cadernos metropole, v. 13, n. 26, 2011

24
Cad. Metrop., São Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 Habitação precária e os cortiços da área central de Santos Poor housing and tenements in downtown Santos André da Rocha Santos Resumo Este artigo aborda os cortiços localizados no Centro de Santos. O objeto de análise são as habitações precárias de aluguel e o objetivo é fazer um histórico do processo de sua constituição até os dias atuais. A primeira parte situa a importância das áreas centrais, sua degradação física e as recentes discussões envolvendo sua revitalização. A segunda seção enfoca aspectos relevantes sobre os cortiços enquanto modalidade de habitação operária mais antiga de Santos e sua contextualização histórica. A terceira parte traça um panorama socioeconômico dessas habitações e sua precariedade. A quarta parte trata das legislações e dos projetos desenvolvidos pelo poder público na área. Por fim, as considerações finais fazem uma avaliação dessas ações destacando avanços e problemas a serem enfrentados. Palavras-chave: cortiços; habitação precária; vul- nerabilidade social; precariedade urbana; política habitacional. Abstract This article discusses the tenements located downtown Santos. The object of analysis is the precarious rented houses and the goal is to make a historical record of their settlement process until today. The first part places the importance of the central areas, their physical deterioration and recent discussions involving their revitalization. The second section focuses on relevant aspects of the tenements as the oldest housing modality of Santos’ working class, placing them in a historical context. The third part presents a socio-economic overview of this type of housing and its precariousness. The fourth part deals with the laws and the projects developed by public authorities in the area. Finally, concluding remarks are an evaluation of those actions highlighting the progress achieved and the problems to be faced. Keywords: tenement; precarious housing; social vulnerability; urban precariousness; housing policy.

Upload: andrerochasantos

Post on 09-Nov-2015

221 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Este artigo aborda os cortiços localizados no Centro de Santos. O objeto de análise são as habitações precárias de aluguel e o objetivo é fazer um histórico do processo de sua constituição até os dias atuais. A primeira parte situa a importância das áreas centrais, sua degradação física e as recentes discussões envolvendo sua revitalização. A segunda seção enfoca aspectos relevantes sobre os cortiços enquanto modalidade de habitação operária mais antiga de Santos e sua contextualização histórica. A terceira parte traça um panorama socioeconômico dessas habitações e sua precariedade. A quarta parte trata das legislações e dos projetos desenvolvidos pelo poder público na área. Por fim, as considerações finais fazem uma avaliação dessas ações destacando avanços e problemas a serem enfrentados.

TRANSCRIPT

  • Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011

    Habitao precria e os cortiosda rea central de Santos

    Poor housing and tenements in downtown Santos

    Andr da Rocha Santos

    ResumoEste artigo aborda os cortios localizados no

    Centro de Santos. O objeto de anlise so as

    habitaes precrias de aluguel e o objetivo

    fazer um histrico do processo de sua constituio

    at os dias atuais. A primeira parte situa a

    importncia das reas centrais, sua degradao

    fsica e as recentes discusses envolvendo sua

    revitalizao. A segunda seo enfoca aspectos

    relevantes sobre os cortios enquanto modalidade

    de habitao operria mais antiga de Santos e sua

    contextualizao histrica. A terceira parte traa

    um panorama socioeconmico dessas habitaes

    e sua precariedade. A quarta parte trata das

    legislaes e dos projetos desenvolvidos pelo poder

    pblico na rea. Por fim, as consideraes finais

    fazem uma avaliao dessas aes destacando

    avanos e problemas a serem enfrentados.

    Palavras-chave: cortios; habitao precria; vul-nerabilidade social; precariedade urbana; poltica

    habitacional.

    AbstractThis article discusses the tenements located downtown Santos. The object of analysis is the precarious rented houses and the goal is to make a historical record of their settlement process until today. The first part places the importance of the central areas, their physical deterioration and recent discussions involving their revitalization. The second section focuses on relevant aspects of the tenements as the oldest housing modality of Santos working class, placing them in a historical context. The third part presents a socio-economic overview of this type of housing and its precariousness. The fourth part deals with the laws and the projects developed by public authorities in the area. Finally, concluding remarks are an evaluation of those actions highlighting the progress achieved and the problems to be faced.

    Keywords: tenement; precarious housing; social vulnerability; urban precariousness; housing policy.

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011550

    A importncia desse debate

    Cidades brasileiras que serviam como elo de

    ligao do pas com o exterior, como Rio de Ja-

    neiro, Salvador, Recife e o binmio Santos-So

    Paulo, espantavam investimentos e imigrantes

    no final do sculo XIX. Isso ocorria porque cida-

    des como estas constituam motivos de repulsa

    a qualquer um que estivesse habituado aos pa-

    dres arquitetnicos e sanitrios das grandes

    capitais europeias, como Londres, Viena, Paris

    e So Petersburgo.

    Assim, era preciso tirar as antigas cida-

    des coloniais brasileiras, sobretudo as que se

    reanimavam com a economia cafeeira, dos li-

    mites de suas estruturas arcaicas em face das

    novas exigncias econmicas (cf. Marins, 1998,

    pp. 131-214; Andrade,1992, pp. 206-233). Ci-

    dades que estivessem na rota do capital, como

    Rio de Janeiro e Santos, entre outras cidades

    brasileiras, foram reformadas sanitariamente,

    tanto do ponto de vista de sua circulao vi-

    ria, como do embelezamento e remodelao,

    adquirindo assim uma nova imagem.

    Alm de sanear as cidades tomadas pelas

    epidemias, o urbanismo dar a elas um padro

    esttico moderno, formas urbanas prprias que

    acompanham a tecnologia de saneamento. Du-

    rante toda a Repblica Velha, a implantao

    desse projeto urbanstico se tornou um dos

    principais objetivos do Estado brasileiro (cf. An-

    drade, 1992, pp. 208-233).

    Entretanto, muitas dessas reas que num

    primeiro momento foram objeto de interven-

    o passaram, em alguns casos, por processos

    de declnio e/ou degradao com o passar do

    tempo. A deteriorao de certas reas urbanas

    um fenmeno mundial que, desde meados da

    dcada de 1950, tem se intensificado em gran-

    des cidades mundiais, possuindo relao direta

    com as formas de produo e consumo. Carac-

    tersticas como o forte crescimento populacio-

    nal e a expanso fsica da malha urbana, alm

    da insero da cidade em um contexto econ-

    mico industrial, estabeleceram novas formas de

    apropriao e valorizao do solo urbano com

    reflexos no mercado imobilirio, se manifestan-

    do mais intensamente nas reas centrais des-

    sas cidades (cf. Simes Jr., 1994, p. 11).

    Segundo Vargas e Castilho:

    Ao mesmo tempo em que os centros congestionam-se pela intensidade de suas atividades, amplia-se a concorrncia de outros locais mais interessantes para morar e viver. Assiste-se ao xodo de ati-vidades ditas nobres e sada de outras grandes geradoras de fluxos, como as implementadas pelas instituies pbli-cas. A substituio faz-se por atividades de menor rentabilidade, informais e, por vezes, ilegais e praticadas por usurios e moradores com menor ou quase nenhum poder aquisitivo. Consequentemente, a arrecadao de impostos diminui e o poder pblico reduz a sua atuao nos servios de limpeza e segurana pblicas. (2006, p. 6)

    Conforme vai acontecendo a expanso,

    os padres de uso e ocupao daquelas reas

    urbanas consolidadas vo sofrendo alteraes

    e modificaes e, nesse sentido, vai se tor-

    nando necessria sua readequao aos novos

    condicionantes decorrentes do crescimento da

    cidade. Ocorre que nem sempre se d essa rea-

    daptao e esse fator que faz com que certas

    reas de degradem ou se deteriorem.

    Quando a estrutura econmica, fsica,

    social e ambiental existente no local no est

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 551

    mais satisfazendo o papel funcional que lhe

    exigido pela cidade, isto , no est mais aten-

    dendo s expectativas definidas pela atividade

    imobiliria,ocorre a degradao (Simes Jr.,

    1994, p. 12).

