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Nesta edição:

Editorial 2

Juventude em Acção 3

Gingando para Cidadania 6

Ensino não-formal 10

O que é AEJ? 12

Capoeira e inclusão social 14

Capoeira em Portugal 18

Capoeira na Estónia 24

Capoeira, comunidade e globalização

26

Capoeira e festas populares 31

Ginga Brasil na Europa 36

Expediente e contactos

Esta revista foi elaborada por uma equipa de participantes do projecto Gingando para Cida-

dania e impressa na CopyScan.

Jornalista Responsável: Raquel Evangelista — [email protected]

Revisão: Renata de Freitas — [email protected]

Colaboradores: Fred Abreu, Geraldo Junior, Marina Tofantsuk, Olena Valdenmaiier, Pedro

Abib, Luiz Renato Vieira, Raquel Evangelista, Ricardo Nascimento, Sérgio Xavier.

Arte: Fabiana Pavel — [email protected]

www.gingandoparacidadania.blogspot.com

AEJ — Associação Estamos Juntos Rua de Ribes, apartado 451 São João da Madeira — Aveiro 3701-194 — Portugal

Tel: +351 25832680 [email protected] www.aej.pt

Juventude em Acção

Gingando para Cidadania

Page 3: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

Desafio superado

Esta revista é o resultado do traba-

lho realizado durante o intercâmbio

Gingando para Cidadania, promovido

pela AEJ e pela Associação Cultural Gin-

ga Brasil Capoeira nos meses de Julho e

Agosto. Eu realmente espero que seu

significado seja mais do que um registo

impresso do verão de 2010 para todos

envolvidos no projecto.

Gostaria que todos leitores perce-

bessem a importância do Programa

Juventude em Acção e da utilização da

capoeira como uma metodologia de

ensino não-formal, com grande poten-

cial para o combate à exclusão social.

Devo admitir que o Gingando para

Cidadania foi um dos maiores desafios

que já enfrentei. Até então, minha visão

sobre capoeira era meramente prática.

Antes deste projecto, eu não vislumbra-

va o potencial que a actividade concen-

tra em si.

Foi preciso ver o Contra-Mestre Bola

dar aulas para crianças da comunidade

local para perceber que a capoeira é

para todos. Foi preciso assistir às pales-

tras do Professor Cangaceiro para per-

ceber que a história dos meus dois paí-

ses (Brasil e Portugal) também está

ligada através da capoeira e influencia

inclusive a identidade das pessoas. Foi

preciso ver jovens com deficiências físi-

cas a praticá-la para perceber que não

há limites quando se tem motivação. Foi

preciso ver estonianos e portugueses

tentando conversar para me certificar

de que a comunicação não-verbal é po-

derosa. Foi preciso ver a luta disfarçada

de dança para perceber que na vida

quase tudo pode se transformar.

Hoje, estou certa de que o desafio foi

cumprido e que o resultado final pode

ser considerado excelente. Os partici-

pantes deste projecto compreenderam

Gingando para Cidadania — Editorial

que só ganhamos ao sermos tolerantes,

que somos todos cidadãos europeus e

que as diferenças culturais podem ser

enriquecedoras.

Para aqueles que não conhecem a

capoeira ou o Juventude em Acção, será

mais fácil entender como este aprendi-

zado aconteceu e o que ainda pode ser

feito a partir dos artigos e comentários

aqui publicados. Obrigada a todos que

colaboraram para que esta revista

“nascesse”, aos alunos, professores e

mestres que estiveram presentes duran-

te o intercâmbio. Foram vocês que me

deram a certeza de que vale a pena tra-

balhar para a juventude. Boa leitura!

*Jornalista, youth worker, mestre e doutora em Comunicação Social. [email protected]

Raquel Evangelista*

Page 4: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

3

Através da Decisão N.º 1719/2006/

CE de 15 de Novembro de 2006, o Parla-

mento Europeu e o Conselho adoptaram

o Programa Juventude em Acção ou

Youth in Action Programme para o

período entre 2007 e 2013, o que coloca

em prática o quadro legal de apoio des-

tinado a actividades de aprendizagem

não formal para os jovens.

O Programa Juventude em Acção

assenta na experiência do anterior Pro-

grama Juventude para a Europa (1989-

1999), do Serviço Voluntário Europeu

(1996-1999) e do Programa JUVENTU-

DE (2000-2006), tendo sido adoptado

após uma consulta aos diferentes inter-

venientes no domínio da juventude.

Ele tem como objectivo estimular o

sentido activo de cidadania europeia, a

solidariedade e a tolerância entre os

jovens europeus e o seu envolvimento

na construção do futuro da União Euro-

peia. O programa promove a mobilidade

dentro e fora das fronteiras europeias, a

educação não formal, o diálogo intercul-

tural e encoraja a inclusão de todos,

independentemente da sua origem edu-

cacional, social ou cultural.

Em Portugal, o Juventude em Acção é

gerido pela ANGJPA (Agência Nacional

para a Gestão do Programa Juventude

em Acção). Como sua missão é a gestão

do programa comunitário, a agência

nacional potencia sinergias e assegura

uma administração integrada e eficaz,

contribuindo, assim, para o bom funcio-

namento do programa em causa. “Este

programa é uma grande aposta na

emancipação dos jovens e das suas

organizações, com resultados na expres-

são internacional do movimento asso-

ciativo e num significativo aumento de

competências, não só no domínio do

multilinguismo, mas também no desen-

volvimento pessoal e social dos seus

participantes”, afirma Pompeu Miguel

Martins, director da agência portuguesa,

cuja sede fica na cidade de Braga.

Em 2010, mais de 100 projectos, orga-

nizados pelas mais diversas associações

e entidades, foram aprovados pela

agência portuguesa. O número indica

que Portugal ainda tem muito trabalho

pela frente, se comparado com o volume

de outros países europeus. “Portugal

tem, hoje, uma Agência que os jovens

conhecem e que conhece os jovens. Con-

tinuaremos neste rumo, confiantes nos

resultados destes primeiros dois anos e

esperançados de que, juntos, havemos

de chegar a mais gente”, acrescenta

Pompeu Martins. Mais informações po-

de ser obtidas em www.juventude.pt.

Atreve-te a descobrir!

Gingando para Cidadania — Juventude em Acção

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Prioridades do Juventude em Acção

Uma das prioridades do Programa

Juventude em Acção é a Cidadania Euro-

peia, ou seja, procura-se fomentar nos

jovens a consciência e a sensibilidade

para o facto de serem cidadãos euro-

peus. O objectivo consiste em incentivar

os jovens a reflectir sobre temáticas

europeias e envolvê-los na discussão

sobre a construção e o futuro da União

Europeia.

Outra prioridade é a Participação dos

Jovens. O objectivo geral é incentivar os

jovens a serem cidadãos activos. A parti-

cipação assume as seguintes dimensões,

enunciadas na Resolução do Conselho

sobre os objectivos comuns no domínio

da participação e da informação dos

jovens: (1) aumentar a participação dos

jovens na vida cívica das respectivas

comunidades; (2) aumentar a participa-

ção dos jovens no sistema da democra-

cia representativa; (3) reforçar o apoio

às diferentes formas de aprendizagem

para a participação.

Outras duas prioridades são a Diver-

sidade Cultural e a Inclusão de Jovens

com Menos Oportunidades. Ou seja, os

projectos devem promover a sensibili-

zação e a reflexão sobre as diferenças de

valores e também estimular que os jo-

vens em qualquer tipo de situação de

desvantagem possam tomar parte.

“O Juventude em Acção oferece oportunidades importantes para os jovens adquirirem capacidades e competências. Por

conseguinte, é um instrumento essencial para a aprendizagem não formal e informal numa dimensão europeia”.

Estas quatro prioridades são consi-

deradas permanentes. No entanto, há

aquelas consideradas anuais. Em 2010,

o tema escolhido foi o combate à pobre-

za e à exclusão social. Em Portugal, di-

versas iniciativas destacaram o tema.

Em 2011, haverá um destaque para

o voluntariado. Isto significa que a cada

ano, o programa estimula a execução de

projectos que atinjam objectivos ligados

a estes temas.

Page 6: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

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O programa Juventude em Acção é

dividido em cinco Acções. Cada uma

delas trata de uma metodologia de ensi-

no não-formal particular, permitindo

que os organizadores de um projecto

possam escolher o método mais adequa-

do para atingir os objectivos propostos.

Dentre as Acções, a designada pelo

número 1.1 é a que pretendemos apre-

sentar a seguir.

De acordo com o guia do candidato

2010, um Intercâmbio “é um projecto

que junta grupos de jovens de dois ou

mais países, proporcionando-lhes a

oportunidade de discutirem e confron-

tarem vários temas, ao mesmo tempo

que aprendem sobre o país de cada um”.

Dependendo do número de países

envolvidos, um Intercâmbio pode ser

bilateral, trilateral ou multilateral. O

Bilateral justifica-se, em especial, quan-

do os promotores estão a realizar o seu

primeiro projecto europeu, ou quando

os participantes não têm experiência a

nível europeu.

Além disso, deve-se observar que

um Intercâmbio pode ser itinerante, im-

plicando, para tal, a deslocação de todos

os participantes ao mesmo tempo, a um

ou mais países que participem no inter-

câmbio. Este foi o caso do Gingando

para Cidadania, pois em sua primeira

fase, o grupo dos jovens estonianos vie-

ram a Portugal e, alguns dias depois, os

portugueses foram a Estónia. Sua vanta-

gem está na possibilidade dos grupos

Acção 1.1—Intercâmbios para todos os gostos

conhecerem a cultura local e presenciar

o dia a dia dos cidad~os. “Nossa ideia era

permitir que todos os jovens entendes-

sem o que é ser um cidadão europeu e

as vantagens que as diferenças culturais

podem nos trazer”, afirma Raquel Evan-

gelista, responsável pelo projecto.

