concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

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ENCARTE ESPECIAL: PATENTES UMA MENIAL DA DE AMPARO À PEIQUIIA DO EITADO DE IÃO PAULO

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Pesquisa FAPESP - Ed. 50

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Page 1: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

ENCARTE ESPECIAL: PATENTES

UMA PUBLICA~AO MENIAL DA fUNDA~AO DE AMPARO À PEIQUIIA DO EITADO DE IÃO PAULO

Page 2: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno
Page 3: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

8 FAPESP está implantando mecanismos de patenteamento dos resultados das pesquisas e o licenciamento de tecnologia para empresas. No encarte especial, veja as propostas de especialistas

22 Descobertas a respeito da estrutura do fungo Paracoccidioides brasiliensis acenam com tratamento precoce de uma micose tipicamente tropical

Capa: Hélio de Almeida

16 Pesquisadores de São Paulo concluem

o seqüenciamento do genoma da Xylella fastidiosa, primeiro fitopatógeno seqüenciado em todo o mundo. Isto coloca

o Brasil na liderança científica neste segmento da genômica

EDITORIAL

MEMORIAS

OPINIÃO

28 Estudos comprovam a baixa qÚalidade das águas nas propriedades rurais produtoras de leite

5 6 7

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA 8 CIÊNCIA 16 TECNOLOGIA 34 HUMANIDADES 41 LIVROS 48 LANÇAMENTOS 49 ARTE FINAL 50

34 A LaserTools, empresa com projeto aprovado no PIPE, amplia o uso industrial do laser e presta serviços de corte, gravação e estampagem metálicas

44 Pesquisadores da FAU/USP fazem amplo estudo do paisagismo brasileiro, pesquisando os projetos de praças, parques e calçadões em 35 cidades do País

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I fEVEREIRO DE 2000 . 3

Page 4: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

PESQUISA FAPESP E UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR PROf DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE

PROF. DR.ADILSON AVANSI DE ABREU PROF. DR.ALAIN FLORENT STEMPFER

PROF. DR. ANTÓNIO MANOEL DOS SANTOS SILVA PROF. DR. CELSO DE BARROS GOMES

DR. FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO PROF. DR. FLÀVIO FAVA DE MORAES

PROF. DR.JOSÉJOBSON DE A ARRUDA PROf DR. MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO

DR. MOHAMED KHEDER ZEYN PROF. DR. RUY LAURENTI

CONSELHO T ÉCNICO-ADMINISTRAT IVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE C AMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROf DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

EQUIPE RESPONSÁVE L

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSE FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA) CARLOS HAAG (HUMANIDADES)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO)

DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA T ÃNIA MARIA DOS SANTOS

COLABORADORES ADILSON AUGUSTO ANA MARIA FlO RI

ANA W EISS MARIA APARECIDA MEDEIROS LIMA

MÓNICA TEIXEIRA RENATA SARAIVA

ULISSES CAPOZOLI WILSON MARINI

ENCARTE ESPECIAL PATENTES

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, NO. I SOO, CEP OS468-90 I ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TEL (O - li ) 838-4000 - FAX: (O- li ) B38-4117

ESTE INFORMATIVO ESTÁ DISPONÍVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http://www.fapesp.br e-mail: [email protected]

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

4 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Dossiê Nordeste

Inicialmente gostaria de dar-lhes os parabéns pela Pesquisa FAPESP, que tem aliado artigos sumamente importantes à qualidade de impres­são, divulgando e mostrando a ciên­cia de ponta de nosso Estado e o ex­pressivo trabalho desenvolvido pela entidade, colocando-a como grande impulsionadora da ciência pátria e introduzindo-a mais veementemente no cenário científico mundial. Temos ligações com a instituição há décadas e só podemos agradecer o incentivo constante que temos recebido, atra­vés de auxílios nas diferentes modali­dades e programas.

Numa das seções da revista de no 47, há divulgação de uma publicação do Instituto de Estudos Avançados da USP, edição 36, vol. 13, de autoria de Aziz Ab'Saber e outros. Como te­mos feito algumas palestras sobre a transposição do Rio São Francisco, nos envolvemos e nos apaixonamos pelos problemas do Nordeste. Gosta­ríamos de adquirir um exemplar da­quela edição.

A T NIO E VALDO K LA R,

Faculdade de Ciências Agronômicas/Unesp, Botucatu, SP

A edição da Revista de Estudos Avançados- Dossiê Nordeste Seco- po­de ser adquirida no próprio Instituto de Estudos Avançados da USP: Av. Prof Luciano Gualberto, Travessa], 374, Ci­dade Universitária, CEP 05508-900, São Paulo, SP, telefones (O xx 11 ) 818-4442 ou 818-3919. Cantata: Edilma Mar­tins (e-mail: [email protected]) .

Pesquisa FAPESP

Em primeiro lugar, quero trans­mitir-lhes meus parabéns e minha admiração pela qualidade e alto nível da importante revista Pesquisa FA­PESP. Durante minha atuação pro­fissional no Departamento de Geo­grafia- FFLCH da USP, sempre tive o

apoio da FAPESP para a realização e continuidade de minhas pesquisas e das dos mestrandos e doutorandos sob minha orientação. Aposentada como professora titular e tendo continuado a pesquisar em Geomorfologia Cos­teira na área de Florianópolis, SC, atra­vés da Universidade Federal de Santa Catarina, venho agradecer o recebi­mento em São Paulo dessa notável pu­blicação durante 1999 e afirmar-lhes que gostaria de continuar a recebê-la e poder divulgar seu incalculável pa­pel na formação científica do País.

Ü LGA CRUZ,

São Paulo, SP

Estou recebendo a sua revista. Es­tá magnífica. Gostaria de continuar a recebê-la. Sou professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP.

THOMAZ FARKAS,

São Paulo, SP

Venho acompanhando há muito tempo o crescimento da FAPESP co­mo instituição de apoio à pesquisa científica e, como professor e pesqui­sador, é sempre com muita satisfação que tomo conhecimento e me atua­lizo quanto às pesquisas em anda­mento e à produção de colegas da co­munidade científica, por meio da Pesquisa FAPESP. Apesar de não tra­balhar mais na cidade de São Paulo, gostaria de continuar recebendo a publicação no meu novo endereço, no Rio de Janeiro.

M ARGARET H DA SILVA P ERE IRA

Rio de janeiro, Rj

Li recentemente a revista Pesquisa FAPESP e gostaria de recebê-la. Sou biólogo, formado pela Universidade Federal de Uberlância, e recém-in­gressado no curso de mestrado em Genética da USP de Ribeirão Preto.

