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Ímpar revista laboratório do curso de Comunicação Social da UFRRJ edição 1 - março a maio de 2013 Peças que não se encaixam POR QUE A UNIVERSIDADE RURAL PARECE TÃO DISTANTE DA CIDADE DE SEROPÉDICA? RURAL NO TEMPO ENTREVISTA ME LEVA RURAL A revista Ímpar volta à época da ditadura e conta histórias, comoa da greve de 80 Josemar Damásio: o homem que todos conhecem, mas que quase ninguém sabe quem é Nesta edição, o “Me Leva Rural” vai ao Parque Nacional do Itatiaia

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Revista laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

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Page 1: Revista Ímpar UFRRJ

Ímparrevista laboratório do curso de Comunicação Social da UFRRJ edição 1 - março a maio de 2013

Peças que não se encaixamPOR QUE A UNIVERSIDADE RURAL PARECE TÃO DISTANTEDA CIDADE DE SEROPÉDICA?

RURAL NO TEMPO

ENTREVISTA

ME LEVA RURAL

A revista Ímpar volta à época da ditadura e conta histórias, comoa da greve de 80

Josemar Damásio: o homem que todos conhecem, mas que quase ninguém sabe quem é

Nesta edição, o “Me Leva Rural” vai ao Parque Nacional do Itatiaia

Page 2: Revista Ímpar UFRRJ

Ímpa

rmemórias questões

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RURAL NO TEMPOComo era a Universidade Rural na época da Ditadura Militar? Nesta edição, a revista ÍMPAR se propõe a esclarecer um pouco sobre essa pergunta e fala sobre as décadas de 60 a 80

QUAL O VALOR DA MEIA-ENTRADA?Esta pergunta requer uma resposta óbvia. Mas até quem responder “a metade da inteira” pode estar enganado. Na verdade, você paga apenas a metade do dobro

ALÉM DOS 2KMMesmo nas dependências de Seropédica, a Universidade Rural parece muito distante da realidade do município. E ninguém aprece se importar, como em um cabo de guerra, só que nenhum lado puxa

OPINIÃOUma análise objetiva sobre a relação entre Rural e Seropédica por Gabriella Lima, estudante de Letras da Uerj.“A Rural fica em Seropédica. Será mesmo? Pensemos mais uma vez…”

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O GELA CUCAUma entrevista com Josemar Damásio da Silva , o Mazinho

VÓ DE ALUGUELConheça Dona Eugênia, ou, Vó Geninha, doméstica desde os 12 anos de idade e moradora há 40 anos da mesma casa, em Boa Esperança, Seropédica.

HEY JOEUm festival indepentende

NORMANDYA A banda da segunda guerra, só que musical

FREESTYLE CULTURALA história da extinta roda de rima de Bangu

O CORAL DA RURALUm pouco mais sobre o coro da Universidade

OFICINA LITERÁRIApor Alan Miranda

ESPAÇO ECUMÊNICOUma tarde observando o comportamento das pessoas que passam pela Rural. Mais precisamente, observando o lado curioso delas.

VIDAUNIVERSITÁRIAUm guia com dicas para você, que acabou de cair dentro de uma universidade e agora tem que se virar para manter-se limpo, alimentado, seguro e, porque não, vivo

ANTES DE MORRER, EU QUERO...O que você quer fazer antes de morrer? O que você quer ser? O que você quer ver? A ÍMPAR perguntou, confira as respostas

ME LEVA RURALParque Nacional do Itatiaia

Page 4: Revista Ímpar UFRRJ

Jéssica foi a principal responsável por manter a equipe acordada na última virada de noite da revista, a base de muito café.Penou para escrever “Hey Joe” para a foto da página 38 e foi a escolhida para ter a honra de entrevistar o grande Mazinho. Além disso, JéssicaBorges já estagiou na revista Loveteen em São Paulo, antes mesmo de se mudar para o Rio de Janeiro, onde hoje faz jornalismo.

A “dona da redação”.Foi na casa de Daniella Vianna que aconteceu a maioria dos encontros que resultaram na revista Ímpar, desde as pautas até a última madrugada (ou manhã) de fechamento.Dani é natural de Angra dos Reis e se dedicou ao processo fotográfico desta primeira edição, desde a ideia inicial, execução até o tratamento das imagens.Além de tudo isso, foi a única a trabalhar de verdade no passeio para o Parque Nacional do Itatiaia.

O homem do grupo.Não que isso signifique alguma coisa, mas, foi sobre ele que caiu este papel. E foi cobrado por isso. Além de homem do grupo, Caio Assis foi também o principal diagramador desta edição.Já trabalhou no Jornal O FOCO, de Itaguaí; colaborou com o blog ICHS em Foco e hoje é estagiário do Departamento de Material e Serviços Auxiliares da UFRRJ.

Jéssica BorgesDaniella ViannaCaio Assis

Equipe Ímpar

Page 5: Revista Ímpar UFRRJ

Michele foi quem mais correu nesta edição. Atrás de fontes, de pautas, da Jéssica e de tudo, a ponto de quase perder sua posição de estagiária na Coordenação de Cooperação Internacional da EPSJV, na Fiocruz, após abandonar o posto por uma semana, para dedicar-se exclusivamente à revista.Ela voltou ao passado e entrevistou ex-ruralinos para falar de ocupação, greve e ditadura.Além de trabalhar na Ímpar e na Fiocruz, Michele também vende produtos de sexshop nas horas vagas.

Professores Responsáveis

Cristiane VenâncioFrancisco Valle

Flaviano Quaresma

ColaboradoresAlan Miranda

Gabriella LimaGian Cornachini

Kilber MoreiraSimone Selles

Mario Fellipe Maia

Versão impressaImprensa Universitária

da UFRRJ

Luísa foi quem mais andou. Fez as trilhas do Parque Nacional do Itatiaia e até se perdeu por lá. Conheceu uma senhora seropedicense muito querida que dá faxina na casa dos estudantes ruralinos e depois da entrevista contratou seus serviços. Ela é estagiária da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da UFRRJ (FAPUR).

Michele CorrêaLuísa Portugal

Page 6: Revista Ímpar UFRRJ

Nós queríamos falar sobre cultura. E depois, também sobre pessoas. Mas de que cultura e de que pessoas falaríamos sem cair no clichê? Aprendi com uma mestre que o filósofo Deleuze dizia que a tela branca de um quadro está cheia de clichê, que então o pintor não deve preencher uma superfície em branco, mas sim esvaziá-la, limpá-la, tirar tudo que acha que deve.

Posso dar a certeza ao leitor que tentamos fazer o mesmo. Tentamos tirar todo o clichê existente nos assuntos tratados e nas problemáticas abordadas para tentarmos olhar o mun-do de maneira ímpar. Seja no simples acesso a um evento cultural ou numa histórica e con-turbada relação sociocultural entre a Universidade Rural e a cidade onde está localizada, sempre existe algo a mais, um detalhe que um olhar pouco atento deixaria passar.

Em sua primeira edição, a revista ÍMPAR traz esta característica transcrita na forma de 15 matérias, que variam entre cultura, comportamento, questões, memórias e personagens. Em sua primeira capa, o modo ímpar de análise tenta decifrar e entender um pouco mais do seu público alvo, com o objetivo de unir, em um mesmo bloco de páginas o interesse de dois grupos tão distintos e com o desafio de atender ambas as partes. Com a ausência de um projeto que chegue de fato nos arredores da Universidade, principalmente em Seropédica, a ÍMPAR tem a ânsia de saciar essa falta.

Na editoria de Memórias tentamos resgatar a Rural de um passado não muito distante nos corações de quem o viveu, que fez diferença na vida de muita gente, como ainda conti-

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nua fazendo. Suely Domingues Canero escreveu um livro chamado “Anos 60 na Universi-dade Rural”, reunindo todas as memórias pessoais de colegas que viveram a Rural da épo-ca. Contamos um pouco sobre sua vida e cotidiano na universidade que coleciona amantes há muito tempo.A ÍMPAR não podia deixar de lado as questões sociais, as quais nos deparamos no dia a dia, como o caso da meia-entrada no Rio de Janeiro, que no fim não se sabe mais o que é metade ou o que é inteira e quem realmente tá saindo no lucro.

A cartela cultural está bem democrática. Temos eventos em Angra, Bangu, Niterói e na própria Seropédica. A ideia é mostrar o que acontece nos arredores e no caso, alternativas de eventos para quem é oriundo das cidades vizinhas.

A ÍMPAR surgiu com a vontade de nos mostrarmos para a comunidade acadêmica e sonha em voar alto. Queremos ser mais que um projeto de extensão, queremos ser um pro-jeto que funcione, que toque, e que nos toque. A matéria de capa não está à toa na primeira edição. Queremos quebrar essa barreira existente entre a Universidade Rural e a cidade que lhe abriga, Seropédica. Se conseguirmos pelo menos com que a população, tanto universitá-ria quanto munícipe, questione sobre esse problema, já é um bom começo. Sentiremos que nosso trabalho estará sendo bem feito e tendo serventia para quem precisa.

A revista ÍMPAR pretende informar e ensinar, não somente aos leitores, mas também quem a faz.

por Michele Corrêa editorial

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ória

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texto: Michele Corrêa | fotoilustração: Caio Assis

Os alunos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro entram em uma greve que dura 109 dias. Uma mobilização é feita em prol de maior segurança, melhoria no atendimento médico e no Posto de Saúde no cam-pus universitário. Porém, apesar da semelhança, o ano é 1980 e não 2013.

O estopim foi o atropelamento do estudante George Ricardo Abdala, na noite do dia 20 de setembro de 1979, na antiga rodovia Rio-São Paulo, trecho entre a Rural e o Km 49. Como ainda é visto hoje, esse trecho é mal sinalizado e pouco iluminado. O médico em serviço no Posto de Saúde da Rural fora chamado para socorrer o rapaz, que estava com perda plas-mática na perna, porém, o doutor alegou não poder abandonar o posto para atendê-lo. Em consequência disso o estudante faleceu.

Os 15 anos de autoritarismo fizeram com que as reivindicações fos-sem um desafio e motivo para que movimento não crescesse, principal-mente levando em consideração a falta do exercício democrático. Mas não foi o que aconteceu.

Os alunos indignados com a situação marcaram uma missa campal no pátio do Pavilhão Central (P1) em protesto pela morte do colega e, orga-

nizados por comissões, iam de sa-la em sala avisar às outras turmas. Ao chegar ao Instituto de Zootec-nia (IZ), o professor colaborador (denominação dada na época ao professor que atuava na academia e que dependia mais do “ser ami-go do chefe” do que seu próprio trabalho), Walter Motta Ferreira, que preferia ser mais “amigo dos alunos” e amigo pessoal do estu-dante George, muito envolvido com o caso, tomou a iniciativa de avisar às turmas do Instituto. Um professor que dava aula no mo-mento permitiu a entrada de Mot-ta, que deu o aviso. Ao chegar aos ouvidos do Diretor do IZ que o professor tomara partido dos estu-

Rural no tempo

Page 9: Revista Ímpar UFRRJ

dantes, ele, imediatamente, reme-teu o pedido de demissão ao reitor da época, Arthur Orlando Lopes da Costa.

Era final de período letivo. Os professores que achavam a situa-ção injusta tentaram marcar uma audiência com o então reitor. Com a ausência de retorno, os docentes retiveram os conceitos dos alunos. O reitor pegou imediatamente a lista do grupo de professores e enviou os 81 nomes para a Polícia Federal, enquadrando-os no códi-go de segurança da época, trata-dos como subversivos. Generoso Manuel Chagas, ex-aluno da uni-versidade e professor aposentado desde 2003, é amigo pessoal do

professor Walter Motta. Como aca-bava de voltar para a universidade depois de completar o mestrado, seu nome não estava na lista.

— Havia vários colegas meus com nome na Polícia Federal, o meu não estava porque não era professor ainda, não era chefe de cadeira.

Em março, as aulas começa-vam. Com a situação ainda não resolvida, os alunos entraram co-letivamente em greve. Segundo Chagas, os alunos só voltariam de-pois que o professor Walter Motta fosse readmitido e os nomes dos professores retirados da Polícia Federal.

— Não foi uma greve dos pro-

fessores. Foi uma greve dos alunos em defesa dos professores. Foi a primeira grande greve dos univer-sitários públicos.

O ex-ruralino conta que os alu-nos em greve realizavam ativida-des culturais, assembleias e que discutiam o problema da época.

— Se fossem embora, o movi-mento não teria dado retorno ne-nhum. Essa greve teve repercus-são a nível nacional.