Normalmente, os intercâmbios trila-

terais ou multilaterais concentram a

recepção de todos os grupos de partici-

pantes em um único país. Dessa forma,

perde-se o contacto com a realidade

local de outro país, mas ganha-se na

diversidade de grupos participantes.

“O Juventude em Acção promove a

mobilidade dentro e fora das

fronteiras europeias, a educação não

formal, o diálogo intercultural e

encoraja a inclusão de jovens”.

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Gingando para Cidadania — Intercâmbio bilateral entre Portugal e Estónia

O projecto Gigando para a Cidadania

foi um intercâmbio bilateral, de carácter

itinerante, a ser realizado nas cidades de

São João da Madeira (Portugal) e Tail-

linn (Estónia). Seu tema é a conscienti-

zação da cidadania europeia, a promo-

ção da diversidade cultural e o estímulo

ao diálogo intercultural através da práti-

ca desportiva da capoeira e das danças.

Seus dois objectivos principais são a

fomentação do sentido de cidadania

europeia nos jovens e o desenvolvimen-

to de uma visão mais ampla sobre a

diversidade cultural e os benefícios que

tal variedade pode trazer para a cons-

trução de uma sociedade baseada em

valores socioculturais positivos e livre

de discriminação.

Para atingir estes objectivos foram

aplicados métodos de ensino não for-

mais, com predominância de dinâmicas

de grupo e da prática desportiva, nome-

adamente capoeira e danças. Esperáva-

mos que os 26 participantes envolvidos

desenvolvessem a expressão corporal e

de pensamentos.

O projecto em si durou seis meses. Já

a realização das actividades tomou 13

dias nas duas cidades: do dia 22 a 29 de

Julho em Portugal, e dos dias 3 a 12 de

Agosto na Estónia. Quer saber mais?

Visite nosso blog: gingandoparacidada-

nia.blogspot.com

Saiba mais sobre o nosso projecto

Workshop de capoeira aberto à comunidade em São

João da Madeira, Portugal.

Acima: pela primeira vez, jovens do grupo portu-

guês fazem aula de ténis nas instalações da AEJ.

Abaixo: um workshop de música com os dois

grupos de participantes.

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The project Gingando para a cidada-

nia was a bi-lateral exchange, with a

itinerant character, which took place in

São João da Madeira (Portugal) and Tail-

linn (Estonia). Its theme is awareness of

European citizenship, the promotion of

cultural diversity and incentive to inter-

cultural dialogue by means of sport

practice of capoeira and dancing. Its two

main objectives are the fostering of a

sense of European citizenship in young

people (a sense of belonging and com-

mitment to the European Union) and

the development of a wider view about

cultural diversity and the benefits such

variety can bring to build a society

based on positive socio-cultural values

and free from discrimination.

To achieve these objectives, creative

methods of non-formal teaching were

used, with a predominance of group

dynamics and sports, specially capoeira

and dancing. It is hoped the 26 partici-

pants involved (13 young people from

each country) can freely develop their

body expressions and thoughts.

That means they will have the chan-

ce to develop the expressive potential

connected to their local culture and their

vision of what means to be an European

citizen. The project itself will lasted 6

months. However, the execution of activi-

ties will took 13 days in both cities: from 22

to 29 August, in Portugal, and from 3 to 12

August, in Estonia.

Acima: apresentação de capoeira e danças numa praça

pública em Taillinn. A esquerda: grupo estoniano brin-

ca com um dos formadores. Abaixo: Jovens fazem

workshop da dança maculelê e depois fazem

apresentação numa discoteca.

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Gingando para Cidadania — Intercâmbio bilateral entre Portugal e Estónia

O que eu achei do Gingando para Cidadania?

“O Juventude em Acção promove a

mobilidade dentro e fora das fronteiras

europeias, a educação não-formal, o

diálogo intercultural, e encoraja a

inclusão de todos os jovens”.

“Sou professor e nunca havia

participado de um intercâmbio

nestes moldes. Sou grato pela

oportunidade de ter dado esta

formação e torço para que o

projecto tenha continuidade.”

(Geraldo Junior)

“Faço uso das palavras do grande poeta

Fernando Pessoa: “de tudo ficaram três coisas:

a certeza de que estava sempre começando,

a certeza de que era preciso continuar e

a certeza de que seria interrompido antes de

terminar.

Fazer da interrupção um caminho novo,

fazer da queda, um passo da dança, do medo,

uma escada, do sonho, uma ponte, da procura,

um encontro.” (Raquel Evangelista)

“Nunca tinha saído de Lisboa no verão.

O Gingando para Cidadania me deu a

chance de conhecer outras cidades e

perceber que outros da minha idade têm

os mesmo problemas que eu.”

(Paulo Rubio)

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“Descobri que a capoeira pode ser muita

mais do que uma actividade física. Fiz

amigos, perdi um pouco da timidez e

alinda conheci a cultura portuguesa.”

(Hendrik Kukk)

“É simplesmente incrível que jovens tão

diferentes e de lugares tão distantes

tenham convivido este tempo todo e

aprendido tantas coisas. As aulas de

capoeira foram sensacionais.”

(Marina Tofantsuk)

“Infelizmente, não tinha sido

seleccionado como um dos participantes

para o intercâmbio, mas quando vi a

programação de actividades pensei logo

que era uma oportunidade imperdível.

Trabalhei mais e consegui o dinheiro

para participar também. Valeu a

pena!” (Alo Arro)

“Com o Gingando para Cidadania

aprendi sobre a cultura portuguesa e

brasileira. As aulas de capoeira eram

actividades físicas, mas também

culturais, o que eu não esperava.”

(Kart Blumberg)

“Já participei de outros projectos dentro

do Programa Juventude em Acção, mas

este foi o primeiro directamente

relacionado com a capoeira. Os

resultados foram incríveis”.

(Olena Wladenmaiier)

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Gingando para cidadania - Ensino não-formal

Sérgio Xavier*

Uma das principais dificuldades que

existem em Portugal para este reconhe-

cimento é o facto sórdido de não existir

uma tradução adequada (e um conceito)

para o youth work. Se traduzirmos para

"trabalho juvenil" associa-se a "mão-de-

obra", conota-se quase com "trabalho

infantil". Se traduzirmos para "trabalho

com jovens" obtemos uma definição

demasiado lata que não descreve, de

todo, aquilo que é o youth work.

O próprio Conselho Nacional de

Juventude depara-se com este proble-

ma, como está patente no documento

intitulado “20 propostas jovens para

Portugal" onde se encontra o termo

youth work em três destas propostas e a

tentativa de enquadrar esta actividade

na "animação socioeducativa".

A animação socioeducativa é com

certeza parte do youth work, mas conti-

nua a ser uma definição pouco precisa,

já que não refere uma componente, hoje

em dia, essencial para a qualidade do

youth work: a educação não-formal,

outro conceito muitas vezes mal enten-

dido e confundido, frequentemente até

por profissionais de Educação.

De uma forma mais simples, e a títu-

lo de exemplo, imagine o que seria expli-

car o que é um bombeiro num país onde

não há bombeiros e onde se entende

não haver forma de combater os incên-

dios - aí está, a difícil tarefa de com-

preender uma profissão que não existe.

A grande preocupação com este fac-

to não reside só entre os youth workers

(que muitas vezes se queixam da inca-

pacidade de fazer compreender a sua

actividade aos seus próprios pais), ou

apenas em Portugal — é uma preocupa-

ção comum e em grande parte dos

Por que não reconhecemos?

“O próprio Conselho Nacional de

Juventude depara-se com este problema,

como está patente no documento ´20

propostas jovens para Portugal´ onde se

encontra o termo youth work em três

destas propostas e a tentativa de

enquadrar esta actividade

na animação socioeducativa.”

Page 12: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

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países Europeus, e mais além. É uma

preocupação que vai do youth worker

(que não vê o seu trabalho reconhecido

e, portanto, sustentável) até à Comissão

Europeia (que, apesar de reconhecer no

youth work a grande prioridade para a

Juventude Europeia, não o vê a ser reco-

nhecido/implementado a nível local).

Mas o youth work já existe como

actividade profissional há muito tempo,

as universidades britânicas têm cursos

de youth work e no Norte da Europa (na

Finlândia, por exemplo) vemos casos em

que o youth work é uma profissão alta-

mente reconhecida considerada funda-

mental pela sociedade civil e pelo

Governo.

É bastante evidente que não é isso

que acontece em Portugal - ou por ven-

tura, depois de ler este texto, já sabe o

que é o youth work e a educação não-

formal? Mas, afinal de contas, de que

forma é que o youth work é útil?

Para responder a esta pergunta,

conto um pequeno episódio que nos

aconteceu. Em Abril de 2010, a Dínamo

e o "Convívio Jovem" (Santa Casa da Mi-

sericórdia de Viseu) promoveram um

intercâmbio de uma semana em Campo

de Besteiros.

No final, em momento de avaliação,

foi feita a pergunta em inquérito anóni-

mo a um dos jovens participantes "em

risco" (e encaminhados para a Santa-

Casa da Misericórdia por uma Comissão

de Protecção de Crianças e Jovens): "Até

que ponto é que este intercâmbio atin-

giu as tuas expectativas?" A sua resposta

foi: "Até ao ponto de me fazer chorar."

