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CÂMARA DOS DEPUTADOS Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior O PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (Revisão da Lei n o 6.766/1979) Íntegra das Audiências Públicas realiza- das pela Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior nos dias 16 de outu- bro e 4, 11 e 25 de novembro de 2003. Centro de Documentação e Informação Coordenação de Publicações BRASÍLIA – 2004

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

O PARCELAMENTO DOSOLO URBANO

(Revisão da Lei no 6.766/1979)

Íntegra das Audiências Públicas realiza-das pela Comissão de DesenvolvimentoUrbano e Interior nos dias 16 de outu-bro e 4, 11 e 25 de novembro de 2003.

Centro de Documentação e InformaçãoCoordenação de Publicações

BRASÍLIA – 2004

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DIRETORIA LEGISLATIVADiretor: Afrísio Vieira Lima Filho

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃODiretora: Nelda Mendonça Raulino

COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕESDiretora: Maria Clara Bicudo Cesar

DEPARTAMENTO DE COMISSÕESDiretor: Sílvio Avelino da Silva

Câmara dos DeputadosCentro de Documentação e Informação — CEDICoordenação de Publicações — CODEPAnexo II, térreoPraça dos Três Poderes70160-900 – Brasília (DF)Telefone: (61) 216-5802; fax: (61) [email protected]

SÉRIEAção parlamentar

n. 268

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)Coordenação de Biblioteca. Seção de Catalogação.

Brasil. Congresso. Câmara dos Deputados. Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior. O parcelamento do solo urbano : revisão da Lei n. 6.766/79. — Brasília : Câmara dosDeputados, Coordenação de Publicações, 2004.

243 p. — (Série ação parlamentar ; n. 268)

Íntegra das Audiências Públicas realizadas nos dias 16 de outubro e 4, 11 e 25 denovembro de 2003 e Lei n. 6.766/79.

1. Loteamento urbano, Brasil. 2. Condomínio, regulação, Brasil. I. Título. II. Série.

CDU 347.235(81)

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SUMÁRIO

Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior ................................

Apresentação .................................................................................

Audiências Públicas embasam reformulação de antiga lei ...................

Primeira Audiência Pública realizada no dia 16-10-03 – “Critériose diretrizes para novos parcelamentos diante da Lei no 6.766/79e do PL no 3.057/00” ....................................................................Novas diretrizes devem ser aprovadas com urgência ..........................Programa gaúcho prevê compromisso de empreendedores ..................Professor defende parcelamento associado à edificação ....................Relator diz que está aberto para novas sugestões ..............................Íntegra da primeira Audiência Pública, realizada no dia 16 de outubrode 2003 .........................................................................................

Segunda Audiência Pública realizada no dia dia 4-11-03 – “Regulaçãode condomínios urbanísticos e horizontais” ................................................Processo de privatização das cidades é colocado em xeque....................Debatedores condenam a volta às cidades medievais .........................Proposta CPI para investigar fechamento de praias ............................Loteadores têm participação discreta .................................................Loteamentos irregulares chegam a 529 .............................................Íntegra da segunda Audiência Pública, realizada no dia 4 de novembro de2003 ....................................................................................................

Terceira Audiência Pública realizada no dia 11-11-03 – “Regulari-zação fundiária de assentamentos informais” ..................................Participantes pedem menos burocracia e simplificação .......................Relator defende lei de responsabilidade territorial ..............................Desmembramento é uma das alternativas sugeridas ...........................Íntegra da terceira Audiência Pública, realizada no dia 11 de novembrode 2003 ..............................................................................................

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Quarta Audiência Pública realizada no dia 25-11-03 – “Contratose registros” .......................................................................................“É preciso desburocratizar, mas sem facilitar a fraude”..........................Empreendedores devem ser responsabilizados. ......................................Definição de Documentos .....................................................................Ministério das Cidades quer fazer parcerias. ...........................................Íntegra da quarta Audiência Pública, realizada no dia 25 der novembrode 2003 .............................................................................................

Lei no 6.766, de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solourbano, e dá outras providências. ..................................................

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5O parcelamento do solo urbano

Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Comissão de DesenvolvimentoUrbano e Interior

Presidente: Deputada MARIA DO CARMO LARA (PT/MG)

Vice-Presidentes: DeputadaTEREZINHA FERNANDES (PT/MA) Deputado PAULO GOUVÊA (PL/RS)

Membros titulares:

Deputado ARY VANAZZI (PT/RS)Deputado BARBOSA NETO (PSB/GO)Deputado CLÁUDIO CAJADO (PFL/BA)Deputado DEVANIR RIBEIRO (PT/SP)Deputado DR. EVILÁSIO (PSB/SP)Deputado DURVAL ORLATO (PT/SP)Deputado EDISON ANDRINO (PMDB/SC)Deputado JOÃO TOTA (PL/AC)Deputado JOAQUIM FRANCISCO (PTB/PE)Deputada MARIA DO CARMO LARA (PT/MG)Deputado PASTOR FRANKEMBERGEN (PTB/RR)Deputado PAULO GOUVÊA (PL/RS)Deputada PERPÉTUA ALMEIDA (PCdoB/AC)Deputado REGINALDO LOPES (PT/MG)Deputado ROBERTO GOUVEIA (PT/SP)Deputado ROGÉRIO SILVA (PPS/MT )Deputado RONALDO VASCONCELLOS (PTB/MG)Deputado RONIVON SANTIAGO (PP/AC)Deputado TATICO (PTB/DF)Deputada TEREZINHA FERNANDES (PT/MA)Deputado WALTER FELDMAN (PSDB/SP)Deputado ZEZÉU RIBEIRO (PT/BA)

Membros suplentes:

Deputado ANTÔNIO CARLOS PANNUNZIO (PSDB/SP)Deputado CARLOS ALBERTO LERÉIA (PSDB/GO)

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Deputado CHICO DA PRINCESA (PL/PR)Deputado DR. PINOTTI (PMDB/SP)Deputado DR. RIBAMAR ALVES (PSB/MA)Deputado EDUARDO SCIARRA (PFL/ PR)Deputado GUSTAVO FRUET (PDT/PR)Deputada IARA BERNARDI (PT/SP)Deputado INÁCIO ARRUDA (PCDOB/CE)Deputado JACKSON BARRETO (PTB/SE)Deputada JANDIRA FEGHALI (PCdoB/RJ)Deputado JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PFL/DF)Deputado LEODEGAR TISCOSKI (PP/SC)Deputado LUIZ CARREIRA (PFL/BA)Deputado MARCELLO SIQUEIRA (PMDB/MG)Deputada MARINHA RAUPP (PMDB/RO)Deputado MÁRIO NEGROMONTE (PP/BA)Deputado ORLANDO DESCONSI (PT/RS)Deputado PATRUS ANANIAS (PT/MG)Deputado PEDRO FERNANDES (PTB/MA) Deputado PHILEMON RODRIGUES (PTB/PB)Deputado SEBASTIÃO MADEIRA (PSDB/MA)Deputado WILSON SANTIAGO (PMDB/PB)

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7O parcelamento do solo urbano

Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

APRESENTAÇÃO

A necessidade urgente de revisão da Lei no 6.766/79, que dispõe sobre oparcelamento do solo urbano em âmbito nacional – e que, neste ano de 2004,completará 25 anos de vigência – levou a Comissão de Desenvolvimento Urba-no e Interior a colocar o debate do tema entre as suas prioridades no anopassado.

Assim, por requerimento da Deputada Terezinha Fernandes (PT – MA),com o apoio do Deputado Dr. Evilásio (PSB – SP), a Comissão realizou, emoutubro e novembro de 2003, uma série de quatro Audiências Públicas, cujaimportância e profundidade motivaram esta publicação.

Embora tenha sido alvo de uma revisão em 1999 – por meio da Leino 9.785/1999, sancionada pela Presidência da República em janeiro da-quele ano. O referido diploma legal continuou a exibir inúmeros disposi-t ivos f lagrantemente anacrônicos, tendo em vista a profundatransformação da realidade de nossas cidades nas últimas duas déca-das.

Tanto é que, já no ano de 2000, o Deputado Bispo Wanderval (PL – SP)apresentou o Projeto de Lei no 3.057/2000, alterando um dispositivo da lei de1979, ao qual já foram apensadas diversas outras propostas, que vêm sendoexaustivamente discutidas na Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior.

Atualmente, a principal peça em debate é o Substitutivo do Deputado Dr.Evilásio, que reproduzimos nesta publicação e que foi aperfeiçoado como re-sultado das Audiências Públicas realizadas no ano passado. Apesar da urgên-cia na revisão da lei, era consenso na Comissão que o tema deveria passar porum amplo processo de debates.

Desse modo, as Audiências Públicas foram organizadas de forma a aten-der aos diversos temas e problemas que envolvem o parcelamento do solo nasnossas cidades. De início, discutimos com urbanistas, arquitetos, gestores eadministradores, a questão dos “Critérios e diretrizes para novos parcelamentos”.

Na segunda Audiência Pública, o tema focalizou a questão dos condomí-nios. O pano de fundo foi a “Regulação de condomínios urbanísticos e horizon-

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

tais”, que contou com a participação de acadêmicos, representantes do Minis-tério Público, especialistas do Poder Executivo e pesquisadores.

A “Regularização fundiária de assentamentos informais”, tema da tercei-ra Audiência Pública, contou com a concorrência de representantes de movi-mentos populares, sindicatos empresariais do setor, notários e promotores.Por fim, a quarta Audiência Pública tratou do problema dos “Contratos e regis-tros”, abordando a questão da burocracia e a unificação de procedimentoscartoriais com especialistas em Direito dos consumidores, registradores, aca-dêmicos e arquitetos.

Acreditamos que a profundidade e amplitude dos debates realizados per-mitiram ao relator Dr. Evilásio elaborar um substitutivo que está pronto paravotação na Câmara dos Deputados. Procuramos eliminar privilégios dos ricos einjustiças aos pobres, sempre sob o pano de fundo da inclusão social comoforma de chegarmos a uma sociedade justa e igualitária, aprofundando a de-mocracia em nosso País.

Maria do Carmo Lara, Presidente daComissão de Desenvolvimento

Urbano e Interior

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Audiências Públicas embasamreformulação de antiga lei

Sob a presidência da

Deputada Maria do

Carmo Lara, a CDUI

ouviu, em quatro

Audiências Públicas,...

A proliferação de loteamentos clan-destinos, o parcelamento do solo, asdificuldades para regularização doslotes, a crescente privatização das ci-dades com a implantação de condo-mínios fechados, separando pobres ericos e ferindo o direito de ir e vir,contratos e registros de imóveis, fo-ram os temas discutidos nas quatro Au-diências Públicas promovidas, emoutubro e novembro de 2003, pela Co-missão de Desenvolvimento Urbano eInterior.

O ciclo de Audiências foi proposto pelosDeputados Terezinha Fernandes (PT –MA) e Dr. Evilásio (PSB – SP), relator doProjeto de Lei no 3.057/00, de autoriado Deputado Bispo Wanderval (PL – SP),que altera a Lei no 6.766/79, sobre oparcelamento do solo urbano.Trata-se de um desafio a ser vencidopara se evitar a acelerada deteriora-ção da vida nas cidades e o desloca-mento da população de baixa rendapara as periferias distantes, sem qual-quer infra-estrutura.

... os mais diferentesinteressados na revisão

da Lei no 6.766/79, queestabelece as diretrizesde uso do solo urbano

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Ao abrir o ciclo de Audiências, aDeputada Maria do Carmo Lara (PT –MG), presidente da CDUI, disse que aaprovação da matéria é uma priori-dade, “devendo ter grande importân-cia para acabar com o caos no setor”.Ela elogiou a disposição do Dr. Evilásioem debater com representantes demovimentos populares, notários, em-preendedores, sindicatos de comprae venda de imóveis, loteadores, pre-feituras, ONG, juristas, procuradoresde Justiça, Ministério das Cidades, ur-banistas e acadêmicos.

No final do ciclo, o Deputado Dr.Evilásio disse que analisará as suges-tões apresentadas para que o seuSubstitutivo represente os anseios dosvários segmentos da sociedade e con-tribua para a criação de uma lei deresponsabilidade territorial nos mol-des da já existente Lei de Responsa-bilidade Fiscal. O relator reconhece

a necessidade da atualização urgen-te da lei que dispõe sobre oparcelamento do solo urbano, apósseus 24 anos de vigência, período emque a realidade urbana mudou muitono País. Para o relator, é preciso defi-nir regras que obriguem o ajuste dosloteamentos à demanda e definamáreas públicas para equipamentos co-munitários.

O Deputado condenou a proliferaçãodos condomínios fechados, que con-taminam o meio ambiente, onerama administração municipal e estimu-lam a especulação imobiliária, semgarantir a segurança que seus mo-radores buscam.

A nova lei deve exigir o pagamento decompensações tributárias, a entregade espaço no entorno com a constru-ção de obras sociais em favor da vizi-nhança e o livre acesso aosequipamentos comunitários.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Convidados:

• RAQUEL ROLNIK – Urbanista e Secretária Nacional de Pro-gramas Urbanos do Ministério das Cidades.

• NELSON SAULE JÚNIOR – Coordenador do Fórum Nacio-nal de Reforma Urbana.

• BETÂNIA DE MORAES ALFONSIN – Urbanista e Assesso-ra Jurídica da Prefeitura de Porto Alegre, Estado do RioGrande do Sul.

• RICARDO DE SOUSA MORETTI – Professor da Faculdadede Arquitetura e Urbanismo da PUC de Campinas, Estadode São Paulo.

• NÍDIA INÊS ALBESA DE RABI – Representante do InstitutoBrasileiro de Administração Municipal –IBAM.

• ANTÔNIO AUGUSTO VERÍSSIMO – Arquiteto e coordena-dor do Núcleo de Regularização de Loteamentos da Secre-taria Municipal de Habitação do Estado do Rio de Janeiro.

• PATRÍCIA GAZZOLA – Arquiteta e representante da Pre-feitura de Vitória, Estado do Espírito Santo.

• SANDRA SOARES DE MELLO – Assessora Técnica doProjeto de Gestão Ambiental Urbana e Regional da Secre-taria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Huma-nos do Ministério do Meio Ambiente.

• MILTON – Representante da Secretaria Nacional deProgramas Urbanos do Ministério das Cidades.

Primeira Audiência Pública, realizada nodia 16-10-2003 – “Critérios e diretrizes

para novos parcelamentos diante da Leino 6.766/79 e do PL no 3.057/00”

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OS 01361 1 PROVA Isabel

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Novas diretrizes devem seraprovadas com urgência

Deputado Dr. Evilásio: relator

Foi realizada, no dia 16 de outubro de2003, a primeira Audiência Pública do ci-clo de debates destinado a embasar arevisão da Lei no 6.766/79, sobre o parce-lamento do solo urbano.

A revisão está sendo provocadapelo Substitutivo do Deputado-Relator Dr. Evilásio (PSB – SP) aoProjeto de Lei no 3.057/00, de au-toria do Deputado BispoWanderval (PL – SP).

Ao abrir a Audiência,que abordou os “Cri-térios e diretrizespara novos par-celamentos dianteda Lei no 6.766/79 e do PL no 3.057/00”,a Presidente da Comissão, DeputadaMaria do Carmo Lara (PT – MG), disseque o seu objetivo é conseguir aprovara matéria, com urgência, pois ela é “damaior importância para acabar com ocaos no setor”.

A Secretária de Programas Urbanos doMinistério das Cidades, Raquel Rolnik,ao abordar o tema, advertiu que os no-vos critérios devem passar pelas leisambientais e pelo Estatuto da Cidade.Ela manifestou a sua preocupação emrelação à legalização de parcelamen-

tos irregulares e à proliferação doscondomínios. Além disso, para ela, osnovos loteamentos devem se ajustarao Plano Diretor, previsto no Estatuto

da Cidade. Raquel Rolnik tam-bém criticou a prática dese adotar um tipo deparcelamento para osricos e outro, mais ba-rato, para o restante

da população.

O Coordenadordo Fórum Nacio-nal de ReformaUrbana, NelsonSaule Júnior, criti-

cou o Substitutivo do Dr. Evilásio pornão vincular o parcelamento ao PlanoDiretor, por não estabelecer padrõesmáximos e por não esclarecer a com-petência legislativa sobre o assunto,que, segundo a Constituição, é do mu-nicípio. Para ele, a implantação de con-domínios deve ter módulo máximo dedois hectares e o empreendedor deveser responsável pela implantação dainfra-estrutura. Sugeriu ainda a su-pressão, no Substitutivo, do usucapiãourbano, pois isto se choca com a Cons-tituição e o Estatuto da Cidade.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

A Assessora Jurídica da Prefeitura dePorto Alegre, Betânia Alfonsin, apre-sentou o programa “Urbanizador So-cial” e discordou da Secretária deProgramas Urbanos do Ministério dasCidades, Raquel Rolnik, sobre os con-ceitos em relação à diferenciação detratamento para a classe média e ascamadas mais populares.

Para Betânia Alfonsin, o Poder Públicodeve buscar o empreendedor clandes-tino e tentar fazer parceria com ele, for-çando uma regularização controlada eincentivando a produção de lotes paraa população de baixa renda.

O programa “Urbanizador Social” pre-vê o compromisso entre o Poder Públi-co e os empreendedores para aprodução de lotes ou unidadeshabitacionais a preços compatíveis e aurbanização progressiva.

O programa também exige a apresen-tação de planilha de custos, a doaçãode percentual de lotes ao município –ou desconto no preço final – e a re-serva de terrenos para finalidades pú-blicas.

Segundo Betânia Alfonsin, a experiên-cia foi aplicada com sucesso pelo go-verno petista na capital gaúcha.

Ricardo Moretti, professor daPontifícia Universidade Católica deCampinas, Estado de São Paulo, de-fendeu o parcelamento do solo asso-ciado à edificação, e os condomíniosurbanísticos de pequeno porte, comoa casa de frente-fundos, “que repre-sentam 36% das moradias da cidadede São Paulo e poderiam ser regula-rizadas”.

Para incentivar a construção e não deixaro loteamento vazio e se deteriorando, a

Professor defende parcelamentoassociado à edificação

Programa gaúcho prevêcompromisso de empreendedores

responsabilidade pela manutenção deveficar a cargo dos empreendedores, “pelomenos até que 50% dos lotes sejamedificados”. Sugeriu também a revisão dasexigências de infra-estrutura e equipamen-tos em parceria com o Poder Público e con-cessionários.

Nídia Inês Albesa de Rabi, do InstitutoBrasileiro de Administração Municipal,alertou para o incrível número de lo-tes vazios existentes de norte a sul doPaís.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

A especialista apontou a proliferação deloteamentos irregulares e recomendouo não-engessamento dos processos mu-nicipais. O Relator diz que está aberto

Relator diz que está abertopara novas sugestões

O Deputado Ary Vanazzi (PT – RS) des-tacou a importância da parceria entrePoder Público e iniciativa privada, dofinanciamento federal, da gestão pú-blica e de se produzirem lotes urba-nizados, “já que a cidade legal estáficando desabitada”.

Raquel Rolnik insistiu que não se podeconstruir dois sistemas paralelos, “di-zer que o lote mínimo é de 300 metrosquadrados, mas para o pobre é só 100,o problema é que sobram lotes e faltaacesso a eles”.

A Audiência foi acompanhada por re-presentantes de movimentos populares,

prefeituras, ONG e vereadores. Algunsapresentaram críticas e sugestões,como Antônio Veríssimo, do Núcleo deRegularização de Loteamentos daPrefeitura do Rio, Patrícia Gazzola,da Prefeitura de Vitória e SandraMello, do Ministério do Meio Ambiente.

Ao final da Audiência Pública, o relator,Deputado Dr. Evilásio (PSB – SP), dis-se que o seu Substitutivo ao Projetode Lei no 3.057/00 é um pré-projeto eque vai ouvir outros segmentos no ci-clo de Audiências Públicas, aproveitan-do muitas das sugestões que já forame que serão feitas.

para novas sugestões. “O parcelamentoé uma atividade econômica importantee uma prática fundamental na funçãosocial da cidade” – afirmou Nídia Inês.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Íntegra da primeira Audiência Pública,realizada no dia 16 de outubro de 2003

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Declaro aber-tos os trabalhos da reunião de audiência pública da Comissão de Desenvolvi-mento Urbano e Interior, para discutir os critérios e diretrizes para novosparcelamentos, diante da Lei no 6.766, de 1979, e do PL no 3.057, de 2000,atendendo ao requerimento da Deputada Terezinha Fernandes, aprovado nestaComissão, para debate do relatório do PL no 3.057, de 2000, do Deputado Dr.Evilásio.

Gostaria, inicialmente, de agradecer o comparecimento a todos os pre-sentes e convidar para compor a Mesa a Dra Raquel Rolnik, Secretária Nacionalde Programas Urbanos do Ministério das Cidades; o Dr. Nelson Saule Júnior,Coordenador do Fórum Nacional de Reforma Urbana; a Dra Betânia MoraesAlfonsin, urbanista e assessora jurídica da Prefeitura Municipal de Porto Ale-gre; a Dra Nídia Inês Albesa de Rabi, representante do Instituto Brasileiro deAdministração Municipal; o Dr. Ricardo Moretti, Professor da PUC de Campinas,homenageando todos os professores pelo Dia do Professor, comemorado on-tem, 15 de outubro.

Todos estão recebendo o substitutivo apresentado pelo Relator, DeputadoDr. Evilásio. Vamos fazer o debate em cima das audiências públicas. Serãoquatro audiências públicas, com início hoje, e teremos várias em novembro. Apedido da Deputada Terezinha Fernandes, em consonância com o Deputado Dr.Evilásio, que não estava presente no dia da apresentação do requerimento –estava em viagem –, vamos debater o substitutivo apresentado pelo DeputadoDr. Evilásio. Essa lei é antiga, de 1979, e importante para todos nós que nospreocupamos com a questão das cidades.

Na gestão passada, vários projetos de lei começaram a chegar nestaComissão com o intuito de mudar a lei, emendá-la, substituir partes dela. Osmembros da Comissão, à época, propuseram a constituição de um grupo detrabalho para tratar do assunto. Foram realizadas duas ou três audiências pú-blicas, e houve a produção de um livro sobre o que foi debatido. Neste manda-to, passamos ao Deputado Dr. Evilásio a relatoria do projeto.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

A construção do substitutivo foi feita pelo Deputado Dr. Evilásio, que quisdiscuti-lo não só com a Câmara dos Deputados, mas com toda a sociedade. Aintenção de S. Exa e da Comissão é constituir esse projeto de lei e aprová-loainda este ano. Queremos trabalhar para isso.

Acreditamos que a participação de todos é fundamental nesse processonão só no sentido de subsidiar o Relator, mas também de fazer um trabalhoconjunto. Esta Comissão tem trabalhado conjuntamente com o Executivo, coma sociedade civil, com o Fórum de Reforma Urbana e com a universidade. Nãoqueremos entregar à sociedade uma lei cheia de emendas, como estava ocor-rendo, mas um substitutivo que aborde a questão do solo urbano.

Vamos passar a palavra aos debatedores. Concedo a palavra, em primei-ro lugar, à Dra Raquel Rolnik, Secretária de Programas Urbanos do Ministériodas Cidades e estudiosa do assunto.

A SRA. RAQUEL ROLNIK – Bom-dia a todos. É extremamente impor-tante a oportunidade e a iniciativa de se trabalhar a Lei no 6.766/1979, ab-solutamente central para os processos de desenvolvimento urbano. Sintoque existe enorme descontentamento em relação à sua formulação e à re-visão feita, que modificou alguns de seus aspectos. Sentimos que essa revi-são acabou não resolvendo uma série de questões que ainda estão pendentes.Portanto, é fundamental que elas possam ser enfrentadas agora, conside-rando – acho que essa é a primeira grande questão – que vamos procedera um processo de revisão da Lei no 6.766/1979 em novo contexto, o de pós-aprovação do Estatuto das Cidades, que estabelece, de forma clara e ine-quívoca, uma nova ordem urbanística para o País. Tudo isso significa repensaro próprio instrumento da Lei de Parcelamento à luz desse novo contextojurídico e institucional que é o Estatuto das Cidades e do fortalecimento erevisão dos processos de planejamento urbano e controle do uso e ocupa-ção do solo dele decorrentes.

Portanto, a oportunidade de revisão dessa lei é fundamental. Na verdade,temos de trabalhar três vertentes, cujas abordagens vão se dar nas audiênciaspúblicas já marcadas. Vamos tratar hoje de apenas uma dessas vertentes, masacho muito importante dizer que é nossa missão, nesse processo de revisão daLei no 6.766/1979, abordar os três temas que precisam ser enfrentados.

O primeiro, objeto desta audiência, diz respeito à regulação dos novosparcelamentos, ou seja, tudo aquilo que vai ser parcelado a partir de agora,com a instituição de uma nova legalidade. Como será? Quais serão os crité-rios? Quais serão os parâmetros? Serão flexíveis? Não serão flexíveis? De-

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

terminarão, em âmbito nacional, algumas questões ou deixarão para o âm-bito local a maior parte das suas determinações? Como se relacionam essasdeterminações com as leis ambientais e com todo o conjunto do ordenamentoambiental existente? Essa questão precisa ser enfrentada também. Qual arelação entre a produção de novos parcelamentos e os novos instrumentospresentes no Estatuto das Cidades, a nova ordem urbanística ali presente?Como trataremos a questão da baixa renda e dos loteamentos populares nocontexto dessa lei? Enfim, há uma série de questões importantes a seremtrabalhadas.

Vou me concentrar nesses temas, mas não posso deixar de mencionar que aLei no 6.766/1979, renovada à luz do Estatuto das Cidades, precisa também traba-lhar com outras duas dimensões. Uma delas é a regularização dos loteamentos eparcelamentos irregulares que já estão produzidos. Hoje, no âmbito do GovernoFederal, estamos priorizando. Temos um programa nacional de regularizaçãofundiária, de apoio à regularização fundiária sustentável – quem fará efetivamentea regularização serão os Governos locais, com o apoio dos Governos Estaduais e doGoverno Federal. Existe uma série de obstáculos e impedimentos para a execuçãodos programas locais de regularização que atendem às diretrizes do Estatutos dasCidades, os quais precisam ser enfrentados e removidos.

A outra questão diz respeito aos condomínios. Tenho absoluta certeza deque essa figura não existe no nosso ordenamento jurídico e urbanístico. Por-tanto, tudo o que é feito sob o nome de condomínio fechado, seja em zonaurbana seja em zona rural, é totalmente irregular. Vamos ter de enfrentar esseproblema. Ou vamos trazer o tema para dentro da nossa ordem urbanística ouvamos parar de fazer condomínio – uma ficção jurídica, na minha opinião. Esseassunto será objeto da próxima audiência pública, e a nova Lei no 6.766/1979vai ter de tratar da questão.

Vamos entrar, então, no problema dos novos loteamentos, dos novosparcelamentos. A primeira grande questão, que atualiza a Lei no 6.766/1979,diz respeito ao Estatuto das Cidades. Quando ele estabelece que é o planodiretor que define todo o arcabouço e a nova ordem urbanística do País,traduzindo-a em termos locais, e diz que o plano diretor abrange a totalidadedo Município, ou seja, inclui a área urbana e rural, coloca-nos diante de umdesafio, porque, ao tratar da questão do parcelamento do solo, não podemosfalar única e exclusivamente em parcelamento do solo para fins urbanos. Creioque temos de tratar da questão do parcelamento do solo.

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Além de estarmos lidando com um processo de planejamento que tratada totalidade do território do município e não apenas da sede ou da área urba-na, estamos falando também de uma dinâmica de uso e ocupação do solo noPaís, segundo a qual a zona rural não se resume à produção agrícola, àagropecuária e à preservação de recursos naturais intocáveis. Hoje, a quanti-dade de atividades presentes na zona rural é bem grande, vai muito além daprodução agropecuária. Portanto, a zona rural é local de moradia, de assenta-mentos humanos, de produção, porque a própria produção agropecuária tam-bém se verticalizou e se industrializou, é local de turismo, de preservação depatrimônio histórico, de uma infinidade de atividades e de usos. Esses usos eatividades também devem ser regulados. Essa questão é importante. Então,defendemos que temos de trabalhar a noção de parcelamento do solo de for-ma mais ampla e não apenas restrita ao perímetro urbano ou mesmo a ativida-des de natureza urbana.

A segunda questão diz respeito aos critérios. Deve haver um grandedebate quanto aos parâmetros e critérios a que o parcelamento do solodeve obedecer. Devem ser parâmetros e critérios gerais para o País comoum todo ou devem ser absolutamente particularizados em função daespecificidade do território local e, portanto, definidos em âmbito municipale local?

Passamos por uma dupla experiência. De 1979 em diante, definimos igual-mente para o País inteiro o lote mínimo, a porcentagem e os parâmetros ge-rais. Depois, passamos pela experiência da revisão dessa diretriz, com a simplesomissão da lei e com parâmetros específicos, deixando tudo isso para o âmbitomunicipal.

Temos de entender que quando falamos em cidades brasileiras estamosnos referindo a muitas cidades e não apenas a uma, a situações absolutamentericas e diversificadas. Em muitos municípios a lei nacional é a única que existe,porque não há legislação municipal própria. Não há código de obras, planosdiretores, lei de uso e ocupação do solo. Isso é totalmente diferente do queocorre em municípios maiores e nas cidades médias e grandes, que têm legis-lação própria, absolutamente detalhada.

Temos de pensar o que deve ser uma lei nacional que consiga ser aúnica onde nenhuma outra existe e suficientemente flexível para que nosmunicípios que têm arcabouços próprios não se constitua em uma camisa-de-força. Acho absolutamente irresponsável delegar para o nível local, dizen-do a ele que se vire. Da mesma forma, fechar parâmetros rígidos de lotes

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mínimos que são iguais para contextos de densidades e de estruturação deterritórios absolutamente distintos também não é adequado. Vamos precisarprocurar o caminho do meio em que determinados parâmetros e performancessejam garantidos.

Particularmente, considero muito importante o tema sobre a existênciade loteamentos em áreas públicas e a relação entre a densidade dos assenta-mentos com as cidades existentes, bem como os parâmetros que podem serutilizados.

Gostaria de fazer uma indagação. Não tenho posição rígida sobre o as-sunto. Essa indagação é fruto da prática cotidiana de vários companheiros quelidam com a questão de loteamentos em nosso País. Na verdade, principalmen-te nas cidades médias e grandes, quando falamos das percentagens fixas e dostamanhos mínimos de lote, do tamanho de rua etc. Sentimos que muitas vezesessas percentagens e esses tamanhos não significam nada, não produzemuma boa qualidade na ponta.

Vou dar um exemplo proveniente da experiência de São Paulo, que acom-panhei mais intensamente. Às vezes, em relação a parâmetro mínimo, fala-mos em 5% para a área verde, em 10% para usos institucionais, e por aí vai.Porém, caminhando pelas periferias da cidade, percebemos que há um mon-te de pequenas áreas institucionais encravadinhas, totalmente inúteis e ina-dequadas para a instalação de equipamento público decente: Uma escola,um posto de saúde etc. E quando vamos buscar junto à Prefeitura um terrenopara instalar um equipamento, um parque, por exemplo, não encontramos,porque as áreas estão todas fragmentadas. São infinitas as situações em quetemos um pedaço da cidade cheio de área pública e sem demanda para ins-talar equipamentos e outro em que falta área e com enorme demanda parainstalar equipamento.

Então, a simples matemática não resolve o problema, porque não pro-duz o resultado esperado. Existência de áreas públicas adequadas para aimplantação de equipamentos e de áreas verdes, de acordo com a demandaespecífica daqueles assentamentos. Apesar da promoção imobiliária se darpor loteamentos, as cidades são bairros, e os bairros são conjuntos deloteamentos. Quando eles são pensados isoladamente, acabam não constitu-indo o que deveria ser o produto final: um bairro. O que quero dizer é que asoma de um monte de loteamentos que obedecem a parâmetros quase nun-ca resulta num bairro, num conjunto adequado. Como resolver essa questão?Por outro lado, podem dizer também: “Então, vamos abandonar todos os

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percentuais; como são inúteis e não têm produzido coisa boa, vamos tentartrabalhar isso de outra forma”.

Gostaria de lembrar que antes do planejamento urbano, a partir princi-palmente das décadas de 40 e 50, nosso País trabalhava com índices urbanís-ticos. O urbanismo e toda a área de projeto urbano da cidade faziam os planosde arruamento e de expansão urbana. Esse era o urbanismo praticado no sé-culo XIX, começo do século XX. O que significa isso? Que os planos, na verda-de, definiam arruamentos e traçados no processo de expansão das cidadespreviamente à ocupação e loteamento dessas áreas pelos privados. Ou seja,no momento em que o privado resolvesse usar a sua gleba para implementarum parcelamento, o desenho já estava predefinido no plano. Eram os famososplanos de arruamento ou de expansão urbana. Estou dizendo isso porque, nofundo, precisávamos de parâmetros de projetos, de desenho e de diretrizesque realmente pensassem a cidade como um todo e não como um fragmento,um pedaço. Considero um grande desafio traduzir isso em lei, garantir quetenha boa qualidade, que esteja em planos diretores ou em planos locais, pla-nos de bairros, que se desdobram a partir de planos diretores. Creio que pode-remos fazer um esforço coletivo para avançar nessa direção, porque nós nãovamos sair do imbróglio se continuarmos pensando que deve haver generalida-de, um parâmetro a ser obedecido.

Finalmente a última questão, referente ao parcelamento. Como podemoster formas de dizer “não” aos parcelamentos? Acredito que só por meio dediretrizes muito claras sobre determinadas áreas e sua destinação nos planosdiretores. Dizer “não” deve ser uma das hipóteses possíveis.

Embora meu tempo se tenha esgotado, acho importante ressaltar umaposição bastante pessoal. Devemos acabar de vez com a idéia de que temos deter duas cidades: a de classe média e a popular. Sou radicalmente contra aidéia de dois sistemas de parcelamento do solo: um para pobre e outro para orestante. No fundo é mais ou menos isso. Para a classe média seria o normal,com os parâmetros que consideramos ideais. E haveria outro para os pobres,para sair barato. Nesse caso seriam os parâmetros normais diminuídos, comose os humanos tivessem dimensões e necessidades diferentes.

Sou absolutamente favorável à flexibilização dos padrões de parcelamento,mas ela tem de ser única. O conjunto do território se flexibiliza para atender àsmaiorias e não a um pedaço do território, diferenciando e demarcando duascidades: uma para a classe média e outra para os pobres. Temos de ter umacidade só. Não tenho a menor dúvida de que exigências excessivas encarecem

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e atrapalham. Essas exigências e esses procedimentos têm de ser revistos,mas tem de ser numa revisão global, com a construção de um parâmetroadequado e universal e não particular.

A destinação específica para os setores populares vai se dar muito maisatravés das parcerias com o setor público, num processo de gestão dos incen-tivos do setor privado para conseguir produzir, do que propriamente da monta-gem de uma nova categoria, lançamento popular que não precisa obedecer anenhum dos critérios ambientais nem urbanísticos para poder sair mais barato.Isso também é um grande desafio.

O Estatuto das Cidades preconiza a idéia de cidade para todos, includente.Acho que uma cidade includente é uma cidade convivente, em que a totalidadedo território abriga pobres, ricos, médios, todos enfim, e não que demarcauma diferença radical entre os dois segmentos.

Essas eram as minhas contribuições para o debate. Agradeço-lhes o con-vite para participar desta reunião. Nós, da Secretaria de Programas Urbanosdo Ministério das Cidades, nos colocamos à disposição da Comissão e do De-putado Dr. Evilásio para contribuir com essa importantíssima iniciativa.

Obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Dra

Raquel Rolnik, pela contribuição e pela observação do tempo.

Concedo a palavra ao Sr. Nelson Saule Júnior, Coordenador do FórumNacional de Reforma Urbana, também parceiro permanente desta Comissão,em todos os debates sobre a questão urbana.

O SR. NELSON SAULE JÚNIOR – Bom-dia a todos. Quero agradecer oconvite à Deputada Maria do Carmo Lara, ao Deputado Dr. Evilásio, Relator doprojeto sobre parcelamento do solo urbano, ao Deputado Ary Vanazzi e a todosos membros da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior.

O Fórum Nacional de Desenvolvimento Urbano congrega várias organiza-ções que estão atuando na questão urbana, no campo dos movimentos popula-res, como: Movimento Nacional de Luta por Moradia; Central de MovimentosPopulares; União Nacional por Moradia Popular; Confederação Nacional dasAssociações de Moradores – CONAM; Federação Nacional dos Arquitetos; Fe-deração Nacional dos Engenheiros; Federação Nacional das Associações doPessoal da Caixa Econômica Federal – FENAE; várias organizações não-gover-namentais, como é o caso do Instituto Polis, da Fase, do Ibam, do Ibase. Estamostodos na luta pela reforma urbana há muitos anos, em parceria com a Comis-

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são de Desenvolvimento Urbano, principalmente pela aprovação do Estatutodas Cidades e do Fundo Nacional de Luta pela Moradia, cujo Relator na Comis-são de Economia foi o Deputado Dr. Evilásio. E agora também estamos na lutapela revisão da Lei no 6.766/1979.

Considerando avaliação inicial que fizemos a respeito do projeto de lei,queremos abordar algumas questões importantes a serem contempladas pelalei, até levando em conta a exposição da Raquel.

Primeiramente, sentimos falta dos princípios. Quais são os princípios quedevem nortear qualquer perspectiva de parcelamento do solo? O Estatuto dasCidades, baseado na Constituição Federal, enfatiza muito a questão dos princí-pios da função social da propriedade, das funções sociais da cidade, do direitoà cidade e da gestão democrática da cidade.

Considerando que é sempre bom que os princípios estejam na lei, enten-demos ser importante que se levem os princípios norteadores para o campo doparcelamento do solo.

Uma das questões mencionadas pela Raquel foi quanto a dizer não àabertura de novas possibilidades de loteamentos. Isso vai ter que ser baseadoem critérios e diretrizes. Quer dizer, pensar-se que um determinado empreen-dimento atende à função social da propriedade, às funções sociais da cidade,como critério fundamental para verificar se aquele empreendimento ou se aquelaproposta apresentada a respeito de uma atividade de uso de uma cidade deveser desenvolvida. Aí, vincula-se à questão do plano diretor, que é o principalinstrumento da política urbana. Então, tem que fazer, como estava previsto naLei no 9.785/1999, que alterou a Lei no 6.766/1979, uma vinculação do planodiretor, o que o substitutivo de certa maneira esqueceu.

Parece que não existe mais Estatuto das Cidades, não há plano diretorcomo instrumento fundamental da política urbana. Acho que tem que serreincorporada essa vinculação de plano diretor com o parcelamento do solo, éum ponto importante nessa questão.

Será que o município tem que acatar proposta de qualquer pessoa quetenha propriedade no município? Esse é um ponto. Outro ponto seria o tama-nho dessa propriedade. Então, com relação a uma pessoa que tem grandegleba na cidade fazer grandes empreendimentos, há uma grande dificuldadena legislação brasileira de estabelecermos padrões máximos, porque estabele-cer padrões mínimos é sempre bonito, é tranqüilo, legal. Todo o mundo achabom. É ótimo. Mas na hora em que falarmos em padrão máximo é que vamosestar mexendo mesmo na questão da propriedade.

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Então, esse é um desafio que temos de trabalhar com a perspectiva depelo menos estabelecer algumas diretrizes que possam resultar, de fato, numaindução para que essas grandes propriedades, se for o caso, não tenham sem-pre a necessidade de se transformar em grandes negócios nas cidades. Quesejam, sim, uma grande parte da parcela do território que esteja destinada aatender aos interesses dos habitantes da cidade. Esse é um desafio que temos.

Outro ponto que também acho que é um desafio trabalharmos é a ques-tão das competências. Desde a Lei no 6.766/1979, fica sempre esta questão:quem é que legisla sobre essa matéria? É a União, o Estado ou o Município?

Não tenho a intenção de ser municipalista, mas tenho de dizer que aConstituição, em seu art. 30, inciso VIII, deixou bem claro que parcelamento dosolo, ordenamento do território é competência do Município.

Poderíamos até questionar: então, por que a União está fazendo legis-lação sobre parcelamento de solo se é competência do município? Acho quena verdade essa lei é importante para neste momento disciplinarparcelamento do solo do território do Município, e não parcelamento do solourbano, porque o do solo urbano já é competência do município. A grandedificuldade que há hoje é de o município querer disciplinar parcelamento dosolo no território rural. Fica aquela discussão no sentido de que é de com-petência da União, de que só o Incra pode estabelecer regras – por resolu-ção, nem é por lei, o que é um absurdo. Fica esse impasse de que ninguémdo município pode tratar do seu território rural e vira terra de ninguém,porque a União não disciplina, não regula, e o município fica com medo deregular, e todo mundo faz o que quer, faz indústria, loteamento no territóriorural, sem nenhuma gestão.

A lei é fundamental, principalmente para esse aspecto de disciplinamentodo solo, pensando em todo o território, compreendendo o componente ambiental.Esse é um ponto fundamental para a lei.

Outros pontos que são importantes e que devemos enfrentar na lei dizemrespeito às competências entre estados e municípios. A Lei no 6.766/1979 dizque tudo que tem de ser feito no município, na maioria das vezes, tem de seraprovado pelo estado. Essa relação com o estado tem sido um grande proble-ma para os municípios, porque quem faz a gestão é o município, mas a aprova-ção depende de um órgão que nunca está dentro das condições adequadaspara estabelecer a aprovação desses parcelamentos e de certa maneira res-tringe a atividade do município. É claro que existe a questão da região metro-politana, do parcelamento do solo em dois municípios ao mesmo tempo.

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A nossa proposta é que se tire do Estado a competência para aprovarparcelamentos e se estabeleçam diretrizes que tenham de ser observadas nosassuntos de interesse metropolitano ou de mais de dois municípios, ou queenvolvam questão de grande impacto de interesse do Estado. Estabelecem-sediretrizes. É claro que têm de ser condicionadas também aos planos diretores.Isso precisa estar amarrado, mas não se deve dar ao Estado a competência deficar promovendo o parcelamento de solo nos municípios. Esse é um ponto quetrazemos para a discussão.

A lei trata de modalidades de parcelamentos, responsabilidades e critéri-os para parcelamentos. No campo modalidades de parcelamento, está-se in-troduzindo a figura do condomínio urbanístico. Se verificarmos a redação doart. 3o, inciso III, notaremos que praticamente não há diferença entre o concei-to de condomínio urbanístico e desmembramento. Acho que o Deputado jádeve ter observado isso. A única possibilidade é a revisão desse conceito, ten-do em vista que qualquer parcelamento do solo que resulte no condomínio iráter a abertura de novas vias, que são consideradas tecnicamente como ruas, eelas não vão ser doadas ao Poder Público, pelo conceito estabelecido na lei.

Qual o módulo máximo para a implantação desses condomínios? Essa éuma questão que precisa estar na lei. Estamos propondo pelo menos um módulode 2 hectares, 20 mil metros quadrados, que é um parâmetro trabalhado na Leino 6.766/1979.

Quanto às responsabilidades, o art. 10 estabelece a responsabilidade doPoder Público com a infra-estrutura básica nos loteamentos – não exige issodos empreendedores –, como rede de água potável, sistema de esgoto sanitá-rio, rede de energia elétrica, iluminação pública. Abre-se um parcelamento dosolo e se estabelece toda a responsabilidade para o Poder Público, isentando-se o empreendedor. Hoje, segundo a Lei no 6.766, essa tarefa é de responsabi-lidade do empreendedor. Estamos propondo que se mantenha essaresponsabilidade na lei.

Quanto aos condomínios fechados, há uma contradição. Ao mesmo tem-po em que se quer estabelecer que é uma responsabilidade dos condôminos,estabelece-se que é o Poder Público que tem de colocar os canos d’água, botara luz no condomínio... Então, ou é realmente assumido pelas pessoas quefarão o empreendimento ou é responsabilidade de um loteamento normal, deum parcelamento do solo. Há responsabilidade do Poder Público com um em-preendimento fechado. Este é um ponto bem complicado que estamos identifi-cando no projeto de lei.

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Quanto à regularização fundiária, a lei estabelece muitas exigências ecritérios para o parcelamento do solo. Praticamente não se diferenciam osprocedimentos, as exigências, os critérios, o que dificulta a regularizaçãode qualquer parcelamento do solo, das áreas já consolidadas, principal-mente dos loteamentos populares, dos assentamentos informais existentesnas cidades.

Propomos parâmetros mais simplificados para efeito da regularização. ALei no 9.785/1999 tinha sido apresentada como possibilidade de o Municípiodefinir critérios para viabilizar a regularização desses assentamentos. A leiestá retroagindo, voltando a uma concepção anterior. A lei federal estabelecemuitas exigências, impedindo que qualquer município regularize seus assenta-mentos informais para efeito de regularização fundiária. Esse é outro pontopreocupante.

Verificamos que o usucapião urbano está sendo tratado na Lei no 6.766/1979.Nos termos do Estatuto das Cidades, há regulamentação principalmente nocaso de serem utilizados os assentamentos informais, as favelas, por meio dousucapião coletivo.

A proposta do substitutivo estabelece critérios para efeito da aplicação dousucapião que não foram estabelecidos no Estatuto das Cidades. Em nossoentendimento, a lei que tem competência para tratar da matéria do usucapiãourbano é a Lei Federal de Desenvolvimento Urbano, isto é, o Estatuto das Cida-des. Não deveria ser estabelecido nesta lei tratamento que entre em choquecom o que já foi previsto no Estatuto das Cidades, por exemplo, com restriçõessobre onde incide usucapião urbano, uma vez que na Constituição há critériospara se utilizar esse instrumento.

Propomos a supressão desse dispositivo que está tratando do usucapiãourbano, porque ele criará restrições à aplicação do usucapião que não estavamprevistas na Constituição, nem no Estatuto das Cidades.

Quanto à proposta estabelecida no art. 93, é muito preocupante a possi-bilidade de se estabelecer fechamento por parte de proprietários de imóveis. Oart. 93 estabelece o seguinte:

“Art. 93. Nas áreas previstas pelo plano diretor, os loteamentosimplantados até a entrada em vigor desta lei, na forma da Lei no

6.766, podem ter o seu perímetro cercado ou murado, no todo ouem parte, obedecidos os seguintes requisitos: aprovação da totali-dade dos proprietários dos imóveis localizados na área fechada;outorga pelo município ou pelo Distrito Federal, quando for o caso,

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da permissão de uso das vias de circulação e outros espaços públi-cos localizados na área fechada à uma associação constituída pelosmoradores para esse fim específico”.

Quer dizer, essa proposta está privatizando bairros, de certa maneira,porque já existe o parcelamento, já existem as vias de circulação. E o que estáse propondo aqui é que esses bairros passem a ser fechados e os moradoresfiquem com todos os investimentos feitos pelo Poder Público, que foram as viasde circulação e todos os equipamentos instituídos. E privatiza, porque aqui sóvão ter acesso a esses espaços, aos equipamentos, os moradores daquelaquadra, daquela região ou de uma determinada área.

Entendemos que esse dispositivo está contrariando as exigências refe-rentes principalmente aos usos institucionais previstos para qualquerparcelamento do solo, que tem que ser de caráter público. Aqui está se fazen-do uma privatização. Esse é também um ponto preocupante da lei.

Depois vamos trabalhar uma visão mais geral, principalmente consi-derando todas as audiências públicas, para pensar em emendas de altera-ção desses dispositivos. Nossa compreensão é principalmente que haja anecessidade de estabelecer esses princípios norteadores da política urbanana lei; que se estabeleça tratamento igual para as modalidades deparcelamento quanto à responsabilidade do empreendedor, à questão deinfra-estrutura e equipamentos; que se estabeleçam critérios sobre a regu-larização fundiária, atribuindo-se, principalmente, a competência para o Mu-nicípio ter a responsabilidade quanto à regularização dos seusassentamentos; que se estabeleça a abrangência do parcelamento do solo,estendendo também para todo o território do município. Portanto, algumasdiretrizes gerais para o parcelamento do solo nas áreas rurais, e não só nasáreas urbanas. E que se definam as modalidades de parcelamento do solopossíveis de serem estabelecidas nesse território rural, considerando a re-alidade dos municípios. Que se estabeleça também, acho que é um pontoimportante que a lei não estabelece, a gestão. Muitas vezes se colocamautoridades competentes, mas não se estabelece a gestão para esse plane-jamento e parcelamento do solo. Entendemos que deveria ser vinculado aoprocesso instituído no Estatuto da Cidade de gestão democrática, quer di-zer, que haja vinculação de qualquer parcelamento do solo e empreendi-mentos ao processo de definição do plano e ordenamento do territórioinstituído nos mecanismos de gestão democrática, como, por exemplo, osconselhos que são instituídos no Estatuto das Cidades como um instrumento

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de gestão da cidade. Com isso, pode-se pensar na perspectiva de estabele-cer unidades de gestão, sempre com participação popular, para definir noplano da cidade as estratégias baseadas já no plano diretor. Acho que esseponto da gestão está faltando na lei.

Seriam essas as observações iniciais sobre a lei. Estamos totalmentecompromissados em contribuir com esse processo, para que tenhamos uma leiadequada à realidade dos Municípios.

Obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada,Nelson.

Só para esclarecer, informo que este debate é sobre o que já foi apre-sentado à Comissão, mas podemos nos reportar ao trabalho anterior. Estoudizendo que os artigos citados são do trabalho anterior, então, não coincidemcom o atual.

Com a palavra a Sra. Betânia Moraes Alfonsin, urbanista e assessorajurídica da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

A SRA. BETÂNIA MORAES ALFONSIN – Bom-dia a todos. Agradeço àComissão o convite, especialmente à Deputada Maria do Carmo Lara e aoDeputado Dr. Evilásio.

Espero contribuir dividindo com V. Exas, neste debate sobre a revisão daLei no 6.766/1979, um pouco da experiência do Município de Porto Alegre e datentativa de implementação de um instrumento novo em que estamos traba-lhando, a partir da promulgação do nosso Plano Diretor, de 1999, que veio a sechamar Urbanizador Social. Penso que será um debate interessante.

Esse instrumento se chama Urbanizador Social. Podermos ter um de-bate rico por causa das questões levantadas por Raquel Rolnik, entre elas adiscussão sobre se devemos ou não admitir algum tipo de regulação dife-renciada para o parcelamento do solo e qual o sentido desse tipo de autori-zação legal.

A reflexão que estou trazendo é esta: qual o sentido de incluirmos, em leifederal de parcelamento de solo, um instrumento de política urbana ehabitacional como o Urbanizador Social?

O pressuposto para entendermos isso é exatamente pensar que a maiorparte das nossas cidades cresce de forma irregular. O Poder Público nãoestá atendendo às necessidades da população de baixa renda, ofertandolotes por intermédio do Estado. O mercado tem feito muito menos, ou seja,

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tem oferecido lotes muito caros à população de baixa renda, que não con-segue comprá-los.

Devemos ter muito cuidado ao discutir este assunto. Uma regulação igualpara todos pode produzir mais desigualdade. Na verdade, há certa hipocrisiana afirmação de que a regra é igual para todos em atenção à qualidade de vidadas pessoas. O problema é que o empreendedor privado está interessado nolucro e não na igualdade, nem no direito de moradia das pessoas. O PoderPúblico deve se preocupar em garantir à população de baixa renda acesso alotes com condições mínimas de habitabilidade. E mais: que sejam regulares,que a gestão pública conheça e tenha autorizado e participado da sua implan-tação. Esta é a discussão.

Quando falamos de igualdade e desigualdade, devemos ter muito cuida-do. Esse é um caso em que – parece-me – uma política de ação afirmativa nãotem equívoco algum. Ela visa justamente garantir à população acesso a um loteregular e, é claro, de acordo com os critérios de qualidade de vida, dehabitabilidade do assentamento, de integração do parcelamento do solo notecido urbano.

Este é um primeiro pressuposto que temos de trabalhar e requer um girona nossa estratégia tradicional de política urbana, que estabelece regulaçãoidêntica para todos, mas acaba sendo cúmplice do crescimento irregular dacidade e tendo como efeito a aplicação tradicional da Lei no 6.766/1979. Peque-na parcela do parcelamento do solo é produzida de forma regular e atende auma camada da população de renda média. Há muitos parcelamentos irregula-res e clandestinos aos quais a população consegue ter acesso.

O que o Poder Público deve fazer em relação ao loteador clandestino eirregular? Pela Lei no 6.766/1979, a Procuradoria deve entrar com uma açãopara puni-lo. Tais ações não dão em nada, e o Ministério Público considera umcrime de bagatela. Ocorre a impunidade absoluta, e enorme parcela da cidadeé habitada de forma irregular.

Propomos ao Poder Público, com o Urbanizador Social, que obrigue esseempreendedor clandestino a trabalhar de acordo com as regras urbanísticasda cidade. Esta é a mudança. Pretende-se adotar estratégia diferente, a dacooptação, da parceria, palavra-chave do Plano Urbanizador Social. Trata-seda integração daqueles que usam irregularmente o solo a uma regulação con-trolada pelo Poder Público. A idéia é de parceira público-privada. O objetivoseria a oferta de lotes regulares, em atendimento à demanda da população debaixa renda. Ela encontra lotes em áreas de risco, clandestinos, na periferia da

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cidade. A idéia é oferecer lotes regulares na área urbana, de uso intensivo ecom qualidade de vida para essa população.

Estamos trabalhando com três agentes que seriam o nosso público-alvo. A beneficiária seria a população de baixa renda que hoje compra olote no mercado ilegal, no mercado pirata. Vamos atrair para essa parce-ria o empreendedor irregular conhecido na cidade, a fim de que ofereçaloteamentos regulares, com base em contratos e pactos realizados com oPoder Público. Em segundo lugar, os empreendedores regulares, que nor-malmente oferecem loteamentos para a população de classe média e alta.Em terceiro lugar, as cooperativas habitacionais autogestionárias, que, nonosso município, são muito importantes e têm sido, pela ausência deregulação e pela ineficiência da gestão, maltratadas e empurradas para ailegalidade, embora, ironicamente, constituam uma forma de acesso àterra, incentivada pelo Poder Público. Só que não há regulação nem ges-tão para atender à demanda. A idéia é atender esse segmento por meiodo Urbanizador Social.

Na proposta que trazemos como contribuição para a legislação federal,tanto o Poder Público quanto o empreendedor privado assumirão compromis-sos. Será necessário um processo de gestão muito eficiente, porque haveráanálise caso a caso e um pacto para cada situação. Na lei, haverá um pacote depossibilidades de incentivos dados pelo Poder Público e de contrapartidas ofe-recidas pelo empreendedor privado.

Basicamente, os compromissos do setor público seriam vistoriar a gleba;se necessário, propor a alteração do regime urbanístico; emitir parecer sobrea conveniência e a oportunidade daquele projeto para a ordem urbanística,para o planejamento urbano da cidade; e analisar as planilhas de custos doempreendimento e do perfil socioeconômico dos adquirentes.

O Poder Público se comprometeria a diminuir a exigência de garantiasoferecidas pelo empreendedor privado ao município; a priorizar a tramitaçãoadministrativa desses projetos; e a admitir a urbanização progressiva doparcelamento. Da mesma forma, será adotado em todos os casos um gravamede área especial de interesse social para os loteamentos produzidos viaUrbanizador Social.

Por sua vez, o empreendedor se comprometeria a oferecer lotes ou uni-dades habitacionais a preço compatível com a urbanização social. Esta, naverdade, é a grande questão. Muitos municípios dispõem de regulação quepermite padrões diferenciados para empreendimentos de interesse social, mas

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não há controle sobre o preço final do lote. Por isso, flexibiliza-se o padrão e,no final, o preço é absurdo, incompatível com a faixa de renda da população àqual se destina. O empreendedor também se comprometeria a apresentar aplanilha de custo do empreendimento com o perfil socioeconômico dosadquirentes, a implantar a urbanização progressiva e a destinar umacontrapartida ao município por ter admitido uma série de facilidades nessatramitação.

No caso de Porto Alegre, poderemos utilizar a transferência de poten-cial construtivo, autorizada pelo Estatuto das Cidades, como uma possibili-dade de incentivo ao empreendedor. Nessas contrapartidas do empreendedor,previstas no pacote de facilidades que recebe, ocorre eventualmente a mu-dança do regime do terreno, que lhe agrega mais-valia. Só com a alteraçãodo regime rural para urbano é agregado enorme valor. Se o município estáfazendo esse movimento, se está admitindo a urbanização progressiva, seestá alterando o regime urbanístico, que o empreendedor dê suacontrapartida. Pode ser reservado um percentual dos lotes ao Poder Públi-co; pode ser feita a comercialização direta de parte dos lotes com adquirentesindicados pelo Poder Público, ou seja, um terreno pode ser destinado aoutras finalidades públicas, com a construção de equipamentos públicosurbanos ou comunitários. No caso de Porto Alegre, o objetivo central é quea contrapartida seja um acordo sobre o preço final do lote.

Essa negociação será registrada em documento, um termo de compro-misso no qual se definem as obrigações previstas para o município e para oempreendedor privado; as etapas da urbanização progressiva; o cronogramade implementação da urbanização; os prazos e as condições para o cumpri-mento dessas obrigações; as penalidades para a hipótese de descumprimentodo acordo; as medidas mitigadoras e compensatórias, quando necessárias; e aprevisão de notificação do empreendedor nos casos em que atrase ou descumpraas obrigações assumidas no termo de compromisso.

Trata-se de outra fórmula da nossa política urbana e habitacional. Nosmunicípios, principalmente após a promulgação da nova Constituição Federal –e mais ainda após a promulgação do Estatuto das Cidades –, temos apostadona regularização fundiária como principal política habitacional, a ser aceleradapelos processos coletivos após a promulgação do Estatuto das Cidades. Elaprevê a possibilidade de prevenção do crescimento irregular da cidade pelaoferta regular de lotes para a população de baixa renda e pela inclusão do

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empreendedor outrora clandestino na produção regular e controlada de lotespelo Poder Público.

Aqui entra a principal questão apresentada, na nossa opinião: a revisãodo nosso processo de gestão municipal, com a qual não conseguiremos admi-nistrar esse tipo de situação. A grande meta seria aumentar a oferta de lotes eunidades habitacionais disponíveis no mercado regular para a população debaixa renda, diminuir ou frear o crescimento irregular das cidades e promovermaior justiça social.

Por último, quero chamar a atenção de todos para alguns cuidados erecomendações para a inclusão dessa proposta em lei federal. A primeiratarefa é conceituar claramente esse instrumento, se a opção for incluir nalei federal essa legislação. Isso porque qualquer conceito – entre aspas –“frouxo” permitirá que a sua utilização seja mal conduzida pelos municípiose até pelos empreendedores privados. O público-alvo deverá estar clara-mente delimitado, a definição de população de baixa renda deverá estarevidente, e poderá ser remetida para o município. Quem estamos atenden-do com essa política de ação afirmativa? Quem é o cliente que queremosatender? Qual o público-alvo? A população com renda de até três saláriosmínimos, de até cinco salários mínimos? Devemos defini-lo claramente. De-vemos ter cuidado com a autonomia dos municípios, com a competênciamunicipal, que respeito. Critérios devem ser definidos, nem que sejam ela-borados pelo município, para que haja qualidade de vida nos parcelamentosdo solo feitos por essa via, para que não tenhamos – como eu disse – umacidade bacana e legal e outra cidade muito parecida com a irregular. Devehaver controle da qualidade do projeto a ser encaminhado por essa via.

Por fim, que haja grande articulação entre as políticas habitacional e ur-bana. Estou convencida de que, para esse tipo de proposta se tornar realidade,teremos de revolucionar o nosso processo de gestão municipal, muito literal naaplicação da lei. Precisamos valorizar as especificidades e costurar um pactocom o empreendedor, para que assuma os compromissos, que não serão idên-ticos em todos os casos.

O Poder Público não deverá ficar a reboque da iniciativa privada, mas tera iniciativa de induzir e indicar as áreas de parcelamento, para que não sejafeito só nas franjas das cidades, na periferia, como normalmente acontece, e apopulação seja incluída no tecido intra-urbano.

Muito obrigada.

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A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Betânia.

Quero agradecer a todos que já falaram e obedeceram rigorosamente aotempo. Esta é a Casa dos pronunciamentos, mas a disciplina ajuda o debate.

Com a palavra o Prof. Ricardo de Sousa Moretti, da PUC de Campinas.

O SR. RICARDO DE SOUSA MORETTI – Bom-dia a todos. Agradeço àComissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, à Deputada Maria do CarmoLara e ao Deputado Dr. Evilásio o convite.

Vou iniciar a apresentação com proposições de complementação, de mo-dificação da lei e depois vou justificá-las.

A proposta é que haja a inclusão de uma categoria do parcelamento dosolo na produção da edificação. Basicamente o que se pretende com isso écriar uma legislação urbanística com facilidades e critérios especiais nos casosem que haverá parcelamento do solo e edificação.

Em seguida, deve-se criar uma categoria, bastante diferente do que estáproposto até então, que é a do condomínio urbanístico de pequeno porte. Quandofalo em pequeno porte, refiro-me a áreas de um hectare para baixo, de 10 milmetros quadrados para baixo. Eventualmente poderá ser da dimensão citadapor Nelson, mas estamos falando da possibilidade de adensar terrenos já loteadosà cidade.

Também se propõe que seja dada a responsabilidade da manutenção doloteamento ao empreendedor, até que parcela significativa de lotes tenhaedificação. Em seguida, deverá haver a revisão das regências de infra-estrutu-ra e equipamentos com a possibilidade de implantação em parceria com oPoder Público e com as concessionárias. Estou muito preocupado com a exi-gência de infra-estrutura. É muito arriscado permitir novos loteamentos seminfra-estrutura.

Pedi para inverter a ordem de apresentação, justamente, porque tenhouma grande admiração pela Raquel e pela Betânia, e estou entendendo que asduas falam de coisas parecidas e quero fazer justamente essa ponte.

Por último, sistematicamente se aponta para a necessidade de termoscritérios sociais. E cada vez está mais claro que essa forma é por meio deestímulo a loteamento e empreendimentos que tenham habitações para asvárias faixas de renda. Temos de criar uma forma de parceira público-privadae estimular empreendimentos com diversas faixas de renda. Precisamos ter oestímulo social, só que, na minha opinião, mesclado dentro do mesmo empre-endimento.

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Justificarei essas proposições.

Gostemos ou não da autoconstrução, o fato objetivo é que infelizmenteela predomina no País, e dificilmente será totalmente revertida. Temos umarealidade de informalidade no emprego, de esvaziamento populacional deárea bem servida e inchaço nos bairros periféricos. O que antigamente erauma situação regular, a pessoa ter um contracheque, hoje é uma situaçãoexcepcional. A informalidade está levando à total modificação na estruturahabitacional. Não podemos acreditar que a situação normal é as pessoasterem contracheque.

Há um paradoxo habitacional fortíssimo. Ao mesmo tempo em que temosgrande carência habitacional, há seis milhões de unidades vazias. Ao mesmotempo em que precisamos desesperadamente de lotes urbanos, temos gigan-tesca quantidade de lotes vazios nas periferias. Devemos ter claro que, todasas propostas que partirem Brasil afora têm de levar em conta a necessidade degeração de emprego e renda. Basicamente, o problema habitacional é um pro-blema da estrutura de distribuição de renda, da ausência de emprego e derenda. Se todos tivessem dinheiro não estaríamos preocupados. Bastaria com-prar um imóvel. Está cheio de imóveis para vender, há seis milhões de imóveisvazios. Então, todas as análises devem ter enfoque muito cuidadoso com rela-ção à geração de emprego e renda.

Nesse sentido, pergunto: a súbita ampliação de ofertas de lotes com ur-banização incompleta nos bairros periféricos pode solucionar o problema dahabitação social neste País? A não ser que imaginássemos que, num passe demágica, rapidamente em função de uma nova legislação, aumentássemos dras-ticamente a oferta de lotes populares neste País. Eu pergunto: a urbanizaçãoincompleta resolveria nosso problema habitacional na faixa de até três saláriosmínimos?

Citarei alguns dados da Região Metropolitana do Distrito Federal em rela-ção a lotes vazios.