Num ato público realizado na Associação Brasileira de Imprensa, dia 22 de abril, várias associações de docentes das universidades do Rio de Janeiro se solidariza-ram com os professores da Rural: Pontifícia Universidade Católica

Rural no tempo

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(PUC-RIO), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade San-ta Úrsula, Fundação Osvaldo Cruz, Faculdades Integradas Bennet e Uni-versidade do Rio de Janeiro (UNIRIO).

A greve terminou depois de 109 dias. Começou em 18 de março de 1980 e acabou em 7 de julho com uma cerimônia de hasteamento da bandeira nacional no P1. Foi oferecido ao professor Walter Motta que cursasse mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais, resolvendo o problema de sua volta à Rural. Desde então, foi uma perda para a co-munidade acadêmica, segundo Chagas, o qual foi professor de Motta na graduação.

1968, O ANO EM QUE TUDO COMEÇOUSeu Generoso Chagas veio em 1968 do interior de Curitiba de família bem humilde. Chegou na Rural para fazer o curso preparatório da épo-ca para depois cursar Medicina Veterinária – ele foi da primeira turma formada com título de médico, antes o curso era apenas de Veterinária. Conta que o início de sua estadia foi muito difícil, visto que o país se en-contrava num regime militar.

— O ano de 1968 foi um dos mais pesados da ditadura para mim. Eu nunca participei do movimento estudantil. Por não ser politizado, talvez. Tinha 17 anos e sentia muito medo do que via. A primeira vez que vi um fuzil foi na Rural, fui doutrinado na ideia de que havia um grupo de terroristas querendo criar problemas — afirma, relembrando sua época de graduando.

Chagas presenciou episódios dentro da universidade que marcaram sua adolescência. Conta que existiam muitos rapazes que desenhavam bem, então faziam caricaturas do presidente e colavam nos quadros de avisos e murais do restaurante universitário. Os militares ao descobrirem destruíam todo o material.

— Vi muitos colegas, aqueles que os chamavam de comunistas, sendo levados no meio do bandejão e nunca mais voltarem.

Seu Generoso tinha data agendada para voltar para o sul: 12 de de-zembro de 1972, quando terminasse a graduação, mas como dependia

das bolsas da faculdade para sobreviver, optou por investir nele mesmo. A bolsa de iniciação científica equivalia a três salários mínimos da época, e o trabalho remunerado o deu condições para fazer o mestrado e dou-torado. Tornou-se professor da universidade, diretor e vice-diretor do

Instituto de Biologia e passou por vários conselhos na década de 80 e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) na de 90. Mas do que não se esquece mesmo é da sua época de estudante na Rural

— O melhor momento para mim na Rural, embora a grande re-pressão, foi a minha época de alu-no, a Rural acolhia estudantes do Brasil todo. Éramos uma grande família. Tivemos um encontro em novembro do ano passado para comemorar os 40 anos de forma-dos. É incrível como depois desse tempo todo nos encontramos, con-versamos, brincamos e choramos. Lamentavelmente, nunca voltará...

Em 1971 a Rural implantou o sistema de créditos, o regime da en-trada de novas turmas passou a ser semestral, em vez de anual. Para o ex-ruralino, isso fez com que as tur-mas não fossem mais tão unidas.

— No regime anual, os alunos se aproximavam mais, a gente era quem fazia o calendário de pro-vas, entregava para o professor e ele cumpria! O governo queria tor-nar os estudantes mais espalhados para acabar com a unidade, pois a Rural era vista como um recanto de rebeldes. Desse modo, fica frag-mentado, aumentando a competi-tividade.

Sobre geração de hoje, Seu Ge-neroso acredita que a forte união que as turmas mais antigas tinham não é mais a mesma. O ex-aluno se aposentou como professor em 2004, mas hoje continua lecionan-do, em Teresópolis e na Universi-dade Federal de Viçosa. Mora em Seropédica com sua esposa que conheceu na cidade. Costuma di-zer que é uma espécie em extinção, pois estudou a vida toda em insti-tuição pública e afirma ter entrado na Rural um menino, com apenas 17 anos e saído de lá um adulto, 45 anos depois.

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ória

s “Eu entrei na Rural menino e saí homem. Sou uma

espécie em extinção

“Era matuto. Nunca fui muito politizado porque vim do interior e tinha medo da repressão

Generoso Chagas, ex-aluno da UFRRJ

Generoso Chagas, ex-professor da UFRRJ

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A Universidade Rural, assim denominada entre 1943 e 1960, já colecionava ex-alunos que têm amor à instituição e fazem questão de manifestá-lo para o mundo. Suely Domingues Canero é autora do livro “Anos 60 na Universi-dade Rural”, que reúne memórias colecionadas de ex-ruralinos, a partir da criação de seu blog homônimo. A autora era uma das “patiobas”, apelido dado carinhosamente pelos meninos da universidade às alunas da Escola de Magistério de Economia Rural Doméstica (Emerd), uma escola de segundo grau só para moças, transferida de Laranjeiras para a Fazenda Patioba, onde já existia uma escola similar da PUC.

A diretora da escola da fazenda era muito rígida e as meninas da Emerd não se adaptaram ao novo regime, no qual, nem televisão tinham.

— Auxiliadas pelos alunos universitários, elas saíram à noite da fazenda (em um caminhão) e se alojaram no alojamento feminino da universidade. As alunas tiveram o apoio do diretor geral do Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agrônomas, Dr. Waldemar Raythe, existindo assim o curso da Fazenda Patioba e a Emerd no campus da Rural. Como os cursos eram simi-lares, também éramos chamadas assim — conta Suely, ex-patioba da Emerd.

Suely entrou na Escola em 1960 e se formou em 1962, seu objetivo depois era cursar extensão rural, mas acabou tendo outros rumos na vida. Canero viveu a Rural o suficiente para perceber que foi uma época em que era feliz e sabia. Como quase quem faz um poema, ela descreve seu tempo de ouro no maior campus universitário da América Latina.

— No início dos anos 1960, o número de alojamentos comportava todos os alunos, pois havia apenas dois cursos superiores (Veterinária e Agrono-mia); os alunos tinham um lindo restaurante, com belo mobiliário e lustres, toalhas brancas forrando as mesas, que eram servidas por garçons uniformi-zados, comida farta e boa.

Os anos eram 60, mas o compor-tamento dos jovens vinha dos Anos Dourados, de 1950. A maneira discre-ta de os rapazes e moças se vestirem e os namoros mais comedidos, prin-cipalmente para as meninas patiobas, que eram adolescentes. Mas a mini--saia, a cuba-libre e o rock and roll já tomavam lugar na vida dos alunos.

— Os estudantes da época eram como qualquer estudante de todos os tempos. Alguns mais quietos, outros aprontando, criando estações de rá-dio, saindo à noite para beber, mas era uma minoria. Alguns atletas, corriam, jogavam vôlei e futebol de salão. Ou-tros gostavam de fazer serenatas para as meninas. De drogas, nunca ouvi fa-lar — relembra Suely.

A diretora das meninas da Emerd também mantinha rédeas curtas. As meninas não podiam sentar na gra-ma e após o jantar não podiam sair do trecho entre sala de TV e corredor do alojamento feminino. Mas sempre que podia, Suely burlava a regra para dei-tar a noite no gramado e olhar o céu estrelado. Enquanto as universitárias tinham a liberdade de deitar e namo-rar na grama.

Não muito diferente da geração de hoje, Suely gostava de ser adolescen-te, sem vida social intensa, filha única e adorava a experiência de conviver com as colegas e com os meninos universitários. Todas as noites, após a janta, ficava no corredor batendo papo, até Bebem, a governanta delas, chamá-las às 20h30, a hora de subir para o alojamento.

— As matérias do curriculum, principalmente psicologia e sociolo-gia, e o convívio com outras pessoas de minha idade me fizeram amadurecer e saí de lá com uma visão mais aberta do mundo. Não foi só um aprendiza-do acadêmico, mas uma experiência para a vida — relata a ex-aluna com título de patioba e ruralina, que nun-ca se esquecerá da felicidade que lá viveu e levou para vida.

A Patioba

As meninas da Emerd burlavam a regra de não sentar na grama do campus

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Pela metade do dobro

Devido à falta de critério para com a meia-entrada, estudantes e outros beneficiados podem estar pagando mais do que deveriam

texto: Caio Assis | foto: Caio Assis

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Entre os dias 21 e 24 de março, chegou ao Rio de Janeiro a turnê do disco “Abraçaço”, de Caetano Veloso. O palco dos quatro shows foi o Circo Vo-ador, tradicional casa de show carioca, localizada no bairro da Lapa. Para assistir ao espetáculo, os fãs de Caetano tiveram de desembolsar entre R$ 60 (valor da meia-entrada) e R$ 120.

Isto na teoria...Na prática não foi exatamente isso que aconteceu. Para os shows do

“Abraçaço”, o Circo utilizou uma prática comum na casa: oferecer meias--entradas para além dos beneficiados por lei (estudantes, idosos, porta-dores de necessidades especiais e professores da rede municipal de en-sino). Nas noites daquele final de semana, todos que levaram 1 kg de alimento não perecível ou o panfleto do evento — impresso ou no celular — pagaram apenas 50% do valor.

Esta não é uma prática exclusiva, muito menos ilegal. Em todo o Rio de Janeiro (e também fora dele), diversas casas de shows oferecem bene-fícios semelhantes. As legislações municipal, estadual e federal, por sua vez, não preveem este tipo de ação. Portanto, de acordo com o Deputado Federal Edson Santos — criador da primeira lei da meia-entrada — este tipo de atitude tenta, de certa forma, burlar a legislação e, ao mesmo tem-po, não ser ilegal.

—O espírito dessa lei é oferecer aos estudantes acesso à cultura pela metade do preço. São lamentáveis as tentativas de burlar a iniciativa,

principalmente pelo fato de que essas ‘promoções’ se aproveitam da boa vontade e da solidarieda-de do povo brasileiro. Uma má fé que, embora facilmente perceptí-vel, é de difícil responsabilização — afirmou Santos.

A Lei 1.869/92 — de autoria de Santos —, assim como a maioria das outras, não especifica estes ca-sos, portanto, não há nenhum tipo de punição para as casas de shows que praticam essa política. Não há também algum aparato legal que beneficie o consumidor nestes ca-sos, pois, oferecendo meia-entrada para todos, as casas não deixam de oferecê-la para os estudantes.

Diante desta impotência, a UNE (União Nacional dos Estu-dantes) — combatente declarada desta prática — disponibiliza em

Page 13: Revista Ímpar UFRRJ

“Quem paga meia, está pagando inteira e quem paga inteira, o dobro.

Ninguém mais tem direito à meia

Daniel Iliescu, presidente da UNE

seu site alguns esclarecimentos so-bre o assunto. “Essa prática é uma simulação que alguns empresários fazem para tentar burlar as leis de meia-entrada”— informa o site. “O preço para o estudante deve ser calculado sobre o valor efeti-vamente praticado” — completa. Em outubro do ano passado, em uma matéria publicada pelo jornal O Globo, o presidente da UNE, Da-niel Iliescu declarou:

— Surgiram preços artificiais. Hoje, quem paga meia está pagan-do o valor inteiro; e quem paga inteira, está pagando o dobro. Na prática, ninguém mais tem direito à meia-entrada — concluiu.

No Paraná, o Procon do estado disponibiliza uma cartinha com algumas orientações sobre e meia--entrada. Nela, o órgão aborda a

questão com posicionamento se-melhante ao da UNE: “é comum a venda generalizada de ingressos com 50% de desconto, mediante a doação de um quilo de alimento.

Neste caso, o estudante, professor, idoso, ou doador de sangue tem o direito a pagar a metade deste va-lor cobrado com a doação.”. E es-

clarece ainda: “Se o estabelecimen-to recusar-se a oferecer o desconto, é preciso guardar o comprovante do valor pago e ir até a sede do ór-gão, ou dirigir-se aos Procons mu-

nicipais”. Ou seja, no Paraná, caso o estudante se depare com uma situação dessas, ele poderá pagar apenas 25% do valor total, ou seja,

Com políticas que destorcem a lei, beneficiados com a meia-entrada podem estar pagando mais do que o devido

março a maio de 2013 | revista ÍMPAR 11

Page 14: Revista Ímpar UFRRJ

a metade da metade.Além do Paraná, outros estados como Bahia, Amapá e Amazonas pre-

vêem, de certa forma, esta situação. A lei nº 362, de outubro de 1996, da cidade de Manaus, por exemplo, deixa claro, no primeiro parágrafo do art. 1º: “o abatimento previsto neste artigo [de 50% para os beneficiados] será concedido independentemente da prática de preços com descontos ou promocionais”. Contudo, ainda assim, deixa alguma brecha.

