revolução inglesa

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Revolução Inglesa Revolução Inglesa O ano de 1648 ficou para sempre mar cado na memória dos europeus, afinal, terminava a terrível Guerra dos 30 Anos que sangrou a Europa em três décadas de des- truição. Com o término do conflito, França e Inglaterra se tornaram as nações mais poderosas do continente, encerrando o longo período de hegemonia espanhola. Estranhamente, nesse mesmo ano, terminava também a guerra civil inglesa, destronando a monarquia dos Stuart’s após a vitória das forças do Parlamento. Na época, poucas pessoas se deram conta da importância do episódio, pois as atenções estavam voltadas para o final do conflito europeu e a assinatura dos acordos de paz. Na verdade, a derrubada da mo- narquia significava a primeira revolução burguesa da História, e sua influência se entenderia em vários epi- sódios posteriores. A explicação para a precocidade das mudanças inglesas encontra-se na peculiar evolu- ção histórica desse país, que, em muitos aspectos, foi diferente dos demais. Com efeito, no decorrer do século XVI, a Ingla- terra conseguiu ultrapassar seus rivais ibéricos, assu- mindo a condição de nação mais desenvolvida do con- tinente. Os ingleses com uma inteligente, esperta e bem aplicada política mercantilista, passaram do simples es- tágio de produtores de fibra de lã, ao status de produ- tores da mais vigorosa manufatura têxtil da Europa, importando grande quantidade de lã de carneiro e drogas de tintura utilizadas na produção dos tecidos. Exportavam, em seguida, produtos têxteis de alto valor comercial, abastecendo quase todas as nações européias. A fraqueza e debilidade dos países ibéricos levou-os a aceitar essa humilhante situação. Nos campos da Inglaterra, a produção de lã se desenvolveu com uma estrutura mercantil assentada em bases capitalistas. A penetração do capitalismo nas áreas rurais deu-se pelo estímulo do mercado externo e pelo crescimento do mercado interno. “Foi a revolução das liberdades mais do que da liberdade, dos privilégios da fortuna ou da educação mais do que da igualdade, da harmonia e do compromisso mais que da Fraternidade.” Bourde, A J. “Na Inglaterra durante o século XVI houve um verdadeiro boom no mercado de terras. Entre- tanto, este fenômeno, ao invés de provocar uma refeudalização, como aconteceu na França, acele- rou a desintegração da proprieda- de e das relações feudais”. Modesto Florenzano Quadro mostra a cidade de Londres, em 1666.

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Revolução InglesaRevolução Inglesa

O ano de 1648 ficou para sempre marcado na memória dos europeus, afinal,terminava a terrível Guerra dos 30

Anos que sangrou a Europa em três décadas de des-truição. Com o término do conflito, França e Inglaterrase tornaram as nações mais poderosas do continente,encerrando o longo período de hegemonia espanhola.Estranhamente, nesse mesmo ano, terminava tambéma guerra civil inglesa, destronando a monarquia dosStuart’s após a vitória das forças do Parlamento.

Na época, poucas pessoas se deram conta daimportância do episódio, pois as atenções estavamvoltadas para o final do conflito europeu e a assinaturados acordos de paz. Na verdade, a derrubada da mo-narquia significava a primeira revolução burguesa daHistória, e sua influência se entenderia em vários epi-sódios posteriores. A explicação para a precocidadedas mudanças inglesas encontra-se na peculiar evolu-ção histórica desse país, que, em muitos aspectos, foidiferente dos demais.

Com efeito, no decorrer do século XVI, a Ingla-terra conseguiu ultrapassar seus rivais ibéricos, assu-mindo a condição de nação mais desenvolvida do con-tinente. Os ingleses com uma inteligente, esperta e bemaplicada política mercantilista, passaram do simples es-tágio de produtores de fibra de lã, ao status de produ-tores da mais vigorosa manufatura têxtil da Europa,importando grande quantidade de lã de carneiro e drogasde tintura utilizadas na produção dos tecidos.Exportavam, em seguida, produtos têxteis de alto valorcomercial, abastecendo quase todas as naçõeseuropéias. A fraqueza e debilidade dos países ibéricoslevou-os a aceitar essa humilhante situação.

