revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

86

Upload: veronar

Post on 05-Jun-2015

205 views

Category:

Science


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011
Page 2: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

Chanceler Dr. Augusto Cezar Casseb

Vice-Chanceler Luiz Carlos Casseb

Reitor

Dr. Eudes Quintino de Oliveira Junior

Pró-Reitor Acadêmico José Luiz Falótico Corrêa

Pró-Reitor Comunitário e de Desenvolvimento

Antônio Fábriga Ferreira

Conselho Editorial Uderlei Donisete Silveira Covizzi (Coordenador)

Célia Regina Cavicchia Vasconcelos

Danilo Elias de Oliveira

Elza Cristina Mazza Torres

José Renato Bianchi

Leila Maria Homsi Kerbauy

Marcelo Kobelnik

Márcia Maria Menin

Patrícia Helena Mazucchi Saes

Priscila Belintani

Equipe Técnica

Bibliotecária

Miriam Queiroz Rocha

Diagramação e Editoração

Enio José Bolognini

José Renato Bianchi

Revisão Geral Ademir Pradela

Page 3: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

EDITORIAL

PASSADO, PRESENTE E FUTURO DO DIREITO

O Direito é uma ciência racional, científica e evolutiva, na qual o passado, presente e

futuro, muitas vezes, se distanciam e em outras são conjugados na mesmo tempo

da história. O entrelaçamento com a ética e moral provoca uma contextualização

necessária, pois muitos costumes são arraigados e vigem para sempre. Enquanto

que outros, em razão da evolução da sociedade, exigem uma revisão e ajustamento

de valores.

Na realização do suum cuique tribuere, preconizado por Justiniano, em seu Digesto,

o pensamento jurídico ingressa, obrigatoriamente, em uma novo momento.

Abandona o Modernismo, período em que se sedimentou o liberalismo, o capitalismo

e, principalmente, o individualismo, com várias promessas de se atingir o bem-estar

social, por meio de uma sociedade livre, justa e solidária, além de reduzir a

desigualdade existente entre os cidadãos, pois não se admitem duas classes de

cidadania, sendo uma delas somente bem sucedida.

O pós modernismo não é rompimento, desagregação, mas sim um liame que

estabelecerá novos parâmetros para as ações tentadas e que não foram realizadas,

observando que todo esse processo se faz necessário, para que o homem possa

atingir a harmonia social desejada. Nem se falar de incompetência em realizar

espontaneamente o Direito, como pretendia Montesquieu. Todo homem traz dentro

de si a semente da evolução e o Direito nada mais faz do que espargi-la em seu

grupo social.

Com espírito elevado para tal finalidade, com os pés no pós-modernismo, sem

desprezar, no entanto, as conquistas até o presente auferidas é que se faz nesta

oportunidade o lançamento da Revista Unorp, com relevo para o Curso de Direito.

Artigos da autoria de professores e alunos desfilam assuntos que frequentam o dia-

a-dia dos operadores da área, fornecendo material filosófico e jurídico compatível

com a nova dimensão do mundo jurídico.

Page 4: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

O Centro Universitário do Norte Paulista, desta forma, mais uma vez, confirma seu

espírito de trazer à baila reflexões que possam colaborar e transformar os

questionamentos contemporâneos para a edificação de uma sociedade mais justa.

Dr. Eudes Quintino de Oliveira Junior

Reitor da UNORP

Page 5: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

FICHA CATALOGRÁFICA

Revista UNORP / Centro Universitário do Norte Paulista. – v. 2, n. 2,

(Nov. 2011) – . São José do Rio Preto, 2011.

Irregular.

ISSN 2178-3268 1. Poligrafias – Periódicos I. Centro Universitário do Norte Paulista.

CDU 08(05)

Page 6: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

SUMÁRIO

ARTIGOS O devido processo e o rigorismo legal Eudes Quintino de Oliveira Junior ......................................................................... 7

O artigo 2.039 e a mudança de regime de bens para casamentos celebrados na égide do revogado código civil Márcia Maria Menin .............................................................................................. 16

A dignidade da pessoa humana Shirlei Paci de Rossi Moura .................................................................................. 36

Direitos fundamentais da criança e do adolescente – I André Luiz Nogueira da Cunha .......................................................................... 48

O imperativo categórico de Immanuel Kant Ana Paula Polacchini de Oliveira .......................................................................... 67

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO .......................................................................... 83

Page 7: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

7

ARTIGO

O DEVIDO PROCESSO E O RIGORISMO LEGAL

*Eudes Quintino de OLIVEIRA JUNIOR

*Mestre em Direito Público, Doutor em Ciências da Saúde, Pós-doutorando em Ciências da Saúde, Promotor de Justiça aposentado, Reitor da Unorp.

Resumo: O ajuizamento de uma ação penal requer redobrada atenção em razão dos princípios garantidores da liberdade individual assegurados na Constituição Federal. Basta ver que a instauração de um inquérito policial para apuração de um ilícito e o esclarecimento da autoria são providências necessárias para a deflagração posterior de uma pretensão acusatória. Justamente porque percorre um caminho investigatório, eminentemente inquisitivo, necessário para a elucidação do fato. As chamadas peças de informação, aquelas que dispensam o procedimento policial, quando servirem de base para o Ministério Público propor a ação pública1, devem reunir indícios que sejam convincentes e produzir uma garantia satisfatória a respeito da autoria.

Palavras-chave: princípio do contraditório; nulidade do processo; devido processo legal

Abstract: The judging of a criminal prosecution requires increased attention because of the principles that guarantee individual freedom assured in the Federal Constitution. The initiation of a police inquiry to investigate an illicit fact and the identification of their authorship are necessary steps for the subsequent deflagration of an accusatory pretension. Precisely because it follows a investigational path, highly inquisitive, necessary for the elucidation of the fact. Even pieces of information, those which do not require police procedure, when used as a basis for the prosecutor to propose the public action should gather evidence to be convincing and produce a satisfactory guarantee as to the authorship. Keywords: contradictory; nullity of process; due process of law

A revolução tecnológica traz inúmeras conquistas que deveriam ser colocadas

à serviço do homem, procurando atender suas necessidades e conveniências, para

contribuir com a formação de uma sociedade mais harmônica, com a possibilidade

de se atingir um estágio mais próximo da perfeição. Ocorre que, muitas vezes, a

1 O Supremo Tribunal Federal, confirmando esse entendimento, tem acentuado ser dispensável, ao oferecimento da denúncia, a prévia instauração de inquérito policial, desde que seja evidente a materialidade do fato alegadamente delituoso e estejam presentes indícios de sua autoria (AI 266.214-AgR/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC 63.213/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - HC 77.770/SC, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RHC 62.300/RJ, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO.

Page 8: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

8

tecnologia supera todos os valores do homem e como um tsunami passa arrastando

todas as conquistas morais, éticas e legais, sem qualquer parâmetro e provoca

consequências gravosas na área jurídica. “O crédito que toda Humanidade abre à

ciência, acentua Costa Jr., é ilimitado e preenche as esperanças, mas já não se

admite que o ingresso de nossa civilização na era da cibernética total possa operar-

se à margem da reflexão crítica. Especialmente quando se sabe hoje que que o

progresso técnico interfere até mesmo na evolução biológica, modificando o seu

curso.”2 Quando a ciência invade a área acobertada pelas liberdades públicas,

desrespeitando-as, faz-se necessária a utilização de um instrumento de controle e

restabelecimento do status quo ante.

O princípio do devido processo legal, que figura na Declaração Universal dos

Direitos do Homem,3 traduz, em sua própria definição, todos os demais princípios

aplicáveis ao processo penal. O due process of law4, significa a síntese de todas as

garantias individuais, legais e processuais conferidas ao cidadão quando diante de

uma lide de natureza penal, civil ou administrativa. É o garantidor que todas as

regras serão efetivamente aplicadas. Nenhuma pessoa será processada ou julgada

sem que tenha sido aplicado o processo previamente estabelecido e ajustado de

acordo com as leis.

Greco Filho, numa lapidar definição, assim se pronunciou:

“A expressão devido processo legal, no âmbito processual penal, tem duplo sentido:

significa processo necessário, porque não é possível aplicar pena sem processo, e,

a segunda acepção, significa processo adequado, ou seja , aquele que assegura

igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa”.5

2 Costa Jr., José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970, p.14. Referida obra representa a monografia que o autor escreveu para conquistar, mediante concurso público, a Cadeira de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1969. Representa o marco inicial do princípio constitucional da tutela da intimidade abraçada posteriormente pela Constituição Federal de 1988. 3 A Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, anuncia em seu artigo XI: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.” 4A Constituição Americana, na Emenda nº XIV, de 1868, traz a seguinte regra: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis.” 5 Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal, São Paulo: Saraiva, 1991, p. 54.

Page 9: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

9

E a Constituição Federal incorporou o princípio em seu artigo 5º, inciso LV,

nos seguintes termos:

“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes”.

O contraditório, entendido como aquele que estabelece o equilíbrio entre as

partes, ou como alguns preferem, a paridade de armas não surge isoladamente

como corolário do princípio do devido processo legal. Vários outros, como o da

ampla defesa, do juiz natural, do duplo grau de jurisdição, da legalidade, da

identidade física do juiz, da oralidade, da verdade real, da motivação das decisões,

incorporam a mesma roupagem e se apresentam como apanágio do referido

princípio norteador.

O regramento constitucional estabeleceu outra norma rígida e inflexível com

relação ao princípio do devido processo legal: “são inadmissíveis, no processo, as

provas obtidas por meio ilícitos”6. O texto, por si só, deixa transparecer que somente

as provas consideradas lícitas, colhidas de acordo com a determinação legal,

poderão ser apreciadas e valoradas no processo contraditório. Aquelas que

tangenciam a ilegalidade e que foram auferidas por meios escusos, não

homologados pelo devido processo legal, serão descartadas e, em caso de

utilização, fulminarão de ilegalidade todo o material probatório produzido. Desta

forma, pode-se apontar como provas ilícitas a confissão obtida por meio de tortura

psíquica, a invasão à privacidade, ao domicílio, à interceptação telefônica, à

intimidade, aos segredos, ao sigilo bancário, à comunicação ou qualquer outro ato

abusivo das liberdades públicas consagradas constitucionalmente.

É certo que o entendimento jurisprudencial mitigou a regra da

inadmissibilidade de referida prova, com a aplicação do princípio da

proporcionalidade, tão bem explorado por José Canotilho, assim como pela

aceitação do favor rei pela rotineira interpretação de nossos tribunais, para que o

réu, em casos excepcionais, possa lançar mão das provas ilícitas e delas se

beneficiar para alcançar sua absolvição. Desta forma, o acusado em processo

criminal pode utilizar-se de uma interceptação telefônica não autorizada para

6 Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVI.

Page 10: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

10

comprovar sua inocência. Justifica-se o sacrifício de um direito que se apresenta

como inferior à vida e liberdade humanas.

Machado, em feliz observação, concluiu:

“Admite-se o uso da prova obtida por meios ilícitos pro reo ainda que a ilegalidade

tenha sido perpetrada pelo próprio beneficiado, ou seja, pelo próprio réu.

Argumenta-se que, nesse caso, o autor da ilegalidade na obtenção da prova terá

agido em legítima defesa do seu jus libertatis, ou mesmo premido pelo estado de

necessidade, o que excluiria a ilicitude de seu comportamento”.7

É no processo penal que se desenvolve a atividade essencialmente

persecutória estatal ou particular e a instrução do processo é ato relevante, pois as

partes indicarão os meios de provas para demonstrar sua pretensão. Sendo a prova

a reconstituição de um fato, não deve a princípio ser limitada e sua apresentação

seguirá as regras pré-constituídas para não acarretar cerceamento ou obstáculo

para o exercício de defesa do interessado.

A doutrina tem por costume distinguir as provas ilícitas das provas

ilegítimas. Essas últimas ofendem diretamente normas de direito processual, como,

por exemplo, a ordem de oitiva das testemunhas, que, se não observada, poderá

acarretar a nulidade processual. Aquelas que forem obtidas por meio ilícito, atingem

normas do direito material “porque, conforme salienta Avolio, a problemática da

prova ilícita se prende sempre à questão das liberdades públicas, onde estão

assegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade, à liberdade, à dignidade

humana; mas também, de direito penal, civil, administrativo, onde já se encontram

definidos na ordem infraconstitucional outros direitos ou cominações legais que

podem se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal e

acertamento da verdade, tais os de propriedade, inviolabilidade de domicílio, sigilo

de correspondência, e outros”.8

Pois bem. Toda essa introdução foi elaborada para encaminhar o leitor com

mais segurança na leitura jurídica da decisão proferida pelo Superior Tribunal de

Justiça na chamada “Operação Castelo de Areia”, que representa a maior

investigação criminal desenvolvida pela Polícia Federal, envolvendo empresários e

políticos em fraudes em obras públicas, cuja denúncia foi formulada para perquirir os

7 Machado, Antonio Alberto. Curso de processo penal. 2.ed. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 371. 8Avolio, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p.39.

Page 11: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

11

crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, doações ilícitas a campanhas

políticas e pagamentos de propinas a agentes públicos.

O STJ entendeu que as interceptações telefônicas realizadas e autorizadas

foram contaminadas por provas obtidas por meio ilícito, vez que tiveram como base

e sustentação a denúncia anônima. Segundo a decisão do órgão colegiado, a

denúncia anônima, pela sua fragilidade e inconsistência, não carrega força suficiente

para determinar restrições aos direitos fundamentais dos envolvidos.

Denúncia anônima em processo penal é aquela feita sob o manto do

anonimato, muitas vezes com o patrocínio do próprio poder público, que cria um

canal direto de comunicação com a comunidade através do “disque-denúncia”. Com

a organização e especialização de quadrilhas voltadas para a prática de ilícitos, a

notícia anônima carrega um arsenal importante de informações que deverão ser

filtradas e analisadas criteriosamente para verificar sua procedência. O crivo de

admissibilidade e idoneidade será feito pela autoridade policial ou Ministério Público,

ambos como destinatários credenciados e legitimados.

E é coerente tal linha de pensamento voltada para a denúncia anônima

porque o Estado, por si só, em razão da natural desvantagem que sofre com o ato

criminoso, cujo infrator, isoladamente ou em grupo devidamente organizado, tem

melhores condições de estruturar sua empreitada criminosa, com maior chance de

sucesso. A informação velada, por mais simples que seja, fornecida por qualquer

pessoa do povo a respeito da prática de ilícito, traz sempre um ponto inicial de

investigação, um norte para o caminhar da persecução penal. Mas não pode ser

considerada a única base sólida e consistente da persecutio criminis extra juditio “Daí que, conforme acentua Oliveira Júnior, a autoridade policial e o próprio

órgão do Ministério Público não podem repudiar liminarmente a denúncia anônima e

sim dar a ela o tratamento adequado de fonte de informação, com a realização da

pesquisa necessária para rastrear sua idoneidade. Se o denunciante permanecer no

anonimato e se suas informações forem consistentes, possibilitando uma correta

linha de investigação, não há qualquer interesse em se descobrir a identidade do

colaborador. Porém, se lançou mão do anonimato para prejudicar determinada

pessoa, a conduta é reprovável penalmente. Tanto é verdade que o crime de

denunciação caluniosa tem a pena aumentada de sexta parte se o agente se vale do

Page 12: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

12

anonimato ou de nome suposto para dar causa à instauração de investigação

policial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.”9

Desta forma, sem qualquer dúvida, a denúncia anônima carrega farto

material para se realizar investigação policial preliminar visando nortear os caminhos

de uma futura persecução criminal. Porém, não se presta para o embasamento da

instauração do inquérito policial. Os tribunais superiores vêm recomendando

extremada cautela com a denúncia apócrifa, que, se não for bem conduzida, poderá

acarretar sérios danos contra a segurança jurídica e gerar um terrorismo social

desnecessário.

O devido processo legal recomenda que a denúncia anônima não se firme

como peça preliminar e isolada de informação, que seja ela o núcleo em torno do

qual gravitarão todas as pesquisas, diligências e investigações. O que se pretende

não é desvalorizar a denúncia apócrifa e sim erigi-la a uma categoria de

assessoriedade para que as diligências policiais sejam iniciadas com base em uma

Portaria da autoridade policial, que tenha por finalidade pesquisar a ocorrência de

uma notitia criminis de cognição imediata, nos crimes de ação penal pública

incondicionada, em que há a obrigatoriedade de ofício da autoridade encarregada de

dar início ao inquérito policial.

O Ministro Celso de Mello, em seu voto, com a lucidez e perspicácia que lhe

são pertinentes, decidindo a respeito de um processo em que se discutia a validade

da denúncia anônima, assim se manifestou:

“No direito pátrio, a lei penal considera crime a denunciação caluniosa ou a

comunicação falsa de crime (Código Penal, arts. 339 e 340), o que implica a

exclusão do anonimato na notitia criminis, uma vez que é corolário dos preceitos

legais citados a perfeita individualização de quem faz a comunicação de crime, a fim

de que possa ser punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente.

Parece-nos, porém, que nada impede a prática de atos iniciais de investigação da

autoridade policial, quando delação anônima lhe chega às mãos, uma vez que a

comunicação apresente informes de certa gravidade e contenha dados capazes de

possibilitar diligências específicas para a descoberta de alguma infração ou seu

autor. Se, no dizer de G. Leone, não se deve incluir o escrito anônimo entre os atos

9Oliveira Júnior, Eudes Quintino de. Publicado no Informativo Migalhas, nº 2535, do dia 21/12/2010. <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI123465,31047-Denuncia+Anonima>. Acesso em 23 de abril de 2011.

Page 13: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

13

processuais, não servindo ele de base à ação penal, e tampouco como fonte de

conhecimento do juiz, nada impede que, em determinadas hipóteses, a autoridade

policial, com prudência e discrição, dele se sirva para pesquisas prévias. Cumpre-

lhe, porém, assumir a responsabilidade da abertura das investigações, como se o

escrito anônimo não existisse, tudo se passando como se tivesse havido notitia

criminis inqualificada." (grifei)10

O que a Constituição determina é a obediência ao devido processo legal

para que nenhuma pessoa seja acusada injustamente com base em provas obtidas

por meios considerados espúrios. À regra da acusação justa e equilibrada, que é

restrita, soma-se o direito do réu de se defender, de forma ampla, sem que haja

invasão aos seus predicados assegurados constitucionalmente. A denúncia

anônima, sendo ela a única propulsora da investigação policial, não carrega

idoneidade necessária para permitir a prática de vários atos investigativos contra o

suspeito.

Tanto é que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, no

processo já referido, em seu voto, assim se posicionou:

“Tenho para mim, portanto, Senhor Presidente, em face do contexto referido nesta

questão de ordem, que nada impedia, na espécie em exame, que o Poder Público,

provocado por denúncia anônima, adotasse medidas informais destinadas a apurar,

previamente, em averiguação sumária, "com prudência e discrição" (JOSÉ

FREDERICO MARQUES, "Elementos de Direito Processual Penal", vol. I/147, item

n. 71, 2ª ed., atualizada por Eduardo Reale Ferrari, 2000, Millennium), a possível

ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, com o objetivo de viabilizar a

ulterior instauração de procedimento penal em torno da autoria e da materialidade

dos fatos reputados criminosos, desvinculando-se a investigação estatal ("informatio

delicti"), desse modo, da delação formulada por autor desconhecido, considerada a

relevante circunstância de que os escritos anônimos - aos quais não se pode atribuir

caráter oficial - não se qualificam, por isso mesmo, como atos de natureza

processual.

Disso resulta, pois, a impossibilidade de o Estado, tendo por único fundamento

causal a existência de tais peças apócrifas, dar início, somente com apoio nelas, à 10 <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo393.htm#transcricao1>. Acesso em 22/4/2011.

Page 14: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

14

"persecutiocriminis".

Daí a advertência consubstanciada em julgamento emanado da E. Corte

Especial do Superior Tribunal de Justiça, em que esse Alto Tribunal, ao pronunciar-

se sobre o tema em exame, deixou consignado, com absoluta correção, que o

procedimento investigatório não pode ser instaurado com base, unicamente, em

escrito anônimo, que venha a constituir, ele próprio, a peça inaugural da

investigação promovida pela Polícia Judiciária ou pelo Ministério Público.”11

Feitas tais considerações, é intuitivo concluir que a legislação brasileira trata

com rigorismo indesculpável a inobservância do princípio do devido processo legal.

Isto porque o direito à prova resulta de uma árdua conquista processual e neste

patamar somente podem circular as provas consideradas legais, lícitas e legítimas.

