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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ ÉRICA GUERRA DA SILVA A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NA VERTENTE DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE.

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

ÉRICA GUERRA DA SILVA

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NA VERTENTE DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE.

Rio de Janeiro

2016

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ÉRICA GUERRA DA SILVA

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NA VERTENTE DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE.

Tese apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutora em Direito.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto

Rio de Janeiro

2016

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Dedicatória

A minha mãe, com seu amor me permite alcançar meus sonhos.

Ao meu filho Enzo, desde o ventre me faz mais forte.

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Agradecimento

Agradeço a Deus.

A minha mãe Eliana e aos meus familiares que compreenderam as minhas

ausências permitindo a conclusão desse trabalho.

Ao Professor orientador Vicente de Paulo Barretto pelo incentivo e cordialidade de

sempre.

Ao Professor Narciso Leandro Xavier Baez por sua gentil contribuição.

Aos amigos e as amigas que estiveram comigo na caminhada do curso de

Doutorado.

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“Afinal, é na realização desses planos que se conquista a

felicidade e, portanto, as estimativas das expectativas não

devem fundar-se nos meios disponíveis.” (John Rawls)

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RESUMO

Este estudo tem por objetivo demonstrar a evolução da democracia e a construção das políticas públicas no Brasil num Estado Democrático de Direito, com destaque para valorização da democracia direta, que permite a população atuar diretamente no processo de formação e efetivação das políticas públicas. O Estado Democrático de Direito se preocupa, não só com os bens materiais que a liberdade de iniciativa almeja, mas também com valores considerados essenciais à existência digna. O exercício da cidadania pressupõe a possibilidade de gozar de direitos fundamentais essenciais, entre os quais se situa um lugar digno para morar, sendo que tal garantia exige do poder estatal medidas concretas e articuladas para concretização desse direito, que requer participação da sociedade no processo de definição, execução e avaliação de resultados de políticas públicas atinentes ao direito à moradia. Para alcançar esse propósito, buscou-se fundamento teórico na justiça como equidade de John Rawls, presumindo-se que os membros da sociedade são pessoas racionais, capazes de ajustar suas convicções do bem a própria situação. A análise é voltada à efetividade do direito fundamental à moradia que tem sido dificultada por questões políticas e socioeconômicas próprias de uma sociedade democrática. Para o perfeito funcionamento do processo participativo é preciso o Poder Público cumprir as decisões tomadas com participação popular. A análise dos mecanismos de efetividade das políticas públicas, no exercício da democracia participativa – audiência pública, plano diretor participativo e orçamento participativo; e as medidas judiciais como mecanismos de efetividade do direito fundamental à moradia, examinando-se as ações constitucionais - ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e mandado de injunção (MI), visam demonstrar instrumentos eficazes às instituições justas sob as quais criam condições sob o que é interesse de todos, com a finalidade de propiciar a efetivação de políticas públicas do direito fundamental à moradia.

Palavras-chave: Democracia Participativa. Estado Democrático de Direito. Políticas

Públicas.

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ABSTRACT

This study aims to demonstrate the evolution of democracy and the construction of public policies in Brazil in a democratic state, especially for recovery of direct democracy that allows the people to engage directly in the process of formation and execution of public policies. The democratic rule of law is concerned not only with material goods that freedom of initiative aims but also with values considered essential to a dignified existence. The exercise of citizenship presupposes the possibility to enjoy of key fundamental rights, among which is located somewhere decent to live, and that security requires the state power concrete and coordinated measures for realization of this law, which requires the participation of society in the process of definition, implementation and evaluation of results of public policies related to the right to housing. To achieve this purpose, it sought theoretical foundation in justice as fairness Rawls, assuming that members of society are rational persons able to adjust their convictions and their situation. The analysis is focused on the effectiveness of the fundamental right to housing that has been hampered by their own political and socioeconomic issues in a democratic society. For the perfect functioning of the participatory process it takes the Government implement the decisions taken with popular participation. The analysis of the effectiveness of mechanisms of public policies in the exercise of participatory democracy - public hearing, plan participatory director and participatory budgeting; and judicial measures as effective mechanisms of the fundamental right to housing, examining the constitutional action - direct action of unconstitutionality by omission (ADO), a fundamental precept of non-compliance complaint (ADPF) and writs of injunction (MI), intended to demonstrate effective tools to just institutions under which create conditions under which it is the interest of all, in order to provide effective implementation of public policies of the fundamental right to housing.

Key words: Participatory Democracy. Democratic State of Law. Publics Policies.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACP - Ação Civil Pública

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADO - Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

ART - Artigo

BNH - Banco Nacional de Habitação

COHABs - Conjuntos Habitacionais

CR/88 – Constituição da República de 1988

FCP - Fundação da Casa Popular

FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

MI - Mandado de Injunção

ONU – Organização das Nações Unidas

PAIH - Plano de Ação Imediata para a Habitação

PMCMV - Programa Minha Casa Minha Vida

PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

SFH - Sistema Financeiro de Habitação

SNH - Sistema Nacional de Habitação

SNHIS - Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................11

1. CAPÍTULO – POLÍTICAS PÚBLICAS DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS......................................................................................................16

1.1 O DESENSOLVIMENTO DO ESTADO E A CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS

PÚBLICAS NO BRASIL.............................................................................................16

1.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL.....................26

1.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À

MORADIA NO BRASIL..............................................................................................43

2. CAPÍTULO – TEORIAS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA............................67

2.1 AS TEORIAS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA............................................67

2.2 A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA SOB A ÉGIDE DO CONSTRUTIVISMO

KANTIANO................................................................................................................77

2.3 A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA À LUZ DA JUSTIÇA COMO

EQUIDADE................................................................................................................86

2.4 A BOA SOCIEDADE: JOHN RAWLS................................................................109

3. CAPÍTULO – DEMOCRACIA PARTICIPATIVA COMO MECANISMO DE

EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................................117

3.1 MECANISMOS DE EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA PARA

EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA..................................121

3.1.1 AUDIÊNCIA PÚBLICA.................................................................................128

3.1.2 PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO...........................................................133

3.1.3 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO.................................................................142

3.2 AS MEDIDAS JUDICIAIS COMO MECANISMOS DE EFETIVIDADE DO

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA.................................................................147

3.2.1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO............156

3.2.2 MANDADO DE INJUNÇÃO.........................................................................162

3.2.3 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL...167

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................175

REFERÊNCIAS.......................................................................................................180

ANEXO 1 - ADI Nº 4029 / AM – AMAZONAS.........................................................205

ANEXO 2 - ADI Nº 98/MT........................................................................................294

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ANEXO 3 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO N.º 796.347 / RS.............................319

ANEXO 4 - AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 639.337/SP...........340

ANEXO 5 – MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 395/PR...............................................349

ANEXO 6 - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1458/DF..............................................................354

ANEXO 7 – MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 232/RJ................................................387

ANEXO 8 – MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 721/DF...............................................438

ANEXO 9 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 824.466 / MA...............................472

ANEXO 10 - MEDIDA CAUTELAR EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE

PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 45/DF..................................................................474

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo principal realizar a análise acerca da

democracia participativa na construção de políticas públicas como um mecanismo

de efetividade do direito fundamental à moradia, a partir do fundamento teórico da

justiça como equidade de John Rawls.

A democracia participativa é tema presente no pensamento clássico, moderno

e contemporâneo, sendo uma preocupação de diferentes pensadores em cada

época, o que originou abordagens teóricas distintas.

Hodiernamente, com o crescimento da democracia pelo mundo e a crise da

representação política, a democracia participativa vem se apresentando como

recurso prático e discursivo de diferentes atores como formas de envolvimento da

sociedade na tomada de decisão e de gestão de políticas públicas, buscando meios

de melhor agir e fazer valer seus direitos mais basilares.1

Nesse trabalho se analisa um conjunto de questões relacionadas o modelo de

gestão democrática participativa2 que tem demonstrado melhorias nas políticas

públicas, buscando-se resposta para indagações que podem ser resumidas nas

seguintes perguntas: Quais condições constituem contextos históricos propícios para

o estabelecimento dos mecanismos do processo participativo? Quais fatores mais

contam para a instrumentalização da participação popular? Como são constituídas

1 A ideia de uma democracia representativa pura, desvinculada da participação direta da sociedade no processo decisório, visto que ao cidadão competiria somente escolher, de forma direta, ou seja, por meio do exercício do direito de voto, seus governantes, os quais o representariam na realização dos negócios políticos do Estado, infirma-se diante da hodierna visão de que à referida democracia representativa deve-se associar a democracia participativa não poderia jamais prescindir de uma política de conscientização efetiva da população, a qual remontaria à produção de leis comprometidas com a participação social, a investimentos sociais significativos e a remodelagem do poder político e seus principais objetivos, que não podem, de forma alguma, desviar-se da finalidade precípua de manutenção e persecução do interesse público. (BONIZZATO, Luigi. O Advento do Estatuto da Cidade e Consequências Fáticas em Âmbito da Propriedade, Vizinhança e Sociedade Participativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 159)22 A gestão compartilhada e a cooperação entre Poder Público e particulares foi, também, uma opçãoefetuada pelo constituinte em 1988 e que só tem se intensificado nos últimos tempos, até porque sabido o esgotamento do modelo econômico vigorante no país desde a Era Vargas e que está sendo celeremente substituído por uma estrutura de menor participação do Estado na vida econômico- social, diminuição esta, entretanto, que não pode nos levar para a experiência já ultrapassada e que jamais se implementou entre nós do État gendarme, que seria catastrófico num país ainda em vias de resolver problemas fundamentais como é o Brasil. (FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade Comentado. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.40)

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as relações entre o Poder Público e a sociedade civil no âmbito das políticas

públicas urbanas para a efetividade do direito fundamental à moradia?

A gestão democrática participativa representa uma postura voltada para a

consecução dos objetivos constitucionais e o rompimento com institutos jurídicos e

técnicos que têm se demonstrado ineficazes para solução dos problemas de

urbanização.

Convém transcrever a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

(...) A gestão democrática exclui a tradicional gestão exclusiva do Poder Público, aquela que, por não ser ouvida a sociedade civil, acabou por ensejar uma série de descalabros da ordem urbanística. Se um plano urbanístico resulta apenas de pareceres técnicos elaborados em gabinetes de autoridades administrativas, as ações que dele provierem são representarão, com certeza, os anseios das comunidades. Como alvo da política urbana é o bem-estar da população, deve esta participar, emcogestão, para ações estratégicas adequadas.3

O ideário de participação direta (quando os cidadãos apresentam suas

opiniões, contestações e se envolvem nos debates) e indireta (quando os cidadãos

se fazem representar por associações) na formação dos atos de governo está

incorporado em diversos dispositivos constitucionais, que asseguram aos intérpretes

informais da Constituição da República de 1988 a capacidade de incitar processos

de controle, especialmente judicial.

Está definido no Preâmbulo e no próprio texto da Constituição da República

de 1988, o compromisso do ordenamento jurídico com os valores supremos: os

direitos individuais e sociais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça com fundamento ético na dignidade da

pessoa humana do Estado brasileiro, enquanto Estado Democrático de Direito.

A Constituição da República de 1988 dispõe sobre a democracia participativa

visando o fortalecimento da esfera pública, para possibilitar a superação das

desigualdades sociais. Os institutos de participação são instrumentos jurídicos para

conferir a legitimidade necessária à população para atuar nas definições das

políticas públicas local essenciais para superação dos problemas relacionados o

direito à moradia existentes desde o fim do século XIX.

3 FILHO, José dos Santos Carvalho. Comentários ao Estatuto da Cidade. Lei nº 10.257, de 10.07.2001 e Medida Provisória nº 2.220, de 04.09.2001. 2ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.49.

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A instabilidade social e econômica histórica do Brasil em muito contribui para

que o direito fundamental à moradia tenha um grau menor de efetivação, sendo o

estudo dos diversos problemas atinentes a este direito fundamental uma

possibilidade de superá-los. Ressalta-se que da tríade possibilidades de abordagem

do direito fundamental à moradia: perspectiva filosófica; perspectiva universalista e

perspectiva estatal ou constitucional; nesse trabalho optamos pela última

perspectiva, na qual os direitos fundamentais são analisados na qualidade de

direitos dos homens, num determinado tempo e lugar, que se encontram constituído

na esfera do direito constitucional positivo.4 Cumpre dizer, que a perspectiva estatal

não exaure o rol de perspectivas a partir das quais se pode enfrentar a temática sob

análise, uma vez que não se pode desconsiderar as perspectivas sociológica,

histórica, filosófica e política.

A pesquisa realizada foi dividida em três capítulos, sendo que no primeiro

deles estuda-se a constituição das políticas públicas no Brasil, considerando seu

surgimento histórico, evolução e como elas vêm sendo usada para realização do

direito fundamental à moradia. A Constituição da República de 1988 trouxe no seu

corpo múltiplos dispositivos atinentes às políticas públicas. No sistema constitucional

brasileiro as políticas públicas se expressam através de leis, sendo a origem

normativa da política pública do Poder Legislativo para execução pelo Poder

Executivo. Na divisão dos Poderes do Estado para efetivação das políticas públicas,

a atuação do Poder Judiciário se constitui exceção à estrutura do Estado

Democrático de Direito se estabelecendo de forma auxiliar.

No segundo item, o estudo é voltado para a análise das teorias sobre a

democracia participativa, conhecendo suas origens, evolução e aplicação nos

estudos contemporâneos. O estudo é desenvolvido numa análise das bases do

contrato social sob os ditames da teoria da justiça desenvolvida por John Rawls –

justiça como equidade, numa contraposição à teoria utilitarista que incentiva a busca

contínua por novos ganhos de produtividade, estimulando o individualismo que

4 O jurista português José Carlos Vieira de Andrade explicita que os direitos fundamentais podem ser abordados a partir de diversas perspectivas, dentre as quais enumera três: a) perspectiva filosófica (ou jusnaturalista), a qual cuida do estudo dos direitos fundamentais como direitos de todos os homens, em todos os tempos e lugares; b) perspectiva universalista (ou internacionalista), como direitos de todos os homens (ou categorias de homens) em todos os lugares, num certo tempo; c) e perspectiva estatal (ou constitucional), pela qual os direitos fundamentais são analisados na qualidade de direitos dos homens, num determinado tempo e lugar. (ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p.11)

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desumaniza a sociedade.

A justiça como equidade de John Rawls, que teve início em 1971 com a

publicação à obra A Thoery of Justice, busca a promoção da igualdade material a

partir da concepção da posição original, que como recurso de representação a-

histórico e hipotético próprio do Estado Democrático de Direito descreve a sociedade

como um sistema equitativo de cooperação social entre pessoas livres e iguais.

No terceiro item, são analisados os mecanismos de efetividade das políticas

públicas, no exercício da democracia participativa que permitem à participação mais

ativa da população: audiência pública, plano diretor participativo e orçamento

participativo, posto que garantem ao agente público aferir junto a população as

prioridades acerca das políticas públicas. Assim, a população passa a ser

corresponsável pela definição das políticas públicas, limitando o uso indiscriminado

da coisa pública e proporcionando a melhoria do funcionamento da democracia

participativa.

As muitas inovações estabelecidas na Constituição da República de 1988

delinearam os parâmetros para o desenvolvimento das cidades estão descritas nos

artigos 182 e 183, tendo a Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade)

estabelecido às diretrizes gerais de política urbana.

O Estatuto da Cidade é, antes de mais nada, o Estatuto do Cidadão,

trazendo, para o nível local, para o cotidiano das cidades onde moram 86,5% dos

brasileiros, segundo último senso do IBGE, toda a estrutura democrática que a

Constituição de 1988 imaginou e concebeu para o Brasil.5

Como expõe Luigi Bonizzato:

Não é difícil perceber que, quando se vê legalmente amparada, esta mesma sociedade adquire imenso poder, pois sua participação em políticas e decisões públicas não se dará somente calcada em princípios de cidadania participativa e em possibilidades constitucionais de atuação. Ao revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil eleva-se a uma categoria até então não imaginada, vale dizer, imprescindível para Administração Pública, aqual, apenas depois de posicionamento da comunidade, poderá conduzir o desenvolvimento urbano da cidade.6

5 FRANCISCO, Op. Cit., p.03.6 BONIZZATO, Op. Cit., p. 158.

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A audiência pública, o plano diretor participativo e o orçamento participativo

legitimam a política publica urbana municipal, pois permitem o diálogo entre a

população e o Poder Público, propiciando decisões sobre as políticas públicas no

âmbito da ordenação do espaço público, permitindo o direcionamento dos

investimentos em políticas públicas e sociais, melhorando a qualidade da prestação

dos direitos fundamentais sociais.

As políticas públicas podem ser objeto de exigibilidade jurisdicional por

ausência de qualquer ação estatal (omissão) ou inadequação do agir estatal,

devendo o Poder Judiciário realinhar as políticas públicas implementadas e em

desenvolvimento, sendo examinadas nesse trabalho as ações constitucionais: ação

direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), arguição de descumprimento de

preceito fundamental (ADPF) e mandado de injunção (MI).

Por fim, com relação à sistemática da investigação, trata-se de pesquisa do

tipo bibliográfico documental qualitativa, orientada pelo modelo crítico dialético, que

tem como fontes previstas para o alcance dos objetivos: a Constituição da República

de 1988; a legislação brasileira, a jurisprudência e a doutrina nacional e estrangeira.

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1. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Este capítulo tem por objetivo estudar de que forma são construídas as

políticas públicas no Brasil, entendendo seu surgimento histórico, evolução e como

elas vêm sendo usada para realização do direito fundamental à moradia.

A pesquisa realizada foi dividida em três itens, sendo que no primeiro deles

estuda-se a evolução histórica do Estado para estabelecer as formas que este vem

se transformando ao longo dos tempos, determinar os movimentos constantes que

concorreram na formação e modificação da ideia de direitos fundamentais. Para

tanto, analisaremos as diversas épocas da história da Humanidade Ocidental,

cronologicamente, a partir do Estado Moderno até a

Contemporaneidade, com enfoque na construção das políticas públicas.

No segundo item, o estudo é voltado para as principais considerações sobre a

política pública no Brasil, destacando as atuações dos Poderes Legislativo e

Executivo e, ainda, as dimensões da atuação do Poder Judiciário nas políticas

públicas.

No terceiro item, analisa-se a evolução das políticas públicas de efetividade

do direito à moradia no Brasil, abordando-se seus problemas e vicissitudes.

1.1 O desenvolvimento do Estado e a construção das políticas públicas no Brasil

Maquiavel foi o primeiro a fazer uso da palavra Estado como uma

organização social estruturada a partir do exercício do poder: “Todos os Estados,

todos os domínios que têm tido ou tem império sobre os homens são Estados, e são

repúblicas ou principados.”7 (...) o Estado pode ser entendido como uma forma

política historicamente definida, não sendo, contudo, um conceito universal, muito

7BARRETTO, Vicente de Paulo. (coord.). Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora Unisinos. 2009, p. 286.

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embora sirva para indicar uma forma de ordenamento político que surgiu na Europa

no século XIII.8

O século XVIII é marcado por grandes transformações que deram início ao

novo modelo de Estado, o Estado Moderno. A fase inicial do processo de

industrialização cominava em trabalho forçado, turnos prolongados e poucos direitos

à classe trabalhadora. A ordem pública fôra afetada pela desigualdade e a busca da

igualdade suscitou a sedição.

A partir da evolução do Estado Moderno, nascem o Estado Absolutista e o

Estado Liberal. O Estado Liberal pode ser caracterizado pela bipartição em Estado

Legal e Estado de Direito, e este último, é dividido em: Estado Liberal de Direito,

Estado Social de Direito e Estado Democrático de Direito.9

O Estado de Direito se sustenta nos princípios do império das leis, na divisão

dos poderes, na legalidade da administração e na garantia dos direitos e liberdades

fundamentais.

Na França, a concepção de Estado baseada no Contrato Social de Jean-

Jacques Rousseau10 se estruturava, a função do Estado de garantir aos cidadãos, à

luz da vontade geral, a efetividade dos direitos naturais da liberdade, igualdade e

fraternidade adolescia. A iniquidade entre os homens constitui o suporte

indispensável para no art. 21 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

(1789) constar: Os auxílios públicos são uma dívida sagrada. A sociedade deve

subsistência aos cidadãos infelizes, proporcionando-lhes trabalho ou assegurando

meios de existência àqueles que não têm condições para trabalhar.

A Revolução Francesa influenciada pelo movimento humanista da

Renascença modifica a ideia de justiça, para estabelecer, na concepção de justiça, a

igualdade dos seres humanos enquanto seres livres, criadores das suas ordens

8 Idem9 STRECK, Lenio Luiz. MORAES, José Luis Bolzan. Ciência Política e Teoria Geral do Estado.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.101-102.10 Evaldo Vieira aponta as obras de Jean-Jacques Rousseau como uma manancial incessante que sedeve recorrer quando se trata de democracia: “Seus créditos, mais do que guias das democracias, fazem ver a concepção democrática de mundo, com suas demarcações, sua complexidade e suas vicissitudes, de modo particular no Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens (1755) e no Do Contrato Social (1757). Diferente da ideologia do terceiro estado da Revolução Francesa de 1789, que se opõe a tirania dos reis, Rousseau sempre é contrário à tirania em si, ao propor a liberdade dos homens, independentemente de tempo e lugar.” (VIEIRA, Evaldo. Os direitos e a política social. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 153-154)

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política e jurídica.11 Na base da Revolução Francesa (1789) está à pretensão de

uma igualdade jurídica e “a garantia de exercício irrestrito das liberdades individuais,

tidas como inerentes e inatas a cada indivíduo em razão de sua simples condição

enquanto tal.”12

A linguagem dos direitos inaugurada com a Revolução Francesa não é

estudada com especificidade por Kant, posto que a Alemanha da época era um

Estado Absolutista. Como observa Joaquim Carlos Salgado:

Embora a Revolução colocasse, a par da liberdade e igualdade, a fraternidade, que posteriormente se desenvolveu como finalidade social do Estado de direito, enquanto esse deve realizar o bem comum (art. 1º da Constituição Francesa de 1793), Kant não a leva em consideração, centralizando o seu conceito de justiça num elemento eminentemente ético, a liberdade, e ao lado dela a igualdade. O primeiro suum, o primeiro bem que se deve reconhecer em cada um, pelo simples fato de ser humano, é aliberdade.13

A filosofia Kantiana ao libertar-se da tradição metafísica, estabeleceu os

princípios filosóficos da Modernidade, caracterizada como a época histórica na qual

o homem erigiria a razão como instrumento nuclear no conhecimento e no agir

humano.14 Nesta época, as correntes do utilitarismo e do pragmatismo se

situavam em vertente oposta à Kantiana, pois ambas se pautavam pelo empirismo

(experiência concreta) e não nas bases da razão pura. Aduz Karina Salgado:

A concepção Kantiana de Estado se difere das demais elaboradas ao longo da história e parece ser um passo adiante na construção da teoria do Estado. Ao afirmar o Estado como racional ou de direito, Kant rompe com a tradição clássica e medieval. A ideia de Estado como expressão da racionalidade humana diverge da tradição aristotélica, que considera a

11 “Este nuevo Derecho, dada la magnitude y la osadía de los princípios revolucionários, habría de ser, simultaneamente, um nuevo Derecho Público, que articulasse em uma nueva relación a losciudadanos y al poder que ellos mismos emanaba, y um nuevo Derecho Privado, que permitise a uma sociedade al fin igualitária y despojada de [privilégios], uma sociedade aberta y libre, su funcionamento próprio, fluido y espontâneo.” (Este novo Direito, dada a magnitude e a ousadia de princípios revolucionários, era para ser, simultaneamente, um novo Direito Público que articulasse em uma nova relação com os cidadãos e o poder que eles mesmos emanavam, e um novo Direito Privado, que permitisse uma sociedade ao final igualitária e despojada de [privilégios], uma sociedade aberta e livre, funcionamento próprio , fluído e espontâneo) ENTERRÍA, Eduardo García de. La lengua de los derechos - La formación del derecho público europeo tras la revolución francesa. Madrid: Alianza, 1994, p. 45.12 BARRETTO, 2009. Op. Cit. 289.13 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de Justiça em Kant. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p.4.14 BARRETTO, Vicente de Paulo. O Fetiche dos Direitos Humanos e Outros Temas. 2 ed. rev. eampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 42

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organização social natural ao homem já que ele é, por essência, um animal político, e também se opõe à visão teológica que prevaleceu na Idade Média, segundo à qual o Estado se justifica porque está a serviço de Deus. (...) Kant, devolve ao homem a sua autonomia em relação à história aonegar a sua sujeição à natureza ou a vontade supramundana.15

Surge a ideia de um contrato social que justifica o surgimento e a existência

do Estado:

(...) entendido como sendo resultado de um pacto firmado e criado por homens livres e iguais, que a ele delegam a função de assegurar a suas liberdades e os seus direitos, impossíveis de serem plenamente exercidos em meio ao Estado de natureza, originário, onde a ausência de limitesestabelecidos com relação a eles acaba por impedir a sua real fruição.16

O industrialismo, o desenvolvimento formidável da técnica, dos transportes,

das comunicações e do comércio faz surgir o liberalismo17, em que a vontade do

povo ditava a lei orientada para os direitos individuais.

Neste período, o título de proprietário garantia à pessoa o direito de fazer o

que bem entendesse com a coisa ou não fazer nada, sem que qualquer

consequência pudesse derivar dessa destinação dada.

Nasce o Estado, que inverte, ao privilegiar juridicamente o indivíduo, as

relações existentes, ou seja, já não mais conta a coletividade em relação ao

indivíduo, mas o inverso, o indivíduo singular agora é o centro referencial.18

Estabelece-se a divisão entre a propriedade privada e a propriedade pública.

Durante o período do não intervencionismo estatal assegurado pelo

liberalismo, dá ensejo ao surgimento de uma nova classe social (o proletariado) em

condições de miséria, doenças e ignorância que tendiam a cada vez mais se

acentuar.

15 SALGADO, Karine. A paz perpétua de Kant – Atualidade e efetivação. Belo Horizonte: Mandamentos, Faculdade de Ciências Humanas/FUMEC, 2008, p. 108.16 BARRETTO, 2009. Op. Cit,. p. 289.17 O pensamento liberal é produção ideológica que reflete os interesses e as pretensões da sociedade burguesa aparecida com a Revolução Industrial na Inglaterra, sobretudo a partir demeados do século XVIII. Expressão do industrialismo, o pensamento liberal consagra as liberdades individuais, a liberdade de empresa, a liberdade de contrato, sob a égide do racionalismo, do individualismo e do não intervencionismo estatal na esfera econômica e social. Consagra além disto a liberdade de mercado, fazendo-o reinar soberanamente, elevando a um dom da natureza, responsável pela lei da oferta e da procura. (VIERIA, Op. CIt., p. 186)18 WOLKMER, Antonio Carlos (org). Fundamentos de Historia de Direito. 3 ed. rev. e amp. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 116.

Page 21: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

As lutas entre propriedades estabelecidas no Estado Liberal geraram os

colapsos da civilização ocidental, fazendo necessária a transformação do Estado,

para buscar a efetividade da primazia da igualdade material, em substituição à mera

igualdade formal, típica do liberalismo. Consequentemente, estabelecer uma

existência digna para os menos favorecidos.

Nesse sentido, Evaldo Vieira explana sobre a democracia liberal:

A noção de democracia, que constitui a base da democracia liberal, se vincula à igualdade de oportunidades segundo a capacidade de cada indivíduo, e não à igualdade real na sociedade. Reconhecer a igualdade de oportunidades significa admitir como certo o direito de todas as pessoas participarem da competição, visando a retirar dela o maior benefício possível. Tal é a sociedade competitiva, apregoada pela democracia liberal, que herdou do liberalismo esta concepção. É a ideia de que os indivíduos se colocam no livre mercado, cada um com sua capacidade e seu esforço, concorrendo em função de interesses e aspirações. O mercado e sua leifornecem e regulam o valor das pessoas e das coisas.19

O conteúdo jurídico do liberalismo e a limitação da atuação estatal

caracterizam o Estado Liberal de Direito. O conteúdo do Estado Liberal de Direito

entendia a liberdade como sendo negativa, importando em uma visão restritiva da

atividade estatal.

No Estado Liberal prevaleceu o domínio da burguesia, porém à medida que o

Estado desprendeu desse domínio, dado o enfraquecimento do controle burguês de

classe passou a entidade estatal a ser o Estado de todas as classes - “o fator de

conciliação, o Estado mitigador de conflitos sociais e pacificador necessários entre

trabalho e capital.”20

A ideia de um direito individualista foi sendo afastada pela ideia de

valorização dos interesses sociais. Esta mudança passou a ocorrer nas primeiras

décadas do século passado, quando, influenciado pelos movimentos sociais e a

industrialização, o Estado teve de intervir na economia iniciando-se o Estado de

índole social, como elemento centralizador que busca superar a contradição

existente entre a desigualdade social e a igualdade política.

Após a Segunda Guerra Mundial, consolida-se o Estado Social “com o

advento de políticas sociais de saúde, seguridade social e habitação, muito

expressivo nos países da Europa e nos Estados Unidos, há um aprofundamento

19 VIERIA, Op. CIt., p. 189.20 BARRETTO, 2009. Op. Cit., p. 288.

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dessa qualidade das funções do Estado, que no plano da economia se irradia sobre

o conteúdo social da noção de cidadania.”21

No século XX, identificam-se nas Constituições brasileiras princípios e normas

que estabelecem deveres sociais ao desenvolvimento da atividade econômica

privada. O Código Civil brasileiro, de 1916, que esboçava ideias individualistas e

patrimonialistas, vê-se enfraquecido pela edição de leis extravagantes que já

esquematizavam princípios voltados para justiça social.22

Surgem as políticas públicas fundamentadas nos direitos sociais – aqueles,

dentre o rol dos direitos fundamentais do homem, que se concretizam por meio de

prestações positivas do Estado, são os ditos direitos de segunda geração. Há a

exigência de um modo de agir dos governos através de obrigações positivas,

ordenado sob a forma de políticas públicas. Sendo o planejamento o pressuposto

indispensável de consolidação todo programa de ação política, econômica e social.

Com a recuperação econômica pós Segunda Guerra Mundial, países do mundo

capitalistas passaram a adotar os métodos do planejamento.

Não mais se pressupõe a igualdade entre os homens conforme afirmado no

período anterior, quando a proclamação dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos

de 1789 preceituava, logo em seu art. 1º, que "os homens nascem e são livres e

iguais em direitos", cuja aplicação vinha a produzir profundas desigualdades sociais.

Atribui-se, então, ao Estado, em sua nova concepção, a missão de buscar a

igualdade efetiva. Para atingir essa finalidade, deveria intervir na ordem econômica e

social, buscando ajudar os menos favorecidos.

Na concepção de Estado, a preocupação maior desloca-se da liberdade para

a igualdade, gerando, diversamente do individualismo imperante no Estado Liberal,

uma maior preocupação com o bem comum e interesse público. Verificou-se,

contudo, que com a instauração do Estado Social de Direito e seu crescimento

exacerbado, seria colocada em risco a própria liberdade individual, afetando a

21 BUCCI, Maria Paula Dalari. Políticas públicas e direito administrativo. Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997, p. 89-98. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198/r133- 10.PDF?sequence=4 Acesso em 13 de outubro de 2015.22 O respeito aos valores e aos princípios fundamentais da República representa a passagemessencial para estabelecer uma correta e rigorosa relação entre o poder do estado e poder dos grupos, entre maioria e minoria, entre poder econômico e os direitos dos marginalizados, dos mais desfavorecidos. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar. 1999, p. 06)

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separação dos poderes (com o fortalecimento do Poder Executivo) e conduzindo a

ineficiência na prestação de serviços.

As consequências negativas produzidas pelo Estado Social de Direito –

Estado intervencionista e paternalista - reclamaram novas transformações no papel

do Estado, acrescentando-se, assim, ao Estado Social, a ideia de Estado

Democrático. O Estado, sem deixar de ser Estado de Direito, protetor das liberdades

individuais, e sem deixar de ser Estado Social protetor do bem comum23, passou

também a ser Democrático, visando, com isso, à participação popular no processo

político, nas decisões do Governo, no controle da Administração Pública.

No Estado Moderno, a evolução do Estado Liberal para Estado de Direito e,

posteriormente, para Estado Social de Direito poderia levar a crer que o Estado

Democrático de Direito seria uma simples conjunção dos termos e ideias anteriores,

porém, como explica José Afonso da Silva:

A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se demonstra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado,pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando.24

Em verdade, buscou-se substituir a ideia de Estado Legal, puramente

formalista, por um Estado de Direito vinculado aos ideais de justiça. Pretende-se

submeter o Estado ao Direito e não à lei em sentido apenas formal. Daí, falar-se em

Estado Democrático de Direito, que compreende o aspecto da participação do

cidadão (Estado Democrático) e o da justiça material (Estado de Direito). É o Estado

Democrático de Direito sob as vertentes: da legitimidade, como é próprio da

democracia; e da legalidade, qualitativo de Direito.

23 Bem comum entendido especialmente sob a égide das ideias defendidas por Jorge Salomoni, em citação feita por Emerson Gabardo, para que, cabia a interpretação fundada no interesse público como “elemento integrante del orden público em el Estado democrático, cuyo fin principal es la protección de los Derechos essenciales del hombre, y la creación de circunstancias que le permitan progressar espiritual y materialmente y alcanzar la felicidade.” (GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: O Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.341.24 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. São Paulo, Malheiros,1998, p. 123.

Page 24: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

Vicente de Paulo Barretto expõe sobre a distinção entre Estado de Direito e

Estado Democrático de Direito:

A diferença essencial entre ambos não reside, portanto, na forma pela qual são constituídos, pois ambos pautam o seu desenvolvimento na figura da Lei e na submissão do poder do Direito; o que os distingue, antes, é a forma como essa vinculação é operacionalizada, pois, no primeiro, prevalece o domínio dos procedimentos (aspecto formal) sobre os aspectos materiais (conteúdo), sendo a manutenção da ordem estabelecida a sua consequência, ao passo que, no segundo, predomina um caráter teleológico, que coloca o Direito a serviço da transformação da sociedadeno sentido de uma real igualdade, não só jurídica, mas também fática.25

Kant descreve a forma democrática de governo a mais composta de todas e

também a melhor “(...) primeiramente, ela une a vontade de todos para formar um

povo; em seguida, une a vontade dos cidadãos para formar uma coisa pública

(república); e, então, ela estabelece esse soberano, que é ele próprio a vontade

unida dos cidadãos, na coisa pública.”26

Nesse sentido, explica Vicente de Paulo Barretto:

(...) o regime democrático é mais do que a simples manifestação da vontade da maioria torna-se um regime dotado de valores morais que o fundamentam e justificam. A importância da recuperação da tradição Kantiana torna-se tanto mais urgente quanto o esvaziamento da perspectiva positivista, no contexto da cultura tecnocientífica moderna, exige a construção de um novo paradigma teórico na teoria do direito, que responda de forma consequente às exigências de legitimidade da ordem jurídica doestado democrático de direito.27

O Estado Democrático de Direito se preocupa, não só com os bens materiais

que a liberdade de iniciativa almeja, mas também com valores considerados

essenciais à existência digna. Na realidade, liberdade e dignidade se sobrepõem o

que exige atuação do Estado para diminuir as desigualdades sociais e levar a toda

coletividade o bem-estar social, sendo esse o fundamento mediato das políticas

públicas. A preocupação no que toca à proteção das liberdades, se veem superadas

pelas reflexões quanto os deveres de realização no plano subjetivo dessas

liberdades.

25 BARRETTO, 2009. Op. Cit. 290.26 KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. A Doutrina do Direito e a Doutrina da Virtude.Trad. Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2003. p. 182.27 BARRETTO, 2013, Op. Cit., p. 41.

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Esse caráter democrático implica uma constante modificação e ampliação dos

conteúdos do Estado e do direito.28 Trata-se assim, a incorporação efetiva da

questão da igualdade como um conteúdo próprio a ser buscado, garantindo

juridicamente as condições mínimas de vida ao cidadão e à comunidade.29

Há, no Estado Democrático de Direito, “inerentemente a liberdade positiva (...)

que é assente no exercício democrático do poder. É ela quem legitima o poder.”30 A

democracia possui, aqui um “conteúdo que assenta na soberania popular (poder

emana do povo) e na participação popular, tanto na forma direta como indireta

[...].”31

Sobre os direitos fundamentais como liberdades positivas – enquanto

participação ativa da cidadania no processo de deliberação pública, Charles Taylor

indica como a “identificação patriótica, ou seja, o sentimento de pertencimento a

uma comunidade de valores compartilhados.”32

Os atributos que antes se exigiam do Governo e da Administração mudaram,

sendo voltados agora à realização da justiça. Assume-se “uma concepção mais justa

e humana, mais aberta e dinâmica; e isso haverá de se refletir não só nas estruturas

institucionais e nas ferramentas que disciplinam o exercício dos jogos do poder.”33

Explana Vicente de Paulo Barretto sobre o tema Direitos Sociais sob a ótica

do Estado Democrático de Direito:

Os direitos sociais – entendidos como igualdade material e exercício da liberdade real – exercem no novo paradigma, aqui proposto, posição e função, que incorpora aos direitos humanos uma dimensão necessariamente social, reiterando-lhes o caráter de exigência moral como condição da sua normatividade. Constituem-se, assim, em direitos impostergáveis na concretização dos objetos últimos pretendidos pelo texto constitucional. (...) Os direitos sociais, como direitos nascidos, precisamente, em virtude e como resposta à desigualdade social e

28 STRECK, Lenio Luiz. MORAES, José Luis Bolzan. 2010. Op. Cit., p..95.29 Idem30 Idem31 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedades. Novos Paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 149.32 TAYLOR, Charles. La Liberte des Modernes. Tradução de Philippe de Lara, Paris: PUF, 1997, p.247-248.33 RODRÍGUEZ-ARANA, Jaime.El derecho fundamental AL buen gobierno y a La buena administración de instituciones públicas. In SEMINARIO SOBRE EL DERECHO A LA BUENAADMINISTRACIÓN PÚBLICA. Avila: Esculea de Administración Pública de Castilla-León, 2007. Disponível emhttp://www.ciberjure.com.pe/index.php?option=com_content&task=view&id=&id=2232&Itemid=9. Acesso em 13 de outubro de 2015.

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econômica da sociedade liberal, constituem-se como núcleo normativo central do estado democrático de direito.34

Com as reconhecidas transformações do Estado tem-se a exigência das

atuações positivas do Estado (prestacional) e um agir indutor de práticas

socialmente desejáveis, sendo prioritária a escala que se materializam os direitos

sociais mínimos assegurados aos indivíduos. “Assim, a postura neutra e ausente do

Estado no modelo liberal é substituída por um caráter interventivo, que não encontra

mais na figura da lei exclusivamente limites para sua atuação, mas também

imposição de atuação e realização.”35

A ampla descrição do rol de direitos fundamentais introduziu expressamente

normas de conteúdo axiológico, sendo a dignidade humana o bem maior a ser

protegido e promovido como elemento fundante e estrutural do Estado Democrático

e Social de Direito.36

Os direitos sociais foram sucessivamente sendo introduzidos no texto

constitucional, sem maior esclarecimento do dever do Estado na efetividade desses

direitos. Tal fato é fundamento à baixa densidade constitucional na indicação do

conteúdo de uma determinada política pública e a falta de coincidência entre a

Constituição formal e a Constituição material.37

Cláudio Gonçalves Couto e Rogério Bastos Arantes expõem sobre a

disciplina da política pública nas democracias constitucionais, considerando três

distintos campos: a) o das estruturas do regime, compreendendo os direitos

34 BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os Direitos Sociais. In Direitos Fundamentais sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.110.35 BARRETTO, 2009. Op. Cit., p. 291.36 BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos direitos fundamentais pela Administração Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.159.37 Luís Roberto Barroso explica sobre a cíclica substituição do texto constitucional: “No caso brasileiro, seria ingênuo supor que uma sociedade marcada pelo autoritarismo anacrônico dasrelações políticas e sociais, envolvida em urgente esforço para atingir a contemporaneidade, pudesse ter uma Constituição com foros de definitividade. A despeito desta constatação, e em irônico paradoxo, mal oposto tem feito a tragédia do nosso constitucionalismo pouco amadurecido: a tentação permanente de reformar a Lei Maior, sob a inspiração d fatores contingenciais e efêmeros, aferidos por critérios políticos menores.” (BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 52)

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individuais e as regras do jogo político; b) aquele próprio à competição política e c) o

campo das decisões concretas de governos.38

Há muito que se avançar sobre o conteúdo, a relação entre diversos ramos do

direito e o regime jurídico a que estão submetidas à criação e implementação das

políticas públicas. Por isso, a análise mais adequada não deve se ater apenas ao

estudo instrumental jurídico e no ordenamento jurídico, posto que não irá captar o

caráter eminentemente dinâmico e funcional das políticas públicas.

1.2 Considerações sobre a Política Pública no Brasil

Foi na década de 80 do século passado que as políticas públicas se tornaram

uma categoria de interesse para o direito. A forma como se constroem as decisões

no âmbito do Estado e os meios como estas escolhas se traduzem, é tema bem

recente.

A Carta Constitucional de 1988, objeto da redemocratização da ordem

constitucional brasileira, trouxe no seu corpo múltiplos dispositivos atinentes às

políticas públicas.

Segundo a história, embora os planos fossem utilizados desde que existe a

atividade administrativa, os primeiros planos juridicamente relevantes foram os de

contabilidade pública. Em seguida, surgiram os planos urbanísticos elaborados por

ocasião da ampliação das grandes cidades como Paris, Nápoles e Viena no século

XIX.39

Há uma certa proximidade entre as noções de política pública e de plano,

embora a política passa consistir num programa de ação governamental que não se

exprima, necessariamente, no instrumento jurídico do plano.

Plano é a expressão mais usual das políticas públicas, sendo a lei o

instrumento normativo do plano, “na qual se estabelecem os objetivos da política,

38 COUTO, Cláudio Gonçalves; ARANTES, Rogério Bastos. Constituição, governo e democracia no Brasil. Revista Brasileiro de Ciências Sociais, v. 21, n. 61, p. 41-62, jun. 2006.39BUCCI, Op. Cit., p.89-98.

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suas metas temporais, os instrumentos institucionais de sua realização e outras

condições de implementação.”40

A política é mais ampla que o plano e se define como o processo de escolha

dos meios para a realização dos objetivos do governo com a participação dos

agentes públicos e privados.41 O planejamento é o processo em que o administrador

descreve as medidas necessárias à consecução do desenvolvimento econômico-

social.42 O planejamento assim, não é mais um processo dependente da mera

vontade dos governantes. É uma previsão constitucional e uma provisão legal.

Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, que são os

instrumentos consubstanciadores do respectivo processo.43

O plano de ação é especificado no planejamento, que a Constituição

brasileira define como determinante para o setor público e indicativo para o setor

privado (art. 174 da CR/88)44, numa síntese global dos fatos sociais, integrando-os

em sua interconexão essencial, devem-se lançar os “olhos para além de administrar

o presente, da gestão ordinária dos fatos conjunturais, incorporando uma visão dos

efeitos de longo prazo do agir do poder.”45

Nas atuações estatais positivas de cunho prestacional, a pessoa deve estar

numa posição central do cenário do direito, nos temas sobre as políticas públicas:

40 Ibidem, p.89-98.41 Idem.42 José Afonso da Silva explica que o processo de planejamento passou por uma institucionalização,passando a ser uma instituição jurídica, sem perder suas características técnicas: “O processo de planejamento encontra fundamentos sólidos na Constituição Federal de 1988, quer quando, no art. 21, IX, reconhece a competência da União para elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, quer quando, no art. 174, inclui o planejamento entre os instrumentos de atuação do Estado no domínio econômico, estatuindo que a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento de desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento, ou ainda, quando mais especificamente, atribui aos Municípios competência para estabelecer o planejamento do seu território (arts. 30, VIII e 182). (SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª ed. rev. e ampl. 2ª Tiragem. São Paulo, Malheiros, 1995, p. 78)43 Idem.44 No âmbito econômico, a doutrina reconhece a existência de dois tipos de planos relativamente à sua obrigatoriedade: o plano imperativo e o plano indicativo. O primeiro se caracteriza no fato de quesuas diretrizes são impositivas para a coletividade, como conjunto de normas obrigatórias de conduta, ao passo que no segundo esta é meramente sugerida pelo poder público, e, se bem que ofereça estímulos para persuadir ou dissuadir os indivíduos a ajustar-se aos seus ditames, não os impõe, e os indivíduos são livres de ajustar-se ou não a eles. (...) As ideias expostas já orientam a respeito do planejamento urbanístico perante o Direito. (...) Em vez de planos imperativos e planos indicativos, fala-se preferentemente, no campo urbanístico, em planos gerais ou planos preparadores, e em planos vinculantes, planos especiais, planos particularizados, planos de urbanização ou plano de edificação. Todos são, porém, imperativos nos limites de sua normatividade e todos são vinculantes em certo sentido, à vista de seus destinatários mais imediatos. (Ibidem, p.79-81)45 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Políticas públicas, direitos fundamentais e controle judicial.Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 77.

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seja na consideração de seu caráter instrumental ao controle das escolhas públicas;

seja a partir de sua exigibilidade, principalmente em sede judicial, quando se possa

ter em jogo a efetividade constitucional, à vista da negação de direitos

fundamentais.46

Na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a política pública é entendida

como “(...) complexo de processos destinados a formular e a executar ações que

implementam a realização efetiva e concreta dos cometimentos constitucionalmente

distribuídos, explícita ou implicitamente, obrigatória ou dispositivamente, ao sistema

decisório juspolítico-governança-administração.”47

Nas palavras de Fábio Konder Comparato políticas públicas: “São medidas

legislativas que compõem o agir estatal, indicando os programas de ação a serem

desenvolvidos por meio de todos os recursos disponíveis à sua disposição.”48

No Brasil, como em outros países da América Latina, a agenda reflexiva

sobre políticas públicas encontra como obstáculo a instabilidade institucional:

Durante o século XX, vários Estados criaram o Estado de bem-estar social, fundado no Keynesianismo; criaram serviços integrados de saúde, educação, habitação, previdência. Países periféricos como os da América Latina começaram a ter serviços sociais setorizados, fragmentados, emergenciais. Esses Estados-nações distribuíram renda ao longo do século XX, seja por meio do Estado de bem-estar social, Welfare State, com a economia Keynesiana, seja pela intervenção estatal setorizada,fragmentada, emergencial.49

No Brasil, só após 1988 com a redemocratização, que se deu com a

superação das turbulências e a paralisação ocorrida com a ditadura, que o tema

políticas públicas obteve perspectivas qualitativas, muito impulsionadas pelas

modificações havidas em relação ao próprio conceito de Estado.

Destaca-se a influência da escola americana sobre políticas públicas, que

contribuiu para o mapeamento de uma multiplicidade de etapas do processo de

construção e execução das políticas públicas, na qual o texto clássico de Lasswell –

46 Ibidem, p. 143.47 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos horizontes para o direito administrativo pelo controle das políticas públicas. Revista de Direito do Estado, v. 1, n.4, out./dez. 2006.48 COMPARATO, Fábio Konder. O MP na defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais. InCUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto. (Org.). Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 250.49 VIERIA, Op. CIt., p. 107.

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The Policy Orientation, de 1951, propõe uma orientação do agir do Estado por

intermédio das políticas públicas, a fim de superar as ameaças da vida moderna

tendenciosa ao divisionismo e isolamento.50

Orienta-se a atuação do Estado numa dupla dimensão – primeira dimensão

busca-se desenvolver a ciência da formação e execução das políticas públicas,

utilizando os métodos de investigação das ciências sociais e da psicologia; segunda

dimensão busca-se melhorar o conteúdo concreto da informação e da interpretação

disponíveis aos que concebem as políticas.51

As escolas de políticas públicas do pós-guerra, chamadas de Sinópticas

Puras enfatizaram a primeira dimensão da Escola Americana, desenvolvendo um

processo com distintas etapas das políticas públicas. São identificadas como etapas

deste modelo sequencial: a) reconhecimento do problema (problema); b) formação

da agenda (diagnóstico); c) formulação da política pública (solução); d) escolha da

política pública a ser implementada (estratégia); e) implementação da política

pública eleita (recursos) e f) análise e avaliação da política pública executada

(execução).52

Vanice Valle, analisando os elementos das fases descritas pelas escolas

sinópticas de políticas públicas, observa que todos os elementos guardam relações

com os tempos: os dois primeiros alimentam-se do conhecimento das experienciais

passadas para a identificação e compreensão daquilo que se pretenda enfrentar a

partir da prática daquela determinada política; já a solução, estratégia e recursos são

elementos que se traçam a partir do presente, tendo em conta os desafios e

objetivos postos à execução, etapa voltada para o futuro.53

O agir no tempo da Administração em relação à política pública relaciona-se

com um plano de ação, que funciona como pauta de regência do agir do Estado, por

um determinado período de tempo especificado num plano.

Duas ideias centrais são extraídas das características das políticas públicas:

multiplicidade e continuum. A multiplicidade de atores, de possibilidades e

50 LASSWELL, Harold D. The Policy Orientation. Korean Readings in Public Administration. South Korean: San Publishing Company, 1980, p.405-422.51 Idem52 MÉNDEZ, José Luis. Ementos teóricos para un análisis más integral de las políticas públicas: (com referencia a algumas investigaciones concretas). Revista de Administración Pública, n. 84, p. 107-121, 1993.53 VALLE, Op. Cit,, p. 45.

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instrumentos de concretização, de ações; e a continuidade de ações (omissões)

determinando consequências, de providências interrelacionadas.54

Na relação entre o tempo, as políticas públicas e o controle, é preciso

observar o tempo fixado pela Administração para alcançar o resultado, só após se

pode realizar uma avaliação do resultado projetado e aqueles efetivamente

alcançados. A dissintonia entre o resultado esperado e o efetivamente alcançado,

resultará de uma avaliação da política pública que considerará as causas e

consequências se afastando dos elementos substantivos relacionados aos

descontentamentos populares.