    Os anos de 1970 e 1980 marcaram a

    poca de crise da ideia de plano ou de plane-

    jamento no sentido modernista. Por oposio

    prtica do planejamento urbano, as prticas

    ps-modernistas passaram a se pautar por pro-

    jetos urbanos abandonando a viso do espao

    como algo a ser moldado para propsitos so-

    ciais, ou seja, sempre subordinada a um proje-

    to abrangente e macroestrutural e passando a

    ver as intervenes nos espaos urbanos mais

    parciais ou pontuais como coisa independente

    e autnoma a ser moldada segundo objetivos

    e princpios estticos que no tm necessaria-

    mente nenhuma relao com algum objetivo

    social abrangente (Harvey, 1992, p. 69).

    Esse processo ocasionou vrias mudan-

    as em muitas cidades que, diante de inmeros

    fatores como a desindustrializao, o enxuga-

    mento da produo e precarizao do trabalho

    (com declnio das profisses formais, aumento

    da subcontratao e do desemprego estrutu-

    ral), a perda da capacidade de investimentos

    do setor pblico e o aumento do setor de servi-

    os, financeiro, de consumo e de entretenimen-

    to, vm induzindo a certa mudana de viso

    nas prticas tradicionais, no s do Estado, mas

    de outros agentes interventores sobre o espao

    urbano (Simes Jr., 1994; Frgoli Jr., 2000).

    Nesse sentido, surgiu um novo momento

    no processo de interveno nos centros urba-

    nos. Por serem aes voltadas a tecidos

    urbanos j existentes, no sentido de adequ-

    -los outra vez, ou readapt-los, essas realiza-

    es vm recebendo, a cada novo contexto,

    novas denominaes, geralmente com o pre-

    fixo re, como, por exemplo, revitalizao, re-

    qualificao ou revalorizao (Vaz e Jacques,

    2003, pp. 129-140; Vasconcellos e Mello,

    2006, pp. 53-66).

    Vargas e Castilho (2006) identificam os

    anos 1980-2000 como a Era da Reinveno

    Urbana, na qual esse perodo seria o reflexo

    de um novo modelo de produo, ou seja, o

    intervalo de tempo em que vem ocorrendo

    a transio do regime de acumulao de ca-

    pital fordista-keynesiano para um regime de

    acumu lao flexvel (Harvey, 1992; Vargas e

    Castilho, 2006).

    Neste momento, a discusso em torno de

    polticas pblicas visando revitalizao das

    reas urbanas centrais que se encontram em

    processo de deteriorao passou a representar

    uma resposta possvel crise instaurada por

    tais alteraes. A partir de determinado mo-

    mento, grandes investimentos em megaproje-

    tos, que at recentemente estavam concentra-

    dos em reas perifricas ou em reas de expan-

    so imobiliria, passaram a dirigir seus esfor-

    os e atenes para reas situadas em pontos

    centrais, histricos e de grande valor simblicos

    nas cidades.

    Os cortios enquanto modalidade habitacional na rea central de Santos

    O novo modelo de urbanismo iniciado no final

    do sculo XIX em certas cidades brasileiras

    passou a ser o espao privilegiado das inte-

    raes e dos conflitos entre os grupos sociais

    mais poderosos interessados ou beneficiados

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011552

    pelas intervenes urbanas. A partir dessa po-

    ca, as negociaes desses grupos sociais com

    o poder pblico e o papel subalterno que foi

    dado s camadas populares em geral exclu-

    das das decises que afetam a cidade se con-

    figuraram na regra dos processos sociais que

    resultaram nas intervenes urbanas (Frgoli

    Jr., 2000, p. 20).

    Entretanto, tambm nesse mesmo

    processo, que est ligado ao sistema expor-

    tador de caf e aos primrdios da industriali-

    zao que se iniciou nas ltimas dcadas do

    sculo XIX, que o cortio, como modalidade

    de habitao operria mais antiga em cidades

    como So Paulo e Santos, aumentou vertigi-

    nosamente sua quantidade em decorrncia

    do grande fluxo de imigrantes (Kowarick e

    Ant, 1994, pp. 73-91). Entre 1886 e 1900, es-

    sas duas cidades cresceram, respectivamente,

    223% e 403%, dividindo entre si as maiores

    responsabilidades do setor urbano da econo-

    mia cafeeira.

    Dessa forma, para milhares de trabalha-

    dores ocupados com as obras do cais, com o

    embarque do caf e com os trabalhos na estra-

    da de ferro, a proximidade ao Centro era im-

    prescindvel. Tal situao, somada ao incessan-

    te aumento da populao, esgotou a oferta de

    moradias prximas ao local de trabalho, dando

    origem a uma desenfreada especulao imobi-

    liria, em que muitas das casas deixadas pelos

    que fugiam da febre amarela, inicialmente nos

    bairros Centro e Valongo, foram transformadas

    em habitaes coletivas repartidas em peque-

    nos cubculos e subalugadas a dezenas de fa-

    mlias imigrantes. Essas casas de cmodos

    eram subalugadas s famlias que pagassem

    o maior preo possvel. A fiscalizao muni-

    cipal contou, certa feita, 186 moradores numa

    casa do largo dos Gusmes que no deveria

    acomodar sequer a quarta parte disso (Gam-

    beta, 1984, p. 19).

    Os proprietrios dos cortios geralmente

    se aproveitavam dos quintais das residncias

    e casas de comrcio onde construam em ma-

    deira e zinco diversos barracos enfileirados,

    assemelhando-se bastante aos descritos, em

    1890, por Aluzio Azevedo em sua obra rea-

    lista O Cortio. O terreno no era cimentado,

    no havia gua corrente e uma nica latrina

    servia a todas as famlias. Certas vezes, nem

    mesmo latrina existia e os dejetos recolhidos

    eram lanados em fossas permeveis abertas

    no solo. Lugares como os armazns, o espa-

    o entre o forro e o telhado, os corredores,

    os vos das escadas, os pores subterrneos,

    ou seja, qualquer local onde se possa colocar

    uma cama ou esteira era usado como moradia

    ou dormitrio. Em 1890, foram contados, pe-

    la municipalidade, 771 cortios numa cidade

    que no tinha mais de 3.000 prdios no total,

    ou seja, pode-se estimar que pouco menos da

    metade de toda populao morava em corti-

    os (ibid., p. 20).

    Foi nessa situao de total degradao

    que, em 1892, as obras da rede de esgotos da

    cidade foram encampadas pelo Governo do

    Estado atravs da Comisso Sanitria instala-

    da em fevereiro de 1893. Em 1897, a Sanitria

    como era chamada, foi fortalecida pelo Cdi-

    go de Posturas Santista que, junto com o C-

    digo Sanitrio do Estado, promoveu grandes

    transformaes nas construes e no meio

    urbano. A extino dos cortios e das cochei-

    ras era um dos principais pontos do programa

    e eles foram, de forma violenta e autoritria,

    sendo demolidos do meio urbano entre 1896

    e 1900.

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 553

    Ao se definir pela demolio ou desocupa-o das habitaes dos trabalhadores no se pensava onde os alojar. Isso no era rbita da Comisso Sanitria. Em geral, num movimento de expanso das frontei-ras urbanas os despossudos foram reco-locar os mesmos padres de habitao e precariedade, mas longe dos olhares civi-lizados. (Lanna, 1996, p. 113)

    Aps a demolio dos cortios e a trans-

    ferncia das cocheiras para longe das reas de

    adensamento, os trabalhadores sem ter aonde

    ir comearam a construir nos arredores barracos

    iguais aos que alugavam nos quintais das casas.

    Entretanto, todo o processo histrico,

    econmico e espacial ocorrido at ento ser

    o momento de ruptura a partir do qual a regio

    central da cidade consolidar sua tradio por-

    turia e comercial e se tornar, com todas as

    transformaes do final do sculo XIX e come-

    o do XX, em uma cidade civilizada, saneada e

    moderna. Porm, esse ser tambm o momen-

    to em que o Centro comear a perder uma de

    suas principais caractersticas qual seja , o

    lugar de moradia das camadas de alta renda.

