, como na glomerulonefrite, mas podem tam-bém resultar de dano tubular, como na nefrite intersticial aguda. A detecção e monitoramento de cilindros hemáticos permite uma medida da avali-ação da resposta do paciente ao t ratamento. São também encontrados no exercício físico intenso, nefrite lúpica e hipertensão maligna.

Cilindros leucocitários. Indicam infecção ou inflamação renal e necessitam de investigação clínica. Quando a origem dos leucóci tos é glome-rular como na glomerulonefrite, encontra -se no sedimento grande quantidade de cil indros leuco-citários e cilindros hemáticos. Quando é tubular, como na pielonefrite, os leucócitos migram para o lúmen tubular e são incorporados na matriz do cilindro.

Cilindros de células epiteliais. Os cilindros epiteliais têm origem no túbulo renal e resultam da descamação das células que os revestem. São encontrados após agressões nefrotóxicas ou is -

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quêmicas sobre o epitélio tubular e podem estar associados a infecções virais como citomegaloví-rus. São, muitas vezes, observados em conjunto com cilindros de hemácias e leucócitos.

Cilindros granulosos. Podem estar presentes no sedimento urinário, principalmente após exe r-cício vigoroso. Entretanto, quando aumentados representam doença renal glomerular ou tubular. São compostos primariamente de proteína de Tamm-Horsfall . Os grânulos são resultado da desintegração de cilindros celulares ou agregados de proteínas plasmáticas, imunocomplexos e glo -bu linas. Encontram-se na estase do fluxo urinário, estresse, exercício físico e infecção do trato urin á-rio.

Cilindros céreos. Representam um estágio avançado do cilindro hialino. Ocorrem quando há es tase prolongada por obstrução tubular e são freqüentemente chamados cil indros da insuficiê n-cia renal . São comumente encontrados nos paci-entes com insuficiência renal crônica e também em rejeição de transplantes, hipertensão maligna, e outras doenças renais agudas (s índrome nefró -t ica glomerulonefrite aguda).

Cilindros graxos. São um produto da desinte-gração dos cil indros celulares, produzidos por

decomposição dos cil indros de células epiteliais que contêm corpos adiposos ovais . Presentes na síndrome nefrótica, nefropatia diabética, doenças renais crônicas e glomerulonefrites.

MUCO

O muco é uma proteína fibrilar produzida pelo epitélio tubular renal e pelo epitélio vaginal. Não é considerado clinicamente significativo. O au-mento da quantidade de fi lamentos de muco na ur ina es tá comumente associado à contaminação vaginal.

Bibliografia consultada

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262 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

262

CÁLCULOS URINÁRIOS

l i t íase renal é uma doença manifestada pela formação de cálculo renal. A presença de

cálculos nos rins, ureteres ou bexiga, além de causar forte dor pode infringir sérios danos teci-duais .

Cálculos são precipitações como agregados de vários componentes de baixa solubilidade normais da urina. Podem ser formados pela combinação de bactérias, células epiteliais, sais minerais em uma matriz protéica e muco. Muitas vezes a precipitação de compostos r e-lativamente insolúveis é iniciada ou agravada por infecção, desidratação, excessiva ingestão ou pro-dução de compostos, obstrução urin ária e outros fatores. A maioria dos cálculos consiste de oxa-lato de cálcio (30 % do total), fosfato de cálcio ( 10% do total) ou numa mistura deles (25% do total). O fosfato amônio -magnesiano contribui com 25 por cento de todos os cálculos, sendo que o ácido úrico com 5 por cento e a cistina com 2 por cento . Uma vez formado, o cálculo tende a crescer por agregação, a menos que seja desalojado e des ça através do trato urinário para ser excretado. Os cálculos maiores podem permanecer no rim ou obstruir um ureter do qual deve ser removido por cirurgia. A passagem de cálculo para baixo dos ureteres produzem dor excruciante aguda do tipo em có-lica, localizada no flanco e irradiando-se para a virilha. A hematúria macroscópica é um achado urinário comum quando os s intomas de cálculos estão presentes. Se os cálculos obstruírem a pelve renal ou o ureter, resultará em hidronefrose.

