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    Moeda social na cultura

    Patricia Gouveae o tempo na otografa

    MAM 68: Cultura e Loucura

    Sinapse:Braulio Tavares

    e Fausto Fawcett

    Manuela Carneiro da Cunhapor Eduardo Viveiros de Castro

    Benedito Nunese Giorgio Agamben

    por Oswaldo Giacia Jr.

    25 anos de IEApor Carlos Guilherme Mota

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    O Brasil vive uma vigorosa produo na cultura e no pensamento, que ainda pre-

    cisa encontrar espaos de reexo e dilogo na sociedade. Mesmo que as novas

    tecnologias tenham ajudado a ampliar a execuo e a diuso de obras, o exces-

    so de inormao e o seu carter ragmentrio conspiram contra sua efcincia

    na distribuio de conhecimento contemporneo. Como no conto de Jorge LuisBorges, a ausncia de reerenciais pode ser um labirinto ainda pior, e as inorma-

    es correm o risco de se perderem no vazio. O mesmo acontece com a reexo

    crtica sobre essa produo. Novos nomes surgiram, alguns com posices bas-

    tante inovadoras. Mas isso no quer dizer que alcancem ressonncia para alm

    de um pblico restrito, mesmo entre os autores que so seus objetos de estudos.

    A revista Pensamento Brasileiro entra em circuito a partir desta constatao,

    com o objetivo de ser um espao de renovao, divulgao e reexo do que demelhor se produz. Para isso, contaremos com um conselho editorial ormado por

    alguns dos mais ativos jovens pensadores da cultura brasileira contempornea.

    Pensamento Brasileiro trar um dilogo aberto entre as diversas reas

    da cultura e do conhecimento, estimulando os encontros, apresentando

    novidades e reavivando memrias. Assim como o programa de largo alcance

    de mesmo nome do qual az parte, Pensamento Brasileiro trabalhar sobre

    quatro principios: mapeamento, apresentao, reexo e produo da cultura

    e do pensamento nacional.

    Para o primeiro nmero, Pensamento Brasileiro traz um dossi sobre o uso de

    moedas complementares, ou sociais, na cultura. A revista promoveu tambm

    o encontro dos escritores Braulio Tavares e Fausto Fawcett, numa conversa

    sobre fco cientfca que resvalou para a flosofa, e reproduz trechos inditos

    do evento Cultura e Loucura, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de

    Janeiro em 1968, com a participao de Helio Oiticica, Rogrio Duarte, Lygia

    Pape, Caetano Veloso, Sergio Lemos e Nuno Veloso este ltimo, apesar depouco conhecido, um personagem to interessante que mereceu um perfl

    s seu. Filho de criao de Cartola e ex-presidente da Ala de Compositores da

    Mangueira, Nuno era doutor em flosofa e oi assistente de Herbert Marcuse.

    Na segunda parte, Pensamento Brasileiro traz ensaios de Eduardo Viveiros

    de Castro (sobre Manuela Carneiro da Cunha), Osvaldo Giacoia Junior (sobre

    Benedito Nunes leitor de Giorgio Agamben), Carlos Guilherme Mota (sobre

    o Instituto de Estudos Avanados da USP), Sergio Cohn (sobre as ronteirasda poesia contempornea) e Frederico Coelho (a arte na era da insanidade

    tcnica). Um panorama amplo e diverso. Boa leitura!

    pensamentobrasileiro

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    Revista Pensamento Brasileiro [janeiro de 2012 | nmeo 1]

    ISSN 2237-9347

    Editor

    Sergio Cohn

    Imagem da Capa

    Patricia Gouvea

    ArteSergio Cohn e Tiago Gonalves

    Conselho Editorial

    Aonso Luz

    Alberto Pucheu

    Cesar Oiticica Filho

    Daniel Caetano

    Elisa von RandowFrederico Coelho

    Graziela Kunsch

    Guilherme Wisnik

    Ligia Nobre

    Mauricio Barros de Castro

    Pedro Cesarino

    Programa Pensamento BrasileiroCoordenador Editorial | Sergio Cohn, Azougue Editorial

    Consultor Acadmico | Gabriel Cohn, Proessor Emrito, USP

    Pensamento Brasileiro | Azougue Editorial

    Rua Jardim Botnico, 674 sala 605

    Jardim Botnico Rio de Janeiro - RJ

    CEP 22461-000

    Tel: 21-2259-7712www.pensamentobrasileiro.com.br

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    Moeda Social na Cultura | por Helena Arago, Luana Vilutis e Sergio Cohn

    O design da moeda | Entrevista com Joo de Souza Leite

    Patricia Gouva | Imagens posteriores

    Sinapse | Braulio Tavares e Fausto Fawcett

    MAM 68 | Cultura e Loucura

    Memria | Nuno Veloso por Mauricio Barros de Castro

    Frederico Coelho | A obra de arte na era da insanidade tcnica

    Sergio Cohn | Tempos interessantes: um ensaio em mltiplas vozes

    Eduardo Viveiros de Castro | Manuela Carneiro da Cunha e

    a antropologia como poltica do Entendimento

    Osvaldo Giacoia Junior | O doce sbio da oresta amaznica

    Carlos Guilherme Mota | O Instituto de Estudos Avanados:

    Avanado em qu? (25 anos de vida: 1986-2011)

    Poema | Jos Luiz Herencia

    sumrio

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    O nosso coletivo, Cubo Mgico, comeou com

    um estdio de ensaio para as bandas que atuavamna cena musical independente de Cuiab. Como tempo, surgiu uma demanda das bandas para

    se apresentarem, e criamos o Cubo Eventos. Commuita difculdade comeamos a criar oportuni-

    dades. Com o Cubo Eventos, comeou a aumen-

    tar o nmero de bandas, porque aquele pblicoque ia assistir passou a montar bandas tambm.

    Comeamos a perceber que era preciso divulgar

    melhor as bandas, e montamos a Cubo Comu-nicao. No fm do ano percebemos que as ban-

    das precisavam gravar, e criamos um estdio de

    gravao. Em um ano, criamos tudo isso. O quedespertou um buxixo de que o Cubo Mgico es-

    tava crescendo muito e explorando os artistas quese apresentavam junto a ele. Da surgiu a necessi-

    dade de arranjar uma orma de remunerao para

    as bandas. Em espcie, a gente no conseguiriapagar. Ento pensamos em estabelecer uma troca

    solidria. A banda poderia se apresentar e depoistrocar isso por ensaio, gravao ou assessoria deimprensa. As bandas comearam a receber o Cubo

    Card em troca dos shows. Com isso, as bandascomearam a entender a lgica do que estvamos

    azendo e voltaram a militar com a gente. A partir

    da oi um processo de consolidao do sistema.

    Assim Pablo Capil lembra a criao do Cubo

    Card, em 2003, no Espao Cubo, em Cuiab, ummarco na utilizao de moedas sociais na cultura.

    Para entender a importncia desta iniciativa, preciso lembrar que grande parte da produo

    cultural, no apenas no Brasil, possui uma par-

    cela importante de trabalho colaborativo emuitas vezes voluntrio. Isso, se permite aes

    criativas intermitentes, tradicionalmente um

    dos grandes difcultadores da sustentabilidadedos projetos independentes. E, nesse processo,

    o trabalho no , literalmente, valorizado. Emconsequncia, os agentes precisam dispersar o

    seu tempo em outras atividades para o sustento

    pessoal e dos projetos. E, na alta de tempo, estesltimos morrem.

    Uma soluo que tem se encontrado para essaquesto no Brasil exatamente a utilizao de

    moedas sociais, baseadas na economia solidria.Isso potencializado com o uso das erramentas

    digitais e das novas tecnologias, tanto para reali-

    zar o controle das moedas quanto para expandiro circuito.

    As moedas sociais so complementares s moe-das correntes (no caso brasileiro, o Real), que

    possuem lastro em bancos comunitrios ou

    circuitos de trocas solidrias. Elas servem, prin-cipalmente, para estimular a circulao de ser-

    vios e produtos em determinados sistemas, que

    podem ser caracterizados por localidades (bair-ros, cidades) ou redes de troca.

    O lastro um elemento undamental desse

    sistema solidrio, o que garante a base e o un-

    damento das trocas, o que legitima o valor dasmoedas. No apenas traz segurana aos seus

    usurios, como, ao manter um cmbio paritrio

    com o Real, permite que dierentes moedas so-ciais integrem o mesmo circuito de trocas. A

    construo do lastro pode se dar das maneiras

    mais diversas. O Coletivo Puraqu, Ponto de Cul-tura de Santarm, no Par, alavancou sua moeda

    social, a Muiraquit, a partir da Feira Cultura Digi-tal dos Bairros e Comunidades, evento que aliou

    a Economia Solidria Cultura Digital. A am-

    pliao do lastro oi garantida por meio de umaao socioambiental, como explica Jader Gama,

    integrante do coletivo. Como as pessoas pode-

    riam adquirir a moeda? Como ns aramos essa

    moeda ter um valor de troca? Um dos principaisproblemas das cidades a questo do resduo,ento fzemos uma campanha incentivando as

    pessoas a azerem a coleta seletiva. Conseguimos

    moeda social na culturareportagem | por helena arago, luana vilutis, e sergio cohn

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    uma parceria com uma recicladora de garraas

    pets e as pessoas comearam a trocar conosco.

    Cada quilo de plstico equivale a um Muiraquit.Durante os trs dias de eira conseguimos 2.200 kg

    de plstico para reciclagem, e o lanamento damoeda oi um sucesso. Fabricada com argila, a

    moeda circula hoje em uma rea de cerca de 40

    mil habitantes. Ela utilizada para troca de ser-

    vios como ofcinas em cultura digital e sotwarelivre, manuteno de computadores, cobertura

    de eventos, dentre outros produtos e serviosoerecidos pela Produtora Colaborativa Livre do

    Coletivo Puraqu (www.puraque.org.br).

    A questo do lastro mesmo sria: ela requer

    um controle da circulao das moedas bastantergido, para evitar o perigo de perda de credibi-

    lidade. O Cubo Card correu riscos nos primr-dios justamente por causa disso, como lembraCapil: No comeo, por sermos desorganizados,

    sem contato ainda com a economia solidria,

    no sabamos o que era lastro a gente achavaque estava tendo uma ideia genial, que talvez

    no existisse em nenhum outro lugar. Por altade pesquisa mesmo da nossa parte, no primeiro

    momento a gente distribuiu muito mais moedas

    do que poderia. Ento, no incio de 2004, rolounosso subprime. Tnhamos 150 mil Cards na rua,

    e no tnhamos condies de pagar. Tivemos que

    trazer a iniciativa privada para perto, e aumentar

    o nmero de pessoas. Foi ali que percebemos a

    importncia de trabalhar coletivamente.

    A rase de Capil no retrica. Depois disso, o

    Espao Cubo originou e passou a integrar uma

    rede colaborativa maior, o Circuito Fora do Eixo que, bem de acordo com o nome, agrega cole-

    tivos de produo cultural independente para

    trocar tecnologias sociais e ampliar sua partici-pao na cadeia produtiva da cultura. O Circuito

    j contava com 106 Pontos Fora do Eixo, em 2011espalhados por praticamente todos os estados

    brasileiros, e conquistando parceiros em outros

    pases da Amrica do Sul. Dentro dele, o inter-cmbio irrestrito. Envolve inteligncia coletiva

    para preparar estivais, estimular a circulaode bandas em dierentes localidades e, claro,

    omentar a troca de experincias sobre o uso demoedas sociais. Para isso, oi criado o Banco Forado Eixo, ncleo de produo de conhecimento

    sobre economia solidria, com representantes

    de todas as moedas do circuito.

