revistazcultural.pacc.ufrj.br-experincias pioneiras em cinema expandido de roberto moreira s cruz

6

Click here to load reader

Upload: fabio-henrique-ribeiro

Post on 24-Oct-2015

15 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Revistazcultural.pacc.Ufrj.br-experincias Pioneiras Em Cinema Expandido de Roberto Moreira S Cruz

revist azcult ural.pacc.uf rj.brhttp://revistazcultural.pacc.ufrj.br/experiencias-pioneiras-em-cinema-expandido-de-roberto-moreira-2/

Experiências pioneiras em cinema expandido | de RobertoMoreira S. Cruz

Se depois de um século o cinema tem sido basicamentepensado e vivido como um disposit ivo bem normatizado(a projeção em sala escura de imagens em movimentosobre uma tela de grande f ormato diante deespectadores sentados por um certo tempo eabsorvidos na identif icação daquilo que desf ila), temosvisto nos últ imos anos, num movimento crescente (cujasorigens remontam aos anos 1920), questionamentosacerca desta f orma instituída de apresentação, danatureza daquela normatização e das eventuaispossibilidades de deslocamento ou de renovação dodisposit ivo modelo. O cinema se movendo agora nocampo da arte contemporânea [...] e a questão que elepassou a suscitar é a seguinte: podemos expor o cinemacomo se expõe uma imagem de arte, no espaço iluminado de uma sala de museu, diante dos visitantes quepassam? (Dubois, 2004: 113).

É cada vez mais f requente a presença de uma situação cinematográf ica em espaços distintos ao da salade cinema. Nos circuitos demarcados por museus, galerias, mostras de arte contemporânea e centrosdedicados à artemídia, o público encontra o que pode ser considerada uma tendência nos modos de seexibir obras audiovisuais. O chamado cubo branco tradicional se transf orma em caixa preta. O espaço daexposição transf orma-se em espaço da projeção. O cinema se instala no museu e as imagens projetadasnestes ambientes sugerem modos originais de elaborar e compreender as narrativas propostas nessascircunstâncias. Ocupado pelos disposit ivos da projeção, pelos códigos sonoros e visuais da imagem emmovimento e pelos signif icados da narrativa, o espaço expositivo se integra ao espaço f ílmico e vice-versa, e dessa imbricação de f unções decorre uma expansão sobre o que se entende e se def ine porcinema.

Esses aspectos determinam f ormas particulares de compor e exibir as imagens. Rompe-se com aobrigatoriedade de uma tela única e f rontal, de um discurso audiovisual linear e sequencial. Permite-se aorealizador um exercício plural, que conjuga inclusive a possibilidade de se trabalhar com telas simultâneas ecom a sincronização entre vários canais ou f ontes de imagem e som, compondo elementos narrativosoriginais particularmente possíveis nesses modos de exibição.

Em ensaio publicado na revista Exit Art, Antonio Weinrichter (2006: 9) def ine como screen artist essaprodução audiovisual originada da apropriação, por parte dos artistas contemporâneos, da linguagem edos meios técnicos próprios do cinema. Tal qual as práticas propostas pelo cinema experimental dasvanguardas europeias dos anos 1910 e 1920, do New American Cinema e do filme estrutural britânico,ambos das décadas de 1960 e 1970, essa corrente contemporânea de um cinema realizado para serexibido em exposições busca quebrar com o ef eito ilusionista mais imediato do f ilme de narrativa clássica,f ixando a atenção em aspectos como a textura da imagem, o suporte material, o disposit ivo, o espaço daprojeção e a própria percepção, f ruição do espectador.

Page 2: Revistazcultural.pacc.Ufrj.br-experincias Pioneiras Em Cinema Expandido de Roberto Moreira S Cruz

O espaço arquitetônico e topográf ico do ambiente expositivo em que essas obras são exibidas édeterminante para a compreensão dos modos expressivos e narrativos em jogo. Na sala de cinema não háa possibilidade da circulação e da mobilidade do espectador. Inerte na plateia, sua atenção é concentrada ea passividade exige um estado contemplativo para as imagens projetadas em uma única tela. Emcontraponto, na sala de exposição o corpo e o olhar do espectador- f ruidor transitam livremente eparticipam da exploração investigativa de descoberta das imagens e de como elas lhe são of erecidas,permitindo escolhas que irão determinar experiências cognitivas distintas. As imagens projetadas noespaço expositivo “f azem com que a atenção do espectador se volte da ilusão da tela para o espaço aoredor e para os mecanismos f ísicos e as propriedades da imagem em movimento”, observa Chrissie Iles(2002: 33).