Para uma avaliação de uma política pública como inadequada deve-se

considerar o fator social, ou seja, aplicação da política pública em diferentes grupos

sociais gera maturação de ações diferentes, o que pode interferir no tempo fixado

sem que se possa extrair responsabilidade pelo atraso.

Soma-se a essa afirmação à ampliação das atividades do Estado que exigem

articulação da Administração com agentes da sociedade; disso pode decorrer que

ritmos de atuação e resposta dos vários setores sociais envolvidos no

desenvolvimento de uma determinada política pública se revelem distintos – e com

isso se tenha reflexos na marcha de concretização daqueles mesmos resultados

projetados.55

Ademais, os benefícios decorrentes da efetiva articulação das forças sociais

podem se revelar ainda mais vantajosos que os eventuais prejuízos decorrentes de

atraso na implementação.

Certo é que, no sistema constitucional brasileiro, as políticas públicas se

expressam através de leis (art. 165, caput e §§ 1º e 2º da CR/88)56. Os direitos

54 Vanice Valle descreve as características presentes na maior parte das escolas que se dedicam ao estudo das políticas públicas: a) Políticas Públicas devem distinguir entre o que o governo pretende fazer, e aquilo que, de fato, ele realmente faz; que a omissão governamental é tão relevante quanto à ação. b) Políticas Públicas, no plano do ideal, envolvem todos os níveis de governo, e não estão restritas a atores formais – em verdade, atores informais podem se revelar extremamente importantes. c) Políticas Públicas é um tema que invade a ação governamental, e não está limitada à legislação, ordens executivas, regras e regulação – portanto, aos instrumentos formais desse agir do poder. d) Políticas Públicas envolvem um curso de ação intencional, com uma finalidade específica e conhecida como objetivo. e) Políticas Públicas envolvem um processo em desenvolvimento; elas compreendem não só a decisão pela promulgação de uma lei ou projeto, mas também as ações subsequentes de implementação, apoio e avaliação. (VALLE, Op. Cit,, p. 36-37)55 VALLE, Op. Cit, p. 47.56 Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. § 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para asdespesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração

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sociais relacionam-se, em regra, ao dever de promoção exigindo por parte do

Estado a afetação da reserva financeira, o Estado tem sua atuação limitada pela

disponibilidade de recursos que o possibilitem o cumprimento de prestações fáticas

e a disponibilização de serviços e instituições a ele impostas que invade o plano

jurídico-normativo e condiciona intrinsecamente a própria existência do direito. 57

continuada. § 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.57 Os direitos sociais são direitos fundamentais profundamente condicionados pelo montante orçamentário de que dispõe o Estado, na hipótese de eventuais mutabilidades do cenário econômico o Estado pode está dispensado de efetivá-los. No julgamento do REsp 1185474 / SC, o relator Min.Humberto Martins, salienta que a implementação dos os direitos fundamentais não é uma liberalidade do administrador, todavia, há a limitação, a escassez de recursos, restando, então, conciliar tais valores, o que é feito no caso concreto: “ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - ACESSO À CRECHE AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS - DIREITO SUBJETIVO - RESERVA DO POSSÍVEL -TEORIZAÇÃO E CABIMENTO - IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA - ESCASSEZ DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA - PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL - ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO - PRECEDENTES DO STF E STJ.1. A tese da reserva do possível assenta-se em ideia que, desde os romanos, está incorporada na tradição ocidental, no sentido de que a obrigação impossível não pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est - Celso, D. 50, 17, 185). Por tal motivo, a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada uma mera falácia. 2. Todavia, observa-se que a dimensão fática da reserva do possível é questão intrinsecamente vinculada ao problema da escassez. Esta pode ser compreendida como "sinônimo" de desigualdade. Bens escassos são bens que não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, devem ser distribuídos segundo regras que pressupõe o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo. 3. Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de recursos para outra que não foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou propagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro para a prestação de uma educação de qualidade. 4. É por esse motivo que, em um primeiro momento, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preteri-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restringe na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da "democracia" para extinguir a Democracia. 5. Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial. 6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na "vida" social. (...) 8. A consciência de que é da essência do ser humano, inclusive sendo o seu traço característico, o relacionamento com os demais em um espaço público - onde todos são, in abstrato, iguais, e cuja diferenciação se dá mais em razão da capacidade para a ação e o discurso do que em virtude de atributos biológicos - é que torna a educação um valor ímpar.

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Ana Paula de Barcellos pondera:

(...) a limitação de recursos existe é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado aoestabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.58

Sobre as dificuldades que podem derivar da escassez de recursos – com a

resultante necessidade de o Poder Público ter de realizar as denominadas “escolhas

trágicas” (em virtude das quais alguns direitos, interesses e valores serão priorizados

“com sacrifício” de outros), Daniel Sarmento expõe:

No espaço público - onde se travam as relações comerciais, profissionais, trabalhistas, bem como onde se exerce a cidadania - a ausência de educação, de conhecimento, em regra, relega o indivíduo a posições subalternas, o torna dependente das forças físicas para continuar a sobreviver e, ainda assim, em condições precárias. 9. Eis a razão pela qual o art. 227 da CF e o art. 4º da Lei n. 8.069/90 dispõem que a educação deve ser tratada pelo Estado com absoluta prioridade. No mesmo sentido, o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve que é dever do Estado assegurar às crianças de zero a seis anos de idade o atendimento em creche e pré-escola. Portanto, o pleito do Ministério Público encontra respaldo legal e jurisprudencial. Precedentes: REsp 511.645/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 27.8.2009; RE 410.715 AgR / SP - Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22.11.2005, DJ 3.2.2006, p. 76.10. Porém é preciso fazer uma ressalva no sentido de que mesmo com a alocação dos recursos no atendimento do mínimo existencial persista a carência orçamentária para atender a todas as demandas. Nesse caso, a escassez não seria fruto da escolha de atividades não prioritárias, mas sim da real insuficiência orçamentária. Em situações limítrofes como essa, não há como o Poder Judiciário imiscuir-se nos planos governamentais, pois estes, dentro do que é possível, estão de acordo com a Constituição, não havendo omissão injustificável. 11. Todavia, a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social (...)” (RESP 1185474/SC, RELATOR MIN. HUMBERTO MATINS, JULGAMENTO EM: 20/04/2010 ÓRGÃO JULGADOR: SEGUNDA TURMA. Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=964063&n um_registro=201000486284&data=20100429&formato=PDF. Acesso em 25 de outubro de 2015)58 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio deJaneiro, Renovar, 2002, p. 245-246.

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Até então, o discurso predominante na nossa doutrina e jurisprudência era o de que os direitos sociais constitucionalmente consagrados não passavam de normas programáticas, o que impedia que servissem de fundamento para a exigência em juízo de prestações positivas do Estado. As intervenções judiciais neste campo eram raríssimas, prevalecendo uma leitura mais ortodoxa do princípio da separação de poderes, que via como intromissões indevidas do Judiciário na seara própria do Legislativo e do Executivo as decisões que implicassem controle sobre as políticas públicas voltadas à efetivação dos direitos sociais. Hoje, no entanto, este panorama se inverteu. Em todo o país, tornaram-se frequentes as decisões judiciais determinando a entrega de prestações materiais aos jurisdicionados relacionadas a direitos sociais constitucionalmente positivados. Trata-se de uma mudança altamente positiva, que deve ser celebrada. Atualmente, pode-se dizer que o Poder Judiciário brasileiro ‘leva a sério’ os direitos sociais, tratando-os como autênticos direitos fundamentais, e a via judicial parece ter sido definitivamente incorporada ao arsenal dos instrumentos à disposição dos cidadãos para a luta em prol da inclusão social e da garantia da vida digna. Sem embargo, este fenômeno também suscita algumas questões complexas e delicadas, que não podem ser ignoradas. Sabe-se, em primeiro lugar, que os recursos existentes na sociedade são escassos e que o atendimento aos direitos sociais envolve custos. (...). Neste quadro de escassez, não há como realizar, ‘hic et nunc’, todos os direitos sociais em seu grau máximo. O grau de desenvolvimento socioeconômico de cada país impõe limites, que o mero voluntarismo de bacharéis não tem como superar. E a escassez obriga o Estado em muitos casos a confrontar-se com verdadeiras ‘escolhas trágicas’, pois, diante da limitação de recursos, vê-se forçado a eleger prioridades dentre várias demandas igualmente legítimas. (...). As complexidades suscitadas são, contudo, insuficientes para afastar a atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais. Com a consolidação da nova cultura constitucional que emergiu no país em 1988, ajurisprudência brasileira deu um passo importante, ao reconhecer a plena justiciabilidade dos direitos sociais.59

Fábio Konder Comparato analisando a questão financeira do Estado explicita

sobre a promoção dos direitos fundamentais e o princípio constitucional fundamental

descrito no artigo 3º da Constituição da República:

A questão assim posta, como se percebe, é inteiramente de direito, e não de fato. Não se trata de saber se o Estado tem ou não tem condições financeiras para “dar a cada um o que é seu”, nesse domínio. Cuida-se, tão- só, de verificar se os Poderes Públicos desenvolvem ou não, de fato, programas de ação para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, como determina o art. 3º de nossaConstituição.60

Cabe ressaltar, que o caráter programático das regras inscritas no texto da

Carta Política, principalmente no que tange os direitos sociais, dentre os quais o

direito à moradia está inserido, “não pode converter-se em promessa constitucional

59 SARMENTO, Daniel. Reserva do Possível e Mínimo Existencial. in “Comentários à Constituição Federal de 1988”, Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2009, p. 371-388.60 COMPARATO, Op. CIt., p. 250.

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inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele

depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu

impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao

que determina a própria Lei Fundamental do Estado”.61

Indaga-se sobre a iniciativa das políticas públicas: a quem compete formulá-

las – ao Poder Legislativo ou o Poder Executivo? Quais as dimensões das políticas

públicas e a atuação do Poder Judiciário?

Montesquieu, na obra O Espírito das Leis, expõe: “No Estado popular, o povo

está dividido em certas classes. É pela maneira de fazer esta divisão que se

destacaram os grandes legisladores, e é disto que a duração da democracia e sua

prosperidade sempre dependeram.”62

A Carta Magna de 1988 consagra a república como forma de governo, em

que o povo possui o poder soberano, exercendo-o num sistema de governo

presidencialista e de forma democrática. “O povo que possui o poder soberano deve

fazer por si mesmo tudo o que pode fazer bem; e o que não puder fazer bem, deve

fazê-lo por meio de seus ministros (representantes).”63

Seguindo a clássica separação de poderes de Montesquieu, a origem

normativa da política pública é do Poder Legislativo64. Segundo o princípio da

organização, que dá origem ao princípio da separação dos poderes65, o poder se

61 RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 271.286/RS (AgRg). RELATOR MIN. CELSO DE MELLO. JULGAMENTO: 17/09/2000. ÓRGÃO JULGADOR: Segunda Turma. Disponível em: RTJ 175/1212-1220.62 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação: RenatoJanine Ribeiro. Tradução: Cristina Muracheo. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 24.63 MONTESQUIEU, Op. Cit, p. 36.64 Rousseau no Contrato Social descreve o paradoxo do legislador: “Para descobrir as melhores regras de sociedade que convêm às nações, seria preciso uma inteligência superior que visse todasas paixões humanas e que não sentisse nenhuma; que n~so tivesse nenhuma relação com nossa natureza e a conhecesse a fundo; cuja felicidade fosse independente de nós, nas que tivesse a boa vontade de cuidar da nossa; enfim, que no progresso dos tempos tivesse granjeado uma glória longínqua, que pudesse trabalhar num século e folgar em outro. Seria preciso que os deuses criassem leis para os homens.” (J-J. Rousseau, Do Contrato social. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 179-180).65 O princípio da Separação dos Poderes impõe limite do poder constituinte decorrente na conformação da estrutura organizacional de cada um dos poderes. Em recente julgamento da ADI 179/RS, o Supremo Tribunal Federal examinou a atuação da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que condensou diversos dispositivos na parte transitória da Constituição estadual, criandoverdadeiro plano de governo, dirigido ao Poder Executivo, estabelecendo prazo para o encaminhamento de proposições legislativas sobre assuntos diversos, muitos deles, inclusive, de iniciativa legislativa reservada ao chefe do Poder Executivo. Teria, ademais, determinado a prática de atos administrativos materiais em certo período de tempo, em violação do postulado da separação dos Poderes. Na oportunidade, o Tribunal Pleno, seguindo voto do Ministro Relator Dias Toffoli decidiu: Sabe-se que o Poder Legislativo estadual, imbuído da função de constituinte secundário/condicionado, conformado pelas diretrizes principiológicas da Lei Fundamental, pôde (e

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divide em competências circunscritas e todas as atividades de poder devem ter um

funcionamento calculável e previsível.

A propósito, salutar a transcrição de trecho do voto proferido pelo eminente

Ministro Sepúlveda Pertence:

Não há dúvida de que o princípio da separação e independência dos Poderes – instrumento que é da limitação do poder estatal –, constitui um dos traços característicos do Estado Democrático de Direito. Mas, como a pouco assinalava neste mesmo voto, é princípio que se reveste, no tempo e

ainda pode, por meio de emenda), durante a elaboração da Constituição do Estado, realizar a estruturação do ente federado, definindo-lhe os contornos fundamentais. Contudo, a legitimidade de conformação dada ao referido Poder está cingida pela reserva de atribuições e competências próprias de cada Poder postas na Constituição Federal, à qual, por ser dotada de soberania, cabe definir, de modo peculiar, no Estado brasileiro, o delineamento da divisão dos poderes (funções) e suas interações (independência e harmonia). Ora, muito embora a Constituição, consoante o comando do caput do art. 25 da Carta de 1988, tenha deferido aos estados o poder de se auto- organizarem e de se regerem pelas suas próprias constituições, o poder constituinte decorrente encontra limites nos princípios estabelecidos na Carta Federal. Nesse sentido, também, é o teor do art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (...) Com efeito, a Carta da República positivou o princípio da separação dos Poderes, nos termos do seu art. 2º (“são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”), conferindo-lhe delineamentos próprios, cuja formulação adotada há de ser imposta a todos os estados da Federação. (...)Nesses termos, conforme consolidada jurisprudência desta Corte, é a Constituição da República a grande legitimadora dos mecanismos de freios e contrapesos, sendo vedado aos estados criar novas ingerências de um Poder na órbita de outro que não derivem explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental (ADI nº 1.905/RS-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 5/11/04; ADI nº 3.046/SP; Min. Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 28/5/04; ADI nº 2.911/ES, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 2/2/07). A Carta Política, ao estabelecer a competência de cada um dos poderes instituídos, confiou ao chefe do Poder Executivo a função de chefe de governo e de direção superior da Administração Pública. Esse é o teor do art. 84, inciso II, o qual, no que tange às funções do Presidente da República. (...)Direção superior significa definir os rumos, as metas e o modo de consecução dos objetivos impostos à Administração, na busca última de satisfação do interesse público. Essa se pauta, com as ressalvas legais e tendo em vista as limitações financeira do Estado, por um critério discricionário, comumente definido pelos aspectos da oportunidade e da conveniência. Se, pela doutrina, os atos administrativos se sujeitam à avaliação discricionária do administrador, ao administrador maior do ente federado – o chefe do Poder Executivo – é deferida a apreciação da conveniência e da oportunidade da apresentação de projetos de lei, bem como da definição dos seus conteúdos iniciais, atinentes à gestão da Administração Pública. Nesse passo, qualquer tentativa do Poder Legislativo i) de estabelecer prazos para que o Poder Executivo, em relação às matérias afetas a sua iniciativa, apresente proposições legislativas, mesmo em sede da constituição estadual; ou ii) de definir previamente os seus conteúdos, é inconstitucional, porquanto ofende, na seara administrativa, a garantia de gestão superior dada ao chefe daquele poder. (...)Conquanto não se possa invocar isoladamente, no presente caso, o art. 60,§ 1º, da Constituição Federal como parâmetro de sindicância, uma vez que se trata da redação originária da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, há que se reconhecer limites ao poder constituinte decorrente. A baliza é justamente a Lei Fundamental, a qual abarca a definição das competências de cada Poder instituído e veda as interferências indevidas de um nos assuntos próprios do outro.” O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu em parte da ação direta e, na parte conhecida, julgou-a procedente para declarar a inconstitucionalidade dos art. 4º; 9º, parágrafo único; 11; 12, caput; 13; 16, inciso II e parágrafo único; 19; 26; 28; 29; 30; 31; 38; 50; 60; 61 e 63, todos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. (ADI Nº 179/RS. RELATOR MIN. DIAS TOFFOLI. JULGAMENTO: 19/02/2014. ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO. Disponível em:file:///C:/Users/%C3%89rica%20Guerra/Downloads/texto_210397131.pdf. Acesso em 03 de novembro de 2015).

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no espaço, de formulações distintas nos múltiplos ordenamentos positivos que, não obstante a diversidade, são fiéis aos seus pontos essenciais. Por isso, quando erigido, no ordenamento brasileiro, em princípio constitucional de observância compulsória pelos Estados-membros, o que a estes se há de impor como padrão não são concepções abstratas ou experiências concretas de outros países, mas sim o modelo brasileiro vigente de separação e independência dos Poderes, como concebido e desenvolvidona Constituição da República” (ADI nº 98/MT, Relator Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 31/10/97).66

Nessa perspectiva, o Estado passa a ter competências e atribuições bem

delimitadas, sendo que o melhor instrumento para ordenar esses regramentos é a

lei, caracterizada como sendo uma regra racional geral e impessoal, de caráter

voluntarista, criada segundo os interesses da vontade geral (de cunho

representativo).67

É relativamente tranquila a ideia de que as grandes linhas das políticas

públicas, as diretrizes, os objetivos são opções políticas que cabem aos

representantes do povo e, portanto, ao Poder Legislativo, que as organiza em forma

de leis de caráter geral e abstrato, para execução pelo Poder Executivo.68

Estão, portanto, definidas as atuações da Administração Pública69 que exerce

a função administrativa subsumida à prescrição da lei; Ao Legislativo incumbe traçar

as finalidades a serem alcançadas objetivamente – sob o jugo constitucional -, os

meios e modos pelos quais devem ser perseguidos, caracterizando as situações

perante as quais cabe produzir ações produtivas a toda a sociedade.70

Cabe ao Poder Executivo promover a execução das atividades de interesse

público, dando forma às políticas públicas acordada nas esferas públicas e que deve

estar vinculadas aos valores sociais dispostos na Constituição.

66 ADI Nº 98/MT, RELATOR MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE, JULGAMENTO: 07/08/1997. ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266193. Acesso em 03 de novembro de 2015 (ANEXO 2)67 BARRETTO. 2009, Op.Cit., p. 290.68 BUCCI, Op. Cit., p.89-9869 Administração Pública pode ser entendida sob dois aspectos: o primeiro designando que ela engloba os entes que exercem tanto a atividade de governo como a atividade administrativa do Estado, e estão divididos em órgãos governamentais e administrativos, entidades e agentes públicos, com a incumbência de exercer, concomitantemente, a função política de traçar diretrizes e planos deação e a função administrativa de execução; e de outra parte, estritamente considerada, pode ser identificada como o conjunto de órgãos e entidades em seu aspecto subjetivo e no aspecto objetivo seria a própria função administrativa, excluída a função política, a ser exercida predominantemente pelo Poder Executivo. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.54-59)70 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Proteção jurisdicional dos interesses legítimos no direito brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 176, p. 1-14, abr/jun, 1989.

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A alternância do Poder, essencial à democracia, não pode sacrificar as

políticas públicas que na maioria das vezes, ultrapassam a duração de um governo.

A política pública não se traduz em uma só ação governamental, mas em um

conjunto de frentes de atuação, intencionalmente coerentes, que se retroalimentam

operando para a realização de um objetivo.71 As leis de plano traçam os programas

de ação imposta pelo Legislativo ao Executivo. O mais correto seria que pudessem

ser realizadas pelo Executivo, por iniciativa sua, segundo as diretrizes e dentro dos

limites aprovados pelo Legislativo.72

Não se deve olvidar que os direitos fundamentais, dentre eles os direitos de

segunda geração, merecem a interpretação que lhes dê a maior efetividade. A

inércia do dever de agir de parte do Estado, associadas às questões de conteúdo e

exigibilidade, fundadas nas cláusulas de limitação: escassez de recursos, equilíbrio

e harmonia entre os poderes, “merece ser ressaltado que o fundamento para que o

Poder Judiciário possa sobrepor a sua vontade à dos agentes eleitos dos outros

Poderes, reside justamente na confluência de ideias que produzem o

constitucionalismo democrático.”73

Na esteira da harmonia dos Poderes, cabe o Poder Judiciário atuar para

assegurar que o Poder Legislativo não se torne um mero ratificador das políticas

públicas adotadas pelo Poder Executivo, ou seja, que sua apreciação não se dê de

forma superveniente e pouco ativa. Além do que, a atuação do Poder Judiciário se

justifica “se os Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a

clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais,

econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável

inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo

intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas

necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do

indivíduo”.74

71 VALLE, Op. Cit, p. 67.72 BUCCI, Op. Cit., p.89-98.73 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 286.74 Trecho do voto do Min. Rel. Celso de Mello na ADPF 45 MC/DF, julgada em 29 de abril de 2004.Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000072044&base=baseMonocrati ca. Acesso em: 23 janeiro 2016

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Corroborando com a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em

ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido

injustamente recusada pelo Estado, Andreas Joachim Krell:

A constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado 'livre espaço de conformação' (...). Num sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desseconteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...).75

Sobre atuação do Poder Judiciário num sistema democrático, Hart explicita:

“As Cortes, então, deveriam assegurar não somente que os administradores sigam

essas orientações políticas dadas pelo Legislativo já existentes, mas também que

tais orientações sejam dadas.”76

Por outro lado, não podem ser desconsiderados os riscos de uma tendência a

um ativismo de parte de um Poder judiciário que apontado como garantidor desses

mesmos direitos, vê-se tentado a ampliar o seu espaço de atuação, em nome do

valor maior de proteção à dignidade da pessoa.77

75 KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre, S.A. Fabris, 2002, p. 22-23.76 ELY, John Hart. Democracy and Distrut – The Theory of Judicial Review. Cambridge: Harvard University Press, 2002, p. 33. “Courts thus should ensure not only that admitrators follow those legislative policy directions that do exist (…) but also such directions are given.”77 Críticas são feitas ao ativismo judicial: O ativismo judicial se insere no Brasil dentro de um mundoda vida em que os juízes, de uma forma geral, não se sentem servidores públicos, e sim, entes transcendentalmente superiores. Acostumados à cortesia e às posturas formalistas, não é incomum a figura do magistrado distante das pessoas e do “mundo” que espera apenas a bajulação e desconsidera as necessidades das partes. Dizer a eles que podem tudo, ou melhor, que devem fazer tudo, tal como fazem os teóricos do constitucionalismo da efetividade, é música para seus ouvidos!

Page 40: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

Sobre a atuação do Poder Judiciário, Rogério Gesta Leal:

O que quero dizer com isto é que não importa para qual direção vai a intervenção judicial extremada em campos de deliberação compartida ou por vezes de competência originária de outros atores institucionais e sociais, pelo simples fato de que tal comportamento além de invadir espaços públicos democráticos, pode causar deslegitimação do resultadoobtido e da própria democracia representativa, devendo-se, por isto, problematizar sempre os cenários e interesses envolvidos.78

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4029/AM, em 2012, expôs

importantes parâmetros para atuação do Poder Judiciário em relação aos Poderes

Legislativo e Executivo, sendo o objeto de análise a atuação do Poder Judiciário no

controle da existência dos requisitos constitucionais de edição de Medidas

Provisórias79:

ADI 4029 / AM - AMAZONASAÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. LUIZ FUXJulgamento: 08/03/2012 Órgão Julgador: Tribunal Pleno PublicaçãoACÓRDÃO ELETRÔNICODJe-125 DIVULG 26-06-2012 PUBLIC 27-06-2012 RTJ VOL-00223-01 PP-00203Parte(s)REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DO IBAMA - ASIBAMA NACIONALADV.(A/S) : DIEGO VEGA POSSEBON DA SILVA INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONALEmenta: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL Nº11.516/07. CRIAÇÃO DO INSTITUTO CHICO MENDES DECONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. LEGITIMIDADE DA

Não desconhecemos que as intenções dessa corrente teórica são boas e favoráveis à inclusão social. Mas é preciso lembrar o ditado: o inferno está cheio de boas intenções. O ativismo judicial desmedido por noções vazias como “razoabilidade” e “proporcionalidade” pode ser um bálsamo, como pretendem seus adeptos, mas também pode ser um veneno para nossa democracia ainda incipiente. Sem pretensão de estabelecer “verdades”, no mínimo, acreditamos firmemente que a denúncia de Habermas serve de base para reflexão do modo de operação do direito e do constitucionalismo nacionais. (CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Habermas e o direito brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 251).78 LEAL, Rogério Gesta; LEAL, Mônica Clarissa Hennig. Ativismo Judicial e déficits democráticos: algumas experiências latino-americanas e europeias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 15.79 O art.62 da atual Constituição conferiu competência privativa ao Presidente da República – em caso de relevância e urgência -, de adotar medias provisórias com força de lei. “(...) A medida provisória foi criada para resolver crises ou problemas extraordinários, mas todos os presidentes brasileiros têm usado a medida provisória como uma opção preferencial para promulgar qualquer legislação ordinária sem esperar o Congresso, que faz de tudo mesmo legislar.” (ROSSENN, Keith S.O jeito na cultura jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 89)

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ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DO IBAMA. ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL. VIOLAÇÃO DO ART. 62, CAPUT E § 9º, DA CONSTITUIÇÃO. NÃO EMISSÃO DE PARECER PELA COMISSÃO MISTA PARLAMENTAR. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 5º, CAPUT, E 6º, CAPUT E PARÁGRAFOS 1º E 2º, DA RESOLUÇÃO Nº 1 DE 2002 DO CONGRESSO NACIONAL. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA NULIDADE (ART. 27 DA LEI 9.868/99). AÇÃO DIRETAPARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. A democracia participativa delineada pela Carta de 1988 se baseia na generalização e profusão das vias de participação dos cidadãos nos provimentos estatais, por isso que é de se conjurar uma exegese demasiadamente restritiva do conceito de “entidade de classe de âmbito nacional“ previsto no art. 103, IX, da CRFB. 2. A participação da sociedade civil organizada nos processos de controle abstrato de constitucionalidade deve ser estimulada, como consectário de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, na percepção doutrinária de Peter Häberle, mercê de o incremento do rol dos legitimados à fiscalização abstrata das leis indicar esse novel sentimento constitucional. (...) Cabe ao Judiciário afirmar o devido processo legislativo, declarando a inconstitucionalidade dos atos normativos que desrespeitem os trâmites de aprovação previstos na Carta. Ao agir desse modo, não se entende haver intervenção no Poder Legislativo, pois o Judiciário justamente contribuirá para a saúde democrática da comunidade e para a consolidação de um Estado Democrático de Direito em que as normas são frutos de verdadeira discussão, e não produto de troca entre partidos e poderes.” (In: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas Provisórias. 3ª ed. São Paulo: RT, 2010. p. 178-180. V. tb. CASSEB, Paulo Adib. Processo Legislativo – atuação das comissões permanentes e temporárias. São Paulo: RT, 2008. p. 285) 6. A atuação do Judiciário no controle da existência dos requisitos constitucionais de edição de Medidas Provisórias em hipóteses excepcionais, ao contrário de denotar ingerência contramajoritária nos mecanismos políticos de diálogo dos outros Poderes, serve à manutenção da Democracia e do equilíbrio entre os três baluartes da República. Precedentes (ADI 1910 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 22/04/2004; ADI 1647, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 02/12/1998; ADI 2736/DF, rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 8/9/2010; ADI 1753 MC, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 16/04/1998). 7. A segurança jurídica, cláusula pétrea constitucional, impõe ao Pretório Excelso valer-se do comando do art. 27 da Lei 9.868/99 para modular os efeitos de sua decisão, evitando que a sanatória de uma situação de inconstitucionalidade propicie o surgimento de panorama igualmente inconstitucional. (...) 10. Não cabe ao Pretório Excelso discutir a implementação de políticas públicas, seja por não dispor do conhecimento necessário para especificar a engenharia administrativa necessária para o sucesso de um modelo de gestão ambiental, seja por não ser este o espaço idealizado pela Constituição para o debate em torno desse tipo de assunto. Inconstitucionalidade material inexistente. 11. Ação Direta julgada improcedente, declarando-se incidentalmente a inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, postergados os efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, para preservar a validade e a eficácia de todas as Medidas Provisórias convertidas em Lei até a presente data, bem como daquelas atualmente em trâmite no Legislativo. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou parcialmente procedente a ação direta, com modulação da eficácia, contra os votos dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, que a julgava improcedente, e Marco Aurélio, que a julgava de

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todo procedente. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Falou, pela Advocacia-Geral da União, o Ministro Luís Inácio Lucena Adams, Advogado-Geral da União.80 (grifamos)

A problemática da divisão de poderes do Estado, em que há uma ampliação

das funções da justiça que lança mão de competências legisladoras. Tal substituição

do Estado de Direito pelo Estado dos Juízes é própria do Estado liberal de direito81,

que se transforma no Estado intervencionista e do bem-estar social. “(...) a crítica à

jurisdição constitucional é conduzida quase sempre em relação à distribuição de

competências entre legislador democrático e justiça; e, nesta medida, ela é sempre

uma disputa pelo princípio da divisão dos poderes.”82

Observa-se na citada jurisprudência uma limitação na atuação do Poder

Judiciário, pela ausência de expertise nas áreas técnicas que possam influir ou

determinar políticas públicas; a análise do direito se dará sempre de forma objetiva,

ou seja, sempre na perspectiva da coletividade dos destinatários de direitos

fundamentais e a exigência à Administração que formule em si a política,

prestigiando os mecanismos democráticos de formulação das escolhas públicas.

A tutela de direitos fundamentais na perspectiva da coletividade tem

importância capital, pois “o controle de políticas públicas, se admitido como possível,

exige, repudia ou reprograma um quadro normativo de ação, para a sua adequação

em relação às hetero ou autovinculações83 que lhe sejam aplicáveis, a partir da

constituição e dos elementos formadores da própria política pública controlada.”84

80 ADI 4029 / AM – AMAZONAS, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Julgamento: 08/03/2012. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2595890. Acesso em 20 de outubro de 2015. (ANEXO 1)81 Habermas expõe sobre o papel do Estado na visão liberal, no processo democrático: “(...) oprocesso democrático desempenha a tarefa de programar o Estado no interesse da sociedade, sendo que o Estado é apresentado como aparelho da administração pública, e a sociedade como sistema de seu trabalho social e do intercâmbio das pessoas privadas, estruturado conforme a economia de mercado. E, nisso tudo, a política (no sentido da formação política da vontade dos cidadãos) tem a função de enfeixar e impor interesses sociais privados contra um aparelho do Estado que se especializa no uso administrativo do poder.” (HABERMAS, Junger. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume I. 2 ed. revista pela Nova Gramática da Língua Portuguesa, tradução: Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 332)82 HABERMAS, 2012, Op. cit., p. 298.83 As cláusulas de heterovinculação diz respeito a uma ação que servia de diretriz das condutas e resultados desejados. “A essa fixação pelo Texto Fundante, do que tenha sido eleito como pautaprimária de atuação, sob as cláusulas de proteção próprias dos preceitos desse mesmo status hierárquico, se denomina heterovinculação imposta ao poder político organizado. As mencionadas heterovinculações se podem apresentar: 1º) como cláusulas de bloqueio ao agir do poder, nas quais se incluem os direitos fundamentais, instrumentalizados pelas políticas públicas. 2º) Como deveres de conduta diretamente emanados do texto constitucional, ou ainda, 3º) como garantias de situações

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No que tange o déficit de expertise do Poder Judiciário, a Administração ao

formular a política pública espera-se que “respeitam-se as esferas originalmente

previstas de especialização funcional, e supera-se o sempre presente (e ponderável)

argumento do déficit de expertise do Poder Judiciário, para acunhagem de

estratégias concretizadoras desses mesmos direitos fundamentais num regime que

é constitucionalmente democrático e pluralista.85

Na sociedade democrática contemporânea há multiplicidade de valores

culturais, visões religiosas de mundo, compromissos morais e concepções sobre a

vida digna, que constituem o que designamos pluralismo, que confere prioridade à

comunidade em relação ao indivíduo. “Precisamente porque os sujeitos primários

dos valores são as comunidades históricas específicas – e a correção exclusiva de

sua efetiva aceitação – indivíduos estão integralmente vinculados às culturas que

eles criam e compartilham.”86

A abertura dos debates para se considerar o pluralismo no estudo e

construção de políticas públicas, enfatiza a tese desenvolvida por Lasswell de

valorização da função da inteligência. Reconhecer o pluralismo, portanto, é

reconhecer a diferença, ou seja, “é abdicar das respostas únicas, verdadeiras e

definitivas para o problema da associação política e admitir o caráter parcial,

incompleto e conflitivo do consenso entre indivíduos.”87

Como bem expôs o Relator da ADI 4029/AM, Ministro Luiz Fux, quando

suscitou Questão de Ordem sobre a postura judicial, em que a atuação da Suprema

Corte varia ora ser minimalista, ora se entende que deve ser maximalista e ora se

entende que tem que ser consequencialista:

Há uma obra recente do professor Cass Sunstein em que ele faz exatamente essa afirmação. Eu colhi um parágrafo em que ele diz o seguinte: “Essa postura consequencialista se caracteriza pela prudência, que é um elemento ínsito à atividade judicante, que deve, em última análise, promover a paz social. Se um julgamento tem relevância suficiente para causar graves efeitos para ordem social, mesmo individual, esses efeitos devem ser considerados.” Ele se vale da seguinte metáfora: “Os juízes devem decidir como acharem apropriado, mesmo que o céus venham a

jurídicas que, uma vez inatendidas, hão de ser objetos da atuação reparadora do poder. (VALLE, Op. Cit, p. 61)84 VALLE, Op. Cit, p. 145.85 Ibidem, p. 150.86 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. 4ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 86.87 Idem

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cair; porém, se a possibilidade de os céus caírem for real, talvez os juízes não devam adotar a solução que entendam correta.88

A atuação do Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas representa

uma disfuncionalidade do poder, constituindo-se absoluta exceção à estrutura do

Estado Democrático de Direito e as suas possibilidades devem se apresentar como

alternativa secundária. “A pedra de toque estará no reconhecimento, pelo Poder

Judiciário, de que seu papel não é – nem nunca poderá ser – substitutivo, mas sim

de indução do desenvolvimento regular, pelas estruturas institucionais previstas na

constituição, dos misteres de cada qual.”89

1.3 As políticas públicas de efetivação do direito fundamental à moradia no Brasil

Primeiramente, explicitamos que há autores que trabalham com a diferença

entre Moradia (gênero) e Habitação (espécie), porém, neste trabalho, adotaremos

essas expressões, numa perspectiva epistemológica, como sinônimas, tendo como

base que, no que tange à gestão pública, a problemática referente à moradia é

concebida como habitação.

A Constituição Imperial (1824)90 e a Carta Política Republicana (1891)91 não

estabeleciam nenhuma norma sobre direito à moradia. No decorrer de toda a

Primeira República, as ações do poder público careceram de efeitos práticos, pois

88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4029 / AM – AMAZONAS. Tribunal Pleno. Recorrente: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DO IBAMA - ASIBAMA NACIONAL. Recorrido: CONGRESSO NACIONAL. Relator: Min. LUIZ FUX. Julgado em 08/03/2012. DJe 26-06-2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2595890. Acesso em 20 de outubro de 2015. (ANEXO 1)89 VALLE, Op. Cit, p. 153.90 Na Constituição do Império (1824), as garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros estavam dispostos no art. 179, no inciso XIII dispunha sobre o princípio da isonomia: “A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentosde cada um.” Nesse período histórico, a sociedade brasileira convivia com o voto censitário e o regime escravocrata.91 A Constituição de 1891 inaugura a nova ordem, inspirada no figurino norte-americano “operou-se a tríplice transformação: a forma de governo, de monarquia passa a república; o sistema de governo,de parlamentarismo transmuda-se em presidencial; a forma de Estado, de unitário converte-se em federal. (...) A República velha é marcada pelo domínio das oligarquias.” (BARROSO, 2003. Op. Cit., p. 15)

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eram desprovidas de qualquer preocupação em sistematizar diretrizes ao

desenvolvimento urbanístico.

No Brasil, a questão social da habitação não é contemporânea remonta desde

o fim do século XIX, pois o fim da escravidão fez com que a população negra fosse

retirada do campo e migrasse para a cidade, quando se começa a observar a crise

populacional quanto à inchação nas cidades, em relação ao espaço urbano e,

simultaneamente, também se observou a “estrutura habitacional” gerada a partir da

formulação das favelas e todas as suas problemáticas em nível de moradia.

No início do XX houve um considerável aumento no problema habitacional,

devido a fatores como os estrangeiros que vieram para o Brasil, por motivo das

Guerras Mundiais. Os imigrantes europeus chegaram ao Brasil para trabalhar no

campo e também na nascente indústria brasileira, contribuindo para intensificar o

crescimento das grandes cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e

Recife.

Estes fatores provocaram o aumento da população nas cidades. Já do início

do século XX até a década de 1930, observou-se que diversas cidades brasileiras

tiveram o problema da habitação agravado, com o poder público atuando de maneira

pontual e ineficiente. As obras de renovação urbana tinham um forte conteúdo

ideológico ligado à modernização, ao progresso, ao embelezamento e à expulsão

dos pobres das áreas mais centrais. A defesa da saúde pública, fundamento basilar

instituído nos Códigos de Posturas Municipais, só se definia nas áreas centrais de

interesse simbólico de mercado, onde havia interesse no estabelecimento de uma

modernidade urbana.

Somente a partir do fim da década de 1930, quando a industrialização e a

urbanização do país ganham novo impulso com a Revolução de 30, é que começa a

se esboçar uma política para a habitação. O desenvolvimento urbanístico privilegia a

modernização baseada na industrialização e na urbanização, com ênfase no

embelezamento e nos monumentos. O país se urbaniza de forma desordenada.

A Constituição de 1934, influenciada pela Constituição de Weimar, de 1919,

dedicou um título à Ordem Econômica e Social, dispunha sobre a usucapião para a

regularização das posses:

Art 125 - Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de

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domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.92

No período populista da Era Vargas, houve a criação da Fundação da Casa

Popular (FCP), o registro mais marcante de tentativa de solução para a questão

habitacional. Apesar dos resultados modestos, foi o primeiro órgão nacional criado

para prover residências para a população pobre. A FCP foi criada em 1946 e apesar

de ter recebido diversas funções relacionadas à política urbana em geral, essa

fundação se tornou inoperável, devido ao acúmulo de atribuições, à falta de recursos

e de força política, somadas à ausência de respaldo legal. Em 1952, o governo

federal reduziu as atribuições da FCP.

Na Constituição de 1946, havia uma preocupação com o êxodo rural e as

consequentes desigualdades regionais e sociais, o artigo 156 dispunha:

A lei facilitará a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras pública. Para esse fim, serão preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes das zonas empobrecidas e os desempregados. § 1º Os Estados assegurarão aos posseiros de terras devolutas que tenham morada habitual, preferência para aquisição até cem hectares. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº10, de 1964).93

A Constituição de 1946 continha ampla e moderna enunciação dos direitos e

garantias individuais, explica Luís Roberto Barroso:

(...) bem como de regras atinentes à educação e à cultura, e, muito especialmente, dos princípios que deviam reger a ordem econômica e social. Foi sua a inovação de introduzir no texto constitucional a regra de que a lei não poderia excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual (art. 141, § 4º). Previu a obrigatoriedade do ensino primário (art. 188, I), a repressão ao abuso do poder econômico (art. 148), condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social (art. 147) econsignou o direito dos empregados à participação no lucro das empresas (art. 157, IV), dentre outras medidas de caráter social.94

92 BRASIL. Constituição de 1934, de 16 de julho de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Acesso em 20 de outubro de 2015.93 BRASIL. Constituição de 1946, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm. Acesso em 20 de outubro de 2015.94 BARROSO, 2003. Op. Cit., p. 27

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Vale ressaltar que no contexto internacional, o direito à moradia passou a ser

garantido a todas as pessoas na Declaração Universal dos Direitos Humanos de

194895.

A Era Vargas tratou de valorizar o trabalho para alcançar a modernidade e o

desenvolvimento econômico. “A concentração de capitais públicos em setores de

infraestrutura regional como hidrelétricas, estradas, aeroportos, setores produtivos

das indústrias de base como siderúrgicas caracteriza os anos 50. Isto se dá em

detrimento dos investimentos nos setores sociais.”96

Em 1964, a FCP foi extinta, sendo criado o Plano Nacional de Habitação, o

primeiro grande plano do governo militar. Para além das ações diretamente

relacionadas à habitação, o Plano buscava a dinamização da economia, o

desenvolvimento do país (geração de empregos, fortalecimento do setor da

construção civil etc.) e, sobretudo, controlar as massas, garantindo a estabilidade

social.

Ainda nesse período tem-se a implantação do Banco Nacional de Habitação

(BNH), que se torna o principal órgão da política habitacional e urbana do país.

Prioritariamente, ele deveria orientar, disciplinar e controlar o Sistema Financeiro de

Habitação (SFH), para promover a construção e a aquisição de casa própria,

especialmente pelas classes de menor renda.

A trajetória do SFH e do BNH não foi linear. O que se vê de início foi a de

implantação e expansão do BNH e das COHABs (Conjuntos Habitacionais), com um

considerável financiamento de moradias para o mercado popular. Logo em seguida,

passado algum tempo de vigência desses programas, observa-se um esvaziamento

e uma crise do SFH, sobretudo devido à perda do dinamismo das COHABs

(Conjuntos Habitacionais), que se tornavam financeiramente frágeis devido à

inadimplência causada, principalmente, pela perda do poder de compra do salário

mínimo, situação que atingia seus principais mutuários, oriundos das camadas

pobres. Isso fez com que os financiamentos passassem a ser, cada vez mais,

destinados às famílias de classe média, uma vez que os juros para essa camada

eram mais altos e o índice de inadimplência, se comparado como das classes mais

95 Artigo XXV: “1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação […]” ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm Acesso em: janeiro 2016.96 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. Série Espaço & Debate. 3 ed. São Paulo: Atual, 1997,p. 6.

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pobres, era menor. Assim, o que houve a seguir foi um revigoramento das COHABs

(Conjuntos Habitacionais), com aumento do número de moradias produzidas,

contudo, a maioria destinada à classe média.

Assim, tem-se a crise financeira do SFH, culminando na extinção do BNH,

que transfere para a Caixa Econômica Federal suas funções, continuando na

atualidade responsável por gerir programas sociais de intervenções habitacionais.

De todo modo, o Sistema Nacional de Habitação (SNH) financiou cerca de quatro

milhões de moradias durante sua vigência, número bastante expressivo para a

realidade do nosso país se comparado a outros considerados desenvolvidos. Porém,

os investimentos atingiram predominantemente a classe média emergente, alijando

da política de financiamento da casa própria os trabalhadores que recebiam menos

de um salário mínimo. Do total de moradias produzidas, apenas uma parcela

considerada insuficiente foi destinada ao mercado popular.

Na década de 70, a maior parte da população brasileira já é urbana. O

aumento das tensões sociais urbanas, sob o governo militar de exceção, enseja a

criação dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, PND I e II, no bojo do chamado

milagre econômico97, época de maior prestígio do conceito de planejamento.

Em 1979, a aprovação da Lei 6.766, que regula o parcelamento do solo se dá

em decorrência da pressão dos movimentos de moradores de loteamentos

clandestinos que a consideraram uma conquista. Todavia, dez anos após a

aplicação da Lei, com a fixação de padrões para o parcelamento e a ocupação do

solo, notou-se o intenso crescimento de favelas e o adensamento das periferias

urbanas onde se multiplicaram os vários domicílios no mesmo lote.

A década de 80 se destaca pela razoável política de redistribuição, com

grande influência na assembleia constituinte de 1986 que objetivou o resgate da

perspectiva de crescimento de toda sociedade, bem como as políticas urbanas

objetivas. Rio de janeiro e São Paulo colocam nos seus planos diretores a reforma

urbana redistributiva como elemento de planejamento.

Com a Constituição de 1988 e a reforma do Estado, o processo de

descentralização ganha base para se efetivar, sendo a primeira vez na história do

direito brasileiro que o texto constitucional trata de forma sistemática a política

97LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do Espaço Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 97

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pública de desenvolvimento urbano, num modelo jurídico de Estado atuante e

transformador da realidade social.

Segundo Gilberto Bercovici:

A Constituição de 1988, como uma “constituição dirigente”, possui certas características que diferenciam de outras constituições. Para a Teoria da Constituição Dirigente, a constituição não é só garantia do existente, mas também um programa para o futuro. A fornecer linhas de atuação para apolítica, sem substituí-la, destaca a interdependência entre Estado e sociedade: a constituição dirigente é uma Constituição estatal e social.98

Na sistemática a política pública estabelecida na Constituição de 1988, dentro

do processo de descentralização se estabelece uma redefinição de competências,

passando a ser atribuição dos Estados e Municípios a gestão dos programas

sociais, e dentre eles o de habitação, seja por iniciativa própria, seja por adesão a

algum programa proposto por outro nível de governo, seja por imposição

Constitucional.

A Constituição de 1988 resguardou o direito à moradia como direito

fundamental, no art. 6º, doze anos após sua promulgação, através da Emenda

Constitucional 26 de 2000, de 14 de fevereiro de 2000, que altera a redação do art.

6° da Constituição da República. Tal fato evidencia o processo de formação dos

direitos da cidadania e o percurso percorrido pelos direitos sociais:

No princípio, não compartilham da concepção de cidadania, porque se destinam a oferecer um mínimo capaz de aliviar a pobreza conservando o nível de desigualdade social e denotando meras tentativas esparsas. O ingresso dos direitos sociais nos contornos da cidadania acontece quando se pretende alterar o nível geral da desigualdade.99

É de se dizer que, ao resguardar como direito fundamental, passa a caber ao

Estado às atribuições constitucionais atinentes às garantias e concretização dos

direitos fundamentais e sociais, aos quais se vincula o direito à moradia.

O direito à moradia previsto como direito fundamental social, está no centro

da questão urbana, e a política pública que lhe cuida foi traçada normativamente

98 BERCOVICI, Gilberto. Os princípios estruturantes e o papel do Estado. In CARDOSO JUNIOR, José Celso (Org). A Constituição Brasileira de 1988 revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social. Brasília: IPEA, 2009,p. 272-273.99 VIEIRA, Op. Cit., p. 191.

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para garantir aos cidadãos o seu alcance mediante a atividade administrativa do

Estado.100

A elaboração de políticas públicas contendo indicadores correspondentes à

prescrição constitucional não é uma alternativa para o administrador. Trata-se de

promover o interesse público, identificado como res publica, que não está à

disposição dos administradores. Seu dever é tutelar da melhor maneira o interesse

de toda a coletividade.101

Jorge Reis Novaes explica sobre os direitos sociais na dogmática unitária102 e

abrangente dos direitos fundamentais, na base da qual há uma aproximação entre

direitos de liberdade e direitos sociais; numa vertente diversa a concepção de

direitos sociais que se estabelece em contraposição aos chamados direitos de

liberdade. O autor destaca seis conclusões sobre os direitos sociais:

a) as dimensões objetiva e subjetiva da norma de direito fundamental, das quais decorrem, respectivamente, um conjunto de deveres ao Estado e pretensões subjetivas de obter a realização daqueles; b) a qualificação de um direito como social é o resultado da elevação da dimensão principal do direito considerado como um todo, o que não esgota a totalidade de deveres e posições decorrentes de cada direito; c) os direitos sociais são dirigidos exclusivamente ao Estado, do que decorre um dever de proteção dos particulares em suas relações privadas; d) os direitos sociais são assim definidos em razão dos deveres prestacionais fáticos que impõem ao Estado. Assim, é menos a natureza do bem protegido pela norma que o tipo de dever que ela fundamenta que faz merecer a qualificação de um direito como social; e) os direitos sociais reclamam prestações normativas, chamando-se o Estado, primeiramente, a determinar, via legislação, as condições de realização das prestações fáticas decorrentes das normas de direitos sociais, pelo que estas passam a depender, em regra, daquelas e f) os direitos sociais possuem tanto uma dimensão positiva, da qual derivam direitos a que o Estado crie ou forneça prestações, quanto uma dimensão negativa, em razão da qual o Estado deve não atentar, não afetar ou nãosuprimir prestações já concedidas.103

100 MELO, Lígia. DIREITO À MORADIA NO BRASIL. Política Urbana e Acesso Por Meio da Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 114-115.101 Ibidem, p. p.116.102 O Jorge Reis Novaes estrutura o conceito de direito fundamental como um todo, reforçando os tipos de deveres decorrentes de todas as normas de direito fundamentais, sejam elas de direitos de liberdade ou de direitos sociais, a saber, o dever de respeitar, de proteger e de promover. A cada um destes deveres correspondem, igualmente, direitos positivos e negativos. Nos direitos de liberdade hápredominância do dever de respeito, os direitos sociais relacionam-se, em regra, ao dever de promoção. O dever de proteção que ambos os direitos possuem tanto uma dimensão positiva, da qual derivam direitos a que o Estado crie ou forneça prestações, quanto uma dimensão negativa, em razão da qual o Estado deve não atentar, não afetar ou não suprimir prestações já concedidas e reconhecidas pelos cidadãos. (NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Wolters Kluwer/Coimbra, 2010, p.32-38).103 Idem

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Para Willis Santiago Guerra Filho, os direitos fundamentais sociais se

consagram a partir de reclamos por Justiça Social, com exigências para que o

Estado promova uma situação mais igualitária “entre indivíduos e setores da

sociedade economicamente desnivelados.” A exigência se consagra em direitos e

determinadas prestações do Estado ao seu povo.104

Rogério Gesta Leal expõe que a atuação do Estado é imprescindível para

assegurar o gozo de todos seus direitos sociais básicos,105 cabendo ao Poder

Público empreender os esforços previstos constitucionalmente para promover o

direito à moradia.