Outro resultado bastante concreto

da actividade youth work que tivemos

recentemente na Polónia foi o facto dos

participantes portugueses terem regres-

sado cheios de motivação para partici-

par activamente na sociedade civil - dez

jovens da Dínamo produziram um pro-

jecto e submeteram uma candidatura ao

Programa Comunitário "Juventude em

Acção", neste leque a jovem mais nova

tem apenas 16 anos e já tem experiência

em como solicitar 20.000 € { Comiss~o

Europeia. Como mensurar este tipo de

aprendizado entre os jovens?

Não pretendendo aqui estender-me

nos resultados, estes são apenas alguns

factos ilustrativos da utilidade do youth

work de qualidade - há muito mais.

É por acreditar piamente na utilida-

de deste trabalho que me dedico à Dína-

mo, desde 2006; foi aliás uma descober-

ta tão importante que me fez trocar a

vocação de Arquitecto por uma outra,

até hoje em sistema de voluntariado:

youth worker.

É isso mesmo, fazemos coisas inacre-

ditáveis - mas se está incrédulo, está

também no caminho ideal para desco-

brir o que é a realidade do youth work er

da educação não-formal em Portugal. Às

vezes, não dá para acreditar!

*Presidente da Dínamo - Associação de Dina-mização Sociocultural, Portugal. [email protected]

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Gingando para Cidadania — O que é a AEJ?

A AEJ - Associação Estamos Juntos -

foi fundada em 1986 na cidade de São

João da Madeira, Portugal. Suas activida-

des principais envolvem a promoção da

cultura e do desporto para os jovens da

região. Nesse âmbito, a organização

possui quatro secções desportivas:

capoeira, ténis, xadrez e natação.

Além disso, a associação conta com

uma secção voltada especificamente

para as questões da juventude, chamada

Comissão da Juventude. Uma das suas

principais actividades é a promoção do

Campo de Férias que, no mês de Julho,

envolve a volta de 400 jovens e crianças

de diferentes idades e origens sociais.

Em 2010 foi realizada a sua 28ª edição.

“A AEJ é minha história de vida nos

últimos 30 anos. Sou um dos fundado-

res, minha esposa é a actual vice-

presidente e meu filho é atleta do ténis e

da nataç~o. É um compromisso de vida”,

1,2, 3 … Estamos Juntos!

comenta Armando Margalho.

Na verdade, para a juventude da

cidade de São João da Madeira, a AEJ

representa uma das melhores (senão a

melhor!) opções para a prática desporti-

va e o aprendizado cultural. “Fazemos

um grande esforço para manter nossa

associação dinâmica e próxima dos

jovens”, afirma Antonio Devill, actual

presidente da associação.

Nos anos de 2006 e 2007, a AEJ este-

ve presente como organização convida-

da em três projectos promovidos no

âmbito do Programa Jovens em Acção,

na Polónia. “Os projectos realizados no

campo Rodowo, na Polónia, ´Capoeira

for all´ e ´Roda das Nações`, foram pro-

jectos pioneiros da capoeira como ins-

trumento de diálogo cultural e ferra-

menta de encontro de jovens no âmbito

do programa Juventude em Acção. No

segundo projecto, publicamos a revista

Acima: início de uma roda de capoeira na secção

de capoeira da AEJ. Abaixo: jovens reunidos no

pavilhão desportivo durante o Campo de Férias.

Page 14: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

13

Roda das Nações, que foi uma forma de

expressar o sentimento colectivo de

integração proporcionado pela capoeira.

Foi esta experiência que permitiu

desenvolver com satisfação, em Portu-

gal, o Gingando para Cidadania”, conta

Ricardo Nascimento (ou professor Can-

gaceiro, como é conhecido no Grupo

Ginga Brasil) e responsável pela secção

da capoeira na AEJ.

Embora já tenha realizado diversos

eventos de capoeira nas instalações da

associação, foi o Gingando para Cidada-

nia que concretizou o sonho de reunir

outros professores da Associação Cultu-

ral Ginga Brasil Capoeira de outros paí-

ses e promover os valores que são

intrínsecos { capoeira. “Portugueses e

estonianos aprenderam que as diferen-

ças culturais podem ser benéficas, que a

capoeira também pode ser praticada

por deficientes físicos e que a tolerância

só traz consequências positivas”, afirma

Ricardo Nascimento.

Durante o período do intercâmbio,

todos os participantes e formadores

puderam usufruir das instalações do

Complexo Desportivo Paulo Pinto, ou

seja, as quadras polidesportivas, a pisci-

na interna aquecida e as piscinas exter-

nas. Além disso, houve uma festa de

confraternização no café, ao lado das

piscinas, que proporcionou mais uma

momento de interacção social entre os

jovens do Gingando para Cidadania.

“O interc}mbio nos surpreendeu de

forma bastante positiva. Era perceptível

o clima de camaradagem entre os

jovens. Soma-se a isso a riqueza humana

gerada e a divulgação da técnica e da

prática da capoeira. A qualidade técnica

da era mesmo alta!”, diz Armando Mar-

galho. A visão positiva sobre a iniciativa

é compartilhada pelo presidente da AEJ.

“O projecto conseguiu reunir jovens que

falam línguas completamente diferentes

e ainda assim as actividades foram reali-

zadas. Além disso, trouxe novas pessoas

até nós, o que sempre é óptimo”, acres-

centa Antonio Devill.

Algumas secções da AEJ já estão a se

mobilizar para preparar novas candida-

turas ao Juventude em Acção, com total

apoio da direcção. A ideia é que em

2011 a AEJ seja ainda mais dinâmica em

suas actividades.

Mais três secções da AEJ representadas nestas

fotos: alunos do ténis, do xadrez e da natação.

Page 15: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

Gingando para cidadania - Capoeira e inclusão social

Utiliza-se a express~o “projectos sociais” para

nomear, genericamente, as iniciativas conduzidas

pelo poder público ou por organizações não governa-

mentais, ou pela colaboração de ambos, com o propó-

sito de resgate da cidadania e de combate à exclusão

social. Muito frequentemente, tais acções voltam-se

para públicos ou para objectivos específicos, como a

erradicação do trabalho infantil, o combate à SIDA e a

diversas formas de violência. Invariavelmente, tais

projectos utilizam actividades culturais artísticas e

desportivas com o propósito de fortalecer o vínculo

dos jovens com a iniciativa e consolidar o compromis-

so com sua comunidade. Actividades como hip hop,

jogo, dança de rua, grafite, capoeira, música, danças

típicas de cada região, artesanato e desportos diver-

sos são algumas das opções oferecidas com o objecti-

vo de afastar as crianças e os jovens das drogas e de

outras actividades ilícitas.

Luiz Renato Vieira*

Capoeira, identidade e juventude

O potencial dessas modalidades e formas de

expressão artística advém de sua capacidade de

expressar os sentimentos próprios da juventude e de

intervir no processo de formação da identidade cultu-

ral dos jovens. De alguma forma, essas manifestações

valorizam a subjectividade, dão voz a uma juventude

que busca diferenciação em um contexto sociocultural

que é cada vez mais difícil.

Nesse sentido, é importante observar pesquisas

que destacam a importância da capoeira na formação

da identidade do adolescente, tendo em vista suas

características de actividade colectiva, permitindo a

afirmação do indivíduo perante ao grupo. De acordo

Projecto Expresso Acção, no Distrito Federal, Brasil.

Page 16: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

15

com a maioria das abordagens da psico-

logia, a adolescência configura a fase

aguda da afirmação da identidade do

indivíduo. A cultura exerce papel rele-

vante nesse momento, pois apresenta

estruturas e costumes sociais que ope-

racionalizam a transição da infância à

vida adulta. A capoeira, tanto pela visibi-

lidade que adquiriu no cenário interna-

cional, quanto pelas características de

modalidade que reúne expressão corpo-

ral, musicalidade e carácter combativo,

é um instrumento educacional riquíssi-

mo nesse contexto.

Os projetos sociais se destacam no

Brasil a partir do início da década de

1990, tendo como principal suporte

institucional as ONGs. Essas organi-

zações surgem no cenário social e

político brasileiro desde meados da

década de 1980, em virtude da

intensificação da luta por direitos que se

seguiu ao fim do ciclo de governos

militares. As ONGs encamparam a luta

pelos direitos sociais em nova perspec-

tiva, voltando-se para temáticas como o

gênero e a questão ambiental, antes

consideradas menos importantes pelo

movimento dos trabalhadores de forma-

ção tradicional.

Essa nova esfera pública não estatal

se fortalece e encontra na cultura um

dos principais elementos para a concre-

tização de um projeto de mobilização da

sociedade voltado para o fortalecimento

comunitário e para a valorização das

identidades e prática culturais locais. O combate ao uso de drogas tem

sido uma das principais temáticas traba-

lhadas pelas ONGs com actuação em

comunidades pobres. Parte-se, regra

geral, do princípio de que o uso de dro-

gas entre jovens está fortemente asso-

ciado a comportamentos determinados

pelos grupos a que pertencem.

Portanto, mobilizar o grupo a partir

de seus próprios valores e interesses é

considerado o melhor ponto de partida

para enfrentar a questão. Essa aborda-

gem, que adopta a perspectiva do jovem,

e não a do Estado repressor, serve de

base para inúmeras iniciativas e tem se

mostrado muito mais eficaz no enfrenta-

mento do problema.

Esse é o princípio que estrutura as

acções relacionadas à capoeira nos pro-

jectos sociais. É fundamental reconhecer

Jovens aprendendo a ginga da capoeira.

