revista entrevista nº 30 - concluído

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OUTUBRO/2013 30

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    013

    30

  • Dolores Aronovich Aguero, Carlos Rinaldo Costa Moreira, Srvulo Es-meraldo, Maria Masa Vasconcelos de Sousa e Tiago Sobreira de Santana. Eis a relao dos entrevistados desta edio da Revista Entrevista. Os nomes prprios completos talvez faam os leitores estranharem essas personagens da vida cultural cea-rense. Mas a dica descortina o univer-so: a primeira professora universi-tria e blogueira feminista; o segundo, ator e diretor teatral; o terceiro, mais rapidamente identificado, um escul-tor e artista plstico cearense de re-nome internacional; o quarto nome identifica uma jornalista e radialista bastante conhecida; o quinto de um fotgrafo respeitado.

    Vamos mergulhar: Dolores mais conhecida por Lola Aronovich. pro-fessora da Universidade Federal do Cear (UFC), porm, bastante con-hecida como a blogueira que no foge polmica e controvrsia, principal-mente quando em defesa das causas feministas. Na entrevista, Lola traa um painel da prpria trajetria de vida em meio a relatos e recordaes que cobrem a infncia, a adolescncia e a vida adulta.

    Carlos Rinaldo Carri Costa, ator e diretor com larga atuao no teatro cearense, notadamente no gnero co-mdia. Na bagagem, carrega um imenso amor pela arte de representar. A entrevista um riso que se alastra pelas pginas da revista. Entanto, isso no significa no tratar de assuntos, digamos, mais srios, inclusive sobre a dificuldade de manter aberto o Teatro da Praia, em Fortaleza.

    Srvulo Esmeraldo Srvulo sim-

    plesmente! Uma escultura humana que exala poesia nas linhas e nas cur-vas da vida e emociona pela simplici-dade existencial, pela generosidade, pela humildade no exerccio da arte. Um homem que se lana nos espaos urbanos demarcando a existncia hu-mana com obras ao mesmo tempo simples e encantadoras.

    Masa sinnimo de comunicao. Diria melhor: uma espcie de per-sonificao da televiso cearense, re-conhecida e respeitada pelo pblico e pelos colegas de profisso. sorri-dente embora aqui, acol lgrimas represadas cintilem o olhar como demonstrao da condio humana e comunicativa ao extremo. Nas pgi-nas desta edio, Masa faz um mer-gulho na trajetria de vida profissional.

    Tiago Santana pode-se afirmar uma grife fotogrfica. Ele escreve e se inscreve com imagens, fazendo-nos mergulhar na realidade quotidiana do Cear e do Nordeste com admirao e xtase. O que faz documento, histria, jornalismo, crnica visual, sentimento, poesia e vida em cores e em preto e branco. A entrevista uma narrativa carregada de humanidade.

    Brbara Danthias, Bruna Luyza, Carolina Esmeraldo, Caroline Portiolli, Diego Sombra, Felipe Martins, Isabele Cmara, Mikaela Brasil, Paulo Renato e Tas de Andrade so os responsveis pela presente edio. A eles e elas, deixo minha palavra de entusiasmo e de reconhecimento pela forma profis-sional com que se houveram nesta maravilhosa viagem jornalstica em di-reo condio humana.

    Apresentao

    Ronaldo Salgado

    Ronaldo Salgado jornalista, professor e da disciplina de Laboratrio de Jornalismo Impresso. e idealizador da Revista Entrevista.

  • Expediente:

    Revista Entrevista uma publicao da disciplina Laboratrio de Jornalismo Impresso, com edio e texto final dos alunos do sexto semestre do Curso de Comunicao Social da Universidade Federal do Cear (UFC).

    Nmero: 30

    Professor orientador: Ronaldo Salgado

    Projeto grfico: Norton Falco

    Edio de arte: Amanda Alboino

    Tiragem: 1.000

    Impresso: Imprensa Universitria

    Fortaleza, outubro de 2013

    Avenida da Universidade, 2762, Benfica.CEP: 60020-180Fone: (85) 3366 - 7708 e (85) 3366 - 7718Site: http://www.dcs.ufc.brEmail: [email protected]; [email protected]

  • Lola Aronovich 6

    Srvulo Esmeraldo 56

    Tiago Santana 100

    Carri Costa 32

    Masa Vasconcelos 76

  • Lola AronovichProfessora e feminista

  • A construo e os paradoxos de uma mulher potencialmente humana e visceralmente feminista

    Dolores Aronovich Aguero era apenas uma criana quando voou daquela vez como se fosse um pssaro. A partir da, atravessou os preconceitos com os passos tmidos. Aos oito anos, escreveu anseios in-fantis. Impulsos esses que ela atribui pri-meira batida do corao feminista. quela poca, entretanto, as ondas que ela conhe-cia eram as ondas do mar. Da cor dos olhos dela, azuis e profundos. E fortes.

    Hermana, Lola apelido que Dolores ganhou desde a infncia brasileira. E Le gusta amar o pas cheio de contradies. Paradoxos dela para ela. Aos dez, chorou daquela vez como se fosse a ltima, na ocasio em que princpios eclesisticos e colegiais tentaram colocar grades no pensa-mento dela. Aprendeu a se construir como se fosse slida. Mas no . Lola humana-mente lquida, como as tais ondas do femi-nismo, dos olhos e do corao dela.

    Ainda nia, Lola ouviu Chico Buarque. E foi com essa trilha sonora, ela conta, que a conscincia coletiva dela foi estruturada. Da criana, o salto foi rpido para a mulher. J buscava entender o que queria ser. E foi. Lola queria ser Lola, no Dolores. Desde cedo, quis largar dores dogmticas, amar-ras do pensamento. Por outro lado, agarrou dores que no precisariam ser suas, mas o senso de coletividade no a permitem aban-donar.

    Cosmopolita de bero, ela encontrou nas Letras um meio de viajar pelas conscincias. Os estudos a levaram a sentir o gosto do mundo. E tambm a levaram a provar dos dissabores. Lola percorreu espaos brasis, latinos e norte-americanos. Hoje, leciona e sonha com a formao de novos homens, mulheres e conceitos.

    Para desenvolver o pensamento, ela

    descobriu um amparo na stima arte. Nos filmes, Lola encontrou um pontap para se forar a escrever. Assim, talhou o texto sem-pre considerando que no quer s escrever letras, juntar slabas e formar palavras. Lola quer mesmo escrever ideais, juntar pesso-as e formar revolues. Rebusca o texto em contextos. Olha ao redor para se inspirar, dialoga com as leitoras para se informar. E se forma.

    Como Pagu indignada no palanque, Lola escreve, conversa e desconversa. Ela sabe o peso das palavras. Sabe que as palavras ferem, abrem janelas e do de cara com portas fechadas. Lola tem uma fora que no bruta. Ela prioriza mesmo a fora da argumentao, a fora da concatenao de ideias voltadas para uma finalidade maior. Nem freira nem puta, Lola humana. Im-portar-se tanto com aparncia e corpo, para qu? Ela nem mesmo ruiva, como Rita Lee ou a tal Lola do filme, que corre e corre.

    Jogando o dicionrio para o alto, ela en-controu a definio de amor dela mesma. E no nada fcil tentar cercar esse conceito. Hippies desistiriam; comunistas se perde-riam; reaas nem se dariam o trabalho. Lola prega o amor nem to livre nem to cativo. Nem to romntico ou pragmtico. Ela ama o marido, animais, chocolate. E ama tam-bm a liberdade de no querer ser me, a liberdade de bater de frente com trolls. Ama ser ingrata com o patriarcado.

    Lola sustenta uma bandeira. Mas susten-ta mais ainda as escolhas, os defeitos e a humanidade de si mesma. Ela sustenta um ideal de amor e liberdade. Lola sustenta a dor de ser Dolores. Ela sustenta o sorriso nos olhos e o peso de palavras duras que diz e ouve. Lola sustenta a conscincia abra-ada ao corao.

    // Dolores Aronovich Aguero

    LOLA ARONOVICH | 7

    Ficha Tcnica

    Equipe de Produo: Caroline PortiolliTas de Andrade

    Entrevistadores: Brbara DanthiasBruna Luyza ForteCarolina EsmeraldoCaroline PortiolliDiego SombraFelipe MartinsIsabele CmaraMikaela BrasilPaulo Renato AbreuTas de Andrade

    Fotografia: Gabriela Custdio

    Texto de abertura:Paulo Renato Abreu

  • LOLA ARONOVICH | 9

    Entrevista com Lola Aronovich, dia 09 de maio de 2013

    Tas Lola, na verdade, o seu nome Dolores Aronovich. Na pr-entrevista que realizamos com o seu marido, ele nos infor-mou que Lola no um nome bem visto na Argentina. Ento, por que voc chamada desse modo?

    Lola Isso foi um erro dos meus pais, um erro grave. Espero que, quando vocs forem pais e mes, no cometam esse erro (para a equipe da revista), que o de chamar o fi-lho por um nome, dar um nome oficial, mas pelo resto da vida chamar por outro nome, que no tem nada a ver. Lola parece que apelido de Dolores, mas no sei muito bem o que aconteceu. Eu nasci na poca da ditadu-ra argentina (1976-1983). Segundo o que os meus pais (Nelida Maria Aguero e Jos Ber-nardo Aronovich) disseram no sei at que ponto eles estavam falando a verdade , no podia chamar de Lola porque era um nome espanhol e tambm porque era considerado um apelido; no podia dar um apelido como nome. Eles me chamaram de Dolores em vez de dar outro nome, como Glria Glria se-ria um nome legal (risos) e passaram a me chamar a vida toda de Lola, e ruim, n? Nos documentos est escrito um nome que no chamado. Hoje em dia nem atrapalha muito, mas tambm um nome to catlico Dolo-res um nome to catlico, acho que no combina muito comigo, que sou ateia. um erro, mas acontece.

    Paulo Renato Dolores, voc comentou agora que ateia, mas a sua formao inicial na escola foi bem pautada na religio. Ento, como foi isso?

    Lola Voc me chamou de Dolores? (ri-sos)

    Paulo Renato Desculpa... Lola! (risos)Lola No, tudo bem... No um insul-

    to, s no estou acostumada (risos). A mi-nha criao foi muito boa, realmente foi uma criao bem liberal, meus pais eram muito liberais. Foi o terceiro casamento de cada um, embora eles no tenham filhos dos ou-tros casamentos, meu pai j tinha mais de 40 anos e minha me tinha No sei quantos, uns 30... Sei l! E eles eram meio hippies no bem hippies mas se voc vir as fotos

    da minha me naquela poca, ela tem umas roupas meio hippies, no quer dizer que ela fosse hippie, mas ela andava nessa moda. No sei se porque a gente veio de outra cul-tura, mas a gente no tinha muitos tabus. Meus pais andavam nus em casa, o tempo todo, at a gente adolescente, sem proble-ma nenhum. A gente tambm andava nua em casa. Quando chegou a hora de poder ter parceiros sexuais, que era a idade adequada, meus pais tambm nunca tiveram nenhum problema que trouxesse namorados para casa, para dormir no quarto. Eu j vi meus pais fumarem maconha na nossa frente, v-rias vezes. Nunca foi nenhum problema. Para mim foi muito bom, porque, fora eu crescer com a ideia mais livre de sexualidade, de tudo, nunca teve muitos tabus mesmo. Eles tinham falado: Se vocs tiverem vontade, algum dia, de provar alguma droga, por fa-vor, falem com a gente. No procurem fora. Ento, como no era um tabu, no tive essa fase de ser rebelde, de desafiar meus pais, no era um desafio. Nunca provei nada, nun-ca tive vontade de nada. Mas meus irmos experimentaram no sei se funcionou no. Quer dizer, se voc quer deixar os filhos lon-ge da droga, no sei se esse o melhor ca-minho.

    Bruna Voc estava falando que ateia, mas nas informaes que o pessoal (a equipe de produo) apurou, voc estudou em uma escola catlica, queria at ser freira. Como foi essa ruptura de deixar de ser catlica para ser ateia? No s deixar a religio, mas deixar de acreditar em Deus. Que ruptura foi essa?