Várias investigações mostraram que uma ma-triz orgânica parece ser componente essencial a todos os cálculos urinários. Esta matriz mu cóide contém 69 por cento de proteínas, 14 por cento de carboidratos, 12 por cento de componentes inor-gânicos e 10 por cento de água. O precursor da matriz é uma proteína encontrada em pequenas quantidades na urina humana, a uromucóide. O mecanismo exato de como a uromucóide é trans -formada em matriz e como agrega compostos o r-gânicos e inorgânicos para a formação do cálculo,

é desconhecido. Certas deficiências nutricionais e vários estados patológicos parecem desencadear este mecanismo. A recorência de cálculos prova-velmente envolve muitos fatores, tais como:

§ Ingestão reduzida de líquidos (fluxo de urina).

§ Excreção de quantidades excessivas de sub-stâncias relativamente insolúveis (cálcio, ácido úrico, cistina ou xantina).

§ Talvez a ausência de uma substância na urina, que sob condições normais inibe a precipi tação de a lguns destes compostos insolúveis .

Vários t ipos de cálculos estão associados com desordens específicas. São conhecidos vários tipos de cálculos segundo a composição:

Oxalato de cálcio. São provocados por urina concentrada, hipercalciúria (intoxicação pela v i-tamina D, hiperparatireoidismo, sarcoidose), sín -drome do leite-álcali, câncer, osteoporose, acidose tubular renal, hipocitratúria, hiperuricosúria e hiperoxalúria.

Fosfato de cálcio. Ocorrem em urinas alcalinas na acidose tubular renal, ingestão de álcalis e infecção por bactérias desdobradoras de uréia (ex.: Proteus).

Fosfato de amônio-magnésio (estruvita). As infecções do trato urinário tratados com vários antibióticos são as principias causas de formação de cálculos fosfato amônio -magnésio.

Ácido úrico. Estão associados à hiperuricosúria (hiperuricemia, gota, dieta rica em purinas), des i-dratação e hiperacidez urinária (pH < 5,0).

Cistina. São encontrados na hipercist inúria e formam-s e em pacientes com deficiência inata de t ransporte de cis t ina pelas células dos túbulos renais e intest inos.

A

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Rim e função renal 263

TESTES LABORATORIAIS NA INVESTIGAÇÃO DE FORMADORES DE CÁLCULOS

Testes de urina. Exame qualitativo de urina (EQU) onde é comum o a presença de hematúria macroscópica, pesquisa de cist ina e urocultura, dosagens em urina de 24 h de: sódio, cálcio, fó s -foro, ácido úrico, oxalatos e depuração de creati-nina. O pH urinário é úti l pois urinas ácidas ten-dem a favorecer a formação de cálculos de ácido úrico enquanto urinas alcalinas dissolve-os. De modo oposto, os cálculos fosfato amônio -magné-sio ocorrem em pacientes com infecções recor-rentes do trato urinário ou com urinas alcalinas pers is tentes .

Provas no soro sangüíneo. Cálcio, fósforo, ácido úrico, creatinina e eletrólitos.

Análise do cálculo.

Exame radiológico. Às vezes são encontrados cálculos assintomáticos.

Bibliografia consultada

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264 Bioquímica Clínica: Princípios e Interpretações

DOENÇAS RENAIS

paciente portador de doença renal pode apre-sentar uma diversidade de sinais e sintomas

pois aparentemente existem inúmeras etiologias de disfunção renal. O laboratório clínico é de vital importância para estabelecer o diagnóstico, trata-mento e prognóstico destas enfermidades. A avali-ação inicial deve enfatizar a identificação de cau-sas reversíveis da disfunção renal . Os estudos iniciais laboratoriais devem incluir:

§ Exame qualitativo de urina;

§ Dosagem dos eletról i tos (sódio, potássio, clo -retos, cálcio, magnésio, fosfato);

§ Dosagem de compostos ni t rogenados não-pro-téicos (creatinina, uréia, ácido úrico);

§ Determinação da velocidade de filtração glo -merular (VFG) por meio da depuração da cre a-tinina.

Outros tes tes como a α2 -microglobulina, pro -teinúria, microalbuminúria hematúria, hemoglobi-núria e microglobinúria produzem um quadro útil da integridade renal.