    As espaosas casas trreas e os sobrados do

    Paquet e do Valongo so em pouco tempo

    transformados em habitaes coletivas de esti-

    vadores, porturios e empregados do pequeno

    comrcio.

    As famlias de maior poder aquisitivo to-

    mam o caminho da Barra, isto , das praias,

    que tiveram seu acesso facilitado pelo sistema

    de bondes puxados a burro, pela orientao

    das novas Avenidas Ana Costa e Conselheiro

    Nbias e pelos canais de Saturnino de Brito.

    A partir desse perodo, foi relegada ao Centro

    outra funo na estruturao econmica e

    espacial da cidade.

    Como mostrou Lanna:

    [...] essa dualidade permanece at hoje quando existem quase duas cidades. A ligada praia e a do centro. Uma mais moderna, turstica, mais rica. A outra, chamada centro, concentra as atividades comerciais, de abastecimento, a zona ce-realista, atacadista, os cortios, a popu-lao mais pobre muitas vezes ligada aos trabalhos do porto. (1996)

    preciso observar tambm que, at os

    anos 1930, a acumulao produtiva estava ba-

    seada em torno de poucos lugares, nas proximi-

    dades do cais, estruturando a cidade de modo

    a concentrar os trabalhadores nos locais prxi-

    mos ao trabalho, pois, alm das longas jorna-

    das de trabalho, os gastos com o transporte em

    bondes, se as distncias fossem longas, seriam

    extremamente elevados e, portanto, incompat-

    veis com a compensao salarial.

    Quando Santos ultrapassa 220 mil habi-

    tantes, entre as dcadas de 40 e 50, tem incio

    a ocupao nos morros, mangues e restingas

    e os terrenos que ladeavam a velha linha 1 de

    bondes, rea pantanosa e pouco povoada que,

    por isso mesmo abrigava, desde fins do sculo

    XIX, o Matadouro Municipal. Essa populao

    instala-se tambm em reas de pior infraes-

    trutura dos municpios de Cubato (Jardim

    Casqueiro), So Vicente (Humait e Samarit),

    Guaruj (Vicente de Carvalho) e Praia Grande

    (Carvalho, 1999; Pimenta, 2002).

    Durante as dcadas de 60 e 70, com o

    crescimento do polo industrial de Cubato,

    bem como com a expanso do comrcio e do

    turismo ligados orla nas outras cidades da

    regio metropolitana como So Vicente, Gua-

    ruj e Praia Grande, o Centro tradicional foi

    sendo gradativamente preterido por atividades

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011554

    geradoras de fluxos e substitudo por outras

    de menor rentabilidade, informais e, por ve-

    zes, ilegais e praticadas por usurios e morado-

    res com menor ou quase nenhum poder aquisi-

    tivo (Vargas e Castilho, 2006, p. 4).

    O panorama socioeconmico da rea central

    O perodo dos anos 1980 traz, segundo

    Kowarick (2002), a configurao de um fato

    indito em nossa histria republicana, isto ,

    o bloqueio na mobilidade social ascendente.

    O resultado de tal situao foi o considervel

    aumento do contingente de trabalhadores

    desempregados ou que desenvolviam tarefas

    assalariadas marcadas pela informalidade. Na

    mesma direo, o emprego assalariado formal

    decresce ao longo das dcadas de 1990 e in-

    cio do sculo XXI.

    Na Tabela 1, podemos ver como, num

    perodo de apenas quatro anos, apesar das

    oscilaes, a porcentagem de pessoas na in-

    formalidade aumentou de 29,2% para 33,0%.

    Com uma participao muito grande de pes-

    soas na informalidade em razo do desem-

    prego, o trabalhador, quando consegue se

    integrar cadeia produtiva, o faz de forma

    precria, alm de no garantir acesso aos

    direitos sociais bsicos e de ter uma renda

    muito baixa. Nessa direo, a parcela de pes-

    soas desempregadas tambm muito alta. A

    Tabela 2 mostra uma parcela considervel de

    22,1% da populao economicamente ativa

    desempregada em fins da dcada de 1990 na

    cidade de Santos:

    jun/99 mar/00 set/00 mar/01 set/01 mar/02 set/02

    % formal 70,8 80,9 77,8 69,8 70,0 65,0 67,0

    % informal 29,2 19,1 22,2 30,2 30,0 35,0 33,0

    Total 100 100 100 100 100 100 100

    Tabela 1 Participao do mercado de trabalhoformal e informal em Santos/SP

    Fonte: Ncleo de Estudos Socioeconmicos (setembro/2002).

    Tabela 2 - Populao economicamente ativa

    Habitantes

    Total 257.033

    Empregados 200.144

    Desempregados 56.889

    ndice de desemprego 22,1%

    Fonte: Ncleo de Estudos Socioeconmicos (dezembro/1998).

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 555

    Dentre os desempregados, destaca-se o

    elevado nmero de jovens nessa situao, co-

    mo mostrado na Tabela 3, em que se somando

    a porcentagem de jovens entre 15 e 17 anos

    mais as porcentagens de jovens entre 18 e 24

    e entre 25 e 29, chega-se enorme porcenta-

    gem de 55% dos jovens entre 15 e 24 anos

    desempregados.

    Essa parcela da populao, que repre-

    senta um nmero bastante alto em meados

    dos anos 1980 e 1990, caracteriza, segundo

    Kowarick (2002), nossa questo social, onde

    essas recentes situaes precrias de trabalho

    e, por conseguinte, de moradia caminham no

    sentido terico de problematizar o conceito de

    desfiliao que, conforme proposto pelo autor,

    baseado em Castell (1998), denota perda de

    razes e remete queles que foram desliga-

    dos, desatados, desabilitados para os crculos

    bsicos da sociedade. Esses indivduos esta-

    riam desenraizados social e economicamente

    com o enfraquecimento de certas relaes so-

    ciais referentes famlia, ao bairro, vida as-

    sociativa e ao prprio mundo do trabalho, com

    o desemprego de longa durao ou o trabalho

    irregular, informal ou ocasional que o faz estar

    excludo do sistema produtivo (Kowarick, 2002

    apud Castell, 1998).

    nesse quadro de subcidadania e au-

    mento do desemprego nos anos de 1980 e

    1990, que foi feito o primeiro levantamento

    sobre a situao socioeconmica precria dos

    cortios em Santos. Apesar do processo de pe-

    riferizao que ocorreu na Baixada Santista a

    partir dos anos 50, o cortio nunca deixou de

    existir e, em certos momentos, alcanou den-

    sidades populacionais bastante altas. Sobre os

    cortios Kowarick e Ant (1994), afirmam que:

    Tabela 3 Emprego e desemprego em Santos

    Faixa etria Desempregados Empregados

    Abaixo de 15 anos 3,1 0,7

    De 15 a 17 anos 10,7 2,0

    De 18 a 24 anos 34,4 22,3

    De 25 a 29 anos 9,9 12,1

    De 30 a 38 anos 19,1 16,5

    De 40 a 49 anos 13,7 25,6

    De 50 a 59 anos 7,6 13,2

    Acima de 60 anos 1,5 7,6

    Total 100 100

    Fonte: Ncleo de Estudos Socioeconmicos, dezembro/1998.

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011556

    Nas reas mais centrais da cidade, de implantao mais antiga, em zonas que jamais alcanaram altos valores imobili-rios e mesmo em reas extremamente valorizadas, esto os cortios que, pela proximidade dos servios, pela disponibi-lidade de infraestrutura e principalmente pela facilidade de transportes, abrigam aquela parcela de trabalhadores que, por opo ou por obrigao, recusa o padro perifrico. Comprar um terreno, construir uma casa, por mnima que seja, exige um arranjo familiar e econmico que nem to-dos podem enfrentar. Por outro lado, estar prximo ao trabalho, ter um transporte de fcil acesso aos diversos pontos da cida-de, gastar menos tempo e dinheiro para se locomover, usufruir dos servios e at mesmo da diverso so fatores que, con-trapostos ao isolamento e precariedade da periferia, pesam significativamente.