Dos governos que seguiram tivemos o PAIH (Plano de Ação Imediata para a

Habitação), que propunha o financiamento de 245 mil habitações em 180 dias, mas

não cumpriu suas metas. Houve também a criação dos Programas Habitar Brasil e

Morar Município, que tinham como objetivo financiar a construção de moradias para

população de baixa renda, a serem construídas em regime de ajuda mútua. Todavia,

esses Programas tinham uma padronização excessiva e muitas exigências legais, o

que impedia muitos municípios de captarem os recursos disponibilizados. Ou seja,

mais uma vez a problemática tratada com pontualidade, sem trazer resultados

efetivos e de longo prazo, e principalmente, sem atingir a população

economicamente desfavorecida e excluída.

Não há que se falar somente em pontos negativos e não efetividade das

políticas públicas voltadas para habitação, pois a partir do ano 2000 este cenário no

país passou por intensas transformações.

Quase treze anos depois de promulgada a Constituição da República de

1988, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 2001) regulamentou os artigos 182 e 183

da Constituição de 1988, constituindo normas de ordem pública e de interesse social

104 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5 ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS, 2007, 180-181.105 “É em tal contexto que os direitos individuais e coletivos tomam amplitudes significativas, principalmente no âmbito formal/constitucional, alcançando toda espécie de vida no globo terrestre.Entre tais direitos garantidos nas modernas constituições estão o direito ao trabalho, à saúde, à segurança, ao meio ambiente sadio, à soberania dos povos, à educação e, no Brasil, à concretização da função social da propriedade e da cidade. De outro lado, percebe-se que a atuação do Estado é imprescindível para assegurar o gozo de todos seus direitos sociais básicos.” (LEAL, 2003. Op. cit., p.165) A função social da cidade será atendida quando satisfeitos os artigos 5º e 6º da Constituição da República de 1988: “(...) a função social da cidade é cumprida quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade (art. 5º), bem como quando garante a todos um piso vital mínimo, compreendido pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência dos desamparados, entre outros encartados no art. 6º.” (FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 261)

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e tendo como objetivo regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,

da segurança e do bem-estar dos cidadãos, assim como do equilíbrio ambiental (art.

1º, parágrafo único da lei 10.257/2001)106, a partir da fixação de diretrizes e

instrumentos gerais e participativos de planejamento urbano.

O Estatuto das Cidades dispõe sobre as estratégias e processos de

planejamento urbano107 garantindo a função social da propriedade, o planejamento

participativo nas políticas urbanas e o acesso universal à cidade.108 Destaca-se que

essa lei propõe “que a descentralização e a democratização caminhem juntas para

garantir a plena legitimidade social dos processos de planejamento urbano [...] e

gestão de cidades.”109

Sobre a questão da habitação, o Estatuto reforçou instrumentos para garantia

da função social da propriedade e da regularização fundiária, tais como imposto

sobre propriedade imobiliário urbano progressivo, desapropriação com títulos da

dívida pública, usucapião urbano, concessão especial para fins de moradia,

demarcação de zonas especiais de interesse social etc. Esta lei representa um

grande avanço na perspectiva de se enxergar de maneira globalizada e integralizada

o problema da habitação no país.

O Estatuto da Cidade trata de forma distinta a funcionalização da cidade e da

propriedade (art. 2º caput, da Lei 10.257/2001), estabelecendo como medida efetiva

da função social a regularização fundiária e a adequação da propriedade urbana

(urbanização).110

106 Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (BRASIL. Lei 10. 257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em 20 de outubro de 2015).107 FERNANDES, Edésio. Do código civil ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre atrajetória do Direito Urbanístico no Brasil. In. VALENÇA, Marcio (org.). Cidade (i)legal. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. p. 43-62.108 MORAES, Lúcia; DAYRELL, Marcelo. Direito Humano à moradia e terra urbana. Curitiba, 2008.[Cartilha].109 FERNANDES, Edésio. Op. cit. p. 44.110 Art. 2º, XIV da Lei 10.257/2001: A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação dosolo e as normas ambientais.

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A Lei 11.977, de 07 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha

Casa Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária111 de assentamentos

localizados em áreas urbanas indica o seu uso para garantir o direito social à

moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Sobre regularização fundiária Marco Aurélio Bezerra de Melo expõe que

resta-nos buscar um sentido para a expressão regularização fundiária:

Compreendida a regularização fundiária como uma das diretrizes do Estatuto da Cidade e como aspiração a ser conquistada pelo Estado Democrático de Direito, resta-nos buscar um sentido para essa expressão, pois de plano verifica-se a possibilidade de encontrar duas percepções semânticas. A primeira está ligada à regulamentação jurídica das posses e a consequente conversão das mesmas em propriedade quando o bem estiver registrado em nome de particular ou em direito real como sucede nos imóveis que integram o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público e se efetiva com a outorga da concessão especial de uso para fins de moradia ou a concessão de direito real de uso. Outra perspectiva é a de incluir na ideia de regularização fundiária também a necessidade de obras de infraestrutura básica com a implantação de equipamentos urbanos ecomunitários, conferindo dignidade às moradias.112

A política pública habitacional de regularização fundiária promove o acesso à

moradia, a ordenação da cidade, a inclusão territorial e social da população

assentada irregularmente e protege o meio ambiente. A regularização fundiária

passa a ser um dever quando, para que seja possível usufruir do direito à moradia

adequada, o Poder Público esteja obrigado a modificar as condições de ocupação

do espaço urbano.

As duas medidas legais clássicas para regularização das posses são a

usucapião para imóveis particulares e a concessão de uso para imóveis público.

Contudo, a Lei 10.257/2001redefine e detalha outros instrumentos que contribuem

para os avanços jurídico e urbanístico, a saber: o imposto sobre a propriedade

predial e territorial; a desapropriação e tombamento de imóveis; a concessão de uso

especial para fins de moradia; o parcelamento ou edificação compulsórios; o

usucapião especial e contribuição de melhoria; o direito de superfície; o direito de

111 Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.112 MELO, Marco Aurélio Bezerra. A legitimação de posse como instrumento de reconhecimento da propriedade nas favelas. Dissertação de Mestrado. Universidade Estácio de Sá. 2007. p. 103.

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preempção; e outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; a

transferência do direito de construir; as operações urbanas consorciadas; a

regularização fundiária; a assistência técnica gratuita para as comunidades e grupos

sociais menos favorecidos; as unidades de conservação e zonas especiais de

interesse social dentre outras.

O Estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei Complementar nº 131 de 06 de

novembro de 2009, que dispõe sobre medidas voltadas à regularização fundiária de

interesse social em imóveis do Estado do Rio de Janeiro e dos demais entes da

administração direta e indireta, numa demonstração da adoção da técnica de

desjudicialização da aquisição da propriedade urbana e rural.

A Lei Complementar nº 114/2012 do Estado do Rio de Janeiro alterou a Lei

Complementar nº 131/2009, para dar nova redação ao III do § 4º do art. 23 e incluiu

§ 8º ao art. 23: “A titularidade do imóvel de que trata esta Lei será concedida,

prioritariamente, à mulher integrante da família.”113

O governo do presidente Lula (2003-2010) continuou a linha de mudanças

nesse quadro com a criação do Ministério das Cidades, que passa a ser o órgão

responsável pela Política de Desenvolvimento Urbano e, dentro dela, pela Política

Setorial de Habitação. Integram o Ministério das Cidades: a Secretaria Nacional de

Habitação, a Secretaria Nacional de Programas Urbanos, a Secretaria Nacional de

Saneamento Ambiental e a Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana.

Há uma contínua ratificação de que a Política de Habitação se inscreve dentro da

concepção de desenvolvimento urbano integrado, no qual a habitação não se

restringe a casa, pois incorpora o direito à infraestrutura, saneamento ambiental,

mobilidade e transporte coletivo, equipamentos e serviços urbanos e sociais,

buscando garantir direito à cidade.

Houve a aprovação da lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, que dispõe

sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo

Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do

FNHIS. Assim, o que se observa é um grande avanço na integração do

ordenamento jurídico com os programas sociais para que estes pudessem ser

garantidos e legitimados por lei.

113 RIO DE JANEIRO. Lei Complementar nº 114, de 10 de janeiro de 2012. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/01017f90ba503d61032564fe0066ea5b/9cf10e058fa4a0298 3257a9b005ef808?OpenDocument. Acesso em: 20 de outubro de 2015.

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Recentemente, foi promulgada a Lei 12.608/2012114, que dispõe sobre as

medidas estruturais (envolvem obras de engenharia) e não estruturais, referem-se

às ações de políticas públicas voltadas ao planejamento do uso do solo e ao seu

gerenciamento.

A Lei n. 12.608/12 tem como foco as ações de prevenção sem descuidar das

ações necessárias de resposta, de socorro, assistência e recuperação. A mesma

define as competências da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, isolada e

conjuntamente. A Legislação inova ao incluir agentes políticos no rol de agentes de

Proteção e Defesa Civil e define as competências da União e dos entes federados,

estabelecendo o vínculo da responsabilidade para com as ações, em sua área de

abrangência.

Cumpre destacar que a legislação acerca dos desastres no Brasil tinha, até a

promulgação da Lei de Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei

12.608/2012), uma aptidão eminentemente de resposta aos eventos catastróficos,

sendo que, apenas após aquele diploma normativo, houve a institucionalização da

prioridade das ações de prevenção como diretriz desta politica.115

O aumento de desastres no Brasil está relacionado ao intenso processo de

urbanização que se deu no país nas últimas décadas, o que gerou o crescimento

das cidades de forma desordenada, em áreas impróprias à ocupação, além do

avanço da degradação ambiental, da intensidade do impacto dos desastres e do

aumento da vulnerabilidade humana. “Quando há um adensamento dessas áreas

por moradias precárias, os desastres associados aos escorregamentos e

114 Lei 12.608/2012: Art. 1o Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC, dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONPDEC, autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres e dá outras providências. www.integracao.gov.br/defesacivil Consulta em 16.6.2014115 Diferentemente de outras tradições jurídicas, tais como a norte americana e a europeia, que já dispõem de um sistema regulatório claro, o direito brasileiro vem formando, apenas recentemente, um marco regulatório para tratamento dos desastres. Este decorre da integração normativa entre a Lei 12.340/2010, o Dec. 7.257/2010 e, mais recentemente, a Lei 12.608/2012, todas albergadas sob a orientação constitucional prevista no art. 21, XVIII (sendo competência da União planejar e promovera defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações); art. 22, XXVIII (tratando-se de competência também da União legislar sobre defesa civil) e art. 136 (configurando os pressupostos para a declaração de Estado de Defesa, sempre que a ordem pública ou a paz social estiverem ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. (CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e a sua regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 23)

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inundações assumem proporções catastróficas causando grandes perdas

econômicas e sociais.”116

As residências construídas em locais inapropriados funcionam como

obstáculos físicos, dificultando a infiltração da água no solo, fator que favorece os

processos erosivos e as movimentações de massas. Muitas residências também se

encontram em zonas de afloramento do lençol freático, ou seja, estão assentadas

em áreas naturalmente inundáveis.

Além dos eventos naturais serem um fator desencadeador dos desastres, as

ações do homem sobre a natureza colaboram para a intensificação dessas

tragédias. “O acelerado crescimento urbano das últimas décadas se deu de forma

desordenada, aumentando as situações de perigo e de risco a desastres naturais117,

por isso desastres são classificados quanto a sua origem ou causa primária do

agente causador.”118

No ano de 2011, ocorreram eventos de desastres que acarretaram a maior

catástrofe natural do Brasil: com 2370 municípios afetados; 1094 óbitos (eventos de

desastres que causaram maior número de óbitos: enxurradas, deslizamentos e

inundações) e o número total de 12.535.401 (doze milhões, quinhentos e trinta e

cinco mil e quatrocentos e um) de pessoas afetadas pelos eventos de desastres.

A catástrofe ocorrida em 2011 demonstra as falhas na prevenção de eventos

naturais no Brasil, pois levantamentos dos anos anteriores comprovavam a

ocorrência de casos de óbitos, por exemplo, em razão do evento natural

escorregamento, no período de 1988 a 2008, chegando a 1.861 (mil oitocentos e

sessenta e um) óbitos no total. Acresce a isso, a previsibilidade dos eventos

naturais, pois os meios de comunicação de massa há muito tempo noticiam

catástrofes decorrentes de significativo contingente populacional, precipuamente

caracterizado por pessoas que residem em áreas sem qualquer segurança ou

condições mínimas de salubridade.

O desequilíbrio entre as políticas públicas de prevenção e resposta de

urgência tem como uma das explicações o fato que as ações de redução de riscos

116 http://www.igeologico.sp.gov.br/downloads/livros/DesastresNaturais.pdf117 Desastre natural é um fenômeno natural de grande intensidade, agravado ou não pela atividade humana, como por exemplo: chuvas intensas que provocam inundações, escorregamentos e fortes ventos que formam vendavais, tornados e furacões.118 TOMINAGA, L.K.; SANTORO,J; AMARAL,R.A. Desastres naturais: conhecer para prevenir.São Paulo : Instituto Geológico,2009.

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não oferecem a mesma visibilidade em relação aos programas de atendimentos

emergenciais, os quais normalmente têm grande exposição na mídia.

A adoção da sistemática voltada para as postulações do mercado impõem às

vítimas dos desastres, já privadas de seus bens, muitas vezes com a perda de vida

de familiar e a sobrecarga para aquisição dos bens essenciais para sobrevivência.

Nos locais atingidos por desastres um fato que se observa são os aumentos

de forma exorbitante dos preços dos produtos e serviços. São exemplos das práticas

comuns no pós-desastre: os aumentos dos valores dos aluguéis dos imóveis e dos

produtos, por exemplo, os preços da água e itens da cesta básica.

Este fenômeno de estabelecer preços abusivos após o acontecimento de

desastre foi estudado por Michael J. Sandel, após o furacão Charley119 que atingiu a

Flórida e Carolina do Sul, nos Estados Unidos, no ano de 2004, causando a morte

de 22 (vinte e duas) pessoas e prejuízos de 11 (onze) bilhões de dólares. Foram

colhidos depoimentos dos envolvidos no desastre, destacando-se:

Um morador, ao saber que deveria pagar 10.500 dólares para remover uma árvore que caíra em seu trabalho, disse que era errado que as pessoas tentassem capitalizar à custa das dificuldades e da miséria dos outros.(...)Chalie Crist, procurador-geral do estado, concordou: “Estou impressionado com o nível de ganância que alguns certamente têm na alma ao se aproveitar de outros que sofrem em consequência de um furacão.(...)Thomas Soweel, economista partidário do livre mercado explicou: Não há nada de injusto nesses preços, eles simplesmente refletem o valor que compradores e vendedores resolvem atribuir às coisas quando as compram e vendem.(...)Jeff Jacoby, comentarista econômico que escreve para o Boston Globe: Não é extorsão cobrar o que o mercado pode suportar. Não é ganância nemfalta de pudor. É assim que mercadorias e serviços são fornecidos em uma sociedade livre.120

Eis, portanto, a constatação de que mesmo os perigos naturais que expõem a

riscos, igualmente todas as pessoas, atingem os mais desfavorecidos, pois vivem

em áreas mais densamente povoadas e em terrenos de maior suscetibilidade aos

perigos.

119 O Centro Nacional de furacões (NHC) localizado na Flórida, informou que o furacão Charley atingiu a categoria 4 na escala Saffir-Simpson, que vai até 5. Isso faz de Charley um violento furacão e o mais forte a atingir a costa oeste da Flórida nos últimos 80 anos. http://www.apolo11.com/temporada_2004_bonnie_charley.php120 SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. Trad. Heloisa Matias e Maria AliceMáximo. 16ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p.11-13.

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Observa-se que a sistemática estruturada não contribui para o

reconhecimento do argumento moral da situação das vítimas dos desastres, posto

que se prioriza reestabelecer a situação a quo, sem que nada substancial seja feito

para prevenir futuros eventos danosos, visando poupar gastos futuros associados a:

lesões e mortes, problemas em serviços e perdas em produtividade. Não há

incentivo às atitudes necessárias para estruturação de uma boa sociedade, ou seja,

não se estabelecem discussões sobre as questões de natureza moral.

O que não se pode admitir são os gestores públicos se colocarem na posição

de vítima ou similar. Numa metáfora, a crise financeira de 2008 e 2009, que causou

a falência de várias companhias nos Estados Unidos, na qual um executivo para

explicar merecer receber o bônus custeado pelos contribuintes americanos, em

entrevista ao jornal New York Times, declarou: “Eu simplesmente não consegui

pensar em nada (...) que pudesse modificar a situação que enfrentávamos.”121 O

povo americano, típica sociedade impulsionada pelo mercado, voltou-se contra a

recompensa à incompetência dos executivos com os pagamentos dos bônus.

No caso da sociedade brasileira, o que se verifica são desvios dos valores

direcionados para custear as situações de calamidade pública que se estabelecem

com os desastres. Tal fato representa o defeito moral da ganância, o que gera no

povo a compreensível insatisfação com os gestores públicos. É preciso que os

poderes concedidos pela sociedade sirva para “frear a agressividade e o egoísmo

íncitos do homem, bem como para garantir a segurança e o bem-estar de todos.”122

Os políticos contemporâneos invocando uma concepção individualista de

liberdade, ou como chamou Michael J. Sandel – “individualista moral”123 – não

assumem a responsabilidade coletiva, para arcar com as consequências morais das

injustiças históricas, especificamente, sobre as políticas públicas do direito à

moradia.

121 Alan Schwartz, ex-diretor executivo da Bear Stearns, citado em William D. Cohen, “A Tsunami of Execuses”, New York Times, 12 de março de 2009. In SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 41.122 BARRETTO, 2009, Op. Cit, p. 287.123 “(...) A doutrina do individualista moral não presume que o indivíduo seja egoísta. Na verdade, é uma declaração sobre o que significa ser livre. Para o individualista moral, ser livre é submeter-seapenas às obrigações assumidas voluntariamente; seja o que for que se deva a alguém, deve-se em virtude de alguma ato de consentimento – uma escolha, uma promessa ou um acordo que se tenha feito, seja ele tácito ou explícito. (...) A origem das únicas obrigações morais a que devemos obedecer é a livre escolha de cada indivíduo, e não o hábito, a tradição ou a condição que herdamos.” (SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 264)

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Em pesquisa realizada em 2007, pela Fundação João Pinheiro, estimou-se

que, só no Brasil, o déficit habitacional chegava a oito milhões, com maior

concentração nas regiões sudeste e nordeste do país, superando os 70% do total.124

No Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos: Como o governo

Lula pretende resolver o problema da habitação?, os pesquisadores Pedro Fiori

Arantes e Mariana Fix, concluíram:

Não há nada no pacote, por exemplo, que estimule a ocupação de imóveis construídos vagos (que totalizam 6 milhões de unidades, ou 83% do déficit), colaborando assim para o cumprimento da função social da propriedade. A existência desse imenso estoque de edificações vazias é mais um peso para toda a sociedade, pois são em sua maioria unidades habitacionais providas de infraestrutura urbana completa, muitas delas inadimplentes emrelação a impostos.125

O indiano Miloon Kothari, Relator Especial expôs sobre o que é moradia

adequada como componente do direito a um padrão de vida adequado, Missão

Brasil (29 de maio-13 junho 2004). Nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da

ONU, nas suas conclusões e recomendações, asseverou: Item (D) - Urgente

atenção deve ser dada às pessoas que vivem em habitações inadequadas para

condições de vida, incluindo os sem-teto, moradores de favelas e as famílias que

vivem em acampamentos rurais.

Em junho de 2008, foi nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU

para avaliar a situação do direito à moradia nos países membros, a professora da

FAU-USP Raquel Rolnik126, na sua página pessoal na internet, expôs:

O que é moradia adequada?(...) No Brasil, como em outros países do mundo, as políticas habitacionais sempre foram mais focalizadas em produção de casas e muito pouco em produção de cidade para acolher essas casas. O resultado é a situação histórica da moradia popular no Brasil. Quando ela não foi autoconstruída pelos próprios moradores em bairros irregulares e ocupações, mas foi promovida pelo poder público, ela sempre se deu longe da cidade, em periferias desqualificadas, sem acesso a emprego e a condições que permitam o desenvolvimento humano desses moradores. Por isso podemos chamar boa parte desses conjuntos de verdadeiras favelas, ou refavelas,

124 FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit Habitacional no Brasil. Disponível em: www.fjp.gov.br125 http://www.social.org.br/relatorio2007.pdf126 A brasileira Raquel Rolnik teve seu mandato renovado em 2010, continuando sua atuação como Relatora Especial da ONU sobre Moradia Adequada como Componente do Direito a uma Condição de Vida Adequada e para Não Discriminação nesse Contexto.(http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Anu%C3%A1rioBrasilnaONU_2010_2011.pdf)

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porque apesar de serem feitas com material permanente, do ponto de vista formal, elas não atendem essas condições básicas de moradia.A política habitacional brasileiraNão há a menor dúvida que inúmeros avanços acontecerem no Brasil na discussão da política habitacional. Podemos, por exemplo, examinar o caso do reconhecimento dos direitos da população que ocupou irregularmente áreas das cidades, por absoluta falta de alternativas. Estou falando dos favelados, dos moradores de invasões, ocupações, loteamentos irregulares e clandestinos, que pelo menos desde a Constituição brasileira de 1988 viram reconhecido o direito de ter sua condição regularizada e reconhecida. As políticas habitacionais no país pouco a pouco transitaram de uma posição de remoção total das favelas para uma posição, a meu ver muito mais correta e respeitadora do direito à moradia, que é a urbanização e a regularização urbanística, ambiental, administrativa e patrimonial das favelas. Esse marco foi avançando no país através de nosso marco legal regulatório, mas também através das políticas concretas, que nos últimos anos recebeu um aumento muito substancial de recursos por parte do governo federal por meio do PAC, especialmente do PAC das favelas e do PAC do saneamento.“Minha casa, minha vida”O programa “Minha casa, minha vida”, que incorpora o tema da habitação de baixa renda na agenda prioritária do governo e destina uma grande quantidade de recursos, inclusive sob a forma de subsídios, para que sejam produzidas casas para a população de zero a três salários mínimos, que é a faixa de renda da população onde o déficit habitacional se concentra hoje no pais – mais de 90 % do déficit está nessa faixa – é um enorme avanço.Entretanto, ao se pensar esse programa a questão da inserção urbana dessas casas foi absolutamente negligenciada. Agora esperamos a votação da Medida Provisória 459, que acompanhou o pacote, para a qual foram apresentadas várias emendas de parlamentares procurando adequar o programa a uma necessidade de produção de moradia em áreas mais consolidadas. Esperamos que isso agora seja incorporado ao país. (grifonosso)127

Entre janeiro de 2010 e dezembro de 2011, sete relatores especiais

apresentaram relatórios contendo denúncias recebidas de violações no Brasil. São

eles: relatórios especiais sobre moradia adequada, defensores de direitos humanos,

liberdade de opinião e expressão, povos indígenas, execuções extrajudiciais, direito

à saúde e tortura.128

No desenvolvimento de suas atividades, os relatores especiais receberam

denúncias de violações de direitos humanos sobre moradia inadequada, tendo-se

comunicado com o governo brasileiro para que prestasse mais informações. No

caso da denúncia abaixo, não houve resposta do governo brasileiro até a publicação

do relatório contendo a descrição do caso:

Desapropriações forçadas em Curitiba, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo Carta de alegações - Relatora Especial sobre Moradia Adequada A Relatora

127 http://raquelrolnik.wordpress.com128 http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Anu%C3%A1rioBrasilnaONU_2010_2011.pdf

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Especial enviou uma carta de alegações ao governo, no dia 14 de agosto de 2009, a respeito de despejos forçados em áreas de Curitiba, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. Na primeira cidade, mil famílias foram despejadas à força de uma área privada urbana, seguindo uma ordem judicial, em outubro de 2008. A expulsão teria sido feita de forma violenta, com mil policiais militares utilizando bombas e balas de borracha. Dias depois, foi preenchida uma liminar no tribunal local para despejar as famílias que permaneciam na calçada. Não houve oferecimento de moradia alternativa adequada. Em Goiânia, quatro mil famílias teriam sido despejadas de forma forçada de um assentamento em fevereiro de 2005. Duas pessoas teriam sido mortas a tiros, centenas ficaram feridas e 800 foram presas. O governo estadual alojou as famílias em outro local, mas sem instalações públicas, acesso a serviços e de localização distante de seus empregos. No Rio de Janeiro, o governo decidiu construir muros em volta das favelas para limitar seu crescimento descontrolado, provocando o deslocamento de centenas defamílias.129 Em São Paulo, são inúmeros casos relatados. As reformas urbanas levariam ao deslocamento de centenas de moradores urbanos pobres para as periferias. A maioria dos despejos foi feita seguindo ordensjudiciais, ações de reintegração de posse e disputas e/ou demandas de propriedade. Em poucos casos apresentados, as famílias teriam recebido compensações em dinheiro, e em quase todos não lhes foram oferecidas soluções ou moradias alternativas adequadas. (Comunicado enviado pelaONG Justiça Global).130

No Brasil o fenômeno das ocupações urbanas congrega fatores como: déficit

habitacional e o elevado preço das moradias (tanto para compra quanto para o

aluguel) resultam em elevado número de pessoas que vivem nessas ocupações. A

forma de regulação da propriedade privada urbana e a ação limitada do poder

público para tornar efetivo novo paradigma jurídico revelam que a função social da

propriedade ainda não é considerada fonte de mudança e de justiça social, a partir

da ordem jurídica. O Estado – notadamente no contexto brasileiro - ao invés de

buscar formas de efetivar a segurança da posse, é responsável pela expulsão dos

moradores da ocupação, disponibilizando o aparato policial necessário para o

cumprimento de decisões judiciais de despejo.131

129 Em recente reportagem publicada no Jornal O Globo, foram constatados os seguintes fatos: “(...) Em 2009, o então governador Sérgio Cabral anunciou um plano para cercar com muros 12 favelas atendidas por Unidades de Polícias Pacificadora (UPPs). No entanto, o projeto seguiu os mesmos passos do programa Ecolimites, da prefeitura, e o investimento previsto de R$ 40 milhões foi executado apenas parcialmente pela Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop): no Morro Dona Marta, em Botafogo, e na Rocinha, onde o muro acabou sendo substituído por um parque ecológico. (...) Em nota, a Emop não explicou porque o projeto dos muros foi abandonado.” (OUCHANA, Giselle; MAGALHÃES, Luiz Ernesto; SCHMIDT, Selma: Projeto do estado de erguer muros em 12 favelas empacou. O Globo, Rio de Janeiro, 06 de maio de 2015, Rio, p. 11.)130 Direitos Humanos: O Brasil na ONU, anuário 2010/2011 http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Anu%C3%A1rioBrasilnaONU_2010_2011.pdf131 DIAS, Maria Tereza Fonseca; CALIXTO, Juliano dos Santos. A efetividade do direito à moradia adequada a partir da segurança na posse no direito internacional e no direito brasileiro. In XXIVCONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI -UFMG/FUMEC/DOM HELDER CÂMARA, 2015,Florianópolis, Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. Direito urbanístico, 2015, Belo Horizonte, MG, p.229-249. Disponível em:

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No ano de 2012, o Programa das Nações Unidas para os assentamentos

humanos (ONU-Habitat) divulgou relatório abordando os rumos da transição urbana

na América Latina e Caribe, com destaque para os temas como o desenvolvimento

econômico e justiça social, serviços públicos básicos, meio ambiente e

governabilidade urbana, entre outros. No Capítulo 3 o relatório analisa a questão da

“Moradia, espaços públicos e convivência”, concluindo que nos últimos vinte anos

houve avanço em termos qualitativos e quantitativos na questão habitacional da

região analisada. No entanto, aponta que ainda persistem várias deficiências que

impedem a existência de moradia adequada para todos, considerando três aspectos:

o primeiro, a quantidade de moradias existentes (ou estoque habitacional); o

segundo, a quantidade de moradias que faltam em função das existentes (déficit

habitacional) e o terceiro, a quantidade de moradias que não cumprem os requisitos

mínimos que permitam uma vida digna (déficit qualitativo)..132

As iniciativas do Estado no século XX não foram suficientes para amenizar a

crise habitacional, pois persistiam os mesmos fatores que ensejaram a crise,

somados a outros fatores: “baixos salários dos trabalhadores; o crescimento

desenfreado e desestruturado das cidades; a péssima estrutura das habitações e

exploração imobiliária, uma vez que o objetivo de tal segmento era essencialmente

auferir lucro, construindo casas precárias, com material barato e de qualidade

duvidosa.”133

É inegável os resultados até agora produzidos pelo Programa Minha Casa,

Minha Vida, no âmbito nacional, haja vista que já beneficiou mais de 1 milhão de

brasileiros com renda mínima não superior a três salários mínimos. E não há dúvida,

de que ter o imóvel próprio é um desejo que todo cidadão nutre para ter condições

mínimas dignas de subsistência. Porém, em termos de gestão e implantação

municipal do programa, muitos entraves precisam ser vencidos, principalmente no

que tange ao baixo número de beneficiados e qualidade dos imóveis construídos,

para que a política pública de habitação não seja apropriada para uso eleitoreiro e

assistencialista.

http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/mq42p84j/z5k981ao3FrsqMfe.pdf Acesso em: janeiro 2016.132 ONU-HABITAT. Programa de las Naciones Unidas para los Asentamientos Humanos. Estado delas ciudades de América Latina y el Caribe 2012: Rumbo a una nueva transición urbana, 2012 . Disponívelem< http://www.onuhabitat.org/index.php?option=com_ docman&task=cat_view&gid=362&Itemid=18 >. Acesso em: janeiro de 2016.133 CARLI, Ana Alice de. Bem de Família do Fiador e o Direito Humano Fundamental à Moradia.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 14.

Page 63: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

O texto constitucional consagra a dignidade humana como princípio

estruturante de nosso sistema jurídico – apresentado, assim, como fundamento do

nosso Estado Democrático de Direito, no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988,

contudo, são poucos os cidadãos que desfrutam do direito à vida segura e vivem em

habitações dignas. Ressalta-se que a habitação digna é uma das prioridades que a

União definiu para a realização de programas e políticas de desenvolvimento

urbano. A nossa Carta Magna também define como competência de todos os entes

da Federação a promoção de programas de construção de moradias e de melhoria

das condições habitacionais e de saneamento básico (CF, art. 23, IX).

Para assegurar a universalização dos direitos humanos, através da execução

de políticas públicas de habitação, faz-se necessário conceber o direito à moradia

muito mais do que ter somente uma casa. A realização dos direitos humanos dessa

área deve respeitar e garantir o acesso a direitos sociais e viabilizar um

desenvolvimento urbano saudável e planejado.

Os direitos humanos, no seu contexto mais simples e abstrato, porém intenso

que é o “direito de ter direitos”, abrangendo não somente às proteções inerentes ao

ser humano e ao seu “direito de ser gente”, sustentam-se na percepção de que

somos iguais em nossa integralidade e em nossos direitos, e somos diferentes em

nossas singularidades. Portanto, o valor da equidade – tanto como princípio e

processo de compreensão e tratamento da pluralidade, quanto princípio e processo

de enfrentamento e desconstrução das desigualdades – precisa ser considerado

pelas políticas públicas em nosso país.

Conforme preconiza o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

(2006) “uma concepção contemporânea de direitos humanos incorpora os conceitos

de cidadania democrática, cidadania ativa e cidadania planetária, por sua vez

inspiradas em valores humanistas e embasadas nos princípios da liberdade, da

igualdade e da equidade e da diversidade”.134

Para romper com as desigualdades sociais que marcam as condições de vida

dos grupos historicamente excluídos, sobretudo aqueles que não têm moradia, e

que são pertencentes às camadas mais desfavorecidas economicamente, é

necessário reconhecer a pluralidade que marca a sociedade brasileira em suas

134 Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Direitos Humanos. Secretaria Especial dos Direitos Humanos / Presidência da República. Ministério da Educação. Ministério da Justiça. Disponível em: portal.mec.gov.br/component/docman/?task=doc_download&gid. Acesso em 14 de junho de 2015.

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diversas dimensões – étnico-racial, de gênero, classe social, região, cultura, religião,

orientação sexual, identidade de gênero, geração e deficiência – sem perder de vista

suas particularidades. Apreender tais dimensões é requisito incontornável para a

construção dos direitos humanos e de uma efetiva política de habitação.

Luana Motta aduz:

A questão da habitação pode ser considerada, na atualidade, um dos principais problemas sociais urbanos do Brasil. Numa perspectiva que concebe o problema da moradia integrado à questão do direito à cidade, é possível perceber que as reivindicações em relação à habitação emergem sob várias facetas: solução para os graves problemas de infraestrutura (saneamento, asfaltamento, etc.), construção de moradias para atender ao número alarmante de famílias sem casa própria e questionamento dasobras de urbanização em áreas periféricas e favelas.135

Atribuir eficácia aos direitos sociais depende de um conjunto de fatores, que

se relacionam e se interligam. Nas palavras de Vicente de Paulo Barretto:

[...] os direitos sociais encontram fundamento ético na exigência de justiça, na medida em que são essenciais para a promoção da dignidade da pessoa humana e indispensáveis para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Esse regime, fundado sobre o princípio democrático, pretende assegurar a inclusão social, o que pressupõe participação popular e exercício dos direitos de cidadania. A cidadania, em seu conceito jurídico clássico, estabelece um vínculo jurídico entre o cidadão e o Estado. Esse vínculo, entretanto, no quadro do Estado Democrático de Direito torna-se mais abrangente, o cidadão é aquele que goza e detém direitos civis (liberdades individuais) e políticos (participação política), mas tambémdireitos sociais (trabalho, educação, habitação, saúde e prestações sociais em tempo de vulnerabilidade).136

Não há que se olvidar que o controle judicial das atividades da Administração

Pública é um pressuposto básico para a concretização do conjunto valorativo

expresso no texto constitucional. O Poder Judiciário deve intervir – em razão da

inércia do Estado no sentido de exigir a definição das políticas essenciais, uma vez

135 MOTTA, Luana Dias. A questão da habitação no Brasil: políticas públicas, conflitos urbanos e o direito à Cidade.[2011]. Disponível em:<http:/conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/geral/anexos/txt_analitico/MOTTA_Luana_A_questao_da_ha bitacao_no_Brasil.pdf>. Acesso em: 21 out. 2013.136 BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional e internacionalcomparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 133-134.

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que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o

de justificá-los, mas sim o de protegê-los.”137

Daniella Dias explicita:

Dotar de efetividade os direitos sociais, com destaque para a moradia digna e todos os valores subjacentes à expressão, pressupõe o necessário controle judicial, dadas as omissões da Administração Pública para implementar políticas públicas que possibilitem condições de vida sadia, com segurança e infraestrutura básica, como suprimento de água e saneamento básico.138

Para Ingo Wolfgang Sarlet:

(...) sem um lugar adequado para proteger a si próprio e a sua família contra as intempéries, sem um local para gozar de sua intimidade e privacidade, enfim, de um espaço essencial para viver com um mínimo de saúde e bem estar, certamente a pessoa não terá assegurada a sua dignidade, aliás, a depender das circunstâncias, por vezes não terá sequer assegurado odireito à própria existência física, e, portanto, o seu direito à vida.139

Verifica-se que a ausência de planejamento e a amplitude das questões

sociais, acrescido, ainda, da própria dinâmica do Poder Público dificultam que se

encontrem as respostas aos problemas que assolam a sociedade.

Acolhendo as palavras de Lígia Melo:

Numa sociedade com índices de desigualdade extremamente elevados, questões aparentemente universais como a habitação não são facilmente resolúveis. Tal situação reflete, histórica e estruturalmente, a dificuldade em solucionar aquilo que foi definido pela formação socioeconômica capitalista,com a concentração de riquezas e de poder nas mãos de minorias ricas e aumento da pobreza, essencialmente, urbana.140

Para efetividade do direito fundamental à moradia, não mais é suficiente

apregoar a necessidade de vontade política. Nesse intuito, a medida mais fecunda

para levar a efeito a obrigação do Estado a respeito do tema é a definição de política

137 BOBBIO, Noberto. A Era dos direitos. Tradução: Regina Lira. 2°Tiragem. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 24.138 DIAS, Daniela. O Direito à moradia digna e a eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais.Ministério Público do Estado do RS. Porto Alegre – RS: Revista Eletrônica do CEAF. Vol. 1, n.1, out.2011/jan. 2012.139 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2006, 42-62.140 MELO, Lígia. Op. Cit., p. 119.

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pública, que garanta a todos uma moradia compatível com o princípio da dignidade

humana.

Tal medida do Estado não deve ter um caráter efêmero, mas conceber uma

condição que represente um fim em si mesmo141, ou seja, que represente a relação

da moralidade e da autonomia da vontade que Kant descreveu como necessárias

para que se estabeleça uma legislação universal por meio de suas máximas. “Ora, a

moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si

mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador do reino dos fins.”142

Como se verificou ao longo desse capítulo, as políticas públicas se tornaram

uma categoria de interesse do direito na década de 80 do século passado, sendo

identificados problemas no âmbito do direito à moradia desde o fim do século XIX. A

diversidade da realidade social demonstra que a definição das políticas

públicas, para tratar as questões do direito à moradia exige dos gestores públicos a

observância da realidade local. Indaga-se: de que forma poderia se apresentar uma

solução diferente para resolver a questão das políticas públicas do direito à

moradia? Uma das alternativas pode ser a utilização da democracia participativa.

Mas, esse estudo merece um capítulo próprio que será tratado no capítulo seguinte.

141 “O que poderia ter um valor absoluto, como um fim em si mesmo? A resposta de Kant: a humanidade. “Eu digo que o homem, e em geral todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, e não meramente como um meio que possa ser usado de forma arbitrária por essa ou aquela vontade.” Essa é a diferença fundamental, lembra-nos Kant, entre pessoas e coisas. Pessoas são seres racionais. Não têm apenas valor relativo: têm muito mais, têm valor absoluto, um valor intrínseco. Ou seja, os seres racionais têm dignidade.” (SANDEL, 2014, Op. Cit., p. 154)142KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2005, p.65.

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2. TEORIAS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Este capítulo tem por objetivo estudar as teorias sobre a democracia

participativa, conhecendo suas origens, evolução e aplicação nos estudos

contemporâneos.

Nesse capítulo, a pesquisa realizada foi dividida em quatro itens, sendo que

no primeiro deles se estuda as teorias da democracia participativa privilegiando a

análise do Estado sob o viés das relações de poder da sociedade.

No segundo item, o estudo é voltado para as principais considerações sobre a

feição do construtivismo Kantiano no estado democrático de direito e uma análise

comparativa do construtivismo político da justiça como equidade. Amparado numa

concepção construtivista Kantiana, John Rawls propõe um modelo de escolhas

políticas para uma sociedade liberal e democrática.

No terceiro item, analisa-se da teoria da justiça como equidade estruturada

por John Rawls, que representa uma alternativa ao modelo utilitarista e ao modelo

fundado na virtude, sendo estruturado sob três diretrizes: a posição original; a

sociedade bem ordenada e o equilíbrio reflexivo, que demonstra o pragmatismo

próprio do espírito americano “(...) fator determinante da mentalidade que dissolve o

conceito tradicional do Estado e, também, do direito, no sentido de dirigir os seus

estudos para as transformações e exercício do poder.”143

No quarto item, estuda-se o ideal de justiça na sociedade bem ordenada

proposto por John Rawls, no qual há uma cooperação social para definição das

instituições sociais necessárias para estruturar uma sociedade democrática.

2.1 As teorias da democracia participativa

A democracia é o regime político baseado na soberania popular e na

distribuição equitativa do poder, ou seja, justo tratamento igual para todos e

soberania da vontade da maioria.

143 BARRETTO, 2009, Op. cit., p.287.

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A palavra democracia etimologicamente oriunda do grego, composta de

demo, povo, e Kratos, força, poder.

Seja na democracia antiga (democracia direta da Grécia) ou na moderna

(democracia representativa), o voto representa o mecanismo de se externar a

vontade da maioria para decidir ou quem vai representá-los no ato de decidir.

O regime democrático se caracteriza por permitir a livre formulação das

preferências políticas, constituído em sistemas de democracias direta, indireta e

participativa.

No sistema democrático participativo, no qual, “não obstante ser um sistema

cuja base decisória de poder se dá por via oblíqua (indireta), isso não significa que

os cidadãos não possam também exercer diretamente, em certas circunstâncias, e,

por instrumentos decisórios conjugados ou diretos, os poderes governamentais.”144

A forma de articulação entre democracia representativa e democracia participativa é

muito promissora na defesa dos interesses dos grupos mais vulneráveis

socialmente.

A democracia participativa consiste em ampliar o controle da sociedade civil

sob a administração pública, reservando aos cidadãos participações nas discussões

sobre assuntos importantes para a coletividade.

Na Grécia antiga, no século 347 a.c, para Aristóteles “a cidade é

verdadeiramente natural do homem, por ser o horizonte no interior do qual ele

busca, encontra e realiza os bens que lhes são próprios.”145

Apesar de o nome de polis (cidade-estado grega), naturalmente associado

com a política “era mais do que um Estado porque era também, além e acima disto,

uma crença religiosa e uma concepção ética: porque também envolvia a economia,

visando a produção e o comércio: porque, somando-se a tudo isto, era uma

associação cultural para a busca comum da beleza e da verdade.”146

Nas cidades-estados gregas prevalecia a ideia de que o povo deveria

governar para o povo, ou seja, não havia representantes do povo, mas sim uma

atuação direta do povo através de assembleia popular.

Indispensável dizer que na Grécia antiga a expressão cidadão indicava

144 BARRETTO, 2009, Op. cit., p. 287.145 PERINE, Marcelo. Quatro lições sobre a ética de Aristóteles. São Paulo: Edições Lyola. 2006. p. 84.146 BARKER, Ernest. Principles of Social & Political Theory. Oxford, Clarendon, 1951. p. 5-7 apudAZEVEDO, Plauto de Faraco de. Justiça distributiva e aplicação do direito. Porto Alegre: Fabris, 1983. p. 21.

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apenas o membro ativo da sociedade política, ou seja, aquele que podia participar

das decisões políticas. Havia, ainda, na polis os homens livres não dotados de

direitos políticos e os escravos.

O pensamento aristotélico na discussão sobre a origem da sociedade natural

é determinante, sobretudo por ser o discurso mais antigo da afirmação de que o

homem é um ser político por natureza. Neste contexto deve ser entendida a

afirmativa de que o homem é um “animal político.”

O associativismo natural exige do homem racionalidade na hora de adotar

decisões, tendo evidência sobre o fim de sua ação e, a partir desse fim, sobre o bem

que deve ser realizado em circunstâncias particulares. Assim, o homem racional

será capaz de decidir a partir da concepção do bem geral para concluir sobre o que

é imediatamente melhor na circunstância particular.

O homem tem de aprender a ser o princípio de suas ações, a decidir de

maneira razoável, ou seja, tem de aprender a encontrar o justo meio e, sobretudo,

tem de aprender a ser justo, porque a justiça é o fundamento da cidade.147

Observa-se que viver bem aristotelicamente é viver de acordo com a ética,

nas virtudes, ou seja, com o bom desenvolvimento do espírito racional. Para que

haja equilíbrio (justo meio) é preciso que a razão dirija as decisões do cotidiano

dominando as paixões e criando bons hábitos. Ciente de que a virtude não se

encontra nos homens e o justo meio se encontra naquela parte da alma na qual o

excesso e a falta são possíveis, é preciso que o homem crie o hábito de ser virtuoso.

No que tange a democracia Aristóteles descreve a liberdade como princípio básico.

A liberdade, segundo o filósofo, somente pode ser desfrutada na

democracia. Para que a liberdade seja justa é preciso ser garantido a todos o direito

de governar se ser governado alternativamente, pois o conceito popular de justiça é

a observância do princípio da maioria, e não do mérito, e se este é o conceito de

justiça dominante, a maioria deve ser necessariamente soberana.

Aduz que “são características comuns às democracias, mas a democracia e o

poder popular em sua plenitude fundamenta-se no princípio reconhecido de justiça

democrática, isto é que todos sejam iguais segundo o principio da maioria

puramente numérica.”148

147 PERINE, Op. cit., p. 85.148 ARISTOTELES. Política. Tradução de Mário da Gama Kury. 3ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 205.

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Observa-se que o princípio da igualdade é basilar na democracia para que

haja justiça. A igualdade aqui tratada importa na participação de todos,

alternativamente, nas funções do governo.

O período medieval, que corresponde o período histórico entre o final dos

séculos IV-V até o Renascimento e o início do pensamento moderno (final dos

séculos XV-XVI), foi conhecido como um período de obscurantismo e marcado pelo

atraso econômico e político do feudalismo, das guerras religiosas e pelo monopólio

irrestrito da Igreja nos campos da educação e cultura.

Nesse período identificamos duas fases distintas do ponto de vista filosófico e

cultural:

A primeira corresponde ao período que se segue à queda do Império Romano (sec. V) praticamente até os secs. IX-X, quando a situação política e econômica começa a se estabilizar. A fase final (secs. XI-XV) equivale ao desenvolvimento da escolástica e à grande produção filosófica que se dá com a criação das universidades (sec. XIII), até a crise do pensamentoescolástico e o surgimento do humanismo renascentista (sec. XV-XVI).149

Na primeira fase do período medieval, o pensamento de Santo Agostinho

(354-430 d.c) abre caminho para o desenvolvimento da filosofia medieval e

aproxima-se do pensamento platônico, fundado na ideia do Estado ideal cujas leis e

organização reflitam a composição e a figura do homem justo, produz a grande obra

filosófica desde a antiguidade: “comentários aos livros do Antigo e do Novo

Testamento” são os principais pontos de partida da tradição exegética e

hermenêutica ocidental.150 Sua influência foi decisiva na elaboração e consolidação

da filosofia cristã na Idade Média, até a redescoberta do pensamento Aristotélico no

século XIII.

Santo Agostinho na obra “A cidade de Deus” propunha a obediência aos

ditames da lei promulgados pelo Estado, desde que ela não contrariasse a lei divina.

149 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 103.150 A concepção de história de Santo Agostinho e sua teoria da natureza humana e da iluminaçãodivina foram fundamentais para a consolidação da Igreja nesse período e na Idade Média, dada a importância e influência como teólogo e filósofo. Permitiram, por exemplo, que a igreja se preocupasse mais em converter os bárbaros pagãos, afinal dotados da mesma natureza humana, do que em simplesmente combate-los, já que não havia condições de derrotá-los pelas armas. Tornaram possível assim a cristianização da Europa ocidental naquele momento de profundas mudanças. Além disso, sua concepção de que a Igreja guarda na Terra as chaves da cidade de Deus foi uma das base da doutrina da supremacia do poder espiritual sobre o temporal na Idade Média. (Ibidem, p. 103)

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O Estado existe por causa do homem, e não o homem por causa do Estado.

Quanto à Justiça Santo Agostinho explicitava ser aquela disposição de ânimo

que tendo em vista o interesse comum, atribui a cada um o próprio valor.

Na segunda fase do período medieval se dá o desenvolvimento da

escolástica151, sob a influência árabe na formação da tradição filosófica ocidental,

sobretudo na reintrodução do pensamento Aristotélico com São Tomás de Aquino

(1224-1274), frade dominicano com sua carreira profundamente ligada às

universidades da época, sobretudo à de Paris.

Na sua obra “Suma Teológica” São Tomás de Aquino expõe seu pensamento

sobre o Direito, em que o ponto de partida é a sua ontologia sobre o homem.

Disserta que o homem é o único animal racional e político, por ser social por

natureza, vive dentro de uma sociedade. A obrigação do homem é organizar a

sociedade e buscar o bem comum.152

O Estado é uma unidade de ordem que tem um objetivo próprio, o bem

comum. A autoridade do Estado é um preposto ou representante do povo, e tem

poderes para realizar os objetivos do bem comum. O bem comum só poderá ser

alcançado pela ação da comunidade. A necessidade do bem comum, para

realização da natureza humana, é o que funda o Estado, que resulta das exigências

da própria natureza humana e não de um Pacto ou Contrato Social.

São Tomás de Aquino conhece todas as formas clássicas de governo

proposta por Aristóteles. Não esconde seu favoritismo: para ele, filho do seu tempo,

o século XIII, o governo ideal é a monarquia absoluta.153

O século XVIII se destaca por estruturar o contrato social através de

pensadores e suas obras de destaques: Hobbes (Leviatã); Locke (Dois tratados

sobre o Governo), Rousseau (O contrato social) e Montesquieu (O espírito das Leis).

Desde o período iluminista (Kant, 1781[1959]; Rousseau, 1968), a prevalência

da racionalidade ao nível político esteve associada à rejeição das formas ilegítimas

151 No século XII, época das catedrais e das universidades, prevalece a Escolástica. Trata-se de um método de ensino e aprendizagem. O mestre tem um texto nas mãos e, à medida que vai fazendo a leitura perante a turma, explica. É a famosa praelectio (= pré + lição). Os textos mais usados nas universidades são os de Prisciano e Donato, Aristóteles e Boécio, Graciano, Galeno e Hipócrates, Santo Agostinho, a Sagrada Escritura, as Sentenças de Pedro Lombardo, Aberlado. No século XII, a Escolástica domina as maiores universidades medievais, a de Paris, a Sorbonne atual, e a de Oxford, cuja a fama continua até hoje. É o auge da Escolástica. (VALLE, Gabriel; VALLE, Sofia. Lições de filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 124)152 Ibidem, p. 125.153 Ibidem, p. 128.