Jamais, sob qualquer condição, pode prevalecer um conteúdo probatório obtido

mediante o arrepio da lei. E, assim, por não possuir uma sedimentação consistente,

qualquer castelo ruirá.

11<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo393.htm#transcricao1>. Acesso em 22/4/2011.

Page 15: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

15

REFERÊNCIAS

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e

gravações clandestinas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

CONSTA, Jr., José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 1970.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991,

MACHADO, Antonio Alberto. Curso de processo penal. 2.ed. – São Paulo: Atlas,

2009.

OLIVEIRA JÚNIOR, Eudes Quintino de. Disponível em:

<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI123465,31047-Denuncia+Anonima>.

Acesso em 24 abr. 2011.

Page 16: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

16

ARTIGO

O ARTIGO 2.039 E A MUDANÇA DE REGIME DE BENS PARA CASAMENTOS CELEBRADOS NA ÉGIDE DO REVOGADO CÓDIGO CIVIL

*Márcia Maria MENIN

*Advogada. Mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP-SP). Professora do Curso de Direito do Centro Universitário do Norte Paulista - UNORP

Resumo: A possibilidade da modificação pós nupcial do regime de bens conferida pelo artigo 1.639, parágrafo 2º do Código Civil, denota verdadeiro respeito ao princípio da Autonomia Privada, fato não demonstrado sob a égide da revogada codificação civilista. Contudo, o atual artigo 2.039 do Código Civil inserido nas Disposições Finais e Transitórias deixa dúvidas no que tange a extensão de tal prerrogativa àqueles que se casaram durante a vigência do Código Civil de 1916. O presente trabalho tem o propósito de apresentar-se como forma de solucionar referido problema a partir da demonstração, dentre outros aspectos, de que as normas de direito intertemporal são aplicadas de modo distinto a depender da natureza da matéria sob a qual ela se impõe. Palavras-chave: casamento, mutabilidade do regime de bens, direito intertemporal. Abstract: The possibility of post nuptial change of marital property regime informed by 2002 Civil Code (1.639, n 2º), respects individuals private autonomy. This situation was not a possibility at the preceding Civil Code. Even so, the 2002 Civil Code, on its 2.039 dispositive lines brings doubts if that post marital property regime change possibility is also applied on marriages that happened during the ruling of 1916 Civil Code. This work aims to analyses the problem and proposes a solution by discussing, among other things, that the intertemporal law applies differently in each case and depends on the nature of the subject. Keywords: marriage; marital regime mutability, intertemporal law.

1. INTRODUÇÃO

O atual Código Civil em seu artigo 1.639, parágrafo 2º, possibilitou a

modificação pós nupcial do regime de bens durante o casamento, desde que por

pedido judicial motivado por ambos os cônjuges. Entretanto, a redação do artigo

2.039 de referido texto legal gerou dúvidas na comunidade jurídica no que diz

respeito à possibilidade da modificação do regime de bens durante o casamento

consistir em uma prerrogativa também concedida àqueles que se casaram sob a

égide do revogado Código Civil.

No momento em que há determinada situação jurídica entre a vigência de

uma norma e o surgimento de outra, urge que se resolva qual delas lhe será

Page 17: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

17

aplicável. Sendo assim, resta saber se a nova lei poderá reger os atos já praticados

e aperfeiçoados durante o império da antiga lei, se apenas vigorará quanto aos

efeitos futuros daqueles atos pretéritos, ou se a lei revogada continuará produzindo

efeitos para além de sua vigência.

Para isso, o direito intertemporal se impõe, porquanto é “constituído pelo

conjunto de normas e princípios jurídicos que têm por finalidade resolver as

questões suscitadas pela sucessão de duas leis no tempo”.1

Desse modo, para que o conflito de leis no tempo seja solucionado, o direito

intertemporal faz uso de dois critérios. Um deles consiste na verificação da

existência da imediatidade da nova lei, sua retroatividade ou irretroatividade e,

ainda, se há pós-atividade da lei revogada. O outro critério consiste na inserção, no

próprio ordenamento jurídico, de normas denominadas disposições transitórias, as

quais possuem caráter temporário, uma vez que se tornarão inúteis em decorrência

da extinção das situações jurídicas pretéritas responsáveis por sua edição.

O Código Civil renovou seu conteúdo normativo por apresentar tais normas

de direito intertemporal disciplinadas nos artigos 2.028 a 2.046 no Livro

Complementar – Das Disposições Finais e Transitórias, não ficando tal

responsabilidade apenas adstrita à jurisprudência ou à doutrina, facilitando, assim, o

trabalho do exegeta da lei.

Importa, nesse contexto, dissertar sobre o artigo 2.039, relevante para melhor

entendimento da possibilidade da aplicação da lei mutabilista aos casamentos

celebrados na vigência do diploma civil anterior.

Diz o citado artigo: “O regime de bens nos casamentos celebrados na

vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1o de janeiro de 1916, é o por ele

estabelecido”.

A partir da leitura de tal lei, surge a tentativa de interpretação mais fiel

possível da intenção do legislador. E qual seria ela? Será que ele se refere apenas

às regras específicas dos regimes de bens? Será que seu desejo também se

estende às Disposições Gerais? Ou, talvez, o legislador não se refira nem às regras

específicas nem às Disposições Gerais?

1 NORONHA, Fernando. Retroatividade, eficácia imediata e pós-atividade das leis: sua

caracterização correta, como indispensável para solução dos problemas de direito intertemporal. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: RT, v. 23, 1988, p. 91.

Page 18: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

18

Para que se possa adquirir conhecimento acerca do assunto, é necessário

perpassar por breve análise do direito intertemporal com o objetivo de chegar ao

destino certo, qual seja, a verdadeira exegese do artigo 2.039 do novo Código Civil.

2. O DIREITO INTERTEMPORAL

As transformações sociais, muitas vezes, reivindicam a edição de novas

normas de modo a trazer regulamentações consentâneas com as urgências sociais,

políticas e econômicas e, por conseqüência, criar um ordenamento jurídico que

guarde estreita identidade com a sociedade na qual ele se impõe. Nesses casos,

crê-se que a aplicação da nova lei para a maioria das situações jurídicas nascidas e

ainda para aquelas que serão concebidas sob o seu manto seria, portanto, reflexo

de um senso de justiça por parte do legislador, e traria harmonia ao sistema jurídico.

Em outro vértice, a alteração normativa poderia ocasionar insegurança às

partes de uma relação jurídica já estabelecida sob a vigência de uma lei revogada.

Dessa forma, o abrupto surgimento de uma nova lei e sua imediata aplicação para

determinados casos seriam razão para a incredulidade social no que diz respeito ao

sistema jurídico, acarretando, quiçá, sensível diminuição na execução de atos

jurídicos e, como efeito, uma possível contaminação na economia do País.

Todavia, há uma zona intermédia em que, não obstante a existência de nova

lei, esta, salvo exceções, não modificará situações jurídicas pretéritas, mas, ao

mesmo tempo, produzirá um ordenamento jurídico atualizado conforme as

necessidades sociais. Destarte, a nova lei será aplicada apenas aos efeitos futuros

de atos jurídicos praticados quando da vigência da lei revogada. Preceitua o artigo

6o, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil:2 “A lei em vigor terá efeito imediato e

geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

A indigitada norma prevê como regra geral o que se denomina aplicação imediata da lei ou imediatidade, a qual consiste “na aplicação da lei nova a situações jurídicas que já vêm do passado, criando nova regulamentação para os efeitos que

se produzirem dali em diante, ou mesmo suprimindo pura e simplesmente essas

2 Nesse mesmo sentido dispõe o artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o

direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Page 19: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

19

situações; em ambas as hipóteses, todos os efeitos que tenham sido produzidos

permanecem intocados”.3

Para a adequada compreensão desse modo de atuação da lei no tempo,

mister é explicitar os ensinamentos de Roubier4 a respeito do assunto.

O autor distingue os fatos já aperfeiçoados no passado, denominando-os de

facta praeterita, dos fatos que ainda estão em via de realização – os facta pendentia,

e dos fatos futuros – facta futura. O que interessa para que se possa compreender a

respeito da eficácia imediata da norma são os fatos pendentes.

Roubier divide os fatos pendentes em duas categorias: os fatos anteriores à

vigência da nova lei e os fatos posteriores a ela. Haverá eficácia imediata da nova lei

se ela atingir os fatos pendentes, cujos efeitos forem posteriores a sua vigência,

porquanto, se houvesse emprego da nova lei aos efeitos anteriores a ela,

configuraria hipótese de retroatividade.5

Importa nesse momento trazer à colação a razão pela qual foram feitas essas

breves e singelas considerações.

No direito de família, as normas de direito intertemporal são aplicadas de

maneira distinta dependendo da natureza da matéria sobre a qual ela se impõe.

No que diz respeito ao direito pessoal, haverá eficácia imediata da nova lei.

Assim, serão aplicadas as novas normas que se refiram, por exemplo, aos deveres

de fidelidade recíproca, à fixação do domicílio, ao poder familiar etc.6

Por sua vez, com relação ao direito patrimonial, deve-se distinguir os efeitos

decorrentes do casamento e que independem da manifestação de vontade das

partes e aquilo que advém do regime de bens. Isto porque “o primeiro constitui uma

3 NORONHA, Fernando. Retroatividade, eficácia imediata e pós-atividade das leis: sua caracterização correta, como indispensável para solução dos problemas de direito intertemporal, cit., p. 100.

4 Paul Roubier desenvolveu um dos mais importantes estudos sobre o efeito imediato e geral da norma em seu artigo “Distiction de l’effet rétroactif et de l’effet immédiat de la loi”, publicado na Revue Trimestrielle, em 1928, bem como dedicou-se à matéria em alguns capítulos da obra Les conflits des lois e no Le droit transitoire.

5 Para maior aprofundamento no assunto, ver: LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentário teórico e prático da Lei de introdução ao Código Civil. Rio de Janeiro: Jacintho, 1943, v. I; FRANÇA, Rubens Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000; DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007; e MAXIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955.

6 Com relação aos direitos pessoais, preleciona Vicente Ráo: “(...) são em princípio definidos e regulados por leis de ordem pública, que, visando primordialmente realizar os fins sociais e morais da instituição da família, possuem, em conseqüência, maior intensidade em sua força obrigatória, alcançando os efeitos das relações constituídas sob as leis anteriores” (O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 389).

Page 20: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

20

situação jurídica decorrente da lei, puramente, ao passo que o segundo é um

produto contratual”.7

Nesse diapasão, para que se mantenha a segurança jurídica dos cônjuges

que optaram por certa espécie de regime de bens em razão das peculiaridades que

dele faziam parte, mantém-se a lei vigente na época da celebração do casamento,

não sofrendo o regime de bens, salvo menção expressa em contrário, qualquer tipo

de alteração por ocasião do advento de uma nova lei. Se esta cria um outro tipo de

regime supletivo de bens, não atingirá os cônjuges casados antes de sua vigência,

ou, ainda, se a nova lei altera as regras específicas de determinado regime, será

eficaz apenas para os casados posteriormente a ela. É o que ensina Pontes de

Miranda:

A Lei nova, que estabelece outro regime legal, ou que modifica o existente até então, não alcança os casamentos celebrados antes dela (...), salvo disposição em contrário. (...). Note-se a diferença entre o que se dá com os efeitos pessoais do casamento. Esses são regidos pela lei nova (...).8

Também é o que preceitua João Luiz Alves, citado por Wilson de Souza

Campos Batalha: “Quanto ao regime de bens entre os cônjuges, vigora a lei sob cuja

atuação o regime foi estabelecido, quer se trate de regime resultante de pactos

antenupciais, quer do resultante da própria lei.” 9

Conclui-se que, quanto às normas de caráter cogente, as quais não poderão

ser modificadas pelas partes, preza-se pelo emprego da nova lei, já que há no caso

um interesse público na sua edição e obediência. Frisa-se que isso ocorrerá tanto

com relação aos efeitos pessoais do casamento como no caso de se tratar das

Disposições Gerais (ou estatuto imperativo de base) dos regimes de bens.

7 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentário teórico e prático da Lei de Introdução ao Código Civil,

cit., p. 343. Vicente Ráo distingue os direitos patrimoniais dos cônjuges da seguinte maneira: “ou são direitos cuja constituição a lei anterior deixava à livre vontade das partes, por predominarem neles os interesses individuais, ou são direitos que se definem e caracterizam por sua natureza social, pelo interesse geral que envolvem” (O direito e a vida dos direitos, cit., p. 390).

8 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito de família. Direito matrimonial 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1947. v. 2, p. 200. Esse mesmo autor, prevendo a possibilidade da modificação do regime de bens durante o casamento, afirmava: “Se algum dia o direito brasileiro permitir a convenção pós-nupcial, a nova lei poderá ser seguida, quanto a isso, pelos casados anteriormente a ela. A regra de imutabilidade do regime (art. 230) é de direito substancial, e não de direito intertemporal” (Tratado de direito privado, cit., p. 283).

9 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 259.

Page 21: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

21

Durante a vigência do Código Civil revogado, havia interesse geral na

imutabilidade do regime de bens. Como visto, baseava-se, mormente, na segurança

de terceiros e dos cônjuges. Sendo assim, se a nova lei deixa de considerá-lo por

entender o legislador que a prerrogativa concedida aos cônjuges de modificar seu

regime de bens originário trará benesses a eles e que, ao mesmo tempo, não

prejudicará terceiros, não há sentido entender que as pessoas que se casaram sob

a égide do antigo Código Civil não poderão ser contempladas com tal novidade. Não

é permitido, nesses casos, que se invoque violação ao direito adquirido à

imutabilidade do regime de bens, assim como não foi possível a invocação desse

mesmo direito por ocasião do surgimento da Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), a qual

modificou o regime supletivo de bens de comunhão universal para o regime da

comunhão parcial.

Esse é também o entendimento esposado por Miguel Maria de Serpa Lopes:

Não temos dúvida, a despeito da opinião em contrário de Roubier, que a eficácia imediata da lei se aplica, porquanto a prescrição da imutabilidade do regime matrimonial não é pertinente ao domínio contratual, mas sim um ditame expresso da lei.10

Ademais, existe outro argumento: depreende-se do entendimento do caput do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil que a aplicação imediata da lei

consiste em regra geral, ou seja, conforme supramencionado, a nova lei deverá

ser aplicada aos efeitos futuros de atos jurídicos que se constituíram sob o

império da antiga lei. Todavia, juristas contrários à possibilidade de modificação

do regime de bens para os cônjuges que se casaram sob a égide do antigo

Código Civil sustentam, em sua maioria, que tal prerrogativa feriria o ato jurídico

perfeito.11 Leônidas Filippone Farrula Junior,12 indagando sobre a conveniência

da mutabilidade, afirma que, para que se alcance a resposta, faz-se necessário

analisar algumas questões e afirma:

10 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentário teórico e prático da Lei de Introdução ao Código Civil, cit., p. 344.

11 Conforme artigo 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Lei n. 3.238/57), “reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Em outras palavras, o ato jurídico perfeito é aquele cujos efeitos foram completamente verificados ao abrigo da lei anterior, e se uma nova lei o atingisse configuraria hipótese de retroatividade.

12 FARRULA JUNIOR, Leônidas Filippone. Do regime de bens entre os cônjuges. In: LEITE, Heloisa Maria Daltro (Coord.). O novo Código Civil. Do direito de família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003, p. 315-316.

Page 22: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

22

A primeira delas é saber se somente aqueles que se casaram após a entrada em vigor do novo Código Civil poderão alterar o regime de bens. A resposta é afirmativa, sob pena de se ferir o ato jurídico perfeito e, por conseguinte, a norma esculpida no inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição da República, onde está cristalizado o Princípio da Irretroatividade das Leis. Afinal é com as núpcias, que o casamento se aperfeiçoa e assim, as questões patrimoniais decorrentes destes se regulam pela legislação vigente quando da sua celebração.

Grande parte das decisões negatórias do pedido de alteração do regime de

bens para os cônjuges que se casaram antes de 11 de janeiro de 2003 também se

fundamenta na ofensa ao ato jurídico perfeito e ao princípio da irretroatividade da

leis.13 Nessa direção é a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

O Código Civil revogado tratava do regime de bens no casamento em seus artigos 256 a 314, preceituando, ainda, que ‘o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável’. Quando o ato jurídico perfeito e acabado ganhou roupagem constitucional foi exatamente para que se mantenha uma garantia de estabilidade, de perenidade, de segurança das condutas amparadas pelo texto constitucional. Se é certo que o Direito não é estático, que a lei reflete o momento em que é ela elaborada, não menos certo é que a partir o momento em que comandos legais expressos passam sistematicamente a ser tacitamente derrogados nas prestações jurisdicionais, perde-se o referencial, perdem-se os parâmetros, tudo isso, obviamente, em prejuízo do próprio jurisdicionado, que amanhã, no pólo oposto da demanda estará sujeito ao mesmo resultado, exatamente porque a falta de referencial torna o procedimento lotérico. (...) O pedido constante na presente ação é, portanto, juridicamente impossível, vez que os casamentos celebrados durante a vigência do Código Civil de 1916 são por eles regidos, constituindo, outrossim, atos jurídicos perfeitos, que não poderão ser desrespeitados pela lei nova (atual Código Civil), consoante determina o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.14

13 Uma lei é considerada retroativa quando volta ao passado e modifica os atos jurídicos já

aperfeiçoados sob a vigência da antiga lei. Destarte, o princípio da irretroatividade, o qual teria por fim impor-se como medida protetiva, traduz-se pela proibição legal conferida à retroatividade da nova lei disposta. Em que pese muitos considerarem que a atual Carta Magna, em seu artigo 5º, XXXVI, tenha realmente erigido referido princípio, alguns doutrinadores mostram-se desfavoráveis a tal posicionamento defendendo que há, na realidade, o princípio da retroatividade limitada, porquanto entendem que a lei sempre terá efeito imediato e geral exceto se houver ofensa a direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, até porque, diversamente do que dispunham as Constituições de 1824 e 1891, na atual Constituição Federal não há qualquer tipo de norma expressa nesse sentido. É o posicionamento de Mario Luiz Delgado, inspirado nas lições de José de Oliveira Ascensão, Roubier e Carlos Maximiliano: “(...) o princípio albergado na Carta Magna vigente não é o da irretroatividade, mas sim o da retroatividade limitada, vale dizer, a lei nova pode retroagir, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada” (Problemas de direito intertemporal no Código Civil. Doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 30-31).

14 Apelação Cível n. 1.0024.04.332426-8/001, 1ª Câmara Cível, relator Desembargador Gouvêa Rios, comarca de Belo Horizonte/MG, data da publicação do acórdão: 17/12/2004.

Page 23: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

23

Mas qual razão levaria os juristas a crer que a concessão do pedido de

modificação do regime de bens para aqueles inseridos na situação particular até o

momento referida configuraria hipótese de violação a princípio constitucional?

No momento em que se dá o casamento, esse instituto jurídico começa a

produzir efeitos que perdurarão durante toda a existência da sociedade conjugal.

Então, mesmo que um dos cônjuges não exerça o direito de obter empréstimo para

compra de objetos necessários à economia doméstica, assim poderá fazê-lo, e

independentemente do regime de bens por ele eleito (CC, artigo 1643), a todo

momento, desde que ainda subsista o casamento.

Se o regime de bens se torna findo apenas com o término da sociedade

conjugal, não se pode afirmar que o casamento constitui ato jurídico perfeito, uma

vez que os efeitos de sua escolha – por exemplo, a partilha nos casos de regime

comunitários – somente surgirão no momento da dissolução. Como poderia ser

caracterizado ato jurídico perfeito se a todo momento é permitido aos cônjuges

exercerem direitos oriundos do casamento?

Quando o legislador opta por dar prosseguimento ao dispositivo legal anterior,

assim deve proceder de maneira expressa, visto que se trata de caso de pós-

atividade15 da norma anterior. É o modo como procedeu por ocasião da elaboração

dos artigos 2.036, 2.037, 2.038 e 2.041, todos do Código Civil.16

15 Dá-se pós-atividade ou ultratividade de uma norma quando, malgrado ter sido revogada,

permanece eficaz, uma vez que há continuidade da aplicação desta antiga lei para além do tempo de sua vigência. Assinala José Eduardo Martins Cardoso que, “sempre que se verificar, a sobrevivência da lei velha implicará, normalmente, a exclusão dos efeitos imediatos e futuros da lei em vigor, no que tange particularmente a situações ou relações em curso no momento da alteração legislativa, que passam, assim, a ser imunes aos naturais efeitos previstos na vigente legislação” (DELGADO, Mário Luiz. Problemas de direito intertemporal no Código Civil: doutrina e jurisprudência, cit., p. 23). Na Itália, por exemplo, a Lei n. 142, de 10 de abril de 1981, que suprimiu o controle judicial para a modificação do regime de bens após o casamento, conferiu essa prerrogativa apenas àqueles que se casaram após o advento de tal lei. Destarte, como se trata de norma de caráter pós-ativo, o seu artigo 2º ordenava que a autorização continuava sendo necessária, “soltanto per il mutamento, dopo la celebrazione del matrimonio, di convenzoni matrimoniali stipulate per atto publico prima dell’entrada em vigore della presente legge...”. Tradução livre da autora: “apenas para a mudança, após a celebração do casamento, das convenções matrimoniais estipuladas por ato público antes da entrada em vigor da presente lei.