FRANC IS DE M ORA IS FRANCO N UNES,

Ttuiutaba, M G

Page 5: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

EDITORIAL

Um fato científico de peso internacional

A ciência brasileira já pode festejar sua competência em genômica

Amatéria de capa desta edição de Pesquisa FAPESPtrata de um fato científico de im­

portância internacional: pesquisadores brasi­leiros concluíram o seqüenciamento do geno­ma da bactéria Xylella fastidiosa .

Acrescente-se a essa informação que, além de ser o primeiro genoma de um patógeno vegetal seqüenciado no mundo, este é também o primei­ro genoma seqüenciado fora do eixo Estados Unidos-Europa-Japão, realização cujo mérito deve ser creditado à ONSA, um instituto virtual for-mado por uma rede de 35 labora-

do projeto privado norte-americano de seqüen­ciamento do genoma humano, liderado por Craig Venter- de apresentar, ainda este ano, um esboço da seqüência genética humana.

Outros especialistas em genômica, reunidos em San Diego, Califórnia, em janeiro, no I En­contro de Genomas Microbianos Relevantes para a Agricultura, saudaram com entusiasmo e "uma ponta de inveja" a notícia da iminente conclusão

do seqüenciamento da X. fastidio­sa. Explicação de Noel Keen, fi­topatologista da Universidade da Califórnia, para tal inveja: "Os pri-

tórios conectados via Internet. Observe-se também que o projeto propiciou um salto da competên­cia científica nacional em Genética Molecular. E relembre-se aqui que a X. fastidiosa é responsável pela praga do amarelinho ou clorose va­riegada dos citros (CVC), um pro­blema que vem afetando um terço das plantas nos laranjais paulistas, com pesadas conseqüências eco­nômicas para a poderosa citricultu-

"Este é o meiros projetas de seqüenciamen­to de bactérias fitopatogênicas nos Estados Unidos estão apenas co­meçando': O doutor Peter John­san, responsável por um dos maio­res programas de financiamento de pesquisa do Departamento de Agricultura dos EUA, preferiu ou­tra abordagem: classificou a deter­minação do genoma da Xylella como "um marco que merece ser

pnme1ro genoma

concluído

fora do eixo

Estados Unidos­

Europa-Japão"

ra do Estado. Por isso, a conclusão do seqüenciamento da bactéria per-mite prever um caminho de con-trole efetivo da praga, através das pesquisas do genoma funcional da X. fastidiosa num prazo de aproximadamente cinco anos.

Esses dados mostram que a conclusão do se­qüenciamento da Xylella é um feito significativo o suficiente para que a FAPESP concentre-se ago­ra mais nos substantivos que a informação sobre o projeto exige e deixe a terceiros o espaço para os adjetivos próprios das apreciações, comentários e juízos de valor. De Bob Waterston, por exemplo, a conclusão do seqüenciamento mereceu o curto e incisivo comentário de que "a iniciativa paulis­ta em genômica é espetacular': Waterston dirige na Universidade de Washington, em Saint Louis, Missouri, o quinto maior centro de seqüencia­mento genético do mundo. E sobre ele está depo­sitada boa parte da esperança dos Institutos Na­cionais de Saúde (NIH) -fustigados pela agilidade

celebrado por toda a agricultura': A partir do anúncio formal da

conclusão do primeiro projeto do Programa Genoma da FAPESP, no

dia 21 de fevereiro- portanto, quase quatro meses antes do prazo originalmente previsto -, outras avaliações sobre seu significado para a ciência brasileira certamente serão feitas. Esta Fundação aguarda-as com a serenidade de quem sabe que induziu um trabalho científico de largo alcance.

Esta edição de Pesquisa FAPESP, contudo, não é monotemática. Assim, chamamos a atenção para um outro tema importante aqui tratado: a ques­tão da propriedade intelectual e das patentes que devem resultar da atividade de pesquisa. Ela é ob­jeto de uma matéria que mostra as atuais preocu­pações e as propostas desta Fundação numa área vital para o desenvolvimento científico e tecnoló­gico nacional e para o aproveitamento econômi­co do investimento do País em pesquisa. Patentes é também objeto do encarte especial desta edição, com palestras de especialistas no assunto.

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2000 • 5

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Vital Brazil e as pestes do início do século Em 1899, neste modesto laboratório da foto à direita, o médico Vital Brazil Mineiro de Campanha (1865-1950) fez os primeiros estudos para produzir a vacina contra a febre amarela que tomava conta de São Paulo e do Rio de Janeiro. Mineiro nascido na cidade de Campanha, como seu próprio nome inusitadamente indica, Vital Brazil participou também, nessa mesma época, do combate à epidemia de peste bubônica, que também chegava pelos portos de Santos e do Rio. Foi um pioneiro da medicina experimental no Brasil e criou a base da imunologia no País, ao elaborar soros específicos contra picadas de cobras - a especificidade antigênica, um dos pilares da imunologia moderna. Vital Brazil criou

Poder sob aparência tosca

Não, a arrumação de arames ao lado não é uma escultura moderna nem um tosco artefato de inventor caseiro, mas uma invenção que substituiu as válvulas eletrônicas e permitiu a construção dos computadores, sem os quais não conseguimos mais sobreviver. É o transistor, anunciado em 1948 pelos seus criadores, William Shockley, John Bardeen e Walter H.

6 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

o Instituto Butantan, que passou a funcionar neste mesmo ano de 1899 e oficialmente dois anos depois - e logo se tornou uma

Brazil, as primeiras instalações do Instituto Butantan e uma visita de Roosevelt (ao centro}: referência internacional

referência internacional, a ponto de ter sido visitado pelo presidente norte-americano Theodore Roosevelt (1858-1919) em 1915.

Brattain, que trabalhavam para a Bell Telephone. Esse primeiro transistor, do tipo ponto-de-contato, amplifica sinais elétricos pela passagem de um material sólido semicondutor, basicamente a mesma operação realizada pelos modelos de junção, atualmente em uso.

O primeiro transistor: o mesmo princípio de amplificação de sinais elétricos empregado nos modelos atuais

Page 7: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

OPINIÃO

HUGO AGUIRRE ARMELIN

Mais uma vez deu FAPESP na cabeça É hora de avaliar o impacto dos megaprojetos nas universidades

Aseqüência completa e anotada do DNA da bactéria Xylella fastidiosa está sendo publi­camente anunciada. Missão cumprida pelo

esforço coordenado de 35 laboratórios de pesqui­sa e cerca de 200 pesquisadores de diversas insti­tuições. É o primeiro patógeno de plantas e o pri­meiro genoma seqüenciado no hemisfério sul. Trata-se, portanto, de um feito internacional em pesquisa científica que dá credibilidade definitiva ao projeto Genoma da FAPESP.