É fundamental reconhecer e valorizar a

busca do adolescente pela afirmação de

sua identidade e viabilizar os meios para

que essa dinâmica pessoal encontre

alternativas de práticas culturais

compatíveis com o momento vivido.

e valorizar a busca do adolescente pela

afirmação de sua identidade e viabilizar

os meios para que essa dinâmica pes-

soal encontre alternativas de práticas

culturais compatíveis com o momento

vivido.

Nesse sentido, a capoeira apresenta

uma significativa compatibilidade, por

suas características, com os chamados

Page 17: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

projectos sociais. Afinal, na feliz expres-

são de Letícia Reis, reconhecida pesqui-

sadora no campo da cultura, a capoeira

questiona os valores sociais e nos apre-

senta “um mundo de pernas para o ar”.

Algumas recomendações

Há tempos pesquisadores chamam

a atenção para o fato de que, para além

da ocupação do tempo livre dos jovens,

é fundamental reflectir sobre a natureza

das actividades utilizadas nos progra-

mas. É fundamental, também, trabalhar

aspectos da formação dos jovens de

forma que fortaleçam a auto-estima e o

protagonismo em suas comunidades. A

cultura, a arte e o desporto são impor-

tantes ferramentas para isso, mas é in-

dispensável que as actividades sejam

acompanhadas de orientação pedagógi-

ca e exercícios de reflexão.

Algumas recomendações são im-

portantes em um cenário em que as

ONGs se firmam como interlocutores

privilegiados em comunidades pobres e

ampliam sua capacidade de desenvolver

actividades culturais, desportivas e ar-

tísticas que, de fato, configuram formas

eficazes de educação não-formal. É

importante que a actuação dessas enti-

dades seja mais bem articulada com os

órgãos do poder público. Se, por um

lado, a informalidade que preside o tra-

balho das ONGs permite flexibilidade na

actuação e o enfrentamento rápido de

problemas sociais objectivos, por outro,

é grande o risco de subaproveitamento

de recursos humanos e financeiros. Tal

fato decorre das limitações de planea-

mento para sua actuação e da fiscaliza-

ção da utilização dos recursos públicos

que são repassados a essas entidades.

Faz-se necessário aperfeiçoar os

mecanismos de qualificação dos profis-

sionais actuantes, tanto no que se refere

à atividade-fim desempenhada quanto

no que concerne à gestão. Podem os

órgãos do Estado contribuir para o

aperfeiçoamento profissional sem que

isso configure qualquer forma de inter-

venção em sua actuação, que deve se

caracterizar pela independência e pela

defesa do interesse das comunidades

em que actua.

No que se refere à utilização da

capoeira em iniciativas destinadas a

grupos de jovens em situação de risco

imaginário dos professores e mestres e

mesmo nas concepções de alguns pes-

quisadores, o que é necessário superar.

Fala-se, ainda, em uma espécie de resis-

tência cultural, que estaria presente na

capoeira pelo fato de essa modalidade

ter surgido como oposição à violência e

à cultura da escravidão.

Na verdade, a capoeira, como qual-

quer instituição social, é o que a prática

social lhe impõe. Dessa forma, é funda-

mental que sua aplicação em iniciativas

de combate às drogas seja acompanhada

de competente trabalho pedagógico e

profunda reflexão sobre o contexto

sociocultural. Apenas assim poderemos

garantir que o ensino da capoeira seja

veículo de valores estruturantes para a

personalidade do jovem e fortalecedo-

res de sua identidade social.

*Sociólogo, mestre e doutor em sociologia da cultura. Consultor Legislativo do Senado Fede-ral. Mestre de Capoeira do Grupo Beribazu. Coordenador do Projecto Capoeira Actividade Comunitária da Universidade de Brasília. [email protected]

Page 18: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

17

Page 19: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

Gingando para Cidadania — Capoeira em Portugal

A capoeira é da malta: os grupos/tribos de capoeira em Portugal

Ricardo Nascimento*

Segundo o dicionário da língua por-

tuguesa, a palavra malta significa:

“reunião de gente de baixa condição,

grupo de pessoas afins, bando, grupos

causadores de desordens com as suas

diversões”. No português do Brasil, a

mesma é desconhecida e não consta do

vocabulário coloquial. Aqueles que a

conhecem, sabem que ela alude às mal-

tas de capoeiras, que eram grupos de

indivíduos que ocupavam a cidade do

Rio de Janeiro, então capital do império,

e a quem se atribuía a prática da luta

corporal denominada de capoeira.

É provável que o sentido que lhe era

atribuído nos tempos idos do Brasil

colónia, salvo os contextos históricos,

fossem os mesmos que em terras lusas

ainda se atribui para denominar um

ajuntamento de pessoas que se unem

para um fim. Sendo a palavra malta de

uso corrente no português de Portugal,

e ainda que o dicionário lhe atribua um

sentido pejorativo de agrupamento de

pessoas para prática da desordem, num

certo tipo de uso coloquial do vocábulo,

que aproxima-se ao que atribuímos

como sendo grupos e tribos sociais, bem

poderíamos dizer que, em Portugal, as

maltas de capoeira ainda existem. Não

com o significado que lhes era dado

anteriormente, mas como ajuntamento

de indivíduos que se unem para “fazer

capoeira” num sentido neotribal e esté-

tico do termo.

Em 1850 entrava em vigor a proibi-

ção do tráfico de escravos, e 1888 a

escravatura era abolida no Brasil. Este

facto possibilitou a intensa entrada de

europeus no país. Em 1881, eram mais

de 215 mil, entre portugueses, italianos

e alemães. A condição escrava era muito

“O número de portugueses detidos por capoeira era muito representativo da presença lusa nas maltas. Para alguns pesquisadores,

a explicação desse facto devia-se ao forte intercâmbio com a população pobre da cidade.”

Page 20: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

19

próxima do emigrante, cujos barcos de

vinda para o Brasil, na época, eram os

mesmo que haviam transportado os

negros escravos em outros tempos.

O número de portugueses detidos

por capoeira era muito representativo

da presença lusa nas maltas. Para alguns

pesquisadores, a explicação desse facto

devia-se ao forte intercâmbio com a

população pobre da cidade (negros e

mestiços) a partilha dos mesmos locais

de moradias, os cortiços, e das mesmas

condições de vida e trabalho.

Há indícios de uma similitude entre

os dois tipos sociais distintos que guar-

davam entre si fortes semelhanças, o

negro e mulato brasileiro e o fadista

português. Este era uma personagem

clássica da crónica policial lisboeta, que

se caracterizava não apenas pelo canto

do fado, mas pela predilecção pelos

ambientes nocturnos, pela boémia, fre-

quentada por vagabundos, prostitutas e

marinheiros e pelo uso hábil da navalha,

instrumento de grande predilecção dos

capoeiras, supostamente introduzido

entre eles pelos imigrantes lusos. Tanto

o negro e o mestiço brasileiro como o

fadista português eram um subproduto

do meio social urbano do século XIX,

que subsistia na marginalidade citadina.

Existiam ainda alguns emigrantes portu-

gueses oriundos de famílias abastadas

que tomaram parte nas práticas da

capoeira como amadores, eram os cha-

mados cordões de elegantes.

Consta que a presença dos portugue-

ses na capoeira fazia-se muito cedo,

rondando ainda a adolescência, ou seja,

logo quando estes chegavam ao Brasil, e

entre os contingentes mais representati-

vos estavam os oriundos dos Açores, da

região Norte de Portugal e Lisboa.

Alguns pesquisadores acreditam que

estamos entrando num novo paradigma

cultural, deixando para trás os traços da

modernidade, adoptando um ponto de

vista mais emotivo, hedonista e dionisía-

co em relação ao mundo.

Se seguirmos esta perspectiva, per-

ceberemos que h| uma “desafeiç~o”

pelas grandes instituições sociais como

os partidos políticos e os sindicatos. Nas

grandes cidades as populações estão a

A capoeira e a escravidão no Brasil são elementos inseparáveis.

Page 21: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

agrupar-se em microtribos e a procurar

novas formas de solidariedade, que já

não encontramos nas grandes institui-

ções sociais habituais. O modelo racio-

nal da Modernidade, que prega a ordem

e o progresso ilimitado, esgotou-se. A

razão cedeu lugar à emoção, ao sentir o

colectivo das tribos urbanas.

As tribos de capoeira se espalharam

pelo mundo e são, na actualidade, um

fenómeno surpreendente que tendo

origem nos meios populares e visto

como marginais ganhou um carácter

global. Parte da explicação que possibili-

ta compreender a actual expansão da

capoeira situa-se no domínio do sentir.

O momento do treino e da roda é uma

grande catarse colectiva em que os indi-

víduos que partilham uma linguagem

corporal e musical comum expressam

através dela o sentido da existência em

comunidade. Na roda de capoeira é pos-

sível rir, chorar, cantar, bater, dançar,

brincar, mas seja qual for a reacção, não

ficaremos indiferentes as emoções que

ela nos pode suscitar. Apesar dos seus

progenitores não lhe terem atribuído, na

sua gestação, nenhuma vocação expan-

sionista, ela enquanto linguagem cultu-

ral que envolve o corpo e a música,

difundiu-se naturalmente bem mais que

o Esperanto, cuja propósito era de servir

de língua universal. A parte do modelo

de linguagem que separa o Esperanto da

capoeira, qualquer capoeirista, seja qual

for a sua nacionalidade e língua poderá

dialogar na roda seguindo os seus pre-

ceitos rituais.

A capoeira em Portugal

A capoeira em Portugal é um fenóme-

no recente e apesar do forte envolvi-

mento dos nacionais lusos nessa forma

de arte, jogo e luta, fazer-se em tempos

remotos, não decorre daí o seu início

nas terras de Camões.