O termo ou expressão que mais comumente tem sido empregado para def inir a produção audiovisual comtais características é cinema expandido. Autores como Peter Weibel (2003), Raymond Bellour (2008, 2009),Jef f rey Shaw (2009), Liz Kotz (2005), Dominique Paini (2002), Philippe-Alain Michaud (2006) e Chris Meigh-Andrews (2006) utilizam essa mesma terminologia para tratar da produção contemporânea que apresentavariados modos de projeção, dif usão e recepção das imagens em movimento. Ref erem-se às muitasmaneiras de se trabalhar a linguagem audiovisual, ampliando-a e multiplicando-a para além do espaço datela. Essa produção está na f ronteira das dif erentes disciplinas, jogando com as margens do cinema, daf otograf ia, do vídeo, da perf ormance e das imagens produzidas no computador (Paini, 2008).

Dedicando-se em seus escritos mais recentes à análise de obras nas quais a presença recorrente docinema se dá em f orma de instalações, Raymond Bellour orienta sua percepção para a constatação de queo próprio cinema como acreditamos ser ou ter sido está se reinventando. Ocupando cada vez com maisdestaque no ambiente das exposições – o autor ressalta as bienais de Veneza de 1999 e a Documenta 11em 2002 como marcos dessa tendência – a imagem em movimento se tornou elemento-chave na prática daarte contemporânea. Bellour utiliza a noção de “outro cinema”, englobando nessa def inição as múltiplasf ormas do cinema experimental, da videoarte e de todas as novas técnicas de dif usão e projeção deimagens permitidas pela digitalização. Conceitos como “expanded television” e “expanded cinema” (Bellour,2009: 9) são citados por ele para def inir a pluralidade da produção de imagens em movimento nessecontexto.

O autor já estava atento às mutações que o cinema passara a sof rer desde o surgimento da imagemeletrônica (televisão e vídeo), naquilo que ele def iniu como “entre- imagens”: o vídeo como um estadoatravessador, produzindo cruzamentos entre as imagens técnicas da era da reprodutibilidade. Umalinguagem catalisadora, um sistema de transf ormação das imagens umas nas outras. Dessa imbricaçãosem f ronteiras entre os meios se produziu uma multiplicidade de sobreposições, de conf igurações poucoprevisíveis (Bellour, 1997: 14). Dentre elas, o autor ressaltava os aspectos inerentes às videoinstalaçõescomo o lugar por excelência de um misto de experiências no qual o espectador circula sensível àspassagens entre as imagens, transitando entre elas. Nessa categorização, Bellour se ref ereespecif icamente aos trabalhos de videoarte, realizados no período entre as décadas de 1960 e 1980, queutilizavam projetores de vídeo e monitores de tevê como f orma de compor plasticamente obras artísticas.Trata-se, portanto, de uma ref erência aos trabalhos de vídeo que antecederam o surgimento da tecnologiadigital[1].

Liz Kotz (2008: 55) concorda com Bellour ao af irmar que o vídeo f orneceu um modo de se ref azer ocinema. Muitos artistas contemporâneos empregam o vídeo para criar novas conf igurações narrativas parao cinema, nas quais a imagem é projetada em várias telas simultaneamente. Modos de investigar apotencialidade da projeção em si e como esta envolve os espectadores numa dimensão sensorial eespacial da imagem, numa relação entre espectador e obra, semelhante àquela citada por Bellour emref erência às videoinstalações.