    Segundo estimativas realizadas pela

    Prefeitura, atravs da Secretaria de Desenvol-

    vimento Urbano e Meio Ambiente, no ano de

    1990, existiam 840 habitaes coletivas prec-

    rias de aluguel na cidade (Sedam, 1992).

    Os levantamentos posteriores, de 2001,

    feitos pela Fundao Seade para o Programa

    de Atuao em Cortios (PAC) da CDHU do Go-

    verno do Estado, mais a pesquisa de 2002, feita

    pela Secretaria de Planejamento da Prefeitura,

    apontam para 14.500 moradores encortiados

    nos bairros Vila Nova, Paquet e parte da Vila

    Mathias.

    A seguir, apresentamos os dados mais

    relevantes, segundo as diferentes pesquisas, co-

    meando pelo PAC, que teve como base territo-

    rial de amostra a Rua Amador Bueno e Avenida

    So Francisco no Paquet. Nessa pesquisa, o to-

    tal de imveis pesquisados foi de 40. O total de

    domiclios e de domiclios ocupados foi de 352

    e 239 respectivamente. Dentre as famlias resi-

    dentes, o nmero foi de 253 e o total de indiv-

    duos residentes foi de 622. O perodo da coleta

    de dados foi em setembro e outubro de 2001.

    Fonte: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, 2002.

    Grfico 1 Distribuio dos indivduos segundo faixa etria

    At 9 anos

    10 a 19 anos

    20 a 29 anos

    30 a 39 anos

    40 a 49 anos

    50 a 59 anos

    60 a 69 anos

    70 anos e mais

    20%

    16%

    19%

    13%

    14%

    9%

    3%6%

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 557

    O perfil da populao pesquisada

    predominantemente jovem. Mais da metade

    possui at 29 anos (55,9%), com significa-

    tiva concentrao de crianas (21,3%). Do

    outro lado da pirmide etria encontramos

    poucos indivduos com mais de 60 anos, ape-

    nas 9%.

    elevada a proporo de chefes de

    famlia fora do mercado de trabalho. Cerca

    de 70% dos chefes de famlia esto ocupa-

    dos, contudo, 10,4% encontram-se desem-

    pregados e 21,5% no trabalham por outros

    motivos.

    O rendimento per capita, entre as fam-

    lias encortiadas, concentra-se nas classes de

    meio at um salrio mnimo (32,5%) e mais de

    um at dois salrios mnimos (31,6%) sendo

    18,4% sem rendimentos ou que dispem de

    at meio salrio mnimo per capita, como mos-

    trado no Grfico 3.

    A maioria dos domiclios tem apenas um

    cmodo e esse espao interno bastante re-

    duzido. Lembrando que se considera cmodo

    todo compartimento contido no domiclio que

    separado por paredes fixas de alvenaria ou

    de madeira:

    Grfico 2 Insero no mercado de trabalho e renda

    Fonte: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, 2002.

    Trabalha

    No trabalha porque noencontra trabalho

    Outros motivos

    10%

    68%

    22%

    Grfico 3 Distribuio das famlias segundo renda per capita

    Fonte: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, 2002.

    Sem rendimento

    At 0,5 salrio mnimo

    Mais de 0,5 at 1 salrio mnimo

    Mais de 1 at 2 salrios mnimos

    Mais de 2 at 3 salrios mnimos

    Mais de 3 at 4 salrios mnimos

    Mais de 4 at 5 salrios mnimos

    Mais de 5 salrios mnimos

    15%

    33%32%

    9%

    5%

    1%

    2%

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011558

    Como podemos ver no Grfico 4, na

    grande maioria dos domiclios (83,3%), os dife-

    rentes espaos internos no possuem divisrias

    mveis ou improvisadas. Apenas 16,7% das

    unidades habitacionais contm cortinas, arm-

    rios e outros tipos de paredes removveis para

    separar funes como, por exemplo, o quarto e

    a cozinha (ou a cama e o fogo) (CDHU, 2002,

    p. 33).

    O resultado do censo dos moradores dos

    cortios foi realizado pela Seplan, entre outu-

    bro e dezembro de 2002, e divulgado em agos-

    to de 2003. O universo da pesquisa consistiu

    em 14.500 moradores encortiados e a amos-

    tra feita corresponde a 1.238 moradores inte-

    grantes de 412 famlias pesquisadas.

    Os principais dados so bastante pare-

    cidos com a pesquisa realizada pela Fundao

    SEADE. Assim como na pesquisa encomendada

    pela CDHU, a populao predominantemente

    jovem: 41% possuem de zero at 19 anos, 60%

    de zero at 29 anos e somente 15% esto aci-

    ma de 50 anos. A maioria das famlias possui

    at trs pessoas (68%) e estas so naturais do

    estado de So Paulo. Foi constatado que 23%

    das famlias tm apenas um filho e as que pos-

    suem um nmero acima de quatro filhos com-

    pem a minoria, com apenas 8%.

    A baixa renda familiar predominante po-

    de ser explicada pela baixa escolaridade. Dos

    chefes de famlia, 10% so analfabetos e 67%

    possuem apenas o curso fundamental incom-

    pleto. J nos aspectos econmicos, conclui-se

    que 93% dos chefes de famlia esto econo-

    micamente ativos, porm apenas 47% tm

    atividade profissional formal com comprovao

    de renda. A maioria dessas pessoas recebe at

    R$400, representando 73% da amostra, e 40%

    recebe menos de R$200.

    No que se refere s questes fsicas, a

    maior parte das famlias (86%) ocupa apenas

    um cmodo nas residncias e foram verifica-

    dos, em alguns casos, que essas famlias tm

    um nmero alto de componentes habitan-

    do esse local sem condies fsicas para essa

    demanda.

    Grfico 4 Distribuio dos domiclios segundo presena de divisrias

    Fonte: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, 2002

    Sequncia 1

    80

    0

    20

    40

    60

    100

    Possuem divisrias No possuem divisrias

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 559

    A distribuio das famlias nos cortios

    mostra que 51% dessas habitaes compor-

    ta de uma a seis famlias em cada um. E em

    15% desses cortios coabitam de treze a vinte

    e quatro famlias se somarmos as porcentagens

    dos cortios com treze a quinze famlias, mais

    a porcentagem com dezesseis a vinte e quatro

    famlias, como mostrado no Grfico 6.

    Grfico 5 Distribuio das famlias segundo nmero de cmodos

    Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento, 2003.

    1 Cmodo2 Cmodos

    3 Cmodos

    6 Cmodos ou mais

    86%

    1%

    3%

    10%

    Grfico 6 Distribuio dos cortios segundo nmero de famlias

    Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento, 2003.

    De 1 a 3 famlias

    De 4 a 6 famlias

    De 7 a 9 famlias

    De 10 a 12 famlias

    De 13 a 15 famlias

    De 16 a 24 famlias

    34%

    17%9%6%15%

    19%

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011560

    Outros dados que mostram o alto nvel

    de precariedade e promiscuidade das habita-

    es so os relativos ao uso do banheiro e do

    tanque de lavar roupa, onde 91% dos domic-

    lios utilizam banheiros coletivos e em 94% os

    tanques so de uso comum.

    Quanto aos vnculos urbanos da popula-

    o encortiada permanncia na cidade , o

    censo revela que grande parte dos moradores

    dos cortios vive no municpio h mais de 15

    anos (46%), sendo que 26% do total perma-

    necem no mesmo bairro h mais de 15 anos.

    A Fundao SEADE criou, em 2000, o n-

    dice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS),

    com o intuito de construir indicadores que ex-

    pressassem o grau de desenvolvimento social

    e econmico dos 645 municpios do estado

    de So Paulo, alm de identificar os espaos

    e as dimenses da pobreza a partir do censo

    demogrfico de 2000. Esse ndice classifica os

    municpios paulistas referentes s questes de

    equidade e condies de vida no interior dessas

    localidades. Para os objetivos de nosso trabalho,

    reproduzimos a classificao do IPVS dos trs

    Grfico 7 Distribuio dos domiclios segundo utilizao do banheiro

    Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento, 2003.