Inicialmente, a Cidade Ocidental tem 8 mil prédios e 32 mil lotes cadas-trados na Prefeitura. Com o padrão unifamiliar – eu diria que tem 24 mil lotesvazios –, é possível construir três cidades como a Cidade Ocidental sem fazernovo loteamento. Em Santo Antônio do Descoberto, 9 mil edifícios e 40 millotes. Novo Gama, em Goiás, 32 mil edifícios e 50 mil lotes. Em várias cidadeshá um lote para cada pessoa e o número de pessoas coincide com o número delotes disponíveis. Objetivamente, não acredito que a oferta de lotes com urba-nização precária seja o problema da habitação social.

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Vou mostrar algumas imagens para V. Exas .

Urbanizar sem infra-estrutura deflagra um processo de degradação quecusta muito para todas as cidades. De uma forma ou de outra, temos de garan-tir que os novos empreendimentos sejam feitos com infra-estrutura. Quempagará pela infra-estrutura e como serão as parcerias são outra discussão,mas não podemos aceitar que se produzam lotes sem infra-estrutura.

Lote é produto ou insumo? Para o empreendedor, ao lotear e vender olote o ciclo se completou, mas não para a cidade. Há loteamentos completa-mente vendidos há 20 anos e que têm apenas 10% dos lotes ocupados. Quempaga a conta? A cidade toda. Ao sobrevoarmos Brasília vemos milhares delotes vazios. Passando à noite nessas áreas vemos a iluminação pública es-perando alguém. Todos estamos pagando a conta dos lotes produzidos emexcesso.

Precisamos de nova realidade, precisamos que os loteadores se articulemcom a produção da edificação. Pergunto: hoje, algum produtor de edificaçãotrabalha sozinho? Ele tem o proprietário do lote, o incorporador, quem faz omarketing, não apenas o construtor. Da mesma forma, não podemos ter oloteador sozinho nessa altura, temos de estimular o loteador que atua comquem produz a edificação, temos de oferecer facilidades para isso, até mesmopara a geração de emprego e renda. E precisamos garantir que o loteadordeixe de ser visto como inimigo, ele é aliado, só que terá de mudar de postura,mudar o figurino. Não podemos aceitar um loteador da década de 70 ou 80, ostempos mudaram.

Por que defendo aliar os loteadores aos edificadores? Porque um lote de125 metros quadrados em área de elevada declividade, apenas um lote é umabarbárie. Vários dos que estão presentes conseguiriam desenhar excelenteconjunto de casas com lotes menores do que 125 metros quadrados em áreade alta declividade. Se a edificação for feita junto com o parcelamento, a situ-ação será completamente diferente. Temos de oferecer facilidades urbanísti-cas quando se edificar ao mesmo tempo.

Por exemplo, no projeto de lei que tive oportunidade de ler, foi retirado oimpedimento do parcelamento em área com mais de 30%. Em nenhum dosdois projetos há essa exigência. Para mim, hoje essa questão está clara: sou afavor do loteamento em áreas com mais de 30%, desde que seja feita aedificação. Não há problema, mas apenas um lote de 125 metros quadradosem uma área de 30% é risco na certa. Vou mostrar os eslaides.

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Em seguida, é possível mudar o tamanho de lote, mudar recursos, mudarvários parâmetros. Há um estímulo à geração de emprego e renda. Recente-mente, a Caixa Econômica mudou a regra para o financiamento de imóveisusados. Fico imaginando a dor no coração da direção da Caixa ao limitar ofinanciamento para imóvel usado, já que temos seis milhões de imóveis preci-sando ser financiados, mas entendo que é preciso gerar emprego e renda naconstrução de imóveis. Temos de estimular que nos novos loteamentos sejafeita a edificação.

O tipo habitacional mais comum em vários locais do País não é a casaisolada, não é o apartamento, não é a favela nem o cortiço, é o que se chamade casa de frente e fundos. O tipo habitacional mais comum da Grande SãoPaulo é a casa de frente e fundos, que pode ser entendida como um condomí-nio. É um condomínio, mais de uma pessoa é dona do mesmo espaço; 36% dosimóveis na Grande São Paulo são casas de frente e fundos. No Estado de SãoPaulo são 30% de casas de frente e fundos completamente à margem da legis-lação. É como se não existissem. O tipo habitacional mais comum não existe nalei, não existe na cabeça de ninguém. Não há como regularizar no cartório deimóveis essa tipologia. Ninguém pensou nisso até agora! Não é possível!

A criação de condomínios urbanísticos de pequeno porte vem para legiti-mar uma implantação habitacional que acontece de forma precária, mas quepode acontecer de forma ordenada. Podemos considerar pequenos lotes urba-nos de 300, 500, mil metros quadrados e permitir que neles sejam construídasmeia dúzia de casas. Isso pode ser de excelente qualidade, poderemos permi-tir uma solução muito mais barata e uma forma de utilizar esse lotes vazios quetemos aos milhares nas nossas cidades.

Por último, é fundamental que se consiga garantir a manutenção dosempreendimentos depois de loteados. O caso do Riviera de São Lourenço foiparadigmático, porque eles exigiam a entrada na venda dos lotes, mas, se apessoa edificasse dentro de certo prazo, ficaria dispensada do pagamento dasdemais prestações. Eram 50 prestações, vamos supor. Seriam pagas as 24iniciais e, construída a edificação, a pessoa ficaria dispensada das restantes. Oloteador dava um forte estímulo para que o comprador do lote edificasse. Te-mos de criar situação semelhante. Não podemos permitir que se criem novosloteamentos sem que haja pressão para nele se edificar. Umas das formas defazer isso é exigir a manutenção dos lotes por parte do empreendedor até queuma parcela seja edificada. Ou o loteador edifica nos lotes, ou pressiona oscompradores a fazê-lo.

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Conforme eu disse, são necessárias obras de infra-estrutura. Para ilus-trar a afirmação, mostrarei os eslaides. Temos de criar mecanismos de parce-ria legal entre o Poder Público e a iniciativa privada, exatamente a ponte referidanas exposições das Sras Betânia Alfonsin e Raquel Rolnik.

Por último, temos de prever empreendimentos em que parte das unida-des seja de interesse social. Não podemos aceitar os riscos sociais dos empre-endimentos tipo gueto. Não podemos produzir conjuntos habitacionais apenaspara a classe pobre. Isso não está sendo feito em nenhum lugar no mundo.Precisamos mesclar as obras, porque isso vai gerar a cidade. Considerar solu-ção habitacional a produção de conjunto de apenas uma faixa de renda é con-denar ao gueto. Basta lembrar as cenas iniciais do filme Cidade de Deus, quemostra aquele conjunto degradado, real, no Rio Janeiro. Não são imagens deficção. As cenas iniciais do filme Cidade de Deus passam-se em um conjuntohabitacional promovido por um órgão público. Não podemos aceitar criação denovos guetos dentro das cidades.

Mostro alguns eslaides sobre os quais vou comentar muito pouco, porquesão auto-explicativos. Estas são imagens de loteamentos regulares, sem infra-estrutura, na periferia de São Paulo.

Permitir loteamentos sem infra-estrutura ocasiona esse tipo de risco, queestá sendo exposto em São Paulo, mas tenho oportunidade de vê-lo em diver-sos municípios do País. Os problemas não estão apenas nos loteamentos.Estamos procurando estudar também os conjuntos habitacionais. A terra gera-da por esse processo, nos loteamentos sem infra-estrutura, é levada pela águade chuva. Neste caso – não sei se todos estão conseguindo ver –, em um anode chuva, a terra chega à metade da janela da edificação. Os nossos rios estãodeixando de ser rios; transformam-se em mares de lama, por causa não só daterra, como também pelos esgotos, sem falar no impacto ambiental. A erosãonos bairros periféricos sem infra-estrutura leva a terra dos rios e traz enchen-tes nas cidades.

Não posso perder a oportunidade de dizer que estou absolutamente cho-cado com o risco que corremos dia-a-dia de iniciar um sério problema de saú-de pública por causa da infra-estrutura. Apresento imagens dos córregos queabastecem o manancial de São Paulo.

Esta é a cabeceira de um dos córregos, que está a 300 metros deGuarapiranga. A situação em tela ocorre em São Paulo, mas esclareço queCampinas se abastece em uma área que recebe os esgotos da cidade deValinhos, praticamente ligada àquela cidade, que, por sua vez, joga seus esgo-

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tos nos rios, inclusive os hospitalares. Estamos jogando qualquer coisa nosrios. Em alguns quilômetros abaixo, essa é a água que as pessoas usam parabeber.

A carência de infra-estrutura está saindo da raia técnica e caminhandodefinitivamente para a saúde pública. Qualquer permissão de novos empreen-dimentos sem infra-estrutura provoca sério impacto, que precisa ser revistocom cuidado. Sou radicalmente contra a flexibilização da exigência de infra-estrutura. Devemos discutir quem vai pagar pela infra-estrutura e como a usa-remos melhor, mas aceitar loteamentos com pouca infra-estrutura é o mesmoque dar um tiro no próprio pé.

Esta imagem é um pouco caricata, mas é próxima do real. Aceitar que ascidades se expandam nesse modelo do Parque das Gaivotas — seja lá o quetenha acontecido – não é aconselhável. Tenho certeza de que ninguém acreditaque a oferta de lotes sem infra-estrutura, em larga escala, possa ser soluçãode habitação no País. Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Agradecemosa contribuição ao Sr. Ricardo Moretti.

Ouviremos a última convidada, a Sra Nídia Inês e depois passaremos apalavra aos Deputados. Em seguida, algumas pessoas participarão do debate.Não há condições de inscrevermos todos os interessados, mas alguns poderãocontribuir para o debate.

Passo a palavra à Sra Nídia Inês, do Instituto Brasileiro de AdministraçãoMunicipal. S. Sa contribuiu conosco, na gestão passada, tratando desse assun-to. Agradeço a V. Sa por estar conosco.

A SRA. NÍDIA INÊS ALBESA DE RABI – Boa-tarde a todos, estou real-mente agradecida por participar deste debate, fundamental para a gestão doterritório municipal, já que estou representando o Instituto Brasileiro de Ad-ministração Municipal. Este é um momento especial, pois que, como já foimencionado, estamos entrando numa nova ordem urbanística, que nos permi-tirá adequar os instrumentos e meios para atuar nas cidades de maneira dife-rente. Sem dúvida, as cidades se fazem a partir da prática do parcelamento.

Sendo a última a falar, consegui identificar-me com as proposições detodos os participantes. Fico bastante à vontade para ilustrar informações re-passadas aqui.

Em primeiro lugar, apresentarei rapidamente imagens de cidades nasquais trabalhamos na assessoria de planos diretores ou no levantamento de

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cadastros técnicos, a fim de verificar a situação dos loteamentos ou a condiçãodo uso do solo.

Antes, esclareço que há grande dificuldade para os municípios conhece-rem a representação, o compartimento do seu território no conjunto comloteamentos aprovados, implantados ou irregulares. Na verdade, as informa-ções de que dispõem são primitivas em alguns casos.

Os critérios aplicados em cada município diferem uns dos outros. Umacomparação nos mesmos termos é bastante difícil.

Em Manaus, por exemplo, há separação por setor fiscal. A área todarepresenta a cidade. O rio Amazonas está na parte de baixo.

Os setores fiscais representam a potencialidade de ocupação das áreaspor cada um dos setores. Como vemos, os lotes vagos estão praticamen-te distribuídos em toda a área urbana. Nesse caso, apresentam-se asparticularidades das dimensões dos lotes em cada um dos setores, mos-trando que há uma diferenciação em cada um dos bairros, dos setoresda cidade.

Por último, mostramos, por setor fiscal, o total de lotes cadastrados nacidade. Para se ter uma idéia, dos 148 mil 206 lotes cadastrados, 20% estãovagos.

Na próxima imagem, aparece uma cidade um pouco menor que Manaus,Piracicaba, onde, dos 105 mil lotes cadastrados, 32.906 estão vagos – 31% doslotes cadastrados nas cidades.

Esta imagem ilustra a ocorrência dos parcelamentos, dos loteamentosnas áreas periféricas, porque traduz com realidade a desestruturação das áre-as urbanas ocorrida pela prática do loteamento sem uma gestão mais integra-da do território.

No próximo eslaide, passando de uma população de 329 mil, de Piracicaba,a 104 mil, de Resende, ocorre a mesma situação: 34.327 lotes cadastrados,com 14.731 ¾ 43% de lotes vagos.

Essa situação se apresenta em cidades completamente diferentes, locali-zadas geograficamente em áreas muito variadas, com tamanhos diferentes egrau de despavimento municipal e práticas de loteamento também muito dife-rentes. Em Manaus, por exemplo, encontramos dois tipos de ocupação de ter-ritório muito diferenciada. O primeiro se dá em relação à população de baixarenda, que, na prática, é a devastação, o desmatamento que atualmente estãotentando conter. O outro tipo é a realização de construção de condomínios, o

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que preocupou a população. Essa foi uma das discussões que fizemos du-rante a elaboração do plano diretor, porque há interesse de considerar oscondomínios de acordo com um tamanho máximo que permitisse a articula-ção da cidade, a extensão das vias urbanas, a integração desses condomí-nios de uma maneira mais harmônica com o conjunto das cidades.

O próximo eslaide refere-se a outro tipo de situação que realmente leva omunicípio a observar, com preocupação e detalhe, a própria dinâmica da pro-dução imobiliária. Aqui, no caso, apresentamos a imagem da cidade de Macapá,na qual, além do sítio geográfico muito particular, temos, na parte amarelamais clara, o centro mais tradicional da cidade, e, na parte superior, encon-tram-se os parcelamentos que se desenvolveram nas décadas de 80 e 90,principalmente.

A novidade é o fato de que as ações são promovidas pelo Estado e pelomunicípio em grandes extensões em áreas sem infra-estrutura — o Sr. RicardoMoretti mencionou esse ponto; por um lado, oferece-se acesso bastante amploà terra, mas com infra-estrutura deplorável.

É interessante observar esse fenômeno, porque as particularidades decada cidade são muito diferentes.

Nesta outra imagem, temos as áreas indicadas no processo do planodiretor como de especial interesse social, as que correspondem a situaçõesmais precárias. Na próxima imagem, esta grande área em vermelho, mostraas áreas que não possuem infra-estrutura; são áreas prioritárias para implan-tação de infra-estrutura.

Como se vê, essa questão transcende a regularização de um loteamentoou de um conjunto de loteamentos; são várias áreas urbanas que precisam serbeneficiadas por um programa de qualificação de todos os equipamentos einfra-estrutura.

No próximo eslaide apresentamos outro exemplo, o do município deColombo, na Região Metropolitana de Curitiba, onde vemos a seqüência deimplantação de loteamento. Trata-se de um município que tem grande influên-cia na região metropolitana de Curitiba. Nesse município, verificamos um gran-de desenvolvimento ocorrido antes da década de 70 e, posteriormente, umadensamento que foge à escala do município e corresponde a um processodifícil de gerenciar.

Apesar da grande ocorrência de loteamentos, em vermelho estão repre-sentadas as habitações precárias, localizadas em áreas de alto risco ambiental.

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A realidade dos municípios nos indicam que a questão do parcelamento¾ e do parcelamento novo também ¾ tem de ser trabalhada em relação àdinâmica que já existe na cidade.

Com o Estatuto das Cidades, surgiu uma série de instrumentos quepermitirão atuar sobre esse estoque de lotes vagos, se forem bem utiliza-dos.

A demanda por loteamentos tem a ver com esse estoque atualmentedisponível e, às vezes, localizados em áreas com alguma infra-estrutura.

Paralelamente a isso – não está expresso nestas imagens –, existem osloteamentos irregulares. Por exemplo, no Município do Rio de Janeiro, temos939 loteamentos irregulares que precisam de infra-estrutura, que precisam serintroduzidos no sistema de regularização de propriedade, o que demanda pro-cesso muito complicado.

O que podemos concluir dessa situação tão variada e, ao mesmo tempo,tão constante em vários pontos do País? Em primeiro lugar, concordo plena-mente com as posições do Sr. Nelson em relação à competência do municípiopara autorização de parcelamentos. O licenciador precisa ter uma visão do seuconjunto de necessidades muito bem definida. Essa visão leva à necessidadede julgar as áreas onde é possível fazer a implantação de parcelamentos, quandoserá necessário tal parcelamento e a inserção, a utilidade pública, a funçãosocial nesse determinado momento do desenvolvimento urbano, além de defi-nir os procedimentos.

A Sra Betânia Alfonsin expôs uma formatação de procedimentos absoluta-mente enquadrada em nível local e com intencionalidade definida. A questãode quando, onde, como e quantos lotes são necessários para esse determina-do município condiz com a inserção do parcelamento dentro do conjunto dascondicionantes de gestão urbana. Nesse caso, ocorrem as relações com o pla-no diretor, com o Estatuto das Cidades. Neste momento, particularmente, essainserção parece fundamental.

Um ponto que não foi mencionado, mas que é muito importante, dizrespeito ao parcelamento compulsório. Da mesma forma como o parcelamentocompulsório foi definido no Estatuto das Cidades como competência do muni-cípio, a questão de não autorizar o loteamento também deve ser consideradadentro dos mesmos princípios. O município compatibilizar, conduzir o proces-so da implantação mobiliária do seu território, decidir para quem, como e comquais parâmetros é um tema que defendemos a partir da nossa experiência devida.

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A grande questão se relaciona à regulamentação dessa prática. Na ver-dade, a Lei no 6.766/1979 se refere à regulamentação da atividade do empre-endedor privado. Essa articulação pública ou privada, qual o momento em queesse tipo de negociação se viabiliza mostram uma nova face do Estatuto dasCidades, na qual o Poder Público pode negociar de forma adequada com osempreendedores privados os princípios que ainda estão faltando nos esboçosda lei, para saber do que o município precisa.

Deixo como recomendação – estou sendo cobrada quanto ao meu tempode exposição –, para contemplar a lei federal, o não-engessamento dos pro-cessos municipais. É lógico que existem muitas deficiências nos municípios, nocaso até de empreendedores municipais, como vimos na cidade de Manaus,em que os parcelamentos implantados são deficientes. Mas eles terão de mu-dar a cultura, rever esse instrumento isoladamente.

Considerar que o parcelamento é um empreendimento econômico bompara o município, que uma obra a mais que o empreendedor vai desenvolvernuma determinada área mesmo distante dos equipamentos, dos acessos ne-cessários, é um erro muito grande. O Estatuto define uma série de elementosque integrarão o parcelamento nessa questão. Assim como se fala da funçãosocial da propriedade, a Constituição fala também da função social da cidade.E eu enquadraria o parcelamento como uma das práticas fundamentais dafunção social das cidades, que deve ser avaliado nesse sentido.

Sendo assim, temos de pensar seriamente nessa prática e começar-mos a ousar na combinação de todos os meios e de todos os instrumentos,sem pensar exclusivamente em um parcelamento com procedimentos tradi-cionais.

Em relação à articulação do município com os outros níveis de Governo –neste caso, as leis federal e dos estados –, é necessário haver flexibilidade e,claro, também de apoio para que os municípios possam compreender e mudaressas culturas.

No substitutivo, chamou-me a atenção a obrigação de o municípiodisponibilizar informações estaduais. A nossa posição é no sentido de inverteresse conceito. Os estados também têm a responsabilidade de informar osmunicípios e apresentar os elementos a serem considerados na gestão do seuterritório. Um exemplo específico foi por nós vivenciado em um trabalho querealizamos em Búzios, onde existiam várias áreas estaduais de preservaçãodesconhecidas pelo Município – não conhece o mapeamento, e as restriçõesnão estão delimitadas e/ou especificadas.

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Vou parar por aqui. Fico à disposição para o debate. Muito obrigada atodos.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Agradecemos àSra Nídia Inês a contribuição.

Antes de passar a palavra ao Deputado Dr. Evilásio, Relator do projeto,informo que na terça-feira, dia 21 de outubro, às 14h, no Plenário no 14, serárealizada audiência pública sobre o Estatuto do Desarmamento, que está sendodebatido na Comissão de Constituição e Justiça. Querendo ou não, a violência éum dos grandes problemas das nossas cidades.

Concedo a palavra ao Deputado Dr. Evilásio, Relator do projeto de lei.

O SR. DEPUTADO DR. EVILÁSIO – Deputada Maria do Carmo Lara, Pre-sidente desta Comissão, senhoras e senhores convidados, dignos expositores,quinta-feira é um dia meio complicado na vida dos deputados. Como estou aquiexclusivamente por causa desta audiência pública, tenho mais tempo disponí-vel e gostaria que V. Exa franqueasse a palavra aos outros deputados, permitin-do-me ficar por último.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – O Deputado Dr.Evilásio estava com viagem marcada, mas cancelou para participar desta audi-ência.

Com a palavra o Deputado Ary Vanazzi.

O SR. DEPUTADO ARY VANAZZI – Sra Presidente, os expositores quese apresentaram têm longa história na construção da nossa legislação e largasexperiências vividas no decorrer da história do nosso País, sendo muito ricos osdados e os elementos trazidos por eles. Particularmente, tenho tido oportuni-dade de partilhar alguns momentos dessa experiência com vários dos exposito-res aqui presentes.

Aproveito esta audiência para expor duas questões que me têm deixadomuito preocupado, e acho importante reafirmá-las.

Principalmente nos últimos dias, tenho ouvido a reafirmação da impor-tância da parceria entre Poder Público e iniciativa privada. Tenho acompanhadoesse assunto e vejo que ele tem sido manchete de jornais por muitos dias.

Tenho certa preocupação sobre esse assunto e, evidentemente, precisa-mos avançar nesse campo. Precisamos aprofundar essa relação, mas antes énecessário fazermos o dever de casa. E qual é o dever de casa? Na últimadécada, no Brasil, não construímos condições para que os agentes públicos –Governos Estaduais e Municipais – elaborassem suas políticas a partir de recur-

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sos disponíveis para a solução dos problemas. Por exemplo: não temos finan-ciamentos públicos para os agentes públicos – municípios, Governos Estaduais,cooperativas habitacionais, antigas companhias de habitação, às quais poderí-amos dar outra denominação. Se não fizermos esse dever de casa no próximoperíodo, vai-se tornar ineficaz qualquer tipo de iniciativa do Governo Federal doponto de vista da legislação fundiária e da política nacional de habitação, por-que o elemento fundamental e estruturante dessa política são os agentes públi-cos que convivem diretamente com a nossa realidade e com ações na basesocial, na sua base local.

Hoje, em nosso País, a política pública na área urbana é feita a partir deemendas parlamentares. Aqui se discutem projetos de política habitacional ehá briga de prefeitos com parlamentares sobre que tipo e quantidade de emen-das terão para seus municípios. Não existe uma história dessa hierarquia. Po-demos ter grandes legislações, grandes norteadores, grandes méritos do pontode vista estruturante e jurídico, mas a execução da política é ineficaz. É duro,mas é real.

Tenho debatido nesta Comissão que precisamos pensar um modelo degestão pública com outra característica, do ponto de vista dos recursos públi-cos. Temos muito que avançar na relação público/privado, mas se não fizer-mos o dever de casa, ficaremos mancando por muito tempo. Se tivermos essacondição, poderemos exigir muito mais dos poderes públicos municipal e esta-dual, dos entes públicos constituídos, exigir colaboração, participação e, inclu-sive, compromisso.

Hoje, a relação é a seguinte: a população que vive no município exige doGoverno Municipal solução para o problema urbano. Como o município não atem, encaminha o problema para o Governo Estadual, que também não a tem,que a solicita do Governo Federal.

Estamos vivendo uma experiência inédita no Rio Grande do Sul. No nossoGoverno anterior, construímos a Secretaria Estadual de Habitação como órgãoexecutor da política urbana, mas o Governo atual a transformou em gestora.Tirando-lhe a responsabilidade de execução da política, transformou-a emgestora e retirou a participação da sociedade civil organizada do Conselho Es-tadual da Habitação. Essa é uma mentalidade ultrapassada, porque ou há avançoe envolvimento na construção ou não vamos ter nenhum tipo de legislaçãoaplicada em nosso País. Concordo com a relação, mas temos, primeiro, defazer o dever de casa; caso contrário ficaremos mancando por muito tempo,repito. Esta é a minha primeira ponderação.

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Por muitos anos tenho feito esse debate e considero duas coisas im-portantes na legislação. Cito um episódio muito marcante: a ocupação de 4mil famílias em uma área de São Bernardo do Campo. Da noite para o dia,apareceram 4 mil famílias acampadas em uma área privada. Fico me per-guntando: de onde vem esse povo? E, depois que desmontaram o acampa-mento, para onde foi? Esse povo reside em algum lugar. E, com certeza,80% vivem em favelas, em situação difícil, sem trabalho, sem infra-estrutu-ra urbana e vão tentar externar sua indignação buscando melhorar a quali-dade de vida.

Quanto à legislação, temos muitos instrumentos que não são cumpridosnem fiscalizados.

Uma das grandes necessidades é trabalhar a regulação fundiária, areurbanização. Muitas vezes, os recursos exigidos para se fazer os investimen-tos não são elevados, mas o elemento central é melhorar a condição de vida danossa população. Isso diminui muito o problema e vale também para a questãoda irregularidade. Dois terços da cidade estão irregulares, não existem no mapado Estado.

Para mim, um dos pontos mais importantes da aplicação da legislação éo investimento na qualidade de vida do povo. Hoje, a cidade legal estádesabitada, e os dados não são meus: temos seis milhões de casas vazias noPaís. É muita casa! Esses números, querendo ou não, dizem respeito à cidadelegal, e ela está desabitada, e empurramos o povo para a cidade ilegal. Portrás disso está a especulação imobiliária.

É preciso uma legislação que obrigue esse setor a transformar a cidadelegal, cuja estrutura é construída com dinheiro público, com investimento públi-co. Precisamos construir, a partir do Ministério da Cidade, a partir dessa novamentalidade, a partir das experiências das prefeituras, dos institutos que têmgrandes pesquisas nas universidades, um pouco esse tripé. Fazer o dever decasa é fazer com que a cidade legal volte a ser povoada.

A legislação tem de garantir essa possibilidade concreta e melhor qua-lidade de vida onde o povo mora hoje. Quer dizer, não se pode construir àbeira de um manancial, em áreas de risco, mas hoje milhares de famíliasmoram em áreas que são fruto de ocupação clandestina, com o mínimo deinfra-estrutura.

Vi centenas de empreendimentos feitos pelo Poder Público para a popula-ção de baixa renda que hoje são de propriedade da classe média, porque ela

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também não tem política habitacional que possa resolver seu problema e aca-ba buscando resolver o problema a partir de investimento público.

No Rio Grande do Sul, vários empreendimentos feitos há cinco anos paraa população de baixa renda, hoje, não são mais para o cidadão que ganha trêssalários mínimos, porque ele também não teve condição de buscar outra alter-nativa.

A produção do lote urbanizado é elemento central da política da inclusãosocial, porque a classe média/baixa não tem condições financeiras, não temfinanciamento, por isso vai buscar o empreendimento feito para a populaçãode baixa renda.

Eram essas as questões que queria abordar a partir deste debate naComissão.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada,Deputado Ary Vanazzi.

Convido o Deputado Dr. Evilásio para coordenar os trabalhos da Co-missão.

Concedo a palavra à Dra. Raquel Rolnik.

A SRA. RAQUEL ROLNIK – Sra Presidente, gostaria de esclarecer a ques-tão apresentada pela Dra Betânia Alfonsin em relação ao loteamento popular ouda oferta para a população de baixa renda. É evidente que uma ação afirmativaque privilegie a produção para as maiorias tem de ser feita. Mas essa ação temde ser feita no sentido de abrir os procedimentos da produção e da destinaçãocomo um todo para a lógica da produção popular e não construir dois sistemasparalelos. Monitoramento, gestão, parceria, priorização, admissão de númerosde garantias e contrato com preços são muito importantes. Não cabe dizer quenessa cidade o lote mínimo tem 300 metros quadrados e para pobre, 100metros quadrados.

Se nessa cidade achamos adequado e conveniente que haja um lote mí-nimo de 100 metros quadrados, então um lote mínimo será de 100 metrosquadrados. Esse é o ponto crucial em relação a este debate. O monitoramento,em termos de gestão, é fundamental, até porque, no dado levantado pelo Dr.Moretti e pela Dra Nídia, além de sobrar domicílio vago, também sobra lote noBrasil. Não está faltando, mas sobrando. O problema é que não está nas mãosde quem precisa. A grande questão é como se vai abrir a possibilidade deacesso àquele lote produzido, e a construção de uma categoria diferenciada de

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lote não resolverá o problema nem da qualidade, nem do acesso. O Dr. Morettiabordou muito bem o assunto.

A idéia do dízimo, apresentada pelo Dr. Moretti, de que nos empreendi-mentos sempre deveria ter a destinação de um percentual para a populaçãode baixa renda em parceria com o Poder Público é fundamental. Gostaria delembrar que as legislações espanhola, holandesa e inglesa já há muito tempodeterminam a destinação de 15%, 20% dos empreendimentos, e está nalinha da mistura e da inclusão. Acho que poderíamos trabalhar melhor essaidéia.

Agradeço a todos, e gostaria de dizer que este debate foi muito rico.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Consulto o Deputado WalterFeldman se quer fazer a revisão.

Dizem que toda obra de Deus é bem feita. E, dentre as obras divinas,dizem que o ser humano é a mais perfeita. Se Deus tivesse me dado quatroouvidos e meia boca, para o lado esquerdo de preferência, eu me sentiria ohomem mais perfeito do mundo, tal a importância das exposições apresenta-das nesta audiência. Dois ouvidos foram pouco para ouvir tudo isso.

Ao apresentar a esta Comissão um projeto substitutivo à Lei no 6.766/1979,não tivemos, longe disso, a pretensão de trazer uma obra elaborada, mas apresentá-lo na condição de pré-projeto. Depois da Constituição Federal e do Estatuto dasCidades, nessa área é esta a lei mais importante do País.

Sei que isso é mister desta Casa, de forma particular desta Comissão,mas queremos dividir o peso dessa responsabilidade não apenas com a Câ-mara dos Deputados, mas buscar em todos os rincões deste País contribui-ções para elaborarmos uma lei que possa perpassar o tempo e que venhanortear institucionalmente as cidades brasileiras, que hoje não passam deverdadeiros aglomerados mal organizados de seres humanos, áreas de ex-clusão territorial e social. Essa lei é um instrumento para ajudar a resolveresse problema.

É importante termos em mente que o Brasil é um dos países campeõesem leis, mas também não as cumpre. Não podemos emprestar ao País uma leibem elaborada, com a colaboração de muita gente que tenha condições decontribuir, para depois passar a ser apenas mais uma lei. Precisamos de algunsinstrumentos, alguns diplomas e de responsabilidade para que consigamos suaexecução.

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Não tenho a pretensão de debater com os expositores. Muito pelo contrá-rio, cogitamos de ouvir e, com certeza, iremos acatar várias das sugestõespropostas. Fico realmente feliz ao saber que demos o pontapé inicial em altoestilo. Esta é a primeira de uma série de pelo menos quatro, e poderão adviroutras.

A minha idéia, preliminarmente, era trabalharmos um ano nesse pro-jeto, mas, infelizmente, temos que compatibilizar algumas situações, inclu-sive política. Daqui a dois meses, estaremos encerrando o nosso períodoparlamentar nesta Casa e entendemos que hoje o momento é muito oportu-no para aprovarmos na Comissão este projeto. Então, queremos darceleridade aos trabalhos durante esses dois meses e propiciar o maior nú-mero de participação possível. Ao término do exercício parlamentar, dia 15de dezembro, queremos a aprovação deste projeto nesta Comissão, por-que, como eu disse anteriormente, politicamente ele é muito oportuno, eaqui não podemos perder as oportunidades.

Para abrilhantar esta reunião e obter mais contribuições para estaaudiência pública, não vou tecer comentários, a fim de dar oportunidade aque outras pessoas o façam. Obter participação maciça numa audiênciapública, na quinta-feira, não é fácil. Quero propiciar aos presentes a oportu-nidade de participar com idéias, propostas, sugestões e, também, pergun-tas aos expositores.

Vamos comunicar o site desta Comissão para que em qualquer lugar des-te País as pessoas tenham um canal de comunicação conosco e possam contri-buir com esse projeto.

Inicialmente, temos três pessoas inscritas, mas quem quiser falar podese habilitar. Vou encaminhar essas três perguntas e depois abriremos novasinscrições.

Com a palavra o Sr. Antônio Augusto Veríssimo, da Prefeitura do Rio deJaneiro.

O SR. ANTÔNIO AUGUSTO VERÍSSIMO – Meu nome é Antônio AugustoVeríssimo. Sou arquiteto e funcionário da Secretaria Municipal de Habitação doRio de Janeiro, e há 10 anos coordeno o Núcleo de Regularização de Loteamentosda cidade do Rio de Janeiro.

Quero saudar a iniciativa do Deputado Bispo Wanderval de propor essesubstitutivo ao projeto de lei, porque realmente a Lei no 6.766/1979, como bemexpôs o Deputado Dr. Evilásio, é extremamente importante para o desenvolvi-

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mento da nossa cidade. Portanto, deve haver uma discussão ampla e profundasobre os instrumentos que ela propõe.

As falas foram extremamente ricas. Teríamos assuntos para debatermosdurante muito tempo, porém, quero destacar um aspecto que me parece ex-tremamente importante – a questão dos condomínios. Se pegarmos a históriado Rio de Janeiro, veremos que no Decreto no 6.000, publicado em 1937, haviaa figura popular da vila, que era basicamente um tipo de parcelamento em queos logradouros eram considerados privados, e cabia aos seus moradores amanutenção.

Ao longo do tempo o que aconteceu? Produziram-se vilas de grandeporte nas cidades voltadas para a população de baixa renda. Com o tempo,o que se verificou foi a total incapacidade de essas pessoas arcarem finan-ceiramente com a manutenção desses logradouros, o que fez com que omunicípio, em alguns casos, tivesse que reverter esse processo deprivatização de logradouros públicos, lançando PA (Projetos de Alinhamen-to) sobre muitas dessas vilas para que estas fossem integradas ao sistemade manutenção da própria cidade. Muitas delas caíram em situação de irre-gularidade, e hoje, no Núcleo de Regularização, estamos regularizando asvilas como se loteamentos fossem, para que sejam incluídas no sistema degestão da cidade como um todo.

Preocupa-me muito uma legislação que estenda essa questão do condo-mínio, pois pode ser a morte do loteamento. Por quê? Porque o condomínio criauma falsa ilusão de segurança para os moradores. Na verdade, ele vai criaruma seqüência de guetos na cidade, onde a insegurança geral vai ser maior doque se tivéssemos todos os logradouros com franco acesso e circulação.

Cria-se também para o Poder Público a falsa ilusão de que os seuscustos com manutenção de infra-estrutura serão reduzidos, porque essescustos vão ser absorvidos por essa população. Ao longo do tempo, sabemosque vai haver pressão da população para que o Poder Público volte a assumiresses custos, porque enquanto as instalações são novas, o custo de manu-tenção é baixo, mas, com o passar do tempo, principalmente em regiões dealta pluviosidade, com problemas de assoreamento de galerias e uma sériede outras questões, os custos com manutenção dessas infra-estruturas vãose elevar.

Cria-se também para o morador uma base legal para que ele tente aredução de IPTU. Já que ele absorve parte do custo de manutenção, vão come-çar surgir ações na Justiça questionando o IPTU em relação àqueles que vivem

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em loteamentos normais, em que a infra-estrutura é de responsabilidade doPoder Público. Além disso, há a questão do aspecto urbanístico e da criação deuma série de guetos.

Por exemplo, o Programa de Arrendamento Residencial, feito pela CaixaEconômica Federal, já está produzindo esse tipo de fenômeno. Quer dizer, osconjuntos financiados pelo Programa de Arrendamento Residencial já estãogerando, mesmo em regiões extremamente carentes, uma tipologia de assen-tamento que reproduz o perfil do condomínio de classe média: guarita, muros,portões automáticos e privatização da manutenção dos logradouros, da infra-estrutura.

Isso faz com que sejam acrescidas à prestação paga pelo mutuário àCaixa Econômica 30% ou 40% da cota de condomínio que hoje sustenta amanutenção, porque as redes são novas, mas, daqui a alguns anos, se tiveremque trocar tubulações e refazer pavimentações e uma série de outras coisas,essas pessoas de baixa renda terão capacidade de suportar esse custo?

Portanto, é muito questionável o modelo que o PAR está implantando:reproduzir um modelo de classe média em comunidades de baixa renda, e quea legislação também corre o risco de reproduzir.

Teria uma lista imensa de questões a considerar, mas pretendo apresen-tar por escrito as contribuições da equipe técnica do Rio de Janeiro. Queroapenas destacar esse aspecto da questão do condomínio.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – A segunda inscrita é a Sra

Patrícia Gazzola, da Prefeitura de Vitória, Espírito Santo.

A SRA. PATRÍCIA GAZZOLA – Faço minhas as palavras do colega sobrea iniciativa e a qualidade dos palestrantes. Com certeza, voltaremos diferentesde quando aqui chegamos, ou seja, com novas idéias. Já havia mandado umaproposta inicial, mas, com certeza, já temos várias outras idéias.

Quero suscitar quatro questões básicas que têm de ser analisadas combastante cuidado na hora de tratar da modificação da Lei no 6.766/1979. A primei-ra diz respeito à competência privativa. Em que tipo de situação posso legislarsem ferir a competência privativa dos municípios? Num primeiro momento,peguei duas situações em que houve invasão de competência. Uma seria o art.85, que diz que se a pessoa preencher os requisitos, fecha a cidade, e o muni-cípio nem opina, é obrigado a fazer. Isso é complicado, porque cria uma cidadeexcludente, ferindo também os princípios do próprio Estatuto das Cidades. Ou-tra é sobre o art. 6o, inciso I, que fala do lote mínimo. Olhando detalhadamente,

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vamos ter que tomar cuidado quando dissermos ao Município “é assim que sefaz” ou quando apresentarmos diretrizes, porque a competência da União nes-sas questões se dá mais no âmbito das diretrizes ou é suplementar, na ausên-cia de lei local.

A outra questão, à qual é importante prestarmos atenção, é a ambiental.Por exemplo, o art. 5o, inciso I, simplesmente repetiu a Lei no 6.766, de 1979.Naquela época, não tínhamos lei ambiental. O inciso I falava o seguinte sobreos lugares alagadiços: “desde que asseguradas providências para assegurar oescoamento das águas”. Pela lei ambiental isso é crime. Então, não posso colo-car na lei federal autorização para se cometer um crime ambiental.

Outra coisa que ficou suprimida, porque era polêmica, foi a fixação dosmetros de curso de rio: 15, 30, 200, 500? Precisaríamos também dar umaolhada no Código Florestal e Código das Águas para compatibilizar as normasambientais com as normas urbanísticas, e esta é uma boa oportunidade de sefazer isso.

A questão do planejamento urbano também é importante, pois os condo-mínios fechados podem detonar o planejamento viário da cidade. Então, o art.6o, § 2o, inciso II diz o seguinte: “... o município pode desmembrar...” Pode,não, deve. É obrigação dele, é dever dele, porque o interesse público é superi-or ao interesse do proprietário. Então, não é “pode”, mas “deve”.

Também dever-se-ia verificar a necessidade de um estudo de impactoviário para poder aprovar esse tipo de lei, sem um estudo de impacto de vizi-nhança, que é um instituto do Estatuto das Cidades que também não estácontemplado, e todo e qualquer loteamento vai gerar um impacto na cidade.

Porto Alegre apresenta – e Betânia sabe bem disso – a necessidade degerenciamento das redes de infra-estrutura e como isso vai ser trabalhado nodireito de superfície das áreas que vão ser públicas. Então, quanto aos equipa-mentos urbanos, além de não sabermos quem vai instalar o quê, estão sendousados de graça, e são bem público, e cobrando para fazer a iluminação. O usogratuito por concessionárias de logradouros públicos também já é uma ques-tão discutível. O município precisa ter o poder de gerenciar essas redes subter-râneas ou no espaço aéreo, sob pena de a cidade virar um caos. Isso tambémtem que ser analisado.

Deputado, outra questão que também poderíamos explicar melhor é oart. 84 do projeto, que é uma repetição do 53, a, da Lei no 6.766/1979, em quefala que você tem que trabalhar a simplificação de procedimentos, sendo veda-do exigir dos municípios exigências relativas a particulares, assim como certi-

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dões, visando prevenir questões de domínio. Cada cartório interpreta isso deuma forma. Se falarmos em dispensa de certidões, então vamos dispensar acertidão de ônus reais, as certidões previdenciárias e aquele monte de buro-cracia que o cartório exige. Vamos escrever para deixar claro, para não depen-dermos do bom humor do cara do cartório.

Outra questão é que as metragens de antigamente eram “Siga peloCórrego, Passe pela Árvore”. Era uma coisa meio louca. Temos hoje medidasmilimétricas. Não existe, via de regra, nenhuma possibilidade de compatibilizara escritura com a situação real, aceita pelos confrontantes. A lei fala: “vedadasas exigências, visando prevenir questões de domínio”, não é isso? Então, quan-do eu estiver fazendo uma regularização de um loteamento e os confrontantesestiverem de acordo com aquela metragem, o cartório não pode falar: “Nãopode, só com uma ação de retificação de área”. Isso atrasa tudo, porque de-mora muito.

Então, poderíamos desdobrar o art. 84, colocando o seguinte: “Eventuaisdiscrepâncias, desde que com a assinatura de todos os confrontantes, serãoregistradas e eventuais discussões posteriores serão arcadas pelo Poder Públi-co respectivo”. Estaremos, assim, trabalhando o instituto da desapropriaçãoindireta, que já existe, simplificando a questão da regularização fundiária.

Outra questão: por que a Caixa Econômica Federal, que é entidade dedireito privado, não precisa fazer escritura e o município, que é entidade dedireito público, precisa? Devemos dispensar o município de fazer a escriturapública e reconhecimento de firma, porque somos entidade de direito público,produzimos documentos públicos e temos fé pública. Isso também simplifica ebarateia os nossos procedimentos.

Outro ponto: na hora da análise, deveria ter sido colocado no planeja-mento urbano a questão de evitar a descontinuidade na malha urbana. Naúltima apresentação, vimos claramente a aprovação de loteamentos em áreasmuito distantes. Poderíamos ter algum tipo de regra que viabilizasse a otimizaçãodos equipamentos públicos, pois levar água e esgoto para longa distância ficamuito mais caro também.

Era só isso. Obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – A terceira inscrita é a Sra

Sandra Mello, do Ministério do Meio Ambiente.

A SRA. SANDRA SOARES DE MELLO – Primeiramente, não consigodeixar de citar algo que considero básico com relação ao instrumento em si.

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Hoje, temos no Brasil uma defasagem tão grande entre a cidade quequeremos e a que temos que sinceramente acho extremamente complicadotratar os dois temas, novos loteamentos e regularização fundiária, num únicoinstrumento legal.

Se formos tratar no mesmo instrumento as questões de regularizaçãopara regulamentar a maior parte da situação que temos, elas são tão diferen-tes daquilo que desejaríamos para novos loteamentos que vamos ter embutidono corpo da lei exceções e brechas muito complicadas para serem trabalhadascom outro tema.

Sei que a questão é estratégica porque, como o Deputado bem disse,temos um período até o final do ano. Então, é difícil trabalhar isso, mas seriamuito importante se fosse possível termos instrumentos distintos. Este é umproblema que vamos ter: carregar no bojo da lei fundiária agora com aberturapara exceções. Então, como você vai tratar de novos parcelamentos com datadeterminada, se você abre uma brecha na lei muito difícil de se trabalhar pos-teriormente?

Achei realmente brilhante a apresentação que o Ricardo Moretti fez,pois apresenta outro paradigma que coloca em questionamento o própriotítulo dessa lei. Se fôssemos tratar essa questão de forma mais aprofundada,veríamos que não se trata de uma lei de parcelamento do solo urbano, aquestão é muito mais abrangente do que o simples parcelamento, e nãoapenas do solo urbano, como muito bem citou a Raquel. Hoje temos outraabordagem para isso.

Apresentar a infra-estrutura como o cerne do problema que temos hoje éessencial. Tenho trabalhado ultimamente com a interface das matérias. A mi-nha área é de urbanismo, mas estou no Ministério do Meio Ambiente há quatroanos e trabalho exatamente com essas interfaces. Faço parte da ComissãoIntersetorial de Saneamento e Meio Ambiente vinculada ao Conselho Nacionalda Saúde. Essas questões têm realmente de ser abordadas de forma integradapara que consigamos ter políticas minimamente consistentes. Tenho convividomuito com as discussões sobre saneamento versus saúde, e até está sendocriado o termo “saúde ambiental”.

Betânia, apesar de achar brilhantes a proposta e o trabalho do urbanizadorsocial de Porto Alegre, precisamos juntar a discussão do PPP – ParceriaPúblico-Privada – com o pessoal do saneamento. Hoje, esse assunto está naordem do dia da política nacional de saneamento e é seriíssimo, porque trazerpara uma lei federal definições relativas à parceria público-privada é extrema-

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mente complicado. Sabemos que o caminho passa por aí, mas, como fazer issoé algo muito grave e mais sério, precisamos nos juntar ao pessoal que estátrabalhando com a política nacional de saneamento. Esse é um conflito muitogrande que está havendo lá dentro. Existe uma extensa defesa do pessoal, quetrabalha na linha de municipalização dos serviços, em confrontar definiçõesfederais que comprometam a questão da privatização necessária. Quer dizer,precisamos juntar estrategicamente como fazer isso com a luta da área dosaneamento ambiental.

Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Passo a palavra aosdebatedores. Não houve pergunta específica dirigida a nenhum deles, então,os debatedores podem ficar à vontade para fazer suas explanações.

O SR. NELSON SAULE JÚNIOR – Sr. Presidente, serei breve. Acho quehá dois aspectos importantes, considerando-se principalmente essa rodadade intervenções. De fato, entendo que seria importante – e não foi possíveltrabalhar isso na exposição – adotar alguns critérios quanto ao registro.Buscar algumas mudanças na Lei de Registros Públicos para efeito da aplica-ção dos instrumentos ligados ao problema de parcelamento do solo, instru-mentos como direito de superfície, transferência do direito de construir,alteração, a outorga onerosa para parcelamento do solo, é assunto para sertrabalhado na questão do registro, como todo o aspecto da regularizaçãofundiária, para evitar o problema de cada cartório interpretar de forma dife-rente como tem que ser o empreendimento, o parcelamento do solo de áreasque estão irregulares. Então, é importante trabalhar esse ponto e o desenvol-vimento do projeto.

Segundo ponto que entendo que também precisamos compatibilizar. Achoque está havendo um problema sério no fato de resoluções do Conama legisla-rem para os municípios. Isso é um absurdo, uma aberração jurídica e legal,mas é o que está acontecendo. Então, temos que colocar na Lei de Parcelamentodo Solo as regras de parcelamento do solo considerando esse componenteambiental, porque não dá para um órgão administrativo ficar legislando paraum município, um ente federado.

Temos que tratar disso claramente nessa lei e entrar efetivamente nasdisposições que estão no Código Florestal que emperram e dificultam a regula-rização. Também temos de tratar da questão ambiental na legislação, tentarcompatibilizar no que for possível as normas ambientais que não estão consi-derando a realidade dos municípios. Isso é fundamental.

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Por fim, entendo ser fundamental a proposta relativa ao padrão do em-preendimento, abordada pela Raquel, que seria desenvolvido para a cidade,contemplando os diversos segmentos sociais. Iria um pouco além de estimular,porque acho que sempre se estimula e se flexibiliza. Temos que pensar umpouco como ação afirmativa mesmo. Quer dizer, ao se fazer um empreendi-mento, que ele esteja vinculado a cotas para os diversos segmentos sociais,principalmente para habitação da população de baixa renda, em áreas quenormalmente são apenas para ricos. É o único jeito, na minha opinião, de issoser revertido, porque estímulos são dados, há a outorga onerosa gratuita, masninguém efetiva. Então, além do estímulo, temos que pensar um critério queestabeleça mesmos percentuais, cotas, e a defesa seria a ação afirmativa nosentido de combater a segregação social e territorial existente nas cidades, damesma forma que se trabalha com cotas de ação afirmativa em outras situa-ções, como na educação, por exemplo. Neste caso trata-se de moradia. É essaa defesa que podemos fazer.

Seriam esses pontos, rapidamente, que queria observar. Durante as au-diências, vamos continuar a contribuir para o processo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Está facultada a palavra aosoutros membros da Mesa, se quiserem comentar as intervenções.

A SRA. BETÂNIA DE MORAES ALFONSIN – Em relação aos padrões eao que admitimos, realmente temos de ter uma proposta que seja capaz deoferecer lotes baratos no mercado. Se for o caso de incorporarmos a sugestãode um instrumento como urbanizador social, por exemplo, acho que isso deve-ria ser feito com todo o cuidado para não se invadir a competência municipal,mas é preciso que haja na lei dispositivo que ressalte a importância da gestãopara esses casos, porque, na verdade, trata-se de uma ação afirmativa, e issotem que ser tutelado pelo Poder Público. Na verdade, deixa de ser aquela ope-ração matemática: a lei diz isso, o empreendedor está propondo aquilo, é ounão é possível.

Trata-se de uma solução caso a caso, na qual vai se ver o que é ou nãopossível, como se está atendendo à demanda da população de baixa renda emcada situação. É nesse sentido que digo que se trata de uma espécie de açãoafirmativa, e tanto pode ser o caso de cotas como de uma fórmula por meio daqual se chegue a um preço final em que 100% dos lotes sejam acessíveis àscamadas de baixa renda.

A grande questão é que não temos lotes regulares acessíveis à populaçãode baixa renda. A preocupação externada pelo Moretti sobre a miscigenação é

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importante, mas temos de nos dar conta de que hoje não temos oferta regularpara essa camada. É essa a preocupação que temos que ter, e casá-la com aspolíticas de planejamento urbano é questão que a complementa.

Em relação ao ponto abordado pela Sandra, sobre a lei tratar da regula-rização, vou um pouco na linha do que o Deputado Evilásio disse aqui: soufavorável, temos que ver este momento como uma oportunidade.

Temos um passivo de loteamentos irregulares e clandestinos no País,assunto que precisa ser tratado, porque hoje a esquizofrenia da nossa regulaçãoé tal que quem os ocupa tem instrumentos para regularizá-los, há usucapiãocoletivo, concessão coletiva, mas quem paga pelo lote não dispõe de regulaçãoque o ampare. Portanto, a legislação que trata do parcelamento do solo temque regular a admissão de novos parcelamentos, mas, na minha opinião, temque se ocupar também da regularização. Deveríamos aproveitar a oportunida-de para tratar também desse assunto.

Por fim, Sandra, não conheço a fundo o debate que é feito pelo setor desaneamento, mas acho que essa discussão sobre a parceria público-privada édistinta da que está sendo feita no saneamento, que passa pela privatização, etemos que ter todo o cuidado, todo o zelo para que não haja essa confusão.

O que se está propondo aqui é que o Poder Público trabalhe com ummenu, um cardápio de possibilidades de incentivo ao empreendedor privadopara que ele ofereça lotes para a população de baixa renda, não apenas paraa de alta renda. Aí, sim, teríamos como resultado uma cidade partida, na qualuma parte da população, a que tem renda, consegue comprar lotes regulares;a outra parte não consegue e vai morar no manancial, no loteamento clandes-tino, na pirambeira.

Esta é a questão: para além de se ter, como afirmou o Deputado AryVanazzi, uma política que capacite o Poder Público a oferecer a possibilidade definanciamento e lotes baratos, como é que se faz parceria com a iniciativaprivada, e também, de forma subsidiária para produzir habitação de interessesocial para a população de baixa renda, o que não se faz hoje no País de formaregular, nem pelo setor público nem pelo setor privado. A tentativa é se buscarcolocar debaixo da asa esse empreendedor que hoje está produzindo à reveliada regulação existente.

A SRA. NÍDIA INÊS ALBESA DE RABI – Queria comentar rapidamentesobre os condomínios. A introdução da figura do condomínio em termos deunidades autônomas realmente combina uma questão de Direito Civil com Di-reito Urbanístico. Essa transformação dos condomínios se aproxima muito do

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loteamento mesmo, e a transformação da figura da fração ideal de unidadesautônomas se aproxima ainda mais do parcelamento, e não se trata apenas damanutenção.

O custo da manutenção da infra-estrutura; a inviabilidade de os condôminostomarem conta da infra-estrutura; a própria mudança do morador ao longo dotempo; o envelhecimento da família são fatores que acarretam a inviabilidadeda manutenção futura do condomínio, o que irá levar à sua transformação emloteamento, em parcelamento, ou abrir como loteamento a transformação dessafigura.

Nesse sentido, a exigência de observação dos mesmos parâmetros doloteamento para os condomínios já previne, ou pode vir a prevenir, essa situa-ção futura. Em vários casos, em várias cidades, estamos exigindo isso pormeio das leis de uso do solo – a figura do condomínio aparece muito nas leis deuso do solo, mas também por exigência das diretrizes da prefeitura em relaçãoao sistema viário e aos índices e parâmetros do loteamento. É uma maneira dese prevenir isso.

Ainda em relação a esse assunto, seria interessante pensar que pode-mos estar criando a figura dos condomínios de interesse social a partir daregularização fundiária, da concessão coletiva condominial do uso e dousucapião coletivo. Seriam outras formas de condomínios, que poderiam serou não contemplados dentro da mesma figura. E aí vem a questão de ser umdocumento separado ou incluído na lei de parcelamento, que, na verdade,são coisas diferentes, mas vai se criar nas cidades condomínios de diversasnaturezas.

Sobre a diversidade, a necessidade de se incluir classes de rendas dife-rentes, integrá-las às cidades, uma das exigências nesse caso seria a diversi-dade de padrões de lotes dentro do mesmo parcelamento, o que pode sertambém estendido aos códigos de obras nas construções de condomínios ver-ticais. Há uma tendência à construção de unidades habitacionais com um pa-drão de renda exclusivo, ou de um mesmo tamanho. Portanto, a variedade detipologias habitacionais dentro de conjuntos habitacionais, a variedade de di-mensões e padrões de lotes dentro de parcelamentos e até de preços poderi-am ser mecanismos utilizados.

Realmente, será um período de muita experimentação na combinação,na articulação dos instrumentos do Estatuto das Cidades, acho que até na trans-ferência dos direitos de construir, que está aplicado a várias situações de pre-servação ambiental, conservação de áreas, a possível transferência ou

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negociação do direito de parcelar, se é que existe esse direito. Até agora apa-rentemente existe, porque as cidades estão aprovando os loteamentos queaparecem por iniciativa dos parceladores. Então, talvez seja interessante oestabelecimento de mecanismos que possam utilizar esses instrumentos paraa reestruturação, reorganização do espaço urbano.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Com a palavra o Prof. RicardoMoretti.

O SR. RICARDO DE SOUSA MORETTI – Sei que teremos uma audiênciaespecífica sobre condomínios urbanísticos, mas como não sei se terei a oportu-nidade de falar na ocasião, queria deixar registrado alguns comentários.

Campinas é uma das cidades que mais tem loteamentos fechados noBrasil. Mais do que isso, Campinas hoje tem uma legislação que é o registro dabarbárie: ela permite que se transforme um bairro aberto em loteamento fe-chado. Isso é um absurdo, não há outra expressão.

O que tem acontecido? Existem equipamentos públicos dentro de áreasque antes eram loteamentos abertos. Chegamos a uma situação em que, nosloteamentos abertos que foram transformados em condomínios urbanísticos,se pede às crianças que vão às escolas públicas situadas em bairro onde nãomoram que usem tarjas. Vocês lembram do período que antecedeu a 2a GuerraMundial?

Então, acho que neste momento é muito importante explicitar a proibi-ção de que loteamentos abertos sejam transformados em condomínios ur-banísticos.

Segundo, este livro que trata das audiências públicas anteriores cita ocaso de um conjunto habitacional da Companhia de Desenvolvimento Habitacionaldo Estado de São Paulo – CDHU, cujos moradores querem agora fechá-lo.Naturalmente, vocês já leram os registros de que as favelas estão se fechando,os bairros populares estão se fechando.

Campinas é um reflexo disso; o futuro pode ser visto lá. Naquela cida-de, a sucessão de loteamentos e empreendimentos fechados fez com que arua se transformasse em passagem. A rua deixou de existir como parte davida urbana. O que está acontecendo? Os moradores dos condomínios urba-nísticos são assaltados nas ruas, que passaram a ser locais perigosos. Então,agora temos comboios em Campinas: para chegar a seu loteamento fechado,os moradores saem da área central em comboios, com um carro de seguran-ça na frente e um atrás.

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Essa idéia de que condomínio urbanístico pode ser uma solução écompletamente enganosa. Minha opinião relativa a isso é muito clara: soufranco defensor de condomínio urbanístico de pequeno porte, de muitopequeno porte. Acho errado se permitir grandes condomínios, loteamentosfechados.

Tivemos a oportunidade de analisar loteamentos fechados de 6 milhõesde metros quadrados, o que é completamente indecoroso. Não tenho qualquerdúvida: sou franco defensor de condomínios urbanísticos pequenos e um radi-cal opositor aos grandes loteamentos fechados, aos grandes condomínios. Issoé um risco.

Sempre cito o que o pessoal fala, que o loteamento está afastando aspessoas da área central da cidade. Fico imaginando o caso de São Paulo, quetem os bairros-jardins, os quais eram loteamentos afastadíssimos da cidade nadécada de 30. Vocês podem imaginar o que seria hoje a cidade se todos osbairros-jardins de São Paulo fossem loteamentos fechados desde aquela épo-ca? Esses bairros fechados que hoje estão sendo feitos daqui a pouco estarãodentro das cidades.

Quero deixar registrado que é importante haver uma proibição clara detransformação de loteamentos que foram executados em bairros fechados,senão teremos municípios que podem copiar essa péssima idéia de Campinas.Aliás, já temos alguns municípios que adotaram esse mesmo procedimento,como São José, que já tem legislação a respeito.

Por último, cumprimento a Patrícia pela idéia de simplificação dos pro-cedimentos de escritura, especialmente no caso das casas de frente-fundo,que eu chamo de condomínios. Casas que já foram até anistiadas pelas pre-feituras devem ter uma regularidade de edificação. É preciso haver uma re-gularização disso do ponto de vista fundiário. Acho que prever a simplificaçãona forma de registro, inclusive aceitando um documento particular, não preci-sando de escritura pública, poderia ser um instrumento para facilitar esseprocesso.

Puxando para essa facilitação de procedimentos, por último, queriacomentar, Betânia, que acho fundamental conseguirmos garantir à popu-lação de baixa renda o acesso à terra. Mas o que estou vendo? Em váriosmunicípios, existe lote regular disponível a baixo custo, só que, vamossupor que se ofereça esse lote popular a 2.000 reais a vista. Se não hou-ver financiamento, mesmo que o lote esteja disponível a baixo custo, elenão é acessível. Então, o que acontece? Hoje, a única linha de crédito para

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comprar lote é a carta de crédito da Caixa Econômica, mas aqui mesmoestá registrada a grande dificuldade de alguém que, por exemplo, temvínculo informal de trabalho conseguir acesso a esse crédito. Portanto, aquestão não é só ampliar a oferta. Em Campinas temos lote regular emgrande quantidade.

O que vejo como ponto comum é o seguinte: acho que o urbanizadorsocial é muito importante, só que isso não significa que, necessariamente, eleprecise ter parâmetros urbanísticos especiais.

O que é preciso, o que poderíamos criar são instrumentos facilitadores datramitação, instrumentos na linha do dízimo, a compulsoriedade de haver umcerto parâmetro, de vender dentro daquele parâmetro.

Poderíamos caminhar por aí. Urbanização social não necessariamentesignifica ser um empreendimento onde só haja uma faixa social. Podemos tra-balhar no sentido de que o empreendimento social seja aquele que tem umcerto percentual de unidades dentro de certa faixa de preços, dentro de certacondição. Assim, atendemos os dois lados, quer dizer, na verdade, há um de-nominador comum nisso. Acho fácil resolver.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – O último inscrito, Sr. Milton,representante da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério dasCidades, tem a palavra.

O SR. MILTON – Faço uma sugestão: precisamos prever no projeto adissolução do condomínio urbanístico. Isso implica questões que já foram men-cionadas, como incorporar critérios de sistema viário. Na minha opinião, estesdeveriam ser os mesmos adotados para a cidade formal, para os loteamentosregulares, e não os adotados para condomínios urbanísticos na legislação mu-nicipal.

Este é um fato real, com o qual me deparei em Pernambuco: lá, condo-mínios horizontais, principalmente em regiões litorâneas, foram criados e, pos-teriormente, foram dissolvidos, mesmo que informalmente, e o município tevede arcar com a manutenção e adequação de um sistema viário feito sem obe-decer às regras.

Teríamos de adotar critérios de sistema viário para os condomínios urba-nísticos e prever a sua dissolução, porque essas áreas e logradouros retornariamao domínio público.

Raquel falou em não diferenciar ricos e pobres no parcelamento esimplesmente estabelecer um lote mínimo. Acho que isso fica meio esca-

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moteado. O lote mínimo será sempre utilizado para o pobre e, para mim,essa questão fica desfocada. Foi algo que perdemos na última revisão daLei no 6.766/1979, que é o percentual de logradouro. Estamos na iminênciade disseminar os planos diretores pelo Brasil inteiro sem que tenhamos umcritério de logradouro que garanta qualidade ambiental para futurosparcelamentos.

Claro que sempre incorreremos na questão da irregularidade, que tere-mos de ter mecanismos alternativos de áreas especiais e juntarmos tudo issocom os instrumentos urbanizadores. Não sei como isso será, mas o que ocorrehoje é justamente o contrário: as áreas populares, as que têm lotes menores,têm sempre menos áreas públicas, demandam justamente o contrário e dei-xam de ser interesse da manutenção, o que considero seria de fato a qualidadede vida e acesso ao solo urbano de qualidade. Onde se tem mais área públicaé onde os loteamentos são maiores e onde, de fato, há manutenção, porquesão as elites que demandam isso.

Acho que devemos recuperar de alguma forma a qualidade ambiental.Quando os lotes são menores, eles dispõem de menos áreas verdes e normal-mente têm ocupação maior dentro das áreas populares. Deveríamos compen-sar isso com as áreas externas. As áreas ricas deveriam ter menos áreaspúblicas, porque, do ponto de vista ambiental do verde urbano, dispõem demais área verde privada, mas no meio ambiente urbano temos de olhar aquantidade de verde distribuído.

Para finalizar, há mais uma questão: o limite máximo para as áreas doscondomínios, não apenas como questão social em áreas urbanas consolidadas.A experiência que temos em Pernambuco é que esses condomínios são áreasperiféricas de expansão metropolitana, são condomínios de elite. Eles têm deter uma dimensão não para se disponibilizar o solo urbano para reforma urba-na, mas para possibilitar a sensibilidade. O Estado de Pernambuco criou umalei, e acho que é necessária a intervenção do Estado ao longo das rodoviasestaduais e das áreas de interesse, como é no litoral pernambucano, ondequalquer parcelamento tem de ter extensão máxima de 250 metros, porqueestávamos entrando numa situação em que ninguém podia mais ter acesso àspraias porque elas estavam privatizadas. Nas áreas que não são rurais, tere-mos situações semelhantes. Precisamos ter um limite para desmembrarmos agleba para um novo condomínio, porque condomínios extensos são administra-tivamente inviáveis e passam sempre a ser dissolvidos informalmente e o mu-nicípio acaba arcando com isso.

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Por último levanto uma situação que não sei como unificar. No trabalho deapoio aos municípios para os planos diretores de Pernambuco, equiparamostoda a área rural ao zoneamento como zona ambiental, incorporando isso aozoneamento da cidade para que o município pudesse ficar sem aquela separa-ção de que a área urbana é atribuição municipal e a rural, federal. Usamos oartifício de expandir.

Para poder legislar sobre aglomerados que seriam rurais, facultamosaos municípios a análise à luz do Código Tributário Federal, que são aque-les cinco itens que podem satisfazer a dois e, com isso, propor algum tipode regulação desses assentamentos. Não sei de que maneira, mas seriainteressante procurarmos em várias leis uma forma de incorporar isso aessa lei.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Passo a palavra aos exposi-tores que queiram comentar a intervenção do companheiro, aproveitando parafazer suas considerações finais.