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de governo, uma concepção que entende que a racionalidade é fundamento do ato

primário de autorização do governo pelos indivíduos.154

Rousseau expôs que o contrato social é estabelecido entre indivíduos e os

transforma em cidadãos. Como todo pensador que se inscreve dentro da corrente do

contratualismo clássico sobre o Estado, Rousseau parte de um hipotético estado de

natureza originário, puramente abstrato. Tal recurso vai lhe permitir justificar o

nascimento do Estado moderno, não mais a partir de argumentos teleológicos, como

nos séculos anteriores, mas a partir de um produto da vontade: o contrato social. A

racionalidade que motivaria o homem a ingressar em sociedade seria o desejo de

conviver, de viver bem na companhia dos outros – os sentimentos e/ou paixões

humanas – boas, em detrimento daquela que serve apenas como fundamento do

triunfo do interesse pessoal ou privado.155

No Contrato Social Rousseau afirma que somos livres quando nos

encontramos submetidos às leis que nos damos. Ou seja, sou livre porque faço a lei.

Este tipo de liberdade consistiria no desejo de todo indivíduo de ser seu próprio

senhor, não ser escravo de ninguém, o que Rousseau considera a liberdade moral.

Tal assertiva se relaciona à liberdade filosófica que Montesquieu faz referência no

Espírito das Leis, que consiste no exercício da própria vontade.

Esse tipo de liberdade, como autonomia moral, estará presente tanto no ato

inaugural que cria a sociedade, por meio do legítimo contrato social, como no

momento do indivíduo que, já convertido em cidadão, participa da elaboração da

lei.156

Montesquieu, no século XVIII, na França, explicou a virtude como um agir

com frugalidade (prudência) na república, o amor à pátria que leva a bondade dos

costumes. O amor à república, numa democracia, é o amor à democracia; amor à

democracia é o amor à igualdade. O amor à igualdade, numa democracia, limita a

ambição ao único desejo, à única felicidade de prestar à pátria maiores serviços do

que os outros cidadãos.157

154 A teoria democrática dos séculos XVIII e XIX entendia o livre debate em público como parte intrínseca do processo de formação da vontade geral. No entanto, a teoria democrática deixou de perceber que o caminho que leva de Rousseau a Marx permite a entrada dos interesses particulares no debate público e, portanto, o triunfo dos interesses particulares e da manipulação em relação ao processo de formação da racionalidade política. (SANTOS, Boaventura de Souza. Democratizar a democracia – Os caminhos da democracia participativa. Porto: Afrontamento, 2003, p. 565).155 BARRETTO, 2009, Op. cit., p. 744-747.156 Ibidem, p. 749.157 MONTESQUIEU, Op. cit., p. 54-55.

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Como positivista Montesquieu defende que “é uma máxima bem verdadeira

aquela que diz que, para que se ame a igualdade e a frugalidade numa república, é

preciso que as leis as tenha estabelecido.”158 Contudo, reconhece que na

democracia a igualdade é a alma do Estado ela é, “no entanto, tão difícil de ser

estabelecida que uma extrema exatidão neste sentido nem sempre seria

conveniente. Basta que se estabeleça um censo que reduza ou que fixe as

diferenças num certo ponto; depois é função das leis particulares igualar, por assim

dizer, as desigualdades, com os encargos que impõe aos ricos e com o alívio que

dão aos pobres.”159

O século XX foi um século de intensa disputa em torno da democracia sob

dois aspectos: primeiro, para defini-la como forma de governo e o segundo aspecto

acerca das condições estruturais da democracia.

O debate sobre a democracia da primeira metade do século XX foi marcado

pelo enfrentamento entre duas concepções de mundo (fim da Guerra Fria e o

aprofundamento no processo de globalização) e a sua relação com o processo de

modernização do Ocidente.160 De um lado, a concepção da liberal-democracia e do

outro a concepção marxista de democracia.

Na segunda metade do século XX, a dimensão sobre complexidade e

inevitabilidade da burocracia foi-se fortalecendo na mesma medida em que as

funções do Estado também foram crescendo com a instituição do Estado do bem-

estar social. Sobre esta transformação da sociedade e os reflexos na teoria da

democracia, Noberto Bobbio argumentou de forma radical: “(...) que o cidadão, ao

fazer a opção pela sociedade de consumo e de massa e pelo Estado de bem-estar

social, sabe que está abrindo mão do controle sobre as atividades políticas e

econômicas por ele exercidas em favor de burocracias privadas e públicas.”161

Nas democracias modernas a expansão das questões que se tornaram

políticas (saúde, educação, previdência social, moradia etc.) e a necessidade de

conhecimento prévio acerca das questões com as quais lidam, levaram a uma

burocratização e desapropriação do controle dos indivíduos.

A concepção de gestão descrita por Bobbio é monocrática, no entanto, os

problemas administrativos têm cada vez mais exigido soluções plurais, oriundas de

158 Idem159 Ibidem, p. 57-58.160 SANTOS, 2003, Op. cit., p.43161 BOBBIO, Noberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1986, p. 33-34.

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atores sociais distintos que detêm o conjunto das informações necessárias para

execução das políticas públicas.

Para ser plural a política tem de contar com o assentimento desses atores em

processos racionais de discussão e deliberação. Portanto, o procedimentalismo

democrático não pode ser como supõe Bobbio, um método de autorização de

governo.162 A democracia como ruptura da trajetória de uma sociedade estabelece a

discussão sobre os elementos culturais dessa mesma sociedade, tendo o

procedimentalismo origem na pluralidade das formas de vidas existentes nas

sociedades contemporâneas.

Desse modo, a recuperação de um discurso argumentativo associado ao fato

básico do pluralismo e às diferentes experiências é parte de reconexão entre

procedimentalismo e participação.163

No período denominado de segunda onda de democratização, de 1943 a

1962, na Europa, houve a implantação e à consolidação da democracia em que o

povo assume o papel de produtor de governo, isto é, a atuação do povo se restringe

a escolha daquele grupo particular entre as elites que seria mais qualificado para

governar.

A democracia assim estabelecida passa a viver uma crise de legitimidade,

que Diogo de Figueiredo Moreira Neto explica:

(...) a representação política, que durante muito tempo havia atendido a um mínimo de legitimidade do poder – legitimidade quanto à origem -, sofria a erosão provocada pelo crescente distanciamento entre a sociedade e o Estado – legitimidade quanto à destinação e ao exercício do poder. Em consequência, a democracia, enquanto regime que se afirma na origem individual e inalienável do poder, também entrou em crise, à medida que se tornava meramente formal – o cumprimento de ritos eleitorais para sacramentar o acesso aos cargos de representação política – segundo a receita do constitucionalismo liberal clássico lockeano, cristalizada pelo positivismo jurídico, formalista e bidimensional. O problema da legitimidade (entendida como a compatibilidade do poder político instituído na sociedade com os valores e interesses nela prevalentes), como se pode verificar, ficoutotalmente entrelaçado com o da democracia.164

Na América Latina o mesmo período representou um grande fracasso para

democracia. Em meados da década de 70, apenas dois países na América Latina

162 SANTOS, 2003, Op. cit., p. 53.163 Idem164 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da Participação Política: legislativa, administrativa, judicial. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 06.

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eram democráticos. Houve uma crise nos paradigmas da democracia que exigiu

novos conteúdos das entidades e instituições da sociedade civil.

O Brasil alternou entre períodos autoritários e democráticos, tendo na década

de 80 do século passado sido alcançado pela onda de democratização que atingiu

países do Sul. Durante o processo brasileiro de democratização e de constituição de

atores comunitários surgiu de modo semelhante à ideia do “direito de ter direitos”

como parte da redefinição dos novos atores sociais.165 Esta transformação

representou a ruptura do receio de “sobrecarga democrática” na teoria e na prática

democrática, que ocorreu nos países centrais depois exportadas para semiperiferia

e periferia do sistema mundial.166

Nesse sentido, Boaventura de Souza Santos:

(...) as sociedades capitalistas, sobretudo nos países centrais, consolidaram uma concepção hegemônica de democracia, a concepção da democracia liberal com a qual procuraram estabilizar a tensão controlada entre democracia e capitalismo. Essa estabilização ocorreu por duas vias: pela prioridade conferida à acumulação de capital em relação à redistribuição social e pela limitação da participação cidadã, tanto individual, quanto coletiva, com o objetivo de não “sobrecarregar” demais o regime democrático com demandas sociais que pudessem colocar em perigo aprioridade da acumulação sobre a redistribuição.167

A Constituição da República de 1988 representa o marco de uma maior

abertura democrática, a participação está contemplada em todas as funções

165 SANTOS, 2003, Op. cit., p.56.166 Silvio Caccia Bava, numa análise eminentemente sociológica, expõe sobre o papel do cidadão: Hoje vivemos a crise dos paradigmas de mudança social. Para onde orientar os esforços da construção democrática? E percebemos a fragmentação e o enfraquecimento das entidades einstituições da sociedade civil que, no passado, por força dos conflitos que ativaram, garantiram conquistas sociais e a sua afirmação enquanto direitos. Partidos políticos, sindicatos, associações de todo tipo, veem-se esvaziados de seu poder convocatório para promover a mobilização dos cidadãos. Estes, por sua vez, expressam seu desencanto, seu descrédito na capacidade transformadora da ação política, expressam mesmo um desencanto crescente com a política, expressam mesmo um desencanto crescente com a própria democracia. (...) A luta pela cidadania necessita de novos conteúdos e novas formas. Necessita abrir perspectivas no duplo sentido da negação da sociedade de mercado como modelo de sociabilidade e da instituição de um novo contrato social – isto é, a garantia e a efetivação dos direitos – determinem as novas esferas públicas e as relações com a economia e a política. Trata-se de buscar reconstruir o tecido social e recuperar para os cidadãos – seja no plano individual, seja no plano das suas representações coletivas – sua autonomia e seu poder de decisão sobre suas vidas e sobre a criação de novas formas de regulação social, de novas formas de relação público-privado. A luta pela cidadania está intimamente associada à construção de novas formas de regulação democrática de nossa sociedade. Cidadania e democracia são dimensões de um mesmo processo que aponta para a construção de capacidades na sociedade para que todos possam saber escolher, poder escolher e efetivar suas escolhas. (BAVA, Silvio Caccia. A força e a fraqueza da cidadania. Disponível em: http//www.polis.org.br/piblicacoes/artigos/primeiroartigo.html. Acesso em 29 de fevereiro de 2016).167 Ibidem, p. 59-60.

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estatais: no Poder Legislativo, no que se refere ao referendo (art. 14, II), ao

plebiscito (art. 14, I), a participação dos representantes das associações populares

no processo de organização das cidades (art.29, XII) e à iniciativa popular de leis

(art. 14, III e 29, XIII); na garantia da fiscalização do Poder Executivo por parte dos

cidadãos (art. 31,§ 3º); e no Poder Judiciário com instrumentos participativos como

ações populares (art. 5º, LXXIII), mandados de segurança coletivos (art. 5º, LXX),

mandado de injunção (art. 5º, LXXI), ação de arguição descumprimento de preceito

fundamental (art. 102, § 1º), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art.

103, § 2º) entre outros.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, destaca que a participação popular na

Administração constitui elemento essencial do estado de direito democrático:

A participação popular na gestão e no controle da Administração Pública constitui o dado essencial que distingue o Estado de Direito Democrático do Estado de Direito Social. Corresponde às aspirações do indivíduo de participar, quer pela via administrativa, quer pela via judicial, na defesa da imensa gama de interesses públicos que o Estado, sozinho, não podeproteger.168

Para Boaventura de Souza Santos, a democracia participativa constitui uma

das grandes possibilidades de emancipação social e transformação das

desigualdades sociais, que se elevariam as esferas públicas.169

O conceito de Estado não deve e não pode se confundir com o de sociedade

civil, eis que a formatação política estatal pressupõe uma relação vertical de poder,

ao passo que a sociedade civil assenta-se numa relação horizontal entre homens

livres e iguais.170

2.2 A democracia participativa sob a égide do Construtivismo Kantiano

Hodiernamente, Kant tem reconhecida a importância da sua contribuição

como instrumento teórico necessário para a consistência teórica e prática do estado

168 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação Popular na Administração Pública. Revista de Direito Administrativo - RDA, vol. 191, jan./mar. 1993, p. 26-39.169 SANTOS, Boaventura de Souza. Democracia e participação. Porto: Afrontamento, 2002, p.42.170 BARRETTO, 2009, Op. cit., p. 286.

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democrático de direito. Isto porque o fundamento moral construído por Kant como

sustentáculo do estado democrático de direito que prima pela liberdade, hoje, pode

ser considerada tolhida por este próprio Estado que por motivos egoísticos (guerras

para conquista de novas riquezas) ou por sustentar um sistema liberal predador de

produção em que fica evidente a utilização do homem como meio e não como um

fim em si mesmo.171

Vicente de Paulo Barretto faz uma análise da contribuição de Kant para o

estado democrático de direito:

A leitura das constituições do estado democrático de direito torna-se, assim, necessariamente diferenciada em virtude da fonte moral de onde nasce o sistema político-institucional e jurídico. A Constituição por ter uma fonte moral, pois é fruto da manifestação da vontade de agentes moraisautônomos, estabelece limites ao arbítrio e à desigualdade social.172

O ideal kantiano se firmava com elementos da razão e não do empirismo,

elaborando os imperativos (máximas da ação humana) fundados na razão. Kant ao

estruturar o sistema externo173, na obra “Metafísica dos Costumes”, estabeleceu o

método construtivista para tratar da tutela da pessoa humana. A concepção de

sistema Kantiano também é abordada na obra “Fundamentação da metafísica dos

costumes”, tendo como princípio central das suas ideias o imperativo categórico de

agir de acordo com a máxima que possa se tornar universal.

Este agir com a razão parte de noção de princípios a priori, ou seja,

“elementos a priori do conhecimento (intuições, categorias e princípios) revelam-se

como tais pelo seu caráter de necessidade rigorosa e de validade universal” ou

também “princípios de uma razão jurídica-prática pura, não empírica, que justificarão

racionalmente os limites ao exercício da vontade soberana, como encontrada nos

regimes absolutistas do século XVIII.174

171 DA SILVA, Bruno Miola. A dignidade humana, a proteção da imagem e os bancos de dados de proteção ao crédito: uma contribuição kantiana para a tutela da pessoa humana nas práticas comerciais. Revista do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá, Juris Poiesis, ano 17, n. 17, jan-dez., 2014, Rio de Janeiro, p. 13-32.172 BARRETTO, 2013, Op. cit., p. 44-45.173 Na especificação introduzida por Kant, no conceito de sistema de corresponder a um acúmulo deconceitos organizados segundo uma ideia, está demonstrada na máxima de que o ser humano deve progredir nas suas virtudes, buscando no conhecimento a priori o constrangimento necessário para o exercício da faculdade moral de respeito ao Outro.174 BARRETTO, 2013, Op. Cit., p. 43-44.

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Para Kant, o contrato original é um pressuposto da razão como forma de

explicação do Estado. Assim, ele não considera o contrato social como fundamento

de origem do Estado, diferentemente dos contratualistas que o antecederam. O

Estado é a expressão da necessidade de o legislador produzir leis que possam ter a

aprovação da sociedade.

O contrato original175 que legitima um Estado se formula no seio de um povo

que “renunciou inteiramente à sua liberdade selvagem e sem lei para se ver com sua

liberdade toda não reduzida numa dependência às leis, ou seja, numa condição

jurídica, uma vez que essa dependência surge de sua própria vontade

legisladora.”176

A lei, para atender os anseios do povo, deve estar investida da ordem

desejada pela vontade geral e por pressupostos de igualdade geral. Assim, o

exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles

que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos.

Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.177

A ideia de liberdade como autonomia surgiu em Kant, sendo o tema central da

ética Kantiana. Como observa Karina Salgado:

A liberdade, em Kant, é apresentada sob a forma de um conceito negativo, do qual é possível extrair um conceito positivo. A liberdade, já na Crítica da razão pura, é apresentada como uma espécie da causalidade diversa daquela causalidade da natureza. A liberdade é capaz de ser a causa primeira de uma determinada ação sem a interferência de algo externo. Aqui já se revela o conceito de liberdade negativo. Livre é aquele que não se determina por algo externo. Deste conceito negativo é possível extrair um outro positivo: se o indivíduo não é determinado por algo externo, pelo mundo dos fenômenos, ele, necessariamente, se autodetermina. A

175 “(...) Kant afirma que o contrato original não é real, e sim imaginário. (...) Da mesma forma que a lei moral não pode ter como base os interesses ou desejos dos indivíduos, os princípios de justiça não podem se fundamentar nos interesses ou desejos de uma comunidade. O simples fato de um grupo de pessoas ter elaborado uma Constituição no passado não basta para que essa Constituição seja considerado justa. Que tipo de contrato imaginário poderia evitar esse problema? Kant simplesmente o chama de “uma ideia de razão, que não obstante tem uma inegável realidade prática, porque ela pode forçar cada legislador a enquadrar suas leis de forma que elas pareçam ter sido criadas pela vontade unânime de uma nação inteira” e obrigar cada cidadão a respeitá-las “como se ele houvesse concordado com elas.” Kant conclui que esse ato imaginário de consenso coletivo “é o teste de legitimidade de todas as leis públicas.” (SANDEL, 2014, Op. Cit., p. 172)176 KANT, 2003, Op. Cit., p. 156.177 “La Ley es, em efecto, um produto de la libertad de los ciudadanos, que se reúnen, por sí o por sus representantes, para decidir formar uma Ley y determinar sus reglas; pero es, además, ysorprendentemente, si se siguen las pautas debidas, um fascinante produto cuyo contenido se resuelve, precisamente, em libertad.” (Lei é, com efeito, um produtos da liberdade dos cidadãos, que se reúnem, por si ou por seus representantes , para decidir para formar uma lei e a determinar as suas regras; mas também é , surpreendentemente , se as orientações forem seguidas , um fascinante produto cujo conteúdo se resolve, precisamente, em liberdade).” (ENTERRÍA, 1994, Op. Cit., p. 115)

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independência da causalidade espontânea da ação em relação ao mundo fenomênico é a autodeterminação.(...)A noção de liberdade surge, então, como autonomia, na medida em que só é livre aquele que se determina por meio de sua razão, sem influência do sensível, ou seja, aquele que estabelece uma máxima de ação que pode ser elevada a lei universal.178

O conceito negativo permite que se estabeleça a possibilidade de erro, eis

que a vontade que desencadeia o desejo cognitivo necessita de conhecimento em

relação ao conteúdo geral para se evitar o erro. No caso do agir, a liberdade se

mostra como elo entre o disposto no imperativo e a vontade:

Onde, porém, os limites de nosso conhecimento possível são muito estreitos, onde o impulso de julgar é muito forte, a ilusão que se apresenta muito enganosa, e o prejuízo causado pelo erro considerável, aí o negativo na instrução, que serve apenas para prevenir-nos dos erros, tem mais importância do que muitos ensinamentos positivos pelos quais nossoconhecimento poderia crescer. Denomina-se disciplina à coerção que limita, e por fim, elimina o impulso constante a descumprir certas regras.179

A espécie de causalidade que a liberdade representa está relacionada às

ações que ela desencadeia e aos fenômenos180 que são observados, sendo

admissível que o homem inteligível pratique uma ação sem influência do empírico,

que decorra apenas da razão pura. O livre arbítrio dá ao ser humano inteligível a

faculdade de se determinar por máximas que coincidam com a lei moral, desde que

a ação esteja definida numa vontade de buscar uma lei universal.178SALGADO, Karine. Op. Cit., p. 52-54.179 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. e notas de Fernando Costa Mattos. 3ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes; Bragança Paulista/SP: Editora Universitária São Francisco, 2013, p. 529, B737.180 “Todo nosso conhecimento se refere em última instância a intuições possíveis; pois somente pormeio destas é dado um objeto. Agora, ou um conceito a priori (um conceito não empírico) contém já em si uma intuição pura, e pode então ser construído; ou contém apenas as sínteses das intuições possíveis, que não são dadas a priori, e então se pode perfeitamente julgar sinteticamente e a priori por meio dele, mas somente discursivamente, segundo conceitos, e jamais intuitivamente, por meio da construção de um conceito. De todas as intuições, contudo, nenhuma é dada a priori a não ser a forma dos fenômenos, o espaço e o tempo; e um conceito destes como quantis pode ser exposto a priori na intuição, i.e., construído, ou juntamente com a qualidade dos mesmos (sua figura), ou também por meio de números como sua mera quantidade (a mera síntese do diverso homogêneo). A matéria dos fenômenos, no entanto, pela qual as coisas nos são dadas no espaço e no tempo, só pode ser representada na percepção, portanto a posteriori. O único conceito que representa a priori esse conteúdo empírico dos fenômenos é o conceito de coisa em geral, e o conhecimento sintético a priori do mesmo não pode fornecer nada mais do que a mera regra da síntese daquilo que a percepção pode dar a posteriori, mas jamais a intuição do objeto real, pois esta tem de ser necessariamente empírica. Proposições sintéticas sobre coisas em geral, cuja intuição não pode ser dada a priori, são transcendentais. Por isso proposições transcendentais não podem jamais ser dadas a priori por meio da construção de conceitos, mas apenas segundo conceitos.” (Kant, 2013, Op .Cit., p. 535, B748)

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Esta ideia de lei universal ou legislação universal reflete o ideal de moralidade

que as pessoas devem agir por dever segunda uma legislação criada por meio de

sua vontade, o que Kant denomina como princípio da autonomia da vontade, ou

seja, lei elaborada pela própria vontade, em oposição a qualquer outro princípio que

ele denomina como heteronímia (ou heterônoma), ou seja, determina por razões

diversas à vontade do agente.181

A moral Kantiana está voltada para o sujeito e não o isola dos demais, sendo

a autonomia da vontade o princípio supremo da moralidade. A teoria moral kantiana

busca fixar o princípio supremo da moralidade enquanto produto da razão prática. “O

tratamento dos demais como fins em si mesmos não decorre do reconhecimento

destes como fins. Isso porque o homem não conhece outro como coisa em si, mas

apenas como fenômeno.”182 A validade do imperativo categórico deve ser pensada

como condição de possibilidade de atribuir a um ser sensível e racional uma

vontade.183

A ética exige que o ser humano aja de acordo com a natureza racional, para

efetividade do princípio: “age com respeito a todo o ser racional (a ti mesmo e aos

demais) de tal modo que ele em tua máxima valha ao mesmo tempo com fim em

si.”184

Assim, o agir com ética visa garantir a saudável convivência social, por se

tratar de um dever consigo mesmo, que inclui ainda o dever de “ser um membro útil

do mundo, uma vez que isso também diz respeito ao valor de humanidade em sua

própria pessoa, que não deve aviltar.”185

Kant preleciona sobre a dignidade ainda no início do século XVIII, quando

argumenta que havia em cada homem um mesmo valor por causa da sua razão,

empregou a expressão “dignidade da natureza humana” mais apropriada para

181 DA SILVA, Op. cit., p. 13-32.182 SALGADO, Karine. Op. cit., p. 47.183 Nesse sentido expõe Karine Salgado: “Assim sendo, só possível se falar em imperativo categórico se tomarmos o homem sob o aspecto da dualidade de sua existência, senão vejamos. É pelo fato de pertencer o homem ao mundo inteligível que ele é capaz de chegar à lei moral e também aoimperativo categórico, que, como já afirmado, nada mais é que a própria lei moral. Por outro lado, se o homem não pertencesse à esfera do sensível, não faria sentido se falar em imperativo categórico, visto que este seria vazio diante de uma vontade que age necessariamente segundo os ditames da razão. O imperativo categórico expressa justamente a necessidade de uma ação para um ser que não se conduz necessariamente em conformidade com a razão.”( Ibidem, p. 50)184 Ibidem, p. 68.185KANT, 2003, Op. cit., p.287.

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indicar o que está em questão quando se busca uma compreensão ética – ou seja,

da natureza – do ser humano.186

Sobre a dignidade da pessoa humana expõe que devemos proceder não por

qualquer outro motivo ou vantagem, mas por uma vontade guiada pela ideia da

dignidade de um ser racional. A dignidade da pessoa humana consiste precisamente

na capacidade de ser legislador universal.

Nesse sentido, ratifica-se o imperativo categórico que vem definir novas

instâncias práticas sob as quais o dever moral deve ser considerado, garantindo-se

como o fim e o motivo primordial do agir moral a premissa da humanidade enquanto

racional e autônoma.

Kant estabelece que a dignidade da pessoa humana deve ser sempre tratada

e ter como fim a pessoa em si mesma: “No reino dos fins tudo tem um PREÇO ou

uma DIGNIDADE. Uma coisa que tem um preço pode ser substituída por qualquer

outra coisa equivalente; pelo contrário, o que está acima de todo o preço e, por

conseguinte, o que não admite equivalente, é o que tem uma dignidade”187

No mesmo viés, Juliano Fellini, afirma sobre a fórmula do reino dos fins e a

dignidade humana:

Em outras palavras, podemos dizer que a autonomia conduz à dignidade e esse é o critério pelo qual os agentes morais devem pautar as relações entre si. (...) A fórmula do reino dos fins reafirma a existência humana como o valor objetivo primordial. As leis deste reino são estabelecidas pela liberdade e o fim deste reino é estabelecido pela dignidade humana. E, a relação que se estabelece com a legislação e tudo o que ela determina é orespeito.188

Rawls não desenvolve a ideia que coloca a humanidade acima de qualquer

preço e confere a ela dignidade, todavia, este parece ser o pressuposto de Rawls

que parte da dignidade da pessoa a partir de sua racionalidade, mas que é extensiva

à sua existência com ser natural.189

186 KANT, 2005, Op. cit., p.139-140.187 Ibidem, p.32.188 FELLINI, Juliano. Uma abordagem da interpretação Kantiana da Teoria da Justiça como equidade. 2007, 218 folhas. Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-graduação em Filosofia, 2007, p. 98.189 O filósofo norte-americano conclui: “ o fato de que A está faminto resulta em um motivo para A buscar algo para comer, mas não porque ele é A que está faminto, mas porque algum ser razoável está faminto, e A está em uma boa posição para assegurar comida para aquele ser razoável, isto é, A.” A partir daí, podemos afirmar que a satisfação de necessidades é a satisfação de necessidadesde um ser de natureza razoável como fim em si. Essas parecem ser as ideias que mais se destacam

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Na história do direito brasileiro, como produto da vontade estatal

representativa do povo, aliada à socialidade dos direitos já antes representados

desde os idos de 1934, temos em nossa carta constitucional de 1988, a inserção da

dignidade da pessoa humana na categoria de “Princípio Fundamental da República

Federativa do Brasil” (art. 1º, inc. III, CR/88), figurando no centro do estado

democrático de direito, ao mesmo tempo em que é considerada, pela maioria dos

autores, como um princípio absoluto, em razão de corresponder à concepção

kantiana de que o homem possui valor em si mesmo.190

Ingo Wolfang Sarlet ao analisar o artigo 1º, III da Carta Maior de 1988, aduz

sobre a dignidade da pessoa humano e a concepção Kantiana:

(...) uma noção de dignidade fundada na autonomia da vontade e na ideia de que o homem é um fim em si mesmo, não podendo jamais ser tratado como mero objeto, teorização que influenciou profundamente o pensamento subsequente, mas também deitou raízes no constitucionalismo contemporâneo, apesar da inserção de importantes contribuições de outros autores, como é o caso de Hegel, especialmente naquilo em que aponta para a circunstância de que a dignidade também é uma qualidade a serconquistada.191

Á luz da dignidade humana a pessoa deve ser tratada da melhor forma que

possa dignificá-la, ou seja, considerando atributos que decorrem de sua existência

como pessoa, o direito à moradia é um dos pressupostos da dignidade da pessoa

humana, a qual resta alcançada com a efetividade deste direito.

Enquanto sociedade abarcada pelo prisma democrático, a igualdade é

conteúdo a ser buscado, garantindo-se, inclusive, juridicamente, condições mínimas

de vida ao cidadão, no qual se tem como conteúdo mínimo o direito à moradia.

Kant trata da igualdade inata como uma qualidade humana de ser o seu

próprio senhor, obrigando-se por outros mais do que se pode por sua vez. A partir

quando Rawls procura entender a fórmula da humanidade como fim em si mesmo: os aspectos da humanidade como ser natural, que não são meramente opostos à moralidade, pelo contrário, certas noções da psicologia humana favorecem e contribuem para que a vontade seja determinada pelo princípio da razão pura prática; e os aspectos que envolvem um nível de sociabilidade que se origina do fato de a humanidade não apenas ser autora das leis, mas de sofrer também as consequências das ações resultantes daquelas. (Ibidem, p. 115)190 RODRIGUES, Dulcilene Aparecida Mapelli. Moradia e riscos urbanos : uma questão de normatização, ética e responsabilidade. 2012, 147 folhas. Dissertação (mestrado) – Universidadedo Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2012, p.86.191 SARLET, Ingo Wolfang. Comentário ao artigo 1º, inciso III. In: CANOTILHO, J.J Gomes; MENES, Gilmar F; STRECK, Lenio L; (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:Saraiva/Almedina, 2013, p. 120.

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da revolução copernicana de Kant, situada nas bases razão pura, o homem não se

sujeita à natureza ou a vontade supramundana, centra-se na liberdade, já que, por

serem todos seres racionais e livres, carregam consigo a igualdade.

Dos conceitos de direito e liberdade, estabelece a lei universal do direito, qual

seja, “age externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com

a liberdade de todos de acordo com uma lei universal.”192

Destacam-se na estruturação do Estado, os atributos inseparáveis de um

cidadão, segundo Kant: liberdade legal; igualdade civil e independência civil193,

sendo os princípios sobre os quais a sociedade civil se assenta.

A sociedade é formada por dependentes e independentes, sendo que a todos

são garantidos os direitos de liberdade e igualdade, mas nem todos podem participar

ativamente na vida política, visto que nem todos são independentes194.

A negativa da faculdade de participação na vida política é estabelecida por

critério econômico relacionado à propriedade. A preocupação com a independência

do homem, embora ressalte o aspecto econômico, não tem qualquer compromisso

com a defesa da propriedade, mas tão-só com a afirmação da liberdade. A

propriedade é posta como instrumento de independência, vale dizer, como meio.195

A análise da versão Kantiana do construtivismo moral e o construtivismo

político da justiça como equidade se distinguem por quatro diferenças:

192 KANT, 2003, Op. Cit., p. 77.193 “(...) os membros de um Estado, são chamados de cidadãos (cives). Do ponto de vista dos direitos, os atributos de um cidadão, inseparáveis de sua essência (como cidadão) , são: liberdade legal, o atributo de obedecer unicamente a lei à qual deu seu assentimento; igualdade civil , oatributo que lhe permite não reconhecer entre os membros do povo ninguém que lhe seja superior dotado da faculdade moral de obriga-lo juridicamente de um modo que o impossibilite, por sua vez, de o outro e, em terceiro lugar, o atributo da independência civil, graças ao qual deve sua existência e preservação aos seus próprios direitos e poderes como membro da coisa pública (república) e não ao arbítrio de um outro indivíduo componente do povo. (Ibidem, p. 156)194 “O que, a princípio parece ser uma defesa em favor da burguesia através da eliminação de uma atuação política indesejável da camada mais pobre, revela-se, com uma análise mais detida, comouma preocupação com a proximidade entre direito que de fato se constrói dentro do Estado e a sua ideia que lhe é norteadora. Em que pese ter Kant favorecido a burguesia, o seu compromisso não era com os ideais desta, mas com sua própria filosofia. (...) O que Kant pretendia, com isso, era evitar que aqueles que se encontram em situação de dependência agissem, em função desta condição, de maneira não livre, influenciados por uma vontade que se mostra, dentro daquela relação de subordinação, como superior. A participação daqueles que são tidos como dependentes não é vedada em função de uma limitação natural que lhes perseguiria por toda vida, mas em função de fatores contingenciais.” (SALGADO, Karine. Op. Cit, p. 112-113).195 “É preciso destacar que a propriedade não pode ser tomada em Kant como direito natural. Como já afirmado anteriormente, o único direito tido como inato é o direito à liberdade. Desta afirmaçãoKantiana não é lícito concluir, ainda, que a liberdade é utilizada para defesa do direito de propriedade. (HECK, José N. Moral e direito racional. Um estudo comparativo entre Kant, Rousseau e Hobbes. Síntese. Belo Horizonte, v. 25, n. 82, p. 369-390, jul./set., 1998).

Page 84: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

a) A primeira diferença é que a doutrina de Kant é uma visão moral abrangente, em que o ideal de autonomia tem papel regulador em tudo na vida. O liberalismo político da justiça como equidade visa fornecer uma base pública de justificação.b) A segunda diferença diz respeito o significado de autonomia. Uma visão política autônoma depende, para o liberalismo político, de sua forma de apresentar os valores políticos como ordenados. Uma visão política é autônoma quando representa ou expressa a ordem de valores políticos como aquela que está baseada nos princípios da razão prática, em conjunção com as concepções políticas apropriadas de sociedade e de pessoa (elas caracterizam os agentes que raciocinam e especificam o contexto dos problemas e das questões aos quais os princípios da razão prática se aplicam), isso é autonomia doutrinal. De outro modo, uma visão é doutrinariamente heterônoma.c) A terceira diferença é a que as concepções fundamentais de pessoa e sociedade na visão de Kant estão fundamentadas, supomos, em seu idealismo transcendental. A justiça como equidade emprega, como ideias organizadoras, certas ideias fundamentais que são de natureza política. O idealismo transcendental não desempenha nenhum papel na organização e na exposição dessas ideias.d) A quarta diferença se refere os objetivos distintos das duas visões. A justiça como equidade tem por objetivo tornar manifesta uma base pública de justificação com respeito às questões de justiça política, dado o fato do pluralismo razoável. Kant, objetiva demonstrar a coerência e a unidade da razão, tanto teórica quanto prática, cabendo somente a ela a competênciapara dirimir todas as questões acerca do alcance e dos limites de sua própria autoridade.196

Essencialmente, pode-se estabelecer que o construtivismo político da justiça

como equidade propõe uma concepção da pessoa como livre e igual, como capaz

de agir ao mesmo tempo de modo racional e razoável e, por conseguinte, como

capaz de participar da cooperação social entre pessoas assim concebidas.197 A

visão de Kant de construtivismo é mais profunda e adentra na própria existência e

na constituição da ordem de valores. Isso é parte de seu idealismo

transcendental.198

Liberdade e igualdade das partes fundamentam a teoria da justiça. A

liberdade é compreendida em dois sentidos específicos. Em primeiro lugar, a

liberdade se manifesta no direito de intervir nas instituições sociais em nome de

seus interesses superiores e sob os limites do justo. Em segundo lugar, o

reconhecimento de si como fonte auto criadora de reivindicações legítimas é

extensivo aos demais cidadãos.

196 RAWLS, 2011, Op. Cit, p. 117-120.197 RAWLS, John. Justiça e democracia. Tradução: Irene A. Paternot; seleção, apresentação e glossário: Catherine Audard. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.47-51.198 RAWLS, John. O liberalismo político. Tradução: Álvaro de Vita. Ed. ampl. São Paulo: WMFMartins Fontes, 2011, p.118.

Page 85: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

Rawls não reteve de Kant a oposição entre obrigação oriunda da razão

prática e inclinação empírica, mas simultaneamente a ideia de que o justo é

construído, uma vez que procede de uma escolha racional, ao passo que se

considera o bem encontrado, descoberto, uma vez que é apreendido

intuitivamente.199

No construtivismo político de Rawls há o regime constitucional se a

concepção de justiça está corretamente fundamentada em princípios e concepções

da razão prática conjugados às concepções de sociedade e de pessoa, gerando um

consenso sobreposto de doutrinas razoáveis e se estabelecendo uma base pública

de justificação.

Segundo Rawls, a forma do construtivismo kantiano pode ser definida: “ele

especifica uma concepção particular de pessoa como um elemento de um

procedimento razoável de construção, cujo resultado determina o conteúdo dos

primeiros princípios da justiça.”200

Rawls retoma a noção de um reino dos fins enquanto ideal social

considerando a função que desempenha de um mundo inteligível, dadas as

circunstâncias históricas e materiais sob as quais uma sociedade existe, adaptando

as características particulares de um reino dos fins às condições históricas e sociais

desta.

Como seres autônomos e livres, para Kant, primeiramente se estabelece a lei

moral, definem-se os direitos e deveres e depois os bens compatíveis com eles. Já

Rawls, corroborando com o pensamento Kantiano, refere-se à definição dos

princípios de justiça para fundamentar as liberdades da cidadania igualitária.

O liberalismo político da justiça como equidade de Rawls rejeita a autonomia

constitutiva de Kant. “Seu construtivismo moral, no entanto, pode subscrever o

construtivismo político até onde este alcança. E certamente o construtivismo político

aceita a visão de Kant de que os princípios da razão prática originam-se em nossa

consciência moral, informada pela razão prática.”201

199 RICOEUR, Paul. O justo: a justiça como regra moral e como instituição. Vol. 1. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008, p. 92.200 No original: It specifies a particular conception of the person as an element in a reasonableprocedure of construction, the outcome of which determines the content of the first principles of justice. (RAWLS, John. Kantian Constructivism in Moral Theory. In: FREEMAN, S. (org.) Collected Papers. Cambridge(Massachusetts): Harvard University Press, 1999, p. 304).

201 RICOEUR, Op. Cit, p. 118.

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O construtivismo Kantiano e a justiça como equidade se parecem por

conceberem condições razoavelmente favoráveis de um regime democrático e

constitucional justo, porém não representam uma mesma teoria. O ponto que as

doutrinas têm em comum é a objetividade moral que deve ser compreendida como

um ponto de vista social corretamente construído e aceitável por todos, como

poderemos verificar no item seguinte.

2.3 A Democracia Participativa à luz da Justiça como Equidade

No final da década de 50 do século XX, John Rawls, filósofo político

americano, publicou o primeiro texto intitulado “Justice as Fairness”. A partir deste

texto, foi constituindo a obra “A Theory of Justice”, publicada em Harvard, em 1971,

em que “objetivou generalizar e levar a um grau mais alto de abstração a doutrina

tradicional do contrato social”202. Tendo como a questão que conduz à apresentação

de uma teoria da justiça à indagação: qual o entendimento que melhor aproxima

nosso juízo de uma concepção de justiça e constitui a mais apropriada base moral

para uma sociedade democrática?

Através dos princípios de justiça que a teoria da justiça como equidade Rawls

contribuirá para elevar a um grau mais alto de abstração a doutrina tradicional do

contrato social. Os princípios de justiça “seriam aceitos pelas pessoas livres e

racionais, desejosas de favorecer seus próprios interesses e situadas numa posição

inicial de igualdade, [princípios] que definiriam os termos fundamentais de sua

associação.”203

No início dos anos 80, nos EUA, surgiram críticos das ideias propostas por

Rawls. As obras dos críticos são identificadas como a crítica “comunitarista” de um

liberalismo orientado para os direitos individuais. Nessa linha de pensamento,

202 RAWLS, 2000, Op. Cit., p. IX.203 RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. Nova tradução baseada na edição americana revista peloautor: Jussara Simões, revisão técnica. Tradução: Álvaro de Vita – 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 37.

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adquirem relevo pesquisadores como: Charles Taylor204, Michael Walzer205, Alasdair

MacIntyre206 e, no Brasil, Gisele Cittadino207.

Ressalta-se que Michael J. Sandel, no prefácio da sua obra “O liberalismo e

os limites da justiça,” expõe: “Muito mudou na paisagem da filosofia política desde a

primeira edição deste livro. (...) O debate entre comunitaristas e liberais que

deflagrou nos últimos anos na filosofia política conhece uma grande amplitude, e eu

nem sempre me encontro ao lado dos comunitaristas.”208

Esses críticos comunitaristas 209 rejeitaram a prioridade do que é certo sobre o

que é bom e argumentaram que não podemos raciocinar sobre justiça deixando de

lado aquilo que almejamos e a que estamos ligados.210

Gisele Cittadino, excluindo a visão utilitarista, ressalta que há o ponto comum

entre os liberais, comunitários e crítico-deliberativos: o compromisso com a

sociedade democrática liberal.211 Enfatiza, ainda, que os debates a partir da década

de 80 realçam as relações entre ética, direito e política.212

204 TAYLOR, Charles. Argumentos Filosóficos, tradução de Adail Ubirajara Sobral, São Paulo, Loyola, 2000.TAYLOR, Charles. El Multiculturalismo y “La política del reconocimiento”, tradução de Mônica Utrilla e Neira, México, Fondo de Cultura Económica, 1993.205 WALZER, Michael. Da Tolerância, tradução de Almiro Pisetta, São Paulo: Martins Fontes, 1999. WALZER, Michael. As Esferas da Justiça. Em defesa do Pluralismo e da Igualdade, tradução deNuno Valadas, Lisboa: Presença, 1999.206 MACINTYRE, Alasdair. Depois da Virtude, tradução de Jussara Simões, Bauru, EDUSC, 2001. 207 CITTADINO, Gisele. “Multiculturalismo e Tolerância” (Resenha), in Direito, Estado e Sociedade. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, nº 11, agosto-dezembro de 1997. CITTADINO, 2009, Op. Cit.208 SANDEL, Michael J. O liberalismo e os limites da justiça. Trad. Carlos E. Pacheco do Amaral. 2ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 09-10.209 Alasdair MacIntyre expõe sobre a concepção voluntarista do indivíduo, em que o “eu” pode serdissociado de seus papéis e status sociais e históricos: “Todos abordamos nossas circunstâncias como portadores de uma determinada identidade social. Sou filho ou filha de alguém, primo ou prima de alguém; sou cidadão dessa ou daquela cidade, membro de uma agremiação ou parte de uma categoria profissional; pertenço a esse clã, àquela tribo, a determinada nação. Portanto, o que for bom para mim deve ser bom para alguém que pertence a essas classes. Como tal, herdei de minha família, minha cidade, minha tribo, minha nação uma série de deveres, tradições, expectativas e obrigações legitimas. Essas condições constituem o que me foi dado na vida, meu ponto de partida moral. Isso é, em parte, o que confere à minha vida sua especificidade moral.” (MACINTYRE, Op. Cit., p.201.)210 SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 272-273.211 Em primeiro lugar, todos defendem as instituições do Estado Liberal, ou seja, império das leis, separação dos poderes e direitos fundamentais, ainda que possam configurá-las de forma distinta. Ao mesmo tempo, também é evidente o compromisso de todos com a defesa da democracia,representada pela soberania popular e pela regra da maioria, ainda que aqui também variem as interpretações. Sabemos, entretanto, que a ideia de sociedade democrática liberal evoca ainda a defesa do mercado enquanto forma de regulação de escassez. O liberalismo de Rawls é evidentemente compatível com a defesa do mercado; sua teoria da justiça, no entanto, busca oferecer, como veremos, mecanismos que possam restringir as desigualdades decorrentes das relações mercantis. De outra parte, embora se defina como socialista, o compromisso comunitário de Walzer não o coloca contra o mercado, enquanto critério de distribuição de bens sociais adotado por

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A partir da conferência213 proferida no início dos anos 80, Rawls publicou o

texto: A teoria da justiça como equidade: uma teoria política, e não metafísica, com

modificações na teoria da justiça proclamada na obra Uma teoria da justiça,

publicada na década de 70 do século passado, por exemplo, abandonando o

conceito estrito de racionalidade que tinha utilizado na obra Uma teoria da justiça.

Rawls, no texto A teoria da justiça como equidade: uma teoria política, e não

metafísica, expõe:

(...) Está claro que alguns pontos mudei de opinião e que há outros em relação aos quais minha opinião evoluiu sem que eu tenha sempre me dado conta disso. Reconheço, além disso, que certos defeitos de exposição, bem como trechos obscuros e ambíguos, em TJ, podem ter dado origem a mal- entendidos.(...)

uma comunidade específica. Ele, contudo, defende a ideia de que em uma democracia, uma sociedade civil fortemente organizada deve atuar para contrabalançar as desigualdades decorrentes deste critério de distribuição de bens sociais. Finalmente, Habermas, por seu turno, adota uma posição crítica em relação à sociedade capitalista, ressaltando que tanto o mercado como a burocracia institucionalizam não apenas o espaço da vida privada, como a esfera da opinião pública. Todavia, por mais que a influência do pensamento de Marx seja decisiva sobre o trabalho de Habermas – daí a sua postura crítica em relação ao mercado – o seu compromisso com o processo deliberativo democrático o impede de indicar a lógica de organização econômica que as sociedades democráticas contemporâneas devem adotar. (CITTADINO, 2009, Op. Cit, p. 03)212 Desde as primeiras críticas comunitárias à teoria da justiça de Rawls, passando pelas reformulações propostas pelos liberais na segunda metade dos anos 80 e início dos anos 90, até o recente ingresso de Habermas no debate, liberais, comunitários e crítico-deliberativos enfrentam a tarefa de formular um ideal de justiça compatível com o pluralismo do mundo contemporâneo. No entanto, esses autores a despeito da marca da contemporaneidade que o debate possui, nãodialogam apenas entre si. Na verdade, trata-se de uma discussão que também envolve os principais representantes da filosofia política clássica. Com efeito, se Kant é referência fundamental para Rawls e Habermas, é indiscutível a importância de Hegel para os trabalhos de Walzer e Taylor. Ao mesmo tempo, também é significativa a influência de Marx, Weber e Freud, dentre vários outros autores, no debate contemporâneo. (ibidem, p. 05)213 “Essas mudanças ou essas modificações ficam evidentes nas três conferências intituladas “Kantian Construtivism in Moral Theory”, The Journal of Philosophy, nº 77, setembro de 1980. Porexemplo, nelas a análise a que chamei de bens primários (primary goods) foi revista. Agora ela depende claramente de uma concepção particular da pessoa e de seus interesses de ordem mais elevada. Assim, essa análise não é uma tese puramente histórica, sociológica ou psicológica. Ao longo de todas esses conferências, a ênfase é posta de maneira mais explicita no papel de uma concepção da pessoa, bem como na ideia de que a justificação de uma concepção de justiça é mais uma tarefa social prática do que um problema epistemológico ou metafísico. É nesse contexto que se introduz a ideia de “construtivismo Kantiano”, em especial na terceira conferência. Mas é preciso assinalar que essa ideia não é proposta como uma ideia de Kant; o adjetivo Kantiano indica não uma identidade, mas uma analogia, ou seja, uma semelhança bastante fundamental para que o adjetivo seja apropriado. Trata-se de traços estruturais da teoria da justiça, como a equidade, e de elementos de seu conteúdo, como a distinção entre o que se poderia chamar de o Racional e o Razoável, a prioridade do justo e o papel da concepção das pessoas como seres livres e iguais, capazes de autonomia, e assim por diante. Essas semelhanças não devem fazer crer em similitudes com as ideias de Kant sobre questões de epistemologia e de metafísica. Para terminar, ressaltei que o título dessas conferências, “O construtivismo Kantiano na teoria moral”, foi uma fonte de mal-entendidos, dado que a concepção da justiça que nelas examinada, é política. Saber se o construtivismo é razoável em filosofia moral é uma questão distinta, mais geral.” (RAWLS, 2000, Op. Cit, p. 202)

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(...) Para concluir essas observações introdutórias eu diria que, uma vez que a teoria da justiça como equidade é concebida como uma concepção política da justiça válida para uma democracia, ela deve tentar apoiar-se apenas nas ideias intuitivas que estão na base das instituições políticas de um regime democrático constitucional e nas tradições públicas que regem a sua interpretação. Trata-se de uma concepção política em parte porque ela provém de uma certa tradição política. Esperamos que ela possa encontrar pelo menos o que podemos chamar de um consenso por justaposição, ou seja, um consenso que inclua todas as doutrinas filosóficas e religiosas contrapostas, que podem ser duradouras e encontrar adeptos numasociedade democrática constitucional mais ou menos justa.214

Destaca-se da conferência “Kantian Construtivism in Moral Theory”, proferida

no início dos anos 80, o “redimensionamento dos principais conceitos da teoria da

justiça como equidade, assim como, uma reafirmação do seu princípio metodológico

construtivista que requer um procedimento e não evidências morais, em explícita

contraposição ao intuicionismo racional.”215

Sobre a série de artigos publicados por Rawls na década de 80, Paul Ricoeur

expõe: “A revisão versa unicamente sobre o campo de aplicação e os meios de

efetivação de uma teoria que permanece essencialmente intocada.”216 O objetivo de

Rawls não foi revisar a definição dos princípios de justiça ou a argumentação de que

esses princípios seriam escolhidos a qualquer outro, pode-se afirmar que

fundamentalmente eles permanecem mais sedimentados e aperfeiçoados a cada

abordagem.

A teoria da justiça de 1971 era uma teoria abrangente, ou seja, tinha a

pretensão de ser válida para toda e qualquer sociedade possível e para todas as

transações sociais. Na conferência de 1985, sob o título: “Justice as Fairness:

political not metaphysical”, John Rawls restringiu o campo de aplicação da teoria da

justiça às democracias que ele chama de constitucionais ou liberais.217

Ainda na conferência “Justice as Fairness: political not metaphysical”, Rawls

admite o erro de ter considerado a teoria da justiça como parte de uma teoria da

214 Ibidem, p. 204-205.215 FELLINI, Op. Cit., p. 190.216 RICOEUR, Op. Cit, p. 89.217 Essa consideração é relevante, pois a oposição entre justo e bom poderia ser entendida no nívelmáximo de generalidade. Todavia, como explica Paul Ricoeur: “A partir de então as concepções de bem – as dos Antigos, dos medievais e, mais recentemente, dos utilitaristas de diversas orientações, foram deixadas em seu nível de generalidade abrangente, mas dentro da regra de justiça professada por certo tipo de sociedade, a sociedade de democracia constitucional ou liberal. Nesse sentido, a oposição entre justo e bom deixa de ser homogênea e torna-se dissimétrica; o bem é a insígnia de doutrinas abrangentes professadas por indivíduos ou comunidades específicas; o justo é o princípio diretor das sociedades constitucionais ou liberais.” (Ibidem, p. 102).