    Lola Na verdade, minha me sempre foi uma catlica relaxada. E meu pai sempre foi ateu. Nunca vi meu pai falar nada de reli-gio, muito pelo contrrio, meu pai era bem antirreligioso. E (a famlia do) meu pai era judia, da o meu nome Aronovich, porque meus avs eram ucranianos, judeus, vieram da Rssia antes da Revoluo Russa (1917) e foram morar na Argentina. Tambm eram revolucionrios acho que eles eram meio stalinistas (e isso) no bate muito bem com religio. Meu pai tinha uma raiva de ser con-siderado judeu s porque a me dele era ju-

    No dia da escolha dos entrevistados da Revista Entrevista, foi a aluna Isa-bele Cmara que indicou o nome da feminista e blogueira Lola Aronovich. Todos ficaram empolga-dos com a indicao.

    Lola Aronovich nas-ceu no dia 6 de junho de 1967 em Buenos Aires, na Argentina. Mudou-se para o Brasil antes mesmo de completar quatro anos.

  • REVISTA ENTREVISTA | 10

    dia, porque ele no tinha nenhuma afeio por nenhuma religio. Acho que isso me in-fluenciou muito. Nem eu nem meus irmos fomos batizados, nada disso imagina! Aqui no Brasil quase todo mundo batizado, n? , acho que foi um erro, por um lado. Tam-bm no posso reclamar muito de colocarem a gente numa escola catlica. A escola era a Chapel School, que era uma escola america-na em So Paulo. Era excelente, carssima! Naquela poca tinha trs escolas americanas em So Paulo. Tinha uma laica e uma batista, que eu imagino que era pior do que a nossa em matria de ser muito religiosa. A nossa tinha missa, tinha padre, tinha freiras. Isso era bem chato para uma pessoa que no era religiosa. Mas a gente estava l pela escola, pelo...

    Bruna (interrompendo) Voc queria ser freira. Voc teve esse momento de ser reli-giosa, ento?

    Lola , pois ... (pensativa) Hoje, eu con-sigo ver de outra forma. porque eu tive uma professora que era freira, horrvel, assustado-ra! Era a sister (irm) gatha na escola era tudo em ingls. Essa freira era polonesa, ela tinha vindo direto da Polnia para nos tortu-rar (risos). E ela torturava mesmo. Preconcei-tuoso falar isso, mas ela parecia uma nazista, sabe? Ela tinha oclinhos assim, (fala apon-tando para os olhos, demonstrando o forma-to dos culos que a freira usava), que nem Indiana Jones (srie de filmes criada por Ge-orge Lucas e dirigida por Steven Spielberg, nos Estados Unidos da Amrica) que vocs veem aqueles nazistas, bem clichs. E eu pe-guei essa professora infelizmente na sexta srie. Ela tinha a pssima fama, no s de fa-zer todos os alunos chorarem, mas tambm de bater nos alunos. Assim que o meu pai fi-cou sabendo que ela seria minha professora, foi falar com ela que, se encostasse um dedo em mim, estava fora da escola. Ela realmente nunca tocou em mim, mas tem outras formas de fazer a pessoa chorar. Ela me humilhou no foi nada pessoal tambm, ela humilhava todo mundo e eu acho que tinha 13 anos. No sei se para conquistar as freiras, para ser aceita... No sei o que foi! Coloquei na minha cabea que ser freira podia ser um bom ne-gcio, o que ridculo, no tinha nada a ver comigo.

    Mas eu tinha umas ideias meio malucas. Primeiro, porque eu j era feminista, ento isso brigava com o meu feminismo, porque tinha todas as ideias da Igreja Catlica e de todas as religies acho que todas as religi-es so machistas , mas tinha essas ideias de: Como assim? Vocs acreditam em Ado e Eva literalmente? Mesmo? Vocs no esto falando assim em termo de metfora? isso

    mesmo? Literal? E o pessoal (da escola) fa-lava assim: Sim. (Ela:) Srio? A gente veio mesmo da costela de Ado? E Ado foi feito na imagem e semelhana de Deus e a gente foi feita assim como um resto? O pessoal fa-lava que sim, que era assim mesmo. E eu fa-lava: T. Tambm muito estranho porque vocs esto tratando Deus como se fosse pai, senhor, pastor. O filho de Deus tambm s homem e loiro de olhos azuis, n? isso mesmo? Ento, eu questionava muito e tinha umas ideias malucas. Eu ia rezar na capela e eu no comia no horrio de almo-o, porque a escola era semi-integral de 8h30min at s seis da tarde ento, no ho-rrio de almoo, em vez de comer, ia rezar na capela. Eu imaginava que teria um terremo-to, em So Paulo imagina! e uma esttua da virgem ia cair em cima de mim e eu seria imediatamente canonizada (risos). Ento, ia direto para o Cu. Eu ia virar a Santa Lola, talvez eles usassem a Santa Dolores (em tom brincalho) (risos). E as freiras ficavam falan-do que no, eu no podia ir para o Cu por-que no era batizada e aquilo ficava: Puxa!

    Ao descobrirem que iriam produzir a entrevista com Lola, Caroline e Tas foram imediatamente ao Centro de Humanidades 1 (CH1) falar com a profes-sora, mas no a encontra-ram.

    No mesmo dia, a

    equipe de produo en-viou um e-mail para a blogueira, explicando so-bre o projeto da revista, e aguardaram ansiosa-mente pela resposta. No esperavam que Lola res-pondesse rapidamente ao convite.

  • LOLA ARONOVICH | 11

    monte de coisa. Paulo Renato Lola, voc disse que essa

    escola era carssima, mas nem sempre na sua infncia, pelo que as meninas (da produ-o) apuraram, foram com boas condies financeiras. Vocs enfrentaram alguma crise na infncia?

    Lola , no vou fingir que eu fui uma menina pobre, porque no. Eu sempre tive uma vida privilegiada, sem dvida alguma. Mas teve uma fase na minha infncia que foi muito marcante. A gente foi pobre, mas durou pouco tempo. No sei quanto tempo durou, deve ter durado um ano, no mximo, nove meses, oito meses. No sei muito bem. Meu pai sempre trabalhou com Marketing, Relaes Pblicas, Propaganda e tal. Ele, na poca, pelo que eu me lembro, era Relaes Pblicas do (Banco) Chase Manhattan. Ele odiava e largou o emprego sem se precaver, sem pensar, sem fazer um p-de-meia, nada. E sem saber tambm que quanto mais alto seu emprego, mas difcil conseguir outro. E comeou a demorar para ele conseguir outro emprego e a gente, nesse tempo, teve de sair

    Mas eu sou uma santa! (fala rindo) Eu sou uma santinha, uma menina to pura, to mei-ga. (risos) S por esse detalhe, por no ser batizada, eu no vou pro Cu? E eu tornei a vida do meu pai um inferno, porque eu fala-va: Papi, a gente precisa ser batizada. Por-que isso a realmente t atrapalhando meus planos. E ser batizada com 13 anos no a mesma coisa que ser batizada com meses de idade. Tem de fazer curso, acho que os pais tambm tm de fazer curso e o meu pai no tinha nenhuma vontade para isso. Ento, ele falava: Tudo bem, filha. Manhna (amanh), manhna. Ele falava portunhol comigo, en-to manhna eu ia ser batizada. E sempre manhna. E nunca vinha. E tambm eu tinha uma ambio. J que era para ser freira, que-ria ser Papa, queria subir ao topo da carreira. E as freiras falavam que no podia, no podia ser Papa, no podia nem ser bispo. Ento, fui desistindo. Mas naquela poca, que no deve ter durado muito no sei quanto du-rou, alguns meses , eu era muito catlica, arrastava meu pai para missa, meus irmos, fazia com que eles rezassem o Pai-Nosso, um

    Um dia depois, Tas abriu a caixa de e-mail logo aps ter acordado e se surpreendeu ao ver que a feminista j havia respondido. A equipe de produo ficou muito em-polgada por Lola ter acei-tado participar do projeto.

    Caroline publicou no

    grupo do Facebook, infor-mando a novidade para os outros participantes da revista e todos comemo-raram. A equipe de produ-o precisava comear as pr-entrevistas, pois falta-va apenas duas semanas para entregar a pauta.

  • REVISTA ENTREVISTA | 12

    Lola aceitou fornecer uma pr-entrevista, que seria realizada uma sema-na aps o primeiro conta-to. pedido da professo-ra, a entrevista ocorreu na prpria UFC, no CH1.

    Caroline e Tas chega-ram ao local da entrevista 1h30min antes do horrio marcado, pois estavam muito ansiosas para conhe-cer Lola. A blogueira prefe-riu que a entrevista fosse realizada na sala dela.

    da escola, porque era uma escola particular e no tinha como pagar. No tinha como pa-gar o aluguel. A gente vivia num apartamen-to alugado no Rio, e foi morar um tempinho com a minha tia no sei muito bem se ela nos expulsou, o que aconteceu , mas che-gou uma hora em que ela falou que no dava mais para morar l sobrou para a gente ir para um prdio que estava abandonado, um prdio que estava quase sendo demolido, que era de amigos do meu pai e o prdio era muito, muito ruim. O nosso quintal dava para um depsito de lixo, tinha barata voadora, ti-nha besouros e era Rio 40. Naquela poca, lembro o calor do Rio. Estavam construindo um metr tambm, na (Barra da) Tijuca (bair-ro nobre da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro), ento tinha um barulho infernal, o tempo todo. Foi uma fase bem ruim. Lem-bro tambm que a gente no recebia mesa-da, no tinha dinheiro para nada, e tudo que eu recebia, qualquer coisinha, eu guardava. Aquilo para mim foi marcante, porque, de-pois daquilo, virei po-dura (rindo). Comecei a dar algum valor para o dinheiro e fui a ni-ca afetada por essa crise, porque meus pais continuaram incorrigveis, meus irmos tam-bm, no esto nem a para o dinheiro, no guardam, gastam tudo. Meu pai sempre foi assim at morrer. Mas para mim, eu sou po--dura at hoje, acho que foi por causa disso na infncia, que no durou muito tempo, mas foi marcante.

    Diego Lola, voc sempre foi uma mulher que esteve frente do seu tempo. Durante a infncia, voc teve dificuldades de lidar com outras crianas por estar, digamos, em um patamar diferente de maturidade?

    Lola Eu fui considerada uma criana pre-coce, porque escrevi alguns livros que no eram livros, seriam mais dirios. Mas meus pais me incentivaram muito a escrever, des-de pequena, muito pequena. Naquela poca estava na moda um tal de Nothing Book, que era o Livro do Nada. Frescura, n? (brincan-

    do). Era s o livro em branco, mas sem li-nhas, sem nada. O livro em branco que voc recebia e fazia o que quisesse. Recebi vrios livros desses e preenchi com um monte de coisa, desenhos... Eu tenho esses livros at hoje, so bem legais. bom porque a gente lembra algumas coisas de quando era crian-a. Acho que quando eu tinha oito anos, o Fantstico (programa dominical da Rede Globo) foi na minha casa. Eles foram fazer uma entrevista. Estavam fazendo uma re-portagem com crianas precoces, eu recitei um poema, essas coisas assim. (brincando) (risos). Virei estrela l na escola. Nessa po-ca eu morava no Rio (de Janeiro). Conheci a Glria Maria (jornalista) no Leblon. Eu era criana e ela j era muito adulta (risos), mas (hoje) ela t igual! Eu tinha sete, oito anos, impressionante! (risos). Ento, no tive mui-tos problemas.

    Eu me lembro que, no Rio, a gente foi colocada para estudar em uma escola muito boa. Era a Escola Parque. Nessa escola, tinha muita natureza, muitas aulas fora, junto com mamo, com jaca, rvores. Era bem legal! No lembro muito bem. Lembro um instan-te de bullying no foi exatamente bullying , mas fiquei bem chateada naquela vez, que era para levar alguma coisa de casa para a escola e eu levei uma esttua, que era uma esttua de madeira e era uma esttua de al-gum acho que era de uma mulher nua , mas no tinha nada, ela s estava sem rou-pa, mas no tinha... Mamilos, no tinha nada. As crianas fizeram um grande escndalo em cima disso, sabe? E as crianas pegaram aquela esttua, passaram de mo em mo. Para mim, aquela esttua fazia parte da mi-nha casa, era a coisa mais normal do mundo. No entendi tanto escndalo, mas no tive grandes problemas no.