A revista ÍMPAR entrou em contato com a Fundição Progresso — ou-tra casa de shows localizada na Lapa. Em nota, a casa afirmou que os descontos não são cumulativos. Logo, se o ingresso custar R$ 100, o es-tudante pagará R$ 50, assim como todas as pessoas que levarem 1 kg de alimento ou o panfleto do evento.

No Rio, não existe nenhuma recomendação semelhante a do Procon--PR. Pelo contrário, a falta deste respaldo por parte da lei e o crescimento de promoções de troca de alimentos por meia-entrada trazem dois núme-ros à tona. Em uma série de reportagens publicadas em meados de 2012 sobre o tema, o Jornal O Globo constatou que, o número de beneficiados pela meia-entrada atinge cerca de 80% do total. Assim, toda essa gente paga o mesmo preço que o beneficiado. Além disso, e provavelmente por conta disso, o Rio de Janeiro é a cidade mais cara do mundo para assistir a um show. O comparativo para esta constatação foi feito por meio dos preços das entradas dos shows do americano Bob Dylan, da dupla sueca Roxette e dos ingleses do Duran Duran (ver gráfico).

Para o show de Dylan, o carioca gastou, no mínimo, R$ 500 — preço do ingresso mais barato nos show do Rio de Janeiro. Em Brasília, o Giná-sio Nilson Nelson disponibilizou ingressos a partir de R$ 240 e, em São Paulo, a entrada mais barata custou três vezes menos, R$ 150.

Se a comparação for feita com as apresentações fora do Brasil, a dife-

rença de preço fica ainda maior. Em Berlim, os alemães puderam ver o músico pelo equivalente a R$ 134. No Chile, houve entradas por apenas R$ 97 e, em Buenos Aires, por R$ 83.

Para concluir, no dia 27 de março, a Secretaria de Cultura da cidade do Rio publicou uma resolução que fornece o direito à meia-entrada a todos os mora-dores que comprovarem residên-cia na cidade, com conta de luz, água ou telefone. Neste caso, o benefício vale apenas para espa-ços culturais municipais, ou seja, não vale para shows como do Bob Dylan.

A Secretaria Municipal de Cultura do Rio foi contatada pela revista ÍMPAR. No entanto, o se-cretário não respondeu a tempo do fechamento da edição. Outro ponto proposto pela resolução da SMC é a média de preço limitada em R$ 40.

Na época das publicações de O Globo, o então secretário Emilio Kalil declarou que reveria a ques-tão e tomaria as providências cabí-veis., o que não aconteceu nem em sua gestão, nem na sucessora.

Por enquanto, não se sabe o que cabe sobre o assunto. Rever a lei, como já foi feito outras ve-zes, pode ser uma saída. Se, por alguma hipótese, a meia-entrada carioca ficasse semelhante à do Paraná, com, inclusive, cartilha do Procon, o estudante poderia se preparar e começar a andar com alimento, panfleto, conta de luz e carteirinha, quem sabe ele conse-gue pagar a metade da metade da metade. Vale mais do que pagar a metade do dobro.

BUENOS AIRESSANTIAGOBERLINSÃO PAULOBRASÍLIARIO DE JANEIRO

ques

tões

R$ 500

R$ 240

R$ 150 R$ 134R$ 97 R$ 83

O Carioca foi quem pagou mais caro no mundo para ver Bob Dylan

Page 15: Revista Ímpar UFRRJ

Um cabo de guerra sem forçaAparente falta de interesse, tanto da Rural quando da Prefeitura de

Seropédica, distanciam a Universidade do município vizinho

Se a Universidade Rural e o município de Seropédica forem analisados separadamente, será fácil notar que, ao menos fisicamente, os dois são próximos. Motivo: a UFRRJ é localizada dentro das dependências da ci-dade e o seu Pavilhão Central fica a menos de 3 km do centro do muni-cípio. No entanto, apesar desta proximidade, se a analise sair do âmbito físico e for para o sociocultural, Rural e Seropédica parecem ter um abis-mo de distância.

Em 1948, quando a sede da UFRRJ foi transferida para o km 47 da recém-inaugurada Estrada Rio-São Paulo, a região (então município de Itaguaí) poderia ter passado por um grande desenvolvimento, mas não aconteceu. Quase 50 anos mais tarde, quando aquela localidade se emancipou, em 1995, e virou a cidade de Seropédica, surgiu outra grande oportunidade de desenvolvimento. Contudo, o maior campus universi-tário da América Latina não foi suficiente para fazer com que a região em seu entorno crescesse. Hoje, 18 anos depois, grande parte dos moradores não sabe da serventia de ter a Rural em sua cidade e não usufruem de quase nada do que ela proporciona. Para alguns, a Rural é um grande “elefante branco” (coisa grande e vistosa, mas que não serve para nada). Além disso, ainda sofrem com alguns transtornos, como o aumento do custo de vida, com o crescimento dos preços de imóveis e alimentos.

Do outro lado, os estudantes da Rural, também em sua grande maio-ria, apenas passam pela cidade. Moram por quatro ou cinco anos, se for-mam e depois vão embora, contribuindo pouco para com a cidade que serviu de moradia e, por conta disso, auxiliou em sua formação.

Apesar da complexidade da questão, apontar a principal razão para esse distanciamento parece simples: falta proximidade entre as adminis-trações, da Universidade Rural do Rio de Janeiro e da Prefeitura Mu-

nicipal de Seropédica. Esta cons-tatação foi feita após uma série de entrevistas com personagens que ocupam locais chaves para essa relação. Contudo, a revista ÍMPAR não conseguiu trazer os posiciona-mentos da Secretaria de Educação da cidade (por total falta de inte-resse em responder às questões ou marcar uma entrevista) nem o da Pró-Reitoria de Extensão (por in-compatibilidade de horários).

Essa falta de proximidade entre os poderes é uma das principais causas do distanciamento entre as pessoas. Neste quadro, serope-dicense e ruralino estão em lados bastante opostos.

Pablo Teixeira tem 18 anos e, apesar de ter uma boa relação com diversos alunos da universidade, e, inclusive, também ter vontade de se tornar um estudante, cita inúmeros conflitos.

— Os estudantes me olham de maneira diferente. Uma vez, eu es-tava brincando com a tia do ham-

texto: Caio Assis e Michele Corrêa | foto: Divulgação

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búrguer, e umas meninas falaram: “só podia ser minhoca mesmo” — revela Pablo.

Além deste, muitos outros con-frontos aconteceram e todos pelo simples motivo de um grupo per-tencer a Universidade Rural e o outro à cidade de Seropédica.

DISTANCIAMENTOO Professor de Psicologia e Me-

mória da UFRRJ Ronald Clay dos Santos, que realiza um projeto de resgate da memória dos seropedi-censes, fez algumas constatações a cerca deste distanciamento.

— Nos anos 60 e 70, durante a infância dos idosos do projeto, a Rural funcionava como a continui-dade de suas casas. Eles vinham para cá, brincavam, soltavam pipa, subiam nos pés de árvore. A Rural era um espaço de lazer — contou.

Com o tempo, essa relação es-treita se alargou. Ronald não sabe precisar a data exata desta separa-ção, mas, os moradores de Seropé-dica que frequentavam o campus quando crianças, cresceram e não voltam mais à Rural.

— De acordo com os próprios idosos, em um certo momento, a Rural começou a se afastar da po-pulação. Houve uma maior entra-da de estudantes de outras regiões e eles começaram a se queixar de que a universidade abria mais as portas para quem vinha de fora do que para quem morava na cidade.

Hoje, os netos e filhos desses idosos fazem faculdade em Cam-po Grande e, por conta disto, pe-gam trânsito e chegam tarde. Tudo isso, tendo a UFRRJ do lado de casa. Isto desencadeia uma outra

queixa dos moradores. Segundo eles, não adianta ter a universida-de tão perto se eles não conseguem ter acesso. Ainda de acordo com eles, a Rural poderia oferecer algu-mas ações para garantir o acesso dos moradores da cidade.

Ainda sem entrar nos méritos do que poderia ou não mudar ou ser feito, uma coisa é certa: o se-ropedicense, de fato, não está na Rural. Dos aproximadamente 15 mil estudantes da UFRRJ, apenas 526 são nascidos na cidade. Isso corresponde a menos de 4% do total. Para traçar um comparativo, atualmente, a prefeitura de Sero-pédica banca o transporte de 200 estudantes que cursam faculdades particulares em Campo Grande.

POUCOS MORADORESO primeiro número a se atentar é o baixo percentual de seropedicen-ses estudantes da Rural. A razão para isto tem algumas teorias. A primeira delas é a falta de interesse pelo ensino superior. Marcos Flo-rentino, por exemplo, é estudante de Jornalismo da UFRRJ, formado em Letras pela UFRJ, professor de Português em algumas escolas da cidade e nascido em Seropédica. Ele conta que, em sua época de en-sino médio, dos cerca de 40 alunos de sua turma de terceiro ano, pou-quíssimos foram os que tentaram entrar para Rural. Resultado: nin-guém passou.

— Como professor, eu vejo nos jovens uma “falta de ideais”. Isso ocasiona um pequeno interesse pela universidade. Não é apenas na Rural e em Seropédica. O jo-vem, de maneira geral, não tem vontade de cursar o ensino supe-

rior — disse.Apesar disso, mesmo com o

baixo número de seropedicenses na Rural, ainda existem outros que se deslocam até Campo Grande para estudar.

Pablo, também morador de Se-ropédica, apresenta outra versão.

— A Rural ficou conhecida pela doideira, pelas festas e por ter muitas drogas. Por conta disso, os pais dos moradores daqui, que conhecem esse lado da universida-de, não querem que seus filhos en-trem. É o caso da minha mãe, por exemplo — confessou.

Ainda sobre o pequeno núme-ro de moradores de Seropédica dentro da Rural, o problema volta a bater na mesma tecla: falta uma maior união entre as administra-ções da UFRRJ e da prefeitura.

DUAS REALIDADESAlessandra Quintela também nas-ceu em Seropédica mas, ao con-trário da maioria, teve toda a sua vida dentro da Rural. Desde pe-quena, no Colégio do Instituto de Zootecnia (IZ), depois no Colégio Técnico da Universidade Rural (Ctur), mais tarde se formou em Administração pela universidade e hoje é diretora do Departamento de Material e Serviços Auxiliares (DMSA), um dos principais da instituição. Mesmo com Rural e Seropédica bastante presentes em sua vida, Alessandra enxerga esse hiato de forma muito clara.

— Parecem duas realidades distintas. Quem entra de verdade em Seropédica, por uns bairros mais escondidos, se assusta. Sero-pédica é muito pobre. Não dá pra acreditar que aqui tem uma uni-

“São duas realidades distintas. Quem conhece os bairros mais

escondidos de Seropédica, se assusta

Alessandra Quintella, servidora da Rural

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Dos mais de 15 mil estudantes matricula-dos na Universidade, apenas 526 (menos

de 4%) são nascidos em Seropédica

versidade do tamanho da UFRRJ — revela.

A diretora do DMSA falou também da relação entre as admi-nistrações e se mostrou otimista.

— Não consigo nem imaginar que o motivo da distância seja por falta de interesse da prefeitura de Seropédica. Pelo contrário, isso se-ria muito positivo para a cidade. Já pensou se a quantidade de pes-quisa feitas aqui chegassem a po-pulação? Ou se as crianças tives-sem, desde pequenas, acesso aos laboratórios da Rural, de Química, Física, Biologia... Mas acredito bas-tante na Catherine (nova pró-rei-tora de extensão). Ela vai fazer um bom trabalho no que diz respeito a isso — conclui.

Ainda sobre a nova gestão da Rural, em entre-vista recente ao Jornal Atual, de Itaguaí, a nova rei-tora da UFRRJ, Ana Maria Dantas reconheceu este distanciamento.

— Não podemos pensar a uni-versidade como aquela que sabe tudo e que só vai ensinar. Ela tem de interagir com a comunidade através de projetos e programas que atendam às suas demandas, e aprender com ela. Essa aproxima-ção deve ser através da educação, desde o Ensino Fundamental e Médio — afirmou.

Apesar do reconhecimento, a nova reitora não apresentou ne-nhum projeto concreto para que esta aproximação aconteça de fato. Apenas citou continuar o que já tem sido feito, o que, até agora, não surtiu muito efeito.