O SR. NELSON SAULE JÚNIOR – Sobre esse último ponto, é fundamentalque tratemos essa lei como uma lei de parcelamento do solo sem caracterizaresse componente de ser somente o solo urbano, justamente para estabelecer-mos critérios sobre as diversas situações que existem nos municípios, conside-rando os aspectos rural, ambiental, de patrimônio histórico, lazer.

Há uma série de diversidades que temos de tratar. Esse é o caminho emque temos que trabalhar, porque todos os municípios estão tendo essa dificul-dade na elaboração de seus programas diretores, todos eles, e daríamos umacontribuição muito grande se disciplinássemos isso agora, nesta legislação.Essa é uma diretriz fundamental da lei.

Era o comentário que tinha a fazer.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Dizem que errar é humano,mas o erro político é desumano. Por isso, vivemos essa realidade cruel nestePaís. Queremos fazer tudo para errar o mínimo possível, daí a necessidade decontinuarmos recebendo contribuições. Os debatedores e expositores podemnos mandar suas propostas por escrito, as quais, com certeza, serão acatadasporque são grandes contribuições.

Agradeço penhoradamente a presença ao Dr. Nelson Saule Júnior, doFórum Nacional de Reforma Urbana; à Profa. Raquel Rolnik, Secretária Na-cional de Programas Urbanos, que, por necessidade imperiosa, precisou seausentar; à Dra Betânia Alfonsin, Assessora Jurídica da Prefeitura de Porto

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Alegre; à Sra Nídia Inês Albesa de Rabi; e ao Prof. Ricardo Moretti. Querodizer-lhes que não estão prestando serviço apenas ao Relator, que prefirochamar de sistematizador a partir de agora, nem apenas a esta Comissão ea esta Casa, mas ao País.

Muito obrigado.

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Segunda Audiência Pública,realizada no dia 4-11-2003“Regulação de Condomínios Urbanísticos e Horizontais”

Convidados:

• JOSÉ CARLOS FREITAS – Representante do MinistérioPúblico do Estado de São Paulo.

• FERNANDA CAROLINA COSTA – Representante doInstituto Pólis.

• JOSÉ ROBERTO BASSUL – Membro do Conselho daTerracap.

• LUIZ EDUARDO CAMARGO – Representante daAssociação de Empresas de Loteamento.

• MARCELO LOPES DE SOUZA – Prof. da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro.

• ERMÍNIA MARICATO – Secretária-Executiva do Ministé-rio das Cidades.

• MARCELO MACHADO – Representante do InstitutoHorizontes.

• IVAN ERMANO FILHO – Presidente da AssociaçãoBrasileira dos Condomínios Fechados.

• LUIZ FERNANDO TEIXEIRA – Co-autor do Plano Diretorde Palmas (TO).

• DIANA MOTA – Representante do Instituto de Pesqui-sas Econômicas Aplicadas.

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Processo de “privatização” dascidades é colocado em xeque

A “Regularização de CondomíniosUrbanísticos e Horizontais” foi o temada segunda Audiência Pública promo-vida pela CDUI, no dia 4 de novem-bro de 2003, dentro da série dedebates sobre o Substitutivo do De-putado Dr. Evilásio (PSB – SP), relatordo Projeto de Lei no 3.057/00, de au-toria do Deputado Bispo Wanderval(PL – SP), que altera a Lei no 6.766/79, sobre o parcelamento do solo ur-bano. As maiores críticas foram

Maioria dos

participantes dasegunda

Audiência Pública

sobre parcelamentodo solo urbano,

presidida pelaDeputada Maria do

Carmo Lara, condena

a proliferação decondomínios

fechados nas cidades

dirigidas aos condomínios fechados,também chamados de ‘blindados’.

De acordo com a maioria dos partici-pantes, os condomínios fechados se-gregam pobres e ricos, ferem o direitode ir e vir ao privatizar o espaço urba-no, não preservam e contaminam omeio ambiente, isolam áreas públicas,oneram a administração municipal eestimulam a especulação imobiliária,“sem dar a tão sonhada segurança queseus moradores buscam”.

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A Secretária Executiva do Ministériodas Cidades, Ermínia Maricato, desta-cou a importância do debate promovi-do pela Comissão, reconhecendo queo tema é complexo: “É preciso dese-jar muita felicidade e bons fluidos aoDr. Evilásio no seu relatório. Nós que-remos colaborar e apresentar suges-tões”. Para ela, o Brasil tem capacidaderegulatória do discurso, mas éincapaz de controlar o solo.“Não devemos chegar comnormas muito rígidas, masencurtar a distância entrelei e prática”.

Ermínia comentouque tranqüilidade esegurança todosquerem, mas nãofechando as comu-nidades. “A água ea energia vêm defora, o esgoto vaipara fora, entãonão é o caso deque tudo se resol-ve ali”. A Secretária disse que não sepode fechar o que é público e está con-solidado: “Os loteamentos fechados têmde passar por lei municipal, que dirá

Debatedores condenam avolta às cidades medievais

se eles são possíveis, onde e qual o ta-manho. Não podemos admitir uma ci-dade como a soma de loteamentosmurados. E a eleição de Lula é a opor-tunidade de recuperar o espaço públicourbano perdido”.

O debate foi movimentado e envolveurepresentantes dos condomínios, IPEA,Prefeitura de Palmas, Instituto Horizon-

te e outras entidades.

O Relator reconheceu quea nova lei é um grande de-safio, “mas com as discus-sões e sugestões vamos

procurar errar o mínimopossível, sem es-

quecer que a ci-dade é obra doshomens, não deDeus”.

Ele disse que épreciso mudar atendência de sevoltar à IdadeMédia, para oconceito de uma

cidade dentro de outra, “onde as pes-soas se enclausuram atrás de altos mu-ros, como se fossem proprietárias domunicípio”.

Ermínia Maricato: incapacidade

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Fernanda: direito de ir e vir

Freitas: Constituição violada

Proposta CPI para investigar fechamento de praias

O representante do Ministério Pú-blico de São Paulo, José Carlos Freitas,na Audiência Pública que discutiu a Leino 6.766/79, sobre o parcelamento dosolo urbano, condenou osloteamentos que ocupamárea urbana despro-porcionalmente grandes emrelação à área do muni-cípio, que fica sem con-dições de assumirseus serviços públi-cos.

“Isto propicia a cri-ação de verdadeiros guetos, enquan-to os lotes não vendidos ficam isentosde IPTU e os retomados também”, ar-gumentou o Procurador.

Freitas apontou a existência deloteamentos no Guarujá, naBaixada Santista, e outros bal-neários, “que estãoprivatizando as praias e jámerecem a criação de CPIpara investigar esta fla-grante violação daConstituição”.

O representante do Mi-nistério Público

Paulista citou casos de pessoas quemoravam em ruas abertas, que foramfechadas posteriormante, obrigando-asa pagar taxa de condomínio. “Trata-se

de uma ilegalidade, porque o aces-so é um direito, é livre”, defen-deu. Ele sugeriu que os

condomínios sejam obrigadosa pagar compensaçãotributária, entregar o es-paço em seu entorno,construir obras sociaisem favor da vizinhança,proteger o meio ambien-

te e dar acesso aos bens públicos.

Fernanda Carolina Costa, do Ins-tituto Pólis, propôs a revisão da Leidos Condomínios (4.591/64) e a

capacitação dos municípios para re-gularem áreas rurais, em que

a Lei no 6.766/79 não podeser aplicada.

Ela defendeu a busca de so-luções nos condomíniosjá criados. “Não se podeviolar o direito de ir e vire de circulação que éestabelecido pela Cons-tituição”, afirmou.

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O representante da Associaçãodas Empresas de Loteamento, LuizEduardo Camargo, teve participa-ção discreta nos deba-tes, sugerindo que o PLno 3.057/00 deve preverformas de controle deacesso, o papel das as-sociações de moradorese os critérios de continui-dade dos lotea-mentos, “principalmen-

Loteadores têm participação discreta

O representante da União no Conse-lho da Terracap, José Roberto Bassul,informou que o Distrito Federal já tem529 loteamentos clandestinos. Suge-riu que a extensão territorial contínuamáxima de um condomínio não supe-re três hectares, enquanto a distânciamínima entre condomínios seja de cin-co hectares.

Ele quer que os empreendedores ins-talem sistemas de drenagem e ilumi-nação, fazendo a manutenção dasáreas comuns, ruas e equipamentoscomunitários, até a edificação de 50%das unidades autônomas. Sugeriu quea legislação estabeleça que, nos ca-

Loteamentos irregulares chegam a 529

te os populares”. Concor-dou com a fixação deparâmetros urbanísticospara não degradar as ci-

dades e que os servi-ços públicos sejaminstalados pelosem-preendedorese mantidos pelocondomínio. Mas

ele considera muito difícil para popula-ção de baixa renda.

Camargo: controle no acesso

sos de parcelamento ilegal, a justa in-denização implique a avaliação da glebacomo rural e o ressarcimento das per-das do Poder Público.

Para o professor da UFRJ, MarceloLopes de Souza, “o loteamento fecha-do fere totalmente a legislação e nãodeve ter anistia.

Lembrou que os condomínios horizon-tais proliferam ao arrepio da legisla-ção ambiental e do planejamentourbano. Comentou que os loteamentosfechados e condomínios horizontais sãouma solução individual, parcial eineficiente para o desafio da violênciaurbana.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Íntegra da segunda Audiência Pública, rea-lizada no dia 4 de novembro de 2003

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Declaro aber-tos os trabalhos da presente reunião da Comissão de Desenvolvimento Urba-no e Interior, que tratará da regularização de condomínios urbanísticos ehorizontais.

Agradeço a presença de todos.

O Deputado Dr. Evilásio, Relator do Projeto de Lei no 6.766/79, colocaráseu substitutivo em debate. Esta é a segunda audiência pública que trata dotema.

Convido para fazer parte da Mesa o Sr. José Carlos Freitas, do MinistérioPúblico de São Paulo; a Dra. Fernanda Carolina Costa, do Instituto Pólis; o Dr.José Roberto Bassul, membro do Conselho da Terracap; o Dr. Luís EduardoCamargo, da Associação de Empresas de Loteamento; Marcelo Lopes de Sou-za, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro; nossa querida amigaSecretária-Executiva do Ministério das Cidades, Ermínia Maricato.

Registro ainda a presença dos Srs. Deputados Tatico e Walter Feldman.

Tem a palavra o Sr. José Carlos Freitas, do Ministério Público de SãoPaulo.

O SR. JOSÉ CARLOS FREITAS – Boa-tarde. Exma. Sra Deputada Mariado Carmo Lara, em nome de quem saúdo os componentes desta Mesa edemais presentes, gostaria de externar a todos o meu agradecimento por tersido franqueado ao Ministério Público brasileiro espaço para falar de assuntocom o qual tem trato imediato, lidando com questões que gravitam em tornoda habitação.

Por estarmos tratando de reedição da Lei de Parcelamento do Solo, queestá sendo reescrita, e de um assunto mais específico, os condomínios, eu merestringirei ao tema. Se houver possibilidade de o Ministério Público futura-mente também se manifestar sobre outros temas da lei, gostaria de apresen-tar à Comissão e aos Srs. Deputados esse braço amigo para que possamostambém debater questões outras tão importantes quanto a dos condomínios.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Para que não percamos tempo, em vez de tratar dos condomínios noplano das idéias, gostaria de apresentar aos senhores algumas situaçõesque de certa forma acabaram moldando nosso entendimento a respeito doassunto.

Nesse substitutivo, há duas figuras: o condomínio urbanístico, criaçãodesse projeto, e, a partir do art. 85, o loteamento fechado. Em primeiro plano,pensa-se na criação de uma figura diferenciada dos moldes de parcelamentodo solo, de loteamento e desmembramento, inserindo-se nesse contexto afigura do condomínio urbanístico. Gostaria, porém, de reservar minha fala so-bre o condomínio urbanístico para a parte final e deixar o tratamento para osloteamentos fechados para uma análise um pouco mais prolongada.

Sobre o aspecto de fato, e é isso que interessa ao Ministério Público,porque essas questões vão parar na mesa do Promotor de Justiça quando ofato já está consumado, temos lidado com uma série de conflitos que geramesses chamados loteamentos fechados, ou loteamentos em condomínio, ouloteamentos com acesso controlado, ou loteamentos blindados, como queiram.Prefiro a expressão loteamento blindado, porque loteamento fechado ouloteamento com acesso controlado são expressões um pouco mais surradas.

O que nos preocupa sobre essa figura, que não é tão nova assim, poisproliferou no Estado de São Paulo, diz respeito ao impacto que esses empreen-dimentos causam no entorno em termos urbanísticos, aos reflexos sociais e deinteresse público e ao que acontece dentro desses chamados loteamentos blin-dados.

Temos recebido reclamações nas promotorias. A reclamação de primeiraordem é das pessoas que, de um momento para outro, se acham inibidas decircular por vias internas, que são vias públicas. Ruas, praças, áreas verdes,áreas institucionais, de uma hora para outra, passam a ser privatizadas.

Nessa figura do loteamento fechado ou blindado, há duas situações: oloteamento novo, que se inicia com esse perfil, numa gleba na franja da zonaurbana, já nasce fechado, e o loteamento que acaba sendo fechado, ou seja,um bairro já constituído e consolidado. Baseadas nesse modelo do loteamentonovo, as pessoas resolvem fechar um bairro, com o beneplácito da administra-ção municipal, que se utiliza do instrumento da concessão de direito de uso auma associação de moradores. Essa associação de moradores assume o con-trole de entrada, colocando ali vigilantes particulares, a manutenção das viaspúblicas, a limpeza urbana, a coleta de lixo etc. Ou seja, o serviço públicoprestado pelo município é substituído pela associação de moradores. O modelo

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do loteamento fechado novo acabou sendo importado pelos bairros já consoli-dados, e hoje vemos o fechamento desses bairros. Ao anistiar essas situações,o projeto estará anistiando fatos que passarei a relatar aos senhores.

Em determinada cidade ao longo da Rodovia Castelo Branco, no Estadode São Paulo, certa empresa simplesmente tem por hábito fazer loteamentoscuja área é superior à área urbana do Município. Portanto, torna-se impraticá-vel ao Município assumir todos as obras desse loteamento. Na verdade, temosali a criação de uma nova comunidade, como se fosse outra cidade, com, repi-to, área superior à da própria zona urbana do Município, que fica impossibilita-do de assumir os custos.

Cria-se situação para que a empresa que loteou a área domine aquelemercado, assuma a administração, e não haja condições de o Município assu-mir esses serviços ou essa prestação de serviço público. Mas não pára por aí.Na impossibilidade de assumir, existe a contrapartida. Os lotes não vendidospela empresa loteadora estão isentos do pagamento do IPTU. Os que são ven-didos e depois tomados porque o cidadão não consegue pagar por qualquermotivo voltam para a carteira de lotes com isenção do IPTU. Portanto, são lotesa que não se dá destinação social, que não cumprem a ação social da proprie-dade, estão numa carteira reservada para venda. Enquanto não vendidos, nãoestão sujeitos à incidência do IPTU. Esse é um fato grave, porque o Municípiodeixa de arrecadar, de ter divisas e recursos para bancar serviços públicos deprimeira grandeza.

Todos devem ter ouvido falar dos empreendimentos Alphaville, que seestabeleceram ao longo da Rodovia Castelo Branco. Esses empreendimentosnasceram com a idéia diferenciada de proporcionar conforto e sossego a umapopulação que não queria viver nos centros urbanos e foi viver nas franjas dascidades. Só que os empreendimentos se multiplicaram de tal forma que hojetemos mais de três dezenas de etapas deles. Causaram no entorno da RodoviaCastelo Branco, nos seus 20 quilômetros iniciais, transtorno para o trânsito,congestionamento. O Governo Estadual foi obrigado a realizar obra pública,com dinheiro público, e não dinheiro dos moradores ou dos empreendedores.Construiu uma marginal paralela à rodovia e sobre ela cobra pedágio. A via éutilizada quase que basicamente pelos moradores, que se revoltam com a co-brança do pedágio. Mas esses empreendimentos geraram situação caótica parao trânsito nos seus 20 quilômetros iniciais, e o problema não é só dos morado-res, mas dos caminhoneiros que utilizam as marginais da cidade de São Pauloe que, para atingirem outro município, precisam circular por essa rodovia. Daío congestionamento, a perda de tempo, de combustível. Enfim, o transtorno foi

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gerado não só para os moradores que também precisam circular pela rodovia,mas para as pessoas que se valem dela. As cidades vizinhas também são atin-gidas por esse problema.

A gravidade não pára por aí. Na cidade de Guarujá, quatro loteamentosprivatizaram o uso de praias, exemplificando com a maior gravidade um casode violação ao direito público de ir e vir. Temos quatro loteamentos cuja confor-mação arquitetônica foi moldada de tal maneira que as ruas são estreitas.Passam por elas, quando muito, um carro para ir e outro para voltar. Não hálocal para estacionamento. Há um bolsão de estacionamento muito próximo dapraia que comporta poucos carros. Esses loteamentos estão localizados entre aestrada e a praia. Qualquer pessoa que quiser circular por dentro do loteamentopara ter acesso à praia é barrado na portaria. É solicitado das pessoas identifi-cação. Perguntam se têm algum conhecido que seja proprietário, se têm auto-rização de alguém para circular e atingir a praia, que acabou sendo privatizada.Isso não acontece só na cidade do Guarujá. Várias cidades da orla marítima doEstado de São Paulo e, acredito, do Nordeste brasileiro passam pela mesmacomplicação. Que se dizer de alguns hotéis de luxo que se instalaram no litoraldo Nordeste e que acabaram privatizando espaços de praia, com vista paracontemplação somente dos turistas? Poucas pessoas têm acesso a esses espa-ços, o acesso é muito limitado.

A justificativa para a privatização do uso das praias é a proteção ao meioambiente. Dizem que os compradores dos lotes – aliás, diga-se de passagem,lotes com valores elevados, porque há vegetação nativa – têm condições deproteger o meio ambiente. Pobre não tem nem o direito de aprender a protegero meio ambiente. Não tem acesso a essas praias. No verão, para não utilizaremoutras praias poluídas, as pessoas às vezes recorrem a essas praias, como vál-vula de escape, mas não têm condições de acesso. Quando muito, permite-se aentrada, desde que deixem o carro lá fora. A pessoa é obrigada a caminhar, comesposa, filhos, material de praia etc., três ou quatro quilômetros para chegar àpraia.

Esse fato é grave e tem acontecido com certa freqüência. Há uma viola-ção frontal à Constituição Federal, porque as praias marítimas são bens daUnião, de acordo com o art. 20, inciso IV. Além disso, a Lei no 7.661/88, deGerenciamento Costeiro, no seu art. 10, dispõe que as praias são bens de usocomum do povo, o que garante o acesso ilimitado, sem qualquer restrição.Esse dispositivo da lei federal foi simplesmente abandonado.

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Acho que a questão da privatização de praias, por envolver interesses daUnião, comportaria até uma Comissão Parlamentar de Inquérito, para se apu-rar em que medida se autorizou o fechamento dessas praias, em que medidase impede o acesso de qualquer um do povo a essas localidades.

Em Campinas, temos um exemplo mais crítico do que o caso daprivatização de praias. Como disse aos senhores, existem loteamentos novosque são formados numa gleba no canto da cidade, sobre cujo respeito não hátanto atrito pelo fato de as pessoas não precisarem circular por ali. Mas hácasos de bairros consolidados, e é o caso que ocorre em Campinas. Lá temosum bairro com nada mais nada menos que 1,5 milhão de metros quadrados deárea que foram privatizados. Números dessa privatização: cinco avenidas, 46vielas, 32 praças públicas, 69 ruas, que totalizam 534 mil metros quadrados deárea de uso comum do povo privatizados pelos moradores. Mas não são todosos proprietários de lotes moradores desse bairro. Isso significa que de um totalde 2.006 lotes – números de 2001 – apenas 862 casas foram construídas, paracomportar 3.500 moradores. Para os senhores terem uma idéia, pelo censo doIBGE de 2000, a cidade de Campinas tinha 968 mil habitantes. O número deocupantes desse loteamento chegava a 0,4%. Portanto, a população de Campi-nas, que tem 98% dos seus moradores morando na zona urbana, não podedesfrutar de 32 praças, 69 vielas e cinco avenidas.

Vejam os senhores a gravidade dos fatos que estou trazendo para a nos-sa ponderação. Se a proposta do substitutivo for anistiar os loteamentos fecha-dos da forma como foram implementados, estaremos permitindo a violação dealguns direitos, de alguns princípios da Constituição Federal.

O art. 1o, inciso III, da Constituição diz que se deve garantir a dignidadeda pessoa humana. E a dignidade não é respeitada nesses chamados condomí-nios residenciais, porque os faxineiros, as faxineiras, os jardineiros e os pe-dreiros que trabalham lá dentro são revistados diariamente na portaria quandode sua saída. As pessoas são obstadas de entrar e circular por essas áreas.

Vejam os senhores a que ponto chegamos. O cidadão que morava numacasa num bairro com ruas abertas de repente se vê diante de uma associaçãode moradores que postula o fechamento das ruas e obtém a autorização daprefeitura. Também de repente, esse cidadão, que mora numa casa, passa aser condômino, porque a associação vai exigir dele o rateio de verbas parapagar despesas com coleta de lixo, manutenção e limpeza das vias públicas,bem como serviço se segurança privada. Ele será obrigado a pagar, embora aConstituição Federal garanta que não é obrigatória a associação, muito menos

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se manter associado. A associação é livre. Ninguém pode ser obrigado a seassociar, muito menos a se manter associado.

Mas, para acender uma luz no final do túnel, o nosso Superior Tribunal deJustiça, num acórdão recente, disse o seguinte: o comprador de lote que nãopediu por aquele serviço não é obrigado a pagá-lo – Recurso Especial no 444.931,de São Paulo.

O que estou expondo aos senhores é uma série de violações ao art. 3o daConstituição Federal. Viola-se, por exemplo, o princípio de se construir umasociedade justa, livre e solidária; o princípio da erradicação da pobreza e damarginalização e da redução das desigualdades sociais; o princípio da promo-ção do bem-estar de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, idade, semquaisquer formas de discriminação.

Se anistiarmos esses projetos de loteamento fechado, feitos dessa for-ma, da maneira como o substitutivo propõe, talvez tenhamos que apresentaruma emenda à Constituição Federal para dizer que esses princípios não seaplicam nessa situação. Ou então vamos ter que enfrentar um sérioquestionamento constitucional, na nossa Suprema Corte, que é o SupremoTribunal Federal, a respeito dessa situação.

Eu tinha muito ainda por dizer, mas, para não dizer que não falei dasflores, tenho bons exemplos para apresentar aos senhores, porque São Paulonão tem só maus exemplos, também tem bons exemplos. Nós temos umloteamento na cidade de Bertioga chamado de Riviera de São Lourenço. Ele foiconcebido originalmente para ser fechado. Mas as pessoas não são obstadasde freqüentar a praia. Existe um acesso controlado, sim. Um cidadão fica con-trolando o fluxo de veículos. Há um afunilamento da via, com cones de sinaliza-ção de trânsito, de modo a que só um carro passe por vez. Ao término desseafunilamento, há uma lombada. O veículo é obrigado a reduzir sua marcha. Ocidadão que está lá controlando anota a placa do veículo. O motorista não sabe,mas está sendo filmado. Porém, independentemente disso, ele pode entrar,estacionar seu carro debaixo de uma árvore numa praça pública e freqüentar apraia. Esse é um exemplo de algo que dá certo.

Outro exemplo interessante de algo que talvez possa dar certo encontreina cidade de Palmas, Estado do Tocantins – não sou urbanista para afirmarisso. Lá, existem quadras que foram formatadas de modo a conceber a idéia deloteamento fechado, mas que na verdade não é. Imaginem os senhores umaquadra, no formato retangular, com uma entrada e uma saída. Nesse ambien-te, na parte central, há uma área verde. Num dos desenhos, encontrei ruas que

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têm acesso, com balão de retorno. Nesse meio, há uma área verde. Não mepareceu que fosse área pública, mas pela conformação dessa quadra, em seuentorno, há áreas verdes, sendo que numa delas há uma escola municipal eem outra um comércio para a subsistência dessa comunidade, para que nãohaja a necessidade de fazer compras fora. Há uma atuação conjugada com acomunidade, todos podem usufruir desse espaço.

Então, naturalmente, formou-se uma quadra em que há a tutela do direi-to das pessoas de se proteger, porque o direito à segurança é o que motiva aformação dos loteamentos fechados. Se bem que segurança é um problemanão só de quem mora lá dentro, mas dos que ficam fora também, porquevamos represar a marginalidade e fechar os olhos. Há necessidade de se en-contrar uma fórmula para isso. Sei, é claro, que é uma realidade, que as pes-soas estão, ao que parece, à procura dessa forma de ocupação do solo. Essehíbrido, essa figura de loteamento em condomínio é transgênica, porque há omapa genético do condomínio dentro da figura do loteamento. E parece que aspessoas pedem isso. Pelo menos é o que o setor imobiliário tem transmitido. Étão procurado que me parece que até favela no Rio de Janeiro tem acessocontrolado. As pessoas querem proteger-se de alguma coisa, não sabemos dequê. Mas não podemos fechar os olhos e esconder a cabeça na terra. Há ne-cessidade de uma proposta alternativa.

Quero finalizar minha participação com uma proposta positiva, e umacrítica construtiva seria nos seguintes termos. Se for impossível resistir a essafigura da anistia desses loteamentos – coisa que vai sofrer questionamentojudicial, e espero que não seja incluída essa figura sem um estudo prévio, semuma conversa com os urbanistas, com as pessoas que lidam com essa questãoe principalmente com os moradores dessas áreas que não querem pagar massão obrigados a fazê-lo , se for irresistível deixar de lado essa figura transgênica,sugeriria o seguinte. Para os loteamentos já existentes, além da anuência detodos os moradores, conforme a proposta do substitutivo, mas essa anuêncianão é suficiente, porque ela resolve um problema intramuros, mas há tambémo que está fora do loteamento, proponho uma audiência pública para que apopulação discuta esses loteamentos e dê seu referendo. Não me refiro ape-nas à população do entorno, mas a todos aqueles que sofrem o impacto dessesempreendimentos. Também sugiro estudo de impacto de vizinhança e de im-pacto ambiental, porque em alguns desses empreendimentos há área de pro-teção ambiental. Proponho uma compensação tributária, urbanística e social.

Quanto à tributária. As pessoas que moram nessas áreas não pagamIPTU por essas ruas. Os senhores imaginem o caso de Campinas, com mais de

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534 mil metros quadrados de área sobre os quais não se paga IPTU. Quemmora em condomínio paga, mas as pessoas que moram nessas áreas nãopagam. Com a compensação tributária, as pessoas pagariam IPTU diferencia-do, a maior, cuja arrecadação poderia reverter-se, por exemplo, para a regula-rização de habitações subnormais.

Proponho também uma contrapartida urbanística, uma compensação como fim de realizar obras ou serviços ou espaços comunitários no entorno e emlocais não servidos por essas áreas, inclusive naquelas comunidades mais ca-rentes.

E ainda sugiro uma compensação social, com atividades, obras altruístasem favor dessas comunidades carentes. Seria uma contrapartida que essaspessoas teriam que suportar por terem privatizado espaço público.

Eu excluiria, na minha proposta, a dispensa de licitação, porque me pare-ce que o dispositivo cria uma reserva de mercado. Aliás, nos artigos iniciais daproposta, diz-se o seguinte: só esses serão admitidos, os próximos projetos aserem feitos o serão na forma de condomínio urbanístico. Parece-me que umareserva de mercado está fechando essa situação num grupo determinado. Nestecaso, o princípio da impessoalidade pode ser questionado em termos constitu-cionais, porque o legislador não pode legislar em benefício ou prejuízo de de-terminadas pessoas, e sim em favor de todos.

Proponho a possibilidade de abertura de grandes empreendimentos parafacilitar a circulação do sistema viário e a fruição dos bens de uso comum porqualquer pessoa do povo. Proponho que a associação dos moradores assumauma responsabilidade solidária junto com seus associados, porque essas asso-ciações não têm patrimônio e se causarem dano interno ou externo não têmcom o que responder. Então, a responsabilidade deveria ser solidária com osassociados.

Proponho também a garantia de acessibilidade a esses bens públicos, emáreas em que haja interesse ambiental. Isso para os que vão ser regulariza-dos. Para os novos, são idênticas as propostas, sendo que muda um pouco afigura. Para os novos, se é que essa figura vai ser aceita, porque acho que temque ser aceita com reservas, o projeto tem que contemplar uma contrapartidaurbanística, com áreas públicas projetadas para fora do empreendimento. Élógico que aqui não há contradição, porque a rua também é área pública. En-tão, loteamento com rua para fora não é loteamento. Mas me refiro às áreasprincipais, às áreas de interesse comunitário, praças, áreas institucionais, elasficariam para fora.

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Proponho, repito, interferência no sistema viário, com obras suportadaspelo empreendedor; contrapartida tributária, com IPTU maior sendo pago pelosmoradores; pagamento facultativo das taxas condominiais, a exemplo do que dizo citado acórdão do STJ; audiência pública; estudo de impacto de vizinhança;estudo de impacto ambiental; observação da precariedade na concessão dessasáreas, porque de uma hora para outra a população pode não querer mais seutilizar dessas áreas, e o instrumento adequado é o da permissão.

Acho grave dispensar licitação, que tem que ser observada em todas ashipóteses, seja para a associação prestar serviços públicos internamente, sejapara contratar terceiros. Se contratar terceiros sem licitação, estará burlandoa Lei de Licitações por interposta pessoa. Por último, proponho, repito, a res-ponsabilidade solidária das associações.

Se me sobrar tempo depois dos debates, apresentarei algumas pro-postas sobre os condomínios urbanísticos, que também, a meu ver, comtodo o respeito, são outra figura transgênica, porque de parcelamento nãotêm nada. Seria mais ou menos, grosso modo, colocarmos um gatinho numacriação de cachorros. O gatinho também é animal de quatro patas, tembigode, caminha, mas não é cachorro, é gato. É um elemento estranhoàquele grupo. Então, parece-me diferente criarmos uma figura dentro daLei de Parcelamento do Solo que tem tudo a ver com a Lei no 4.591/64, art.8o. Aquele dispositivo, na verdade, quis dar uma regulamentação urbanísti-ca ao art. 8o da Lei no 4.591/64. Se é essa a proposta, a meu ver, ou se fazoutro projeto de lei ou que haja uma preocupação urbanística fundamental.E esses empreendimentos, esses condomínios urbanísticos – o projeto si-naliza isso –, terão áreas públicas internas. Que nessas áreas seu sistemaviário interno seja compatível com a malha viária projetada ou existente noentorno, porque essa comunidade, se for condomínio, se for pagar verbacondominial amanhã ou depois, não terá condições de suportar o custo des-sas áreas e vai doá-las ao Poder Público. Se forem repassadas, essas áreasdevem estar com sua conformação viária de acordo com a largura da viaoficial, para o caminhão de lixo poder ali chegar e trafegar livremente, semnenhum transtorno.

Os senhores me desculpem a rapidez na fala e talvez a ênfase nas afir-mações. Gostaria de voltar a conversar com os senhores, espero que as provo-cações me tragam retorno. Agradeço novamente a todos a presença, aoportunidade de estar revendo amigos, colegas e companheiros de trabalho,tanto do Ministério Público quanto do nosso Ministério das Cidades, com estre-

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las de primeira grandeza aqui presentes. Tenho certeza de que o Ministérioestá muito bem representado.

Muito obrigado a todos.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Muito obrigada,Dr. José Carlos. Com certeza, sua exposição é bem polêmica e interessantepara todos nós, que queremos pensar uma cidade para todos, uma cidadeonde todos sejam cidadãos respeitados.

Passo a palavra à Dra Fernanda Carolina Costa, do Instituto Pólis.

A SRA. FERNANDA CAROLINA COSTA – Agradeço o convite feito pelaComissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara dos Deputados ecumprimento todos os presentes na pessoa da Deputada Maria do Carmo Lara.

Tentarei trabalhar na mesma direção do Freitas, tentando não serrepetitiva. Embora ele tenha falado rapidamente, abordou um campo vasto.

É interessante fazermos uma retrospectiva histórica. Temos uma culturade ocupação muito parecida com a dos portugueses, uma ocupação espontânea,desordenada. O instituto da propriedade é algo relativamente recente na socie-dade brasileira, surgiu com a Lei de Terras, de 1850. A figura da terra e doloteador passa a existir a partir de então. Antes, todos eram concessionários daCoroa, e a detenção do bem imóvel estava condicionada à sua efetiva utilização.

Essa discussão vem à tona na perspectiva da revisão da Lei no 6.766/1979.Houve uma revisão recente, ocorrida em 1999, que resultou na Lei no 9.785/1999.Temos observado sempre uma leitura bastante negativa da Lei no 6.766/1979. Pre-cisamos jogar a água do banho fora, mas evitando que o bebê vá junto. Essa leisurgiu para proteger os adquirentes de lotes, que antes não tinham qualquer prote-ção, e também para estabelecer algumas diretrizes urbanísticas para o empreende-dor, resguardando o adquirente. O objetivo da lei é proteger um lote que, muitasvezes, representa a poupança de uma vida inteira. Por isso, ele deve ter infra-estrutura necessária e acesso que viabilize a ida e a vinda dos seus moradores.

Quando analisamos o Projeto de Lei no 3.057/2000, observamos algumasinovações que devem ser discutidas com atenção especial. Primeiro, acho quemereceria uma análise a possibilidade de compromissar os compradores ou desuperficiários poderem atuar como empreendedores. Temos de ter muito cui-dado em relação às situações de vulnerabilidade que podem ser geradas poresses casos, especialmente no tocante ao superficiário e aos futuros adquirentes.

Há a intenção de diminuir o percentual de áreas públicas, fato já previstona Lei no 9.785/1999, de diminuir a responsabilidade do parcelador em relação

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a obras de infra-estrutura e, em contrapartida, a intenção de onerar o PoderPúblico no momento em que repassa para ele a responsabilidade de arcar comparte dessa infra-estrutura. Temos de discutir isso atentamente, porque o quetemos observado em todo o País são administrações municipais e GovernosEstaduais com baixíssima capacidade de investimento. Assim, devemos discutira questão da obrigatoriedade de o Poder Público investir para viabilizar empre-endimentos privados.

Além disso, o projeto de lei traz a possibilidade de instituição de condomí-nios horizontais ou urbanísticos, como foi citado, e a possibilidade de privatizaçãode espaços públicos. Talvez essas idéias não devam ser discutidas nesse local.

Um condomínio não é modalidade de parcelamento. O projeto de lei emtela busca fazer algumas propostas de revisão na lei federal de parcelamentodo solo. Condomínio é um sistema de propriedade que acontecerá de formacoletiva. Não podemos – acredito ser um equívoco – inserir um condomíniocomo modalidade de parcelamento. É uma figura transgênica, alienígena, en-fim, não sei que nome dar. Trata-se de um erro de origem e jurídico que temque ser trabalhado com bastante atenção.

Mais interessante que inserir de forma artificial a regulação do condomí-nio urbanístico numa lei de parcelamento, seria fazermos uma revisão da Leidos Condomínios, a Lei no 4.591/1964. Seria, talvez, o caminho mais indicadopara trabalharmos o assunto.

Outra coisa que merece ser discutida com atenção é a capacidade ou nãode o município regular áreas rurais. Não podemos esquecer que muitas vezesa intenção do empreendedor em viabilizar essa forma de ocupação do solo –não estou falando de modalidade de parcelamento, mas de ocupação – recaino fato de que esses empreendimentos estavam em áreas rurais do municípioou buscavam burlar a Lei no 6.766/1979. Ou seja, porque as áreas não aten-dem aos requisitos de áreas públicas que deveriam ser reservadas e transferidaspara a municipalidade ou porque estavam em área rural, não podendo seraplicada a Lei no 6.766/1979. Não podemos esquecer que, muitas vezes, asunidades produzidas funcionam como segunda residência. Em alguns casos,como primeira.

Portanto, nesta discussão, não podemos dissociar a possibilidade ou nãode o município regular sobre áreas rurais. Fazendo uma ponte com o Estatutodas Cidades, recentemente aprovado, temos bem claro que plano diretor deveregular todo o território do município, tanto a área urbana quanto a rural.

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Entendemos que o município tem essa competência, mas tem que observar eresguardar as características do território rural e do território urbano.

Embora alguns condomínios tenham surgido com a intenção de burlar alei, sua regularização tem de ser trabalhada com limites de áreas onde poderi-am ser estabelecidos condomínios fechados. A partir de uma determinada área,obrigatoriamente, deveria ocorrer o parcelamento do solo. Isso para garantiruma integração maior com o entorno e melhor acessibilidade.

Conforme o caso citado pelo Freitas, em São Paulo há uma faixa de mais detrinta condomínios contíguos, o que forma um grande paredão de inacessibilidade.Repito, é interessante observarmos os limites para os condomínios fechados. Apartir de determinado tamanho, deve existir a obrigatoriedade do parcelamento.Com isso evitaríamos situações constrangedoras, como a de um condomínio fe-chado com área maior do que a área urbana do município, o que gera à adminis-tração municipal uma situação de total incapacidade de gestão.

Uma coisa que me chamou muito a atenção no projeto de lei foi a inten-ção de permitir que loteamentos regularmente aprovados passem a se consti-tuir como áreas exclusivas de um determinado grupo de moradores. Acho issobastante preocupante. Há a violação do preceito constitucional do direito de ir evir e total comprometimento do sistema de circulação.

Em relação ao exemplo aqui apresentado, o que me chamou muito aatenção também foi o caso das cinco avenidas. Não podemos perder de vistaque todo o sistema viário de um loteamento não é pensado exclusivamentepara aquele loteamento. Ele tem toda uma articulação com o sistema do muni-cípio, e sua limitação pode apresentar sérios comprometimentos. Além do mais,áreas resguardadas, como praças, por exemplo, são reservadas para o lazerde toda a coletividade, não são exclusivas dos moradores daquela área. Ointeresse que vai além do dos moradores não é atendido, e isso pode trazersérios problemas, além de ser flagrantemente uma privatização de espaçospúblicos. As ruas e praças integram o patrimônio municipal na categoria debem de uso comum do povo, bem esse cujo acesso não pode ser vedado aqualquer cidadão. Qualquer cidadão tem o direito de acessar essas áreas semqualquer tipo de restrição ou constrangimento.

Portanto, é bastante preocupante o fato de que, a requerimento de um núme-ro restrito de pessoas, seja dada destinação privada a um bem público que deveriaser acessado por toda a coletividade. Penso que isso merece muita atenção.

Em relação a situações já existentes e consolidadas, particularmente soufavorável a que sejam revertidas na medida do possível aquelas que geram

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impacto negativo no seu entorno e para o sistema viário da cidade. Gostariamuito de chamar a atenção para isso.

Por fim, para deixarmos tempo suficiente para o debate, quero apenasdizer que se faz necessário levarmos os temas para serem tratados nos seuslocais específicos. Sugiro novamente que esse assunto de condomínio urbanís-tico seja tratado dentro do condomínio e que se façam os necessários ajustesna legislação. Sugiro também que tratemos do que efetivamente significa oparcelamento do solo e o loteamento fechado, esse instituto que identificamosem algumas cidades. É um loteamento regularmente aprovado, com umadestinação de áreas, sendo facultado aos proprietários fechar ou não essasáreas e ter usufruto exclusivo. Não acredito que isso seja algo legal nem inte-ressante para a coletividade. Seria importante a realização dessa discussão,porque, apesar de não estar previsto na nossa legislação de parcelamento,temos identificado o fato em alguns municípios.

Buscou-se viabilizar os condomínios fechados, os condomínios urbanísti-cos, dando a eles uma roupagem de loteamento, o que permitiu sua privatização.Isso tem ocorrido com bastante incidência. Portanto, penso que deveríamostrabalhar com bastante profundidade esse assunto, ampliando o mais possívela discussão, a fim de que outras pessoas, ou melhor, a população diretamenteenvolvida também se manifeste.

Temos uma série de condomínios fechados clandestinos implantados eainda em fase de implantação em várias áreas, principalmente nas rurais. Faz-se necessária discussão acerca da capacidade ou não de os municípios regula-rem o parcelamento do solo nas áreas rurais, de se definirem alguns critériose de se buscar promover a regularização desses condomínios, garantindo to-das as compensações abordadas pelo Freitas. Também defendemos a suges-tão de que sejam feitos estudos de impacto de vizinhança não só para os novosempreendimentos, mas também buscando dimensionar prejuízos e constran-gimentos gerados na implantação dos empreendimentos existentes, a fim deminimizar os impactos.

Obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Sra.Fernanda Carolina Costa, do Instituto Pólis.

Registro a presença dos Deputados Wasny de Roure, PastorFrankembergen, Devanir Ribeiro e Ronaldo Vasconcellos.

Concedo a palavra ao Sr. José Roberto Bassul, membro do Conselho daTerracap.

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O SR. JOSÉ ROBERTO BASSUL – Inicialmente, agradeço à DeputadaMaria do Carmo Lara o convite para participar da Comissão de Desenvolvimen-to Urbano e Interior da Câmara dos Deputados e ao Ministério das Cidades aoportunidade de estar aqui.

Ao receber este convite, fiquei em dúvida entre duas exposições. Umadelas é a respeito do Distrito Federal, que talvez interesse aos Deputados Fe-derais e aos que não moram em Brasília ou não acompanham o problema. NoDistrito Federal, onde aparentemente reina a ordem urbanística, temos 529loteamentos clandestinos implantados sob o apelido de condomínios – não sãocondomínios do ponto de vista jurídico. A outra seria no sentido de fazer umdiscurso de resistência ao que se vai tornando uma espécie de negação dacidade, pela simples razão de que a cidade é por definição a polis, o espaçopúblico. Se esse espaço público vai se conformando em feudos inexpugnáveis esucessivos, não só há problemas de relações sociais e espaciais, como tam-bém há a negação da cidade como expressão cultural.

Num imenso esforço contributivo, que espero seja útil, passei a entenderque é melhor reconhecermos que há um ânimo no sentido de constituição decondomínios e que ele pode e deve ser, já que existe e na prática se impõe,trazido para o contexto do interesse público e conformado a ele. É neste senti-do que me expressarei, entendendo que há essa demanda social em certossegmentos da sociedade e sobretudo de mercado, cuja orientação deve serfeita em função do interesse público.

Então, devido exatamente a essa avaliação, partimos de alguns princípi-os. Primeiro, o excesso de rigidez costuma ser parteiro da licenciosidade, ouseja, o nada-pode costuma virar o vale-tudo. E melhor do que impedir a im-plantação desses condomínios e ver prosperar a clandestinidade, como vemos,parece se fixar regras culturalmente adequadas, economicamente viáveis esocialmente justas. Os loteadores vão se animando. Mas acalmem-se.

Alguns conceitos parecem-me aplicáveis, e não os podemos perder devista. Primeiro, a idéia de patrimônio privado ou público está muito ligada –sobretudo o público – a bens, porém patrimônio é mais do que isso: são bense direitos. Do ponto de vista do patrimônio público, os bens são imóveis, tangí-veis. Mas há direitos de imenso valor patrimonial, por exemplo, o de urbanizar,parcelar e construir. São direitos que pertencem à esfera patrimonial pública.No entanto, se um prefeito – e a República já evoluiu o suficiente para isto –resolver dar um imóvel da prefeitura para alguém, a sociedade se rebela. Masse ele resolve dar um direito de construir a mais para alguém, a sociedade não

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se rebela. E estamos tratando de patrimônio público igualmente. É umaobviedade, mas às vezes o óbvio precisa ser enfatizado.

Outro conceito que acho importante é o trazido para a ordem jurídicapelo Estatuto das Cidades: a outorga onerosa de alteração de uso. Por quetrago esse conceito para o contexto de parcelamento? Porque, na verdade,em geral – a Lei no 6.766/1979 faz isto, sua alteração e o substitutivo também–, o parcelador é instado a compensar o Poder Público. Quando há, há a idéiada compensação. E, na verdade, não é disso que se trata, no meu entendi-mento. Trata-se de alienação de um patrimônio público, o do direito deurbanizar, que não pertence ao particular. Esse direito pertence ao Poder Pú-blico. O direito de plantar milho, de fazer uma lavoura ou um pasto pertenceao particular. O direito de urbanizar, não. Esse direito, ao ser outorgado, deveser feito onerosamente. Quando o Estatuto das Cidades diz que o plano dire-tor pode fixar áreas em que a alteração do uso do solo ocorra mediantecontrapartida, e sendo alteração de uso do solo de rural para urbano matériado plano diretor, a competência e a abrangência desse instituto me parececonfigurada para os casos de parcelamento. Desse modo, acho que nossaidéia em relação ao parcelamento deve migrar dos institutos compensatóriospara o da outorga onerosa de alteração de uso. E, aí sim, fixar quecontrapartidas são exigíveis.

A partir, então, desses princípios gerais e desses conceitos, tento fazersugestões. Evidentemente, como quaisquer sugestões, são sujeitas a aceita-ções, repugnâncias e entusiasmos – quem sabe, não é? No art. 7o, inciso V, dosubstitutivo, há uma sugestão. Primeiro, quero dizer que essa idéia do condo-mínio frankenstein, do transgênico, tal, é um pouco isso, porque é uma frontei-ra entre a instituição do condomínio, a Lei no 4.591/1964, e a legislação doparcelamento. No fundo, são lotes, pode ser até um “lotão”, ocupados na formacondominial. Como a lei de incorporações se preocupou mais com o condomíniovertical, é evidente que há uma preocupação urbanística quando essa forma decondomínio se dá horizontalmente, até porque o impacto urbanístico é maiorpela condição de ser horizontal, de ocupar mais espaço e de ter mais relaçõesefetivas, social e fisicamente falando, com a cidade. Então, acho que em ambasas normas é possível e conveniente tratar se vamos por aí.

Agora, ele não pode ficar ao bel-prazer do parcelador, como está, so-bretudo em relação aos municípios, porque a União não pode abdicar dessasua condição de estabelecer diretrizes gerais. São diretrizes gerais, mas sãodiretrizes. As diretrizes gerais não podem ser nada, ou muito pouco. Tambémnão podem ser tudo.

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É nesse sentido que acho que, nos requisitos urbanísticos, algumas condi-ções têm que ficar. Primeiro, é óbvio que a sucessão infindável de condomíniosconspurca a idéia da cidade e não pode ser tolerada. Então, é preciso que issotenha dimensões. O lote mínimo não tem dimensão de 125 metros quadrados?Alguém podia dizer: por que não 80 metros quadrados? Eu vi um lote em Tó-quio que tem 32 metros quadrados, e é um lote. Então, para os nossos padrõesculturais e sociais, etc., é preciso que haja limites.

A idéia é não só dizer se é possível essa forma de ocupação no município,mas onde é possível. E também definir uma máxima extensão territorial contí-nua. O que quero dizer com isso? É que, seja um condomínio só, seja umsomatório de condomínios pequenos, eles não podem exceder uma dada ex-tensão territorial. Que extensão é essa? Um quarteirão, por exemplo. Se for umquarteirão, é razoável que a idéia de cidade permanece, desde que o quartei-rão seguinte também não seja condomínio. Aí eu diria até os dois seguintes, ouseja, a extensão territorial mínima em que esse intervalo tenha que prevalecer,em que a tentativa de negar a cidade tenha que coexistir harmonicamente coma cidade. Então, são elementos nesse sentido. Se são os melhores, se as di-mensões são essas, não sei.

Outro aspecto é a medida inversa. Há situações em que é convenientepara o interesse urbanístico que haja o remembramento de pequenos lotesindividualizados que tornam a cidade muito rarefeita. Até no sentido deadensamento, de melhor aproveitamento da infra-estrutura urbanística, é inte-ressante que haja a formação de pequenos condomínios, sejam verticais, se-jam horizontais. Então, são previstos critérios para que o remembramento deunidades possa ocorrer, formando-se os condomínios. É a velha história decasa de frente e fundo, formação de vilas, tipologias diferentes, que não sejama casa isolada ou o prédio. Há um universo entre esses dois aspectos que alegislação pode e deve prever.

Quanto ao problema da infra-estrutura, ficou extremamente reduzida aexigência de infra-estrutura como responsabilidade do empreendedor. Minima-mente ele faz sistemas de drenagem e iluminação – nem isso está lá –, além deoutras obras que o município fixa. No entanto, como norma geral, não é possí-vel que seja menos que isso. Faz o asfalto, todos sabem que é barato, bonito echama a atenção, mas depois a drenagem fica pesada.

Se o lote for ocupado na forma condominial, o empreendedor, que nessecaso deve ser equiparado à figura do incorporador – no fundo é um condomínio–, deve ser responsabilizado até que pelo menos metade dessas unidades au-

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tônomas estejam ocupadas, porque não basta fazer o condomínio como seloteamento fosse – essa é a inversão –, vender as unidades autônomas comose lotes fossem e deixar a responsabilidade para uma instituição civil, o con-domínio, que não se formou ainda, não tem capacidade de pagamento. O pro-blema vai cair no colo de quem? Do Poder Público. Esse empreendedor tem queser equiparado ao incorporador. Senão 100%, pelo menos 50% dessas unida-des autônomas devem estar efetivamente ocupadas para que possa ocorrer apassagem da responsabilidade para o condomínio.

O art. 13 estabelece obrigações. A figura da compensação deve ser subs-tituída pela da outorga onerosa, inclusive para harmonizar-se com o Estatutodas Cidades e deixar claro que não é um direito que pertence àquele proprietá-rio, mas que está sendo outorgado a ele pelo Poder Público mediantecontrapartida. Não é o direito do proprietário, cujo exercício, em função dosônus que acarretam, precisa ser compensado, é outra figura. É um direito quenão lhe assiste na condição de proprietário, porque se trata de área rural – senão estiver parcelada não é área urbana. Para que seja parcelada, é um direitoque pertence à municipalidade, outorgado. Nesse sentido, há que se exigir umacontrapartida. Quais seriam essas contrapartidas? Os casos de regularizaçãofundiária são extremamente importantes não só para condomínios e licitações,mas de modo geral. O art. 15 diz o seguinte: quando a regularização fundiáriaocorre por iniciativa do Poder Público, o Poder Público é responsável pelo pro-vimento da infra-estrutura e pode compartilhar os encargos com os beneficiários,dependendo do poder aquisitivo. Há de se supor que, se os beneficiários forempobres, o Poder Público arca com os ônus, mas se tiverem alguma capacidadede pagamento, será compartilhado. E sendo irregular o parcelamento e o em-preendedor identificado – muitas vezes não o é, são laranjas, sabemos comoisso ocorre –, o Poder Público deve ser por este ressarcido. Trata-se de umaidealidade, um comando inaplicável. Como o empreendedor ressarcirá o PoderPúblico desses ônus?

Essa é a grande questão, já que existe 30% ou 40% de informalidade,de clandestinidade na conformação das cidades. A lei não pode deixar dedotar o Poder Público de meios para enfrentar a situação da regularizaçãofundiária. É uma oportunidade que não se pode perder. Então, a sugestão quetrago é a seguinte: vivemos uma esquizofrenia jurídica – perdoem-me osadvogados se falo besteira – porque a Lei no 6.766/1979 tipifica o parcelamentoirregular ou ilegal do solo como crime. Como esse crime é apenado? Com areclusão. Do ponto de vista penal, o loteador comete crime e paga por elecom a privação da liberdade. Qual o resultado do crime? Um problema para a

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municipalidade. Qual é a melhor maneira para a municipalidade enfrentar oproblema? Trazendo para ela a propriedade dessa terra para poder inseri-lano contexto urbanístico.

Hoje, se um prefeito fizer isso, ele quebrará o orçamento. Por quê? Porque ajurisprudência tem fixado as indenizações pelo valor de terra urbanizada. Ou seja,aquele que cometeu crime e por isso foi preso recebe prêmio, do ponto de vista doDireito Civil. Pode fazer sentido jurídico, mas isso me parece esquizofrênico comoconceito. Não posso premiar quem cometeu crime. Ou é crime no Direito Penal oué direito altamente vantajoso no Direito Civil? É assim? Então, é a oportunidade quetemos para fazer com que essas duas situações confluam em alguns institutos.

Posso não ter as melhores idéias, mas trouxe duas. Consultei alguns ad-vogados e comecei a perceber que a jurisprudência se formou pela idéia dajusta indenização. No entanto, a justa indenização é conceito que não estápreenchido positivamente, como os senhores dizem. E aí o juiz arbitra, entendelá o que é justo, baseia-se em outra sentença etc. Não é isso?

Ora, a norma poderá dizer que em parcelamento irregular, já que é casode cometimento de crime, a justa indenização é não considerar a terra urbananem urbanizável, é descontar da indenização o dispêndio que incidir sobre oPoder Público, seja para desconstituir ou regularizar etc., seja para preencherobjetiva e positivamente essa idéia, esse conceito de justa indenização noscasos de parcelamento irregular de terra. A norma que altera a Lei no 6.766/1979, alteraria a legislação de desapropriação para esse efeito, já que é com-petência exclusiva da União legislar sobre desapropriação.

Não sei se ficou claro. Qual é a idéia? Não é crime? Vai preso e, alémdisso, não vai ter o prêmio indenizatório. E a prefeitura passa a ter meios detrazer para o domínio público o que interessa a ela regularizar.

Outro ponto. Esse problema apareceu quando eu exercia a presidência daTerracap no Governo Cristovam Buarque. Ficou muito claro. E aqui as terrassão públicas. Então, seja por meio de desapropriação, seja do parcelamentoirregular incidindo em terra pública, seja até mesmo quando o Poder Públicopromove o parcelamento regularmente em terra desimpedida, esse problematende a aparecer. Como a Lei no 6.766/1979 não discrimina o loteador sendoele ente público ou particular, o que acontece? No momento em que o projeto,com todas as exigências cumpridas, é depositado em cartório para fins deregistro, há o período de 15 dias, se não me engano, para impugnação. Haven-do a impugnação, o oficial do registro cita a dúvida perante o juiz, que teria dedecidir de plano. Sabemos como estão as varas de registros públicos. De plano,

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às vezes levam 3, 5 anos. Enfim, há demandas, litígios que se constituem. Ora,o que me ocorre nesse sentido? Por que essa impugnação deve prevalecer?Porque João não pode parcelar a terra de Maria, apenas se Maria concordar. Ese João alegar, para parcelar a terra, que a terra de Maria é dele, é justo queMaria impugne essa tentativa. No entanto, em se tratando de ente público, estepode parcelar a terra de Maria e ela não pode impedir que isso ocorra. Qual odireito que ela tem? À indenização. E isso tem de estar preservado e não odireito de impedir que o interesse público de parcelamento prevaleça. Cons-truir isso juridicamente é um exercício, mas a idéia é de que, quando o promo-tor do parcelamento for ente público, a impugnação deve resguardar o direitoindenizatório se provada a propriedade alegada. E a indenização é plena, justa,etc., como tem de ser, uma espécie de desapropriação indireta, mas que aimpugnação não impeça a prevalência do interesse público. Caso contrário, aestrada da legalidade fica tão penosa e sujeita a tantas transgressões e oposi-ções que o atalho do ilícito vai ficando cada vez mais fácil de trilhar. É umaoportunidade para mexermos nessa fase da impugnação e reservarmos o di-reito indenizatório para o particular, mas não o impedimento do registro.

Vou comentar a demanda da polêmica em relação aos loteamentos fecha-dos. O art. 85 realmente não pode ficar. Não sei se repararam, mas o caput doartigo não fala de loteamentos fechados, mas de todos. Ou seja, em qualquerloteamento aprovado se os interessados se harmonizarem e decidirem, fechame ninguém entra. Não acredito que seja essa a intenção. Mesmo que seja a deregularizar loteamento fechado, também não pode ser. O interesse – repito –não é apenas de quem está lá dentro, mas de quem está dentro e fora.

Como enfrentar isso? Como sugestão, primeiro, se eles tiverem nascidocomo condomínios, aprovados como lotes e ocupados na forma condominial,regularmente implantados e assim registrados, serão mantidos. Se forem ile-gais ou irregulares, terão de se adaptar à regra geral com aquelas limitações,extensão máxima, intervalo mínimo. Se se adaptarem àquilo e promoverem aregularização fundiária, são regularizados. O que exceder dessas duas linhas,nasceu e ficou correto, não pode ser a vontade de quem está lá dentro. E aí vouadiante, Freitas, não é o caso apenas de audiência pública e referendo. Eu fariaum plebiscito. E audiência pública haveria no contexto dos estudos de impactoambiental e de impacto de vizinhança que já exigem audiência pública, masalimentados por esses estudos haveria plebiscito. Precisamos vulgarizar umpouco mais a consulta plebiscitária. Esse exercício precisa acontecer.

Os últimos três pontos. O consórcio imobiliário não foi considerado nosubstitutivo – e ele está à disposição no Estatuto das Cidades. Onde incidir a

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obrigação de parcelar pode haver a formação de consórcio imobiliário, em queo proprietário transfere a gleba para o Poder Público e recebe em pagamentolotes parcelados. Há essa previsão.

A outra questão – essa é um pouco mais polêmica – que merece discussão é ocombate à ociosidade do solo urbano. Vimos, sobretudo no painel anterior, a quanti-dade de lotes e loteamentos aprovados, lotes nus, Brasil afora. O caso de Anápolis,aqui perto, é um deles. O Luís Fernando talvez conheça bem. Tenho certeza de quesim. O que há de loteamentos aprovados em Anápolis é suficiente para fazer duasAnápolis. E não pára aqui. Não é possível que essa atividade se dê apenas pela idéiade comprar um lote e quando houver urbanização começa a construção, um dia vaidar certo, vai valorizar mesmo. E assim as coisas se dão. Tanto o edifício de aparta-mentos que está ocioso, como o IBGE demonstra, mais de 5 milhões de unidadesvazias, quanto os lotes vazios demonstram que não estamos mais voltados paraatender à demanda habitacional efetiva. Estamos construindo um ativo financeirocomo qualquer outro. E a nossa legislação não se pode prestar a isso.

O instituto constitucional da obrigação de construir, agora regulado peloEstatuto das Cidades, deve ser aplicado. Os loteamentos aprovados a partir dalei já devem nascer com a obrigação de construir e a incidência daquelas trêspenalidades sucessivas. É claro que com tempo razoável, não vamos falar emdois anos, mas que sejam seis anos. Que já nasçam com a incidência dessaobrigação. Isso fará o parcelador ficar um pouco mais comedido, o adquirenteum pouco menos animado, e as cidades vão ganhar com isso em termos deeconomicidade dos recursos.

Por fim, vou falar de idéia que não é minha, que ouvi pela primeira vez deum colega aqui presente, o Dr. Vítor Carvalho Pinto. Em vez de apenarmosquem comete crime de parcelamento irregular ou ilegal do solo com a reclu-são, que já dá essa discussão, agora de pena alternativa, aumentar-se-á oprazo para não incidir a pena alternativa etc., poderíamos pensar na perda debens, que está prevista constitucionalmente como pena. Se o crime está tipificado,a pena poderia deixar de ser reclusão e passar a ser simplesmente perda dobem que se utilizou para parcelar para o cometimento do crime, e o art. 5o,inciso XLVI, prevê essa possibilidade.

É essa a contribuição que trago aos senhores. Muito obrigado. (Palmas)

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Dr. José Roberto,obrigada pela importante contribuição, não apenas por ser membro do Conse-lho da Terracap, mas por ter vivido de perto o fato, com experiências anterioresdos problemas sobre terra nesta capital – se todos os estados os têm, sabemosque na capital o problema é bem mais gritante.

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Concedo a palavra ao Sr. Luiz Eduardo Camargo, da Associação de Em-presas de Loteamento.

O SR. LUIZ EDUARDO CAMARGO – Meus cumprimentos à DeputadaMaria do Carmo Lara e a todos os presentes. Vamos direto ao assunto, porqueparece bem palpitante e interessante.

Primeiramente, o relatório do Projeto de Lei no 3.057/2000, apresentadopelo Dr. Evilásio, veio numa oportunidade muito interessante, pois o setor em-preendedor, loteador tem necessidade de rejuvenescimento, de modernização,de atualização da Lei no 6.766/1979. O relacionamento entre todos os agentes,os Poderes Públicos, os órgãos de Defesa do Consumidor e os empreendedo-res, precisam ser melhor regrados de acordo com a atualidade que o País vive.

Hoje vamos tratar do loteamento fechado e do condomínio. O setor atuacomo agente de loteamento – não vou usar a expressão loteamento fechado,preferimos usar o termo “loteamento com controle de acesso”, até porque oloteamento fechado acaba trazendo essas deformações, deturpações, que oDr. Freitas muito bem abordou –, com o qual não concordamos. Gostaria dedeixar isso bem claro. O setor não concorda com esses constrangimentos, atéporque temos conhecimento do que ocorre nos ditos loteamentos fechados.Não concordamos também e não podemos aceitar muito menos o que hojeexiste aí de irregularidade em termos de condomínio, de lotes disfarçados doque quer que seja. Nós, na condição de agentes operadores de mercado, de-tectamos obviamente a necessidade de segurança que a população tem.

Acreditamos, esperamos e torcemos que seja uma necessidade passa-geira, e que, num prazo razoável, os órgãos públicos consigam controlar oproblema de segurança e devolver a paz e a tranqüilidade às nossas cidades.No entanto, enquanto isso não acontece, o mundo lá fora continua andando.Todo mundo continua com a necessidade de morar e de comprar lotes. Quantoao loteamento com controle de acesso, gostaríamos de deixar bem pontuadoque há demanda cada vez mais crescente, principalmente nas camadas maispobres da população, a exemplo da Grande São Paulo. Nas cidades ao redor daGrande São Paulo há hoje uma demanda bastante grande dos loteamentospopulares.

As pessoas hoje saem para trabalhar, deixam suas casas completamen-te sozinhas, por isso têm necessidade de ter segurança, de ter controle deacesso.

Concordamos com o que foi colocado pelo Dr. Freitas, com grande propri-edade, que um dos melhores exemplos disso é o loteamento Riviera de São

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Lourenço, lá em Bertioga, no litoral paulista, onde o acesso é controlado. Nin-guém tem qualquer constrangimento de acesso, ninguém é impedido de ir e vir.Os bens públicos lá – ruas, praças, áreas institucionais – estão todos abertasao acesso público. E é isso que o setor gostaria de ver melhor regrado. Enten-demos que a Lei no 6.766/1979 deixa em aberto a necessidade da população.

O novo Projeto de Lei no 3.057/2000 deve prever a continuidade doloteamento com controle de acesso, a associação de moradores – instituiçãonecessária para esse tipo de loteamento – e a continuidade da possibilidadedesses loteamentos.

Vemos como necessidade importante a continuidade do loteamento comcontrole de acesso, principalmente nos loteamentos populares, porque o con-domínio urbanístico é uma inovação muito interessante. É preciso haverparâmetros urbanísticos para não degradar as cidades. Ele deve ter parâmetrosde área de uso comum, de área verde, ficando a cargo do condomínio cuidarde tudo.

Isso, contudo, não é a única solução daqui por diante. Faço questão dedizer que o controle de acesso deve continuar a existir, principalmente para oloteamento popular. E por que isso? Uma vez que há necessidade do controlede acesso, ele estaria atendido plenamente no condomínio urbanístico. No en-tanto, a manutenção dos serviços públicos no condomínio urbanístico passariaa ser gerido pelo morador. O loteador ou incorporador, no caso, instalaria osserviços públicos – redes de água, esgoto, iluminação, pavimentação etc. Noentanto, a manutenção ficaria a cargo do condomínio. Apesar de este ser uminstituto novo, no nosso entender, vai levar grandes dificuldades aos loteamentospopulares. Não acreditamos, a priori, que as pessoas – constituídas em condo-mínio – consigam suportar os encargos dessa manutenção.

Minha participação será muito curta, Sra. Presidente, apenas para trazera mensagem da continuidade do loteamento fechado. Isso é para nós bastanteimportante. Temos de definir melhor o condomínio urbanístico. Ele está muitobem colocado, mas precisaria ser um pouco melhor discutido e regrado.

Gostaria de cumprimentar o Deputado Dr. Evilásio, autor desse relatório,e sua equipe de assessores. O relatório é muito interessante, bastante comple-to, complexo, mas muito bem regrado. Ele trará vida nova ao setor loteador.