    Felipe Lola, voc diz que se considera feminista desde os oito anos de idade. De onde surgiram essas ideias na infncia?

    Lola , eu falo isso e tem um monte de gente tem uma legio que goza da mi-nha cara por eu falar isso. As pessoas no acreditam que algum possa ser feminista com oito anos de idade. Na verdade, um preconceito contra a infncia muito grande. Ningum pode ser nada na infncia, nada (ri-sos). Voc uma tbula rasa e eu acho que no assim. Tenho uns livros, em que vejo as minhas ideias naquela poca e eu no te-nho muita coisa para me envergonhar. Tem coisas de: Ele no gostou de mim (rindo), as coisas tpicas da idade. Ele no me deu ateno, eu estou to apaixonada por ele, e ele nada... Essas coisas assim. Mas, de resto, no tem muita coisa para me enver-gonhar. Meus pais, por serem muito liberais,

    No sei se porque a gente veio de

    outra cultura, mas a gente no tinha

    muitos tabus. Meus pais andavam nus em casa, (...) sem

    problema nenhum

  • LOLA ARONOVICH | 13

    E tambm eu tinha uma ambio. J que era para ser freira, queria ser

    Papa, queria subir ao topo da carreira

    certamente, isso pesou. Meus pais sempre foram de esquerda se bem que eles tinham alguns problemas. Acho que eles eram bem racistas, talvez at por virem da Argentina, que no tem tantos negros, no tem tanta miscigenao como tem aqui no Brasil. Mas no acho que era alguma coisa que tinham orgulho, era uma coisa que estavam tentan-do mudar. Meu pai tinha muitos problemas com vrias coisas, da famlia dele. Minhas tias tambm eram assim. Problemas com tra-vestis, por exemplo meu pai se sentia mal quando via uma travesti na frente dele de ver alguma pessoa com algum defeito fsico, ele se sentia mal, fisicamente mal. No sei de onde veio isso, mas, para ele, era muito for-te. Ento... No sei... Agora eu me perdi aqui (risos)...

    Felipe (interrompendo) Mas vocs con-versavam sobre isso?

    Lola Eu me lembro de chegar l em casa, de vez em quando, a revista americana Ms., que completou 40 anos, ano passado. a revista feminista mais antiga do mundo. Eu estava comeando a aprender ingls, lia a re-vista e gostava s gostava de algumas par-tes, no dos artigos longos, porque no tinha condio de ler aquilo, mas algumas coisas que lia, eu gostava. Acho que eu conversava bastante. Tem muitas coisas nos cadernos, assim de slogans feministas traduzidos para o portugus... (interrompe para beber gua)

    Mikaela Lola, com relao adoles-cncia, que normalmente um perodo em que existe uma presso muito grande sobre como a mulher deve se vestir, deve agir, deve pensar. Como foi passar pela adoles-cncia sendo feminista?

    Lola (pensativa) Pois ! Acho que eu sempre tive muito poder por ser feminista. Acho que foi um ponderador ser feminista naquela poca. Acho que sofri menos do que muitas adolescentes sofrem, escapei de boas por ser feminista. Sempre fui privilegia-da mesmo, inclusive na questo de no ter tantos traumas do meu passado, nem nada. Mas uma coisa que sempre me incomodava muito era o negcio de padro duplo para sexualidade. Eu comecei a minha vida se-xual com 15 anos e ficava revoltada, porque achava muito legal, estava querendo experi-mentar, tive vrios parceiros, e ficava indig-nada que a minha sexualidade estava sendo julgada por eu estar fazendo exatamente o que os meninos estavam fazendo. Eu no en-tendia aquilo e no aceitava. No aceitava de jeito nenhum ser tachada de qualquer coisa. Quer dizer, eu respondia, no deixava bara-to. Acho que foi tranquilo. Isso me deu mais escolhas tambm. Eu evitava sair com alguns rapazes que j sabia serem mais estpidos.

    Tive alguns traumas... Coloquei no meu blog, quando eu come-

    cei logo, que toda mulher tem uma histria de horror para contar. No sei se toda, por-que no d para falar toda de nada, sempre tem suas excees, mas realmente a gente tem um histrico de traumas sexuais, de ameaas, de estupros, de abusos, de passar a mo na rua... Tudo que muito forte acho que quase todas ns j passamos por isso. Eu tambm passei por isso. Acho que sobre-vivi melhor por ser feminista, talvez.

    A minha histria de horror maior foi quan-do eu estava em Bzios. A gente morava em So Paulo, mas ia para Bzios (municpio da Regio dos Lagos, no Rio de Janeiro) nas f-rias. A gente era muito amiga do pessoal que morava mesmo l. E eu sa com um carinha, de Bzios mesmo. Eu tinha uns 16, 17 anos... Sa com ele, que tinha mais ou menos a mi-nha idade, e ele me levou para uma casa que ele tinha a chave, uma casa meio vazia. Na verdade, era a casa da ngela Diniz (sociali-te brasileira, assassinada pelo marido Raul Fernandes do Amaral Street, o Doca Street na dcada de 1970, em Bzios), olha s que coisa! Era a casa da ngela Diniz em Bzios, que at hoje acho que ponto turstico, por-que todo mundo pergunta: Onde a casa da ngela Diniz? Vocs sabem? (pergunta equipe da revista) Vocs nem sabem, n? Vocs so muito jovens (risos). , mas o pro-fessor sabe (fala referindo-se ao professor Ronaldo Salgado), certamente! Enfim, era l na casa da ngela Diniz e eu transei com ele, acabamos de transar e a porta estava entrea-berta. Algum veio para cama, encostou em mim e eu senti que a mo estava meio gelada ou algo assim. Vi algum passando na por-ta. Naquele momento, me levantei e falei: O que est acontecendo aqui? Peguei minhas roupas, corri para o banheiro e... Era o pri-mo dele (do rapaz que estava com ela). Quer dizer, era aquela velha noo machista: Se a mulher deu para um, ela pode dar para to-dos, ela no tem escolha. Bom, xinguei um monte e sai de l. Falei para os meus pais, foi muito bom falar muita gente no falaria ,

    Caroline entregou a Revista Entrevista que ti-nha para Lola conhecer o projeto. Depois, felizmen-te, conseguiu mais uma com o Professor Ronaldo Salgado.

    Durante a pr-entre-vista, um professor do curso de Letras da UFC entrou na sala e pergun-tou, brincando, se Caro-line e Tas eram filhas da feminista. Foram diversas risadas naquela hora.

  • REVISTA ENTREVISTA | 14

    A equipe de produ-o ficou admirada com a personalidade e determi-nao da professora femi-nista. Lola indicou o ma-rido, Silvio Cunha, como uma das fontes para pr--entrevista.

    Caroline e Tas envia-ram um e-mail para Slvio, explicando sobre o proje-to. O marido de Lola for-neceu o telefone de casa para que a equipe ligasse, marcando a data da entre-vista.

    As pessoas no acreditam que

    algum possa ser feminista com oito

    anos de idade. Na verdade, um preconceito contra

    a infncia muito grande

    eu fui direto para os meus pais, meu pai ficou indignado, foi atrs, tudo... Bom, essa foi a minha maior histria de horror. Acabou no acontecendo nada, mas podia ter aconteci-do. E outras historinhas, muitas... De ser ata-cada, mas isso quando eu j estava com 22 anos, quase na porta da minha casa em So Paulo e um cara que eu nunca vi antes me agarra por trs e eu caio no cho. Mas sem pensar eu j me levantei e sa correndo atrs dele, para bater nele (risos). Nem pensei em ficar com medo, j fui correndo para cima, e o cara saiu correndo tambm. Ento, acho que tem uma certa fora por ser feminista.

    Isabele Lola, e como voc se sente ao ouvir a histria de horror de outras mulheres? No voc como blogueira, feminista famosa, mas voc como a Dolores, como pessoa?

    Lola Eu me sinto mal. Eu vejo cada his-tria que chega para mim, horrvel! hor-rvel mesmo! Tem umas que so de cortar o corao. Voc tenta criar uma casca grossa, no se comover muito a cada histria, por-que so realmente muitos relatos que che-gam, mas s vezes no d, terrvel! E voc v que as histrias so muito comuns, o mesmo padro, o mesmo roteiro para qua-se todas elas. aquele sentimento, depois que aconteceu, de extrema culpa, de voc se sentir culpada, de no denunciar, terrvel!

    Caroline Lola, ainda falando sobre fe-minismo, quando mais nova ou at mesmo atualmente, voc tem ou tinha algum cone feminista?

    Lola (pensativa) Olha, na poca, eu gos-tava do pessoal que escrevia a Ms... Acho que eu j conhecia a Glria Steinem (escri-tora e jornalista norte-americana, ligada ao feminismo), que a fundadora da Ms. A Betty Friedan (norte-americana; importante ativista do feminismo) eu tambm conhecia, no lia muito os livros dela, mas conhecia. Um pouco antes de comear o meu blog, co-

    mecei a estudar um pouco mais sobre femi-nismo. Uma pessoa que adoro, que foi muito importante e recomendo para todo mundo, especialmente para as mulheres, a Naomi Wolf (escritora feminista dos Estados Uni-dos), principalmente O Mito da Beleza, que acho que revolucionrio para entender, para a gente se aceitar melhor e entender que o nosso corpo no tem que estar dentro dos padres, como os padres so constru-dos e para que eles so construdos, para manter a gente como est, em uma situao de submisso. muito mais fcil voc domi-nar gente que no se gosta, gente que no aceita seu corpo, que tem baixa autoestima, do que outras pessoas. Eu li O Mito da Bele-za. Demorei muito, n? Recomendo que ado-lescentes j leiam O Mito da Beleza, mas eu li quando j tinha 40 anos ou um pouquinho antes. Mas um livro fantstico! Hoje, tem muitas feministas que gosto, muita gente. A Simone de Beauvoir (escritora, filsofa exis-tencialista e feminista francesa, 1908-1986) no foi exatamente uma delas, porque tam-bm demorei muito para ler, mas claro que ela importantssima!

    Esses dias eu me encrenquei legal, porque falei da Germaine Greer, que uma feminis-ta australiana, muito importante na segunda onda. O Eunuco Feminino (The Female Eu-nuch) um livro importantssimo e eu li mais de uma vez, gostei muito! Mas hoje no pode falar dela porque ela virou transfbica, come-ou a dar declaraes transfbicas e se voc recomenda est sendo transfbica tambm, ento, melhor no falar nada. Mas eu gosto dela, no gosto das declaraes transfbicas dela, claro. Mas o livro em si muito legal.

    Felipe Lola, quando voc era criana, j tinha a noo de que era diferente das outras crianas, que era realmente feminista, ou foi um processo natural, que voc s percebeu depois?

    Lola Eu me dizia feminista, me assumia feminista desde os oito anos de idade, real-mente t escrito l (no Nothing Book) (risos). Ento, eu me sentia poderosa (risos), me sentia diferente, me sentia dona de mim, dig-na de ter opinies, de poder falar sobre o que eu quisesse, de ter uma voz, mesmo quando criana, isso foi muito legal.

    Felipe E o que os seus pais achavam dis-so?

    Lola Ah, eles tinham orgulho!Bruna Voc falou muito sobre o seu pai,

    admirava muito ele. Ele, um homem dentro da famlia voc tem um irmo tambm mas o pai a figura masculina de referncia na sua vida. Ele lidava muito bem com isso, voc acha que essa liberdade dentro da sua famlia a influenciou a ser uma pessoa mais aberta?

  • LOLA ARONOVICH | 15

    lidar com pessoas negras, acho que era uma novidade para eles. Tinha suas contradies, como sempre. Minha me tratava muito mal as empregadas a gente tinha empregada , minha me tratava muito mal, para mim, sempre doeu meu corao.

    Bruna Isso a incomodava? At porque voc fala que feminismo muito mais do que defender o direito das mulheres, defender vrias coisas. Ento, isso a incomodava na infncia, j?