    Alm do pioneiro Cubo Card, compem o ncleo

    o Goma Card (do Coletivo Goma, de Uberlndia-MG), o Marciano (do Massa Coletiva, de So Car-

    los-SP), a Lumoeda (do Coletivo Lumo, de Recie-PE) e a Patativa (da RedeCem, de Fortaleza-CE).

    A opo de contar com vrias moedas dierentes

    no toa: estimula a descentralizao do cir-

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    cuito e o ortalecimento das identidades dos co-

    letivos, ator importante para a consolidao das

    parcerias e o controle da circulao das moedas.Em geral, as moedas so concebidas de orma

    coletiva, desde a defnio do nome que mui-

    tas vezes remete a personagens, locais ou objetos

    simblicos da comunidade at o seu desenho.No Coletivo Goma, as trocas de servio j ataconteciam de maneira organizada, atravs de

    planilhas virtuais onde eram marcados os escam-

    bos. Mas, segundo Dbora Bernardes, integrantedo grupo, o surgimento do Goma Card em 2009

    promoveu uma mudana simblica no processo.

    Com a moeda em papel fcou mais cil para oscolaboradores visualizarem a troca e para novos

    parceiros compreenderem o sistema.

    Alm de valorizar o trabalho e diundir a rede, a

    moeda social tambm possibilita mensurar o cus-to real movimentado em uma produo cultural.

    Dcio Coutinho, que enquanto trabalhava como

    coordenador de cultura do Sebrae de Gois oium importante parceiro do Circuito Fora do Eixo

    (hoje ele est na Secretaria de Cultura de Gois),

    explica: As moedas sociais, alm de propiciar a

    troca, possibilita o acesso aos nmeros de deter-minados eventos. Por exemplo, se num evento

    como o Festival Calango, em Cuiab, ou na Feirada Msica em Fortaleza, houve uma circulao

    de 10 mil Cubo Cards, ou de 10 mil Patativas, comtrocas que antes seriam voluntrias e gratuitas,

    podemos saber que rolou ali 10 mil reais em tro-

    cas. possvel medir o PIB daquele evento. An-

    tes, isso era praticamente impossvel. Ento, se

    o movimento gerado ali oi eito atravs de umamoeda, pode-se ter acesso aos nmeros. bvio

    que isso tem um desdobramento: com essa in-ormao, possvel dialogar com o Estado ou

    uma instituio. Alm do valor de troca, do valorde cooperao, do trabalho coletivo, criou-seuma orma de medir, de mensurar o real investi-

    mento em torno dos eventos culturais. Isso algo

    indito.

    Um exemplo pode ser visto no Sistema Marciano

    de Trocas, criado pelo Massa Coletiva, na realiza-o do Congresso Regional do Circuito Fora do

    Eixo em So Carlos (SP), em 2010. O Congresso

    reuniu 70 pessoas e seus organizadores viabili-zaram alimentao, hospedagem, transporte, ma-

    terial, internet e inra-estrutura para todos os par-ticipantes. O Massa Coletiva investiu quatro mil

    reais e 21 mil marcianos no evento. Esse valor em

    moeda social oi calculado em horas trabalhadase na troca de servios com parceiros. As pessoas

    recebiam marcianos para gastar no almoo, a par-

    tir de uma parceria entre um restaurante e o De-

    partamento de Apoio a Economia Solidria, con-ta Raaela Soldan, participante do Massa Coletiva,ressaltando a criao de uma rede de parceiros e

    colaboradores a partir da moeda e das trocas.

    Cidade universitria com vocao para a vida cul-

    tural e incentivo ao trabalho autogestionrio,

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    dado que seu departamento voltado a economia

    solidaria existe desde 2001 , So Carlos tem cole-

    tivos, instituies e movimentos com tradio decriao independente que acabaram convergindo

    interesses comuns por meio do uso de moedas

    sociais. Alm do Massa Coletiva, o Festival Con-

    tato, o coletivo Janela Aberta e a Incubadora Re-gional de Cooperativas Populares (Incoop), entreoutros, ormaram um grupo de trabalho em 2010

    para discutir a viabilidade das moedas solidrias

    na cidade. O desdobramento oi alm do Marci-ano, e alguns grupos criaram suas prprias moe-

    das: Achamos isso positivo, quanto mais moedas

    melhor, todas tm o valor de um real, ento no dicil trocar entre elas, afrma Raaela.

    A parceria entre coletivos independentes e ins-tituies de pesquisa e estmulo economia

    solidria ganhou ora com a criao da Secre-taria Nacional de Economia Solidria, vincu-

    lada ao Ministrio do Trabalho e dirigida pelo

    economista Paul Singer. A Senaes oi criadapor deciso do Presidente Lula, em fns de 2002,

    atendendo pedido das principais entidades de

    economia solidria. Ela tem por uno apoiar

    o desenvolvimento da economia solidria noBrasil mediante o emprego dos recursos polti-

    cos e materiais disponveis ao governo ederal,lembra Singer. Durante o Governo Lula, a Senaes

    manteve dilogo prximo com o Ministrio daCultura, ajudando na elaborao de polticas de

    economia solidria na cultura. A parceria com

    o Ministrio da Cultura deu-se principalmente

    pelo apoio dado aos pontos de cultura, que se

    organizam sob a orma de empreendimentos deeconomia solidria, principalmente sob a orma

    de eiras conjuntas em que pontos de cultura eempreendimentos de economia solidria comer-

    cializam seus produtos. As moedas sociais tmpapel importante nesses eventos, permitindouma troca mais ampla de produtos e servios.

    O valor dos servios pode ser calculado pelaquantidade de horas despendidas no seu pro-

    cesso de execuo. A criao de um cardpio

    de produtos e servios um mecanismo queavorece a ampliao do sistema de trocas e a

    apropriao do processo produtivo pelo grupo,

    que passa a ser considerado um empreendimen-to econmico e solidrio. Os meios digitais po-

    dem avorecer a circulao ampla desses saberes.Criamos um blog com o cardpio, conta Dbo-

    ra, do Coletivo Goma. Todo mundo que aceita

    usar a moeda se cadastra no blog aceitogoma-card.blogspot.com, a pode olhar quanto custam

    os servios, as outras pessoas que aceitam etc.

    Pelos nossos servios costumamos cobrar menos

    que o valor de mercado, mas cada parceiro tema liberdade de cobrar quanto quiser. Uma visitaao blog mostra que muita gente preere oerecer

    servios em preos em Gc$, enquanto outros

    listam os valores, como cursos de pintura a Gc$15 a hora, produo de cenrio a Gc$ 150 e at

    acupuntura a Gc$ 30 a hora.

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    A ampliao do uso da moeda um dos prin-cipais desafos de todos os grupos. Em geral o

    desejo e a necessidade que a partir dela aproduo cultural se ortalea junto a outrossetores da sociedade. A moeda de argila muira-

    quit est mobilizando at consrcio solidrio.

    O coletivo Puraqu tem realizado sorteios men-sais de laptops e equipamentos digitais, a partir

    da compra de um carn de 50 muiraquits. Comisso, cada vez mais a moeda ganha credibilidade

    junto populao local. Nosso desafo azer

    com que esse negcio colaborativo aumente seulastro, que a moeda Muiraquit vire uma espcie

    de banco solidrio e fnancie micro-projetos para

    empreendedores colaborativos, resume Gama,estudando ainda a criao de carto de descon-

    tos para os usurios da moeda.

    No Brasil h atualmente 52 bancos comunitri-

    os em todas as regies do pas. So organiza-

    es que promovem a incluso fnanceira emcomunidades onde os bancos convencionais

    no exis-tem ou no alcanam necessidadesespecifcas. As meninas dos olhos desses em-

    preendimentos so as moedas sociais e o mi-

    crocrdito. Eles tm a vantagem de concentraras riquezas geradas na prpria comunidade,

    mas nada impede que um produtor troque

    moeda social por reais no balco da institu-

    io. O Banco Palmas, um dos pioneiros daexperincia de fnanas solidrias, oi criadoem Fortaleza em 1998. Para incentivar o uso da

    moeda, descontos so negociados com comer-

    ciantes e produtores da localidade. Como se v,o sonho de Gama no impossvel.

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    Como foram as suas experincias na criao decdulas ao lado do Alosio Magalhes?

    Eu tive duas experincias junto com o Alosio Mag-

    alhes de realizar cdulas monetrias. A primeiraoi em 1967, com a primeira mudana do padro

    monetrio para o Cruzeiro Novo, que oi a primei-

    ra srie produzida no Brasil. As matrizes erameitas ora, na Europa, e pela primeira vez o Brasil

    imprimia o seu prprio dinheiro. Naquela pocaeu era um pirralho trabalhando como assistente

    dele, e s auxiliei a montagem do trabalho inicial.

    Depois ele enrentou como desenvolver aquilo. E muito interessante esse processo de desenvolvi-

    mento porque o Alosio concebeu as primeiras

    cdulas do Cruzeiro baseado no moir, que odesenho que acontece quando se sobrepe duas

    retculas o que deixa qualquer reproduo cilde reconhecer. Naquela poca os alsifcadores

    otograavam o dinheiro e reproduziam em o-

    set. O Alosio j ez a cdula sendo moir, invia-bilizando qualquer cpia era quase impossvel

    voc conseguir reproduzir aquele dinheiro. Era

    um desenho gerado mecanicamente onde fca-vam muito ntidos os raios e as distores a que

    ele chegava. Agora, para convencer o pessoal daSua, onde se aziam as matrizes, oi muito dicil.

    Mas eles acabaram reconhecendo que ali havia

    uma novidade. Era inaceitvel para aqueles euro-

    peus de nariz empinado que um pernambucanochegasse com uma ideia que era realmente uma

    novidade no campo do dinheiro.

    A segunda experincia oi j em 1976, e a questo

    era outra: azer as matrizes e o processo inteiro noBrasil, na Casa da Moeda. Esse trabalho oi muito

    interessante. A experincia que posso ter para a-

    lar sobre cdula de dinheiro vem dessa poca. Ns

    tnhamos que pensar uma maneira prpria parapensar a tecnologia existente. Se voc olhasse omercado de moedas naquela poca, que era um

    perodo onde no havia Euro, cada pas da Europa

    tinha sua prpria cdula, era uma coisa muito ricaplasticamente e como projeto. Cada pas dierente

    utilizava a tecnologia de uma determinada ma-neira. Ns tnhamos que achar o modo brasileiro,

    defnir como ns iramos lidar com a tecnologiae como iramos trazer um elemento visualmente

    orte que caracterizasse nossa moeda, para que

    no osse exatamente um medalho ou uma cer-cadura da fgura. E nesse processo o Alosio pen-

    sou a ideia da cabea espelhada, para no existir

    uma posio certa, j que o objeto circula portroca gestual. No havia uma direo ormatada

    da moeda. Isso criou desafos novos para pensar

    o design da moeda, que acabaram no se eetivan-do, por alta de tempo, o que oi uma pena.