Estamos à disposição para trabalhar ou para detalhar o que for necessá-rio daqui por diante. (Palmas)

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Agradecemosao Dr. Luiz Eduardo Camargo a participação.

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Passo a palavra ao Prof. Marcelo Lopes de Souza, da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro.

O SR. MARCELO LOPES DE SOUZA – Boa-tarde. Saúdo os colegas par-ticipantes da Mesa, particularmente a Deputada Maria do Carmo Lara, e agra-deço pelo convite para aqui estar.

Serei bastante objetivo. Distinguirei três níveis de análise que precisamosconsiderar ao nos depararmos com o problema que envolve duas entidadesdistintas extremamente perniciosas, mas que têm suas diferenças: o loteamentofechado e os condomínios horizontais, chamados de condomínios urbanísticos.

Num primeiro nível, quero registrar minha posição. Os loteamentos fe-chados ferem a Lei no 6.766/1979, e não se deve ter nenhuma condescendên-cia para com eles. Portanto, concordo com a idéia de que não pode, pura esimplesmente, haver qualquer tipo de anistia. O que passou, passou, e vamosser complacentes com isso. Tal atitude é inaceitável.

O segundo nível é com relação aos condomínios horizontais. Se estiveremde acordo com a legislação pertinente dos condomínios não estão sujeitos à Leino 6.766/1979. Isso é truísmo. É evidente que em não sendo loteamentos, nãoestão, em princípio, sujeitos à lei que os rege. Parece-me, concordando com oque foi dito anteriormente, que o melhor local para se tratar dessa matériaseria no âmbito da legislação sobre condomínios.

De qualquer maneira, o fato é que eles proliferam com muita freqüên-cia, na esmagadora maioria dos casos, ao arrepio da legislação ambiental eao bom senso em matéria de planejamento urbano, o que vem ocasionandovários tipos de transtornos. Alguns exemplos foram trazidos pelo represen-tante do Ministério Público. A lista dos tipos de problemas seria infindável. Porexemplo: risco de contaminação do lençol freático em função da multiplica-ção desenfreada de poços e fossas, e desmatamento de áreas de preserva-ção permanente etc.

Terceiro nível. Os loteamentos fechados e condomínios horizontais repre-sentam solução escapista, individualista e extremamente parcial para o desafioda violência urbana, como já foi dito, que é o grande fator de motivação dessesprocessos de auto-enclausuramento envolvendo fechamento ilegal deloteamentos ou constituição dos ditos condomínios horizontais.

Do ponto de vista coletivo, considerando-se a cidade como um todo, alongo prazo isso não seria solução, mas sim problema para as nossas cidades.Está sendo usada aqui a metáfora simpática dos transgênicos. Com relação aesses produtos há fortíssima suspeita de que causem mal à saúde. Nesse caso,

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demonstra-se que esse tipo de “modelo” – entre aspas – vem causando muitomal à saúde das nossas cidades. Então, diria que são transgênicos carregadosde agrotóxicos.

Com relação aos loteamentos fechados, vou abordar alguns pontos. Fizum esboço de recomendações. Primeiro ponto, devem ser rechaçadas tentati-vas de interpretação que sugerem que por meio de lei municipal se legalizemos loteamentos fechados, desafetando os bens de uso comum do povo e con-vertendo o loteamento num condomínio. Ou seja, desmoralizando, na prática,a legislação, a Lei no 6.766/1979.

Segundo ponto. A interdição dos loteamentos fechados deve ser mantidana legislação federal com todo o rigor.

Terceiro ponto. O espaço público deve permanecer enquanto espaço pú-blico. A privatização dos espaços públicos – dois colegas que me precederam jáfalaram sobre eles – fragmenta a cidade e fere direitos espaciais básicos deseus moradores. E isso em nome de quê? Do corporativismo territorial alimen-tado constantemente pelo medo da violência que se difunde em grande parte,inclusive como histeria, ao mesmo tempo acobertado pelo individualismo, quetambém se dissemina pelo escapismo.

É uma solução escapista, uma pseudo-solução, uma falsa solução, e, peladesatenção às causas profundas da criminalidade violenta, somos convidados arefletir sobre a possibilidade de regulação de algo que não é uma soluçãodefinitiva, apenas parcial, mas que causa mais problemas – fazendo um balan-ço final, ou certamente mais problemas do que traria de positivo porque éapenas parcial – aos setores mais diretamente interessados, empresariado eparcelas da classe média, que equivocadamente acreditam ser o auto-enclausuramento uma solução razoável. Não é. Até porque os fatos vêm de-monstrando que os condomínios nem são tão blindados assim, na medida emque não são inexpugnáveis. Casos de assaltos em condomínios de torres ou demansões de casas têm-se multiplicado.

Portanto, nem mesmo nessa microescala isso na verdade se mostracomo solução para os que partem para essa saída, o que dirá quando saemdos seus condomínios e sofrem assalto, seqüestro etc. Enfim, significa que arealidade das cidades brasileiras passa um rolo compressor nesse tipo desituação, mesmo naqueles que pagam alto preço partindo para esse tipo desolução escapista.

Com relação aos condomínios horizontais, colocaria o seguinte: em pri-meiro lugar, o nome condomínios urbanísticos é vago e confunde mais do que

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esclarece. Não vejo o que se ganha com esse nome. Parece-me ele inadequa-do, com características de eufemismo.

Segundo ponto. Embora não firam a Lei no 6.766/1979, eles vêm se pro-liferando ao arrepio de leis, das normas ambientais e às expensas do bomsenso de planejamento urbano, ferindo direitos básicos dos citadinos e cida-dãos.

Terceiro ponto. Embora eles não se constituam em exemplos de apropri-ações privadas de espaços públicos, portanto ilícitas, também contribuem parafragmentar a cidade. Precisamos nos afastar da idéia de que os loteamentosfechados são maus, e os condomínios horizontais seriam bons. Não. Eles tam-bém são maus. Há uma diferença que talvez seja apenas de grau, emboraobviamente o caso de “apropriação”, entre aspas, privada de logradouros pú-blicos seja particularmente aberrante, mas os efeitos a longo prazo de ambasas situações são nefastos. Portanto, eles também contribuem para fragmentara cidade.

As propagandas, frases e slogans, como vida de interior e sentido decomunidade abundam na mesma proporção em que proliferam os condomínioshorizontais. Isso são eufemismos e construções ideológico-publicitárias que mas-caram o seu sentido essencialmente negativo na escala da cidade como umtodo e a longo prazo.

O controle de acesso também é um eufemismo. Na verdade, controle deacesso é um constrangimento, uma restrição.

No caso dos parcelamentos populares vou aproveitar o momento parafazer um adendo.

Não me parece razoável ou correta a utilização disso como uma espéciede álibi. Ou seja, o fato de que em função inclusive de demonstração em áreaspopulares comecemos a encontrar situações desse tipo. Na verdade, isso ébasicamente efeito demonstração.

Consideremos o seguinte: trata-se de fatos amplamente documentadospela pesquisa urbana no Brasil. A violência nessas áreas periféricas de loteamentosirregulares ou está ligada à própria polícia ou às forças da ordem. Enfim, estáligada à banda podre, atuando de maneira atrabiliária etc. Não vou estender-me nesse ponto, ou mesmo no caso do Rio de Janeiro, da periferia de SãoPaulo, onde há tráfico de drogas. Pensar ou falar em controle de acesso a esserespeito é ingenuidade ou piada.

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Vou falar de outro ponto, ainda com relação aos condomínios horizontais.Muito se tem falado sobre as chamadas vantagens urbanísticas dos condomíni-os horizontais sob o ângulo da densidade. Parece-me que isso precisa ser mui-to relativizado, sobretudo porque se empalidece, à luz do que comentei antes,com os malefícios que eles acarretam a longo prazo e na escala da cidade.

Portanto, os condomínios devem ser o máximo possível desestimulados esempre fortemente regulados por meio de lei. As exigências devem ser feitas.

Cito alguns singelos exemplos. A área construída total não deve exceder à dolote; a taxa de ocupação não deve ultrapassar 50%; a taxa de permeabilidade, queé muito séria, não deve ser inferior a 20%, considerando a área total do condomí-nio. Além disso, as sugestões do Bassul, com relação a evitar a sucessão ininterruptade condomínios, pareceu-me extremamente pertinente, algo a ser incorporado. Euaté radicalizaria um pouco a proposta dele. Temos de evitar essa verdadeira frag-mentação da cidade. Basta pensarmos nisso e já acontece. Vamos fazer um exer-cício de imaginação, pensando nesse modelo continuando daqui a 5, 10 anos comessa velocidade. Na verdade, como ele tinha dito, e como eu venho argumentandohá bastante tempo, é a própria idéia de cidade que, no sentido bastante profundo,se perde. Vai ser uma miríade, uma coleção enorme de microguetos ensimesmados,auto-enclausurados, onde, por exemplo, o direito de locomoção e uma série decoisas, como a fruição da cidade, tudo vai escorrendo pelo ralo.

Tem de haver equilíbrio no sentido de evitar a ingerência abusiva do nívelfederal em assuntos de competência municipal com relação ao planejamentourbano. Por outro lado, a omissão pura e simples da legislação federal é extre-mamente perigosa se considerarmos com realismo o quadro político-social dosmunicípios brasileiros.

Vou deter-me a apenas um exemplo com relação a isso, comparando oart. 7o do substitutivo do Projeto de Lei no 3.057/2000 com o art. 12.

O que diz o art. 7o?

“Art. 7o Respeitando o disposto nos incisos I a IV do art. 6o, cabeà legislação municipal definir para cada zona em que se divida aárea urbana ou de expansão urbana do município os usos permi-tidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação dosolo, os quais devem incluir pelo menos:§ 1o as áreas mínimas e máximas dos lotes e das unidades autônomas;§ 2o os percentuais mínimos de áreas destinadas ao uso público ouao uso comum dos condôminos;§ 3 o os coeficientes máximos de aproveitamento;

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§ 4o os coeficientes básicos de aproveitamento, no caso de aplica-ção da outorga onerosa do direito de construir;

§ 5o a possibilidade ou não de implantação de condomínios urbanísticos.”

A esses pontos mencionados não se associa nenhum parâmetroquantitativo.

Isso é preocupante. Aí concordo com o que disse o Bassul. Não sepode deixar a coisa tão frouxa assim. Não estamos na Alemanha, nem noReino Unido. Por um lado, há de se preservar a autonomia municipal aomáximo dentro do bom senso no que se refere ao planejamento; por outro,um balizamento que garanta um minimo minimorum. Isso também deve sergarantido.

O parágrafo único do art. 7o, quem vem logo a seguir, é interessante.

“Art. 7o......................................................................................

Parágrafo Unico. Inexistindo a definição de que trata o inciso II, opercentual mínimo de áreas destinadas ao uso público ou uso co-mum dos condôminos deve ser, no mínimo, de 25% para empreen-dimentos habitacionais ou comerciais, e de 15% para empreendi-mentos exclusivamente industriais.”

Vejam: apenas no caso de inexistir. Se existir e os parâmetros foremridículos, fica valendo aquilo que o município define. Parece-me que isso é umconvite para que tenhamos inúmeras soluções ruins pelo Brasil afora.

Vamos comparar o que está disposto no art. 7o – estou dando apenas umexemplo com relação à margem de manobra do município, que me pareceenorme na medida em que não se parametrizou minimamente em âmbito fe-deral – com o art. 12.

“Art. 12. Além das obrigações previstas nos arts. 10 e 11, a legisla-ção municipal pode exigir do empreendedor contrapartida pelo ônusem termos de infra-estrutura e serviços públicos decorrentes daimplantação do parcelamento.

§ 1o A contrapartida prevista no caput pode envolver:

I – a doação ao Poder Público municipal de imóvel urbano localizadona mesma área do empreendimento ou não;II – a doação de recursos financeiros a fundos setoriais relacio-nados a desenvolvimento urbano e vinculados ao Poder Públicomunicipal;III – a realização de obra ou serviço de interesse da comunidade.”

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Se juntarmos de um lado a enorme margem de manobra do poder local ede outro a questão das contrapartidas também colocada de maneira vaga,corremos o risco de ter o famoso balcão, como ao que assistimos em cidadesbrasileiras.

As operações interligadas no Rio de Janeiro são exemplos extremamentedidáticos disso. Desmoraliza-se a lei, o planejamento e paga-se pelo direito detransgredir a lei pontualmente, ou, no caso, alguma coisa até um pouco maisgrave com amparo na lei.

Farei agora algumas observações finais.

Como primeiro ponto, diria que qualquer complementação ou alteraçãoda Lei no 6.766/1979, à luz do espírito, do Estatuto das Cidades, que não deve-mos perder no horizonte, deve ser rigorosa no que se refere aos condomínioshorizontais.

Segundo ponto: colaborar para construir uma cidade melhor e mais justanão significa, ou não deveria significar, em hipótese alguma, ceder ao apelofácil de flexibilizar – isso evidentemente é um eufemismo — a legislação com oobjetivo de atender às expectativas que são em parte extremamente falsas deparcela da classe média, que é envolvida e induzida a acreditar que esse tipode solução seja o auto-enclausuramento e o prosseguimento desse modelo eparticularmente dos empresários do setor.

Para terminar, enfatizaria que de nada adiantam as leis, por melhoresque sejam, sem que o seu cumprimento seja garantido.

A parceria com o Ministério Público tem-se mostrado essencial – e issodeve ser valorizado. Agora não menos essencial do que isso é a participaçãopopular por meio de conselhos de desenvolvimento urbano dentro do que prevêo Estatuto das Cidades.

Falaram aqui em audiência pública, em referendo e em plebiscito. Háparticipação popular consistente, não apenas maquiagem como vemos normal-mente. A regra é a maquiagem e não a participação consistente e sistemática.Isso, inclusive, é algo previsto na Lei no 10.257/2001, Estatuto das Cidades, edeve ser enfatizado, pois pode ajudar a fortalecer – digamos assim, permane-cendo nas metáforas, passando de uma metáfora agronômica para uma orgâ-nica – o sistema imunológico de que necessitamos, porque só com leis ou sócom o Ministério Público realmente não é possível. É preciso que procuremosenvolver a sociedade civil organizada o mais possível no esforço de fiscalizaçãoe de bloqueio desse tipo de aberração.

Obrigado.(Palmas)

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A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Prof.Marcelo.

Como última debatedora inscrita, passo a palavra à professora eSecretária-Executiva Ermínia Maricato, do Ministério das Cidades.

A SRA. ERMÍNIA MARICATO – Obrigada. Tinha preparado uma transpa-rência mas não consegui passar no ministério antes de vir para cá. Era umatransparência sobre a cidade de Campinas.

Trouxe uma dissertação de mestrado que gostaria de ler. É do Cristiano FerrariMaciel. Nessa dissertação, ele traz um mapa que mostra o que é favela, o que sãoocupações do ponto de vista jurídico, o que no fundo é o mesmo, e o que são loteamentoscom fechamento indeferido, fechamento em análise, fechamento aprovado e condo-mínios. E é muito engraçada a cara da cidade quando se começa a somar esses guetostodos, guetos de ricos e de pobres. Mas eu não trouxe, infelizmente.

Cumprimento a Maria do Carmo e agradeço ao Edésio Fernandes, doMinistério das Cidades, que ajudou a montar esses debates, ajudou a Comis-são de Desenvolvimento Urbano.

Desejo realmente muita felicidade ao Deputado Evilásio na redação dosubstitutivo. Que todos os bons fluidos do mundo estejam ao seu lado, porqueé muito importante para nós esse projeto de lei.

Quero falar de três itens basicamente. Um é em relação ao fechamentode áreas consolidadas; o outro é em relação ao condomínio de lotes ou comoqueiram chamar – nós estamos em dúvida sobre isso; e o outro é em relaçãoaos loteamentos populares.

Já que estamos numa mesa de debates, eu queria dizer que acho que oBrasil tem muita lei rígida que não é cumprida e tem muita flexibilidade nocumprimento da lei. Temos uma capacidade regulatória de texto, de discurso, euma absoluta incapacidade de controle sobre uso e ocupação do solo.

Então, eu queria fazer um apelo para que achemos a melhor saída paratudo isso. Por quê? Houve um episódio em que um medicamento falsificado quefoi tomado, era uma pílula anticoncepcional. O que acontece no CongressoNacional diante de todo episódio semelhante a esse? A lei fica mais rígida. Masnão seria preciso mudar a lei se ela tivesse sido cumprida.

Estamos diante de uma flagrante situação em que a lei não está sendocumprida quanto ao uso e à ocupação do solo no Brasil. E não é só em relaçãoaos loteamentos fechados, ela não está sendo cumprida porque metade dasnossas maiores cidades, para tomar dois exemplos, é de ocupação ilegal do solo.

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Não podemos chegar aqui com fórmulas muito rígidas. Vamos ter queenfrentar algo que a sociedade nunca enfrentou: a distância entre o discurso ea prática, a distância entre lei e aplicação. E para isso vamos ter, sim, quequebrar os nichos e as tribos onde estamos vivendo e onde fazemos discursosmuito cômodos. Eu digo “tribos” no bom sentido.

(Não identificado) – Ah, bom! Senão acabaríamos com o resto dos índios.

A SRA. ERMÍNIA MARICATO – Esse é outro problema ligado ao uso dosolo e à demarcação das terras.

(Não identificado) – Com certeza.

A SRA. ERMÍNIA MARICATO – Concordo com o Bassul, que aliás fezuma leitura perfeita. Trouxe-nos uma contribuição impressionante – quandonada pode, tudo pode. Nossa legislação é assim. Costumo lembrar muito oCódigo de Obras de São Paulo. Quando era Secretária de Habitação, consegui-mos aprovar um novo código na Câmara Municipal; porém, o resultado alcan-çado ficou muito longe do que pretendíamos. Por exemplo, ele fixava até otamanho do canil de uma casa, mas para metade da cidade era totalmenteflexibilizado, para neoliberal nenhum botar defeito. Então, precisamos tomarmuito cuidado quando falamos em flexibilizar certos parâmetros. Senão, vãoachar que estamos sendo neoliberais. E mais do que em nossas cidades, éimpossível – na realidade, não na lei.

Tenho posição radical em relação ao fechamento de áreas consolida-das, assunto tratado pelo art. 85 – para não dizerem que fui vendida aoneoliberalismo, porque precisamos flexibilizar a lei. Tive imensa felicidadeem conviver com o Freitas. Foi incrível o nosso encontro. Fizemos vários cur-sos juntos e, na Faculdade de Arquitetura, várias disciplinas juntos. De modoque foi muito bom percebermos que os promotores começavam a ter a sen-sibilidade dos urbanistas. Começávamos a perceber a importância das re-gras. E hoje o Freitas demonstrou, quando citou o caso de Palmas, que já éum urbanista. Fico contente de ter participado desse processo. Eu é que ain-da não sou uma boa promotora.

Acompanhei alguns casos de Campinas. Tive contato com uma jovempromotora cujo nome, se não me engano, é Eliane Zenardi. Ela foi muito cora-josa. Estava sendo ameaçada de morte porque questionava o fechamento deum bairro gigantesco, construído com dinheiro de todo mundo, da prefeitura.Era um bairro legalizado, com ruas, locais públicos, que foi fechado. E ela mecontou vários casos. Por exemplo, o de uma criança que tinha de andar umquilômetro circundando o loteamento, porque ela morava na parte de trás,

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para ter acesso à portaria e chegar à escola pública, que ficou dentro do espa-ço fechado. Quer dizer, é de uma agressão à esfera pública este caso quechega a ser escandaloso. E em Campinas há vários casos como esse.

Tive oportunidade de ir a Campinas, a convite da Faculdade de Arquitetu-ra da Pontifícia Universidade Católica, PUC, para participar de vários debates.Pude perceber que a população que está nos loteamentos fechados se agregoue contratou um setor que faz uma espécie de marketing, faz um jornal e traba-lha o tempo todo com uma agressividade que me impressionou. O que elesdefendem? Eles querem tranqüilidade, segurança para seus filhos, espaço parauma boa convivência com a vizinhança, sem sentir medo o tempo todo. Ouseja, querem tranqüilidade para que as crianças possam ficar nas ruas. Foi issoque ouvi das pessoas.

Tranqüilidade e segurança todo mundo quer. Na época, discutíamos que oproblema não seria resolvido simplesmente fechando as comunidades, que nãopodíamos aceitar a privatização de ruas, praças de áreas institucionais, praias– como foi o caso lembrado aqui, do Guarujá.

Outra questão levantada diz respeito ao fato de que a água do loteamentoé captada fora, a energia é produzida fora, o esgoto é tratado fora. Então, dizerque tudo se resolve ali, que tudo é pago, não é verdade. Estamos esmagando oconceito de cidade. Esse é o grande problema.

Antes de dar razão para quem quer se blindar, acredito que a situaçãoque vivemos mostra a falência da sociedade brasileira enquanto República. Asegregação no Brasil chegou a tal ponto que a vizinhança rica valoriza imóvelquando não há pobre morando perto. A elite brasileira foge do mix. Aliás, omix de classes é que poderia nos trazer mais tranqüilidade, democracia, se-gurança.

Acho bom darmos uma olhada de novo no célebre livro de Jane Jacobs,Morte e Vida das Grandes Cidades. Retrata o dia e a noite das áreas da cidade.É o mix de uso, de convivência, o que ela chama de olhos da rua – o padeiro darua diz: “Oh, entrou alguém estranho no prédio da dona Maria”. Os moradoresficam nas janelas, nas áreas comerciais, o comércio fica aberto de dia. Elacritica muito o funcionalismo a partir disso.

Mas o mix de uso, que traria alguma segurança, como disse, não é negadoapenas no funcionalismo. O Plano Piloto é um bom exemplo. Ele é negado pelasociedade brasileira. É impressionante a força com que se quer esmagar o dife-rente, o outro na sociedade brasileira a partir da diferença de renda e de classe.

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Então, diria o seguinte, Srs. Parlamentares: não ao fechamento do que épúblico e está consolidado. Temos boas experiências utilizando cancela parafechar os locais sem impedir a circulação de pedestres, deixando livre a saídade ruas. É perfeitamente possível. As experiências mostram que podemos con-viver com isso. Podíamos também estabelecer alguns bolsões fechando a saídade ruas com minipraças. Essas são algumas das propostas apresentadas porurbanistas.

Perdoem-me os advogados, mas às vezes a discussão tem um foco muitomais jurídico do que urbanístico. O desenho pode dar soluções para muitacoisa. Por exemplo, o desenho da entrada da Riviera de São Lourenço; daquadra de Palmas, que traz para dentro a praça; ou de alguns conjuntoshabitacionais que fizemos em São Paulo na época da Luiza Erundina, comminipraças, onde as crianças podem ficar à vontade sob o olhar das mães.

Ao contrário de avançarmos com a privatização do espaço público, o Go-verno do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria nos levar a tentar umaação pedagógica sobre nós mesmos para recuperarmos o espaço público. Aspessoas precisam adquirir um sentimento que não se vê mais. Hoje, o espaçopúblico é de ninguém, não é de todos. Temos de levantar essa idéia de que oespaço público é de todos. Então, não podem sujar, não podem pichar. Podelevar 10, 15 anos, mas não podemos adiar essa questão. Isso é dignidade,auto-estima. É um pouco também, pode até parecer pueril, de patriotismo; égostar um pouco mais do nosso País, da nossa cidade.

O segundo ponto diz respeito aos condomínios urbanos ou lotes. Lem-bro-me de que na Prefeitura de São Paulo tínhamos uma válvula em quepromovíamos muita negociação com o setor privado sobre o impacto dosempreendimentos. E a visão rígida, às vezes jurídica, condenava essa vál-vula. Trata-se da legislação de impacto sobre o tráfego. Então, hoje, qual-quer empreendimento instalado em São Paulo gera impacto. A cidade nãosuporta mais a entrada de automóvel, mas parece que a sociedade paulistanaainda não fez um pacto para resolver esse problema de circulação. A cidadefica paralisada.

Então, foi uma experiência interessantíssima. Chamamos vários em-preendedores, especialmente de shopping centers, e dissemos: “Assim nãodá! Vocês precisam acomodar a entrada do estacionamento, da garagem.O carro não pode entrar de repente na rua, senão vamos pará-lo”. Aímuda-se a diretriz do projeto e dá-se um afastamento para a entrada dotráfego.

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Constatamos que quando se dava uma compensação de recursos para aPrefeitura fazer a obra, demorava-se muito mais. Então, no caso de um empre-endimento na zona leste de São Paulo, exigimos dois semáforos e dois pontilhõessobre um córrego, e preferimos que o empreendedor fizesse, sob nosso con-trole. Foi feito rapidíssimo, e bem-feito. O empreendimento era muito grande,o que impedia que o bairro detrás tivesse acesso à Avenida Aricanduva. Então,exigimos uma via cortando o empreendimento. E foi feito. Exigimos tambémuma porcentagem de solo permeável. Também foi feito.

Portanto, a lei não pode decidir tudo. Precisa haver negociação, algumaflexibilidade, com controle social. Há 10 anos, tive a coragem de ir a um encon-tro de empreendedores imobiliários e dizer o seguinte: “Se não houver negoci-ação em cima do balcão, ela se dará por baixo”. Agora, o engraçado, no Brasil,é que quando se fala em dar algum espaço para o Poder Público fazer umanegociação, meu Deus, parece que estamos decretando que a corrupção vai seespalhar, como se ela não existisse. Então, repito: lei rígida não garante quenão haja corrupção; lei detalhista não garante nada. Vamos deixar isso bemclaro: controle social, sim, transparência, sim.

Com relação a condomínios de lotes urbanos, temos de ter alguma saída,porque eles estão fervilhando no Brasil todo. É a realidade de qualquer Capitalbrasileira. Há condomínios fechados desastrosos, como o do caso que relatei,que obrigam a criança a andar quilômetros para circundar o condomínio. Hácondomínios fechando praias!

Mas acho que o Freitas e o Bassul apontaram várias saídas. O Bassul foimuito feliz quando disse: “Se é possível, isso tem que ser aprovado”. Eu nãoentendi que você tenha dito no Plano Diretor, mas, em relação ao Município, seé possível, onde é possível e que extensão contínua ele vai ter? Eu acho que aquestão é esta. Que extensão contínua ele vai ter? Porque eu me lembro bemque orientei uma tese de doutorado sobre o Plano Diretor de Angra dos Reis. Ea luta foi para fazer aprovar que qualquer condomínio fechado iria estabeleceruma abertura a cada 100 metros para permitir o acesso à praia. Que a pessoanão andasse mais do que 100 metros para ter o acesso à praia. Não sei comoisso está hoje, porque já faz mais de 10 anos.

Acho que nós deveríamos estudar um pouco essa questão, ou seja, aquestão das saídas, que são desenhos urbanos. Puxa! Nós temos históriadesde as quadras do Cerdà de Barcelona até as superquadras de Brasília,que não têm muros; não vamos esquecê-las. Uma das coisas mais bonitasque eu encontrei em Brasília é o fato de o solo da superquadra ser público.

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Mas está todo mundo tentando fechar. Já existem umas pequenas ilegalida-des; por exemplo, pessoas construindo salão de festas no térreo dos prédi-os, colocando cerquinha viva e tal. Mas eu adoro atravessar o térreo dosedifícios e sentir que aquilo é público. Agora, em Brasília, o muro não estánas superquadras; ele está em volta do Plano Piloto. Existe realmente umproblema de segurança.

Quero terminar falando sobre a questão dos loteamentos populares. Achoque nós precisamos, sim, dar uma saída para o mercado de produção de mo-radia popular. Popular é modo de dizer; para a classe média, eis que eu costu-mo situar a faixa entre cinco e dez salários. O mercado habitacional no Brasilnão atinge mais do que 30% da população, como vocês sabem. Então, a lei épara esses 30%. Como nós discutimos lei, não vamos nos esquecer disso. Nósestamos discutindo para 30% da cidade que é produzida; 70% da populaçãoestá fora do mercado.

No Ministério das Cidades nós estamos iniciando um desenho de um novoSistema Nacional de Habitação. Nós achamos que é preciso encontrar umasaída para a produção de moradia popular, porque agora que nós estamosdiscutindo regularização de áreas irregulares ocupadas, o caso de muitas fave-las, se não dermos uma alternativa, só vamos correr atrás de prejuízo. Asfavelas vão aumentar, vão se adensar, e nós vamos ficar urbanizando e regula-rizando, sem ter alternativas.

As cidades brasileiras, o povo brasileiro precisa de alternativa demoradia popular. E moradia popular implica terra urbanizada. Aliás, nósestamos discutindo o que vai ser a nossa orientação para o Plano Diretor.Uma dos pontos fundamentais vai ser este: o Plano Diretor tem que apon-tar onde o povo vai morar. Porque Plano Diretor neste País não faz isso;discute lei de uso do solo com o mercado mas não trabalha para determi-nar onde o povo vai ficar. Aliás, Riviera de São Lourenço – só para discor-dar do Freitas um pouquinho –, é uma cidade muito bonita, de classe alta.Mas, quando o povo acaba a jornada de trabalho, tem que evaporar, e,como ele não evapora, ele está derrubando a Serra do Mar, porque não setem onde morar.

Então, tem de ter lugar para o povo morar em nossas cidades. E isso temde ser apontado na legislação e no Plano Diretor. Nesse sentido, acho que preci-saríamos trabalhar um pouco para tentar avançar na produção do lote urbanizado,pelo menos fora das regiões metropolitanas, em algumas periferias.

Obrigada.

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A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara ) – Obrigada,Ermínia.

Apenas pelas falas já dá para saber os desafios que temos de enfrentar.Estou falando “nós” porque esta Casa tem um projeto de lei para ser debatidoe aprovado.

Concedo a palavra ao Deputado Dr. Evilásio.

O SR. DEPUTADO DR. EVILÁSIO – Não dá nem para falar. Sra Presiden-te, Sras Deputadas, Srs. Deputados, senhoras e senhores expositores: isto aquié apenas um aperitivo do que temos pela frente. Certo dia me falaram: “Evilásio,você é louco. Você está indo para uma arena. Você tem coragem de mamarnuma onça!” Eu respondi que mamava em duas famintas. Quando elaboramosum texto e a partir dele abrimos uma discussão, temos dois caminhos: falarsem um texto previamente elaborado, um esqueleto, e discutirmos em cima dealgo que fosse o pressuposto de uma grande discussão. Optamos por discutirem cima de algo concreto. Quando foram iniciadas as discussões da Reformada Previdência, muitos reclamaram, porque o projeto sequer estava na Câma-ra dos Deputados.

Consideramos mais importante lançar isso aí que chamamos de ante-projeto, ou pré-projeto, algo embrionário, a partir do qual vamos adensando,anexando, trazendo as idéias, as propostas. Não pretendemos construir oprojeto perfeito. Queremos ser perfeitos na sua elaboração. Vamos trazeraqui todos os agentes que possam contribuir. Não estamos fazendo apenasuma lei ou alterando outra que já chegou atrasada, inclusive, e que hoje éextemporânea. Estamos aqui para a tessitura daquilo que chamo da Consti-tuição que vai disciplinar o uso e a ocupação do solo. Sabemos que paraerrar menos temos de buscar o maior número de mãos na tessitura dessaproposta.

Vou reservar-me a não ir para o debate. Quero assumir o compromissode levar em consideração todas as contribuições magníficas aqui apresentadase dizer que hoje nós discutimos pontualmente a questão dos condomínios. Mastodos os senhores e senhoras podem trazer contribuição independente dessefoco, desse ponto, para esse projeto.

Registro aqui, além dos nossos agradecimentos, a importância da con-tribuição dos senhores na elaboração desse projeto. É muito bom termosaqui esta magnífica platéia, que não é pequena e está aqui, desde o início, semanifestando. Todos os outros que ainda vão se manifestar certamente tam-

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bém nos darão enorme contribuição, a exemplo do que ocorreu na audiênciapassada.

O processo não pára aqui. Mandem-nos propostas. Colocamo-nos à dis-posição de todos os interessados que queiram contribuir conosco. Basta queacessem o endereço eletrônico da Comissão.

Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada,Deputado Dr. Evilásio.

Nobre Deputado, convido V. Exa a nos ajudar a coordenar a Mesa. Vouparticipar do debate, mas é importante V. Exa, como autor do projeto, participarda coordenação dos trabalhos, para que possamos depois abrir o debate com oplenário.

O primeiro inscrito é Marcelo Machado, do Instituto Horizontes.

O SR. MARCELO MACHADO – Se possível, gostaria de ficar mais para ofinal. É possível? Vou até justificar. O que pretendo falar não é exatamente emcima do assunto. Gostaria apenas de fazer duas observações que podem serinteressantes para a Comissão e até talvez para o Ministério.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – O próximo ins-crito é Ivan Ermano Filho.

O SR. IVAN ERMANO FILHO – Boa-tarde a todos. Meu nome é IvanErmano Filho. Sou Presidente da Associação Brasileira dos Condomínios Hori-zontais. A Associação congrega as pessoas que residem nesse ente, que nãodefinimos ainda se é condomínio, loteamento ou o que quer que seja, e que, anosso ver, é um loteamento fechado na concepção da autorização de funciona-mento; e, de fato, as pessoas vivem ou pretendem viver como num condômino.

Resido em Goiânia. Gostaria de trazer à luz do debate algumas realidadesda minha cidade. Temos prédios públicos magníficos, arquitetonicamente fa-lando: a Câmara dos Vereadores, a Assembléia Legislativa, o Tribunal de Justi-ça do Estado de Goiás. Todos eles, de cinco anos para cá, tiveram, infelizmente,de ser cercados. Hoje existem muros cercando esses prédios, que, sabemos,são lugares a que a população precisa ter acesso. Hoje, para lá chegarem, aspessoas precisam ser identificadas, fotografadas, filmadas etc.

Infelizmente, temos visto nos jornais que delegacias no Estado de SãoPaulo têm sido metralhadas. O bandido não mais respeita o Poder Público.Isso é uma verdade. Seria absurdo ou utopia pensar que podemos resolverde forma rápida algo que, na verdade, significa a falência do Estado. Acom-

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panhamos essa falência há 20 anos. Temos de levar nossos filhos a médicoparticular, porque o Estado está falido na área da saúde; temos de levá-losàs escolas particulares, porque a educação pública também está falida.Estamos assistindo infelizmente à falência do Estado na área da segurançapública.

Pessoas como eu buscam morar intramuros para se proteger. O Estadonão nos está dando proteção. Sabemos, como foi dito pelos senhores, que issoàs vezes pode ser utópico. As pessoas têm que transitar na cidade, mas estãotentando fazer o máximo para se proteger; se podem, andam em carros blin-dados; se não, tomam cuidado ao dirigir. Hoje, todos nós fechamos os vidrosdos carros ao parar diante de um semáforo, especialmente, à noite – isso pormedo de assalto. Tenho certeza de que os senhores fazem isso também.

O condomínio horizontal fechado chega como uma tentativa de minorar aquestão da violência. Não adianta tentarmos fechar os olhos a isso. É umarealidade. Foram citadas diversas aberrações com as quais ninguém pode con-cordar. Refiro-me ao fato de as pessoas se trancarem em muros, fecharem-se,no que chamamos de condomínios ou de loteamentos fechados. Seja o que for,isso não pode acontecer. Existem, contudo, soluções muito boas. Foram citadasalgumas. Gostaria de destacar o caso de Goiânia. A administração do PSDB nacidade – hoje do PT – aprovou mais de doze condomínios, loteamentos fecha-dos. Eles nasceram a partir daí, subsistem com grande eficiência, enquantooutros sete estão em projeto de aprovação na Prefeitura do PT. As duas admi-nistrações – talvez até politicamente antagônicas em alguns aspectos – viram aimportância da geração de empregos que esses condomínios promovem. Tro-caram informações, ouviram sobre a questão da negociação das áreas queseriam doadas para o bem-estar da comunidade, e fizeram o melhor.

Estamos agora negociando com a Prefeitura para que parte dos oito mi-lhões de reais arrecadados com IPTU e ITU dentro dos condomínios, onde nãohá uma contrapartida direta do Poder Público, seja investida nas comunidadescircunvizinhas. Existe projeto da Associação dos Moradores para minorar oimpacto negativo, que sabemos existir, dos muros, para poder buscar umamelhor condição junto à comunidade; ou seja, que a comunidade circunvizinhapossa integrar-se ao condomínio.

A Associação dos Condomínios Horizontais não está tendo visão utópica,mas tentando se proteger da melhor maneira.

Aproveito o momento para convidar V. Exas, que são formadores de opi-nião, os Deputados que integram esta Comissão, para conhecer um empreen-

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dimento que funciona muito bem lá em Goiânia, sob diversos aspectos. Seriamuito prolixo se eu fosse detalhar todos. As duas administrações – a do PSDB ea do PT – têm aprovado nosso empreendimento. Mais de sete projetos estãosendo aprovados agora.

Além dos pontos negativos, temos de mostrar aos senhores a enormequantidade de pontos positivos.

Não adianta fechar os olhos à realidade. Precisamos, sim, negociá-la. Ede que forma? Legislando sobre ela. Sabemos que a lei vem para dar umaformatação jurídica para algo já existente de fato, como os condomínios, poruma série de motivos – e não adianta negar isso.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio)

Concedo a palavra ao Sr. Luiz Fernando Teixeira.

O SR. LUIZ FERNANDO TEIXEIRA – Gostaria de pegar as duas questõesbásicas citadas. Primeiro, agradeço ao procurador pelas manifestações elogiosassobre Palmas. Sou co-autor do plano diretor de lá. Quero fazer referência qua-se que en passant ao que a secretária do Ministério das Cidades disse sobre aquestão do desenho das cidades. Na realidade, nós, urbanistas, perdemos essacaracterística intrínseca de desenhar as cidades – e elas passaram a ser regidaspor lei.

O Instituto Pólis, num paper intitulado o Direito à Cidade, mostra exa-tamente onde se tem a maior, a mais estipulada do ponto de vista urbanís-tico das legislações urbanas. Diz o paper que as cidades estão maisdegradadas.

De 1960 ou de 1970 para cá perdeu-se o desenho das cidades. Não sedesenham mais as cidades; fazem-se leis e umas manchas e dizem que é umplano diretor. Daí para frente, quer-se estabelecer a qualidade de vida.

Primeiro, é preciso estabelecer discussão mais clara sobre o que é umplano diretor. Está uma confusão generalizada. Nas discussões feitas sobreessa questão, ninguém sabe direito qual é o conteúdo de um plano diretor. Apartir daí pode-se desenhar as cidades. No momento em que essas cidades sãodesenhadas, é muito fácil estabelecer as novas figuras urbanísticas que estãoaparecendo, como os condomínios, que, em muitos casos, são pessimamentedesenhados e, em outros, muito bem desenhados.

Perdemos aquilo para o qual fomos treinados: desenhar as cidades. Terí-amos de resgatar esse assunto do ponto de vista dos planos diretores.

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Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Concedo a palavra à próxi-ma inscrita, Diana Mota, do IPEA.

A SRA. DIANA MOTA – Cumprimento a Mesa e todos os colegas. Queroregistrar minha satisfação de participar mais uma vez da discussão da Lei no

6.766. Desde os anos 1980 temos buscado o seu aperfeiçoamento.

Gostaria apenas de fazer um grande comentário, aproveitando as pala-vras da Secretária Executiva do Ministério das Cidades. O que ela disse é extre-mamente oportuno, considerando que toda nossa produção imobiliária tem sidona informalidade. Creio que dimensionar a questão com dados, com custos ecom processos de urbanização é fundamental no sentido de dar real dimensãodo enfrentamento do problema.

Por ano, no Brasil, as estimativas mostram que produzimos cerca de ummilhão de domicílios, e, desses, 700 mil vão formar ou vão compor áreas infor-mais, sejam loteamentos clandestinos ou favelas.

Trata-se de dado extremamente desafiador que a nossa Secretaria Exe-cutiva registrou.

Gostaria de enfatizar mais uma vez que, quando a Lei no 6.766/1979 foiformulada, a idéia principal não era transformá-la numa legislação de desen-volvimento urbano tão importante como ela se tornou. A idéia era – como foiregistrado aqui pelos nossos colegas – que ela fosse uma lei de defesa doconsumidor. Ao longo dos anos, ela se transformou no principal instrumento daatividade de urbanização. Parcelar o solo é uma atividade de urbanização. Ob-servamos que no Brasil a nossa urbanização se tornou um padrão totalmenteilegal.

Como sempre, estamos no IPEA à disposição da Comissão para contribuircom o debate. O esforço é muito maior do que ter uma visão mais urbanísticaou jurídica do problema. Trata-se de uma visão econômica de infra-estruturaurbana. Temos de ser bastante criativos para tentar produzir uma urbanizaçãobrasileira que dê conta da capacidade de pagamento dos nossos cidadãos.Como disse a nossa secretária, 70% de todas essas pessoas estão totalmenteout, fora desse processo, e as cidades estão crescendo nesse padrão.

Enfim, gostaria de registrar a contribuição do IPEA. Necessitamos sermuito criativos – não apenas os pesquisadores, mas todos nós. Temos de bus-car o apoio e a cooperação do próprio setor privado e do Poder Público Munici-pal. Necessitamos de encontrar alternativas. O Brasil tem experiências muito

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criativas. As municipalidades estão elaborando programas bem interessantes,o que é fundamental nesse momento.

Agradeço à Comissão a oportunidade de aqui estar.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Concedo a palavra ao Sr.Marcelo Machado, do Instituto Horizonte.

O SR. MARCELO MACHADO – Boa - tarde a todos. Sou arquiteto urba-nista e moro em Belo Horizonte. A Ermínia comentou a respeito das experiênci-as de São Paulo em relação à contrapartida de trânsito. Gostaria de dizer queBelo Horizonte tem uma experiência do RITUR – Relatório do Impacto do Trân-sito Urbano – algo próximo do impacto de vizinhança e do impacto ambiental. Éuma experiência interessante para quem não a conhece.

Existem outros dois pontos sobre os quais gostaria de comentar. Pedipara falar por último, porque acho que é quase que uma reação de quem lidana área o que sentimos que vem a acontecer.

O primeiro é quase que uma bobagem. De vez em quando encontro pes-soas dizendo que estão a fim de pegar o mercado na esquina e enche-lo depancada para ver se, depois de apanhar bastante, ele fica quieto, sossega epára de dar trabalho.

O que percebi a respeito dos condomínios é que se trata de uma situação– e o Freitas foi muito feliz ao fazer tal comparação – muito parecida com a dostransgênicos. Fato consumado regula-se; porque o fato consumado existe, apesarda lei.

Será que serão apenas essas as revelações que vamos descobrir ao lon-go dos próximos anos? Há mudança de comportamento e de pensamento noPaís. E agora começam a aparecer comportamentos da própria sociedade, oque, de forma absurda, foi chamada – inclusive, ouvi falar isso sobre ostransgênicos e acho que também no caso dos loteamentos fechados; e talvezalguém queira falar sobre isso – de desobediência civil.

Dizem que os transgênicos são considerados desobediência civil. Só fal-tam dizer que os loteamentos também seriam considerados desobediênciacivil – e eu acho que vamos trombar com outros por aí. É escandaloso dize-rem isso.

O Marcelo comentou a respeito da propaganda dos loteamentos. Desdeque trabalhei na Prefeitura de Belo Horizonte, o assunto sempre me vem àmente. Por isso falei que, talvez, pudesse ser essa uma idéia para a própriaComissão, em termos de legislação, ou para o Ministério.

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Quando a iniciativa privada tem interesse em colocar alguma coisa nomercado, quando quer criar uma necessidade que não existe e fazer com queas pessoas despertem para determinado produto que está disponível para ven-da, ou quando quer que um produto adquira uma verdade de mercado que nãotem, para ser consumido, o Poder Público Federal, Estadual e Municipal nãotem como reagir. Eu acho que seria muito interessante se existisse um meca-nismo de divulgação da propaganda enganosa.

Em Belo Horizonte isso acontece muito. Quando vemos o lançamento, no péda serra, de empreendimentos que prometem vantagens, proximidade do céu,vista magnífica, ninguém vê a serra destruída. A cidade não tem como fazer essapropaganda no jornal e na televisão, porque não tem como pagá-la. A cidade nãotem como ampliar a consciência de cidadania da população. Não existe essa possi-bilidade legal. Não existe um espaço na televisão pública, na rádio pública, naimprensa para uma propaganda tão sistemática quanto a que é feita pelo setorprivado, para promover a cidadania, a responsabilidade social, a ação do cidadão,a consciência de cidade.

O Bassul foi muito feliz ao dizer que o condomínio é a negação da cidade.Mas quantas pessoas percebem isso? O que significa negar a cidade? O serhumano vive em cidades; só existe enquanto interagindo com os outros. Seessa relação vai sendo destruída, corrompida, dilapidada, como deve reagir oPoder Público? Como apontar outras direções, usando os mesmos instrumen-tos que, digamos assim, os inimigos estão usando? O Poder Público fica semprena defensiva, e são 50, 60, 100 frontes diferentes ao mesmo tempo. É impos-sível reagir a tudo, e nem mesmo há instrumentos para tanto. A iniciativa priva-da focaliza um projeto e gasta muito dinheiro nele, porque sabe que haveráretorno. Vendem tudo; depois, seja o que Deus quiser — porque daqui a 20 ou50 anos estaremos todos mortos mesmo, então fica tudo resolvido.

Quando o rapaz de Goiânia estava falando, eu pensava que isso é umsonho, que eu tenho um sonho.

A legislação ambiental criou a educação ambiental. O País vestiu essacamisa. Há manifestações de que a educação ambiental deve ser incorporadado pré-primário até a universidade, como acontece com a educação física.Será que é possível termos uma educação para as cidades, uma educação dacidadania, uma educação urbana, para que as pessoas aprendam que nahora em que elas jogam lixo no terreno do vizinho, no córrego, na rua, estãocriando um problema para mais pessoas? Todo mundo quer preservar a mata,os bichos, os passarinhos. Isso já entrou na cabeça das pessoas. Eu tenho um

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sonho: que a cidade seja considerada pelas pessoas como um bem público,para que o que não é de ninguém seja de todos. Isso precisa virar um sen-timento nacional. Vivemos na cidade; portanto, vivemos juntos. Um dependedo outro.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Concedo a palavra à nobreDeputada e Presidenta desta Comissão, com todas as honras, nossa queridaMaria do Carmo Lara.

A SRA. DEPUTADA MARIA DO CARMO LARA – Senti vontade de falar,Deputado Dr. Evilásio. Acho que vou virar urbanista. (Risos.) Prestei atençãonesta audiência pública e na anterior. Ainda haverá outras duas: no dia 11 paratratar da regularização fundiária; e no dia 25 para tratar de contratos e regis-tros. Senti vontade de dizer algumas coisas.

Não sou urbanista; sou educadora. Considero que tive o privilégio de tersido prefeita de uma cidade em Minas Gerais que tem todos os problemas citadosnesta Mesa. Refleti sobre algumas coisas. Acho que vou terminar este mandatocom a certeza de que valeu a pena ter vindo para a Comissão de Desenvolvimen-to Urbano. Esta Comissão nos faz pensar numa questão muito interessante.Estamos falando muito da importância da inclusão social. Falamos de educação,alimentação, Fome Zero, emprego, não-violência, tudo como inclusão social.Nesse caso, as pessoas estão exercendo seus direitos. Não há melhor inclusãosocial do que dar à pessoa direito à terra, à habitação. Além de pensarmos naeducação e na saúde, devemos também pensar no direito à moradia. Estamosvivendo sério problema nas nossas cidades. As pessoas foram expulsas do cam-po décadas atrás, vieram para a cidade buscando o direito de morar melhor, deeducar os filhos e ter direito à saúde. Mas hoje estão sendo excluídas das cidadespor vários motivos. Quem mora em condomínio está buscando segurança. E osque não moram em condomínios não têm direito à segurança?! Hoje as pessoasse armam de todos os jeitos para não serem violentadas. No entanto, elas sãoviolentadas em qualquer lugar, até mesmo dentro de shoppings. Há algum tempoos shoppings eram os lugares mais seguros das cidades. Hoje vemos váriosassassinatos nesses lugares. Basta ler as reportagens.

Chegamos ao ponto de pensar em planejamento, no desenho da cidade.Nesse sentido, coloco alguns desafios. Existe a questão da privatização, daespeculação imobiliária que há algumas décadas foi o auge do ganho de di-nheiro, e ainda continua. Vou dar um exemplo. Moro na 302 Norte. Em frenteao meu bloco está sendo construído outro prédio. Um dia, por acaso, resolvi per-

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guntar o quanto custava um apartamento naquele prédio. A pessoa me disseque custava 350 mil reais — e falou com uma boca tão boa! Apenas escutei edisse: lá na minha cidade, devo comprar uns 3 apartamentos do tamanho des-se com essa quantia de dinheiro. Brasília perdeu noção de limite.

Fico pensando na nossa responsabilidade. Temos muitos problemas, como,por exemplo, os loteamentos feitos nas década de 1940 e 1950, mas que ape-nas começaram a ser habitados da década de 1970 para cá. E isso porque oPoder Público se responsabilizou pela ligação de água, luz e os acessos. E aívem a Lei no 6.766/1979 dizendo que tem de haver condições nos loteamentos.Como fica o Poder Público nessa caminhada toda? Qual foi a contribuição doPoder Público – e aí falo das esferas municipal, estadual e federal – nesseprocesso e nessa degradação? Na minha opinião, houve muita conivência. OPoder Público, em muitos momentos, fica impedido de barrar loteamentos clan-destinos, mas ele, durante anos, foi conivente com tal situação, pois ajudou acriar a especulação imobiliária. Tenho o exemplo da minha cidade que criou umplano diretor que ,recentemente, foi mudado para atender à especulação imo-biliária. Os Poderes Legislativo e Executivo foram coniventes com isso. Estoucitando apenas o exemplo de uma cidade.

Qual é o papel do Poder Público? O Deputado Dr. Evilásio disse que nãosabia qual era o desafio dessa lei e se esta Casa iria aprová-la. Até que pontonós, Deputados Federais, seremos coniventes com a exclusão social? É papeldo Poder Público Legislativo combatê-la. Qual o papel do Poder Público Munici-pal? Quais os interesses que temos enquanto Prefeitos e Governadores? Nãoestou falando de partidos, mas de gestores públicos que fazem uma obra, masque, antes, compram o loteamento que está em volta, fazem a obra, benefici-am o loteamento, que não será destinado aos pobres da cidade nem aos quetêm renda até três salários mínimos.

Temos de refletir sobre a mudança – como disse a Ermínia – de mentali-dade e de modo de trabalho. Não é uma questão apenas do setor privado. Osetor privado tem o seu papel, suas coerências e incoerências, mas há conivên-cia, tanto na coerência quanto na incoerência, do Poder Público. Isso deve ficarmuito claro. Não sou de Brasília, mas sei dos problemas daqui com relação àterra. Isso foi feito apenas porque o setor privado quis, ou porque houve coni-vência durante alguns anos do Poder Público?

Devemos discutir esses assunto. Vamos mudar a mentalidade em relaçãoà ocupação do solo, trabalharmos pela inclusão social. Enquanto Poder Público,devemos fazer parceria – estão muito em voga as parcerias, e eu acredito

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nelas – com os diversos setores da sociedade. Devemos pensar que quem vaiganhar é o coletivo, é a cidade. Todos ganham quando se melhora a cidade,seja o grande, o pequeno e o médio. Se não mudarmos essa mentalidade, oBrasil vai continuar criando exclusão social.

Deputado Dr. Evilásio, quis manifestar-me porque acho muito boa estaaudiência. Parabenizo V. Exa pela ousadia de colocar esse substitutivo em pautapara debate, promover audiência pública e convidar os setores da sociedadepara discutir o assunto. Isso está proporcionando qualidade ao debate que orarealizamos. Há poucos Deputados presentes, mas, quem sabe, vamos conse-guir discutir o tema e criar uma lei que não proporcione ganhos apenas aoPoder Público ou ao setor privado, mas a todos que moram nas cidades destePaís que queremos ver diferente. Obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Agradeço à nobre Deputadaa participação. S. Exa se expressou com o físico, com a alma, com emoção, e ofez não apenas em seu nome, mas no desta Comissão.

Concedo a palavra ao Sr. Marcelo Machado.

O SR. MARCELO MACHADO – Ia fazer este comentário quando fiz mi-nha exposição, mas me esqueci. Faço-o agora para reforçar a posição do Mar-celo Lopes de Souza.

Curiosamente, estou lendo um livro intitulado Cidade Partida, de ZuenirVentura, no qual comenta que o então Ministro da Justiça, o Sr. Tancredo Ne-ves, em 1953, afirmara que nunca houve na face da Terra um crescimento tãoexagerado da criminalidade. Ele promete criar capacidade para colocar os con-denados nas penitenciárias. Não dispomos, no Distrito Federal, neste momen-to, de um só presídio, de um só lugar na penitenciária, de uma só vaga naspenitenciárias femininas. As colônias penais existentes já não comportam nemmais um só detento. E vejam, isso tem exatamente 50 anos. Ou seja, o proble-ma da violência e da segurança continua absolutamente o mesmo.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio ) – Obrigado.

Concedo a palavra ao Dr. José Carlos Freitas para suas consideraçõesfinais e para debater as questões levantadas pelos presentes.

O SR. JOSÉ CARLOS FREITAS – Sr. Presidente, Sras e Srs. Deputados,senhoras e senhores, antes de mais nada agradeço à Casa, precisamente aesta Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, a oportunidade que con-cede ao Ministério Público brasileiro de ser ouvido e de trazer a experiência de

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pelo menos 10 anos trabalhando com o que acontece de errado nas cidades.Sempre refletimos sobre o que pode dar certo. Queremos que as cidades se-jam as ideais.

Não vou abrir nova polêmica. O Bassul foi profundo na sua exposição,assim como os demais que participaram dos debates, ao comentarem a ques-tão criminal. Aliás, eu também deveria ter tratado disso, mas me detive noassunto condomínio. Devemos ter certo rigor, mais do que já existe na lei deparcelamento, com algumas normas mais avançadas em termos de legislaçãocriminal. Concordo com a perda de bens, mas acho que não devemos deixar delado o crime e a pena de reclusão. Entendo que o remédio para quem faz coisaerrada, clandestina, é a cadeia e a perda dos bens. Na verdade, não vi até hoje,apesar da lei contra o crime, da pena, um loteador preso, cumprindo pena,porque a lei é absolutamente favorável ao loteador clandestino: dá-lhe pena deum ano. Não vi até hoje um juiz fixar pena acima disso; quando muito, nãochega a dois. Portanto, ele tem direito à suspensão condicional da pena. Ouseja, não vai para a cadeia. Se é preso em flagrante, não fica mais de 10 dias.Duvido que fique mais do que dois meses. O tempo suficiente para a instruçãode um processo criminal é na verdade de 81 dias. Nenhum loteador clandestinofica na cadeia.

Não tenho a ilusão de que a pena neste País impõe respeito. Ela deve seraprimorada. Aceito a sugestão; concordo com a perda de bens. Mas deve ha-ver algo mais. Tanto o loteador clandestino quanto o agente público omisso sãobandidos. Há omissão, às vezes, orquestrada. Não se fiscaliza porque não sequer, porque se tem vantagem de alguma forma. Há muita gente que se elegeuà custa de loteamento clandestino, que ganha dinheiro em cima dessa questão.O outro bandido pode estar dentro de uma administração pública ou dentro deuma Câmara Municipal. Não citamos nomes, mas temos de pensar numa puni-ção civil, criminal e administrativa para esses infratores, que talvez sejam osmaiores vilões depois do loteador clandestino.

O Deputado Dr. Evilásio formatou uma expressão feliz, lapidar: assim comotemos a Lei de Responsabilidade Fiscal, temos de ter uma Lei de Responsabili-dade Territorial. Ninguém se preocupa com território. Aliás, tenho umas frasesque as pessoas chamam de frases “Feitas”. Digo o seguinte: um dos problemasno Brasil é o fenômeno do umbigocêntrico. Quer dizer, tudo circunda em tornodo umbigo das pessoas. Tudo para nós; para o resto, nada. Há egoísmo exa-cerbado neste País. Tudo se faz em razão do interesse particular; nada com o

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interesse compartilhado, comunitário. Então, há um problema umbilical nestePaís que temos de cortar e acabar com essa questão.

Foi muito bem lembrado pelo rapaz de Goiânia que aceitamos a privatizaçãodo ensino. Se quisermos hoje ter um ensino adequado, e a escola pública nãooferece, temos de procurá-lo na escola privada. Privatizamos a saúde. Se qui-sermos levar nossos filhos, nossos familiares para um hospital público é o mes-mo que os conduzirmos para o cemitério, porque o tratamento que se dá narede pública é escandaloso. O que me preocupa é essa nossa mensagem. Nãotemos segurança pública e, portanto, vamos privatizar a Segurança Pública?!Estamos deixando de cobrar do Estado brasileiro, lato sensu, sua responsabili-dade pública, principalmente agora, no que tange à segurança pública. Preocu-pa-me demais também aceitarmos a privatização de nossa segurança. Seexagerarmos na dose, por falta de segurança, vamos recorrer a mecanismosque estão próximos às nossas mãos.

Vamos pegar um dos pilares deste Governo Federal, que é a luta contra afome. Poderíamos chegar ao exagero de achar que, porque as pessoas passamfome, elas têm o direito de invadir nossas casas, roubar nosso alimento parasatisfazer sua fome. Quer dizer, encontrar instrumentos de justiça com as pró-prias mãos. Acho muito delicado pensar isso neste País.

Portanto, vamos ponderar. Todos os expositores têm sua razão. É impor-tante chegarmos a um denominador comum – e isso não é fácil. A cidade é umpalco de conflitos, de interesses que se disputam a cada dia. É importante queestejamos, como a Comissão nos franqueou esse acesso, todos debatendo, paratentarmos chegar a uma forma que talvez não seja a melhor, a perfeita, mas quechegue próxima disso. Não sou dono da verdade, mas gosto de andar ao seulado. Às vezes, não consigo atingi-la. Sempre em comunhão, em conjunto comas demais cabeças pensantes, talvez cheguemos a um denominador comum.

Ao encerrar minha participação, novamente agradeço aos senhores aoportunidade que deram ao Ministério Público brasileiro, não apenas o de SãoPaulo, de poder trazer essas palavras finais aos senhores.

Espero que estejamos novamente conversando não apenas sobre essesproblemas, mas também sobre outros que gravitam em torno da questão urba-nística.

Muito obrigado a todos.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Concedo a palavra à Dra

Fernanda Carolina Costa.

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A SRA. FERNANDA CAROLINA COSTA – Gostaria de agradecer à Co-missão a oportunidade de aqui discutimos tema tão importante para o desen-volvimento das cidades.

É interessante registrar algumas coisas: a insegurança não deve autori-zar, permitir ou justificar a apropriação de bens públicos. Há necessidade de sediscutir a questão dos condomínios fechados, horizontais – e vamos fazê-locom atenção, cuidado e dentro da legislação cabível.

Uma coisa que Luiz Fernando Teixeira apontou, que é bem interessante, etem rebatimento nos problemas ora em discussão, é que na nossa sociedadenão discutimos isso. Nossa legislação urbanística trabalha com modelos ideais.Trabalhou por muito tempo assim, desconhecendo a realidade das cidades. E aípassamos por um processo de desenvolvimento, de crescimento intenso, comlegislações que não correspondiam à realidade e que terminam definindo quemé incluso e quem é excluso no processo de transformação dessas cidades. É alegislação urbanística que define que parâmetros vão ter determinadas áreas,onde eu posso construir mais, onde posso construir menos. A cada dia temosde ver como essa legislação corresponde à realidade, deixando de tratar oassunto com modelos ideais.

Geralmente, quando vamos a alguma Prefeitura discutir e apresentar umprojeto, notamos que a legislação trata apenas dos lotes individuais; ela nãoconsidera o lote dentro do conjunto da cidade. Muitas vezes, há vários impac-tos, que vão desde sobrecarga à infra-estrutura, uma maior exclusão social,uma maior segmentação, por essa cultura. Seria muito interessante vermoscomo romper com tudo isso.

Associado a esse processo, aqui faço minhas as palavras do Freitasquando diz que o Poder Público é co-responsável por todo o processo deautoconstrução, de ilegalidade que está presente nas cidades brasileiras. Con-domínios fechados ou loteamentos populares que surgem de forma clandes-tina não aparecem da noite para o dia. Não há um lençol cobrindo que sepuxa e apareceu. Isso é um processo lento, que vai acontecendo cotidiana-mente. E se optou, sabe Deus por que razões, por não intervir na construçãodesses empreendimentos.

É muito interessante pensarmos nisso, enfrentarmos o problema. Existedemanda concreta por se regularizar isso. Vamos procurar regular da formamais adequada e mais responsável, tentando evitar grandes empreendimentosque gerem grandes exclusões, que incentive a negação da cidade. Temos umasociedade de cultura patrimonialista. Não podemos perder isso de vista. O que

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é público é para ser apropriado de forma privatista. Então, como rompemoscom isso? Não apenas no momento em que estamos elaborando texto de lei,mas na prática cotidiana da gestão das cidades e dos empreendimentos, dequem vai promovê-los, dos Deputados que estão elaborando as leis, dos admi-nistradores que estão gerindo a cidade e dos cidadãos e cidadãs no momentode cobrar os seus direitos e deveres.

Quero novamente agradecer a todos e deixar o Instituto à disposiçãopara novas discussões, pois o tema é muito caro e muito importante. Muitoobrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Concedo a palavra ao Sr.José Roberto Bassul.

O SR. JOSÉ ROBERTO BASSUL – Serei breve. Agradeço mais uma vez aoportunidade de participar do debate e de oferecer algumas sugestões e con-tribuições.

Parabenizo a Comissão, sobretudo o Deputado Dr. Evilásio, pela disposi-ção de tornar público o debate, deixar o seu relatório à mercê de opiniões ebuscar condensá-las. Como reconheceu, não será tarefa fácil.

Nunca é demais enfatizar as obviedades: provavelmente não resultará doprocesso nada que seja completamente do agrado de cada um de nós. É assimque se dão os processos democráticos. E é necessário que entendamos isso.Não tenho capacidade de dizer frases freitas, mas vou recorrer ao velho Goethe,que disse que “há pessoas que não resolvem seus problemas, porque sobrevi-vem deles”.

Estamos diante de um problema que pode resultar em não-solução, o quepode ser bom para muitos. Muitos tiram proveito dessa clandestinidade. Odesproveito está na ordem pública das coisas, no sentido da cidade que quere-mos construir; mas há um proveito.

Estudos econômicos mostram que os lotes produzidos em loteamentosclandestinos alcançam, muitas vezes, preços equivalentes ou maiores doque os do mercado formal, sem que o promotor desses loteamentos tenhade arcar com os encargos da lei. Será que interessa a esse tipo de promotorlegislação que traga para a legalidade esse procedimento? O Deputado,pela vivência eleitoral que tem, deve conhecer pessoas que tiram proveitoeleitoral dessa clandestinidade. Será que interessa a esse tipo de agentepolítico trazer as coisas para o ambiente da normalidade e da defesa dosentido público?

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É evidente que temos diferenças, mas faço um apelo no sentido de queseja feito um esforço de aproximação. Isso é importante, porque há o ladocontrário ao esforço de aproximação que todos temos de fazer.

De novo não usarei frases feitas. Alceu Amoroso Lima, conversando comum amigo, disse que “este é um país de faz-de-conta”, a propósito das leis quepegam e das que não pegam. Estamos diante de uma lei que pegou pouco. Oseu interlocutor respondeu-lhe: “Pois é, mestre Alceu, pior do que ser um paísde faz-de-conta é que as coisas aqui, muitas vezes, acabam em tanto faz”. Nãopodemos deixar que isso aconteça. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Para suas consideraçõesfinais, concedo a palavra Dr. Luiz Eduardo Camargo.

O SR. LUIZ EDUARDO CAMARGO – Agradeço à Deputada Maria do CarmoLara a oportunidade que concedeu ao setor de desenvolvimento urbano de estarpresente a esta audiência. Coloco mais uma vez à disposição do Deputado Dr.Evilásio o setor produtivo, por meio da Câmara Brasileira da Indústria da Constru-ção, que representamos, para a condução dos seus trabalhos.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Concedo a palavra ao Dr.Marcelo Lopes Souza.