A divulgação dessa conquista ele­vará em muito o conceito e a con­fiança que a coletividade do Estado

1990 e 798 em 1995, respectivamente, por US$ 4,6 milhões e US$ 6 milhões. Mas, entre 1990 e 1995, o investimento da FAPESP saltou de US$ 21 mi­lhões para US$ 136 milhões, propiciando condi­ções para a abertura de programas novos.

A fase 2, com os projetas temáticos, passa a ofe­recer até quatro anos de financiamento renovável, permitindo orçamentos relativamente avantajados. Foram 191 projetas entre 1991 e 1995 envolvendo

US$ 49,6 milhões. O objetivo era atrair projetas interdisciplinares destinados a resolver problemas re­levantes de ciência e tecnologia. Mas

tem na capacidade competitiva de suas instituições de pesquisa. Por outro lado, o sucesso dessa iniciati­va deve motivar muita reflexão en­tre dirigentes universitários e líde­res de pesquisa. É oportuno indagar qual o significado e o im­pacto possível desse acontecimen­to no sistema de ciência e tecnolo­gia de São Paulo e do Brasil.

" A estrutura as universidades não responderam à altura. O programa recebeu e aprovou propostas de ótima quali­dade, mas, em geral, ortodoxamen­te disciplinares e distantes da com­plexa interdisciplinaridade exigida para a solução de problemas reais.

que agora dá resultados

começou a ser montada há 30 anos"

Diante disso, a FAPESP disparou a fase 3 em 1997, com o Projeto Ge­noma, iniciado com a Xylella e ago-

A FAPESP possui uma história rica em iniciativas paradigmáticas que contribuíram para o progresso evolutivo da organização da pes-quisa científica no Estado. Pode-se distinguir três fases nos quase 40 anos de ativida­des da Fundação, que levaram a mudanças cultu­rais e estruturais nas nossas instituições de pes­quisa, principalmente nas universidades.

Na fase 1, entre 1962 e 1990, a FAPESP, por meio de um programa de concessão de auxílios financei­ros de um ano a projetas de pesquisa, conseguiu efeitos muito importantes: a) fez nascer a cultura do professor pesquisador empreendedor acadê­mico, que criando projetas de pesquisa competi­tivos obtinha recursos e recrutava estudantes e b) montou progressivamente uma robusta rede de avaliação de projetas científicos e tecnológicos en­tranhada na comunidade estadual, que alcançou enorme credibilidade. Este programa nunca foi interrompido: 499 projetas foram contratados em

. ra com outros projetas de seqüen­ciamento: a) Câncer Humano; b) Cana-de-açúcar e c) Xanthomonas citri. Engatilhou, também, projetas de genoma funcional. Esta nova ini-

ciativa procura gerar macroprojetos interdiscipli­nares para resolver problemas reais do País, consor­ciando laboratórios de instituições diferentes em esforços coordenados de pesquisa. Dessa forma, a FAPESP desempenha o papel dos centros de ciên­cia e tecnologia das boas universidades de pesquisa.

A conclusão do seqüenciamento da Xylella deu à FAPESP os primeiros resultados importantes da fase 3, que mais uma vez mostra agilidade, inova­ção e iniciativa para lidar com os grandes desa­fios. Enquanto isso, nossas universidades de pes­quisa continuam não chegando junto.

H uco A GUIRRE ARMELIN, professor de Bioquímica, Ins­tituto de Química da Universidade de São Paulo (USP)

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 1000 • 7

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PROPRIEDADE INTELECTUAL

Cuidando bem das próprias idéias FAPESP vai incentivar o patenteamento dos resultados de pesquisas

Omineiro Alberto Santos Du­mont, que há cem anos ulti­

mava os preparativos para o vôo inaugural do 14-Bis, não patenteou nenhum de seus inventos, entre os quais, ao que consta, se incluía até mesmo o uso do relógio no pulso. Se tivesse tomado esse cuidado, talvez o inventor do avião conseguisse evitar a amargura do final da vida, que o le­vou ao suicídio, e aquinhoar uma parte dos dividendos da bilionária in­dústria dos ares. Para mudar esse quadro de quase desdém pelos meca­nismos de proteção dos resultados das pesquisas científicas e tecnológi­cas, a FAPESP decidiu, no final do ano passado, que vai atuar de modo mais efetivo no campo da proprieda­de intelectual- tema ainda pouco tra­tado entre os cientistas no Brasil, mas de importância crescente, dado o in­teresse comercial despertado por descobertas ocorridas em laborató­rios de instituições de pesquisa no mundo todo.

Para uma instituição cuja histó­ria se construiu sobre o financia­mento de projetas de pesquisa em todas as áreas do conhecimento, a definição de formas de proteção le­gal dos resultados dos trabalhos acadêmicos configura um marco histórico. Neste campo, a FAPESP limitava-se até agora a ações isola­das de apoio a pesquisadores e a uma cláusula nos contratos de fi­nanciamento de projetas com em­presas, por meio da qual poderia re­ceber 50% dos royalties resultantes da exploração comercial das tecno­logias que ajudou a. desenvolver.

8 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Os novos procedimentos formais devem ser definidos ao longo deste semestre, mas já é certo que os pes­quisadores ou bolsistas que recebe­ram financiamentos da FAPESP, em qualquer época, podem encaminhar pedidos para análise de patentea­mento dos resultados de seus traba­lhos. A princípio, segundo Edgar Du­tra Zanotto, coordenador adjunto da diretoria científica da FAPESP, o

O sires Silva: o exemplo da Embraer •

próprio corpo de 6 mil assessores da Fundação examinará se o resultado de uma pesquisa é ou não patenteável.

A FAPESP poderá ela própria en­caminhar os pedidos avaliados positi­vamente ao Instituto Nacional de Pro­priedade Industrial (INPI), a entidade do governo federal sediada no Rio de Janeiro que cuida dos registras no Bra­sil, ou indicar escritórios voltados a áreas específicas. A Fundação pro­põe-se a cobrir os custos da patente provisória, válida por um ano.

Nesse período, os assessores que tiverem examinado os projetas ou uma comissão especializada em pro­priedade industrial (a forma final a ser adotada pela FAPESP ainda não está definida) providenciarão relatá-

rios ou protótipos dos inventos com a finalidade de encontrar parceiros que possam pôr a nova tecnologia em fabricação e uso por meio de con­tratos de licenciamento.

Diretrizes - Fecha-se assim o ciclo que a FAPESP está montando: de um lado, o desenvolvimento já em curso de tecnologias, viabilizado por meio dos auxílios a pesquisas em anda-

Zanotto: do laboratório à produção

menta, dos programas de parcerias para inovação tecnológica (PITE) e o de pequenas empresas (PIPE); de ou­tro, o patenteamento dos resultados de pesquisas, agora incentivado; e, por fim, o licenciamento de tecnolo­gias às empresas, de modo a tornar comerciais as pesquisas, sobretudo as de evidente caráter tecnológico. ''A inovação efetiva só ocorre quando a tecnologia se torna um produto", co­menta Zanotto.