— É continuar o que já temos feito, com a capacitação continua-da de professores, com a educação especial e ambiental, com ativida-des junto à Secretaria de Meio Am-biente, em discussões sobre sanea-mento — salientou.

Já para Marcos Florentino, a questão da aversão entre o muníci-pe e o estudante da Rural deveria ter um olhar mais minucioso. Para ele, a rivalidade que existe é ape-nas aparente.

— A gente está querendo sim-plificar uma relação que passa por vários fatores. O próprio prestador de serviço, que tem quase todo o

seu lucro com base nos estudan-tes, reclama quando chegam as férias — problematiza o estudante e morador da cidade, que, entre-tanto, afirma que a falta de recur-sos por partes de muitas esferas é um dos motivos para existir essa antipatia.

Talvez seja mais fácil a Uni-versidade chegar a Seropédica do que o procedimento contrário. É claro que a Rural detém de mui-to mais recursos que a prefeitura imatura da cidade, o trabalho de Extensão está intimamente ligado nesse processo. As atividades da Rural — inclusive dentro da Ex-tensão Universitária — poderiam abranger mais o município. Hoje, o que se tem são eventos específi-

cos para os alunos. Ou seja, mesmo uma programação que seja aberta à comunidade, não consegue atrair os moradores, pois geralmente ela não é feita pensada neles, gerando uma relação de intimidação.

— Meus alunos com certeza gostariam de participar de ati-vidades dentro da Rural. Eles se sentem intimidados porque nada daquilo foi feito para eles também. O que existe é um distanciamento, não uma queda de braço das duas partes — analisa Marcos.

Como alternativa, Marcos, que está dos dois lados da moeda, su-gere as atividades culturais como

grandes chama-rizes. Partindo de um ponto de vista que cultu-ra pode ser toda prática exercida no cotidiano, apesar da di-ferença entre o

acadêmico e o popular, pode ha-ver um equilíbrio.

— Na música, acredito que um Djavan ou um Lenine são o meio--termo. Se for realizar um cine-de-bate, tem que saber escolher um filme que fale para as duas esferas. Elas precisam se aproximar, não se distanciar mais. Prova disto, é o Centro de Arte e Cultura, único projeto que parecer realmente se estender até Seropédica.

Não se sabe ao certo quem puxa a corda com menos vontade (a administração da Universidade Rural ou a da Prefeitura de Sero-pédica). Sabe-se apenas que, sem que um lado puxe o outro para firmar esta aproximação, ambos saem perdendo nessa disputa.

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A solução que vemdo passado

O distanciamento entre Rural e Seropédica, sem dúvidas, é uma questão atual. No entanto, não se pode deixar de pensar o histórico dessa relação para entender o problema. Mesmo sem ser esse seu principal objetivo, o professor Ronald Clay estuda um pouco do passado desse convívio. Desde 2011, unido a um grupo de alunos do curso de Psicologia, o pro-fessor toca o projeto de extensão “Seropédica no Tempo”. O objetivo do trabalho é reconstruir histórias de vida de idosos e coletar depoimentos que contem um pouco da transformação da cidade.

Como principal parâmetro de tempo, o principal acontecimento que surge é a emancipação da cidade, que aconteceu em 1995. No entanto, inconscientemente, os moradores citam a Rural que, de repende, deixou de fazer parte da vida do seropedicense.

— Nos anos 60 e 70, durante a infância dos idosos do projeto, a Ru-ral funcionava como a continuidade de suas casas. Eles vinham para cá, brincavam, soltavam pipa, subiam nos pés de árvore. A Rural era um espaço de lazer — contou.

Com o tempo, essa relação estreita se alargou. Ronald não sabe preci-sar a data desta separação, mas, os moradores de Seropédica que frequen-tavam o campus quando crianças, cresceram e não voltam mais à Rural.

— A Rural está aqui, mas poderia estar em qualquer outro lugar. A impressão que dá é que, para quem passa em frente, ela é como um gran-de “elefante branco” para os moradores, ou seja, não tem serventia.

Ronald conta também que, de acordo com os próprios idosos, em um

certo momento a Rural começou a se afastar da população. Houve uma maior entrada de estudantes de outras regiões e eles começa-ram a se queixar de que a univer-sidade abria mais as portas para quem vinha de fora do que para quem morava na cidade.

PROJETOS DISTANTESAinda de acordo com Ronald,

outro fator observado pelos idosos e pelo próprio professor é que os projetos de extensão, que são os responsáveis por essa aproxima-ção, não chegam como deveriam.

— Sabemos que os projetos existem, mas eles não chegam como deveriam até a população. Não sei dizer qual o problema. Talvez seja a divulgação. Mas exis-te uma barreira e isso precisa ser melhorado. — concluiu.

Além de histórias, o projeto também recorda através de fotografias como a construção da Rio-São Paulo

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Depois de boas duas horas de viagem, em um ônibus mal cuidado que passara por caminhos ainda piores, fi-nalmente cheguei a Seropédica. Não moro, não estudo e tampouco trabalho na cidade, o que não isenta por com-pleto minha opinião — mas de certa forma me permite observar de maneira menos subjetiva os eventos que se desenrolam diante de mim.

Não há dúvidas quanto à relação que se estabelece entre a universidade e o município: a Rural fica em Se-ropédica. Será mesmo? Pensemos mais uma vez…

Olhe para o centro de Seropédica. Olhe para os bair-ros, para as ruas sem asfalto, para os habitantes — os seropedicenses de fato, não os estudantes que se alo-jam por lá. Pense novamente, a Rural de fato está em Seropédica? Ou a Universidade, ao contrário dos seus estudantes, não ultrapassa a linha do trem?

Qualquer instituição de ensino superior pauta-se nos pilares de ensino, pesquisa e extensão. A extensão aca-dêmica refere-se ao contato da produção da universida-de com a comunidade externa, a partir do princípio de que o conhecimento por estas instituições deve neces-sariamente atender e transformar a realidade social da população, e não apenas formar alunos em determina-das carreiras. Nesse quesito, os programas de extensão da UFRRJ, aparentemente, deixam a desejar: à primeira vista, nota-se pouca ou nenhuma iniciativa da Rural em transformar a realidade dos moradores. Como conceber que uma cidade que abriga tantas pesquisas e produ-ção acadêmica ainda seja financeiramente dependente dos municípios vizinhos? Que em momento algum os habitantes tenham sido preparados para explorar o po-tencial econômico do próprio território? Por que isolar o conhecimento no espaço acadêmico, se ele pode e deve ser usado para trazer melhorias à vida da população do entorno?

Deve-se considerar que boa parte da população de Seropédica é composta por estudantes da própria UFRRJ. Os mesmos alugam casas e utilizam diversos serviços da cidade, movimentam a economia de ma-neira geral. Tal fato não pode ser usado, em hipótese alguma, como argumento para justificar a influência positiva da Rural da cidade. Os estudantes chegam à cidade, vivem ali durante o período da graduação, ad-quirem o conhecimento necessário e, depois disso, vão embora. Ao longo dos anos em que moram no municí-pio, não há qualquer produção em benefício da popu-

lação. Alguns até conseguem realizar estágios durante a faculdade, mas a imensa maioria desses estágios são (adivinhe!) dentro da UFRRJ, ou em algum município vizinho. Ao fim de quatro anos, o estudante que “mo-vimentava a economia” sai de Seropédica como médico veterinário, engenheiro ou professor. Em seu lugar, virá algum recém-aprovado no vestibular, que terá destino semelhante. E a cidade que forma engenheiros, profes-sores e profissionais de tantas outras áreas continuará sendo economicamente dependente, com suas ruas sem asfalto, seus postos sem médicos.

Em todas as vezes que estive na cidade (e na uni-versidade), notei o grande contingente de estudantes oriundos de diversas regiões do país, ou mesmo de outras cidades do estado. Perguntei aqui e ali, e logo obtive resposta à minha curiosidade: são poucos, bem poucos os seropedicenses que são de fato alunos da Rural. O jovem sai do ensino médio sem interesse em prestar vestibular para ingressar na universidade, ape-sar de tê-la tão perto. Para muitos, a Rural é apenas mais um espaço físico de Seropédica. Não há, também, qual-quer esforço por parte do poder público municipal para reverter esse quadro. O estudante seropedicense sabe que a UFRRJ existe, vai até lá, muitas vezes usufrui de seus espaços, mas não tem qualquer noção do tipo de conhecimento que é desenvolvido lá. Apesar de serem oferecidos todos os cursos de licenciatura exigidos para professores do ensino básico, os licenciandos da UFRRJ ainda não estão nas escolas de Seropédica. Apenas a tí-tulo de exemplo, a prefeitura do Rio de Janeiro há muito possui convênios firmados com universidades públicas e privadas, para que os estudantes de licenciatura tra-balhem com reforço escolar e realizem outras ativida-des nas escolas da rede municipal que atuam em tempo integral. A articulação dos esforços entre a prefeitura de Seropédica e a UFRRJ poderia garantir o ingresso da população seropedicense no ensino superior público.

O conhecimento não deve ficar restrito ao espaço acadêmico. Uma universidade que conta com iniciati-vas louváveis de democratização do acesso ao ensino superior — como seleção pelo SiSU ecotas — parece não enxergar as carências que estão mais próximas de si. E cabe ao poder público municipal abrir a cidade para a produção acadêmica, permitindo assim que a re-lação citada no início deste texto passe a ser biunívoca, e que Seropédica também esteja dentro da Rural.

Tão perto, tão longeopinião

Gabriella Lima é aluna do 7º período de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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O Centro Ecumênico da UFRRJ foi inaugurado no dia 4 de março deste ano, com o intuito de promover a unidade das religiões, atendendo a diversidade religiosa que existe na universidade. No local funcionam os ensaios do coral da universidade, Grupo de Oração dos técnicos admi-nistrativos e outras atividades do gênero.

Para auxiliar na visualização do leitor, o Espaço Ecumênico tem uma porta grande e dupla fumê, tornando o espaço completamente escuro. A porta se torna uma espécie de espelho para os que observam pelo lado fora, enquanto as pessoas no interior podem enxergar tudo lá fora e com a vantagem de que ninguém saiba.

E quando acredita-se que está imperceptível, a situação pode ficar in-teressante. As pessoas são capazes de praticar ações que nunca fariam se cogitassem que outros poderiam vê-las. No Espaço Ecumênico isso não é diferente. Por ter sempre o coral ensaiando ou alguém tocando algum instrumento, isso atiça a curiosidade dos que passam e não conhecem o espaço. Pensando nisso, a revista ÍMPAR passou uma tarde inteira no local fazendo barulho para registrar e analisar o que acontecia.

Havia dois violões, um teclado, instrumentos de percussão e micro-fone. Eram duas horas da tarde, o pátio interno do Pavilhão Central es-tava agitado, algo típico em final de período. O violão de cordas de aço estava plugado na caixa de som, o teclado pronto para uso e o microfone era recusado por todos, com a desculpa de que só poderia tocar ou can-tar. Mas não os dois ao mesmo tempo.

As primeiras pessoas começaram a passar e a expectativa crescia gradativamente. A parte mais divertida sem dúvidas é quando tentam penetrar com o olhar e descobrir o que está havendo dentro daquela sala. Muitos passam, diminuem o passo buscando entender o que é aquela barulheira, outros acham engraçado e passam cantando ou dan-

O que você faria se ouvisse uma música saindo de uma sala escura dentro do P1? A ÍMPAR ficou uma tarde inteira fazendo

um som para descobrir a reação das pessoas

texto: Michele Corrêa | foto: Daniella Vianna

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A porta do Espaço Ecumênico se torna um espelho para quem vê de fora, causando a curiosidade de quem passa

EspaçoEcumênico

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çando. As meninas são campeãs de usarem a porta como espelho para verem se estão bonitas ou ajeitar o cabelo.

Somente um casal parou para discutirem se entravam ou não. Um chegou a empurrar o outro, passar e voltar diversas vezes para decidi-rem, mas ficaram nessa indecisão e com vergonha não entraram. Ima-gine se soubessem que todos assis-tiam ao show, sim, porque o show mesmo acontecia lá fora. Teve até pedreiro que passou imitando solo de guitarra achando que estava num palco. As nacionais, como All Star, de Nando Reis, faziam quem ouvisse cantar em coro.

Apareceu também o sentimen-to coletivo de que as pessoas eram chatas, pois não conseguiam enxer-gar a empolgação que existia por detrás daquela porta. Surgiu então uma das primeiras constatações: as pessoas andam muito distraídas. Falam ou mexem no celular, con-versam ou usam fones de ouvidos e não escutam, por exemplo, o clás-sico “Wish you were here”, da psi-codélica Pink Floyd, que era tocada e cantada por todos, acompanhada com sons de bateria pré-programa-dos no teclado.