VASCULOPATIA RENAL

Entre as doenças renais mais comuns encontram-se os distúrbios renovasculares, part icularmente, nas artérias renais. A disfunção renal, evidenciada por alterações morfológicas e funcionais, é cau-s ada principalmente pelo estreitamento ou oclu -sões no sistema arterial que provocam redução na perfusão para o parênquima renal. As pr incipais causas da vasculopatia renal são:

Oclusão da artéria renal. São comuns os casos de traumatismo abdominal grave. A oclusão das artérias renais também ocorrem:

§ Trombose que afeta as artérias principais ou segmentares .

§ Embol ização de coágulo/vegetação.

§ Embolização ateromatosa em artérias renais de pequeno ou médio calibre.

Desenvolve hipertensão secundária , depen-dente de renina e a perda progressiva da função renal em conseqüência da isquemia.

Trombose da veia renal. Afeta a veia renal principal e é encontrada comumente nas glome-rulopatias nefróticas, principalmente na nefropatia membranosa.

Nefrosclerose benigna/maligna. É uma das complicações mais comum da hipertensão essen-cial e constitui uma causa importante de insufic i-ência renal terminal.

Algumas alterações clínicas que ocorrem na enfermidade vascular incluem a perda parcial da capacidade de concentração, proteinúria moderada e um ocasional sedimento urinário anormal. A velocidade de filtração glomerular pode permane-cer normal ou levemente reduzida.

GLOMERULOPATIAS

A proteinúria elevada constitui a característica básica das glomerulopatias e indica comprometimento na capacidade do capilar glomerular em reter as macromoléculas do plasma (proteínas). O segundo sinal mais comum de glomerulopatia é a presença de hemácias, piócitos e cilindros celulares no sedimento urinário; encontra-se associado à inflamação glomerular.

GLOMERULONEFRITES

O dano primário na glomerulonefrite é um pro -ces so inflamatório que afeta os glomérulos. No en tanto, o dano glomerular eventualmente afeta todas as funções renais pelo impedimento do fluxo sangüíneo através do sistema vascular peritubular.

O

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Deste modo, a doença avançada também apresenta danos es t ruturais dos túbulos , vasos sangüíneos e tecido intersticial. A glomerulonefrite tem numerosas etiologias. A doença pode ser primária quando o órgão pre-dominante envolvido é o rim, uma manifestação de uma enfermidade sistêmica ou uma desordem hereditária (deficiência de α1 -antitripsina) . As principais características da glomérulo nefrite aguda são hematúria, cil indros hemáticos, protei-núria, oligúria, azotemia, edema, hipertensão e deterioração da função renal.

A glomerulonefri te crônica é a designação dada a vários distúrbios que pro duzem lesões r e-cidivantes ou permanentes nos glomérulos. É a causa mais comum de insuficiência renal crônica e requer diálise ou transplante renal. As enfermidades glomerulares são muitas v e-zes mediadas imunologicamente com formação de imuno-complexos circulantes que podem ser reti-dos na parede capilar glomerular durante a ultra-filtração (glomerulonefrite de progressão rápida) freqüentemente como complicação de outra forma de glomerulonefrite ou de algum outro distúrbio, como o lúpus eri tematoso sistêmico. Por outro lado, doenças tubulares e intersticiais são as vezes causadas por agentes tóxicos ou infecciosos. Os complexos imunes na glomerulonefrite causam proliferação celular, infiltração leucocítica e le-sões no glomérulo. A deposição de complexo imune é encontrado após infecção pós-estreptocó-cica, quando o antígeno é estranho ao r im. Isto contrasta com a s índrome de Goodpastu re onde o anticorpo do complexo imune deposit ado no glo -mérulo é formado contra a membrana basal glo -merular (anticorpos anti-MBG). Lesões renais no lupus eri tematoso sis têmico são causadas pela deposição de complexos DNA -ant i-DNA no glo -mérulo. Outras causas de danos glomerulares in -cluem diabetes mellitus, amiloidose, mieloma múltiplo e síndrome de Alport. Este último é uma desordem genética caracterizada por ocorrê ncia familiar, em sucessivas gerações, de nefrite pro -gressiva com danos glomerulares, perda de audi-ção e defeitos oculares. O sinal mais comum é a hematúria.