O SR. MARCELO LOPES DE SOUZA – É muito gratificante participar deaudiência de tão alto nível. A despeito da veemência com que certas posiçõesforam apresentadas, não se sacrificou a qualidade do debate até agora.

Em meio a teses e antíteses, tentarei fazer uma síntese, sem, obviamen-te, sintetizar todos os debates. Por ter incorporado determinadas ponderações,farei uma espécie de resumo da ópera do meu ponto de vista.

Primeiro ponto. Parece-me adequado tratar desta matéria no âmbito dadiscussão sobre os condomínios e não da Lei de Parcelamento.

O segundo ponto é reforçar que os loteamos fechados existentes nãodevem ser tratados com condescendência. A anistia é extremamente perigosae problemática. Portanto, essa aberração que é o loteamento fechado, emhipótese nenhuma deve ser permitida.

O terceiro ponto a salientar é que os condomínios horizontais sãoloteamentos mascarados. Os condomínios horizontais propriamente ditos pre-cisam ser implementados e multiplicados não só internamente — o Sr. JoséRoberto Bassul chamou a atenção de maneira muito feliz para isso. Tanto a sua

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implementação, sua constituição, sua organização espacial interna quanto asua multiplicação devem ser fortemente reguladas.

O quarto ponto é que as leis, obviamente, não garantem nada. Isso não ésó no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo, mesmo em locais ou em paísesonde há, digamos, historicamente postura de se ater mais à lei, ou de respeitá-la mais. De qualquer maneira, a lei por si só é apenas um recurso que só virariqueza se houver condições sociais amplas para que ela seja implementada,sem se entrar na questão se a lei é boa ou ruim.

Não há nenhuma contradição. Não devemos caracterizar como uma con-tradição a lei forte, a lei rígida e a negociação. Sobre isso é muito importanteponderarmos.

Chamei a atenção para o fato de que a regulação em lei federal não podeser muito frouxa nem vaga. Do meu ponto de vista, isso não tem nenhumacontradição com o controle social e com a – entre aspas, talvez, ou sem aspas,desde que entendemos isso num sentido amplo e não num sentido mesquinhoe restrito – “negociação”.

Rigidez e flexibilidade não devem ser tratadas de maneira simplista. Nãonecessariamente rigidez é sinônimo de burrice; nem flexibilidade é sinônimo decoisa boa. Esses termos têm sido capturados por nós de forma muitomaniqueísta. A rigidez da lei, desde que não seja burra, por exemplo, criandodificuldade para vender facilidades, deve ser incorporada como valor, desdeque tenha utilidade social, no sentido de facilitar o controle social. Não é o fatode ser excludente nem mesmo de estar desconectada do controle social; deve-se facilitar, apoiar e suportar o controle social, num sentido amplo. A flexibilida-de também pode ser boa. Dei exemplos aqui. Parece-me que, ultimamente, osexemplos mais numerosos são os de flexibilidade dentro da lógica do balcão,ou seja, que facilitam ou beneficiam setores que de alguma maneira participa-ram, ou por meio de lobbies ou diretamente. São os setores que têm o acessoe o poder econômico de influenciar decisivamente. De maneira mais coerente,seria flexibilidade para que e como, e rigidez quando, como e para quê.

O quinto ponto é o controle social. Isso só faz sentido se realmente pensar-mos em termos de participação popular, ao mesmo tempo que seja ampla eprofunda. Participação popular é um termo que tem sido tão abusado que quaseme sinto constrangido de usá-lo. É o tipo do cartão de visita que soa simpático:todo mundo fala sobre isso. Mas a realidade no Brasil é constrangedora. Temosde estar constantemente prestando atenção para ver do que estamos falando.Afinal de contas, o que é participação com aspas e participação sem aspas?

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Deixei para falar sobre esse ponto por último, não por ser menos impor-tante, mas para enfatizar a transparência, a participação popular, o controlesocial, sem o que caímos no balcão, como estamos vendo acontecer.

Sexto ponto. Sinto-me tentado a tocar no assunto, por ser profissional doespaço, não para contradizer, mas para complementar a questão do traçado,do desenho urbanístico. É importante ponderar o seguinte: em primeiro lugar,isso é muito importante e tem sido, sim, muito negligenciado por gregos etroianos. Em segundo lugar, isso não é panacéia.

Lembro algo que os arquitetos conhecem e que envolve toda uma discus-são acadêmica e prática, principalmente norte-americana: os chamados espa-ços defensivos. Isso remonta a mais de 30 anos, a Oscar Newman etc. Nofundo, isso vai desembocar em algo bastante conservador: a tentativa de evitara violência, de inibir situações favoráveis ao risco do crime violento por meio deintervenções no espaço.

Não que isso seja absurdo. Há ganhos possíveis na transformação doespaço no sentido inclusive de inibir situações de risco. O grande risco é tirar-mos isso do contexto. No caso americano, é a regra. Há interpretação e práticaconservadoras. Uma “comunidade” – entre aspas –, uma community quer man-ter seus privilégios por via de uma série de medidas de transformação do espa-ço, de constituição de novos assentamentos. Nesse contexto, prevêem-sesituações em que o mendigo não tem onde ficar e, portanto, é repelido. Opobre é expulso, repelido. O delinqüente é inibido de cometer determinadodelito. A causa do surgimento do delito é obviamente postergada ou negligen-ciada ou nem aparece.

Portanto, o assunto precisa ser tratado com ponderação. Ninguém suge-riu que isso seria uma panacéia. Estou apenas chamando a atenção para o fatode que isso deve ser tratado com ponderação.

Finalmente, o último ponto é relativo aos condomínios exclusivos, aosloteamentos, que não impedem a violência, nem sequer a mantêm totalmentedo lado de fora. Toda uma documentação empírica, digamos assim, vem de-monstrando isso. Portanto, nem para aqueles grupos que se socorrem dessapseudo-solução eles são perfeitos. Que dirá então para o conjunto da cidade alongo prazo.

Faço um gancho com o que o Freitas disse no final de sua exposição sobreo absurdo de fazer justiça com as próprias mãos. Obviamente, a imagem queme veio à cabeça foi a do linchamento. No fundo, parece que, em certa medida,estamos linchando as nossas cidades ao permitir sua fragmentação.

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A questão que se apresenta é saber o que queremos para o futuro: bancaros consultores para o horror minimizado ou tentar de fato, e isto exige corageme mais investimento, discutir aquilo que no curto prazo é viável, razoável, inteli-gente e não agride, não contradiz o que a médio e longo prazo achamos funda-mental. Se houver contradição entre uma solução de curto prazo e uma de longoprazo, nunca vamos chegar ao longo prazo, ou o longo prazo será uma porcaria.É isso que estamos construindo.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Com a palavra a Sra ErmíniaMaricato.

A SRA. ERMÍNIA MARICATO – Esqueci-me de fazer a divulgação denosso curso. Estamos lançando um programa de capacitação nacional das ci-dades. Existe a idéia de que o Governo Federal não quer centralizar. Ao contrá-rio, ele quer fortalecer o poder descentralizado, local, a partir das atribuiçõesdadas pela Constituição Federal de 1988 à área de saneamento, transporte euso e ocupação do solo.

No primeiro ato desse programa, faremos um curso nos dias 12, 13 e 14sobre cadastro multifinalitário, instrumento de política fiscal e urbana. O segun-do curso será sobre planos diretores, no começo do ano que vem. Nesse curso,trabalharemos com profissionais de ponta do Brasil. Se tivermos de fazer ocadastro multifinalitário em todas as Prefeituras brasileiras, não teremos pro-fissionais suficientes. É muito pouco desenvolvido no Brasil cadastro que ajudaa política fiscal e as políticas de planejamento urbano, de habitação, sanea-mento e transporte, uso do solo, áreas verdes etc.

O curso é gratuito e as vagas são restritas. Quero saber quantas vagas oIpea poderia querer. Estão todos convidados a se inscreverem. É só entrar nosite do Ministério das Cidades.

Fiquei muito satisfeita de ouvir meus queridos e criativos colegas, comquem, realmente, aprendemos muito. O que me preocupa é que a lei tem ummês e pouco para ser aprovada. Tomara que tenhamos um tempo a mais. Essalei é muito importante.

A idéia da capacitação dos municípios tem de incluir as Câmaras Munici-pais. Estamos trabalhando um convênio com a Caixa Econômica Federal paracapacitar gerentes para política urbana. Estou discutindo com o Freitas umcurso entre nós e o Ministério Público.

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Temos de andar muito no processo pedagógico da sociedade brasileirasobre a questão urbana baseada sempre no aspecto da solidariedade, do res-peito à lei. Isso é fundamental.

Duas coisas me deixam um pouco perplexa. Uma delas é quando se falada omissão do Poder Público em relação à segurança. Cito exemplo de um fatocom o qual nós estamos convivendo – eu, pelo menos, desde quando era Se-cretária de Habitação em São Paulo: a violência nas áreas pobres. Estamosfazendo urbanização de favela num município que é periferia de Florianópolis,aquela cidade que tem o melhor IDH do Brasil. E enfrentamos dificuldade defazer o que é chamado desenvolvimento institucional, porque o pessoal do trá-fico não está gostando muito da nossa presença lá. Quem trabalha com habita-ção já está acostumado com isso. Para fazer obra, entrar com máquinas, temde fazer até um acordo.

Lembro que, há uns três anos, em Santo André, sumiu um caminhão deuma empreiteira no meio da favela. Não sei como um caminhão pôde sumirsem que ninguém visse. Essa é a situação na qual estamos trabalhando.

Fico pensando como recuperar essas áreas das mãos do crime. Não éuma questão simples, porque não se pode deslocar um esquadrão da Polícia eentrar com os funcionários para trabalhar na urbanização da favela ou acom-panhar os médicos ao posto de saúde. Não há policiamento para tanto.

Do meu ponto de vista, deveríamos mapear, como se fossem áreas ver-melhas piscando no mapa, e fazer um cruzamento. Fizemos um plano para SãoPaulo. Jardim Ângelo, Cidade Tiradentes e Vila Brasilândia são três pontos comaltos índices de homicídio. Verificamos que há congestionamento habitacional,as pessoas estão vivendo do mesmo modo que ratos, há problema de sanea-mento e transporte.

Todo o mundo diz que pobreza não tem a ver com violência. Não tem emcidades pequenas. E o Presidente Lula tem afirmado isso. Nas cidades peque-nas, ainda há certa solidariedade, valores religiosos e amizade. O Ministro Gil-berto Gil fez um discurso outro dia sobre isso. Os jovens perderam a ligaçãocom valores ligados ao trabalho etc. Em relação à cultura, o Ministro disse quenão há o que herdar em termos de cultura. E usou uma expressão bonita:“Precisamos valorizar essas ágoras da periferia”. São espaços em que hámilitância de ONG, de entidades religiosas, de mães, de clube de mães. Existemmuitas redes. Precisamos dar uma chance a elas, e o Poder Público tem deinvestir muito fortemente nisso.

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Ando muito preocupada com a fragilidade do Poder Público, que se estáenfraquecendo, o que tem a ver também com poder de polícia. O Freitas citouisso. Por que o Código de Trânsito teve pequeno impacto e depois acabou? Elenão é seguido. Morrem 30.000 pessoas por ano no Brasil em acidentes deautomóvel. Não exercemos o poder de polícia que a lei exige que se exerça. Eo município está ficando muito depauperado em relação ao poder de polícia nouso e ocupação do solo, no tráfico, na segurança pública.

Esta semana, no Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo deServiço, vimos o diagnóstico. Muito do Fundo de Garantia vai para material deconstrução. Estava muito preocupada com isso. Para onde vai esse material? Oque esse material está fazendo? Um puxadinho, uma piscina, uma garagem?Havia uma desconfiança. Não é construção em área de proteção dos mananciais?Não é construção do terceiro andar na favela? Não é construção em área derisco? Ainda não tenho diagnóstico. Estamos discutindo com a Caixa, porqueurge fazer esse diagnóstico. O imóvel usado é outro ralo do FGTS, que pode sermuito bom, mas temos de saber onde estão esses imóveis vazios no Brasil, quesão quatro milhões. É outra questão que estamos discutindo com o IBGE. Ummilhão é zona rural.

Por que o material de construção me preocupa? Quando se pega de zeroa três salários, quase 90% do financiamento é de natureza de construção. Ecom zero a três salários o pessoal não está chegando a um lote legal.

Estou preocupadíssima em saber o que estamos fazendo com os recursosfinanceiros. Quanto ao poder de polícia sobre uso e ocupação do solo, nuncasobra dinheiro para comprar o carro, para melhorar o fiscal. As prefeiturasestão tão sem recursos que a última coisa é a fiscalização.

O Freitas falou das Câmaras Municipais. Tudo isso que estamos discutin-do vai passar pela Câmara Municipal. Muita coisa dessa lei está sendo remeti-da. E é bom que seja. Rio Branco não é a mesma coisa que Rio de Janeiro. Émuito complicado demarcar lote mínimo nacional para o Brasil, é muito compli-cado demarcar certas posturas que estamos remetendo.

A nossa tarefa não é pequena: aprovar uma lei muito boa, a melhorpossível, que permita a concertação neste momento. Fico muito feliz, porque oprojeto está nas mãos do Deputado Dr. Evilásio. Nós nos comprometemos afazer o possível. O Ministério das Cidades, por meio do Edésio, abre o site.Talvez também pudéssemos tentar providenciar um grupo de concertação parasubsidiar algumas sugestões do Ministério para o Deputado e para a Comissãode Desenvolvimento Urbano.

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O clima aqui foi muito bom nesse sentido. É que a democracia propicia.Há opiniões e interesses diferentes, mas conseguimos pensar no conjunto dasociedade brasileira. Acho que é a isso que estamos nos propondo aqui. Obri-gada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Evilásio) – Infelizmente, as cidades sãoo que são, porque não são obras de Deus. Perfeita é a obra de Deus, e ascidades são obras dos homens. Há os mais bem-intencionados e os mal-inten-cionados. Esse projeto, uma vez tornado lei, pode ser um instrumento. É porisso que não podemos perder os nossos sonhos ou deixar de sonhar ou perderas nossas utopias.

Fico feliz porque saímos daqui fechados, unanimemente, pelo menos emum ponto: condenamos o condomínio fechado. Aquelas ilhotas ou ilhas parapoucos podem ser ilhas de fantasia ou de prosperidade, se é que o são paraquem está lá dentro, mas, por medo da agressão, são uma forma de agredir osoutros. Temos instrumento para a correção.

Falando da obra perfeita, o homem, dizem que Deus o fez à Sua seme-lhança. Ele também não era bobo. Durante esses meses em que estarei traba-lhando nesse projeto, se Ele me fizer um homem diferente, não só com duasorelhas, mas com dois ou três pares, ou vários, porque precisarei ouvir muito,não me considerarei anormal ou alienígena.

Fui Relator de um projeto cujos autores foram quase 1 milhão de brasi-leiros. Foi o primeiro projeto de iniciativa popular, no qual agora vamos traba-lhar para que seja transformado em lei. Cria-se o Fundo Nacional de HabitaçãoPopular.

É claro que não vou ter agora a oportunidade de ouvir um milhão debrasileiros, mas, com certeza, algumas centenas de pessoas serão convidadasa contribuir para a tessitura, para a execução desse projeto. Se ele não for oideal, repito, vamos criar a forma ideal de produzir o melhor.

Registro os meus agradecimentos. Os senhores e as senhoras queaqui estiveram tanto na exposição como nos debates prestaram grande ser-viço não só a este Relator e a esta Comissão, mas acima de tudo a estaCasa, na tentativa de criarmos e implementarmos um paradigma de cidadepara o Brasil.

Antes de encerrar os trabalhos, comunico aos senhores que a Comissãode Desenvolvimento Urbano realizará reunião de debate amanhã, dia 5, às 16h,no plenário da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás, para a discussão doPL no 314/03, do Deputado Sandro Mabel, e do parecer favorável do Deputado

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Barbosa Neto, pela criação do Fundo e da Agência de Desenvolvimento doCentro-Oeste. Será no plenário da Assembléia Legislativa, Alameda dos Buritis,231, Setor Oeste, Goiânia.

Haverá reunião de audiência pública no dia 6, depois de amanhã, às 10h,sobre o tema A Questão Metropolitana no Brasil – Experiências Legislativas eInstitucionais, Desafios de Gestão e de Financiamento. Peço desculpas porqueaqui não está referido o plenário, mas deve ser num dos 16 deste corredor. Aadministração da Casa não nos passou a informação, o que vale como justifica-tiva para nós da Comissão.

Quero registrar nossos agradecimentos e dizer que devemos ter outraspelejas além dessa. Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presentereunio.

Está encerrada a reunião.

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Terceira Audiência Pública, realizada no dia11 de novembro de 2003

“Regularização Fundiária deAssentamentos Informais”

Convidados:

• EDÉSIO FERNANDES – Diretor de Assuntos Fundiáriosda Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministériodas Cidades.

• EVANGELINA PINHO – Diretora do RESOLO – Departa-mento de Regularização do Parcelamento do Solo da Prefei-tura de São Paulo.

• ROSÂNGELA STAURENGHI – Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo.

• OLINDA MARQUES – Diretora da Organização Não-Governamental Centro de Estudos, Articulação e Referênciasobre Assentamentos Humanos – CEARAH – Periferia.

• VICENTE AMADEI – Diretor do Sindicato das Empresasde Compra, Venda, Locação e Administração de ImóveisComerciais e Residenciais de São Paulo.

• ARY JOSÉ DE LIMA – Presidente da Associação dosNotários e Registradores do Brasil — ANOREG.

• PATRÍCIA GAZZOLA – Promotora, representante daPrefeitura de Vitória, Estado do Espírito Santo.

• GILBERTO VALVERDE – Engenheiro Civil e AnalistaLegislativo.

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• GINA RENDE – Representante da Prefeitura de BeloHorizonte.

• WALNEY CUNHA – Coordenador do Programa MorarBem, de Goiânia, Estado de Goiás.

• DIANA MEIRELES – Representante do IPEA – Institutode Pesquisas Econômicas Aplicadas.

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Desburocratização com a simplifica-ção das exigências de contrato e parao registro do lote – que inicialmenteseria gratuito –, isenção de algumastaxas, diminuição do usucapião extra-ordinário de 20 para 10 anos e partici-pação da comunidade foram medidasdefendidas na Audiência Pública sobre“Regularização Fundiária de Assenta-mentos Informais”, no dia 11 de no-vembro.

Foi a terceira reunião da série de de-bates sobre o Substitutivo do Depu-tado Dr. Evilásio (PSB - SP), relator doProjeto de Lei no 3.057/00, de autoriado Deputado Bispo Wanderval (PL –SP), que altera a Lei no 6.766/79, so-bre o parcelamento do solo urbano.

Participantes pedem menosburocracia e simplificação

Debatedores propõem a isenção de taxas

O representante do Ministério das Ci-dades, Edésio Fernandes, garantiu queo projeto e a questão da regulamen-tação dos loteamentos são prioridadesdo Governo “O problema não podemais ser contornado e sim enfrentadoe o momento de revisão na legislaçãoé este”, defendeu.

O objetivo não é apenas evitar proble-mas daqui para a frente, “mas enfren-tar todo o passivo socioambiental dedécadas na área”. Citou a necessida-de urgente de se criar em condiçõesjurídicas para alavancar os programasde regularização, implantar Lei deParcelamento do Solo e estudar as res-trições urbanísticas, ambientais, buro-cráticas e tributárias.

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Relator defende lei deresponsabilidade territorial

A representante do Centrode Estudos, Articulação eReferência sobre Assen-tamentos Humanos(CEARAH-Periferia),Olinda Marques,lamentou que,só agora, a re-gularização en-trou na pautados movimentospopulares, ape-sar de Fortalezater 620 assen-tamentos irre-gulares, sendo 79 em áreas de risco.Em Fortaleza, foi criado um fórum per-manente para a regulamentaçãofundiária, buscando o debate dos pro-blemas, sugestões e participação. “Noentanto, enfrentamos a falta de vonta-de política, a burocracia administrativae a pouca participação do Ministério Pú-blico”, relatou Olinda Marques.Vicente Amadei, do Sindicato das Em-presas de Compra e Venda de Imóveis(SECOVI), de São Paulo, elogiou a ini-ciativa da CDUI, presidida pela Depu-tada Maria do Carmo Lara (PT – MG),pedindo que o projeto contemple a to-

Deputado Dr. Evilásio: responsabilidade

dos e busque um consenso. Ponde-rou que, se as famílias de baixarenda tiverem financiamento, “éclaro que vão adquirir os lotesregulares acessíveis e não os

clandestinos”. Para ele,a exigência de infra-

estrutura completaencarece oloteamento,que fica ina-cessível paraos mais po-bres. A dis-cussão final

envolveu os convidados e representan-tes das Prefeituras de Vitória e BeloHorizonte, Ipea e das Associações deMoradores de Goiânia.O relator, Deputado Dr. Evilásio (PSB– SP), se comprometeu a analisarcom cuidado todas as propostas,“porque o objetivo é que a tessiturado Substitutivo seja feita com crité-rio, responsabilidade e a ajuda demuitas mãos, descentralizando a dis-cussão ao máximo e criando uma es-pécie de Lei de ResponsabilidadeTerritorial nos moldes da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal”.

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Evangelina Pinho, Diretora do Depar-tamento de Regularização do Par-celamento do Solo da Prefeitura deSão Paulo, defendeu que a regulamen-tação técnica independa da total regu-laridade do título e do apossamento dasáreas, “mas não o apossamento admi-nistrativo, que geraria processos de in-denização”.

Criticou as exigências contratuais exa-geradas, que dificultam a futuraregularização, sugerindo suasimplificação e que os recibossejam admitidos como formade quitação. Ela disseque uma saída paraos loteamentos é odesmembramento,sem burlar, entretan-to, a necessidade deáreas públicas.Evangelina consi-dera importante areserva de faixasonde não se podeedificar, principal-mente ao longo dos cursos d’água.

Rosângela Staureghi, do Ministério Pú-blico de São Paulo, disse que o im-portante é saber a cidade quequeremos. “Não pode ser algo que cas-tigue os pobres e privilegie os ricos,como nos burgos murados da IdadeMédia, que deixavam os miseráveis defora junto com o esgoto e a peste”.Rosângela reconheceu que a recupe-ração ambiental dos loteamentos cau-

sa problemas, mas que é preciso“regulamentar com certasustentabilidade”. Falou da im-portância da participação co-

munitária na regulari-zação fundiária, comotem demonstrado sua ex-periência de 11 anos em

São Bernardo do Cam-po. Após muito diálo-

go, a população deáreas de proteçãoplantou grama eárvores, compro-metendo-se anão expandir os

loteamentos e ajudando nas ações defiscalização.

Desmembramento é uma dasalternativas sugeridas

Angelina Pinho: contra exageros

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Íntegra da terceira Audiência Pública,realizada no dia 11 de novembro de 2003

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Declaro abertaa presente audiência pública com o tema “Regularização Fundiária de Assenta-mentos Informais”.

Agradeço pelo comparecimento a todos os presentes, e registro que es-sas audiências públicas foram requeridas pelo Deputado Dr. Evilásio, que estásubmetendo a debate seu projeto de lei, que é um substitutivo à Lei no 6.766.Estamos na terceira audiência e faremos mais uma, completando um ciclo dequatro audiências públicas para debatermos, num grupo de trabalho, oSubstitutivo apresentado pelo Deputado Dr. Evilásio à Lei no 6.766/1979. Hoje, otema será “Regularização Fundiária de Assentamentos Informais”. Na audiên-cia pública anterior, trabalhamos o tema condomínios.

Convido a compor a Mesa o Sr. Ary José de Lima, da Associação dosNotários e Registradores do Brasil – ANOREG; o Sr. Edésio Fernandes, repre-sentante do Ministério das Cidades; a Sra Evangelina Pinho, da Prefeitura deSão Paulo; a Sra Rosângela Staurenghi, do Ministério Público de São Paulo; aSra Olinda Marques, do Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre As-sentamentos Humanos – CEARAH – Periferia; e o Sr. Vicente Amadei, Diretordo SECOVI – São Paulo. Minhas boas-vindas a todos.

Antes de passar a palavra aos debatedores, concedo a palavra ao Depu-tado Dr. Evilásio para fazer rápida retrospectiva das outras audiências.

O SR. DEPUTADO DR. EVILÁSIO – Sra Presidente, Deputada Maria doCarmo, que, com muito empenho e esmero, conduz os destinos desta Comis-são representando todos os seus membros; nobres convidados, para nós, queformamos esta Comissão, é motivo de orgulho recebê-los nesta audiência pú-blica. Sabemos que estamos tratando de um projeto a que costumamos, dadaa importância e a abrangência da Lei no 6.766/1979, chamar de “constituiçãodo solo urbano do Brasil”. Com certeza, a exposição de V. Sas irá contribuirsobremaneira para a formatação do nosso relatório.

Apresentei relatório e substitutivo à Lei no 6.766/1979, na intenção departir de um arcabouço inicial, não com a intenção de querer ser autor, de

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forma única, desse substitutivo. Quando começamos, espelhei -me na Comis-são que começou a discutir a reforma da Previdência sem que houvesse aindaprojeto de iniciativa do Governo. Fomos criticados porque estávamos num pro-cesso de discussão de algo que não existia. Depois, recomeçamos as discus-sões em torno da PEC no 40, que nos foi enviada pelo Executivo.

Tomamos a iniciativa de apresentar relatório recebendo sugestões, quenão são poucas e muitas são valorosas, principalmente no tocante aos exposi-tores. É um projeto com o qual, creio e tenho confirmado, muitos brasileiros eespecialistas representando vários órgãos tiveram interesse em contribuir, eesta Relatoria está, com certeza, franqueando o acesso a todos para que te-nhamos, na elaboração do projeto, a participação geral de forma muito trans-parente e democrática. Tenho dito e repito: com mais mãos, com certeza,erraremos menos.

Agradeço a pronta resposta ao nosso convite.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Dando início aostrabalhos, passo a palavra ao Sr. Edésio Fernandes, representante do Ministériodas Cidades, que dispõe de 15 minutos, prorrogáveis por mais cinco minutos.

O SR. EDÉSIO FERNANDES – Boa-tarde a todos. Em primeiro lugar, saú-do a Presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano, Deputada Maria doCarmo Lara, e faço um agradecimento especial ao Deputado Dr. Evilásio pelasensibilidade política com a qual tem aberto à ampla participação democráticao processo de discussão desse projeto de lei, tão essencial, tão importantepara as cidades brasileiras, pois envolve os diversos setores da sociedade, ascondições de produção, e visa à reversão do tradicional padrão de cidadesfragmentadas, de cidades segregadas e da exclusão.

O argumento que trago à discussão e à consideração especial do Depu-tado Evilásio é o de que, tão importante quanto uma nova lei federal deparcelamento do solo – e, diga-se de passagem, em audiência anterior, foi ditoque parcelamento não deve ser restrito tão-somente a parcelamento do solourbano, mas pensando o território municipal como um todo –, é fundamentalque essa nova lei tenha também uma seção de peso, uma seção consistente,uma seção profundamente articulada com os processos de regularização fundiáriados assentamentos já consolidados ou a serem promovidos irregularmente.Nesse sentido, minha proposta, em nome do Ministério das Cidades, é a de queo produto final desse processo de discussão e elaboração de projeto de lei sejao de uma lei federal de parcelamento e regularização. É uma introdução muitorápida.

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Ao longo das audiências públicas anteriores, tem sido dito que esse mo-delo de desenvolvimento urbano no País produziu cidades fortemente marcadaspela presença de assentamentos informais e precários, caracterizados pelainformalidade, com muita freqüência pela ilegalidade fundiária, por precaríssimascondições de habitabilidade, precária condição também de acesso à infra-es-trutura, aos serviços e aos equipamentos, cada vez com número maior depessoas vivendo em condições de risco de vida associada a escorregamentos,inundações, contaminação do subsolo etc. Nesse sentido, a primeira lição quetrago a partir das experiências que temos analisado pelo País afora é a de quea informalidade é a regra, não a exceção.

O desenvolvimento informal das cidades, a produção informal do espaçourbano e da moradia não é mero sintoma de um modelo, é um modelo em si,é a maneira brasileira de fazer as cidades. Os dados variam, mas temos condi-ções de avaliar que, da população que vive em áreas urbanas no Brasil, de 40%a 80% vivem informalmente. Esse número tem crescido sobretudo com o au-mento do crescimento urbano informal em áreas periféricas, com a consolida-ção dos assentamentos já existentes, com a maior densidade dos assentamentosinformais e, cada vez mais, com a ocupação de novas áreas: áreas de preser-vação ambiental, áreas de proteção de manancial, áreas públicas, enfim, áreastotalmente incompatíveis com a presença humana.

O primeiro princípio a ser destacado é que não podemos mais fechar osolhos à necessidade de enfrentar essa questão, esse processo, esse fenômenoda produção informal das cidades.

É importante ressaltar também que existe a idéia de que a informalidadeé um problema só de cidade grande. Os dados disponíveis têm demostrado queesse é um fenômeno que tem crescido nas cidades médias e pequenas tam-bém. Por exemplo, 37% dos Municípios brasileiros com menos de 20.000 habi-tantes já possuem loteamentos irregulares, e 20% desses Municípios pequenostêm favelas. Quer dizer, esse padrão de segregação territorial – informal efreqüentemente ilegal – associado à exclusão social, à degradação ambiental éhoje o padrão dominante de produção do espaço urbano nas cidades brasilei-ras, independentemente do tamanho da cidade.

É preciso destacar também que existe uma diversidade de processos in-formais de produção da cidade, que vai das favelas em áreas privadas e públi-cas aos loteamentos irregulares e clandestinos – tema da audiência passada –chegando aos conjuntos habitacionais, que, na sua grande maioria, são tam-bém irregulares, a outras formas regionais de agrovilas no Centro-Oeste e no

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Norte, e às populações ribeirinhas no Norte e Nordeste. Conclusão: há umasérie de processos informais, mas o importante é que, técnica e juridicamente,do ponto de vista da lei que está sendo agora discutida, todas essas modalida-des, ainda que haja variações, são formas de parcelamento do solo. Daí aimportância de se inserir, na discussão da lei de parcelamento do solo, a regu-larização dessas formas variadas de produção informal de parcelamento dosolo.

As causas do fenômeno têm sido amplamente discutidas. As principaisrazões que têm sido utilizadas para explicar esse aumento crescente dainformalidade na produção do espaço urbano têm sido essa combinação entrea dinâmica especulativa de mercados imobiliários, tanto formais quanto infor-mais, a dominância ainda de práticas políticas clientelistas e o fato de que opróprio Poder Público, seja por ação ou por omissão, tem sido também umgrande causador desse processo.

Acrescentaria a essas três causas o planejamento urbano, tal como temsido praticado no Brasil nas últimas duas ou três décadas, como importantefator da informalidade urbana, seja porque se utiliza de critérios elitistas nãocondizentes com as realidades socioeconômicas e de acesso ao solo e produ-ção da moradia que se encontram expressas em muitas das leis urbanísticas,seja pelas exigências dessas leis que não são passíveis de serem fiscalizadas,monitoradas, enfim, geridas pelo Poder Público, sobretudo o municipal, na me-dida da falta de capacidade técnica e financeira de ação do Poder Público.

Além dessas causas, acrescento ainda a ordem jurídica excludente, sejapela prevalência de uma concepção absolutista de direitos de propriedade, sejaporque essas leis não refletem as realidades socioeconômicas, e a capacidadede gestão dos municípios que também tem sido fator determinante. Quer dizer,a lei tem sido um dos fatores que tem produzido ilegalidade nas áreas urbanas.Nesse sentido, é importante que a nova lei, que sairá deste debate, sirva nãopara contribuir com o agravamento do processo de produção ilegal das cida-des, mas, pelo contrário, para revertê-lo.

As implicações sociais do fenômeno são muitas. Há vulnerabilidade daspopulações que vivem em assentamentos informais dos pontos de vista social ejurídico, falta de segurança da posse, falta de acesso a crédito oficial, falta,com muita freqüência, de um endereço, maior exposição dessa população aoclientelismo, na medida da vulnerabilidade política dessas populações. Existetambém o entendimento de que o desenvolvimento informal é um fenômenocaro do ponto de vista da cidade, das implicações urbanísticas, ambientais, da

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fragmentação da cidade, da ineficiência da prestação dos serviços públicos eda distribuição dos equipamentos e dos próprios moradores.

Com muita freqüência, diz-se que a única opção dos moradores é viverem assentamentos informais, porque tanto as políticas habitacionais quanto osetor formal da produção imobiliária não oferecem opções a essa enorme par-cela, sobretudo à que recebe de zero e três salários mínimos. Isso é verdade,o que não quer dizer que essa seja uma boa opção do ponto de vista urbanís-tico e ambiental e, sobretudo, não quer dizer que seja uma opção barata.Dados recentes têm mostrado que o pobre no Brasil tem pago muito caro paraviver em precaríssimas condições de habitabilidade quando comparado, porexemplo, à classe média norte-americana, que compra lotes regulados e apro-vados por critérios legais.

Assim sendo, a visão é a de que todos perdem com a falta deenfrentamento desse processo: as cidades e os moradores dos assentamen-tos. A grande novidade é que, na ordem jurídica brasileira, existe o novo direitocoletivo, que é o direito à regularização fundiária. Quer dizer, até a Constituiçãode 1988, a questão da promoção de programas de regularização se encontravano âmbito daquilo que chamamos de ação discricionária do Poder Público. Fa-zia-se se quisesse, havia pressão para tal e compromissos políticos para com apopulação.

Hoje, a partir da Constituição de 1988, do Estatuto das Cidades e daMedida Provisória no 2.220, de 2001, existe o direito subjetivo de as pessoasocupantes de assentamentos consolidados terem seus títulos que garantamsua permanência no local. Então, o que está em disputa é o conceito de regu-larização.

No Ministério das Cidades, um programa de regularização possui carátercurativo ou remedial, existe para resolver situações consolidadas, tem de sercompatibilizado com programas habitacionais, de reforma urbana, com ocupa-ção de vazios urbanos, conforme discutido anteriormente, mas é fundamentalque trabalhemos com o conceito de regularização, que não se restringe tão-somente à titulação, à entrega de títulos. Trabalhamos com o conceito de regu-larização, que compatibiliza a entrega de títulos com a regularização das áreas,dos lotes, a regularização urbanística e ambiental dessas áreas, e tambémpolíticas de integração social dessas comunidades.

No contexto da Lei Federal no 6.766/1979, o capítulo originalmente exis-tente – na verdade, há alguns dispositivos sobre regularização de loteamentos– era totalmente ineficiente e nunca foi utilizado devidamente. Pelo contrário, a

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Lei no 6.766/1979, tal como originalmente aprovada, colocou obstáculos bas-tante significativos aos programas de regularização, que foram promovidos,sobretudo, por municípios. Inclusive, uma teoria defende a idéia de que a Lei no

6.766 teria sido um dos fatores causadores de mais informalidade. Quer dizer,das modificações efetuadas em 1999, por meio da Lei no 9.785/1999, umavisava exatamente fazer com que o arcabouço jurídico permitisse programasde regularização, ainda que tenhamos de destacar um avanço relativo. A ver-dade é que o quadro legal quanto à regularização ainda é insatisfatório.

No contexto da revisão da Lei Federal no 6.766/1979, que está sendoproposta agora e que coloco à consideração do Deputado Evilásio, há que sedistinguir entre as diferentes situações: regularização das situações consolida-das e de novas situações de produção irregular do espaço urbano. Critériosdiferentes têm de ser utilizados para tratar dessas situações, para que o qua-dro legal seja aperfeiçoado.

No que se refere à regularização de áreas consolidadas, onde existe umdireito do ocupante à regularização, conforme mencionei anteriormente, osprincípios que deveriam orientar a revisão da Lei nº 6.766/1979, seriam, pri-meiro, a busca de soluções efetivas, concretas, pragmáticas, baseadas na com-binação entre flexibilidade, compensação e na idéia de que tem de haver ampladistribuição das responsabilidades sociais pela situação existente, na medidaem que o próprio Poder Público foi responsável pela produção desse processo.Quer dizer, não há como não entender que todas as partes envolvidas têmalguma medida de responsabilidade e todos têm interesse na solução do pro-blema, desde que esse contexto de flexibilidade, compensação e distribuiçãodas responsabilidades se dê num quadro político e jurídico de transparência econtrole social. Portanto, acredito que uma lei federal tem de propor regrasgerais para soluções locais.

No contexto do substitutivo, minha avaliação pessoal é que este não dáconta das múltiplas dimensões do problema. Quer dizer, há dois, três ou quatroartigos no substitutivo sobre regularização que são interessantes no geral, massão insuficientes. Esta é uma oportunidade única para remover os obstáculosjurídicos da legislação federal que ainda existem para a promoção de progra-mas de regularização.

Este é o momento de passar um filtro na legislação federal e analisar aslegislações urbanística, ambiental, cartorária, fundiária, processual, a lei dedesapropriações, a legislação tributária e a legislação penal, todas leis fe-derais, que têm apresentado obstáculos aos programas de regularização. Nes-

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se sentido, o Ministério das Cidades oferecerá um estudo dessas leis federaisnesses vários âmbitos e nos aspectos que têm apresentado dificuldades con-cretas ao avanço de programas de regularização.

Esta é uma oportunidade única para superação dos obstáculos jurídicos exis-tentes. Não basta o reconhecimento do direito à regularização pelo Estatuto dasCidades. A efetivação desse direito tem de se dar também de forma compatívelcom o quadro jurídico mais amplo, pelo qual todas essas leis federais, que têminterfaces com a questão da regularização, precisam ser consideradas em algumamedida.

Por fim, aquelas outras categorias de regularização que mencionei de-vem ser a regularização de loteamentos fechados ou condomínios já produzi-dos até hoje, lembrando que, conforme levantado na audiência anterior, trata-sede situações de parcelamento irregular, de descumprimento da lei federal quantoaos novos parcelamentos irregulares, que, com certeza, serão promovidos apartir da aprovação de nova lei federal, o que tem de ser tratado com muitorigor. O importante é que os critérios para tratamento dessas categorias deregularização, e não tão-somente os assentamentos informais de baixa rendajá consolidados, têm de ser também acompanhados por mecanismos de ges-tão adequados que permitam ao Poder Público materializar efetivamente o ob-jetivo da regularização.

Finalizando, quero mais uma vez destacar que não podemos perder essaoportunidade histórica, política, de grande alcance, como uma força-tarefa mes-mo, de enfrentar essa questão cada vez mais grave com implicações seriíssimas,como tem sido o desenvolvimento informal das cidades brasileiras, pois todosestamos perdendo com a falta de um quadro jurídico-político-institucional quereconheça a gravidade e a extensão dos números envolvidos na precaríssimacondição de habitabilidade em que se encontra submetida a maior parte dapopulação brasileira.

Estou à disposição da CDUI e do Deputado Evilásio para que, na medida dopossível, esse processo de revisão da lei federal de parcelamento seja tambémum processo de elaboração de uma lei federal de parcelamento e regularização.

Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Sr.Edésio.

Agradeço ao Sr. Edésio Fernandes, que tem participado conosco nessasdiscussões da Lei no 6.766/1979.

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Concedo a palavra à Sra Evangelina Pinho, da Prefeitura de São Paulo.

A SRA. EVANGELINA PINHO – Boa-tarde a todos. Cumprimento V. Sas,em especial os membros da Comissão de Desenvolvimento Urbano. A partirdas leitura do substitutivo, levantei alguns pontos que têm trabalhado contra oprocesso de regularização de parcelamento do solo. Pelo menos é assim quetenho notado no trabalho que desempenho no dia-a-dia de regularização deloteamentos na Prefeitura de São Paulo.

O Município de São Paulo possui cerca de 3.000 loteamentos irregulares,3.000 parcelamentos irregulares, entre desdobros, passagens e loteamentos.Desses 3.000 loteamentos irregulares, cerca de 1.200 são loteamentos precá-rios, onde vive a população mais excluída e em condição urbanística desfavorá-vel. O restante são loteamentos localizados naqueles bairros dotados deinfra-estrutura, habitados por pessoas que possuem renda para regularização.É impressionante como não se consegue chegar a uma situação de regularida-de de ordem fundiária na cidade.

Fizemos um estudo no Resolo com minha equipe de trabalho, incorporeialgumas sugestões da Vanesca Prestes e da Betânia Alfonsin, de Porto Alegre,alguma coisa do pessoal da Prefeitura de Guarulhos, um pouco de uma redeque o Edésio coordena, algumas coisas do Nelson Saule e do pessoal do Core.

Em relação ao substitutivo da regularização fundiária, creio haver con-senso da nossa parte no sentido de que há necessidade da distinção clara dasregras de regularização. Esta é uma fala, Deputado Evilásio, bastante repetida.Nós, que estamos na linha de frente dessa regularização, sabemos o que sofre-mos vendo órgãos de licenciamento tentando encaixar uma bola dentro de umquadrado ou vice-versa. De fato, precisamos de regras claras e específicaspara a regularização. A sugestão da Vanesca e da Betânia Alfonsin é separar naementa do substitutivo, no art. 1o e no glossário, o conceito de regularizaçãofundiária. Como disse o Edésio, estamos num momento muito propício de dis-putar esse conceito. Precisamos aproveitar a oportunidade e estabelecer o con-ceito mais amplo possível para unificá-lo, já que cada um possui um conceitodiferenciado. Então, o momento é bastante importante para isso. Assim, já noglossário e no art. 1o do substitutivo, faríamos essa diferença.

Outra questão de definição e delimitação do conceito diz respeito aodesmembramento de lotes. Se não houver determinado limitador relacionado,seja o adensamento, seja a possibilidade de se desdobrarem lotes em áreasurbanizadas, trabalharemos o desmembramento como forma de disfarçar oparcelamento do solo, o que é visto na realidade das administrações públicas

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brasileiras. Há muita área urbanizada em algum momento da vida loteadas. Apartir daí, as pessoas começam a desmembrá-la sucessivamente,desconsiderando a necessidade de implantação ou mais concentração de infra-estrutura e das exigências pertinentes a um loteamento. Apesar de não preci-sar abrir rua, de qualquer jeito, isso acarreta um grau de adensamento quejustificaria maior carga de aporte de infra-estrutura.

Outra questão que ainda diz respeito ao glossário do projeto é o conceitode empreendedor. Consideramos que o empreendedor está somente como pro-prietário, mas, na realidade, haveria a necessidade de se estender esse con-ceito não só ao proprietário, mas também ao loteador, porque muitas vezes eleé o responsável, e o proprietário acaba não tendo completo domínio da situa-ção da terra e o parcelador, muitas vezes por ele contratado, confere umafeição irregular àquele parcelamento.

Em alguns casos, o conceito de empreendedor pode ser enquadrado paraa Prefeitura como de regularização ex-officio, ou seja, quando a Prefeitura, deofício, promove a regularização; em muitos casos há benefícios, como, porexemplo, o projeto em discussão, que remete à possibilidade de cancelamentodo registro do loteamento. Nesse caso, pode caber ao empreendedor o cance-lamento desse registro, o que consta do art. 50. A Prefeitura, ao efetuar aregularização desse loteamento, também poderá reivindicar o direito de cance-lamento. Então, se é um empreendedor, possui 11 benefícios. É importanteque, no momento em que a Prefeitura assuma a regularização, tenha tambémde arcar com todos os ônus e benefícios.

Essa preocupação está muito diretamente relacionada ao que esperamosdessa lei, que é a compatibilização dessas áreas de proteção ambiental, áreasque são legalmente de proteção ambiental há algum tempo e que hoje estãodensamente ocupadas. É uma questão muito sensível e é uma realidade nacio-nal. São Paulo possui um número estupidamente alto de ocupação das BaciasHidrográficas da Billings e do Guarapiranga. Devemos ter bastante cuidado emuita delicadeza ao tratar desse tipo de compatibilização, porque sabemostambém que, se a regularização vier numa condição de saneamento ambiental,pode ser bastante benéfica do ponto de vista da proteção ambiental.

Um ponto igualmente muito sensível em relação à regularização de áreas,a partir da aplicação da Lei de Parcelamento do Solo, é a reserva das faixas nonaedificandi. Hoje, o projeto do substitutivo traz um conjunto de áreas em quepoderia haver essa reserva de faixa e se omite no que diz respeito às áreas decurso d’água, áreas de águas correntes, águas dormentes ou sem vida. Estan-

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do omisso em relação a isso, dá cabimento a uma série de proposições, inclu-sive à aplicação, como já tem sido feito pelo Governo do Estado de São Paulo,da faixa de 30 metros, que consta do Código Florestal, e considera essas áreascomo de preservação permanente.

Portanto, nossa sugestão é estabelecermos nesse projeto de lei deparcelamento, pois acreditamos que este é o lugar próprio para isso, o limite defaixa non aedificandi — uma regra para que essa faixa seja dada pelos órgãos delicenciamento, porque são eles que têm condições efetivas de avaliar, em cadacaso, a necessidade de invasão que determina o tamanho dessa faixa.

Uma sugestão que o pessoal do CORE e o Nelson Saule apontam é oartigo que determina que a implantação de elementos de infra-estrutura básicadeve ser ônus do Poder Público. Na verdade, reparamos que, além daquelesque estão elencados como sugestão do pessoal do Pólis e do Core, a infra-estrutura básica continua sendo obrigação do loteador, do proprietário da terra.Verificamos que, dentro desse conjunto de infra-estrutura básica, falta rede deiluminação não só domiciliar, mas pública com fins de segurança à população.

Para a regularização fundiária em São Paulo, temos enfrentado adesvinculação da regularização urbanística, da regularização jurídica ou regu-larização total do título. Muitas vezes, a regularização urbanística ou técnicasignifica tornar uma área aceita pela cidade ou passível de ser aceita pelacidade com efeitos diretos de inscrição no mapa, ou seja, num padrão de urba-nização que vá ao encontro da realidade da boa condição de vida que devehaver na cidade. A regularização técnica em São Paulo está sendo feita, hoje,independentemente da total regularidade do título, porque muitas dessas áreasestão perfeitamente urbanizadas, apesar de os títulos apresentarem algumasincorreções, como descrição incompleta ou faltando a sucessão do domínio.Portanto, existem problemas.

O fato de não outorgarmos o título significa manter essas áreas, muitasvezes, fora do mapa da cidade, sem o cadastro do endereçamento postal ousem o desmembramento do IPTU. Por isso trabalhamos em São Paulodesmembrando uma coisa da outra. Estando aceita ou passível de ser aceita doponto de vista urbanístico, emitimos o auto de regularização, que o torna regu-lar para aquele fim, para que depois sejam promovidas as ações necessárias,inclusive entre particulares, como a disputa de domínio no âmbito correto, queé a Justiça.

Outra questão que também utilizamos hoje na legislação de São Paulo refe-re-se ao apossamento de áreas. Nos casos em que a Prefeitura se torna responsá-

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vel pela regularização do parcelamento, naqueles casos em que a prefeitura acio-na o loteador para que cumpra as obrigações e ele não aparece e a prefeituracomeça a fazer a regularização, sempre foi um problema o fato de se indicaremaquelas áreas vazias dentro do loteamento, porque não existia um detentor depropriedade que indicasse aquilo como área para equipamento público. Criamos,então, na lei, uma figura chamada apossamento, para fins de regularização, o quenão se confunde com apossamento administrativo, que ensejaria uma indenizaçãopor perdas e danos ou a chamada desapropriação indireta.

Assim, estando a prefeitura na obrigação de executar a regularizarização,e existindo lotes vazios dentro daquela grande demanda pública que temos porequipamento comunitário, gravamos aquelas áreas independentemente daanuência do proprietário. É uma forma de conseguirmos assegurar tambémum equilíbrio maior de equipamentos comunitários, principalmente escolas ecreches, nas áreas mais periféricas.

Em relação ao cancelamento do registro, previsto no art. 50 do projeto delei, seria interessante que ficasse mais claro que os casos de cancelamento quenão fossem efetuados por obrigação judicial fossem feitos diretamente no ser-viço de registro de imóveis. Isso não está muito claro no texto da lei, mas creioque houve importante avanço do ponto de vista da rapidez e da desburocratização.O serviço de registro de imóveis, caso haja dúvida, recorre e faz o processo dedúvida junto ao Juiz Corregedor.

Como sugestão do pessoal de Porto Alegre, da Betânia e da Vanesca,deve-se permitir que a prefeitura faça o cancelamento dos registros deparcelamento do solo quando houver ocupação irregular ou total ocupação daárea há mais de 20 anos, dentro de um prazo prescricional de 20 anos, prazode abandono. Não existindo mobilização do loteador no sentido de tomar asmedidas, que se fizesse não só o cancelamento do registro de loteamento,mas também que se tirasse o gravame de área pública de determinadasáreas, sempre e necessariamente vinculado a uma nova proposta de regulari-zação.

Isso acontece muito na cidade, porque não se consegue fazer a associa-ção de títulos, não se consegue chegar ao proprietário ou ao detentor: conge-lam-se determinadas áreas na cidade onde há uma área pública que nãocorresponde à área registrada em cartório ou se tem uma área particular quetambém não corresponde ao que está registrado em cartório. Então, uma daspossibilidades de cancelamento de registro seria fazê-lo via judicial num atovinculado à nova planta de parcelamento do solo.

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Vejamos um problema que também enfrentamos muito. É bastante co-mum vermos superposições de domínios, ou seja, parcelamentos do solo quese sobrepõem. Resultado: uma tremenda confusão em relação a quem é odetentor efetivo ou de direito daquela área. Em função disso, a sugestão daVanesca e da Betânia é que se considere a regularização do loteamento comoa forma originária de registro, à semelhança do usucapião, que é uma formaoriginária de aquisição da propriedade, mas tem o condão de funcionar peranteo registro de imóveis como uma nova marca, um novo perímetro que passasobre todos os que existem, da mesma forma que a desapropriação. Se sedesapropriar determinada área, esta será lançada no registro de imóveis. Apartir daí, ter-se-á de fato a origem nova de um título.

Em São Paulo, diante dessa confusão fundiária, de muita superposição detítulos, plantas e parcelamentos, chegamos a pensar em fazer um conjunto deações de usucapião, porque também seria uma forma de regularizar. Para seter idéia, a Prefeitura de São Paulo desenvolve hoje o Programa Lote Legalpara urbanização e regularização de cerca de 38.000 lotes. Trabalhamos com69 loteamentos. Cerca de 40 seriam passíveis de regularização por essa forma.Na verdade, seria preciso uma cadeia grande de ações judiciais para resolver aquestão do título. O usucapião seria a forma mais rápida de fazer isso. Nouniverso de 69, cerca de 40 seriam mais facilmente regularizados dessa forma,para pavor do Poder Judiciário. Quando conversamos com um juiz sobre isso,ele diz: “Vamos arranjar outra forma, porque essa é impossível. Vai-se entupircompletamente a Vara de Registros Públicos e não se conseguirá atender aessa demanda”.

Se conseguirmos outras formas de fazer a regularização e corrigir essaquantidade de títulos – a forma apresentada pela Betânia e pela Vanesca pare-ce interessante –, certamente haverá melhor tramitação dos processos deusucapião que servem para aquisição de domínio e não para corrigir título nasVaras de Registros Públicos.

Por fim, farei mais dois comentários. O primeiro é em relação ao depósitojudicial. A partir do momento em que é constatada a irregularidade doloteamento, as pessoas podem começar a depositar em juízo esse valor, numaconta que fica bloqueada, sacada pelo proprietário da área, na medida em quefaz a regularização, ou pela prefeitura, se ela a fizer.

Na verdade, vemos um orçamento público, em todas as cidades, absolu-tamente minguado, pequeno para atuar nessas áreas, e, muitas vezes, umgrande volume de recursos depositado em contas bloqueadas não pode ser

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sacado porque não se consegue fazer a regularização. Por isso, uma das idéiasé trabalhar fazendo o saque desse depósito judicial, ou seja, desse valor emprestações depositadas, para financiar a obra de urbanização, porque é paraisso que ele serve, seja no momento em que a prefeitura, por exemplo, licitaruma obra ou contratá-la, seja no momento em que executá-la e possa se res-sarcir parcialmente e assim sucessivamente até completar todo o processo deregularização.

Por último, a questão da regularização dos lotes. Feita a regularizaçãodo parcelamento do solo, a última etapa do processo de regularização fundiáriaem loteamentos é a regularização do lote de cada um. Não vi no substitutivoa garantia de um direito que hoje existe para as pessoas que moram emloteamentos irregulares, que é fazer o registro gratuito da primeira regulari-zação.

Um grande problema é o grau de exigência para regularizar os contratos.Nos loteamentos irregulares, há nos contratos algumas precariedades. Portan-to, quanto mais simplificados os contratos ou os registros, considerando osrecibos como forma de quitação dos valores devidos ao loteador, para que comisso regularizássemos os lotes, certamente haveria um número muito maisampliado de regularização no País.

Muito obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada.

Antes de passar a palavra à Dra Rosângela, registro a presença do Depu-tado Inaldo Leitão. Obrigada pela presença, Deputado.

Com a palavra a Dra Rosângela Staurenghi, do Ministério Público de SãoPaulo.

A SRA. ROSÂNGELA STAURENGHI – Boa-tarde a todos. Gostaria deagradecer pelo convite.

Contarei um pouco da experiência do Ministério Público em São Bernardodo Campo, que tem uma vasta área de proteção aos mananciais da RepresaBillings, onde se instalaram centenas de loteamentos clandestinos ao longo demuitos anos.

De alguns anos para cá, temos trabalhado junto com a Prefeitura, tentan-do encontrar formas alternativas de solucionar essa questão. Contarei como éesse trabalho daqui a pouco. Antes de começar a tratar de regularizaçãofundiária, queria ler o que achei em dois livros de História e que dizem respeitoao substitutivo. O primeiro livro dizia:

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“As cidades tiveram um crescimento desordenado. As construções se su-cediam ao acaso sem nenhum planejamento. Cada um escolhia o melhor lugarpara se estabelecer. As ruas geralmente eram tortuosas e inclinadas, pois amaioria das cidades se situava no alto de colinas para facilitar a defesa. Comonão havia redes de esgoto, os detritos eram atirados às ruas numa vala, poronde escorriam em direção aos limites da cidade. Lá se acumulavam à beirados muros, formando os focos de epidemia, que com freqüência assolavam aspopulações medievais. Como o material mais usado nas construções era amadeira, de fácil combustão, os incêndios eram freqüentes. Ruão, por exem-plo, incendiou-se seis vezes, entre 1200 e 1225.”

O segundo dizia:

“As cidades medievais eram, em geral, rodeadas por grossas muralhasde proteção contra ataques de bandos de assaltantes ou tropas de senhoresfeudais. As cidades muradas recebiam o nome de Burgos.”

Eu achei muito interessante isso porque retrata exatamente a situação de hojedas cidades brasileiras. De um lado, estão as favelas representando a cidademedieval descrita, com esgotos e áreas ocupadas de qualquer maneira, e, de outro,as cidades muradas, para que as pessoas se defendam dos bandos de assaltantes.

A primeira pergunta que quero fazer a vocês, para tratar de regulariza-ção fundiária, é: Que cidade queremos? Isso dará a diretriz para fazer a regu-larização fundiária. Que lei de parcelamento do solo queremos? Será quequeremos que as cidades sejam parceladas de forma a estigmatizar ricos comos espaços fartos e privatizados e, de outro, os pobres sem espaço públicoalgum? No século XXI, estamos propondo uma lei medieval de parcelamento dosolo. Isso é importante para começarmos a pensar também como queremosfazer a regularização fundiária.

O que é regularizar? É aplicar de acordo com a lei. Que leis? As quetratam de domínio, as urbanísticas e ambientais. Hoje, a regularização dominialganhou um impulso grande com o Estatuto das Cidades, que trouxe o usucapiãocoletivo e a concessão de uso especial para imóveis públicos.

O que é basicamente regularização urbanística? Execução de obras dedrenagem, água, esgoto, iluminação. Gostei muito da fala da Evangelina, por-que ela apontou exatamente a parte que eu tinha anotado do substitutivo, o quevou deixar de falar. Iluminação é essencial para os moradores de assentamen-tos informais e irregulares. Está faltando isso.

O substitutivo propõe que, para regularização, se abra mão dos espaçospúblicos. Não concordo com isso. Primeiro, quem mais sofrerá com a falta dos

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espaços públicos será efetivamente a população de baixa renda. Então, o quese propõe? Quando há uma situação consolidada, é muito complicado repor osespaços públicos no mesmo local, mas é possível conseguir repô-los em outrolocal, particularmente se identificarmos quem são os responsáveis por essasituação de ilegalidade. Essa é uma prática que temos de fazer habitualmente.Não podemos pensar ou acreditar que toda ilegalidade decorre da miséria ouda falta de condições das pessoas de acesso à moradia adequada.

A recuperação ambiental também é um obstáculo que tem causado gran-des problemas. O Ministério Público é taxado de ruim, de mau, porque nãopermite isso ou aquilo, mas ele está tentando – pelo menos em São Bernardoestou tentando – achar um meio-termo para descumprir a lei. Quer dizer, a leijá foi descumprida, mas regularizar com descumprimento da lei e comsustentabilidade.

Quais são as diretrizes, hoje, para a regularização fundiária? Elas estãotodas no Estatuto das Cidades. O que é uma cidade sustentável? É aquela quetem saneamento, dá acesso ao trabalho, enfim, que respeita as leis ambientaise todas as limitações. Essas são as diretrizes para a regularização fundiáriaque o Ministério Público exigirá. Se os municípios, no processo de regularizaçãofundiária, conseguem demonstrar ao Ministério Público que essas diretrizesestão sendo cumpridas, conseguimos estabelecer compensações, acordos, paraque cheguemos a um final feliz.

A regularização fundiária hoje também exige, de acordo com o Estatutodas Cidades, com a Agenda 21 e com a Agenda Habitat, participação comunitá-ria. Ela deve ocorrer desde a escolha do assentamento que será regularizado.Essa escolha geralmente é feita por alguém do Executivo – pelo secretário deObras, prefeito ou vereador que tenha mais influência no Executivo –, sematentar para a antigüidade, para situações de risco, para a identificação dasnecessidades da regularização, o acompanhamento dos projetos, a distribui-ção dos ônus e a participação de programas de geração de renda.

Chego ao ponto que justificou o convite, que é contar como é essa parti-cipação da comunidade em São Bernardo do Campo e quais os resultados.Esse trabalho começou a partir de uma decisão judicial, que, em área de pro-teção dos mananciais, permitia a permanência de um loteamento clandestino,mas com criação de áreas de permeabilidade. O loteamento já tinha recebidoobras de infra-estrutura do Município, já estava completamente pavimentado,com lotes de 125 metros quadrados, totalmente impermeabilizados. Em áreasde proteção dos mananciais, precisamos resgatar a permeabilidade do solo.

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Visitei o loteamento com a Diretora de Meio Ambiente do Município, que medisse o seguinte: “Mas, doutora, como vou fazer para cumprir essa decisão? Oloteamento já está todo implantado. Não há o que fazer?” Respondi: “Olhe, issoé problema seu. Vire-se. Quebre a calçada.” E ela retrucou: “Olhe, até quepode ser uma boa idéia.” E depois de muitas conversas, ela conseguiu que acomunidade quebrasse as calçadas e fizesse um programa de arborização ur-bana. O resultado estético foi surpreendente. Isso fez com que outros bairrosrepetissem a mesma conduta, com todo o mundo querendo plantar grama nacalçada e uma árvore. O programa acabou tornando-se municipal, e recebeu onome de “Bairros Ecológicos.”

Ao mesmo tempo, São Paulo editou um decreto instituindo o chamadoPlano Emergencial de Recuperação dos Mananciais, de 1998, que permitia aoMunicípio executar obras de infra-estrutura nos bairros irregularmente ocupa-dos em áreas de proteção dos mananciais. Esse decreto exigia, como providên-cia antecedente às obras, um compromisso das comunidades de não-expansãoe não-adensamento. As comunidades começaram a ser encaminhadas ao Mi-nistério Público pela Prefeitura para assinarem um termo de compromisso comocondição para que o Município tocasse as obras de infra-estrutura. Inconformadacom o fato de ficar só assinando compromisso de não-expansão e não-adensamento, pensei que a Prefeitura poderia fazê-lo, pois eu poderia dar umacontribuição um pouco maior. Começamos então a discutir com as comunida-des o que era um loteamento clandestino, o que era área de proteção aosmananciais, quem agiu ilegalmente nessa história toda, quem foi o loteadorclandestino, identificando todos os atores desse processo. Dissemos a elas queo loteador clandestino errou ao vender o lote, que elas erraram ao construirsem licença, que o Poder Público errou ao permitir que esse loteamento fosseimplantado.

A partir do momento em que começamos a distribuir as responsabilidadese as pessoas começaram a compreender como o processo acontecia, tambémcomeçaram a assumir essa parcela, digamos assim, esse trabalho de recupera-ção ambiental. Então, no primeiro loteamento, houve o compromisso de fiscali-zação dos lotes vagos, a grama na calçada. No segundo loteamento, quando foifeito o TAC, a comunidade já adquiriu uma estação de tratamento de esgoto.Demos um passinho a mais. No terceiro TAC, os ex-proprietários, que, por teremsido coniventes com a implantação do loteamento, tinham sido condenados numaação civil pública, entraram também no processo, junto com o Município e comas comunidades, e contrataram um estudo técnico para fazer a recuperaçãoambiental e urbanística. Então, a comunidade também participou.

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Juntamos dois bairros. Sobre o segundo não havia ação judicial, mas elefoi incorporado, e estamos fazendo um projeto ainda mais ambicioso. Isso vaicrescendo de forma muito interessante, porque as pessoas vão à Promotoria equerem propor soluções. Elas criam e executam, o que melhora bastante aqualidade das intervenções no Município.

Nesse terceiro TAC, a própria comunidade de um bairro vizinho, que nãofaria parte, mas acabou participando só da estação de tratamento de esgoto –o Município entrou com as obras –, parou essas obras com carros e impediu aPrefeitura de prosseguir porque achou que estavam malfeitas. Depois disso, oSecretário de Obras ficou bravo e não quis mais saber de nada; retirou todasas máquinas de lá e deixou-os na mão. Então eles foram à Promotoria e disse-ram que o material que estava sendo empregado era ruim, que o bairro vizi-nho, nosso companheiro na estação de tratamento, tinha calçadas mais largas,ruas mais estreitas, e que queriam o mesmo padrão de urbanização dos quetiveram o projeto aprovado, a mesma qualidade. Daí eu oficiei ao Prefeito, queteve de enviar o Secretário de Obras até lá para discutir com a comunidade.Isso faz com que as pessoas adquiram autoconfiança, auto-estima. Elas aca-bam recebendo respeito da cidade formal, o que para elas é impressionante.

É claro que nem tudo é perfeito. De vez em quando elas vão às reuniõesdo subcomitê e são chamadas de invasoras. Mas elas têm um currículo paramostrar o que estão fazendo. Então, isso faz com que o preconceito da cidadeformal seja reduzido. E esse é um assunto bem delicado e importante a sertratado: como o Poder Público deve intervir nesses assentamentos, quando faza regularização fundiária, para reduzir o preconceito da cidade formal. Já livários trabalhos afirmando que isso acontece mesmo. Ou seja, as favelas, osassentamentos informais, que são bem diferentes do resto da cidade, sãourbanizados e mantêm a forma original. Não há integração social. As pessoascontinuam excluídas. Então, esse trabalho de integração da comunidade localcom a do entorno é fundamental no processo de regularização fundiária.

Outro ponto importante é a participação do Ministério Público. Acho queele tem, sim, de ser chamado. Eventualmente, pode haver dificuldades com umou outro promotor. Mas isso pode não acontecer ao se apresentarem argumen-tos tecnicamente convincentes de que se está descumprindo isso, mas cum-prindo aquilo. Se encararmos o loteamento dentro de regiões, sub-baciashidrográficas, por exemplo, teremos condições de fazer compensações. Temoscondições de flexibilizar a aplicação da lei, desde que no fundo tentemosrecuperar o meio ambiente.