Nos campos da Inglaterra, a produção de lã sedesenvolveu com uma estrutura mercantil assentadaem bases capitalistas. A penetração do capitalismo nasáreas rurais deu-se pelo estímulo do mercado externo epelo crescimento do mercado interno.

“Foi a revolução das liberdades mais do que da liberdade, dos privilégios da fortuna ou daeducação mais do que da igualdade, da harmonia e do compromisso mais que da Fraternidade.”

Bourde, A J.

“Na Inglaterra durante oséculo XVI houve um verdadeiro

boom no mercado de terras. Entre-tanto, este fenômeno, ao invés de

provocar uma refeudalização,como aconteceu na França, acele-rou a desintegração da proprieda-

de e das relações feudais”.

Modesto Florenzano

Quadromostra acidade deLondres, em1666.

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saO dinâmico núcleo mercantil tinha em Londres

seu “centro nervoso” e para lá convergiam todas as aten-ções, numa época em que ainda reinavam os monarcasabsolutistas. No restante do país, a alteração daestrutura agrária provocou uma significativa mudançana sociedade. A tradicional nobreza feudal empobrecidafoi vendendo suas terras para uma moderna eprogressista nobreza rural, logo apelidada de - gentry.A “Revolução dos Preços” do final do século XVI,desencadeou a espiral inflacionária que levou muitosnobres feudais à falência, obrigando-os à venda de pro-priedades por valores irrisórios.

A renovação no campo, designada comocercamentos, fez desaparecer a diferença entre o mun-do rural e o mundo urbano. Os descendentes da antiganobreza que ainda conseguiam manter as terras tive-ram de se adaptar às novas regras da economia, optan-do pela produção de lã que tinha mercado consumidorgarantido. A criação de carneiros para a venda de lã,indiretamente engajava-os nas mudanças capitalistas.Na França, a maioria das terras ainda pertencia à nobre-za tradicional que resistia às transformações com receiode perder os infinitos privilégios. Foi preciso a revolu-ção burguesa de 1789 para tirar o país da letargia feudalque atrasava a economia francesa.

“Todas as mudanças sociais que estavam trans-formando a sociedade inglesa da época tinham porbase a terra, sua posse e seu uso. A propriedade daterra, ainda a principal forma e fonte de riqueza, davaa quem a possuía prestígio social e poder. Por isso aspessoas ligadas ao mundo dos negócios, às ativida-des urbanas, investiam suas fortunas na aquisição depropriedades rurais. Na Inglaterra, como de resto emtodo o continente, havia uma verdadeira compulsão,por parte da burguesia para adquirir terras. Duranteo século XVI, houve um verdadeiro boom no mercadode terras.

Entretanto, aqui, esse fenômeno ao invés deprovocar uma feudalização, como aconteceu na Fran-ça, acelerou a desintegração da propriedade e dasrelações feudais. A existência de uma agricultura co-mercial, com características capitalistas e de uma no-breza com mentalidade empresarial acabariam trans-formando a terra numa mercadoria, como outra qual-quer, que se comprava e vendia livremente ”. 1

A contrapartida era a precária condição doscamponeses ingleses. A transformação da estruturafundiária expulsou centenas de pequenosproprietários, impedindo-os de garantir a posse das ter-ras. A criação de ovelhas exigia mão-de-obra reduzi-da, excluindo diversos camponeses dessa opção de tra-balho. As comunidades aldeãs foram desfeitas para des-pejar nas cidades uma quantidade imensa de habitan-tes convertidos em mão-de-obra barata e abundantepara as manufaturas burguesas. Completamente desar-ticulada e desprovida de um projeto político, restaria àpopulação mais humilde um papel de coadjuvante nosacontecimentos, que conduziriam a Inglaterra ao iní-cio da revolução.

A MONARQUIA INGLESA

No período de formação do Estado Moderno, aInglaterra desenvolveu traços particulares distinguin-do-se do restante do continente. Na maioria dos países,os Parlamentos eram acessórios decorativos, somenteconvocados em ocasiões excepcionais, a exemplo doParlamento de Paris. Na Inglaterra, o Parlamentodesempenhava um papel fiscalizador em relação àmonarquia, coibindo eventuais abusos na cobrançade impostos.