16 “Art. 2.036. A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida.” “Art. 2.037. Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis.”

Page 24: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

24

Portanto, caso a intenção do legislador fosse manter a imutabilidade do

regime de bens, deveria assim se referir de modo claro e expresso na redação do

artigo 2.039 do Código Civil: “O regime de bens nos casamentos celebrados na

vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele

estabelecido, sendo proibida posterior modificação”.

Ademais, cumpre advertir que uma norma com natureza tutelar não deve ser

concedida apenas para determinado grupo de pessoas que se encontram na mesma

situação jurídica das outras, contudo, separadas pelo lapso temporal; caso isso

ocorra, haverá flagrante violação ao princípio da igualdade disposto na Carta Magna,

artigo 5º, caput. Conforme mencionado, o princípio da igualdade caracteriza-se por tratar

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se

desigualam.

É necessário primeiro individualizar o fato considerado como desigual para

que depois se proceda à análise a respeito da existência de fundamento lógico para

que efetivamente seja considerado distinto e, por fim, se essa desigualdade deve ser

considerada a ponto de ser concedido tratamento diferenciado às pessoas que se

mostrem inseridas nessa situação fática.

Impende concluir que não há qualquer espécie de correlação lógica entre o

elemento discriminador – casamentos celebrados antes da vigência da Lei n.

10.406/2002 – e a finalidade da norma, qual seja, a mutabilidade do regime de bens

durante o casamento.

Por conseguinte, não tem fundamento legal tal vedação, visto que, caso ela

existisse, não poderia ser erigida como asseguradora de interesses de terceiros, já

que o próprio texto da lei já o coloca a salvo, nem tampouco de interesses dos

cônjuges, pois, frisa-se, apenas poderá ser deferida a modificação do regime de

bens caso seja suprido o requisito consensualidade.

Nota-se, portanto, que o direito intertemporal mostra-se abrigo das pessoas

cujo casamento se deu na vigência do Código Civil revogado, de modo a protegê-las

“Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores.” “Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem de vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916).”

Page 25: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

25

da aleatória intervenção estatal sob o fundamento de proteção e respeito à lei, mas

que esconde, verdadeiramente, exacerbado positivismo e efetiva lesão ao princípio

constitucional da isonomia.

3. A CORRETA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 2.039 DO CÓDIGO CIVIL

Como visto, a norma de direito transitório contida no artigo 2.039 do Código

Civil não se refere propriamente à inaplicabilidade do § 2o do artigo 1.639,

entretanto, na conveniência do momento atual, surge a questão: a que se refere o

artigo 2.039? Qual situação jurídica seria objeto da proteção dessa norma?

O Projeto de Código Civil havia acrescentado uma parte final à redação atual

da norma transitória ora em comento, a qual passaria a vigorar nos seguintes

termos: “O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil

de 1916 é o por ele estabelecido, mas se rege pelas disposições do presente

Código”.

Se a referida norma tivesse sido contemplada pelo atual Código Civil, quiçá

daria indícios de que apenas no que concerne às Disposições Gerais haveria a

aplicação da nova codificação. Entretanto, a parte final foi subtraída por meio da

Emenda n. 491-R pelo senador Josaphat Marinho, relator-geral do Projeto, que se

justifica:

Houve necessidade de se promover a modificação porque se, como dito na parte final do dispositivo, ‘o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916 é o por ele estabelecido’, não se regerá pelo novo. Dúvida, que porventura surja, será apreciada em cada caso.17

Caso seja percorrida a direção imposta pela maioria da doutrina e

jurisprudência brasileiras, ter-se-á que o artigo 2.039 do Código Civil é destinado às

disposições específicas sobre os regimes de bens.18

17 BARBOSA, Heloísa Helena. Alteração do regime de bens e o art. 2.039 do Código Civil. Anais... IV

CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 333. 18 Importa nesta ocasião fazer referência ao magistério de alguns juristas que possuem posição isolada no que

concerne à interpretação do artigo 2.039 do Código Civil. Silmara Juny Chinelato ensina que a regra de direito transitório é necessária, “pois na vigência do Código revogado havia um regime não existente, o dotal; o regime legal de bens era o da comunhão universal até o advento da Lei do Divórcio (...). O regime dotal reger-se-á pelo Código de 1916, bem como os casados sob o regime

Page 26: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

26

Significa afirmar que, quanto ao regime escolhido, seja ele convencional ou legal, continuarão sendo eficazes as características particulares que compunham cada um deles sob a vigência do Código Civil revogado, ou seja, consoante grande parte dos juristas, as normas dos artigos 262 a 288 daquele Código continuarão a nortear as relações entre os cônjuges e entre estes e terceiros, caso aqueles tenham se casado antes da vigência da Lei n. 10.046 de 2002 – o Código Civil em vigor.

Corroborando as pesquisas realizadas, tem-se presente o entendimento de Euclides de Oliveira:

Somente as regras específicas acerca de cada regime é que se aplicam em conformidade com a lei vigente à época da celebração do casamento, mas quanto às disposições gerais comuns a todos os regimes aplica-se o novo Código Civil.19

Nesse diapasão, Sérgio Gischkow Pereira20 manifesta seu posicionamento:

(...) O art. 2.039 do Código Civil não é obstáculo para tal compreensão. Ele apenas impõe que o regime de bens seja regido pela lei da época da celebração do casamento; mas evidentemente, se não alterado o regime por vontade dos cônjuges. Enquanto não modificado o regime, a lei que regula o regime é a do Código Civil de 1916, quando a união ocorreu sob sua vigência.

Heloísa Helena Barbosa21 comenta que, se as disposições específicas dos

regimes de bens fossem atingidas pela nova lei, isso causaria “perplexidade em

razão das peculiaridades de cada regime”, e afirma:

legal de comunhão universal de bens continuarão a ter sua vida patrimonial por ele regida, não obstante o regime legal do novo Código seja o da comunhão parcial” (CHINELATO, Silmara Juny. Do direito de família, cit., p. 272). Ronaldo Álvaro Lopes Martins afirma: “O que se pode entender sobre a razão da existência do art. 2.039 é o fato de o atual Código Civil não ter agasalhado em seu texto o regime dotal e, além disso, ter criado o regime da participação final nos aqüestos” (A imutabilidade do regime de bens do casamento. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 6, n. 24, p. 280, 2003). Antonio Jeová Santos crê que a norma autorizadora da alteração do regime de bens “é de natureza vistosamente processual e, como tal, sua aplicação é imediata. Abarca todos os casamentos aqueles celebrados antes da vigência do Código Civil de 2002, inclusive” (SANTOS, Antonio Jeová. Direito intertemporal e o novo Código Civil. Aplicações da Lei 10.406/2002. São Paulo: RT, 2003, p. 117).

19 OLIVEIRA, Euclides de. Alteração do regime de bens no casamento. In: DELGADO, Mário Luiz;

ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas. São Paulo: Método, 2006. v. 1, p. 395.

20 PEREIRA, Sérgio Gischkow. O direito de família e o novo Código Civil: alguns aspectos polêmicos ou inovadores. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, n. 18, jun./jul. 2003, p. 152.

21 BARBOSA, Heloísa Helena. Alteração do regime de bens e o art. 2.039 do Código Civil, cit., p. 333.

Page 27: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

27

Razoável, por conseguinte, o entendimento no sentido de que essas regras gerais, incidentes sobre todos os regimes de bens, sejam atingidas pela lei nova, mantendo-se a orientação da lei anterior quanto à disciplina específica de cada regime, como determina o art. 2.039 (...).

Conclui a autora que esse posicionamento adotado poderá acarretar algumas

conseqüências, como:

a) manter o regime de bens dos casamentos anteriores à nova lei (...), salvo no que respeita às disposições gerais, que passam a ser do Código Civil de 2002; b) preservar os atos praticados por pessoas casadas na vigência da lei anterior, ainda que venham a modificar o regime de bens; c) permitir a aplicação das disposições gerais relativas a regime de bens (do Código Civil de 2002) a todos os casamentos, insista-se, mesmo aos celebrados antes da vigência da nova lei civil.

Cumpre enunciar que, atualmente, o entendimento suprademonstrado traduz-

se na maioria das decisões dos tribunais brasileiros, os quais caminham no sentido

de permitir a modificação do regime de bens para casamentos anteriores à entrada

em vigor do atual Código Civil. É o que se afigura em acórdão proferido pelo Tribunal

de Justiça do Estado de São Paulo:

Alteração de Regime – Retroação – Artigo 2.039 do CC de 2002, Inaplicável – Dá-se provimento ao recurso para acolher o pedido e autorizar a mudança do regime de casamento de comunhão parcial para separação total, expedindo-se mandado e as comunicações de praxe. A mutabilidade do regime de casamento é uma vitória do livre convencimento, que deve vigorar em todas as áreas em que o ser humano se movimenta, notadamente o casamento. É de se admitir que, sendo necessário ou justificadamente conveniente, se permita a mudança do regime de bens, evitando que a imutabilidade que antes oprimia os casais continue asfixiando as chances de viver novas perspectivas e outros desafios que a vida imprime. O que o artigo 2.039 do Código Civil pretendeu, ao instituir que a lei anterior vigora para os casamentos realizados na sua égide, é o de que somente as regras específicas acerca de cada regime é que se aplicam em conformidade com a lei vigente à época da celebração do casamento, mas, quanto às disposições gerais comuns a todos os regimes, aplica-se o novo Código Civil. 22

22 Apelação Cível n. 311.958-4/9-00, 4ª Câmara Cível, data da publicação do acórdão: 17/12/2004,

relator Desembargador Ênio Zuliani, j. 01/09/2006. Ver também STJ, Recurso Especial n. 0036263-0, 4ª Turma, relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 23/08/2005; STJ, Recurso Especial n. 821.807, 3ª Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 19/10/2006.

Page 28: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

28

Tal posicionamento já se firmou no Enunciado n. 260 do Conselho da Justiça

Federal, o qual possui a seguinte redação: “A alteração do regime de bens prevista

no parágrafo 2º do art. 1.639 do Código Civil também é permitida nos casamentos

realizados na vigência da legislação anterior.”

Resulta evidente, senão prolixo, afirmar que realmente o artigo 2.039 do

Código Civil tende a assegurar e manter, para os cônjuges que se casaram sob a

vigência da revogada legislação civil, o regime de bens com todas as características

que lhe eram intrínsecas e que foram posteriormente revogadas pelo vigente Código

Civil. Ademais, embora o regime dotal tenha sido de rara eleição, há que se

preservar aqueles que possuem a sua vida patrimonial regida pelo indigitado regime.

Resguardados, portanto, serão os atos praticados pelos cônjuges e já

aperfeiçoados sob o império da lei anterior – ato jurídico perfeito –, bem como o

direito adquirido, ou seja, é impositivo que a proteção também recaia sobre o direito

subjetivo ainda não exercido durante a vigência da revogada lei, mas que se

incorporou ao patrimônio moral ou material dos cônjuges porquanto se trata de

situação jurídica em que há predomínio da vontade individual.23

Destarte, considerando a hipótese de haver, durante a égide do atual Código

Civil, a dissolução de um casamento realizado anteriormente à sua vigência e cujo

regime eleito tenha sido o da comunhão parcial de bens, tais consortes terão o

direito aos frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge (CC/16, artigo 271,

inciso VI). Ou seja, embora durante a existência do antigo Código Civil os cônjuges

não tivessem exercido o direito a eles conferidos, esse direito, por dizer respeito ao

domínio de suas escolhas e de seus interesses particulares, poderá ser concretizado

a qualquer momento, não obstante o império de uma nova lei.

É essa a direção que deve ser percorrida. Basta atentar para as sensíveis

modificações que sofreram as regras específicas de cada espécie de regime de

bens, a saber: no regime da comunhão universal de bens, foram revogados o artigo

23 Consoante apregoa o artigo 6º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, “consideram-se

adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. Rubens Limongi França, sobre o conceito de direito adquirido, assinala: “É a conseqüência de uma lei, por via direta ou intermédio de fato idôneo; conseqüência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência de lei nova sobre o mesmo objeto” (FRANÇA, Rubens Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido, cit., p. 216).

Page 29: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

29

263, incisos IV, V, VI, X e XII; no regime da comunhão parcial de bens, não mais

vige disposição referente ao inciso III do artigo 269, bem como atualmente serão

excluídos da comunhão os frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge ou

de ambos, por causa da revogação do inciso VI do artigo 271 do antigo Código Civil.

No que concerne ao regime da separação de bens, conforme preceituava o artigo

276, os cônjuges eram dispensados de vênia conjugal apenas se houvesse negócio

jurídico que versasse a respeito de bens móveis. Atualmente, o artigo 1.647

dispensa a outorga conjugal independentemente de o bem em questão tratar-se de

móvel ou imóvel.

Cumpre advertir que, malgrado o magistério da corrente doutrinária

majoritária até o momento analisada, não são todas as regras constantes nas

Disposições Gerais do atual Código Civil que deverão ser aplicadas aos casamentos

anteriores à sua vigência.

O artigo 1.647 traz rol de atos que não poderão ser praticados pelos cônjuges

sem a devida autorização conjugal, contudo, o caput do indigitado artigo traz como

exceção a hipótese de os cônjuges serem casados sob o regime da separação de

bens. Portanto, a proibição de os cônjuges alienarem ou gravarem de ônus real seus

bens imóveis sem autorização conjugal trazida pelo inciso I daquele artigo esbarra

na ressalva que ocorrerá caso os cônjuges, frisa-se, forem casados sob o regime da

separação de bens.24

Por sua vez, advém da exegese do artigo 276 do Código Civil de 191625 que

não poderá haver alienação de imóveis sem a devida outorga conjugal. O artigo 235,

inciso I26 daquele mesmo Código, corrobora com tal interpretação, porquanto

interdita ao marido qualquer tipo de alienação de imóveis sem o devido

24 Consoante texto do artigo 1.647: “Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode,

sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação”.

25 “Art. 276. Quando os contraentes casarem estipulando separação de bens, permanecerão os de cada cônjuge sob administração exclusiva dele, que os poderá livremente alienar, se forem móveis (arts. 235, I, 242, II, e 310)”. (Grifo da autora).

26 “Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens: I – alienar, hipotecar ou gravar de ônus os bens imóveis alheios (...).” Importa observar que o mesmo ocorria com a mulher, já que nessa mesma hipótese não poderia praticar tais atos sem autorização de seu marido. É o que dispunha o artigo 242, inciso I, da vetusta legislação civil: “A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251): I – praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher (art. 235)”.

Page 30: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

30

consentimento de sua mulher, fato que independe do regime de bens eleito pelos

cônjuges.

Logo, se a proibição de os cônjuges alienarem imóveis consta no artigo 276,

referente às regras específicas sobre o regime da separação de bens, e como estas

devem continuar em vigor por terem o caráter de ultratividade e por prestigiarem o

direito adquirido, deverão continuar tendo eficácia para além do tempo de sua

vigência. Em outras palavras, mesmo após o advento do atual Código Civil, haverá

necessidade de outorga conjugal para alienação de bens imóveis na hipótese de os

cônjuges terem contraído matrimônio sob o império da antiga legislação civil e sob o

regime da separação de bens.27

Ressalvada essa hipótese, as Disposições Gerais terão aplicação imediata,

entretanto, as regras específicas a respeito das espécies de regimes de bens

deverão continuar a produzir seus efeitos, exceto se o conteúdo de tais regras

contrariar o princípio constitucional da igualdade entre homem e mulher disposto no

artigo 226, § 5º da Constituição Federal. Por essa razão, são considerados

revogados os artigos 266, parágrafo único, 274 e 277, todos do Código Civil de

1916, em que pese estarem inseridos nas regras específicas sobre regimes de bens.

27 Entretanto, esse não é o posicionamento preponderante dos tribunais brasileiros cujas decisões

direcionam-se no sentido da dispensa da vênia conjugal, fundamentando-as na obrigatoriedade da aplicação das Disposições Gerais aos casamentos celebrados antes da vigência do atual Código Civil. Este é o teor da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Registro de imóveis – Escritura pública de compra e venda – Alienante casado no regime da separação de bens – Desnecessidade de autorização da esposa para venda – Artigo 1.647, I do novo Código Civil, dispensando a outorga uxória – Alegação do Ministério Público de invalidade – Exigência de autorização, seja qual for o regime de bens, conforme os arts. 235 do antigo Código Civil e 2.039 do novo Estatuto Civil – Desacolhimento – Necessidade de proteção à instituição familiar que não se refere, nem é regulado pelo regime de bens – Negócio jurídico realizado na vigência do novo estatuto legal – Validade do registro – Recurso improvido”. Apelação Cível n. 000.356.6/6-00, Conselho Superior da Magistratura, data da publicação: 07/07/2005, relator Desembargador José Mário Antonio Cardinale, comarca de São José do Rio Preto/SP. Nesse mesmo sentido, Apelação Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais n. 1.0024.02.828636-7/001, data da publicação: 23/04/2004, relator Desembargador Alvim Soares, comarca de Belo Horizonte/MG, e Apelação Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo n. 323-6/6, data da publicação: 14/04/2005, relator Desembargador José Mario Antonio Cardinale. Silmara Juny Chinelato alia-se à interpretação dos tribunais supra-referidos e justifica-se: “Exemplifique-se, ainda, com a mudança do regime da separação de bens que, no novo Código, admite a livre alienação de bens da propriedade de cada cônjuge (art. 1.687) diferentemente do art. 276 do Código de 1916, que exigia autorização do outro. Se a alienação ocorre na vigência do Código de 2002, embora o casamento tenha sido celebrado sob o Código revogado, incide a lei atual, dispensando o cônjuge da outorga marital ou uxória conforme o caso” (Do direito de família, cit., p. 273). Débora Brandão, por sua vez, afiança ser indispensável a outorga conjugal no caso em tela: “(...) aos casados sob a vigência do Código de 1916 aplicam-se as Disposições Gerais do Código de 2002, exceto o inciso I do artigo 1.647, para os casados pelo regime da separação convencional, porque a existência da vênia conjugal faz parte da disciplina do seu regime-tipo do Código de 1916 (...)” (Regime de bens no novo Código Civil, cit., p. 263).

Page 31: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

31

Por conseguinte, se o novel diploma civil ordena que haverá um sistema de

co-gestão conjugal no casamento, é evidente que essa possibilidade também se

estende aos que se casaram antes da vigência do atual Código Civil. Ainda, se uma

nova lei retira o prazo mínimo para concessão de separação judicial, beneficiará

aqueles que se casaram antes de sua vigência. Lembre-se que as normas de

caráter cogente devem ser imediatamente aplicadas, pois traduzem a legitimação da

evolução histórica social por meio das leis editadas pelo Estado.

Em que pese a eficácia da norma anterior no que diz respeito às regras

específicas sobre regime de bens, importa mencionar que, uma vez alterado o

regime de bens eleito pelos consortes durante a égide do Código revogado, o novo

regime não necessariamente deve obedecer às peculiaridades de seus antigos

preceitos.

Poderá ocorrer que a razão ensejadora da modificação do regime seja

mormente o novo conteúdo de determinado tipo de regime. Então, se durante o

império do antigo Código Civil os cônjuges se casaram sob o regime da separação

de bens, poderão modificá-lo por esse mesmo regime, mas com a roupagem que lhe

foi conferida pela legislação civil em vigor, a qual, como visto, consiste em eliminar a

outorga conjugal, antes necessária para a alienação imobiliária.

O exacerbado apego à interpretação restritiva engendraria o divórcio entre os

cônjuges cujo intuito seria a adequação da vida patrimonial à sua vida pessoal e

familiar, de acordo com o atual diploma civil.

Finalmente, conclui-se de modo seguro que o intuito do legislador foi autorizar

a mutabilidade do regime de bens na constância do casamento, independentemente

da sua data de celebração, e que a regra contida no artigo 2.039 é norma de caráter

pós-ativo, já que prima pela continuidade da aplicação das regras peculiares

referentes ao regime de bens eleito pelos cônjuges, com a ressalva, frisa-se, do

artigo 1.647, inciso I, do atual Código Civil.