    Quais so esses desafios de um design de moeda?

    O problema de impresso de valor , antes de tudo,

    uma questo de se difcultar o mximo o proces-

    so de alsifcao. No existe dinheiro no-alsi-fcvel. A questo toda voc azer com que esse

    processo demore o mximo possvel. Um dosatores que az com que as cdulas tenham seus

    desenhos mudados de tempo em tempo exata-

    mente esse. Voc muda quando j deu tempo su-fciente para se azer uma cpia confvel. Uma

    cdula de dinheiro normalmente envolve pelomenos trs tecnologias dierentes de impresso:

    tipografa para a numerao; o-set com im-presso simultnea rente e verso, o que permitealgumas reas de coincidncia de imagem, o que

    era privilegio at alguns anos atrs dos abrican-

    tes de moeda; e o talho doce, ou calcografa, que um processo de gravura com tinta no sulco de

    baixo relevo, ento quando aquilo pressionadocontra o papel, cria o relevo e a pintura. Isso

    uma coisa muito dicil de se azer em duas op-

    eraes distintas. Muitas vezes os alsifcadorestentam eles imprimem a tinta e depois azem

    um alto-relevo. Mas cil de perceber a alsif-

    cao. O princpio tecnolgico esse, mas voc

    o design das moedasentrevista | joo de souza leite

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    tem infnitos outros articios para garantir essa

    irreprodutibilidade. Um dos atores importantes a criao de undos de segurana. Quanto

    mais delicados e complexos orem esses undos,

    quanto mais emaranhados houver de linhas, decores dierentes, sobretudo de cores claras, ex-

    istem algumas gamas de cores que so prprias

    para isso, onde uma mquina de reproduo termais difculdade para copiar, mais segura ser a

    cdula. Pode-se usar tambm alguns elementos

    na prpria massa do papel, fapos de vrias coresdierentes, marca dgua que um desenho na

    prpria polpa do papel , ftas magnticas. Tudoisso tambm pode ser alsifcado, mas quanto

    mais rica a cdula or de nuances, mais compli-

    cado o processo.

    Qual sua anlise sobre essas questes nas moe-das que trouxemos aqui Cubo Card, Goma e

    Marciano?Em termos de segurana, uma cdula de moeda

    social, que no poderia, por uma questo de custo,

    utilizar todos os recursos tecnolgicos, precisa tra-balhar em primeiro lugar os undos. Porque os un-

    dos, qualquer reproduo mais tosca vai empastelarum pouco, ou at vai criar um certo moir, comoeu disse antes. Todas as moedas aqui apresentadas

    lidam com um undo, mas num carter plstico,

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    no de segurana. Isso pode virar um problema, se

    as moedas ganharem um circuito maior. Enquanto

    elas circulam por grupos restritos, possvel de con-trolar, mas elas precisam pensar nisso antes de o

    problema aparecer. E esse problema at mais grave

    quando se considera os recursos de reproduo, que

    hoje tem um avano tecnolgico muito mais rpidodo que os recursos de produo mesmo. Coisas queeram eitas manualmente no passado hoje so mui-

    to mais acessveis. Frente ao aparato tecnolgico de

    hoje, o assunto complicado.

    Isso no pode indicar que os coletivos tra-bal-

    ham muito mais na ideia de confiana entre osparceiros, de que no haver a inteno da cpia?

    Confana ou alta de avaliao sobre o alcance

    dessa questo. Ao meu ver, sobre o ponto devista da segurana, so moedas razoavelmente

    simples de reproduzir. E isso obriga as moedasa circularem num espao exageradamente re-

    strito. So moedas cujos objetos grfcos esto

    trabalhando muito mais com a simulao deuma moeda, do que eetivamente resolvendo o

    problema de um impresso de valor. No h uma

    preocupao ou ateno para a segurana. Atual-

    mente os custos de impresso abaixaram, anteshavia uma disparidade de valor absurda entre

    impresso de uma cor e de quatro cores, masagora possvel se pensar essas questes de uma

    orma mais qualifcada. uma questo muitomais de ateno aos design das moedas do que

    de tecnologias de impresso.

    Tirando a questo da segurana, o que se pode

    dizer do design dessas moedas sociais?Existe outro valor, alm da questo da segurana,que o valor cultural. Uma cdula talvez o objeto

    de comunicao mais reproduzido no mundo, de

    maior circulao na sociedade. um grande ve-culo de cultura. Talvez no exista nenhum outro

    objeto de comunicao to abrangente no mun-do, que rompe com classes sociais e posies

    culturais. Nada disso respeitado pelo dinheiro.

    O dinheiro circula por todos os segmentos da so-ciedade. Esse ato d um poder antstico a essa

    imagem e a esse objeto. Olhando as moedas so-

    ciais, elas so pensadas como uma amlia gr-

    fca, como um conjunto. Mas so geomtricas, ou

    puramente abstratas. Que oportunidade se perdeaqui para utilizar algum elemento que tenha a

    ver com maniestaes culturais brasileiras se-jam tradicionais ou de arte contempornea, por

    exemplo. So moedas grfcas, abstratas, que

    no guardam nenhum grau de representao ano ser o princpio do design. So fguras inter-

    essantes, bonitas grafcamente, mas perde-se a

    oportunidade de se utilizar a moeda como umveculo cultural. Quantos artistas nossos trabal-

    haram com elementos grfcos geomtricos? spensar em Volpi ou nos concretos. possvel diz-

    er que existe nessas moedas a maniestao de

    um artista grfco, sem sombra de dvida. Isso oieito por algum que tem conscincia do que est

    azendo. H um princpio grfco em todos eles,

    o que positivo. Mas ainda assim carece de ser aafrmao de algum valor cultural mais amplo. E

    tambm de se utilizar o espao da moeda como

    um veculo como um todo. No caso das moedassociais mostradas, elas esto trabalhando apenas

    com uma moldura para uma fgura, mas inter-essante que todo o espao seja utilizado grafca-

    mente, o que torna o objeto muito mais rico.

    Para finalizar, fale sobre os desenhos de moe-

    das apresentados na pgina ao lado...

    Os trabalhos oram desenvolvidos por dois gru-pos de alunos do terceiro ano da Escola Superior

    de Desenho Industrial, em 2009, sob minha o-

    rientao. A proposta era a seguinte: desenvolveruma amlia completa de cdulas para o padro

    monetrio nacional, considerando todos os as-

    pectos tcnicos usuais a este tipo de impresso devalor. O projeto envolveu desde a determinao

    dos temas a serem tratados at a especifcaotcnica, sendo discriminadas as dierentes ca-

    madas de impresso. Um dos projetos, baseado

    na Arte Concreta brasileira, oi desenvolvido porMichel Mello, Camila Jordo e Carolina Mller.

    O outro, concebido como uma oposio entre osconceitos de macro e micro, cultura e natureza,

    apresenta em cada cdula aces opostas relativas aenmenos diversos. Este ltimo oi desenvolvidopor Nina Paim, Luisa Fosco e Bruno Alves.

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    A cultura brasileira na voz

    de seus protagonistaswww.azougue.com.br

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    O seu livro,MeMbranadeluz(Azougue, 2011), pen-

    sa sobre o tempo na imagem contempornea.Como isso tratado no seu trabalho autoral?

    Esse questionamento sobre o tempo comeou ase delinear como uma questo central no meu

    trabalho quando eu comecei a azer os primeiros

    testes da srie Imagens posteriores, em 1999. Na-quela poca eu andava muito incomodada com a

    ideia de uma otografa ligada questo do ins-

    tante, que a leitura terica consagrada no pen-samento sobre a otografa. Uma leitura ontol-

    gica, cujo maior cone talvez seja Roland Barthes.

    Atravs de diversas viagens pelo Brasil e Amrica

    Latina, sempre em veculo em movimento umcarro, um barco, um avio, um nibus eu procu-rei restituir a experincia do tempo na otografa,

    usando a paisagem como minha matria, para ver

    se conseguia realizar imagens que traduzissemaquela experincia maravilhosa de viajar por mui-

    tas horas num veculo, quando a paisagem entra

    pelo retrovisor, deixa de ser uma geografa externae intrenalizada. Esse projeto, ao qual me dedi-

    quei por dez anos, oi necessrio para poder, aofm dele, me reconciliar com o instante. Entender

    que, mesmo no instante, pode haver o que Henri

    Bergson denominou de experincia da durao.Esse mergulho no tempo que az com que o corpo

    tenha experincias sensoriais. E que muitas vezes

    detonado por uma vivncia da memoria, quevolta em blocos e se atualiza no presente.

    Como isso se espraiou em seus outros projetos?O tempo sempre o que eu persigo, o que eu tento

    materializar em imagem. Na serie Imagem pos-teriores talvez ele apareca de orma mais clara

    porque eu usei recursos como as longas exposi-

    es e a mobilidade do meu corpo. Mas mesmoem trabalhos mais recentes, como a serie Fen-

    da, este conceito est presente. Mesmo com re-

    sultados ormais dierentes, os meus traba-lhosalam sempre do tempo. As minhas leituras aca-

    bam sendo guiadas para isso quase todos osmeus trabalhos so rutos de insightsque eu tenho

    na literatura. A srie qual estou me dedicando

    mais agora, Exerccio de arte ldica, uma in-

    vestigao sobre o tempo morto, aquele que as

    pessoas tem aparentemente para no azer nada

    os seus momentos de lazer e descanso.

    Essa investigao sobre o tempo aconteceu em

    paralelo incorporao das novas tecnologiasda imagem em movimento na fotografia dos v-

    deos em alta definio nos aparelhos fotogr-ficos. Como isso influi no seu trabalho?

    Esta coincidncia oi a possibilidade defniti-

    va de liberdade para trabalhar. E tambm, umretorno ao incio de tudo, pois a minha primei-

    ra experincia artistica oi com a imagem em

    movimento. No posso dizer que eu era umaartista, s tinha 11 anos. Dos 11 aos 17 anos eu

    flmava tudo o que acontecia na minha vida com

    uma VHS tijolo. Eu passei para a otografapor uma necessidade de portabilidade. E agora

    posso de novo flmar com poucos recursos tc-nicos. Em 2010 editei mais de 12 videos, quase

    todos para a srie Exerccios de arte ldica.

    Gosto de pensar a imagem como algo hbrido.

    O que tem de cinema na otografa e o que temde otogrfco num vdeo, por exemplo. Quando

    se hibridi-zam e constrem pontes entre si. Porisso to importante o trabalho do tailands

    Apichatpong Weerasethakul. Um flme dele aomesmo tempo vdeo-arte, narrativa e otografa

    expandida.