Cercada por cortesãos edamas de companhia ricamente

trajados, Elizabeth é levadanuma cadeira pelas ruas de

Londres, nessa pintura de 1600.Esses desfiles e as visitas de

verão da rainha, ao interior eramexercícios calculados de

propaganda: a opulência de seuvestdo, a dignidade de sua

postura, até as palavras quetrocava graciosamente com osespectadores destinavam-se a

firmar a leadade de seus súditosà Coroa.

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A Magna Carta de 1215, garantiu prerrogativasimportantes ao Parlamento, creditando vantagens ànobreza e à burguesia. A casa parlamentar era consti-tuída da Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns,representando respectivamente nobres e burgueses.

Diferente de outras nações, a monarquia ingle-sa não conseguiu a arrecadação de recursos própriosque lhe permitisse autonomia em relação aos outrosgrupos sociais. A exploração colonial na América doNorte realizou-se a partir da iniciativa do capital priva-do e o comércio desenvolvido com as colônias portu-guesas e espanholas, drenava a maior parte do capitalpara a burguesia. A arrecadação de impostos do co-mércio colonial era insuficiente para o sustento da corte,levando-a ao recurso humilhante de pedir socorro aosricos burgueses através de petições ao Parlamento.

“Embora, no início, a câmara dos lordes fosseo corpo parlamentar dominante, no decorrer do sé-culo XVI ela perdeu gradualmente sua preeminênciaquando os comuns consolidaram sua influência apoi-ando lealmente a coroa. Com os Tudor, a câmara doscomuns conquistara certos poderes e privilégios queeram reais embora limitados. Tinha o direito de fazerpetições e levar protestos ao monarca, além de pro-porcionar um espaço importante para a veiculaçãodas queixas”2

O envolvimento em sucessivos conflitos en-fraqueceu a monarquia tornando-a refém do capitalburguês. Nos outros Estados europeus atenuava-se oproblema com explorações particulares realizadas di-retamente pelos reis.

A casa real portuguesa sustentava-se com o açú-car de suas colônias, os reis espanhóis lotaram seuscofres com o ouro retirado da América, possibilitandoao rei, autonomia para administrar as contas do tesou-ro. Na França, a agricultura e o comércio de sal permiti-ram expressivas arrecadações sob controle direto damonarquia.

“Os poderes especiais do Parlamento diziamrespeito ao controle dos gastos do país. Embora o rei,na qualidade de grande latifundiário na Inglaterra ede beneficiário de certos tributos feudais, possuísserenda independente para as despesas comuns da co-roa, era obrigado a apelar para o Parlamento quan-do precisava de recursos suplementares - isto porquesó o Parlamento podia lançar impostos. Teoricamenteisso devia funcionar muito bem. Com efeito, no começodo século XVII as fontes de renda do rei eram insufici-entes para as suas necessidades.

Diferente de suascongêneres, a monarquia inglesanão conseguiu a arrecadação derecursos próprios que lhe per-mitisse autonomia em relação

aos outros grupos sociais.

O Tempo da História

SÉCULO XVI

. HENRIQUE VIII. ELISABETH I

CONSOLIDAÇÃO DO ABSOLUTISMO

SÉCULO XVII

. JAIME I . CARLOS I

DECLÍNIO DOABSOLUTISMO

1640 1648

GUERRA CIVIL REPÚBLICA PURITANA

1658

1653

ATOS DE NAVEGAÇÃO

1689

REVOLUÇÃOGLORIOSA

À medida que aumentavamas necessidades financeiras da

coroa, crescia o poder do Parla-mento. Cada vez que o rei pediadinheiro ao Parlamento, o Par-lamento extorquia certas con-

cessões régias.

A criação decarneiros eovelhasenriqueceu osnovosproprietários deterra.