Se uma ou mais empresas se inte­ressarem pelo invento, a FAPESP pro­videnciará a patente definitiva, "ape­nas no Brasil, nos Estados Unidos ou no mundo todo, dependendo do mer­cado", diz Zanotto. Segundo ele, a Fundação, ao cobrir os custos, reser-

Page 9: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

va-se o direito da titularidade - em outras palavras, torna-se a proprietá­ria da patente, conforme o modelo em estudo, embora os lucros resultantes da exploração comercial sejam com­partilhados em proporções iguais com o inventor e o empregador (a univer­sidade ou o instituto de pesquisa).

Zanotto alerta para o fato de que a produção científica brasileira tem crescido, encontrando-se no mo­mento próxima a 1 o/o da produção

te no banco de patentes Derwent, um dos maiores do mundo, disponí­vel desde dezembro para pesquisa­dores e empresários paulistas (ver box na próxima página). "Centenas de projetas de pesquisa poderiam ter sido patenteados, se o caminho fosse menos árduo", diz Zanotto. Sua esti­mativa é que cheguem de uma a duas centenas de pedidos por ano, à medida que ganhe corpo a nova es­trutura de exame de viabilidade de

O workshop sobre patentes: incentivo aos pesquisadores e revisão de procedimentós

mundial, mas o desenvolvimento tecnológico - avaliado pelo número de patentes depositadas nos Estados Unidos, equivalente a 0,05% das pa­tentes concedidas anualmente na­quele país - mantém-se estável há mais de dez anos. Os caminhos agora trilhados pela FAPESP, ele ressalta, constituem alternativas aos escritó­rios de transferência de tecnologia mantidos por universidades e insti­tutos de pesquisa, de modo que o pesquisador possa escolher a forma que julgar mais adequada para cui­dar de seu invento.

Sem uma estrutura formal ligada à propriedade intelectual, há apenas 11 patentes com a participação da FAPESP registradas espontaneamen-

patenteamento e de licenciamento de tecnologias na Fundação.

Encontro - A reorientação nessa área resulta de estudos iniciados pela dire­toria científica da FAPESP em 1998. Culminou nas apresentações e nos debates realizados durante o work­shop Propriedade Intelectual e Paten­tes, realizado pela FAPESP no dia 15 de dezembro de 1999, com cerca de 200 participantes. "Estamos muito atrasados nessa área no Brasil': ob­servou o diretor científico da FA­PESP, José Fernando Perez, na aber­tura do workshop. Segundo ele, a busca de mecanismos de proteção à propriedade intelectual tornou-se prioritária para a Fundação, em vista

das sucessivas descobertas científicas com potençiais aplicações industriais. "A FAPESP vai atuar de modo mais incisivo e compatível com os progra­mas de indução tecnológica que mantém", reiterou.

Osires Silva, diretor do Departa­menta de Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Pau­lo (Fiesp) e criador da Empresa Bra­sileira de Aeronáutica (Embraer), co­mentou que propriedade intelectual

é um tema "da maior impor­tância, que envolve interesses e cifras elevadas". Alertou: "Infelizmente, a taxa de de­senvolvimento mundial é bastante grande. Estamos perdendo tempo nessa corri­da e está aumentando o fos­so entre os países desenvolvi­dos e em desenvolvimento."

Mas há como reagir. Osi­res Silva contou que a Em­braer negociou US$ 7 bilhões no Salão de Le Bourget, em junho de 1999, em Paris, porque detém a propriedade das marcas e da tecnologia de fabricação dos aviões. "Se fizéssemos licenciamento, como sugeriram, teríamos no máximo o domínio do mercado interno."

Em seguida, o presiden­te da FAPESP, Carlos Henri-que de Brito Cruz, lembrou

que o Brasil depositou 56 patentes nos EUA em 1996, enquanto a Coréia deposita 1.500. "Como é que a Coréia consegue?", questionou. Não se trata, ele lembrou, de um país tão diferen­te do Brasil. "Uma instituição que fi­nancia pesquisa, em um ambiente acadêmico e industrial, precisa indu­zir à reflexão", disse.

As apresentações dos especialis­tas convidados, reproduzidas no en­carte especial que acompanha esta edição de Pesquisa FAPESP, incenti­varam os pesquisadores a registrar e a negociar tecnologias, ao delimitar os riscos, os custos, os benefícios e as exigências de uma patente. David Allen, assessor da vice-presidência do Escritório de Licenciamento da

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2000 • 9

Page 10: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

Universidade Estadual de Ohio, tra­tou dos conceitos básicos em uma de suas apresentações, pela manhã, e dos mecanismos de licenciamento de tecnologias, à tarde.

De Israel, vieram duas especialis­tas: Paulina Ben-Ami, vice-presi­dente de patentes e propriedade in­telectual da Yeda, uma empresa que patenteia e licencia os inventos do Instituto Weizmann, e Renée Ben­Israel, gerente de propriedade inte­lectual da Yissum, empresa privada ligada à Universidade Hebraica de Jerusalém.

Situação brasileira - Maria Celeste Emerick, coordenadora de gestão de tecnologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, analisou as diretrizes e os resultados das estratégias de proteção à proprie­dade industrial da Petrobras, IPT, USP, Unicamp, Embrapa e Fiocruz. "Se não mudarmos, perderemos tudo o que já fizemos", afirmou. No final, Luiz Otávio Beaklini, diretor de

Registro de patentes no Brasil está em alta 18.000 ..,.,..

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16.000

14.000

..___ ~.-41' 12.000

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6.000 ~

--~ -4.000

+ Total

.À. PCT - ~

2.000 -o 90 91 92 93 94

Fonte: INPI

patentes do INPI, comentou a respei­to dos critérios e dificuldades das análises de patentes. Diante de críti­cas da platéia, tratou também dos mecanismos que o instituto procura implantar para atender com presteza os pedidos que chegam.

O encontro deixou claro uma sé­rie de procedimentos imediatamente aplicáveis em relação à propriedade

• Res identes

e Outro s não-residentes 95 96 97

intelectual. Um deles: não publicar nada antes de patentear, sob o risco de perder a patente, pois a maioria dos países exige o ineditismo para conceder o privilégio de exploração de um invento. Outra constatação é que o patenteamento, por si só, não resolve problemas. Cria, sim, meca­nismos legais de proteção de uma idéia e caminhos de negociação.

