revista metropole

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Alzheimer, o mal que a idade traz Cérebro: a demência que afeta 36 milhões de pessoas no mundo não tem cura, porém, há medicamentos que reduzem temporariamente os sintomas; os familiares do paciente também precisam de cuidados Página dupla/ Elisandra V. Gaspareto Sé E ntidades de todo o planeta uniram-se, sexta-feira, Dia Mundial de Conscientização da Doença de Alzheimer, para promover ações que alertem a população para a doença que afeta 36 milhões de pessoas no mundo – esse número pode chegar a 115 milhões em 2050. Em Campinas, a data foi marcada por ativi- dades coordenadas pela Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), em uma programação que se estende por todo o mês. A preocupação tem motivo. Estudos epi- demiológicos apontaram que, no Brasil, em 2008, entre 6% e 7% dos idosos tinham algum tipo de demência, totalizando 1,3 milhões de pessoas. Entre eles, 799 mil foram diagnosti- cados com Alzheimer. Metrópole conversou sobre o proble- ma com a fonoaudióloga Elisandra Villela Gasparetto Sé, mestre em gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas (Uni- camp), doutora em linguística – área de neu- rolinguística – pela Unicamp, presidente da Abraz Regional São Paulo e coordenadora da Abraz sub-regional Campinas. Metrópole – Quais as principais causas do Alzheimer? ElisandraVillela Gasparetto Sé – Ele é mul- tifatorial, pois inúmeras doenças podem cau- sar demência, como as relacionadas a fatores genéticos, processos infecciosos, intoxicações e comprometimentos lesionais no cérebro. É possível classificar, nesse contexto da pesquisa médica, as causas de demência em dois gran- des grupos: com e sem comprometimento estrutural do sistema nervoso central. Quais os indivíduos mais suscetíveis à doença? A incidência de demência do tipo Alzhei- mer é de 1% até os 60 anos. Depois dessa faixa, dobra a cada cinco anos – 2% até os 65; 4% até os 70; 16% até os 80 e 32% até os 85 anos. À medida que a idade aumenta, a frequên- cia relativa se torna progressivamente maior, embora também possa ocorrer crescimento da prevalência de doença cerebrovascular associada. E quais são os sintomas que evidenciam o surgimento do Alzheimer? A principal alteração ocorre na memória Eduardo Gregori [email protected] 6 campinas 23/9/12 metrópole recente, que se configura de forma diferente da amnésia. A amnésia de curto prazo refe- re-se à perda de memória para uso pessoal, experiências, eventos públicos ou informação, mas os outros domínios cognitivos se man- têm preservados. No Alzheimer, as perdas de memória acompanham déficits de linguagem e atenção para determinadas tarefas. É impor- tante salientar que as variadas formas e causas de alterações amnésicas são diagnosticadas a partir da linguagem e se relacionam inti- mamente com ela, revelando-se no contexto da comunicação. Não é raro profissionais da saúde encontrarem dificuldade para dife- renciar o comprometimento cognitivo leve da demência em seus estágios iniciais, pois a sintomatologia é similar. Como saber se a doença já está em pro- gressão? O comprometimento da funcionalidade do portador do Mal de Alzheimer comporta uma gradação; ele não atinge de modo uniforme todos os domínios da capacidade funcional. Assim, a incapacidade para o desempenho de atividades instrumentais da vida diária, como fazer compras, cuidar das finanças e andar pela cidade, ou a resultante de um compro- metimento mais grave de locomoção, visão ou audição não significam, necessariamente, disfuncionalidade em outros domínios como o cognitivo e o emocional. O Alzheimer tem cura? Não existe tratamento capaz de curar ou retardar o início dos sintomas ou a progres- são da doença. Mas há medicamentos que reduzem temporariamente os sintomas, sem alterar o curso do problema. Existem ainda tratamentos não-farmacológicos que auxiliam na manutenção das reservas cognitivas (uso social do conhecimento adquirido ao longo da vida). É importante manter o paciente exposto a estímulos do ambiente e fazê-lo participar de

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Page 1: Revista Metropole

Alzheimer, o mal que a idade trazCérebro: a demência que afeta36 milhões de pessoas no mundo não tem cura, porém, há medicamentos que reduzem temporariamente os sintomas; os familiares do paciente também precisam de cuidados

Página dupla/Elisandra V. Gaspareto Sé

Entidades de todo o planeta uniram-se, sexta-feira, Dia Mundial de Conscientização da Doença de Alzheimer, para promover ações que alertem a população para a doença que afeta 36 milhões de pessoas no mundo – esse

número pode chegar a 115 milhões em 2050. Em Campinas, a data foi marcada por ativi-dades coordenadas pela Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), em uma programação que se estende por todo o mês.