    Lola Muito, muito! Eu via que a minha me no tratava bem nenhuma empregada. Porque, realmente, no era s feminismo, era aquele sentimento de querer lutar por to-dos os fracos e oprimidos, de querer defen-der todo mundo que estivesse passando por alguma adversidade. Isso doa muito. Minha me mudou completamente. Felizmente, mi-nha me uma pessoa melhor, muito melhor hoje do que ela foi durante muito tempo na vida dela. Acho que hoje ela entende os er-ros que fez. Hoje, que est em outra classe social, bem mais baixa, n? (risos) Ela mora comigo... Entende que no agiu bem. E era sempre assim. Minha me humilhava empre-gados, falava mal com os empregados, meu pai chegava e tinha de pedir para empregada ficar: No v embora, essas coisas.

    Carolina Lola, voc j sofreu algum tipo de preconceito por ser feminista?

    Lola Sim, o tempo todo. (rindo)Carolina E como voc lida com esse tipo

    de preconceito?Lola No bem preconceito. Preconcei-

    to, que eu digo, que sofro certamente per-seguio, uma trollagem (crticas ou comen-trios sarcsticos, irnicos, perturbadores

    Lola , meu pai era realmente uma pes-soa maravilhosa, deve ser a principal influ-ncia masculina que tenho, que tive durante toda a minha vida. Infelizmente, perdi meu pai muito cedo. Meu pai morreu, teve um ataque cardaco quando eu tinha s 26 anos. Mas sabe como , n? Ele era feminista, tinha muitas coisas feministas, mas acho que no se assumia feminista e tinha muitas contra-dies acho que todos ns temos. Tinham muitas contradies nele tambm. Ele trata-va diferente meu irmo. Uma coisa que en-chia o saco, muito, era horrvel: o meu irmo era irmo do meio, entre duas irms. Quan-do a gente saa, ele pedia ao meu irmo para tomar conta das irms, sendo que eu sou mais velha, ento no tem nada a ver. Quer dizer, a diferena pequena, so dois anos, mas isso incomodava um pouco. E, tambm, acho que ele chegava a bater no meu irmo, e em mim e na minha irm ele nunca bateu. Mas acho que a gente foi mais fcil do que o meu irmo, no sei.

    Diego Lola, voc disse que cresceu em um mbito de liberdade, mas, ao mesmo tempo, seus pais apresentavam indcios de preconceitos. Era um ambiente paradoxal o ambiente da sua casa por tratar desses te-mas?

    Lola Meu pai era de esquerda, ele gos-tava de assistir ao Jornal Nacional e ficava brigando com o Jornal Nacional (principal te-lejornal da Rede Globo de Televiso), sabe? Ficava comentando com a televiso, ficava brigando (rindo). Era insuportvel assistir televiso junto com ele, que ficava falando com a televiso. Mas eles (os pais) eram pre-conceituosos, no sabiam muito bem como

    Quando Tas ligou, foi a prpria Lola quem atendeu ao telefone. Ela avisou que Slvio no estava, pois dava aulas naquele horrio; seria melhor marcar com ele por e-mail mesmo.

    Caroline e Tas reali-

    zaram a entrevista com o marido de Lola tambm na UFC. Para conseguir ser identificado pela equipe de produo, Slvio combi-nou que usaria uma cami-sa com o nome xadrez.

  • REVISTA ENTREVISTA | 16

    No dia da pr-entre-vista com o Slvio, choveu bastante de manh. Ca-roline ficou preocupada, pois tinham combinado de se encontrar com o marido de Lola no Bosque Moreira Campos, no CH1 da UFC. Para a alegria da produo, o sol apareceu.

    A pr-entrevista com Slvio rendeu timas hist-rias, sendo a maioria utili-zada no material da pauta. Ele contou sobre as diver-sas viagens que fizeram e confessou que Lola era uma excelente jogadora de xadrez.

    pela Internet) muito grande, na Internet. Tal-vez as pessoas tenham uma outra percepo de mim, por eu me assumir feminista. Tem vezes que vou para algum congresso, para alguma palestra que vou dar e as pessoas j falam: Puxa! Eu no pensei que sua voz ia ser to... no sei nem como a minha voz, mas no uma voz forte, dura, uma voz mais macia, no sei. Mas eu no chamo isso de preconceito. s que as pessoas tm uma viso diferente.

    Isabele Mas alguma coisa j te fez recu-ar? J te deixou com muito medo, muito...

    Carolina (interrompendo) E at com vontade de desistir, talvez, de ser feminista?

    Lola No. Outro dia outro dia no, foi ano passado, comeo do ano passado uma professora, colega minha, ao ficar sabendo de algumas das ameaas e tudo... Em janeiro eu fiz um B.O. (Boletim de Ocorrncia); tive de ir para delegacia porque as ameaas es-

    tavam meio fortes demais. Ento, ela falou: Mas porque voc continua?. E eu falo: Por que eu vou parar? Vou me calar por causa de um grupo? Eu estou certa, no estou fazendo nada de errado! Estou lutando por direitos humanos, direitos bsicos, de cidadania, no tenho nada que recuar. s vezes, a gente fica querendo fechar o blog, mas por pregui-a, porque cansativo mesmo escrever todo dia. muita coisa, voc gasta muito tempo, muita energia. Mas no por causa dos... Eles to mandando ameaa direto, falando que eu no sei como, mas eles tm meu telefone de casa, eles tm meu endereo de casa. Eu pensava que eles s tinham meu endereo da faculdade. Ficam mandando para mim, como ameaa, assim: A gente sabe onde voc mora. A gente vai te visitar logo, talvez amanh. Vai te estuprar, vai te cortar em dez pedaos, vai estuprar toda a sua famlia...

    Bruna (interrompendo) Esse B.O. que voc fez foi dirigido a um grupo especfico? Foram a essas pessoas que estavam ligando para voc?

    Lola porque tudo annimo, com-plicado. Eu sei de que grupo eles so. Mas tudo annimo. Tem grupos muito preconcei-tuosos, de extrema direita, na Internet, que

    no fazem isso s com feministas, certamen-te fazem com pessoas de movimentos ne-gros, de movimentos LGBT (lsbicas, gays, bissexuais e travestis) e tudo. A inteno de-les calar, aterrorizar, por isso tanta gente na Internet tem medo de pr as caras, de pr a foto, de usar o nome real. Tanto que, se voc usa um nome de mulher, voc j sabe que vai ser alvo de muito mais abuso verbal na Internet do que se voc tiver um avatar masculino. Mas no vou mudar! Eu no po-deria mentir, no poderia fingir ser uma outra personagem. Eu sou muito eu! E eu sou mui-to previsvel, sou muito clich mesmo, sabe?

    Bruna Voc se sente protegida?Lola Protegida no, porque realmente

    se tiver um louco que a gente sabe que tem alguns, n? eles seriam capazes de, mui-to fcil, fazer alguma coisa comigo, na rua... Em casa eu me sinto bastante protegida, sim, mas estou em uma faculdade pblica,

    qualquer um pode entrar em uma sala, com revlver, sei l. Mas tento no pensar nisso, tento pensar que no vai chegar a esse ponto se bem que durante muito tempo eu pensa-va que eram s ameaas vazias, que no fun-do ningum fazia nada, mas a Polcia Federal pegou dois lderes masculinistas santos, que so dois dos meus maiores inimigos. Pega-ram eles, a Polcia Federal investigou, pegou os dois em Curitiba, eles esto presos desde maro do ano passado (2012) e foram con-denados a seis anos e meio de priso. E eles tinham ameaado vrias pessoas, no s eu, mas o deputado federal Jean Willis (do PSOL do Rio de Janeiro), por ser homossexual, v-rias celebridades tambm. E eles tinham um site horroroso, em que eles falavam as piores coisas, de legalizao do estupro, defendiam o estupro corretivo para lsbicas, superracis-ta, homofbicos, mate um negro hoje, as piores coisas possveis. Colocavam foto de pedofilia tambm, defendiam que s pe-dofilia quando com homossexual, menina de oito anos com homem htero no pedo-filia, Voc t instruindo a menina. Coloca-vam fotos, horrvel! Colocavam todo tipo de foto que era para angariar o mximo de dio possvel. Comearam a colocar fotos at de

  • LOLA ARONOVICH | 17

    Acho que eu sempre tive muito poder por ser feminista. (...) Acho que sofri menos do que muitas adolescentes

    sofrem, escapei de boas por ser feminista

    animais mortos, de cachorro sendo estupra-do, at para cutucar mesmo o pessoal de di-reitos dos animais. Aquilo viralizou mesmo, teve 75 mil denncias na safernet (associa-o no-governamental, sem fins lucrativos, que visa promover os Direitos Humanos na Internet) e, finalmente, eles foram presos.

    Carolina O que o seu marido, o Slvio, acha dessas ameaas que voc recebe na In-ternet? Ela participa dessa vida tambm? J que foi ele quem a ajudou a criar o blog.

    Lola , ele no gosta (risos). Eu nem falo para minha me tambm tadinha (risos). No, ele no gosta, pede para eu me afas-tar mais, porque ficar falando desses caras, n? So todos loucos mesmo. Mas no tem jeito! Mesmo que eu no falasse deles, eles falariam de mim. Eu tenho um blog feminista muito... Quer dizer, o maior do Brasil, en-to, eles no conhecem nada no feminismo, conhecem uma feminista ou duas. Eles co-nhecem eu e a Solanas, a Valerie Solanas,

    que, segundo eles, um grande cone do fe-minismo, e ela era uma maluca. S ouvi falar nela, no por ser feminista, mas porque ela atirou no Andy Warhol (empresrio, pintor e cineasta norte-americano, maior expresso da Pop Art 1928-1987), s por isso tem um filme sobre isso. Mas eles juram, o pes-soal que antifeminista jura que ela foi uma grande influncia no feminismo e continua sendo uma grande influncia hoje, o que ridculo! Ningum, nunca, apoiou alguma coisa que a Solanas fez, tadinha!

    Diego Lola, e como voc conheceu o Slvio? Como foi esse encontro na sua vida?

    Lola Bom, eu jogava xadrez, tinha co-meado a jogar xadrez fazia pouco tempo e eu j estava participando um pouquinho do Clube de Xadrez de So Paulo, onde eu morava e (era) o primeiro torneio forte de xadrez que eu fui jogar e eu conheci o Sl-vio. Eu no lembro muito bem, nem ele se lembra se a gente comeou a conversar um com o outro antes da primeira rodada por-que a gente foi emparceirado na primeira ro-dada, para um jogar contra o outro ou se a gente comeou a conversar s depois do jogo. A gente no lembra mesmo. Mas ele era profissional, a vida dele o xadrez. En-to, ele ganhou de mim bastante fcil. at

    engraado, eu pergunto assim: Como que foi? Como que a gente se conheceu? Ele fala: Bom, eu ganhei o peo e a... (risos) Ento ele se lembra do jogo, ele se lembra da partida mais do que outras coisas. Foi um fim de semana e, durante cada intervalo du-rante as partidas, a gente conversava. Eu me lembro que ele, no sbado, estava de barba. E eu nunca gostei de homem com barba, bvio que eu no vou falar nada para uma pessoa que eu acabei de conhecer! Mas, no dia seguinte, ele apareceu sem barba, obvia-mente sem eu ter falado nada. E a gente foi conversando tambm no domingo... Eu o vi conversando tambm com outras mulheres, outras jogadoras. E eu acho que eu tive que tomar um pouquinho da iniciativa tambm, eu dei umas indiretas, eu tinha ouvido ele fa-lar com umas pessoas que ele ia ao cinema com elas depois do jogo. Eu falei: Ento, eu tambm gostaria de ir ao cinema, mas eu no fui convidada. Essas coisas (nesse momen-

    to, todos riem). Ele: No por isso, no por isso, voc quer ir ao cinema? Eu no vou ao cinema com ningum, voc quer? E a gente foi. Eu at lembro do filme que a gente foi ver, que era o Susie e os Baker Boys (filme de 1989 do diretor Steve Kloves). um com a Michelle Pfeiffer (atriz). E a gente no (se) en-controu no cinema, no sei o que aconteceu.