4. CONCLUSÃO

Diante do estudo proposto, conclui-se que a aplicabilidade da norma em

apreço possibilita a homogeneidade do sistema jurídico, oferecendo tratamento igual

àqueles em igual situação, criando uma codificação civil que se destaca por

Page 32: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

32

hierarquizar os valores afetivos e sociais, em detrimento do exacerbado positivismo

gerador de estagnação do processo evolutivo da sociedade.

O fim social da aplicação da norma de direito transitório aos casamentos

celebrados pela égide do antigo Código fundamenta-se na proteção da família no

âmbito da adequação das estruturas a um novo regramento patrimonial que seja

consentâneo com sua aspiração e necessidade, assim como é permitido afirmar que

é interesse do próprio Estado e da sociedade manter o equilíbrio da entidade

familiar, subtraindo os valores patrimoniais em nome da tão almejada concretização

da despatrimonialização e personalização do direito de família.

Page 33: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

33

REFERÊNCIAS

AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A evolução do direito civil brasileiro. Revista de Direito Civil, Agrário e Empresarial. São Paulo: RT, v. 24, abr./jun. 1983.

______. Autonomia privada. Revista do Centro de Estudos Judiciários. Brasília: CEJ,

n. 9, dez. 1999.

______. Direito civil. Introdução. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2002.

BARBOSA, Heloísa Helena. Alteração do regime de bens e o art. 2.039 do Código

Civil. Anais... IV CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Belo

Horizonte: Del Rey, 2004.

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Forense,

1980

BEVILÁQUA, Clóvis. Projeto de Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa

Nacional, 1912.

______. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938.

_______. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Paulo de

Azevedo, 1954, v. II.

______ Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro:

Livraria Francisco Alves, 1959. v. 2.

______. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 5. ed. Rio de

Janeiro: Editora Rio, 1980.

BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Regime de bens no novo Código Civil. São

Paulo: Saraiva, 2007 (Coleção professor Agostinho Alvim).

CANUTO, Érika Verícia de Oliveira. Mutabilidade do regime patrimonial de bens no

casamento e na união estável. Conflito de normas. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, n. 22, fev./mar. 2004.

Page 34: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

34

CHINELATO, Silmara Juny. Do direito de família. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira

de (Coord.). Comentários ao Código Civil. Parte especial. São Paulo: Saraiva, 2004.

v. 18.

DELGADO, Mário Luiz. Problemas de direito intertemporal no Código Civil. Doutrina

e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 12.

ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

FARRULA JÚNIOR, Leônidas Fillipone. Do regime de bens entre os cônjuges. In:

LEITE, Heloisa Maria Daltro (Coord.). O novo Código Civil. Do direito de família. Rio

de Janeiro: Freitas Bastos, 2003.

FRANÇA, Rubens Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 6. ed.

São Paulo: Saraiva, 2000.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Casamento e regime de bens. In:

ARRUDA ALVIM; CERQUEIRA CÉSAR, Joaquim Portes de; ROSAS, Roberto

(Coord.). Aspectos controvertidos do novo Código Civil: escritos em homenagem ao

Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: RT, 2003.

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentário teórico e prático da Lei de Introdução ao Código Civil. Rio de Janeiro: Jacintho, 1943. v. 1.

MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges. In: DIAS, Maria Berenice;

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo Código Civil. Belo

Horizonte: Del Rey, 2002.

______. O direito adquirido e o regime de bens. Revista Jurídica, Sapucaia do Sul:

Notadez, n. 348, out. 2006.

MARTINS, Ronaldo Álvaro Lopes. A imutabilidade do regime de bens do casamento.

Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 6, n. 24, 2003.

MAXIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis. 2.

ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955.

Page 35: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

35

NORONHA, Fernando. Retroatividade, eficácia imediata e pós-atividade das leis:

sua caracterização correta, como indispensável para solução dos problemas de

direito intertemporal. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São

Paulo: RT, v. 23, 1988.

OLIVEIRA, Euclides de. Alteração do regime de bens no casamento. In: DELGADO,

Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Novo Código Civil: questões

controvertidas. São Paulo: Método, 2006. v. 1.

PEREIRA, Sérgio Gischkow. O direito de família e o novo Código Civil: alguns

aspectos polêmicos ou inovadores. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto

Alegre: Síntese, n. 18, jun./jul. 2003.

______. A alteração do regime de bens: possibilidade de retroagir. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, n. 24, abr./maio 2004.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito de família. Direito

matrimonial 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1947. v. 2.

RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: RT, 1999.

SANTOS, Antonio Jeová. Direito intertemporal e o novo Código Civil. Aplicações da

Lei 10.406/2002. São Paulo: RT, 2003.

Page 36: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

36

ARTIGO

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

*Shirlei Paci de Rossi MOURA *Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Coordenadora e Professora do Curso de Direito do Centro Universitário do Norte Paulista - UNORP

Resumo: propõe-se, neste trabalho, a estudar a dignidade da pessoa humana como base para proteção da vida, analisando o conceito de pessoa humana, o conceito de dignidade da pessoa humana e, por fim, a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional, pois ao destacar a dignidade da pessoa humana como um dos valores fundamentais, um dos pilares do Estado, e a partir daí, tendo dignidade como pano de fundo, a direcionar todo o sistema, surge a necessidade de garantir a proteção contra toda e qualquer atividade que lese ou desconsidere o status de pessoa em toda sua transcendência. Palavras-chave: dignidade da pessoa humana; princípio constitucional; valor Abstract: Is propose this work to study the human dignity as the basis for protection of life, analyzing the concept of man, the concept of human dignity and, finally, human dignity as a constitutional principle, because to highlight the human dignity as a fundamental value, one of the pillars of the state, and from there, with dignity as a backdrop, to direct the whole system, there is a need to ensure protection against any activity that causes harm or disregard the status of every person in his transcendence. Keywords:humana dignity; constitutional principle; value

1. A PESSOA HUMANA

O processo de desenvolvimento da noção de pessoa teve início a partir do

Cristianismo12, não que os filósofos gregos deixaram de valorizar o homem diante da

natureza - tanto os sofistas, quanto Sócrates, Platão e Aristóteles - contudo, neles

1 Estas reflexões foram sistematizadas em dissertação de mestrado, intitulada Clonagem Terapêutica: uma nova visão para os transplantes de tecidos e órgãos, defendida pela autora deste artigo, no Programa de Pós-Graduação (nível Mestrado) em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof. Dra. Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, em 2004. 2 A mensagem trazida pelo Cristianismo foi nos dizeres de Alexandre de Morais na sua obra Direito Humanos fundamentais, p. 25 de “igualdade de todos os homens, independentemente de origem, raça, sexo ou credo, influenciou diretamente a consagração dos direitos fundamentais, enquanto necessários à dignidade da pessoa humana.”

Page 37: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

37

não existia ainda a noção de universalidade da pessoa humana. Aristóteles, por

exemplo, indagou que as mulheres e os escravos são seres intermediários entre os

homens e os animais.3

O Cristianismo traduz a idéia de que todos os homens são iguais e merecem

ser chamados e tratados como pessoas.

Contudo, foi o filósofo cristão Severino Boécio (480-524) que empregou, pela

primeira vez, o termo pessoa fora dos sentidos restritos que lhe eram dados tanto no

teatro quanto no direito de seu tempo. Inspirando-se no teatro, onde os atores

usavam máscara e representavam figuras importantes da vida política e social.

Assim, o ser humano é pessoa por causa de sua importância e de sua autonomia.4

Severino Boécio elaborou uma das mais famosas definições de pessoa, ou

seja, “pessoa é toda substância individual de natureza racional”, assim todos os

seres humanos são racionais e todos os seres racionais são pessoas.5 Porém, o que se torna difícil é determinar o momento em que o embrião e o

feto passam a ser tidos como pessoas. Diante disso, cabe ao direito determinar,

através das suas normas qual seria esse momento.

Encontramos em nossas pesquisas várias teorias que buscam determinar

qual seria esse momento, vejamos algumas: para o pensamento metafísico

medieval, o embrião é pessoa plena desde a concepção; em oposição temos várias

teorias utilitaristas, que afirmam que só existe pessoa quando o ser humano for

capaz de se expressar suas vontades. Todavia há uma teoria que sustenta que

existe pessoa quando o ser humano for biologicamente viável, ou seja, quando

puder sobreviver fora do corpo da mulher.6

Comungamos da primeira teoria, ou seja, já existe pessoa desde a concepção

e deve inquestionavelmente ter seus direitos garantidos, principalmente ter

respeitada sua dignidade humana, o direito à vida, pois a manipulação da vida em

laboratório já decifrou o ser humano biologicamente, mas nunca terá condições

tecnológicas e científicas para desvendar uma pessoa enquanto valor, porque esses

3 SAUWEN, Regina Fiuza; HRYNIEWICZ, Severo. O direito “in vitro”: da bioética ao biodireito. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 59. 4 Ib., op. cit., p. 60. 5 Ib., Ibid., p. 60 6 PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais da bioética. São Paulo: Loyola, 2000, p. 69.

Page 38: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

38

dados não estão inseridos em genes, mas sim no desenvolvimento evolutivo do ser

humano, baseado na ética, filosofia etc.

Assim, a expressão pessoa humana, entendida, pois em sua acepção

ontológica, é o ente dotado de vida humana. A vida é o pressuposto da pessoa. A

pessoa é a essência do Estado, e, ao mesmo tempo, seu fim permanente. Ao

Estado cabe garantir a existência da pessoa (vida), o desenvolvimento de suas

potencialidades e a realização de seus valores (dignidade).7

Recasens Siches8 disserta que “o homem é um organismo animal e, por

tanto, um indivíduo;; mas é mais que isto, é uma pessoa” 9 e que além da sua

característica biológica o homem tem “unidade, identidade e continuidade

substanciais” 10.

José Cabral Pereira Fagundes Júnior entende o conceito de pessoa humana

como valor essencial:

A pessoa humana é hoje considerada como o mais notável, senão raiz, de todos os valores, devendo, por isso mesmo e dentro de uma visão antropocêntrica, ser o destinatário final da norma, base mesma do direito, revelando, assim, critérios essencial para conferir legitimidade a toda ordem jurídica. Não havia, na Antigüidade, o conceito de pessoa como o entendemos atualmente, sendo certo que o seu conhecimento surgiu apenas na era moderna. O homem para a filosofia grega era um animal político ou social, como em Aristóteles, cujo ser era a cidadania, fato de pertencer ao Estado. O conceito de pessoa como valor essencial que a legitimaria a ser possuidora de direitos subjetivos fundamentais e de dignidade, somente surgiu com o advento do Cristianismo11.

Para Fábio Konder Comparato a “idéia de que o indivíduo e grupos humanos

podem ser reduzidos a um conceito ou categoria geral, que a todos engloba, é de

elaboração recente na História”12, e continua, “essa convicção de que todos os seres

7 Maria Helena Diniz leciona que "a vida humana é um bem anterior ao direito, que a ordem jurídica deve respeitar. A vida não é uma concessão jurídico-estatal, nem tampouco um direito a uma pessoa sobre si mesma. Na verdade, o direito à vida é o direito ao respeito à vida do próprio titular e de todos...”. Curso de Direito Civil Brasileiro. 18. ed., v. 1. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406, 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002, p. 120. 8 Vida Humana, Sociedad Y Derecho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 254. 9 “El hombre es un organismo animal y, por tanto, un individuo; pero es algo más que esto: es una persona.” 10 “unidad, identidad, y continuidad substanciales.” 11 FAGUNDES JUNIOR, José Cabral Pereira. Limites da ciência e o respeito à dignidade humana. In: LEITE, Maria Celeste Cordeiro (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 271. 12 Afirmação dos Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11.

Page 39: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

39

humanos tem direito a ser igualmente respeitados pelo simples fato de sua

humanidade, nasce vinculada a uma instituição social de capital importância: a lei

escrita, como regra geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que

vivem numa sociedade organizada”13.

2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONCEITO

Temos notícia de que “a origem dos direitos individuais pode ser apontada no

antigo Egito e Mesopotâmia” 14, sendo que o “Código de Hammurabi (1690 a C)

talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os

homens, tais como a vida,... a dignidade...” 15.

Os antecedentes históricos da dignidade humana são brevemente relatados

por Ingo Wolfgang Sarlet:

No pensamento filosófico e político da antigüidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma qualificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas. Por outro lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo (o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem como à idéia de que todos os seres humanos, no que diz com a sua natureza, são iguais em dignidade.16

A idéia de dignidade humana na Antigüidade era imprecisa, vaga, na medida

em que, era determinada pela posição social, ou seja, quanto melhor a posição

social, mais respeito à dignidade. Este pensamento sofreu modificações com o

advento do cristianismo, que trouxe a idéia de igualdade entre os homens.

A Magna Carta (1215), a Petition of Right (1628), o Bill of Rights (1689), entre

outros, formam os mais importantes antecedentes históricos das declarações de

13 COMPARATO. Op. cit., p.12. 14 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p.24. 15 Id. ibid., p.24 16 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 30-31.

Page 40: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

40

direitos humanos fundamentais.

Posteriormente surgiram as Revoluções que deram ensejo aos documentos:

Declaração de Direitos da Virgínia (16-6-1776), Declaração de Independência dos

Estados Unidos da América (4-7-1776), Constituição dos Estados Unidos da

América (17-9-1787).

Jacques Maritain assevera que “cada um de nós é portador de um grande

mistério que é a personalidade humana. Sabemos que um traço essencial de uma

civilização digna dêsse nome é a noção e o respeito da dignidade humana” 17, e por

isso “a pessoa humana tem direitos, por isto mesmo que é uma pessoa, um todo

senhor de si próprio e de seus atos, e que por conseqüência não é sòmente um

meio, mas um fim, um fim que deve ser tratado como tal. A dignidade da pessoa

humana – seria uma expressão vã se não significasse que, segundo a lei natural18, a

pessoa humana tem direito de ser respeitada e é sujeito de direito, possui direitos” 19.

O ser humano tem que ser respeitado como tal, pelo fato de ser inerentes a

ele todos os atributos essenciais da pessoa humana, sendo um em especial, ou

seja, a dignidade humana20.

Para Fábio Konder Comparato, tal dignidade: “não consiste apenas no fato de

ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si

e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta

17 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 16. 18 Na concepção de Jacques Maritain direito natural diz respeito aos direitos e deveres que decorrem do primeiro princípio: fazer o bem e evitar o mal, de maneira necessária e pelo simples fato de que o homem é homem, fora de qualquer outra consideração. É por isso que os preceitos da lei não escrita são por si mesmos ou na natureza das coisas (não digo do conhecimento que o homem tem dêles) universais e invariáveis. Op. cit., p. 65. 19 MARITAIN. Ibid., p. 62 20 Vale ressaltar as palavras de Chaïm Perelman: “Com efeito, se é o respeito pela dignidade humana a condição para uma concepção jurídica dos direitos humanos, se se trata de garantir esse respeito de modo que se ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre admitir, como corolário, a existência de um sistema de direito com um poder de coação. Nesse sistema, o respeito pelos direitos humanos imporá, a um só tempo, a cada ser humano – tanto no que concerne a si próprio quanto no que concerne aos outros homens – e ao poder incumbido de proteger tais direitos a obrigação de respeitar a dignidade da pessoa. Com efeito, corre-se o risco, se não se impuser esse respeito ao próprio poder, de este, a pretexto de proteger os direitos humanos, tornar-se tirânico e arbitrário. Para evitar esse arbítrio, é, portanto, indispensável limitar os poderes de toda autoridade incumbida de proteger o respeito pela dignidade das pessoas, o que supõe um Estado de direito e a independência do poder judiciário. Um doutrina dos direitos humanos, que ultrapasse o estádio moral ou religiosos é, pois, correlativa de um Estado de direito.” Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 400.

Page 41: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

41

também do fato de que, por sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de

autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita” 21.

Para Maria Celeste Leite Cordeiro Santos o conceito do termo dignidade

significa a “bondade superior correspondente ao absoluto, ao que é um fim em si

mesmo, com independência total de qualquer uso, utilidade ou gratificação” 22, e

continua ensinando:

A dignidade humana consiste no valor absoluto da pessoa, Santo Tomás de Aquino ensina-nos que ‘é a bondade por si mesma, utilidade, bondade para outra coisa. É a superioridade ou elevação da bondade, a interioridade ou profundidade de semelhante realeza. É a suprema valia interior do sujeito que a ostenta. É aquela excelência correlativa a um grau de interioridade que permite ao sujeito manifestar-se como autônomo, que se apóia ou sustenta-se em si mesmo. É sinônimo de ‘majestade’ ou de ‘realeza’23. (grifo no texto)

A dignidade é (dever ser) o atributo fundamental e essencial da existência

humana, pois se o direito é uma criação do próprio homem seu valor deriva do

próprio homem, dessa maneira o fundamento da dignidade não poderia ser outro,

senão o próprio ser humano.24

3. A DIGNIDADE DA PESSSOA HUMANA: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 1º, a base principiológica

sobre a qual se assenta a República Federativa do Brasil. Dentre esses princípios

destacamos a dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, art. 1°, III), que

estabelece um patamar mínimo da existência humana.

Para Celso Ribeiro Bastos a inclusão deste no rol dos princípios fundamentais

da República Federativa do Brasil foi “um acerto do constituinte, pois coloca a

21 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 21. 22 Limites éticos e jurídicos do projeto genoma humano, p. 307. 23 Ibid., p. 310. 24 COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos Direitos Humanos. In: MARCÍLIO, Maria Luiza; PUSSOLI, Lafaiete (Coords.). Cultura dos Direitos Humanos. Coleção Instituto Jacques Maritain. São Paulo: LTr

Page 42: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

42

pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para

alcançar certos objetivos”25.

O significado constitucional de dignidade está nas palavras de Uadi Lammêgo

Bulos “o valor constitucional supremo que agrega em torno de si a unanimidade dos

demais direitos e garantias fundamentais do homem, expressos nesta Constituição.

Daí envolver o direito à vida” 26.

Conseqüentemente, o Estado deverá adotar toda a instrumentação idônea e

necessária para atingir esse patamar mínimo no existir humano para proporcionar

uma melhor qualidade de vida ao ser humano.

Ao destacar a dignidade da pessoa humana como um dos valores

fundamentais, um dos pilares do Estado, e a partir daí, tendo dignidade como pano

de fundo, a direcionar todo o sistema, surge a necessidade de garantir a proteção

contra toda e qualquer atividade que lese ou desconsidere o status de pessoa em

toda sua transcendência.

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana impõe uma tutela

adequada contra todas as atividades que tomarem o homem como meio, como

objeto, como mercadoria, atividades que desrespeitarem o homem em sua

integridade, menosprezarem a expressão de seus valores, que lhes desprezarem a

honra de ser um ente humano vivente.

Fernando Ferreira dos Santos, em sua obra27 cita Kant, para o qual “o

homem, (...), é um fim em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo,

por conseguinte, ser usado como instrumento para algo, e, justamente por isto, tem dignidade, é pessoa.” (grifo no próprio texto)

E continua:

Consequentemente, cada homem é um fim em si mesmo. E se o texto constitucional diz que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, importa concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não em função do Estado. Não só o Estado, mas consectário lógico, o próprio Direito. ‘A dignidade é o fim. A juridicidade da norma positiva consiste em se poder reconhecer que, tendencialmente, ela se põe para esse fim. E se não se põe não é legítima. A razão jurídica se resolve em uma determinada condição humana em que cada indivíduo é, para a humanidade, o que uma hora é para o tempo: parte universal e concreta do todo possível’. Aliás, de maneira pioneira, o legislador

25 Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 166. 26 Constituição Federal Anotada. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 49. 27 Princípio Constitucional da Dignidade Humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 27.

Page 43: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

43

constituinte, para reforçar a idéia anterior, colocou, topograficamente, o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado.28

O que deve ser fervorosamente defendido, tanto pelas normas como pela

ética é impedir que a pessoa seja transformada em objeto, em coisa, em mercadoria,

em meio. Assim, quando o homem for transformado em objeto para se chegar a um

fim, sem dúvida, ocorrerá ofensa ao princípio da dignidade humana, o que vale

dizer, aniquila a pessoa enquanto ente humano digno de viver.29

Com o avanço da engenharia genética, a passos largos, vislumbramos a

transformação das pessoas em coisas onde é possível a manipulação do homem no

que ele tem de mais íntimo: sua identidade pessoal, por isso hoje podemos dizer

que o homem chegou a ponto de ser manipulado por ele mesmo.