Banco de patentes

Após o acordo, o pesquisador pode agir como consultor da empre­sa ou como antena das tendências de mercado. A regra é não se acomodar, jamais. Mais: não adianta fazer pa­tente se o inventor ou financiador não está interessado em explorar o mercado atingido pela nova tecnolo­gia. Por fim, uma comprovação es­pantosa: os acordos de licenciamento com empresas gerados a partir das patentes resultam principalmente de contatos dos próprios pesquisadores.

Em qualquer país, um pedi­do de patente só é aceito se cum­prir três requisitos: a não-obvie­dade, a originalidade mundial e o potencial comercial do inven­to. Para saber se o trabalho que se pretende registrar atende a es­sas exigências prévias, é possível economizar tempo e dinheiro pes­quisando em bancos internacio­nais de patentes.

Um dos maiores bancos de patentes do mundo, o Derwent, um dos maiores do mundo, do Institut for Scientific Informa­tion, está disponível desde de­zembro para universidades e instituições paulistas de pesqui­sa que têm acesso ao Web of Sci­ence, o banco de artigos científi­cos apoiado pela FAPESP.

Segundo o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez,

I D • JANEIRO I fEVEREIRO DE 1000 • PESQUI SA FAPESP

o acesso ao Derwent deve se es­tender em breve às empresas que participam dos programas de . inovação tecnológica mantidos pela FAPESP, o de Inovação Tecnológica em Pequena Em­presa (PIPE) e o de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). Por meio de outras instituições, deve se tornar ainda mais amplo o acesso no meio empresarial.

O Derwent ( dii.derwent.com) contém quase 10 milhões de pa­tentes concedidas no mundo desde 1963. A pesquisa pode ser feita a partir do nome do inven­tor, depositante, ano, país ou por palavra-chave, em três seções distintas, Química, Eletroeletrô­nica e Engenharia em geral. O Derwent mantém o diálogo com o ISI, por meio do qual permite acesso a artigos e citações.

O próprio Zanotto, o organizador do workshop, conta que reveria suas atitudes. Entre 1995 e 1996, um de seus alunos de doutorado, Oscar Peitl, participou do desenvolvimento de biovidros na Universidade da Fiá­rida, nos Estados Unidos. O invento hoje é explOrado comercialmente pela US Biomaterial e os royalties ca­bem inteiramente à Universidade da Flórida, que detém a titularidade. Os pesquisadores nada recebem, embo­ra constem como inventores. "Hoje eu não procederia da mesma forma", reconhece Zanotto. •

Page 11: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CENTROS DE EXCELÊNCIA

Escolha na etapa final

Núcleos que vão realizar projetos integrados serão definidos em poucos meses

Caminha para a etapa final o processo de seleção dos Cen­

tros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), o programa lançado pela FAPESP que implanta uma nova modalidade de financiamento, diri­gido a instituições interessadas em desenvolver projetas multidisciplina­res com efetiva transferência de co­nhecimento à sociedade. No final de 1998, inscreveram -se 112 institui­ções. Após a primeira triagem, reali­zada por 12 especialistas de outros Estados, permaneceram 29, que envi-

aram o plano gerencial e as propostas de trabalho detalhadas. Outra avalia­ção, desta vez conduzida com o apoio de 120 assessores internacionais, le­vou à relação de dez centros pré-qua­lificados anunciados no início de fe­vereiro (ver tabela).

Semelhante ao Sciences and Tecno­logy Center, um programa da Natio­nal Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, atualmente com 35 projetas em andamento, o CEPID in­centiva a formação de núcleos de tra­balho científico cujo trabalho deve integrar três campos. O primeiro é a execução de um programa multidis­ciplinar de pesquisa básica ou aplica­da. O outro é a realização de projetas de inovação tecnológica, com empre­sas, ou de políticas públicas, com ór­gãos públicos ou organizações não-

Os projetos qualificados para a terceira fase

I. Centro de Pesquisa do Câncer Antonio Prudente - Hospital do Câncer

2. Centro de Toxinologia Aplicada- Instituto Butantan

3. Centro de Estudos Metropolitanos - Cebrap

4. Centro de Ciências Ópticas/Centro de Pesquisas Fotônicas' - USP São Carlos/ Unicamp

S. Centros de Pesquisas de Terapias Baseadas em Células - USP Ribeirão Preto

6. Centro de Estudos do Sono- Unifesp

7. Centro de Biotecnologia Estrutural Molecular- USP São Carlos/LNLS

8. Centro de Estudo do Genoma Humano - USP

9. Centro de Estudos da Violência- USP

I O. Centro Multidisciplinar para Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos - UFSCar/Unesp

(*) Qualificação condicionada à apresentação de uma proposta integrada

governamentais. A terceira vertente é a interação com o sistema educacio­nal, por meio de cursos para estu­dantes e professores do desenvolvi­mento de técnicas educacionais ou de recursos pedagógicos, como mu­seus de ciência, vídeos e softwares.

Essa forma de. apoio à produção científica, na avaliação de José Fernan­do Perez, diretor científico da FAPESP, é um desdobramento natural dos pro­gramas lançados pela Fundação nos últimos anos, que promovem a apro­ximação com empresas, orgãos pú­blicos e escolas. "O CEPID é uma forma de consolidar uma visão de co-res­ponsabilidade do sistema de pesquisa nas questões sociais'; diz Perez.

Visitas - Nos próximos meses, uma comissão internacional vai examinar in loco a infra-estrutura, a qualificação dos profissionais e as propostas de trabalho das instituições pré-qualifi­cadas. As visitas vão embasar o julga­mento final, a ser anunciado em mea­dos do ano. Devem ser contempladas cerca de cinco instituições, que vão re­ceber por ano de US$ 300 mil a US$ 2 milhões para desenvolver projetas de longa duração, limitados a 11 anos.

Os centros terão autonomia para utilizar os recursos financeiros, mas serão avaliados continuamente. Pe­rez lembra que o acompanhamento por especialistas internacionais -nos moldes do efetivado nos progra­mas Genoma e Biota - "assegura a qualidade dos projetas, de acordo com um padrão internacional, e con­tribui com uma visibilidade maior da ciência brasileira". •

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO OE 1000 li

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

A Begonia jureiensis, identificada na mata da Juréia, em lguape, é uma das 44 espécies inéditas da flora paulista

Projeto Flora passa por avaliação e anuncia descobertas

Adevastação sistemática que se abateu sobre a vegetação natu­

ral do solo paulista desde os tempos do descobrimento não impediu que os botânicos participantes do proje­to temático Flora Fanerogâmica do Es­tado de São Paulo identificassem 44 novas espécies e uma variedade de plan­tas não descritas pela ciência. Entre elas estão sete da família das acantáceas, a mesma dos cama­rões-de-jardim, cinco laurá­ceas, parentes do louro e da ca­nela, duas rubiáceas, a mesma do café, duas bromélias e duas begônias. Além dessa boa no­tícia, eles coletaram 118 espé­cies que foram registradas an­

do País, mas que ainda não haviam sido encontradas no Estado. Também destaca-se o desaparecimento de dez espécies de orquídeas e uma de bro­mélia que não são coletadas há mais de 50 anos em São Paulo, por isso consideradas extintas, provavelmen­te por excesso de extração predatória.