SÍNDROME NEFRÓTICA

A síndrome nefrótica é uma glomerulonefropatia caracterizada por proteinúria maciça (>3,5 g/d) e hipoalbuminemia (geralmente <2,5 g/dL). A fo r-mação de edema – expansão do componente in -tersticial do volume líquido extracelular – ocorre em conseqüência da retenção r enal de sal em pre-sença de uma redução da pressão oncót ica do plasma. A hiperlipidemia (muitas vezes o coleste-rol atinge níveis >350 mg/dL) e a lipidúria tam-bém estão presentes na s índrome. As glomerulopatias associadas à síndrome nefrótica são:

Nefropatia de alteração mínima. Também conhecido como lesão nula, nefrose lipóide. Idio -pática, secundária: linfoma de Hodgkin. Esta n e-fropatia é comum em crianças. Apresenta sedi-mento urinário “brando” (sem cilindros hemáti-cos), função renal normal e teores de comple-mentos normais.

Glomerulopatia membranosa (nefropatia epi- ou perimembranosa). Idiopática, secundária: in -fecções (hepatite B, sífilis), neoplasias (carcinoma de pulmão, estômago, mama), drogas (ouro, D-penicilamina) e colagenoses (lúpus eritemato s o sistêmico, artrite reumatóide, doença mista do tecido conjuntivo).

Esclerose glomerular focal (glomeruloescle-rose focal e segmentar, glomerulopatia esclero -sante focal). Idiopática, secundária (abuso de h e-roína, nefropatia por refluxo vesicoureteral crônico, síndrome de imunodeficiência adquirida – AIDS).

Glomeruloesclerose diabética. É a causa mais importante de doença renal terminal. Apre-senta albuminúria persistente (>300 mg/d), declí -nio da taxa de filtração glomerular e hipertensão arterial. Em 15-20% dos pacientes com nefropatia diabética é encontrada a glomeruloesclerose n o-dular de Kimmelstiel-Wilson.

Amiloidose. Amilóide idiopático, amilóide se-cundário: mieloma múltiplo, infecção crônica-osteomielite, tuberculose e febre familiar do me-

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di terrâneo. O diagnóstico depende de biópsia teci-dual.

Crioglobulinemia mista essencial. São com-postos de fator reumatóide IgM monoclonal e IgG policlonal. Muitos destes pacientes têm uma in -fecção crônica subjacente pelo vírus de hepati te C.

Glomerulopatia membranoproliferativa ti -pos I, II e III. (mesangiocapilar, hipocomple-mentêmica). Apresentam proteinúria com sedi-mento urinário “ativo” (presença de cilindros h e-máticos).

Glomerulopatia mesangioproliferativa. Ne-fropatia por IgA/IgG (doença de Berger), n ão-IgA, lúpus eritematoso sistêmico, púrpura anafilac-tó ide.

Diagnóstico laboratorial. A síndrome nefrótica pode ocorrer como uma lesão renal primária ou um componente secundário de uma doença sis tê-mica. A proteinúria intensa pode exceder a 10 g/d, em razão do aumento da permeabilidade glome-rular principalmente para a albumina. A nefropatia de alteração mínima é mais comum em crianças. Apesar dos sínais cl ínicos alarmantes, estes paci-entes geralmente respondem bem à terapia por cort icoesteróide. Os níveis de uréia e creatinina séricos muitas vezes estão normais. A glomérulo -patia membranosa, por outro lado, ocorre com maior freqüência em adultos. Muitos destes paci-entes progridem para a insuficiência renal. A hipoproteínemia é um reflexo da perda uri-nária de proteínas na sindrome nefrótica. A hiper-l ipidemia é causada pelo est ímulo da síntese de LDL no fígado, secundária à redução dos níveis de albumina sérica. O sedimento urinário apresenta corpos gord u-rosos ovais, gotas de gordura l ivre e cil indro s graxos, com lipidúria secundária a hiperlipidemia. A hematúria é geralmente insignificante, mas quando presente é sugestiva de lúpus eri tematoso sistêmico. Considera -se um sedimento urinário “ativo” a presença de cilindros hemáticos. Uma

história de diabetes e h iper tensão é consis tente com a síndrome de Kimmelstiel-Wilson.