Page 3: Revistazcultural.pacc.Ufrj.br-experincias Pioneiras Em Cinema Expandido de Roberto Moreira S Cruz

“Cinema e vídeo: interpenetrações”, af irma Phillipe Dubois (2004: 177). Em vez da análise que buscasalientar a especif icidade das linguagens, ou o que as dif erenciam umas das outras, a compreensão sobreo cinema e o vídeo, em suas f ormas expandidas, converge repertórios. Dubois (2004: 98) considera que af requente presença do cinema nos museus e galerias, denominado por ele de cinema de exposição, é umf enômeno intrínseco ao contexto em que as imagens convergiram para o digital, tornando pouco clarassuas particularidades f ormais e técnicas. É por meio da tecnologia digital que essas imagens passaram aser elaboradas, editadas e projetadas. Jef f rey Shaw (2009: 194) f ala de um “cinema digitalmenteexpandido”, no qual as modalidades digitais de produção e exibição audiovisual permitiram a disseminaçãode mídias e f ormatos variados, ampliando a experiência cinematográf ica para outros campos, como ainternet e o videogame.

A expressão “cinema expandido” é atribuída originalmente a Stan VanDerBeek em seu manif esto escrito em1965. Culture: intercom and expanded cinema, a proposal and manifesto f oi publicado em vários catálogos eantologias e traduz as ideias desse artista a respeito de um novo conceito de cinema, que subvertia aslimitações de uma única tela de projeção e solicitava uma recepção dif erenciada por parte do espectador(Battcock,1967: 173-179). Em seu projeto mais arrojado, Movie-Drome, VanDerBeek exibia multiprojeçõesno interior de uma grande cúpula de alumínio de 180 graus, aproximadamente 15 metros de diâmetro e 8metros de altura. O ambiente f oi construído no quintal da casa do artista em Stony Point, Nova York, comoparte de um projeto de pesquisa f inanciado pela Rockef eller Foundation.

A cúpula de VanDerBeek f oi erguida sobre uma plataf orma suspensa a cerca de três metros do chão. Oacesso era f eito por debaixo do piso. Ao entrar em seu interior o espectador se acomodava sem umaposição ou local de assento predef inido, tendo um campo de visão horizontal circular de 360 graus detoda a extensão sobre a qual as imagens eram projetadas. As exibições no interior do Movie-Dromeutilizavam vários projetores de 16 mm dispostos em superf ícies giratórias, que permitiam mover o f oco deluz em várias direções (Sutoon apud Shaw e Weibel, 2003: 136). Sem uma narrativa predef inida ou umaorientação linear objetiva, essas imagens projetadas eram associadas a outras projeções de slides,ef eitos de iluminação e de sons previamente gravados. O artista se interessava essencialmente em proporf ormas experimentais de linguagem e comunicação:

Meus planos imediatos para o desenvolvimento do chamado movie-drome como um protótipo para umnovo estágio do cinema… pesquisando novas técnicas e meios para o cinema expandido se constituircomo uma f erramenta mundial para a arte e educação… são a realização de experimentos com o f ilmepara f ormalizar este conceito de uma linguagem visual mundial[2].

Todas essas abordagens tornam ainda mais atuais as af irmações visionárias de Gene Youngblood,pioneiro em elaborar uma ref lexão a partir da perspectiva do cinema e suas correlações com as mídiascontemporâneas. Seu mais célebre livro, Expanded cinema (1970), publicado numa época em que parte darevolução tecnológica das novas mídias ainda estava por se f azer, apresenta um vasto panorama dasmuitas f ormas como a cultura e os meios de produção audiovisual expressaram uma mutação dasubjetividade humana, no contexto que ele denominou de “era paleocibernética”. No pref ácio desse livro oautor já anunciava que as tecnologias de produção de imagens aumentariam a capacidade de comunicaçãoe que um novo cinema, como f orma de linguagem, emergiria da f usão entre a sensibilidade estética e odesenvolvimento tecnológico.

O synaesthetic cinema, termo utilizado para def inir essa linguagem estética audiovisual, seria a f orma deexpressão mais apropriada para o ambiente pós- industrial e sua rede multidimensional de inf ormações.Segundo o próprio autor, não há um rótulo ou categorização adequada para o synaesthetic cinema, pois setrata de algo impossível de ser def inido (Youngblood, 1970: 82). Por outro lado, há uma série def enômenos analisados por ele que permitem apontar as diversas características, experiências erepertórios que representam o conjunto das produções artísticas que podem ser assim classif icadas.