Esses resultados são preliminares e foram apresentados na segunda reunião de avaliação do projeto, rea­lizada no início de fevereiro, na pre­sença dos três assessores internacio­nais designados pela FAPESP: Paul Berry, diretor do herbário da Uni­versidade de Wisconsin, nos Estados

teriormente em outras regiões Nee, Berry e Stannard: prio ridades e paciência

12 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 1000 • PESQUI SA FAPESP

Unidos, Brian Stannard, pesquisa­dor da flora da América do Sul do Royal Botanic Gardens, da Grã-Bre­tanha, e Michael Nee, pesquisador do Jardim Botânico de Nova York, Estados Unidos.

A primeira reunião de avaliação ocorreu em 1995, um ano após o início desse ambicioso projeto que vai catalogar as cerca de 8 mil espé­cies vegetais com órgãos reproduto­res caracterizados por flores, as cha­madas plantas fanerogâmicas. Na avaliação deste ano, os três assesso­res entenderam que o projeto está bem desenvolvido e consideraram

normal o atraso para a entre­ga final de todos os trabalhos, prevista, inicialmente, para quatro anos. "É complicado desenvolver um trabalho co­mo esse em tão pouco tem­po", afirma Berry.

Muito tempo - "Países como Panamá e Guatemala tiveram

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suas floras completadas no período de 30 anos." Isso levando-se em con­ta que esses dois países têm áreas menores, 75 mil e 108 mil km2

, res­pectivamente, do que o Estado de São Paulo, com 248 mil km2

• Outro dado semelhante vem da realização da flora da Guiana Venezuelana, a região amazônica da Venezuela, com 9.400 espécies, um estudo realizado em, aproximadamente, nove anos. "Por isso, a FAPESP e os próprios pesquisadores precisam ter paciência para chegar ao final do projeto", aconselha Berry.

A coordenadora do Flora Fanerogâmica, a professora Maria das Graças Lapa Wanderley, do Instituto de Botânica, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, lembra que o prazo para coleta de ma­terial na natureza era de dois anos, mas esse perí­odo foi esticado até mar­

outros Estados e 32 estrangeiros, to­talizando 246 botânicos. Até agora, os manuscritos de 72 famílias foram entregues à coordenação e 115 estão em fase de descrição. A família mais populosa, a das orquídeas, que repre­senta cerca de 10% das espécies da flora paulista, está com 80% das es­pécies concluídas, assim como a se­gunda, a das poáceas, que reúne as gra­mas e os capins, com 400 espécies.

coleção. Eles indicaram que o me­lhor caminho, nesse momento, é es­tabelecer prioridades. "É preciso concentrar esforços nas famílias me­nores ou naquelas em que os traba­lhos estiverem no fim, para a publi­cação dos primeiros volumes em relativamente pouco tempo", indica Berry. "Nós já havíamos percebido a necessidade de darmos prioridade a algumas famílias, e eles reforçaram

essa visão", afirma a pro­fessora Maria das Graças.

Nidularium amazonicum paulistanum: nova variedade de bromélia ço deste ano porque os pesquisadores precisaram estabelecer uma melhor qualidade nos estudos.

Duas outras ações fa­zem parte do projeto Flo­ra Fanerogâmica. A pri­meira, mais recente e indicada pelos assessores, será uma maior integra­ção com o Projeto Biota, que reúne diversas linhas de pesquisa para mapear e analisar a flora, a fauna e os microrganismos do Es­tado. "Os estudos taxonô­micos (identificação) e a descrição de cada espécie vão ser uma fonte de in­formação muito grande para o Biota", avalia Maria

"Muitas vezes, o pesquisador ne­cessita de mais tempo para fazer no­vas coletas, além de consultar e tirar dúvidas em vários herbários (local onde fica a coleção de plantas) até obter a confirmação da identifi­cação e da descrição completa de uma espécie", explica Maria das Graças. Estavam previstas 144 expe­dições, mas certamente esse núme­ro vai chegar a 200. O tempo se pro­longa, também, porque muitos pesquisadores têm seus trabalhos rotineiros e se ocupam do projeto nos fins de semana.

O projeto tem a colaboração vo­luntária de um batalhão de especia­listas. Em alguns casos, com mais de um pesquisador para cada uma das 187 famílias vegetais existentes no Estado, que correspondem a cerca de 1.500 gêneros. São 135 pes­quisadores de 13 instituições de São Paulo dotadas de herbários, 79 de

Novos botânicos - A quantidade de pessoas envolvidas nesse projeto te­mático impressionou os três asses­sores. "Percebemos que existe muita disposição por parte dos participan­tes", analisa Berry. "A participação ·de estudantes e estagiários nas coletas e análise do material é muito impor­tante para o treinamento de novos botânicos", lembra Michael Nee. Para prover o trabalho de campo de todos os pesquisadores, em viagens de coletas, visitas a herbários e diá­rias, o financiamento da FAPESP é de R$ SOO mil. Esse valor também será utilizado na confecção de ilus­trações técnicas das espécies e na fu­tura edição dos 16 volumes que reu­nirão toda a flora de São Paulo, com ilustrações e descrições de todas as plantas. Um 17° volume será edita­do com informações sobre a atual situação da vegetação do Estado.

Por orientação dos três assesso­res, até o final do ano devem estar prontos os dois volumes iniciais da

das Graças. A outra contribuição do projeto será, depois de finalizado, servir como modelo para uma futu­ra Flora Fanerogâmica Brasileira, prevista pela Sociedade de Botâni­ca do Brasil. "Acredito que a identi­ficação de todas as plantas do País, que está começando em São Paulo, é uma decisão estratégica para o Bra­sil", analisa o professor Berry.

Além do conhecimento da biodi­versidade vegetal paulista, a Flora é o ponto inicial para possíveis novos usos econômicos das plantas, na produção de alimentos, de fibras, nas pastagens, na fabricação de me­dicamentos ou uso ornamental. Para preservar essa riqueza, o projeto vai indicar o estado de conservação das áreas naturais e identificar as espécies mais ameaçadas de extinção, propon­do melhores cuidados ambientais nas regiões mais críticas. Ainda mais quando sabemos da existência de mais 45 novas e belas flores espalha­das no que resta da mata paulista. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS

Franceses investenn nnais enn pesquisa

A pesquisa está em alta nas grandes empresas francesas. É o que anuncia o jornal Le Monde, em reportagem assinada por Annie Kahn e feita a partir de uma enquete, realizada pelo próprio jornal, com os 25 principais grupos do país. Em 1998, depois de anos em baixa, os investimentos em pesquisa feitos pelas companhias francesas aumentaram 12,2% sobre 1997, totalizando US$ 15 bilhões.