    Privado

    Coletivo

    91%

    9%

    Grfico 8 Distribuio dos domiclios segundo utilizao do tanque

    Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento, 2003.

    Privado

    Coletivo

    94%

    6%

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 561

    grupos de vulnerabilidade social que se situam

    nos bairros da rea central:

    Grupo 4 Vulnerabilidade mdia: seto-res que apresentam nveis mdios na di-menso socioeconmica; encontrando-se em quarto lugar na escala em termos de renda e escolaridade do responsvel pelo domiclio. Nesses setores concentram-se famlias jovens, isto , com forte presena de chefes jovens (com menos de 30 anos) e de crianas pequenas.

    Grupo 5 Vulnerabilidade alta: setores censitrios que possuem as piores condi-es na dimenso socioeconmica (bai-xa), situando-se entre os dois grupos em que os chefes de domiclios apresentam,

    em mdia, os nveis mais baixos de renda e escolaridade. Concentra famlias mais velhas, com menor presena de crianas pequenas.

    Grupo 6 Vulnerabilidade muito alta: o segundo dos dois piores grupos em ter-mos de dimenso socioeconmica (baixa) com grande concentrao de famlias jo-vens. A combinao entre chefes jovens, com baixos nveis de renda e de escola-ridade e presena significativa de crian-as pequenas, permite inferir ser este o grupo de maior vulnerabilidade pobreza (Seade, 2003).

    Para o municpio de Santos, temos o se-

    guinte mapa do IPVS:

    Figura 1 ndice Paulista de Vulnerabilidade Social Municpio de Santos 2000

    Fonte: Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados, 2003.

    Setores censitriosMunicpio de SantosHidrografiaLogradouros

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011562

    Os bairros Centro, Valongo, Paquet, Vila

    Nova e parte da Vila Mathias esto totalmente

    situados entre os grupos de vulnerabilidade m-

    dia (grupo 4), alta (grupo 5) e muito alta (grupo

    6). Segundo a Fundao Seade, esses dados so

    analisados para Santos da seguinte forma:

    Grupo 4 (vulnerabilidade mdia): 13.425 pessoas (3, 2% do total) . No espao ocupado por esses setores censitrios, o rendimento nominal mdio dos respons-veis pelo domiclio era de R$450 e 61,9% deles auferiam renda de at trs salrios mnimos. Em termos de escolaridade, os chefes de domiclios apresentavam, em mdia, 5,3 anos de estudo, 88,9% deles eram alfabetizados e 30,1% completaram o ensino fundamental. Com relao aos indicadores demogrficos, a idade mdia dos responsveis pelos domiclios era de 40 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 24,7%. As mulheres che-fes de domiclios correspondiam a 30,4% e a parcela de crianas de 0 a 4 anos equivalia a 12,3% do total da populao desse grupo.

    Grupo 5 (vulnerabilidade alta): 31.389 pessoas (7,5% do total ) . No espao ocupa do por esses setores censitrios, o rendimento nominal mdio dos respons-veis pelo domiclio era de R$493 e 57,8% deles auferiam renda de at trs salrios mnimos. Em termos de escolaridade, os chefes de domiclios apresentavam, em mdia, 5,0 anos de estudo, 84,7% deles eram alfabetizados e 28,3% completaram o ensino fundamental. Com relao aos indicadores demogrficos, a idade mdia dos responsveis pelos domiclios era de 46 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 13,8%. As mulheres che-fes de domiclios correspondiam a 32,9% e a parcela de crianas de 0 a 4 anos equivalia a 9,4% do total da populao desse grupo.

    Grupo 6 (vulnerabilidade muito alta): 21.378 pessoas (5,1% do total). No es-pao ocupado por esses setores censi-trios, o rendimento nominal mdio dos responsveis pelo domiclio era de R$345 e 74,3% deles auferiam renda de at trs salrios mnimos. Em termos de escola-ridade, os chefes de domiclios apresen-tavam, em mdia, 4,6 anos de estudo, 82,4% deles eram alfabetizados e 21,9% completaram o ensino fundamental. Com relao aos indicadores demogrficos, a idade mdia dos responsveis pelos do-miclios era de 40 anos e aqueles com menos de 30 anos representavam 24,4%. As mulheres chefes de domiclios corres-pondiam a 33,7% e a parcela de crianas de 0 a 4 anos equivalia a 12,3% do total da populao desse grupo. (Seade, 2003)

    As estimativas com relao populao

    moradora em cortios na cidade de Santos no

    so precisas, sendo, em alguns pontos, bastan-

    te frgeis. Como afirmam Moreira, Leme, Naru-

    to e Pasternak (2006), desde sua conceituao

    at sua mensurao, as pesquisas envolvendo

    esse tipo de objeto so uma realidade bastan-

    te difcil de captar de forma precisa apenas por

    pesquisas de carter quantitativo. Contudo, as

    repeties de alguns dados em diferentes pes-

    quisas realizadas na rea mostram inmeros

    traos em comum e apontam para situaes

    em que a vulnerabilidade social acontece em

    um quadro de precariedade urbana (Moreira,

    Leme, Naruto e Pasternak, ibid., p. 23).

    Essas condies de precariedade se

    transformam, mas a relao entre a vulne-

    rabilidade social e a precariedade urbana, ca-

    ractersticas de cortios como os de Santos,

    que explicam sua existncia e constncia h

    mais de um sculo e as dificuldades do Poder

    Pblico em erradic-las (ibid.).

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 563

    Planos, programas e projetos envolvendo a questo habitacional

    Em 1968, foi aprovado o primeiro plano diretor

    da cidade. a primeira legislao a prever zonas

    com diferentes adensamentos urbanos, ou seja,

    com limites de construo de prdios diferencia-

    dos por bairros e regies. O projeto vislumbrava

    o uso da orla como zona turstica e proibia a

    construo de habitaes no Centro que deve-

    ria ser planejado para ser uma zona comercial.

    Alm disso, criava zonas mistas, com a possi-

    bilidade de explorao comercial e residencial.

    Os limites de adensamento foram relativamente

    respeitados, embora a lei tenha sido vrias ve-

    zes alterada para acomodar interesses imobili-

    rios e comerciais, alm das habitaes no Cen-

    tro continuarem a existir, na forma dos cortios.

    No final da dcada de 1970, esse plano

    j no atendia s necessidades reais da cidade

    em vista das transformaes urbanas ocorridas

    e o resultado foi a contnua decadncia do co-

    mrcio no Centro e Paquet, tornando-se, cada

    vez mais, bairros de habitaes precrias (Sil-

    vares, 1980).

    Dessa forma, a cidade chegou ao final da

    dcada de 1980 sem uma poltica habitacio-

    nal efetiva para o permetro urbano das reas

    central e porturia, onde o problema dos cor-

    tios no era tratado ou o era de forma isola-

    da e separada do conjunto. Apenas na gesto

    Telma de Souza (1989-1992) essa questo foi

    debatida de forma direta e especifica na pro-

    posta do novo plano diretor (PMS, 1995). Nessa

    gesto, foram aprovadas as leis de instituio

    das ZEIS e de criao do Fundo de Incentivo

    Construo de Habitao Popular e do Conse-

    lho Municipal de Habitao, bem como foram

    desenvolvidas as estratgias de interveno

    dos programas em favelas e de novos assen-

    tamentos habitacionais, em ao conjunta do

    Executivo e segmentos populares (Carvalho,

    1999, p. 152).

    A poltica de planejamento urbano foi

    efetivada na prtica com a implantao da

    parte do plano diretor relativo ao Zoneamen-

    to Especial de Interesse Social, atravs de uma

    poltica municipal de habitao executada no

    governo David Capistrano (1993-1996). Com a

    definio da habitao como uma das priorida-

    des de agenda, esta administrao desenvol-

    veu a poltica de habitao sobre as bases das

    condies criadas no governo anterior (Martins,

    1998, pp. 17-18).