Page 4: Revistazcultural.pacc.Ufrj.br-experincias Pioneiras Em Cinema Expandido de Roberto Moreira S Cruz

É no sexto capítulo que o autor trata mais especif icamente do cinema como intermedia. Nele, Youngblood(1970: 345) af irma que o artista é uma espécie de ecologista, isto é, aquele que se preocupa com asrelações entre o homem, a arte e o ambiente. O cinema como intermídia é a def inição que mais seaproxima, em toda a obra de Youngblood, daquela utilizada atualmente pelos autores ref eridos no iníciodesse texto para caracterizar o cinema expandido.

Evidências dessa f orma de apropriação do cinema como linguagem intermídia são também notadas nocontexto da London Film Makers Cooperative (Film Co-op), criada em 1966, a partir da associação de umgrupo de artistas ingleses. Grande parte desses realizadores era oriunda das escolas de arte e não tinhaf ormação cinematográf ica, se interessando, portanto, muito mais pelos aspectos materiais e f ormais daprodução e projeção da imagem f ílmica do que pelo seu apelo naturalista e narrativo. A Film Co-op seestabeleceu em 1971 como espaço para a prática do f ilme experimental, dispondo de inf raestrutura deprodução e promovendo mostras e f estivais nos quais esses projetos eram dif undidos.

Uma série de eventos f oram realizados para dar vazão aos projetos de perf ormances e instalaçõesdesenvolvidos na Film Co-op. O primeiro deles, denominado Film Action and Installation Show, apresentoudurante um f inal de semana, em março de 1973, na Gallery House – um espaço alternativo de arte ligadoao Goethe Institut de Londres –, uma série de multiprojeções realizadas por Malcom Le Grice, DavidCrosswaite, Gill Eatherley, Annabel Nicolson e William Raban. No mesmo ano, em Liverpool, a Walker ArtCentre apresentou a exibição Filmaktion – New directions in film art, reunindo o mesmo grupo derealizadores e contando também com a participação de outros artistas ligados ao Film Co-op. O texto deapresentação do evento declarava o f oco de atuação e interesse de seus realizadores: “Um programacontínuo de trabalhos recentes de jovens cineastas independentes. A ênf ase será nas cineinstalações,perf ormances ao vivo, eventos expandidos e trabalhos para multiprojeções, com a oportunidade dedebates inf ormais”[3].

Malcom Le Grice f oi o artista dessa geração que desenvolveu um trabalho mais nit idamente dedicado aoexperimento com imagens projetadas. Entre 1968 e 1975 realizou vários projetos de perf ormances emultiprojeções, todos caracterizados pelas possibilidades de manipulação técnica da imagem e de suacomposição f ormal com procedimentos de projeção. No evento da Gallery House, Le Grice apresentouMatrix, uma multiprojeção em 16 mm f ormando uma grande tela, a partir de seis projeções simultâneas.Disposta de maneira a f ormar duas linhas com três projeções cada, Matrix exibia f ormas geométricascoloridas, que ao serem justapostas, criavam um painel cinético iluminado e pulsante, acompanhado poruma trilha sonora de ruídos eletrônicos (Le Grice , 2006: 225).

É nesse cenário que Nam June Paik realiza um de seus primeiros trabalhos em que a imagem emmovimento lhe serve de elemento de criação, levando a experiência cinematográf ica para o contexto daexperiência intermídia dos projetos de Fluxus: Zen for film (1964). A luz projetada sobre a parede branca,delimitada como uma tela pelo próprio campo luminoso, tem como origem a lente de um projetor de 16 mm.O branco da projeção sof re a interf erência delicada dos riscos da película e da poeira que se acumulasobre ela. Em movimento contínuo, a película corre por um carrossel especial, que permite que ela circuleininterruptamente, sem que se perceba um corte ou junção. Um f ilme sem imagens, princípio, meio ou f im,que evidencia uma situação cinematográf ica em que o aparato técnico da projeção – projetor, película, tela,som e luz – se converte em sua própria ref erência e signif icação.