Esse tipo de comportamento faz referência ao que o sociólogo ale-mão Georg Simmel estuda. A vida em sociedades urbanizadas é capaz de gerar consequências psicológi-cas nas pessoas. Para se defender dessas consequências, os cidadãos são levados a adotar esse tipo de comportamento, como contatos su-perficiais, ignorando o que aconte-ce em volta. Uma música vinda de uma sala escura no meio do corre-dor do P1, por exemplo, passa des-percebida.

No final, a maioria se encaixa no grupo dos “distraídos”. Muita gente que passou tinha curiosida-de de saber o que acontecia, mas não se fazia muito esforço para descobrir. Entretanto, desse total, as pessoas estavam mais preo-cupadas com as atualizações do mundo através de seus celulares do que com aquilo que nunca esta-rá na rede: o momento que foge do roteiro do dia a dia.A porta do Espaço Ecumênico se torna um espelho para quem vê de fora, causando a curiosidade de quem passa

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Guiau n i v e r s i t á r i o

Você entrou em uma universidade pública de qualida-de, para a graduação que sempre quis (ou nem tanto) e após muito estudo no vestibular (ou nem tanto tam-bém). A família comemora, você conta para todos os amigos e professores que estiveram esse tempo todo do seu lado. É como um sonho tornando-se realidade. Mas tem um porém: a Universidade se localiza em ou-tra cidade e você precisará se mudar. Sim, isso signifi-ca não ter mais a comida caseira da mamãe, as roupas não vão mais aparecer magicamente lavadas e passa-das no seu guarda-roupa e não haverá mais alguém que te acorde quando estiver atrasado para a aula.

Diferente de muitos quando se deparam com essa questão, Vic-tor Ohana, que morava em Saqua-rema, região dos lagos do Rio, a 159Km de Seropédica, entrou ano passado no curso de Comunica-ção Social - Jornalismo da UFRRJ, veio para a cidade sem expectati-va de ser um mar de rosas como geralmente é mitificado.

— Eu vim esperando o pior, vim esperando nada, então, as coisas não foram acontecendo como eu imaginava e eu pude receber as pessoas e elas me re-

ceberam com muita gratidão — conta o estudante do segundo período.

Ohana ganhou uma festa de despedida de uns amigos/colegas e nesse mesmo dia uma amiga o pre-senteou com um “Kit de Sobrevivência Universitário”.

O kit era separado por subkits. : O primeiro era “Es-farrapado Não”, que continha botões de diversos ta-manhos, agulha, linha de costura, elástico, alfinetes e grampos, tudo para que ele pudesse andar por aí dig-namente e sem cara de menino de rua.

— Eu pedi para um menino do meu quarto me ensi-nar a pregar botão, precisava consertar uma camisa polo.

Outro subkit usado muito por Victor foi o “Não perca suas coisas”. Nele haviam canetas de tecido para que colocasse seu nome em todas as suas roupas. As-sim que chegou em Seropédica, ele gravou seu nome em todas as suas blusas, pois, segundo ele, é muito pa-ranoico e sua mãe dizia que se não tomasse cuidado, perderia suas coisas.

— E mesmo assim perdi, né? Afinal, eu perco tudo mesmo. Eu escrevi em tudo, como morei em repúbli-ca primeiro, não sabia com quem ia conviver e fiquei com medo, além de todo mundo dividir o mesmo va-ral. Mas percebi, depois que fui morar no alojamento, que muita gente fazia isso, pois assim como eu, muitos mandam as roupas para lavar numa lavanderia.

Como faz parte do roteiro de morar sozinho não ter quem cuide de suas vestimentas, é importante ficar atento. Em um descuido, suas roupas podem ser ra-pidamente manchadas, se deixá-las tempo demais de molho ou misturar as coloridas com as brancas. Em último caso, vale a pena arrumar quem as lave e passe. Além de não ter trabalho, economiza tempo. Em com-pensação o dinheiro...

O primeiro item que Victor usou foi do subkit “Festa consciente”, que ha-via caneca, paetês, purpurina, bexi-

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texto: Michele Corrêa

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4gas, bloco de folhas para anotar telefones, gráfico de barras escrito “Use e abuse de: água, água de coco, su-cos” e preservativos.

— Eu não conhecia ninguém e então ficava com medo de beber do copo dos outros, a caneca foi o pri-meiro item usado e confesso que usei o preservativo também — relata.

Quando se trata de festas e choppadas da facul-dade é muito comum os estudantes carregarem suas canecas por aí, além de ser sustentável. Um que não consta na lista, mas é essencial é o “kit ressaca”, con-tendo óculos escuro, para ninguém perceber sua cara de acabado; engov, para aliviar aquele enjoo e con-seguir aguentar aquela aula muito legal às 8h; e uma garrafinha de água, porque com certeza no dia seguin-te você terá uma aula no P1 e a próxima será no IZ, com aproximadamente 1Km de distância.

O “Soninho bom” tinha uma venda considerada “muito travesti” por Victor e um tapa ouvido, essencial para quem divide o quarto com muitas pessoas, como é o caso do es-tudante.

— Eu moro com mais de oito homens no alojamento, são três beliches e uma triliche

no nosso quarto, às vezes tem muito barulho — desa-bafa.

Para quem divide quarto, o que conta é sempre o bom senso, pois é rotineiro que alguém queira ouvir música alta, enquanto os outros querem estudar ou dormir o outro quer estudar e o outro dormir, porque acorda cedo no dia seguinte. Ao morar com mais de uma pessoa em uma república, é inevitável você per-der um pouco da sua privacidade e fazer concessões ao próximo.

Eu li “Como administrar conflitos - Transforme to-dos os conflitos em resultados onde todos ganham”, de Peg Pickering. O livro tem umas atividades, técnicas e exercícios, mas não aprendi muita coisa, porque, como você sabe, sou um pouco conflituoso — com uma ri-sada tímida, entrega Ohana sobre o subkit “Livros”, que possuía livros que o pudessem ajudar durante sua estadia acadêmica.

Infelizmente a comida não vai mais es-tar quentinha no prato esperando você chegar em casa. Nesse caso, há duas opções: cozinhar seu próprio alimento ou no caso, da UFRRJ, comer no Res-

taurante Universitário (RU), carinhosamente chamado de bandeijão. Existe ainda a alternativa de ser bolsista e trabalhar no RU em troca das refeições não serem pagas.

— Comecei a trabalhar para poupar minha mãe, e é incrível trabalhar no bandeijão. Quando eu sirvo comi-da, eu vejo a universidade toda! E isso me proporcio-nou conhecer logo de cara muita gente, fazer muitas amizades.

Se mesmo assim você optar por comer em casa, o que não pode faltar é o velho macarrão. Seja o instan-tâneo, o salvador de todos os universitários, carinho-samente chamado de miojo ou o comum, eles sempre vão ser a salvação, pois é o tipo de comida mais sim-ples e prática que possibilita diversas variações.

Outra dica que Victor, que se considera um sobrevivente uni-versitário, é lembrar da impor-tância de se criar laços de amiza-des e de aprender a se conhecer

— Agora tudo depende de mim. Minha mãe arrumava mi-nha cama, meu armário agora fica uma zona e não posso contar com ninguém. Se eu me atraso, eu perco o horário mesmo, tenho que saber em que pessoas devo confiar, porque ela não está mais aqui para me dizer, aqui sou por eu mesmo. Só resta me lembrar das orientações que eu tive quando morava lá e colocar em prática, porque o pior mesmo não é con-viver com as pessoas, e sim conviver consigo mesmo.

Mas tem a parte boa também, justamente por esse pensar no outro, quando todos estão em casa, por exemplo, e fazem a janta juntos, o clima não poderia ser diferente de conversas cheias de companheirismo. Aqui, estão todos no mesmo barco, e isso faz com que todo mundo crie laços e apoie um ao outro. Numa si-tuação dessas, você descobre uma nova família, capaz de te dar todo o suporte que a sua te daria. E essa é a dica de ouro, a número cinco.

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Antes de morrer eu quero ter um gato * Antes de morrer eu quero... ver uma humanidade melhor

Antes de morrer eu quero viver Antes de morrer eu quero criar um jogo de video game

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de um garoto de 13 anos que deseja criar seu próprio jogo de video game e através dele enriquecer. Em sua lógica, ele vai ganhar dinheiro fazendo o que mais gosta, que é jogar. E aí não vai mais precisar estudar as matérias que ele não gosta no colégio.

Já a moça, de 20 anos, cursa Direito e estuda dia e noite. Quer formar e juntar dinheiro para realizar o seu sonho, que é viajar pelo mundo.

A jovem médica quer ter um gato. Ela sempre foi apaixonada por esse animal, mas nunca teve um que fosse só dela, o do namorado não conta. Então ela quer um gatinho que possa chamar de seu.

O moço de 24 anos, encantadoramente quer fazer a diferença antes de morrer. Ele quer, de alguma for-ma, mudar o mundo. Seu primeiro passo vai ser como professor de filosofia do ensino médio. E você, o que quer antes de morrer?

Antes de morrer eu quero viajar pelo mundo Antes de morrer eu quero fazer a diferenca

antes de morrer, eu quero...

O “antes de...” é uma forma de expressar o que se pas-sa na cabeça das pessoas. As respostas para a pergun-ta “O que você quer antes de morrer?” mostram as prioridades de suas vidas. Nenhuma delas demorou para responder a pergunta, pois já sabiam o que que-riam fazer ou o que queriam que acontecesse.

De todas as respostas não houve uma sequer que tenha sido esperada, há uma surpresa em cada uma delas. É muito bonito escutar de um senhor de 80 anos que antes de morrer ele quer viver. Um idoso que não acredita que já tenha vivido demais e que já é hora de partir. Ele quer continuar vivendo, no sentido literal da palavra, e não só passar pela vida.

Tão bonito quanto é uma mulher, mãe de duas filhas, desejar uma humanidade melhor. Um desejo que englobe todo o mundo e não somente sua própria vida. Há aquelas respostas mais audaciosas, como a

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texto: Daniella Vianna | fotos: Daniella Vianna

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Page 26: Revista Ímpar UFRRJ

texto: Jéssica Borges | foto: Daniella Vianna

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O Gela Cuca

Inaugurado em 1990, o famoso bar do Mazinho, situado em uma das ruas mais conhecidas de Seropédica — a rua do Grêmio — era uma bar-raquinha, pouco movimentada, e só por volta de 2002, de boca em boca, tornou-se o que é hoje. A estrutura continua humilde: ambiente de bote-quim, duas mesas de sinuca, cerveja barata. Sem saber da sua história, o bar poderia passar batido, mas, ao redor dessa simplicidade foi cons-truído um mito que o tornou de conhecimento obrigatório para qualquer bom Ruralino.

— Aqui a galera chega e senta no chão, do outro lado da rua, ninguém se importa com o que tá tocando ou o que tá vestindo. Todo mundo vem pra se sentir bem. Vem de chinelo, vem depois da aula... O que importa é chegar no balcão e falar “Boa Mazinho, me desce aquela cerveja gelada” e assim que tem que ser — afirma o dono do bar.

Não é atoa que o bar é ponto de encontro dos estudantes há cerca de 10 anos e, da mesma forma, também virou referência para moradia. A estudante do curso de Letras, Jéssica Gomes, mudou-se para Seropédica em março de 2011 e, ao procurar sua casa, já tinha uma localização esta-belecida: perto do ilustre Gela Cuca.

— Já sabia do bar através da internet e de amigos que já estudavam na Rural. Quando precisei me mudar, não tive dúvidas que procuraria minha casa na Rua do Grêmio. Minha mãe aprovou por ficar perto tanto do comércio como da universidade e eu por ficar mais perto do bar do Mazinho, para poder ir e voltar sem preocupações por andar sozinha — confessa Jéssica.

Na integração entre os alunos, que ocorre na primeira semana de aula, ir ao bar do Mazinho já se tornou evento tradicional. O dono do bar as-

segura já ter vendido mais de 270 caixas de cerveja em apenas uma noite e ter causado mais um episó-dio memorável em Seropédica:

— A rua estava lotada do início ao fim. Quando a cerveja acabou, todos foram embora juntos, pare-cia até uma passeata de Nossa Se-nhora Aparecida (risos). No outro dia, houve um grande burburinho entre os comerciantes: os alunos esvaziaram os freezers de quios-que por quiosque, e de madruga-da, mais nenhum lugar em Sero-pédica tinha cerveja. Rimos muito quando nos lembramos desse dia. Foi melhor que carnaval — relata.