    A a gente foi num barzinho, perto da Uni-versidade de So Paulo (USP), at hoje ele lembra porque a gente pediu bolinhas de provolone milanesa e ele falou que foi o maior vexame, a gente deixou todas as boli-nhas l. A gente nunca faria isso hoje, sabe, de desperdcio! Mas a gente conversou, se deu bem. No sei como que ele adivinhou al-gumas coisas da minha vida. A gente estava falando de esportes (pensando) imagina, eu era magra, foi vinte e poucos anos antes , ele falou assim: Eu acho que voc jogava handball e era goleira. Eu: Como assim? (explicando). No um esporte to fcil para chutar e, ainda por cima, que eu era goleira. Mas eu era mesmo! E a gente comeou a se dar bem, mas, na poca, eu estava namoran-do um outro cara, que tambm era do clube de xadrez, quer dizer, era um advogado que eu conheci l no clube de xadrez. No estava bem namorando, mas eu j estava com esse

    Slvio tambm contou que leu a Revista Entrevis-ta que a produo entre-gou para Lola. Ele disse que adorou o projeto e que sentia falta de ver, na mdia, entrevistas em pro-fundidade.

    Lola tambm indicou dois alunos do curso de Letras da UFC para a pro-duo fazer a pr-entre-vista. Por contratempos, no foi possvel a realiza-o das duas.

  • REVISTA ENTREVISTA | 18REVISTA ENTREVISTA| 18

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    Mas no vou mudar! Eu no poderia mentir, no poderia fingir ser uma outra

    personagem. Eu sou muito eu!

    LOLA ARONOVICH | 19

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    cara faz um ano. (pausa) Desculpa. (corrige--se) Um ms, um ano no. Um ano no! (ri-sos de todos). Eu nunca tinha ficado muito tempo com ningum. O mximo, eu acho que eu tinha ficado dois meses, um ms, al-guma coisa assim.

    Diego (interrompendo) Por algum moti-vo especfico?

    Lola Eu acho que eu no tinha nenhu-ma vontade de ficar com um cara (por) mais tempo...

    Paulo Renato E o que o Slvio tem de especial para ter se tornado o marido?

    Lola No foi uma coisa pensada, para ele tambm foi estranho, porque ele tambm no tinha ficado com ningum por muito tempo, nunca tinha tido um relacionamento srio, realmente foi o primeiro relacionamen-to srio de ns dois. Mas eu me senti muito mal, porque, quando eu o conheci, eu estava saindo com esse cara e, mesmo assim, eu sa com o Slvio. Eu me senti mal de estar sain-do com os dois ao mesmo tempo, quer dizer, isso s aconteceu uma noite! (risos) Tanto

    que eu fiquei doente, eu fiquei fisicamente doente, faltei ao trabalho (por) dois dias, por-que voc se sente mal de ter trado. Eu no sei nem quem que eu estava traindo! Mas, no fim de semana seguinte, eu decidi confes-sar pro Slvio e j pensando que ele ia falar assim: P, que coisa, n? A gente mal se co-nheceu e voc j est mentindo para mim... Ento adeus. Eu realmente esperava que ele falasse algo assim, que ele terminasse. Eu expliquei que, na verdade, eu estava saindo com esse cara fazia um ms, mas eu no sei se eu ia ficar com ele e tambm no sei se eu vou ficar com voc (Slvio), mas eu me sinto mal de ter sado com os dois ao mesmo tem-po. E, ao invs dele ter falado aquele neg-cio: Ento, acabou. Ele falou assim: Bom, espero que voc me escolha. A eu escolhi, n!? (risos) Tem como no escolher? (garga-lhadas)

    Caroline Lola, na pr-entrevista com o Slvio, eu percebi que vocs dois so mui-to unidos, muito companheiros, e ele apoia muito na questo do feminismo. Qual a im-

    Alm das pr-entre-vistas, Tas e Caroline pesquisaram na internet para produzir o material de produo. Um dos ma-teriais encontrados foi o programa UFC Entrevista produzido, em janeiro de 2013, pela turma de Labo-ratrio de Telejornalismo da UFC.

    O nome do blog da feminista Lola Aronovich, Escreva, Lola, escreva, foi inspirado no ttulo do filme Corra, Lola, Corra do diretor Tom Tykwer de 1998.

  • LOLA ARONOVICH | 21

    estranha, porque eu falei: Bom, como que eu fao para levar a pessoa que mora comi-go? At recebi um e-mail do CNPQ (Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) ou da CAPPES(Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Su-perior) revoltante, dizendo: Ah, voc j re-cebe bolsa faz tanto tempo e agora voc veio falar. Eu falei: U, no sabia que eu tinha que falar da minha vida pessoal antes. Era a maior burocracia, no to fcil provar que mora com algum. Precisa de testemunha, ia demorar mais do que casar. Ento decidimos casar porque tnhamos pouqussimo tempo, a gente j ia viajar um ms depois.

    Isabele Lola, vocs no pretendem ter filhos. Voc acha que isso tem a ver com o pensamento feminista?

    Lola (pensativa) No sei. Na verdade, eu acho que faltou alguma coisa na nossa edu-cao, porque, no s eu, tanto meu irmo, minha irm agora eu tenho uma sobrinha, minha me finalmente (teve uma neta)... (pensando) Tadinha, ela fazia umas campa-nhas l em Joinville (municpio em Santa Catarina onde ela morou um tempo) que ela queria muito ter um neto e no vinha. Ima-gina, chegou uma hora (em) que todos os filhos dela, os trs filhos, tinham mais de 40 anos, todos j tinham tido ou estavam em um relacionamento estvel e nada de filhos. Tadinha da minha me, acho que ela j tinha at desistido. Mas, felizmente, meu irmo e minha cunhada deram um neto para ela. Ela est muito feliz. Eu e o Slvio, a gente nunca (quis), foi um das coisas que a gente teve sor-te tambm, nunca fez parte do nosso projeto ter filho. Ento, foi melhor.

    Felipe Lola, como o Slvio se comportou quando descobriu voc como uma mulher feminista?

    Lola Eu sempre fui feminista (risos). Nunca teve grandes conflitos. O Slvio uma pessoa... Parece uma pessoa calma, mas ele no muito calmo (nesse momento, olha

    Voc tenta criar uma casca grossa, no

    se comover muito a cada histria, porque so realmente muitos relatos que chegam, mas s vezes no d,

    terrvel!

    portncia do Slvio na sua vida?Lola Ah, ele superimportante! Eu nem

    consigo me imaginar sem ele. Eu sei que a gente no deveria ser to dependente de nin-gum. Mas foi uma coisa meio sem querer, no foi nada pensado, nem queramos casar mesmo legalmente, s casamos mesmo faz seis anos, eu acho. A gente no comemora a data do nosso aniversrio de casamento, porque no foi o dia que nos conhecemos, que foi 13 de agosto de 90, um nmero re-dondo, fcil de lembrar. (pensando) Mas, no, 13 no! Onze de agosto! (corrige-se) Ele no pode ver isso! (Nesse momento, todos riem) Sempre erro a data. Mas foi 11 de agosto. A gente no comemora o dia que casamos. A gente casou porque eu estava saindo para o Doutorado Sanduche, eu fiz um ano de doutorado sanduche em Detroit (cidade localizada nos Estados Unidos), e o Slvio, obviamente, estava querendo muito ir para l. E tambm no tnhamos como fi-car um ano (longe). Um ano muito tempo longe! A gente decidiu... Foi uma coisa meio

    Quando estavam pro-duzindo a pauta, Caroline e Tas no conseguiram pensar na ltima pergun-ta. Por isso, ela foi decidi-da por todos os alunos do Laboratrio de Jornalismo Impresso.

    Na reunio de pauta, todos estavam muito an-siosos. Diego at brincou dizendo que o Professor Ronaldo parecia o mestre dos magos (Personagem da animao A Caverna do Drago 1983 1985), pois ele indicava a direo, mas no mostrava o caminho.

  • REVISTA ENTREVISTA | 22

    Como Lola preferiu rea-lizar a entrevista na UFC, o professor Ronaldo Salgado reservou a sala de redao, do CH2, pois tinha uma melhor acstica para a gra-vao.

    Um dia antes da entre-vista, Caroline enviou um e-mail para Lola para lem-br-la do compromisso s 15h. Ela disse que achava que seria s 18h e que po-deria ter uma reunio na UFC no dia 9. Mas no ti-nha certeza e responderia assim que soubesse.

    para Caroline, que faz parte da produo e fez pr-entrevista com o Slvio). Ele estoura s vezes. Mas ele uma tima pessoa, real-mente. Uma das coisas que me atraiu nele, fora o senso de humor, de como ele uma pessoa extremamente tica. Sempre foi uma das pessoas com menos preconceitos que eu conheci na vida. No via preconceito nenhum nele, (e) no vejo at hoje! Contra nada, nada (nfase). uma coisa admirvel. A famlia dele muito conservadora, mas ele nunca manifestou absolutamente nenhum preconceito. Ento fica mais fcil lidar. Ele uma pessoa que evita conflitos. Por exemplo, ele ateu, sem dvida alguma ele ateu, mas voc acha que ele vai falar para algum: Eu sou ateu? Sabendo que vai chocar, ele no fala nada, prefere no falar. Ele tambm no vai falar que feminista...

    Bruna (interrompendo) Ento ele no assume esse rtulo de feminista? Voc acha que porque ele no quer mesmo?

    Lola Eu acho que ele no gosta de assu-mir muitos rtulos.

    Carolina (completando) Faz parte da personalidade dele.

    Lola , de evitar conflito. Ele vai ser sem-pre aquele tipo de pessoa que vai falar deixa para l. Ento difcil voc acabar com uma pessoa como eu, que no sou deixa para l (risos). Mas fazer o qu? Acontece! Ele lida numa boa.

    Paulo Renato Voc comeou a dar aula

    antes mesmo de se formar, voc sabia ingls e passou a dar aula. Como foi a construo da persona Lola professora?

    Lola Quando eu fui para Joinville, eu fi-quei bastante tempo sem fazer quase nada. Estava tentando lidar com a perda do meu pai, que foi difcil. E acho que eu nunca tive depresso mesmo, mas foi difcil. E depois de um tempo eu decidi: Bom, eu quero voltar a dar aula como bico, no como ati-vidade principal. Eu j estava com 30 anos e a nica coisa que eu sabia (fazer) era falar ingls, mais nada. Toda vez que eu perdia um emprego tambm nunca tinha ficado num emprego muito tempo , cada vez que eu mudava de emprego, eu pensava em dar aula de ingls. Eu ia para uma escola, fazia o treinamento, no gostava do treinamento, abandonava no meio e voltava a um outro emprego. Mas aconteceu de ter uma escola que eu gostei l em Joinville, era uma escola que no era uma franquia, gostei da metodo-logia e comecei a dar aula l. Gostei muito! Gostava dos alunos, gostava do mtodo, foi legal. Era complicado porque a nica coisa que eu achava que eu tinha era o ingls, no tinha mais nada. No sabia nada sobre dar aula. E tambm vi que no d para ser pro-fessor em meio perodo, () meio complicado, no um bico. (dedicao) integral. Ento eu decidi ir atrs de fazer curso, participar de vrios congressos de professores de ingls, fiz uma ps, uma especializao em ingls.

  • LOLA ARONOVICH | 23

    muito mais fcil voc dominar gente que no se gosta, gente que

    no aceita seu cor-po, que tem baixa

    autoestima, do que outras pessoas

    S que eu no tinha graduao, porque eu nunca tinha terminado o curso de Propagan-da em So Paulo. Decidi voltar a estudar e fiz Pedagogia. Na verdade, eu s fiz pedagogia porque eu queria fazer o mestrado e ia ser a primeira vez que eu ia estudar por prazer, es-tudar s o que eu queria mesmo, que era Lite-ratura, Cinema, Ingls. Assim que eu terminei a graduao, eu fui fazer o Mestrado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Eu fiz o Mestrado e (depois) o Doutorado.

    Caroline Falando de Cinema, antes de voc comear a escrever sobre feminismo, voc fazia crticas de cinema. Nessas crticas, havia uma relao feminismo/cinema?