A preocupação tem motivo. Estudos epi-demiológicos apontaram que, no Brasil, em 2008, entre 6% e 7% dos idosos tinham algum tipo de demência, totalizando 1,3 milhões de pessoas. Entre eles, 799 mil foram diagnosti-cados com Alzheimer.

Metrópole conversou sobre o proble-ma com a fonoaudióloga Elisandra Villela Gasparetto Sé, mestre em gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas (Uni-camp), doutora em linguística – área de neu-rolinguística – pela Unicamp, presidente da Abraz Regional São Paulo e coordenadora da Abraz sub-regional Campinas.

Metrópole – Quais as principais causas do Alzheimer?

Elisandra Villela Gasparetto Sé – Ele é mul-tifatorial, pois inúmeras doenças podem cau-sar demência, como as relacionadas a fatores genéticos, processos infecciosos, intoxicações e comprometimentos lesionais no cérebro. É possível classificar, nesse contexto da pesquisa médica, as causas de demência em dois gran-des grupos: com e sem comprometimento estrutural do sistema nervoso central.

Quais os indivíduos mais suscetíveis à doença?

A incidência de demência do tipo Alzhei-mer é de 1% até os 60 anos. Depois dessa faixa, dobra a cada cinco anos – 2% até os 65; 4% até os 70; 16% até os 80 e 32% até os 85 anos. À medida que a idade aumenta, a frequên-cia relativa se torna progressivamente maior, embora também possa ocorrer crescimento da prevalência de doença cerebrovascular associada.

E quais são os sintomas que evidenciam o surgimento do Alzheimer?

A principal alteração ocorre na memória

Eduardo Gregori [email protected]

6 campinas 23/9/12metrópole

recente, que se configura de forma diferente da amnésia. A amnésia de curto prazo refe-re-se à perda de memória para uso pessoal, experiências, eventos públicos ou informação, mas os outros domínios cognitivos se man-têm preservados. No Alzheimer, as perdas de memória acompanham déficits de linguagem e atenção para determinadas tarefas. É impor-tante salientar que as variadas formas e causas de alterações amnésicas são diagnosticadas a partir da linguagem e se relacionam inti-mamente com ela, revelando-se no contexto da comunicação. Não é raro profissionais da saúde encontrarem dificuldade para dife-renciar o comprometimento cognitivo leve da demência em seus estágios iniciais, pois a sintomatologia é similar.

Como saber se a doença já está em pro-gressão?

O comprometimento da funcionalidade do portador do Mal de Alzheimer comporta uma gradação; ele não atinge de modo uniforme todos os domínios da capacidade funcional. Assim, a incapacidade para o desempenho de atividades instrumentais da vida diária, como fazer compras, cuidar das finanças e andar pela cidade, ou a resultante de um compro-metimento mais grave de locomoção, visão ou audição não significam, necessariamente, disfuncionalidade em outros domínios como o cognitivo e o emocional.

O Alzheimer tem cura?Não existe tratamento capaz de curar ou

retardar o início dos sintomas ou a progres-são da doença. Mas há medicamentos que reduzem temporariamente os sintomas, sem alterar o curso do problema. Existem ainda tratamentos não-farmacológicos que auxiliam na manutenção das reservas cognitivas (uso social do conhecimento adquirido ao longo da vida). É importante manter o paciente exposto a estímulos do ambiente e fazê-lo participar de

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oficinas de memória e artesanato, atividades sociocognitivas que ajudam a preservar sua vida social e evitam que a doença progrida de forma muito rápida.

O que é possível fazer para melhorar a qualidade de vida do paciente?