Mazinho lembra com nostalgia dos primeiros clientes (e posterior-mente, amigos) que teve em seu bar: um grupo de gaúchos, estu-dantes do curso de Zootecnia.

Eles vinham toda quarta--feira a noite. Com tempos cria-mos amizade, eles começaram a chamar mais gente, a fazer chur-

Em clima de fim de semana, com pagode, churrasco e cerveja, Josemar Damásio da Silva, o Mazinho, conta como se tornou o dono do bar

mais frequentado de Seropédica, suas motivações e os episódios que mais marcaram e sua relação

com os estudantes.

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rascos, festinhas e com isso o bar foi enchendo. Houve uma vez que estava reformando o bar e estava inteiro sem telhado, a ga-lera da Rural chegou e eu falei que não daria para eles beberem, por que o tempo estava ruim. Um deles virou pra mim e pergun-tou: “Mazinho, mas tem cerveja?” Bastante e gelada! “Então não se preocupa, a gente vai beber!” Fiquei sem acreditar, colocamos lonas de plástico, ligamos o som e tudo deu certo — relembra.

Quando perguntamos sobre a motivação dele para continuar com o negócio, a resposta é clara: Os estudantes!

— Eu adoro a relação que temos, eles são muito educados e dão muito valor a isso. Trato todos igualmente, mas os estudantes tem um lugar especial. Os moradores daqui chegam a ter ciúmes. O es-tudante quando se forma tem que ir embora, mas não quer. Tem saudade antecipada. Reclama, reclama, mas depois volta pra me dar um abraço. Isso acontece bastante e mostra o quanto eles são afetu-osos — comenta.

O bar do Mazinho se popularizou de tal forma que o dono do bar garante que não apenas moradores de Seropédica e alunos da Universidade Rural frequentam.

— Às vezes vou pro Rio de Janeiro visitar minhas filhas na Uerj e viro comentário quando apareço: “Olha lá, o Mazinho”, “O Mazi-nho lá da Rural” — conta — Minhas filhas acham engraçado, sou famoso em todo Rio. Talvez pelo Brasil! (risos).

Além do serviço de bar, o Gela Cuca passou a oferecer a partir do início do mês de Abril, almoços utilizando o formato self service sem balança, pelo preço de R$6,99.

— O restaurante tá dando muito certo, a comida é gostosa e ca-prichada. Assim damos emprego pra quem não tem, e isso que é importante — comenta.

O horário de funcionamento do bar atualmente é das 10h à 00h, entretanto, Mazinho conta que anos atrás, o bar só fechava quando o último cliente fosse embora, e já viu o sol nascer diversas vezes.

— Já cheguei até a ver gente dormindo! Uma vez quase que eu e minha esposa tivemos que levar uma estudante para dormir na nossa casa. Ela bebeu muito e ficou sozinha. Por sorte, uma amiga dela passou na frente do bar e a levou para casa dela — alivia-se Mazinho.

Amante das tradições, Josemar diz que faz questão de repetir que a todos, que em seu bar, as únicas mudanças que ocorrerão se-rão estética, o espírito continuará o mesmo.

— Enquanto eu estiver aqui, quero manter esse clima de familia entre os alunos e eu. Criei muito carinho pelo bar e pelas histórias que acontecem aqui, então, posso dar minha palavra: daqui a cinco, dez anos, o “Bar do Mazinho” continuará igual, com a mesma ale-gria em servir — finaliza emocionado.

“As pessoas me perguntam qual é o segredo pra dar tão certo.

Eu não sei responder.

O cara do Pakera

“Tinha um garoto que morava aqui na frente que era tão po-brezinho, que vinha aqui todos os dias e sempre pedia um guar-anazinho de garrafinha de vidro, Pakera. Só comprava aquele, o mais barato. Há alguns anos ele se formou, foi embora, mas de-pois de muitos anos ele voltou aqui e pensou que eu não fosse lembrar dele. Ele veio até mim, tímido, e perguntou “você não está me conhecendo?” e eu logo gritei “Claro que to! Você é o cara do guaraná Pakera!” Ele ficou surpreso e muito feliz. Relem-brou dos maus bocados que passou por aqui, mas agora es-tava tranquilo. Arrumado. Com carrão de luxo. Veio matar a saudade. “Você era minha única companhia aqui”. Ele realmente parecia não ter muitos amigos, vinha conversar comigo, rec-lamava da vida, de vez em quan-do me pedia algo emprestado e eu dava. E ele veio aqui só pra me dar um abraço, agradecer por tudo, e disse que nunca ia me esquecer. Nem de mim e nem do guaraná Pakera (risos). Isso é o que eu acho legal: a pessoa ir, voltar e continuar igual, com a mesma humildade. Agora ele sempre aparece por aqui. Pes-soas assim são inesquecíveis.”

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Vó de aluguel

No número 34 da Rua Natalino de Souza, no Bairro Boa Esperança, em Seropédica – RJ, mora a Dona Eugênia da Silva Werneck, conhecida como Vó

Geninha, 64 anos. Esta senhorinha simpática, que mora na mesma casa a mais de 40 anos diz que sua

construção foi uma das primeiras da rua. Casada há 48 anos com o Seu Valdir, Dona Eugênia é mãe de cinco filhos, tem 23 netos e dois bisnetos. Todos

nascidos e criados em Seropédica.

texto e fotos: Jéssica Borges e Luísa Portugal

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Doméstica desde os 12 anos, ela luta para conseguir sua aposentadoria, que não saiu ainda porque, mesmo tendo trabalhado mais que os 35 anos exigidos pelo governo para receber seu benefício, a inadimplência nas parcelas a faz esperar por mais um ano, quando completará os 65 e finalmente poderá retirar sua pensão. Sua fonte de renda, que já foi fixa, hoje permeia a inconstância. Atualmente, seu sustento provém de faxi-nas em casa de estudantes, além de serviços domésticos em geral, como lavagem de roupas, fornecimento de almoço etc. Como ela mesma se define uma “avó de aluguel”.

— Gosto muito dos estudantes e sei que eles precisam desse tipo de ajuda. Muitos moram longe da família e não sabem nem fritar um ovo — comenta.

O estudante do curso de História, Kauê Motta, 21 anos, diz que a ajuda da Vó Geninha é indispensável para seu bem estar, enquanto está longe de casa.

— A Vó é muito caprichosa e simpática. Tenho total confiança nela. Já até deixei a chave de casa com ela uma vez para limpar enquanto eu estava na aula. Ela realmente é quase da família — declara o jovem.

Apesar de cobrar barato pelos seus serviços, são eles que mantêm seu sustento. Basta que uma pessoa não tenha mais condição de pagar pelo seu trabalho para que Dona Eugênia sinta a diferença no fim do mês. O que também é afetado pelas baixas temporadas, épocas de férias ou greve na Universidade.

— Ano passado, na greve, foi difícil pagar as contas, ficamos bem apertados aqui em casa. Faz muita diferença quando tem estudante e quando não tem — revela Dona Eugênia.

A aposentadoria de Valdir não é suficiente para arcar com os gas-tos da casa, onde moram cinco pessoas. Porém, nem sempre foi assim. Eugênia trabalhava como empregada doméstica, de carteira assinada, para um casal de idosos em Campo Grande, que infelizmente faleceu. Atualmente ela trabalha para as filhas deste casal, uma vez por mês.

Embora humilde, a senhorinha é muito vaidosa. Quando pedimos sua permissão para fotografá-la, ela foi categórica:

— Ah, não! Estou toda bagunçada, com roupa de ficar em casa. Pos-so colocar um bonezinho? — indagou.

Caprichos a parte, Dona Eugênia sofre com alguns problemas de saúde que não possuem tratamento local. A cidade não tem hospitais públicos o que obriga a Prefeitura a levar os enfermos para cidades vi-zinhas em busca de soluções. Uma vez ao mês, a Vó Geninha se desloca para o Hospital Santa Beatriz, em Niterói-RJ , para tratamento de uma gravíssima catarata que pode comprometer sua visão.

— Em dia de consulta, tenho que desmarcar tudo. Ficamos lá o dia in-teiro esperando que todos sejam atendidos para voltar para casa. A van vai sempre cheia e quando eu volto, estou morta de cansada — reclama.

Muito religiosa, Dona Eugênia frequenta a igreja católica todos os domingos e faz questão de levar alguns netos consigo.

— Deus é tudo na vida das pessoas e não quero neto nenhum perdido pelo mundo, fazendo o que não presta. Na minha casa não entra malandro — exclama.

Seu Valdir serviu ao Exército Brasileiro na década de 70, e seu filho caçula, Sandro, seguiu os passos do pai nos anos 90. As fo-tos deles de farda, penduradas na parede da sala, não negam o or-gulho da família.

A casa de Dona Eugênia é bem humilde, não há nem lâmpada na sala e nem acabamento nas pare-des, contudo, o que chama a aten-ção são os pequenos detalhes:

Espalhadas por toda a sala, bo-necas fazem parte da decoração da casa de Eugênia. O cenário é como se uma criança tivesse brin-cado o dia inteiro e deixado tudo por arrumar. Bonecas estas que tem papel de recordação. Da in-fância que não teve, da pouca que seus filhos tiveram e da que seus netos e bisnetos estão vivendo.

— Perdi uma filha há seis me-ses atrás, faleceu de infarto de uma hora pra outra após voltar do serviço. Ela era gari. Foi uma no-tícia muito inesperada, e a dor de perder um filho é grande demais! Ela deixou dois filhos pequenos sem mãe, e pra eles também é difícil. As bonecas que deixo na minha sala são uma forma de lembrar dela sempre, pra que ela veja de onde estiver, que sentimos sua falta e guardamos um pedaci-nho dela com a gente — desabafa emocionada.

Como mãe, Dona Eugênia sempre teve a pretensão de dar a seus filhos o que não pôde ter quando era criança e um de seus

“Ah, não! Estou toda bagunçada, com roupa de ficar em casa. Posso

colocar um bonezinho?per

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afetos sempre foi por bonecas.— Quando meus filhos eram

pequenos, a casa era uma gritaria o dia inteiro. Como tinham pou-cos brinquedos, sempre ficavam juntos no quarto que dividiam, ou aqui na sala. Quando eu tinha que arrumar, todos iam pra rua e brincavam de bola, de pega--pega... brincavam de professor, com uma lousinha que a Ju [a fi-lha mais nova] ganhou de Natal, de várias coisas — relembra — A única coisa que restou até hoje foram algumas bonecas. Uma eu deixo guardada no armário, pra nunca estragar, as outras eu es-palhei pela casa, assim nunca me sinto sozinha.

Além das pequenas bonecas, a Vó Geninha enfeita sua casa com a arte de seus bisnetos: fotos, de-senhos que fizeram na pré-escola e colagens.

— Eles são uma gracinha. São minha felicidade. Agradeço à Deus todo dia por ter esses pe-queninos para colorir a minha vi-da — afirma a Vó orgulhosa.

Dona Eugênia é uma senhora muito querida na vizinhança. As estudantes que moram em frente da sua casa, além de usufruírem dos seus serviços a consideram uma amiga fiel.

— Já houve situações em que precisava de alguém para desa-bafar, conversar mesmo, e a Vó Geninha sempre me ouviu. Ela faz papel de família mesmo, de mãe, amiga, que dá conselhos e tudo mais. Todas as meninas aqui de casa tem um carinho enorme pela Vó — relata a estudante de Engenharia Agrícola e Ambiental, Fernanda Vargas.

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Parque Nacionaldo ItatiaiaO paraíso verde e das águas cristalinas da Serra da Mantiqueira que tem ao seu redor verdadeiras imagens de cartão-postal

Mirante do Último Adeus

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O “Me Leva Rural” é um projeto da Sala de Cultura da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que tem por intuito levar estudantes da universidade para visitar novos lugares ou apreciar exposições que estejam localizados no Estado do Rio de Janeiro, sem cobrar nenhuma taxa por isso. Houve viagens realizadas para Petropólis, Jardim Botânico e Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

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Cachoeira Véu de Noiva

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Localizado na região sudeste do país, entre os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, o Parque Nacional do Itatiaia é o mais antigo do Brasil, criado em junho de 1937. Esse mundo verde e de águas claras da Serra da Mantiqueira atrai turistas desbravadores durante todo ano, todos dispostos a se aventurar pelas trilhas, acompanhados pela linda e diversificada paisagem do local.