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Quando falamos em regularização fundiária, é importantíssimo pensarum pouquinho sobre o que promove a irregularidade e aproveitar também omomento para propor algumas medidas de punição, particularmente para ca-sos criminais de improbidade administrativa, em que o agente público ou polí-tico estimula ou se omite sobre loteamentos clandestinos e assentamentosinformais. Isso é muito sério. Acompanhando os loteamentos clandestinos eprocessos penais nas favelas de São Bernardo durante 11 anos, imaginei queessa bandalheira só existisse lá, mas infelizmente não é assim. Apresentamostambém esse trabalho no Rio de Janeiro, e lá acontecem as mesmas denúnciasde que aquele assentamento feito no mangue foi estimulado pelo candidato agovernador Fulano de Tal. Isso é gravíssimo.

No Brasil, nas regiões metropolitanas, há aquele trinômio: loteamentoperiférico, autoconstrução e falta de investimentos públicos em habitação po-pular. E há a tradição de incapacidade do Poder Público de fiscalizar. Isso temmuito a ver com clientelismo, com omissão seguida de anistia, o que dá muitovoto. A execução de obras públicas dá muito voto. Então, se quisermos fazerum trabalho sério de regularização e prevenção, teremos de punir quem agedessa maneira, ao mesmo tempo em que deveremos trabalhar também nosentido de prover habitação população de forma planejada.

Sabemos que as atividades econômicas que chegam a um determinadolocal atraem população de baixa renda. Foi o caso da região do ABC na décadade 70, com as indústrias automobilísticas. É hoje, por exemplo, o caso de Macaécom a Petrobras, com o petróleo. Ou seja, toda vez que se direciona um altoinvestimento de capital para uma região, naturalmente haverá atração. Portan-to, temos de estar preparados para trabalhar com isso e exigir que parte desseinvestimento seja empregado na construção de habitação.

Enfim, vou parar por aqui. Voltaremos a conversar, caso haja debate.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Dra

Rosângela Staurenghi. Parece-me – e comentei isso aqui com a Sra EvangelinaPinho – que o único Estado com ação do Ministério Público na questão urbanís-tica é São Paulo. Acho que em São Luís também há.

A SRA. ROSÂNGELA STAURENGHI – No Rio Grande do Sul também.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Mas ainda sãopoucos os lugares. Registro isso para constatar a importância de se trabalharessa questão. Em relação ao meio ambiente, o trabalho do Ministério Público jáestá consolidado em todo o Brasil, tanto em cidades médias como nas pequenas,

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mas quanto à questão urbanística ainda é muito incipiente. Mesmo em MinasGerais, por exemplo, deve haver só na capital; nas outras cidades não há.

Concedo a palavra à Sra Olinda Marques, representante do Centro deEstudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos – CEARAH.

A SRA. OLINDA MARQUES – Boa-tarde a todos. Em primeiro lugar, agra-deço à Comissão a iniciativa de realizar esta audiência pública. Como os de-mais expositores, vamos apresentar também uma proposta coletiva.

Recentemente, em Fortaleza, foi criado um fórum permanente para tra-tar de temas relativos à regularização fundiária. É uma iniciativa pioneira, inicial.Devido a problemas técnicos, não será possível apresentar aqui os slides, masvou tentar, na medida do possível, discorrer sobre nossas propostas.

Fortaleza é uma cidade marcada por grandes diferenças. Do ponto devista urbanístico, é uma cidade voltada para o turismo. E hoje parte da popula-ção da cidade, quase a metade, mora em favelas. Do ponto de vista do diag-nóstico mais urbano, dos números, das estatísticas, há hoje cerca de 620 áreas,digamos, de assentamentos irregulares. Cerca de 79 delas chamamos de áreasde risco, áreas de mananciais, sem nenhuma solução de curto prazo para es-sas famílias, que, do ponto de vista da ocupação do solo, como na maioria dascidades brasileiras, em muitos casos fazem ocupações espontâneas; a genteestá aqui distante do Incra. (Risos.) E, particularmente, essa não é uma reali-dade, como todos sabem, específica de Fortaleza. Na maioria das cidades doNordeste, principalmente nas capitais, nas nossas regiões metropolitanas, há ocontexto migratório com fortes tendências do meio rural para as cidades. En-tão, isso causa muitos problemas, do ponto de vista do loteamento – sem con-tar a enorme quantidade de loteamentos irregulares, de ocupações clandestinas.

Do ponto de vista da legislação urbanística, sabemos que, com o adventodo Estatuto das Cidades e com essas novas leis urbanísticas, a regularizaçãofundiária tem entrado muito recentemente na pauta dos movimentos sociais,particularmente dos movimentos de moradia. Então, a discussão prática, doponto de vista da aquisição do conceito, ainda é recente na agenda dos movi-mentos sociais. E falando um pouco mais da nossa prática lá em Fortaleza enas cidades que acompanhamos, algumas iniciativas têm sido apresentadas,buscando-se uma discussão mais ofensiva com a sociedade, para se conseguiralgum êxito nesse tema.

Com essas discussões sobre o Estatuto das Cidades, com a criação doMinistério das Cidades e com esses debates permanentes, temos conseguidoavançar na discussão e criar um fórum permanente do Estado sobre a regu-

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larização fundiária. Escolhemos algumas áreas-piloto de aplicabilidade do tema.E com a articulação mais próxima com a Anoreg, com a Associação dos De-fensores Públicos e com os movimentos de moradia, temos escolhido algu-mas áreas para poder dar início a um processo de usucapião coletivo e discutiroutros programas federais e municipais. E deparamo-nos constantementecom a burocracia do Poder Público, com a clara falta de vontade política, coma falta de incidência direta das políticas urbanas – haja vista o plano diretor.

Essa é a razão por que uma das propostas que avaliamos no substitutivoé a inclusão de artigos e incisos que visam facilitar o acesso, do ponto de vistada posse legal dos assentamentos e da aceitação da realidade atual dos assen-tamentos, haja vista a exigência de documentação e toda a burocracia existen-te. É preciso principalmente reduzir a documentação necessária para o registro,reconhecendo a situação das ocupações consolidadas. Das 620 áreas citadas,quase 80% estão há mais de 20 anos sem a menor proteção legal e sem omenor empenho do Poder Público para resolver a situação. E como propostabásica, além do substitutivo, trazemos argumentos que possam privilegiar, doponto de vista urbanístico, a revisão dos planos diretores municipais. Há situa-ções claras, no caso específico de nossa cidade e de outras, em fase de revisãode seus planos diretores, em que esse argumento da regularização fundiárianem é tocado no aspecto das revisões. Então, avaliamos que, como propostabásica, do ponto de vista do loteamento urbano e dos instrumentos urbanísti-cos, seria considerável levar em conta essa parte de instrumentos e de todosos equipamentos urbanos, para colocar em prática essa proposta de lei.

Quero também tecer algumas considerações a respeito do fórum especial,das nossas propostas claras ao Fórum de Regularização Fundiária. Por exem-plo, do ponto de vista da gestão democrática, como o tema geral da regulariza-ção fundiária ainda é um ponto de vista sensível para os movimentos sociais etemos em pauta a gestão participativa, a lei ainda tem um aspecto muito rígidoe não favorece a gestão democrática. Então, como proposta, tentamos envol-ver o máximo possível de segmentos no debate desse substitutivo, com audiên-cias regionalizadas ou debates estaduais. Acho que esse fórum é uma iniciativamuito singular, mas é preciso um maior esforço coletivo para colocar isso emação. E o processo de planejamento urbano deve ser aberto pela sociedade,haja vista as redes e fóruns – podemos citar o Fórum da Reforma Urbana. Eisso é complementado por essa proposta clara de colocar em prática toda umaação coletiva em torno desse tema.

E principalmente, quanto à participação do Ministério Público em Fortale-za, Estado do Ceará, como também no Nordeste – haja vista a situação de

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Pernambuco –, não há ainda uma ação eficaz. Acho salutar que a colega deSão Paulo fale dessa ação como iniciativa clara do Ministério Público daqueleEstado, a iniciativa dos loteamentos irregulares, mas talvez ainda esteja tudomuito no princípio. Houve um destaque claro de São Paulo. Os outros MinistériosPúblicos ainda não têm essa clareza ou essa ação eficaz. Por outro lado, comoeste debate ainda é incipiente na agenda dos movimentos sociais, isso tambémfavorece a pouca visibilidade do processo de ação.

Do ponto de vista do avanço da legislação urbana, em relação aosubstitutivo, como diz o Sr. Edésio Fernandes, não podemos perder esta opor-tunidade, mas tudo ainda está muito atrelado, do ponto de vista da legalidade,sem levar em conta os aspectos do planejamento urbano, o aspecto formal,participativo. E temos em Fortaleza a iniciativa de tentar buscar essas 16 áreasque são, digamos assim, a meta do fórum para esses assentamentos, com aparceria da Associação dos Notários e Registradores - ANOREG, principalmentepara, com muita articulação, encontrar um mecanismo de redução dos ônuspara os próximos assentados, para os próximos moradores que estão nessasituação. Isso seria um grande desafio. Mas a própria lei, o substitutivo, nãotem nenhum indicativo de desburocratizar os mecanismos de acesso a essaposse legal.

Então, do ponto de vista de contribuição, seria isso. Ainda não temos umacúmulo, digamos assim, desses pontos de vista, porque, como disse anterior-mente, este debate é muito recente na nossa cidade, e só agora estamos for-talecendo-nos. Mas, apesar de o fórum ser muito recente, há esses elementosno debate do nosso dia-a-dia. Ressalto que a Anoreg tem estado conosco,além da Associação dos Promotores do Estado do Ceará e dos movimentossociais.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Sra

Olinda Marques. Com certeza as experiências vão somando-se pelo Brasil afo-ra, porque são muitos os assentamentos.

Agradecemos à visitante da África do Sul, a Sra Marie, a presença. Sejamtodos bem-vindos.

Com a palavra o Sr. Vicente Amadei, Diretor do Secovi de São Paulo.

O SR. VICENTE AMADEI – Boa-tarde a todos. Inicialmente, quero agra-decer à Presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior e aoDeputado Dr. Evilásio, Relator do Projeto no 3.057/2000, que revisa a Lei no

6.766/1979, o convite para participarmos desta importante audiência pública.Cumprimento também os demais componentes da Mesa e todos os presentes,

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parlamentares, assessores da Câmara e representantes do Ministério Público,do Ministério das Cidades, dos sindicatos, das associações e da sociedade civil.

Estou hoje aqui representando o Sindicato das Empresas de Compra,Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de SãoPaulo – SECOVI/SP e a Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC.Nossas entidades representam os produtores que trabalham na legalidade, massão sensíveis à atual situação social de falta de habitações ou de submoradiana qual se encontra a população de mais baixa ou mesmo de nenhuma renda.Reconhecemos que o problema das favelas e das ocupações irregulares deimóveis, tanto os públicos quanto os particulares, precisa ser equacionado;porém, a obtenção, pelos adquirentes de lotes, de um título de propriedadedeve ser um compromisso ou algo definitivo, porque dissociada da regulariza-ção urbanística, a nosso ver, não tem sentido.

Louvável o previsto no art. 68 do Projeto de Lei no 3.057/2000, que,associado ao art. 15, condiciona a regularização fundiária promovida peloPoder Público à implantação de infra-estrutura mínima, ou seja, sistema viá-rio, sistema de drenagem de águas pluviais, rede de abastecimento de águapotável, sistema de disposição adequado de esgoto sanitário e outros quepoderão ser acrescentados, como a energia elétrica, já mencionada aqui.Louvável também a iniciativa do Deputado Dr. Evilásio de propor a modifica-ção da Lei no 6.766/1979, que realmente está a exigir há muito tempo aadequação de alguns dos seus dispositivos à realidade de hoje, passados 24anos desde sua edição. Lembre-se entretanto que essa lei federal atinge domaior ao menor município brasileiro, tanto geográfica quanto economicamente.Por isso, sua revisão precisa ser feita com a participação de todos os seg-mentos envolvidos, tais como o Ministério Público, o Ministério das Cidades,as administrações públicas municipal e estadual, os urbanistas, os produtoresde lotes, os registradores imobiliários e os representantes da sociedade civil.

Aliás, a forma como vem sendo conduzido o processo de consultas pelaComissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, com a aquiescência do Relator, oDeputado Dr. Evilásio, a quem novamente agradecemos a oportunidade de partici-par das audiências públicas que estão sendo realizadas, garante, afinal, que tere-mos um projeto de lei que contemplará harmoniosamente todos os envolvidos naatividade de parcelamento do solo urbano. Temos pressa, assim como todos ossetores envolvidos, na revisão da lei; porém, temos muito que conversar. Para nãoatrasar os procedimentos, devemos agilizar ao máximo nossos contatos e buscar oconsenso, o que só trará benefícios, a fim de evitar, na medida do possível, inter-pretações dúbias por falta de clareza de redação e omissões indesejáveis.

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Os técnicos das nossas entidades estão à disposição para colaborar nãoapenas com seus conhecimentos teóricos, mas principalmente com a prática,lastreada na realidade socioeconômica dos adquirentes de lotes de baixa renda.

Registre-se, entretanto, que, mesmo necessitando de revisão, a Lei no

6.766/1979 vem cumprindo o seu papel – com alguns senões, é verdade. Osempreendedores de loteamentos sérios cumprem os dispositivos dessa, apro-vam regularmente os projetos, registram o empreendimento no serviço de re-gistro de imóveis, implantam as obras e os serviços exigidos pelo Poder Públicoe promovem a venda de lotes segundo as normas do Código de Defesa doConsumidor.

Acreditamos que o déficit habitacional poderá ser reduzido se a oferta delotes legais aumentar substancialmente, e desde que haja financiamento públi-co de longo prazo, agregado a uma cesta de material de construção, a umaplanta econômica já aprovada pela prefeitura e à assistência técnica paraedificação da moradia. Se a população que ganha de um até três salários míni-mos obtiver financiamento, para pagamento em prestações que possa supor-tar, certamente os atuais e futuros ocupantes de lotes clandestinos vão adquirirlotes legais e construir suas casas no sistema de autoconstrução, como aconte-cia nos anos 60 e 70.

Outra solução que vislumbramos para a produção de lotes populares poderealizar-se com o financiamento, aos empreendedores de loteamento, da infra-estrutura exigida para o empreendimento.

Vou fazer um parênteses para dizer que eu, particularmente, acreditomuito na solução, ou pelo menos na possibilidade de paralisar essa situaçãocontínua de loteamentos irregulares e clandestinos, se existirem lotes em queaquele necessitado – vamos chamá-lo assim – que vai parar no loteamentoclandestino ou irregular tiver condições de comprar. Digo isso com toda a con-vicção, porque trabalho com loteamento desde os 19 anos. Portanto, há 50anos estou na área de loteamentos, há 15 anos estou como assessor no Secovi,mas trabalhei diretamente ali distribuindo folhetos, vendo a empregada do-méstica comprar seu lote e construir sua casa, com dificuldades, mas podendofazê-lo. Nos anos de 1950 a 1970, o comprador de menor poder aquisitivo,digamos assim, podia comprar seu lote, porque as exigências de infra-estrutu-ra eram mais reduzidas, e ele não se importava de andar dois quilômetros parapegar um ônibus, nem de esperar a energia elétrica chegar ou às vezes ter defurar um poço por não haver ali rede de água. Não vejo aqui, infelizmente,muita gente com mais de 50 anos, mas os que tiverem podem comprovar que

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naquela época não podíamos contar com infra-estrutura completa para com-prar um imóvel. Se houver alguém aqui com essa idade, esse alguém sabecomo era sua casa ou a de seus pais, ou o lugar que morava, em termos deinfra-estrutura.

Vou contar rapidamente o meu caso. Nasci no Itaim Bibi, em São Pau-lo, que hoje é o bairro mais caro da minha cidade. O lote no qual meu avôem 1932 construiu uma casa para a nossa família tinha apenas cinco metrosde frente por 33 de fundo. Não havia água encanada, nem esgoto, nemiluminação pública, mas tínhamos de morar em algum lugar, e moramos lá.Os melhoramentos foram chegando à medida que a cidade foi progredindo,e quando saímos daquele lugar onde nasci já estava presente toda essainfra-estrutura.

Não quero dizer com isso que se deva fazer o parcelamento do solo seminfra-estrutura, mas lembro que ao se exigir uma infra-estrutura completa,como a exigida pela Lei no 9.785/1999 – bem, ela não exigiu, mas definiu, ecriou uma séria confusão –, inviabilizou-se o loteamento legal para o pobre.Se não houver financiamento de longo prazo pelo Poder Público, para que aprestação fique do tamanho que esse comprador de baixa renda possa pagar,não vai haver jeito. Não adianta colocar na lei porque não vai haver lotes; vãocontinuar os loteamentos clandestinos e irregulares. E isso nenhum de nósdeseja, mas temos de atentar para essa realidade, e num trabalho intenso,com bastante dedicação de todos os envolvidos na atividade, precisamos en-contrar uma solução.

Quero deixar, para a reflexão dos participantes desta audiência, três ques-tões: primeiro, como evitar a continuidade dos parcelamentos clandestinos eirregulares? Não acredito na fiscalização. Segundo, como penalizar o invasor eos que vendem ou alugam barracos em favelas, e até entre espaços comuns deconjuntos habitacionais construídos pelo Poder Público? No último domingo, ojornal Folha de S.Paulo publicou matéria em que se comenta o fato de aspessoas do Cingapura construírem em espaços destinados a garagens. O de-tentor da garagem aluga ou vende aquele espaço para que seja construído umbarraco entre os prédios mesmo. Vejam a que ponto chegam as coisas! Há umesforço tremendo, às vezes do Poder Público, para resolver o problema, e asituação não se resolve.

Acredito que se tivermos uma oferta de lotes a prestações possíveis deserem pagas pelo comprador de baixa renda tudo se resolverá. E isso já foipossível.

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Nos anos 60 e 70 em São Paulo existiam poucas favelas, mas de margi-nais. Hoje as favelas são de marginalizados. Portanto, completo com a últimasugestão: como incentivar os empreendedores de loteamentos a produzir lotespara a população de baixa renda?

Pela forma como hoje a maioria das prefeituras atua, há total desestímulopara a distribuição de lotes para famílias de baixa renda, porque não há condi-ções de produzir loteamento para essas famílias com infra-estrutura completa.É claro que é isso que desejamos todos nós, mas será possível? Vamos analisara realidade. Se arrumarmos uma forma de financiar o comprador final ou oprodutor para a implantação da infra-estrutura, pode ser que obtenhamos re-sultados de produção em larga escala, que venham realmente a ajudar-nos naredução do déficit habitacional, tão pretendida por todos nós.

Estou à disposição de todos, assim como também as nossas entidades,que hoje mantêm um comitê em São Paulo, reunindo a Associação dosLoteadores do Estado, o Sinduscom e o Secovi, para analisar todas as dificul-dades do setor, orientar seus associados no cumprimento das obrigaçõeslegais e promover a interação com o Poder Público, com a finalidade de pro-duzir lotes, atendendo às exigências legais, às necessidades e aos interessesdo Poder Público, dos empreendedores de loteamentos e dos adquirentes delotes. Esse comitê mantém contato permanente com a Comissão da IndústriaImobiliária, a qual também se coloca à disposição do setor, do Sr. DeputadoDr. Evilásio e da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior para aquiloque pudermos ajudar.

Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigado, Sr.Vicente. Com certeza essas perguntas que nos deixou são as que nos fazemosconstantemente, tentando encontrar uma solução.

Como último orador da Mesa, concedo a palavra ao Sr. Ary José de Lima,da Associação de Notários e Registradores do Brasil.

O SR. ARY JOSÉ DE LIMA – Agradeço ao pessoal da Mesa, ao Depu-tado Dr. Evilásio e a todos os presentes o convite. Pedi para falar em últimolugar porque o registro imobiliário é o finalizador de tudo que se discute nomomento.

Temos dito ao Sr. Edésio, do Ministério das Cidades, que também enfren-tamos terríveis problemas, cuja solução também passa por aqui. São 26 esta-dos, um Distrito Federal e mais de cinco mil comarcas. Temos todo esse aparatodo Judiciário sobre nossas cabeças. Muitas vezes o que é decidido nas capitais,

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pelas Corregedorias-Gerais de Justiça, é diferente do entendimento do juiz daComarca onde será registrado o empreendimento; ele decide o contrário.

Quando a Lei no 6.766/1979 entrou em vigor, nos primeiros cinco anos aCorregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo ocupou-se exclusiva-mente de decidir questões em relação a ela. Estive lendo o art. 18 dessa lei,que enumera os documentos que devem ser levados ao Cartório de Registro deImóveis para registro de um loteamento. No caso das áreas invadidas, as quaiso Poder Público quer regularizar, a lei não pode continuar como está. A prefei-tura vai regularizar alguma coisa? Pretende exercer essa atividade? Se a áreaé pública, não é necessário provar que ela tem idoneidade, que não há impostoem atraso, que o cronograma de obras está em dia. Vejam bem, é precisohaver simplificação. Nós, dos cartórios, entendemos que isso pode ser feito edisso já demos prova. Firmamos um convênio em Gravataí, no Estado do RioGrande do Sul, pelo qual o oficial do cartório de imóveis abre mão de receberqualquer valor pela regularização de propriedades da Prefeitura a serem re-passadas a terceiros, inclusive pelo primeiro registro de transmissão dapropriedade. Queremos que isso vire uma regra nacional. Poderá constar da leique o primeiro registro será gratuito. E não só a regularização, mas o primeiroregistro.

Apresentamos essa sugestão porque entendemos que se não fazem partedo cadastro de registro de imóveis, esses imóveis estão fora do mercado imobi-liário. Assim, queremos incluí-los no cadastro, para que as pessoas deixem defazer negócios marginalizados, para que a informalidade deixe de existir.

Propomos ainda a simplificação dos procedimentos e dos documentosproduzidos a serem levados aos cartórios. Propomos que documentos antigoscelebrados, como recibo de sinal, princípio de pagamento e contrato, desdeque neles estejam identificados quem vendeu e quem comprou, possam serobjeto de registro. É preciso ainda que municípios, estados e União abram mãode alguma importância que tenham a receber, como, por exemplo, na regulari-zação da casa, o pagamento do INSS da construção; na expedição do “habite-se” pela prefeitura, o ITBI devido ao município. Todo mundo tem de participardessa corrente de regularização fundiária no Brasil e abdicar de suas receitas.

A Anoreg do Brasil propõe que o processo de registro seja muito simplifi-cado. Hoje, quando chega um loteamento ao cartório, o oficial tem de verificaros documentos e exigir toda a documentação constante no art. 18: cronogramade obras, garantias dadas; tem de examinar a documentação, expedir e publi-car o edital na imprensa e esperar decorrerem 15 dias, aguardando eventualimpugnação, para depois fazer o registro. Em São Paulo, temos o Grapohab,

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órgão ao qual a Anoreg pediu não um assento com decisão de voto, mas apossibilidade de participar dele para que, enquanto estiverem sendo feitas asverificações necessárias, o oficial do cartório de registro de imóveis examine adocumentação. Isso evitaria que depois de percorrida toda essa via, depois detodo o tempo despendido, o cartório tenha de dizer o seguinte: infelizmente,seu empreendimento não pode ser registrado porque a descrição do seu imó-vel na planta não é a constante no registro de imóveis; há um descompasso;porém, ainda não temos assento no Grapohab. Acho que, segundo a lei que vaiser feita, por suas alterações, no ato de entrada dos documentos na prefeitura,o oficial do cartório de registro de imóveis competente deve ser cientificado, edevem ser-lhe encaminhados o título de propriedade e o projeto que está sen-do apresentado para que ele possa pelo menos olhar a coincidência de descri-ção e a eventual titularidade. Com isso, já evitaríamos uma grande proliferaçãode loteamentos irregulares.

Os contratos também têm de ser simplificados. Acho que as restriçõesurbanísticas têm de constar dos documentos das prefeituras e devem serlançadas na matrícula do imóvel. Assim, toda pessoa que vá comprar ou exami-nar a documentação teria condições de saber quais as restrições urbanísticasque pesam sobre aquele empreendimento. Os procedimentos e a documenta-ção têm de ser bem simplificados. Nos casos de regularização por parte dasprefeituras, acho que deveriam ser apresentadas simplesmente a planta devi-damente aprovada, as licenças ambientais, se houver, a descrição que a prefei-tura fornecer das ruas e dos lotes, e só. O cartório vai abrir a matrícula doimóvel, se já não estiver aberta; por averbação, poderá dizer sobre a regulari-zação do empreendimento, e, se for do seu interesse e houver condições, abrira matrícula de cada lote, deixando-a pronta para receber o primeiro registro.Caso a prefeitura seja mais diligente, quando encaminhar a regularização parao cartório, encaminhará também a relação dos beneficiários daquela regulari-zação e o seu contrato, de forma que se possa fazer o registro do empreendi-mento e a transferência para o particular.

Tudo isso, como já dissemos, seria feito a custo zero. Todos precisamfazer essa renúncia, e o registrador imobiliário já está disposto a isso. Já foiconversado e decidido: estamos dispostos a fazer essa renúncia.

Em Gravataí, a prefeitura fez um instrumento particular baseado no dis-positivo do Código porque a transação não atingiu 30 salários mínimos. Ela játransferiu o domínio para o ocupante. Esperamos que as demais prefeiturassigam esse modelo. Não há necessidade de reconhecimento de firma. Bastaque a pessoa encarregada pelo prefeito faça os contratos, identifique as par-

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tes, descreva o lote e envie tudo isso ao cartório para ser registrado. As pre-feituras podem, inclusive, manter um controle desses lotes. Elas podem deter-minar por qual prazo a pessoa terá de ocupar o lote para, depois, dispor dele,a fim de não incentivar o comércio imediato.

Também propusemos que, ao se fazer a regularização fundiária, se façatambém a regularização da vida civil das pessoas. Estamos dispostos a fazerregistro de nascimento e de casamento de graça.

Obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Muito obrigadapela contribuição, Sr. Ary.

Agradeço aos membros da Mesa pelo cumprimento do horário. Ninguémusou os 20 minutos de que dispunha. Tem a palavra o Deputado Dr. Evilásio.

O SR. DEPUTADO DR. EVILÁSIO – Sra Presidente, minhas breves pala-vras são de agradecimento.

No plenário em frente estão solicitando minha presença para votar o rela-tório final de uma CPI da qual sou membro, representando meu partido. NestaCasa, temos de fazer muitas coisas ao mesmo tempo; às vezes temos de co-brar o escanteio e correr para cabecear, e é isso o que preciso fazer agora.Assim, peço escusas aos debatedores presentes, que prestigiam esta audiên-cia pública. Estamos gravando todas as manifestações e, com certeza, acolhe-remos as contribuições apresentadas no debate que ocorrerá agora.

Enfatizo que a feitura desse projeto deve se dar com muito critério, commuita responsabilidade e a muitas mãos. Quero dizer à companheira do Cearahque temos, nesta Comissão, a pretensão de descentralizar ainda mais essadiscussão e, se possível, levá-la a todos os estados, aumentando a oportunida-de de manifestação e contribuição para a proposta final deste relatório.

Foi defendida aqui por vários expositores, principalmente nas outras au-diências, a idéia de se dar o máximo possível de atribuições às administraçõesmunicipais. Peço apenas que se faça uma reflexão a respeito porque hoje, emmuitos municípios, a única lei que regulamenta, que disciplina o uso e a ocupa-ção do solo é essa lei federal. Muitos municípios não têm nenhum instrumentoinstitucional ou legal para esse procedimento.

Como sabemos que nessa rede informal de colaboradores temos agentespolíticos em grande quantidade – e atribuo até as maiores responsabilidades aeles, sejam vereadores, prefeitos ou deputados, temo dar-lhes atribuições semdar maior responsabilidade. Por isso endosso aqui a sugestão da representante

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do Ministério Público no sentido de que, da mesma forma que temos a Lei deResponsabilidade Fiscal, é preciso que haja uma lei de responsabilidade territorial.Na falta dela, temos de buscar no Código Civil ou no Código Penal artigos quevenham a apenar esses agentes públicos, que não têm o direito de promoveressas aberrações, essa desorganização que aconteceu em todo o País, a qualestamos agora tentando resolver.

Quero também dizer aos expositores e debatedores que esta audiênciapública está sendo pontual, pois estamos discutindo apenas a regularizaçãofundiária de assentamentos informais, mas quero deixar claro que a páginadesta Comissão na internet, bem como o meu gabinete, estão à disposição detodos os que queiram opinar a respeito de outros capítulos do relatório.

Registro, mais uma vez, a colaboração prestada pelos senhores para aelaboração de uma grande lei. Que realmente ela seja de interesse nacional.

Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Muito obrigada,Deputado Dr. Evilásio. Pensei que V. Exa fosse, usando uma expressão popular,dizer que aqui nesta Casa temos de assobiar e chupar cana ao mesmo tempo,mas V. Exa usou outra expressão. Entendemos a saída antecipada de V. Exa.

Há dois oradores inscritos. Proponho encerrarmos nossa audiência às16h30min, no máximo, mas vamos trabalhar com flexibilidade. Avisaremos oorador quando já tiver usado os três minutos.

Tem a palavra a Sra Patrícia Gazzola, da Prefeitura Municipal de Vitória.

A SRA. PATRÍCIA GAZZOLA – Realmente gostaria que houvesse flexibi-lidade no horário, porque tenho sete questões a levantar, mas vou tentar ser omais breve possível.

Dr. Ary, o senhor defende que, quando há descompasso entre a descriçãodo imóvel e o que é apresentado na planta, se dê uma interpretação maiselástica ao art. 53 da Lei no 6.766/1979, que diz que é vedado fazer exigênciasvisando prevenir questões de domínio, e que estas presumir-se-ão assegura-das pelo Poder Público respectivo. Ou seja, no caso de descompasso, a leiautorizaria o cartório a registrar e eventuais problemas de domínio seriamcobrados do município como desapropriação indireta. Isso ajuda bastante noprocesso de regularização fundiária.

Em relação ao que disse o Sr. Vicente Amadei, peço escusas mas nãoconcordo com a tese por ele levantada, pois antigamente o custo de vida eramais baixo, comida não pesava no orçamento de ninguém, portanto as pessoas

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tinham mesmo mais capacidade de compra e por isso tinham mais condiçõesde acesso à moradia. Estamos tratando de uma garantia constitucional, que é oacesso à moradia digna. Quanto à solução, ela já existe, para nossa alegria, eo Sul a está usando: trata-se do urbanizador social. Então, existem mecanis-mos utilizando instrumentos jurídicos para viabilizar acesso a lotes e moradiasubsidiada dentro de programas públicos.

Conforme apresentado pela Dra Rosângela, acho bastante interessante aquestão da penalidade, mas não adianta apenas a lei; precisamos da ação doMinistério Público. Quantas pessoas conhecemos que foram punidas por crimescontra a administração? A Lei no 6.766/1979, já prevê o crime, mas não vemosninguém ser preso ou punido por isso. Então, precisamos pensar na ação, atépelo próprio Judiciário, pelo Ministério Público.

Com relação ao que destacou Evangelina sobre o Projeto Cingapura, te-nho batido muito na tecla de que o conceito de regularização fundiária nãopode ser apenas um conceito de regularização urbana. Sem se fazer promoçãohumana não há sustentabilidade. Então, que nesse conceito que se está elabo-rando da regularização fundiária é preciso que a inclusão social não seja ummero apêndice, mas que a ela seja dada a ênfase principal. Sem promoçãohumana não há condições de existir promoção urbana sustentável.

Sobre a faixa non aedificandi dos cursos d’água, parece que há uma reso-lução do Conama permitindo dispensar. Assim, penso que vale a pena conver-sar com o pessoal do Ministério do Meio Ambiente para que se crie uma normacompatível com o que está ocorrendo lá.

A regularização técnica independente da regularização de título me preocupaum pouco. Entendi que a intenção é queimar etapas, mas como há pessoas epessoas, algumas podem se esquecer do fundamental, que é a segurança jurídica.Então, sugiro se pensar o assunto com mais cuidado, porque o principal objetivo daregularização fundiária, além da inclusão social, é a segurança jurídica.

Com relação àquela idéia do cancelamento do registro após 20 anos, o Dr.Ari sugeriu cinco e eu sugiro 10 anos – e vou dizer por quê. Falam em 20 anosreferindo-se aos 20 anos da ação de usucapião extraordinária do antigo CódigoCivil. Para quem não é advogado, explico que a ação de usucapião extraordiná-ria ocorre quando se adquire a propriedade mesmo que não se tenha agido deboa-fé e nem com justo título. Pelo novo Código Civil, se for para fins de mora-dia, é possível adquirir com 10 anos. Por isso proponho que, em vez de 20anos, que era o prazo anterior, que fiquemos com 10 anos, que é o prazo daação de usucapião extraordinária para fins de moradia.

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Era o que tinha a dizer.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Patrícia.

Registro a presença do Deputado Pastor Frankembergen.

Tem a palavra o Sr. Gilberto Valverde, Assessor do Deputado Durval Orlato.

O SR. GILBERTO VALVERDE – Boa-tarde. Quero apenas apresentar al-gumas constatações e fazer uma proposta.

Sou engenheiro civil há 23 anos, e há 30 ouço falar em déficit habitacional.No nosso entender, o problema só será sanado se houver subsídios para os quetêm renda de até cinco salários mínimos, seja em forma de terra, seja emdinheiro. O uso de áreas públicas para parcelamento e construção é o que seusa hoje no PSH.

Existe na lei a autorização para que o primeiro registro seja gratuito nocaso de quem usa verbas do Fundo de Garantia. É preciso a interpretação dojuiz, mas isso já conseguimos, está na lei.

Na cidade onde resido, fizemos um levantamento e constatamos que há325 loteamentos clandestinos, sendo que alguns são do próprio prefeito. Aciona-mos o Ministério Público e este embargou todos os loteamentos, inclusive os doprefeito. A doutora mencionou a possibilidade de acordo de permuta, ou seja, sehá alguma ilegalidade no parcelamento do solo, que se dê uma contrapartida emalguma outra área de preservação. Foram feitos acordos na Justiça, mas enten-demos que, embora previstos em lei, eles incentivam o mau loteador.

Dos 325 loteamentos irregulares que constatamos em nosso município,percebemos que a maioria deles pertence a pessoas de posses, que têm co-nhecimento das leis e até das suas fragilidades. Elas sabem como acertar tudodepois. Constatamos também que há grande conivência do Poder Público, oque é inaceitável. Questionamos o Crea, questionamos as associações de en-genheiros e arquitetos, pois ninguém vê a construção de condomínios comcasas de 300, 500 metros quadrados.

Em contato com o Ministério Público, propusemos que se criasse umDisque-Denúncia e que esse órgão pedisse informações às prefeituras a fim delevantar quem são os profissionais responsáveis, quem está vendendo os lotese, assim, fazer uma fiscalização com responsabilidade mútua, ou seja, quetanto o loteador como o fiscalizador sejam punidos. Se um é conivente com ooutro, os dois, no nosso entender, estão fraudando a lei: um finge que não vê,o outro finge que cumpre a lei. Então, que haja punição para a prefeitura, poisela tem organismos de combate; que haja punição para os corretores, porque

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eles vendem os lotes irregulares, clandestinos, e também que haja puniçãopara o Crea, que não fiscaliza.

Portanto, proponho que nessa lei consigamos contemplar penalidade paratodos e não só para o loteador. Pode ser imputada a ele a pena maior, mas épreciso que se puna também o fiscalizador.

Eram estas as minhas considerações.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Muito obrigada,Sr. Gilberto.

Tem a palavra a Sra Gina Rende, da Prefeitura de Belo Horizonte.

A SRA. GINA RENDE – Boa-tarde. Vou tentar apresentar algumas preo-cupações do grupo que tem trabalhado, em Belo Horizonte, com essas ques-tões. Não sou especialista na área, portanto, se falar bobagens, desculpem-me.Não sou advogada, sou arquiteta.

Em Belo Horizonte, a primeira das grandes preocupações refere-se à ques-tão das águas correntes e dormentes, já mencionada aqui. Belo Horizonte foitoda construída sobre fundos de vales. Todos os nossos fundos de vales foramocupados por avenidas. Hoje estamos desenvolvendo um projeto, o Drenurbs,que inverte essa lógica, mas resultará num trabalho muito grande para a Pre-feitura, pois esta terá de retirar famílias que estão em situação de risco pararecuperar essas áreas.

Algumas áreas da cidade não estão nesse contexto de risco, são áreasregulares, mas por causa da especulação foram deixadas manchas ao longo dacidade para que elas fossem desmembradas – não nos referimos a loteamentos,mas a desmembramentos. A faixa non aedificandi é uma questão complicada,porque se trata praticamente da desapropriação do espaço do proprietário,uma vez que a área não é tão grande assim. Outra questão é que vários córregosjá são canalizados em Belo Horizonte, às vezes a céu aberto. O que fazer comisso? Para córregos canalizados, a condição de águas correntes e dormentesdeveria valer ou não?

Outro ponto que nos preocupa é a caducidade da aprovação do loteamento,incluída em 1999. Eles não concordam com a caducidade. Por quê? A lei permi-te a venda de lotes tão logo eles sejam registrados, e muitas vezes o tempo decaducidade é maior. Depois de já ter ocorrido a venda, caducará a aprovação?Para quê? Na verdade, acham melhor encontrarmos uma forma de executarefetivamente a caução. De alguma forma, a caução já é o instrumento de queas prefeituras dispõem para viabilizar a execução do loteamento. Com a cadu-

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cidade, na verdade, se está prejudicando as pessoas que compraram confian-do no registro apresentado.

O art. 19 fala no registro do loteamento, mas não prevê nada em relação aodesmembramento de lotes. Belo Horizonte preocupa-se muito com odesmembramento de lotes, porque loteamento praticamente não existe mais. Comoo município é muito pequeno, estamos apenas desmembrando. Está previsto nes-se artigo que o oficial de registros tem de comunicar à prefeitura os registros, masatualmente nenhum cartório em Belo Horizonte faz comunicação alguma; nós sótemos conhecimento se foi ou não registrado por acaso. A proposta é que semultem os cartórios que não comunicarem os registros às prefeituras.

Outro aspecto diz respeito ao art. 50, que tipifica como crime contra aadministração pública a negociação, a qualquer título, de lotes caucionados.Parece-me que já existe certa penalidade, mas dizem que é apenas adminis-trativa, portanto não se considera como crime e, na maioria das vezes, quandoa prefeitura procura regularizar os loteamentos com base nos lotes cauciona-dos, esses lotes já estão vendidos. Não sei se é possível, mas propomos quehaja uma ação criminal, não apenas administrativa.

No que respeita ao cartório de registro de imóveis, Belo Horizonte, comoa maioria das cidades brasileiras, vive o grande drama da diferença entre oreal e o que está efetivamente registrado. Propusemos aplicar, no caso de BeloHorizonte, uma tolerância de 5%, para mais ou para menos, no registro, queseja aceito como registro. Os cartórios estavam aceitando, mas hoje não acei-tam mais. Deveria haver essa flexibilização e se deveria verificar o que fazercom as áreas que não estão registradas em lugar algum. Há muito espaço que,na verdade, corresponde a parte de lote no meio do quarteirão, a pedaço deárea no meio do quarteirão. É preciso definir a compatibilização entre a cidadereal e a cartorária.

Muito obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – O fato é que asfrações de área estão soltas, isso quando não vem alguém e as agrega aopróprio lote. Belo Horizonte não tem mais loteamentos, mas a Região Metropo-litana continua herdando a população que provém da capital.

Concedo a palavra ao Sr. Walney Cunha, de Goiânia.

O SR. WALNEY CUNHA – Boa-tarde a todos. Eu sou Coordenador doPrograma Morar Bem, movimento de moradia em Goiânia, e pertenço ao De-partamento de Habitação da Confederação Nacional de Associações de Mora-dores – CONAM.

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Gostaria muito de ter antecipado a minha participação neste debate. Emrazão das conferências de que participamos, não conseguimos fazê-lo, masjunto-me a todos agora. Aproveito a oportunidade para solicitar uma cópia dosubstitutivo para avaliar melhor o que foi mencionado.

Com base no que foi discutido, na condição de representante do movi-mento social, precisamos discutir alguns pontos que não podem passar desper-cebidos, como a penalidade que deve ser aplicada ao loteador, ao produtor deunidades irregulares. Trata-se de uma questão problemática, que precisa sermuito bem detalhada.

Em São Paulo, há exemplos da boa prática do Ministério Público, quetrabalha na defesa do cidadão, sabe vislumbrar muito bem o comportamentodo mau loteador e do loteador que tem de produzir lotes porque não dispõe deoutra saída – se essa tarefa for deixada a cargo apenas do mercado imobiliário,este, com certeza, cobrará a sua parte, o seu lucro, e, sem dúvida, impossibi-litará a família carente de ter acesso ao lote. Em outras cidades, o MinistérioPúblico não mostra essa sensibilidade, pois trabalha, muitas vezes, em prol dopróprio mercado imobiliário.

Em Goiás, tanto o Governo do Estado quanto as prefeituras têm tidodificuldade de produzir unidades para famílias de baixa renda. Por exemplo,nos últimos cinco anos, na capital não se produziu nenhuma unidadehabitacional. Os movimentos sociais o têm feito de forma irregular, pois nãotêm tido amparo nem da prefeitura nem do Governo do Estado, além deserem criminalizados.

Não podemos deixar passar essa preocupação. Se realmente há pessoasque o fazem de forma irregular, para ganhar dinheiro, e que não se enquadramna lei, com certeza elas têm de ser penalizadas. Contudo, por envolver famíliasde baixa renda e movimentos sociais, a questão tem de ser muito bem discuti-da. Não é possível o Ministério Público, a prefeitura ou o Governo do Estadocriminalizarem o movimento social por estar produzindo unidades habitacionaisfora do mercado imobiliário, fazendo “concorrência” – entre aspas – ao negóciodeles. Temos de discutir muito bem isso, porque são justamente as ações queo mercado imobiliário produz que dificultam o acesso ao lote, porque o preço éo do lote urbanizado.

Precisamos pensar também, quando da reformulação da Lei no 6.766/1979, na inserção do banco de lotes. Essa discussão está aqui inserida, e ela jávem de muito tempo. Temos de levantar essa discussão. O mercado imobiliá-rio, com certeza, arrepia-se diante da idéia do banco de lotes, mas precisamos

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discuti-la, porque, sem esse banco, as prefeituras não têm a mínima condiçãode produzir a regularização fundiária ou retirar famílias de áreas de risco.

Quanto ao papel do Ministério Público em Goiás, temos a Promotoria deUrbanismo, que ultimamente tem-se preocupado mais em criminalizar do queem discutir os problemas da cidade como um todo. Quando ela ouve falar quealguém está fazendo algo errado, reprime; contudo, quando não houve falar,tudo fica bem, tudo fica beleza. Ela não produz debate com a cidade, tem tidouma atuação muito amena. O Ministério Público de Goiás, realmente, tem dadoum exemplo de falta de produção, de trabalho em defesa do cidadão.

Quanto ao usucapião coletivo, precisamos trabalhar essa questão paraqualificá-la. Em Goiás, temos tentado qualificar os movimentos sociais para queeles mesmos possam pleitear o usucapião coletivo, mas há uma grande dificul-dade porque eles ainda não sabem que, em grande parte, têm o direito depedir a regularização fundiária. Temos tentado promover isso em Goiás.

O último ponto são os condomínios horizontais fechados. Precisamoscriar mecanismos para coibir a segregação do espaço dentro da cidade.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Esse foi o temada audiência passada, e é objeto da lei para a qual o Deputado Dr. Evilásio estárecebendo sugestões. O Deputado Dr. Evilásio e a Comissão estão preocupadoscom a questão do condomínio fechado. Muito obrigado, Sr. Walney.

Passo a palavra para a última oradora inscrita, a Sra Diana Meireles, do Ipea.

A SRA. DIANA MEIRELES – Considerando os depoimentos que ouvi hoje,terei de comentar os feitos na audiência anterior no que diz respeito a umaquestão de fundo, quem sabe uma questão estrutural dentro da nossa urbani-zação.

Na verdade, a Lei no 6.766/1979, atende apenas a 20% das famílias bra-sileiras; estamos deixando de fora cerca de 80% delas. Essa é uma preocupa-ção imensa. No meu entendimento, isso leva a Comissão a um importantedesafio: O que fazer e que parâmetros adotar para atender às demais famílias?Nesse sentido, eu gostaria de levantar alguns pontos, que podem servir comorecomendação para a pauta das próximas reuniões da equipe que vai trabalharna revisão da legislação, especialmente da Lei no 6.766/1979.

O primeiro ponto seria: Como combinar a capacidade de pagamento doscidadãos brasileiros e a urbanização legal? Esse é um grande desafio. Todos osobservadores somos convergentes quanto a isso, imbuídos no esforço de superaresse fenômeno que hoje é padrão da nossa urbanização, conforme pudemos veri-ficar em todas as palestras, especialmente na do nosso colega Edésio Fernandes.

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O segundo ponto seria: Como incentivar o empreendedor na produção delotes para baixa renda? Essa pergunta também foi feita pelo Dr. Vicente Amadei,pelo próprio Edésio e por outros colegas. De fato, trata-se de uma perguntaque deve perseguir a revisão da legislação.

Há outra pergunta que considero importante, até para enriquecermos oentendimento de como isso está ocorrendo hoje: Quem, de fato, está ofertandoterra e habitação para a população de baixa renda no Brasil?

O Ipea tem pesquisas recentes. A última, feita em três metrópoles, foisobre o mercado de terras, especialmente sobre terras para habitação, formalou informal. São impressionantes os dados que observamos em termos deprodução de terra informal.

Concluindo, gostaria de registrar que, de fato, essa revisão deve ter comoreferencial a revisão dos parâmetros e dos padrões urbanísticos em vigor apartir da Lei no 6.766/1979, de forma a permitir a produção de lotes. Nessesentido, o princípio da progressividade tem sido adotado com relativo sucessoem alguns municípios que têm tentado superar a questão da favelização e daprodução de loteamentos clandestinos. Trata-se de entender o processo deurbanização como um processo progressivo, como foi dito em alguns depoi-mentos. Podem dar exemplo disso muitas prefeituras, como a de São Paulo.

No Brasil, muitas iniciativas tentam superar o tamanho desse problemaque, de fato, nos afeta profundamente. Temos tentado estudar algumas carac-terísticas da urbanização brasileira, e este é o grande dilema: Como produzirterra e habitação para a população de baixa renda, que está até hoje sendoatendida pela informalidade?

Era só isso o que eu tinha a dizer.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Sra

Diana Meireles.

Passo a palavra ao Dr. Ary José de Lima.

O SR. ARY JOSÉ DE LIMA – Quero falar apenas sobre alguns pontos. Oregistro imobiliário trabalha com segurança jurídica. Portanto, há certos proce-dimentos de que o cartório não abdica. Se deles abdicar, não haverá razão deexistir o cartório. Logo, esse descompasso entre o que está na planta doloteamento e o que está no registro imobiliário tem de ser consertado. Pode-se, para tanto, procurar um mecanismo de abrandamento para atingir esseobjetivo. Por exemplo, uma retificação de área no Estado de São Paulo hoje édemorada e cara, mas existem outros procedimentos.

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Naquele Estado já existe uma decisão que prevê o seguinte: na regulari-zação de loteamento feito pela prefeitura, havendo descompasso entre a des-crição do imóvel e aquilo que está na planta e no registro imobiliário, dentro dopróprio processo de regularização, pode-se propor a retificação. Pára o pro-cesso de regularização, faz-se a retificação dentro do próprio processo, apura-se, averba-se e segue-se com a regularização.

O cartório de registro de imóveis abre mão do seu ganho na regulariza-ção, no primeiro registro, porque tem de abrir mesmo, mas ele não pode abrirmão da sua essência, que é a segurança jurídica, senão não haveria razão deexistir o cartório. O que podemos buscar é um abrandamento disso, uma formamenos demorada, menos cara. Se a prefeitura testou aquela descrição de imó-vel, para que fazer uma perícia, para que indicar um perito? A prefeitura temaquilo no seu cadastro, não há necessidade de haver outros gastos. Se osconfrontantes estão identificados e aquiesceram no pedido de retificação, paraque citação?

Há um projeto de lei tramitando aqui no Congresso Nacional propondoque essa retificação poderia ser feita no âmbito do registro mobiliário. Por quê?Se levássemos para dentro do registro mobiliário todas as informações de con-cordância dos confrontantes e uma certidão da prefeitura comprovando aqueladescrição, para que fazer perícia, para que importunar o Judiciário? Isso pode-ria ser feito dentro do próprio cartório, que inclusive poderia fornecer aosconfrontantes seus títulos de propriedade. E nunca podemos perder de vista ofato de que a retificação do imóvel é uma via de duas mãos: retifica-se o imóveldo proprietário e também reconhece-se a divisa do imóvel de seu confrontante.

Então, em nome da segurança jurídica que o cartório tem de exercer, faze-mos esse pedido. Essa segurança pode ser abrandada, mas não dispensada.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Muito obrigada,Sr. Ary José de Lima.

Passo a palavra ao Sr. Vicente Amadei, Diretor do Secovi.

O SR. VICENTE AMADEI – Quero complementar a informação dada peloSr. Ary José. O Projeto de Lei a que ele se refere é o de no 4.608, de 1998. Talprojeto, realmente, facilitará muito a retificação de área, pois ela poderá serfeita administrativamente em determinadas condições, responsabilizando oprofissional que fez o levantamento, tendo os confrontantes assinado o acordocom as suas divisas e uns parâmetros que incriminam até quem fizer algumafalsidade ideológica, seja o profissional, seja o proprietário do terreno. Estamosapoiando esse projeto para ver se conseguimos facilitar o processo. Às vezes,

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por pouca coisa, a retificação judicial de áreas demora muito e encarece de-mais a produção, complicando a situação de todo mundo.

Registro que não sou especialista em regularização fundiária; costumodizer que sou clínico geral do parcelamento do solo. Trabalho nisso há 50 anos,e, quando se precisa de um especialista, eu indico.

Como disse, acho que realmente temos muito a conversar. Concordo como Deputado quando diz que temos de regionalizar a discussão, ampliando-a.Essa matéria precisa mesmo ser bastante discutida. Eu mesmo fiz muitas ob-servações no corpo da lei, além daquelas já mencionadas, e precisaria ter aoportunidade de conversar para mostrar as dificuldades que estão sendo cria-das, inclusive para o comprador do lote. Temos de revisar essa lei para esgotartodas as possibilidades de falta de clareza, de omissões, de dificuldades quesentimos nesses 20 anos.

Em São Paulo, logo depois que a Lei no 6.766/1979, entrou em vigor, se oDr. Gilberto Valente, Juiz da Vara de Registros Públicos, não tivesse atendidonão reivindicações, mas pedidos de esclarecimentos do setor imobiliário, tería-mos paralisado o processo de cara. Foram 18 reivindicações que acabaram setransformando em provimento, e pudemos trabalhar logo que a lei entrou emvigor.

Portanto, temos de nos unir e discutir todas as situações dessa lei paradarmos uma solução viável para os empreendimentos, para o Poder Público epara os compradores finais. Liquidar a coisa de vez, não vejo como; mas pode-mos reduzir bastante as dificuldades futuras, essas brigas entre o MinistérioPúblico e os empreendedores. Se trabalharmos bastante, e bem, resolveremosessas situações conflitantes, que, afinal de contas, não interessam a ninguém.

Agradeço a oportunidade que nos foi dada de participar e dizer que estamosà disposição para discutir qualquer assunto referente à Lei no 6.766/1979, nãoexclusivamente os debatidos hoje.

Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Nós é que agra-decemos, Sr. Vicente Amadei. V. Sa poderia encaminhar suas sugestões, oumarcar uma conversa, uma audiência com o Deputado Dr. Evilásio paraapresentá-las. S. Exa estará aberto para discutir, para receber contribuições.

Passo a palavra à Sra Olinda Marques, representante do Centro de Estu-dos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos.

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A SRA. OLINDA MARQUES – Reafirmo o desejo de tentar, na medida dopossível, massificar essa discussão, sensibilizar outros segmentos organiza-dos, no sentido de levarmos em frente nossa pauta. Registro ainda que, se háo desejo coletivo de aliviar as desigualdades sociais, principalmente do pontode vista urbano e territorial, ou seja, promovendo o acesso à regularizaçãofundiária, aos mecanismos de posse, à urbanização de áreas irregulares habi-tadas por milhares de famílias brasileiras nas cidades, acredito ser esse o ca-minho correto.

Nesse sentido, este debate é bastante favorável para tentarmos construircoletivamente essa proposta de unificação da lei, mas, como mencionado, te-mos de saber primeiro que cidade queremos construir. Temos de combater aexclusão para darmos um salto qualitativo no cenário nacional de tantas cons-truções, principalmente do ponto de vista da legislação urbana, com o adventodo Estatuto das Cidades.

Para concluir, reafirmo que o argumento de que essa lei ajuda, em algunscasos, a ilegalidade não deveria mais ser debatido entre nós. Temos a oportu-nidade de avançar com essa proposta de lei. Acho que ela é bastante favorável.Repito: este é o momento de darmos um passo à frente no sentido de tentarsolucionar, ao menos minimamente, os problemas das cidades brasileiras.

Muito obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Sra

Olinda Marques.

Passo a palavra à Sra Rosângela Staurenghi, representante do MinistérioPúblico de São Paulo.

A SRA. ROSÂNGELA STAURENGHI – Mais uma vez, agradeço pela opor-tunidade.

Gostaria de alertar para o seguinte: precisamos tomar um pouquinho decuidado quando propomos uma alteração de lei. Como vários aqui comenta-ram, depois que uma lei entra em vigor, ela leva mais ou menos 10 anos paraser aplicada a pleno vapor. Nos primeiros 10 anos, todo mundo fica se pergun-tando como é que é isso, como é que é aquilo.

Se não me engano, em alguns municípios, a Lei no 6.766/1979, entrou emvigor depois da alteração de 1999, quando se determinaram os índices urbanís-ticos. Tenho a impressão de que, em muitos municípios, ela não entrou emvigor antes dessa data, ela foi absolutamente ignorada. Então, precisamos terum pouquinho de cuidado para saber o que exatamente nela não é bom e o quepodemos aproveitar, inclusive mantendo-se a mesma redação, até porque já se

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criou jurisprudência, provimentos. Ou seja, quanto menos mexermos naquiloque é bom, melhor.

Preocupam-me também os novos padrões urbanísticos, como dito aqui. Aque-les 35% eram perfeitos, porque 20% de áreas públicas é para rua. Não se conse-gue fazer um loteamento com menos de 20%. Aí sobrariam 10% para equipamentoscomunitários, que é o mínimo necessário, e 5% para áreas verdes. Agora, comessa proposta do substitutivo de 25 e 15% para áreas industriais, não sobraránada, e considerando o que disse, que investimentos produtivos atraem população,isso fará falta. Ao se exigir 15% para áreas industriais, não vai sobrar nada paraequipamentos públicos. Ou seja, o município terá de desapropriar, e a toque decaixa, porque isso vai atrair população. Então, precisamos prestar muita atenção.

Sobre a penalização, alerto para o seguinte: a pena prevista para o crimede loteamento clandestino, do jeito que está na Lei no 6.766/1979, é muitobaixa para a gravidade do problema: de um a quatro anos para o simples e deum a cinco anos para o qualificado.

Hoje, temos a Lei no 9.099/95 – que estimula a prática de penas alter-nativas. Atualmente, é impossível levar para a cadeia um loteador clandes-tino. Só vai para a cadeia quem comete crime de lesão ou grave ameaça àpessoa, caso contrário não vai. A Lei no 9.099/95 propõe a suspensão condi-cional do processo e, nesse caso, o acordo é o mínimo que podemos fazer.Temos, sim, de pedir nesse acordo mais do que o empreendedor teria gastopara fazer o loteamento legal a fim de desestimular essa prática. Concordoque temos de criar uma figura criminal e de improbidade administrativapara o agente público.

Desde 1998 não temos loteamento clandestino em São Bernardo. Temosalguma coisa de adensamento de favela, mas acabamos com o loteamentoclandestino porque houve vontade política. O que aconteceu? Todas as autori-dades queriam a mesma coisa e foi instalada a Delegacia de Meio Ambiente.Como a pena é muito pequena, os crimes prescrevem muito rápido, é precisouma delegacia especializada, porque os delegados não sabem lidar com essetipo de crime; é preciso ter o Poder Público com a fiscalização flagrando avenda do lote, o piquete e encaminhando essas pessoas para a delegacia; épreciso que o Ministério Público e o Judiciário trabalhem juntos.

Conseguimos em um ano, um ano e meio, denunciar quase todo mundo.Foram condenados prefeitos, ex-prefeitos, vereadores, muitas pessoas e der-rubamos um loteamento clandestino também. Então, quando se quer parar, seconsegue. No entanto, ainda temos um problema gravíssimo: a não-produção

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de lote legal. Então, não dá para trabalhar só com repressão; temos de traba-lhar com prevenção também.

Outro ponto: nesse substitutivo foi retirado da parte criminal um artigoimportantíssimo da Lei no 6.766/1979:

“Art. 51. Quem, de qualquer modo, concorrer para a prática doscrimes previstos no artigo anterior desta lei incide nas penas a estescominadas, considerados em especial os atos praticados na quali-dade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.”

Esse era o único artigo que permitia pegarmos o político que estimulavaessa prática ao prometer que levaria obras de infra-estrutura. Então, além decondicionar as mesmas penas para um crime que é muito grave, estão supri-mindo um artigo importantíssimo que permitia pegar os terceiros que não sãoexatamente os que vendem. Acho importantíssimo exigir punição para todosque atuam nessa atividade.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Dra

Rosângela.

Tem a palavra a Sra Evangelina Pinho, a penúltima a falar, e depois o Sr.Edésio Fernandes, para podermos encerrar.

A SRA. EVANGELINA PINHO – Primeiro vou responder à Sra Patríciasobre a emissão do auto de regularização independente da perfeita regularida-de do título.

Na verdade, o trabalho público de regularização se esgota pelo menosnessas duas etapas, a de regularização jurídica e de regularização urbanística,além daquelas outras dimensões que foram citadas, de desenvolvimento social,econômico e socioorganizativo. A questão é quem, dentro da esfera institucional,tem efetivamente condição de fiscalizar e ter um completo domínio sobre asquestões dominiais. Essa é a questão.

Sinceramente, não me parece que seja a prefeitura. Não sei se na Prefei-tura de Vitória acontece isso, mas é muito comum ser aprovado nas prefeiturasprojeto em que se exige cópia das certidões de propriedade, tanto de um pro-jeto de edificação quanto de parcelamento do solo. E o que vem gravado naplanta? Aquele carimbo dizendo que a prefeitura não se responsabiliza pelasituação de propriedade dessa área e tal. Efetivamente, a prefeitura nãotem condição de fazer isso, o que não significa que o seu trabalho, quandoempreende a ação de regularização, não tenha de chegar até o ponto dechecagem do domínio num determinado momento. É muito boa a proposta do

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Ary de, ao mesmo tempo em que se entra com um pedido de aprovação de umdeterminado parcelamento na prefeitura, começar a ser feito um levantamentocartorário da situação dominial e a compatibilização dessa base fundiária. Tra-ta-se de proposta bem interessante, que poderia, de fato, ser incorporada aotrabalho de alteração da lei.

Em relação a outras questões, Patrícia, acho que a regularização fundiáriaque estamos propondo numa formação é um conceito que todos vamos ter deamadurecer e, sem dúvida, isso passa por valorizar também a promoção dacondição humana. Não é à toa que vemos uma evolução dos programas deurbanização, que incorporam justamente elementos de valorização da condi-ção humana, de programas de renda e de desenvolvimento social como formade combate à violência.

Por fim, em relação à dispensa da faixa non aedificandi para os cursosd’água, não se trata de dispensá-la. Lembro que aqui se tratou de um projetode resolução do Conama, o qual conheço. Na realidade, não se trata da dispen-sa da faixa, mas, sim, de se ter uma faixa compatível com a vazão de cadacurso d’água. Por isso ela deve ser dada de fato pela entidade licenciadora, nocaso as prefeituras municipais ou o Distrito Federal.

Gina, acho que você ainda não tinha chegado quando, na minha exposição,falei um pouco sobre o problema dos desmembramentos. Concordo totalmentecom você. Na verdade, temos um nível de urbanização nas cidades em que asáreas já estão consolidadas com o parcelamento. Então, a saída não é mais fazerloteamento, mas encontrar formas de se desmembrar sucessivamente as áreas.Por isso devemos ter muito cuidado com o que pregamos na lei, com o quefazemos a lei rezar a respeito dos desmembramentos territoriais. Na verdade,pode ser uma grande forma de burlar a necessidade de implantação de maisinfra-estrutura, de mais espaço de reserva para área pública, enfim.

A Rosângela falou de outro ponto sobre o qual acho que há um consensoentre nós: a necessidade de aumentar a penalização no caso de crime deparcelamento irregular do solo. Trouxe também um conjunto de propostas emrelação às penas, sobre o que poderíamos conversar depois.

Por fim, o companheiro de Goiânia falou das dificuldades que está tendocom o Ministério Público do Estado de Goiás. Nesse ponto, posso confessar quesou privilegiada. Como dizia a Deputada Maria do Carmo, em São Paulo há umaexperiência grande do Ministério Público na área específica de habitação e urba-nismo, portanto posso dizer que sou privilegiada, apesar de dirigir um departa-mento da prefeitura que responde de 200 a 300 ofícios do Ministério Público por

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mês. Garanto que são pessoas extremamente rigorosas, mas dotadas de muitobom senso, tanto aqueles que fazem parte da Coordenadoria da Habitação deUrbanismo quanto os promotores de Habitação e Urbanismo da capital. Aproveitoa oportunidade para render a essas pessoas uma homenagem, porque têm feitoum trabalho muito bom e muita coisa em parceria com a prefeitura.

Muito obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Muito obrigada,Evangelina.

Tem a palavra o Sr. Edésio Fernandes, do Ministério das Cidades, paraencerrar a participação da nossa Mesa.

O SR. EDÉSIO FERNANDES – Mais uma vez, quero agradecer o convite àDeputada Maria do Carmo e ao Deputado Evilásio, sobretudo por terem abertoaudiências públicas durante esse processo tão crucial de revisão dessa lei, queé central à questão do planejamento, da gestão e da política urbana no Brasil.

Acho que este painel deixa muito claro aquele argumento inicial sobreo qual falei: há uma centralidade nessa discussão sobre regularização. Elanão pode mais ser relegada a segundo plano. Regularização não pode sertão-somente objeto de políticas isoladas, setoriais, marginais. Discussãosobre como enfrentar essa dívida historicamente contraída com grande par-cela da população brasileira, condenada a viver em condições de informali-dade, em assentamentos cada vez mais precários sofrendo todo tipo deimplicações, tem de ser agora. E o momento é este, quando da revisãodessa lei. Esta não se pode prestar tão-somente a regulamentar novosparcelamentos.

Como vai ser o jogo daqui para frente. Critérios, obrigações, exigências econtrapartidas, mas ela tem de também se destinar a enfrentar esse passivosocioambiental criado ao longo de décadas de abandono, de tal forma quetenhamos, no final desse processo de ampla discussão, uma lei federal deparcelamento e regularização.

Para mim, o grande tema da reunião de hoje é a importância de seaproveitar o momento político histórico para, por meio de uma reforma daordem jurídica vigente, criar as condições de alavacangem dos programas deregularização que diversos municípios e estados têm formulado, sempre en-contrando algum obstáculo nas leis federais existentes. Não basta o reconhe-cimento, pela Constituição, pelo Estatuto das Cidades e pela medida provisória,do direito à regularização. Temos de criar condições para que esse direitopossa ser exercido.

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Para finalizar, lembro que restrições de ordem urbanística da própria le-gislação, da Lei no 6.766/1979, são significativas, mas há outro elenco de restri-ções, outras leis federais ambientais, cartorárias, processuais, fundiárias –sobretudo no que se refere à propriedade pública da União –, leis de desapro-priação, penais, tributárias, uma série de interfaces nas diversas leis federais,de mesmo peso, que têm de ser enfrentadas para que o produto final aprovadopor esta Casa seja consistente, eficiente no enfrentamento do processo deprodução informal das cidades. Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Muito obrigada,Edésio Fernandes. Mais um vez agradeço ao Ministério das Cidades a parceria.

Aproveito para registrar a presença da Secretária de Programas Urba-nos, Raquel Rolnik.

Agradeço a todos a presença.

Está encerrada a presente reunião.