Os anos que se seguiram ao 25 de

Abril de 1974 marcaram importantes

mudanças na sociedade portuguesa. O

pós 25 de Abril representou uma aber-

tura para os valores democráticos e um

espaço de alargamento cultural que

permitiu desenlaçar, sem constrangi-

mentos, as amarras moralistas do antigo

regime.

Observa-se que o sufrágio eleitoral

Page 22: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

21

feminino só ocorreu plenamente após o

25 de Abril, assim como inúmeras

outras mudanças ao nível da organiza-

ção sindical, da massificação do ensino e

da abertura económica e social para um

novo modelo emergente na Europa e no

mundo. Em 1986, Portugal entrava para

a Comunidade Europeia e passava a

gozar de uma série de fundos comunitá-

rios que permitiram a sua modernização

e incremento.

No início da década de 1990 criavam

-se as estações de televisão privadas e

com elas a difusão de ideias, valores,

hábitos e novas práticas de consumo.

Inicialmente a população portuguesa

sofreu um aumento substancial decor-

rente do retorno dos seus emigrantes

residentes nas ex-colónias mas também

de residentes no Brasil, cuja partida de

Portugal fez-se por volta das décadas de

50 e 60. Para além do impacto demográ-

fico, esta população trouxe consigo uma

série de novos hábitos e costumes, uma

forma de ver o mundo adquirida nos

recantos dos trópicos.

Ainda na década de 70 iniciavam-se

em Portugal, as práticas religiosas afro-

brasileiras introduzidas por emigrantes

portugueses que se tinham integrado

nestes cultos religiosos no Brasil. Ainda

que a capoeira não tenha entrado em

território nacional a partir do retorno

de emigrantes nacionais vindos do Bra-

sil, o seu início e rápida penetração deu-

se pela abertura proporcionada pelas

mudanças na sociedade portuguesa

ocorridas nas décadas de 70 e 80 que

proporcionaram, por sua vez, a adesão a

outras práticas de origem afro-

brasileira, como o foi o caso do Candom-

blé e da Umbanda acima referidos.

Durante este período, Portugal transita-

va de um país emissor de emigrantes

para um espaço receptor de imigrantes.

Cabe salientar o papel dos media e

da literatura na formação de um imagi-

nário da cultura dos trópicos, mas tam-

bém nos hábitos sociais dos portugue-

ses, como a difusão de telenovelas como

Gabriela Cravo e Canela e Sinhá Moça e

os livros Capitães de Areia e Tenda dos

Milagres de Jorge Amado. Era veiculada

uma tropicalidade exótica, despida de

Page 23: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

preconceitos e uma cultura alegre e

etnicamente “bem resolvida”. Por isso,

aquando da introdução da capoeira,

mesmo com o seu desconhecimento, ela

foi acolhida com facilidade numa socie-

dade sedenta por experimentar outras

formas de pertença.

Sabemos que formalmente a história

da capoeira em Portugal começa com

Afránio Gouveia Silveira, o Mestre

Magôo. “Cheguei em Portugal no dia 19

de Setembro de 1987, e logo no mês

seguinte já ministrava aulas de capoeira

numa sala na rua de Santa Catarina,

próximo ao Marquês de Pombal no Por-

to” , diz o mestre. No ano de 1991 regis-

tava-se, legalmente no Registo Comer-

cial de Lisboa, a Associação de Capoeira

Negro Nagô de Angola, a primeira insti-

tuição vocacionada para a capoeira em

Portugal.

Neste mesmo ano o mestre apresen-

tava um trabalho estruturado, com um

número significativo de alunos empe-

nhados na prática da capoeira, e em

1992 realizou o seu primeiro encontro

Nacional, que foi, na verdade, o primeiro

a realizar-se formalmente em Portugal. Por volta de 2003 um levantamento

realizado por Falcão, pesquisador e

mestre de capoeira, contabilizava que

existiam cerca de 35 professores brasi-

leiros a dar aulas em Portugal entre

mestres, contra-mestres e instrutores.

Segundo este estudo, a maioria destes

profissionais é proveniente da região

Nordeste do Brasil, em especial das

cidades de Recife e Salvador.

Conforme o levantamento que reali-

zámos junto aos grupos, seus líderes e

alunos, contabilizamos cerca de 55 gru-

pos espalhados por todo o território

nacional. Destes 55, 13 grupos foram

criados de raiz em Portugal e reflectem

um crescimento endógeno do fenómeno

da capoeira.

Quanto ao número de profissionais a

ministrar aulas, estimamos que actual-

mente se aproxima dos cem. Entre estes

100, julgamos que uma parte significati-

va seja de portugueses, provavelmente a

maioria, resultado de um trabalho que já

dura, desde o seu início, há 23 anos em

Portugal. Convém esclarecer que destes

13 grupos todos foram criados a partir

de outros grupos preexistentes em Por-

tugal, sendo que destes, 3 apenas foram

criados por portugueses que tenciona-

“Contabilizamos cerca de 55

grupos espalhados por todo o

território nacional. Destes 55, 13

grupos foram criados de raiz em

Portugal e reflectem um

crescimento endógeno do

fenómeno da capoeira. Quanto ao

número de profissionais a ministrar

aulas, estimamos que actualmente

se aproxima dos cem.”

Page 24: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

23

vam sustentar os seus próprios traba-

lhos. Baseados neste levantamento acre-

ditamos que o número total de pratican-

tes ronda os 3000 a 3500, número que

não é preciso, mas que, a confirmar-se é

pouco significativo comparativamente a

países como a França que em 2005 pos-

suía mais de 400 grupos em actividade.

A nossa estimativa sugere que cerca

de 5 a 6 grupos se aproximem ou ultra-

passem a margem dos 200 alunos.

Algumas características destes grupos

podem ajudar a explicar os elevados

números de alunos que possuem na

actualidade. Trata-se de grupos que já

se encontram instalados a longo prazo

em Portugal, na maioria dos casos há

mais de 10 anos, e ao longo desse

tempoformaram um conjunto de alunos

portugueses que constituem o seu corpo

docente e que ajudam a alargar o

número de locais onde o grupo actua.

Uma outra explicação prende-se com

a estrutura prévia que o grupo possuía,

bem como um capital cultural agregado

ao longo de anos de existência no Brasil

ou em outros países e uma forma de

organização de cariz empresarial. Entre

estes grupos, encontramos alguns de de

grande porte, muito internacionali-

zados, que Nestor Capoeira caracterizou

como mega-grupos ou grupos empresas,

tais como o grupo Muzenza e Abadá que

se instalaram no país na década de 90.

Não podemos negligenciar que Por-

tugal jogou um papel importante na

junção dos povos que levou a constru-

ção das práticas culturais afro-

brasileiras, ainda que por razões negati-

vas. A historia da capoeira em Portugal

está ainda por fazer-se e seus pioneiros

protagonistas brasileiros hoje somam-se

ao muitos portugueses que compõem a

paisagem capoeirística lusa. Também

devemos salientar o papel de Portugal

no âmbito europeu como país de língua

portuguesa e influente no que tocam as

políticas públicas do continente.

Como espaço de confluência das

culturas lusófonas, Portugal poderá ter

um papel efectivo na produção e divul-

gação de uma arte, que no caso portu-

guês, poderíamos tratar como luso-afro-

brasileira.

*Sociólogo, mestre em Sociologia e Doutor em Antropologia. Professor de capoeira na Associa-ção Ginga Brasil Capoeira. [email protected]

“Não podemos negligenciar que

Portugal jogou um papel importante

na junção dos povos que levou a

construção das práticas culturais

afro-brasileiras, ainda que por razões

negativas. A historia da capoeira em

Portugal está ainda por fazer-se e

seus pioneiros protagonistas

brasileiros hoje somam-se ao muitos

portugueses que compõem a

paisagem capoeirística lusa.”

Page 25: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

Gingando para Cidadania — Capoeira na Estónia

Estonia and capoeira. What these words can have in

common? Estonia – a small country with short summers

and long winters, not the first place you would have in mind

for sunny and joyful martial art from Brazil. If you start

asking people on streets, what do they think about capoeira,

there will be many of them replying “what is it?”. However

all of those questions would be filled with the most sincere

interest and eagerness to learn what is this funny word

standing for. They would smile and come closer listening to

your excited explanations mixed with personal impressions

and experiences. Some would remember something similar

in movies, maybe even watching on TV.

You’d be asked if there is any chance it is practiced here

and after few days they might show up at the next training,

filled with excitement of a child going to school for the first

time. That is how you’ll get see reserved inhabitants of Es-

tonia joining “roda” and opening up for something new,

interfering with others, taking part in the building up game

of capoeira.

Marina Tofantsuk Olena Valdenmaiier*

Some Estonians who learned capoeira with teacher Alpino, from Ginga Brasil

Association in Taillinn.

A public performance in the streets of Taillinn.

Page 26: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

25

Capoeira came here not many years ago,

brought as a souvenir from warmer countries, an

idea so appealing and intriguing, that people just

didn’t want to let it go. They got together, shared

knowledge they already had, trained and played

together. As any other process is first of all move-

ment and interaction, so did capoeira required to

be shared with people around.

It was a great way to get people together,

include everyone, help them to become part of

something bigger, contribute to common goal. If

you try to put it into scientific social terms, it can

be named social inclusion. A tool to involve those

standing aside into something new, make them a

willing part of some social process. For sure, ca-

poeira can be a good instrument for this. It has no

language or nationality barrier, involving one

thing we all have – ability to move and react

towards others movement. So it does possess all

the quality of good tool – simplicity, universality

and mobility. It’s has taken its place in hearts of

many students, all over the world and even small

cold Estonia was not excluded from that list.