SÍNDROME NEFRÍTICA

A síndrome nefrítica descreve um quadro de lesão glomerular caracterizada pela presença súbita de hematúria com cilindros hemáticos ou erit róci tos dismórficos e proteinúria indicando origem renal. Está associada à retenção de sódio e água que resulta em hipertensão e edema. A insuficiê ncia cardíaca é também encontrada com proteinúria entre moderada e severa. As glomerulopatias associadas às s índromes nefr í t icas são:

Glomerulonefrite pós-infecciosa aguda. Ocorre por complicações pós-infecciosa por (a) es t reptococos β-hemolíticos do grupo A, (b) in -fecções bacter ianas não-estreptocócicas (ex.: esta-filocócica, pneumocócica), infecções virais (e x.: caxumba, varicela, hepatite B, vírus de coxsackie, mononucleose infecciosa), infecção por protozo á-rios (ex.: malária, toxoplasmose) e várias outras (ex.: esquitossomose, sífilis), (c) associada à en-docardite infecciosa, (d) associada a um abscesso v isceral (ex.: abscessos pulmonares).

Glomerulonefrite rapidamente progressiva. É uma síndrome caracterizada por hematúria ori-ginária do néfron (cilindros hemáticos e/ou hemá-cias dismórficas) com o rápido desnvolvimento de insuficiência renal (durante sema nas ou meses) e a formação glomerular difusa de crescentes na bió p-sia renal. A gromerulonefrite pode ser (a) mediada por ant icorpos ant i-MBG (ex.: síndrome de Go o-dpasture), (b) glomerulonefrite mediada por imunocomplexos, (c) glomerulonefrite não-medi-ada imunologicamente.

Outras glomerulonefrites. Síndrome hemolí -t ico-urêmica, nefrite hereditária (síndrome de A lport) , vasculi tes: granulomatose de Wegener, periartrite nodosa.

Certas glomerulopatias apresentam um quadro clínico misto. Os sintomas nefrótic os ou nefríticos podem dominar o quadro clínico, porém é fre-

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qüente a ocorrência concomitante de nefrose e nefrite. As glomerulopatias com estas duas carac-terísticas são: a glomerulonefrite membrano-proli-ferativa e a glomerulonefrite mesangio -prolifera -t iva.

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

A insuficiência renal aguda (IRA) inclue um grupo de estados cl ínicos associados com um s ú-bito declínio da capacidade do rim em manter as funções homeostáticas renais, além de alterações ele trolíticas (hipercalcemia, hipocalc e-mia/hiperfosfatemia, hipermagnesemia), ácido-básicas e de volume. A insuficiência renal pode ser oligúrica (débito urinário <500 mL/d), ou anú-rica. Geralmente é irrevers´vel. Apresenta também azotemia. Com propósitos terapêut icos, as condições associadas com a insuficiência renal aguda são classificadas como pré -renal, intrarrenal e pós-renal.

INSUFICIÊNCIA PRÉ -RENAL

É um distúrbio funcional resultante de uma redu-ção do volume efetivo de sangue arterial. A perfu-são reduzida pode ser devida à insuficiência car-díaca com débito cardíaco reduzido ou diminuição do volume vascular provocado pela depleção de sódio ou perda sangüínea. Quando a pressão arterial renal é menor que 60-70 mm de Hg, a filtração glomerular diminui sem a formação de urina. Ocorrem graus variáveis de redução na velocidade de filtração glomerular apesar do s is tema auto-regulador do rim tentar manter o suprimento de sangue ao órgão. A insu-ficiência pré -renal é prontame nte revertida quando o suprimento de sangue ao rim é restabelecido. No entanto, a hipoperfusão prolongada pode provocar lesão renal permanente. Os testes laboratoriais apresentam a relação uréia/creatinina aumentada, o exame qualitativo de urina não apres enta resultados anormais, apesar de poder aparecer leve proteinúria. A análise do sódio urinário apresenta resultados reduzidos,

enquanto a relação creatinina urinária/creatinina sangüínea é maior que 14:1.