    Voc indentifica essa mesma preocupao com

    o tempo em seus contemporneos?Essa uma boa pergunta. Quando comecei apensar sobre a interpretao do tempo, pelo me-

    nos no meio dos otgraos, ela no era to bem

    ormulada. Ao menos em comparao a outroconceito primordial otografa, que a luz. Uma

    vez a revista Fotosite me convidou para enviarperguntas para uma matria sobre Mario Cravo

    Neto e seu flho Christian Cravo. Eu perguntei

    justamente o que eles achavam sobre a noo detempo na otografa. As respostas oram evasivas

    e superfciais. Hoje essa reexo sobre o tempo

    na otografa contempornea algo bastante o-mentado e em voga. O tempo est na moda!

    patricia gouvaimagens posteriores |

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    acaso e

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    s i n a p s ebraulio tavares

    fausto fawcett

    transcendncia

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    Experimente juntar Fausto Fawcett e Braulio

    Tavares e imagine que palavras-chave aparece-

    riam em destaque na nuvem de tag gerada pelaconversa. No comeo de abril, os escritores

    foram convidados para inaugurar a Sinapse,

    seo de encontros da revista PensaMento brasi-

    leiro. Fico cientfica, msica e cinema foramtemas recorrentes, bem de acordo com o gosto

    dos dois autores. Mas entre outras ramifica-es possveis de assuntos e foram muitas

    duas palavras chamaram ateno por voltarem

    sempre tona: acaso e transcendncia.

    [Sergio] Atualmente est se vivendo, nas mdias

    todas, uma volta do realismo. Do Big Brother aodocumentrio, vrias mdias trabalham sobre o

    conceito de baseado em uma histria real. Comofca a fco nisso?

    [Braulio]Acho que o que existe na verdade umaabricao de atos artifciais. Esses reality shows

    no so mais do que isso. real porque, claro, voc

    est trancafando as pessoas e mostrando o queacontece l dentro. Isso, evidentemente, real,

    mas um real manipulado. To manipulado, na

    minha opinio, quanto uma novela, um romanceou um flme.

    [Fausto]Vira uma novela, na verdade.

    [Braulio] Vira uma novela, porque algum est

    roteirizando aquilo. Ento se voc est vendo, porexemplo, um Big Brother e, numa certa noite, est

    todo mundo vestido de turbante, rabes, odaliscas

    e tudo mais, no oram eles que escolheram. Aqui-lo ali uma esta produzida pelo roteirista, pela

    direo do programa.

    [Fausto] As pessoas esquecem que existe um ro-

    teirista por trs. E isso um dado muito impor-tante. O conceito da sociedade do espetculo, do

    nosso Guy Debord, ar cinquenta anos e esta

    cada vez mais atual. Porque estamos completa-

    mente imersos em abricaes de shows de rea-lidade patrocinada. Os jornalistas, por mais queeles tenham uma boa inteno, j esto imersos

    nisso tambm, j azem parte de um show.

    [Braulio] Eles manipulam tambm.

    [Fausto] Manipulam, e a coisa mesmo espeta-cular, que a imagem de TV. Mesmo quando A

    bruxa de Blairou Big Brother, a sede de realismo

    passa rapidinho. Ela suplantada logo por um t-

    dio e um costume, voc se habitua quele neg-cio e fca sabendo que roteirizado. Me lembrei

    de uma brincadeira do comeo dos anos 1980,quando vrios cineastas advindos da publicidade

    estavam caprichando nos cenrios artifciais. Ato Coppola, que ez aquele flme com a Nastassja

    Kinski saindo de uma taa, One rom the heart.

    Tinha um cineasta rancs que ez A lua na sar-

    jeta, Jean-Jacques Beineix. Bom, estou me lem-

    brando disso porque nessa poca apareceu uma

    comparao dizendo que houve um neorrealis-mo e eles estavam azendo um neon realismo...

    As pessoas, dentro das grandes cidades, j estoacostumadas, nem se tocam, mas j est inseri-

    da no cotidiano deles esta imerso em imagens

    artifciais. Quando voc diz que o realismo estvoltando como se ssemos ter uma surpresa

    agora. As pessoas esto anestesiadas, esto habi-

    tuadas. Ento o que um realismo hoje em dia?

    [Sergio]Vocs acham que a gente est conscien-

    te demais das engrenagens do realismo?

    [Braulio] O espao do acaso est diminuindo

    no mundo. Tudo tem que ser previsto, numa l-gica mecanicista lucrativa, ou pelo menos uma

    lgica de espetculo, esttica, um fnal previstoque tem que ser moldado, e o acaso no pode

    intererir nisso. Eu gosto do acaso porque ele como uma bigorna do desenho animado que caina sua cabea.

    [Sergio] Os estudiosos tentavam utilizar o co-nhecimento para pensar a tecnologia atravs da

    fco cientfca, como est isso agora com a in-

    ternet? A FC se tornou mais realista em termosde tecnologia?

    [Braulio] No acho que a internet tenha inuen-ciado muito isso, no. A internet inuencia na

    circulao dos livros, na criao de sites, na cir-

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    culao dos textos, mas no acho que tenha in-

    uenciado tanto assim na literatura em si. Existe

    uma linha orte na fco cientfca de hoje que o que chamam de transhumanismo. A vida ps-

    biolgica. Como que voc pode daqui a alguns

    anos ter uma maneira de azer o upload de toda a

    minha memria biolgica para um computadorqualquer, por exemplo.

    [Fausto] Esse transhumanismo est em voga e

    no s de agora. Os uturistas tinham isso. Mashoje voc poder superar as limitaes corporais,

    porque digamos que o corpo est obsoleto. H

    prteses... O que interessante nisso que quan-do o cara ala em transhumano ele no se reere

    ao sistema nervoso central, o crebro no uma

    vscera.

    [Braulio] Ou um computador de carne.

    [Fausto] Ou um nhoque algoritmo. Nos ltimos

    anos teve o projeto genoma, alguns passos da ci-

    ncia oram dados para tentar uma mapeada de-

    fnitiva. No undo a gente continua com aquelaideia de Fausto, de Goethe, que querer transcen-

    der. a tara pela transcendncia.

    [Braulio] Alm dessa coisa que voc sabe que

    vai morrer de uma hora pra outra. O Greg Egan,

    um escritor australiano de quem gosto muito,escreveu uma srie de contos sobre um artea-

    to implantado na cabea da criana quando ela

    nasce, chamado de joia, como se osse um chipcom uma capacidade enorme de inormao. E

    tudo aquilo ligado aos neurnios, ento tudoque aquela criana est pensando, est pas-

    sando pela joia. Um crebro auxiliar artifcial.

    E a criana vai crescendo. Quando chega aseadulta ele ganha uma espcie de independncia:

    eles abrem o crnio, tiram o crebro de carne e

    deixam somente a joia l dentro. E o narradordo conto que deu origem srie diz, que os mais

    velhos perguntavam se ele no tinha medo de

    destruir seu crebro e fcar s com a cpia. E eledizia que no, porque desde pequeno, quando lhe

    explicaram o que era a vida, ele se considerava

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    o arteato. Aquele negcio de carne em volta

    como se osse um apndice, voc tira e continua

    vivendo normalmente. Ento o eu no era aquelecrebro que podia adoecer, pegar um tumor, ter

    um AVC, mas a joia inquebrvel. Porque se de

    uma hora para outra eu tivesse um acidente com

    o meu corpo, era s pegar aquilo e botar num ou-tro corpo e eu acordava de novo. um conceitode eu dierente, porque a gente est acostumado

    a identifcar o eu com o corpo. Ento existe essa

    possibilidade, e mesmo que ela no seja cient-fca, o simples ato de ela ser uma possibilidade

    literria e flosfca diz muito sobre quem ns so-

    mos ou gostaramos de ser.

    [Fausto] Acho que o grande barato da fco

    cientfca, independente da internet, que outravida poderia vir, por caminho gentico ou outro.

    Isso pra mim sempre oi o grande barato, o saltoflosfco, que em outras fces voc no acha-

    va, porque elas fcavam s no campo das ideias.

    Acho que isso est at na histria em quadrinhos,qualquer super-heri vira outra coisa, a ascina-

    o de ser mais do que . como o super-homem

    do Nietzsche e o Super-Homem super-herimesmo. Os dois em embate. Um vai por valores,

    sentimentos, para superar as raquezas, e o outro

    j pela mudana fsiolgica mesmo.

    [Sergio] Essa questo interessante, porque ela

    passa pelo nosso conceito de identidade, inclusi-ve na cultura. como se perguntasse se somos a

    pureza de um corpo ou a soma de arranjos, expe-rincias, criaes, situaes, encontros?

    [Fausto] Queria te azer uma pergunta, Braulio.Sempre reparei que a fco cientfca est ligada

    a catstroes. A partir da internet, com a bana-

    lizao (no bom sentido) da inormao, com ademocratizao mercadolgica, o transhuma-

    nismo est comeando a pipocar. Como a ima-

    ginao dos escritores vai lidar com isso, temsurpresa ainda?

    [Braulio] Acho que a fco cientfca virou umagregado de subgneros, ela oi crescendo mui-

    to rapidamente em direes dierentes. Voc alaem catstroe, mas por qu? A fco cientfca

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    europeia e norte-americana popular, no coi-

    sa de intelectual. Ela chegou depois aos intelectu-

    ais. Ento ela nasceu como orma de melodrama.E no melodrama voc nunca ala de sentimentos

    modestos, e sim de sentimentos gigantescos, exa-

    cerbados. Ento engraado pegar uma capa de

    revista de fco cientfca, um cartaz de flme, etem assim: Eles esto tentando salvar o univer-so. No o planeta Terra, o sistema solar, todo o

    universo. muita ambio gigantesca para o ser

    humano! Mas isso. um pouco a mentalidadeadolescente de quem est descobrindo seus su-

    perpoderes imaginativos. Sempre que pego um

    livro de mitologia grega penso que aquilo a fc-o cientfca da poca, tinha Hrcules, Perseu e

    hoje Wolverine, Batman. Os heris ganham a

    fsionomia do mundo para que o leitor se sintareetido neles. O Homem-Aranha fcou daquele

    jeito porque oi picado por uma aranha radioativa.S de ser radioativa o cara j sente que do mun-

    do de hoje. Isso uma coisa legal porque voc v

    que h uma substituio de mitologia pelo tecno-lgico, porque o mundo tecnolgico. Voc est

    mexendo nos nervos, na gentica, no hardware

    do ser humano. Mas por outro lado tem a fco

    cientfca utpica. Aquele negcio: vamos inven-tar a sociedade ideal. E impossvel. E as utopiasda FC so sempre uma sociedade presa, echada,

    que no admite o acaso, no admite o erro, mas

    sempre tem um transgressor l dentro.

    [Fausto] O mundo j oi totalmente religioso,

    depois oi muito humanista, e agora como seestivesse tecnocntrico. Essas trs coisas fcam

    dentro da gente. A fco cientfca tem o papel decutucar a transcendncia. Mas a gente no podedeixar de pensar que todo Jetson tem dentro de si

    um Flintstone. Vimos hoje com esse episdio [sereerindo ao rapaz que assassinou alunos em uma

    escola em Realengo, no Rio de Janeiro] que ainda

    somos aqueles primatas. Quem explica essa ma-luquice que o garoto ez hoje? Dostoivski, Kaka,

    esses escritores que oram undo nessas ques-

    tes, e em todos os tempos as questes que nosangustiam so mais ou menos as mesmas.

    [Braulio] O Flintstone o mesmo.

    [Fausto] E o eu tambm. Euzinho, Eguinho e

    Myselzinho, os sobrinhos do Patolgico.