Para Adriana Diaféria dignidade da pessoa humana se caracteriza como

sendo:

Um bem supremo, que garante não só a existência de nosso Estado, mas da história da evolução humana, por estar atrelada à toda construção ideológica, psicológica, religiosa e cultural que lhe dão suporte. Nos momentos em que foi demasiadamente desrespeitada, constatamos a ocorrência das grandes hecatombes, que nos compeliram, cada vez mais, a torná-la concreta, objetiva e factível no meio jurídico.30

Com o escopo de proteger a dignidade humana, a Constituição elencou no

seu artigo 6°, os direitos sociais, onde o Estado tem o dever de protegê-lo, pois

caracteriza-se como o piso vital mínimo, sendo que todas as normas constitucionais

devem estar direcionadas para a pessoa humana. 31

O ser humano é voraz por conhecimento, por isso será um incansável

pesquisador em busca de resposta para suas maiores dúvidas, e nesse contexto 28 Op. cit., p. 92. 29 José Cabral Pereira Fagundes Júnior infere que “sob justificativa de propiciar uma vida melhor, não podem os avanços da ciência ir além dos limites impostos pelo Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, que vem permeado, dentre outros, pelos Direitos e Garantias Fundamentais”. FAGUNDES JUNIOR, José Cabral Pereira. Limites da ciência e o respeito à dignidade humana. In: LEITE, Maria Celeste Cordeiro (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 268. 30 Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: EDIPRO, 1999, p. 54 31 Segundo o entendimento de Celso Antônio Pacheco Fiorillo para que uma pessoa possa ter uma vida digna ela “reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais descritos no art. 6° da Constituição Federal”, quais sejam entre outros a saúde, de maneira que a este dispositivo constitucional estabelece um “piso vital mínimo de direitos que devem ser assegurados pelo Estado”, para que o ser humano possa ter uma sadia qualidade de vida. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 53.

Page 44: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

44

Adriana Diaféria conclui que o “ser humano, por ser dotado de raciocínio, estará

eternamente elaborando mecanismos para compreender com maior clareza a sua

existência, pois sem eles não se poderia falar em evolução. E, na medida em que o

homem evoluir, passará a compreender com maior valoração o significado da

dignidade da pessoa humana, a sua posição dentro do universo, do mundo, da

natureza, enfim, passará a conceber a vida com maior respeito e humildade”32.

Com base no que foi exposto, bem como nos art. 5º caput e art. 225, § 1º, II

da Constituição Federal vigente, concluímos que existe vida a partir do momento em

que é possível a duplicação do “ser”. Assim, entendemos ter sido adotada a

concepção biológica da vida, pelo fato de que a Constituição Federal reservou como

dever do Poder Público a preservação do patrimônio genético.33

32 DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: EDIPRO, 1999, p. 72. 33 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 163.

Page 45: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

45

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo:

Saraiva, 2001.

BERLINGUER, Giovanni; GARRAFA, Volnei. O mercado humano. 2. ed. Brasília:

Editora Universidade de Brasília, 2001.

BICUDO, Helio. Direitos Humanos e sua proteção. São Paulo: FDT, 1997.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 3. ed. São Paulo: Saraiva,

2001.

BUECHELE, Paulo Arminio Tavares. O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2001.

DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: EDIPRO,

1999.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 18. ed. atual. de acordo com o novo

código civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1.

________. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 6. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São

Paulo: Saraiva, 2000.

________; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1999.

Page 46: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

46

________; DIAFÉRIA, Adriana. Biodiversidade e patrimônio genético no Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1999.

GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MARCÍLIO, Maria Luiza; PUSSOLI, Lafaiete (Coord.). Cultura dos Direitos Humanos.

Coleção Instituto Jacques Maritain. São Paulo: LTr, s.d.

MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,

1967.

MORAIS, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas,

2000.

PENTEADO, Jaques de C. (org.). A Vida dos Direitos Humanos. Bioética Médica e

Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. Maria Ermantina Galvão G. Pereira (Trad.). São

Paulo: Martins Fontes, 1996.

PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais da bioética. São Paulo: Loyola, 2000.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5. ed.

São Paulo: Max Limonad, 2002.

________. Direitos humanos e o princípio da dignidade humana. Revista do

Advogado. Ano XXIII, julho de 2003.

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito. Ciência da Vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

________. O Equilíbrio do Pêndulo: a Bioética e a Lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998.

________. Imaculada concepção. Nascendo “in vitro” e morrendo “in machina”. São

Paulo: Acadêmica, 1993.

Page 47: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

47

SANTOS. Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da Dignidade Humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

________. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2001.

SAUWEN, Regina Fiuza; HRYNIEWICZ, Severo. O direito “in vitro”: da bioética ao

biodireito. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

SÉGUIN, Elida. Biodireito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

SICHES, Ricasens. Vida Humana, Sociedad y Derecho. 3. Ed.

Page 48: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

48

ARTIGO

DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - I

* André Luiz Nogueira da CUNHA

*Promotor de Justiça. Mestre em Direito Público pela Universidade de Franca – UNIFRAN Resumo: No século XX, os direitos da criança e do adolescente passaram a ser garantidos em leis específicas, as quais observam sua peculiar condição de seres em crescimento. Em análise da evolução histórica, é possível verificar a adoção da proteção integral, atualmente, na Convenção Sobre os Direitos da Criança e, no Brasil, no Estatuto da Criança e do Adolescente. O objetivo deste trabalho é mostrar a evolução dos direitos e os meios legais para efetivá-los. Palavras-chave: Direitos da criança e do adolescente; criança e adolescente; Estatuto da Criança e do Adolescente.

Abstract: In this century, the rights of children and adolescents have become assured by specific laws, which observe their peculiar condition of beings in development. In an analysis of the h i s t o r i c a l evolution, it is possible to check the adoption of the integral protection, by the end of this century, in the Children’s Right Convention and, in Brazil, in the Children’s and A d o l e s c e n t s ’ Statute. The aim of this work is to show the evolution of the rights and the legal means to achieve them. Keywords: children’s and adolescents’ right;; children and adolescents; Statute of the children and adolescents. 1. INTRODUÇÃO

A proposta é realizar um comentário sobre os direitos fundamentais da

criança e do adolescente, cotejando o diploma legal brasileiro pertinente, o Estatuto

da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, que comemorou, no último dia 13 de

julho, dez anos de existência, e a Convenção sobre os Direitos da Criança.

É importante considerar, desde logo, que a criança e o adolescente

constituem seres humanos em formação e crescimento, desprovidos de capacidade

de fato ou de ação, é dizer, aptidão para o exercício e a proteção dos seus direitos,

em virtude de sua condição hipossuficiente e em decorrência de sua imaturidade

física e psíquica, necessitando, pois, de tratamento especial, como forma de garantir

o equilíbrio entre eles e os adultos.

De qualquer modo, tratando-se de seres humanos, independentemente da

existência de diplomas legais específicos, as crianças e os adolescentes já estão

Page 49: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

49

protegidos pelos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos,

bastando mencionar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e

também encontram-se inseridos na proteção constitucional dos direitos e garantias

fundamentais.

Entretanto, a mera disposição genérica de direitos, sem especificação da

condição hipossuficiente da criança e do adolescente, não tem sido suficiente para

garantir os direitos mais básicos, criando distorções e abusos, que traumatizam

nossa infância e nossa adolescência, quando não a violentam, como constata o

Professor Sérgio Adorno em:

[...] Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisa da Violência em 1993 revelou que - desculpem, a pesquisa foi realizada em 1993, mas os dados que vou citar aqui se referem a uma pesquisa feita, pelo Estado de São Paulo, no ano de 1990 - a pesquisa identificou 994 crianças e adolescentes assassinadas naquele ano, o que equivale a uma média de 2,72 crianças por dia. Desse total, 52% morreram no Município da Capital, 28% na Grande São Paulo e 19% no interior do Estado. Comparativamente à população, constataram-se 7,73 assassinatos por 100.000 habitantes. As vítimas se concentraram na faixa etária de 15 a 17 anos (80% delas), a maior parte pertencia ao sexo masculino (85%); quanto às vítimas do sexo feminino (14%), a maior incidência ocorre na faixa de 0 a 9 anos, casos em geral ocorridos no interior da esfera familiar (1999, p. 16/7).

Assim, há necessidade de especificação dos direitos da criança e do

adolescente, repetindo direitos já garantidos a todos os seres humanos, criando

outros, especializados, pela condição hipossuficiente da criança e do adolescente.

2. BREVES NOTÍCIAS HISTÓRICAS

Os direitos da criança e do adolescente estão inseridos, por óbvio, nos

direitos, e na luta pelos direitos, do homem, ou melhor, da humanidade.

A luta pelos direitos humanos foi árdua, gradativa e progressiva, além de

continuar existindo, pois as violações a esses direitos, com a necessária proteção,

bem como as conquistas de novos direitos, são permanentes.

Mas, o escopo deste trabalho é observar a luta pelos direitos da criança e do

adolescente, não os direitos gerais da humanidade.

Page 50: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

50

2.1 No Brasil

2.1.1 Brasil Colonial

As crianças e os adolescentes não possuíam proteção específica, havendo

dispositivos nas Ordenações do Reino de Portugal que protegiam direitos inerentes

aos institutos do direito de família e do direito sucessório, como a herança, ou do

direito obrigacional, como os contratos efetuados por menor, que também obrigavam

o pai1.

A idade, à época, em que se considerava alguém maior e capaz era acima

dos 25 anos de idade, havendo dispositivos que consideravam idades mais

inferiores para a aquisição ou perda de direitos, como na hipótese da prescrição,

que corria contra o maior de 14 anos de idade2.

De qualquer modo, é interessante observar que as Ordenações Filipinas

protegiam bastante os órfãos, dispondo em vários títulos a respeito dos seus

direitos, chegando, mesmo, a criar o cargo especializado de Juízes dos Órfãos,

demonstrando preocupação com uma situação de possível abandono e infelicidade

dos menores de então, ou, quem sabe, uma preocupação demasiada com os bens

dos órfãos.3

Os órfãos poderiam ser crianças indesejadas pela família, sendo oriundos de

relações extraconjugais ou de pessoas não casadas, sendo criada, no Rio de

Janeiro, para acolher tais crianças, em 1783, a Casa dos Expostos, ou chamada

Roda, assim denominada, porque as crianças eram depositadas em uma roda de

madeira, que a introduzia na Casa, durante a noite, impossibilitando que fosse

descoberta a identidade dos pais.

No tocante à formação das crianças e dos adolescentes, aspecto também

interessante, uma vez que atualmente a educação é garantia do desenvolvimento e

progresso do ser humano em formação, é importante consignar que os primeiros

que se preocuparam, no Brasil, foram os jesuítas, pelo interesse que possuíam na

1 Ordenações Filipinas. Livro Quarto. Títulos 36, 81, 87, 92, 93 e 5º, § 3º 2 Ordenações Filipinas. Livro Terceiro. Título 42. Livro Quarto.Título 79, § 2º 3 Ordenações Filipinas. Livro Primeiro. Título 88.

Page 51: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

51

catequização dos índios, sendo mais facilmente aceita a fé cristã e católica pelas

crianças.

Além disso, eram também os jesuítas que se ocupavam da formação dos

filhos dos colonos, sendo realizada a aprendizagem no interior dos colégios

jesuíticos.

Com poucos contos de réis, eles adquiriam, na Europa, o necessário didático para dar suas aulas no novo mundo e o material para multiplicar escolas de primeiras regras e colégios secundários. Ainda em 1549 foi fundado, em Salvador, o Colégio dos Meninos de Jesus com três padres professores, dois coadjutores, alguns meninos órfãos de Lisboa, voltados para o atendimento dos meninos brancos filhos dos colonizadores e os curumins, de várias nações, pois como afirma Ribeiro, (1991, p. 20), a organização escolar no Brasil-Colônia, naquele momento, estava, como não poderia deixar de ser, estreitamente vinculada à política colonizadora dos portugueses (CRUANHES, 2000, p.35-6).

Quando o Marquês de Pombal determina a expulsão dos padres jesuítas das

terras da Coroa Portuguesa, o ensino no Brasil declina, já que eram estes os mais

preparados para ministrá-lo, conforme ensina Maria Cristina dos Santos Cruanhes

(2000, p. 37) que:

[...] com a expulsão dos jesuítas dos reinos portugueses, a educação no Brasil, debilitou-se ainda mais, pois, somente alguns poucos filhos de fazendeiros ou de mineiros abastados passaram a procurar a Metrópole para se ilustrarem. Para Werebe (1994:26), as ordens dos carmelitas, beneditinos e franciscanos que aqui permaneceram ministravam um ensino medíocre.

A partir de 1772 em diante, inicia-se o período das aulas Régias, praticadas

como parte da política de Pombal.

Nesse sentido, quem soubesse mais que os outros e quisesse lecionar, poderia procurar algum vereador da Câmara Municipal local, para que este solicitasse junto ao Rei a permissão para assumir as aulas pretendidas, em nível primário ou secundário. Obtida a licença de Lisboa, o professor deveria encontrar um local apropriado, como uma sacristia de igreja ou uma sala de sua própria casa, matricular os alunos e receber da Câmara um vencimento mensal saído de um imposto criado com esta finalidade, o chamado subsídio literário, cobrado dos açougues e destilarias de cachaça, instalados na Colônia e que segundo Ribeiro (1991:35), servia apenas para minorar a situação dos recursos destinados à educação (CRUANHES, 2000, p. 39).

Page 52: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

52

A política de Pombal serviu para aumentar o número de pessoas prontas a

ensinar, mesmo que de modo debilitado e desqualificado, por vezes. Entretanto,

intensificou-se na colônia o interesse pelo envio das crianças e dos adolescentes

para as aulas, criando uma cultura de necessidade da escola.

2.1.2 Independência e Império

Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, houve uma intensificação

da necessidade de escola, mormente na cidade do Rio de Janeiro.

De qualquer modo, com o reconhecimento da necessidade do estudo,

principalmente na classe mais abastada, agora formada não só por fazendeiros, mas

também por comerciantes, sendo perceptível a dificuldade no envio dos jovens

brasileiros para estudo na Europa, em guerra, com Portugal dominado pelos

franceses, não tendo o governo condições de arcar com a demanda estudantil.

[...] instaurou-se um impasse no sistema educacional: demanda crescente de alunos para cursos primários e secundários e falta de recursos humanos e financeiros para abrir e manter escolas públicas, surgiram escolas particulares patrocinadas por fazendeiros e comerciantes, e esses se tornariam os primeiros empresários do ensino, oferecendo escolas pagas no Rio de Janeiro e outras cidades maiores, contando, inclusive, com a presença de professores estrangeiros (CRUANHES, 2000, p. 40).

A falta de direitos e garantias às crianças e aos adolescentes do sexo

feminino, sendo reconhecida apenas a necessidade da aprendizagem de prendas

domésticas, cabendo ao pater familiae o controle do lar e do destino das filhas,

criadas para o lar e para a constituição da família, trazia a desigualdade, reflexo da

sociedade da época.

No final do período Imperial, tal situação começou a mudar, criando-se

escolas para o ensino das meninas, pois,

[...] nesse sentido Werebe (1994:34), afirma que: A educação feminina era completamente relegada a segundo plano. Nas famílias mais ricas, as jovens recebiam uma instrução limitada à alfabetização e ao cultivo de “certas prendas”. Algum progresso foi realizado na segunda metade do século XIX: em 1820 havia apenas 20 escolas femininas em todo país e, em

Page 53: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

53

1873, só na província de São Paulo contavam-se 170 (CRUANHES, 2000, p. 42).

A partir da proclamação da Independência, começou a ser formado o direito

pátrio, tendo, em 1823, por ocasião dos trabalhos da Constituinte, sido apresentado,

por José Bonifácio, projeto para proteção do menor escravo, revelando, talvez, maior

preocupação com a mão-de-obra, e não com a criança propriamente dita.

Entretanto, com a outorga da Carta Constitucional de 1824, tal projeto foi

desconsiderado, não se tendo realizado referência ao menor de idade, em termos de

responsabilidade penal ou em relação à criança desassistida (VERONESE, 1999, p.

11 e 42).

Durante o Império, duas frentes foram atacadas em relação ao menor de

idade: o menor escravo e o menor abandonado, criando-se mecanismos de proteção

dos seus direitos e interesses.

Em 12 de junho de 1862, foi aprovada Lei, de autoria de Silveira Mota,

proibindo que fossem separados filhos de pais e maridos de mulheres, escravos

(VERONESE, 1999, p. 11).

Em 28 de setembro de 1871, a chamada Lei do Ventre Livre, também

conhecida por Lei Rio Branco, de nº 2.040, foi promulgada pela Princesa Isabel,

Regente do Império, que concedia liberdade às crianças nascidas de mães

escravas. Contudo, tal legislação previa cláusulas restritivas ao direito do menor

escravo, pois dispunha que ele deveria permanecer sob a autoridade do senhor

(antigo dono) e de sua mãe até a idade de 8 anos, pois juntos deveriam educá-lo.

Atingida a idade de 8 anos, o senhor teria uma opção a fazer: receber indenização

do Estado e colocá-lo em completa liberdade, ou utilizar o menor no trabalho. Até os

21 anos de idade, oportunidade em que seria livre. Insta considerar, no entanto, que

o diploma legal não estabelecia a jornada de trabalho, a remuneração, o período de

descanso e as funções que poderia exercer, levando-se em consideração sua pouca

idade, o que tornava, portanto, o “menor livre” um escravo, na prática, criando uma

nova modalidade de escravidão (VERONESE, 1999, p. 12).

2.1.3 República (Velha)

Na República, urge consignar que a Constituição de 1891 é silente no tocante

Page 54: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

54

ao menor, mas o Código Penal de 1890 estipulava como não criminosos os menores

de nove anos, bem como os maiores de nove e menores de quatorze anos, que

agissem sem o completo discernimento (art. 27, §§ 1º e 2º).

Os Decretos nº 439, de 31 de maio de 1890, e nº 658, de 12 de agosto de

1890, organizaram os serviços de assistência à infância desvalida e estabeleceram o

Regulamento para o “Asilo de Meninos Desvalidos”, instituição criada e em

funcionamento no Rio de Janeiro (VERONESE, 1999, p. 19).

Já o trabalho do menor, acabou sendo regulamentado no mesmo ano, em

data anterior, em 17 de janeiro de 1890, pelo Decreto nº 1.313, que estipulava a

idade mínima de 12 anos para o trabalho, sabendo-se, entretanto, que tal

regramento era, na realidade, letra morta, uma vez que as indústrias nascentes e a

agricultura utilizavam mão de obra infantil, em idade bastante inferior ao limite

normativo (VERONESE, 1999, p. 20).

Com a liberdade dos escravos e a chegada dos imigrantes, agrava-se o

problema das crianças abandonadas, aumentando-se o número delas, criando-se

em 1896, em São Paulo, a Casa dos Expostos, com o fim de recolher essas

crianças, mas sem a roda existente na antiga Casa do Rio de Janeiro (1999, p. 16-

7).

Em 20 de dezembro de 1923, pelo Decreto nº 16.272, é autorizada a criação

do Juizado de Menores na Capital da República, instalado no ano seguinte, tendo

por função declarar a condição jurídica da criança, se abandonada ou não, se

delinqüente, e qual o amparo que deveria receber, estando subordinado ao Juizado

de Menores um abrigo, com dependências separadas por sexo e por situação dos

menores (abandonados e delinqüentes), criando-se ainda o “Conselho de

Assistência de Proteção aos Menores”, também no Distrito Federal (1999, p. 23).

Em 1927, de autoria de Mello Mattos, surge o projeto de Código de Menores,

tendo sido editado, tornando-se lei no mesmo ano, em 12 de outubro, pelo Decreto

nº 17.943 -A, consolidando as normas até então existentes, criando-se um diploma

legal específico para os menores em situação irregular (abandono e delinqüência),

tendo sido o primeiro Código de Menores da América Latina (VERONESE, 1999, p.

26).

O Código de Menores estabelecia que estavam submetidos à tutela da

autoridade competente, sujeitos às medidas de assistência e proteção, todos os

menores de 18 anos de idade, desde que abandonados ou delinqüentes,

Page 55: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

55

especificando as situações de abandono no seu artigo 26. O Código instituiu, ainda,

um Juízo privativo de menores, aumentou a inimputabilidade penal para 14 anos de

idade, criando processo especial para os menores infratores entre 14 e 18 anos de

idade, e manteve a limitação da idade mínima para trabalho em 12 anos de idade,

proibindo o trabalho noturno para os menores de 18 anos de idade.