INSUFICIÊNCIA RENAL INTRÍNSICA

São muitas as causas da insuficiência renal intrí n-seca. As mais comuns são a necrose tubular aguda ( isquemia prolongada; agentes nefrotóxi -cos, tais como metais pesados, aminoglicosídios, meios de contraste radiográficos), glomerulone-frite, lesão arteriolar (hipertensão acelerada, vas -culite, microangiopatias), nefrite intersticial aguda (induzida por medicamentos), deposição intra -renal ou sedimentos (ácido úrico, mieloma), em-bolização do colesterol (especialmente procedi-mento pós-arterial), hemoglobinúria e mioglobinú-ria. A insuficiência renal aguda isquêmica ocorre quando o suprimento sangüíneo ao r im é inter-rompido por mais de 30 minutos. Nestes casos, a correção do volume sangüíneo ou o débi to cardí-aco pode não normalizar a função renal normal. O exame do sedimento urinário revela hematú-ria, numerosas células tubulares renais e cilindros celulares. A proteinúria pode estar ausente ou ser moderada. A concentração do sódio urinário au-menta indicando lesão tubular e a incapacidade em conservar o sódio. A relação creatinina urin á-ria/creatinina sérica geralmente é menor que 14:1. Substâncias nefrotóxicas incluem vários metais e íons, tais como, cloreto de mercúrio, urânio, chumbo, ouro, arsênico, fósforo, cromo, cádmio, b i smuto e clorato. Certos antibióticos são potenci-almente nefrotóxicos (grupo aminoglicosídicos como a gentamicina e a vancomicina). Outros compostos nefrotóxicos são o tetracloreto de car-bono, álcool metílico e etileno glicol. Vários analgésicos, contrastes radiológicos renais e antis-sépticos também podem estar implicados. É inte-ressante notar que vár ias substâncias potencia l-mente tóxicas ao rim, no entanto ao serem admi-nistradas podem não provocar dano renal. Além disso, outros fatores, como desidratação e sup ri-mento reduzido de sangue ao rim exercem papel importante no dano renal.

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INSUFICIÊNCIA PÓS-RENAL

A insuficiência renal aguda pode ser secundária à obstrução do trato urinário superior ou inferior. O diagnóst ico precoce da obstrução é essencial para evitar a lesão renal permanente. O exame de urina na uropatia obstrutiva pode apresentar proteinúria mínima. A hematúria e cr is tais são encontrados nos casos de cálculos ou tumores renais. A presença de cilindros hemátic os é uma forte evidência contra o diagnóstico de insuficiência renal aguda por causas renais. A existência de anúria é sugest iva de obstrução.

DOENÇAS TÚBULO-INTERSTICIAIS

Várias lesões renais cujas causas podem ser imunológicas, f ís icas, bacter ianas e substâncias químicas, e podem provocar alterações que afetam fundamentalmente os tecidos intersticiais e túbu-los. Clinicamente, enfermidades que afetam o tecido tubular ou intersticial são caracterizadas por defei tos da função renal. Isto resulta no imp e-dimento da capacidade de concentrar a urina, na perda de sal e na redução da capacidade de excre-tar ácidos ou defeitos na reabsorção tubular renal e secreção. Nos estágios crônicos da nefrite tubulo interst icial são observados defeitos glomerulares com proteinúria e hipertensão.

Distúrbios estruturais

§ Doenças císt icas: doença renal policística, doença cística medular e cistos renais simples.

§ Doenças interst iciais crônicas: nefropatia por analgésicos, nefropatia por metais p esados, n e-fropatia por radiação, outras (nefrosclerose, nefropatia diabética).

§ Tumores renais: tumores benignos e carcin o-mas de células renais.

Distúrbios funcionais

§ Tubular proximal: síndrome de Fanconi, ami-noacidúria (cistinúria), glicosúria renal, ra qu i-

tismo resistente à vitamina D (hipofosfatemia familiar), acidose tubular renal proximal (tipo II).

§ Tubular dis ta l : diabetes insípido nefrogênico, síndrome de Bartter, síndrome de Liddle, aci-dose tubular renal distal (tipos I e IV).