    O ponto de partida para a interveno

    no setor habitacional foram os novos regula-

    mentos institudos com a lei de ZEIS, espec-

    ficos para o parcelamento, uso e ocupao

    dos lotes urbanos destinados habitao de

    interesse social. As perspectivas da sua con-

    tinuidade como poltica participativa assenta-

    ram-se nos instrumentos legais que, em 1992,

    criaram o CMH e as Comisses de Urbanizao

    e Legalizao e estabeleceram a diretriz de

    atendimento da demanda organizada (Carva-

    lho, 1999, p. 153).

    A lei de ZEIS compunha o captulo do zo-

    neamento especial, delimitando reas do terri-

    trio insular do municpio com funes espec-

    ficas, objeto de regulao urbana diferenciada,

    e inclua ainda as propostas de Zonas Especiais

    de Interesse Cultural, Ambiental e Urbans-

    tico e de criao de Corredores de Atividades

    Econmicas.

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011564

    Essas ZEIS correspondem a reas ocupa-

    das por favelas, loteamentos irregulares ou

    clandestinos, cortios e terrenos vazios ou mal

    utilizados, nas quais o poder pblico se pro-

    pe a intervir com base no reconhecimento da

    necessidade da populao de ocupar ordena-

    damente os espaos urbanos. Identificadas e

    delimitadas espacialmente, foram criadas trs

    categorias de ZEIS: ZEIS 1, que correspondem a

    reas j ocupadas, de forma irregular ou clan-

    destina, nas quais se prope a regularizao ju-

    rdica e urbanstica; ZEIS 2, que correspondem

    a reas no ocupadas, nas quais se prope a

    implantar empreendimentos habitacionais

    segundo critrios especiais de parcelamento,

    uso e ocupao do solo; e ZEIS 3, que corres-

    pondem a reas de concentrao de cortios,

    localizados em bairros centrais deteriorados,

    nos quais o poder pblico prope recuperar as

    condies de habitabilidade (ibid., p. 75).

    A Lei Complementar que criou as ZEIS foi

    promulgada em 15 de maio de 1992. Ela estru-

    tura a interveno visando solucionar o proble-

    ma de moradia de interesse social atravs de

    legislao que regulamenta as zonas de ocupa-

    o especial para esse uso especfico, indican-

    do os mecanismos jurdicos para o tratamento

    da questo fundiria, os mecanismos espec-

    ficos relacionados partilha do solo urbano e

    s exigncias para edificao e os mecanismos

    financeiros prprios para o acesso moradia

    popular (Carvalho, 2001, p. 104).

    A abrangncia do problema habitacional

    objeto de interveno dessa modalidade de zo-

    neamento especial destinou-se ao atendimento

    da necessidade da populao de baixa renda.

    Segundo Carvalho, no caso da ZEIS 3, a inter-

    veno feita atravs da ao pblica de:

    [...] renovao urbana e produo de uni-dades habitacionais de carter popular atravs da interveno em rea com con-centrao de habitao coletiva precria de aluguel (cortios), onde haja interesse de se promoverem programas e projetos habitacionais destinados prioritariamen-te populao de baixa renda familiar moradora da rea. A delimitao desta rea corresponde ao tipo de zonea mento denominado ZEIS 3. (1999, p. 105)

    Contudo, tal mecanismo no conseguiu

    se efetivar na prtica. Esse instrumento teve

    a sua incluso na lei complementar n. 53/92

    ocorrendo de forma distinta dos demais tipos,

    no se apoiando em nenhum programa pblico

    de interveno em andamento. De forma dis-

    tinta das ZEIS 1 e 2, que poucas resistncias so-

    freram, a proposta de interveno nos cortios

    localizados na rea central da cidade foi critica-

    da pelo setor da construo civil.

    Nesse sentido, a poltica de interveno

    nos cortios e, por decorrncia, na rea cen-

    tral da cidade, onde foi delimitado o permetro

    de ZEIS 3 teve de ser redefinida, passando a

    se estruturar como programa de locao social.

    Enquanto programa de locao social, os resul-

    tados quantitativos alcanados foram baixos

    e, ao final da segunda administrao petista,

    apenas dois empreendimentos haviam sido

    concludos. Ambos os empreendimentos con-

    sistiam na reforma de imveis localizados na

    rea central da cidade e visavam o direito de

    moradia e no de propriedade populao. O

    primeiro atendeu 14 idosos e o segundo, 8 fa-

    mlias. Alm destes, em 1996, um terceiro em-

    preendimento encontrava-se em andamento e

    outros trs em fase de estudos (Carvalho, 1999,

    pp. 152-155).

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 565

    Segundo a diretora da COHAB-ST, o pro-

    jeto de ZEIS 3 no foi formulado a partir da

    demanda expressa por qualquer segmento da

    populao, tal como ocorreu com as ZEIS 1 e 2.

    Alm disso, tal mecanismo foi incorporado ao

    projeto de lei de criao das ZEIS de ltima

    hora, posto que se concluiu que era interes-

    sante (Carvalho, 2001, p. 106):

    A ZEIS 3 no aconteceu na prtica. Tive-mos levantamento, pesquisas em cortios. Chegamos a fazer projeto, no governo do David mais ainda. (...) A ZEIS 3 mesmo no d pra falar que foi uma experincia bem-sucedida... (Ibid.)1

    Alm das ZEIS, outro instrumento de

    poltica urbana visando questo da moradia

    na rea central foi amplamente debatido na

    cidade nos ltimos anos. Trata-se do Progra-

    ma de Atuao em Cortios da Companhia de

    Desenvolvimento Habitacional e Urbano do

    Governo do Estado. Em 1999, houve o primei-

    ro anncio e, em 2001, o primeiro estudo de

    ocupao e a proposta de convnio, para dar

    incio ao programa criado em junho de 1998.

    A iniciativa do PAC visava extinguir esse tipo

    de locao habitacional, alm da revitaliza-

    o urbana das reas em que se concentram,

    permitindo que as famlias permaneam na

    mesma regio onde moram e possam usufruir

    a infraestrutura disponvel. O Programa con-

    centra o seu foco de ao nas reas Centrais,

    cumprindo o papel de revitalizar o centro

    deteriorado das maiores cidades do Estado.

    (CDHU, 2003).

    Em 2002, foi aprovada a sano da Lei

    Complementar n. 457 que alterou o anexo

    I da Lei que criou as ZEIS. Com essas altera-

    es ficaram estabelecidas as condies para

    a construo de moradias com verbas dos pro-

    gramas habitacionais, promovidos pelo Gover-

    no do Estado. O Municpio ficou responsvel

    pela promoo do ordenamento territorial,

    mediante planejamento e controle de uso.

    O CMDU j havia aprovado tambm a

    proposta de alterao da Lei de ZEIS, incluindo

    algumas das sugestes encaminhadas por con-

    selheiros, que visavam melhorar a redao da

    proposta, evitando dvidas de interpretao.

    Encaminhadas pelos membros ao conselho, as

    sugestes foram alvo de debates e avaliaes

    que resultaram na aprovao do texto da mi-

    nuta do projeto.

    O objetivo principal das alteraes, vota-

    das pelos componentes do CMDU, foi a melho-

    ra da redao, deixando clara a nomenclatura

    de locais especificados pela Lei de ZEIS, alm

    de explicar no prprio texto da lei alguns

    termos especficos da matria. A minuta que

    foi confrontada com a Lei atual (cuja alterao

    estava sendo sugerida) foi elaborada por meio

    do trabalho coordenado pela Seplan, do qual

    participaram tcnicos da Cohab Santista, CET

    e Seosp. Com a aprovao do projeto, o mu-

    nicpio passou a contar com 46 reas de ZEIS

    e, entre as novas, est a ZEIS-3 no bairro Pa-

    quet no permetro que compreende as ruas

    Amador Bueno, Doutor Cchrane, Joo Pessoa

    e Conselheiro Nbias (D. O., 28/5/2002).