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Quarta Audiência Pública, realizada nodia 25 de novembro de 2003

“Contratos e Registros”

Convidados:

• CARLOS EDUARDO FERRAZ DE MATOS BARROSO –Oficial titular da Associação de Notários e Registradoresdo Brasil – ANOREG.

• GUILHERME FERNANDES NETO – Titular da 4ª Promoto-ria de Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Pú-blico do Distrito Federal e Territórios.

• EDÉSIO FERNANDES – Diretor de Assuntos Fundiários doMinistério das Cidades.

• ÂNGELA REGINA LIMA – Coordenadora de Regulariza-ção Fundiária da Prefeitura do Rio de Janeiro.

• ANTÔNIO MENEZES JÚNIOR – Presidente do Sindicato dosArquitetos no Distrito Federal.

• CAIO PORTUGAL – Diretor-Executivo da Área de Desen-volvimento Urbano do Sindicato das Empresas de Compra,Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais eResidenciais de São Paulo – SECOVI.

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A necessidade de legislar sobre a re-gularização dos loteamentos, unificarprocedimentos dos cartórios, com-patibilizar as bases cartoriais com ascadastrais, reconhecer a “fé pública”das prefeituras e desburocratizar osprocessos foram algumas das teses de-fendidas na quarta Audiência Pública,promovida pela CDUI, sobre o uso dosolo urbano.

O Ciclo de Audiências, que debateu oSubstitutivo do Deputado Dr. Evilásio(PSB – SP), relator do Projeto de Lei no

3.057/00, de autoria do Deputado Bis-po Wanderval (PL - SP), foi encerradodia 25 de novembro, abordando o tema”Contratos e Registros”.

Audiência Pública debate compatibilização de cadastros

“É preciso desburocrartizar, massem facilitar a fraude“

Carlos Eduardo de Matos Barroso, daAssociação de Notários e Registrado-res do Brasil (ANOREG), advertiu queé preciso tomar cuidado com as me-didas de simplificação e de documen-tação do registro e regularização delotes.

“É preciso desburocratizar, mas semfacilitar a fraude, é importante valori-zar o instrumento público e a escritu-ra”, ele advertiu.

Matos Barroso elogiou o projeto em dis-cussão por valorizar as soluções de pen-dências entre loteadores e compradores,destacando que a necessidade de re-gularização é vital, “mas sem esquecerque a lei vem antes de tudo”.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Após encaminhar uma série de suges-tões à Comissão, Guilherme Fer-nandes Neto, da Promotoria de Justiçade Defesa do Consumidor do Ministé-rio Público do Distrito Federal e Terri-tórios, disse que os empreendedoresdevem ser responsabilizados em re-lação à conclusão dos projetos. Elelembrou que o consumidor enfrentagraves problemas devido à falta decomplementação da infra-estrutura.

Fernandes Neto sugeriu ainda a cria-ção de uma conta específica para oempreendedor, como já acontece comos consórcios, a fim de facilitar a iden-tificação e a fiscalização. E disse queé imprescindível insistir na responsa-bilidade dos cartórios, que fazem re-gistros de imóveis já construídos e

Empreendedores devem serresponsabilizados

hipotecados, com a aplicação de san-ções administrativas, se for o caso.

Caio Portugal, do Sindicato das Empre-sas de Compra, Venda, Locação e Ad-ministração de Imóveis (SECOVI – SP),criticou a excessiva burocratização e oprazo em torno de um ano de negocia-ções para licenciar projetos de implan-tação de loteamentos, “gerando gastosexcessivos e perda de tempo, sendo pre-ciso racionalizar e acelerar o processo”.

O diretor do Secovi sugeriu ainda que,no momento da venda, se providencieo registro do lote, garantindo tambémsua infra-estrutura. Ele propôs o aper-feiçoamento do registro da cessão dedireitos e concordou que osloteamentos fechados ou de acesso li-mitado sejam apenas temporários.

Definição dos documentos

Helvécio Castello, do Instituto de Re-gistros Imobiliários do Brasil, defen-deu que para os loteamentosconsolidados há mais de 20 anos,não deva ser exigido nada para o re-gistro, “exceto para áreas de risco,mananciais etc.” O Deputado Dr.Evilásio disse, ao final da Audiência,

que o seu relatório não é uma peçaterminativa, pois deverá passar porvárias mãos e depois ainda será en-caminhado ao Senado, onde passa-rá por nova fase de debates.“Portanto, não temos pressa. Prefe-rimos fazer o mais consensual pos-sível”, acrescentou.

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

Na continuação da Audiência Públicaque encerrou o Ciclo de Debates daCDUI sobre o solo urbano, EdésioFernandes, do Ministério das Cidades,afirmou que não se deve aprovar leifederal apenas para o parcelamento,mas também para sua regularizaçãoe fazendo distinção entre os critériosde registro para um e outro. Lamen-tou que poucos municípios têm condi-ções de registrar os lotes decorrentesde programas para loteamentos irre-gulares.

Fernandes enumerou ainda uma sé-rie de problemas, como o custo do re-

Ministério das Cidades querfazer parcerias

Edésio Fernandes (à dir.): normatização dos cartórios

gistro e as dificuldades para se chegara esse estágio, criticando os procedi-mentos adotados pelos cartórios, “sen-do que cada estado trata o assunto deuma maneira e, dentro do mesmo mu-nicípio, cada cartório segue critérios di-versos e exige documentos diferentes,além de haver um verdadeiro abismoentre as bases cartoriais e cadastrais”.

Edésio Fernandes considera imprescin-dível uma parceria entre cartórios,prefeituras, Ministério Público e as-sociações de moradores, “justamenteo que o Ministério das Cidades estáconseguindo estabelecer, agora, com

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a Anoreg, que já prometeu também,aqui mesmo na CDUI, o primeiro re-gistro da regularização sem qualquercusto”. Ao defender a unificação doscritérios de registro em todo o Brasil,sugeriu a criação de um Conselho Na-cional Normativo dos Cartórios.

Para ele, não se pode tratar as prefei-turas como se fossem empreendedo-res privados, “pois atualmente oscartórios as vêem quase como grileiras,embora elas devam ter ‘fé pública’ e nãose deve exigir reconhecimento dos do-cumentos que emitem”. Pediu, ao final,que se refletisse sobre a caducidade deregistro dos loteamentos aprovados hávinte, trinta ou quarenta anos e nuncaimplementados nem vendidos.

Sobre a questão das parcerias,Ângela Regina Lima, Coordenadora deRegularização Fundiária da Prefeiturado Rio de Janeiro, comentou que oscartórios cariocas resistiam muito acolaborar, mas oito anos depois dacriação da Secretaria de Habitação,“já temos oficiais como parceiros noregistro da regularização, o que temsido fundamental”.

Ângela Regina reforçou o pedido paraque o Substitutivo defina bem a ques-tão dos parcelamentos e a documen-tação necessária para o registro elegalização, lamentando que a licençaurbanística expedida pela entidadeparceladora não esteja bem definidaem seu texto.

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Íntegra da quarta Audiência Pública,realizada no dia 25 de novembro de 2003

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Na qualidade dePresidenta da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara dosDeputados, declaro aberta a reunião de audiência pública para debates sobreparcelamento do solo urbano, revisão da Lei no 6.766, de 1979, contratos eregistros.

Quero inicialmente agradecer a todos o comparecimento. A autora dorequerimento que motivou esta audiência pública é a Deputada TerezinhaFernandes. O Relator da matéria é o Deputado Dr. Evilásio, que está apresen-tando para debate o seu substitutivo.

Convido para compor a Mesa os Srs. Carlos Eduardo Ferraz de MatosBarroso, oficial titular da Associação de Notários e Registradores do Brasil –ANOREG; Guilherme Fernandes Neto, titular da 4a Promotoria de Justiça deDefesa do Consumidor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;Edésio Fernandes, Diretor de Assuntos Fundiários do Ministério das Cidades,que tem colaborado conosco deste o início dos debates; Ângela Regina Lima,Coordenadora de Regularização Fundiária da Prefeitura do Rio de Janeiro; eCaio Portugal, Diretor Executivo de Desenvolvimento Urbano do Sindicato dasEmpresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciaise Comerciais de São Paulo – SECOVI/SP.

Vou conceder a palavra aos expositores por 15 minutos. Quando o prazoestiver próximo do fim, facultarei no máximo mais cinco minutos. Assim todospoderão falar.

Antes de iniciar o debate, passo a palavra ao Deputado Dr. Evilásio, parauma saudação inicial.

O SR. DEPUTADO DR. EVILÁSIO – Cumprimento a nossa Presidente, osilustres convidados, as Sras e os Srs. Deputados e as demais pessoas presentesa esta audiência pública. Minhas primeiras palavras são de agradecimento atodos pela presença.

Como tenho dito nas outras audiências públicas, apresentamos o esboçode um projeto para receber críticas, sugestões e contribuições. Faremos a

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Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior

muitas mãos um projeto coletivo, que substituirá uma das leis mais importan-tes do País, a Lei no 6.766/1979.

Vou participar desta audiência na condição de ouvinte.

Obrigado, Sra Presidente.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada,Deputado Dr. Evilásio.

Registro a presença neste plenário do Deputado Philemon Rodrigues, quefoi Parlamentar por Minas Gerais, mas mudou-se para a Paraíba e hoje é re-presentante daquele estado nordestino.

Concedo a palavra ao Sr. Carlos Eduardo Ferraz de Matos Barroso, daAnoreg.

O SR. CARLOS EDUARDO FERRAZ DE MATOS BARROSO – Sra Presi-dente, Sras e Srs. Deputados, demais colegas da Mesa, em nome da Anoregagradeço à Comissão mais um convite para participar desta série de debates.

Diante do tema a ser exposto hoje, contratos e registros, passei algumtempo pensando se existe algum motivo para que ocorra essa série deparcelamentos irregulares do solo. Analisei o projeto de lei e tomarei a liberda-de de tecer comentários sobre algumas situações que entendo podem colabo-rar para que o parcelamento irregular do solo seja cada vez mais o caminhoescolhido.

Sem abordar outras razões para essa série infinita de loteamentos irre-gulares, como dificuldade de aprovação diante do Poder Público e observânciade diretrizes de plano piloto, minha primeira preocupação é com a desvaloriza-ção da forma pública nas transações imobiliárias.

Sinto-me à vontade para dizer que não estou fazendo uma defesa declasse. Sou registrador há apenas um ano. Exerci a magistratura estadual emSão Paulo durante 13 anos. Sou até muito novo para fazer uma defesa declasse. Como ex-juiz, preocupo-me muito com as conseqüências dodescumprimento da lei, porque, muito embora às vezes a lei tipifique determi-nadas rotinas para a aprovação de loteamentos, deve ter como preocupaçãoímpar proporcionar aos Poderes Públicos, em especial ao Ministério Público, asolução para eventuais descumprimentos. A utilização indiscriminada de instru-mentos particulares, muitas vezes papeluchos, para a alienação de lotes irre-gulares é um dos principais motivos dessa prática.

Durante este ano de exercício da carreira de registrador, várias vezes vigente do povo chegar ao cartório com um simples papel, um termo de cessão

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de posse de um lote irregular, querendo fazer uso desse instrumento para finsde registro. Se o instrumento particular, de um lado, facilita as negociações, deoutro abre um campo muito grande para quem queira vender um imóvel quenunca lhe pertenceu, fazendo uso da boa-fé do adquirente. É muito comumque, diante desse instrumento particular, uma pessoa sinta-se proprietária doimóvel, quando na verdade somente o registro, a alienação pelo dono asseguraesse direito.

A valorização do instrumento público, principalmente para quem hoje exer-ce a função de registrador, facilitaria tremendamente o serviço. O notário tempor obrigação inicial, quando da alienação de um lote urbano, conferir se aque-le lote está efetivamente registrado, se o loteamento é ou não regular, algo queno instrumento particular não ocorre. Mesmo os instrumentos particulares fir-mados por empreendedores de loteamentos regulares muitas vezes não sãodignos de registro, em razão de falhas na sua confecção, ou, pode-se assimdizer, do custo de uma escritura pública, essencial para a transferência defini-tiva do imóvel – e o próprio projeto prevê isso. Após a quitação do imóvel, ematé 30 dias a escritura definitiva deve ser passada; ou seja, ela é um custoinerente a qualquer negociação imobiliária.

Não sei se seria chegada a hora de antecipar o custo da escritura públicapara o momento da formação da promessa. Alguém poderia perguntar: Masvamos exigir duas escrituras? Não. Existe a forma pública para a promessa,para a cessão de direitos. Estaríamos apenas garantindo que a escritura públi-ca verse sobre imóvel efetivamente regular. A partir do momento em que essapromessa é feita de forma pública, nada impede que a lei preveja que, com aquitação e a apresentação da certidão de pagamento de tributo, o cidadãodirija-se ao Registro de Imóveis para consolidar sua propriedade. Esse é umsistema aproximado do que foi feito com a alienação fiduciária de bem imóvel.

Por que a escritura pública seria interessante não só para o adquirente?Vamos pensar no empreendedor. Por que o empreendedor muitas vezes fazuma opção pela irregularidade no seu loteamento, por não submeter-se àsregras legais vigentes? Pelo custo da submissão às normas urbanísticas dasmunicipalidades e do Estado? Sim. Sem sombra de dúvida, o empreendedorque faz uso de todas as normas legais para obter um loteamento regular sofrea concorrência desleal daquele empreendedor que optou pelo loteamento irre-gular. Os custos são diversos, e o tempo para a aprovação do loteamento édiverso. A partir do instante em que só autorizarmos a negociação de lotesurbanos devidamente cadastrados, o empreendedor regular será o único pas-sível de negociação regular.

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Os instrumentos particulares são, sim, uma facilitação, mas quando feitospor pessoas dotadas de conhecimento jurídico suficiente para elaborá-los con-forme as exigências legais. O custo de um advogado é semelhante ao custo deuma escritura. As pessoas que adquirem lotes urbanos de grande valor fazemuso do instrumento particular com correção, pois têm assessoria jurídica. Aspessoas de baixa renda jamais comparecem, para adquirir um lote urbano de200 metros quadrados, acompanhadas de um advogado. Nesse ponto, o instru-mento público serve não só para aquele que adquire o imóvel como tambémpara o empreendedor e para o Poder Público.

Os notários têm por função fiscalizar o recolhimento de tributos. A partirdo instante em que for necessária a forma pública para se negociar um loteurbano, com toda a certeza esse loteamento regular vai seguir as diretrizesurbanas, porque é necessária a aprovação de uma licença urbanística para oprojeto. Essa é uma das nossas preocupações, e vejo que o projeto repete asdisposições antigas no que se refere a instrumentos particulares, compromis-sos de cessão e necessidade da escritura definitiva. Não sei se seria chegada ahora de fazer uma antecipação dessa forma pública. Não estaríamos dobrandoo número de escrituras públicas, apenas exigindo a forma pública antecipada-mente e facilitando a consolidação da propriedade, mediante apresentação daquitação e do pagamento do imposto diretamente ao Registro de Imóveis.

Uma segunda preocupação que o projeto de lei despertou é com a mu-dança na outorga do domínio à municipalidade, no que se refere às áreaspúblicas dos loteamentos. Segundo o projeto, com a averbação do habite-se,ou seja, com a aprovação da obra final, a municipalidade passaria a ser titulardas áreas públicas. No sistema atual, o registro do loteamento já gera àmunicipalidade o domínio daquelas áreas públicas. Em termos judiciais, esse éum elemento facilitador não só para a municipalidade como também para oMinistério Público. Não raramente, o Ministério Público ajuíza demandas visan-do justamente à regularização desses loteamentos, para que as áreas quepertencem ao domínio público – praças, ruas – sejam entregues. Se essa mu-dança de termo inicial do domínio for feita apenas para quando do término doprojeto, vislumbro dificuldades para que a municipalidade e o próprio MinistérioPúblico efetuem a defesa desses bens públicos, que ainda não o serão de fato,porque dependem do final do projeto de loteamento.

Um loteamento que termina geralmente não necessita de defesa peloMinistério Público nem pelo Poder Público. O grande problema é aqueleloteamento que, registrado, não vai avante. Ora, se não existem áreas públicas

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no domínio da municipalidade ou da coletividade, o Ministério Público, salvomelhor juízo, não vai ostentar legitimidade para postular a defesa de algo queainda não é público. Essa mudança do termo preocupa-me.

O terceiro ponto que me chamou a atenção no projeto – e agora faço umelogio – é a valorização da solução de pendências entre empreendedores eadquirentes diretamente no Registro Imobiliário. É sabido hoje que o Judiciárioestá afogado por inúmeras demandas. Pelo que eu percebi, parece ser espíritodesse projeto que soluções principalmente para o implemento ou não do com-promisso firmado entre empreendedor e adquirente sejam definidas direta-mente no Registro de Imóveis.

Acredito que seja crença unânime dos registradores que o Registro deImóveis tem condições de solucionar uma série de litígios sem a interferênciado Judiciário. Trago o exemplo da alienação fiduciária de bem imóvel, que temsido efetivada com muito sucesso. De um lado, o empreendedor tem a garantiade satisfação do seu crédito mais rapidamente, mesmo porque, se tiver dedepender do Poder Judiciário para depois de três, quatro, cinco anos receber ocrédito, não fará o empreendimento. Por outro lado, ao adquirente do imóvel éassegurado na lei o mesmo direito de poder apresentar provas de quitaçãodiretamente ao Registro de Imóveis.

Mas teço uma crítica a essa intenção de levar para o Registro de Imóveis asolução das pendências. Há algumas repetições da lei atual, a Lei no 6.766/1979,o que não está de acordo com o espírito do projeto. Por exemplo, tomemos ocaso do cancelamento do registro de um loteamento que não foi para a frente.Está na lei atual e consta no projeto a necessária homologação do cancelamen-to pelo juízo competente. O Registro de Imóveis está extremamente acostuma-do a uma série de desistências de empreendimentos e de incorporações, todaselas feitas diretamente no Registro de Imóveis, desde que todos os interessa-dos estejam concordes. É fácil levantar no Registro de Imóveis os eventuaisadquirentes daqueles lotes. Ora, se todos estão de acordo, seria desnecessárioremeter o caso ao Judiciário para uma simples homologação. Lembro-me daépoca em que eu era juiz. A homologação era mera aquiescência formal doJudiciário àquilo que já existia. Seria um elemento de burocratização, que po-deria impedir um novo empreendimento, uma forma distinta de destinaçãodaquele lote urbano. Então, a homologação judicial não se vislumbraria neces-sária – a não ser que surgisse o litígio, porque, é lógico, o único foro competen-te para a solução de litígio é o Poder Judiciário.

Feitas essas observações, novamente agradeço à Comissão o convite ecoloco a Anoreg à disposição para este debate extremamente importante, prin-

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cipalmente porque estamos diante da necessidade de regularização de situa-ções irregulares. Quando aplicada, a lei não gera problemas. Acredito que nos-sa preocupação deva ser buscar caminhos para quando a lei vier a ser,infelizmente, desrespeitada, principalmente pelos inúmeros loteamentos irre-gulares que, acredito, todos os Municípios suportam atualmente.

Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Sr.Carlos Eduardo. Com certeza os desafios são muitos. Como registrador e ex-magistrado, V. Sa pode ver essa questão por ângulos diferentes.

Passo a palavra ao Dr. Guilherme Fernandes Neto, da Promotoria de Jus-tiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Distrito Federal.

O SR. GUILHERME FERNANDES NETO – Boa-tarde. Primeiro, eu gosta-ria de agradecer à ilustre Deputada Maria do Carmo Lara o convite, parabeni-zar o Deputado Dr. Evilásio pelo projeto substitutivo e saudar os demaisexpositores.

Nada obstante a limitação do tema no que tange a contratos e registros,imaginando isso como um pequeno sistema jurídico que está sendo criado, eugostaria de fazer algumas considerações que já foram registradas no Ofício no

2.169, dirigido hoje à Deputada Maria do Carmo. O que nos causa certa preo-cupação é justamente a inexistência de um instrumento jurídico que possibiliteao Poder Público cobrar do empreendedor a falta de implementação do proje-to. Os tipos penais previstos na lei atual e no projeto condenam tão-somentequem dá início ao loteamento. É preciso ter tipos que obriguem o empreende-dor a dar seqüência ao loteamento, a cumprir o contrato ajustado. Ou seja, épreciso criar uma proteção jurídica mais adequada, para coibir a falta deimplementação do loteamento. Só para se ter idéia, o crime que existe é tão-somente dar início a loteamento que afronta a lei. E se isso aconteceu no anopassado, o responsável já não pode mais ser preso em flagrante.

A pena atribuída aqui também nos causa receio, porque é essencial aexistência de uma proporcionalidade. Eu não posso imaginar que um estelionatoou um cheque passado sem fundo implique pena de cinco anos de reclusão e apunição para quem vende um lote que não existe chegue a quatro anos.

Volto ao problema dos contratos. Também nos causa certo temor o pro-blema de com quem contratar. A lei cuida da idoneidade do empreendedor.Nesse tópico, existente tanto na Lei no 6.766/1979 como no projeto, exige-seque o empreendedor apresente uma série de certidões, até mesmo pertinentesa apontamentos criminais, e estabelece-se que não existe óbice para o registro

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do empreendimento, ficando a critério do registrador. Nesse aspecto, acho queseria interessante elencar no projeto tipos que não foram mencionados na Leino 6.766/1979, que trata de crimes contra a administração pública e contra opatrimônio como as duas únicas exceções que impedem o registro do loteamento.Nossa idéia é desmembrar esses tipos, incluindo crimes contra o consumidor econtra a economia popular, a fim até de possibilitar maior proteção do consumi-dor, no que tange à idoneidade moral do empreendedor.

Acrescento ainda no ofício outro ponto que nos causa certa preocupação.Refiro-me à propriedade do bem loteado, nada obstante exista nesse particularcerta compatibilidade com a Lei no 4.591/1964, ou seja, a possibilidade de ocompromissário vendedor efetuar um empreendimento. Aqui não está mencio-nado que ele seja irrevogável e irretratável, mas o art. 36, § 1o, que se reportaao art. 3o, não exige tão-somente que ele seja irretratável e irrevogável. Deve-mos analisar esse aspecto, porque alguém que faz uma venda pode posterior-mente efetuar um destrato ou ter esse compromisso atacado judicialmente,dificultando a situação do compromissário comprador do lote.

No que tange aos compromissos particulares, talvez fosse interessanteadequar o art. 47 do projeto ao art. 463 do novo Código Civil. O art. 47, paraadjudicação compulsória, exige não somente que ele seja irretratável eirrevogável, mas também registrado, enquanto a jurisprudência tem aceitadohá muito a inexistência do registro para adjudicação compulsória contra o em-preendedor, e registro tão-somente para terceiros. Esse tópico também está noofício. Mencionamos a possibilidade de se acompanhar um movimento no quese refere ao Direito Processual, que possibilita ao compromissário comprador aadjudicação compulsória dispensando o registro.

Eu sempre defendi, desde a época do caso Encol, a criação de umaconta corrente específica para cada empreendimento na Lei no 4.591/1964.Foi criado depois, por medida provisória, o hoje chamado “patrimônio deafetação”, uma idéia interessante, especialmente no que tange à criação deuma conta corrente única. A grande dificuldade para se ressarcir os consumi-dores é saber onde está o dinheiro. Se for obrigatória a criação de uma únicaconta corrente para o aqui chamado empreendedor, como já exige a Lei no

4.591, ficará mais fácil não só para o Poder Público como também para oscompromissários compradores localizar o valor que foi adquirido por aqueleloteamento. A existência de uma conta corrente única, como acontece nocaso dos consórcios, que o Banco Central monitora, cada grupo com suarespectiva conta corrente, é hoje extremamente possível nos empreendimen-tos imobiliários regidos pela Lei no 4.591, de 1964, em face dessa medida

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provisória. Trata-se de uma mera sugestão, no sentido de compatibilizaçãocom o art. 30-B da Lei no 4.591/1964.

Talvez um dos maiores problemas enfrentados pelo consumidor seja afalta de implementação da estrutura, o que é causado em parte pelos corretoresde imóveis. O projeto não menciona a figura do corretor de imóveis responsávelpelo loteamento. A Lei no 4.591/1964 exige uma série de requisitos, assim comoo faz a Lei no 6.766/1979 e o próprio projeto, mas não faz menção ao corretor deimóveis ou à imobiliária responsável pelo projeto. Qual é o problema? Falida aempresa, há muita dificuldade para localizar o corretor de imóveis, que às vezesé o maior responsável pelo empreendimento – um responsável solidário, nostermos do Código de Defesa do Consumidor, aquela pessoa que atua sabendo daimpossibilidade de implementação do projeto. Podemos responsabilizar o corre-tor de imóveis. A questão é saber quem é o corretor de imóveis, qual é a imobi-liária responsável pelo lançamento. Talvez possamos incluir entre os documentosexigidos a qualificação do corretor de imóveis responsável pelo empreendimen-to. O art. 32, letra o, da Lei no 4.591/1964, exige um atestado de capacidadefinanceira do construtor que quer efetuar uma incorporação. Esse atestado, apa-rentemente desnecessário, já serviu para que o Ministério Público localizasse ebloqueasse contas bancárias do empreendedor. Essa é hoje uma exigência paraa incorporação que pode ser incluída no projeto.

No que tange ao registro, o art. 51 repete a Lei no 6.766/1979. A nossover, talvez seja este o momento de trabalhar essa redação, porque ela fala emcumprir a obrigação trazendo o registro como uma pena. É algo que pouco secomenta, mas o art. 51 da Lei no 6.766/1979, realmente precisa ser alterado,em razão da dificuldade de intelecção desse artigo.

No que se refere à matéria processual, repito a necessidade de ajuste daadjudicação compulsória, pelo menos conforme se pronunciou o STJ, a fim depossibilitar e facilitar a adjudicação compulsória por parte do consumidor.

Por fim, algo que também nos traz certo receio é a responsabilidade doscartórios de registro de imóveis. Os cartórios, em certos momentos, fazem oregistro de uma hipoteca, por exemplo, utilizando-se de cláusula abusiva. Issofoi feito no caso da Encol, quando tivemos de ir ao STJ declarar a nulidade devárias hipotecas que foram constituídas pela chamada cláusula mandato, con-siderada abusiva muito antes do Código de Defesa do Consumidor, e hoje con-siderada abusiva de forma explícita pelo art. 651.

E sobre a responsabilidade do cartório de registro de imóveis que fazesse registro? Ora, ele faz sabendo que essa cláusula é abusiva. Registra a

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hipoteca sabendo que o imóvel foi construído e que a finalidade da hipoteca éconstruir esse imóvel que já foi construído. Então, não há como alegar que eledesconhecia esse fato – e foi o que aconteceu com a Encol aqui e em váriascidades do País.

A verdade é que não existe sanção administrativa em relação a esse tipode ato, nem contra o corretor de imóveis que vende algo não devidamenteregistrado. Sanções administrativas talvez fossem algo a se pensar, para darproteção ideal ao consumidor, apesar de termos a Corregedoria. A verdade éque a Corregedoria, no âmbito dos cartórios, possui outra função que nãoexatamente essa. Estou pensando em sanção porque não é concebível que umcartório que declare nula a hipoteca ainda persista cobrando dos consumidoreso valor pertinente ao seu registro. E foi declarada nula pelo Judiciário! A meuver, isso é inconcebível.

São essas as considerações. Agradeço novamente a todos o convite ecoloco-me à disposição do Dr. Evilásio e da ilustre Deputada Presidente destaComissão para o que se fizer necessário.

Obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Dr.Guilherme. Os debatedores estão colaborando quanto ao uso do tempo.

Passo a palavra ao Edésio Fernandes, Diretor de Assuntos Fundiários doMinistério das Cidades.

O SR. EDÉSIO FERNANDES – Boa-tarde a todos. Agradeço à DeputadaMaria do Carmo Lara e ao Deputado Evilásio por terem levado este ciclo deaudiências públicas com tanta competência. Tenho certeza de que do resultadofinal sairá um material riquíssimo em importantes contribuições para essa leique é tão crucial para o futuro das cidades brasileiras.

Minha fala, hoje representando o Ministério das Cidades, é uma espéciede continuação da minha exposição na terceira audiência especificamente so-bre o tema da regularização.

A proposta que o Ministério das Cidades trouxe foi a de aproveitarmoseste momento histórico, esta oportunidade única, para fazer com que essanova lei que está sendo discutida nesta Casa seja não apenas uma lei federalde parcelamento do solo, mas também de regularização, no sentido de se criartodo o arcabouço jurídico necessário para enfrentamento desse fenômeno dedesenvolvimento urbano informal, de acesso informal ao solo nas cidades, fe-nômeno esse que por sua extensão, sua gravidade e suas implicações nãopode mais ser ignorado.

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Conforme discutimos na audiência passada, o capítulo sobre regulariza-ção da Lei no 6.766/1979, bem como do substitutivo, é inadequado, na medidaem que não dá conta da complexidade das questões envolvidas. Eis por quetemos de enfrentar essa situação, pegar o touro pelo chifre e tentar fazerdessa lei uma resposta jurídica adequada a um fenômeno que aflige as cidadese os cidadãos brasileiros de maneira cada vez mais grave.

Segue essa visão a proposta que trago hoje, que diz respeito ao capítuloespecífico sobre registros, no sentido de que seja feita uma distinção nosubstitutivo entre registro de novos parcelamentos, critérios e procedimen-tos, e registro das regularizações, na medida em que são dois processosdiferentes que não podem ser tratados com os mesmos critérios. E isso passapor várias considerações. Muito rapidamente, temos esse encaminhamentodo Programa Nacional de Apoio à Regularização Fundiária, e uma das ques-tões que logo ficou muito clara para nós foi a dificuldade daqueles poucosmunicípios que têm formulado programas próprios de regularização levá-losa bom cabo, sobretudo no que se refere ao registro da regularização. Sãopouquíssimos os municípios brasileiros que têm conseguido registrar seusprogramas de regularização, quer dizer, os loteamentos, dando nascimentojurídico aos lotes individualizados.

Desde o início do ano temos promovido uma série de debates sobre essaquestão específica da ação dos cartórios de registro imobiliário no contexto dosprogramas de regularização, e identificamos três grandes problemas. Um de-les diz respeito ao custo dos registros e à dificuldade de se chegar a esseestágio, que, no contexto de Brasil, é crucial, porque, diferentemente de muitospaíses, o registro é constitutivo da propriedade no Brasil. Não são todos ospaíses que se organizam juridicamente dessa forma. No caso brasileiro, o re-gistro é constitutivo da propriedade, o que torna essa dimensão do registroainda mais importante. Tem ficado muito claro que o custo do registro é umobstáculo de difícil superação por muitos municípios.

Outra dimensão diz respeito aos procedimentos adotados pelos cartórios,especificamente para as regularizações. Ficou claro que há enorme diversi-dade de procedimentos estaduais quanto a essa questão. Cada estado tratade forma diferente, pois não há uniformização de critérios e exigências. E oque é pior: dentro de um mesmo município, cada cartório interpreta essesprocedimentos de maneira distinta. Numa mesma cidade, com muita freqüêncianão encontramos dois cartórios que exijam os mesmos documentos. Querdizer, isso também tem criado todo tipo de obstáculo ao êxito dos programasde regularização.

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Outra dimensão dessa discussão mais procedimental refere-se ao abis-mo que existe entre as bases cartorárias e as bases cadastrais dos municípios,ou seja, cada vez mais se aprofunda o enorme descompasso entre aquilo quese encontra registrado no cartório como sendo uma gleba, um lote ou o que for,e aquilo que faz parte do cadastro multifinalitário, do cadastro fiscal dos muni-cípios.

E uma terceira ordem de problemas identificados é o que chamamos depráticas institucionais, ou seja, a dificuldade de os cartórios se envolverem,como parceiros do processo de regularização, do início até o fim, e não apenasno final, colocando obstáculos, dizendo “não” e falando das impossibilidades.

Assim, depois de identificadas as dificuldades, começamos a trabalharmuito diretamente com a Anoreg e o Irib, e tenho muito prazer em dizer queessa talvez tenha sido a parceria mais bem-sucedida do Ministério das Cidadesaté agora, na medida em que todas essas questões têm sido enfrentadas comextrema consideração e extremo apoio dessas duas grandes entidades querepresentam os cartórios de notas e de registro imobiliário.

No que se refere à dimensão dos custos, ouvimos o pronunciamento rea-lizado nesta Casa durante a terceira audiência pública pelo Vice-Presidente daAnoreg, no sentido de que a orientação nacional seja de que o registro daregularização fique isento de custos, bem como a abertura da primeira matrí-cula resultante da regularização. Quer dizer, uma vez apresentado todo essecontingente de população que se encontra fora da legalidade e fora do merca-do cartorário, a regularização entraria na dinâmica cartorária. Esse é um com-promisso público da Anoreg, e acho merecia ser discutido, pelo menos nocontexto dessa lei, esse compromisso público de gratuidade do registro daaprovação do memorial descritivo de áreas regularizadas e da abertura dasprimeiras matrículas de cada lote.

Quanto a procedimentos, também temos a clara posição da Anoreg Bra-sil, que tem sido defendida pelas representações estaduais, no sentido de queé necessário e fundamental sistematizar e uniformizar os procedimentos eestabelecer critérios únicos para todo o País. Inclusive uma proposta que aprópria Anoreg está discutindo é a de criação de um conselho nacional normativoregulador dos cartórios, a exemplo do que acontece em outras áreas de regis-tro. Pergunto aqui se não seria o caso, no contexto da lei, de estabelecermosalguns desses princípios, critérios e procedimentos válidos para todo e qual-quer cartório de registro no Brasil, no que diz respeito especificamente à regu-larização.

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Quanto à compatibilização entre bases cartorárias e bases cadastrais, adiscussão é bastante mais complexa. De qualquer forma, uma pista bem signi-ficativa foi-nos dada pela Lei Federal no 10.267, de 2001, que propõe exata-mente a compatibilização das bases cartorárias com as bases cadastrais dosmunicípios, com a utilização de georreferenciais para áreas rurais. Deve-sediscutir em que medidas temos condições e elementos para trazer essa pro-posta para as áreas urbanas com o objetivo de facilitar o registro dos proble-mas de regularização, levando em conta que o padrão físico territorial de áreasa serem regularizadas, especialmente em favelas, é extremamente distinto epeculiar. Isso vai gerar realidades jurídicas muito pouco comparáveis àquelasproduzidas pelo mercado formal. Portanto, seria interessante a compatibilizaçãodas bases cadastrais.

Em relação às práticas, não se trata de lei, mas de criar processos ecanais para promover maior aproximação entre prefeituras, cartórios, associa-ção de moradores e Ministério Público, com o objetivo de os cartórios seremefetivamente parceiros dos programas de regularização, participando de con-selhos, de comissões e de toda forma de representação coletiva dos interessesde diversos setores envolvidos. Proponho que se abra uma seção específica nosubstitutivo para registro da regularização, na qual esses pontos, que são pon-tos de acordo construídos no diálogo com entidades nacionais representantesdos cartórios, sejam transformados em princípios de lei.

Outro assunto importante é o registro da regularização, e não podemosmais tratar a prefeitura como se fosse um empreendedor privado. A maiorparte dos programas de regularização depende da prefeitura, pois é ela quetoma a iniciativa, formata os programas, leva-os a cabo e muitas vezes desa-propria a área para transferência dos ocupantes, seja a que título for. Do pontode vista do cartório, a prefeitura é vista como um grileiro ou um loteador priva-do. Conheço cartórios que exigem dos órgãos municipais, encarregados espe-cificamente da formulação e da implementação de programas de regularização,a apresentação de certidões negativas de débitos de toda ordem, não só dodiretor do órgão público, mas também de sua esposa, como se se tratasse deum promotor imobiliário qualquer.

Essa distinção, no sentido de que a prefeitura, como empreendedora – éessa a acepção no substitutivo –, tem de receber tratamento diferente, implicareconhecer não apenas a necessidade de simplificação e desburocratizaçãodos procedimentos empreendidos por ela mas também a sua fé pública. Umacoisa é discutir, como foi muito bem dito pelo Dr. Carlos Eduardo, a privatizaçãode instrumentos que deveriam ser públicos; outra é submeter prefeituras mu-

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nicipais a exigências de publicação de atos como se não fossem órgãos políticae juridicamente constituídos para representação do interesse público e nãotivessem fé pública. Acho fundamental esse tratamento diferenciado das pre-feituras como empreendedoras de programas de regularização.

Finalmente, apresento para reflexão e discussão um outro ponto, crucialpara muitos municípios, em face da existência de muitos loteamentos aprovadose nunca implementados, nunca vendidos, muito deles em áreas rurais ou urba-nas, com 20, 30, 40 anos. O ponto que apresento para reflexão não é exatamen-te o cancelamento do registro, mas uma discussão sobre a conveniência de sepensar numa categoria de caducidade do registro, de tal forma que as situaçõesespecíficas de loteamentos aprovados há 30, 40 anos e nunca implementados,nunca vendidos, não gozem de qualquer forma de direito adquirido, em vista dasregulamentações e dos requisitos urbanísticos da lei atual, que, com certeza, ébem mais rigorosa do que a que vigorava quando da aprovação desse registro.

Para finalizar, minha contribuição, em nome do Ministério das Cidades, éno sentido de que do processo de discussão desse substitutivo resulte uma leiredonda, no sentido de tratar não apenas das novas situações, dos novosparcelamentos, dos novos condomínios urbanísticos, mas também das situa-ções já consolidadas em décadas de negligência e omissão de vários setoresda sociedade brasileira.

Como mencionado anteriormente, em parte esses processos de ocupa-ção informal do espaço urbano deveram-se às próprias exigências legais. En-tão, acho que é o momento de a sociedade brasileira, por intermédio destaCasa, dar uma resposta urgente e necessária para esse enorme percentual de70% da população brasileira que hoje vive informalmente em áreas urbanas,sem ter segurança da posse, sem ter acesso a crédito, a um endereço, nempossibilidade de registrar sua moradia.

Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Sr.Edésio Fernandes, do Ministério das Cidades.

Com a palavra a Sra Ângela Regina Lima, Coordenadora de RegularizaçãoFundiária da Prefeitura do Rio de Janeiro.

A SRA. ÂNGELA REGINA LIMA – Boa-tarde a todos. Agradeço a V. Exas

o convite. Quero informar que não sou advogada, mas arquiteta, e coordeno oPrograma de Regularização Fundiária da Prefeitura do Rio de Janeiro. Na prá-tica, sou a responsável pela elaboração e pelo encaminhamento de projetosaos cartórios de registro de imóveis.

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O Município do Rio de Janeiro é dos poucos que conseguem registrar todosos projetos de regularização dos parcelamentos, dos loteamentos irregulares ouclandestinos existentes na cidade. Isso acontece graças a provimentos assinadospela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que permitem oencaminhamento de projetos para registro, permitem à prefeitura solicitar gra-tuitamente certidões dos cartórios, e permitem também que o morador consigalevar seu documento de aquisição do imóvel para registrar sem necessidade daadjudicação compulsória, de acordo com o art. 41, se não me engano, da Lei no

6.766/1979. Esse provimentos são os de nos 6, de 1994, 44, de 1999, e 73, de2001 – que fez uma modificação no art. 6o do Provimento no 44/99. Com esseconjunto de provimentos, a prefeitura tem facilidade de registrar os loteamentospor ela regularizados por intermédio da Secretaria Municipal de Habitação.

Depois de aprovado na Secretaria Municipal de Urbanismo, o projeto éencaminhado, com a certidão, ao parcelador, para que seja notificado.

Quero destacar que, no início, os cartórios de registro de imóveis do Riode Janeiro se mostraram bastante resistentes. Nossos projetos eram encami-nhados e custavam a ser registrados. Hoje temos oficiais parceiros do municí-pio, graças a um trabalho de oito anos de convencimento, de parceria, desde acriação da Secretaria Municipal de Habitação. Foi um trabalho árduo, que mui-tas vezes trouxe grandes frustrações aos técnicos da Prefeitura. Mas querodeixar registrada a parceria feita com pelo menos três Oficiais dos Cartórios do4o, do 6o e do 9o Ofício.

Quero complementar o que disse Edésio: sem os cartórios, ninguém con-segue registrar nada. Então, é importante que haja essa parceria, porque oscartórios estão no início, no meio e no final do processo de regularização. Elessão os atores principais do processo.

Em nome da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, gostaria de teceralguns comentários sobre o proposto no projeto de lei. O primeiro deles équanto à preocupação com a nova forma de parcelamento, o condomínio urba-nístico. No Rio de Janeiro, como em outras cidades, existe uma série deloteamentos clandestinos em que a documentação do morador cita claramente“lote” e “condomínio”, e não ficou definido como vamos regularizar esse tipo deparcelamento. Então, questionamos se essa oficialização não vai trazer conse-qüências para o traçado das cidades, aumentar o processo de favelização e desegmentação do espaço público.

No caso do registro, reforçando o que disse o companheiro, o art. 20menciona a transferência automática das áreas destinadas a equipamentos

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públicos no ato do registro. E estou percebendo uma contradição entre o art.20, § 2o, inciso III, e o art. 40, em que se lê: “desde a data de averbação dotermo de vistoria e o recebimento das obras...” – isso vai ser um ato novo, issonunca foi feito.

No caso do Rio de Janeiro, o prefeito concede a aceitação das obras deurbanização, mas esse ato não é levado a registro. Pela nova proposta, agoraisso seria encaminhado para o cartório de registro de imóveis e só depois daaverbação do termo de vistoria as áreas destinadas a uso público constantes doprojeto passariam a integrar o domínio do município. Isso muda completamen-te o art. 22 da Lei no 6.766/1979, que menciona que desde a data do registro doloteamento essas áreas passariam a integrar o domínio do município. Acho quedeveria ser mantido o disposto na Lei no 6.766/1979, até como forma de evitaruma possível alteração da destinação dessas áreas por parte do empreende-dor, do parcelador, enfim, de quem está promovendo o loteamento do condomí-nio. Cabe rever a redação tanto do art. 20 quanto do art. 40.

Outra questão que observamos é a definição de licença urbanística. O art.24 estabelece que é considerado projeto aprovado aquele de parcelamentoque possua licença urbanística. Mas a licença urbanística não está definida noglossário, e a Lei no 6.766/1979, diz que um loteamento é levado a registro como ato da aprovação.

Quando li pela primeira vez, entendi que essa licença urbanística seria oato da aprovação.

No caso da Prefeitura do Rio de Janeiro, emitimos certidão de loteamento.Além do memorial descritivo, a Prefeitura do Rio de Janeiro emite certidão doloteamento. Então, o que o art. 24 diz é que se entende como aprovado oprojeto de parcelamento que possua licença urbanística expedida pela autori-dade parceladora. O parágrafo único do art. 25 menciona que a licença urba-nística deve definir o prazo total para execução das obras de parcelamento esuas etapas.

Não sei se esses dois artigos estariam se contrapondo. Na nossa certi-dão não mencionamos o prazo de execução das obras. O art. 36 diz que oempreendedor deve submeter o projeto de parcelamento ao registro imobiliá-rio dentro de 180 dias da data da expedição da licença urbanística. No nossocaso é a certidão. Acho que precisa ser melhor definido o que seria essa licençaurbanística que aqui, na lei, entrou substituindo o ato de aprovação.

Pessoalmente, acho que o art. 47 repetiu a redação da Lei no 6.766/1979,que é ruim, muito ruim. Li um livro sobre a Lei de Parcelamento do Solo no qual

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o autor relata que havia um sério problema de redação e afirmava que a pro-posta do senador era muito melhor. Então, sugiro que voltemos à redação an-terior, que é bem mais simples e clara; diz que os compromissos de comprae venda, as cessões e promessas de cessão são irretratáveis, atribuem direitoà adjudicação compulsória, e, estando averbados, conferem direito real oponívela terceiros. Acho que fica mais simples. É uma sugestão. Acho que o art. 47 émuito ruim, muito mal redigido.

Quanto à regularização fundiária, minha proposta é um pouco mais hu-milde que a do Edésio. Achei que poderia ser incluído no Capítulo de Regulari-zação Fundiária tudo o que se refere à regularização fundiária, até mesmo osatos registrários. O Edésio foi um pouco além; acha que seria melhor criar umacessão. De repente podemos ficar com a sugestão do Edésio, de incluir maiselementos. Mas em relação ao registro do parcelamento, acho que tem de ficardefinidos documentos mínimos para que o Poder Público possa levar o loteamentopara registrar. No Rio de Janeiro só deu certo porque o provimento daCorregedoria-Geral do Estado definiu os documentos.

Há um artigo, se não me engano o 84, que estabelece que a documentaçãonão seja a mínima necessária. O que é o mínimo necessário? Cada oficial vaiinterpretar de forma diferente. Um vai dizer: “Não, olha, quero isso, quero aquilo,quero abacaxi”. O outro vai dizer: “Agora quero a laranja”. Então, não podemosperder a oportunidade de estabelecer, na lei, documentos mínimos para levarpara registrar: notificação do parcelador, declaração da área de especial interes-se social, projeto, memorial ou minuta, declaração do órgão de meio ambiente.São alguns documentos que podem ser estabelecidos numa lei federal e que nãovão gerar nenhum tipo de dúvida para os cartórios.

Já que não sabemos quando a Lei de Registros Públicos vai ser modifica-da, acredito que não se deva perder a oportunidade de incluir na lei os ditosdocumentos mínimos, para não ficar com uma redação que não diz nada, quedá margem a interpretações, e depois o Poder Público vai ficar desesperadotentando cumprir uma exigência diferenciada em cada cartório.

Deixe-me verificar se há algo mais que eu tenha escrito.

Não quero apenas deixar registrado, já que o Edésio falou que houve umareunião sobre regularização fundiária, o art. 63, parágrafo único, que fala das regu-larizações promovidas por órgãos e entidades do Estado e da União que se subme-tem à aprovação perante autoridade licenciadora, nos termos do Capítulo IV. Emmomento algum vi nessa lei a citação do instrumento das “ex”. É um instrumentomuito utilizado durante o processo de regularização de assentamentos informais.

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Quando formos regularizar um parcelamento e tivermos de seguir tudo oque está contido no Capítulo IV, vamos ter de adaptar a realidade à legislação.Cada caso é único, e acredito que deveriam ser contempladas na lei as áreas deespecial interesse social e a definição de parâmetros específicos para cada local.

Não podemos deixar, vamos dizer, de analisar e de elaborar um projeto edeixar que ele caia na malha da legislação normal.

Era o que queria dizer. Muito obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada ÂngelaRegina, Coordenadora da Regularização Fundiária da Prefeitura do Rio deJaneiro.

Estou para registrar a presença dos nossos deputados e me esqueço defazê-lo. Vou registrá-las antes de passar a palavra ao Caio. Estiveram presen-tes os Deputados Joaquim Francisco, Jackson Barreto, Ronaldo Vasconcellos.Está presente o Deputado Pedro Fernandes, suplente da nossa comissão, masé suplente efetivo, constantemente presente.

Com a palavra o Sr. Caio Portugal, Diretor-Executivo da Secovi/SP.

O SR. CAIO PORTUGAL – Boa-tarde a todos. Antes de mais nada,gostaria de agradecer o convite. Em nome da Presidente, cumprimento oDeputado Dr. Evilásio pela coragem de elaborar projeto que mexe com todaa estrutura da Lei no 6.766/1979. Esse projeto já era esperado desde aedição da lei anterior. E como se pode se perceber nesta Mesa, a maiorpreocupação é não somente com a nova produção de desenvolvimento ur-bano, mas principalmente com a produção que ficou marginalizada. É umaenorme dificuldade trazê-la à realidade, à regularidade, tão importante nasquestões de cidadania.

Preparamos uma apresentação a fim de demonstrar a importância dosetor na produção de parcelamento do solo urbano e o mapeamento que con-seguimos fazer no Estado de São Paulo.

Em 1991, por meio de decreto, o governador criou uma entidade, umaespécie de balcão, na qual todas as secretarias analisam num prazo único osprojetos de parcelamento do solo urbano. Com isso, conseguiu-se produziruma série de estatísticas em decorrência dos certificados emitidos por essegrupo de análise e aprovação de projetos habitacionais.

É importante enfocar — se puder ir passando as transparências — quemais do que a importância do setor de produção privada no parcelamento dosolo há o item a.

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Dentro de sua carteira de produção, cerca de 60% dos lotes produzidossão destinados a loteamentos populares, ditos de interesse social. Essa é umaprodução formal que agrega, no conjunto de sua aprovação legal, uma série denormas e legislações de difícil aplicabilidade. Como se vê, uma das sugestõesde criar um capítulo à parte para regularização de procedimentos para a regu-larização fundiária é mais do que necessária.

Para que seja legalmente aprovado um projeto de loteamento, indepen-dentemente do padrão de lote a que se destina, é necessária a aprovação porparte da administração pública municipal, no caso São Paulo – e acredito queisso é válido hoje para todos os estados da Federação –, e é necessária umalicença ambiental pelo órgão que faz o controle do meio ambiente dentrodesses entes da Federação. É necessário também um órgão de controle desaneamento básico, porque o parcelamento do solo é considerado atividade defonte poluidora, porque vai gerar adensamento, demanda por saneamento.

Muitas vezes é necessária também a anuência de um órgão relacionado àárea de habitação ou desenvolvimento urbano que vai procurar identificar ascondições de solo, de declividade ou de drenagem urbana. Afora essa aprova-ção, essa anuência por parte desses entes dos estados, ou seja, dos GovernosEstaduais, todo esse procedimento deve reportar novamente à administraçãopública municipal para que obtenha hoje o ato administrativo de aprovação e,na nova lei, a considerada licença urbanística para ser encaminhado ao registropúblico, quando então essas unidades poderão ser vendidas. Com o ato admi-nistrativo da aprovação se consegue a possibilidade de execução do loteamento.

Então, vou apresentar os últimos fluxogramas, apenas para tentarexemplificar isso de forma gráfica e todos entenderem como é complexo oprocesso de produção.

Nesse fluxograma, eu procuro exemplificar, antes da execução efetiva deum projeto de loteamento, a demanda no Estado de São Paulo.

Atualmente há um órgão que reúne todas as secretarias. Não se conse-gue um lote urbanizado, seja de que padrão for, em menos de 12 meses delicenciamento. Ou seja, antes de se produzir a unidade de lote, gasta-se ape-nas com procedimentos de licenciamento, de projetos, análises e prazos deaprovação 12 meses. Tudo isso representa custo, tudo isso representa comple-xidade de agentes envolvidos na produção imobiliária.

Se pensarmos na necessidade de um capítulo à parte para a regulariza-ção, essa lei foi muito feliz em determinar prazos para a análise dos projetos,ou seja, de todos esses entes que participam do processo de licenciamento e

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de aprovação de projetos habitacionais a fim de que a prefeitura, que na verda-de é a autoridade licenciadora, se manifeste pela aprovação ou peloindeferimento do projeto ou pelo cumprimento de eventuais exigências. Isso éextremamente necessário para que a produção imobiliária seja feita de formacada vez mais célere a fim de atender a uma demanda cada vez maior porhabitação formal.

Dito isso, poderíamos estar nos atendo mais aos aspectos desta audiên-cia pública no que diz respeito aos contratos e registro. Quero dizer que, emtermos de contratos, não querendo pôr em contraponto a apresentação daAnoreg, até porque no Estado de São Paulo procuramos firmar um convênionão só com a Anoreg, mas também com o Ministério Público, pretendemos decerta forma limar as arestas e buscar um entendimento comum do que é pos-sível e do que não é possível se fazer em termos de instrumentos particulares.

No relatório apresentado pelo Deputado Dr. Evilásio, foi colocado no caputde um artigo que existe a possibilidade da transferência do domínio com asimples averbação de um termo de captação, desde que o contrato padrão, ocompromisso de compra e venda entre o empreendedor e o adquirente do loteesteja previamente registrado.

Acreditamos que, uma vez que o oficial do registro de imóveis já seprendeu no registro do parcelamento à analise do contrato padrão e este seencontra averbado junto ao processo de registro do loteamento – e isso temocorrido de forma bastante freqüente em São Paulo –, o oficial se prende àviabilidade legal desse contrato, ou seja, às questões do Código de Defesa doConsumidor, do novo Código Civil e às novas figuras como a alienação fiduciária.

Os empreendedores têm buscado cada vez mais o suporte da Lei no

6.766/1979, previsto nesse relatório, ou seja, no momento da venda, já sedeverá levar a registro o contrato definitivo, principalmente por ser para ocomprador a garantia de que aquele empreendedor não comercializará a mes-ma unidade com outros adquirentes. Igualmente para o próprio adquirentesignifica a proteção de que todas as normas previstas na aprovação do loteamentoe as obras às quais o empreendedor se compromete realizar estejam ali ga-rantidas e ele tenha um instrumento para perquirir seu direito de eventualinadimplência por parte do empreendedor. A possibilidade da averbação dotermo de quitação, do termo do compromisso de compra e venda e da transfe-rência do domínio facilitarão enormemente e minimizarão as custas cartoriais.

No Estado de São Paulo, a Secretaria de Justiça autorizou ser feita umaredução dos custos dos registros do compromisso de compra e venda em 70%

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no momento do registro do compromisso, e o restante para ser completado nomomento da escritura. Conseguiríamos atender de forma bastante clara princi-palmente à produção imobiliária voltada às classes mais baixas.

Outro aspecto que existe na lei – fizemos algumas sugestões – refere-se a como é feita a cessão de direitos. A Lei no 6.766/1979, previa que osimples trespasse do contrato admitia a cessão de direitos. Esse instrumen-to deve ser aperfeiçoado mediante o registro da cessão, mais como umaproteção do cessionário que está recebendo a cessão daquele instrumentoe não sabe de que forma está o relacionamento do cedente com o empreen-dedor que lhe vendeu o lote. É muito comum verificarmos nos balcões denossas empresas um cessionário, que fez o negócio com a pessoa que haviavendido o lote, não saber da real situação do seu compromisso de compra evenda, das irregularidades e da eventual inadimplência. Surpreende-se quan-do cai sobre ele uma dívida que não é sua e da qual ele não tinha conheci-mento, mas que acaba assumindo. Assim, esse tipo de mecanismo estaráprotegendo ainda mais o adquirente, mormente os cessionários dessesdireitos.

Basicamente, no que diz respeito a registros imobiliários, não houve gran-des mudanças nos procedimentos da antiga Lei no 7.666/1979, apesar da exis-tência de alguns elementos extremamente restritivos e que oneram a parte deprodução imobiliária. Refiro-me, por exemplo, à apresentação das certidõesem nome dos proprietários por 10 anos de um imóvel a ser loteado. Isso acabainviabilizando alguns loteamentos que poderiam ser formais, tendo em vistaque, contra essas pessoas, pode existir algum tipo de pendência, da qual, nomomento da aquisição daquele imóvel – que é diferente do momento do regis-tro do loteamento – não se tinha conhecimento nem tampouco o tinha o próprioCartório de Registro de Imóveis.

Na lei, houve algumas alterações de certidões para cinco anos. Acredita-mos que esse prazo seria o mais adequado para se verificar a possibilidade deregistro do loteamento.

Para não me estender muito, gostaria de deixar à disposição esses dadosestatísticos de produção imobiliária e falar como testemunha e loteador.

Apesar da pouca idade, sou empreendedor na Região Metropolitana Oes-te de São Paulo. Percebemos que cada vez mais a administração pública muni-cipal procura transferir alguns dos ônus da urbanização, do crescimento dascidades, para os empreendedores. Ainda que eu ache que o empreendedoracaba sendo, de certa forma, a mola propulsora do crescimento dessas cida-

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des, temos de guardar os instrumentos recentemente criados e que muito têmprocurado transferir para o município a sua maioridade.

A Constituição Federal de 1988 já obrigava os municípios com populaçãoacima de 50.000 habitantes a apresentarem seus planos diretores. Hoje, sefizéssemos um levantamento, veríamos que são poucos os municípios que seprendem a planos diretores. O Estatuto das Cidades reforça essa obrigatoriedade,diminuindo a linha de corte para municípios com 20.000 habitantes.

Entendemos, como ator e agente principal da produção de espaços urba-nos, que a política de desenvolvimento urbano no município não pode ser panode fundo, mas de vitrine, de frente, e não pode ser salvaguardada a um segun-do plano, a um secretariado de segundo escalão, a uma estrutura administra-tiva não capacitada, o que encontramos na maioria das vezes. Essa é umapreocupação do setor.

A política de desenvolvimento urbano, seja ela feita pelo setor públicoou pela atividade privada, no município, tem de ser pano de frente, tem deser atividade principal e não deve ser relegada a segundo plano. Acredita-mos, até por diagnóstico, que foi por ter relegado a segundo plano e pelaprópria Lei no 6.766/1979, não ter previsto nenhum tipo de sanção, sob penade improbidade administrativa por parte do Poder Executivo, que houve essaocupação irregular, informal.

A título de sugestão, como bem disse o colega Promotor, acreditamos quedeva haver um tipo penal também. O Poder Executivo, sob pena de improbidadeadministrativa, não pode exercer seu poder de polícia no uso e ocupação dosolo, o que é uma premissa do Poder Público, principalmente da administraçãomunicipal.

Obrigado a todos.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Dr.Caio, pela contribuição. Agradeço a todos que já contribuíram para o substitutivodo Dr. Evilásio à Lei no 6.766/1979.

Passo a palavra agora ao Relator, Deputado Dr. Evilásio.

O SR. DEPUTADO DR. EVILÁSIO – Sra Presidente, como já é praxe,estou procurando não debater com os expositores. Na condição de médico,após a feitura desse relatório, buscarei a especialidade de urbanista.

Não se trata de projeto polêmico, mas é extremamente complexo. Devemo-nospreocupar mais em trabalhar na tessitura com maior participação dos segmentos eespecialistas que possam contribuir para que ele seja aprovado. Ele não é terminativo

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nesta comissão e não é apenas deste deputado. Tem que ser uma peça que tenhaa condição de ser aprovada nesta comissão. Como não é terminativo aqui, terá deser uma peça com bastante participação para que, quando em plenário, tenhamosas condições de aprová-lo, lembrando que esse processo ainda não termina nestaCasa. Temos uma outra Casa pela frente. É por isso que estamos buscando atessitura e construção dessa peça a várias mãos.

Coloco-me apenas como um sistematizador em todo esse processo.

Quero dizer que todos serão contemplados na elaboração do novosubstitutivo, este é um pré-projeto e as contribuições de outras audiênciaspúblicas foram grandes por meio das exposições aqui apresentadas.

Deixo meus agradecimentos ao Dr. Carlos Eduardo, ao Dr. Guilherme, aoDr. Edésio que já está mais familiarizado com esse projeto e já fez do cami-nho dessa comissão o caminho da roça, à Dra Ângela e ao Dr. Caio Portugal.

Hoje discutimos pontualmente os contratos e registros, mas peço quetodos fiquem à vontade para abordar capítulos que envolvem esse projeto.Não vamos ter pressa nem precisamos de celeridade. É como diz aquele ditadopopular: “Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. Eu até mesmoestou ganhando alguns quilos de tanto tomar caldo de galinha. V. Sas fiquemmuito à vontade para contribuir nos outros aspectos com relação a capítulosque compreendem essa lei que – eu diria – é a Constituição do Solo Urbano doBrasil. Reconheço a grande contribuição desse projeto para que vivamos numPaís cada vez melhor.

Muito obrigado. (Palmas)

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Deputado Dr.Evilásio, com caldo de galinha V. Exa está ficando mineiro.

Concedo a palavra ao Dr. Edésio.

O SR. EDÉSIO FERNANDES – Gostaria de pedir desculpas, pois terei queme ausentar dos debates, mas o Ministério das Cidades continuará sendo aquirepresentado pelo arquiteto Dr. Antônio Menezes Júnior que trabalha na equipede Regularização Fundiária.

Agradeço mais uma vez o convite. Continuaremos à disposição para tra-balhar juntos no substitutivo.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Dr.Edésio Fernandes.

Temos duas pessoas inscritas para falar, às quais concederei a palavra.Posteriormente concederei a palavra aos membros da Mesa.

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Concedo a palavra à Patrícia Gazzola, Procuradora do Município de Vitória.

V. Sa. já esteve conosco, não?

A SRA. PATRÍCIA GAZZOLA – Várias vezes. Inclusive, logo no início dasdiscussões, mandei uma minuta da análise crítica do anteprojeto para cada umdos membros da Comissão e não recebi nenhum tipo de retorno. Espero que odocumento tenha chegado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – É porque aspessoas estão vindo às audiências públicas para...

A SRA. PATRÍCIA GAZZOLA – Peço desculpas se eu for redundante naminuta.

Concordo integralmente com todos quanto à modificação do art. 22. Achoque ficou pior do que estava. Talvez a intenção tenha sido responsabilizar oloteador pela entrega das áreas desobstruídas.

A proposta que fiz é no sentido de se manter a redação original do art. 22da Lei no 6.766/79, e inclui a obrigatoriedade do registro às expensas do loteadorpara não gerar dúvida nenhuma. Atualmente transfere-se automaticamente,porém o registro não é obrigatório. Então, colocaríamos, além do que já existeno art. 22 – transferência automática –, que esse registro seja feito às expensasdo loteador. E num parágrafo nós poderíamos acrescentar que o loteador seráobrigado a entregar os bens públicos livres e desembaraçados sob pena daretenção da garantia correspondente ao valor daqueles bens. Não existe a ga-rantia real? Então, eu posso retê-la, se eu tiver algum bem público invadido ounão passivo de disponibilização. Existem situações onde uma praça ou umaárea institucional é invadida e, neste caso, as expensas da desocupação cabe-ria à prefeitura? Então a garantia seria retida.

Minha proposta é mais ou menos na mesma linha. Manter-se o art. 22com os acréscimos, obrigar-se o registro, que hoje em dia não existe, e deter-minar-se que a responsabilidade de entregar a área livre e desembaraçadaseja do loteador. No caso de ele não entregar, o município cobraria dele. O queacontece? O loteador diz que o município pode propor a ação, mas existemsituações nas quais o loteador sequer abriu a rua e não se sabe onde está aárea pública da planta. Na minha avaliação, a obrigação de entregá-la livre edesembaraçada tem de ser do loteador ao final do loteamento.

Com relação ao instrumento particular a que se referiu o Carlos Eduardo,pergunto à Ângela se ela se lembra daquela reunião do Habitat, em 2001,quando eu reclamei do nosso instrumento jurídico inadequado à realidade. Nós

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transferimos veículos que custam 60.000 dólares com um mero papelzinho epara fazer a transferência de uma casa é necessária uma grande burocracia eàs vezes custa 15.000 reais. Não adianta nada fazer a regularização fundiária,dar um título de propriedade para uma pessoa, quando a prática social dela éum recibo. É uma ilusão dizer que, ao viabilizar que o primeiro registro sejagratuito, aquelas pessoas vão entrar no ritmo normal do registro porque elasnão vão entrar. Essa não é a prática social delas.

Proponho que aumentemos o teto do Código Civil para instrumentoparticular, criemos um mecanismo simplificado de transferência de imóvel ebaseado até no carnê do IPTU, com modelo previamente registrado num cartó-rio para gerar a segurança política. Por exemplo, num cartório, o loteamentotem uma minuta previamente registrada, fato que gera a segurança jurídicados termos daquele papelzinho que chamamos de recibo ou papelucho. Existea prática do recibo e o particular vai à prefeitura trocar o IPTU, mas ele nãovai ao Registro de Imóveis mudar o registro. Assim, acho que a prefeitura teriade fazer uma parceria com o registro de imóveis e viabilizar, por meio de uminstrumento simplificado de transferência, a manutenção da regularizaçãofundiária para pessoas de baixa renda. Caso contrário, não adiantará nadadar o primeiro título e haverá irregularidades ao longo do tempo.

Com relação ao art. 47, que foi falado da redação anterior da Lei Lehman,concordo integralmente com a Ângela que, na qualidade de arquiteta, está sesaindo uma excelente advogada. No final, quando ela falou “direito real”, euusaria o termo mais exato do atual Código Civil que é “direito real à aquisição”,assim chamado pela doutrina.