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A rainha Elisabeth, profundamente endividadavendera algumas terras da coroa, e a continuada in-flação reduzira o valor das restantes. À medida queaumentavam as necessidades financeiras da coroa,crescia o poder do Parlamento. Cada vez que o reipedia dinheiro ao Parlamento, o Parlamento extor-quia certas concessões régias. Dificilmente a situaçãopoderia ter sido mais instável.” 3

No aspecto militar, a monarquia inglesa viviauma grande contradição. Sua marinha mercante estavaentre as melhores do mundo, mas em contrapartida, oexército real era despreparado para enfrentar conflitosde grande envergadura. A opção pela marinha concre-tizou-se em função do temor de invasão do territórioinglês. A frota naval assegurou a proteção do territó-rio, provando sua eficácia na luta contra a InvencívelArmada, em 1588. O rei espanhol Filipe II pretendiadestronar a rainha Elisabeth I, mas teve de se aceitar aperda de dezenas de navios afundados pela esquadrainglesa. Porém a mesma marinha que se mostrara zelo-sa em defender a monarquia não vacilaria em apoiar aburguesia na crise que desencadeou a revolução em1640.

PURITANISMO

Também na religião a monarquia inglesa nãoteve muita sorte, mesmo criando o Anglicanismo, naépoca da Reforma Protestante. Henrique VIII enfren-tou o papa, rompeu com o catolicismo, fundando emseguida, a Igreja Anglicana, em 1534. A atitude corajo-sa serviu para reforçar a mística em torno do monarcae sua corte. Porém, logo cedo, constatou-se que o tirohavia saído pela culatra. A Igreja Anglicana que era umclone mal feito da Igreja Católica, modificava apenasos aspectos formais, desprezando as alteraçõesexigidas pelos protestantes.

O Anglicanismo nasceu da turbulência religio-sa da Reforma Protestante, porém, não conseguiu iden-tidade própria, limitando-se ao papel de “meio-termo”perigoso. Não rompeu totalmente com o catolicismo,preservando ritos, hierarquias e privilégios anteriorese também não aderiu ao protestantismo com medo dasdissensões religiosas.

O Tâmisacongelava nosinvernosrigorosos e oscidadãos faziamfeiras sobre ogelo, como se vênesta pintura dofinal do séculoXVII

Opuritanismonasceu comouma reação aosmaus costumesda IgrejaAnglicana. Ospastorespuritanosconseguiram comsermões e hinosreligiosos aconversão demuitos fiéis.

“Os maiores inimigosdos católicos eram os protes-tantes rigorosos conhecidoscomo puritanos — homens

devotos e sérios que queriampurificar a igreja da Inglater-ra, removendo dela todos os

traços do papismo.

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O vazio religioso deixado pelo Anglicanismofoi preenchido pelo Puritanismo, religião originada daspregações calvinistas. A degeneração dos pastoresanglicanos estimulou a conversão de fiéis à pregaçãopuritana. A maioria dos fiéis convertidos à nova reli-gião se enquadrava no conceito social de burguesiaou pequena-burguesia. O Puritanismo propunha umareligião associada à imagem de retidão, honestidade eamor a pátria, ao contrário do Anglicanismo, que secorrompera pelos cofres e favores da monarquiaStuart’s.

Ao confrontar o rei, a burguesia faria do Purita-nismo a base ideológica e bandeira de seus ideais,uniformizando os descontentes na luta contra o des-potismo real. Os monarcas Stuart’s se encarregaramde incendiar o país, desencadeando uma perseguiçãoatroz ao Puritanismo, acentuando o êxodo dos refugi-ados em direção ao continente americano.

“Os maiores inimigos dos católicos eram osprotestantes rigorosos, conhecidos como puritanos— homens devotos e sérios que queriam purificar aigreja da Inglaterra, removendo dela todos os traçosdo papismo. Muitos deles tomaram suas idéias doreformador francês João Calvino, cuja insistênciaaustera na salvação pela fé já dominara a igrejaescocesa. Uma minoria puritana radical pertencia auma diversidade de seitas dissidentes e não confor-mistas que ficariam mais fortes no decorrer do séculoXVII. Esses homens estavam fortemente representa-dos na câmara dos comuns”. 4

Apesar dos rigores e da fiscalização implacáveldo Estado absolutista, a burguesia inglesa desfrutavade invejável condição econômica. A necessidade deenriquecimento do Estado havia estimulado o cresci-mento das atividades econômicas através de uma sériede leis de incentivo à construção de navios. A obriga-ção do consumo de peixe desenvolveu a pesca em todoo país. A política protecionista criou dificuldades paraas mercadorias importadas, protegendo a próspera ma-nufatura nacional e a criação de uma série interminá-vel de companhias de comércio. Em pouco tempo, aInglaterra transformou-se num celeiro de navios, ma-rinheiros e comércio. Desenvolveram-se manufaturasde canhões, pólvora, ferro, tecidos leves, panos pesa-dos etc. Além do mais, em 1545, uma eficaz reformamonetária estabilizou a moeda inglesa, tornando-a amais estável de todo o continente.