    [Braulio]A questo botar ordem no caos, por-

    que o mundo o caos. Pergunte a um recm-nas-cido o que ele acha do mundo. o caos, a ele

    vai aprendendo quem papai, mame, o leite, tudo narrativa. Tem aquele negcio redondo e o

    pai diz: chuta. uma narrativa que o pai vai en-

    sinar, que se chama utebol. Tem uma descrioque acho muito bonita. Tenho amigos que gos-

    tam de velejar, vo daqui para a Europa! Pergun-

    to como eles lidam com ondas de 10 metros dealtura. A eles flosoam, dizem que o mar a me-

    tora da vida. Dizem: voc controla o mundo? ORio de Janeiro est se movimentando, um bueiro

    de Copacabana pode estourar do seu lado. Como

    voc se relaciona com o mar? No querendomandar nele. observando, conhecendo e nego-

    ciando com ele. A nica maneira de se relacio-

    nar com o mar a mesma de se relacionar como mundo. criando o seu roteiro. Voc tem que

    negociar um trajeto no meio desse caos de umjeito que voc no desperdice sua vida, se escon-

    dendo dela, mas tambm que no perca ela ao

    se expor demais. A narrativa para mim isso. Deato, nossa vida roteirizada. Ento a onda or-

    ganizar uma coisa que catica e, quando est

    tudo organizado, abrir uma janela para deixarum pouco de caos entrar. O acaso entrar. Se per-

    mitir azer coisas dierentes.

    [Sergio]Alis, quais so os planos para agora?

    [Braulio] Tenho trabalhado ultimamente comtradues. uma orma de prostituio onde eu

    escolho os clientes. At o fm do ano, lano umacoletnea de contos meus e duas antologias te-

    mticas de contos antsticos.

    [Fausto] A Martins Fontes lanar minha obra,

    com um indito, Favelost. Tem um outro livro

    que se chama Pororoca rave, que no sei ainda

    por onde vai ser lanado. Tem um seriado, na se-gunda temporada no Canal Brasil, que se chamaVampiro carioca, onde escrevo e atuo.

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    mam 68cultura e loucura

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    Na noite do dia 10 de junho de 1968, o Museu de

    Arte Moderna do Rio de Janeiro sediou o debateintitulado Amostragem da cultura/loucura bra-

    sileira. Convidados por Frederico Morais, cura-dor independente, crtico de arte e coordenadorde cursos do MAM no perodo, Hlio Oiticica e

    Rogrio Duarte bolaram o tema e oram os orga-nizadores do evento que entrou para a histria

    simplesmente como Cultura e Loucura. Um ms

    antes, no dia 23 de maio, o MAM j havia sedia-do o debate Critrio para o julgamento das obras

    de arte contemporneas, em que participao de

    Hlio oi eita atravs de um texto cujo teor eraa provocativa constatao da crise dos valores

    tradicionais e acadmicos como critrio de julga-

    mento nas artes de seu tempo. Esses dois debatesselaram uma parceria de trs meses entre Oitici-

    ca e Rogrio Duarte, iniciada em maio e com seuauge no dia 6 de julho de 1968, com o incio do

    evento Arte no Aterro um ms de arte pblica,

    realizado no Parque do Flamengo.

    Nesse mesmo perodo, o designer morava com

    Oiticica no Jardim Botnico. Tambm juntos,participaram das movimentaes cariocas dos

    compositores tropicalistas e atuaram no flme

    experimental Cncer, de Glauber Rocha. Valelembrar que em abril desse mesmo ano Rogrio

    oi preso ao lado de seu irmo e brutalmente tor-turado pela Ditadura Militar, enquanto Oiticicaj bolava sua sada do pas a partir de uma expo-

    sio planejada para Londres, que s ocorre no

    ano seguinte, 1969.

    Os trechos do debate que leremos a seguir, re-

    alizado durante a mesa Cultura e Loucura, portanto mais do que uma conversa datada na

    histria entre artistas, intelectuais e plateia. Oque temos aqui nesta transcrio indita das a-

    las daquele dia de junho no MAM so as vozes

    de pessoas que estavam no olho do uraco deuma poca dramtica do Brasil. Os participan-

    tes oram, alm de Frederico como mediador,

    Hlio, Rogrio, Caetano Veloso, o socilogo Sr-gio Lemos, Lygia Pape e o flsoo e aflhado do

    sambista Cartola, Nuno Veloso. Entre os nomes

    convidados, duas ausncias: Glauber Rocha eaquele que se tornou um dos principais assuntos

    da noite, Abelardo Barbosa, ou Chacrinha. E ago-ra, com vocs, Cultura e Loucura.

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    Bom, nesta mesa, esto presentes, da direita para

    a esquerda: Rogrio Duarte, que juntamente com

    Hlio Oiticica, o organizador do debate. Ao lado,

    ns temos Srgio Lemos, que um brilhante so-cilogo da nova gerao, proessor de Sociologia

    do Conhecimento e Sociologia da Vida Cotidiana,e que quando ento tem procurado estudar, en-

    tre outras questes, o comportamento sexual, eos mitos do consumo de massa. Em seguida, Ly-

    gia Pape, artista plstica, participante de um dos

    mais importantes movimentos da arte brasileira,que oi o neoconcretismo. Em seguida, Hlio Oi-

    ticica, tambm ex-integrante do neoconcretis-

    mo, e, alm de artista de vanguarda da maior im-portncia, tambm um terico e um escritor de

    muito talento. Em seguida, Caetano Veloso, que

    no preciso apresentao, porque vem revo-lucionando a msica popular no Brasil. E, fnal-

    mente, Nuno Veloso, provavelmente, o menos co-nhecido aqui, neste momento, mas Nuno Veloso,

    que oi o ex-presidente da ala de compositores da

    Mangueira, e ez um curso de doutorado livre, na

    Alemanha, tendo como proessor Marcuse, entreoutros, exatamente os flsoos a da moda, n,

    os flsoos pop. assistente tambm da cadei-ra de Filosofa Alem, na Universidade Livre, no

    Instituto da Europa Oriental. E oi um dos pro-essores de Rudi Dutschke isso um ato muito

    importante. Bem, eita a apresentao, ns consi-

    deramos agora aberto o debate, e estamos aindaaguardando a presena de Chacrinha, que dever

    sentar ao meu lado. Glauber Rocha e FernandoGabeira no puderam comparecer.

    O conceito de gnio oi uma coisa criada pela clas-

    se dominante, na Renascena; uma coisa que

    pra mim no existe mais. Eu j cansei de dizer, porexemplo: pra mim, a Mirinha da Mangueira, que

    mal sabe ler, diz coisas muito mais importantes doque qualquer gnio desses da humanidade. Hoje

    em dia, a tendncia acabar com tudo isso. Esse

    conceito de gnio no existe mais. uma coisa

    helio oiticica

    frederico moraes

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    | 39

    que Lygia Clark defne como a precariedade do

    momento. Quer dizer, cada momento que a

    criao. Agora, eu acho que o Chacrinha, den-tro desse negcio, de momento da criao, ele

    proundamente criador, porque tudo que ele

    az uma coisa criadora, ele no est l pra de-

    sempenhar um papel. Eu sei que ele consumotambm, sei que ele pode ser um instrumento dedomnio da massa, agora, tambm uma coisa

    criadora. Porque ns vivemos numa sociedade

    capitalista, todas as coisas boas e ruins so instru-mentos de domnio, de modo que... Por exemplo,

    Danny Kaye um gnio antstico, um grande

    comediante, mas tambm era um instrumentode domnio da cultura americana, para se impor

    no mundo. Uma coisa no pode ser vista separada

    da outra. J a loucura seria o que no eito. Porexemplo, uma pessoa tem um ataque, arranca os

    cabelos, isso da uma loucura, mas uma lou-cura que se maniesta. Ento, um ato criador.

    uma coisa que est se maniestando. Agora, a

    loucura morta mesmo, como uma coisa morta, o que voc no ez, e no maniestou. O que fca

    na subjetividade e se volta para ela mesma. Isso

    que seria a loucura mesmo. Cientifcamente ex-

    plicada, seria isso. Ao passo que todas as outrascoisas no mundo, so coisas apreensveis, e noso coisas loucas. Ento, isso.

    Eu gostaria que o Carlos Saldanha viesse aqui

    alar. Quem Saldanha? Saldanha uma pessoaque eu conheo h muitos anos, e que depois via-

    jou, passei quatro anos sem ver, e agora ele apare-ce, e conta uma poro de coisas novas. Eu come-cei a me interessar mais ortemente por Saldanha

    quando o vi no trabalho, azendo um flme com o

    Glauber Rocha, do qual eu participei como ator,com o Hlio Oiticica, chamado Cncer... Ento,

    quando eu o vi no trabalho, eu me surpreendicom um tipo de integrao, que me parecia quase

    impossvel, entre uma pessoa e uma erramen-

    ta, no caso, uma mquina modernssima, que uma cmera de cinema, de som direto. Depois eu

    vi, junto com o seu instrumento de trabalho, um

    caderno de anotaes sobre revelao de flme,

    sobre curvas, latitude, sobre problemas de som,

    de eletrnica. Eu suponho que seja isso, porqueeu no entendi direito, era um tipo de especula-

    o de cientistas, que eu no me sentia assim,

    altura de acompanhar, mas eu pude ver que aqui-lo era misturado com uma srie a de outros tipos

    de trabalhos, como os trabalhos de Pascal, ondeele questionava uma srie de coisas undamen-tais, ou mesmo onde ele undamentava, onde ele

    nomeava, onde ele tomava a palavra. Eu queroazer disso a minha resposta, pelo seguinte, me

    lembrando de uma antiga difculdade de acom-

    panhar o que o Saldanha sempre chamou de avelocidade dele, e vendo que dessa vez eu estava

    mais gil para esse acompanhamento, de repente

    eu realmente perdi, a partir disso, a noo da di-erena entre o processo de criao e a loucura.

    Porque eu perdi a medida, realmente uma sriede medidas. Eu enlouqueci, fquei embriagado,

    e me perdi. E eu no sei qual o meu processo,

    se eu sou sujeito ou objeto da minha loucura, porexemplo. Eu no sei se a minha obra criada por

    mim ou pelos outros. Eu no sei se existe alguma

    coisa que eu pudesse chamar de obra, entende? Adifculdade se estende, arrodeia o plano do con-

    ceitual, porque nos trai na prpria matria doconceito. Eu no sei se isso que eu estou dizen-

    do az sentido, e tambm no sei qual o sentido

    que az o prprio sentido. E, de repente, as pala-vras comearam a se comer umas s outras, como

    num processo de leucemia...

    Bom, eu vou alar sobre Marcuse, mas isso nosignifca que eu seja especialista em Marcuse.