Esse f ilmeinstalação é emblemático ao propor uma ref lexão sobre o disposit ivo e o discursocinematográf ico. Para permitir o deslocamento do espectador, para que este se aproximasse e seaf astasse da imagem, o projetor f icava propositadamente colocado no meio do ambiente, f azendo comque o espectador obrigatoriamente tivesse que cruzar pelo f oco luminoso. Isso provocava a f ormação deuma silhueta na tela, que passava a projetar a sombra do espectador, criando um duplo cinemático. Asituação provocada pela instalação, aparentemente prosaica e simplista, ref ere-se em termos semióticos àprópria relação direta entre o processo constitutivo da imagem (a projeção) e o ef eito cênico, narrativo, aof azer o próprio espectador constituir-se em imagem. Um não-f ilme, que projeta imagens do próprioespectador, nessa condição subvertida de observar e ser observado, de estar dentro do f ilme e ao mesmotempo assisti- lo.

Page 5: Revistazcultural.pacc.Ufrj.br-experincias Pioneiras Em Cinema Expandido de Roberto Moreira S Cruz

Paul Sharits f oi outro artista que iniciou sua produção ainda no contexto do Fluxus e que produziu f ilmespara serem exibidos como instalações. Interessado pela composição f ormal e pelos ef eitos cinéticos docinema, suas criações f azem parte do grupo de realizadores do chamado filme estrutural (structural film),ao lado da cinematograf ia de Michael Snow, Anthony McCall, Tony Conrad, Peter Gidal, entre outros(Meigh-Andrews, 2006). Durante sua trajetória, Sharits realizou vários projetos baseados no princípio dasmultiprojeções, f ilmeinstalações que alinhavam dois, três ou quatro projetores de 16 mm, posicionados umao lado do outro, criando no ambiente da projeção uma grande tela horizontal. Essa conf iguraçãoredimensionava a escala da imagem projetada, rompia com o padrão tradicional da proporção da tela edestacava os aspectos plásticos e sensoriais das imagens abstratas de seus f ilmes. Sharits denominoude locational pieces essa série de projetos, em que os f ilmes eram exibidos no espaço da galeria,projetando imagens contínuas, em looping, sem princípio, meio ou f im[4].

Um dos trabalhos de locational piece mais importantes, restaurado em 2009 pelo Anthology Film Archives, éShutter Interface (1975). Os aspectos técnicos e conceituais da f ormação da imagem cinematográf icaestão representados no f ilme, no qual o artista ressalta, por meio de campos abstratos de cor, omecanismo intermitente de rotação que permite criar a ilusão do movimento. As imagens de ShutterInterface são uma metáf ora desse aparato, tendo sido elaboradas como uma espécie de esquema decores, que representam o próprio ef eito cinemático que é produzido pelo projetor. Trata-se, portanto, deum f ilme cujas imagens abstratas são representações conceituais do próprio processo de f ormação daimagem, uma característica típica da estilística trabalhada nos f ilmes estruturais daquela época.

Para representar isso, Sharits criou um f ilmeinstalação em que a justaposição dessas imagens, pulsantese de f ormas retangulares coloridas, compõe uma área de projeção a partir de quatro projetores de 16 mm,posicionados no próprio ambiente da instalação. Associados a essas imagens e dispostos logo abaixo datela, quatro alto- f alantes emitem um som eletrônico contínuo, correspondente ao ef eito de f licagemproduzido pelas imagens de cada um dos projetores. Ao justapor as áreas da projeção, Sharitssobrepunha as bordas das imagens, f azendo com que os limites entre as telas não f ossem percebidos,criando f isicamente um ef eito de f usão entre elas. Essa particularidade na maneira de montar osprojetores criava um único e extenso campo da imagem[5], ressaltando assim a sua materialidade.

A def inição de cinema expandido aparece atualizada nas várias concepções audiovisuais no contexto daarte contemporânea. O cinema de exposição, o cinema exposto, a cineinstalação, o f ilmeinstalação, “ooutro cinema”, termos correlatos que revigoram as proposições visionárias de Gene Youngbloodpublicadas em 1970. Não é por acaso que o autor seja f requentemente citado nas ref lexões atuais sobreas muitas obras que dialogam com o cinema e incorporam sua linguagem.

A imagem projetada está presente de f orma massiva nas principais exposições de arte em todo mundo.Essas obras não são expressamente cinematográf icas e muitas delas soam estranhas aos olhos de umespectador menos comprometido. Nesse contexto, o cinema se revigora. Ao ser projetado em salas eambientes pelos quais o espectador circula livremente, o f ilme adquire uma escala ampliada, é combinadocom outras imagens, é passível de ser associado a outros elementos sonoros e cenográf icos. Volta aseus primórdios, possibilitando modos de exibição em telas de tamanhos e f ormatos diversos. Solicita umaaudiência apta a perceber estímulos visuais e sonoros. Recria a linguagem, propondo narrativasdescontínuas.