“À medida que Londres se tornava um dos mer-cados e centros mais prósperos do mundo, crescia oespírito comercial. As mercadorias abrilhantavam nasruas não iluminadas; um viajante que percorreu muitosoutros países, achou as joalherias de Londres as maissuntuosas que vira até então. Negociantes comprimi-am-se pelos quarteirões, e alguns deles utilizavam-seda nave da Catedral de São Paulo como escritórioprovisório, certos que Cristo modificara suas idéiasdesde o advento de Calvino; advogados tratavam alicom seus clientes, homens contavam dinheiro sobre ostúmulos e, no pátio, mascates vendiam pão, carne,peixes, frutas e cervejas. Pedestres, bufarineiros, car-ruagens e carroças atravancavam as estreitas e lama-centas ruas”.

O rio Tâmisa constituía a via principal, neledeslizando barcaças, balsas e barcos de passeio; emqualquer ponto encontrava-se um barqueiro com seubarco pronto para transportar mercadorias ou passa-geiros de uma margem para outra, para descer ou su-bir o rio. (...) A parte norte era oprincipal centro de comércio;ali, o negociante era o se-nhor e os lordes titu-lados apenas tolera-dos; grande parteda realeza e danobreza viviamem paláciosfora de Londres.Wes tmins ter,onde se reuniao Parlamento,era então umacidade à parte.Também ali ohomem de ne-gócios se fezouvir; por vol-ta de 1600, ate-morizou a rainha e,meio século depois, de-capitou o rei.” 5

A REVOLUÇÃO

A partir de 1603, o trono inglês foi ocupado porJaime I, filho de Maria Stuart. Desde que assumiu amonarquia, o rei não escondeu a simpatia pelo catoli-cismo, tornando-se antipático para a maioria da popu-lação. Tanto anglicanos como puritanos não admitiama política do monarca, de ostensiva aproximação com aIgreja Católica. Além do mais, os problemas econômi-cos provocaram sucessivos atritos com o Parlamento,levando o rei a fechá-lo entre 1614 e 1621. A morte dorei não mudou o quadro, pois o filho, Carlos I, conse-guiu provocar mais confusões, acirrando os ânimos comos deputados do Parlamento.

“Os maiores inimigosdos católicos eram os protes-tantes rigorosos, conhecidoscomo puritanos — homens

devotos e sérios que queriampurificar a igreja da Inglater-ra, removendo dela todos os

traços do papismo”.

Vestido comarmadura decerimônia, o reiCarlos I daInglaterra lança umolhar orgulhosoneste retrato feitopor um artista dacorte. A posturarégia na pintura émaisimpressionanteque seu porte navida real - era umhomem baixo, decompleição frágil egago - mas refletecom acuidade suaconcepçãoexaltada de realeza

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Insatisfeito com seus desafetos, o rei fechou oParlamento, comprando uma briga que não tinha comosustentar. Logo em seguida, Escócia e Irlanda, regiõesdominadas pela Inglaterra, iniciaram uma revolta deconotação religiosa, colocando em risco o domínioinglês na região. Desprovido de um exército poderoso,

o rei Carlos I foi obrigado arecorrer ao Parlamento,solicitando recursos para ar-mar um exército capaz de en-frentar os insurgentes.

A revolta na Escóciae Irlanda colocou o Parla-mento numa situação difícil,pois apoiando o rei fortalece-ria a monarquia a ponto deencorajá-lo a esmagar o pró-prio Parlamento. Deixando arevolta se propagar, corria orisco de perder regiões im-portantes para o abastecimen-to de matéria-prima e mão-de-obra. A indecisão do Par-lamento fez o rei sentir-sefortalecido, encerrando as ati-vidades parlamentares, até

que outra ordem fosse expedida em contrário. O impulsodo rei teve efeito detonador, desencadeando em 1640 areação parlamentar e incendiando a revolução.