Isto é resultado, segundo a reportagem, do crescimento econômico, que ressalta

a necessidade de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), e da globalização. A globalização ocorre, inclusive, nos próprios setores de P&D. Um dos fatos marcantes da evolução das empresas, assinalado pela maioria delas, foi a abertura de laboratórios no exterior, durante os anos de 1997 e 1998. "Essa internacionalização atende a vários objetivos", diz o Le Monde. "Antes de mais nada, visa a aproveitar melhor os talentos

Orçamentos das empresas francesas para a pesquisa e desenvolvimento

Empresa Orçamento 1997 Orçamento 1998 P&Dem Efetivo em milhões em milhões percentagem do em número de dólares de dólares faturamento 98 em P&D

Alcatel 2.579 2.760 13.10 23.500

Renault 1.363 1.582 4,30 11.026

Thomson-CSF 1.176 1.508 24,70 15.000

Rhone-Poulenc 1.282 9,80

PSA 1.146 1.282 3,80 12.000

Aerospatiale 1.644 1.262 15,24 5.102

ELF 951 987 3,10 8.400

France Telecom 754 754 3,10 4.500

Alstom 381 440 3,10 3.6SO

EDF 467 440 1,50 2.6SO

Schneider 377 392 5,20 3.SOO

Valeo 309 374 6,20 3.700

L'Oréal 2SI 283 2,50 2.24S

Saint-Gobain 236 247 1,40 1.900

Buli 224 227 5,90 2.3SO

Total 196 209 0,80 1.840

Suez-Lyonnaise 165 180 0,60 800

Usinor ISO 1,40 I.SOO

Pierre Fabre 129 141 13,90 1.034

Air Liquide 128 131 2,10 soo Framatome 123 117 4,30 1.100

Danone 110 117 0,90 1.2SI

Vivendi 61 101 0,30 6SO

Pechiney 93 90 0,90 840

Gaz de France 70 70 0,70 794

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em qualquer lugar onde estejam, a fim de colocar-se no melhor nível da pesquisa mundial e não mais apenas francesa", para poder enfrentar, em pé de igualdade, os concorrentes mundiais. Alguns exemplos citados na reportagem. A France Télécom abriu um laboratório no Vale do Silício, na Califórnia, formado por uma equipe de 20 pessoas, entre as quais cinco franceses, e hoje participa diretamente das pesquisas do Medialab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. "Já tínhamos muitos contatos com laboratórios americanos. Mas perdíamos tempo estabelecendo relações e nossa visão não era suficientemente precisa", justifica Pascal Viginier, diretor do Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento da France Télécom. Ainda nos Estados Unidos, a L'Oréal montou, em Chicago, um centro de pesquisa de "cabelos étnicos". No Brasil, a Renault também abriu um centro de pesquisa, no Rio de Janeiro. "Queremos trabalhar com pessoas que tenham uma outra cultura e que utilizem métodos diferentes dos nossos", explicou Pierre Beuzit, diretor de pesquisa da empresa. E mais: "Queremos mostrar que a Renault vai ao Brasil não apenas para vender carros, mas também para resolver problemas locais". O grupo Vivendi , por sua vez, abriu um laboratório em Hong Kong. Já a

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Suez-Lyonnaise estabeleceu três centrais coordenadoras de seus laboratórios de pesquisa: uma, criada em 1998, sediada em Kuala Lumpur, na Malásia, que agrupa laboratórios na China, nas Filipinas, na Indonésia e na Austrália; outra, criada em 1997, sediada em Newcastle, na Inglaterra; e a terceira, a mais antiga, localizada nos arredores de Paris. ''A pesquisa é o cartão de visita da tecnologia do grupo. É valorizadora no plano comercial", comentou Catherine Moulin, assessora de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Vivendi.

Empresas criam o Instituto I mage

Daniel Nahon, conselheiro do ministro francês Claude Allegre, em entrevista concedida à Pesquisa FAPESP e publicada na edição 49, de dezembro passado, havia anunciado a implantação de um centro de genoma em Evry, nos arredores de Paris, resultante da interação entre órgãos de pesquisa, órgãos de desenvolvimento, universidades e indústria privada. Esse centro, informa a Nature de 20 de janeiro último, será o Instituto Image, mantido pelo consórcio público Image (Integrated Molecular Analysis of Genome and their expression) -que já havia sido criado para fornecer ferramentas de pesquisa a pesquisadores da indústria e das universidades -, por agências de pesquisa e Ministério da Educação Nacional, da Pesquisa e da Tecnologia. Segundo a Nature, o consórcio inclui

mais de 30 companhias farmacêuticas, agroquímicas e de biotecnologia, e deve anunciar um grande acordo com importantes empresas de bioinformática que respaldariam a criação do centro de excelência nessa área.

Celera: negócios da China

A Celera, empresa norte­americana criada e presidida por Craig Venter, que vem provocando uma contínua aceleração da corrida pelo seqüenciamento do genoma humano, adquiriu 47,5% da companhia chinesa de biotecnologia Shanghai GeneCore BioTechnologies Ltd. De acordo com uma nota publicada pela Nature de 20 de janeiro último, as ações pertenciam anteriormente à chinesa Axys Pharmaceuticals Inc., empresa da área genômica atuante nos centros industriais e acadêmicos do país. Outra empresa ligada à principal acionista da Celera, a Perkin Elmer Biosystems, já possuía 47,5% da Shanghai GeneCore. Segundo Venter, a aquisição faz parte dos planos de expansão global da Celera e vai proporcionar

Venter: planos de expansão

acesso à diversidade genética vegetal, animal e humana da China, "fundamental para a expansão das informações genômicas da Celera".

Mobilização em Pernambuco

A SBPC e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco promoveram no começo de fevereiro uma movimentada reunião com a comunidade científica e tecnológica do Estado. O encontro, no auditório do Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep), foi uma oportunidade para o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de Pernambuco (Facepe), José Carlos Cavalcanti, apresentar as metas da Facepe para o período 2000-2002. De acordo com os planos, os clusters tecnológicos existentes no Estado vão se encarregar da difusão das inovações tecnológicas e, ainda este mês, a Fundação deve lançar, via Internet (www.facepe.pe.gov.br ), dois editais para projetos de pesquisas induzidas nas áreas de biotecnologia, energias alternativas, tecnologia ambiental, tecnologia da informação e saúde. Do encaminhamento à avaliação dos projetos, tudo será feito on line.