    Lola Totalmente! (explicando) Minhas crticas de cinema que eu prefiro ainda cha-mar de crnicas de cinema, porque eu mistu-ro muitas coisas que algumas crticas srias no fariam. Dilogos com o marido, reao do pblico na sala de cinema. Mas tudo feminista, sem dvida. Tanto que os meus maiores desafetos eu fui crtica de cinema para o jornal A Notcia de Santa Catarina du-rante 14 anos... As maiores crticas que eu re-cebia eram justamente por eu ser feminista. E de esquerda, que est muito ligado! Voc sente que a pessoa que tem uma ideologia bem diferente da sua, automaticamente te odeia (risos) porque voc representa tudo o que ela combate, digamos. Mas sempre foi tranquilo!

    Mikaela Lola, voc comeou a escre-

    ver na Internet crticas de cinema, no foi? Eu queria saber como em vez de crticas de cinema voc comeou a escrever sobre o fe-minismo...

    Lola Na verdade, eu escrevia primeiro no jornal. Foi uma coisa totalmente sem que-rer. Em 1998, eu mandei uma crtica que eu tinha escrito sobre Amistad (1997), aquele filme do Spielberg (nfase) que eu odiei. Ento mandei a crtica de cinema para o jor-nal A Notcia, que o segundo maior jornal de Santa Catarina. E, naquela poca, era bem jornal de Joinville. Eles publicaram a crtica (pensativa) pessoal esquisito, no respon-de e-mail, mas publica a crtica junto com uma crtica do Estado falando bem do fil-

    Caroline ficou ansiosa pela resposta e pergun-tou para a turma se a en-trevista poderia mudar de horrio. Felizmente, Lola avisou que a reunio no iria acontecer.

    No dia da entrevista, Caroline e Tas ficaram esperando Lola na cala-da da Universidade, mas voltaram vrias vezes sala de redao para avi-sar que nem Lola nem a fotgrafa, Gabriela Cust-dio, haviam chegado.

  • REVISTA ENTREVISTA | 24

    Sempre que a equipe de produo entrava no local da entrevista, todos os demais alunos imedia-tamente ficavam em siln-cio, pois imaginavam que a equipe j estava trazendo Lola.

    No dia da entrevista, alguns alunos tambm es-tavam bastante nervosos, pois, noite, teria o show do cantor Paul McCartney (ex-integrante da banda de rock britnica The Bea- tles). Era a primeira vez que o msico se apresen-tava em Fortaleza.

    me. No queriam uma crtica s falando mal. Continuei escrevendo, mandava para eles, algumas eles publicavam, algumas no. No ligavam para mim de jeito nenhum! Mudava de editor. (pausa)

    Finalmente, como tinham vrias crticas que eu tinha mandado, e eles no tinham pu-blicado, eu parei de mandar. Eu recebi um te-lefonema do editor do anexo, o segundo ca-derno cultural do A Notcia falando: Por que voc parou de mandar as crticas? Eu falei: Porque vocs pararam de publicar, u! Ele: No, a gente quer publicar, vem aqui falar com a gente. Eu fui falar com eles, fui bem paparicada. O pessoal (ficava) falando as-sim: Todo mundo queria saber quem voc , porque raro algum que no jornalista escrever bem. (risos) A gente conversou, e eles comearam a me pagar alguma coisa, no muita coisa. Passou por um monte de editores, eu demorei muito para ter uma co-luna. De repente, me chamavam para escre-ver tambm em outros cadernos. Foi muito legal! Eu escrevi um tempo para AN Cidade, AN Vero, (l) voc tinha um pblico bem di-ferente das crticas de cinema. Foi legal.

    Mas eu comecei a contribuir com um blog um site, porque no era um blog com as mesmas crticas que eu publicava desde 1998. Eu comecei a contribuir com esse site desde 2000, e fiquei republicando essas cr-ticas no site durante sete anos praticamente. Por comodismo mesmo, porque eu sempre quis comear um blog, mas eu ficava adian-do. Chegou um dia que no dava mais, por-que eu tambm comecei a colaborar com outro blog de um amigo meu. E esse outro site falou assim: No pode colaborar com os dois, voc que decide com qual voc vai ficar. E, ao mesmo tempo, no estava gos-tando do outro blog, porque era um blog de cinema de ao, de quadrinhos... No tinha nada a ver comigo. No tinha nem o retorno dos leitores eu recebia, de vez em quando, e-mails dos leitores do jornal, mas dos blo-gs em si, quase nada. Eu falei: Bom, eu no vou ficar com nenhum, vou comear o meu prprio blog. Mas eu no sabia como fazer isso e tambm no tinha tempo, porque eu estava em Detroit fazendo o doutorado san-duche. Eu pedi para o Slvio aprender as coi-sas bsicas de comear um blog, ele apren-deu e me passou. E, rapidamente, os leitores comearam a me ensinar tambm. (pausa)

    A transio para o feminismo no teve transio nenhuma, porque eu acho que as minhas crticas j eram bastante feministas. E eu tambm comecei o blog para poder falar sobre o que eu quisesse, para ter um blog pessoal, para no ter nenhuma amarra edi-torial de: Isso aqui no pode. Na poca, eu

    estava lendo O Mito da Beleza (livro da escri-tora Naomi Wolf) tambm, ento comecei a falar algumas coisas do livro, comecei a falar vrias coisas relacionadas ao feminismo. E, cada vez mais, isso atraa pessoas, vinha mais gente querendo falar sobre esses assuntos. No comeo, eu era totalmente sem noo, fa-zia trs posts por dia! Trs posts! (abismada). (pausa) Foi muito legal, porque em um ms de blog j tinha mais comentrios do que em sete anos naquele site. Para quem escreve, o feedback dos leitores fundamental. A gente quer saber o que os leitores esto pensando.

    Diego Lola, voc disse que o Slvio aju-dou a construir o blog. Ele afirmou, na pr--entrevista, que voc s virou feminista, de fato, na concepo dele, depois do blog. Ele j falou isso para voc?

    Lola No, mas, certamente, foi uma for-ma de estruturar o meu feminismo. Eu, real-mente, acho que eu sou feminista desde os oito anos de idade. diferente, eu realmente nunca tinha escrito sobre feminismo, ento quando voc vai colocar todas aquelas ideias no papel, voc comea a estruturar melhor as suas ideias, a ir atrs. Concordo. Eu mes-ma falo isso tambm que no que eu virei feminista depois do blog, mas certamente o meu feminismo ficou muito diferente depois dele, ficou uma coisa um pouco mais articu-lada, responsvel, minimamente profissio-nal, eu acho.

    Bruna Voc recebe muitos pedidos de ajuda, pessoas que mandam histrias para voc. Teve alguma dessas histrias que a marcou muito?

    Lola (pensativa) , no sei... que so tantas. Eu estou tentando publicar trs por semana...

    Bruna (interrompendo) Como voc faz essa escolha do que vai ser publicado ou no? Tudo o que vier?

    Lola No, no tudo. Porque tem coisas que so meio bobas, eu agradeo. Eu tento publicar coisas contraditrias... Por exemplo,

    Voc sente que a pessoa que tem

    uma ideologia bem diferente da sua, au-

    tomaticamente te odeia porque voc representa tudo o que ela combate

  • LOLA ARONOVICH | 25

    obviamente eu sou feminista, ento eu sou a favor da legalizao do aborto. Mas uma mulher mandou um post imenso sobre por que ela era contra o aborto. T, no concor-do com uma palavra que ela disse, mas eu fa-lei: Olha, eu posso publicar, a nica coisa que est enorme isso daqui, tem cinco folhas aqui no word. No d! Se voc conseguir re-duzir isso aqui para uma pgina e meia, eu publico. Sem problemas. Claro que vai ser superpolmico, ningum vai concordar com voc em um blog feminista, mas eu publico. Ela falou: Ah, no d para reduzir para uma pgina e meia. (nfase) Ento no d! Sinto muito, mas no vou publicar um manifesto contra o aborto. Mas so realmente muitas histrias. Eu tento variar um pouco para no publicar sempre a mesma coisa. Eu acho que o que eu mais recebo so histrias de horror mesmo. Relatos de estupro, de abuso sexu-al... Eu tento no publicar tudo de uma vez, porque eu no quero que o meu blog seja monotemtico e a gente s fale de estupro, por exemplo. Eu gostaria tambm que o meu blog fosse uma coisa mais leve, ento eu ten-to publicar algumas coisas relacionadas com o humor sempre que pode... Tento variar um pouco!

    Felipe Lola, o seu blog considerado o maior blog feminista do Brasil. A grande maioria dos leitores so adolescentes. Como voc se sente sendo influncia to grande para esses jovens?

    Lola , no sei se so adolescentes... Setenta por cento, pela ltima pesquisa que eu fiz tinham menos de 30 anos. E tem mui-ta gente que tem 12 anos (impressionada), menos de 12, eu fico muito impressionada

    com isso. Eu tento (pensativa) ter um pouqui-nho de cuidado, s vezes eu me lembro (de) que eu estou escrevendo para adolescentes. Mas, o que eu posso fazer? Eu sei que eu tenho uma influncia e eu s falo o que eu acredito. Eu tento tomar muito cuidado com um monte de coisa, mas, no sei (pensativa). s vezes eu no tenho a dimenso da influ-ncia que eu causo. Muitas vezes eu recebo e-mail... Teve agora uma leitora, muito fofi-nha, que mandou um e-mail falando que ela decidiu parar de beber por minha causa (ri-sos). Quer dizer, eu nunca fiz propaganda de parar de beber. (pensativa) Eu s no bebo e eu defendo que ningum deve ficar bbado tambm, mas nunca fiz propaganda disso. Mas ela decidiu parar de beber por minha causa. Fico feliz, mas no estou...

    Bruna (interrompendo) Voc se sente conselheira das pessoas?

    Lola Eu me sinto muito mal porque eu recebo muitos e-mails, e tem muitos e-mails que eu no consigo responder. Eu no dou conta. triste isso, porque as pessoas se sentem prximas de voc e elas sentem que se voc no responder o e-mail porque voc teve alguma coisa pessoal contra o e--mail. Sabe, muito triste isso. Gostaria de responder todos os e-mails, mas no d! (n-fase) No d!

    Diego Lola, por ter tido contato com a escrita at hoje, voc algum dia pensou em ser Jornalista?

    Lola Ah, pensei. Eu gostaria de ser Jor-nalista! Quer dizer, eu me considerei. Duran-te muito tempo, eu escrevi em jornal durante 14 anos. Chegou uma hora (em) que eu ti-nha duas colunas no Jornal. Eu gostaria (de

    A foto da turma com a entrevistada era algo que estava preocupando toda a equipe, pois como Ca-rolina precisaria sair mais cedo para ir ao show, a imagem tinha de ser rea-lizada antes da entrevista.

    A fotgrafa chegou pouco antes do incio da entrevista, para alvio da produo. Lola chegou pontualmente s 15h e foi logo levada sala em que estava a equipe.

  • REVISTA ENTREVISTA | 26

    Caroline e Tas que-riam comear imediata-mente a entrevista, mas o professor Ronaldo Salga-do pediu que fosse dado um tempo para Lola beber gua e descansar mais para o incio das pergun-tas.

    Tas apresentou cada participante da revista professora, explican-do tambm como seria organizada a entrevista. Logo em seguida, pediu a todos que sassem da sala para tirar a foto da turma.

    fazer Jornalismo), mas, na hora de escolher uma graduao, eu no tive muita escolha, porque eu trabalhava das duas s dez todo dia. noite, porque o horrio que tem mais aluno de ingls. E, na poca, pelo menos em Joinville eu acho que ainda hoje s tinha curso de Jornalismo noite. Letras tambm s tinha noite. Ento, eu escolhi Pedagogia porque no tive muito escolha mesmo. Mas eu gostaria!

    Brbara Mas assim que voc terminou o ensino mdio, optou pelo curso de Publicida-de. O fato do seu pai ter a mesma formao influenciou de alguma forma?