    Qualquer pergunta que vocs queiram azer so-

    bre ele depois, eu espero que se dirijam ao Nuno,que especialista nisso. que h um trecho num

    livro dele, que me pareceu uma resposta ao pro-blema da loucura,. E ento, eu fz uma pequena

    sntese, que eu vou ler aqui pra vocs. Marcuse

    nos ala que o homem animal converte-se em

    ser humano atravs de uma transormao desua natureza. Isto , do princpio de prazer, o ho-

    mem passa ao princpio de realidade, onde essehomem desenvolve a uno da razo. Torna-se

    rogrio duarte

    lygia pape

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    um sujeito consciente, e que parte para uma ra-

    cionalidade que lhe imposta de ora para den-

    tro, e, logicamente, condicionado por essa cultu-ra. Mas um modo de atividade mental que est

    separado ou isolado dessa organizao mental

    nova, a antasia, que est protegida das altera-

    es culturais. Essa antasia, que eu chamarialoucura, conunde-se com o sentido de liber-dade, e o elemento deagrador da criao, da

    inveno. Toda boa cultura estabelece padres

    sociais, morais, polticos, artsticos, etc. Eles soa prpria deesa contra qualquer mudana na

    sua estrutura. O homem enfa-se dentro de uma

    orma segura, echada e castradora, mas que eleconhece. A loucura, antasia e criao propem

    estruturas abertas, em que o homem levado a

    reetir e desmontar seus critrios de razo, e a teruma viso dinmica das coisas. Desconfo sempre

    do sucesso de qualquer... Bom, isso aqui agora j a minha opinio. Desconfo sempre do sucesso de

    qualquer coisa aceita sem reservas, pois algo est

    errado: ou no oi compreendido ou uma ormaacomodada a essa cultura. Toda agresso supe

    uma transormao. necessrio corromper os

    valores, e para azer isto, temos coisas novas, que

    do estruturas novas, que do uma linguagemnova, que a inveno. A criao uma totalidade,a loucura como ato total. Relembrando: criao,

    loucura e antasia so os elementos deagradores

    de qualquer inveno. A razo vem depois, comoelemento conscientizador, e como degrau para

    uma nova criao, antasia, loucura. um ciclo

    infnito, a prpria vida. a loucura que salva ohomem. Eu fz uma colocao sucinta assim, mas

    a loucura pra mim signifca uma abertura, uma li-berdade, no sentido de criao e de inveno, isso

    dentro do meu trabalho, ou dentro de qualquer

    outra atividade humana.

    Eu queria dizer que o meu pensamento utua. Eu

    s posso dar um testemunho, azer uma espcie

    de confsso sobre o que aconteceu com o meutrabalho. Isso talvez me aproxime realmente de

    muito do que oi dito nesta mesa. Por exemplo,

    quando eu alei que o Chacrinha era mais cultura

    do que o Flvio Cavalcante, isso implicava ne-

    cessariamente numa atitude. Eu acho que inclu-sive algum, logo depois, disse: Mesmo porque

    gostar de Chacrinha agora j moda. Eu no te-

    nho muito medo da moda, mas acontece que f-cou estranho gostar de Chacrinha, pode ser uma

    priso mais echada do que negar Chacrinha, eapagar, e no consider-lo como representanteda cultura brasileira. Entretanto, a resposta do

    Hlio Oiticica, quando disse que o Flvio Ca-valcante ascista e o Chacrinha no ascista,

    realmente me agradou na hora em que eu ouvi.

    Eu no tenho muita conscincia sobre isso, no uma conscincia imbatvel, eu no quero impor

    o meu pensamento, mas eu gostaria de dizer que

    realmente, enquanto o trabalho explcito do Sr.Flvio Cavalcante policiar a criao brasileira,

    que se dirige ao consumo de massas, o Chacri-

    nha um elemento criador dessa prpria artede consumo, e o mais genial e criativo de todos.

    Realmente, ele me oerece elementos para oenriquecimento da minha criao, mas eu no

    gostaria que as pessoas no viessem a pensar no

    Chacrinha como o maior pensador sobre a rea-lidade brasileira, mas, sim, que reconhecessem,

    nessa criao brutal que vai atravs da televisode um pas subdesenvolvido, alguns elementosde brutalidade mesmo, que me podem ser muito

    caros. E que a prpria inspirao, nesse senti-do, j denota um movimento ao qual eu quero...

    como se diz?... me engajar, sei l, quer dizer, a

    um movimento de enlouquecimento da culturanacional, no sentido de que seja uma intuio

    brutal, inicial, como a necessidade de uma nova

    razo.

    Qual a loucura que ter importncia? Ser a

    loucura de no prendermos as nossas limitaes

    da aparncia. Fundamentalmente, isso. A con-venincia nossa, da pequeno burguesia, que se

    choca com o Programa do Chacrinha, deve ser

    derrubada, porque ela nos impede tambm deazermos coisas inconvenientes. A nossa opo

    contra o sistema prejudicada, atrasada, pelonosso culto aparncia, o nosso culto conve-

    caetano veloso

    srgio lemos

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    nincia. E quando azemos, ser sempre no n-

    vel da convenincia, como convenincia, como

    aparncia, para aparentar negar o sistema. A ne-gao real, a revolucionria, ela se torna impos-

    sibilitada a ns, pequenos burgueses, por esse

    culto aparncia. Quebrar a nossa aparncia,

    nos humilhar, no ruim, bom. A alienao, aseparao entre indivduo e sociedade, eviden-temente que no irredutvel, mas o que nos in-

    teressa valorizar a loucura enquanto protesto,

    enquanto negao, ormulao de novas estrutu-ras. E a luta pela idealizao de novas estruturas

    exige uma descrena, uma desmoralizao das

    estruturas vigentes, atravs daqueles laos que osprendem a ela, daqueles controles no caso espe-

    cifcamente do pequeno burgus, a aparncia. Va-

    mos dizer que eu no teria coragem de dizer estascoisas, se no tivesse renunciado, durante alguns

    acessos de loucura h anos atrs, da aparncia dohomem certinho, direitinho. Eu ui congregado

    mariano, inclusive, eu vivia do culto da aparn-

    cia, eu seria incapaz de pensar que realmente pu-desse haver o que na poca eu chamara injustia

    social no Brasil. Porque isso me aria trair aquela

    aparncia do homem certinho, do bom mocinho,

    direitinho, bonitinho. Houve choques...,vamosdizer, me chocaram, que de algum modo, mehumilharam muitas vezes na vida. Eu tive que

    desistir da aparncia pequeno burguesa, e que,

    realmente, aquilo podia no uncionar, deixou deser sagrado. claro que est sempre a cultura de

    massa, est sempre o sistema reabsorvendo todas

    as suas negaes. Cada vez que or reabsorvido,passamos pra outra. Creio, nesse sentido, que as

    polticas so um pouco isso.

    Eu tenho impresso que a gente pode encontraronte de encontros e desencontros em qualquer

    maniestao da vida. Isso no quer dizer queseja uma novidade, que esteja buscando qual-

    quer coisa de nova, quando se az uma nova arte.

    Acho tambm que a inteno do Hlio, quandooi procurar os morros, no oi criar o Parangol,

    eu acho que a vivncia nos morros que levou

    ele a azer essa arte, que ala muito bem da des-

    coberta do lixo das avelas. Essa arte dele tam-

    bm social, ainda que muita gente no entendaassim. E depois, eu acredito realmente que haja

    um certo exagero nele, nesse amor pela Man-gueira. Mas eu acho que, na parte histrica da

    coisa, de toda a criao da arte eminentemente

    popular, no sentido de samba, e de bordados, eessas coisas todas, comearam com a libertao

    dos escravos em 1888 aqui no Brasil. E o primei-

    ro ncleo de escravos livres aqui, no Rio de Ja-neiro, oi justamente de Mangueira, onde hoje

    em dia chama-se Morro do Telhado no tempo,Morro Pindura Saia, porque as escravas lavavam

    suas roupas e penduravam no alto do morro de

    Mangueira. tambm a escola mais antiga. Vaiazer 40 anos, ano que vem. Essa ideia toda, que

    hoje se chama de burguesia no samba, essa coisa

    toda, nasceu de um erro de um governo: por vol-ta de 1937, 38, se criou uma coisa chamada Esta-

    do Novo, e esse Estado Novo que exigia, obri-

    gava a escola de samba a manter um enredo quealasse de qualquer ato patritico, que depois oi

    modifcado para regional ou olclrico, mas eras ato patritico. Eu, pessoalmente, sou contra

    isso, mas a ideia... Quando eu passei a morar nos

    morros, eu consegui mudar esses itens, para levartambm o artesanato a essa ideia, quer dizer, con-

    tar esse ponto no s para a dana, e para o sam-

    ba, e a msica, mas tambm para o bordado dasbandeiras, o bordado das roupas, que houvesse

    oportunidade para todo mundo ter a sua expres-so cultural, no morro. Agora, se depois disso se

    desvirtuou, se hoje em dia existem escolas que

    empregam profssionais para o seu carnaval, isso

    evidentemente no culpa do morro, e muitomenos na da Mangueira.

    [Auditrio] Voc veio aqui alar sobre Marcuse, eagora est alando da Mangueira?

    [Frederico] Um momentinho. O debate sobre aamostragem da cultura brasileira; samba e Man-

    gueira azem parte da cultura brasileira.

    [Nuno] Quem tem questes sobre Marcuse, podeperguntar. Ningum? Ento, posso continuar.

    [Hlio] Por que que Marcuse bom, e a Man-gueira no ? Ah, muito melhor.[Nuno] Acabou.

    nuno veloso

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    nuno veloso

    Encontrei com Nuno Linhares Veloso na EscolaSuperior de Guerra, na Urca, onde ele trabalha-

    va como proessor titular de flosofa, em 2001.

    Ele vestia um terno escuro, tinha olhos azuis ecabelos brancos lisos. No era o lugar mais co-

    mum para se encontrar um sambista, nem a sua

    estampa batia com a dos bambas do morro daMangueira, onde morou durante muito tempo

    em companhia de Cartola e Zica.

    Mas estas aparentes contradies nada signif-

    cavam para Nuno. Alm de ter sido parceiro deCartola, lendrio sambista mangueirense, tam-

    bm oi assistente de Herbert Marcuse, flsoo

    alemo que inuenciou as mentes revolucion-rias da contracultura mundial, nos anos 1960.

    Nuno sempre preeriu estudar do que trabalhar,o que para ele eram coisas distintas. Antes de

    se aventurar em um doutorado na Alemanha j tinha concludo um mestrado em Filosofa

    da Arte, na Inglaterra. Paralelamente ocupava

    a distinta posio de integrante e, depois, pre-sidente da Ala dos Compositores da Estao

    Primeira. O responsvel pela sua dedicao ao

    estudo e ao samba era o Divino Cartola, comoo chamava Lcio Rangel. Alis, oi na casa do

    jornalista que eles se conheceram. Nessa poca,Cartola iniciava um romance com Zica e voltava

    a Mangueira, de onde estava aastado desde o

    fnal dos anos 1940. Nuno no conhecia Cartolapessoalmente, mas j requentava o morro des-

    de a adolescncia.

    memria | por mauricio barros de castro

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    Descendente de Jos Linhares, ex-presidente da

    Repblica, Nuno nasceu em 1930 e perdeu a me

    aos sete anos de idade. O ato de ter perdido ospais muito cedo lhe deu certa liberdade para va-

    gar pela cidade. Nuno estudava como interno no

    Colgio Pedro II, em So Cristvo, de onde esca-

    pava para Mangueira. Eram poucos os fnais desemana que voltava para Laranjeiras, onde mora-va com um irmo mais velho.