Gostaria de me referir à proposta do representante da Anoreg, já discu-timos sobre isso. Uns concordam e outros, não. O Ari não achou ruim, não. Éo seguinte: o município é uma entidade de Direito Público. Por que os docu-mentos emitidos por ele são considerados privados? Se ele é uma entidade deDireito Público, o documento que o município emite é um documento público.Por que o município precisa fazer escritura? A Caixa Econômica, muitas vezes,não precisa fazer escritura e o município precisa. Então, eu gostaria que issofosse incluído. Há uma minuta de artigos que seria assim:

“As entidades de Direito Público Interno – Município, Estado e União –estão dispensadas da lavratura de escritura pública, assim como do reconheci-mento de firma para os atos translativos de direitos reais, bastando que oinstrumento seja lavrado em papel timbrado e que possua a assinatura doservidor público competente para o ato, não se aplicando as restrições do Có-digo Civil ou da Lei do Registro Público”.

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Essa redação pode ser melhorada. Preenche os requisitos necessários paraos efeitos... Só que não precisaria de outro ente fazer o papel para gerar publicida-de, porque tanto o Poder Público gera um documento público como também temosfé pública. Não é necessário que o cartório reconheça a fé de quem já a tem.

Quanto ao mínimo necessário sobre a qual a Ângela falou, que é o art.53-A, da Lei no 6.766/79, consta na minuta, que passei à Comissão e ao Dr.Evilásio, como art. 84:

“No caso de ações e intervenções relacionadas aos programas habi-tacionais, não é exigível a documentação que não seja a mínimanecessária e indispensável aos registros competentes, inclusive sobforma de certidões,...”

Não é isso que está valendo hoje?

“...vedadas as exigências e sanções pertinentes aos particulares,...”

Gostaria que prestassem atenção a este ponto:

“...especialmente àquelas que visem garantir a realização de obrase serviços ou prevenir questões de domínios de glebas”.

A lei estabelece que o cartório não tem de exigir nada para prevenir questõesde domínios de glebas que se presumem asseguradas pelo respectivo Poder Público.

Com base na interpretação desse artigo, redigi um parágrafo que explicaexatamente o que a Ângela pediu, que seria a documentação mínima. Acho quenessa documentação mínima está faltando a questão ambiental. Concordo como que foi falado, mas está em aberto para pensarmos sobre o assunto.

Seria:

“É vedada a exigência, por parte dos cartórios, para o Poder Público eentidades delegadas: a - escrituras públicas para instrumentos translativos dedireito real e para o registro das transferências efetuadas pelo Poder Públicoaos beneficiários. De cronograma de implantação de infra-estrutura e seu compe-tente instrumento de garantia... Ou seja, o Poder Público não precisa apre-sentar isso aos cartórios. ...de certidões que visem prevenir questões dedomínio e relativas a ônus reais, tanto no registro da gleba quanto na trans-ferência dos lotes aos particulares... Presume-se assegurada pelo Poder Pú-blico. Qualquer eventual dano será pago pelo Poder Público, o que já determinaa Lei no 6.766/79, no seu art. 53-A. ...e certidões fiscais e previdenciárias.

Seria vedado esse tipo de exigência tentando esclarecer o que seria oart. 53-A. A proposta da Ângela está em aberto.

Muito obrigada.

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A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Patrícia,não só pela sua fala, mas também pela participação efetiva em nossas audiên-cias públicas.

Concedo a palavra ao Sr. Helvécio Castello, representante do IRIB.

O SR. HELVÉCIO DUIA CASTELLO – Sra Presidente, farei três brevesobservações em nome do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, do qual souVice-Presidente, não sem antes manifestar minha satisfação de voltar a falarnesta Casa quase 10 anos depois de dela ter-me ausentado.

Dr. Guilherme falou sobre as cláusulas abusivas. Sou registrador de imó-veis há 7 anos e fui Tabelião de Notas durante 27 anos. Tenho preocupação muitogrande quanto a se delegar a responsabilidade da verificação de cláusulas abusivasaos oficiais de Registro de Imóveis. A imediata conseqüência dessa imputaçãoserá que todos são seres humanos e vamos aplicar o contrário do princípio doDireito Penal que diz que in dubio pro reu. Na dúvida, com a obrigatoriedade deos oficiais entrarem no mérito das questões e das cláusulas, praticamente tudoserá recusado e ocorrerá uma sobrecarga do Poder Judiciário.

Acho salutar a preocupação do Dr. Guilherme, mas me preocupo com asconseqüências práticas dessa atribuição de responsabilidade.

O SR. GUILHERME FERNANDES NETO – V. Sa me permite um aparte?

Eu não falei com respeito à cláusula abusiva, mas à cláusula abusivaque dá ensejo a uma hipoteca. O que eu falei é mais sério. Para visualizar oque foi dito, em uma hipótese concreta, mencionei o problema da responsa-bilidade, uma cláusula-mandato, que seria a procuração embutida no con-trato sobre a qual foi instituída um direito real, que é a hipoteca. A hipotecafoi instituída através de uma procuração embutida no contrato, algo que osbancos já faziam – alguns bancos ainda hoje teimam em fazer –, que é umaprática abusiva que enseja multa baseada no Código de Defesa do Consumi-dor e que é abusiva antes mesmo do Código de Defesa do Consumidor. Ouseja: dentro de um contrato se fala: “Autorizo a construtora tal a registrar ahipoteca”. O que foi feito aqui não só com a Encol, mas com várias outrasera uma regra antes do caso Encol? Ao utilizar a procuração, que está em-butida e que era abusiva, chamada cláusula-mandato, utilizava-se uma pro-curação para registrar a hipoteca. O interessante é que em alguns casos o“habite-se” já estava averbado, ou seja, o imóvel já havia sido construído ese registrava a hipoteca para que ele fosse construído. Esse é o mínimo.

Estou analisando a hipótese de se registrar a hipoteca de um imóvel quejá foi construído o que, a meu ver, é sério.

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Ainda ao aproveitar o aparte que me foi gentilmente concedido, lembroque não mencionei aqui nem no meu ofício, algo que preocupou a promotoriae não deu certo aqui. Não sei como ocorre em outros estados.

A Lei no 6.766/79, autoriza e o projeto a repete. Refiro-me à possibilidadede o cartório receber em depósito os valores pertinentes dos compromissárioscompradores, em razão da não-implementação de um parcelamento.

Em Brasília, os cartórios foram contra esse tipo de depósito. Há 8 anos,houve grande batalha para se efetuarem os depósitos junto aos cartórios de regis-tro de imóveis. Não sei como foi o final disso, porque acompanhei só o início, em1995. Foi uma tormentosa batalha, porque os cartórios não se haviam estruturadopara receber esses valores e não existia, como de fato ainda hoje não existe, uminstrumento para fiscalizar esse tipo de depósito, quando poderia ser liberado paraos compromissários compradores e como isso seria desenvolvido.

Então, eu queria efetuar essa análise não com respeito à cláusula abusiva,mas à cláusula que autoriza o registro.

O SR. HELVÉCIO DUIA CASTELLO – De qualquer maneira, Dr. Guilher-me, é interessante que essa questão seja bastante debatida para evitar que oremédio acabe matando o paciente.

O Edésio e todos os participantes já deixaram bem claro a V. Exa, Deputado,Relator do projeto, que hoje no nosso País estamos consolidando claramente anecessidade absoluta de desburocratizar os processos de regularização fundiáriade situações consolidadas. Tenho trabalhado e discutido essa questão com aDra Patrícia e com o Ari, e sou um dos que mais defende a tese de que, para aregularização fundiária de ocupação consolidada, por exemplo, há mais de 20anos, certificada pelo município, não se deveria exigir absolutamente nenhumaburocracia. Não me estou referindo a projetos móveis, mas a situações quenão têm mais como ser alteradas.

Excluindo as hipóteses das quais não se poder abrir mão: área de risco,área de mananciais, área de preservação ambiental etc., defendo a tese de que,se o município certificar que determinada ocupação fundiária está consolidada hámais de 20 anos, bastaria esse dado para levar ao Cartório de Registro de Imó-veis o projeto de parcelamento para que ele seja registrado e regularizado.

E mais: tenho tido com a Dra Patrícia uma saudável discussão na qualtenho defendido a criação da figura do usucapião administrativo. Se há umaocupação consolidada e sabe-se ou não quem é o proprietário daquela poligonalinteira, deveria estar previsto na lei que aquela área passaria a ser de domínio

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do município, com a obrigação exclusiva de outorgar o título de domínio para osocupantes, enfim, para os proprietários.

A SRA. PATRÍCIA GAZZOLA – Surgindo lide, vai para o Judiciário.

O SR. HELVÉCIO DUIA CASTELLO – Este princípio que a Dra Patrícia estácitando agora é um princípio que defendo também há muito tempo. O Judiciáriofoi feito para dirimir conflitos. O Dr. Carlos Eduardo está aqui e é testemunhadisso. Se não há conflito, não me parece lógico levar ao Judiciário questõessobre as quais não há dúvida, não há discussão. Essas questões, na minhaavaliação, deveriam ser tratadas apenas na esfera administrativa, em determi-nadas situações, com a participação prévia ou a posteriori do Ministério Públi-co. Dever-se-iam tratar os municípios, os entes públicos encarregados dessaregularização, de forma absolutamente diferenciada. Não faz sentido exigir domunicípio uma série de certidões que alguns oficiais exigem. Está previsto nalei. Até onde sei, não há na legislação nenhuma norma que autorize o oficial doregistro de imóveis, em função de ser um município que está promovendo aregularização, a abrir mão de uma burocracia infernal.

Acho extremamente necessário que se especifiquem na legislação quaissão os documentos. No Brasil, a competência para legislar em matéria de re-gistro público é exclusivamente federal. Apesar disso, alguns estados e muni-cípios legislam em matéria de registro público, provimentos, portarias etc. Algunsoficiais de registro de imóveis ao se defrontarem com uma lei municipal, quetrata de matéria específica de registro público, passam a cumpri-la automatica-mente, apesar de o município não ter competência para legislar. Temos depensar, deputada, o Brasil é um país continental, com situações totalmentediferenciadas nos diversos lugares. Nas cidades maiores, nos grandes centros,é pouco provável que esse tipo de comportamento aconteça com regularidade,mas nas pequenas localidades essa prática é muito comum.

Se V. Exa me permitir, vou citar uma pequena passagem.

Eu tinha uma colega de uma cidade de porte razoável que tinha pavor daexpressão “vou falar com o juiz”. As pessoas chegavam ao cartório dela, solici-tando um registro. Ela dizia: “Não posso fazer, porque está errado por isso oupor aquilo”. As pessoas então diziam que iam reclamar com o juiz e ela acaba-va dizendo: “Ah, então me dá aqui que vou fazer”.

Essa realidade por mais absurda que pareça é a realidade do Brasil.Assim, é extremamente saudável que se especifiquem na lei quais são osdocumentos exigíveis. Está especificado na Lei no 7.433/85, que trata dosrequisitos de escritura pública, e está dentro do tema “contrato”, que têm de

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ser exigidas certidões fiscais, assim entendidas as que digam respeito a débitosprovenientes dos imóveis. Há espantosa diversidade de interpretações sobreesse dispositivo no País. Existem lugares que entendem, até por provimento decorregedoria ou por portaria do juiz diretor do fórum, que dentro das certidõesfiscais devem-se exigir as certidões estaduais; outros exigem apenas a munici-pal. Enfim, teríamos assunto para conversar durante bastante tempo.

Para finalizar a manifestação, deputada, e não, os assuntos, temos nosempenhado, o Ari e eu – o Ari a que a Dra Patrícia se refere é o Presidente daAnoreg de São Paulo –, junto ao Ministério das Cidades. E temos dito issoreiteradas vezes, para que a regularização fundiária nas áreas de interessesocial – é muito fácil de ser definido por lei municipal – seja feita em nome doprimeiro possuidor de forma inteiramente gratuita, sem custo absolutamentealgum. Isso inclui isenção de Imposto de Transmissão; de laudêmio, se forterreno da União ou se for mesmo terreno de outras entidades; gratuidade daescritura pública; gratuidade de registro. Enfim, deve-se colocar esse registrode forma absolutamente gratuita no nome do primeiro ocupante de imóveissituados em área de interesse social. Essa proposta foi levada ao Ministério dasCidades por essa parceria entre o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil –IRIB, e a Associação de Notários e Registradores – ANOREG.

Se V. Exa me permitir mais uma observação, serei muito rápido pois nãodesejo discutir a respeito dela.

Diferentemente da DraA Patrícia – somos de Vitória e brigamos juntos otempo todo –, sou partidário de que todas as operações imobiliárias, principal-mente as que envolvem pessoas de baixa renda, sejam feitas por instrumentopúblico de forma gratuita. Imaginem V. Exas, é um contra-senso, e está nalegislação brasileira, que a aquisição de um imóvel de 200.000 reais, 500.000reais ou 1 milhão de reais tenha de ser feita por escritura pública. É diferenteda situação de um imóvel de uma pessoa que mora num lugar totalmentedesassistido de saúde, habitação, de alimentação etc. E esta é a realidade doBrasil. Este é um enfoque um pouco diferente.

Vejam o que a lei faz: perversamente retira de quem precisa de assistência aassistência jurídica do profissional, do notário, um profissional do Direito, e obrigaque essa assistência jurídica preliminar seja feita para quem tem recursos, temcondições de contratar advogado e, via de regra, tem advogado. Então, há umadiferença entre isso e o que a Dra Patrícia argumenta sobre o contrato particular.

Quando uma concessionária vende um carro de 200.000 reais ou de500.000 reais – e há carros até muito mais caros –, é uma empresa consolida-

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da, com sede definida e um patrimônio que está lá, via de regra, estácapacitada a responder por danos que venham a ser causados àquele com-prador.

No caso da população de baixa renda, em áreas de interesse social, seessa atribuição fosse dada por força de lei ao tabelião de notas, uma pessoaque está estabelecida, é fiscalizado pelo Judiciário, tem endereço definido, te-oricamente tem formação jurídica e técnica suficiente – e digo isto a cavaleiro,porque não sou tabelião de notas – e ele tiver que intervir nesse processo e ofizer de forma errada, pagar do seu bolso o prejuízo causado àquela pessoa,duvido que teríamos a profusão de vendas de imóveis irregulares. Certamentepropiciaríamos uma redução dessas transações irregulares de forma bastanteextensa, de forma violenta. Se o cidadão precisa, vamos dar-lhe a escritura degraça; absolutamente não há problema algum. Ao contrário do que pode pare-cer, o custo – ressalte-se bastante – não é o principal problema. Prevenir con-duz a melhores resultados do que remediar.

Peço desculpas por ter-me estendido.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Sr.Helvécio.

Alguém mais deseja fazer algum comentário rápido?

A SRA. PATRÍCIA GAZZOLA – Em tese não sou contra à idéia do se-nhor, desde que viabilizemos realmente o acesso à população de baixa de ren-da. Se se trabalhar o princípio da capacidade contributiva – quem não podepagar, não paga; quem pode pagar, paga –, poderemos viabilizar a simplifica-ção desse procedimento, quando a pessoa fosse fazer a troca do IPTU, porquea questão é a prática social. Eles não têm a prática social de procurar umcartório. Portanto, se trabalharmos a gratuidade, não me oponho a essa mu-dança de paradigma, mas tem de ser simplificado e aproveitada a práticasocial. Mas temos de discutir este assunto com calma.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Vou conceder apalavra, primeiro, às pessoas da esquerda, depois, às da direita.

Concedo a palavra ao Sr. Carlos Eduardo, representante da Anoreg, parafazer seus comentários.

O SR. CARLOS EDUARDO FERRAZ DE MATTOS BARROSO – Querodeixar bem claro que minha defesa do instrumento público é para os loteamentosa serem criados. É lógico que a regularização demanda sistema muito maissimplificado, mesmo porque são situações já postas.

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Neste término, quero deixar claro meu posicionamento pessoal.

É extremamente difícil a justificativa e a explicação de que tipo de funçãoo registrador exerce. Muitas vezes o registrador é criticado, porque faz exigên-cias e porque não as faz. A função do registrador é meramente formal. Se aexigência é formulada, é porque, no entender do registrador, profissional doDireito, existe algo que a impede e poderá causar prejuízos a terceiros ou àprópria cadeia dominial daquele imóvel.

Gostaria eu que a lei fosse capaz de solucionar todos os problemas decorren-tes da interpretação do Direito. Uma audiência pública com profissionais de váriasáreas é extremamente interessante principalmente para quem fez Direito. Eu nãotenho esperança de que a lei seja capaz de descrever e cercar todas as possibilida-des possíveis, a ponto de os operadores do Direito não terem dúvida quanto ao quea lei determina. Isso é impossível. Onde há operadores de Direito existem duas ouvárias opiniões. Por isso a lei tem de traçar os nortes mínimos, na minha opinião.Todas as vezes que a lei especifica, desce a detalhes, cada detalhe se torna umapolêmica a mais a ser criada. Profissional de Direito, o registrador também inter-preta a lei. Por isso, é impossível imaginar um sistema no qual todos os registrado-res tenham as mesmas exigências, estando eles nos mais variados estados. ODireito é uma ciência política. A interpretação do Direito revela até a sua própriaintelecção cultural, seu posicionamento cultural e político a respeito do assunto. Seem cada estado existe um provimento diferente feito por operadores de Direito, seem cada estado existe um tribunal de justiça, com conclusões diferentes, se preci-samos de tribunais superiores para uniformizar os entendimentos jurisprudenciaisdo estado, exigir dos registradores entendimento uniforme em qualquer questãobeira o impossível. A lei, sim, deve simplificar o procedimento para que o registra-dor tenha mais segurança na sua interpretação. A regularização fundiária é umproblema premente. Os futuros loteamentos devem ter estímulo para que sejamrealizados, porque de nada adianta regularizar o que veio de errado do passado econtinuar fazendo errado daqui para frente. É preciso fazer um divisor de águas. Opassado deve estar regularizado. Devemos criar um sistema para que o loteamentoregular seja cada vez mais estimulado.

Agradeço à Sra Presidente da Mesa, ao Deputado Relator e a todos ospresentes pela atenção a mim dispensada.

Muito obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Carlos, obrigada.Realmente, você tem razão. Hoje, estamos falando de Direito, mas mesmo comprofissionais de outras áreas, em cada tema debatido, trata-se dessa questão.

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Agradecemos não só ao Carlos Eduardo, na qualidade de representanteda Anoreg, pelas contribuições prestadas.

Concedo a palavra para a Sra Ângela Regina Lima.

A SRA. ÂNGELA REGINA LIMA – Aproveitando o que você falou sobre asugestão de outros temas além do abordado, fico bastante apreensiva comrelação a esses condomínios urbanísticos. Na realidade, eles “guetificam” maisa cidade.

No Rio de Janeiro, tivemos uma experiência, na década de 60, com umdecreto que criava padrões especiais para vilas. Por esse decreto, as vilaseram feitas juntamente com as edificações. Depois do decreto, criou-se a figu-ra do lote de vila, com áreas de utilização exclusiva dos moradores, áreascomunitárias. Isso causou uma confusão danada, porque o decreto não estabe-leceu o tamanho dessas vilas. No Rio de Janeiro, há loteamentos imensos, compadrões menores, mas que não são vilas. Eles usaram o decreto de vila paracriar parcelamentos. Há áreas extremamente densas, com mais de 500 lotes.Há um loteamento com 3.300 lotes, que se chama Vilar Carioca, cujos padrõesutilizados foram os desse decreto.

Os técnicos da Prefeitura do Rio estão bastante preocupados em definir,já que o condomínio urbanístico será aprovado, um tamanho, um limite paraesses condomínios. Até 50 lotes poderá ser chamado de condomínio. Não sepoderá criar condomínios com mil lotes, uma área completamente fechada,sem nenhuma interligação. Isso é inviável até para o Poder Público.

Ontem, li a lei com alguns técnicos da prefeitura. Constatamos que o fatode a prefeitura, de o Poder Público fazer parte da infra-estrutura é uma faca dedois gumes, porque propiciará, facilitará o condomínio, já que o Poder Públiconão tem dinheiro para implementar obras. No caso específico do Rio de Janei-ro, as obras de infra-estrutura estão sob a responsabilidade de concessionáriasestaduais. Imaginem um parcelador entrando com um projeto de loteamentona Prefeitura do Rio de Janeiro, que deverá ser responsabilizada pelas obras deinfra-estrutura. A Prefeitura do Rio de Janeiro não tem a responsabilidade deimplementar água, esgoto, telefone, gás. A prefeitura faz isso nos loteamentosregularizados por ela, ou seja, executa as obras de água e esgoto e depoispassa esse serviço para as concessionárias, a fim de que estas possam mantê-lo. Para um parcelamento novo, a prefeitura não faz. Portanto, percebo dificul-dades na divisão da execução de obras de infra-estrutura. O Poder Públicomunicipal, no caso do Rio de Janeiro, não tem a atribuição de executar asobras.

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Com relação aos condomínios, eles devem ter um tamanho definido. Asvilas poderiam ter dado muito certo no Rio de Janeiro, se tivessem definido queteriam até 50 lotes, por exemplo. Isso seria completamente viável. Sou a favordas vilas. É perfeitamente possível morar numa vila.

A outra questão que a Patrícia levantou foi a respeito do usucapião admi-nistrativo. Se fosse implantado, seria maravilhoso. No caso do Rio de Janeiro,quando elaboramos um projeto de PAL, as medidas, as metragens dos lotesnunca são aquelas estabelecidas no contrato do morador. É impossível fazerum projeto de regularização com as metragens que o adquirente tem nodocumento dele. Até recolhemos essa documentação para subsidiar a elabora-ção da planta, mas optamos por manter o que foi implantado no local, levanta-do por meio de topografia.

Um dos provimentos da Corregedoria-Geral de Justiça diz que, havendodivergência entre a documentação do morador e a planta do Poder Público,prevalece o que está na planta da prefeitura. Por isso os moradores conse-guem registrar os títulos de propriedade. A única coisa que fazemos questãode manter na planta é a designação do lote. Se é lote a no documento domorador, ele tem de aparecer na planta como lote a, mesmo que a seqüênciafique furada. Não podemos mexer na designação do lote. Tivemos de mudarum projeto que tinha sido registrado, porque os moradores não conseguiamregistrar o documento deles. Eles voltaram à Prefeitura e disseram: “Nãoconsigo registrar nada do que está lá, porque o meu documento não bate como que vocês registraram”. Entramos em contato com o cartório e modificamoso projeto com a denominação dos lotes estabelecidos no documento do mo-rador.

Depois dessa confusão toda, numa reunião na prefeitura, alguém levan-tou a questão: “Por que a prefeitura não passa um documento para o mora-dor, dizendo que o lote tal, com as medidas tais e tais, passa a vigorar com asmedidas tais e tais?” A prefeitura não tem competência para fazer isso – nãosou advogada; desculpe-me se estiver falando uma heresia –, não tem comointerferir na transação entre parcelador e adquirente de lote. Ela só regulari-za o loteamento de acordo com o art. 38 ou 40 da Lei no 6.766/1979, que dizque ela pode regularizar, mas não entramos nisso. Usamos esses artifíciospara viabilizar o registro de documento do morador. Uma pessoa sugeriu quea prefeitura emitisse um documento, que seria levado junto com o documentodo morador, complementando: “Essa medida não vale. Vale o que nós, PoderPúblico, estamos dizendo que prevalece agora”

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Quanto à questão do usucapião administrativo, um Procurador da Prefei-tura sugeriu que fosse encaminhada uma lei para a Câmara de Vereadores,elencando alguns loteamentos com mais de 20 anos e dizendo que o PoderPúblico poderia receber essas áreas depois que ficasse caracterizada a insol-vência da empresa parceladora e como forma de pagar os gastos com as obrasde infra-estrutura. Só assim o Poder Público poderia titular esses moradores,porque essa terra viria para suas mãos. Seria um artifício em cima desseusucapião, que não sei como funcionaria.

Era o que tinha a dizer.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Ângela.

Concedo a palavra ao Sr. Antônio Menezes Júnior, do Ministério das Ci-dades.

O SR. ANTÔNIO MEDEIROS JÚNIOR – Para nós, é motivo de satisfaçãosaber que as teses apresentadas, apesar da pouca idade do Ministério dasCidades, já vêm sendo trabalhadas há algum tempo, a partir da experiênciaprática de arquitetos e bacharéis de Direito de todas as ordens, de todas asinstituições, enfim, dos Poderes Executivo, Judiciário, etc. Uma questão impor-tante para nós do Poder Executivo é formular com maior claridade umposicionamento.

Em relação à documentação, no Brasil, em vários contextos, estamossendo questionados, provocados a regulamentar determinados aspectos da vidapública e privada. Esse debate, evidentemente, precisa estar colocado sob aótica dos objetivos que se quer alcançar. No caso do processo de regularizaçãopara populações de baixa renda, que é com o que basicamente o Programa deRegularização Fundiária está preocupado, diante do quadro de crise social noPaís, temos visto que há uma distância, um descompasso muito grande, umafalta de sintonia em relação a todas essas exigências, todos esses processosadministrativos, ditos burocráticos, da própria evolução do nosso processo ad-ministrativo e a realidade social que não acompanha isso. Já inventamos osinstrumentos das ZEIS, Zonas Especiais de Interesses Sociais, que estão tendobastante êxito nas cidades brasileiras onde estão sendo implantadas e que têminterface com esse problema do registro.

Cabe neste momento uma palavra apenas de ponderação de que precisa-ríamos pensar até – não é oficial – num caminho intermediário, já que acredi-tamos num mecanismo de participação coletiva e colegiada que possaregulamentar o que, além da documentação mínima, pode ser ainda mais exi-gido. Trata-se apenas de uma suposição, a título de contribuição.

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Na condição de planejador urbano, temos visto que existem muitas difi-culdades. Os processos são longos, demorados, mas existe um caminho. Jádemos um compartilhamento de responsabilidades de forma um pouco maistransparente. Isso também é uma mera suposição.

Agradeço em nome do ministério e deixo o compromisso de eventual-mente contribuir internamente nesse debate.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Antô-nio Menezes.

Gostaria de dizer que o ministério das Cidades tem participado assidua-mente conosco, contribuído com os debates. A equipe do ministério é compostade pessoas que só trabalham nessa área. Apesar de o ministério ser novo, aequipe é formada por pessoas experientes, de várias outras caminhadas nadiscussão da reforma urbana.

Passo a palavra ao Dr. Guilherme, representante do Ministério Público doDistrito Federal.

O SR. GUILHERME FERNANDES NETO – Ilustre Deputada, quero apenasmencionar que achei interessantíssima a idéia do Dr. Carlos Eduardo Ferrazno que tange à escritura pública possibilitar a outorga, sendo dada a proprie-dade de imediato. Com a quitação, finda-se o problema da transferência dapropriedade. Estimular a escritura pública é o caminho ideal, indo contra aidéia do contrato particular com força de escritura pública, que foi criado como objetivo de sair dos cartórios e foi desvirtuado da sua finalidade inicial.Hoje, os bancos cobram muito mais do que o Cartório de Notas para elaboraruma escritura pública.

Os consumidores saíram dos Cartórios de Notas e estão hoje presos aosbancos, que utilizam contratos particulares com força de escritura pública. Soucontra a Caixa Econômica utilizar o instrumento particular de escritura pública.Achei interessantíssima a idéia do Dr. Carlos e tenho receio com respeito apossibilitar a transferência por intermédio do IPTU. Se, por um lado, o automó-vel se transfere pela tradição, porque é bem móvel, é mera formalidade noDetran, o bem imóvel não. Se, por acaso, ocorrerem 3, 4, 5 transferências, oterceiro, de boa-fé, terá a proteção. Posteriormente, não teremos como fazeraquilo. Essa é a diferença entre a transferência do carro e do bem imóvel.Todavia, é interessante estimularmos o consumidor pobre a regularizar suatransferência.

Mencionou-se a necessidade de uma regra de transição. Eu também ti-nha mencionado isso no meu ofício. Na realidade, há vários condomínios que já

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foram implementados pela metade ou não o foram. Talvez implementemosuma idéia especialmente para aqueles casos em que os empreendedores já seafastaram. Hoje, deixou-se de pagar o Imposto de Propriedade Rural para co-meçar a receber o IPTU, e nada se faz com valor do IPTU. É uma idéia interes-sante para se criar uma regra de transição.

Não vejo nenhum problema de se incluir aqui uma alteração na Lei no

8.429/1992, que trata da improbidade. O Governador do Distrito Federal já foicondenado por improbidade em razão da cessão de terreno público. Cinqüen-ta e duas cessões foram efetuadas. S. Exa já foi condenado em primeiroinstância, mas recorreu. Trata-se de um caso conhecido. Foi a primeira açãode improbidade em Brasília e uma das primeiras no País. Então, há possibili-dade de se alterar a Lei no 8.429/1992, incluindo a improbidade do adminis-trador público que deixa de dar implementação no condomínio. Éinteressantíssima a idéia mencionada.

Quanto ao usucapião administrativo, tenho uma série de receios. Já estouhá 11 anos no Ministério Público, em quase 10 anos de advocacia e mais de 20anos de fórum. Visualizamos processos simulados. Com esses processos, te-mos a possibilidade de verificar quando o usucapião está sendo utilizado para,às vezes, retirar patrimônio do próprio devedor.

O usucapião administrativo talvez possa perder esse tipo de controle.Esse é o receio que tenho. Existe uma série de requisitos no que tange alitisconsórcio necessário não só dos vizinhos. O Judiciário e o Ministério Públicoatuam no usucapião para evitar um processo simulado.

Basicamente, eram essas as nossas considerações.

Agradeço a todos a atenção. Obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Obrigada, Gui-lherme.

Concedo a palavra ao Sr. Caio Portugal.

O SR. CAIO PORTUGAL – Acompanho o raciocínio do Dr. Carlos Eduardoquando fala que o espírito da lei deve prever de forma distinta a regularizaçãofundiária. Então, deve ser objeto de tratamento específico, assim como aregulação da nova produção de desenvolvimento urbano deve ser analisada deforma a gerar ou buscar incentivos para realizar a boa urbanização ou a urba-nização adequada. Pensando nisso, acreditamos que uma lei federal deve bus-car diretrizes, linhas gerais, não querendo entrar em contraponto com a colegado Rio, que manifestou a preocupação do condomínio urbanístico, se ele deve-

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ria regular 50 ou 100 ou 200 unidades. Acredito que a lei deve manifestar, deforma direta ou indireta, essa preocupação, mas deve deixar tanto para esta-dos e municípios essa regulação, até porque as características deste País, detamanho continental, são muito distintas. Se analisarmos a região metropolita-na de São Paulo, veremos que é uma coisa, a região metropolitana de capitaismenores é outra, e o interior nem se fala.

Em termos gerais, a lei deve trabalhar mais ou menos no mecanismofeito na parte de regularização fundiária com os ajustes necessários para queocorra de fato. Não basta a lei. Ela tem de buscar mecanismos passíveis deaplicação.

No que diz respeito à regulação da nova produção do desenvolvimentourbano, acreditamos que deve estar figurada na lei a questão, como aqui estáescrito e que já aparecem algumas sugestões, do loteamento, conhecido comoloteamento aberto – esse que conhecemos, o desmembramento –, que é umanecessidade, como há necessidade de parcelamentos menores, a questão docondomínio urbanístico, com a salvaguarda de uma melhor regulação nas uni-dades municipais, estaduais, a parte que chamamos de loteamento de acessocontrolado, que é um loteamento dito fechado, mas que garante todas as ques-tões de cumprimento de áreas públicas, tão fundamentais para a administra-ção da cidade, e a própria questão do direito de ir e vir.

Esperamos que seja passageira a preocupação com segurança e queo desenvolvimento do País, o crescimento da economia e a melhor distri-buição de renda façam com que a cidade cresça da forma como foi pensa-da. A cidade é a coexistência das diferenças, mas não deve admitir núcleosfechados, estanques, que apresentem diferenças físicas entre as classessociais.

Na condição de agente de desenvo e é um dos pontos que necessaria-mente deve estar previsto na legislação.

Agradeço mais uma vez à Sra Presidente o convite o ao Dr. Evilásio pelaoportunidade desse relatório.

Obrigado.

A SRA. PRESIDENTE (Deputada Maria do Carmo Lara) – Agradecemos atodos a participação. Houve uma audiência pública só sobre condomínios fe-chados. Com certeza, nas três audiências, Dr. Evilásio, essa questão apareceu.Há uma preocupação das pessoas de se fecharem, mas quem está pensandona questão urbana deve fazê-lo de forma diferente.

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Encerramos hoje esse ciclo de audiências para discutir essa questão daLei no 6.766/1979. Agradecemos a todos, ao Deputado Dr. Evilásio, que colocouseu substitutivo em discussão. S. Exa, como Relator, abriu mão de apresentarseu substitutivo de imediato para ser votado e quis debatê-lo. Agora, S. Exa.

terá um tempo para apresentar o relatório, para que possamos votá-lo eencaminhá-lo não à Casa, mas à sociedade brasileira, a fim de que nos ajude aavançar nos desafios da questão urbana.

Muito obrigada a todos e até amanhã.

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Lei no 6.766, de 19 dedezembro de 1979

Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, e dá outras providências

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O parcelamento do solo urbano

Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979

Dispõe sobre o parcelamento do solo ur-bano, e dá outras providências.

O Presidente da República:

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1O O parcelamento do solo para fins urbanos será regido por esta lei.

Parágrafo único. Os estados, o Distrito Federal e os municípios pode-rão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solomunicipal para adequar o previsto nesta lei às peculiaridades regionais elocais.

CAPÍTULO IDisposições Preliminares

Art. 2O O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante lotea-mento ou desmembramento, observadas as disposições desta lei e as das le-gislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1O Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinadosa edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicosou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2O Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotesdestinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, des-de que não implique abertura de novas vias e logradouros públicos, nem noprolongamento, modificação ou amplicação dos já existentes.

§ 3O (VETADO) (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

§ 4O Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujasdimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou leimunicipal para a zona em que se situe.(Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

§ 5O Consideram-se infra-estrutura básica os equipamentos urbanos deescoamento das águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e

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abastecimento de água potável, e de energia elétrica pública e domiciliar e asvias de circulação pavimentadas ou não.(Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

§ 6O A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonashabitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, nomínimo, de: (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

I – vias de circulação; (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99) II – escoamento das águas pluviais; (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)III – rede para o abastecimento de água potável; e (Incluído pela Lei n O

9.785, 29-1-99)IV – soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domi-

ciliar.(Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Art. 3O Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanosem zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assimdefinidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. (NR) (Redaçãodada pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo: I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as

providências para assegurar o escoamento das águas; II – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saú-

de pública, sem que sejam previamente saneados;III – em terreno com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento),

salvo se atendidas exigências específicas das autoridades com-petetes;

IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edifica-ção;

V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeçacondições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

CAPÍTULO IIDos Requisitos Urbanísticos para Loteamento

Art. 4O Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes re-quisitos:

I – as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equi-pamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de usopúblico, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista peloplano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que sesituem. (Redação dada pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

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II – os lotes terão área mínima de 125 m2 (cento e vinte e cinco metrosquadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando alegislação estadual ou municipal determinar maiores exigências, ouquando o loteamento se destinar a urbanização específica ouedificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previa-mente aprovados pelos órgãos públicos competentes;

III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domíniopúblico das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reservade uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado,salvo maiores exigências da legislação específica;

IV – as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentesoficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografialocal.

§ 1O A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida oterritório do município, os usos permitidos e os índices urbanísticos deparcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreasmínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento.(Redação dada pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

§ 2O Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação,cultura, saúde, lazer e similares.

Art. 5O O Poder Público competente poderá complementarmente exigir,em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipa-mentos urbanos.

Parágrafo único. Consideram-se urbanos os equipamentos públicos deabastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águaspluviais, rede telefônica e gás canalizado.

CAPÍTULO IIIDo Projeto de Loteamento

Art. 6O Antes da elaboração do projeto de loteamento, o interessadodeverá solicitar à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso,que defina as diretrizes para o uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário,dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comuni-tário, apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel contendo,pelo menos:

I – as divisas da gleba a ser loteada;

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II – as curvas de nível a distância adequada, quando exigidas por leiestadual ou municipal;

III – a localização dos cursos d’água, bosques e construções existentes;IV – a indicação dos arruamentos contíguos a todo o perímetro, a locali-

zação das vias de comunicação, das áreas livres, dos equipamen-tos urbanos e comunitários, existentes no local ou em suasadjacências, com as respectivas distâncias da área a ser loteada;

V – o tipo de uso predominante a que o loteamento se destina;VI – as características, dimensões e localização das zonas de uso contí-

guas.

Art. 7O A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso,indicará, nas plantas apresentadas junto com o requerimento, de acordo comas diretrizes de planejamento estadual e municipal:

I – as ruas ou estradas existentes ou projetadas, que compõem o sis-tema viário da cidade e do município relacionadas com o loteamentopretendido e a serem respeitadas;

II – o traçado básico do sistema viário principal;III – a localização aproximada dos terrenos destinados a equipamento

urbano e comunitário e das áreas livres de uso público;IV – as faixas sanitárias do terreno necessárias ao escoamento das águas

pluviais e as faixas não edificáveis;V – a zona ou zonas de uso predominante da área, com indicação dos

usos compatíveis.

Parágrafo único. As diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo máximo dequatro anos. (Redação dada pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Art. 8O Os municípios com menos de cinqüenta mil habitantes e aquelescujo plano diretor contiver diretrizes de urbanização para a zona em que sesitue o parcelamento poderão dispensar, por lei, a fase de fixação de diretrizesprevistas nos arts. 6O e 7O desta lei. (Redação dada pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Art. 9O Orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, oprojeto, contendo desenhos, memorial descritivo e cronograma de execuçãodas obras com duração máxima de quatro anos, será apresentado à PrefeituraMunicipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso, acompanhado de certidãoatualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imó-veis competente, de certidão negativa de tributos municipais e do competenteinstrumento de garantia, ressalvado o disposto no § 4O do art. 18. (Redaçãodada pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

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§ 1O Os desenhos conterão pelo menos: I – a subdivisão das quadras em lotes, com as respectivas dimensões e

numeração; II – o sistema de vias com a respectiva hierarquia;III – as dimensões lineares e angulares do projeto, com raios, cordas, ar-

cos, ponto de tangência e ângulos centrais das vias;IV – os perfis longitudinais, e transversais de todas as vias de circulação

e praças; V – a indicação dos marcos de alinhamento e nivelamento localizados nos

ângulos de curvas e vias projetadas;VI – a indicação em planta e perfis de todas as linhas de escoamento das

águas pluviais.

§ 2O O memorial descritivo deverá conter, obrigatoriamente, pelo menos: I – a descrição sucinta do loteamento, com as suas características e a

fixação da zona ou zonas de uso predominante; II – as condições urbanísticas do loteamento e as limitações que incidem

sobre os lotes e suas construções, além daquelas constantes das dirtrizes fixadas;

III – a indicação das áreas públicas que passarão ao domínio do municípiono ato de registro do loteamento;

IV – a enumeração dos equipamentos urbanos, comunitários e dos servi-ços públicos ou de utilidade pública, já existentes no loteamento eadjacências.

§ 3O Caso se constate, a qualquer tempo, que a certidão da matrículaapresentada como atual não tem mais correspondência com os registros eaverbações cartorárias do tempo da sua apresentação, além das conseqüên-cias penais cabíveis, serão consideradas insubsistentes tanto as diretrizesexpedidas anteriormente, quanto as aprovações conseqüentes. (Incluído pelaLei n O 9.785, 29-1-99)

CAPÍTULO IVDo Projeto de Desmembramento

Art. 10. Para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessadoapresentará requerimento à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quandofor o caso, acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedidapelo Cartório de Registro de Imóveis competente, ressalvado o disposto no § 4O

do art. 18, e de planta do imóvel a ser desmembrado contendo:(Redação dadapela Lei n O 9.785, 29-1-99)

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I – a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos; II – a indicação do tipo de uso predominante no local;III – a indicação da divisão de lotes pretendida na área.

Art. 11. Aplicam-se ao desmembramento, no que couber, as disposiçõesurbanísticas vigentes para as regiões em que se situem ou, na ausência destas,as disposições urbanísticas para os loteamentos. (NR) (Redação dada pela Lein O 9.785, 29-1-99)

Parágrafo único. O Município, ou o Distrito Federal quando for o caso,fixará os requisitos exigíveis para a aprovação de desmembramento de lotesdecorrentes de loteamento cuja destinação da área pública tenha sido inferiorà mínima prevista no § 1O do art. 4O desta lei.

CAPÍTULO VDa Aprovação do Projeto de Loteamento e Desmembramento

Art. 12. O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprova-do pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, a quemcompete também a fixação das diretrizes a que aludem os artigos 6O e 7O destalei, salvo a exceção prevista no artigo seguinte.

Parágrafo único. O projeto aprovado deverá ser executado no prazo cons-tante do cronograma de execução, sob pena de caducidade da aprovação. (In-cluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Art. 13. Aos estados caberá disciplinar a aprovação pelos municípios deloteamentos e desmembramentos nas seguintes condições: (Redação dada pelalei n O 9.785, 29-1-99)

I – quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as deproteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico,paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadualou federal;

II – quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área li-mítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nasregiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas emlei estadual ou federal;

III – quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m2 (ummilhão de metros quadrados).

Parágrafo único. No caso de loteamento ou desmembramento localizadoem área de município integrante de região metropolitana, o exame e a anuênciaprévia à aprovação do projeto caberão à autoridade metropolitana.

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Art. 14. Os estados definirão, por decreto, as áreas de proteção especial,previstas no inciso I do artigo anterior.

Art. 15. Os estados estabelecerão, por decreto, as normas a que deve-rão submeter-se os projetos de loteamento e desmembramento nas áreasprevistas no art. 13, observadas as disposições desta lei.

Parágrafo único. Na regulamentação das normas previstas neste artigo,o estado procurará atender às exigências urbanísticas do planejamento mu-nicipal.

Art. 16. A lei municipal definirá os prazos para que um projeto deparcelamento apresentado seja aprovado ou rejeitado e para que as obrasexecutadas sejam aceitas ou recusadas.(Redação dada pela Lei n O 9.785,29-1-99)

§ 1O Transcorridos os prazos sem a manifestação do Poder Público, oprojeto será considerado rejeitado ou as obras recusadas, assegurada a in-denização por eventuais danos derivados da omissão. (Incluído pela Lei n O

9.785, 29-1-99)

§ 2O Nos municípios cuja legislação for omissa, os prazos serão de no-venta dias para a aprovação ou rejeição e de sessenta dias para a aceitaçãoou recusa fundamentada das obras de urbanização.” (Incluído pela Lei n O

9.785, 29-1-99)

Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreasdestinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes doprojeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada peloloteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidadeda licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigên-cias do art. 23 desta lei.

CAPÍTULO VIDo Registro do Loteamento e Desmembramento

Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, oloteador deverá submetê-lo ao Registro Imobiliário dentro de 180 (cento eoitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos se-guintes documentos:

I – título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalva-do o disposto nos §§ 4O e 5O; (NR) (Redação dada pela Lei n O

9.785, 29-1-99)

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II – histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últi-mos 20 (vinte) anos, acompanhado dos respectivos comprovantes;

III – certidões negativas:a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre oimóvel;b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos;c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio econtra a Administração Pública;

IV – certidões:a) dos Cartórios de Protestos de Títulos, em nome do loteador,pelo período de 10 (dez) anos;b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez)anos;c) de ônus reais relativos ao imóvel;d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez)anos;

V – cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo deverificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, daexecução das obras exigidas por legislação municipal, que inclui-rão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento,demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de esco-amento das águas pluviais ou da, aprovação de um cronograma,com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de compe-tente instrumento de garantia para a execução das obras; (Reda-ção dada pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

VII – exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessãoou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente asindicações previstas no art. 26 desta lei;

VIII – declaração do cônjuge do requerente de que consente no registrodo loteamento.

§ 1O Os períodos referidos nos incisos III, b e IV, a, b e d, tomarão porbase a data do pedido de registro do loteamento, devendo todas elas seremextraídas em nome daqueles que, nos mencionados períodos, tenham sido titu-lares de direitos reais sobre o imóvel.

§ 2O A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais,exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, nãoimpedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses pro-

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testos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o oficial doregistro de imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvidaperante o juiz competente.

§ 3O A declaração a que se refere o inciso VII deste artigo não dispensa-rá o consentimento do declarante para os atos de alienação ou promessa dealienação de lotes, ou de direitos a eles relativos, que venham a ser praticadospelo seu cônjuge.

§ 4O O título de propriedade será dispensado quando se tratar deparcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel comdeclaração de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial emcurso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados,Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei aimplantar projetos de habitação. (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

§ 5O No caso de que trata o § 4O, o pedido de registro do parcelamento,além dos documentos mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instru-ído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisóriana posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação naimprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de cria-ção e de seus atos constitutivos. (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Art. 19. Examinada a documentação e encontrada em ordem, o oficial doregistro de imóveis encaminhará comunicação à Prefeitura e fará publicar, emresumo e com pequeno desenho de localização da área, edital do pedido deregistro em 3 (três) dias consecutivos, podendo este ser impugnado no prazode 15 (quinze) dias contados da data da última publicação.

§ 1O Findo o prazo sem impugnação, será feito imediatamente o regis-tro. Se houver impugnação de terceiros, o oficial do registro de imóveis intima-rá o requerente e a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for ocaso, para que sobre ela se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena dearquivamento do processo. Com tais manifestações o processo será enviado aojuiz competente para decisão.

§ 2O Ouvido o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o juiz decidiráde plano ou após instrução sumária, devendo remeter ao interessado as viasordinárias caso a matéria exija maior indagação.

§ 3O Nas capitais, a publicação do edital se fará no Diário Oficial doEstado e num dos jornais de circulação diária. Nos demais municípios, a publi-cação se fará apenas num dos jornais locais, se houver, ou, não havendo, emjornal da região.

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§ 4O O oficial do registro de imóveis que efetuar o registro em desacordocom as exigências desta lei ficará sujeito à multa equivalente a 10 (dez) vezesos emolumentos regimentais fixados para o registro, na época em que foraplicada a penalidade pelo juiz corregedor do cartório, sem prejuízo das san-ções penais e administrativas cabíveis.

§ 5O Registrado o loteamento, o oficial de registro comunicará, por certi-dão, o seu registro à prefeitura.

Art. 20. O registro do loteamento será feito, por extrato, no livro próprio.

Parágrafo único. No Registro de Imóveis far-se-á o registro do loteamento,com uma indicação para cada lote, a averbação das alterações, a abertura deruas e praças e as áreas destinadas a espaços livres ou a equipamentos urba-nos.

Art. 21. Quando a área loteada estiver situada em mais de uma circuns-crição imobiliária, o registro será requerido primeiramente perante àquela emque estiver localizada a maior parte da área loteada. Procedido o registro nes-sa circunscrição, o interessado requererá, sucessivamente, o registro doloteamento em cada uma das demais, comprovando perante cada qual o regis-tro efetuado na anterior, até que o loteamento seja registrado em todas.Denegado o registro em qualquer das circunscrições, essa decisão serácomunicada, pelo oficial do registro de imóveis, às demais para efeito de can-celamento dos registros feitos, salvo se ocorrer a hipótese prevista no § 4ºdeste artigo.

§ 1O Nenhum lote poderá situar-se em mais de uma circunscrição.

§ 2O É defeso ao interessado processar simultaneamente, perante dife-rentes circunscrições, pedidos de registro do mesmo loteamento, sendo nulosos atos praticados com infração a esta norma.

§ 3O Enquanto não procedidos todos os registros de que trata este artigo,considerar-se-á o loteamento como não registrado para os efeitos desta lei.

§ 4O O indeferimento do registro do loteamento em uma circunscriçãonão determinará o cancelamento do registro procedido em outra, se o motivodo indeferimento naquela não se estender à área situada sob a competênciadesta, e desde que o interessado requeira a manutenção do registro obtido,submetido o remanescente do loteamento a uma aprovação prévia perante aPrefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso.

Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar odomínio do município as vias e praças, os espaços, livres e as áreas destinadas

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a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e domemorial descritivo.

Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado:

I – por decisão judicial; II – a requerimento do loteador, com anuência da prefeitura, ou do Dis-

trito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sidoobjeto de contrato;

III – a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes delotes, com anuência da prefeitura, ou do Distrito Federal quando foro caso, e do estado.

§ 1O A prefeitura e o estado só poderão se opor ao cancelamento se distoresultar inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já setiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências.

§ 2O Nas hipóteses dos incisos II e III, o oficial do registro de imóveis farápublicar, em resumo, edital do pedido de cancelamento, podendo este ser im-pugnado no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da última publicação.Findo esse prazo, com ou sem impugnação, o processo será remetido ao juizcompetente para homologação do pedido de cancelamento, ouvido o MinistérioPúblico.

§ 3O A homologação de que trata o parágrafo anterior será precedida devistoria judicial destinada a comprovar a inexistência de adquirentes instaladosna área loteada.

Art. 24. O processo de loteamento e os contratos depositados em cartó-rio poderão ser examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, indepen-dentemente do pagamento de custas ou emolumentos, ainda que a título debusca.

CAPÍTULO VIIDos Contratos

Art. 25. São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessõese promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e,estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros.

Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessasde cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particu-lar, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 econterão, pelo menos, as seguintes indicações:

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I – nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacio-nalidade, estado civil e residência dos contratantes;

II – denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;

III – descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos,confrontações, área e outras características;

IV – preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importânciado sinal;

V – taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as presta-ções vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca ex-cedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos deintervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;

VI – indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxasincidentes sobre o lote compromissado;

VII – declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento,supletivas da legislação pertinente.

§ 1O O contrato deverá ser firmado em três vias ou extraído em trêstraslados, sendo um para cada parte e o terceiro para arquivo no registroimobiliário, após o registro e anotações devidas.

§ 2O Quando o contrato houver sido firmado por procurador de qualquer daspartes, será obrigatório o arquivamento da procuração no Registro Imobiliário.

§ 3O Admite-se, nos parcelamentos populares, a cessão da posse emque estiverem provisoriamente imitidas a União, estados, Distrito Federal, mu-nicípios e suas entidades delegadas, o que poderá ocorrer por instrumentoparticular, ao qual se atribui, para todos os fins de direito, caráter de escriturapública, não se aplicando a disposição do inciso II do art. 134 do Código Civil.(Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

§ 4O A cessão da posse referida no § 3o, cumpridas as obrigações docessionário, constitui crédito contra o expropriante, de aceitação obrigatóriaem garantia de contratos de financiamentos habitacionais. (Incluído pela Lein O 9.785, 29-1-99)

§ 5O Com o registro da sentença que, em processo de desapropriação,fixar o valor da indenização, a posse referida no § 3O converter-se-á em propri-edade e a sua cessão, em compromisso de compra e venda ou venda e com-pra, conforme haja obrigações a cumprir ou estejam elas cumpridas,circunstância que, demonstradas ao Registro de Imóveis, serão averbadas namatrícula relativa ao lote. (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

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§ 6O Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessasde cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido,quando acompanhados da respectiva prova de quitação. (Incluído pela Lei nO

9.785, 29-1-99)

Art. 27. Se aquele que se obrigou a concluir contrato de promessa devenda ou de cessão não cumprir a obrigação, o credor poderá notificar o deve-dor para outorga do contrato ou oferecimento de impugnação no prazo de 15(quinze) dias, sob pena de proceder-se ao registro do pré contrato, passandoas relações entre as partes a serem regidas pelo contrato-padrão.

§ 1O Para fins deste artigo, terão o mesmo valor de pré-contrato a pro-messa de cessão, a proposta de compra, a reserva de lote ou qualquer outroinstrumento, do qual conste a manifestação da vontade das partes, a indicaçãodo lote, o preço e modo de pagamento, e a promessa de contratar.

§ 2O O registro de que trata este artigo não será procedido se a parte queo requereu não comprovar haver cumprido a sua prestação, nem a oferecer naforma devida, salvo se ainda não exigível.

§ 3O Havendo impugnação daquele que se comprometeu a concluir o con-trato, observar-se-á o disposto nos artigos 639 e 640 do Código de Processo Civil.

Art. 28. Qualquer alteração ou cancelamento parcial do loteamento re-gistrado dependerá de acordo entre o loteador e os adquirentes de lotes atingi-dos pela alteração, bem como da aprovação pela Prefeitura Municipal, ou doDistrito Federal quando for o caso, devendo ser depositada no Registro deImóveis, em complemento ao projeto original, com a devida averbação.

Art. 29. Aquele que adquirir a propriedade loteada mediante ato inter-vivos, ou por sucessão causa mortis, sucederá o transmitente em todos os seusdireitos e obrigações, ficando obrigado a respeitar os compromissos de comprae venda ou as promessas de cessão, em todas as suas cláusulas, sendo nulaqualquer disposição em contrário, ressalvado o direito do herdeiro ou legatáriode renunciar à herança ou ao legado.

Art. 30. A sentença declaratória de falência ou da insolvência de qualquerdas partes não rescindirá os contratos de compromisso de compra e venda oude promessa de cessão que tenham por objeto a área loteada ou lotes damesma. Se a falência ou insolvência for do proprietário da área loteada ou dotitular de direito sobre ela, incumbirá ao síndico ou ao administrador dar cum-primento aos referidos contratos; se do adquirente do lote, seus direitos serãolevados à praça.

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236 O parcelamento do solo urbano

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Art. 31. O contrato particular pode ser transferido por simples trespasse,lançado no verso das vias em poder das partes, ou por instrumento em separa-do, declarando-se o número do registro do loteamento, o valor da cessão e aqualificação do cessionário, para o devido registro.

§ 1O A cessão independe da anuência do loteador, mas, em relação aeste, seus efeitos só se produzem depois de cientificado, por escrito, pelaspartes ou quando registrada a cessão.

§ 2O Uma vez registrada a cessão, feita sem anuência do loteador, ooficial do registro dar-lhe-á ciência, por escrito, dentro de 10 (dez) dias.

Art. 32. Vencida e não paga a prestação, o contrato será consideradorescindido 30 (trinta) dias depois de constituído em mora o devedor.

§ 1O Para os fins deste artigo o devedor-adquirente será intimado, a re-querimento do credor, pelo oficial do registro de imóveis, a satisfazer as pres-tações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento, os jurosconvencionados e as custas de intimação.

§ 2O Purgada a mora, convalescerá o contrato.

§ 3O Com a certidão de não haver sido feito o pagamento em cartório, ovendedor requererá ao oficial do registro o cancelamento da averbação.

Art. 33. Se o credor das prestações se recusar a recebê-las ou furtar seao seu recebimento, será constituído em mora mediante notificação do oficialdo registro de imóveis para vir receber as importâncias depositadas pelo deve-dor no próprio Registro de Imóveis. Decorridos 15 (quinze) dias após o recebi-mento da intimação, considerar-se-á efetuado o pagamento, a menos que ocredor impugne o depósito e, alegando inadimplemento do devedor, requeira aintimação deste para os fins do disposto no art. 32 desta lei.

Art. 34. Em qualquer caso de rescisão por inadimplemento do adquirente,as benfeitorias necessárias ou úteis por ele levadas a efeito no imóvel deverãoser indenizadas, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual emcontrário.

Parágrafo único. Não serão indenizadas as benfeitorias feitas emdesconformidade com o contrato ou com a lei.

Art. 35. Ocorrendo o cancelamento do registro por inadimplemento docontrato e tendo havido o pagamento de mais de um terço do preço ajustado,o oficial do Registro de Imóveis mencionará este fato no ato do cancelamento ea quantia paga; somente será efetuado novo registro relativo ao mesmo lote,se for comprovada a restituição do valor pago pelo vendedor ao titular do regis-

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tro cancelado, ou mediante depósito em dinheiro à sua disposição junto aoRegistro de Imóveis.

§ 1O Ocorrendo o depósito a que se refere este artigo, o oficial do regis-tro de imóveis intimará o interessado para vir recebê-lo no prazo de 10 (dez)dias, sob pena de ser devolvido ao depositante.

§ 2O No caso de não ser encontrado o interessado, o oficial do registro deimóveis depositará a quantia em estabelecimento de crédito, segundo a ordemprevista no inciso I do art. 666 do Código de Processo Civil, em conta comincidência de juros e correção monetária.

Art. 36. O registro do compromisso, cessão ou promessa de cessão sópoderá ser cancelado:

I – por decisão judicial;

II – a requerimento conjunto das partes contratantes;

III – quando houver rescisão comprovada do contrato.

CAPÍTULO VIIIDisposições Gerais

Art. 37. É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento oudesmembramento não registrado.

Art. 38. Verificado que o loteamento ou desmembramento não se acharegistrado ou regularmente executado ou notificado pela Prefeitura Municipal, oupelo Distrito Federal quando for o caso, deverá o adquirente do lote suspender opagamento das prestações restantes e notificar o loteador para suprir a falta.

§ 1O Ocorrendo a suspensão do pagamento das prestações restantes, naforma do caput deste artigo, o adquirente efetuará o depósito das prestaçõesdevidas junto ao Registro de Imóveis competente, que as depositará em esta-belecimento de crédito, segundo a ordem prevista no inciso I do art. 666 doCódigo de Processo Civil, em conta com incidência de juros e correção monetá-ria, cuja movimentação dependerá de prévia autorização judicial.

§ 2O A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, ou oMinistério Público, poderá promover a notificação ao loteador prevista no caputdeste artigo.

§ 3O Regularizado o loteamento pelo loteador, este promoverá judicial-mente a autorização para levantar as prestações depositadas, com os acrésci-mos de correção monetária e juros, sendo necessária a citação da prefeitura,

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ou do Distrito Federal quando for o caso, para integrar o processo judicial aquiprevisto, bem como audiência do Ministério Público.

§ 4O Após o reconhecimento judicial de regularidade do loteamento, oloteador notificará os adquirentes dos lotes, por intermédio do Registro de Imó-veis competente, para que passem a pagar diretamente as prestações restan-tes, a contar da data da notificação.

§ 5O No caso de o loteador deixar de atender à notificação até o venci-mento do prazo contratual, ou quando o loteamento ou desmembramento forregularizado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for ocaso, nos termos do art. 40 desta lei, o loteador não poderá, a qualquer título,exigir o recebimento das prestações depositadas.

Art. 39. Será nula de pleno direito a cláusula de rescisão de contrato porinadimplemento do adquirente, quando o loteamento não estiver regularmenteinscrito.

Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for ocaso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizarloteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem obser-vância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar le-são aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitosdos adquirentes de lotes.

§ 1O A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, quepromover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levan-tamento das prestações depositadas, com os respectivos acréscimos de corre-ção monetária e juros, nos termos do § 1O do art. 38 desta lei, a título deressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ouexpropriações necessárias para regularizar o loteamento ou desmembramento.

§ 2O As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Dis-trito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento oudesmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o dis-posto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, apli-cando-se o disposto no art. 47 desta lei.

§ 3O No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo ante-rior, a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, poderáreceber as prestações dos adquirentes, até o valor devido.

§ 4O A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, paraassegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como oressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá

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promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos finscolimados.

§ 5O A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ouDistrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts.3O e 4O desta lei, ressalvado o disposto no § 1O desse último. (Incluído pela Lein O 9.785, 29-1-99)

Art. 41. Regularizado o loteamento ou desmembramento pela PrefeituraMunicipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, o adquirente do lote,comprovando o depósito de todas as prestações do preço avençado, poderáobter o registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compro-misso de venda e compra devidamente firmado.

Art. 42. Nas desapropriações não serão considerados como loteados ouloteáveis, para fins de indenização, os terrenos ainda não vendidos oucompromissados, objeto de loteamento ou desmembramento não registrado.

Art. 43. Ocorrendo a execução de loteamento não aprovado, a destinação deáreas públicas exigidas no inciso I do art. 4O desta lei não se poderá alterar semprejuízo da aplicação das sanções administrativas, civis e criminais previstas.

Parágrafo único. Neste caso, o loteador ressarcirá a Prefeitura Municipalou o Distrito Federal quando for o caso, em pecúnia ou em área equivalente, nodobro da diferença entre o total das áreas públicas exigidas e as efetivamentedestinadas. (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Art. 44. O município, o Distrito Federal e o estado poderão expropriaráreas urbanas ou de expansão urbana para reloteamento, demolição, recons-trução e incorporação, ressalvada a preferência dos expropriados para a aqui-sição de novas unidades.

Art. 45. O loteador, ainda que já tenha vendido todos os lotes, ou osvizinhos, são partes legítimas para promover ação destinada a impedir constru-ção em desacordo com restrições legais ou contratuais.

Art. 46. O loteador não poderá fundamentar qualquer ação ou defesa napresente lei sem apresentação dos registros e contratos a que ela se refere.

Art. 47. Se o loteador integrar grupo econômico ou financeiro, qualquerpessoa física ou jurídica desse grupo, beneficiária de qualquer forma doloteamento ou desmembramento irregular, será solidariamente responsável pelosprejuízos por ele causados aos compradores de lotes e ao Poder Público.

Art. 48. O foro competente para os procedimentos judiciais previstosnesta lei será sempre o da comarca da situação do lote.

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Art. 49. As intimações e notificações previstas nesta lei deverão ser fei-tas pessoalmente ao intimado ou notificado, que assinará o comprovante dorecebimento, e poderão igualmente ser promovidas por meio dos Cartórios deRegistro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou dodomicílio de quem deva recebê-las.

§ 1O Se o destinatário se recusar a dar recibo ou se furtar ao recebimen-to, ou se for desconhecido o seu paradeiro, o funcionário incumbido da diligên-cia informará esta circunstância ao oficial competente que a certificará, sobsua responsabilidade.

§ 2O Certificada a ocorrência dos fatos mencionados no parágrafo ante-rior, a intimação ou notificação será feita por edital na forma desta lei, come-çando o prazo a correr 10 (dez) dias após a última publicação.

CAPÍTULO IXDisposições Penais

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública: I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramen-

to do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público compe-tente, ou em desacordo com as disposições desta lei ou das normaspertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembra-mento do solo para fins urbanos sem observância das determina-ções constantes do ato administrativo de licença;

III – fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicaçãoao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade deloteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocul-tar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50(cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido: I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer

outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote emloteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imó-veis competente;

II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado oudesmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4O e 5O, desta lei,

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ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não cons-tituir crime mais grave. (Redação dada pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100(cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Art. 51. Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimesprevistos no artigo anterior desta lei incide nas penas a estes cominadas, con-siderados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador,diretor ou gerente de sociedade.

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

Art. 52. Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelosórgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão oupromessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda deloteamento ou desmembramento não registrado.

Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50(cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo dassanções administrativas cabíveis.

CAPÍTULO XDisposições Finais

Art. 53. Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos de-penderão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária – INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o municí-pio, e da aprovação da Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for ocaso, segundo as exigências da legislação pertinente.

Art. 53-A. São considerados de interesse público os parcelamentosvinculados a planos ou programas habitacionais de iniciativa das prefeiturasmunicipais e do Distrito Federal, ou entidades autorizadas por lei, em espe-cial as regularizações de parcelamentos e de assentamentos. (Incluído pelaLei n O 9.785, 29-1-99)

Parágrafo único. Às ações e intervenções de que trata este artigo nãoserá exigível documentação que não seja a mínima necessária e indispensávelaos registros no cartório competente, inclusive sob a forma de certidões, veda-das as exigências e as sanções pertinentes aos particulares, especialmenteaquelas que visem garantir a realização de obras e serviços, ou que visemprevenir questões de domínio de glebas, que se presumirão asseguradas peloPoder Público respectivo. (Incluído pela Lei n O 9.785, 29-1-99)

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Art. 54. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 55. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 19 de dezembro de 1979; 15O da Independência e 91O da Repú-blica. – JOÃO BAPTISTA DE OLIVEIRA FIGUEIREDO – Petrônio Portella –Mário David Andreazza – Angelo Amaury Stábile.

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SECRETÁRIO James Lewis Gorman Júnior

CORPO TÉCNICO Admar Pires dos Santos,

Ana Kátia Martins Bertholdo,Cláudia Neiva Peixoto,Cláudio Renato Kuck,Eliana Navarro Garcia,

Eloneide Rodrigues dos Santos Sampaio,Emerson Paranhos Santos,

Francisco Augusto de Queiroz,Francisco Nascimento da Silva,Inga Michele Ferreira Carvalho,

Jaime Ferreira Lopes,Régia Maria Moraes,

Renata Campos Aranha

Endereço:Câmara dos Deputados, Anexo II, Ala C – Superior, Sala 188CEP 70160-900 – Brasília – DFTelefones: (61) 216-6550/55Fax: 216-6560E-mail: [email protected]

COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTOURBANO E INTERIOR

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