O parque possui diversos atratativos, que localizam-se tanto na parte alta e quanto na parte baixa. Em cima, encontram-se o Pico das Agulhas Negras, Maciço das Prateleiras, Vale do Aiuruóca e a Pedra do Altar. Na parte baixa, de mais fácil acesso, estão o Lago Azul, Cachoeira Poranga, Piscina Natural do Maromba, Cachoeira Itaporani, Cachoeira Véu de Noiva e os Três Picos.

É um verdadeiro deleite poder mergulhar nas águas cristalinas das cachoeiras, presentes na parte baixa do parque, após caminhar por algumas horas pelas trilhas. Mas existem exceções, com trilhas mais breves, como a pro Lago Azul, que demora cerca de vinte minutos.

Além das águas geladíssimas, o parque conta com uma diversidade de fauna e flora incomparáveis. A árvore Buchenavia hoehneana, que está ameaçada de extinção, pode ser encontrada na região do parque. Além de possuir espécies que só ocorrem no parque, como orquídeas e bromélias.

A parte baixa do parque conta com uma fauna extremamente rica, que abriga mamíferos, como o quati e porcos-do-mato. Além de uma diversidade de pássaros absurdamente vasta, contendo no Museu que se localiza dentro do parque a espécie de cada pássaro que ali vive e o barulho que eles fazem, para tornar mais fácil o reconhecimento destes. O parque abriga essas espécies, sendo de extrema importância pra sua conservação.

Enquanto se passeia por ele, encontra-se essas espécies com facilidade, e no Museu ainda há exposições fotográficas dos animais que se encontram naquela região, além das diferentes plantas que desenvolvem-se por ali.

O parque pode ser desfrutado ao longo de todo ano, porém é mais aconselhável se aventurar pela parte alta durante o inverno. O horário de funcionamento para as duas partes do parque são distintos, na parte baixa, o parque abre suas portas às 8h e encerra seu horário de visitas às 17h. Já na parte alta, ele inicia seu horário às 7h e o encerra às 18h. E esses horários são levados extremamente a sério.

Há também uma taxa para ingresso no parque, que é de R$22,00, mas brasileiro possui um generoso desconto de 50% do valor, pagando R$11,00. Esse valor torna-se variável caso o visitante decida passar o fim de semana no parque ou dormir nele por uma noite. Além de crianças de até 12 anos e idosos acima de 60 anos estão isentos desta tava.

Ir ao Paque Nacional de Itatiaia é uma experiência relaxante, pra quem gosta de entrar em contato com a natureza e se exercitar acompanhado da linda paisagem que cerca todas as trilhas. É o tipo de programa pra se fazer sozinho, com os amigos ou com a família. Vale a pena conferir.

texto: Daniella Vianna | fotos: Daniella Vianna

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Ave Jacuaçu

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Nascidos e criados em Niterói, José Pantoja e Matheus Marins tinham um so-nho: criar uma festa onde pudessem reunir os amigos, com boa música e diversão por um preço justo e com qualidade. Não foi fácil, mas assim nasceu a Hey Joe que é um sucesso na cidade, se expandindo também para a cidade do Rio e contendo até al-gumas edições fora do país. A festa já conta com 23 edições e um Festival, feito no ano passado, em comemoração ao aniversário da Hey Joe.

Apaixonados pelo que vêm fazendo, esses jovens de 23 anos conquistam cada vez mais gente disposta a se divertir e curtir numa paz incrível, o que é raro em festas desse porte. O fato é que a Hey Joe tem crescido muito e junto com ela cresce a boa fama de um lugar tranquilo, cheio de gente diferente que se respeita e não quer briga e nem confusão. Simpáticos, solícitos e encantados com os próprios resultados eles cederam uma ótima entrevista a Revista Ímpar que você confere agora, na íntegra.

Revista ÍMPAR: Porque o nome “Hey Joe”?Hey Joe: O nome é sem dúvida uma homenagem ao mestre Jimi Hendrix. Tem muita gente que não sabe, mas essa composição [a música “Hey Joe”] não é dele, ele pegou a música de Billy Roberts e a eterni-zou com sua identidade. É mais ou menos isso que tentamos fazer nas festas, eternizar aqueles momen-tos e torná-los únicos.

Quando foi a primeira festa?Hey Joe: A primeira Hey Joe foi em 2011, dia 25 de Novembro, que por coincidência é meu aniversário. Ligamos para o Convés (casa de shows em Niterói) para marcar a data e só tinha essa sobrando. Não tive nem dúvida e peguei! Desde aquele momento vi que seria algo especial.

Em quais locais de Niterói vocês costumam or-ganizar essas festas? Por quê?Hey Joe: Nós começamos a festa no Convés e vol-tamos pra lá desde dezembro de 2012. Em Niterói já fizemos na Fênix, Clube Fluminense, Teatro Mu-nicipal (Edição Especial com Bandas) e Mellos e no Rio estamos na Gafieira Elite. Nós temos muita di-ficuldade em achar bons locais para eventos com a

identidade da Hey Joe, que tenha uma estrutura legal, cerveja barata e ingresso barato. Na primeira Hey Joe foram 300 pessoas, na segunda 500 e foi só aumentan-do. Aí, na época, saímos do Convés e fizemos duas edições em Charitas [bairro de Niterói], cada edição com 1200 pessoas. Depois fomos para o Clube Flumi-nense [centro], um local muito bom para evento, mas fica distante para a galera. Em dezembro de 2012, re-solvemos voltar para o Convés e em todas as edições os ingressos estão esgotando e ainda fica uma gale-ra sem conseguir entrar. É muito complicado porque sentimos que fica muito difícil crescer em Niterói por falta de espaços e opções.

A galera curte o preço, que é bem acessível. Como vocês fazem pra manter essa faixa e não perder a qualidade?Hey Joe: Com muito amor! (risos). Levamos isso como ideologia da Hey Joe, não é nem questão de ser bara-to ou caro, mas cobrar um preço justo, sem ganância. Além de amor tem muito trabalho também, nós da produção corremos atrás de baratear tudo, nós somos os Djs, produtores, divulgadores, designer gráfico, fazemos a contabilidade, planejamento de marketing, assessoria e por aí vai.

texto: Luísa Portugal | foto: Luísa Portugal

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Já tiveram algum problema sério com fornecedores ou com os donos dos lugares e tiveram que cancelar algum evento?Hey Joe: Tivemos um problema sério com a cerveja-ria Itaipava, que quase não entregaram as cervejas. E a única Hey Joe que tivemos que cancelar foi a edi-ção Vergonha Alheia, que seria na semana seguinte da tragédia de Santa Maria, quando decidimos junto ao Convés adiar e atualizar as saídas de emergência da casa.

Como você classificaria o público da festa?Hey Joe: São Deuses dos seus mundos. A Hey Joe vibra numa frequência de amor, respeito e alegria. Eu tenho muito orgulho do nosso público, são pes-soas extremamente educadas, a fim de se divertir, e muito da paz. É raro ter briga ou algum desen-tendimento durante a Hey Joe. São jovens a fim de discutir e mudar as coisas em volta, têm uma mente muito aberta e vivem o presente de uma forma sin-gular e fantástica, relevam o passado e confiam no futuro.

Você pretende continuar com o projeto por quanto tempo?Hey Joe: Para sempre. Queremos que continue mes-mo depois da nossa morte. Temos muita coisa para fazer ainda, vamos trabalhar mais com bandas au-torais, fazer exposições de arte, exibições de curtas, um cineclube da Hey Joe. Estamos focados em cada vez agregar mais pessoas e dar mais visibilidade aos trabalhos artísticos.

Ficamos sabendo que a Hey Joe já teve até uma edição internacional, como se deu esse processo?Hey Joe: O Matheus Marins, produtor e DJ da Hey Joe recebeu uma proposta de estudar por seis me-ses na Espanha. Antes de dar os parabéns pela con-quista dele, disse que sua a missão era fazer pelo menos uma Hey Joe por lá. Acabou dando mega certo, conseguimos fazer três — duas edições na Es-panha e uma na França — todas lotadas! Foi uma experiência muito boa para a festa e, certamen-te, teremos edições pelo mundo inteiro em breve.

De onde saiu a ideia de um festival de rock al-ternativo em Niterói?Hey Joe: O Festival Hey Joe é um projeto anual, sem patrocínio, feito na marra, de comemoração do ani-versário da festa. A ideia surgiu em fazer um Festi-val que faltava em Niterói e ouvisse o que a galera queria. É um projeto que temos muito orgulho e só está crescendo. O Primeiro Festival foi com Rogério Skylab que proporcionou uma divulgação muito legal falando sobre a Hey Joe na entrevista que deu ao Jô Soares. Teve o Bloco Cru, Facção Caipira e Monster. O Festival foi divido em dois andares, um com palco para bandas e outro com Djs das Festas Fuss, Enquan-to Corria a Barca e Apelation. Em Novembro de 2013 rola a segunda edição do Festival e já tem várias no-vidades!

O que é a Hey Joe pra você, atualmente?Hey Joe: A Hey Joe para mim se tornou um movi-mento cultural a fim de agregar e dialogar diversas linguagens. Eu e Matheus sempre conversamos sobre isso e vimos que a Hey Joe está muito a frente de nós, estamos correndo atrás dela tentando acompanhar.É um projeto muito verdadeiro, transparente e feito com muito amor.

Qual o lema da Hey Joe?Hey Joe: Diversão! Resolver qualquer problema com um sorriso no rosto é muito mais fácil.

Alguma novidade para as próximas edições?!Hey Joe: Estamos muito empolgados com os novos projetos! Além da Hey Joe mensal em Niterói, também terá Hey Joe no Rio de Janeiro todo mês, a próxima é dia 27 de Abril no Gafieira Elite! Em Maio começamos um projeto mensal gratuito, de Palco para bandas au-torais e artistas de diversas áreas. Temos nosso projeto de Grafite pra tornar a cidade mais colorida e alegre. Em Novembro tem o Festival Hey Joe e durante o ano faremos a Hey Joe especial no Teatro Mu- nicipal, além de outras mil coisas que ainda são segredo.

Para seguir a Hey Joe e acompanhar essas novidades

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A Normandya é uma banda independente, que se formou em Angra dos Reis em Fevereiro de 2010. É composta pelo vocalista Ayron Clisthofer, o baixista Tiago Carlos Moreira, o baterista Rodrigo Machado e dois guitarristas, Victor ‘Pato’ Campos e Guilherme Freitas. Mas a banda não possuiu somente essa formação, já passando vários outros integrantes por ela, sendo os únicos fixos desde sua criação o guitarrista Pato e o baixista Tiago.

O grupo começou por pura afinidade musical e uma pitada de coincidência. O guitarrista Guilherme foi a um evento realizado por uma escola de música de Angra, a Zangareio, no Convento São Bernardino de Sena, onde Pato e Tiago estudavam e se apresentaram nesse dia. Guilherme gostou do que escutou e, alguns dias depois do evento, conheceu Pato. Conversando sobre música, os dois perceberam como possuíam um gosto semelhante e foi aí que o Pato deu a ideia de criar uma banda de Hard Rock/Heavy Metal. Afinal, com tanta afinidade musical, por que não? Guilherme aceitou de prontidão e aproveitou para convidar Tiago, que também topou. E assim se deu os primeiros passos da Overlord, que viria a se tornar Normandya um tempo depois.

Os integrantes da banda passaram por várias alterações, mas não demorou muito para que a banda conhecesse Ayron, que veio a se tornar o vocal oficial. O próprio Guilherme saiu por um tempo, por questões pessoais, mas não demorou para retornar a sua antiga função na banda. Formando assim a Normandya.

Após oficialmente definidos os integrantes da banda, eles começaram a fazer cover de bandas famosas internacionais, como Iron Maiden, Guns N’ Roses, Metallica, AC/DC e Aerosmith, além de terem composições próprias, influenciadas pelo som dessas bandas, que abordam desde temas amorosos até críticas sociais. Por enquanto, eles possuem somente uma demo gravada, embora tenham um álbum completo de composições próprias que são só tocadas em show.

A Normandya faz parte do cenário underground angrense, se destacando entre as bandas da cidade. Fizeram parte do Festival de Bandas Independentes (FBI), o maior do Rio nessa categoria. Apesar de fazer parte desse cenário, eles não descartam a possibilidade de um patrocínio.Se você quiser curtir o som da Normandya, acesse: soundcloud.com/normandya

POR QUE ESSE NOME?Victor Pato, Guilherme Freitas e Tiago Moreira sempre foram fissurados em Iron Maiden, banda que faz muitas menções à Segunda Guerra Mundial em suas músicas. Por esse motivo o primeiro nome da banda foi Overlord — uma operação da Segunda Guerra Mundial. No entanto, sempre que eles corriam atrás de show, se apresentavam em algum evento ou participavam de algum programa de televisão ou rádio local, confundiam com “Overdose”, o que não dava uma boa primeira impxressão da banda. Então, eles decidiram mudar o nome da banda para Normandya, que é o território Francês que foi atacado pelos Estados Unidos na Operação Overlord, na Segunda Guerra Mundial. Sendo assim, não teria mais como atribuírem outros significados ao nome da banda, dando fim às confusões e às más impressões.