2.1.4 Brasil Pós Revolução de 1930

A Constituição de 1934 é a primeira a fazer referência direta à criança, no

tocante ao trabalho infantil, estabelecendo a proibição do trabalho aos menores de

14 anos de idade, do trabalho noturno aos menores de 16 anos e, em indústrias

insalubres, aos menores de 18 anos de idade. Tal Constituição dispunha, ainda,

sobre serviços de amparo à maternidade e à infância.

A Constituição de 1937 foi além da de 1934, pois protegeu as crianças,

sobretudo as mais carentes, estabelecendo que era obrigação do Estado dar

assistência à infância e à juventude, assegurando-lhes condições físicas e morais

para o desenvolvimento de suas faculdades. A Constituição repetiu as regras de

proibição ao trabalho do menor (art. 137, k), indicando que os pais miseráveis

poderiam pedir um auxílio ao Estado para a subsistência e a educação dos filhos

(art. 127), designando que era dever dos entes da federação a criação de

instituições de ensino público para os que não tivessem condições de estudar nas

escolas particulares (art. 129), imputando aos pais falta grave por abandono dos

filhos menores, cabendo ao Estado prover a subsistência deles.

Em 1941, pelo Decreto-lei nº 3.779, é criado o Serviço de Assistência a

Menores - SAM, tendo por função prestar, em todo território nacional, amparo social

aos menores desvalidos e infratores, tendo por meta a centralização da execução de

uma política nacional de assistência, mas sem a criação diretamente de entidades

assistenciais, apenas coordenando as entidades privadas e algumas estatais

(VERONESE, 1999, p. 31/2).

2.1.5 Brasil após a II Guerra Mundial

Page 56: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

56

A Constituição de 1946 não introduziu alterações substanciais, repetindo as

regras já consagradas na Constituição anterior.

Em 1º de dezembro de 1964, pela Lei nº 4.513, é criada a FUNABEM -

Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, substituindo o SAM. Por meio dessa

fundação, a criança abandonada deixa de ser preocupação de entidades privadas e

de alguns organismos estatais, passando a fazer parte da própria política do Estado

(VERONESE, 1999, p. 33).

A Constituição de 1967 previu a assistência à maternidade e à infância (art.

167, § 4º), determinando a obrigatoriedade das empresas comerciais, industriais e

agrícolas de manterem ensino primário gratuito aos empregados e seus filhos,

garantindo estas, ainda, o fornecimento da aprendizagem, em cooperação, aos

menores trabalhadores (art. 170). Tal Constituição instituiu o ensino obrigatório e

gratuito nos estabelecimentos oficiais para as crianças de 7 a 14 anos de idade.

Muito embora tenha instituído o ensino básico gratuito, teve um aspecto negativo no

tocante ao trabalho infantil, pois autorizou o trabalho para os maiores de 12 anos de

idade (art. 158, X).

A Emenda nº 1, de 1969, manteve os mesmos direitos, acrescentando,

entretanto, que as crianças excepcionais também teriam acesso à educação,

remetendo à legislação especial a regulamentação.

No Ano Internacional da Criança, em 10 de outubro de 1979, surge a Lei nº

6.697, instituindo um novo Código de Menores, criando, então, o termo “menor em

situação irregular”, que significava o menor abandonado materialmente, vítima dos

maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e

autor de infração penal (VERONESE, 1999, p. 35).

Em relação ao diploma legal então existente, o novo Código de Menores tinha

como vantagens:

a) nova conceituação do menor abandonado e indicação das medidas específicas a

serem tomadas pelo Estado frente a sua situação de carência;

b) criação de formas de atuação alternativas nos casos de falta ou mau

relacionamento entre menor/ família ou menor/ sociedade;

c) regramento de todas as atividades que atingissem o menor: trabalho, lazer,

educação e influências externas;

d) conferia poderes mais amplos aos juízes de menores, transformando-os em

verdadeiros pater familiae, uma vez que poderiam atuar em todos os segmentos da

Page 57: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

57

sociedade, se constatada circunstâncias que pudessem atingir o menor, seja

individualmente, seja comunitariamente (VERONESE, 1999, p. 38).

Entretanto, várias eram também as desvantagens do Código de Menores,

conforme ressalta Josiane Rose Petry Veronese:

a) o processo ao qual o menor era submetido tinha caráter inquisitório, não

demandando a intervenção de advogado, não prevendo defesa, constituindo a

criança e o adolescente meros objetos da investigação realizada pelo Juizado de

Menores, que atingia, inclusive, sua intimidade, podendo as medidas legais intervir

em sua liberdade e na sua família.

b) o artigo 8º, do Código de Menores, garantia aos Juízes de Menores poderes

ilimitados, uma vez que, fora as medidas previstas na legislação, este poderia aplicar

outras, conforme seu prudente arbítrio, desde que necessárias à assistência,

proteção e vigilância do menor, respondendo por eventual abuso ou desvio de

poder.

c) a possibilidade de prisão cautelar, sem indícios de autoria, nem prova de

materialidade, nem mesmo em situação de flagrante delito (arts. 16 e 99).

d) o menor poderia ser internado ou sofrer medida de liberdade contida sem prazo

máximo, ficando a critério do Juiz de Menores a avaliação do momento de sua

soltura, podendo, se quisesse portanto, conforme a natureza do caso, requisitar

parecer técnico do serviço competente e ouvir o Ministério Público, com reexame

periódico do caso em dois anos pelo Magistrado e, ao completar 21 anos de idade, a

análise de sua internação estaria subordinada ao Juízo das Execuções Penais

(VERONESE, 1999, p. 38-41).

A Constituição da República, promulgada em 5 de outubro de 1988, introduziu

um capítulo dedicado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso (Capítulo VII,

Título VIII, Ordem Social), tratando da criança e do adolescente nos artigos 227

(direitos), 228 (inimputabilidade penal), 229 (deveres dos pais em relação aos filhos),

admitindo ao adolescente direitos políticos, garantindo-lhe capacidade eleitoral ativa,

facultando-lhe o direito ao voto, desde que maior de 16 anos (art. 14, II, c).

Além disso, a Constituição de 1988, inicialmente, manteve o limite para

ingresso no trabalho em 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz (12 anos

de idade), proibindo qualquer trabalho noturno, perigoso e insalubre, para o menor

de 18 anos de idade, modificando-o, posteriormente, em 16 de dezembro de 1998,

pela Emenda nº 20, elevando-o para 16 anos de idade, colocando a condição de

Page 58: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

58

aprendiz a partir dos 14 anos, adequando-se à Convenção nº 138, da OIT

(Organização Internacional do Trabalho), de 6 de julho de 1973, que recomenda

que:

1º - Cada país adote uma política nacional que assegure a extinção do trabalho das crianças, elevando progressivamente a idade para admissão ao trabalho, dando assim condições para que a criança melhor se desenvolva física e mentalmente; 2º - que a idade mínima não deverá ser inferior à idade em que cessa a obrigação escolar ou, em todo caso, 15 anos; 3º - no caso de países cuja economia e meios educacionais sejam ainda precários, tolera-se a idade mínima de 14 anos para ingresso no trabalho (VERONESE, 1999, p. 44).

Em 12 de abril de 1990, é extinta a FUNABEM em 12.04.1990, pela Lei nº

8.029, criando-se a FCBIA (Fundação Centro Brasileiro para a Infância e

Adolescência), que não possuía função de execução, mas de mero planejamento,

formulação e coordenação de projetos na área de infância e da juventude

(VERONESE, 1999, p. 42).

Em 13 de julho de 1990, surge a Lei nº 8.069, do Estatuto da Criança e do

Adolescente, com início da vigência 90 dias depois (art. 266, da Lei nº 8.069/90),

adequando os direitos fundamentais garantidos pela Constituição à criança e ao

adolescente, criando diploma legal específico protetivo e garantidor desses direitos,

esteja a criança e o adolescente em situação irregular, ou não. Introduz-se, assim, o

sistema da proteção integral, revogando o sistema da situação irregular, passando a

regular todos os direitos e os deveres das crianças e dos adolescentes, seu

exercício, bem como todas as situações jurídicas inerentes à condição de criança e

de adolescente.

A Convenção dos Direitos da Criança foi adotada pela Resolução nº L.44

(XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989, tendo sido

ratificada pelo Brasil em 24.09.1990.

A FCBIA foi extinta em 1º de janeiro de 1995, pela Medida Provisória nº 813,

passando suas atribuições para o Ministério da Justiça diretamente.

O novo Código Civil, promulgado em 2002, tendo iniciado sua vigência em

2003, prevê, guardando similitude com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

nº 8.069/90) e com o Código Penal, a capacidade plena civil aos dezoito anos de

idade, considerando o adolescente maior de dezesseis anos relativamente capaz e o

Page 59: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

59

adolescente menor dessa idade e a criança absolutamente incapazes (artigos 3º e

4º, do Código Civil), o que é interessante porque o Estatuto da Criança e do

Adolescente já previa certa capacidade ao adolescente (seja para responder por ato

ilícito por ele praticado, denominado ato infracional; seja para concordar com a

adoção que se pretenda fazer dele – conforme artigos 103 usque 105 e 45, § 2º, da

Lei nº 8.069/90), repetindo-se a exigência da concordância na adoção do maior de

doze anos também no novel diploma civil (art. 1621).

2.2 No Mundo

2.2.1 Antecedentes

Traçar historicamente, no mundo, os direitos da criança e do adolescente não

é tarefa que nos obrigue a remontar a muitas épocas, pois, na realidade, a criança e

o adolescente só foram descobertos como sujeitos de direitos específicos no século

XVIII. Basta lembrar que no século XVII, as crianças do sexo masculino usavam

vestidos com golas iguais às meninas, sendo que esta tendência vai se manifestar

ainda no início do século XX. No entanto, surge também a tendência de se vestir as

crianças iguais às pessoas do povo, como a utilização de roupa de marinheiro

(MELLO, 2000, p. 496).

De qualquer modo, não se pode olvidar que as crianças e os adolescentes

gozavam de alguma proteção quando órfãos, no caso das Ordenações Filipinas,

conforme já explicado alhures, e, também, muito tempo antes, na legislação

mosaica, como no Deuteronômio (24, v. 17).

Além disso, o primogênito era protegido no Deuteronômio (21, vv. 15-7),

criando situações de desigualdade entre os filhos/filhas, permitindo-se, ainda, aos

pais o direito de levar os filhos para o apedrejamento, caso fossem incorrigíveis

(Deuteronômio, 21, vv. 18-21), como forma de extirpar o mal de Israel.

Tais disposições repetiam os costumes da época, pois as Leis de Zoroastro

previam que o filho que desobedecesse o pai por três vezes deveria morrer

(ALTAVILLA, s.d., p. 26).

No Código de Hamurabi, excetuadas as disposições comuns referentes aos

direitos sucessórios, adoção e obediência do filho em relação ao pai (arts. 162, 165,

Page 60: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

60

173, 185, 186, 188, 189, 190 e 195), eram previstas normas proibitivas de

escravidão de filhos nascidos de escravos e mulheres livres (art. 175), normas

proibitivas da renegação paterna sem culpa do filho (art. 168), normas que garantiam

a irrevogabilidade da adoção (art. 191) e, por fim, normas que dispunham a respeito

dos direitos dos menores na hipótese da mãe tomar outro marido (art. 177),

demonstrando uma preocupação com os direitos daqueles que, naturalmente,

encontravam-se desprotegidos (s.d., p. 37/9).

O Código de Manu, por sua vez, trazia disposições comuns aos direitos

sucessórios, sem nenhuma proteção específica das crianças e dos adolescentes,

garantindo apenas a sucessão ao patrimônio paterno, privilegiando, como era regra

na época, o primogênito(s.d., p. 54/7).

Duas tábuas da leidas XII Tábuasdos Romanos tratavam dos direitos e

deveres dos filhos, crianças ou não, dispondo na Tábua IV sobre o pátrio poder (De jure patrio), concedendo ao pai o direito de vida e de morte sobre o filho, e na Tábua

V sobre o direito sucessório (De haereditatibus et tutelis), tendo o poder absoluto do

pai sobre o filho sido abrandado durante os anos posteriores, até que o Digesto (L.

48, T. 9) passou a dispor que Patria potestas in pietate debet, non atrocitate consistere (o pátrio poder deve consistir na indulgência e não na crueldade)

(ALTAVILLA, s.d., p. 69/70).

É importante constar que o Alcorão, livro religioso e normativo dos

mulçumanos, traz em seus dispositivos regras referentes aos filhos adotivos, mas

com tratamento desigual em relação aos filhos consangüíneos (capítulo XXXIII, vv.

4, 5 e 37); ao direito da mãe repudiada pelo marido de continuar a amamentar seu

filho, por mais dois anos (surata II, v. 227); aos órfãos (o próprio profeta Maomé foi

órfão, sendo criado por um tio), dispondo expressamente que não se pode tomar

para si os bens dos órfãos, devendo sempre realizar boas ações para eles (capítulo

II e surata VI); aos deveres para com os pais; e, aos direitos sucessórios,

concedendo a maior parte da herança para os filhos homens, em detrimento das

mulheres, que herdavam bem menos (capítulo IV, v. 12) (ALTAVILLA, s.d., p.

96/103).

A Magna Charta Libertatum, outorgada pelo Rei João Sem Terra, em

Runnymede, nas proximidades de Windson, em 1215, após ser forçado pelos nobres

do Reino da Inglaterra, garantia direitos sobre a herança aos menores de 21 anos de

idade, ou antes dessa idade, caso fossem armados cavaleiros (artigo IV),

Page 61: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

61

determinando as obrigações do tutor ou administrador de propriedades dos menores

(artigos V e VI), além de prever a isenção do pagamento do contrato de mútuo

efetuado com judeu, enquanto o herdeiro do devedor for menor (artigo XII),

possibilitando que do montante do patrimônio, caso o defunto fosse devedor de

judeu, antes do pagamento, fosse retirado o suficiente para o sustento dos herdeiros

menores (artigo XIII) (ALTAVILLA, s.d., p. 208/13).

Segundo Mello, (2000, p. 513):

A proteção da criança é encontrada em inúmeras culturas, especificamente em relação aos conflitos armados. Assim, o direito mulçumano proíbe que sejam molestadas ou mortas em combates as crianças. Estas também estão excluídas da “Gihad, que pode ser feita sob a forma de guerra. Na África Ocidental (Senegal, Gana, Togo e Alto Volta), as mulheres, crianças e velhos também eram protegidos dos combates. Na idade Média também era proibida a morte de crianças. É curioso que o movimento da Paz de Deus, existente na Europa Ocidental (que teria tido o seu início no final do século X com o desaparecimento da dinastia carolíngia), não menciona expressamente a criança, como no juramento estabelecido pelo bispo Beauvais, em Guerin (1023-1025).

Logo depois do Iluminismo, na época da revolução francesa e da

independência das treze colônias inglesas da América do Norte, nada foi

mencionado especificamente nas duas declarações mais importantes sobre os

direitos das crianças e dos adolescentes, até porque tais regramentos estipulavam a

igualdade absoluta entre todos os homens, incluindo-se, por certo, as crianças e os

adolescentes, bastando conferir que, indiretamente, estão incluídas as crianças e os

adolescentes, seja no artigo 1º, da Declaração de Direitos da Virgínia de 1776, seja

no artigo 1º, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, os quais

dispõem que os homens nascem livres e iguais, garantindo, portanto, que desde a

infância os homens são livres e iguais, estando protegidos pelos direitos inseridos

nessas declarações.

2.2.2 Séculos dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes

É no século XX que a criança e o adolescente começam a ser tratados pelos

diplomas internacionais, com o surgimento e intensificação do Direito Internacional

Humanitário.

Page 62: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

62

Segundo Mello (2000, p. 497/98), o Direito Internacional Público tem se

preocupado com a questão infantil desde a Liga das Nações cujo Pacto estipulava:

Art. 23. Sob a reserva e na conformidade das disposições das convenções internacionais atualmente existentes ou que forem ulteriormente celebradas, os Membros da Liga: a) Esforçar-se-ão por assegurar e manter condições de trabalho eqüitativos e humanos para o homem, a mulher e a criança, nos seus próprios territórios, bem como em todos os países aos quais se estendem suas relações de comércio e de indústria e, para este fim, fundarão e manterão as necessárias organizações internacionais.

A primeira declaração internacional específica dos direitos da criança foi

formulada em 1924, pela Liga das Nações, constituindo a Declaração de Genebra

sobre os Direitos da Criança, por inspiração de Eglantine Webb, tendo entre os seus

princípios um que consagra a proteção de crianças civis e um outro estabelecendo

que em tempo de desgraça , a criança deve ser a primeira a receber socorro. Este

último princípio seria sempre aplicado seja em períodos de paz ou no caso de

existência de guerras, usando a expressão utilizada naquela época (MELLO, 2000,

p. 510).

A Declaração Universal de Direitos do Homem (ONU - 1948) trata das

crianças, mas apenas em alguns dispositivos:

Art. XXV... 2º. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social. Art. XXVI... 3º. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrado aos seus filhos.

Em 1959, a Assembléia Geral da ONU aprovou uma nova Declaração sobre

os Direitos da Criança, tendo o Relator do Comitê, Cuevas Cancino afirmado que “o

ponto de partida é o princípio não contratado de que a criança é fraca e portanto

necessita de cuidado especial e salvaguardas”, bem como acrescentou que “a

infância é a única classe privilegiada que transcende sociedade e épocas

‘históricas’”. O preâmbulo da Declaração (1959) repete o que já estava na anterior

Declaração (1924): “a humanidade deve à criança o melhor do que ela tem para

dar”, assim como que a criança, devido à sua imaturidade física e mental, precisa de

Page 63: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

63

cuidados e salvaguarda especiais, introduzindo e sugerindo aos Estados a adoção

do sistema da proteção integral (MELLO, 2000, p. 510).

O Princípio 2 desta Declaração é relativo à situação da criança nos conflitos

armados:

A criança deverá gozar de proteção especial, e lhe serão dadas oportunidades, pelo direito e outros meios, para habilitá-la para se desenvolver de uma maneira saudável e normal e em condições de liberdade e dignidade.

Já o Princípio 8 estatui que: “A criança deverá, em todas as circunstâncias,

estar entre as primeiras a receber proteção e socorro”.

O Pacto de Direitos Civis e Políticos (ONU-1966) possui também alguns

dispositivos sobre a criança, como no artigo 23, que estabelece que em caso de

dissolução do casamento deverão “adotar-se disposições que assegurem a proteção

necessária para os filhos”. Ou no artigo 24, dirigido especificamente às crianças, que

dispõe que:

1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado. 2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome. 3. Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade.

Já o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU-1966) dispõe

sobre a criança apenas no artigo 10:

Artigo 10 (...) b) As pessoas processadas jovens deverão ser separadas dos adultos e julgados o mais rápido possível. (...) 3. Os delinqüentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.

A Convenção de Genebra relativa à proteção dos civis em tempo de guerra

(1949) contém inúmeros dispositivos em que menciona expressamente as crianças:

artigo 38, alínea 5, artigos 50, 51 e 89, colocando como limite de idade, na maioria

dos casos, os 15 anos de idade.

Page 64: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

64

Em 1978, o Governo Polonês apresentou à Comunidade Internacional a

proposta da Convenção Internacional relativa aos Direitos da Criança, tendo, em

1979, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas examinado o

documento, criando o Grupo de Trabalho, o qual, partindo do texto polonês, criou o

texto final da Convenção aprovada, por unanimidade, pela Assembléia das Nações

Unidas, em 20 de novembro de 1989, com a denominação de Convenção sobre os

Direitos da Criança, pela Resolução nº 44 (XLIV), exatamente quando se

comemoravam os trinta anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança, de

1959.

Segundo Mello, (2000, p. 495/6/7):

A criança penetrou no Direito Positivo com um estatuto próprio com a Convenção sobre os Direitos da Criança, concluída sob os auspícios da ONU, em 1989. Inúmeros Estados passaram a elaborar um estatuto da criança, ou ainda, estatuto da criança e adolescente, com a finalidade de implementar o texto internacional.

A criança demorou, no âmbito da ONU, em ter um estatuto próprio, uma vez

que ela era considerada como protegida pelos tratados internacionais de direitos

humanos.

Campbell (Tom D. Campbell. The Rights of the Minor, Children, Rights and the Law, coordenado por Philip Alston, Stephen Parker e John Seymour. Oxford:

Clarendon Press, 1995, p.1-2) observa que há uma grande discussão em se saber

se uma criança tem ou não direitos. Se estes forem definidos sob o ângulo

voluntarista pode-se negar a existência de tais direitos, uma vez que a criança não

tem uma “relevante capacidade volitiva para reclamar direitos”. Por outro lado, se os

direitos “são definidos como interesses que são protegidos pelo direito”, pode-se

afirmar que as crianças possuem direitos.