A propagação das hostilida-des obrigou Carlos I a deslocar-separa o norte com as tropas leais àsua autoridade. As forças solidáriascom o Parlamento concentraram-seno sul, dividindo o país ao meio.

Nos primeiros anos da guerracivil, houve o equilíbrio com ligeiravantagem para as tropas reais, queeram mais bem preparadas e experi-entes. A vitória do Parlamentotornou-se viável após o carismáticolíder Oliver Cronwell assumir ocomando das tropas rebeldes. Comfirmeza, conseguiu transformar umbando de rebeldes desordenados,num grupo consistente e preparadopara a luta.

Durante meses a fio, Cronwelltreinou centenas de insurgentes,conseguindo transformá-los no NewModel Army - Novo Exército Mode-

lo. Com o acirramento dos combates, a balança pen-deu para o lado do exército de Cronwell. A presençamarcante de puritanos nas tropas do Parlamento, le-gou-lhes o apelido de “cabeças redondas”, em alusãoao cabelo curto dos seguidores de Calvino. Depois deoito anos de guerra civil, concretizou-se a vitória em1648, após a captura do rei seguida da decisão deenforcá-lo em praça pública.

“Os pequenos senhores e os puritanos forma-ram o núcleo desse exército de liberdade. OliverCronwell, da pequena nobreza rural, puritano faná-tico, desenvolveu uma especial atividade. Percorreuos povoados à procura de todos os jovens fortes queacreditavam em Deus. Este grupo de puritanos cres-ceu sem cessar. No princípio eram sessenta; em se-guida trezentos. Cole-tas e ajudas proporci-onaram as armas e odinheiro necessári-os. Cronwell impôsuma férrea discipli-na àqueles homensvestidos de verme-lho.

Aos cavalei-ros realistas que com-batiam com ardor pelahonra, opôs seus Ironsides(Costelas de Ferro) que tinham uma paixão: sua fé.Foram distribuídas bíblias de bolso. Os próprios sol-dados converteram-se em pregadores; a mística e a féforam as forças de choque daqueles soldados. No exér-cito revolucionário a hierarquia de valor substituiua do nascimento e os oficiais saíam dentre os comba-tentes. Todos lutavam com ardor ao grito de: Religião,Religião! ”. 6

No mapa, adivisão das áreasem conflito.Fonte: LeonelItaussu. op. cit.

No exército revolucionário ahierarquia de valor substituiu a do

nascimento e os oficiais saíam dentreos combatentes. Todos lutavam comardor ao grito de: Religião, Religião!

Representaçãoda época daexecução deCarlos I

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REPÚBLICA PURITANA

A monarquia derrotada foi sucedida pela im-plantação da república, que representava o podercontrolado pelo exército rebelde e comandado porCronwell de forma extremamente rigorosa. Na ótica dosrebeldes, o poder ilimitado justificava-se pelanecessidade de conter os excessos de eventuais resis-tências às medidas reformistas. No que se refere, àcoação das classes populares, a República Puritanapouca diferença fez em relação ao absolutismo. Asforças populares que haviam participado da revoluçãoforam aniquiladas pelas milícias burguesas. O grupodos Niveladores — espécie de sem-terra e sem-em-prego da época — foi eliminado por insistir noaprofundamento das reformas sociais.

A ditadura de Cronwell cumpriu a expectativada burguesia, consolidando a revolução nosparâmetros desejados pelos burgueses. No âmbito in-terno sufocou iniciativas populares e no âmbito exter-no golpeou a Holanda, que era a grande rival daInglaterra no comércio marítimo. Em 1653, Cronwelldecretou os Atos de Navegação, determinando arestrição de transporte às mercadorias produzidas emsolo inglês. Dali em diante, só os navios inglesespoderiam transportar mercadorias produzidas naInglaterra.

A medida foi um duro golpe na Holanda, pois,durante várias décadas, os holandeses auferiram lucrosexorbitantes com os fretes de produtos ingleses. Paragarantir a eficácia das medidas de Cronwell, foi precisoincentivar o crescimento da indústria naval e aprodução ligada à construção de navios. Surgiram cen-tenas de empregos, dinamizando a economia, acele-rando o ritmo de prosperidade. Com os Atos de Nave-gação, a indústria naval foi obrigada a suprir a carên-cia do mercado interno, gerando, em conseqüência, oaumento da produção e o aparecimento de inúmerosempregos.