Segunda Guerra Musicaltexto: Daniella Vianna | foto: Daniella Vianna

Banda Normandya em um show de comemoração do aniversário do guitarrista Pato

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Início e fim do Freestyle CulturalComo surgiu, se firmou e depois sumiu a “Roda de Rima de Bangu”,

principal movimento rapper da Zona Oeste carioca

texto: Caio Assis | foto: Caio Assis

Há aproximadamente três anos, o largo da Igreja Santa Cecília, em Ban-gu, era marcado pela presença de jovens e de seus excesso (de bebidas, cigarros etc.). Hoje, a situação é exatamente a mesma. No entanto, entre os anos de 2010 e 2013, um movimento diferente tomou conta da praça e, mesmo contendo todos os excessos de antes, deixou um legado para os frequentadores. A Roda de Rima de Bangu (ou Freestyle Cultura) surgiu de repente e, assim como no início, também se foi sem muito alarde, mas agregou uma nova cultura ao bairro carioca.

No início de 2010, um grupo de amigos, encabeçado por Hadan Mar-tins (Dan) e Nicolas dos Santos (Nick) — integrantes do grupo de rap Alta Consequência —, oficializou o fim de tarde de domingo como o mo-mento de encontro para rimar. De início, voz, beatbox e, às vezes, um violão faziam o som dos encontros. As rodas eram descompromissadas e sem muita pretensão, com quatro ou cinco rimadores. Com o tempo, este número se multiplicou e a quantidade de instrumentos também aumen-tou. Escaleta, cajon, bongô, berimbau e até um violino começaram a fazer parte dos encontros e, assim, a orquestra de rua se formou.

— Sempre fomos para a roda de rima da Lapa. Não só nós, todos que gostam de rap sempre foram, ela existe desde a década de 90. Um pessoal saia daqui de Bangu, outros da Zona Norte, Zona Sul… Todos para se encontrar na Lapa. Então pensamos: “pra quê sair daqui e ir para a Lapa, se podemos e já fazemos algo parecido por aqui” — contou Hadan.

Com esse pensamento na cabe-ça, os Mcs banguenses se uniram a um influente grupo de rap e cul-tura de rua do Rio, o “Comando Selva” e criaram o CCRP (Circuito Carioca de Rima e Poesia). O obje-tivo era concretizar o que, de certa forma, já estava pronto.

— E qual vai ser o nome? — perguntaram.

— Ah, aqui em Bangu, a gen-te chama de “Freestyle Cultural” — respondeu Dan, oficializando e nomeando ali o movimento cultu-ral, que foi além da roda de rima.

— Muita gente aprendeu muita coisa no Freestyle. Passávamos um cadernão pro pessoal desenhar; vários amigos que eu nem imagi-nava de repente começaram a ri-mar; sem falar na parte musical… quando eu cansava de tocar o ca-

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“Por que sair daqui e ir para a Lapa se podemos fazer e já fazemos

algo muito parecido por aqui?

Dan, Mc e ex-participante do evento

jon, levantava e chamava alguém pra tocar. Muita gente aprendeu também —acrescentou.

Com o tempo, o evento ganhou notoriedade e importância entre os participantes a ponto de surgi-rem comemorações de aniversário no meio da praça de Bangu (até mesmo com chuva!). Nesses dias, a orquestra era ampliada (e ampli-ficada). Guitarra, baixo, bateria e microfone entrava na mistura.

Contudo, o que parecia receita para dar certo sempre, começou a perder as forças. “Falta de apoio da prefeitura”, apontavam uns. “Culpa dos próprios participan-tes”, reclamaram outros… O fato é que o freestyle acabou por um tempo, mudou de localidade e hoje quase nunca acontece. O que acontece não pode mais ser vincu-

lado ao que a Roda de Bangu foi um dia.

Se as coisas apontadas como motivo para o fim forem levadas em consideração, chega-se à con-

clusão de que os participantes (e seus excessos) realmente incomo-davam os moradores (com drogas e gritarias durante a madrugada). A falta de apoio e incentivo do poder público para o novo evento

cultural também pesou, afinal, se o problema era desordem, bastava algo ou alguém para ordenar.

Por fim, o Freestyle Cultural do início se foi. Hoje não se tem

mais todos aqueles instrumentos, nem a empolgação de tantas vozes juntas. As noites de domingo e as manhãs de segundas também não são mais as mesmas, mas os mcs formados nele ainda estão por aí.

Hoje, a praça que abrigava os músicos banguenses aos domingos fica vazia devido ao fim dos encontros

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para assistir ao ensaio, é também para fazer parte do grupo.

E assim o coral permanece, com integrantes de todas as esferas — Graduação, Pós-Graduação, pro-fessores e servidores e moradores de comunidades vizinhas.

Desta solicitude, Obadias des-taca a grande rotatividade do coral:

— Estamos sempre com pesso-as novas. Agora, por exemplo, te-mos 20 ou 25 pessoas e o número gira sempre em torno disso. Tem sempre gente saindo e gente en-trando no Coral e assim nos man-temos — revela.

Na mão de cada integrante, é curioso notar uma porção de par-tituras bagunçadas e, por parte de alguns, pouca intimidade com as

O Coral da Rural

Quem frequenta o Pavilhão Central da UFRRJ, vez em quando ouve um canto no corredor dos fundos do prédio. Sempre acompanhadas de um teclado, as vozes parecem ensaiadas, porém, logo nota-se que, na verda-de, estão ensaiando. Esta última constatação se dá após cinco minutos escutando a cantoria, quando, do mesmo corredor, ouve-se uma bronca, seguida de um breve silêncio e gargalhadas.

Mais alguns minutos se passam e a porta se abre: — Vem gente, entrem e assistam ao ensaio do Coral! Quem faz o convite é Pedro Henrique, conhecido como PH, aluno de

letras e membro do grupo de canto da UFRRJ.É neste clima, muito solícito e descontraído, que acontecem os ensaios

do Coral da Rural. Ainda sem datas e horários fixos em 2013, o grupo, sempre que possível, se encontra no Espaço Ecumênico do P1 para en-saiar. A descontração permanece entre os integrantes também durante o restante do ensaio, com as mesmas sessões de esporros e gargalhadas. A solicitude também é constante: da mesma forma como a porta é aberta

texto: Caio Assis | foto: Michele Corrêa

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notas. Obadias brinca e explica:— Ela, por exemplo [referindo-

-se a Marli, uma integrante do coral], está tentando se achar na última página, enquanto ainda estamos na primeira — comenta. Contudo, ainda assim, Obadias não ensina a técnica necessária para ler as partituras e, de acordo com ele, o aprendizado acontece de uma forma muito melhor, in-tuitivamente.

— Eles olham os pontinhos subindo quando sobem o tom da voz, veem os pontinhos descen-do quando a voz abaixa, reparam que, quando tem a bolinha vazia, o intervalo é maior. E assim, as-sociando os códigos, descobrem o que cada um significa. Com o tem-

po, viram dependentes das parti-turas, a ponto de ficarem perdidos quando estão sem elas — conclui.

Uma vez por mês — mais pre-cisamente na primeira quarta-feira —, o Coral da UFRRJ se apresenta no hall de entrada do P1. Com o detalhe de estarem sem as parti-turas. Apesar das apresentações serem públicas, o clima não é tão sério. Obadias conta que, quando um grupo grande de componentes erra, ele decide parar tudo e come-çar de novo, sem intimidação ou constrangimento.

— Às vezes eu tiro um deles para Cristo. Digo que errou. Mas é tudo na brincadeira — revela.

Nestas apresentações mensais, o grupo tenta cumprir o compro-

misso de sempre apresentar uma nova canção. Ou seja, uma música nova por mês. As apresentações para valer acontecem em datas es-peciais como Natal e em viagens que o grupo faz para encontros de corais. Além da experiência musi-cal e, certamente, ótimas oportuni-dades de conhecer novos lugares, as viagens proporcionam também grandes momentos.

— Certa vez, em um encontro de corais em Minas Gerais, o ma-estro reuniu o Coral da Rural com os outros cinco corais regidos por ele. Sem nunca termos ensaiados juntos, cantamos a mesma música. Ao todo, eram aproximadamente 100 pessoas. Foi fantástico — conta PH, encantado.

“A gente é assim, como deu pra ver, igual cachorro. Hoje a gente está se mordendo. Mas amanhã estamos

nos lambendo de novo

PH, integrante do Coral

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A HISTÓRIA DO CORALO que hoje é conhecido como Coral da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no passado existiu, deixou de existir e passou por algu-mas mudanças. Sua primeira formação apareceu entre as décadas de 60 e 80, a chamada “década de ouro da Rural”, como lembrado por Marcos Florentino na matéria principal desta primeira edição desta revista (ver página 13). Época dos festivais, quando ainda em início de carreira, os hoje consagrados Paralamas do Sucesso tocavam na Universidade. No entanto, passada a época de ouro, o Coral , regido pelo Maestro Nelson Nilo Hack, também se acabou. Lemos, membro antigo do Coral e servi-dor da Universidade diz que aconteceu por questões internes e não se prolonga muito no assunto.

Em 1996, a história do grupo deu uma nova guinada. Foi então que Obadias, na época também funcionário, tomou a frente da regência.

— Há 17 anos, um grupo de funcionários da Rural resolveu fazer uma Cantada de Natal. Fui chamado para ensaiar e reger o Coral — contou.

Eis que o Coral da UFRRJ ressurgiu. Hoje, seu repertório é basicamen-te composto de arranjos de MPB. Sob a regência do Maestro Obadias, o coral se apresenta em diversos encontros de corais, tais como: o de Con-servatória, Valença-RJ (2007 a 2011); o da Universidade Severino Sombra, em Vassouras (2008, 2009 e 2010); o Maricanto, em Maricá (2009 e 2010), além de eventos internos e ex-ternos à Universidade. Em 2010, pela primeira vez participou de um encontro em nível nacional, convidado ilustre Associação Cultural Canto Livre de Betim, Minas Gerais.

Além de convites, o Coral da Rural também recebe prêmios. Em 2009, o Fórum Cultural da Baixada Fluminense homena-geou o coral no “Prêmio Baixada Fluminense”, em reconhecimento pelo seu esforço no desenvolvi-mento da cultura na região.

O homem à frente de todos es-tes feitos é o fluminense Obadias Ferreira da Rocha. Em sua for-mação, o maestro estudou com músicos de diversos cantos do mundo, como por exemplo a nor-te-americana Margerite Brooks, o espanhol Joseph Prates e o vene-zuelano Alberto Gau.

Obadias tem mais de 25 anos à

frente de grupos de corais. Nestes anos, regeu concertos e apresen-tações na Igreja da Candelária, no Teatro Municipal de Niterói, no Teatro Municipal de Itaguaí, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), na Câ-mara de Vereadores do Município do Rio de Janeiro, no Salão Leopol-do Miguez (UFRJ), no Teatro da Caixa, em Brasília, dentre outros.

Ao fim do ensaio, todos se apresentam entre si, inclusive os membros da reportagem. Isso acontece todas as vezes que o Co-ral recebe membros novos. Além disso, o grupo deixa o convite para quem quiser fazer parte da famí-lia. Segundo eles, não precisa nem saber cantar, basta querer, pois vale à pena.

Com o tempo, apresentação natalina virou tradição na Universidade Rural

DIV

ULG

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cultu

ra

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oficina literária

Oficina Literária com Alan Miranda

sem luzes

quando um instrumento se calae o poeta calçaa ambígua fala de devirum pranto se causauma pausa se acusae cessa o cantoum encanto quisera existir

permeada de interrupçõesa vida vagaovelhas magrasde um ritualforjado às margens do divinoum hinode deusum ninho

quando o poeta se calaa bocaas mãos, a falavê seu delírio em deméritoa alva cantigaentardece luaresa corda, o instrumento

não se diz mais nada da vidaaquelaque as imagens não mostramnem os sonhosnem espelhosmas perde-se na labutaums luzes de aquarela

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Ímparrevista laboratório do curso de Comunicação Social da UFRRJ