Há, pelo que sabemos, uma redação na Convenção sobre os Direitos da

Criança (1989) diferente da que é utilizada nos tratados de direitos humanos. Estes

últimos afirmam a existência de direitos que se podem dizer preexistentes ao texto

legal. Já a citada convenção, nas expressões como “os Estados-Partes respeitarão”,

“os Estados-Partes tomarão medidas”, os “Estados-Partes deverão”, “os Estados-

Partes adotarão medidas”, etc. dão a entender outra coisa. É claro que tais

obrigações impostas aos Estados-Partes geram direitos para as crianças, mas foi a

Page 65: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

65

fórmula encontrada para suprir uma “capacidade volitiva” incompleta por parte da

criança.

A Convenção sobre os Direitos das Crianças tem a peculiaridade de ser toda

ela formada por cláusulas pétreas, isto é, elas devem ser respeitadas em todas as

situações. Não é como ocorre com os tratados de direitos humanos que em

determinadas situações de emergência têm grande parte de sua cláusulas

suspensas.

Segundo Veronese (s/d., p. 97/8),

Ao contrário da Declaração Universal dos Direitos da Criança, que sugere princípios de natureza moral, sem nenhuma obrigação, representando basicamente sugestões de que os Estados poderiam se servir ou não, a Convenção tem natureza coercitiva e exige de cada Estado Parte que a subscreve e ratifica um determinado posicionamento. Como um conjunto de deveres e obrigações aos que a ela formalmente aderiram, a Convenção tem força de lei internacional e, assim, cada Estado não poderá violar seus preceitos, como também deverá tomar as medidas positivas para promovê-los. Há que se colocar, ainda, que tal documento possui mecanismos de controle que possibilitam a verificação no que tange ao cumprimento de suas disposições e obrigações, sobre cada Estado que a subscreve e ratifica.

Page 66: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

66

REFERÊNCIAS

ADORNO, S. Declaração universal dos direitos humanos: 50 anos de teoria e

prática. Dialogando sobre direitos humanos. Cadernos de direito e cidadania I - IEDC. São Paulo: Artchip, 1999.

ALBERNAZ J. V. H.; FERREIRA, P. R. Vaz. Convenção sobre os direitos da criança:

direitos humanos: construção da liberdade e da igualdade. São Paulo: Centro de

Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1998.

ALTAVILLA, J. de. Origem dos direitos dos povos. São Paulo: Melhoramentos, s/d.

CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição . 3. ed. Coimbra:

Livraria Almedina, 1998.

CRUANHES, M. C. dos S. Cidadania: educação e exclusão social. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris, 2000.

FERREIRA, P. R. V. ; ALBERNAZ Júnior, V. H.Convenção sobre os direitos da criança : direitos humanos: construção da liberdade e da igualdade. São Paulo:

Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1998.

MELLO, C. A. A criança no direito humanitário: o melhor interesse da criança: um

debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

MORAES, A. de. Direitos humanos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. São Paulo:

Malheiros, 1995.

VERONESE, J. R. P. O direitos da criança e do adolescente . São Paulo: LTr, 1999.

Page 67: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

67

ARTIGO

O IMPERATIVO CATEGÓRIO DE IMMANUEL KANT

*Ana Paula Polacchini de OLIVEIRA * Advogada. Mestre em Filosofia do Direito pela USP. Pós-graduada em Direito Público e Filosofia. Docente do Curso de Direito.

RESUMO: O presente texto pretende descrever o caminho filosófico percorrido por Kant para pensar e compor o imperativo categórico (Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar pela tua vontade em lei universal da natureza), a partir de breve análise dos textos, Resposta à pergunta ‘o que é esclarecimento?’ (1784/1783), Transição do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico e Transição da filosofia moral popular para a metafísica dos costumes.

Palavras-chave: sujeito; razão; esclarecimento; ABSTRACT: This article describes Kant’s philosophical path to the categorical imperactive concept (Act only according to that maxim whereby you can, at the same time, will that it should become a universal law). In order to do so, this work analises some of Kant’s works, such as Answering the Question: What Is Enlightenment?(1784/1783), and Fundamental Principles of the Metaphysic of Morals. Keywords: subject; reason; enlightenment;

1. INTRODUÇÃO

Para facilitar a exposição, bem como do entendimento das proposições nela

contidas, cumpre apontar o contexto ao qual Kant estava inserido: séculos XVII e

XVIII, época de debate e crítica1. Kant viria a ser fonte das reflexões do século XIX e

XX: representante do esclarecimento alemão e otimista da razão, indaga acerca da

necessidade (de que adianta) da experiência se esta não oferece modo para

depurá-la. Kant propõe-se oferecer um novo caminho.

A Revolução Copérnica seria uma questão significativa para Kant. Assim

como Copérnico, Kant expôs que não são os homens que giram em torno dos

objetos. É o conhecimento que gira em torno do sujeito. E como Descartes, Kant

1 Tem-se o iluminismo (esclarecimento) do século XVIII, o liberalismo, a revolução industrial, a Revolução Francesa e o despotismo esclarecido.

Page 68: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

68

entende que a filosofia precisaria pensar os novos tempos (desenvolvimento das

ciências, matemática) e, ainda, que seriam necessárias categorias que pensem o

novo tempo oferecendo um método adequado para o conhecimento. Para Kant as

pessoas devem agir moralmente. Daí a valorização do questionamento

transcendental. Procura, então, desvendar aquilo que acontece no processo de julgamento que leva o indivíduo a ter o processo privado de prazer, o que é comum e dado a todos (antes do julgamento). Considerando que o conhecimento

gira em torno do sujeito, para Kant, o conhecimento se restringe aos fenômenos, e

desta feita, existem questões que não podem ser conhecidas. Mesmo não podendo

ser conhecidas, tais perturbam o homem, incomodam a sua razão. O objetivo de

Kant é demonstrar que, pela análise da experiência vulgar, que a boa vontade é boa

em si porque age o indivíduo por dever, seguindo uma máxima universal2.

2. CONSIDERRAÇÕES PRELIMINARES

O homem é sujeito. Sujeito que conhece. A partir de influências do

pensamento de Descartes, para quem o momento essencial da verdade seria o

conhecimento de si, Kant trabalha os momentos de reflexão subjetiva3.

A incapacidade do homem de fazer uso autônomo e pleno do próprio

entendimento perfaz a menoridade. Vale dizer, aquele que, sem a direção de outro

indivíduo, sem um vetor externo que o guie e conduza, é pois incapaz. Cumpre

apontar que a menoridade é culpa do próprio homem, que tem na falta de decisão e

de coragem, sua condição de constituição.

O esclarecimento – Auflkärung – é a saída do homem4 da menoridade.

Pressupõe liberdade, o fazer uso público da razão: a decisão e coragem de servir-se

de si mesmo sem a direção de outrem – sapere aude5. Insuficiente a determinação

de “esclarecer-se um povo”. O processo de esclarecimento, o atingir a maioridade e

autonomia constitui ato evolutivo, e é por manus própria. Vale dizer, há que ser por

si, e não por determinação de outrem. Um povo deve se auto conduzir. A 2 Neste sentido tratar-se-á, também, do contexto histórico da mudança. O novo momento. A metafísica e as críticas de Kant a algumas colocações iluministas. 3 Ruptura, também, na concepção clássica do ente, do objeto. A modernidade passaria a refletir e considerar o “eu”, donde emana o próprio pensamento, enquanto fundamento de todos os entes. 4 Não só o homem, como o público pode ser ou tornar-se esclarecido. 5 Máxima do esclarecimento: ousar saber.

Page 69: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

69

subjetividade do indivíduo torna-o maior, esclarecido.

Kant ainda aponta que existem questões que não podem ser conhecidas,

mas podem ser pensadas pelo homem. A estas questões, o homem tende a,

através da razão, extrapolá-las. O problema está no fato de que, apesar do domínio

sobre a natureza6 (modernidade), os homens continuam menores. Seguem

preceitos e fórmulas, fazem uso mecânico do entendimento e o mau uso dos dons

naturais. Kant apresenta como causa a preguiça e a covardia (fatores

subjetivos). Sendo que as formas de dependência são a dependência subjetiva,

institucional, e o uso inadequado da razão. A liberdade é pressuposto do

esclarecimento7. Carece querer fazer uso do entendimento, servindo-se dele,

rompendo as dependências e ousar saber.

2.1 Momento Histórico e Influências

Para tanto, e para melhor situar a problemática, cumpre oferecer um

panorama das influências da formação da concepção kantiana e os seus momentos

de exaltação.

Kant sucedeu o Renascimento, época que refletia uma forma rígida de

conceber o mundo: o mundo e a consciência deste é finita, acessível ao homem tão

só pela experiência, sendo que por um processo dedutivo, a partir de um princípio

hipostasiado, chegar-se-ia às demais verdades.

Já, o século XVIII apresentava-se como ruptura do modelo anterior. O

universo passava a ser visto como algo transitório e em constante mutação. Nem

tudo estaria acessível ao homem. Admitia-se a infinitude, acessível através da razão.

As leis regentes do universo seriam captadas (não mais somente parcela delas).

Neste sentido, Newton pôde ampliar as posições de Galileu e Kepler, que

conceberam as leis naturais através de fenômenos particulares, ao propor e

demonstrar o alcance absoluto de tais leis. Verificava-se um caminho de luzes, de

6 Grande questão: Ter o controle da natureza e deixar o medievalismo. Desenvolvimento da razão. Desenvolvimento científico. Viver melhor. Sonho iluminista. Profissão de fé. 7 Limitações. Desobediência civil: anarquia, bagunça. Se acha necessário desobedecer uma regra, aquele não é o momento. Romper com as tutelas, mas evitar a desobediência civil. Mudanças graduais. Existe tempo e espaço para o uso público da razão. Exercício da função. Obedecer a regras. Exercício privado.

Page 70: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

70

esclarecimento, a partir de uma mediação legítima entre mundo sensível e o mundo

inteligível.

A manifestação de Kant deu-se enquanto vigorava o pensamento do século

XVIII, o próprio Iluminismo. Kant absorveria a crítica cética de Hume ao empirismo.

E, em Newton buscaria modelo para a teoria do conhecimento.

Apesar do momento esclarecido, Kant distancia-se, em parte, da concepção

iluminista até então proposta: tem-se que as coisas não são conhecidas em sua

essência última, pelos limites das faculdades humanas. A via analítica do saber

possibilita ao homem acessar a natureza. Pela experiência o conhecimento é

adquirido. Percorre-se o mundo empírico, não o transcendental.

É a partir da “revolução copérnica” que Kant chega ao seu idealismo

transcendental. Aquela se caracterizou por, vislumbrando a impossibilidade de

adequar sujeito ao objeto, isolou-o. Kant dizia ser impossível emitir juízos a priori

analisando os objetos e tentando ajustar o sujeito a eles. Tais juízos só seriam

possíveis ajustando o objeto ao homem, à sua capacidade e às suas limitações.

Seriam captados a partir do poder próprio do sujeito. Não o objeto em si, mas tal

como é concebido pelo sujeito. O ente passa a ser fenômeno.

2.2 Entendimento e Razão

Concebendo que,

- os conhecimentos racionais são necessários e universais, mas analíticos, não oferecendo contribuições quaisquer ao conhecimento, tautológicos, portanto; - os conhecimentos empíricos são sintéticos, mas contingentes e particulares, esgotando-se em si mesmos e não fornecendo proposições universais.

Kant realiza uma crítica às soluções anteriormente oferecidas para resolver os

problemas metafísicos. Crítica o racionalismo dogmático e o empirismo cético,

oferecendo a via transcendental. A ambição de Kant era fazer derivar o saber

adquirido através da experiência de princípios racionais (seguros), fundamento do

saber: proposições a priori que garantiriam o caráter universal e apodítico.

Verdadeiro núcleo da teoria do conhecimento. Juízos universais e necessários.

Page 71: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

71

A metafísica, naquele momento, praticamente em desuso, é resgatada por

Kant, na tentativa de encontrar-lhe novos caminhos. Este dizia-a incapaz de

verdades na forma como era concebida. Indaga, portanto, acerca da possibilidade

das proposições sintéticas a priori. Seriam puras e trariam a possibilidade do

conhecimento. Kant então verificou sua existência e validade na matemática e física.

No ramo dos objetos finitos. Mas, considerando que na metafísica os objetos não

são sensíveis, tal não seria possível.

Daí aponta a validade da matemática e a condenação da metafísica de cunho

dogmático. Para esta consideração a constituição da subjetividade é essencial.

Veja que é a partir do sujeito que o conhecimento se torna possível. Mas não só. A

compreensão da objetividade fenomenal também se faz necessária. O idealismo

retira a latência do sujeito, faz dele determinante.

Kant considera a essência do idealismo, destacando-se dela na medida em

que não ambiciona o conhecimento de todas as coisas, tornando-o mera ilusão.

Admite tão só o conhecimento do fenômeno. O idealismo transcendental vai

envolver uma nova concepção de subjetividade – sujeito transcendental – e de

objetividade – fenômeno.

Ainda, estariam os iluministas, conforme coloca Kant, a confundir o

entendimento com a própria razão, hipertrofiando aquele na medida em que passa a

limitá-lo. O entendimento – verstand – opera dentro de limites. A razão – vernunft – vai além dos limites.

Consiste em tendência do homem e utilizá-la é extrapolar o limite das

instituições. Os homens foram naturalmente habilitados para usá-la. A finitude do

sujeito corresponderá sempre a finitude do saber. Demonstrada a finitude do saber

dos fenômenos, e não das coisas em si.

Kant não mais interroga o saber, mas sim o agir. A promoção da razão prática

pelos limites da razão teórica. Neste sentido aparece a ética, que realiza o homem

além das determinações naturais.

3. BOA VONTADE E DEVER

A boa vontade é a única possibilidade do bom, sem limitação.

Page 72: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

72

Os talentos8 são suscetíveis de serem utilizados para o bem ou o mal,

conforme a vontade. É a boa vontade que imprime caráter ao indivíduo e que anima

os talentos. Os talentos, estes, carecem de valor absoluto. A boa vontade

pressupõe as demais. “(...) A boa vontade parece constituir condição indispensável

do próprio facto (sic) de sermos dignos de felicidade” (KANT, 1995, p. 22).

Veja que não é a busca pela felicidade que condiciona a vontade, mas sim a

vontade em si, plena de valor. “A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou

realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão somente

pelo querer (...)” (1995, p. 23).

A vontade leva o indivíduo a agir. Mas a ação em si não é boa ou má sob o

ponto de vista da moral. A ética kantiana – formal – não vai se preocupar com os

efeitos da ação. A moral está vinculada à intenção que determina a vontade9. Seres

humanos: possuidores de potencialidades. A vontade dá valor aos talentos. A

vontade os conduz. A moralidade não reside na natureza da ação. Basta a

intencionalidade. Vontade nela mesma. A vontade é um valor em si.

Não é em razão das inclinações do indivíduo que este passa a agir e da “boa

vontade” se utilizar. Não é isto que a torna boa. Ela o é não pela sua utilidade, mas

simplesmente por ser.

Aponta que se a intenção do homem fosse seu bem-estar e felicidade, não

seria ele guiado pela razão. Mais facilmente alcançaria seu objetivo se guiado pelos

instintos. E se a razão fosse um favor concedido ao homem, não seria ela a diretiva

de sua conduta. A razão, nem em um, nem em outro caso, teria caído no uso

prático.

O que a realidade coloca, segundo Kant, é que “quanto mais se consagra ao

gozo da vida e da felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro

contentamento” (1995, p. 24).

A intenção privada do homem deve se subordinar a razão, condição suprema,

faculdade prática que pressupõe o querer. Ora, então o verdadeiro destino da razão

8 O autor, no texto, remete para o discernimento, a argúcia de espírito, a capacidade de julgar como talentos do espírito, ou coragem, decisão, constância de propósito, como qualidades de temperamento, todos que, inclusive, contribuem para tornar um homem bom ou ruim. E é exatamente por esta bipolaridade que não são por si só. Somente uma boa vontade faz com que esses “talentos” ou “qualidades” sejam benéficos. 9 Intencionalidade em Kant. Ato moral é aquele que é praticado com uma intenção e não aquele que leva em conta os efeitos.

Page 73: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

73

é guiar o homem a produzir uma vontade boa em si mesma. Não é o bem total, mas

é condição para os demais, condição para agir.

A boa vontade é o bem supremo, condição de possibilidade de tudo o mais,

mesmo da felicidade. A felicidade é determinada pela razão. Não é através dos

instintos que se chega à felicidade. A felicidade não é conseqüência não buscada

pela boa vontade. A intenção per si de uma boa vontade já se basta. Sem intenção

ulterior, sem efeitos. Guiado o indivíduo por um bom senso natural.

Tem-se:

humano Æ razão e sensibilidade Æ natureza e instinto

Está, a vontade, condicionada pela razão e não pela tendência da

sensibilidade. A razão determina a vontade. A razão dá uma lei a um indivíduo,

determina-lhe um dever. O querer é conduzido pelo dever de agir puro:

humano Æ razão e sensibilidade Æ natureza e instinto.

dever, conduz a ação10.

As ações se dão por diversos fatores e inclinações de seus agentes. Kant

expõe ações contra o dever (imorais) e ações por dever, ou ainda, ações conforme o

dever, por inclinação pessoal, interesse estritamente privado e egoísta que tem nos

efeitos o motor da conduta.

A questão é que dificilmente, senão impossível alguém, que não o agente,

saber o que levou um indivíduo a agir. Tal é o campo da moral. O querer é

condicionado pelo dever. A motivação é o dever.

A ação por dever tem o seu valor moral não no propósito, mas na máxima que

a determina. O valor moral não advém dos efeitos, mas da razão que determina o

agir, isto é, do princípio da vontade (a lei é a priori, universal e necessária).

Se age o indivíduo por dever, a máxima que dali se extraí tem um conteúdo

moral (1995).

Veja:

10 Está o indivíduo sob obstáculos e limitações diversas, mas a boa vontade impera, expressando-se pelo dever.

Page 74: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

74

Agir moralmente Ato (agir) Æ Conseqüência

IntençãoÆ Vontade Æ Ação ¬ foi por dever -------- ¬boa vontade (em si)

A ação resulta de vontade que pressupõe intenção. Sem vaidade ou

interesses. Intenção em si, por dever, donde tal assertiva pode ser universalidade. E

no dever tem-se a necessidade de uma ação por respeito a lei (um imperativo na

conduta). Tal tem autêntico valor moral.

Objetivamente: a lei impõe-se à vontade. Subjetivamente: tem-se o respeito à

lei. O bem é realizado por dever e não por inclinação.

A própria idéia de felicidade é vaga. Mas tem-se que na medida em que

assegurar a própria felicidade é um dever, transgredir deveres por aquilo que se

julga ser felicidade também é possível. Daí que agir por dever não se prima por

efeitos, mas tão só pelo dever em si. Propõe Kant: que “uma lei determina a

promoção da felicidade, não por inclinação, mas por dever” (1995, p. 29).

E, posteriormente diz que “uma acção (sic) praticada por dever tem o seu

valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a

determina” (1995, p. 30). Algo puro, não inclinado à motivações externas. Tem-se o

princípio do querer que determina ao indivíduo que cometa o ato. O princípio é a

priori, formal. Disso, Kant formula uma terceira proposição:

Dever é a necessidade de uma acção (sic) por respeito à lei. Pelo objecto (sic), como efeito da acção (sic) em vista, posso eu sentir em verdade inclinação, mas nunca respeito, exactamente (sic) porque é simplesmente um efeito e não a actividade de uma vontade. (1995, p. 42).

Para se chegar a ação não precisaria da razão caso se buscasse o efeito. O

objetivo de Kant é demonstrar que, pela análise da experiência vulgar, a boa

vontade é boa em si porque age por dever, seguindo uma máxima universal. Se não

for universalizável, deve ser rejeitada.

Ultrapassa as inclinações e age o indivíduo pela razão, por puro respeito à lei

prática. Tal constitui o dever. O dever é condição de uma vontade boa em si.

Funciona como parâmetro ao indivíduo, expressando que o é bom ou mau. Qualquer

homem disso saberia. Excluindo os motores sensíveis, até a razão das mais

vulgares.