Cronwell morreu em 1658 após dez anos deRepública Puritana. Ao contrário do que se esperava,a burguesia optou pelo retorno da monarquia,empossando no trono Carlos II, que era filho do reienforcado em 1648. A falta de opções entre as lideran-ças burguesas levou o Parlamento a escolher o certopelo duvidoso, ou seja, era mais seguro ter um rei aliadono governo do que arriscar o nome de algumaventureiro que colocasse em risco as conquistas bur-guesas. Além do mais, era difícil imaginar o monarcaenfrentando o Parlamento e seus aliados.

A RESTAURAÇÃO PROVISÓRIA

De imediato, Carlos II, o monarca da Restaura-ção, prometeu realizar um governo constitucional emsintonia com o Parlamento. A certeza de ter escolhidoo melhor caminho contagiou o Parlamento, levando-oa recepcionar o rei, num cortejo de 20.000 soldados. Opalácio real ficou lotado de nobres de todas as regiões,que disputavam o lugar mais próximo do rei. Arestauração da monarquia alterou a estética londrina,aproximando a cidade dos padrões em evidência naFrança de Luís XIV. O rei Carlos II viveu o exílio na cortedo rei-sol, aprendendo com o anfitrião o gosto peloluxo e suntuosidade. Nem a peste de 1566 foi capaz deatrapalhar as realizações de Carlos II. Após o incêndioque arrasou vários bairros londrinos, a monarquia deuinício à reconstrução da cidade, modernizando-a e am-pliando-a com novas construções, dentre elas, a mara-vilhosa catedral de São Paulo.

O que não esperava o Parlamento é que por de-trás da calma e prosperidade retumbava o coração in-quieto do rei, procurando a oportunidade adequada paraa monarquia de direito divino. O monarca, bem maisesperto do que seus predecessores, aliou-se ao Parla-mento aproximando-se de parlamentares mais conser-vadores. Usando de chantagem, suborno e nomeações,conseguiu garantir uma base de apoio respeitável,identificada com a vontade real.

Para garantir o esquema político aliou-se à Fran-ça, prevendo a necessidade de adquirir recursos do te-souro francês, na eventualidade de uma revolta bur-guesa. Tudo indicava “pelo andar da carruagem” , quea Inglaterra estava a um passo do retorno ao absolutis-mo. Entretanto, a habilidade política de Carlos II e suacapacidade de conciliar, deram gás para que terminasseo reinado sem grandes sobressaltos. Em 1685, ao mor-rer, deixou o trono para seu irmão Jaime II.

O último reinado dos Stuart’s seria o mais brevede todos. A disposição de restaurar o absolutismo aqualquer custo selou o destino de Jaime II, mesmo por-que, não era nem sombra do antecessor, Carlos II.

A ditadura de Cronwellcumpriu a expectativa da bur-guesia, consolidando a revolu-ção nos parâmetros desejados

pelos burgueses. Na pinturaacima, o reiCarlos II aparecedançando comsua irmã Maria,princesa deOrange

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Antes de ocupar o trono, o rei já tinha anuncia-do a intenção de restabelecer o catolicismo como reli-gião oficial. Em poucos meses de reinado, para mos-trar que não estava blefando, nomeou diversos minis-tros e oficiais da corte, identificados com a religião ca-tólica. No Parlamento, os deputados começaram a tra-mar a derrubada do rei, que só não aconteceu de ime-diato, em função de sua idade avançada. Mas em 1688aconteceu o inacreditável! O rei tornou-se pai de umgaroto que seria o próximo monarca, permitindo maisfôlego aos monarcas Stuart’s. A notícia foi a gota d’águapara a articulação de bastidores visando a deposiçãodo rei.