    Lola Acho que sim, porque eu admirava demais o meu pai. Se bem que eram reas totalmente diferentes, porque ele estava em Marketing, pesquisa, e eu fui para criao, fui ser redatora publicitria. Publicidade, mas totalmente diferente. No foi tambm uma escolha muito acertada.

    Isabele Eu sei que voc feminista des-de os oito anos, que a sua trajetria toda mostrava que voc j seria uma pessoa di-ferente, uma pessoa importante. Mas voc imaginou algum dia na vida tudo isso?

    Lola No! Nunca, de jeito nenhum! Nun-ca imaginei que o blog faria (nfase) tanto

    Para quem escreve, o feedback dos leitores fundamental. A gente quer saber

    o que os leitores esto pensandosucesso... Era um blog pessoal. Como eu fa-lei na pr-entrevista, eu fiquei muito tempo com o blog mais ou menos nas 30 mil, 40 mil visitas por ms. E achando bom! Ficou quase dois anos sem passar desse patamar. Eu pensava: Bom, no to ruim para um blog feminista, isso deve ser o limite. Acho que acima disso no vai porque um nicho de mercado, pouca gente. Mas (pensativa) foi crescendo, foi crescendo mesmo. Com o Twitter j cresceu muito... Foi crescendo, e hoje tem 300 mil visitas por ms.

    Isabele O que voc acha que fez a dife-rena, fez crescer. Voc acha que tem a ver com alguma polmica? Com a questo de notoriedade por alguma polmica?

    Lola (pensativa) Bom, fez uma diferen-a eu entrar no Twitter. Isso fez muito, no sei por qu. Talvez se eu tivesse coragem de entrar no Facebook... Coragem eu digo porque eu no tenho tempo mesmo. Mas talvez aumentasse o nmero de visitas, no sei. Certamente a polmica que eu tive com o (jornalista) Marcelo Tas jogou o meu blog para um outro patamar. Quer dizer, eu estava com 95 mil visitas em maio e, naquele ms com (a briga com) o Marcelo Tas, tive 320 mil visitas. Mas depois voltou e ficou um tempo

  • LOLA ARONOVICH | 27

    em umas 150 (mil). Certamente foi um pulo de quase cem mil para 150 mil. S que o que fez pular de 150 para 300 mil nos ltimos seis meses, oito meses eu no sei. Acho que um pouco de boca a boca... (pensativa) Eu realmente no sei.

    Paulo Renato Lola, como foi essa pol-mica com o Marcelo Tas?

    Lola Eles tinham feito um programa no CQC (Programa Custe o que Custar veicula-do pela emissora BAND), que nem era um programa na televiso, era aquele depois do CQC na Internet...

    Paulo Renato (completando) 3.0.Lola , isso mesmo. que eu no as-

    sisto! Eles fizeram um programa horroroso, que falava contra a amamentao em pbli-co... Era o Rafinha (Rafinha Bastos, jornalis-ta e humorista) na verdade. O Rafinha ainda trabalhava l, ento ele estava respondendo cartas de leitores e algum perguntou: O que voc acha dos mamaos? E os mama-os estavam um pouquinho na onda na-quela poca, porque (pensativa) uma mulher que estava amamentando foi convidada a sair ou foi convidada a ir ao banheiro em um Instituto em So Paulo. E as mes logo orga-nizaram um mamao, que era um protesto... tipo beijao, uma coisa muito legal! Voc leva os bebs e amamenta em pblico. muito legal. (pensativa) Ento, o Rafinha, que um reaa, falou que ele acha tudo isso rid-culo. Ele acha qualquer manifestao pbli-ca ridcula (nfase). bvio. Acha que coisa de vagabundo... E comeou a falar contra a amamentao em pblico. Eu fiquei indigna-da com aquele programa e escrevi um post no dia seguinte chamado CQC, vai pra PQP falando que era revoltante.

    Uma das bandeiras da nossa luta a li-berdade pelo nosso corpo, a liberdade que o corpo nosso e a gente pode fazer o que qui-ser com ele. Ento, a gente quer ter a liberda-de de amamentar em pblico, (quer) que os seios no sejam vistos s como uma coisa

    sexual. Os seios tm outras funes tambm e uma delas amamentar. No mesmo dia eu recebi um e-mail do Marcelo Tas dizen-do que ele no tinha falado de jeito nenhum que ele era contra a amamentao. A eu fa-lei: Realmente voc no falou que era contra a amamentao, mas falou que era contra a amamentao em pblico, quer dizer, com todas essas brincadeiras... E eu acho que voc ser contra a amamentao em pbli-co, direta ou indiretamente, voc contra a amamentao porque voc est dizendo que a mulher no pode sair de casa, no pode-ria trabalhar, ela teria que ficar em um lugar reservado para amamentar. Ele mandou um outro e-mail... Ele queria que eu retirasse (o post). O texto (nfase) est igualzinho como foi publicado, at hoje. No tem nada (dife-rente)! Sabe, no tem nada! Alis, eu s cito o Marcelo Tas duas vezes, mas eu falo contra o CQC em geral. Eu falei: Olha, no vou mu-dar nada, no vou retirar nada porque como voc fala que no faz parte do CQC? Eu acho que voc o principal nome do CQC. E voc est querendo falar que no tem nada a ver com o programa? No estou entendendo! Ele mandou um outro e-mail falando: Voc vai aprender atravs de um processo a ser mais responsvel com as suas palavras. O que a maior parte das pessoas faz em uma situao dessas quando ameaada de pro-cesso? A pessoa tira o post rapidamente, nunca mais vai falar do CQC na vida. J vi gente deletar o blog depois de uma ameaa dessas. Eu no fiz isso! Eu mandei uma men-sagem no Twitter para os meus seguidores falando: Gente, olha s que interessante! O Marcelo Tas est ameaando me processar. O pessoal: Como? Como que isso? No dia seguinte, eu publiquei o post Liberdade Relativa Marcelo Tas quer me processar dizendo que se ele tinha direito de falar um monte de coisas no CQC, eu tinha total direi-to de criticar as besteiras que ele fala, que se ele quiser processar, pode vir. (pensativa) Ele nunca mais tocou no assunto, pegou muito mal para ele, foi muito ruim.

    Felipe Lola, voc foi proprietria de uma Agncia de Casamentos. Alguma vez o seu posicionamento feminista interferiu nesse trabalho?

    Lola Pois , tive uma Agncia de Casa-mento durante trs anos, dois anos... Foi le-gal, eu tinha pesquisado um pouquinho em So Paulo antes de me mudar para Joinville sobre como que seria isso. E era uma chance de trabalhar em casa tambm! Lembrem-se que isso era um pouquinho antes da Inter-net, ento as chances de trabalhar em casa eram pequenas naquela poca. Foi legal, foi bacana enquanto durou, mas no dava muito

    Aps alguns minutos do incio das perguntas, a equipe de produo ficou bastante preocupa-da, pois achou que a en-trevista duraria menos do que as duas horas inicial-mente previstas.

    Toda a equipe conse-guiu seguir a pauta e a en-trevista foi organizada exa-tamente da forma como havia sido estabelecida pela turma, durante a reu-nio na sala de aula.

    Uma das bandei-ras da nossa luta a liberdade pelo

    nosso corpo, a liber-dade que o corpo nosso e a gente pode fazer o que quiser com ele

  • REVISTA ENTREVISTA | 28

    Carolina precisou sair na metade da entrevista, pois iria fazer a cobertura do show de Paul McCar-tney. Gabriela tambm precisou sair mais cedo para ir apresentao do cantor.

    Pouco antes de fi-nalizar as duas horas de entrevista, Caroline olhou para Tas para saber quan-to tempo ainda tinham. Faltavam somente dez minutos. Caroline ficou ansiosa para fazer a ltima pergunta.

    certo. Quer dizer, eu acho que eu juntei al-guns casais, mas aquele negcio, o pessoal morre de vergonha. Ningum vai falar que se conheceu atravs de uma agncia de casa-mento. Nunca. Se voc encontra uma pessoa dessas no shopping, ela no fala com voc. estranho, (pensativa) mas foi legal. O cha-to era assim, difcil mesmo para mulheres acima de uma certa idade, acima de 40, 45 anos. A procura por mulheres dessa idade bem baixa. Voc tem homens de 45 anos que no querem uma mulher de 40 anos, querem uma mulher de 20, 25...

    Tinha esse problema, eu acho que a maior parte das pessoas que procuram uma Agn-cia de Casamento, uma grande parte, so mulheres nessa faixa etria, acima dos 45 anos. E o quem voc tem para apresentar para elas bem limitado. Infelizmente. So mulheres que acreditam no amor, que que-rem encontrar um novo companheiro, (pen-sativa) so pessoas boa gente. Ento voc quer apresentar algum para elas! Mas complicado. O chato tambm que mulhe-res de certa faixa etria no querem tambm qualquer um. aquele negcio, j ouvi vrias vezes: Se no tiver carro, nem me apresen-ta. (nfase) Eu acho horrvel isso! Se no ti-ver carro, no me apresenta. Para os homens tinha a questo inversa, que era assim: Ai, eu quero uma loira, alta, magra... Eu s falta-va responder: S um minuto que eu vou ver se eu tenho na estante! (risos) Porque era to especfico assim, mas no eram todos, s que voc acaba caindo nesses clichs. Era interessante, porque mulher mais jovem no estava nem a com a classe social, quer dizer, todo mundo era mais ou menos de classe mdia, mas a mulher mais jovem... Nenhu-ma mulher mais jovem falava: Se no tiver carro, no me apresenta. Mas mulher mais velha fala sempre.

    Isabele Voc tem alguma histria inte-ressante dessa poca?

    Lola Ento, eu acho que eu casei algu-mas pessoas, acho que tem uns quatro ca-

    sais que eu formei, fiquei feliz... (pensativa) Mas eu no me lembro muito bem, foi bom enquanto durou. O que eu me lembro, uma coisa interessante que eu me lembro, foi uma lio que eu aprendi para eu no me pautar pelos meus gostos pessoais. Teve um dia que uma mulher foi l (na Agncia de Casa-mento), era l em casa. Ela foi l com uma amiga, conversou comigo, mas no escolheu na Agncia. E eu pensei, quando ela estava saindo, eu pensei: Ainda bem, porque essa mulher muito feia! Ela muito feia, tadi-nha! Eu no vou conseguir arranjar ningum para ela. Eu fiquei mal impressionada com aquela mulher. Enfim, assim que ela estava saindo, entrou um senhor mais ou menos da mesma faixa etria dela, mais de 50 anos. A primeira coisa que ele me falou, quando a mulher saiu (foi): Aquela galega l est na Agncia? (surpresa) Quer dizer, ele j ficou interessadssimo! (risos) aquele negcio, no se deixar s se guiar pelos seus gostos pessoais. Saber que o universo muito mais amplo do que o seu umbigo e que s porque voc no acha aquela pessoa bonita ou inte-ressante, no quer dizer que outras pessoas no vo achar. Isso foi uma boa lio...

    Paulo Renato (interrompendo) Lola, voc fala sobre gostos pessoais. Eu pensei em perguntar isso quanto ao seu gosto pes-soal em relao a si mesma. Voc se consi-dera bem em relao sua aparncia, ao seu corpo?

    Lola (pensativa) Ento, a Naomi Wolf me ajudou muito (risos). complicado, eu sem-pre fui gorda, quer dizer, desde a minha pu-berdade. Eu fui uma criana magra, mas as-sim que comeou a minha menstruao, eu rapidamente (engordei)... Claro que voc vai engordando aos poucos, mas eu lutei contra a gordura durante muito tempo. Fiz um mon-te de coisa, um monte de tratamento... E s consegui emagrecer mesmo, o nico jeito, tomando remdio para emagrecer. Aqueles remdios que agem no crebro para con-trolar o apetite. E tomei um remdio desses durante sete anos, para mim foi bom, quer dizer, eu no tive nenhum efeito colateral, eu consegui emagrecer, mais pro final eu estava tomando bem pouquinho, eu tomava uma vez por semana s. Estava conseguin-do manter o peso. Mas, quando eu fui para Joinville no tinha como um remdio desses durar dois anos, porque Joinville a terceira cidade mais mida do Pas, ento voc no tem um remdio que vai durar mais do que dois meses, de jeito nenhum! Desses de cp-sulas, porque as cpsulas mudam... Ento acabou. Acho que foi ao mesmo tempo (que) o Serra (Jos Serra, ex-ministro da Sade no Governo de Fernando Henrique Cardo-

    Nunca tive nenhuma inteno de ser Miss Brasil, eu acho que so

    poucas as mulheres que podem ser Miss

    Brasil

  • LOLA ARONOVICH | 29

    so 1995 2002) lanou uma nova medida, como Ministro de Sade, que no permitia, quer dizer, cada remdio para emagrecer, eu acho, tinha de ter um componente em cp-sulas separadas. E eu sempre tive um proble-ma psicolgico para engolir cpsulas... Ento acabou!