    Seu destino era o morro, onde encontrava o sam-ba, o ambiente comunitrio e o carinho de Zica,

    que praticamente o adotou. Quando ela e Cartola

    comearam a namorar, no incio dos anos 1950,ele se tornou um flho para os dois. Moraram jun-

    tos na Mangueira e em diversos outros lugares,

    como o casaro da Rua dos Andradas, no centroda cidade, embrio do Zicartola.

    Nuno oi um dos responsveis indiretos pela cria-o da amosa casa de samba de Zica e Cartola,

    que oi um importante espao de resistncia cul-tural e poltica da poca. Foi ele quem apresentou

    o sambista mangueirense a seu primo Eugnio

    Agostini, jovem empresrio que teve a ideia de

    criar o Zicartola e fnanciou o empreendimento.

    A esta da inaugurao da casa oi em 1963. Osobrado da Rua da Carioca, tambm no Centro,

    endereo do Zicartola, fcou lotado, mas Nuno e

    Carlos Cachaa no conseguiram chegar, acaba-ram comemorando num botequim da Central do

    Brasil.

    Pouco tempo depois, Nuno partiu para Alemanhapara cursar o doutorado em Cincia Poltica, sob aorientao de Marcuse. Quando voltou, no incio

    dos anos 1970, o Zicartola j tinha echado as por-

    tas, em 1965.

    Nuno oi o primeiro sambista das escolas a gravar

    a voz num LP dedicado a sambas-enredo, substi-tuindo ningum menos do que Jamelo, o prin-

    cipal intrprete da Mangueira. Como afrmouo jornalista e pesquisador Srgio Cabral, ele eraum branco com voz de negro. Justamente por

    isso pde cantar no conjunto Os Cinco Crioulos,

    mas pelo mesmo motivo no apareceu na capa

    do disco. Era branco e no crioulo.

    Participou tambm da primeira verso do grupo

    A Voz do Morro, ao lado de nomes como Cartola,Nelson Cavaquinho, Z Kti, entre outros cle-

    bres da velha guarda. As composies de Nunoj oram gravadas por Elza Soares, Elton Medei-ros e o prprio Cartola, entre outros, mas ele

    nunca quis se profssionalizar.

    Nuno se manteve como proessor universitrio

    e nunca assinou um contrato de direitos auto-

    rais por suas composies, embora precisassede dinheiro. Tinha um carro velho, morava num

    apartamento modesto na Lagoa e reclamava daaposentadoria minguada. Casou diversas vezes

    e sempre que os casamentos acabavam deixava

    tudo para as mulheres, sem discusso. Afnal,contava que ora eliz com todas as suas esposas.

    Tambm gostava de lembrar do tempo em que

    vagava pelas ruas do Rio, ao lado de Cartola, semrumo certo, parando nos botequins para beber

    pau-pereira.

    Fiquei comovido com a notcia de sua morte,em 2009. Tirando a tristeza, tinha me sentido damesma orma quando o entrevistei. Comovido.

    Branco com voz de negro. Intelectual e sambis-

    ta. Cartola e Marcuse. Nuno no via contradi-es. Nem eu. Podia ver o sambista por detrs

    do terno escuro, da pele branca e dos olhos

    azuis. Principalmente quando cantou, lgrimasnos olhos, um samba que comps com Cartola,

    numa pequena sala da Escola Superior de Guer-ra. A seguir, alguns trechos desta conversa:

    marcuse e cartolaAcho que comigo, embora ns tivssemos

    tanta amizade, estivssemos juntos em todo lu-

    gar, ele oi muito chato. Como no teve muitaoportunidade de estudar, ele me obrigava, oi

    me matricular, me orou a azer vestibular, eu

    tinha que ir e ele fcava l, esperando. Houve apossibilidade de azer um Mestrado na Ingla-

    terra, ento ele me obrigou a estudar ingls, ame candidatar.

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    E eu me perguntava como ia pra l, ento entrei

    pra marinha mercante, ui pra Inglaterra, fz o tal

    Mestrado em Filosofa da Arte, a voltei e apare-ceu a oportunidade de azer Doutorado na Ale-

    manha. Eu tive que aprender outra lngua e l ui

    eu pro doutorado.

    Foi l que voc oi assistente do Marcuse?

    Foi l que eu ui assistente do Herbert Marcuse.

    Eu s podia azer o doutorado e voltar ao Brasil, a

    promessa era essa, mas na hora de vir embora, meconvidaram pra dar aula em alemo, na Alema-

    nha, e ser assistente do Marcuse, que oi emborapra Calirnia e eu fquei como proessor titular...

    Cartola dava ora, me escrevia toda semana, no

    carnaval me mandava antasia da ala dos compo-sitores, que eu azia parte, e eu chorava como um

    desesperado, era um dbil mental, pior que ainda

    sou, qualquer coisa eu choro.

    Eu perdi meus pais muito cedo, mas tive sorte

    porque, de repente, todos eram meus pais e todaseram minhas mes, s vezes no sabia como, mas

    acordava na casa de um, fcava amigo do outro...

    Lembro que quando voltei da Alemanha, j Dou-tor, e eu no tinha pra onde ir, e o Nelson Cavaqui-

    nho oi me esperar. Nelson Cavaquinho, o Cartolae o Elton Medeiros, que fcou muito meu amigo...

    A eu disse: Eu no tenho pra onde ir, e o Nelson

    respondeu: Vai l pra casa, eu respondi: Noquero te atrapalhar, Nelson, e ele, O ltimo lugar

    que eu vou a minha casa, voc pode ir l, fcar vontade. E eu ui, s que a casa dele era longe pra

    chuchu, l depois do cemitrio do Caju, oi umacasa que ele tinha ganho de um desses preeitos,eu ui l, fquei uns dias, depois acabei voltando

    pro morro mesmo.

    O Lcio Rangel, tio do Srgio Porto, o Stanislaw

    Ponte Preta, tambm fcou muito meu amigo,

    e eu ia dormir muito na casa dele. Eu ia dormirmuito na casa de quem tivesse dando sopa, quem

    eu encontrasse no bar, porque endereo eu notinha. Dormi em escritrio na cidade, dormi em

    tudo, mas no tinha muita direo. Eu lembrei

    do Lcio Rangel porque uma vez ns estvamos

    voltando pra casa e ele viu que uns caras iam nos

    assaltar e eu no reparei, era perto de uma igrejae ele ajoelhou na porta da igreja, ajoelhei do lado

    dele, a os assaltantes passaram direto. Lcio era

    esperto, a ele levantou, eu nem reparei, a ele a-lou: Voc no viu?, eu alei que no. Ele disse:

    Os caras iam assaltar a gente. A eu agradeci:Obrigado por ter esse esprito de ajoelhar na

    porta da igreja, uma igreja no Leblon.

    O sobrinho do Lcio, o Srgio Porto, Stanislaw

    Ponte Preta, descobriu que o Cartola estava

    lavando carros ali em Ipanema e o Srgio per-guntou: Voc o Cartola?. Ele disse que sim. O

    Srgio perguntou: Mas onde que voc anda,

    azendo o qu? Cartola respondeu: Trabalhan-do, lavando carro. Mas voc no az mais msi-

    ca?. Fazer eu ao, mas....

    Vou contar uma coisa engraada, consequncia

    do Zicartola. Uma das pessoas que apareceraml oi a Nara Leo, que gravou um samba do Car-

    tola que ez um sucesso ormidvel, tem mais de

    vinte e tantas gravaes, e o Cartola achava ruimporque ela mudou, mudou no, ela errou na le-

    tra. Mas a msica O Sol nascer, porque a his-tria acaba, se or meio dia o sol vai nascer, no,o sol voltar que eu escrevi, mas fcou conhecido

    como o sol nascer. A fcou, e ele no podia mu-

    dar mais. A o fm da tempestade, se or de noiteo sol nasce, se or meio-dia o sol no vai nascer

    nunca. Ele fcou doido de raiva dela ter gravadoerrado, mas ez um sucesso ormidvel, ento va-

    leu a pena.

    Bom, mas voltando ao Zicartola, parecia uma

    coisa muito boa, mas nunca conseguiu dar lucro,

    nem pagar as despesas da sobrevivncia. Umahistria engraada que o Cartola reclamou que

    eu e o Carlos Cachaa no omos na inaugura-

    o, e a gente alou: Como que no omos, o-mos sim, e ele perguntou: E por que vocs no

    entraram?, alamos: Ah no, ns fcamos num

    boteco ali perto da Central. Realmente, ns noomos, mas estejamos. Saltamos do trem e pen-

    samos vamos tomar uma, a fcamos tomando.Quer dizer, omos na inaugurao, no amos

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    deixar de ir, o negcio que ir ao local a genteno oi, mas que estejamos, estejamos.

    A inaugurao oi depois da casa j estar abertadurante algum tempo?

    Foi depois. Com shows e tudo mais. Mas acomo os scios deles saram, Zica fcou como

    nica dona, e se j no dava certo no tempo anti-

    go da administrao do Eugnio Agostini, com elasozinha que no deu, era muito fado, ento aca-

    baram tendo que echar, mas a o Cartola j estavaganhando dinheiro com a msica...

    Quando comeou a modernizao do samba?

    O primeiro desfle de escola de samba oi um

    macumbeiro que ez, o Z Espinguela. Mas j ha-via uma escola de samba rente das outras, que

    era o Estcio, tanto que tem um samba do Cartola

    que diz: Muito velho, pobre velho/ vem subindoa ladeira/ com uma bengala na mo/ o Estcio,

    velho Estcio/ vem visitar a Mangueira e nos dar

    satisao/ proessor chegaste atento/ pra dizerneste momento o que devemos azer/ estamos

    mais animados/ a Mangueira aos seus cuidados/vai a cidade descer. A tinha um jornal que come-

    ou a promover desfles na Praa Onze. Depois

    passou a ter desfle na Avenida Rio Branco, onde a Cinelndia, e depois na Getlio Vargas. Ento

    fzeram esse sambdromo. Na dcada de 1930,

    andar com um violo era igual andar com umametralhadora hoje, ia preso na hora, era s ma-

    landro que tocava violo. Ento, eles tinham que

    se abrigar pra azer samba de umbigada, dar per-

    nada, aquelas coisas. Eles se reuniam perto da

    Praa Onze, numa balana onde os trens pesa-

    vam as cargas. O Cartola at ala disso no sambadele, dos tempos idos em que os malandros iam

    sambar, perto duma balana. Ento, a evoluo

    desse samba marginal at ser aceito realmente

    comeou com os desfles da Praa Onze, com oZicartola. O pessoal da Zona Sul comeou a ir, e

    tudo oi se transormando, porque a bossa novatrouxe muito de msica americana e o samba oi

    acelerando estes ritmos todos. Hoje em dia, namsica, quase tudo igual, esse pessoal que est

    azendo esses pagodes quase tudo igual, tem

    at coisas que eu no vejo muita graa, mas es-to na moda. Eu ainda acho mais bonito o tipo

    de samba que a gente azia.

    Por que voc nunca quis ser um sambista pro-

    fssional?