Although there are some difficulties that

local people can meet in capoeira., like singing,

dancing, and simply being relaxed, is a problem

that many can’t overcome even after years of

practicing this sport. Other thing is that Estonian

and Russian people tend to be more involved into

contact sports, like kickboxing, karate, where

they can enjoy kicking each other, and get rid of

stress and aggression. And if you add to this

widespread homophobia, then we can see the

result – such people don’t have too much respect

to capoeira, naming it “dancing for softies or

“Brazilian aerobics” etc. But capoeira came to

Estonia, it survived for over 10 years and we look

into future with a great hope. We are positive. We

love our capoeira.

*Marina was the Estonian leader of Gingando para Ci-dadania and Olena is youth worker in ONG Living for Tomorrow. [email protected] and [email protected]

“Capoeira came here not many years ago, brought as a souvenir from warmer countries, an idea so appealing and intriguing,

that people just didn’t want to let it go”.

Page 27: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

Gingando para Cidadania — Capoeira, comunidade e globalização

O fenómeno da Globalização

No mundo globalizado, multiplicam-se as

identidades. Os diversos grupos sociais, não

importa qual a região do planeta, buscam cada

vez mais afirmarem-se enquanto grupo a par-

tir de ideologias, comportamentos, atitudes,

vestimentas, enfim, uma série de traços e

características que identifiquem seus mem-

bros como integrantes de uma mesma “tribo”,

assim como diria o sociólogo Maffesoli.

Esse fenómeno tem sua importância, pois

não deixa de ser uma reacção ao próprio

advento da globalização, que é responsável

por uma padronização em escala mundial, de

modelos, valores e comportamento humanos,

considerados desejáveis para uma sociedade

globalizada. Modelos que na grande maioria

das vezes são advindos de uma referência

norte-americana ou europeia. Ou seja: os

modelos identitários estabelecidos pelos paí-

ses do centro, estabelecem a conduta e as for-

mas de relações humanas e sociais que devem

prevalecer nos países da periferia.

A partir deles, estamos assistindo à pro-

moção de um consumismo exacerbado esti-

mulado por campanhas publicitárias que

transformam produtos supérfluos em géneros

de 1º necessidade; ao aumento em grande

escala de uma cultura de massa apoiada cada

vez mais em produtos descartáveis (músicas,

filmes, programas televisivos, shows, etc.…)

de alto potencial mercadológico e baixa quali-

dade artística; a uma folclorização das cultu-

ras populares tradicionais, transformando-as

em mais um produto de consumo superficial e

“exótico” para alimentar a indústria do turis-

mo e o aumento cada vez maior do abismo

que separa os mais ricos e os mais pobres

entre outras tantas mazelas. Efeitos dessa

Pedro Abib*

Page 28: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

27

globalização, que o músico/compositor brasi-

leiro Tom Zé, chama de “globarbarização”.

Mas felizmente, esse processo não se dá

sem reações e o fortalecimento das identi-

dades de grupos sociais nesse contexto, abre

perspectivas no que diz respeito ao

estabelecimento de uma outra lógica, que

também é global, mas que passa pela

construção de outras possibilidades de

convívio social e humano, outros valores, em

que os princípios do modo capitalista de

organização da sociedade contemporânea são

questionados e a partir disso, são criadas

condições para que possam ser superados por

um outro modelo social, mais justo, humano e

solidário. Uma outra globalização é possível!

gritam os participantes dos Fóruns Sociais

Mundiais.

Nessa perspectiva, a capoeira cumpre, a

nosso ver, um papel importantíssimo, pois ao

espalhar-se pelo mundo, essa manifestação

oriunda da cultura afro-brasileira, tem levado

consigo um sistema de valores, um ideal de

conduta, um modelo de relação humana,

enfim, uma filosofia de vida, que tem

influenciado seus praticantes a adquirirem

uma identidade própria, outros valores e um

outro olhar sobre o mundo.

Capoeira e as lutas pela transformação da

sociedade

A capoeira surge como uma luta contra o

sistema escravagista no Brasil, se tornando

uma importante arma do negro escravo con-

tra a violência opressora do branco domina-

dor; e também como afirmação de uma cultu-

ra, e de um sistema de valores que se recusa a

ser subjugado por esse sistema desumano e

opressor que foi a escravidão. Os poderes

constituídos no Brasil muito se esforçaram,

para combater qualquer possibilidade de afir-

mação da cultura e tradição negras. A repres-

são contra qualquer tipo de manifestação de

origem afro-brasileira foi sempre violenta. O

samba, as religiões afro-brasileiras e a capoei-

ra eram os principais alvos dessa repressão,

sendo essa última, incluída no Código Penal

Brasileiro de 1890, como crime passível de

detenção na ilha de Fernando de Noronha, lei

essa que vigorou durante mais de 4 décadas.

Mas apesar de tudo isso, a cultura afro-

brasileira conseguiu resistir, não só adquirin-

do espaço na sociedade, como ganhando res-

peito e valorização por parte das mais diver-

sas camadas sociais. As religiões afro-

brasileiras não param de crescer e hoje são

Foto Agência Estado

Foto Pierre Verger

Page 29: Revistacompleta 110101114131-phpapp02[1]

vistas com dignidade, o samba se tornou um

dos mais importantes símbolos da identidade

nacional, assim como a capoeira, que recente-

mente recebeu do Instituto do Património

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o

importante título de “Património da Cultura

Brasileira”.

A capoeira, quem diria, hoje ganhou status

e valorização e está presente em mais de 170

países no mundo todo. Outrora, era tida como

coisa de desocupados, vadios, marginais. Hoje

é vista como importante meio de educação,

estando presente em escolas, universidades,

projectos sociais, academias, clubes, além de

se fazer presente como tema de teses e disser-

tações académicas, livros, filmes, poesia, artes

plásticas e etc.

Mas é claro que esse crescimento a nível

global traz também consequências negativas.

O capitalismo sabe muito bem como se apro-

priar dos bens produzidos pela sociedade,

sejam eles materiais ou imateriais, para ade-

quá-los à sua lógica. Percebemos assim, uma

tendência que vem crescendo nos últimos

anos, de transformação da capoeira em mais

uma mercadoria na prateleira dos “shopping

centers das culturas globalizadas”. Se por um

lado, isso garante a divulgação

dessa manifestação para um

público cada vez maior, por outro

faz com que ela perca muito dos

seus traços identitários que a

caracterizam como cultura tradi-

cional de resistência.

Não defendemos aqui uma

visão essencialista de cultura,

nem muito menos defendendo o

discurso de que toda e qualquer

transformação das culturas tradi-

cionais é vista como descaracteri-

zação, e as mudanças constata-

das, vistas como contaminação

“A capoeira, quem diria, hoje

ganhou status e valorização

e está presente em mais de

170 países no mundo todo.

Outrora, era tida como coisa

de desocupados, vadios,

marginais. Hoje é vista como

importante meio de

educação”

alunos – que enfatiza somente os aspectos

mercadológicos dessa manifestação, priori-

zando modismos e uma estética “especta-

cularizada” e superficial da pr|tica da capoei-

ra, em detrimento de uma visão mais profun-

da, preocupada com a historicidade, a ances-

tralidade, os aspectos rituais, a filosofia e os

valores implícitos nessa prática, que tornam o

praticante de capoeira, um sujeito mais cons-

ciente sobre si mesmo, e sobre a sociedade da

qual faz parte.

É justamente aí que reside o valor educati-

vo da capoeira. Ela só pode servir como instru-

mento de educação, se estiver voltada para

esses valores mais profundos da existência

humana, que a experiência africana no Brasil

soube tão bem traduzir. Uma manifestação

que foi capaz de resistir a séculos de violência

e soube preservar as formas tradicionais de

transmissão dos saberes através da oralidade,

do respeito aos mais velhos e aos antepassa-

dos, do respeito ao outro (mesmo sendo ele

adversário!), do sentido de solidariedade e da

vida em comunidade. Esses valores consti-

tuem-se em saberes riquíssimos que estão

presentes na capoeira e, que num processo

educativo, têm muito a contribuir na formação

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29

de sujeitos mais humanizados e conscientes

de seu papel na sociedade.

Por outro lado, se a capoeira for vista

apenas como uma estratégia de marketing,

como prática corporal de modismos, disso-

ciada de seus aspectos históricos e culturais,

ou como mera mercadoria de consumo, volta-

da para grandes massas que se satisfazem com

práticas superficiais e descompromissadas,

feitas por corpos excessivamente musculosos

e acrobáticos, ela então deixa de ter esse

caráter de prática libertadora e contestadora

da ordem social injusta - característica que

sempre a acom-panhou desde sua origem -

para transformar-se em mais uma mera

atraç~o do parque de diversões da “feliz” e

excludente sociedade de consumo capitalista.

Os aspectos identitários presentes na

capoeira aproximam o praticante de uma

experiência mais profunda no campo da exis-

tência humana, das relações sociais, da estéti-

ca do jogo fluido e solto, do prazer de movi-

mentar-se em diálogo com o outro, do respeito

à ancestralidade e à sabedoria dos velhos mes-

tres, da experiência sensorial da música e do

ritual de uma roda de capoeira. São aspectos

que dão a esse praticante um forte sentido de

pertencimento à uma comunidade: a comuni-

dade da capoeira. E o mais interessante, é que

esse processo pode se dar em Salvador, na

Bahia - local do Brasil onde a prática da

capoeira é mais intensa – como pode se dar

em Tel-Aviv, Tókio ou Amesterdão.