* Curador independente e produtor cultural. É doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontif íciaUniversidade Católica (PUC-SP) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ). Idealizou e coordenou os projetos Made in Brasil – três décadas do vídeo brasileiro (2003-2004) e Visionários – audiovisual na América Latina (2008-2009). Coordenou a produção dos cinco f ilmesde longa-metragem da série Iconoclássicos, sobre os artistas Itamar Assumpção, Nelson Leirner, Zé CelsoMartinez, Paulo Leminsky e Rogério Sganzerla. Atualmente realiza consultoria para o Itaú Cultural naaquisição e constituição da coleção de f ilmes e vídeos de artistas da instituição. Lançou recentemente aDuplo Galeria (www.duplogaleria.com.br), representando artistas que trabalham exclusivamente com f ilmese vídeos.

Page 6: Revistazcultural.pacc.Ufrj.br-experincias Pioneiras Em Cinema Expandido de Roberto Moreira S Cruz

[1] O texto original, L’éntre-images – Photo, Cinema, Video f oi publicado em 1990, pela editora LaDif f erence.

[2] Citado em Movie-drome, Stony Point, NY, 1963–1965 (arquivo para download) sem a f onte emhttp://projectstanvanderbeek.com/where/1.2/index.html. Acesso em 5 de março de 2010.

[3] Disponível em www.studycollection.co.uk/f ilmaktion/Frameset14.html. Acesso em 5 de março de 2010.

[4] Conf erir reprodução de documento escrito pelo artista, disponível em:www.paulsharits.com/locational.htm. Acesso em 29 de maio de 2010.

[5] Em uma recente apresentação de Shutter Interface, na Greene Naf tali Gallery de Nova York, em 2009, aobra f oi apresentada exatamente como f oi planejada por Sharits, exibindo as imagens projetadas em umatela de 8 m x 1,80 m.

Referências:

BATTCOCK, Gregory (ed.). New american cinema: a critical anthology, Dutton, New York, 1967.

BELLOUR, Raymond. Cineinstalações, In: MACIEL, Kátia (org.) Cinema sim – ensaios e reflexões. São Paulo:Itaú Cultural, 2008.

DUBOIS, Phillipe. Cinema, video, Godard. São Paulo: Cosac e Naif y, 2004.

DOUGLAS, Stan, EAMON, Chrstopher (ed.). Art of projection, Hatjr and Catz, Ostf ildern, 2009.

DUGUET, Anne-Marie, Disposit ivos, In: MACIEL, Katia, Transcinemas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.

FRANK, Peter. Un recorrido por el cine y vídeo Fluxus, In: Catálogo Fluxus y Fluxfilms. Museo Nacional ReinaSof ia, Madrid, 2002.

HATFIELD, Jackie (ed.). Experimental Film and Video. John Libbey Publisng, London, 2006.

ILLES, Chrissie. Into the Light: The Projected Image in American Art, 1964-1977 . Whitney Museum ofAmerican Art, New York, 2001.

KOTZ, Liz. Videoprojeções: o espaço entre telas. In: MACIEL, Katia. Cinema sim, narrativas e projeções. SãoPaulo: Itaú Cultural, 2008.

MEIGH-ANDREWS, Chris. A History of Video Art: The Development of Form and

Function. London, Berg, 2006.

MICHAUD, Phillipe-Alain. Le mouvement des images, In: Le mouvement des images. Edit ions du CentreGeorge Pompidou, Paris, 2006.

MONDLOCH, Kate. Screens: Viewing Media Installation Art. University of Minnesota Press, Minneapolis,2010.

PAÏ NI, Dominique. Ref lexões sobre o cinema exposto, In: MACIEL, Katia. Cinema sim, narrativas e projeções.São Paulo: Itaú Cultural, 2008.

WEIBEL, Peter. Expanded Cinema, video and virtual envirornments. In: SHAW, Jef f rey and PETER Weibel.Future Cinema – The Cinematic imaginary after the film. MitPress, Mcambridge, 2003.