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escolha racional. Ela não deixa de ser uma escolha racional, mas que deve estar

submetida às condições da razoabilidade que caracterizam as partes como pessoas

morais livres e iguais dentro de uma concepção política da justiça que é também

moral.218

O justo resulta da deliberação em condições de equidade absoluta. Portanto,

todo o esforço de reformulação do contrato social por Rawls incidirá na relação entre

o procedimento de deliberação e a condição inicial de equidade. Fundamentalmente,

apenas uma justiça procedimental pode garantir a coexistência entre visões de

mundo rivais, principalmente as centradas em ideias divergentes de bem, como se

afirma num artigo de 1988: “The Priority of Right and Ideas of the Good”.219

O artigo publicado em 1989: “The Domain of the Political and Overllapping

Consensus”, assentou-se no objetivo de alimentar as convicções na linha da ideia de

tolerância e fundamentar o mesmo corpo mínimo de crenças capazes de contribuir

para o equilíbrio reflexivo.

Rawls passou a tratar da lacuna deixada por Kant, no que tange aos

princípios de justiça que dariam origem a um contrato originário, fundamentando na

equidade propôs argumentos para entendermos a justiça.220 Na teoria da justiça

como equidade à definição procedimental de justiça assenta no esclarecimento

progressivo da compreensão prévia do que significa justiça, sendo “a justiça à

primeira virtude das instituições sociais, assim como a verdade é a primeira virtude

dos sistemas de pensamento.”221

Por instituição se entende um sistema público de normas que define cargos e

funções com seus direitos e deveres, poderes e imunidades etc. Como exemplo de

instituições pode-se citar: os julgamentos222 e parlamentos223, mercados e sistemas

de propriedade.

218 FELLINI, Op. Cit, p. 191.219 Ibidem, p. 93-104.220 Rawls no processo de seu pensamento assume cada vez mais uma posição que tende para as questões de ordem política a fim de atender às necessidades de uma sociedade pluralista. Se a suateoria parte de um procedimento que é originalmente destinado a questões morais, o resultado final parece ficar restrito aos deveres da justiça. (Ibidem, p. 123-124)

221 RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 29.222 Rawls explicita sobre a existência de sistemas jurídicos: “Vamos também imaginar que essa concepção de justiça tem ampla aceitação na sociedade e que as instituições têm uma administração imparcial e coerente por parte de juízes e outras autoridades. Ou seja, os casos semelhantes sãotratados de maneira semelhante; as similaridades e as diferenças importantes são aquelas

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No caso das instituições jurídicas, ocorre um tipo de injustiça quando os

juízes e outras autoridades deixam de aderir às leis e às suas interpretações

apropriadas ao tomar decisões. Há injustiça ainda maior se os já prejudicados forem

tratados com arbitrariedade em certos casos, nos quais as leis lhe proporcionariam

alguma segurança.224

Sobre o objetivo da obra de Rawls “Uma Teoria da Justiça”, Paul Ricoeur

expõe:

Mais precisamente, seu objetivo é a “estrutura básica da sociedade”, ou seja, não as instituições particulares ou as interações que ocorram em situações singulares, mas a organização das principais instituições sociais num sistema único, atribuindo assim direitos e deveres fundamentais e estruturando a distribuição das vantagens e dos encargos resultantes da cooperação social. (...) o vínculo social que Rawls presume ser fundamental deve ser caracterizado pela cooperação, e não pela dominação. (...) A justiça poderá ser considerada a virtude principal dessas estruturas, admitindo-se que o que está em jogo seja a instauração de uma reciprocidade entre os indivíduos em questão. É isso o que Rawls tem em comum com a tradição contratualista: por meio do contrato, a sociedade édesde o início tratada como fenômeno congregacionalista mutualista. 225

A doutrina de Rawls se concentra nas questões de legitimidade do direito,

sem definir especificadamente a dimensão de validade do direito, tendo como ideia

central “uma concepção de justiça que generalize e eleve a um nível mais alto de

abstração a conhecida teoria do contrato social.”226

Rawls propôs um modelo contratualista, dirigido contra uma outra versão da

concepção teleológica de justiça, a saber, o utilitarismo que tem dominado o

pensamento político moderno anglo-saxão, que se estabelece sob as bases do

princípio da utilidade e tem Jeremy Bentham (1748-1832) como seu pensador:

Em seu escrito de 1776, Fragmento sobre o governo, Bentham dá a conhecer o princípio da utilidade: “A maior felicidade do maior número

identificadas pelas normas existentes. A norma correta definida pelas instituições é regularmente observada e devidamente interpretada pelas autoridades.” (Ibidem, p. 70)223 Rawls explicita sobre a existência de leis: “A instituição parlamentar existe em determinadomomento e lugar quando certas pessoas realizam os atos apropriados e se ocupam dessas certas atividades da maneira exigida, com um reconhecimento reciproco do entendimento que cada qual tem de que sua conduta está em conformidade com as normas às quais todos devem obedecer.” (Ibidem, p. 67).224 Ibidem, p. 71.225 RICOEUR, Op. cit., p. 90.226 RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 13.

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constitui a medida do certo e do errado.” Em outra obra impressa privadamente em 1780 e publicada em 1789, Introdução aos princípios de moral e legislação, Bentham esmiúça o que nomeou de “medida do certo e do errado”, indicando os fundamentos de suas reflexões: “A natureza pôs a humanidade; sob o mando de dois principais a dor e o prazer. Somente por eles podemos determinar o que fazer, bem como o que faremos. De um lado o padrão do certo e do errado, de outro a relação de causas e efeitos,estão ligados ao seu poder.227

O modelo contratualista proposto por Rawls é fundamentado em dois

princípios: o primeiro oferece as mesmas liberdades básicas, como liberdade de

expressão e de religião, para todos os cidadãos; e o segundo princípio refere-se à

equidade social e econômica.

Rawls explica sobre os dois princípios de justiça:

A primeira apresentação dos dois princípios é a seguinte: em primeiro lugar, cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de liberdades básicas e iguais para todos que seja compatível com o mesmo sistema para os outros. Em segundo lugar, as desigualdades sociais e econômicas devem ser organizadas de modo que, ao mesmo tempo, a) – se possa razoavelmente esperar que elas sejam vantajosas para cada um eb) – elas estejam vinculadas a posições e a funções abertas a todos (...)O segundo princípio aplica-se, na primeira aproximação, ao rateio da renda e da riqueza e às linhas gerais das organizações que utilizem diferenças de autoridade e responsabilidade. [Donde o nome de princípio de diferença]. Embora o rateio da riqueza e da renda não precise ser igual, deve ser vantajoso para cada um e, ao mesmo tempo, as posições de autoridade e de responsabilidade devem ser acessíveis a todos. Aplica-se o segundo o princípio mantendo-se as posições abertas, pois, ao mesmo tempo que se respeita essa injunção, organizam-se as desigualdades econômicas esociais de tal maneira, que cada uma delas aufira benefícios.228

Ainda sobre os princípios expõe Rawls: “1 – Cada pessoa deve ter igual

direito ao sistema total mais extenso possível de liberdades básicas iguais para

todos e compatíveis com um mesmo sistema para todos. 2 – As desigualdades

econômicas e sociais devem ser tais, que: a) beneficiem ao máximo os menos

favorecidos, no limite de um justo princípio de poupança e, b) estejam vinculadas a

funções e posições abertas a todos, em conformidade com o princípio da justa

igualdade das oportunidades.”229

227 VIEIRA, Op. Cit, p. 187-188.228 Ibidem, p. 73-74.229 Ibidem, p. 341.

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Observa-se que o segundo princípio se relaciona com as desigualdades que

afetam as oportunidades iniciais no início da vida e as desigualdades vinculadas à

diversidade das contribuições dos indivíduos para a sociedade. Assim, o problema é

estabelecer uma situação de igualdade de maneira que essas desigualdades sejam

reduzidas ao mínimo.

A justiça como equidade por ser contratualista, supõe que os princípios da

escolha social e, portanto, os princípios de justiça, são eles próprios o objeto de um

acordo original.230

A regra que interliga os dois princípios segue uma ideia de ordem lexical,

sendo o primeiro princípio anterior ao segundo. Ademais, a ordem lexical se impõe

entre as duas partes do segundo princípio, para estabelecer que os menos

favorecidos em termos econômicos devem ser lexicalmente prioritários em relação a

todos os outros parceiros. Aplicado à teoria da justiça: nenhuma perda de liberdade,

seja qual for seu grau, pode ser compensada por um aumento de eficácia

econômico. Não se compra bem-estar à custa de liberdade.231

A teoria da justiça de Rawls visa dar uma solução procedimental equitativa

com vistas a um arranjo justo das instituições, para tanto, deve-se extrair do contrato

social os conteúdos dos princípios de justiça de um procedimento equitativo.

Paul Ricoeur explica o procedimento equitativo da Teoria da Justiça de Rawls:

A equidade caracteriza, em primeiro lugar, o procedimento de deliberação que deveria conduzir à escolha dos princípios de justiça preconizados por Rawls, ao passo que a justiça designa o conteúdo dos princípios escolhidos. Dessa maneira, o livro inteiro visa a fornecer uma versão contratualista da autonomia Kantiana. Para Kant, a lei é aquela que a própria liberdade se imporia, se subtraída à inclinação dos desejos e do prazer. Para Rawls, instituição justa seria aquela que uma pluralidade de indivíduos razoáveis e desprendidos escolheriam, caso pudessem deliberar numa situação que seria, ela mesma, equitativa. (...) a tendência principal do livro é substituir, na medida do possível, soluções fundacionais por soluções procedimentais para a questão do justo. Daí a inflexão construtivista ou mesmo artificialistaque o livro tem em comum com o restante da tradição contratualista.232

A noção de Kant da vontade autônoma e a noção de Rawls de uma decisão

hipotética sob um véu de ignorância têm algo em comum: ambas concebem o

230 Ibidem, p. 35.231 RICOEUR, Op. cit., p. 76-97.232 Ibidem, p. 63.

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agente moral independente de seus objetivos e suas ligações particulares.233

Todavia, por levar em conta a referência a alguns bens Rawls se distancia de Kant:

“por traz do véu da ignorância os parceiros sabem que os seres humanos têm

interesses. Ignoram apenas quais serão os seus na vida real.”234

Através do recenseamento das injunções por trás do véu da ignorância poder-

se-á saber o que os indivíduos precisam conhecer para que suas escolhas

dependam distribuições equitativas de vantagens e desvantagens numa sociedade

que por trás dos direitos estão em jogo interesses.235

A aprovação racionalmente motivada de todos os cidadãos exige que não

coloquem seus interesses singulares acima das instituições justas sob as quais

criam condições sob o que é interesse de todos. Assim, seriam instituídas as

condições de vida para que todos concretizassem seus planos de vida.

Corroborando com o exposto Juliano Fellini aduz:

Podemos perceber que a posição original é um artifício para escolhas políticas, ainda que ele supõe que o mesmo artifício nos habilita para escolhas morais. Os princípios aí escolhidos são destinados à estrutura básica da sociedade e vão definir o tipo de instituições que fazem parte do complexo social. Além disso, as próprias concepções de bem são desconsideradas como aspectos contingentes quando da escolha dos princípios. Chama a atenção que o modelo de escolha individual, como a ética kantiana, seja transposto em uma estrutura de escolha que épolítica.236

233 SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 266.234 RICOEUR, Op. cit., p. 84.235 Nesse sentido, Paul Ricoeur descreve cinco injunções: a) a primeira injunção que cada parceiro tenha conhecimento suficiente da psicologia geral da humanidade no que se refere às paixões emotivações fundamentais; b) Segunda injunção: os parceiros devem saber aquilo que todo ser racional deve querer possuir, ou seja, os bens sociais primários sem os quais o exercício da liberdade seria uma reinvindicação vazia; c) Terceira injunção: como a escolha é feita entre várias concepções de justiça, os parceiros precisam ter informações convenientes sobre os princípios de justiça que concorrem entre si; d) Quarta injunção: todos os parceiros precisam ser iguais em termos de informação, por isso, a apresentação das alternativas e dos argumentos deve ser pública e e) Quinta injunção: aquilo que Rawls chama de estabilidade de contrato, ou seja, a antevisão de que ele será coercitivo na vida real, sejam quais forem as circunstancias reinantes. Por estabilidade John Rawls entendia, já em 1971, a propriedade que o contrato duradouro tem de interligar várias gerações e, por isso, de se inscrever numa história na qual o âmbito político – conforme sabemos desde Maquiavel – tem a ambição de escapar à brevidade das vidas individuais, às vicissitudes das paixões e à versatilidade dos interesses particulares. (Ibidem, p. 94-101)236 FELLINI, Op. Cit. p.166.

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Os princípios de justiça poderão tornar-se objeto de escolha comum se e

somente se a posição original for equitativa, ou seja, igual. Ora, ela só pode ser

equitativa numa situação puramente hipotética.237

A condição original deve satisfazer determinações para ser considerada igual

em todos os aspectos, encontrando apoio intuitivo no véu da ignorância: “Uma das

características essenciais dessa situação é que ninguém conhece seu lugar na

sociedade, sua posição de classe ou seu estatuto social, ninguém tampouco

conhece sua sorte na distribuição dos bens naturais, sua inteligência, sua força e

coisas semelhantes.”238

A justiça como equidade, enquanto justiça procedimentalista, estabelece que

os indivíduos deverão diante de situações conflitantes ter conhecimento do que

significa estar interessado, ou seja, precisam estar interessados em promover seus

próprios interesses. “Donde a primeira condição imposta à posição inicial, a saber,

que cada parceiro tenha conhecimento suficiente da psicologia geral da

humanidade, no que se refere às paixões e motivações fundamentais.”239

É necessário para que se tenham as circunstâncias de justiça que “todo ser

razoável deva querer possuir, a saber, os bens sociais primários sem os quais o

exercício da liberdade seria uma reinvindicação vazia. Neste sentido, é importante

notar que o autorrespeito pertence a essa lista de bens primários.”240

Os bens primários241 são definidos por Rawls como:(...) coisas que se presume que um indivíduo racional deseje, não importando o que mais ele deseje. Sejam quais forem as minúcias dos planos racionais de um indivíduo, presume-se que há várias coisas que ele preferiria ter mais a ter menos. Com uma quantidade maior desses bens, em geral é possível prever um maior êxito na realização das próprias intenções e na promoção dos próprios objetivos, sejam quais forem esses objetivos. Os bens sociais, enumerando-se em categorias amplas, são direitos, liberdades e oportunidades, bem como renda e riquezas. (...) São

237 RICOEUR, Op. cit., p.74.238 Ibidem, p. 70.239 Ibidem, p. 71.240 Idem241 Rawls expõe que é adotada a teoria do bem para explicar os bens primários: “A ideia principal é que o bem de uma pessoa é definido por aquilo que para ela representa o plano de vida mais racional a longo prazo, dadas as circunstâncias razoavelmente favoráveis. Uma pessoa é feliz quando ela é mais ou menos bem-sucedida na realização desse plano. De uma forma breve, o bem é a satisfaçãodo desejo racional. Devemos supor, então, que cada indivíduo tem um plano racional de vida traçado de acordo com a situação em que se encontra. Esse plano é elaborado de modo a permitir a satisfação harmoniosa de seus interesses. Programa as atividades de maneira a permitir a realização dos diversos desejos sem interferência. Chega-se a ele rejeitando-se outros planos que tem menos probabilidade de êxito ou não permitem uma realização tão abrangente de objetivos. Dadas as alternativas disponíveis, um plano racional é aquele que não se pode aperfeiçoar; não há nenhum outro plano que, levando-se tudo em conta, seja preferível.” (RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 112)

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bens sociais tendo em vista sua conexão com a estrutura básica; as liberdades e as oportunidades são definidas pelas normas das principais instituições, e a distribuição de renda e de riqueza é regida por elas.242

É reconhecido por Rawls a dificuldade da elaboração de um índice de bens

primários sociais no que diz respeito ao grupo menos favorecido, para aferir os bens

primários sociais desse grupo é preciso nos apoiarmos em estimativas intuitivas.

Nesse caso, as expectativas não devem ser definidas no índice de bens primários, e

sim como as satisfações a esperar quando os planos são executados usando-se

esses bens. “Afinal, é na realização desses planos que se conquista a felicidade e,

portanto, as estimativas das expectativas não devem fundar-se nos meios

disponíveis.”243

A justiça como equidade presume-se que os membros da sociedade são

pessoas racionais, capazes de ajustar suas convicções do bem a própria situação.

Os homens repartem os bens primários segundo o princípio de que alguns podem

ter mais se forem bens adquiridos de maneira que melhore a situação dos que têm

menos.244

Michael J. Sandel comenta sobre a situação dos menos favorecidos:

A teoria da justiça de Rawls mostra que há outras alternativas à sociedade de mercado meritocrática além da igualdade de nivelamento. A alternativa de Rawls, que ele denomina princípio da diferença, corrige a distribuição desigual de aptidões e dotes sem impor limitações aos mais talentosos. Como? Estimulando os bem-dotados a desenvolver e exercitar suas aptidões, compreendendo, porém, que as recompensas que tais aptidões acumulam no mercado pertencem à comunidade como um todo. Não criemos obstáculos para os melhores corredores; deixemos que corram e façam o melhor que puderem. Apenas reconheçamos, de antemão, que os prêmios não pertencem somente a eles, mas devem ser compartilhados com aqueles que não têm os mesmos dotes.Embora o princípio da diferença não subentenda a distribuição igualitária de renda e riqueza, ele deixa implícita a ideia de uma visão da igualdade poderosa e até mesmo inspiradora.245

Aduz Paul Ricoeur sobre a situação dos menos favorecidos:

Numa sociedade que professasse publicamente os princípios de Rawls, o menos favorecido saberia que sua posição extrai vantagem máxima das desigualdades por ele percebidas. Desigualdades menores o vitimariam ainda mais. Quanto aos mais favorecidos, ficaria convencido pelo argumento de que sua perda relativa, comparada à posição mais favorável

242 Ibidem, p. 111.243 Ibidem, p. 112244 Idem245 SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 194

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que uma distribuição menos equitativa lhe garantiria, seria compensada pela cooperação de seus parceiros, sem o que estaria ameaçado o privilégio relativo deles.246

Toda a tentativa de Rawls gira em torno da demonstração de que, na hipótese

utilitarista, o detentor da posição menos favorecida é a vítima sacrificial247, enquanto

a concepção da justiça por ele defendida seria a única a convertê-lo em parceiro

igual. Nessa concepção da justiça, as desigualdades devem ser consideradas

preferíveis a desigualdades maiores, mas também a uma distribuição igualitária,

dando o nome de princípio de diferença. O princípio de diferença seleciona assim a

situação mais igualitária compatível com a regra de unanimidade.248

Rawls explicita sobre o princípio de diferença:

O princípio da diferença representa, na verdade, um acordo para considerar a distribuição das aptidões naturais um bem comum e para compartilhar quaisquer benefícios que ela possa propiciar. Os mais favorecidos pela natureza, não importa quem sejam, só devem usufruir de sua boa sorte de maneiras que melhores a situação dos menos favorecidos. Aqueles que se encontram naturalmente em posição vantajosa não devem ser beneficiados simplesmente por ser mais dotados, mas apenas para cobrir os custos com treinamento e educação e usar seus dotes de modo a ajudar também os menos afortunados. Ninguém é mais merecedor de maior capacidade natural ou deve ter o privilégio de uma melhor posição de largada na sociedade. Mas isso não significa que essas distinções devam ser eliminadas. Há outra maneira de lidar com elas. A estrutura básica da sociedade pode ser elaborada de forma que essas contingências trabalhem para o bem dos menos favorecidos. (...) Outro mérito do princípio da diferença é que ele fornece uma interpretação do princípio da fraternidade – a ideia de não querer ter vantagens maiores, a menos que seja para o bemde quem está em pior situação.249

Rawls utiliza de fundamentos objetivos próprios do princípio de diferença para

estabelecer os valores que valem a pena serem feitos nas comparações

246 RICOEUR, Op. Cit, p. 79.247 Paul Ricoeur chama de princípio sacrificial o argumento moral utilizado na análise do utilitarismo:“O vício do utilitarismo consiste precisamente na extrapolação do indivíduo para a sociedade. Uma coisa é dizer que um indivíduo pode ter de sacrificar um prazer imediato e ínfimo por um prazer ulterior maior; outra coisa é dizer que a satisfação de uma minoria é exigida pela satisfação da maioria. (...) Portanto, na minha opinião, trata-se de um argumento moral e, bem mais, de um argumento do tipo Kantiano: segundo o princípio sacrificial, alguns indivíduos são tratados como meios, e não como fins em si, em vista do pretenso bem do todo. Somos assim remetidos à segunda formulação do imperativo categórico e, além dele, à Regra de Ouro: “Não faças ao próximo aquilo que detestarias que te fizessem. Nas convicções Kantiana e de Rawls, o menos favorecido numa divisão desigual de vantagens não deveria ser sacrificado, porque ele é uma pessoa, o que é um modo de dizer que, “segundo o princípio sacrificional, a vítima potencial da distribuição seria tratada como um meio, e não como um fim em si.” (Ibidem, p. 66-83).248 Ibidem, p. 79-97.249 RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 120-126.

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interpessoais: “Em primeiro lugar, se pudermos identificar o indivíduo representativo

menos favorecido, daí em diante só há a necessidade de juízos ordinais de bem-

estar. Em segundo lugar, o princípio de diferença introduz uma simplificação na base

das comparações interpessoais.”250

Para Rawls a distribuição de renda e fortuna que resulta do livre mercado com

oportunidades formalmente iguais não pode ser considerada justa. Permitir que

todos participem da corrida é uma coisa boa, mas se os corredores começarem de

pontos de partida diferentes, dificilmente será uma corrida justa.

O princípio constitucional da capacidade contributiva, previsto no art. 145, § 1º

da Constituição da República de 1988, é um exemplo de mecanismo que beneficia

os menos favorecidos e da efetividade ao princípio de diferença:

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Michael J. Sandel, ao analisar o princípio de diferença e a sua ideia principal -

a distribuição de renda e oportunidades sem fundamentação em fatores arbitrários

do ponto de vista moral formula o seguinte exemplo:

(...) a questão é saber se a fortuna de Gates é parte de um sistema que, como um todo, trabalha em benefício dos menos favorecidos. Por exemplo, sua fortuna está sujeita a um sistema progressivo de imposto sobre a renda do rico com o objetivo de favorecer a saúde, a educação e o bem-estar do pobre? Em caso positivo, e se esse sistema melhorou as condições do pobre em relação ao que elas poderiam ter sido em um regime maisrigoroso de distribuição de renda, então essas desigualdades seriam coerentes com o princípio da diferença.251

Kant e Rawls dissentem sobre a aplicação da ideia de justo, para Kant a ideia

de justo se aplica às relações de pessoa a pessoa, em Rawls a justiça se aplica por

excelência às instituições. “Esse encontro entre uma perspectiva deliberadamente

deontológica em matéria moral e a corrente contratualista no plano das instituições

constituem o problema central tratado por Rawls.”252

250 Ibidem, p. 109-110.251 SANDEL, 2014, Op. Cit, p.190.252 RICOEUR, Op. Cit, p. 64.

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Não podemos confundir os princípios de justiça para instituições com os

princípios que se aplicam a indivíduos e a seus atos em determinadas

circunstâncias. Esses dois tipos de princípio se aplicam a objetos distintos e devem

ser discutidos em separado.253

Conceber o agente moral à luz da teoria da justiça como equidade afeta a

maneira como raciocinamos sobre justiça, como seres livres e independentes, os

princípios de justiça que definem nossos direitos devem ser neutros em relação às

diferentes noções do que é certo, sem nenhuma influência de concepção moral e

religiosa.

Os princípios teleológicos de vida boa foram repudiados por Kant e por Rawls,

por deixarem os direitos vulneráveis, como, por exemplo, no caso de uma religião

que é aceita sob o fundamento de representar a felicidade de todos, podendo vir a

ser banida um dia e a ter seus seguidores perseguidos. O justo se sobrepõe ao bom,

posto que há direitos individuais que são tão importantes que sequer o bem-estar de

todos pode passar por cima deles.

Nesse sentido, Paul Ricoeur explana sobre a escolha de Rawls na formulação

da ideia de justiça, que manifestamente se relaciona com a linhagem kantiana, mais

que a teoria da justiça entendida por Aristóteles no âmbito teleológico de

pensamento, que se correlaciona com o bem. Com Kant, “ocorreu uma inversão de

prioridade em benefício do justo e à custo do bom, de tal modo que a justiça assume

sentido num âmbito deontológico de pensamento.”254

Michael J. Sandel comenta: “A teoria de Rawls dá prioridade do que é certo

sobre o que é bom reflete sua convicção de que uma “pessoa moral é um sujeito

com objetivos que ele próprio escolheu.” Como agentes morais, não somos definidos

por nossos objetivos, mas por nossa capacidade de escolha.”255

A justiça como equidade é uma teoria deontológica, que não especifica o bem

independente do justo, ou não interpreta o justo como aquilo que maximiza o bem.256

Na justiça como equidade o conceito de justo precede o do bem. Um sistema social

justo define o âmbito dentro do qual os indivíduos devem criar seus objetivos, e

253 RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 66.254 Idem255 SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 270.256 RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 36.

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serve de estrutura de direitos e oportunidade e meios de satisfação, dentro do qual e

pela qual se pode procurar alcançar os fins.257

Explica Rawls que a prioridade do justo sobre o bem é a principal

característica da justiça como equidade:

Isso impõe certos critérios à modelagem da estrutura básica como um todo; esses critérios não devem gerar propensões e comportamentos contrários aos dois princípios de justiça (isto é, a certos princípios que recebem um teor definido desde o início) e devem garantir a estabilidade das instituições justas. Assim, impõem-se certos limites iniciais ao que é bom e quais formas de caráter são moralmente dignas, e também aos tipos de pessoa que osseres humanos devem ser.258

O modelo proposto por Rawls de justiça como equidade representa uma

alternativa ao modelo utilitarista259 e ao modelo fundado na virtude260, sendo

estruturado sob a concepção de justiça segundo as escolhas hipotéticas que as

257 Ibidem, p. 38.258 Ibidem, p. 38-39259 Para os utilitaristas justiça significa maximizar a utilidade ou o bem-estar – a máxima felicidade para o maior número de pessoas. O pressuposto utilitarista consiste em pesar custos e benefícios.Jeremy Bentham (1748-1832), filósofo moral inglês e estudioso das leis, “fundou a doutrina utilitarista. Sua ideia central é formulada de maneira simples e tem apelo intuitivo: o mais elevado objeto da moral é maximizar a felicidade, assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor. De acordo com Bentham, a coisa certa a fazer é aquela que maximizará a utilidade. Como “utilidade” ele define qualquer coisa que produza prazer ou felicidade e que evite a dor ou o sofrimento.” (SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 48) John Rawls explica que “Há muitas formas de utilitarismo, e a evolução da teoria teve continuidade em anos recentes. (...) o tipo de utilitarismo que descrevi é a doutrina clássica estrita, que em Sidgwick tem, talvez, sua formulação mais clara e acessível. A ideia principal é que a sociedade está ordenada de forma correta e, portanto, justa, quando suas principais instituições estão organizadas de modo a alcançar o maior saldo liquido de satisfação, calculado com base na satisfação de todos os indivíduos que a ela pertencem. (...) A característica marcante da teoria utilitarista da justiça é que não importa, exceto indiretamente, o modo como essa soma de satisfação se distribui entre os indivíduos, assim como não importa, como cada pessoa distribui suas satisfações ao longo do tempo. A distribuição correta de ambos os casos é a que produz satisfação máxima. A sociedade deve distribuir seus meios de satisfação, quaisquer que sejam, direitos e deveres, oportunidades e privilégios, e as diversas formas de riqueza, de modo a alcançar esse máximo, se for possível. Mas, por si só, nenhuma, distribuição de satisfação é melhor do que outra, exceto que se deve preferir a distribuição mais igualitária como critério de desempate. (RAWLS, 2008, Op. Cit, p.26- 33).260 Michael J. Sandel, como pensador da justiça numa abordagem que envolve o cultivo da virtude e a preocupação com o bem comum, aduz que “Não se pode alcançar uma sociedade justa simplesmente maximizando a utilidade ou garantindo a liberdade de escolha. Para alcançar a sociedade justa, precisamos raciocinar juntos sobre o significado da vida boa e criar uma cultura pública que aceite as divergências que inevitavelmente ocorrerão. (...) Justiça não é apenas a formacerta de distribuir as coisas. Ela também diz respeito à forma certa de avaliar as coisas. (...) A pouca atenção dada à política contemporânea não reflete o descaso dos filósofos políticos a respeito do tema. A distribuição justa da renda e riqueza tem sido uma constante nas discussões da filosofia política desde a década de 1970 até os dias atuais. Mas a tendência dos filósofos de estruturar a questão em termos de utilidade ou consentimento leva-os a desconsiderar os argumentos contra a desigualdade mais capazes de sensibilizar politicamente a população e mais relevantes para o projeto de renovação moral e cívica.” (SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 321-326)

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pessoas deveriam fazer na posição original de igualdade (visão igualitária liberal),

segundo três diretrizes: a posição original; a sociedade bem ordenada e o equilíbrio

reflexivo. “A justiça como equidade é a teoria dos nossos sentimentos morais, tais

como se manifestam pelos nossos juízos ponderados261 em equilíbrio reflexivo.”262

O equilíbrio reflexivo admite ser possível alterar situações iniciais e mudar os

juízos de valores para constituição dos princípios de senso de justiça, considerando-

se as circunstâncias de fundo que as caracterizam. “Do ponto de vista da teoria

moral, a melhor análise do senso de justiça de alguém não é aquela que se encaixe

em seus juízos antes que examine qualquer concepção de justiça, mas, pelo

contrário, aquela compatível com seus juízos em equilíbrio reflexivo.”263

Segundo Rawls, com efeito reflexivo passa a existir o consenso justaposto

“quando os cidadãos reconhecem que eles afirmam a mesma concepção pública de

justiça, eles obtêm um amplo e geral equilíbrio reflexivo. Esse equilíbrio é

amplamente intersubjetivo, isto é, cada cidadão leva em consideração o raciocínio e

os argumentos de todos os outros cidadãos.”264

O consenso justaposto265 seria, neste sentido, apenas um processo de

observação mútua, através do qual cada cidadão leva em consideração os demais,

reconhecendo que eles possuem doutrinas compreensivas razoáveis que

subscrevem esta concepção prática de justiça.266

Aduz Rawls que no consenso justaposto “(...) a aceitação da concepção

política de justiça não é um compromisso entre aqueles que sustentam diferentes

pontos de vista, mas se fundamenta na totalidade das razões especificadas dentro

da doutrina compreensiva que cada cidadão professa.”267

A dimensão moral da cultura pública decorre deste acordo mútuo que os

cidadãos endossam através do consenso justaposto, impondo-se dever cívico a

261 Rawls ensina que “juízos ponderado são simplesmente aqueles emitidos em condições favoráveis ao exercício do senso de justiça e, por conseguinte, em circunstâncias nas quais são inaceitáveis as desculpas e as explicações mais comuns para o erro. Presume-se que a pessoa a emitir o juízo, então, tem a capacidade, a oportunidade e o desejo de chegar a uma decisão correta (ou, pelo menos, que não deseje evitar isso).” (RAWLS, 2008, Op. Cit, p.58)262 Ibidem, p.146.263 Ibidem, p.58.264 RAWLS, John. Reply to Habermas. In The Journal of Philosophy, vol. XCII, nº 3, março 1995, p. 143.265 Rawls designa “consenso justaposto”, que se dá quando os cidadãos razoáveis endossam epublicamente justificam a concepção política de justiça, associando-a às suas diversas visões razoáveis acerca da vida digna. (Idem).266 CITTADINO, 2009, Op. Cit, p. 104.267 RAWLS, 2008, Op. Cit, p.169.

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todos os cidadãos de uma sociedade democrática de atuarem segundo princípios

aceitos por outros cidadãos razoáveis.

A definição da capacidade moral não é uma simples lista de juízos acerca de

instituições e de atos que estejamos propensos a praticar, acompanhados pelos

motivos que os sustentam. Nesse sentindo aduz Rawls:

(...) o que é necessário é a formulação de um conjunto de princípios que, quando conjugados com nossas convicções e nossos conhecimentos das circunstâncias, nos levem a emitir esses juízos com os motivos que os respaldam, se tivermos de aplicar esses princípios de maneira consciente e inteligente. Uma concepção moral de justiça caracteriza nossa sensibilidade moral quando nossos juízos cotidianos estão de acordo com os princípios dessa concepção. Esses princípios podem integrar as premissas da argumentação que chegue aos juízos pertinentes. Não compreendemos nosso senso de justiça até que saibamos, de uma forma sistemática e queabarque um grande número de casos, que princípios são esses.268

A análise da capacidade moral requer princípios e um processo de construção

teórico, para que se estabeleçam sistemas lógicos que ilustram os conceitos.

Quando o teor substantivo das concepções morais for mais bem compreendido, será

possível chegar a respostas convincentes para questões de significado e de

justificação de julgamentos morais. Assim, a ideia de uma posição original e de um

acordo no tocante a princípios é necessária para que se estabeleçam as noções que

se prestam como um ponto de partida.

Quando nossa análise parte do ponto de vista da posição inicial, o problema

da prioridade não é o de como lidar com a complexidade de fatos morais já dados e

que não podem ser alterados. Mais precisamente, o problema é formular propostas

razoáveis e em geral aceitáveis para produzir o consenso desejado nos juízos.269

A obra de Rawls representa, em seu conjunto, uma retomada da ética

normativa com o abandono da metaética, representando a independência da teoria

moral em relação à teoria do significado (epistemologia (Descartes); teoria do

significado e a teoria da mente).270 O ideal moral da justiça como equidade se

incorpora de uma forma muito mais profunda nos princípios primeiros da teoria ética.

268 Ibidem, p.56.269 Ibidem, p. 54-55.270 CIOTOLA, Marcello. A contribuição de Rawls para o progresso de retomada da razão prática.Revista do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá, Juris Poiesis, ano 15, n. 15, jan-dez., 2012, Rio de Janeiro.

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Isso é característico de doutrinas de direitos naturais (a tradição contratualista) em

comparação com a teoria da utilidade.271

Na justiça como equidade há uma conjunção dos princípios liberais (direitos

básicos e liberdades individuais); princípios igualitaristas (igualdade política e suas

repercussões sociais e econômicas) e princípio de diferença ou critério maximum de

justiça social, que se funda numa concepção de justiça própria dos contratualistas.

Os valores da liberdade, igualdade e fraternidade estão consubstanciados na

concepção de justiça de Rawls formulada por meio do princípio de liberdades e

direitos fundamentais; princípio da igualdade equitativa e princípio de diferença. O

certo é que tais princípios devem ser ordenados de maneira a oferecer proteção aos

direitos civis e políticos e garantindo uma igualdade equitativa de oportunidades,

sendo que aos que se encontram na parte inferior da distribuição de renda deve ser

dada a preferência dos recursos sociais mais escassos.

Para Rawls, o ideal de justiça na sociedade não é de igualdade

meritocrática272, sendo necessária uma cooperação social para definição das

instituições sociais necessárias para estruturar uma sociedade democrática. O

estado do bem-estar social e a ideia de democracia dos cidadãos-proprietários são

bem diferentes. No estado do bem-estar social a redistribuição de renda é o principal

mecanismo para que ninguém fique abaixo de um padrão de vida razoável, todavia,

esse sistema é ineficaz por não corrigir as disparidades de riquezas e permitir a

influência política. A distinção entre o estado do bem-estar social e a ideia de

democracia dos cidadãos-proprietários é explicada por Rawls:

(...) Uma das principais diferenças é que as instituições de fundo da democracia dos cidadãos-proprietários, com seu sistema de mercados

271 RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 39.272 Na Grécia antiga, Aristóteles reconhecia que a justa distribuição segundo o critério comparativodeve ter os valores descritos em cada constituição “a justiça na distribuição deve fundar-se em algum mérito, embora nem todos aludam ao mesmo mérito, pretendendo os democratas que radique nacondição livre, os oligarcas na riqueza ou na nobreza advinda do nascimento, e os aristocratas na virtude.” (ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006. p. 118). Eduardo Garcia Maynez, ao expor o pensamento aristotélico quanto ao critériopara estabelecer a igualdade entre as pessoas: “(...) ao repartir, o justo há de determinar-se segundo algum mérito, este princípio não só pressupõe que a repartição há de fazer-se entre dois ou mais sujeitos (o que implica a possibilidade de distingui-los) como também que a diferença, à que de atender quem reparte algo entre eles, é aquela que deriva de seus méritos. Para que se efetue, portanto, uma divisão justa, será preciso que o encarregado da divisão compare estas pessoas tendo em vista este aspecto.” (MAYNEZ, Eduardo Garcia. Douctrina aristotélica de la justiça. apud AZEVEDO, Plauto de Faraco de. Justiça distributiva e aplicação do direito. Porto Alegre: Fabris, 1983. p. 41.)

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competitivos (viáveis), objetiva dispersar a propriedade de riquezas e capitais e, assim, impedir que uma pequena parte da sociedade controle a economia e, indiretamente a própria vida política. (...) A ideia não é apenas ajudar os que levam a pior em razão do acaso ou dá má sorte (embora seja preciso fazê-lo), mas, pelo contrário, deixar todos os cidadãos em condições de administrar seus próprios assuntos e participar da cooperação social amparados no respeito mútuo em condições apropriadamente igualitárias. (...) A ênfase recai sobre a dispersão contínua ao longo do tempo da propriedade de capital e de recursos por intermédio das leis de herança e doação, sobre a igualdade equitativa de oportunidades garantidas por provisões para educação e treinamento etc., bem como sobre asinstituições que apoiam o valor equitativo das liberdades políticas.273

Rawls defende a redistribuição, porém com base no consentimento hipotético.

Ele argumenta que, se elaborássemos um contrato social hipotético partindo de uma

posição original de igualdade, todos concordariam com o princípio que

fundamentaria alguma forma de redistribuição.274

A partir da diretriz da posição original, em que as partes contratantes

escolhem os princípios de justiça que devem estruturar a sociedade justa e bem

ordenada, considerando a racionalidade deliberativa (um bem de um indivíduo deve

ser escolhido levando em conta também os interesses das outras partes envolvidas).

A posição originária é o status quo inicial apropriado e, assim, o acordo fundamental

atingido é equitativo.

Rawls explica sobre a posição original:

Diz-se que os parceiros na posição original são indivíduos teoricamente definidos, cujas motivações são precisadas pela análise dessa posição e não por uma concepção psicológica das motivações reais dos seres humanos. Aí está também uma parte do que se quer dizer quando se fala que o reconhecimento dos princípios particulares de justiça não é encarado como uma lei ou uma probabilidade psicológica, mas antes que ela decorreda descrição completa da posição original.275

Michael J. Sandel expõe sobre o que Rawls entende como um contrato social

– um acordo hipotético em uma posição original de equidade:

Analisemos agora uma experiência mental: suponhamos que, ao nos reunir para definir os princípios, não saibamos a qual categoria pertencemos na sociedade. Imaginemo-nos cobertos por um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem realmente somos. Não sabemos a que classe social ou gênero pertencemos e desconhecemos

273 RAWLS, 2008, Op. Cit, p.XL-XLI.274 SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 327-328275 RAWLS, 2002, Op. Cit, p.224.

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nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou crenças religiosas. Tampouco conhecemos nossas vantagens ou desvantagens – se somos saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se abandonamos a escola, se nascemos em uma família estruturada ou em uma família desestruturada. Se não possuíssemos essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade. Já que ninguém estaria em uma posição superior debarganha, os princípios escolhidos seriam justos.276

A interpretação de Michael J. Sandel sobre a posição original é rebatida por

Rawls:

(...) penso que Michael Sandel se equivoca quando pressupõe que a posição original implica uma concepção do eu “despojado de todos os seus atributos contingentes”, um eu que “possui uma espécie de status supra empírico e que recebe, anteriormente aos seus fins, um puro tema de açãoe de posse, definitivamente sem densidade.277

A posição original é hipotética ou imaginária que substitui o estado de

natureza por ser uma posição de igualdade. “Precisamos imaginar que aqueles que

se engajam na cooperação social escolhem juntos, num ato comum, os princípios

destinados a atribuir os direitos e os deveres básicos e a determinar o rateio dos

benefícios sociais.”278

Como explica Habermas:

(...) para construção da posição original, Rawls quebra o conceito de autonomia política plena em dois elementos: as características moralmente neutras das partes que procuram sua vantagem racional, de um lado, e as restrições situacionais moralmente substantivas sob as quais as partes escolhem princípios para um sistema de cooperação justa, de outro. Estas restrições normativas permitem com que as partes sejam dotadas com um mínimo de propriedades, em particular, a capacidade para ter umaconcepção de bem (e assim de ser racional).279

Destarte, é mister trazer a baila a resposta formulada por Juliano Fellini ao

questionamento sobre as características dos cidadãos, do ponto de vista da

liberdade e da igualdade, que devem ser incorporadas na posição original?

276 SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 178.277 RAWLS, 2002, Op. Cit, p.224.278 RICOEUR, Op. cit., p. 69.279 HABERMAS, Junger. Reconciliation Trhrough the Public Use of Reasen: Remarks on John Rawls’s Polítical Liberalism. Tradução de Ciaran Cronin in The Journal of Philosophy, volume XCII,nº 3, março de 1995, p.111.

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Os cidadãos de uma sociedade bem ordenada são livres em dois sentidos específicos. Em primeiro lugar, a sua liberdade se manifesta no direito de intervir nas instituições sociais em nome de seus interesses superiores e de seus fins últimos. (...) Em segundo lugar, o reconhecimento de si como fonte auto criadora de reivindicações legítimas é extensivo aos demais cidadãos,isto é, há o reconhecimento do outros como moralmente capazes de possuir uma concepção de bem que é dinâmica.280

Á luz da teoria da justiça como equidade pode-se afirmar que o exercício da

cidadania pressupõe a possibilidade de gozar de direitos fundamentais essenciais,

entre os quais se situa um lugar digno para morar, sendo que tal garantia exige do

poder estatal medidas concretas e articuladas para concretização desse direito, que

requer participação da sociedade no processo de definição, execução e avaliação de

resultados de políticas públicas atinentes ao direito à moradia.

Nos países em desenvolvimento, a relação entre Direito e Sociedade tem se

harmonizado por meio da participação de entidades e movimentos da sociedade

civil, com incentivo da teologia da libertação, que através das comunidades

eclesiásticas de base, orienta a sociedade para que exerçam pressão política no

processo decisório visando estabelecer um novo padrão de desenvolvimento que

não produza exclusão social.

Na busca pela efetividade do processo participativo é preciso trabalhar o

aspecto educativo, ou seja, criar mecanismos para que a participação popular

ocorra. Sendo necessário mais ainda, o cumprimento das decisões tomadas com

participação popular, posto que o Poder Público parece não estar acostumado a

lidar com os instrumentos de participação popular.

À luz dos elementos de construção de uma política pública, a doutrina tem

definido as seguintes atividades, a serem realizadas em parceria com a sociedade:

reconhecimento do problema; formação da agenda; formulação da política pública;

escolha da política pública a ser desenvolvida; implementação da política escolhida

e avaliação da política pública executada.

Confrontando essas propostas, parece cediço haver subversão nas políticas

sociais voltadas à concretização do direito à moradia, que mantém como principal

objetivo a reorganização do espaço físico-espacial, que já demonstrou ser

insuficiente para integração social e reverter à segregação social.

280 FELLINI, Op. Cit., p. 188.

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O art. 44 da Lei n° 10.257/01 (Estatuto da Cidade) traz em suas diretrizes a

importância da participação democrática da população no processo decisório. Diz: No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea “f” do

inciso III do art. 4o desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas

públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e

do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara

Municipal.

Assim, resta claro que uma efetiva participação da sociedade como um todo,

e principalmente, das famílias que serão beneficiadas é de suma importância para

resguardar e assegurar um efetivo estado democrático de direito.

Vale destacar nessa discussão a posição do Poder Judiciário, que é nesse

momento, um ator que pode cobrar dos órgãos governamentais a realização de suas

respectivas medidas administrativas, bem como é seu dever o controle judicial da

atividade da Administração Pública, para evitar desvirtuamentos fraudulentos na

implantação do programa, a citar: superfaturamento das obras, utilização eleitoreira

do programa, baixo alcance das metas a serem atingidas, entre outras situações que

inviabilizam a real e plena eficácia do programa, contribuindo para que o direito à

moradia digna se torne uma realidade.

A esse respeito, doutrinadores, como Gisele Cittadino281, apresentam

argumentos consistentes no sentido que “a previsão constitucional dos direitos

fundamentais expressa mais a vontade e a autodeterminação da comunidade do

que o reconhecimento do que os indivíduos naturalmente são.”

Na concepção da democracia do cidadão, numa sociedade aberta:

Povo” não é apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão. Povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional: como partido político, como opinião científica, como grupo de interesse, como cidadão.A democracia do cidadão está muito próxima da ideia que concebe a democracia a partir dos direitos fundamentais e não a partir da concepção segundo a qual o Povo soberano limita-se apenas a assumir o lugar do monarca.282

281CITTADINO, 2009, Op. Cit., p. 161.282HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos interpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição,tradução Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 37-38.

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Precipuamente ao que se refere à restrição da participação da sociedade no

processo de concretização do direito fundamental à moradia, pode-se inferir que

“(...) as tarefas constitucionais não encontram concretização, não necessariamente

por impedimentos materiais absolutos, mas muitas vezes por falta de vontade

política, ou por prioridades outras, que não aquelas enunciadas pela Carta de

Outubro.”283

Coaduna Carlos Roberto Siqueira Castro: “É forçoso e compreensível que as

dificuldades para efetividade de uma Constituição social democrática se agigantem

em ambientes sociais marcados por contradições classistas e agudas disparidades

regionais e sociais que fracionam o sentido de solidariedade e bloqueiam o espírito

comunitário.”284

A teoria da justiça como equidade visa encontrar as ideias fundamentais

relativas à liberdade, à igualdade, à cooperação social ideal e à pessoa,

estabelecendo-se três concepções-modelos básicas – a sociedade bem ordenada, a

de uma pessoa moral e a posição original. As duas primeiras, visam destacar os

aspectos essenciais da nossa concepção de nós mesmos como pessoas morais e

da nossa relação com a sociedade enquanto cidadãos livres e iguais.285 Já a

posição original tem um papel mediador. Ela serve para vincular a concepção-

modelo da pessoa moral aos princípios de justiça que caracterizam suas relações

entre cidadãos na concepção sociedade bem ordenada. Ela desempenha esse

papel fornecendo um modelo da maneira pela qual os cidadãos de uma sociedade

bem ordenada, isto é, definidos como pessoas morais, selecionariam idealmente os

princípios primeiros de justiça que se aplicam à sua sociedade.286

Vistas as principais ideias da teoria da justiça como equidade pode-se dizer

que a proposta de John Rawls é reestabelecer os valores e julgamentos normativos

numa discussão sob uma dimensão racional, visando identificar a concepção de

justiça política e social que os cidadãos de uma sociedade democrática devem ver

como razoável. No próximo item será estudo a estruturação de uma sociedade

considerando as instituições e cultura política de uma democracia constitucional.

283 VALLE , op. cit, p. 57284CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição Aberta e as Atualidades dos Direitos Fundamentais do Homem. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 258.285 RAWLS, 2000, Op. cit., p. 53.286 Idem

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2.4 A boa sociedade: John Rawls

Na estrutura básica da sociedade, em que a justiça é a primeira virtude das

instituições, o sujeito primário da justiça é a maneira como as principais instituições

sociais distribuem os direitos e os deveres fundamentais, articulam-se num sistema

equitativo de cooperação social ao longo do tempo e determinam o rateio das

vantagens da cooperação social.

As desigualdades sociais e econômicas são admissíveis sob duas condições:

ligarem-se as funções e posições abertas a todos em condições de justa igualdade

de oportunidades e servirem para maior benefício dos menos favorecidos (princípio

de diferença), ou seja, dentro da estrutura da instituição ou do sistema social, uma

injustiça evidente compensa a outra.

Cumpre ressaltar que independente das possíveis desigualdades sociais e

econômicas que existem até numa sociedade bem ordenada287, a obediência às

regras justas permanece sendo uma característica do cidadão desta sociedade.

Juliano Fellini explica sobre a sociedade estabelecida num sistema

cooperação:

(...) as pessoas relacionam-se por interesses que podem coincidir (a cooperação social pode tornar a vida individual melhor), assim como por interesses que podem colidir (desacordos sobre a distribuição dos benefícios conjuntamente produzidos). É diante de tais requerimentos que o papel da justiça deve se manifestar os princípios necessários para escolher entre os vários arranjos sociais os quais determinam esta divisão de vantagens e para subscrever um acordo acerca das quotas distributivasapropriadas.288

287 Na analogia da sociedade bem ordenada e o reino dos fins: “(...) conceber a noção de uma sociedade bem ordenada como uma interpretação da ideia do reino dos fins considerado como uma sociedade humana sob as circunstâncias da justiça; ora, os membros de tal sociedade são livres e iguais e, assim, nosso problema é encontrar uma versão da liberdade e igualdade que é natural descrever como kantiana.” No original: “(...) Think of the notion of a well-ordered society as an interpretation of the idea of a kingdom of ends thought of as a human society under circumstances of justice. Now the members of such society are free and equal and so our problem is to find a rendering of freedom and equality that it is natural to describe as Kantian.” (RAWLS, J. A Kantian Conception of Equality. In: FREEMAN, S. (org.) Collected Papers. Cambridge(Massachusetts): Harvard University Press, 1999, p. 264).288 FELLINI, Op. Cit, p. 139.