Um capoeirista, ao iniciar-se no universo

da capoeira de forma profunda - e não superfi-

cial como já criticamos acima - experimenta

um processo de transformação interna que o

faz questionar valores e crenças, que o faz se

abrir para novas formas de enxergar o mundo,

que o faz rever preconceitos, que o faz se sen-

tir responsável pelo grupo do qual faz parte,

desenvolvendo um forte sentido de compro-

misso social, que o faz experimentar o sentido

da vida em comunidade, que o faz solidarizar-

se com as lutas contra todas as opressões, já

que a capoeira nasce daí.

Comunidade: um caminho posível

No âmbito mundial, com o enfraque-

cimento de uma forma de organi-zação social

baseada nas grandes massas, em que a luta

pelas reivindicações era pautada nas grandes

mobilizações, um outro tipo de mobilização

vem ganhando força.

“Os aspectos identitários

presentes na capoeira

aproximam o praticante de

uma experiência mais

profunda no campo da

existência humana, das

relações sociais, da estética

do jogo fluido e solto, do

prazer de movimentar-se em

diálogo com o outro”.

Pedro Abib em um workshop de capoeira

Angola, em São João da Madeira (2009).

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Refiro-me àquele tipo de mobilização voltado

para reivindicações pontuais, de grupos

sociais específicos, que lutam por suas causas

particulares, mas ao mesmo tempo, articulam

-se numa grande rede mundial de

movimentos sociais contes-tatórios ao

modelo capitalista globa-lizante, tal qual o

Fórum Social Mundial, já citado. E é

justamente aí que se tornam mais fortes. E é

nessa lógica que o sentido de “comunidade”

também ganha força e se torna uma possi-

bilidade concreta de se contrapor à lógica do

individualismo, da competição, do consu-

mismo exacer-bado, tão presentes no modelo

atual de nossa sociedade.

A comunidade passa a ser, nesse

momento histórico em que vivemos, uma

experiência de convivência humana que pode

favorecer a construção de uma outra lógica,

baseada numa possibilidade concreta de esta-

belecer outras relações sociais, outras formas

de luta e reivindicação, outras formas de rela-

cionar com o meio ambiente, enfim, outra

globa-lização. Outra globalização é possível!

Nesse sentido, podemos afirmar que a

capoeira é hoje, uma comunidade global, uni-

da por fortes laços identitários, que caracte-

rizam seus praticantes como pertencentes a

um grupo social que partilha valores, ideais,

comportamentos, atitudes. Um grupo social

ligado por redes articula-das a nível mundial,

que permite não só a comunicação e a troca

de informações entre os milhões de

praticantes dessa arte-luta, como também a

interação entre eles, a partir da participação

em eventos, cursos, oficinas, palestras,

workshops, encontros, seminários,

congressos, na maioria das vezes com a

presença de consagrados mestres de

capoeira, que continuam cumprindo a missão

de “guardiões da tradiç~o”.

A capoeira pode se transformar em pouco

tempo, e já dá sinais evidentes disso, numa

referência a nível global, para a busca do en-

tendimento entre os povose um exemplo para

o exercício da solidariedade e da coopera-ção,

do respeito à diversidade, enfim, uma refe-

rência para a humanização. A roda de

capoeira, em sua circularidade, acaba sendo

uma metáfora do planeta Terra, onde

gerações de capoeiristas dos pontos mais

distantes do globo, e de todas as épocas, se

juntam para celebrar, reverenciar, cantar,

tocar e jogar.

*Pedro Abib é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno e autor de diversos livros. [email protected]

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31

Gingando para Cidadania — Capoeira e festas populares

Carlos Eugênio Soares* Frederico José Abreu *

Embora alguns (Deus há de querer muitos!) ainda insistam,

com certeza, para os “capoeiristas de antigamente” (express~o

da lavra do mestre Daniel Coutinho, vulgo Noronha), os

capoeiras de outrora eram viciados em festas. Pode-se dizer sem

exagero: para alguns deles; brincar, festejar, vadiar era preciso,

viver; uma conseqüência disso.

Eram viciados, principalmente, em festas populares. Das

realizadas nas ruas, pelas quais foram irresistivelmente sedu-

zidos, e nas quais, pela constante presença, influíram nos mol-

des, ritos e destinos. Cumpriam um ato de coerência histórica:

na luta contra as adversidades, os capoeiras não deixaram

esmorecer os ímpetos de alegria, arrefecer a busca pelo prazer,

fatores essenciais para manter em esguia alta o destino histórico

da capoeira. Como reclamavam das festas dos pretos a

imprensa, as autoridades policias e senhores de escravos, no

Brasil colonial, imperial e republicano!

Tanto Noronha como Querino, em seus livros,

diagnosticaram aspectos desse vício, apresentando taxativas

informações sobre ele. O primeiro reproduziu o calendário

completo das principais festas populares de Salvador, apontou

algumas do Recôncavo baiano e outras do interior do Estado da

Bahia (como há festas nesses lugares!). Em todas, olha lá os

capoeiristas de antigamente se deslocando por vários bairros,

cidades, regiões atrás daquelas de sua predileção.

Matar a fome. Satisfazer o vício. Podiam ser festas de

motivação religiosa, cívica, ou de outra natureza qualquer,

desde que parte delas tivesse como campo de celebração a rua.

O ar livre. Fizesse chuva ou sol. Por elas, a mesma predileção

tinham os batuqueiros; o pessoal do samba, do candomblé e da

arrelia, gente, assim como os capoeiras, fissurada por festa.

Podia chover canivete, que essa brava gente estava lá, mesmo

que o ambiente estivesse minado de perigo.

Mesmo que por um triz de nada se provocasse um tumulto.

Tinha gente mesmo que só ia para isso: provocar briga, mostrar

serviço. Noronha (mestre de Capoeira Angola, parceiro de

Pastinha), sem hipocrisia, escolheu a palavra-conceito baderna

para bem definir a capoeira das primeiras décadas do século XX,

na Bahia. No meio dela se quisessem um amigo até encontraria,

mas santo, nem pensar. Para o capoeirista daquela “era”, santo

só na Igreja ou nos Terreiros. Naquele ambiente se desconfiava

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até das sinházinhas, se andava de um

passo para o outro escondendo a própria

sombra.

Noronha, sabedor dessas coisas e

freqüentador de festas com batuque,

capoeira, samba, só ia até elas armado e

de corpo fechado: patuá, orações em dia

e cheio de coragem para enfrentar a

situação. O comportamento dos capoei-

ristas nas festas populares lhe deu

subsídios para proclamar esta sentença:

“o capoeirista de antigamente n~o

brincava em serviço”.

Por sua vez, o outro sábio, Manuel

Querino (um dos pioneiros dos estudos

sobre os costumes africanos no Brasil e

cronista de mão cheia sobre aspectos da

Bahia do seu tempo), ratificou a pre-

dileção para as festas dos capoeiras de

outrora e os tumultos por eles provo-

cados nessas ocasiões. Em termos de

calendário, menciona apenas as festas da

Semana Santa e os locais – “campos de

batalha”- escolhidos pelos capoeiras para

se divertirem e digladiarem contra gru-

pos rivais e turmas de rua.

A “ideia”: afirmar-se belicamente –

quem manda aqui sou eu e minha turma,

defendendo o seu território, ou

invadindo o do rival, na base da pedra-

da, cacetada, cabeçada, rabo de arraia e

ma-nobrando com outras artes da man-

dinga. O cenário era o Centro Histórico

de Salvador e ruas adjacentes. O Terrei-

ro de Jesus era o palco principal dos

acontecimentos, cotidianamente, api-

nhado de capoeiras, amadores ou profis-

sionais, conforme o testemunho dos

jornais da época.

Eis a razão do porque os capoeiras de

outrora se estimulavam para os

combates, lendo ou ouvindo narrativas

do cordel sobre guerreiros (moda da

época) e portassem nos “batalhões”,

símbolos, adereços e outros troços de

guerra. Pareciam já dormentes as

agruras existências, as mutilações dos

ex-combatentes da Guerra do Paraguai,

muitos dos quais foram forçosamente

recrutados naquele mesmo cenário.

Se Noronha definiu como baderna a

capoeira de antigamente, Querino se

valeu da gíria do capadocio para concei-

tuar a de outrora (por ele obser-vada e

focada, nas suas publicações, entre 1860

e 1923, no máximo). Para o capadocio

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33

(arruaceiro mor das ruas do Brasil) a

capoeira era o “brinquedo”. Quanta

delicadeza vinda de gente socialmente

tão áspera! Vinda de quem veio, todo

cuidado era pouco. Quem era esperto e

freqüentava o miolo ou as proximidades

do ambiente dos capadócios, só lidava

com eles de olhos abertos, só entrava na

roda ligado, nada de transe, possessão

ou algo parecido.

O conceito se aplicava mais apro-

priadamente aos que eram mais dados a

afeitos à capoeiragem. Aos que sabiam

aplicar maneirosamente a arte dos

venenos (malícias, maldades, falsidades

e mandingas) e também bloquear os

efeitos malignos das suas propriedades.

Veneno contra veneno, até um anular o

outro; cobra contra cobra, até uma

morder a outra. Brincadeira cheia de

brincadeiras de bom ou mau gosto, de

enganos que se enganam, nunca defini-

da a priori; se será levada na base da

mera brincadeira, ou se pelas circuns-

tâncias do seu enrolar e desenrolar vai

ficar à vera.

Deixando de lado a capoeira religião

e focada apenas na popular (jogada nas

ruas e em alguns ginásios) percebe-se

que ela permanece sendo como a de

outrora: brincadeira para quem

“guenta” brincadeira, para quem topa

suas conseqüências. Esta capoeira,

coerente com o ambiente das ruas, já

teve mais vez, muito mais vez, nas festas

de largo da cidade da Bahia, de

Pernambuco e Rio de Janeiro.