    Ah, nisso eu era igual Cartola, como que vou

    comercializar um negcio que vem naturalmen-

    te, que Deus me ajuda? Depois convenceramo Cartola de que no era nada disso. Eu nunca

    quis. Quando eles estavam azendo discos pra

    ganhar, todos eles, eu no ia pra assinar contra-to, eles botavam meu nome, mas eu no queria,

    nem direitos autorais, nada disso. Eu no quis, oporqu eu no sei, na verdade eu precisava mui-

    to, as minhas duas aposentadorias de aculdade

    do menos que dois mil reais, o dinheiro todoque eu ganhei as mulheres acabaram fcando,

    eu deixava apartamento, as coisas que eu tinhacomprado, eu no tinha jeito de discutir, ento

    estas coisas eu aprendi com o Cartola.

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    a obra de artena era da insanidade tcnica

    frederico coelho

    I

    Em 1904 o poeta parnasiano Olavo Bilac e intelectual ativo do meio cultural

    carioca, pouco estudado pelo preconceito que criaram com sua poesia exces-

    sivamente pomposa e palavrosa escrevia protico que A atividade humana

    aumenta numa progresso pasmosa. J os homens de hoje so orados a pen-

    sar e executar, em um minuto, o que seus avs pensavam e executavam em uma

    hora. A vida moderna eita de relmpagos no crebro e de ruos de ebre nosangue".

    No Brasil, durante as duas primeiras dcadas do sculo XX, escritores e intelec-

    tuais como Bilac e Joo do Rio, Lima Barreto, Coelho Neto, Theo Filho, Ribeiro

    Couto, Benajmin Costallat, Bastos Tigre, Ronald de Carvalho e muitos outros

    que quase nunca so lembrados eram engolidos pelas mudanas tecnolgicas

    (a amosa era da reprodutibilidade tcnica de Walter Benjamin), pelas trans-

    ormaes polticas da mudana de regime (de um Imprio extemporneonas Amricas para uma Repblica catica), pela ascenso de uma nova classe

    burguesa especuladora das ortunas do ca e das brechas de um novo Estado

    montando sua dbil burocracia, pela necessidade pessoal de ter um emprego

    pblico para sobreviver como intelectual (isto , de se aliar a um compadrio que

    criava uma espcie torta e viciada de mecenato), pela ecloso catica de floso-

    fas e escolas importadas como o positivismo, o decadentismo, o eugenismo, o

    comunismo, o liberalismo e o anarquismo e pelo precrio e mnimo mercado

    editorial. A sada era publicar seus textos nos inmeros inmeros! jornais erevistas semanais da poca. E aguardar o resultado grandioso de seu talento ou

    o comentrio camarada do compadrio que confrmava sua mediocridade.

    Eis que uma gerao pressente o cataclisma, recusa os mesmo meios e ormas

    de trabalho do literato e do bacharel Acadmico da virada dos sculos e abre o

    Brasil para mundo das ideias no como receptculo passivo para meros repro-

    dutores/diluidores. Uma gerao chega propondo uma prxis inter/nacional,

    uma orma de se pensar e produzir cultura a partir da lngua nacional pormcom os ps e as cabeas em outras paragens, pedem para os pintores abraa-

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    rem a paisagem local de orma radical, pedem para os msicos incorporarem

    no vocabulrio erudito ocidental a sonoridade catica e inventiva das matas e

    dos interiores do pas. O modernismo e a semana de arte moderna de 1922

    como seu momento-sntese incorporavam temas e prticas que, no limite,

    anunciaram as bases para novas ormas de produzir e pensar a cultura no Bra-sil. No a toa que dois dos livros mais defnitivos sobre a cultura brasileira

    nascem do amadurecimento deste mpeto radical de renovao no pas: Razes

    do Brasil, do modernista Srgio Buarque de Hollanda e Casa Grande e Senzala,

    do regionalista-modernista Gilberto Freyre. Mrio de Andrade em um ensaio

    de 1940 diz retroativamente que O modernismo oi um toque de alarme. Todos

    acordaram e viram pereitamente a aurora no ar. A aurora continha em si todas

    as promessas do dia, s que ainda no era o dia.

    O dia j chegou?

    II

    Entre 1960 e 1967 jovens cineastas espalhados pelo Brasil se renem na articu-

    lao nacional que a vida na Capital Federal (Guanabara) proporcionava aos

    que produziam cinema. Aps seus primeiros flmes via cooperativas (Barraven-

    to), experimentalismo documentais (O poeta do Castelo,Arraial do Cabo, Opi-

    nio Pblica) e articulaes com instituies culturais como o CPC (Cinco vezesavela), essa gerao rompe com o modelo vigente de produo e distribuio

    de flmes brasileiros e, imberbes, undam duas empresas: A MAPA FILMES,

    ncleo coletivo de produo cinematogrfca e a DIFILM, parceira coletiva de

    distribuio. Essa gerao enrenta os dilemas fnanceiros para se azer cultura

    no pas e revolucionam o mercado nacional, conseguindo ganhar prmios no

    exterior e azer sucessos nacionais como Deus e o Diabo na Terra do Sole Os

    Caajestes. Se organizaram coletivamente para repensar como poderiam viver

    da sua arte, como poderiam viabilizar suas profsses de alto risco: cineastas.Glauber escrevia em 1963 um texto que deveria ser relido por muitos, chamado

    Economia e Tcnica. Ali, onde ele expe todas as mazelas e pro-blemas para

    um produtor independente azer cinema no Brasil, ele diz (o texto deveria ser

    lido/publicado na ntegra, mas imenso, echa o livro Reviso do Cinema Brasi-

    leiro): Este o problema que ns, os produtores independentes, enrentamos:

    a distribuio e a concorrncia das distribuidoras estrangeiras. Por outro lado,

    distribuidoras nacionais so mal-aparelhadas e compostas por comerciantes de-

    sonestos, que no res-peitam nem cumprem contratos. A histria, simples, aseguinte: quando, depois de sete ou oito meses, o produtor independente rece-

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    be a primeira cpia do flme, est geralmente endividado, porque as desorgani-

    zaes habituais de nossa produo ultrapassam em dobro o tempo normal de

    flmagem. Com ttulos bancrios s portas do vencimento-protesto, o produtor

    independente procura o distribuidor e pede uma data. Via de regra, o cidado

    torce o nariz e diz que a fta no presta, no comercial.

    A histria sobre os dramas do produtor independente segue e as palavras de um

    jovem Glauber (tinha 24 anos e j estava se colocando na reta, publicando um

    clssico da histria do cinema nacional e dando nome aos bois no debate cul-

    tural do pas) mostram que o drama permanente dos que chegam por ltimo

    no palco da histria so, necessariamente, subversivos, desestabilizadores,

    inventores, questionadores do estabelecido, criadores das NOVAS FORMAS

    de se viver rente aos novos tempos. Glauber e sua gerao tinham que rompercom o cinema nacional que estava sombra das grandes empresas internacio-

    nais e dos grandes estdios brasileiros que no investiam no risco, no cinema

    de autor, na inveno de novas linguagens e experimentos cinematogrfcos.

    Eles pararam de azer cinema? Eles se recusaram romanticamente a se adaptar

    regra vigente e se mataram? Eles aceitaram passivamente a situao posta e

    abriram mo de seus desejos de criadores? No. Eles criaram OUTRAS FOR-

    MAS DE NEGCIO. A MAPA produes oi ruto da reunio profssional de Ze-

    lito Vianna, Glauber Rocha, Walter Lima Jr., Paulo Csar Sarraceni e RaymundoWanderley Reis e a DIFILM tinha na sua undao onze scios Marcos Faria,

    Cac Diegues, Leon Hirszman, Zelito Viana, Roberto e Rivanides Faria, Joaquim

    Pedro de Andrade, Walter Lima Jr., Paulo Csar Sarraceni, Glauber. Se algum v

    nessa iniciativa coincidncias ou afnidades com crowd undings e associaes

    coletivas de artistas, isso mesmo.

    III

    Em 1965 o cinema nacional no oi somente revolucionrio porque era novo,assim como o modernismo em 1922 no oi histrico porque era moderno.

    Assim como esses dois momentos, tivemos vrios outros em que novos agentes

    da produo cultural inventaram novas ormas ou propostas para realizarem

    seus trabalhos desde o grupo Nuvem Cigana at os criadores do Manguebit.

    Os grupos ao redor do Cinema Novo e do modernismo, marcaram e superaram

    momentos em que se colocava de orma incontornvel o seguinte impasse para

    o criador cultural: de um lado a possibilidade a partir de novas tcnicas e lingua-

    gens de azer de orma livre, inovadora e crtica o seu traba-lho enquanto obracriativa e mercadoria esttica; e do outro as vrias barreiras para isso aconte-

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    cer, como a alta de condies e incompreenses conservadores impostas pelos

    que dominam ou ditam as normas e os dinheiros de uma dada poca. E ambos,

    cineastas autorais cooperativados e escritores e artistas vanguardistas insatis-

    eitos com o estado conservador e atrasado da cultura brasileira, apresentaram

    sadas originais e efcazaes, mesmo que temporariamente. Seja na orma, sejana prtica. Despejaram maniestos revolucionrios, livros experimentais que

    tornam-se cannicos (Macunama), flmes de baixo oramento, o uso da nova

    tecnologia de lentes, cmeras e gravao (o revolucionrio uso do Nagra), eitos

    que so discutidos, lidos e vistos at hoje.

    Tudo isso comprova que em determinados momentos de virada histrica, os

    momentos dramticos que envolvem a arte e a tcnica, a criao e a remunera-

    o, o artista e o mercado, a obra e o seu consumo, a inveno e a redundncia,sempre haver embates ratricidas entre dois universos que, inicialmente, nun-

    ca dialogaro. Um universo que est, que existe em presena inquestionvel,

    que ez as leis, que ditou as normas de controle e saber, que estratifcou a revol-

    ta e burocratizou a participao pblica, que est vendo a banda passar. E outro

    universo que ser, que transborda em possibilidades questionveis, que aluci-

    na visualmente e cognitivamente em outras dimenses, que circula atravs de

    telas, que participa, que emancipa, que no vem a passeio. Um no melhor

    que o outro. A histria no eita de adjetivos, mas de movimentos, uxos, po-tncias transtornadas e assim vamos vivendo em conito permanente contra

    tudo e todos e inclusive eis a a psicanlise para provar contra ns mesmos.

    A boa e velha dialtica que resolva e de uma sntese para isso tudo.

    O que vemos hoje no Brasil hoje mesmo, agora, nesses ltimos meses ao

    redor dos debates, das brigas e dos rachas sobre polticas da cultura a possi-

    blidade de repensarmos e reinventarmos, MAIS UMA VEZ, as ormas de produ-

    zirmos, consumirmos, circularmos, adquirirmos, expandirmos na correntezado viver a nossa produo esttica, intelectual, subjetiva, mercadolgica. Sem

    inocncias, sem desvarios radicais, sem pilhrias e desqualifcaes. Nunca

    o dilogo se apresentou mais produtivo. Para cada renovao radical, existe al-

    gum passando o basto entre geraes. Graa Aranha iluminou de certa orma

    os jovens modernistas. Nelson Pereira dos Santos municiou os jovens do cinema

    novo. Essas novas ormas de produo j esto acontecendo no mundo e aqui,

    com inmeras, incontveis iniciativas de auto-fnanciamento, moedas solid-

    rias, redes coletivas de servio e remunerao, barateamento radical dos meiostcnicos para produzir e distribuir produtos culturais AUTORAIS e muito mais.

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