    Tendo como foco a ao nas reas cen-

    trais encortiadas das grandes cidades do es-

    tado, a equipe do PAC demonstrou grande

    interesse em Santos, por conta de algumas

    caractersticas que deram ao municpio priori-

    dade na implantao do projeto. Dentre essas

    caractersticas, o fato de a rea ser bem menor

    do que em outras cidades e estar concentra-

    da espacialmente, alm de os imveis terem

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011566

    particularidades arquitetnicas de relevo hist-

    rico que devero ser reabilitadas, reurbanizadas

    e requalificadas urbanisticamente, visando ex-

    tinguir esse tipo de concentrao habitacional.

    De acordo com o levantamento da Pre-

    feitura entregue ao rgo estadual, a rea de

    atuao do PAC seria a regio do Mercado

    Municipal e do Cemitrio do Paquet, on-

    de as intervenes abrangeriam cerca de 10

    quarteires. Segundo o convnio, o programa

    seria implantado por meio da parceria entre a

    Prefeitura, o Governo Estadual e Banco Intera-

    mericano de Desenvolvimento (BID) rgo fi-

    nanciador , que estaria empregando em torno

    de US$100 milhes para o projeto em todo o

    Estado (D.O., 5/10/2001).2

    Em maro de 2004, houve o ato simbli-

    co de acionamento do bate-estaca no terreno

    da Rua Joo Pessoa, 400, no Centro, onde seria

    construdo um conjunto habitacional com 600

    unidades, sendo que as 60 primeiras deveriam

    ser entregues em julho de 2005 pela CDHU.

    Na mesma solenidade foi anunciado que o

    governo estadual estava investindo R$1,4 mi-

    lho no projeto que teria trs prdios, de cinco

    pavimentos cada. Nesse caso, o municpio no

    entraria com nenhum encargo, que seriam sub-

    sidiados, meio a meio, pelo BID e CDHU.

    Ainda no mesmo ano de 2004, em no-

    vembro, o secretrio de Estado da Habitao e

    o gerente regional da CDHU, em visita ao Pa-

    o Municipal, reafirmaram as parcerias entre

    Figura 2 Ruas dos bairrosValongo, Centro, Paquet, Vila Nova e parte da Vila Matias

    Fonte: Google Maps, 2007.

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 567

    Prefeitura e Governo do Estado nas polticas

    pblicas para moradia popular e anunciaram

    que at o final de 2006 seriam totalizadas 339

    moradias habitacionais dentro do PAC. O in-

    vestimento seria da ordem R$10 milhes e as

    construes teriam o cuidado de ser adequada

    com os objetivos propostos pela revitalizao

    do Centro Histrico (D. O., 29/11/2004).

    O programa funcionaria na cidade em

    trs frentes. A primeira delas, a Santos F, con-

    templaria 60 apartamentos que estavam sendo

    construdos na Rua Joo Pessoa, nmero 400.

    Depois de dois anos de atrasos, a previso

    era de que a obra estaria pronta at maro de

    2007, mas esse prazo no foi cumprido.

    Na segunda frente do programa, a San-

    tos H, na Rua Amador Bueno nmeros 387/397,

    a situao no foi diferente. A previso mais

    otimista era que as obras seriam entregues

    somente em novembro de 2008. Na Santos I,

    localizada na Avenida So Francisco nmeros

    409/415, as obras para a construo dos 81

    apartamentos sequer saram do papel. Ao todo,

    as reas abrigariam 311 famlias.

    Diante dos constantes atrasos nas obras,

    foram realizadas Audincias Pblicas no primei-

    ro semestre de 2007, com vrias manifestaes

    de cobrana em relao aos programas habi-

    tacionais em andamento e os que estavam em

    processo de execuo (A Tribuna, 17/6/2006).

    Sem uma soluo de curto prazo, a enti-

    dade Associao de Cortios do Centro (ACC)

    recorreu ao Crdito Solidrio do Ministrio das

    Cidades, um programa de habitao destina-

    do a associaes e cooperativas de morado-

    res que atendem famlias com renda de um

    a cinco salrios mnimos. A proposta da ACC

    para a construo das unidades habitacionais

    foi analisada pela Caixa Econmica Federal,

    agente financiador do programa (A Tribuna,

    21/6/2006) e empreende desde o incio de

    2009 a construo de 181 unidades habitacio-

    nais sendo 113 apartamentos pelo Programa

    Crdito Solidrio, e 68 pelo Programa Minha

    Casa, Minha Vida Entidades, ambos do Go-

    verno Federal em terreno recebido pela Se-

    cretaria do Patrimnio da Unio (SPU), ligada

    ao Ministrio do Planejamento, Oramento e

    Gesto, atravs de Concesso de Uso, instru-

    mento jurdico do Estatuto da Cidade. A pri-

    meira etapa, que prev a construo dos 113

    apartamentos, recebeu tambm recursos do

    governo do estado de So Paulo.

    Essa ao proveniente essencialmente da

    organizao popular dos moradores de cortios

    hoje (2011) a maior interveno na rea cen-

    tral de Santos e, segundo a previso, iro retirar

    dos cortios, at o final de 2012, aproximada-

    mente 800 pessoas. Contudo, segundo a ACC,

    tal iniciativa no tem recebido da prefeitura a

    devida ateno, pois desde o incio do proces-

    so tem sido buscada uma parceria, atravs da

    COHAB Santista, para complementao de re-

    cursos para que os apartamentos sejam entre-

    gues com todos os seus acabamentos previstos

    em projeto, o que no ocorre atualmente. Isso

    ocorre porque os recursos disponveis para a

    construo so menores do que os recursos

    necessrios e, por conta disso, alm de os aca-

    bamentos internos dos apartamentos ficarem a

    cargo de cada morador, os mesmos ainda esto

    tendo que pagar uma parcela da construo

    atravs de trabalho por mutiro, ou seja, mem-

    bros das famlias participam da construo au-

    xiliando na realizao dos trabalhos tcnicos

    da mo de obra contratada.

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011568

    Consideraes finais

    Muitas das aes e dos acontecimentos relacio-

    nados regio central esto ocorrendo junto

    com a realizao desta pesquisa e, dessa forma,

    procuramos dar uma contribuio discusso e

    ao debate mais amplo sobre os caminhos e o

    futuro dessa regio. Entretanto, podemos obser-

    var que o Centro de Santos vem recebendo nos

    ltimos anos diversas interven es do poder

    pblico que vem dotando a rea com uma signi-

    ficativa infraestrutura urbana e um conjunto de

    propostas especficas e articula das. Todas essas

    aes tm procurado dinamizar a regio com o

    incentivo gerao de empregos, instalao

    de atividades econmicas pblicas e privadas e

    o reforo da identidade cultural.

    O projeto urbano contemporneo tem

    colocado na pauta de aes do poder pblico

    a importncia do Centro como uma localizao

    que, apesar de no estar mais satisfazendo o

    papel imobilirio que lhe exigido pela cidade,

    possui dentro da rede intraurbana toda uma in-

    fraestrutura de transportes, servios e equipa-

    mentos j implantada, e investimentos nesses

    locais tem a possibilidade de produzir uma no-

    va adequao funcional atraindo capital e pes-

    soas, tornando a regio convidativa do ponto

    de vista turstico e comercial.

    Entretanto, podemos afirmar que, apesar

    de o poder pblico ter uma ao destacada

    no que tange s intervenes de cunho cul-

    tural e de entretenimento, no tem tido uma

    ao eficaz no que se refere s aes ligadas

    a questes sociais, notadamente as relaciona-

    das habitao. Segundo o discurso oficial, di-

    ficuldades tcnicas, financeiras e polticas so

    as razes que tm impedido que a proposta

    de edificao de prdios de apartamentos seja

    executada na rea. Ainda segundo tal discurso,

    dentre as dificuldades que dificultariam a ope-

    racionalizao do programa encontram-se as

    prprias condies do solo santista, que invia-

    bilizariam financeiramente esse tipo de soluo

    para segmentos de baixa renda.