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Os interesses que induzem as pessoas se relacionarem e os arranjos sociais

que se estabelecem, levam a reflexão sobre quais elementos e critérios são

importantes para alcançar uma distribuição justa.

A conduta dos indivíduos norteada por seus planos racionais deve ser

coordenada, tanto quanto possível, para atingir resultados que, embora não

pretendidos ou nem previstos por eles, sejam, não obstante, os melhores do ponto

de vista da justiça social.289

Os princípios buscados são chamados de princípios da justiça social e se

resumem na tarefa de estabelecer uma forma de atribuir direitos e deveres nas

instituições básicas da sociedade e definir a distribuição apropriada dos ônus e

benefícios da cooperação social.

A sociedade bem ordenada se efetivamente regulada por uma concepção

pública de justiça, quando tais princípios cumprirem bem sua tarefa e a coesão

social está garantida, não obstante as incompatibilidades existentes entre as

diferentes intenções e objetivos que cada.

A ideia fundamental de sociedade pertencente à razão prática é explicitada

por Rawls:

Assim, a ideia fundamental de sociedade corresponde àquela cujos membros se envolvem não simplesmente em atividades originadas dos comandos de uma autoridade central, mas sim em atividades guiadas por normas e procedimentos publicamente reconhecidos, que aqueles que cooperam aceitam e consideram como normas que regulam de modo apropriado sua conduta. Obtemos uma ideia de sociedade política se a isso acrescentamos que as atividades cooperativas bastam para todos os principais objetivos da vida e que seus membros habitam determinadoterritório bem definido ao longo de gerações.290

Na justiça como equidade a sociedade é interpretada como um

empreendimento cooperativo para o benefício de todos. A estrutura básica é um

sistema de normas públicas que define um esquema de atividades que conduz os

homens a agirem juntos a fim de produzir um total maior de benefícios e atribui a

cada um deles certos direitos reconhecidos a uma parte dos ganhos.291

Os cidadãos são considerados como pessoas livres e iguais, “ou seja,

pessoas dotadas de uma personalidade moral que lhes possibilita participar de uma

289 RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 68.290 RAWLS, 2011, Op. Cit, p. 129.291 Ibidem, p. 102.

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sociedade vista como um sistema de cooperação equitativa voltada para a vantagem

mútua.”292 Os membros da sociedade são considerados livres e iguais em virtude

de possuírem as duas faculdades morais no grau necessário: o fato de serem

razoáveis e racionais, significa que são capazes de entender, aplicar e agir de

acordo com os dois princípios práticos, ou seja, possuem a capacidade de ter um

senso de justiça e uma concepção de bem.

A descrição da liberdade e da igualdade a partir da sociedade bem ordenada

é derivada de sua analogia com o reino dos fins, análoga à ideia prática do reino dos

fins, apresenta-se para os propósitos da teoria da justiça como um ideal de

sociedade e suas características estabelecem quesitos programáticos a serem

cumpridos pelo procedimento de construção que é a posição original.293

A ideia de cooperação social pode ser especificada destacando-se seus três

elementos:

a) A cooperação é guiada por normas e procedimentos publicamente reconhecidos, que aqueles que cooperam não só aceitam, como também consideram como reguladores efetivos da própria conduta.b) A cooperação envolve a ideia de termos equitativos de cooperação que especificam uma ideia de reciprocidade, em que todos os que fazem parte devem beneficiar-se de uma forma apropriada, avaliando-se por isso um padrão adequado de cooperação.c) A ideia de cooperação social requer uma noção de vantagem racional ou do bem de cada participante.294

A ideia de reciprocidade295 situa-se entre a ideia de imparcialidade, que é de

natureza altruísta (ser motivado pelo bem geral), e a ideia de benefício mútuo,

entendendo-a no sentido de que cada um deve se beneficiar em relação à situação

atual ou em relação à situação futura esperada, considerando-se as coisas como

são.296 Fazem parte do processo de transição as tensões entre os requisitos de

292 Ibidem, p. 211.293 FELLINI, Op. Cit, p. 189.294 RAWLS, 2011, Op. Cit, p. 17-18.295 Rawls explica que reciprocidade não é sinônimo de benefício mútuo, mas se encontra entre as concepções de imparcialidade e benefício mútuo, para tanto, descreve o seguinte exemplo: “Suponha-se que transportássemos pessoas de uma sociedade na qual a distribuição depropriedade, em grande medida resultante da sorte e do acaso, é muito desigual para a sociedade bem-ordenada, regulada pelos dois princípios de justiça. Nada garante que todos ganhariam com a mudança, caso julgassem de acordo com suas atitudes anteriores. Aqueles que possuem vastas propriedades perderiam muito e, historicamente, sempre resistiriam a mudanças desse tipo.” (Ibidem, p. 20)296 GIBBARD, Allan. “Theories of Justice” (Resenha), in University of California Press. Berkeley,1989.

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justiça e os interesses legítimos dos cidadãos que as instituições justas admitem. As

questões relacionadas às tensões não são abarcadas pelos princípios de justiça de

uma sociedade bem ordenada.

Os termos equitativos de cooperação social devem ser estabelecidos por um

acordo entre as próprias pessoas, subscrevendo uma concepção construtivista –

uma concepção que é política, não metafísica. Essa ideia de uma vida política

compartilhada não envolve a ideia de autonomia de Kant. O apelo, mais

precisamente, é ao valor político de uma vida pública conduzida com base em

termos que todos os cidadãos podem aceitar como equitativos. Isso nos leva ao

ideal de cidadãos democráticos que dirimem suas discordâncias fundamentais de

acordo com uma ideia de razão púbica.297

A sociedade bem ordenada promove o bem dos seus membros considerando

uma concepção pública de justiça298, sendo os princípios de justiça conhecidos e

aceitos por todos os membros e respeitados pelas instituições sociais fundamentais,

atendendo à necessidade que uma sociedade democrática tem de assegurar um

consenso sobreposto299 acerca dos seus valores políticos fundamentais.

Em uma sociedade justa, as liberdades fundamentais são inquestionáveis e

os direitos garantidos pela justiça não estão sujeitos a negociações políticas nem a

297 Razão Pública representa a união do dever de civilidade com os grandes valores do político nos dá o ideal de cidadãos que governam a si mesmo de maneira que cada qual acredita que seria razoável esperar que os outros aceitem; e esse ideal, por sua vez, encontra apoio nas doutrinas abrangentes que pessoas razoáveis professam. Os cidadãos subscrevem o ideal da razão pública não em virtude de um compromisso político, como em um modus vivendi, mas da perspectiva interna de suas doutrinas razoáveis. (...) Ao aceitar a concepção política como a base da razão pública sobre questões políticas fundamentais e, desta maneira, ao apelar somente para uma parte da verdade, os cidadão não estão se limitando a reconhecer o poder político de outros. Também estão reconhecendo que as doutrinas abrangentes dos demais, assim como a própria, são razoáveis, mesmo que as considerem equivocadas. (RAWLS, 2011, Op. Cit, p. 151-257)298Algum grau de consenso nas concepções de justiça não é, porém, o único pré-requisito para a validade de comunidades humanas. Há outros problemas sociais fundamentais, em especial os da cooperação, da eficiência e da estabilidade. (...) A desconfiança e o ressentimento corroem osvínculos de civilidade, e a suspeita e a hostilidade tentam as pessoas a agir de maneira que evitariam em outras circunstâncias. Assim, embora o papel característico das concepções de justiça seja especificar os direitos e os deveres fundamentais, e definir as parcelas distributivas apropriadas, o modo como determinada concepção o faz fatalmente influi nos problemas da eficiência, da coordenação e da estabilidade. (RAWLS, 2008, Op. cit., p. 07)299 A razão para que tal concepção possa ser o foco de um consenso sobreposto de doutrinasabrangentes está no fato de que essa concepção desenvolve os princípios de justiça a partir das ideias publicas e compartilhas de sociedade como um sistema equitativo de cooperação e de cidadãos como pessoas livres e iguais, valendo-se, para isso, da razão prática (se ocupa da produção de objetos de acordo com uma concepção desses objetos) comum dos próprios cidadãos. Ao acatar esses princípios de justiça, os cidadãos demonstram ser autônomos, em termos políticos, e de uma forma compatível com suas doutrinas abrangentes razoáveis. (RAWLS, 2011, Op. Cit, p. 107).

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cálculos dos interesses sociais.300 No exercício efetivo das liberdades fundamentais,

presume-se que as pessoas na posição original não trocarão uma liberdade menor

por vantagens econômicas maiores. Somente quando as condições sociais não

permitem a instituição plena desses direitos que se admitirão restrições.

O modelo de sociedade bem ordenada almejado por Rawls revela

características da sociedade americana considerada pelos liberais301 e a sociedade

socialdemocrata dos europeus, com a diversidade de doutrinas religiosas, filosóficas

e morais razoáveis encontrada em sociedades democráticas.

Numa sociedade democrática, os cidadãos estabelecem as convicções de

valor moral que desejam viver, constituindo a tolerância aos valores de vida dos

cidadãos a característica central da concepção de liberdade da teoria da justiça de

Rawls.

Uma sociedade justa ou, o que vem a ser a mesma coisa, uma sociedade

democrática, é aquela cujas instituições sociais, econômicas e políticas tratam seus

membros como pessoas moralmente iguais.302

Cidadãos livres e iguais numa sociedade democrática não são portadores de

autonomia política plena, sendo o objetivo do véu da ignorância neutralizar o “fato

pluralismo”, privando as partes da razão prática ao separá-las de suas próprias

personalidades, das contingências históricas e de suas concepções acerca da vida

digna, se constitui na primeira e provavelmente na mais fundamental garantia da

imparcialidade da concepção política de justiça.303

A concepção publicamente reconhecida de justiça é a forma apropriada de

ordenar uma democracia constitucional. Uma concepção de justiça pode fracassar

porque não consegue o apoio de cidadãos que professam doutrinas abrangentes

razoáveis (a disposição de propor e sujeitar-se a termos equitativos de cooperação)

ou porque não consegue o apoio de um consenso sobreposto razoável.

Quatro fatos gerais que ocorrem na cultura política de uma sociedade

democrática são a razão para que o fracasso de uma concepção de justiça: a) não

300 RAWLS, 2008, Op. Cit, p.34.301 Rawls tem por objetivo estabelecer a justificação de um estado liberal preenchido por um fortecomponente social: A sociedade liberal americana à luz do liberalismo político de Rawls se estrutura considerando que o exercício do poder político é apropriado e, portanto, justificável somente quando exercido em conformidade com uma Constituição cujos elementos essenciais se pode razoavelmente supor que todos os cidadãos subscrevam, à luz de princípios e ideais que são aceitáveis para eles, na condição de razoáveis e racionais. (RAWLS, 2011, Op. Cit, p. 255-256)302 RAWLS, 2008, Op. Cit, p.76.303 CITTADINO, 2009, Op cit., p. 100-101.

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ajustar as doutrinas religiosas, filosóficas e morais que cidadãos razoáveis

professam àquilo que se produz inevitavelmente da razão humana livre; b) o uso

opressivo do poder que tenha por objetivo uma única doutrina religiosa, filosófica ou

moral abrangente, como ocorreu na sociedade Medieval, que era unificada pela fé

católica e a supressão da heresia era necessária para preservar aquela fé religiosa

partilhada; c) um regime democrático que não seja dividido por confissões

doutrinárias fratricidas e por classes sociais inimigas e d) a cultura política de uma

sociedade democrática requer, pelo menos de forma implícita, certas ideias intuitivas

fundamentais a partir das quais é possível formular uma concepção política de

justiça apropriada a um regime constitucional.304

A articulação de uma concepção política de justiça, para um regime

constitucional que não colida frontalmente com as visões abrangentes, requer uma

visão de justiça que se sustenta por si própria com base nas ideias fundamentais de

uma sociedade democrática.

Desenvolver uma sociedade bem ordenada sob as modernas condições de

vida, sendo as instituições fundamentais dessa sociedade estabelecidas à luz da

justiça entendida como imparcialidade, significa dizer três coisas:

(...) a primeira é que se trata de uma sociedade na qual cada um aceita, e sabe que todos os demais aceitam precisamente os mesmos princípios de justiça; a segunda é que se reconhece publicamente, e nisso se acredita com boas razões, que a estrutura básica dessa sociedade – isto é, suas instituições políticas e sociais e a maneira como se articular em um sistema único de cooperação – implementa aqueles princípios; e a terceira, que seus cidadãos tem um senso de justiça que normalmente é efetivo e, em virtude disso, em geral agem em conformidade com as instituições básicasda sociedade, que consideram justas.305

A cada um é dada a possibilidade de viver de acordo com seus valores

morais, sendo oferecido o suporte necessário no que se referem os direitos,

liberdades, oportunidades e recursos sociais, para que sejam criadas as bases

sociais do respeito por si próprio, que é entendido por Rawls como o bem primário

mais importante:

304 RAWLS, 2011, Op. Cit, p. 43-45.305 Ibidem, p. 42.

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(...) os direitos e as liberdades fundamentais, e sua prioridade, garantem igualmente a todos os cidadãos as condições sociais imprescindíveis para o desenvolvimento adequado e o exercício pleno e bem-informado de suas duas capacidades morais – a capacidade de ter um senso de justiça e a capacidade de ter uma concepção do bem – no que chamo de dois casos fundamentais. (...) o primeiro caso fundamental é a aplicação dos princípios da justiça à estrutura básica da sociedade por meio do exercício do senso de justiça dos cidadãos. O segundo caso fundamental é a aplicação dascapacidades de razão prática e raciocínio dos cidadãos na formação, na revisão e na busca racional de sua concepção do bem.306

As duas capacidades morais atribuídas às pessoas capazes de participar

plenamente de um sistema equitativo de cooperação social: capacidade de ter senso

de justiça307 e a concepção do bem308 explana a ideia fundamental da justiça

política: a concepção de justiça é mais apropriada para especificar os termos da

cooperação social entre cidadãos concebidos como livres e iguais e como membros

cooperativos da sociedade ao longo da vida.

Como se verificou ao longo desse capítulo a justiça como equidade

apresenta uma defesa dos direitos e liberdades básicas, integrada com a igualdade

democrática, que embasam a concepção de democracia assim conceituada por

Rawls: “A democracia implica uma relação política entre os cidadãos no interior da

estrutura básica na qual nasceram e na qual normalmente passarão toda a vida.

Isso implica ainda igual participação no poder político coercitivo que os cidadãos

exercem uns sobre os outros ao votar e por outros meios.”309

Diante da concepção de democracia como estrutura básica da relação entre

cidadãos, indaga-se: como a democracia participativa deve ser inserida na

construção de políticas públicas como mecanismo de efetividade do direito

fundamental à moradia? Um fator importante é a vinculação da Administração

Pública ao que for decidido na consulta pública. Todavia, esse estudo merece um

capítulo próprio que será tratado no capítulo seguinte.

306 Idem307 Senso de justiça é a capacidade de entender a concepção pública de justiça que caracteriza os termos equitativos de cooperação social, de aplicá-la e agir em conformidade com ela. Dada a natureza da concepção política de especificar uma base pública de justificação, o senso de justiçatambém expressa uma disposição, quando não o desejo, de agir em relação a outros em termos que eles também possam endossar publicamente. (Ibidem, p. 22)308 A capacidade de ter uma concepção do bem é a faculdade de constituir, revisar e se empenhar de modo racional na realização de uma concepção do próprio benefício racional ou do bem. (...) Desse modo, uma concepção do bem normalmente consiste em um sistema mais ou menos articulado defins últimos, isto é, fins que queremos realizar por eles mesmos, assim como os vínculos com outras pessoas e os compromissos com diferentes grupos e associações. (Ibidem, p. 23)309 Ibidem, p. 256.

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3. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA COMO MECANISMO DE EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Esse capítulo tem por objetivo verificar se a democracia participativa deve ser

inserida na construção de políticas públicas como um mecanismo de efetividade do

direito fundamental à moradia.

A democracia participativa busca o estreitamento das relações entre a

sociedade e o Poder Público, numa abertura do Estado à participação popular em

face dos problemas enfrentados pela democracia representativa, que exigem da

sociedade civil deixar a passividade para lutar pela garantia dos seus interesses.

José Maria Gómez analisando o momento enfrentado pela democracia expõe:

Os governos radicalmente comprometidos com as reformas pró-mercado, em lugar de buscar o apoio mais amplo possível através de negociações e pactos e de um forte envolvimento das instituições representativas, empenham-se em enfraquecer e tornar ineficazes as oposições partidárias e sindicais e o próprio jogo das instituições democráticas em benefício do mais puro decisionismo autoritário e estilo tecnocrático de governo. (...) a corrupção e a falta de responsabilidade no manejo dos assuntos públicos vão juntas com a degradação da cultura cívica e dos laços de solidariedade no próprio seio da sociedade civil, contribuindo assim a reforçar uma cidadania extremamente passiva. Longe de avançar no sempre difícil caminho do fortalecimento das instituições, práticas e valores democráticos, a democracia se torna nestas latitudes, como diz O’Donnell, cada vez mais ‘delegada’ nas figuras presidenciais e nas equipes técnicas e, consequentemente, cada vez menos representativa e participativa comrelação com relação ao cidadão comum.310

A Constituição da República de 1988 inovou ao permitir a participação direta

da população na gestão da coisa pública (art. 1º, parágrafo único), mitigando a

democracia representativa que recebe críticas, em todo o mundo, quanto às falhas

existentes na determinação da vontade popular tão-somente pela representação, em

especial em sistemas que adotavam, como no Brasil, o sistema presidencialista de

governo.

O art. 1º, parágrafo único da CR/88 descreve o princípio da democracia

constitucional garante-se entre outros:

310 GÓMEZ, José Maria. Política e democracia em tempos de globalização. Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p. 41-42.

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a) pelo reconhecimento do direito fundamental de dizer não; b) por meio das diversas formas de participação e de representação políticas dos vários pontos de vista ideológicos presentes na sociedade nos processos legislativos de produção das leis e das demais decisões jurídico-políticas; c) pelos mecanismos participativos e representativos de fiscalização do governo; d) por meio de direitos processuais de participação nas diversas deliberações coletivas e sociais; e) pelo reconhecimento das identidadescoletivas sociais e culturais; f) por ações afirmativas que visam à inclusão social e cultural.311

O Estatuto da Cidade enquanto lei ordinária que estabelece diretrizes para a

política de desenvolvimento urbano por força de permissivo constante na

Constituição da República de 1988 atende a exigência do art. 1º, parágrafo único da

Lei Maior.

A participação popular insere-se na pauta da democracia participativa,

composta por quatro princípios: a dignidade da pessoa humana, a soberania

popular, a soberania nacional e a unidade da Constituição.312 Essa ideia, no entanto:

(...) só será possível a partir de uma Sociedade Democrática de Direito, concebida como resultado de um novo projeto de racionalidade e de civilidade social não meramente instrumental. Tal projeto diz respeito a uma também nova concepção de sociabilidade calcada em valores e objetivos humanitários e solidários, forjado não pela lógica da exclusão social, mas pela premissa de que todos somos cidadãos e merecemos tratamento econsiderações iguais.313

Hodiernamente, a participação da sociedade é um imperativo inafastável do

Estado Democrático de Direito, com atuação na estrutura social que está inserido.

Podemos associar “a ideia de uma cidadania ativa à noção de cidadania republicana

ou comunitária, e a ideia de cidadania passiva à noção de cidadania imperial ou

liberal.”314

O sistema jurídico brasileiro recepcionou a democracia baseada num ideal

democrático que repousa nos princípios da soberania popular e participação do povo

311 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Comentário ao artigo 1º, parágrafo único. In: CANOTILHO, J.J Gomes; MENES, Gilmar F; STRECK, Lenio L; (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 139.312 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 10.313 LEAL, 2003. Op. cit., p. 44.314 BONIZZATO, Luigi. O Advento do Estatuto da Cidade e Consequências Fáticas em Âmbito da Propriedade, Vizinhança e Sociedade Participativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 161.

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no exercício do poder político.315

Como bem salientado por Luigi Bonizzato:

Entretanto, apesar dos variados empecilhos históricos impeditivos da criação de uma cultura democrática participativa avançada, nos moldes do que alhures se encontra, é mister reforçar o pensamento de que, mesmo ainda distante do ideal, o constitucionalismo atual forneceu meios de exercício da cidadania eficazes, os quais, em comunhão com um paralelo processo de conscientização da população, servem de apoio para umapossível participação da sociedade em questões que, outrora, reservavam- se somente aos detentores do poder político.316

As modificações realizadas pelo caráter democrático nas relações entre

sociedade e Estado têm se configurado de diversas formas, por meio de ações não

institucionalizadas e por meio da ocupação de espaços institucionalizados,

usufruindo dos diversos mecanismos de participação social, com a intenção de

interferir nos processos decisórios de políticas públicas com vistas a garantir as

condições mínimas de vida ao cidadão e à comunidade.

Para a proteção e promoção dos direitos fundamentais sociais, mais

precisamente a moradia, é necessário um agir preciso, vinculado juridicamente a

valores que não permitam a intervenção lesiva ou a omissão estatal que possa ser

atentatória a eles.317

Destacam-se as críticas feitas por Rogério Gesta Leal à questão dos

problemas sociais graves em torno da moradia:

O estranho e paradoxal é que, no exato momento em que as autoridades governamentais no Brasil, oficialmente, reconhecem o direito de moradia como um dos primeiros passos para a conquista do direito à cidade, nos termos da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que alterou a redação do art. 6º da Constituição Federal, elevando-a ao status de direito constitucional, fazem vistas grossas ao profundo déficit de políticas públicas atinentes à matéria, bem como a temas correlatos a ela,como a da propriedade urbana, o do parcelamento do solo, o das políticas nacionais sobre o desenvolvimento urbano etc.318

315 Regina Maria Macedo Nery Ferrari expõe que: “O ideal democrático repousa: 1. No princípio da soberania popular, pelo qual o povo é a única fonte de poder; 2. No princípio da participação do povo no exercício do Poder Público pelas autoridades públicas, e inclui sua realização, pelos detentores do poder.” (FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. O Desenvolvimento da Democracia como resultado da efetiva participação do cidadão. In GARCIA, Maria (coordenação). Democracia Hoje, um modelo político para o Brasil. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997, p. 214).316 BONIZZATO, Op. Cit.,p. 162.317 MELO, Ligia, Op. Cit., p. 118.318 LEAL, 2003. Op. cit., p. 41-42.

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Neste capítulo, a pesquisa realizada foi dividida em dois itens, sendo que no

primeiro item se estuda os mecanismos de exercício da democracia participativa

para efetividade do direito fundamental à moradia, enfatizando-se a análise dos

mecanismos de descentralização e democratização no processo de planejamento

urbano, com destaque para a audiência pública, o plano diretor participativo e o

orçamento participativo.

No segundo item, o estudo evidencia as medidas judiciais como mecanismos

de efetividade do direito fundamental à moradia. Resta invariavelmente evidenciada

a primordial função do Poder Judiciário para a realização da participação cidadã.

Gisele Cittadino, corroborando com o exposto sobre a atuação do Poder

Judiciário à efetividade da participação cidadã, explicita que será:

através dos vários institutos previstos no texto constitucional, a efetivação das normas constitucionais protetoras dos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, o sistema de direitos assegurados pela Constituição Federal apenas terá efetividade mediante a força da vontade concorrente dos nossos cidadãos em processo políticos deliberativos. Esta cidadania juridicamente participativa, entretanto, dependerá, necessariamente, da atuação do Poder Judiciário – especialmente da jurisdição constitucional -, mas sobretudo do nível de pressão e mobilização política que, sobre eles,se fizer.319

Assim, examinam-se as ações constitucionais: ação direta de

inconstitucionalidade por omissão (ADO)320, arguição de descumprimento de

preceito fundamental (ADPF)321 e mandado de injunção (MI)322, por representarem

319 CITTADINO, 2009, Op. Cit., p. 231-232.320 ADO é a ação cabível para tornar efetiva norma constitucional em razão de omissão de qualquerdos Poderes ou de órgão administrativo. Como a Constituição Federal possui grande amplitude de temas, algumas normas constitucionais necessitam de leis que a regulamentem. A ausência de lei regulamentadora faz com que o dispositivo presente na Constituição fique sem produzir efeitos. A ADO tem o objetivo de provocar o Judiciário para que seja reconhecida a demora na produção da norma regulamentadora. Caso a demora seja de algum dos Poderes, este será cientificado de que a norma precisa ser elaborada. Se for atribuída a um órgão administrativo, o Supremo determinará a elaboração da norma em até 30dias. (http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=482)321 É um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou reparar lesão apreceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Neste caso, diz-se que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza equivalente às ADIs, podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a Constituição Federal, mas tal norma deve ser municipal ou anterior à Constituição vigente (no caso, anterior à de 1988). A ADPF é disciplinada pela Lei Federal 9.882/99. Os legitimados para ajuizá-la são os mesmos da ADI. Não é cabível ADPF quando existir outro tipo de ação que possa ser proposto. (http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=481)

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as medidas judiciais que a participação social no processo democrático se dá

através do Poder Judiciário, exigindo-se do Poder Legislativo e/ou Executivo que

realizem os atos apropriados e se ocupem de certas atividades da maneira exigida

na Constituição Federal de 1988.

3.1 MECANISMOS DE EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA PARA EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

A democracia assumiu um papel de destaque no século XX. A revisão da

teoria democrática tem como objetivo emergir critérios de participação política que

não se resumem ao simples ato de votar, objetiva estabelecer a democracia como

um valor intrínseco e não meramente uma utilidade instrumental.

Habermas esclarece sobre o pensamento republicano e a participação ativa

dos cidadãos:

(...) O conceito republicano da “política” não se refere aos direitos dos cidadãos privados à vida, à liberdade e à propriedade, garantidos pelo Estado, porém, em primeira linha, à prática de autodeterminação de cidadãos orientados pelo bem comum, que se compreendem como membros livres e iguais de uma comunidade cooperadora que a si mesma se administra. Direito e lei são secundários em relação ao contexto vital ético de uma polis na qual a virtude da participação ativa pode desenvolver- se e estabilizar-se nos negócios públicos. O homem só pode realizar o telosde sua espécie nesta prática de cidadania.323

A consequente degradação da qualidade de vida ocasionada pela crescente

urbanização levou a ONU, na década de 60 (sessenta) do século passado a realizar

uma série de conferências324. Neste contexto ocorreu a Conferencia de Vancouver

de 1976, que originou o Programa Habitat, onde foram produzidos os documentos:

“Declaração de Vancouver” e “Plano de Ação Vancouver”, que valorizaram o

planejamento nas instâncias nacionais e um Estado regulador.

322 Processo que pede a regulamentação de uma norma da Constituição, quando os Poderes competentes não o fizeram. O pedido é feito para garantir o direito de alguém prejudicado pela omissão. (http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=M&id=188)323 HABERMAS, 2012, Op. cit., p. 331.324 Conferencia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972), Conferencia Mundial de População (Bucareste, 1974) e Conferencia Mundial de Alimentação (Roma, 1974).

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Autores entendem que a Conferência abriu espaço para o reconhecimento da

participação direta da sociedade organizada na definição e elaboração de políticas e

programas dirigidos ao planejamento, produção e melhoramento de seus

assentamentos urbanos.325

No ano de 1992, o Brasil ratificou o Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais - uma das fontes mais importantes do direito

internacional na proteção da moradia adequada – em seu art. 11 dispõe: “Os

Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível

de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e

moradia adequada, assim como a uma melhoria continua de suas condições de

vida.”326

Em 1996, ocorreu em Istambul, a Conferência Habitat II – Cúpula das

Cidades. Essa Conferência destacou a importância da participação dos novos atores

políticos, no sentido da construção da esfera política não estatal, antecedendo a

tendência mundial de restrição à atuação do Estado.327

Em 2001, estabeleceu-se o Fórum Social Mundial na ocasião, foi apresentada

uma Carta Mundial do Direito à Cidade pela ONG FASE, na VI Conferência

Brasileira de Direitos Humanos, com apoio ativo dos instrumentos internacionais de

direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, como

estratégia estabelecida por um conjunto de organizações da sociedade atuantes nas

questões urbanas.328

Desde então, houve a constituição de comitês em cada país, com objetivo de

integrar os diferentes setores comprometidos na construção das cidades na

preparação de planos nacionais, elaboração de indicadores e avaliação, e

estabelecimento de melhores práticas. Muito importante e necessária à participação

local das organizações não governamentais que atuam efetivamente como

ferramentas de organização da sociedade civil, espaço para discussões plurais e

325 ANTONUCCI, Denise, KATO, Volia Regina C., ZIONI, Silvana, ALVIM, Angélica B. UM-Habitat: 3 décadas de atuação. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.107/56. Acesso em janeiro de 2016.326 BRASIL. Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm> Acesso em: janeiro de 2016.327 MATEUS, Douglas Predo. A participação dos entes subnacionais na construção do direito ambiental urbano. Cadernos de Dereito Actual. nº 3 (2015), pp. 295-308. Disponível em:http://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/view/52/44 Acesso em: janeiro 2016.328 DIAS, Maria Tereza Fonseca; CALIXTO, Juliano dos Santos. Op. cit., p. 229-249.

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elementos de pressão política sobre o poder instituído, na busca da construção de

políticas públicas.329

A mudança significativa na atuação dos cidadãos, no que tange o direto à

moradia, deu-se após a Carta Maior de 1988 e a promulgação da Emenda

Constitucional 26 de 2000, que resguardou o direito à moradia como direito social

fundamental, dando maior sustentação à formação de políticas públicas e conferindo

aos cidadãos direitos públicos subjetivos oponíveis ao Estado. Houve uma maior

participação da sociedade civil, principalmente, sob a forma de pressão política por

moradias ou melhores condições de vida urbana.

O Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 2001) regulamentou os artigos 182 e 183

da Constituição da República de 1988, diploma legal coerente com a supremacia do

ser humano, que tem como princípios a cidadania e a dignidade da pessoa humana

(art. 1º, II e III da CR/88), sendo esses valores levados em conta nas políticas

urbanas.

A Lei 10.257 de 2001 estabelecendo como diretrizes gerais a serem seguidas

pela União, Estados e, principalmente, os Municípios à participação popular na

gestão municipal, verbis:

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I - (...);II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

A gestão democrática exige que o gestor público atue em conjunto com a

sociedade unindo esforços para o atingimento da finalidade pública:

A implementação do princípio da participação popular no governo, consoante o Estado Democrático de Direito, é um remédio a ser aplicado para corrigir essa ausência de diálogo de uma sociedade oligárquica e patrimonialista. Daí sobrelevar-se a importância da educação política como condição inarredável para uma cidadania ativa numa sociedade republicana e democrática.330

329 MATEUS, Op. cit., p. 295-308.330 OHLWEILER, Leonel Pires. Políticas públicas e controle jurisdicional: uma análise hermenêutica à luz do Estado democrático de direito. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. (Org).Direitos fundamentais, orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 336.

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Ralfo Edmundo da Silva Matos expõe de forma esclarecedora às diretrizes

envolvidas na gestão democrática da cidade, que está prevista no art. 29, VII e XII

da Constituição da República de 1988, regulada pelo Estatuto da Cidade nos artigos

2º, II c/c XII; 4º; 40. § 4º; 42, II; 43; 44 e 45:

Quando se propõe a gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, o que está em jogo são os meios e as formas a serem utilizadas com vistas à capacitação e habilitação da população para sua interação com as linguagens, procedimentos analíticos e proposições que fazem parte do planejamento. O investimento em educação formal, divulgação de material informativo, distribuição de sinopses do plano, mobilização e convocação periódica da população, é menos dispendioso financeiramente do que no caso da diretriz anterior, mas nem sempre desejável pelas administrações municipais, umavez que politiza o processo de planejamento e gestão.331

A gestão democrática da cidade deverá utilizar de instrumentos presentes nos

artigos 43 a 45 da Lei 10.257/2001, quais sejam: órgãos colegiados de política

urbana; audiências e consultas públicas; conferências sobre assuntos urbanos;

iniciativa popular de projeto de lei e de planos; programas e projetos de

desenvolvimento urbano; plebiscito e referendo; gestão do orçamento; regiões

metropolitanas e aglomerações urbanas. Assim, o processo de planejamento

incorpora a participação da população nos eventos deliberativos e na discussão

orçamentária, seleção e execução de projetos.

O Estatuto da Cidade previa, ainda, a possibilidade de o Município utilizar do

plebiscito e do referendo popular como instrumentos para a gestão democrática da

cidade (art. 43, V), todavia, este dispositivo foi vetado pelo Presidente da República,

sob o argumento que os instrumentos de soberania popular já estão previstos na Lei

9.709/1998, cujo artigo 6º permite que haja a convocação de plebiscitos e referendos

populares, em conformidade, respectivamente, com a Constituição Estadual e com a

Lei Orgânica.

Assevera Luigi Bonizzato sobre a importância do papel do cidadão para

efetividade do Estatuto da Cidade:

331 MATOS, Ralfo Edmundo da Silva. Planejamento urbano no Brasil, Trajetória, avanços e perspectivas. in COSTA, Geraldo Magela; MENDONÇA, Jupira Gomes de (Org.). Planejamento Urbano no Brasil: Trajetória, Avanços e Perspectivas. Belo Horizonte: Coleção Arte, 2008, p. 158.

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(...) visto que diversas são as normas determinativas de convocações da participação cidadã na elaboração das políticas urbanas, cabendo ressaltar, desde o processo de criação e aprovação de leis municipais, até a obrigatoriedade de opinar em casos concretos e intimamente relacionados àqualidade e hábitos de vida em específica comunidade urbana.332

Uma cidadania participativa é fator essencial e absolutamente imprescindível

para o avanço das relações e instituições democráticas no país, além de ser

fundamental peça de ajuste para um melhor e mais equitativo e qualitativo

desenvolvimento urbano.333

Nesta nova sistemática, é necessário trazer para a negociação atores não

governamentais, como forma de legitimar as ações e políticas a serem implantadas

seguindo o planejamento urbano integrado destinado a resolver os problemas que

afetam a sociedade.

No tocante aos mecanismos de participação a característica fundamental é

que permite a sociedade parcela de responsabilidade nas tomadas de decisões do

Poder Público.

Associando-se a ideia da participação da sociedade na administração pública

Marcos Augusto Perez explicita:

O que se pode afirmar, no entanto, é que nunca, como hoje, a participação popular foi colocada em tão grande relevo na ordem dos pré-requisitos para a efetiva realização da democracia. Quando assim nos expressamos, fazemos referência a uma participação ativa do cidadão, participação entendida como ‘tomar parte pessoalmente’, como vontade ativa, predeterminada, consciente ou, porque não dizer, cívica.(...)Também é necessário constatar e afirmar que a democracia, em seu grau de desenvolvimento mais atual, está preocupada com a realização do chamado status activae civitatis, ou seja, a democracia hodierna tem comofinalidade a plena realização dos direitos políticos de interferência das pessoas na própria atividade do Estado, na formação de sua vontade. 334

No entanto, para materializar políticas públicas é imperioso que os governos e

a própria sociedade assumam-se como corresponsáveis por este processo e tenham

a capacidade de construir espaços públicos de aprendizagem social, quer dizer, um

332 BONIZZATO, Op. Cit., p. 165.333 Ibidem, p. 163.334 PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 32-35.

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planejamento temporalizado, mas preparado para o acontecer ou os fracassos

possíveis da democracia.335

Recentemente, em fevereiro de 2015, sob a relatoria do Min. Celso de Mello

foi julgado o Recurso Extraordinário: RE 796347 / RS - RIO GRANDE DO SUL, no

qual se decidiu sobre a legitimidade do Ministério Público realizar termo de

ajustamento de conduta com Munícipio para se estabelecer saneamento básico,

como medida necessária a garantir a moradia digna e o meio ambiente

ecologicamente equilibrado336:

DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que, confirmado em sede de embargos de declaração pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, está assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E O MUNICÍPIO DE PANAMBI. APRESENTAÇÃO DE PROJETO E REALIZAÇÃO DE OBRAS PARA SANEAMENTO BÁSICO E PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE.DESCABIMENTO. É certo que a moradia digna, com saneamento básico, e o meio ambiente ecologicamente equilibrado, em observância às políticas fundiárias, bem como à ordem urbanística, são direitos garantidos pela Constituição Federal, constituindo séria questão a ser considerada. Há, todavia, inúmeros outros direitos constitucionalmente assegurados, não implementados, incumbindo exclusivamente à atividade administrativa resolver a questão, sob pena de a conduta do administrador restar pautada pelo ajuizamento e decisões prolatadas em ações civis públicas, bem como de execução de termos de ajustamento de conduta, comprometendo a independência entre os Poderes.(...) O caso ora em exame põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 225 da Constituição da República, que assim dispõe: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.” Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que

335 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 307.336 Jorge Miranda explica que após a Segunda Guerra Mundial começaram a sentir com mais nitidez a interação dos fatores tecnológicos, dos fatores demográficos e a exiguidade do Planeta: “O meio ambiente e os recursos naturais vêm, por isso, concitando uma crescente preocupação, pelasameaças paralelas que vão sofrendo tanto pelo modo de vida das sociedades ditas desenvolvidas e do homem convertido em consumidor como pelas situações de carência de sociedades pobres que não conseguem sobreviver sem o recurso à utilização, ou à destruição mesmo, dos frutos da natureza de que podem dispor sem intermediários.” (MIRANDA, Jorge. O Meio Ambiente e a Constituição. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Porto/Portugal, ano X, p. 181-182, dez. 2013).

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todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se– consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO) com apoio em douta lição expendida por CELSO LAFER (“A reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras) – de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano. Tal circunstância, por isso mesmo, justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade (PAULO AFFONSO LEME MACHADO, “Direito Ambiental Brasileiro”, p. 121/123, item n. 3.1, 13ª ed., 2005, Malheiros) – de defender e de preservar essa magna prerrogativa em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social. (....) Dentro desse contexto, emerge, com nitidez, a ideia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais (pelos Municípios, inclusive), qualificando-se como encargo irrenunciável que se impõe – sempre em benefício das presentes e das futuras gerações– tanto ao Poder Público quanto à coletividade em si mesma considerada (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Polícia do Meio Ambiente”, “in” Revista Forense 317/179, 181; (...) São todos esses motivos que têm levado o Supremo Tribunal Federal a consagrar, em seu magistério jurisprudencial, o reconhecimento do direito de todos à integridade do meio ambiente e a competência de todos os entes políticos que compõem a estrutura institucional da Federação em nosso País, com particular destaque para os Municípios, em face do que prescreve, quanto a eles, a própria Constituição da República (art. 30, incisos I, II e VII, c/c o art. 23, incisos II e VI): “A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe ao Estado e à própria coletividade a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e das futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos seimpõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. (grifamos)337

Essas questões requerem um esforço conjugado de todos os setores da

sociedade, no sentido de impor ao Poder Público e à coletividade que procurem criar

condições para o desenvolvimento sustentável338, cumprindo com o dever de

337 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 796347 / RS. Segunda Turma. Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Recorrido: MUNICÍPIO DE PANAMBI. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 19/02/2015. DJe 03/03/2015. Disponível em:< http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/178758744/recurso-extraordinario-re-796347-rs-rio- grande-do-sul. Acesso em: 23 janeiro 2016 (ANEXO 3)338 José de Oliveira Ascensão ao analisar do uso da ação popular como mecanismo da participação popular na defesa do meio ambiente no que se refere ao dano ambiental puro, como regulada noordenamento jurídico português, faz uma crítica a conjugação de esforços da sociedade e do Poder

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defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, sendo

esse um direito inserido na categoria de direitos ou interesses difusos, uma vez que

são direitos transindividuais e indivisíveis, estando as pessoas ligadas por

circunstâncias de fato.339

Certo é que, a Constituição foi capaz de incorporar novos elementos culturais,

surgidos na sociedade, na institucionalidade emergente, abrindo espaço para a

prática da democracia participativa.340

Dentre as formas de participação que emergiram no Brasil com a Constituição

da República de 1988 e a Lei 10.257/2001, ambos os texto de grande importância

para o desenvolvimento sustentável do país e superação das desigualdades

socioespaciais, com a introdução de um novo modelo de planejamento urbano na

ordem jurídica brasileira, destacam-se nos subitens os principais institutos que

garantem a efetividade desse modelo: a audiência pública; o plano diretor

participativo e o orçamento participativo, que motivaram a participação dos atores

sociais nas formas efetivas de deliberação em nível local.

3.1.1 AUDIÊNCIA PÚBLICA

A audiência pública é um instrumento que se destina a permitir a participação

popular, surgida no direito anglo-saxônico que adquire sua expressão maior no

direito americano como right to a fair hearing. O ordenamento jurídico nacional

Público que se enquadra no que acontece no ordenamento jurídico brasileiro: “Encontramo-nos numa situação paradoxal. Tudo se entrega ao Estado, porque os Estados modernos, que incharam demasiado, não veem com bons olhos a partilha das suas atribuições com a sociedade civil. (...) A participação popular adoça o quadro. Mas, quer nas fontes nacionais quer nas supranacionais, aquela vai ficando diluída, reduzindo-se efetivamente a bem pouco: praticamente à informação e à abertura atempada à pronúncia dos interessados.” (ASCENSÃO, José de Oliveira. A participação popular na defesa do meio ambiente: uma inconstitucionalidade por omissão? in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda. Direito Constitucional e Justiça Constitucional. Vol. II, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012, p. 264-265).339 Nesse sentido, Nelson Saule Júnior expõe: O desenvolvimento das funções sociais da cidade, por ser interesse de todos os habitantes da cidade, se enquadra na categoria de direitos difusos, poistodos os habitantes são afetados pela atividades e funções desempenhadas nas cidades: proprietários, moradores, trabalhadores, comerciantes e migrantes têm como contingência habitar e usar o mesmo espaço territorial. Logo, a relação que se estabelece entre os sujeitos é com a cidade, que é um bem de vida difuso. (SAULE JÚNIOR, NELSON. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas públicas. In SAULE JÚNIOR, NELSON (Org.). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007, p.53)340 SANTOS, Boaventura de Souza, 2003, Op. cit., p. 65.

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passou a prever a figura da audiência pública com a instalação da Assembleia

Constituinte Congressual, em março de 1987, através do art. 24 do Regimento

Interno da Constituinte, que passou a possibilitar a realização de audiências públicas

nas subcomissões temáticas. Em seguida, leis federais passaram a prever o

instituto.341

Agustín Gordillo explica que: “Tanto no direito inglês quanto no direito

americano, a audiência pública é considerada como parte da garantia clássica de

audiência prévia, integrante do devido processo legal em sentido substancial.”342

A audiência pública serve para que as autoridades incumbidas da elaboração

e da execução do plano diretor e de outras ações urbanísticas possam buscar as

soluções que melhor atendem a comunidade. A audiência pública é, na verdade,

uma modalidade de consulta, só que com o especial aspecto de ser

consubstanciada fundamentalmente através de debates orais em sessão

previamente designadas data e local para esse fim. A sessão é realmente pública,

dela poderão participar quaisquer pessoas.343

As audiências públicas integram o perfil caracterológico dos Estados

Democráticos de Direito modelados pelo constitucionalismo europeu do pós-guerra,

para o qual o poder político não apenas emana do povo e em seu nome é exercido

(democracia representativa), mas comporta a participação direta do povo (a fórmula

de democracia mista ou plebiscitaria inscrita no parágrafo único do artigo 1º da

Constituição da República de 1988).344

A finalidade da audiência pública é a publicidade345, permitindo a

intercomunicação entre as autoridades e os cidadãos, com a ampla discussão e

341 MENCIO, Mariana. Regime jurídico da audiência pública na gestão democrática das cidades. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2007, p. 112.342 GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. Tombo 2: la defesa del usuário ydel administrado. 6ª ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2003, p. XI-2.343 FILHO, José. Op. Cit., p. 296.344 JÚNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Nova Lei das Licitações Públicas. Rio de Janeiro: Renovas, 1993, p. 200-201.345 A Lei 10.257/2001, no art. 40, § 4º, determina aos Poderes Legislativo e Executivo Municipais que garantam a realização de audiências públicas e a publicidade dos documentos e informações produzidas, verbis: Art. 40. § 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de suaimplementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

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transparência346, em que o Poder Público exibe os fundamentos da sua escolha e

para que ouça e se questione a possibilidade da proposição de outras formas.

Considera-se que, se a Constituição da República de 1988 prescreve uma

atuação participativa, a audiência pública não pode ser mera formalidade, mas,

verdadeiramente, deve-se constituir no meio pelo qual decisões vão ser tomadas. E,

certamente, se a lei impuser a audiência pública, afigura-se que a sua falta, ou,

então, sua realização de forma viciada invalida o procedimento, posto que há de se

aplicar na sua inteireza o devido processo347 com todos os princípios que lhe são

inerentes.348 A audiência pública, se convenientemente executada, trará legitimidade

e eficiência para as decisões administrativas tomadas.349

São princípios constitucionais que orientam o exercício da audiência pública

são: princípio democrático, da igualdade, devido processo legal, legalidade,

moralidade, publicidade e eficiência.

Havendo previsão da realização obrigatória de audiência pública e não sendo

inobservado pela autoridade administrativa, o processo administrativo será

considerado inválido. A Administração Pública através da autotutela deverá decretar

a nulidade do ato, caso não faça, os administrados, por meio do controle judicial,

346 A transparência garante à Administração trazer a tão desejada eficiência, fugindo-se da corrupção administrativa, infelizmente prática mais comum do que seria tolerável num país atento aos princípios constitucionais e democráticos descritos na Constituição da República de 1988.347 A audiência pública assume a conotação do devido processo legal, como expõe Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “Sua institucionalização está conotada ao conceito formal do devido processo da lei, partindo-se da necessária existência de um direito individual que qualquer pessoatem de ser ouvida em matéria em que esteja em jogo seu interesse, seja concreto seja abstrato.” (NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Audiências Públicas. In Revista de Direito Administrativo. Rio de janeiro, nº 210, p. 11-23, out/dez, 1997).348 No tocante a inobservância da condicionante da publicidade prévia e da participação de entidades comunitárias como previsto no art. 29,VII da Constituição da República de 1988, há jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se manifestando de forma a considerar que a sua nãogarantia na produção e implementação do plano diretor gera a caracterização de inconstitucionalidade da Lei. Nesse sentido, decidiu o Tribunal do Rio Grande do Sul no julgamento das ADI’s: 70003026564 e 70002576239. Tanto na primeira ADI, proposta contra uma Lei Municipal que instituiu o Plano Diretor do Município de Bento Gonçalves, quanto à segunda ADI, referente ao Plano Diretor do Município de Imbé foi caracterizado o vício formal no processo legislativo e na produção de lei que não respeitam o § 5º do art. 177 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, que determina que as leis Municipais do Rio Grande do Sul sobre política urbana devem obedecer à condicionante da publicidade prévia e a garantia da participação de entidades comunitárias sob pena de ofender ao princípio da Democracia Participativa.349 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Instrumentos da Administração Consensual. A audiência pública e sua finalidade. In MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (coord). Uma avaliação das tendênciascontemporâneas do direito administrativo. Obra em Homenagem a Eduardo García de Enterría. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 398.

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poderão propor Ação Popular ou provocar a instauração de inquérito civil previsto na

Lei de Ação Civil Pública.350

O Estatuto da Cidade impõe a realização de audiências públicas nos casos de

implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente

negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança

da população (art. 2º, XIII).

O capítulo IV, art. 43, do Estatuto da Cidade trata da Gestão Democrática da

Cidade, apontando os seguintes instrumentos a serem utilizados: I – órgãos

colegiados e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas; III –

conferencias sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e

municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos

de desenvolvimento urbano.

Já o art. 44 do Estatuto da Cidade dispõe sobre a gestão orçamentária

participativa (art. 4º, III, “f” da Lei 10.257/2001) que incluirá a realização de debates,

audiências e consultas públicas sobre a aprovação do plano diretor, as propostas do

plano do orçamento anual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária

anual, o chamado “orçamento participativo”, como condição obrigatória para

aprovação pela Câmara Municipal.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000, prevê no art.

48, parágrafo único, o incentivo à participação popular, por ocasião da elaboração

daquelas peças orçamentárias.

O Estatuto da Cidade não regulamentou o procedimento a ser adotado para

realização das audiências públicas, sendo previsto na Resolução 25, de 18 de

março de 2005, do Conselho da Cidade351, nos artigos 5º, 8º e 9º, orientações aos

Municípios de como conduzirem o processo de elaboração dos planos diretores de

forma a respeitar os preceitos do estado democrático de direito. Cabe aos

350 Mariana Mencio, corroborando com o entendimento expõe: Assim, seria possível vislumbrar que a ausência da audiência pública, ou sua produção irregular, comprometeria todos os atos do processo administrativo que se desenvolve posteriormente. Não haveria como convalidar o ato que deixou de promover a audiência pública na fase em que por lei era reputada como requisito necessário para elaboração de determinado ato jurídico. A realização dos evento em fase posterior comprometeria toda a finalidade do ato, pois haveria supressão da transparência administrativo, do debate promovido entre a Administração e os cidadãos, o qual devidamente realizado, contribuiria para busca da melhor solução na deliberação administrativa. (MENCIO, Op. Cit., p. 159)351 O Conselho das Cidades resultou da transformação realizada pela Lei 10.683/2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, alterando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano em Conselho das Cidades (art. 31, X) e transferiu da Presidência daRepública para o Ministério das Cidades.

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Municípios complementarem as regras da Resolução 25 sobre o procedimento a ser

adotados na realização das audiências públicas.