A nefropatia por abuso de analgésicos é um tipo de nefrite crônica com necrose papilar renal. A fenacetina exerce papel significante nesta ocor-rência. Esta condição geralmente ocorre após d é-cadas de ingestão crônica de analgésicos. A n e-crose papilar, uma complicação séria na qual o tecido da medula renal é destruido e, particula r-mente, a papila, pode também estar presente na pielonefrite, diabetes mellitus, obstrução do trato urinário e anemia falciforme. A pielonefri te é uma enfermidade inflamatória dos rins, especialmente da pelve renal adjacente. É uma complicação freqüente da cistite não tra -tada e pode acarretar lesão nos tecidos renais , comprometimento da função renal, hipertensão e até mesmo septicemia. Os sinais cl ínicos são se-melhantes ao da cisti te, com febre, freqüência urin ária, disúria e dor lombar. Pode apresentar proteinúria moderada. A presença de cil indros leucocitários é diagnóstico de pielonefrite. Nú -mero aumentado de células tubulares renais e cilindros granulares, hialinos e de células epiteli-ais renais são úteis na dist inção entre a pielone-frite e a cis tite. Pacientes com pielonefrite tam-bém tem a capacidade de concentração urinária impedida. Parecem exitir vários fatores que pre -dispõe ao des envolvimento de pielonefrite, os quais incluem obstrução urinária, cateterização, refluxo vesico-ureteral, gravidez, lesões renais pré -existentes e diabetes mellitus. O sexo e a idade do paciente exercem papéis importantes. Pacientes tratados de pielonefrite devem realizar exames qualitativos de urina e uroculturas de forma regular no mínimo durante dois anos, pois estes pacientes são mais suscept íveis a bacter iú -rias assintomáticas. A fo rma crônica de pielone-fri te com lesão tubular, é causada por infecções recorentes provocadas por bactérias que f icam retidas nos rins, devido à existência de anormali-

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dades estruturais ou de obstruções do trato uriná-rio. A nefri te interst ic ial alérgica ocorre por efeitos adversos a medicamentos, especialmente deriv ados da pinicilina. Clinicamente, o paciente apresenta febre, exantema de pele, eosinofilia e d is função renal. A enfermidade renal se manifesta por hematúria, proteinúria moderada, piúria sem bacteriúria e elevação da creatinina sérica. O mieloma múlt iplo também apresenta envol-vimento renal com enfermidade túbulo intersticial causada por complicações tumorais ou terapia. A hiperuricemia pode levar à doença renal por três mecanismos: nefropatia pelo ácido úrico agudo, nefropatia por urato crônico e nefrolit íase.

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA

A insuficiência renal crônica pode resultar de muitas etiologias diferentes e descreve a existên-cia de uma insuficiência renal avançada e, em geral , de desenvovimento gradual, progressiva, e irreversível. É diagnosticada quando a velocidade de filtração glomerular está significativamente reduzida por no mínimo de 3 a 6 meses. Sintomas de uremia por vários meses e rins pequenos, vistos em radiografias, são também fortes evidências de insuficiência renal crônica. Outros indicadores da cronicidade incluem anemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia. A avaliação do sedimento urinário em pacientes com insuficiência renal crônica muitas vezes mostram cilindros lipídicos e au-mento de eritrócitos e leucócitos com variados graus de proteinúria. A insuficiência renal crônica pode resultar de vár ias desordens :

Doenças glomerulares.

Glomerulopatias primárias.

Doenças sistêmicas de base imunológica. Lúpus, vasculi tes e síndrome de Goodpasture.

Doenças sistêmicas de base metabólica. Diabetes mellitus e amiloidose.

Doenças vasculares. Hipertensão arterial, embolias, estenoses arteriais, anemia falciforme e p ó s -insuficiência renal aguda.

Doenças hereditárias ou congênitas. Do-ença policíst ica, síndrome de Alport e hipoplasia renal.

Infecções. Tuberculose, pielonefrites complic a-das por refluxo, pielonefrites atípicas.

Uropatia obstrutiva. Patologias prostát icas, l i t íase e neoplasias .

Nefrites intersticiais. Imunológicas, analgés i-cos, metais pesados, solventes, radiação e hiper-calcemia.

Neoplasias. Mieloma múltiplo, leucemias, lin -fomas e pós-nefrectomia de tumores primários.