    Claro que eu no engordei tudo de uma vez, fui engordando mais e mais. (pensativa) Eu gostaria de ser magra para sempre, mas eu aprendi um monte de coisa. Eu realmente preciso emagrecer, eu preciso deixar de ser sedentria... Mas eu acho que realmente tem a ver com sade mais do que com aparncia. Nunca tive nenhuma inteno de ser Miss Brasil, eu acho que so poucas as mulheres que podem ser Miss Brasil. Mesmo que eu fosse magra, eu tenho um metro e sessen-ta, eu no tenho altura para ser Miss Brasil (risos). Sem falar que eu tenho 45 anos tam-bm... Enfim, eu acho que nenhuma mulher precisa ser bonita, legal ser bonita, legal estar dentro do padro de beleza, mas eu me sinto bem como eu estou. Hoje em dia, eu me sinto bastante bem.

    Paulo Renato Lola, nas suas postagens, eu percebo que voc trabalha sempre esse tema de que voc no deve defender s aquilo que . Fala que voc defende negro, mesmo sem ser negra. Defende a lsbica, mesmo sem ser lsbica. Como foi a constru-o dessa sua conscincia?

    Lola Isso foi muito cedo mesmo. Eu me lembro de quando eu tinha, sei l, dez anos, 11 anos, que minha me falou assim: Senta aqui! E ela colocou Construo do Chico Bu-arque para tocar. E eu nunca tinha (ouvido) uma msica com aquele tipo de conscincia social como Construo. Ento eu chorei. Chorei, fiquei comovida com aquilo e claro que eu j me identificava, seno eu no teria chorado... Eu sempre me identifiquei muito com a esquerda, de modo geral, para mim foi simples. Se eu for s falar de mim, eu no vou falar de nada porque a minha vida mui-to boa. A minha vida tima! Eu, certamen-te, sou privilegiada em tantos aspectos... Se-ria mais fcil no ter blog ou seria mais fcil ter um blog sobre algum assunto mais bobo, sobre animais, mas no sobre direitos de ani-mais, mas (sim) sobre pet shop. Seria mais fcil ter um blog assim, mas no d! Eu sou como eu sou, e eu gosto! Eu gosto de falar dessas coisas.

    Caroline Lola, a gente j est chegan-do ao final da entrevista. Durante quase duas horas, a gente descobriu os motivos que a levaram a ser feminista e levantar a bandeira do feminismo. Agora, a gente gostaria de sa-ber o que a motiva a continuar levantando a bandeira do feminismo ao longo da sua vida.

    Lola (pensativa) Eu no sei. Acho que eu viciei no blog (risos). Eu no consigo, por mais que muitas vezes eu pense em parar, penso: Ah, eu preciso dar um tempo, pre-ciso me dedicar mais inclusive vida aca-dmica, eu preciso publicar artigos acadmi-cos. No sobra tempo para nada mesmo. Eu acho difcil, eu j me associei muito a tudo isso, ento fica complicado para eu sair dis-so... Eu vou continuando, vou continuando mais por comodismo (risos). Mas mudando, aprendendo muitas coisas. Eu aprendo mui-ta coisa, isso timo. Eu recebo muito cari-nho, o carinho tambm vicia! Eu sou muito convidada para dar palestras em muitas uni-versidades, e eu sou sempre muito bem re-cebida nesses lugares. Ainda um choque para mim porque s um blog! (risos) Mas eu acho que o blog, por ser uma coisa diria, no depende de mdia, voc acaba criando um entrosamento entre o escritor e o leitor que muito grande. Eu acho que no exis-te (esse entrosamento) em outros meios, uma coisa estranha mesmo, mas as pessoas acabam se sentindo mais prximas de voc, como se voc fosse um amigo... No como o jornalista que est escrevendo no jornal. um outro tipo de relacionamento, principal-mente se voc responde, interage com os leitores. Isso timo!

    Eu quero publicar alguns livros, j publi-quei um, quero publicar outros relacionados com o feminismo. Quero continuar falando com as pessoas diretamente sempre que me convidarem ou quase sempre, apesar do trabalho que d porque muito traba-lho... Trabalho de formiguinha mesmo, voc comea a ter algum tipo de influncia sobre as pessoas com quem voc convive... A gen-te comea a mudar o mundo sim, eu acho. Eu vejo muito a diferena nos ltimos cinco anos, no estou falando por causa do meu blog, de jeito nenhum, mas eu vejo essa dife-rena nos ltimos cinco anos de como o fe-minismo vem crescendo! Estudos de gnero agora uma constante, qualquer universida-de tem estudos de gnero. Cinco anos atrs tinha, claro, mas no com essa intensidade que tem hoje. Acho que uma tendncia irreversvel, a gente j est levando agora o feminismo para dentro das escolas. A gente gostaria que tivesse uma disciplina de estu-dos de gnero, de diversidade dentro das es-colas, seria timo! Mas enquanto a gente no consegue isso, a gente est indo nas escolas, est fazendo palestras e est, pouco a pouco, reagindo! Acho que est bom!

    Aps a entrevista, Ca-roline contou para Lola que se esqueceu de fazer a pergunta do Bis, uma histria que Slvio contou na pr-entrevista. Ela deu risada e disse que ele era muito fofinho.

    A histria do Bis ocor-reu em um dia que os dois brigaram. Para reconquis-t-la, Slvio colocou vrios chocolates Bis pela casa e deixou um bilhete escrito: De onde veio isso, tem mais. Lola descobriu, de-pois, que o onde era o supermercado.

  • REVISTA ENTREVISTA | 30

    Depois da entrevista, Bruna falou que a deciso de fazer a tatuagem do smbolo do feminismo foi influenciada pelo livro O Mito da Beleza da escrito-ra Naomi Wolf e tambm pelo blog Escreva, Lola, Escreva.

    No dia das mes, 12 de maio de 2013, Lola fez uma postagem no blog que fa-lava sobre a entrevista re-alizada trs dias antes. Ela escreveu sobre o projeto e contou a histria do Bis.

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  • REVISTA ENTREVISTA | 32Carri Costa

    Ator, diretor e produtor teatral

  • Entre o serto e o palco, a expresso se faz presente no menino-homem que a prpria arte

    Sob a luz regozijante dos refletores do Teatro da Praia, em Fortaleza, encontra-se Carlos Rinaldo Costa Moreira o Carri Costa do respeitvel pblico. O cenrio de portas o pano de fundo de um universo de pos-sibilidades que se abrem com a presena do artista no palco. Carri Costa figura de puro sentimento e de expresso. Entre cruzadas e descruzadas de pernas, uma ansiedade que muito mais uma vontade. nsia de se doar. Difcil at imaginar se ele no vai fugir por uma dessas portas. Afinal, Carri tem o mun-do no lar; o palco a sala de estar. Constante travessia, ele faz questo de nos arrastar por um caminho de lutas e paixes. Agora somos todos espectadores do bom anfitrio que se desnuda, acolhe, encanta, envolve, educa e modifica.

    O menino-homem uma exploso. o sangue do cabra forte sertanejo fluindo com demasiado vigor pelas veias artsticas de um moleque criativo, intenso e apaixo-nado. possvel sentir o cheiro de carvo e de cocada em meio terra batida do serto de Pacajus (municpio cearense) adentrando s ntidas memrias de Carri. Sempre en-veredando e encontrando a arte. A voz so-nora e potente de repente se acalma. Parece anestesiar-se em meio a lembranas de pin-turas e de traquinagens de um menino da rua. No moleque, uma nica, mas pretensio-sa aspirao: ser feliz.

    Entre cerceantes barreiras de dogmas e de ideologias, Carri encontrou a liberdade e o amor. Talvez tenha sido o teatro que o encontrou primeiro nesse universo mais simples que rebuscado onde a arte tem vida prpria. Agarrou Carri pelas mos e nem

    precisou sacudi-lo; apenas sussurou: Se-jamos!. Juntos, muitos sacrifcios. Dores e dificuldades recompensantes; at revigoran-tes para o artista que s vezes at esquece que existe fora da arte. Em essncia, fasci-nado, enlouquecido e irrefrevel. Um eterno aventureiro dos quintais do mundo.

    O ator e diretor pura cearensidade. Ex-cntrico, empolgado e comunicativo. A arte dele a comdia. Tudo simples, sutil e inteli-gente. Nada de escracho. Em primeiro lugar, o respeito pela plateia. A ela, Carri trata com a mesma intensidade e carinho, sendo em milhares ou apenas alguns gatos pingados nas cadeiras. O artista que precisou montar o prprio teatro para ter espao na capital cea-rense no se faz vtima de um governo que vira os olhos para a cultura local. Carri vive um desafio. No se deixa abater. No espera; faz acontecer. Vive, escreve, busca e realiza em perfeccionismo. Propostas de mudana para o centro da produo cultural do Pas ele recusa. O telrico Carri Costa tem razes inarrancveis nas sofridas e amadas terras do Cear.

    Entre dramas e comdias, Carri vive o dom de ser artista. No lhe preciso refe-rncias. Basta abrir os olhos da alma para receber dentro de si um novo ser. E, ento, o corao que pulsa de outrem. Novas cores, novos sabores fazem a sinestesia de uma nova vida em cima dos palcos. Sempre um novo sentimento. Sempre uma nova sur-presa. Assim Carri Costa. Um experimento em permanente metamorfose; um constante experimentar da existncia que se agarra e se alimenta do rastro de alegrias e sorrisos que deixa o prazer da comdia.

    // Carlos Rinaldo Costa Moreira

    CARRI COSTA | 33

    Equipe de Produo: Brbara DanthiasMikaela Brasil

    Entrevistadores: Brbara DanthiasBruna Luyza ForteCarolina EsmeraldoCaroline PortiolliDiego SombraFelipe MartinsIsabele CmaraMikaela BrasilPaulo Renato de AbreuTas de Andrade

    Fotografia: Tamara Lopes

    Texto de abertura:Felipe Martins

    Ficha Tcnica

  • CARRI COSTA | 35

    Entrevista com Carri Costa, dia 23 de maio de 2013.

    Brbara Carri, esse despertar da veia ar-tstica aconteceu muito cedo na sua vida. De que forma a arte se fez presente na sua infn-cia?

    Carri A arte como um todo, n? O tea-tro foi aos 15 anos. Mas a arte como um todo esteve sempre prxima a mim. No sei como funciona isso, se crmico, se gentico, tambm no me interessa saber se , eu s sei que, desde sempre, desde que eu me enten-do por gente, uma determinada afinidade com uma esttica artstica, essa sensibilidade cul-tural, sempre esteve presente. Eu me lembro desde molequezinho, menino, (que) a minha extroverso sempre foi muito grande, sempre me comuniquei muito fcil. O trabalho manual foi sempre uma presena muito grande desde a minha infncia, com os prprios cadernos in-fantis, com a pintura, com o desenho... Acredi-to que essa veia artstica desde esse tempo. Muito novo, muito criana mesmo. Eu pensa-va que eu ia ser um artista plstico porque eu comecei a trabalhar pintando. Desenhando e pintando. Mas eu descobri o teatro nesse en-tremeio e eu acredito que foi por a a histria.

    Diego Voc nasceu em Pacajus (muni-cpio da Regio Metropolitana de Fortaleza) e veio morar em Fortaleza. Qual o motivo da mudana?

    Carri Eu nunca perguntei aos meus pais qual o motivo que el