É para onde vamos, seguindo o

roteiro de Hilário Ferreira, uma figura

emblemática da cultura popular brasi-

leira. Hilário nasceu em Pernam-buco e

morou em Salvador, onde se viciou

culturalmente na observação e prática

de artes tradicionais afro-baianas. Não

só isso. Aprendeu a dar novos tratos e a

imprimir os estilos culturais dos

homens pretos nas manifestações

originárias de outras etnias, como nos

ternos e ranchos de origem ibérica, mas

que, no Brasil, as camadas populares se

apoderaram e tomaram conta. Neste

caso, foram as Festas dos Reis Magos,

que favoreceu o processo. Nisso Hilário

montou escola e virou professor.

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Como Salvador é uma cidade festeira

que só ela, dá para pensar e imaginar - e

disso se tem prova – a quantidade

registada de processos de criação,

conservação, invenção e reinvenções de

tradições. Quantas misturas e “di|logos”

de elementos de culturas diversos se

oportunizaram nos ambientes das festas

populares. Essas se expressavam

“originalmente” apresentando fortes

manchas de sincretismos cultural e

religioso e cruzamentos dos campos do

sagrado e do profano.

Por volta de 1872, Hilário Jovino se

mudou para o Rio de Janeiro, capital do

Império. Nesta cidade, ainda permane-

ceu integrado à comunidade baiana,

formada na sua maioria por homens e

mulheres pretas, que para o Rio

migraram na condição de escravos, e,

em maior quantidade, livres. De

passagem é bom que se diga que a

Bahia, na ocasião, já funcionava como

uma “boca” para o tr|fico interpro-

vincial de escravos, neste aspecto sendo

um importante provedor de mão-de-

obra para as plantações de café do vale

da Parnaíba e para os serviços urbanos

da cidade do Rio. Alguns estudos sobre a

capoeira e o samba nessa cidade

confirmaram a presença de capoeiristas

baianos que foram passageiros da citada

migração.

A comunidade baiana no Rio se fixou

territorialmente próximo à zona

portuária, onde parte significativa dela

trabalhava. Nas proximidades estava o

Morro da Providência, e, nele, a Casa Tia

Ciata, “capital da Pequena África”, regi~o

geocultural, que se estendia da Saúde

até a Praça Onze, trecho durante muitos

anos transformado em passarela do

samba e do carnaval carioca.

Tia Ciata foi uma baiana, que para o

Rio de Janeiro também se mudara em

1873, e com 16 anos de idade se tornou

uma lenda da memória popular desta

cidade. Sua famosa e histórica casa foi

frequentada por muita gente ilustre da

cultura popular, a exemplo de Hilário

Jovino, João da Baiana e outras tias

baianas “escoladas em muitas das artes

e artesanato do Recôncavo Baiano, de

onde vieram.

Donga, responsável pela primeira

gravação de um samba em 1916, Pixin-

“Como Salvador é uma cidade festeira

que só ela, dá para pensar e imaginar

- e disso se tem prova – a quantidade

registrada de processos de criação,

conservação, invenção e reinvenções

de tradições.”

Terreiro de Jesus, em Salvador, Bahia.

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35

guinha, sambistas, capoeiristas, artistas,

baianos e cariocas freqüentavam a “Casa

da Tia Ciata” que com seus saraus,

concertos, rodas de samba e batucada,

alimentavam a vida cultural da cidade.

O relevante desem-penho da comuni-

dade baiana foi tão influente na forma-

ção da cultura popular carioca, no final

do século XIX , que a esta comunidade já

se quis atribuir a exclus-ividade do

fenômeno e a primazia sobre o samba,

em qualquer das suas variações.

A super importância dos baianos foi

refutada, sem, contudo, desfazer os

méritos que tiveram. Tradicionalmente

a Bahia fixou-se no coração da cultura

popular do Rio de Janeiro, assim como

este Estado, capital do Império e logo

em seguida da República, foi para as

camadas popu-lares da Bahia um ponto

de destino, por nele se vislumbrar

melhores condições para se levar a vida

e também deixar pela vida se levar.

Para se entender o que se passava

nas primeiras décadas do século XX, no

Rio, incluindo a questão sobre as

origens do samba, sugere-se recuar no

tempo para perceber como e quando o

batuque era alvo das perseguições

policialescas. Não raro eles se escon-

diam nos zungus, casas de pretos que

serviam de abrigos para escravos e liber

-tos em becos e ruelas. O batuque era

um genérico para qualquer festa de

pretos e pardos na rua e sua influência

no samba é claríssima.

Na Bahia e no Rio de Janeiro, para os

capoeiras, as festas, antigamente,

podiam ser constituír em ocasiões

eventuais de divertimento e briga. Ou

mesmo uma chance para fazer da vida

um faz de conta. Ou também uma

oportunidade para eles fazerem conta,

ganhar uma grana, trocar um favor, se

jogar um contra o outro. De imediato,

era um momento para demonstrar o

vigor de seu bairro, sua freguesia, rua,

praça, escada, tabique, buteco, suas

cores, sua bandeira, banda, categoria,

sua turma, garbo ou jogo. Poderia ser a

hora de ganhar um amor, juntar amigos,

preservar e comunicar valores e prin-

cípios. Coisas que soletram a identidade.

“O batuque era um genérico para

qualquer festa de pretos e pardos na

rua e sua influência no samba é

claríssima. E este termo também

relaciona-se com uma entre outras

“nações” dos escravos africanos que

desembarcavam na cidade após

pavorosa viagem.”

*Professor da Universidade Federal da Bahia, Doutor em História e escritor. Torcedor do Esporte Clube Bahia e observador das coisas da capoeira. Este artigo foi escrito de forma não uniforme por dois autores. [email protected]

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Gingando para Cidadania — Associação Cultural Ginga Brasil na Europa

Geraldo Junior*

A Associação Cultural Ginga Brasil Capoeira foi

fundada no Brasil, em 22 de Junho de 1992, por

Severino José Bezerra, também conhecido como

Mestre Nenê no meio capoeirístico. Desde então, o

grupo de professores e alunos desenvolvem pro-

jectos sociais em comunidades das cidades de São

Paulo e Recife.

Eu fui o primeiro representante desta associa-

ção a vir para Europa (Alemanha) em Novembro

de 2001. Naquela época, ouvia outros professores

a comentar sobre a capoeira na Europa, mas foi

preciso estar aqui para realmente perceber como as

aulas e os projectos funcionam. Dois anos depois, vim

para Portugal, onde até hoje continuo a viver.

Estabelecer um núcleo do Ginga Brasil aqui não foi

fácil. Começamos a trabalhar em Vila Nova de Gaia e

no Porto. Através da Fundação da Zona Histórica do

Porto e da Escola de Mira Gaia conseguimos promover

nosso primeiro projecto social, no qual ensinávamos

crianças e jovens da comunidade ribeirinha do Porto.

Foi o primeiro passo para eu ver o potencial de inclu-

Contra-Mestre Bola entregando à Chocolate a primeira corda amarela-

laranja do grupo Ginga Brasil na Europa.

Workshop de capoeira, no Porto, em 2006.

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são e tolerância que a capoeira tem em si.

Com a vinda de Ricardo Nascimento para o

Ginga Brasil, passamos a atingir as regiões do

Grande Porto e Aveiro, pois, na altura, ele tam-

bém ensinava capoeira a jovens em diversas

cidades desse distrito.

A expansão real de nosso trabalho na Euro-

pa começou a partir de 2006, quando outros

professores vieram para cá e definimos que

seria interessante montarmos parcerias de tra-

balho, independente das cidades onde eles esti-

vessem. Desta forma, já neste ano, nossa asso-

ciação fazia-se presente em Portugal, Andorra e

Estónia. Em 2009, a Suíça também entrava nes-

ta mesma lista.

Apesar da distância entre os países, sempre

procuramos reforçar os vínculos de trabalho

por meio de eventos, sejam workshops, seminá-

rios ou baptizados (momentos em que os alunos

ganham suas graduações, representadas por

meio de cordas). Nestas ocasiões, conseguimos

nos reunir para trocar informações e experiên-

cias, para nos actualizarmos e divulgarmos a

capoeira como a maior promotora da língua

portuguesa no mundo (todas as aulas são dadas

em português) e ferramenta de inclusão social

entre os jovens.

Hoje, nossa associação está presente

em ginásio, escolas, centro paroquiais,

ATLs, clubes, centro de danças e em

projectos sociais, dos quais o Távola

Redonda se destaca, na freguesia de

Caneças (Odilvelas). Nossos alunos apre-

sentam os mais variados perfis: dos 3

aos 50 anos, licenciados ou não, portu-

gueses e filhos de emigrantes, enfim, de

tudo há um pouco.

Veja hoje quem é a Associação Cultu-

ral Ginga Brasil na Europa:

Portugal: Contra-Mestre Bola, Professor

Cangaceiro, Professor Alpino, Professor

Conde, Professor Birita, Instrutor Furmi-

gão, Graduado Nuno, Graduado Frik.

Suíça: Professor JR.

Andorra: Professor Leão, Graduado Ma-

caquinho.

Alemanha: Graduado Foca.

Estónia: Instrutor Ligeirinho.

Irlanda: Instrutor Suíno.

*Contra-mestre de capoeira, professor de edu-

cação física certificado pelo Instituto do Des-porto de Portugal.

[email protected]

Aula de capoeira para crianças na Junta de Fregue-

sia de Carnide (Lisboa), em 2008.

Batizado do Professor Birita, em 2009.

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