Agindo com rapidez, os parlamentares se alia-ram à filha de Jaime II, casada com o príncipe holan-dês, Guilherme de Orange. Ambos eram protestantes eajustados com os interesses do Parlamento inglês. Emnovembro de 1688, uma força militar comandada porGuilherme de Orange cercou a cidade de Londres, exi-gindo a renúncia imediata de Jaime II. Abandonado peloseu próprio exército, o rei deposto foi para o exílio naFrança. A Revolução Gloriosa como foi chamada, ter-

minou sem vio-lência. Sem dispa-rar um único tiro,a burguesia, maisuma vez, coorde-nava o governoem defesa de seusinteresses.

“A impor-tância da revolu-ção não residiuno drama dosacontecimentosimediatos, e simnas conseqüênci-as. No princípiode 1689 reuniu-se um Parlamen-

to especial com o fito de dar um novo governo à Ingla-terra. Começou por aprovar a Declaração dosDireitos, estabelecendo as condições pelos quais aInglaterra iria ser governada. Tendo aceito essas con-dições, Guilherme e Maria tornaram-se rei e rainhada Inglaterra e o país converteu-se no primeiro Esta-do moderno a reger-se por um sistema coerente de

direito constitucional. A força desse direito emanavado povo e embora o sistema não fosse uma democra-cia, representava uma esmagadora maioria da po-pulação cujas opiniões contavam no século XVII: anobreza, os proprietários de bens de raiz e os comer-ciantes abastados”. 7

Mas, dessa vez, para garantir efetivamente quenada desse errado, o Parlamento impôs ao novo mo-narca a Declaração dos Direitos, lançando os funda-mentos da monarquia de base parlamentar. Nos seustermos mais importantes consagrava o Parlamento, co-locando-o acima da monarquia. Em nenhuma hipótesepoderiam os monarcas executarem leis, não aprovadasno Parlamento. A criação da Monarquia Parlamentarfoi o primeiro golpe no absolutismo, prenunciando oque aconteceria um século mais tarde nas barricadasda Revolução Francesa.

Os acontecimentos que levaram à derrubadado absolutismo inglês foram acompanhados de pertopor John Locke, levando-o a escrever a magnífica obra— Tratados sobre o Governo Civil. A prerrogativa deo povo se rebelar quando os governos não agissemde acordo com o bem comum foi o combustível queincendiou rebeldes no mundo inteiro. Ironicamente, acolônia inglesa da América do Norte foi a primeira aseguir à risca os princípios revolucionários, voltando-se contra os abusos da metrópole inglesa. A Declara-ção de Independência dos Estados Unidos, elaboradapor Tomas Jefferson, foi inspirada na Declaração dosDireitos de 1689 e na obra de John Locke.

1 In. Florenzano, Modesto. As Revoluções Bur-guesas. Editora Brasiliense. Coleção Tudo é História.Pág 71.

3 In. Blitzer, Charles. A Era dos Reis. Biblio-teca de História Universal Life. Livraria José OlympioEditora. Pág 140.

4 In. Tyache, Nicholas. Op. Cit. Pág. 82.5 In. Durant, Will. A História da Civilização.

Começa a Idade da Razão. Editora Record. Pág. 45.6 In. Roland, Jacques-Francis. A Grande Aven-

tura do Homem. Apud. Pazzinato, Alceu e Senise,Maria Helena. História Moderna e Contemporânea.Editora Ática. Pág.86.

7 In. Blitzer, Charles. Op cit. Pág. 148.9 In. Hill, Christopher. Apud, Elza Nadai e

Joana Neves. História Moderna e Contemporânea.Editora Saraiva. Pág. 34.

Declaração dos Direitos do Homem - 1689

Artigo I - Que o pretendido poder de suspender as leis ou a sua execução pela autoridade realsem o consentimento do Parlamento é ilegal. Artigo IV - Que toda arrecadação de dinheiro para uso da Coroa, sob pretexto da prerrogativa realsem o consentimento do Parlamento, é ilegal. Artigo V - Que é um direito dos cidadãos apresentar petições ao rei e que todas as prisões eperseguições por petições são ilegais. Artigo VIII - Que as eleições dos membros do Parlamento devem ser livres. Artigo XIII - Que para corrigir todos os agravos, para emendar, garantir e manter as leis, énecessário reunir freqüentemente o Parlamento. 1

O grandeincêndio deLondres, em1666, começounuma padariaperto do rioTâmisa e ardeudurante três diaspor 160 hectaresde casas demadeira,deixando 38 milpessoas semteto.