Diógenes Gasparini adverte:

(...) a Câmara de Vereadores deve dispor sobre o procedimento na realização do evento por meio do Regimento Interno, que disciplinará a quantidade de audiências públicas e debates, que deverão ser realizadosna aprovação do Plano, bem como o momento e o local de sua realização, forma de convocação dos seguimentos da comunidade.352

A Lei 10.257/2001 no artigo 52, VII, estabelece que as autoridades públicas e

agentes públicos dos municípios e do Distrito Federal que não respeitarem seus

comandos legais serão responsabilizados pela prática de ato de impropriedade

administrativa.353

Solange Gonçalves Dias apresenta alguns elementos que caracterizam a

audiência pública:

Audiências Públicas são canais de participação direto do povo nos planos administrativo e legislativo, em todos os níveis governamentais, abertos aos cidadãos individualmente considerados ou organizados em associações, pelos quais se exercem os direitos de informação e de manifestação de tendências, de preferências e de opções populares, a respeito de assuntos determinados, com vistas a informar e a orientar os órgãos públicos na

352 GASPARINI, Diógenes. Aspectos jurídicos do plano diretor. In FINK, Daniel Roberto (coordenador). Temas de Direito Urbanístico 4. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2005, p. 92.353 José Carlos Freitas esclarece que: “(...) a conduta do chefe do Poder Executivo pode serqualificada como omissão ao deixar de tomar as providencias no processo de elaboração e aprovação democrática do plano diretor, pois envolve tanto atitudes omissivas quanto comissivas do Prefeito que, poderá por meio de expedientes ardilosos, tumultuar, retardar ou obstruir sem justificativa, o trâmite das fases de elaboração do plano diretor, como contratação de profissionais não habilitados, convocando irregularmente audiências públicas, não publicando todos os documentos e informações componentes da proposta do plano. (...) Não se descarta a responsabilidade dos Vereadores por improbidade administrativa, na medida em que participam, por imperativo legal, do processo de elaboração do plano diretor (art. 40, § 4º do Estatuto da Cidade). Como a aprovação do plano diretor é parte de um ato complexo, onde concorrem as vontades do Executivo e do Legislativo e que, por sua natureza, o plano diretor não é uma lei sob aspecto formal, por lhe faltar as características da abstração e generalidade – mas uma lei de efeitos concretos, também por este argumento pode-se estender as penas de improbidade aos membros das casas legislativas locais.” (FREITAS, José Carlos. Comentários às Disposições Gerais. In Liana Portilho Matos (org.). Estatuto da Cidade Comentado: Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, 286-378) Ademais, o Prefeito que deixar de realizar as audiências públicas nos casos que o Estatuto da Cidade obriga sua realização, pode responder por crime de responsabilidade nos termos do Decreto-lei nº 201/1967, art. 1º, XIV.

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tomada de decisões políticas e administrativas vinculadas ou não aos seus resultados, nos termos de norma disciplinadora.354

É na audiência pública que mais forte se faz sentir a cidadania e os direitos

políticos, entre eles o de participar da formação volitiva da Administração Pública.355

A audiência pública é um autêntico direito difuso, tratando-se de direito público

subjetivo de defesa da comunidade que reflexivamente pode ser considerado direito

individual.

A análise da audiência pública segundo o ideal de justiça na sociedade, à luz

da teoria da justiça como equidade, exige uma cooperação social para definição das

instituições sociais necessárias para estruturar uma sociedade democrática.

A justiça como a primeira virtude das instituições, tem como o sujeito primário

a maneira como as principais instituições sociais distribuem os direitos e os deveres

fundamentais, articulam-se num sistema equitativo de cooperação social ao longo do

tempo e determinam o rateio das vantagens da cooperação social.

A audiência pública estabelecida com observância dos requisitos de validade,

dos princípios e regras reguladoras do seu procedimento, é um importante

instrumento de participação popular que garante uma forma democrática de gerir a

cidade, levando em conta a pluralidade de interesses contidos no espaço urbano e

contribuindo na formulação, na escolha, na análise e avaliação das políticas públicas

sobre o direito à moradia, por exemplo: na definição de critérios para escolha dos

beneficiados do programa “Minha casa Minha vida” e a análise e avaliação da

qualidade dos imóveis construídos, para que se possam superar os muitos entraves

do programa e garantir a efetividade da política pública de habitação.

.

3.1.2 PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO

354 DIAS, Solange Gonçalves. Democracia representativa X democracia participativa popular no plano local e emergência de um novo paradigma democrático. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 20001, 193 f., p.148.355 FILHO, José. Op. Cit., p. 297.

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A longa história dos planos diretores no Brasil está associada a equívocos e

fracassos356. Os modelos importados que subsidiavam esses planos eram

geralmente inaplicáveis, apoiados em correntes teóricas visionárias, singelas ou

demasiado mecanicista, distantes da complexidade da realidade e das necessidades

dos habitantes, incapazes de enxergar idiossincrasias e características mais

peculiares de nossas cidades.357

A Constituição da República de 1988 ao regulamentar o sistema de política

pública urbana nos artigos 182 e 183, levou a promulgação da Lei Federal

10.257/2001, Estatuto da Cidade, que determinou para os Municípios uma obrigação

de elaborarem uma lei que cuide da política urbana municipal, denominada Plano

Diretor com cunho eminentemente participativo.358

A participação da sociedade na formulação e na execução do plano diretor

encontra fundamento no princípio da democracia participativa (art. 1º e parágrafo

único da CR/88 e art. 29, XII da CR/88); na publicidade (art. 37 da CR/88) e no

acesso aos documentos e informações (art. 5º XXXIII e XXXIV, “b” da CR/88).

O plano diretor participativo permite o cidadão, no exercício pleno da sua

cidadania e norteado pelo princípio da justiça social e ambiental, tomar as decisões

356 Toshi Mukai expõe sobre o histórico do planejamento urbano no Brasil: Antes de 1930, apontam- se apenas os casos de planejamento urbano relativos ao traçado urbanístico-estético do eixo Goiânia- Belo Horizonte, ao saneamento básico e a abertura de estradas (Santos, Campinas etc.). Em 1947/48 surgem as primeiras experiências dos Planos Diretores elaborados pelo Governo do Rio Grande do Sul; depois a notável contribuição do grupo SAGMAGS, sob direção do Pe. Lebret, com estudos e planos para São Paulo, Ourinhos, Recife, Belo Horizonte etc. Somente após 1960, começa a ser aplicada no Brasil a planificação urbana. As experiências mais bem sucedida foi aquela encetada pelo IPPUC, no Paraná, São José dos Campos e Recife inauguraram o denominado planejamento integrado. Após 1970, inicia-se no Brasil um processo de arrefecimento da prática do planejamento urbano, sendo hoje poucos os Municípios que adotam o processo. O planejamento de uma área deve estar vinculado às metas e diretrizes dos planos dos demais entes públicos. Assim, o planejamento de um Município deve obedecer às metas e diretrizes do plano regional, do Estado e da União. Hodiernamente, o planejamento urbano ainda têm vários problemas: desconhecimento dos destinatários e atuação pelos homens públicos ao sabor de conveniências políticas e de interesses outros que não os de ocupação e uso de forma racional do solo. (MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental. 4ª ed. rev. amp. Belo Horizonte: Atlas, 2010, p. 113-114)357 MATOS, Op. cit., p. 159.358 Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. VI - incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos.Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do caput do art. 41 desta Lei e que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei deverão aprová-lo até 30 de junho de 2008.

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de ordem ecológica, sociológica e econômica em harmonia participativa com a

coletividade. O plano urbanístico, como atualmente é chamado o plano diretor,

contempla um complexo de normas legais, diretrizes, objetivos, programas e metas.

Nesse sentido, a Presidência da República em discurso assim pronunciou: “O

plano diretor participativo [...] valoriza o espaço público; consagra os valores da

convivência republicana e democrática; e concebe o desenvolvimento, e a cidade

como um projeto solidário a ser compartilhado por todos.”359

O Plano Diretor internaliza todos os avanços da Lei 10.257/2001, e a reforça

por meio de quatro premissas norteadoras: a) a relativa às funções sociais da

propriedade e da cidade; b) a da igualdade e da justiça social; c) a da participação

popular e d) a do desenvolvimento sustentável.360

O legislador ao promulgar a Lei 10.257/2001 estabeleceu a vacacio legis de

cinco anos para os municípios editarem o Plano Diretor, contado da data da entrada

em vigor do Estatuto da Cidade, 10 de outubro de 2001. Em 2008, a Lei 11.673 de

08 de maio, prorrogou a vacacio legis para os municípios editarem o Plano Diretor

até 30 de junho de 2008.

A Lei 12.608/2012 trouxe acréscimos ao Estatuto da Cidade, estabelecendo a

obrigatoriedade de Plano Diretor, independentemente do número de habitantes, aos

Municípios incluídos no cadastro nacional de áreas suscetíveis à ocorrência de

deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou

hidrológicos correlatos.

Ademais, o plano diretor deverá conter parâmetros para uso e ocupação do

solo, mapeamento das áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos, inundações

bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos. Também deve

contemplar o planejamento de ações de intervenção preventiva e realocação de

população de áreas de risco, assim como medidas de drenagem urbana necessárias

à prevenção e à mitigação de impactos de desastres; e apresentar as diretrizes para

a regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares.

A identificação e o mapeamento de áreas de risco levarão em conta as cartas

geotécnicas, segundo disposto no art. 12, § 2º da Lei 6.766/1979 (Planejamento de

solo urbano), também alterada pela Lei 12.608/2012, que estabeleceu a vacacio

359 Disponível em: http://www.cidades.gov.br/planodiretorparticipativo/index.php?option=com_content&task=view&id=132 &Itemid=0. Acesso em 07 de março de 2016.360 MATOS, Op. Cit, p. 158.

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legis de 2(dois) anos, após a publicação, para entrada em vigor da vinculação ao

atendimento dos requisitos constantes da carta geotécnica de aptidão à

urbanização. Os Municípios deverão adequar o plano diretor às disposições da Lei

12.608/2012, por ocasião de sua revisão, observados os prazos legais. Os

municípios que não tenham plano diretor aprovado terão o prazo de cinco anos para

o seu encaminhamento para aprovação pela Câmara Municipal.

Atualmente, 957 municípios em todas as regiões brasileiras são monitorados

pelo CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres

Naturais)361, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A condição

básica para um município ser monitorado pelo CEMADEN é possuir um

mapeamento de suas áreas de risco de deslizamentos em encostas, de

alagamentos e de enxurradas, solapamentos e terras caídas, além da estimativa da

extensão dos prováveis danos decorrentes de um desastre natural.

O § 5º do art. 40 do Estatuto da Cidade foi vetado sob o argumento que seria

inconstitucional por ofender o princípio da autonomia municipal e do pacto

federativo, uma vez que dispunha que seria nula a lei municipal através da qual

fosse instituído plano diretor em desconformidade com o previsto no art. 40, § 4º da

Lei 10.257/2001.

Exposto o desdobramento legislativo sobre o plano diretor a partir do Estatuto

da Cidade, a análise das dificuldades na elaboração de planos diretos é de suma

importância, visto que o pressuposto da pluralidade soma-se às noções de república

e de democracia.

A elaboração do plano diretor tem como principais fases o “diagnóstico (coleta

e interpretação de dados), pesquisa sobre as aspirações da comunidade e da

realidade desejada, e fixação das diretrizes e objetivos.”362 A aprovação do plano

pela Câmara Municipal (art. 182, § 1º da CR/88), segue o processo legislativo

normal, sendo a espécie normativa à implantação do plano diretor a lei ordinária,

com exigência de quórum qualificado quando a Lei Orgânica do Município assim

prevê. Quanto à iniciativa do projeto de lei de instituição do plano diretor, o Estatuto

da Cidade é omisso, “é de considerar-se que a iniciativa do projeto de lei de

instituição do plano diretor é geral, isto é, o projeto pode ser deflagrado pelo prefeito,

por qualquer vereador ou comissão da Câmara Municipal, ou através de iniciativa

361 Disponível em: http://www.cemaden.gov.br/municipiosprio.php. Acesso em 15 de março de 2016.362 MUKAI, Op. Cit., p. 116.

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popular, como certamente estará previsto na Lei Orgânica.”363 José Afonso da Silva,

atribui iniciativa privativa ao Prefeito do projeto de lei de instituição do plano diretor e

admitindo emendas que não acrescentem despesa prevista para o Poder Público na

execução do plano. Os projetos de leis que objetivarem modificar o plano diretor,

também são de iniciativa privativa do Prefeito.364

Os planos diretores tem natureza de lei no sentido formal e no sentido

material, uma vez que são conformadores, transformadores e inovadores da

situação existente, integrando o ordenamento jurídico.

O Estatuto da Cidade, no capítulo III, art. 40, § 1º, dispõe que o plano diretor

seja parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano

plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e

as prioridades nele previstas.

Os atos municipais que contrariarem as normas e diretrizes dos planos

diretores serão considerados nulos, sendo o plano diretor aprovado por lei se torna

obrigatório para o Município, órgãos públicos estaduais, metropolitanos e federais,

bem como de observância cogente para os particulares.

Diversas leis específicas complementam o plano diretor: de zoneamento, de

parcelamento do solo, o Código de Edificações, a lei de proteção ambiental e da

paisagem urbana e por outros planos (planos parciais de execução, como de

renovação urbana, de distritos industriais, de áreas e locais de interesse turísticos

etc.).365

No que tange a implementação plano diretor participativo, há problemas de

toda, sendo apontados os seguintes por Ralfo Edmundo da Silva Matos:

a) Desconhecimento de normas e leis municipais e supra municipais por parte do Executivo, técnicos, formadores de opinião e população;b) dificuldades em distinguir as esferas do planejamento e da gestão, o que causa interferências indevidas (ou omissão do executivo), impressões difusas de que os técnicos de planejamento são controlados pelo gestor público, ou, em caso contrário, de que o plano nunca seja executado;c) organização deficiente das audiências públicas com atrasos, falas e exposições demoradas, inserções publicitárias indevidas, precariedade de equipamentos de projeção, o que provoca exaustão e cansaço das plateias;d) exposições muito herméticas das equipes de planejadores, o que resulta em tecnicismo e distanciamento entre os interlocutores. Com isso pode negligenciar aspectos técnicos centrais para o município, os quais deveriam

363 FILHO, José. Op. Cit., p. 270-271.364 Ibdem, Op. Cit., p. 140.365 Ibdem, Op. Cit., p. 119.

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ser didaticamente bem explicitados nas audiências, mas não raro, são omitidos ou se confundem no jogo das disputas entre setores, atores e localidades rivais;e) enfretamento de grupos políticos de situação e oposição orientados pela intolerância, animosidade, rivalidades históricas, baixa prática política e ausência de compromisso para com o planejamento;f) dificuldade de aceitação das deliberações resultantes das audiências por vereadores, supostamente desprestigiados nesses momentos de consulta popular eg) desinteresse de grande parte da população para com os temas a serem discutidos, mesmo com toda a publicidade dada aos eventos.366

É necessário considerar na apreciação das dificuldades acima descritas os

três componentes dos planos diretores: população, equipe técnica e Poder

Executivo e, ainda, deve-se considerar na análise que os planos diretores exigem

leituras da realidade do processo de planejamento.

Cada componente dos planos diretores têm as próprias dificuldades. A

população convive com a dificuldade dos planos diretores que desconsideram sua

heterogenia no planejamento territorial. Além do que “a população pode ser mais ou

menos dispersa no espaço ou pouco coesa socialmente, e isso afeta o alcance da

comunicação entre governo e governados. Não raro, a maioria dos habitantes é

desinformada sobre o conteúdo dos planos diretores.”367

A equipe técnica mantendo resquícios do período tecnocrata abdicam dos

debates e omitem explicações técnicas das análises e diagnósticos. Há, ainda, a

escassez de recursos financeiros que afetam a qualidade dos resultados dos planos

diretores. “Não raro a equipe técnica é formada por funcionários e/ou assessores da

própria prefeitura, o que pode resultar em contaminação do Plano Diretor pelas

ideias do Executivo, com forte dose de autoritarismo nas audiências públicas e

discutível consistência das proposições sócio urbanísticas.”368

Quanto o Poder Executivo a dificuldade encontrada se relaciona com a forma

de gestão que prioriza grupos econômicos instalados dentro da estrutura para

fortalecer vínculos não estabelecem “outras possibilidades de interlocução e

negociação com grupos políticos locais a favor de compromissos de

desenvolvimento social.”369

366 MATOS, Op. Cit., p. 160-161.367 Ibidem, p. 166.368 Idem.369 Ibidem, p. 163.

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Para constituição de um sistema equilibrado algumas medidas devem ser

adotadas: a) o órgão de planejamento deve manter posição de independência

funcional dos demais órgãos da Prefeitura e b) na composição dos órgãos de

planejamento deve ser previsto Conselho do Plano e Escritório Técnico de

Planejamento composta por profissionais pluriprofissional.

Constitui dever jurídico para Administração Municipal a revisão do plano

diretor. O Estatuto da Cidade considera improbidade administrativa a conduta

omissiva, nos termos da Lei 8.429/92: “deixar de tomar as providências necessárias

para garantir a observância do disposto no § 3º do art. 40 (proceder à revisão do

plano diretor) e no art. 50 (aprovação do plano diretor) ambos da Lei 10.257/2001”. A

conduta caracterizada como improbidade administrativa provoca com graves

consequências para os responsáveis, como a perda da função pública, a suspensão

dos direitos políticos, o ressarcimento do dano, a perda de bens, a proibição de

contratar com o Poder Público. A conduta qualificada como improbidade

administrativa independe do elemento caso. Caso a omissão provoque prejuízo ao

erário, caracteriza-se como infração civil obrigando o responsável à indenizar para

ressarcir o dano causado.

A teoria da justiça de Rawls fundamentada na liberdade e igualdade das

partes visa dar uma solução procedimental equitativa, com vistas a um arranjo justo

das instituições sociais necessárias para estruturar uma sociedade democrática, que

Rawls considerando a ideia de democracia dos cidadãos-proprietários, define:

“deixar todos os cidadãos em condições de administrar seus próprios assuntos e

participar da cooperação social amparados no respeito mútuo em condições

apropriadamente igualitárias.”370

Seguindo estas premissas o Poder Público, responsável pela sua formulação

e atualização do plano diretor participativo371, necessita articular um sistema

equitativo e determinar o rateio das vantagens da cooperação social, concebendo o

desenvolvimento das cidades e a efetividade do direito à moradia.

370 RAWLS, 2008, Op. Cit, p.XL-XLI.371 Sendo a espécie normativa à implantação do plano diretor a lei ordinária, que deverá obedecer o devido processo legislativo: “A instituição parlamentar existe em determinado momento e lugar quando certas pessoas realizam os atos apropriados e se ocupam dessas certas atividades damaneira exigida, com um reconhecimento reciproco do entendimento que cada qual tem de que sua conduta está em conformidade com as normas às quais todos devem obedecer.” (RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 67)

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A figura a seguir expõe o fluxograma do plano diretor participativo com as

principais premissas, instrumentos e objetivos do plano diretor participativo,

destacando a validação técnica, a constituição jurídica e a sua finalidade para com a

existência digna da população.372

372 VILANI, Rodrigo Machado. O Princípio de Justiça Social e Ambiental e a Eficácia do Plano Diretor Participativo. 2006, 158 folhas. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2006, p. 123.

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3.1.3 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

O orçamento participativo é um importante mecanismo de democracia

participativa que permite a integração do cidadão e de grupos de cidadãos na

construção da democracia local do Brasil.373 Instituído pelo Estatuto de Cidade,

tornou-se obrigatório no planejamento municipal, como se verifica no art. 4º, III “f”, e

retomado no art. 44.

Boaventura de Souza Santos descreve o orçamento participativo como “um

processo de tomada de decisão baseado em regras gerais e em critérios de justiça

distributiva, discutidos e aprovados por órgãos institucionais regulares de

participação, nos quais as classes populares tem representação majoritária.”374

Entre as diversas formas de participação que emergiram no Brasil, o

orçamento participativo se destacou por evidenciar novas perspectivas da

participação social em contextos específicos para dar respostas aos problemas

concretos, uma vez que a sociedade civil é chamada a se manifestar e a escolher o

que entende seja prioritário e necessário através de reuniões e debates.

É atribuição do Poder Executivo a elaboração do orçamento municipal, que

deverá apresentar uma proposta orçamentária à Câmara Municipal de Vereadores,

cabendo o Legislativo Municipal decidir sobre as alterações possíveis, a Constituição

da República assim determina nos artigos: art. 30, [...] I - os municípios são

autônomos para cuidarem de seus interesses da maneira mais adequada e de

acordo com os interesses municipais; e art. 30, [...] VIII - promover, no que couber,

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do

parcelamento da ocupação do solo urbano.

Boaventura de Souza Santos expõe que o orçamento participativo se

manifesta em três características principais:

1. participação aberta de todos os cidadãos sem nenhum status especial atribuído a qualquer organização, inclusive as comunitárias;2. combinação de democracia direta e representativa, cuja dinâmica institucional atribui aos próprios participantes a definição das regras internas e

373 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006. v. 3. p. 40374 SANTOS, Boaventura de Souza, 2003, Op. cit., p. 512.

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3. alocação dos recursos para investimentos baseada na combinação de critérios gerais e técnicos, ou seja, compatibilização das decisões e regras estabelecidas pelos participantes com as exigências técnicas e legais da ação governamental, respeitando também os limites financeiros.375

O orçamento participativo pode ser institucionalizado sob três formas:

1. assembleias regionais nas quais a participação é individual, aberta a todos os membros da comunidade e cujas as regras de deliberação e de decisão são definidas pelos próprios participantes;2. um princípio distributivo capaz de reverter desigualdades preexistentes em relação à distribuição de bens públicos e3. um mecanismo de compatibilização entre o processo de participação e de deliberação e o poder público.376

Sérgio de Azevedo descreve o procedimento do orçamento participativo que

compatibiliza o processo de participação e de deliberação e o poder público:

Embora variando bastante para cada cidade, os diferentes modelos do Orçamento Participativo possuem alguns pontos comuns. Normalmente, o processo tem início com a realização de assembleias que congregam moradores de bairros próximos localizados em cada uma das regiões tradicionais da cidade. Os moradores são então informados sobre a composição do orçamento municipal e o montante de recursos disponível, e são realizadas uma ou mais assembleias para a seleção das demandas da sub-região e a escolha dos delegados que irão defendê-las no Fórum Regional. Na sequência do processo, os delegados eleitos nessas assembleias participam do Fórum Regional, em que definem uma ordem de prioridades das demandas de serviços e obras a serem encaminhadas ao Fórum Municipal. Na instância regional, em muitos casos, é ainda realizada a escolha dos membros que irão representar cada região na Comissão ou Grupo encarregado do acompanhamento e fiscalização do Orçamento Participativo, por ocasião da implementação das obras e serviços. Por fim, o Orçamento Participativo é consolidado no Fórum Municipal na versão que será encaminhada à Câmara dos Vereadores para apreciação dos parlamentares. Pode-se dizer que o Fórum Municipal é um evento de cunhopolítico, no qual culmina todo o processo.377

São obstáculos encontrados para solidificação dos orçamentos participativos:

a falta de recursos públicos para a implementação das obras decididas e

deliberadas pela população e o fato de barrar práticas clientelistas que decorriam da

discricionariedade de alocação de recursos.

375 SANTOS, Boaventura de Souza, 2003, Op. cit., p. 66.376 AVRITZER, Leonardo. A moralidade da democracia. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 38.377 AZEVEDO, Sérgio de. Os desafios para o exercício da cidadania política nas sociedades modernas. In: SEMINÁRIO CIDADE, DEMOCRACIA E JUSTIÇA SOCIAL, 2003, Rio de Janeiro.Anais... Rio de janeiro, 2003. p. 5-6.

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O orçamento participativo institui uma nova forma de administração com a

coparticipação social a partir de elementos da realidade, proporcionando um

aumento da eficiência administrativa, maior justiça na alocação dos recursos, e

maior capacidade participativa e de controle social.378

Na tentativa de fortalecer o poder local, vários municípios brasileiros adotaram

os orçamentos participativos, segundo dados da Rede Brasileira de Orçamento

Participativo, hodiernamente, na Região Sul são 23 (vinte e três) municípios; na

Região Nordeste são 19 (dezenove) municípios; na Região Sudeste são 35 (trinta e

cinco) e na Região Norte 01 (um) município.379

O município de Porto Alegre380, no Rio Grande do Sul, institucionalizou o

orçamento participativo, sendo considerado um exemplo da forma efetiva de

378 Gabriela Soares Balestero explicita sobre as mudanças na sociedade que o orçamento participativo pode acarretar: Posteriormente, os Orçamentos Participativos poderiam propiciar a realização da reforma tributária para obtenção de recursos destinados às políticas públicas; a reestruturação interna da administração; uma nova divisão de regiões da cidade baseada em critério sócio territorial; a substituição da lógica da concentração dos investimentos pela distribuição por setor de investimento como saneamento, pavimentação etc, de maneira a reformular os critérios de distribuição dos recursos; a instituição dos Conselhos de Orçamentos Participativos, conselhos e assembleias regionais. (BALESTERO, Gabriela Soares. Os orçamentos participativos como instrumento de participação popular na efetivação das políticas públicas. Prismas: Direito, Política Pública e Mundial, Brasília, v.8, n.1, p. 45-76, jan/jun, 2011)379 Segundo dados socioeconômicos (IBGE) disponíveis no sítio da Rede Brasileira de Orçamento Participativo são município com orçamento participativo: Região Sul: Bagé (Rio Grandedo Sul); Brusque (Santa Catarina); Cachoeira do Sul (Rio Grande do Sul); Canoas (Rio Grande do Sul); Caxias do Sul (Rio Grande do Sul); Campo Largo (Paraná); Concordia (Santa Catarina); Esteio (Rio Grande do Sul); Garibaldi (Rio Grande do Sul); Gravataí (Rio Grande do Sul); Imaruí (Santa Catarina); Nova Hartz (Rio Grande do Sul); Parobé (Rio Grande do Sul); Passo Fundo (Rio Grande do Sul); Porto Alegre (Rio Grande do Sul); Santa Maria (Rio Grande do Sul); São Leopoldo (Rio Grande do Sul); Sapucaia do Sul (Rio Grande do Sul); Santana do Livramento (Rio Grande do Sul); Rodeio (Santa Catarina); Seara (Santa Catarina); Tubarão (Santa Catarina) e Marau (Rio Grande do Sul). Região Nordeste: Anadia (Alagoas); Caaporã (Paraíba); Cajazeiras (Paraíba); Campina Grande (Paraíba); Caruaru (Pernambuco); Conde (Paraíba); Crateus (Ceará); Dona Inês (Paraíba); Fortaleza (Ceará); João Pessoa (Paraíba); Lauro de Freitas (Bahia); Mauriti (Ceará); Natal (Rio Grande do Norte); Patos (Paraíba); Paudalho (Pernambuco); Picuí (Paraíba); Pombal (Paraíba); Recife (Pernambuco) e Santarém (Pará). Região Sudeste: Aracruz (Espírito Santo); Araraquara (São Paulo); Araçatuba (São Paulo); Atibaia (São Paulo); Bauru (São Paulo); Belo Horizonte (Minas Gerais); Betim (Minas Gerais); Botucatu (São Paulo); Cachoeiro do Itapemirim (Espírito Santo); Carapicuíba (São Paulo); Cariacica (Espírito Santo); Congonhas (Minas Gerais); Contagem (Minas Gerais); Cubatão (São Paulo); Diadema (São Paulo); Embu das Artes (São Paulo); Francisco Morato (São Paulo); Guarulhos (São Paulo); Ipatinga (Minas Gerais); Itupeva (São Paulo); Jacareí (São Paulo); Mauá (São Paulo); Mogi-Guaçu (São Paulo); Monte Alto (São Paulo); Nova Lima (Minas Gerais); Osasco (São Paulo); Santo André (São Paulo); São Bernardo do Campo (São Paulo); São Carlos (São Paulo); São Vicente (São Paulo); Serra (Espírito Santo); Suzano (São Paulo); Teresópolis (Rio de Janeiro); Viana (Espírito Santo); Vitória (Espírito Santo). Região Norte: Manau (Amazonas) (Disponível em:http://www.redeopbrasil.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14&Itemid=18&lang= pt Acesso em 03 de fevereiro de 2016)380 Através do Orçamento Participativo, desenvolvido durante 16 anos, a cidade de Porto Alegre é considerada internacionalmente um exemplo de oposição ao modelo neoliberal. Uma parcelasignificativa do seu orçamento é subordinada a um intenso processo de discussão e deliberação, no

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combinação de elementos da democracia participativa (estipulação das tabelas de

carências, o funcionamento de um conselho capaz de deliberar sobre o orçamento e

de negociar prioridades com a prefeitura local dentre outras medidas adotadas) e da

representativa, “através da intenção das administrações do Partido dos

Trabalhadores381 de articular o mandato representativo com formas efetivas de

deliberação em nível local.”382

A experiência de Porto Alegre tem chamado a atenção pelas suas

características fundamentais: democracia, equidade, solidariedade e eficiência. Tais

características teriam melhorado a qualidade de vida da população de baixa renda

devido principalmente ao efeito redistributivo dos orçamentos. Portanto, houve uma

extensão do processo democrático para os setores organizados da população pobre

da cidade, melhorando as condições de vida da população.383

qual a população participa e decide sobre os projetos de investimento público da cidade. Se em 1988, em função do alto endividamento, apenas 2% do orçamento estavam disponíveis para investimentos, em 2003 estes passaram a somar 20% dos recursos, cuja destinação foi decidida diretamente pela população, cuja participação vem crescendo progressivamente e constitui um processo de construção da consciência política. Os cidadãos porto-alegrenses, entretanto, não se limitaram a decidir sobre a distribuição de recursos disponíveis pela arrecadação do município. O grande capital foi taxado de impostos, de forma que o orçamento foi, gradativamente, aumentando sem que houvesse um maior endividamento e sem o abandono por parte das grandes empresas e investimentos – como constantemente vem sendo apregoado mundo afora. Há mais de dez anos Porto Alegre é, entre as capitais brasileiras, a cidade com a maior qualidade de vida e ocupa o segundo lugar entre as que mais atraem investimentos. A ressonância internacional da experiência de democracia direta fez de Porto Alegre a sede do Fórum Social Mundial em 2001, 2002, 2003 e 2005, como referência mundial dos movimentos críticos à globalização neoliberal e contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos. (ANDROLI, Antônio Inácio. O Orçamento participativo de Porto Alegre: um exemplo para a Alemanha? Revista Espaço Acadêmico, Porto Alegre, ano 4, n. 43, p. 1, dez. 2004)381 É importante lembrar que a organização da sociedade civil que permite o avanço do poder local democrático participativo encontra suas bases nos movimentos de resistência à ditadura civil – militar de direita (1962-1985), no movimento de formação das comunidades eclesiais de base e nomovimento sindical no final da década de 1970, movimentos que estão na base da criação do Partido dos Trabalhadores. (MAGALHÃES, Op. Cit., p. 39-40) Desde os anos oitenta, o Partido dos Trabalhadores (PT) tem utilizado o Orçamento Participativo como ferramenta de gestão, sobretudo municipal. Mas embora a prática seja amplamente interiorizada no âmbito do PT como ferramenta de governo hábil a caracterizar o bom gestor, é importante ressaltar que as primeiras iniciativas de participação direta do povo na definição das políticas públicas de governo não partiram do PT. Já na década de 70, o PMDB, em algumas de suas administrações, estimulava a participação popular. Consequência disso é que, no início da década seguinte, grandes metrópoles passaram a adotar estratégias embrionárias de participação ativa da sociedade que sucederam nos modelos de Orçamento Participativo que hoje são frequentemente vistos em governos petistas. É o caso, por exemplo, do Orçamento Participativo em Porto Alegre, formalmente instituído no governo municipal petista de Olívio Dutra (1989-1992), mas cuja ideia embrionária remonta aos Conselhos Populares da gestão de Alceu Collares (1985-1988), do PDT. Sendo relevante salientar que, no início da década de oitenta, o Partido dos Trabalhadores ainda era um partido incipiente, pois foi fundado em 10 de fevereiro de 1980, e muitos dos agentes criaram a discussão sobre a participação popular direta naquele período pertenciam a outras agremiações partidárias e posteriormente migraram para a legenda, para o Partido dos Trabalhadores. (BALESTERO, Op. Cit., p. 52)382 SANTOS, Boaventura de Souza, 2003, Op. Cit., p. 65.383 BALESTERO, Op. Cit., p. 63.

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O orçamento participativo representa a ideia de redistribuição defendida por

Rawls, uma vez que “deixa todos os cidadãos em condições de administrar seus

próprios assuntos e participar da cooperação social amparados no respeito mútuo

em condições apropriadamente igualitárias.”384

Rawls defende a redistribuição, porém com base no consentimento hipotético.

Ele argumenta que, se elaborássemos um contrato social hipotético partindo de uma

posição original de igualdade, todos concordariam com o princípio que

fundamentaria alguma forma de redistribuição.385 No procedimento do orçamento

participativo que compatibiliza o processo de participação e de deliberação e o poder

público, os moradores que participam estão numa posição originária no status quo

inicial, eis que são informados sobre a composição do orçamento municipal e o

montante de recursos disponível. Portanto, são indivíduos teoricamente definidos,

cujas motivações são precisadas pela análise dessa posição e não por uma

concepção psicológica das motivações reais dos seres humanos.

Os Orçamentos Participativos reforçam a competência do legislativo municipal

e o aproximam dos atores sociais, da população local que legitima a atuação deles,

além de fiscalizar o cumprimento do que foi aprovado pela Câmara Municipal, no

que tange ao orçamento anual.386

O exemplo de Porto Alegre, mesmo sendo reconhecido como uma

experiência bem-sucedida encontra dificuldade em ser adotado em outros

Municípios e Estados da Federação, sendo identificadas as seguintes causas: a)

possível ausência de preparo técnico da população local; b) da necessidade de

fortalecimento da integração entre o povo e os membros do legislativo municipal e c)

devido à ausência de vinculação entre o deliberado nos orçamentos participativos e

a decisão do administrador público municipal.

O orçamento participativo externa um processo de participação ampliada de

debate público sobre as regras de participação, da deliberação e da distribuição

justa de bens públicos e negociação democrática de acesso a esses bens entre os

próprios atores sociais, servindo de mecanismo de transparência da efetivação das

políticas públicas.

384 RAWLS, 2008, Op. Cit., p. XL-XLI.385 SANDEL, 2014, Op. Cit, p. 327-328386 BALESTERO, Op. Cit., p. 67.

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Nesse modelo de partilha de poder entre o Poder Público e a população, visa-

se constituir instituições democráticas orientadas para obter decisões por

deliberação, por consenso e por compromisso.

O orçamento participativo modifica o processo de monitoramento de

implantação das deliberações sobre os investimentos a serem realizados, exigindo

uma prestação de contas e a participação da população em questões técnicas

através de grupos que adquirem conhecimento, podendo explicar questões técnicas

para o público em geral e também de debate-los com o profissionais técnicos do

Poder Público.

Assim, os Orçamentos Participativos são um meio de fortalecimento do poder

local e de resgate da democracia social propiciando a participação efetiva do povo

como cidadãos, a descentralização do poder, o fortalecimento dos Estados e,

especialmente, os Municípios, de maneira a criar canais de participação popular a

partir do poder local.387

3.2 AS MEDIDAS JUDICIAIS COMO MECANISMOS DE EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

O direito fundamental à moradia previsto como direito fundamental social,

integra a concepção de dignidade humana e está no centro da questão urbana, que

enquanto valor inserido na centralidade do ordenamento político, no plano do

sistema jurídico-normativo, exige a cooperação social para sua efetividade e se

afirmando com a expansão das liberdades públicas. “Não cabe ao governo abster-se

de tornar concretos os fins e objetivos traçados pela Constituição sob pena de violar

os direitos dos cidadãos.”388

A Constituição da República de 1988 estabelece medidas judiciais para

corrigir as falhas quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam,

excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa

387 Ibidem, p. 57-58.388 PONTES FILHO, Valmir. O controle das políticas públicas. In FORTINI, Cristina; ESTEVES, Júlio César dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca (org.). Políticas públicas: possibilidades e limites. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 374.

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determinação do próprio estatuto constitucional. Nos casos de comportamentos

estatais ofensivos à Constituição da República, o Poder Judiciário não pode se

reduzir a uma posição de pura passividade.

Nestes casos, há possibilidade do cidadão exercer o controle social para

corrigir as falhas praticadas pelos órgãos do Poder Público. Trata-se de controle

social e não de participação popular. A participação popular não se confunde como

controle social, pois esse último é a expressão do direito público subjetivo, exercido

pelo cidadão no sentido de cobrar do Estado uma ação ou omissão e a participação

popular consiste na influência ou até mesmo na substituição dos cidadãos na

tomada de decisões políticas por parte dos governantes.389

Marcos Augusto Perez apresenta uma definição para identificar

especificamente instrumentos de participação popular na Administração no

ordenamento brasileiro:

(...) podemos definir os institutos jurídicos de participação popular na Administração, em traços gerais, como instrumentos legalmente previstos que possibilitem aos administrados, diretamente, ou através de representantes escolhidos especificamente para este fim, tomar parte na deliberação, na execução ou no controle das atividades desenvolvidas pela Administração Pública, com o objetivo de tornar a atuação administrativa mais eficiente, e dar efetividade aos direitos fundamentais, por meio da colaboração entre a sociedade e a Administração, da busca de adesão, doconsentimento e do consenso dos administrados e, afinal, da abertura e transparência dos processos decisórios.390

Sendo o Estado o responsável pela proteção e promoção dos direitos

fundamentais e de tudo que os envolve, cabe à Administração Pública a elaboração

técnica do planejamento de políticas públicas urbanas para que possam ser

executadas de acordo com as necessidades da sociedade e respaldo normativo

dado não só pela Constituição como também pelo Poder Legislativo.391

A constitucionalização dos direitos sociais e a necessidade de medidas

administrativas para concretização destes direitos acentuaram a tensão entre direito

e políticas públicas. Segundo Gilmar Mendes: “(...) um fenômeno de transmutação,

convertendo situações tradicionalmente consideradas de natureza política em

389 MENCIO, Op. Cit., p. 191.390 PEREZ, Op. Cit., p. 96.391 MELO, Lígia. DIREITO À MORADIA NO BRASIL. Política Urbana e Acesso Por Meio da Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 114.

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situações jurídicas (...)”392, exigindo um agir do Poder Judiciário seja os órgãos do

Poder Público se omitem ou retardam o cumprimento do mandamento

constitucional.

O artigo 5º, § 1º da Constituição da República de 1988 dispõe sobre a

aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais.

Tal previsão constitucional atribuiu ao Poder Judiciário, em determinados casos,

uma atuação regulamentar, antes que jurisdicional.

Luís Roberto Barroso, diante de tal constatação, impõem duas indagações: 1)

esta nova atribuição, que ultrapassa fronteiras classicamente resguardadas ao

Legislativo, é compatível com o princípio da separação dos Poderes? 2) teria o

Judiciário legitimidade para exercer um papel de cunho “quase legislativo”, quando

seus integrantes não são representantes da vontade popular? O autor apresenta as

seguintes respostas:

A primeira inquirição configura um falso problema, de caráter puramente ideológico. Ao ângulo jurídico, a separação dos Poderes reduz a uma questão de direito positivo, o que equivale a dizer que o constituinte, sem nenhuma limitação que não as decorrentes do próprio sistema que deseje implantar, pode dispor livremente sobre o raio de competência dos órgãos constitucionais que institui. Aliás, a análise deste princípio magno do liberalismo, desde a sua origem, passando pelo direito comparado – especialmente a atividade criadora da jurisprudência norte-americana – e vindo até a experiência brasileira quanto às sentenças normativas da Justiça do Trabalho, revela que ele está longe de apresentar uma “rigidez dogmática”.No tocante à legitimidade desta atuação criativa do Poder Judiciário, inexiste qualquer razão para infirmá-la. Já deixamos consignado que em uma democracia é não apenas possível, como desejável, que parcela do poder público seja exercida por cidadãos escolhidos com base em critérios de capacitação técnica e idoneidade pessoal, preservados das disputas e paixões políticas. A falta de emanação popular do poder exercido pelos magistrados é menos grave do que seu envolvimento e, campanhas eletivas, sujeitas a animosidades e compromissos incompatíveis com o mister a ser desempenhado.De mais a mais, a própria ideia de soberania do órgão legislativo ordinário está superada desde 1803, quando a Suprema Corte norte-americana, apreciando o caso Marbury versus Madison393, formulou a teoria da judicial

392 MENDES, Gilmar. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3 ed. rev. e ampl., 2 tir. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 9.393 O caso Marbury versus Madison: Tida como a decisão mais importante da história da Suprema Corte, Marbury vs. Madison estabeleceu o princípio da revisão judicial e do poder da Corte em determinar a constitucionalidade de atos legislativos e executivos.O caso surgiu de uma disputa política subseqüente à eleição presidencial de 1800 na qual Thomas Jefferson, um republicano-democrata, derrotou o presidente em exercício, John Adams, um federalista. Nos últimos dias da administração de Adams, o Congresso, dominado pelos federalistas, criou vários cargos no Judiciário, inclusive o de 42 juízes de paz no Distrito de Colúmbia. O Senado confirmou as nomeações, o presidente assinou-as, e coube ao secretário de Estado selar e entregar

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review, pela qual se reconheceu competência ao Judiciário para invalidar os atos legislativos contrastantes com a Constituição.394

O Supremo Tribunal Federal, no voto da lavra do Min. Celso de Mello se

manifestou sobre a inércia do Poder Público no cumprimento dos mandamentos

constitucionais, no acórdão assim ementado:

E M E N T A: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS,OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. – (...)

as nomeações. Na pressa dos atos de última hora, o secretário que saía não entregou as nomeações de quatro juízes de paz, incluindo a de William Marbury.O novo secretário de Estado sob o presidente Jefferson, James Madison, recusou-se a entregar as comissões porque a nova administração estava indignada com a tentativa dos federalistas de encaixar membros de seu partido na magistratura. Marbury entrou com uma ação na Suprema Corte exigindo que Madison lhe entregasse a comissão.Se a Corte decidisse a favor de Marbury, Madison ainda poderia recusar-se a entregar a comissão e a Corte não teria meios de impor sua deliberação. Se a Corte decidisse contra Marbury, arriscaria submeter o Judiciário aos jeffersonianos ao permitir-lhes que negassem a Marbury o cargo a que tinha direito legal. O presidente da Corte, John Marshall, resolveu o dilema determinando que a Suprema Corte não tinha autoridade para agir naquele caso. Marshall declarou a Seção 13 da Lei Judiciária, que dera à Corte esse poder, inconstitucional, porque ampliava a jurisdição original da Corte para além da jurisdição definida pela própria Constituição. Ao decidir não se pronunciar sobre o caso, a Suprema Corte garantiu sua posição como árbitro final nas questões legais. (Disponível em: http://www.embaixada-americana.org.br/government/ch6.htm. Acesso em: 16 de março de 2016).394 BARROSO, 2003. Op. Cit., p. 169-170.

Page 150: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. (...) A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOSPRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ouparcial - os direitos sociais já concretizados. (grifamos)395

O desprestígio da Constituição - por inércia de órgãos meramente

constituídos - representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional,

395 Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Extraordinário nº 639337/SP. Segunda Turma. Recorrente: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 23/08/2011. DJe 15/09/2011. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627428. Acesso em: 23 janeiro 2016. (ANEXO 4)

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pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da

autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.396

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen expõe sobre a limitada discricionariedade

governamental na concretização das políticas públicas:

Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer. (...) Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem- estar e a justiça social. (...) Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração. (...) As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem socialconstitucional.397

O princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais

de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas

pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. Assim, Constituição ao impor

ao Estado a realização de uma determinada política pública, sendo realizada a

implementação - total ou parcial, refletirão progressivamente na vida de seus

destinatários e o resultado passa a ter a proteção direta da Constituição.

Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no

processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos

direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à educação e à saúde, p.

ex.), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas

prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou

suprimidos pelo Estado, exceto na hipótese – de todo inocorrente na espécie – em

396 Trecho do inteiro teor do voto do Min. Relator Celso de Mello proferido no Agravo em Recurso Extraordinário nº 639337/SP.397 FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 59, 95 e 97.

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que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias

governamentais.398

Para o fim de corrigir as falhas dos órgãos do Poder Público que se omitem

ou retardam, cumprem importante papel as ações constitucionais: ação direta de

inconstitucionalidade por omissão (ADO), arguição de descumprimento de preceito

fundamental (ADPF) e mandado de injunção (MI), as três ações objetivam analisar o

não cumprimento de norma constitucional por omissão de medidas legislativas ou

administrativas necessárias para torná-las exequíveis.

O conceito de omissão legislativa no contexto aqui analisado resultará de um

comportamento contrastante de uma obrigação jurídico positiva de criação de uma

norma legal, configurando o descumprimento de um mandamento constitucional.

Anna Cândida da Cunha Ferraz especifica diversos casos típicos de

inconstitucionalidade por omissão: a) a omissão do órgão legislativo em editar lei

integradora de um comando constitucional; b) a omissão dos poderes constituídos

na prática de atos impostos pela Lei maior; c) a omissão do Poder Executivo

caracterizada pela não expedição de regulamentos de execução de leis.399

Para os casos em que o exercício da plenitude de um direito não pode

prescindir de normatização ulterior e, esta não é editada (problema da omissão

inconstitucional em matéria normativa), a Constituição da República de 1988

incorporou dois institutos: o mandado de injunção e a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão.

Ivo Dantas, referindo-se ao mandado de injunção em confronto com a ação

de inconstitucionalidade por omissão, salienta as diferenças entre as ações

constitucionais:

a) enquanto nesta “se argui a lacuna em tese, teoricamente considerada, no mandado de injunção o que se busca é o preenchimento da lacuna em sua individualização, ou seja, em uma relação jurídico- processual concreta; b) a inconstitucionalidade por omissão é privativa daqueles que a Constituição ofereceu legitimidade ativa; o MI poderá ser impetrado por brasileiros e estrangeiros residentes no País (art. 5º, caput); c) na ação de inconstitucionalidade por omissão caberá ao STF dar ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias; no MI, ao contrário,

398 Trecho do inteiro teor do voto do Min. Relator Celso de Mello proferido no Agravo em Recurso Extraordinário nº 639337/SP. (ANEXO 4)399 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Inconstitucionalidade por omissão: uma proposta para a constituinte. In Revista de Informação Legislativa, nº 89, 1986, p. 53-54.

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caberá à autoridade judiciária competente suprir a lacuna, com efeitos interpartes.400

Carlos Mario da Silva Velloso aponta ainda como distinção entre a

inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção:

(...) na ação de inconstitucionalidade por omissão, que se inscreve no contencioso constitucional abstrato, de competência exclusiva do STF, a matéria é versada apenas em abstrato e, declarada a inconstitucionalidade por omissão, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias. Em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo no prazo de trinta dias (CF, art. 103, § 2º). No mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que o direito que a Constituição concede é ineficaz ou inevitável em razão da ausência de norma infraconstitucional, fará ele, juiz ou tribunal, por força do próprio mandado de injunção, aintegração do direito à ordem jurídica, assim tornando-o eficaz e exercitável.401

Jorge Miranda aponta que as duas figuras distinguem-se por um diferente

sentido e alcance: a ação de inconstitucionalidade por omissão tutela qualquer

norma constitucional, o mandado de injunção tutela normas não exequíveis por si

mesmas, principalmente normas atinentes a direitos de liberdade. Enfim, na ação de

inconstitucionalidade por omissão, o Supremo Tribunal não se substitui ao órgão

legislativo, apenas declara a existência de inconstitucionalidade, ao passo que no

mandado de injunção o tribunal pode emitir as medidas necessárias de efeito

individual ou ergas omnes consoante os casos.402

Guilherme Peña de Moraes distingue a natureza jurídica da ação direta de

inconstitucionalidade por omissão é um instrumento de provocação da jurisdição

constitucional concentrada; enquanto que o mandado de injunção é um remédio

constitucional.403

Em 1992, no julgamento do Mandado de Injunção – MI 395 Qo/PR, Ministro

Relator Moreira Alves, o Supremo Tribunal Federal firmou tese de que não são

400 DANTAS, Ivo. Constituição Federal: teoria e prática. Vol. I. Renovar: Rio de Janeiro, 1994, p. 292.401 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p.171.402 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: inconstitucionalidade e garantia da Constituição. Tomo IV 4ª ed. rev. atual. Coimbra: Coimbra ed., 2013, p. 379-380.403 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional – Teoria da Constituição. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003, p.262.