Atividades práticas e interativas para exercitar as funções mentais, promovendo o aprendizado por meio de jogos, exercícios para treino da memória, atenção, percepção, raciocínio lógico, linguagem e interação social, dinâmicas de grupo, técnicas de reminiscên-cias, autobiografia, revisão de vida e história oral. Em Campinas, há oficinas de memória nas Faculdades Abertas à Terceira Idade.

Os familiares também precisam de orien-tação para lidar com a doença?

A demência tem impacto importante na vida social e na dimensão emocional de fa-mílias e cuidadores. A falta de compreensão e conscientização resulta em recursos insu-ficientes para lidar da melhor forma possível com o mal. A família é espaço indispensável

para garantia da sobrevivência de desenvol-vimento, da proteção integral, da educação e do envelhecimento. É a família que propicia os aportes afetivos, além dos materiais neces-sários ao desenvolvimento e ao bem-estar dos seus membros.

E qual é o trabalho da Abraz?Transmitir informações sobre o diagnós-

tico e tratamento da doença e orientar sobre aspectos cotidianos do acompanhamento do paciente. Entre as atividades desenvolvidas pela Abraz, destaco os grupos de apoio aos familiares, o atendimento pessoal à família, os boletins informativos e o site. O papel da Abraz é ser o núcleo central dos envolvidos com o Alzheimer e outras demências, ofe-recendo meios de atualização, permitindo intercâmbio e apoiando ações voltadas ao bem-estar do portador, da família, do cuidador e do profissional. Nosso principal propósito é ajudar as pessoas a entender e aceitar a doen-ça, favorecendo o melhor encaminhamento aos pacientes e uma vida mais digna para o portador e seus parentes. Orientamos as fa-

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7campinas 23/9/12 metrópole

“ É importante manter o

paciente exposto a estímulos do ambiente e fazê-lo participar de oficinas de memória e artesanato, atividades sociocognitivas que ajudam a preservar sua vida social e evitam que a doença progrida de forma muito rápida”

mílias desde os primeiros sintomas sobre o diagnóstico diferencial, as abordagens para ensinar o paciente a reconhecer e lidar com seu comportamento e as falhas de memória, e como lançar mão de estratégias para co-municar-se, lidar com alterações cognitivas e comportamentais, e a preservar as funções e a qualidade de vida.

Como a associação atua em Campinas e no Brasil?

A Abraz, com suas sub-regionais, tem grupos de apoio aos cuidadores familiares em várias cidades do Estado. A participação é gratuita. O grupo de apoio é um espaço para o cuidado da família, um momento de ajuda mútua para as pessoas próximas ao paciente, em que há compartilhamento de suporte emocional, de conhecimentos para lidar com as transições da doença e de recur-sos de manutenção da identidade social do familiar. Esse suporte e as orientações ofere-cidas atuam como força preventiva contra o estresse e a favor da manutenção do bem-estar do cuidador.

Como alguém que sofre com Alzheimer na família contata o grupo?

O grupo de apoio da sub-regional Cam-pinas funciona na Paróquia Divino Salvador, toda primeira quinta-feira do mês, às 20h. A participação é gratuita. A Paróquia fica na Rua Júlio de Mesquita, 126, no Cambuí. O contato também pode ser feito pelo telefone 3251-6433. No site, há endereços e contatos dos grupos de apoios em várias cidades do Estado de São Paulo e do Brasil.

Que atividades o grupo promove? A Abraz Campinas, além de promover o

grupo de apoio uma vez por mês, tem o pro-jeto do CineAbraz, que consiste na exibição de filmes sobre a temática da doença e outras demências e debates. O CineABRAz é realizado na primeira quarta-feira do mês, na Paróquia Divino Salvador, às 20h. Também realizamos ciclo de palestras e o circuitoAbraz, cuja pro-gramação contempla palestras e grupos de apoio em diversos locais da cidade quando necessário. Em setembro, a associação realiza a campanha do Dia Mundial da Doença de Alzheimer.

Qual o objetivo da data?Sensibilizar políticos e a população para

a problemática e transformar a doença de Alzheimer em prioridade da saúde pública nacional.