Page 75: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

75

Tal é o conhecimento da razão humana vulgar transposto em conhecimento

filosófico. A lei determina a vontade e não o efeito. “A razão impõe suas

prescrições, sem nada aliás a prometer às inclinações” (1995, p. 37) o que a razão

prática terminará por condenar.

Tem-se, então que objetivamente, a lei impõe-se à vontade. E,

subjetivamente tem-se o respeito à lei. E que pode-se apontar, da análise da

experiência vulgar, que a boa vontade é boa em si porque age por dever. Mas o

dever se fundamenta em dados teóricos, formais.

No campo da experiência não se sabe ao certo se a ação foi ou não por

dever. Uma ação pode ser boa/positiva ou negativa. Quando o indivíduo os usa de

forma positiva, pelos efeitos aparece positivamente. Isso não é garantia de que a

ação será moral. O bom uso depende da vontade.

Aponta Kant que não existem exemplos que demonstrem se a ação foi

conforme o dever ou por dever. Não se sabe ao certo o que a teria desencadeado. A

ação em si acaba sendo o resultado de atos tanto conforme o dever como por dever

o que impossibilita verificar a máxima que conduziu o agir. Neste caso teria valor

moral. Naquele não.

Inclusive nem o indivíduo pode atribuir o móbil da ação. Vale dizer, aquele

não sabe se a máxima mesmo que o moveu ou se a idéia dela que encobria móbiles

secretos deste ser. Princípios íntimos que não se vêem.

Tem-se, ainda, que a maior parte das ações são conforme ao dever. Mas tal

ocorrência não se justifica em si mesma. Ainda impera o severo mandamento do

dever.

E então nada nos pode salvar da completa queda das nossas idéias de dever, para conservarmos na alma o respeito fundado pela lei, a não ser a clara convicção de que, mesmo que nunca tenha havido acções (sic) que tivessem jorrado de tais fontes puras (...) elas não possam ocorrer.

A razão que determina a vontade a priori, anterior a experiência. Um dever

em geral. Não é o fato de não ter acontecido que nega a possibilidade do dever. Tal

tem validade para todos os seres racionais, é de alcance universal, sob pena de

estar-se a recusar toda a moralidade. Absoluta e necessariamente, a despeito das

circunstâncias, dos impulsos, das limitações dos homens.

Page 76: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

76

Este universo, o das circunstâncias, limita o pensar e o agir do homem. Não

pode, pois, ser universalizado. Neste sentido é preciso que restem consolidados nos

homens os ditames da moralidade para que daí indague-se a sua ação. “Somente

da idéia que a razão traça a priori da perfeição moral e que une indissoluvelmente

ao conceito de vontade livre” (1995, p. 42).

Da filosofia moral popular para a metafísica dos costumes. Para vislumbrar

os conceitos populares é preciso invocar os princípios da razão. Firma-los

solidamente, pois são autênticos, para após ser acessível ao seu exercício, para

implantá-lo nos ânimos.

Os princípios morais se fundam em si mesmos, são a priori, e deles podem

derivar regras práticas. Tal é a importância do conhecimento teórico que vai servir

de sustentação para o agir. A origem do conhecimento teórico é puro, livre das

impurezas do universo donde as inclinações do homem são suscitadas. Todos os seres são regidos por leis morais, por uma razão em geral. Para

que aquilo que dita a vontade do homem possa ditar a vontade de todos é preciso

que as limitações circunstanciais não influenciem diretamente o agir. Daí dizer que o

dever não se extrai de exemplos. O exemplo deve ser julgado pela moralidade.

O homem, diferente daqueles entes não racionais, tem consciência daquilo

que segue, que obedece. Tem-se as leis e pode o homem segui-las ou não. Tal é o

império da vontade. E a razão determina a vontade.

Somente o indivíduo tem vontade, pode agir segundo princípio. Para que as

ações destes se expressem necessária a razão. Vontade é, pois, razão prática.

Daí dizer que as ações são também subjetivamente necessárias.

A vontade é a faculdade de escolher só aquilo que a razão, independentemente da inclinação, reconhece como praticamente necessário, quer dizer como bom. (1995, p. 47).

O reconhecimento da razão determina o agir através da vontade. Princípios

da razão determinantes de uma vontade racional, pela natureza deste, mas a qual

não se obedece necessariamente. Objetivamente necessárias, mas subjetivamente

contingentes.

A razão determina a vontade. Pode fazê-lo de diversas maneiras. São

objetiva e subjetivamente necessárias as ações onde a razão determina a vontade

infalivelmente. A vontade submete-se a lei moral automaticamente. É como se a

Page 77: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

77

vontade não se sentisse obrigada diante da lei. Correspondência entre liberdade e

necessidade. A vontade ao império da lei, onde sem o seu atendimento não se teria

realização alguma. Casos há que a razão não determina a vontade, de forma

infalível. A vontade pode ou não aderir a ela. Considerando a condição humana, as

inclinações do indivíduo, neste caso a ação é objetivamente necessária, mas não o

é subjetivamente. Conforme Kant, tem-se uma obrigação. Age-se conforme a razão.

Veja:

Natureza Æ leis da causalidade

Moral Æ leis (razão) – respeito – dever – vontade ação (objeto).

liberdade consciência

A determinação desta vontade é obrigação. Um mandamento da razão, um

imperativo. Os imperativos se exprimem pelo verbo dever. A vontade nem sempre

exprime aquilo que deveria, pela razão. Determinar a vontade pela razão, por aquilo

que é bom, ou por causas subjetivas, inclinações. A boa vontade estaria circunscrita

ao bem, e por ele é determinada. Mas as inclinações subjetivas afastam essa sua

condição, e deixa de ser boa em si. Se não há sintonia, a lei objetivamente obriga.

E o faz através do imperativo. Reza como a vontade deve agir. A vontade pode ou

não acolher as suas determinações.

O imperativo aparece na lacuna existente entre a possibilidade ou não de agir

por dever. A vontade só é completa se atrelada à razão. Quando não a exprime,

tem-se uma vontade imperfeita, atrelada às inclinações do indivíduo. É o caso da

vontade do homem. Veja que a razão representa o bom. No caso do homem, há

que se considerar o imperativo, que remete para o bom. Se o indivíduo não age

naturalmente pela razão, tem no imperativo o mandamento para o agir.

Daí a condição de fórmula dos imperativos. Estabelecem relação entre leis

objetivas, da razão, gerais e universais, e as inclinações. Uma ação objetivamente

necessária, sem finalidades outras. Lei prática. Representa uma ação possível e

boa. Tem-se princípio de uma vontade boa.

Page 78: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

78

Daí tipos de imperativos11. Os hipotéticos são contingentes. Só reside a

obrigação se restar a ação vinculada aos objetivos determinados por eles. O

categórico é ilimitado, necessário, vincula a vontade à lei. Não pode ser negado,

mesmo que na prática não seja realizado (a partir da vontade o sujeito nega-se a

cumpri-lo). Impõe-se por si mesmo. A validade permanece.

A bondade da ação está na obediência. O imperativo da moralidade

caracteriza-se pela forma e pelo princípio. É posto antes do julgamento e da ação.

Se boa como meio – hipotético. O que se tem de fazer para alcançar uma

finalidade. E, se boa em si – categórico. Apodíctico. Não se fala em finalidade. E

seja qual for o resultado. Mandamento, necessidade incondicionada. Imperativos

morais.

Como pode ser pensada a obrigação da vontade que o imperativo exprime na

tarefa a cumprir. Não há como saber o que necessariamente faria um homem feliz12.

A realidade do imperativo categórico não é dado da experiência. Caráter de lei

prática. Se o mandamento incondicional não deixa à vontade a possibilidade de

escolha Não vai existir um querer pressuposto, mas um querer em si.

A máxima é o princípio subjetivo da ação. “Age apenas segundo uma

máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”

(1995, p. 59).

Indica Kant que todas as máximas teria uma forma, uma matéria e uma

determinação completa (1995). O ser racional é o legislador. Há, ainda que se

tratar os indivíduos com fins em si mesmos. O reino dos fins, donde há uma ligação

entre os seres, regidos por leis. A máxima posta pelo homem nunca poderá se

contradizer. Mas, segundo Kant, a felicidade não pode ser o objetivo material da

ética. Somos seres racionais. Os seres racionais ao julgarem moralmente se auto

concedem uma lei, que é a priori, universal, necessária. A lei inspira respeito e se

apresenta como dever. O dever é o móbil (aquele que motiva e conduz) a vontade.

Ação.

Moralmente não existem exceções. Pode o indivíduo agir contra o dever, a

partir de uma máxima subjetiva. Mas esta não pode ser universalizada, contradiz-se

11 Imperativos hipotéticos (problemáticos e assertóricos) e os categóricos. Estes fornecem regras de destreza ou conselhos de prudência. No primeiro caso, técnicos. No segundo, pragmáticos. 12 Não se estaria a falar de um imperativo pragmático, que aparenta ser objetivo e necessário, mas que não deixa de ser meio, que chama atenção para as vantagens.

Page 79: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

79

em si mesma. Uma oposição entre os ditames da razão e as inclinações do

indivíduo.

Quando o sujeito age pelo mal, não há de querer que tal assertiva se

universalize, sob pena de ele mesmo sofrer o mal.

Kant aponta então fórmulas derivadas do imperativo, proposições que o

completam. Na primeira, “Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar

pela tua vontade em lei universal da natureza” (1995, p. 79). Neste sentido expressa

a forma de como deve se dar um julgamento de modo a ser moral. A condição

determinada pelo princípio (pela imoralidade) não se pretende fazer permanecer.

Qualquer que seja o conteúdo do problema, se moral, há que ser julgado segundo o

imperativo categórico, mesmo sob a influência dos elementos empíricos, um meio de

julgar casos concretos.

Após, apresenta uma segunda manifestação do imperativo, uma segunda

roupagem, “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como

na de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente

como meio” (1995, p. 79).

Nele apresenta a questão da finalidade. O imperativo categórico integra os

fins, admitindo-se a existência de um fim em si. O homem é um fim em si mesmo. O

fim em si é a razão mesma, forma que demonstra, analiticamente, a fórmula do

imperativo categórico. Como é o homem que vai determinar a lei, a vontade é lei ela

mesma. O que remete para o ser humano (humanismo). O homem é fim objetivo.

Após introduz uma terceira manifestação do imperativo, a “vontade de todo

ser racional concebida como vontade legisladora universal” (KANT, 1995, p. 72).

Aquilo que não for universalizável não é máxima legisladora universal.

Consiste, na realidade, em uma abordagem da junção das duas primeiras

proposições. O reino dos fins a partir do homem, um fim em si mesma. A vontade

racional é o dever que determina agir somente segundo uma máxima

universalizável. Desta forma a vontade é a legisladora universal. O homem

autônomo confere a si a sua vontade. A liberdade é condição para a autonomia da

vontade. O homem se eleva quando pode usar a razão, afasta a preguiça e o e é

livre, racional. Sua vontade é lei universal a priori que indica a conduta dos demais.

Page 80: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

80

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Kant investiga os limites da razão, apresenta uma crítica generalizada às

construções metafísicas. Põe à mesa os limites do próprio homem, das suas

inclinações.

Conhece-se os fenômenos. Categorias do entendimento aliadas à

sensibilidade permite conhecer os fenômenos, a natureza. Algo – a razão – que quer

se aventurar além do seguro (conhecimento dos fenômenos).

Existem problemas que podem ser pensados: Deus, imortalidade da alma,

liberdade. Mas não conhecidos.

Remete-se para a esfera do conhecimento científico e esfera da liberdade

ética. O ser humano transita nos dois mundos. Enquanto no primeiro tem-se a

causalidade natural, no segundo, o uso da razão, a consciência, a autonomia. Tenta

desconstituir o abismo entre esses dois mundos.

A ética kantiana estabelece o papel do homem, o fim último. O horizonte é o

ser humano. Exalta a autonomia, essencial para a realização da moral.

No contexto do iluminismo, tenta superar céticos e dogmáticos. Superar

concepções morais amparadas na sensibilidade. O conceito de liberdade resta

destacado como da razão. Condição para autonomia da vontade, do pleno exercício

da liberdade.

O homem é sujeito de razão. Ao agir moralmente, age por dever à lei. A

vontade é em si. E esta é uma boa vontade. A ação não depende dos fins ou dos

resultados. As inclinações influenciam os indivíduos, mas existe o respeito à lei.

Julgar pela razão e afastar os móbiles. Juízo puro. A ação por dever e basta em si. É

o exercício da razão que indica de forma pura como se deve agir. O imperativo

categórico oferece o horizonte, uma fórmula dada aprioristicamente. O fato empírico

é o julgamento. O imperativo categórico vem antes.

A vontade está colocada entre o seu princípio a priori, que é formal, e o seu

móbil a posteriori, que é material. É determinada pelo princípio formal do querer em

geral quando a ação seja praticada por dever. A máxima que move o indivíduo

sintoniza-se com o universal. Recorrendo aos fundamentos da moralidade atinge-se

o rigor e após apresenta-o em termos práticos. Da faculdade prática da razão brota o

dever. Encontrando a origem do dever, tem-se o fundamento da moralidade.

Page 81: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

81

Todos os elementos que se originam no universo empírico tem validade

limitada. O comportamento tem propriamente valor moral. Uma ação praticada por

dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na

máxima que a determina. A ação é pura. Dever é a necessidade de uma ação por

respeito a lei. Pelo objeto, como efeito da ação em vista, posso eu sentir em

verdade inclinação, mas nunca respeito, exatamente porque é simplesmente um

efeito e não a atividade de uma vontade.

Page 82: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

82

REFERÊNCIAS

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes – Primeira Secção: Transição do Conhecimento Moral da Razão Vulgar para o Conhecimento Filosófico. 7.ª ed. Lisboa: 1995.

_____. Fundamentação da Metafísica dos Costumes – Segunda Secção: Transição da Filosofia Moral Popular para a Metafísica dos Costumes. 7.ª ed. Lisboa: 1995.

_____. Resposta à Pergunta: Que é “Esclarecimento”?

Page 83: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

83

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO – REVISTA UNORP 1. TIPOS DE TRABALHOS CIENTÍFICOS ACEITOS

9Artigos inéditos no Brasil. Em caso de divulgação prévia sob forma de

palestra, comunicações, informar em nota à parte;

9Comunicações ou notas, contendo uma ou várias informações científicas

novas, detalhadas ou não, com a finalidade de comunicar pesquisa em

andamento;

9Revisões de Literatura;

9Resumos de trabalhos publicados (livros, dissertações, teses, etc.);

9Relatos de casos (casos clínicos);

9Resenhas;

9Entrevistas.

2. FORMATAÇÃO

9Artigos com no mínimo 06 e no máximo 20 páginas.

9Fonte: Arial; tamanho 12; espaçamento 1,5; alinhamento justificado;

margens esquerda e superior 3cm, direita e inferior 2cm.

9Exceções: Resumos e abstracts dos artigos devem ser digitados com

espaçamento simples. Notas de rodapé e citações com mais de três linhas

devem ser digitadas em tamanho 10, espaçamento simples.

9Idiomas: Português ou Inglês;

9Os artigos devem estar de acordo com a norma culta e obedecer as novas

regras ortográficas.

3. ESTRUTURA DOS TRABALHOS

Page 84: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

84

9 Título – em caixa alta, negritado e centralizado – deverá ser claro e objetivo,

expressando o conteúdo do texto. Pode ser acompanhado de um subtítulo.

Deve-se evitar título extenso, abreviações, parênteses e fórmulas que

dificultem a compreensão;

9 Nomes do(s) autor(es) deve vir abaixo do título, alinhado à direita, com o

último sobrenome em caixa alta. Em caso de mais de um autor, a ordem

deverá ser direta;

9 Indicar, em nota de rodapé, as credenciais dos autores, constando: cargo que

ocupa; instituição a que pertence e/ou formação acadêmica.

9 O resumo e o abstract, ambos devem conter no máximo 10 (dez) linhas cada,

em espaço simples (alinhamento justificado). Abaixo do resumo deverão estar

as palavras-chave, e do abstract, keywords – 3 a 5 palavras representativas

do assunto tratado no trabalho, separadas entre si por ponto e vírgula(;);

9 O texto deve ter introdução, desenvolvimento e conclusão, podendo ou não

conter subtítulos, de acordo com o tamanho do texto. Os textos pequenos não

precisam, necessariamente, conter subdivisões. Os casos especiais deverão

ser esclarecidos diretamente com o Conselho da Revista. Em caso de

pesquisas de campo, que exijam esta especificidade, o artigo científico deve

seguir a ordem: introdução, material e método, resultados, discussão e

conclusão.

9 O uso de aspas deve ser restrito aos casos de citações com menos de 3

(três) linhas. Destaque e diferenciações de palavras. Os nomes científicos de

espécies, as palavras em outros idiomas, o termo que se quer enfatizar, etc.,

devem ser grafados em itálico, sem aspas.

9 Notas de rodapé: chama-se notas apenas as informações explicativas

(comentários / observações complementares). Devem ser colocadas ao final

do texto, em espaçamento simples, tamanho 10. Para separar as notas entre

si, usa-se 01 espaço simples.

9 Pós-texto: Anexos (materiais complementares, não produzidos pelo autor) ou

apêndices (materiais complementares, produzidos pelo autor) devem ser

incluídos apenas quando imprescindíveis à compreensão do texto, e deverão

estar localizados imediatamente após as referências.

4. REGRAS PARA CITAÇÕES

Page 85: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

85

4.1. Citações com menos de 3 (três) linhas

As citações com menos de 3 (três) linhas deverão ser feitas no corpo do próprio

texto,destacadas por aspas em caso de citações diretas, seguidas da referência

bibliográfica simplificada (sistema autor/data). Citações diretas são transcrições

literais que devem especificar a página. Ex: Numa outra definição, violência é a

―qualidade de violento;; ato violento;; constrangimento;; emprego de força;; ato de

violentarǁ‖ (BUENO, 1980, p. 498).

Obs: As citações em língua estrangeira devem ser traduzidas como notas.

4.2. Citações com mais de 3 (três) linhas As citações com mais de 3 (três) linhas deverão ser feitas de modo especial:

parágrafo isolado, recuo de 4 cm da margem esquerda, margem direita

acompanhando o texto, sem aspas, tamanho 10.

Ex:

Os assassinatos, torturas e maus-tratos a que estes [crianças e adolescentes] são violentamente submetidos têm-se apresentado com um certo caráter de normalidade [...] tais ações [contudo] não são cometidas de forma individual, mas são conseqüências de um imaginário construído historicamente que concebe a violência como elemento estruturador e organizador das relações sociais. (ROURE, 1996, p. 23).

5. REFERÊNCIAS Apenas obras / documentos citados no trabalho devem ser referenciados. As

referências, ao final do texto, deverão ser feitas de forma completa, contendo todos

os elementos exigidos pela ABNT, conforme exemplos a seguir:

Citação de livro com apenas um autor FALCON, F. J. C. Mercantilismo e transição. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Citação de livro com dois autores

Page 86: Revista unorp direito. v. 2, n. 2, 2011

86

MARCONI, M. A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 4. ed. São

Paulo: Atlas, 1998.

Citação de livro com mais de dois autores

OLIVEIRA, A. S., et al. Introdução ao pensamento filosófico. 6. ed. São Paulo:

Loyola, 1998.

Citação de capítulo de livro PEREIRA, T. S. A convenção e o estatuto. In:

MARCONI, M. A (org.). Estatuto da criança e do adolescente: lei 8.069/90: estudos

sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 64-115.

Citação de artigo de jornal ESCÓSSIA. F. 40% das crianças do país são pobres.

Folha de São Paulo, São Paulo, 18 nov. 1997. Cotidiano, p. 1.

Citação de artigo de Revista JOHNSON, P. O islã na mira. Veja, São Paulo, ano

34, nº 38, p. 9-13, 26 set. 2001.

Citação de artigo de jornal na Internet MOREIRA, E. C. Hipocondria por procuração em crianças: relato de dois casos. Jornal de Pediatria, [S.l.], 1999.

Disponível em: http://www.sbp.com.br/jornal/99-09.10/relcas3.html. Acesso em: 24

jun. 2001.

6. FORMAS DE ENVIO Os trabalhos devem ser submetidos via email ([email protected]), no formato Word

(.doc).

7. DIREITOS AUTORAIS Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem ao autor, com direito de 1ª

publicação para a Revista Unorp. A reprodução total dos artigos da Revista em

outras publicações ou para qualquer outra utilidade, está condicionada à

autorização, por escrito (carta de encaminhamento da Revista).

OBS: Especificidades em relação à formatação e envio dos artigos deverão ser

esclarecidos diretamente com o Conselho da Revista.