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fungíveis o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por

omissão:

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. - O MANDADO DE INJUNÇÃO, COMO PREVISTO NO INCISO LXXI DO ARTIGO 5. DA CARTA MAGNA, SÓ E CABIVEL QUANDO A FALTA DE NORMA REGULAMENTADORA TORNE INVIAVEL O EXERCÍCIO DOS DIREITOS E LIBERDADES CONSTITUCIONAIS E DAS PRERROGATIVAS INERENTES A NACIONALIDADE, A SOBERANIA E A CIDADANIA, O QUE IMPLICA DIZER QUE SÓ TEM LEGITIMIDADE PARA PROPO-LO O TITULAR DESSES DIREITOS, LIBERDADES OU PRERROGATIVAS CUJO EXERCÍCIO ESTEJA INVIABILIZADO POR FALTA DE SUA REGULAMENTAÇÃO. PORTANTO, AINDA QUANDO SE SUSTENTASSE QUE A COMPETÊNCIA PARA DESAPROPRIAR POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRARIA FOSSE UM DIREITO CONSTITUCIONAL QUE ADMITISSE A IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE INJUNÇÃO, FALTARIA AO ESTADO DO PARANA LEGITIMIDADE PARA IMPETRA-LO, UMA VEZ QUE DELE NÃO SERIA TITULAR. - NÃO EXISTE EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO O INSTITUTO DA FUNGIBILIDADE DE AÇÕES, A PERMITIR QUE O JUIZ, DE OFICIO OU A PEDIDO RESULTANTE DE DUVIDA DO AUTOR, TENHA UMA AÇÃO (A PROPRIA) POR OUTRA (A IMPROPRIA), SE O ERRO FOR EXCUSAVEL. MANDADO DE INJUNÇÃO NÃO CONHECIDO POR FALTA DE LEGITIMIDADE ATIVA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE CONVERSAO DOMANDADO DE INJUNÇÃO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO.404

No sistema jurídico brasileiro permanece o controle difuso405, através de

defesa ou exceção, como a única via legítima para aferir a constitucionalidade ou

404 Mandado de Injunção Nº 395 Qo/PR, Relator Min. Moreira Alves, JULGAMENTO: 27/5/1992. ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+3 95%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+395%2EACMS%2E%29&base=baseAcor daos&url=http://tinyurl.com/bfx496u. Acesso em: 23 de março de 2016. (ANEXO 5)405 No direito brasileiro convivem o controle difuso, atribuído a todos os juízes, e o concentrado, realizado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão produzida no âmbito de controleconcentrado tem eficácia erga omnes, ao passo que a decisão sobre a constitucionalidade prolatada no âmbito do controle difuso vincula somente as partes. Para a doutrina majoritária, só haverá eficácia erga omnes de decisão proferida incidentalmente pelo STF se o Senado suspender os efeitos da lei ou do ato normativo, nos termos do art. 52, inciso X da Constituição. O Novo Código de Processo Civil regula a arguição de inconstitucionalidade nos art. 948 a 950, sendo que na essência não houve mudança nos que dispunha o Código de Processo Civil de 1973, nos arts. 480 usque 482. Guilherme Peña de Moraes conceitua arguição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal em face da Constituição da República de 1988 ou estadual como: “incidente processual, sustentável perante órgão fracionário de tribunal, com o escopo de resolver questão constitucional no processo de controle de constitucionalidade difuso, para assentar uma das premissas da decisão de mérito.” O autor descreve dois requisitos a que se sujeita a questão constitucional: 1. O subjetivo, posto que a arguição de inconstitucionalidade pode ser suscitada pelas partes, terceiro interveniente ou Ministério Público, sem prejuízo da declaração de inconstitucionalidade ex officio, e acolhida pelo voto da maioria absoluta do plenário ou órgão especial do tribunal exercente do controle de constitucionalidade incidental e 2. O objetivo, visto que a arguição de inconstitucionalidade, em consonância com o princípio da reserva do plenário, enseja a

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inconstitucionalidade de ato normativo municipal, em relação à Constituição Federal.

Não há previsão constitucional à arguição direta de inconstitucionalidade, relativa à

Constituição Federal. No que concerne à arguição de inconstitucionalidade, em

relação à Constituição Estadual, prevalece à decisão final do Tribunal de Justiça do

Estado, persistindo a Súmula 280406 do Supremo Tribunal Federal.407

No que tange a ação de descumprimento de preceito fundamental terá

cabimento nas hipóteses: a) de se recusar a aplicação de norma constitucional ou

de não aplicá-la; b) de não cumprimento de norma constitucional por omissão de

medidas legislativas necessárias para torna-las exequíveis.

Com esses valiosos amparos, podemos concluir que há diferenças quanto à

legitimidade, competência, objeto e decisão nas três ações constitucionais que

passaremos a analisar a seguir.

3.2.1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

cisão funcional da competência em plano horizontal, de maneira que o provimento final resulta da integração dos pronunciamentos do plenário ou órgão especial e do órgão fracionário do tribunal exercente do controle de constitucionalidade difuso.” (MORAES, Op. Cit., p.163)O art. 97 da Constituição estabelece que a inconstitucionalidade só poderá ser decretada pela maioria absoluta do plenário do tribunal ou de seu órgão especial, trata-se da regra da reserva de plenário. Por maioria absoluta se entende a maioria dos integrantes do plenário ou do órgão especial, não a maioria dos presentes.LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015, regulamenta a matéria no CAPÍTULO IV: DO INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, arts. 948 a 950: Art. 948. Arguida, emcontrole difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo. Art. 949. Se a arguição for: I - rejeitada, prosseguirá o julgamento; II - acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver. Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenáriodo Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Art. 950. Remetida cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento. § 1o As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se assim o requererem, observados os prazos e as condições previstos no regimento interno do tribunal. § 2o A parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 da Constituição Federal poderá manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação, no prazo previsto pelo regimento interno, sendo-lhe assegurado o direito de apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos. § 3o Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.406 Súmula 280 do STF: Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_201_300. Acesso em 12 de março de 2016.407 PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas.3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 423.

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A ação direta de inconstitucionalidade por omissão se desenvolveu em sede

doutrinária e jurisprudencial na Alemanha, inicialmente, e, posteriormente, na Itália.

Todavia, a primeira Constituição que contemplou ex professo a fiscalização da

inconstitucionalidade por omissão terá sido a Iugoslava de 1974, depois coube à

Constituição Portuguesa, promulgada em 02 de abril de 1976, positivar a ação direta

de inconstitucionalidade por omissão, sendo mantida nas revisões posteriores e, em

1988, a Constituição da República brasileira. Em seguida, a santomense (1988), as

angolanas de 1992 e 2010, a timorense e a venezuelana.408

Sobre o surgimento da ação de inconstitucionalidade por omissão, na

Alemanha, Gilmar Mendes esclarece:

Observa-se, contudo, que o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão configura fenômeno relativamente recente, também na dogmática jurídica alemã. (...) Essa concepção sofreu significativa mudança com o advento da Lei Fundamental de 1949. A expressa vinculação do legislador aos direitos fundamentais (art. 1º, par. 3º) e à Constituição como um todo (art. 20, III) estava a exigir o desenvolvimento de uma nova concepção. Já em 1951 passa a doutrina a admitir, pela voz eloquente de Bachof, a possibilidade de responsabilização do Estado em virtude de ato de índole normativa, caracterizando uma ruptura com o entendimento até então vigente, baseado na própria jurisprudência do Reichsgericht. Bachof rejeitava, porém, uma pretensão à edição de uma lei por entender que issoseria incompatível com o princípio da divisão dos poderes.409

O art. 103, § 2º410 da Constituição da República de 1988 dispõe sobre a ação

direta de inconstitucionalidade por omissão, sendo disciplinada na Lei nº 9.868, de

1999, com as alterações implementadas pela Lei 12.063, de 2009411, que incluiu o

408 MIRANDA, 2003, Op. Cit. p. 378.409 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1346.410 Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória deconstitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela EmendaConstitucional nº 45, de 2004) V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.411 Lei nº 9.868, de 1999, com as alterações implementadas pela Lei 12.063, de 2009: Capítulo II-A - Da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - Seção I Da Admissibilidade e do Procedimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - Art. 12-A. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade por omissão os legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade. Art. 12-B. A

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Capítulo II-A, para dispor sobre o procedimento da ação direta de

inconstitucionalidade por omissão.

Os legitimados ativos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão são

enumerados taxativamente no art. 103, I a IX da Constituição da República de 1988,

regulado pelos arts. 2º e 12-A da Lei 9.868, de 1999.412

Gilmar Mendes adverte que o elenco descrito no art. art. 103, I a IX da

Constituição da República de 1988, regulado pelos arts. 2º e 12-A da Lei 9.868, de

petição indicará: I - a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa; II - o pedido, com suas especificações. Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de procuração, se for o caso, será apresentada em 2 (duas) vias, devendo conter cópias dos documentos necessários para comprovar a alegação de omissão. Art. 12-C. A petição inicial inepta, não fundamentada, e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator. Parágrafo único. Cabe agravo da decisão que indeferir a petição inicial. Art. 12-D. Proposta a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, não se admitirá desistência. Art. 12-E. Aplicam-se ao procedimento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no que couber, as disposições constantes da Seção I do Capítulo II desta Lei. § 1o Os demais titulares referidos no art. 2o desta Lei poderão manifestar-se, por escrito, sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria, no prazo das informações, bem como apresentarmemoriais. § 2o O relator poderá solicitar a manifestação do Advogado-Geral da União, que deverá ser encaminhada no prazo de 15 (quinze) dias. § 3o O Procurador-Geral da República, nas ações em que não for autor, terá vista do processo, por 15 (quinze) dias, após o decurso do prazo parainformações. Seção II - Da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - Art. 12-F. Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se noprazo de 5 (cinco) dias. § 1o A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei oudo ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal. § 2o O relator, julgando indispensável, ouvirá o Procurador-Geral da República, no prazo de 3 (três) dias. § 3o No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal. Art.12-G. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário Oficial da União e doDiário da Justiça da União, a parte dispositiva da decisão no prazo de 10 (dez) dias, devendo solicitar as informações à autoridade ou ao órgão responsável pela omissão inconstitucional, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I do Capítulo II desta Lei. Seção III - Da Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - Art. 12-H. Declarada ainconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias. § 1o Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou emprazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido. § 2o Aplica-se à decisão da ação direta deinconstitucionalidade por omissão, no que couber, o disposto no Capítulo IV desta Lei.412 Guilherme Peña de Moraes adverte: Na hipótese de omissão inconstitucional absoluta, oAdvogado Geral da União não atua no processo instaurado em razão da ação direta de inconstitucionalidade, porque não há lei ou ato normativo cuja presunção de constitucionalidade deva ser tutelada, sendo certo que “a audiência do Advogado Geral da União, prevista no art. 103, § 3ºda CRFB, é necessária na ação direta de inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo (já existentes), para se manifestar sobre o ato ou texto impugnado, não porém, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pois nesta se pressupõe, exatamente, a inexistência de norma ou ato normativo. (MORAES, Op. Cit., p. 264)

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1999, dispõem de direito de iniciativa legislativa, no plano federal, tanto o Presidente

da república, como os integrantes da Mesa do Senado Federal e da Mesa da

Câmara dos Deputados (CF, art. 61).413

Desta feita, salvo nos casos de iniciativa privativa de órgãos de outros

poderes como é o caso do Supremo Tribunal Federal em relação ao Estatuto da

Magistratura (art. 93, caput, CF/88), esses órgãos constitucionais não poderiam

propor ação de inconstitucionalidade por omissão, porque, enquanto responsáveis

ou corresponsáveis pelo eventual estado de inconstitucionalidade, seriam eles os

destinatários primeiros da ordem judicial de fazer, em caso de procedência da

ação.414

O órgão competente para o julgamento da ação direta de

inconstitucionalidade por omissão é, exclusivamente, o Supremo Tribunal Federal. A

decisão de procedência, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, limita-

se a cientificar o Poder competente necessárias, e, em se tratando de atribuições de

natureza administrativa, para fazê-lo no prazo de 30 dias.

O controle abstrato de inconstitucionalidade tem por objeto a mera

inconstitucionalidade morosa dos órgãos competentes na atividade legislativa ou na

atividade tipicamente administrativa que possa, de alguma maneira, afetar a

efetividade de norma constitucional.

O objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) poderá

ser omissão legislativa federal ou estadual, ou ainda omissões administrativas que

afetem a concretização da norma constitucional, como disposto no art. 102, I, “a” da

CR/88 e art. 12-B da Lei 9.868/99.415

A omissão legislativa poderá ser total ou parcial conforme o atendimento da

exigência de legislar for insatisfatório (parcial) ou inexistente (total). A omissão de

ato ou providência administrativa mais relevante, nesse âmbito, se refere ao

exercício do poder regulamentar. Gilmar F. Mendes e Lenio L. Streck explicam que:

“a omissão do regulamento pode assumir relevância para o controle abstrato da

413 MENDES, et. al, 2010, Op. Cit., p. 1351.414 Idem415 O texto constitucional outorgou ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a). A função deguardião da Constituição que lhe foi expressamente deferida e a ideia subjacente a inúmeros institutos de controle, visando concentrar a competência das questões constitucionais na Excelsa Corte, parecem favorecer entendimento que estende ao Supremo Tribunal a competência para conhecer de eventuais omissões de órgãos legislativos estaduais em face da Constituição Federal no âmbito dessa peculiar ação direta. (MENDES et. al, 2010, Op. Cit., p. 1352)

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omissão inconstitucional, se, no caso dos regulamentos autorizados, a lei não

contiver os elementos mínimos que assegurem a sua plena aplicabilidade.”416

A Corte Constitucional alemã, em decisões proferidas em 1957 e 1958,

identificou a configuração da inconstitucionalidade não só por inadimplemento

absoluto de um dever de legislar (omissão total), mas também a execução falha,

defeituosa ou incompleta desse mesmo dever (omissão parcial)

Gilmar Mendes explica que no ordenamento jurídico alemão a identificação da

omissão inconstitucional do legislador, no juízo de constitucional, tornou imperioso o

desenvolvimento de novas técnicas de decisão, que se afigurasse adequadas a

eliminar essa peculiar forma de afronta à Constituição, considerando que a Corte

Constitucional recusou a possibilidade de substituir-se ao legislador nas correções

das lacunas identificadas, por entender que a tarefa de concretização da

Constituição foi confiada ao legislador:

Essa orientação fez com que o Tribunal desenvolvesse, como técnica de decisão aplicável aos casos de lacuna inconstitucional, a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade (Unvereinbarerklarung). Trata-se de decisão de caráter mandamental, que obriga o legislador a suprimir, com a possível presteza, o estado de inconstitucionalidade decorrente da omissão. Essa forma de decisão, construída pela jurisprudência foi incorporada a lei que disciplina o processo perante a Corte Constitucional.Outra técnica de decisão, desenvolvida sobretudo para os casos de omissão inconstitucional, é o apelo ao legislador (Appellentscheidung), decisão na qual se afirma que a situação jurídica em apreço ainda se afigura constitucional, devendo o legislador empreender as medidas requeridas para evitar a consolidação de um estado deinconstitucionalidade.417

O Supremo Tribunal Federal já manifestou sobre a repercussão de apenas

dar ciência ao legislador inadimplente:

EMENTA: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - Odesrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa

416 MENES, Gilmar F; STRECK, Lenio L. Comentário ao artigo 103. In: CANOTILHO, J.J Gomes; MENES, Gilmar F; STRECK, Lenio L; (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1420.417 Ibidem, p. 1348.

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conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. SALÁRIO MÍNIMO - SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES VITAIS BÁSICAS - GARANTIA DE PRESERVAÇÃODE SEU PODER AQUISITIVO. - A cláusula constitucional inscrita no art. 7º, IV, da Carta Política - para além da proclamação da garantia social do salário mínimo - consubstancia verdadeira imposição legiferante, que, dirigida ao Poder Público, tem por finalidade vinculá-lo à efetivação de uma prestação positiva destinada (a) a satisfazer as necessidades essenciais do trabalhador e de sua família e (b) a preservar, mediante reajustes periódicos, o valor intrínseco dessa remuneração básica, conservando-lhe o poder aquisitivo. - O legislador constituinte brasileiro delineou, no preceito consubstanciado no art. 7º, IV, da Carta Política, um nítido programa social destinado a ser desenvolvido pelo Estado, mediante atividade legislativa vinculada. Ao dever de legislar imposto ao Poder Público - e de legislar com estrita observância dos parâmetros constitucionais de índole jurídico-social e de caráter econômico-financeiro (CF, art. 7º, IV) -, corresponde o direito público subjetivo do trabalhador a uma legislação que lhe assegure, efetivamente, as necessidades vitais básicas individuais e familiares e que lhe garanta a revisão periódica do valor salarial mínimo, em ordem a preservar, em caráter permanente, o poder aquisitivo desse piso remuneratório. SALÁRIO MÍNIMO - VALOR INSUFICIENTE - SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL. - Ainsuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DEMELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF. - A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia

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do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativoinadimplente.418 (grifamos)

Dar ciência é ato de reduzida valia jurídica, na medida em que não cria

qualquer vínculo. Admite-se, é certo, que ele possua efeito moral e político, mas a

eventual recalcitrância do órgão legislativo perpetuará, sem qualquer sanção, a

inobservância do comando constitucional.419

As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide

de omissão parcial derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do

conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política - refletem

comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se

como uma das causas geradoras dos processos informais de mudança da

Constituição.420

3.2.2 MANDADO DE INJUNÇÃO

O mandado de injunção é uma criação genuinamente brasileira, tendo sido

“concebido como remédio para uma dramática patologia nacional: o descrédito da

Constituição causado pela inércia do legislado.”421

418 Supremo Tribunal Federal. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1458/DF. Tribunal Pleno. REQTE: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE - CNTS. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 23/05/1996. DJe 20/09/1996. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+ 1458%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+1458%2EACMS%2E%29&base=bas eAcordaos&url=http://tinyurl.com/aqqx9w4. Acesso em: 17 de março 2016 (ANEXO 6)419 BARROSO, 2003. Op. Cit., p. 174.420 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II, 2ª ed., Coimbra: Coimbra, 1988, p. 406-409.421 Luís Roberto Barroso explica: O mandado de injunção foi criado pelo constituinte de 1988 ematendimento ao reclamo generalizado pela busca de uma maior efetividade das normas constitucionais, que, em regimes passados, pereciam, desviadas, por inércia do legislador em regulamentar os direitos delas decorrentes. (BARROSO, 2003. Op. Cit., p. 247-248).

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Desde o anteprojeto elaborado pela Comissão Afonso Arinos já se previa

dispositivo com a função de garantia contra omissões por parte do poder público,

designadamente no que diz respeito ao mister de regulamentar a Constituição.

Embora seja encontrada em outras ordens constitucionais a expressão

mandado de injunção (order of injunction ou writ of injunctionI), não existe registro

nos sistemas constitucionais mais conhecidos, de instrumento jurídico nos moldes

do mandado de injunção previsto na Constituição da República de 1988.

O instituto é tratado em cinco dispositivos da Constituição da República de

1988, o art. 5º: LXXI: “Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de

norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania.” Quatro outros dispositivos fixam regras de competência originária e

recursal dos Tribunais para apreciá-lo: art. 102, I, “q” e II, “a” – Supremo Tribunal

Federal; art. 105, I, “h” – Superior Tribunal de Justiça; art. 121, § 4º, V – Tribunais

Regionais Eleitorais. O constituinte concentrou a apreciação do mandado de

injunção nos Tribunais.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do MI nº 107

Qo/DF422, superou a controvérsia a respeito da necessidade, ou não, de norma legal

422 EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM SOBRE SUA AUTO-APLICABILIDADE, OU NÃO. - EM FACE DOS TEXTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RELATIVOS AO MANDADO DE INJUNÇÃO, E ELE AÇÃO OUTORGADA AO TITULAR DE DIREITO, GARANTIA OU PRERROGATIVA A QUE ALUDE O ARTIGO 5., LXXI, DOS QUAIS O EXERCÍCIO ESTA INVIABILIZADO PELA FALTA DE NORMA REGULAMENTADORA, E AÇÃO QUE VISA A OBTER DO PODER JUDICIARIO A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESSA OMISSAO SE ESTIVER CARACTERIZADA A MORA EM REGULAMENTAR POR PARTE DO PODER, ÓRGÃO, ENTIDADE OU AUTORIDADE DE QUE ELA DEPENDA, COM A FINALIDADE DE QUE SE LHE DE CIENCIA DESSA DECLARAÇÃO, PARA QUE ADOTE AS PROVIDENCIAS NECESSARIAS, A SEMELHANCA DO QUE OCORRE COM A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO (ARTIGO 103, PAR-2., DA CARTA MAGNA), E DE QUE SE DETERMINE, SE SE TRATAR DE DIREITO CONSTITUCIONAL OPONIVEL CONTRA O ESTADO, A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS DE QUE POSSA ADVIR PARA O IMPETRANTE DANO QUE NÃO OCORRERIA SE NÃO HOUVESSE A OMISSAO INCONSTITUCIONAL. - ASSIM FIXADA A NATUREZA DESSE MANDADO, E ELE, NO ÂMBITO DA COMPETÊNCIA DESTA CORTE - QUE ESTA DEVIDAMENTE DEFINIDA PELO ARTIGO 102, I, 'Q' -, AUTO-EXECUTAVEL, UMA VEZ QUE, PARA SER UTILIZADO, NÃO DEPENDE DE NORMA JURÍDICA QUE O REGULAMENTE, INCLUSIVE QUANTO AO PROCEDIMENTO, APLICAVEL QUE LHE E ANALOGICAMENTE O PROCEDIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, NO QUE COUBER. QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DA AUTO-APLICABILIDADE DO MANDADO DE INJUNÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. (MANDADO DE INJUNÇÃONº 107 Qo/DF, Relator Min. Moreira Alves, JULGAMENTO: 23/11/1989. ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+1 07%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+107%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/b6htbp8. Acesso em: 23 de março de 2016)

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estabelecendo o procedimento do mandado de injunção. De acordo com o STF, ao

mandado de injunção deveriam ser aplicadas, por analogia, as regras relativas ao

mandado de segurança, naquilo que pertinentes, com aplicação subsidiária do

Código de Processo Civil. Na oportunidade, firmou entendimento de que o instituto

do mandado de injunção terá prioridade em relação aos demais instrumentos

jurisdicionais, salvo no que diz com habeas corpus e o habeas data.

A legitimidade ativa423 para impetrar mandado de injunção é garantida a

qualquer pessoa, desde que seja titular de direito constitucional, cuja fruição e tutela

esteja sendo obstaculizadas pela falta de norma reguladora.

Quanto à competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar

e julgar o mandado de injunção. Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck explicam:

(...) compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente o mandado de injunção nos casos previstos no art. 102, inc. I, q, ao passo que compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente o MI, nos casos previstos do art. 105, inc. I, h. No âmbito estadual, as Constituições estaduais é que vão determinar o órgão competente para processo e julgamento dos MI constitucionais estaduais, cabendo tal julgamento aos Tribunais de Justiça, caso assim previsto nasConstituições dos Estados-membros. 424

O mandado de injunção tem por objeto o não cumprimento de dever de

legislar que, de alguma forma, afetam direitos constitucionalmente assegurados

tornando inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das

prerrogativas inerentes à soberania e à cidadania.

Quanto os efeitos da decisão proferida em mandando de injunção são de

natureza híbrida, uma vez que cabe ao Poder Judiciário declarar a omissão

(natureza declaratória) e, para efeitos de tutela do direito, emitir uma ordem

(natureza mandamental) assegurando o exercício do direito até que sobrevenha a

regulamentação do poder competente (natureza constitutiva).

423 Nota-se que mesmo na ausência de expressa previsão constitucional, tem sido admitida a propositura do mandado de injunção na modalidade coletiva, a exemplo do que ocorre com o mandado de segurança, assegurando-se às associações de classes devidamente constituídas tal possibilidade, consoante orientação imprimida pelo próprio STF. Trata-se de interpretação em conformidade com o paradigma do Estado Democrático de Direito, pronunciando a extensão dos efeitos do writ. (SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio L. Comentário ao artigo 5º, LXXI. In: CANOTILHO, J.J Gomes; MENES, Gilmar F; STRECK, Lenio L; (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p.482).424 Idem.

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Nesse sentido, registra a ementa da decisão proferida pelo Min. Relator

Moreira Alves, no julgamento do Mandado de Injunção nº 232:

Mandado de injunção. - Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no par. 7. do artigo 195 da Constituição Federal. - Ocorrência, no caso, em face do disposto no artigo 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providencias legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, par. 7., daConstituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida.425

A posição preponderante no Supremo Tribunal Federal preconiza que os

efeitos da decisão ficam restritos às partes.426 No caso de mandado de injunção

coletivo com substituição processual, a decisão não ficará restrita às partes pela

própria natureza do direito posto em juízo (transindividual).

O Supremo Tribunal Federal inadmitiu o Recurso Extraordinário Nº 824466,

sob o embasamento que só cabe mandado de injunção quando a omissão legislativa

que tem por fundamento comando estabelecido em norma de hierarquia

infraconstitucional também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto

constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 824466 / MA.

425 MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 232/RJ, Relator Min. Moreira Alves, JULGAMENTO: 02/08/1991. ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA% 2E+E+232%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+232%2EACMS%2E%29&base= baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/cue4ggf. Acesso em: 23 de março de 2016 (ANEXO 7)426 EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR -ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91. MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 721/DF, Relator Min. Marco Aurélio Melo. JULGAMENTO: 30/08/2007. ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA% 2E+E+721%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+721%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bfv89na. Acesso em: 23 de março de 2016 (ANEXO 8)

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EMENTA: “AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. OMISSÃO QUANTO À REGULAMENTAÇÃO DE PRECEITO DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL. AUXÍLIO-TRANSPORTE. AGRAVOREGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O mandado de injunção é remédio excepcionalíssimo que tem o condão de curar a síndrome da carência legislativa que inviabilize o exercício de direitos e liberdades constitucionalmente consagrados, bem como que impeça a concretização de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. 2. A Lei Orgânica municipal, tal como as Constituições da República e as Estaduais, tem por escopo estruturar e organizar, à luz do princípio da simetria, os entes federados locais. Isso não implica dizer, porém, que tal diploma normativo também seja destinado a consagrar direitos e liberdades fundamentais aos munícipes, salvo quando se tratar de normas de repetição obrigatória. (...) Como assentado no acórdão recorrido, o mandado de injunção tem como pressuposto de cabimento um dever de legislar imposto pela Constituição. Significa dizer, nas palavras do Min. Celso de Mello, que “o direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais” (MI 3.316). (..) Nessa linha, confira-se o seguinte trecho da ementa do MI 5.392-ED, julgado sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli: “Embargos de declaração em mandado de injunção. Decisão monocrática. Conversão em agravo regimental. Regulamentação do art. 68 da Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências). Falta de comando constitucional específico. Recurso não provido. [...] 3. O mandado de injunção possui natureza mandamental e se volta à colmatagem de lacuna legislativa capaz de inviabilizar o gozo de direitos e liberdades constitucionalmente assegurados, bem como de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal). 4. Omissão legislativa que tem por fundamento comando estabelecido em norma de hierarquia infraconstitucional, deixando de espelhar ordem aolegislador retirada diretamente da Constituição Federal, o que evidencia a impropriedade da via do mandado de injunção.427 (grifamos)

Luís Roberto Barroso apresenta crítica à efetividade do mandado de injunção:

O mandado de injunção, todavia, na prática, enfrentou os percalços de uma jurisprudência tímida, conservadora, quando não reacionária. É inafastável a constatação penosa de que o mandado de injunção jamais foi, na prática, o que o constituinte e os doutrinadores haviam suposto.428

Corroboramos com o manifestado por Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz

Streck, no sentido de que é necessário o Supremo Tribunal Federal conceder status

de ação autônoma ao mandado de injunção, para que possa cumprir seu papel

427 Supremo Tribunal Federal. RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 824466 / MA. Primeira Turma. RECDO: MUNICÍPIO DE TIMON. RECTE: CÂMARA MUNICIPAL DE TIMON. Relator: Min. Roberto Barroso. Julgado em 13/11/2015. DJe 27/11/2015. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000478099&base=baseMonocrati ca. Acesso em: 23 janeiro 2016 (ANEXO 9)428 BARROSO, 2003. Op. Cit., p. 173.

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constitucional e servir de instrumento para assegurar, juntamente com outros meios,

a máxima eficácia e efetividade do projeto constitucional.429

3.2.3 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

A ação de descumprimento de preceito fundamental é dirigida a evitar ou

reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, bem como

solucionar controvérsia constitucional a respeito de lei ou ato normativo federal,

estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição da República.

De certa forma, a instituição da arguição de descumprimento de preceito

fundamental completa o quadro das “ações declaratórias”, ao permitir que não

apenas o direito federal, mas também o direito estadual e municipal possam ser

objeto de pedido de declaração de constitucionalidade.430

Gilmar Mendes explica sobre o controle direto de constitucionalidade do

direito municipal em face da Constituição da República:

A Lei 9.882/1999 veio, em boa hora, contribuir para a superação dessa lacuna, contemplando expressamente a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade do direito municipal no âmbito desse processo especial.Ao contrário do imaginado por alguns, não será necessário que o STF aprecie as questões constitucionais relativas ao direito de todos os Municípios. Nos casos relevantes, bastará que decida uma questão-padrão com força vinculante.Se entendermos que o efeito vinculante abrange também os fundamentos determinantes da decisão, poderemos dizer, com tranquilidade, que não apenas a lei objeto de declaração de inconstitucionalidade no Município “A”, mas toda e qualquer lei municipal de idêntico teor não mais poderá seraplicada.431

No ordenamento jurídico estrangeiro se vislumbra semelhança entre a ação

de descumprimento de preceito fundamental e a queixa constitucional da

Constituição Alemã, art. 93, § 1º, nº 4, a: Compete ao Tribunal Constitucional

429 SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio L. Comentário ao artigo 5º, LXXI. In: CANOTILHO, J.J Gomes; MENES, Gilmar F; STRECK, Lenio L; (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p.486.430 MENDES, et. al, 2010, Op. Cit., p. 1498.431 Ibidem, p. 1327.

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Federal apreciar: as queixas Constitucionais que podem ser interpostas por toda a

gente com a alegação de ter sido lesado, pelo Poder Público, num de seus direitos

fundamentais ou num dos seus direitos consagrados no nº 4 do art. 20, sem prejuízo

dos arts. 33, 38, 101, 103 e 104) e no recurso de amparo, consoante os arts. 161, nº

1, b da Constituição espanhola: O Tribunal Constitucional tem jurisdição em todo o

território espanhol e é competente para conhecer: do recurso de amparo por

violação dos direitos fundamentais referidos no art. 53, nº 2 desta Constituição nos

casos e formas que a lei estabelecer. 432

A arguição de descumprimento de preceito fundamental é tratada na

Constituição da República de 1988, art. 102: Compete ao Supremo Tribunal Federal,

precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: § 1º A arguição de

descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será

apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei (Transformado em § 1º

pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93).

Trata-se de hipótese de competência originária do Supremo Tribunal Federal

preceituada em norma de eficácia limitada, sendo reclamada a edição de lei

regulamentadora no próprio texto constitucional. A regulamentação da arguição de

descumprimento de preceito fundamental é feita pela Lei nº 9.882/1999, que no art.

1º, caput dispõe sobre a arguição direta ou autônoma e art. 1º, parágrafo único,

inciso I, é prevista a arguição indireta ou incidental, por meio da qual se realiza

controle concreto de constitucionalidade.

Nos termos do art. 2º, I da Lei 9.882, de 1999, podem propor arguição de

descumprimento de preceito fundamental todos os legitimados para a ação direta de

inconstitucionalidade (art. 103 CR/88): I - o Presidente da República; II - a Mesa do

Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembleia

Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de

Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho

Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação

no Congresso Nacional.

432 HARBELE, Peter. El Recurso de Amparo en el Sistema Germano-Federal de Jurisdicción Constitucional in La Jurisdicción Constitucional en Iberoamerica. 1ª ed. Madrid: Dukinson, 1997, p. 257.

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O art. 2º, II da Lei 9.882, de 1999, previa expressamente a legitimidade

processual de qualquer indivíduo afetado por decisão do Poder Público, porém o

dispositivo foi vetado pelo Chefe do Poder Executivo.433

Quanto o objeto de exame da arguição de descumprimento de preceito

fundamental é esclarecedor o explicitado por Guilherme Peña de Moraes:

Decerto, considerando que a arguição de descumprimento de preceito fundamental é informada pelo princípio da subsidiariedade, o seu objeto é ampliação da jurisdição constitucional orgânica, na medida em que o regular exercício da arguição de descumprimento é condicionado à inexistência de outro meio adequado para impugnação de determinada lei ou ato normativo, no controle de constitucionalidade pela via de ação direta, ou à inexistência de outro meio efetivo de tutela dos preceitos fundamentais, no controle de constitucionalidade pela via de exceção. De uma lado, no que tange aos controle de constitucionalidade concentrado as principais hipóteses de cabimento da arguição direta ou autônoma decorrem da inadequação da ação direta de inconstitucionalidade para a impugnação de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, como também lei ou ato normativo pré-constitucional, pela via de ação direta. De outro lado, no que toca ao controle de constitucionalidade difuso a principal hipótese de cabimento da arguição indireta ou incidental deflui da inefetividade do recurso extraordinário para solucionar controvérsia constitucional relevante sobre preceito fundamental, a critério discricionário do Supremo TribunalFederal, pela via de exceção.434

433 Razões do veto: A disposição insere um mecanismo de acesso direto, irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de descumprimento de preceito fundamental por "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público". A admissão de um acesso individual e irrestrito é incompatível com o controle concentrado de legitimidade dos atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas. Dúvida não há de que a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal consubstancia um objetivo ou princípio implícito da ordem constitucional, para cuja máxima eficácia devem zelar os demais poderes e as normas infraconstitucionais. De resto, o amplo rol de entes legitimados para a promoção do controle abstrato de normas inscrito no art. 103 da Constituição Federal assegura a veiculação e a seleção qualificada das questões constitucionais de maior relevância e consistência, atuando como verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania. Cabe igualmente ao Procurador-Geral da República, em sua função precípua de Advogado da Constituição, a formalização das questões constitucionais carentes de decisão e socialmente relevantes. Afigura-se correto supor, portanto, que a existência de uma pluralidade de entes social e juridicamente legitimados para a promoção de controle de constitucionalidade – sem prejuízo do acesso individual ao controle difuso – torna desnecessário e pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar e julgar certamente decorrentes de um acesso irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal. Na medida em que se multiplicam os feitos a examinar sem que se assegure sua relevância e transcendência social, o comprometimento adicional da capacidade funcional do Supremo Tribunal Federal constitui inequívoca ofensa ao interesse público. Impõe-se, portanto, seja vetada a disposição em comento. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/1999/Mv1807-99.htm. Acesso em: 23 de março de 2016).434 MORAES, Op. Cit., p. 282-283.

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Em 2004, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão monocrática na

ADPF 45 MC/DF, de relatoria do Min. Celso Mello, sobre a questão da legitimidade

constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de

implementação de políticas públicas:

ADPF - Políticas Públicas - Intervenção Judicial - "Reserva do Possível" (Transcrições) ADPF 45 MC/DF* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). (...) Nãoobstante a superveniência desse fato juridicamente relevante, capaz de fazer instaurar situação de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República. Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional. (...) Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). (...) Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como

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decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem adoutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social. A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como consequência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais." (...) Sendo assim, tendoem consideração as razões expostas, julgo prejudicada a presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da perda superveniente de seu objeto. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 29 de abril de 2004. (grifamos)435

No controle objetivo das políticas públicas, objeto de

exigibilidade jurisdicional em sede de Ação de Descumprimento de

Preceito Fundamental (ADPF)

– que pode se relacionar à ausência de qualquer ação estatal (omissão) ou

inadequação do quadro normativo do agir estatal - o Poder Judiciário deve realizar

acertos no déficit de resolutividade, promovendo se necessário, realinhamento das

políticas públicas implementadas e em desenvolvimento, de forma a atingir o

resultado esperado.436

435 Supremo Tribunal Federal. MEDIDA CAUTELAR EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL nº 45/DF. Segunda Turma. ARGDO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ARGTE: PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA - PSDB. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 29/04/2004. DJe 04/05/2004. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000072044&base=baseMonocrati ca. Acesso em: 23 janeiro 2016 (ANEXO 10)436 No sentido de que é possível ao Poder Judiciário, em situações excepcionais, determinar aoPoder Executivo a implementação de políticas públicas a fim de garantir direitos constitucionalmente assegurados, sem que isso implique ofensa ao princípio da separação dos Poderes, vejam-se precedentes de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal: “Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Ação civil pública. Defesa do meio ambiente. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Insuficiência orçamentária. Invocação. Impossibilidade. Precedentes. 1. A Corte Suprema já firmou a orientação de que é dever do Poder Público e da sociedade a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. 2. Assim, pode o Poder Judiciário, em situações excepcionais, determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias desse direito, reputado essencial pela Constituição Federal, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 3. A Administração não pode justificar a frustração de direitos previstos na Constituição da República sob o fundamento da insuficiência orçamentária. 4. Agravo

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Nesse capítulo, após análise dos mecanismos de exercício da democracia

participativa e as medias judiciais para efetividade do direito fundamental à moradia,

podemos concluir que para o fortalecimento da democracia participativa é preciso

assumir a possibilidade da existência de mais de uma forma de democracia, pois

não existe motivo para que haja uma só forma de democracia.

Os mecanismos de participação popular descritos na Constituição da

República de 1988, em especial os abordados nesse capítulo, despontam como

meios eficazes de atuação da sociedade perante o Poder Público para efetividade

das políticas públicas do direito fundamental à moradia.

Desenvolver uma sociedade bem ordenada sob as modernas condições de

vida, sendo as instituições fundamentais dessa sociedade estabelecidas à luz da

justiça entendida como imparcialidade, significa dizer três coisas:

(...) a primeira é que se trata de uma sociedade na qual cada um aceita, e sabe que todos os demais aceitam precisamente os mesmos princípios de justiça; a segunda é que se reconhece publicamente, e nisso se acredita com boas razões, que a estrutura básica dessa sociedade – isto é, suas instituições políticas e sociais e a maneira como se articular em um sistema único de cooperação – implementa aqueles princípios; e a terceira, que seus cidadãos tem um senso de justiça que normalmente é efetivo e, em

regimental não provido.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 658.171/RN. Primeira Turma. Recorrente: UNIÃO. Recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Relator: Min. Dias Toffoli. Julgado em 01/04/2014. DJe 28/04/2014. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5716326. Acesso em: 13 outubro. 2015)“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MEIO AMBIENTE – ESGOTO – LANÇAMENTO EM RIO – VIABILIDADE.Mostra-se consentâneo com a ordem jurídica vir o Ministério Público a ajuizar ação civil pública visando ao tratamento de esgoto a ser jogado em rio. Nesse caso, não cabe cogitar da impossibilidade jurídica do pedido e da extinção do processo sem julgamento do mérito.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 254.764/SP. Primeira Turma. Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Recorrido: MUNICÍPIO DE SOROCABA.Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgado em 24/08/2010. DJe 18-02-2011. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=619311. Acesso em: 13 outubro. 2015)“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABRIGOS PARA MORADORES DE RUA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279 DO STF. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Incabível orecurso extraordinário quando as alegações de violação a dispositivos constitucionais exigem o reexame de fatos e provas (Súmula 279/STF). Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que não ofende o princípio da separação de poderes a determinação, pelo Poder Judiciário, em situações excepcionais, de realização de políticas públicas indispensáveis para a garantia de relevantes direitos constitucionais. Precedentes. Agravo regimental desprovido.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 634.643/RJ. Segunda Turma. Recorrente: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. Recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Relator: Min.JOAQUIM BARBOSA. Julgado em 26/06/2012 . DJe 10-08-2012. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2533792. Acesso em: 13 outubro. 2015)

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virtude disso, em geral agem em conformidade com as instituições básicas da sociedade, que consideram justas.437

Ressalta-se que a qualidade de vida visada e defendida nesse estudo

depende, fundamentalmente, da efetividade e eficácia das normas constitucionais e

infraconstitucionais que anunciam as funções sociais da propriedade e da cidade

como corolários do exercício pleno do direito à moradia.

Ademais, as experiências democráticas precisam do apoio de atores

democráticos e que se multipliquem as experiências bem sucedidas, nas quais o

formato de participação popular foi sendo adquirido experimentalmente e permitindo

o avanço da sociedade.

É possível concluir, ante o exposto, que ao Judiciário cabe sempre fazer

prevalecer a Constituição, quer suprimindo os atos normativos com ela

incompatíveis quer suprindo as omissões legislativas que embaraçam sua

efetivação.438

Diante de omissões constitucionais, total ou parcial, que ensejem a

propositura da ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou da ação de

arguição de descumprimento de preceito fundamental ou, ainda, a impetração do

mandado de injunção, o Poder Judiciário deve manter a necessária estruturação do

sistema jurídico como estabelecido por Rawls, em que a concepção de justiça tem

ampla aceitação na sociedade e que as instituições têm uma administração

imparcial e coerente por parte de juízes e outras autoridades. A norma correta

definida pelas instituições é regularmente observada e devidamente interpretada

pelas autoridades.439

Visando a ascensão da sociedade bem ordenada que promove o bem dos

seus membros considerando uma concepção pública de justiça440, sendo os

princípios de justiça conhecidos e aceitos por todos os membros e respeitados pelas

437 RAWLS, 2008, Op. Cit, p. 42.438 BARROSO, 2003. Op. Cit., p. 170.439 RAWLS, 2008, Op. Cit, p.70.440Algum grau de consenso nas concepções de justiça não é, porém, o único pré-requisito para avalidade de comunidades humanas. Há outros problemas sociais fundamentais, em especial os da cooperação, da eficiência e da estabilidade. (...) A desconfiança e o ressentimento corroem os vínculos de civilidade, e a suspeita e a hostilidade tentam as pessoas a agir de maneira que evitariam em outras circunstâncias. Assim, embora o papel característico das concepções de justiça seja especificar os direitos e os deveres fundamentais, e definir as parcelas distributivas apropriadas, o modo como determinada concepção o faz fatalmente influi nos problemas da eficiência, da coordenação e da estabilidade. (Ibidem, p. 07)

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instituições sociais fundamentais, atendendo à necessidade que uma sociedade

democrática tem de assegurar um consenso sobreposto441 acerca dos seus valores

políticos fundamentais.

441 A razão para que tal concepção possa ser o foco de um consenso sobreposto de doutrinas abrangentes está no fato de que essa concepção desenvolve os princípios de justiça a partir das ideias publicas e compartilhas de sociedade como um sistema equitativo de cooperação e de cidadãos como pessoas livres e iguais, valendo-se, para isso, da razão prática (se ocupa da produção de objetos de acordo com uma concepção desses objetos) comum dos próprios cidadãos. Ao acatar esses princípios de justiça, os cidadãos demonstram ser autônomos, em termos políticos, e de uma forma compatível com suas doutrinas abrangentes razoáveis. (RAWLS, 2011, Op. Cit, p. 107).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A democracia participativa assumiu um papel de destaque no século XX,

posto que a revisão da teoria democrática tem como objetivo emergir critérios de

participação política que não se resumem ao simples ato de votar, objetiva

estabelecer a democracia como um valor intrínseco e não meramente uma utilidade

instrumental.

O século passado nos mostrou o colapso da sociedade moderna, externado

em duas Guerras Mundiais e na necessidade de concretização de uma forma de

vida emancipada, para tanto, “os próprios participantes precisam entender-se

preliminarmente, não é difícil verificar que a auto-organização democrática de uma

comunidade jurídica forma o núcleo normativo desse projeto.”442

Houve a necessidade de transformar o Estado, para buscar a efetividade da

primazia da igualdade e, consequentemente, estabelecer uma existência digna para

os menos favorecidos.

Na estruturação do Estado Democrático de Direito, estabeleceu-se o sistema

político da democracia em que o poder emana do povo, Ligia Melo explica:

(...) não está personalizado individualmente, a legitimidade do Poder soberano sustenta-se na atuação administrativa justa, democrática e republicana, incluindo os comandos que não estão explicitamente descritos em lei, mas se encontram juridicizados pelo texto constitucional. Cabe o Estado à responsabilidade pela conformação de uma determinada ordem social descrita na Constituição.443

No processo democrático, os direitos fundamentais são incorporados ao

sistema constitucional através consenso político majoritário, tendo maior força de

justificação por se estruturar sob as bases do princípio do consenso cívico (princípio

de contrato social). Quanto maior for o consenso cívico, menor será a tendência de

determinados grupos alterarem dispositivos da Constituição da República para

reverter circunstâncias que não lhe são favoráveis.

442 HABERMAS, Junger. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I. 2 ed. revista pela Nova Gramática da Língua Portuguesa. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pág. 09.443 MELO, Lígia. Op. CIt., p. 122.

Page 175: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

Para que haja efetividade das garantias constitucionais, dentre elas o direito

fundamental à moradia, é preciso que as normas constitucionais sejam interpretadas

num sentido deontológico obrigando todos os destinatários igualmente, sem

exceção.

Com a introdução na Constituição da República de 1988 de normas com

expressivo cunho ideológico social, ético e programático, o Estado passou a ser

responsável pela concretização dos direitos dos cidadãos mediante prestações

positivas a serem encaminhadas através das políticas públicas.

Verifica-se a necessária associação de elementos normativos e diretrizes

políticas descritas nos comandos constitucionais, entrelaçando a atuação

institucional às políticas públicas, fazendo desta um mecanismo de ação estatal para

superação das desigualdades sociais e a realização do direito fundamental social à

moradia.

A realização de um modelo democrático, justo e solidário para políticas

públicas relacionadas o direito à moradia exige do Poder Executivo uma forma de

governar diversa de atos discricionários, adotando-se uma estrutura mais

participativa e democrática.

A promoção da participação e a descentralização político administrativa não

significa por si só mais democratização do Estado, todavia, representa mais

qualidade democrática, mais equidade social ou mesmo o fortalecimento dos atores

da sociedade civil e da cultura cidadã.

A essência do Estado Contemporâneo está conformada na lei fundamental,

legitimamente fundada na vontade soberana do povo, contendo as metas e

diretrizes norteadoras da efetivação dos direitos fundamentais, cabendo tal

desiderato as funções exercidas pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Para que a promoção do acesso à moradia ocorra por meio do planejamento

e da elaboração de planos de ação que envolvem programas habitacionais, a

política pública urbana cumpre sua tarefa comandando à Administração Pública a

execução de ações que promovam o alcance do direito de morar adequadamente,

como determina a Constituição.444

444 MELO, Lígia, Op. Cit. p. 115.

Page 176: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

É no planejamento que se estabelece a ação administrativa do Estado,

designando-se as diretrizes espaciais, temporais e de conteúdo permitindo a

Administração cumprir o que determinam as normas constitucionais e

infraconstitucionais.

O planejamento de políticas públicas destinadas a garantir o direito à moradia

é um direito vinculado à prestação positiva do Estado, que deve ser guiada pelos

valores de pleno desenvolvimento e redução das desigualdades sociais, descritos no

art. 3º da Constituição da República de 1988.

O Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 45/DF, esclareceu que não há

ofensa ao princípio da separação dos poderes o Poder Judiciário agir para corrigir o

comportamento irrazoável dos demais Poderes do Estado:

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial- a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/oucoletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.445

O art. 1º, parágrafo único da CR/88 descreve o princípio da democracia

constitucional, b) por meio das diversas formas de participação e de representação

políticas dos vários pontos de vista ideológicos presentes na sociedade nos

processos legislativos de produção das leis e das demais decisões jurídico-políticas.

O princípio da democracia participativa está incorporado no artigo 29, XII da

Constituição da República de 1988 (a participação dos representantes das

associações populares no processo de organização das cidades), sua inobservância

445 Supremo Tribunal Federal. MEDIDA CAUTELAR EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL nº 45/DF. Segunda Turma. ARGDO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ARGTE: PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA - PSDB. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 29/04/2004. DJe 04/05/2004. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000072044&base=baseMonocrati ca. Acesso em: 23 janeiro 2016 (ANEXO 10)

Page 177: portal.estacio.br©rica-guerra-da... · Web viewAo revés, tendo o Poder Público, por meio de seu órgão produtor de leis, garantido exigido a participação da sociedade civil

na elaboração das soluções dos problemas de urbanização, que refletem

diretamente na efetividade do direito à moradia, por exemplo, a não participação da

sociedade na formulação e na execução do plano diretor, como disposto no art. 40,

§ 4º do Estatuto da Cidade, poderá ser objeto de arguição de descumprimento de

preceito fundamental, podendo o Supremo Tribunal Federal declarar a

inconstitucionalidade, com efeitos erga omines, vinculantes aos demais órgãos

públicos.

Na estrutura básica da sociedade, em que a justiça é a primeira virtude das

instituições, o sujeito primário da justiça é a maneira como as principais instituições

sociais distribuem os direitos e os deveres fundamentais, articulam-se num sistema

equitativo de cooperação social ao longo do tempo e determinam o rateio das

vantagens da cooperação social.

No âmbito dos mecanismos administrativos de atuação do Estado, o Estatuto

da Cidade, Lei 10.257/2001, merece aplausos por abrir as possibilidades para um

maior controle da sociedade e permitir um debate democrático transparente por

aqueles que serão atingidos pelas decisões.

A audiência pública, o plano diretor participativo e o orçamento participativo

legitimam a participação popular, pois permitem a melhor estruturação das relações

entre o Poder Público e a sociedade civil, no âmbito das políticas públicas urbanas

para a efetividade do direito fundamental à moradia. O diálogo entre a população e o

Poder Público propiciam decisões sobre as políticas públicas no âmbito da

ordenação do espaço público, permitindo o direcionamento dos investimentos em

políticas públicas e sociais, melhorando a qualidade da prestação dos direitos

fundamentais sociais.

Para o ideal de justiça na sociedade democrática proposta por Rawls é

necessária uma cooperação social para definição das instituições sociais.

“Precisamos imaginar que aqueles que se engajam na cooperação social escolhem

juntos, num ato comum, os princípios destinados a atribuir os direitos e os deveres

básicos e a determinar o rateio dos benefícios sociais.”446

A justiça como equidade propõe uma concepção da pessoa como livre e

igual, como capaz de agir ao mesmo tempo de modo racional e razoável e, por

446 RICOEUR, Op. cit., p. 69.

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conseguinte, como capaz de participar da cooperação social entre pessoas assim

concebidas.447

A democracia participativa concebida através das medidas judiciais e dos

institutos de descentralização no processo de planejamento urbano analisados é

fator essencial para o avanço das instituições democráticas que garantem a

efetividade do direito fundamental à moradia

447 RAWLS, 2000, Op. Cit., p.47-51.

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