Algumas característ icas clínicas dist inguem a insuficiência renal crônica entre elas a azotemia (elevações marcadas de uréia e creatinina), aci-dose, perda de sódio, impedimento do metabo-lis mo do cálcio e fósforo, anemia, tendências ao sangramento, hipertensão, distúrbios iônicos e disfunção neurológica.

CISTITE

A infecção do trato urinário caracteriza -se pela presença de bacteriúria (ou ocasionalmente fungú-ria) e piúria. A in fecção é comprovada pela uro-cultura. A cistite é uma enfermidade inflamatória da bexiga. A análise do sedimento urinário pode mostrar piúria, bacteriúria e hematúria. Protein ú-ria e cilindros patológicos estão ausentes, a menos que existam outras doenças renais concomitantes, além de cist i te. Os testes de função renal podem estar normais. As manifestações clínicas são: dor, desconforto ou sensação de queimação à micção, bem como freqüência urinária.

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DOENÇA RENAL TERMINAL

A d oença renal terminal, manifestação terminal da insuficiência renal, é um conjunto de sintomas, s inais c l ínicos e achados anormais nos es tudos diagnósticos, que resultam no colapso dos rins em manter a função adequada de excreção, regulação e endócrina. Os sinais e sintomas clínicos podem surgir como consequência direta da disfunção de órgãos secundária ao “estado urêmico” ou como resultado indireto da disfunção primária de outro sistema. É de grande utilidade caracterizar a enfermi -dade renal progressiva em quatro estágios, defi-nida pela percentagem da função renal existente e pelas concentrações de creatinina e uréia. A ure -mia corresponde ao estágio final da insuficiência renal crônica (Tabela 16.1).

Tabela 16.1. Estágios de enfermidade renal crônica progres-s i v a Estágio Função renal

existente (%)

Creat inina

(mg /dL)

Uréia

(mg /dL)

Redução da

função renal 5 0 -7 5 1 , 0 -2 , 5 3 2 -6 4

Insuficiência

rena l 2 5 -5 0 2 , 5 -6 , 0 5 4 -1 2 8

Colapso

rena l 1 0 -2 5 5 , 5 -1 1 1 1 8 -2 3 5

Síndrome

urêmica 0 -1 0 >8 ,0 >170

As característ icas bioquímicas da síndrome urêmica são:

Retenção de metabólitos nitrogenados. Uréia, cianato, creatinina, compostos guanidíni-cos, “moléculas médias”, ácido úrico .

Distúrbios líquidos, ácido-base e eletrolíti-cos. Osmolalidade urinária fixada, acidose meta-bólica (redução do pH sangüíneo, bicarbonato), hipo- ou hipernatremia, hipo- ou hiperpotassemia, hipercloremia, hipocalcemia, hiperfosfatemia, hipermagnesemia.

Intolerância a carboidratos. Resistência à insulina (insulina plasmática normal ou aumen-tada, re sposta retardada à sobrecarga de carboi-d ratos) e hiperglucagonemia.

Matabolismo lipídico anormal. Hipertriglic e-ridemia, redução do HDL-colesterol e hiperlip o-proteinemia.

Distúrbios endócrinos. Hiperparatireoidismo secundário, osteomalácia (secundária ao metabo-lismo anormal da vitamina D), hiperreninemia e hiperaldosteronismo, hiporininemia, hipoaldoste-ronismo, redução da produção de eritropoietina, metabolismo da tiroxina alterado, disfunção gona-dal (aumento da prolactina e hormônio lutein i-zante, redução de tes tosterona) .

As conseqüências cl ínicas da uremia são:

Efeitos cardiovasculares. Hipertensão arte-rial, aterosclerose acelerada, arritmias, pericardite urêmica, insuficiência cardíaca congestiva e pul-mão urêmico.

Anormalidades hematológicas. Anemia nor-mocítica normocrômica, distúrbios hemorrágicos e disfunção dos leucóci tos .

Osteodistrofia renal. Osteíte f ibrosa, osteoma-lácia, osteoporose, osteosclerose e calcif icações metastát icas.

Doenças digestórias. Anorexia, náusea, vô-mitos, perturbação do paladar, gastrite, úlcera péptica e hemorragia digestiva.

Manifestações músculo-esqueléticas. Fra-queza muscular , gota e pseudogota.

Bibliografia consultada

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