    Finalmente, podemos acrescentar que a

    regio central permanece como uma rea de

    alto nvel de excluso social em que os subci-

    dados, principalmente na regio do mercado

    municipal e no Paquet, l permanecem sem

    uma poltica efetiva de promoo da incluso.

    A fragilidade da cidadania nessas reas, en-

    tendida como as inmeras formas de vulnera-

    bilidade quanto ao emprego, aos servios de

    proteo social e violncia criminal, alm da

    perda ou ausncia de direitos e a precarizao

    de servios coletivos que garantiriam uma ga-

    ma mnima de proteo pblica para grupos

    carentes de recursos privados, tem permaneci-

    do sem modificaes como um componente da

    vida urbana na regio.

    Dessa forma, podemos dizer que dentre

    os objetivos pretendidos pelo discurso das ad-

    ministraes locais nas ltimas duas dcadas,

    alguns foram cumpridos e outros ainda no,

    ou seja, apesar dos inmeros avanos, o pro-

    jeto ainda no foi capaz de reverter o processo

    mais amplo de declnio econmico e nem de

    melhorar as condies de vida da populao

    residente, pois as principais aes prometidas

    na rea habitacional como as relativas ZEIS 3

    e ao PAC praticamente no saram do papel, e

    a situao social e habitacional na rea perma-

    nece sem nenhuma alterao significativa h

    mais de trs dcadas.

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 569

    Assim, palavras como frustrao e decepo

    ilustram o pensamento de grande parte dos mora-

    dores dessa regio que em determinado momento

    Notas

    (1) Entrevista concedida a Carvalho (2001) por Mrcia Cristol Luz, em 6/8/98.

    (2) O investimento seria de R$20 milhes, numa mdia de R$22 a 25 mil para cada uma das unidades

    que tero em torno de 40m com um ou dois quartos. A prestao do financiamento para as

    moradias seria de 15% do salrio mnimo, em torno de R$40,00. Segundo a CDHU, as famlias dos

    cortios da Rua Amador Bueno e da Avenida So Francisco seriam cadastradas e identificadas

    pela empresa e pela Prefeitura (D. O., 8/3/2004).

    Andr da Rocha SantosSocilogo pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de So Paulo. So Paulo, [email protected]

    Referncias

    A TRIBUNA (2006). Moradores de cortios buscam financiamento para projetos. Santos, 21/6/2006.

    ______ (2006). Erradicao de cortios continua atrasada. Santos, 11/7/2006.

    ANDRADE, C. R. M. de (1992). De Viena a Santos: Camillo Sitte e Saturnino de Brito. In: SITTE, C. A construo das cidades segundo seus princpios artsticos. So Paulo, tica.

    ANDRADE, W. T. F. de. (1989). O discurso do progresso: a evoluo urbana de Santos 1870-1930. Tese de Doutorado. So Paulo, Universidade de So Paulo.

    CARVALHO, S. N. (1999). Planejamento urbano e democracia: a experincia de Santos. Tese de Doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.

    ______ (2001). Plano diretor em Santos: poltica negociada. So Paulo em Perspectiva, n. 15. So Paulo, Fundao Seade, jan-mar, pp. 121-134.

    acreditaram que o processo de revitalizao do

    Centro pudesse, na mesma velocidade, tambm

    melhorar suas precrias condies de vida.

  • Andr da Rocha Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011570

    CASTELL, R. (1998). As metamorfoses da questo social: uma crnica do salrio. Petrpolis, Vozes.

    COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO HABITACIONAL E URBANO (CDHU) (2002). PAC: Programa de atuao em cortios: municpio de Santos. So Paulo, CDHU-Seade.

    ______ (2003). Pr-Lar Atuao em Cortios. Manual do Programa. Secretaria da Habitao de So Paulo, julho.

    DIRIO OFICIAL DE SANTOS (D.O.) (2001). Proposta para programa de atuao em cortios dever ser assinada nos prximos dias. Santos, 5/10/2001.

    ______ (2002). Executivo Publicas Lei que amplia Zonas Especiais de Interesse Social. Santos,

    28/5/2002.

    ______ (2004). Erradio de Cortios: obras seguem no Centro. Santos, 29/11/2004.

    FRGOLI, JR. H. (2000). Centralidade em So Paulo: trajetrias, conflitos e negociaes na metrpole. So Paulo, Cortez/Editora da Universidade de So Paulo.

    FUNDAO SISTEMA ESTADUAL DE ANLISE DE DADOS (SEADE) (2003). ndice Paulista de

    Vulnerabilidade Social. Disponvel em: < URL: http://www.al.sp.gov.br/web/ipvs/index_ipvs.

    htm. Acesso em: outubro de 2007.

    GAMBETA, W. (1984). Desacumular a pobreza: Santos, limiar do sculo. Espao e Debates. So Paulo, Ncleo de Estudos Rurais e Urbanos, n. 11, pp. 17-27.

    HARVEY, D. (1992). Condio ps-moderna. So Paulo, Loyola.

    KOWARICK, L. e ANT, C. (1994). Cem anos de promiscuidade: o cortio na cidade de So Paulo. In:

    KOWARICK, L. (org.). As lutas sociais e a cidade: So Paulo, passado e presente. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

    ______ (2002). Viver em risco sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. Novos Estudos Cebrap. So Paulo, n. 63, pp. 9-30.

    LANNA, A. L. de (1996). Uma cidade na transio. Santos: 1870-1913. So Paulo/Santos, Hucitec/Prefeitura Municipal de Santos.

    MARINS, P. (1998). Habitao e vizinhana: limites da privacidade no surgimento das metrpoles

    brasileiras. In: NOVAIS, F. (org. geral) e SEVCENKO, N. (org. do vol.). Histria da vida privada no Brasil. So Paulo, Cia. das Letras.

    MARTINS, M. L. R. R. (1998). Os desafios da gesto democrtica: Santos, 1993/1996. So Paulo/Recife, Instituto Polis/Centro Josu de Castro.

    MOREIRA, A. C. M. L.; LEME, M. C. da S.; MINORU, N. e PASTERNACK, S. (orgs.). (2006). Interveno em cortio: uma experincia didtica. So Paulo, FAUUSP.

    NOBRE, E. A. C. (2003). Intervenes urbanas em Salvador: turismo e gentrificao no processo de

    renovao urbana do Pelourinho. X ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais... Belo Horizonte.

    PIMENTA, M. A. (edit.). (2002). Caminhos do Mar: memrias do comrcio da Baixada Santista. So Paulo, Museu da Pessoa.

    PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTOS (PMS) (1995). Proposta do novo plano diretor de Santos: manual do proprietrio. Santos.

  • Habitao precria e os cortios da rea central de Santos

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 13, n. 26, pp. 549-571, jul/dez 2011 571

    SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO E MEIO AMBIENTE (SEDAM) (1992). Zona Especial de Interesse Social. Santos.

    SILVARES, J. C. (1980). Favelas urbanas: Valongo, Paquet, Vila Nova. Como recuperar estas reas? A Tribuna. Santos.

    SIMES JR., J. G. (1994). Revitalizao de Centros Urbanos. Publicaes Polis. So Paulo, n. 19.

    VARGAS, H. C. e CASTILHO, A. L. H. de (2006). Intervenes em Centros Urbanos: objetivos, estratgias

    e resultados. Barueri/SP, Manole.

    VASCONCELLOS, L. M. e MELLO, M. C. F. de (2006). Re: atrs de, depois de.... In: Intervenes em

    Centros Urbanos: objetivos, estratgias e resultados. Barueri, SP: Manole.

    VAZ, L. e JACQUES, P. B. (2003). A cultura na revitalizao urbana: espetculo ou participao? Espao e Debates. So Paulo, v. 23, n. 43-44, pp. 129-140.

    Texto recebido em 17/fev/2011Texto aprovado em 11/abr/2011