Plano de Financiamento

Na mesma reunião no Itep, o secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, Cláudio Marinho, expôs o Plano de Financiamento de Pesquisa em Pernambuco, que traz

Cavalcanti: projetas induzidos

a promessa da tão sonhada regularização dos repasses do Tesouro à Facepe, na base de R$ 250 mil mensais, valor de pico dos desembolsos dos últimos quatro anos. O secretário apresentou também a proposta de programatizar o fomento, destinando 70% dos recursos para a indução de áreas estratégicas e 30% para a demanda espontânea. Mas a idéia é que para isso, em paralelo aos investimentos do governo, sejam captados recursos externos, na base de um para dois - para cada R$ 1 do governo, R$ 2 sejam colocados por um parceiro privado. Outra proposta em curso é a Lei do Conhecimento, que vem sendo elaborada com vistas à criação com incentivos fiscais e financeiros para estimular as empresas privadas a investirem em pesquisa e desenvolvimento.

Bolsas e auxílios em andamento

Um flash do início do ano: a FAPESP apóia atualmente 9.000 bolsas e 7.000 auxílios à pesquisa. Por mês, a Fundação destina cerca de R$ 12 milhões a bolsas e de R$ 12 a R$ 18 milhões a auxílios.

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I fEVEREIRO DE 1000 • IS

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CAPA

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Está concluído o seqüencia­mento genético da bacté­ria Xylella fastidiosa, maior projeto científico já reali­zado no Brasil, lançado em

14 de outubro de 1997 pela FAPESP, com apoio do Fundo Paulista de De­fesa da Citricultura (Fundecitrus), e investimento de US$15 milhões. No dia 6 de janeiro passado, os pesqui­sadores da Organização para Se­qüenciamento e Análise de Nucleotí­deos, ou, em inglês, Organization for Nucleotides Sequencing and Analysis - que resulta na sigla ONSA, de so­noridade propositalmente tão brasi­leira-, fecharam o genoma do pri­meiro fitopatógeno já seqüenciado no mundo.

Isso significa que nesse dia estavam determinadas todos os 2,7 milhões de bases do cromossoma da Xylella. Ou, como resume de forma bem sim­ples o doutor Andrew Simpson, coor­denador de DNA do projeto, "significa que aí tivemos uma seqüência contí­nua de tudo", ainda que um trabalho pesado tenha prosseguido, até mea­dos de fevereiro, em pelo menos cin­co dos 35laboratórios da rede ONSA envolvidos com a bactéria responsá­vel pela clorose variegada dos citros ( CVC), a praga do amarelinho, que afeta 34% dos pomares de laranja, ba­se da importante citricultura paulista.

A última reunião:

Simpson discute o mapa genético do primeiro fitopatógeno seqüenciado no mundo

,

Nesses laboratórios continuava­se a trabalhar incansavelmente na re­visão de umas poucas centenas de bases que ainda não estavam exata­mente dentro do padrão de qualida­de utilizado na ONSA- de menos de um erro por 10 mil nucleotídeos- e na descrição e definição precisas dos genes codificados pelo genoma. E nesses e em outros grupos de pesqui­sa prosseguia o absorvente esforço para a elaboração do artigo científico - o paper, no jargão dos cientistas -, com o mapa da seqüência da bacté­ria, incluindo todos os genes nela en­contrados, que será submetido para publicação em março. É somente a publicação que vai oficializar para a comunidade científica internacional o feito dos pesquisadores brasileiros na genômica e, só a partir dela, os novos dados científicos da biologia da Xylella fastidiosa podem ser livre­mente divulgados pela imprensa não especializada. São rituais próprios do universo científico- há que aceitá-los.

Mas muito antes disso, ou seja, no dia 21 de fevereiro, os laboratórios e cerca de 190 cientistas envolvidos no projeto da Xylella terão recebido do Estado de São Paulo o reconheci­mento público da relevância de seu trabalho, na forma de troféus, me­dalhas e diplomas do "Mérito Cien­tífico e Tecnológico". Trata-se de um novo prêmio para conquistas signi­ficativas na área de C&T em São Pau­lo, instituído oficialmente pelo go­vernador Mário Covas em 18 de fevereiro, motivado precisamente pelo trabalho dos pesquisadores do genoma da X. fastidiosa.

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MIGUEL BOYAYAN

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"' Encontro para preparação do artigo científico (o paper) com as conclusões do projeto Genoma Xylella

Entre o momento dessa homena­gem e o começo efetivo do projeto da Xylella, o tempo decorrido foi muito curto: apenas dois anos. E isso não muda muito ainda que se tome por começo a gênese mesma do projeto, fixada por consenso de seus líderes em primeiro de maio de 1997, dia em que Fernando Reinach, pesquisador do Instituto de Química da Universi­dade de São Paulo-USP, propôs ao diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, que se fizesse o se­qüenciamento completo de um mi­croorgamsmo.

No entanto, em termos científi­cos, há simbolicamente, para o Bra­sil, quase a distância de uma era entre esse começo, incluindo os dias de manejo desajeitado e lento das novas máquinas seqüenciadoras, no início de 1998, e o momento em que o read (parte da biblioteca de clones) envia­do por Luís Eduardo Aranha Camar­go fechou o genoma - ou, melhor ainda, o momento em que Simpson anunciou o fechamento para os cien­tistas reunidos no I Encontro de Ge­nomas Microbianos Relevantes para a Agricultura, promovido pelo De-

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partamento de Agricultura dos Esta­dos Unidos, em San Diego, Califór­nia, nos dias 8 e 9 de janeiro. Tinha-se, antes, um País alheio às conquistas da genômica e, depois, um País que pertence ao seleto clube dos que con­cluíram o seqüenciamento de um ge­noma microbiano, expertise até então dominada por apenas 14 outros gru­pos de pesquisa nos Estados UnidÓs, na Europa e no Japão.

A participação de Simpson no en­contro em San Diego, para o qual foi convidado, merece ser registrada. Na abertura do encontro, Peter Johnson, responsável por um dos maiores pro­gramas de financiamento de pesqui­sa do Departamento de Agricultura, anunciou à audiência o fechamento do genoma da Xylella nos seguintes termos: "Tenho uma boa e uma má notícia para contar: a boa, é que foi seqüenciado o genoma do primeiro organismo fitopatógeno; a má, é que não foi feito aqui nos Estados Uni­dos': A palestra de Simpson, mais tar­de, fez um grande sucesso e, no final, ele ressaltou que o melhor do projeto brasileiro foi a revelação de jovens pesquisadores. Como destes estavam

presentes no encontro Luís Eduardo Aranha Camargo, Felipe Rodrigues da Silva, Celso Marinho, Alessandro Paris e André Vettore, Simpson pediu desculpas por embaraçá-los, solici­tou que se levantassem e os cinco fo­ram aplaudidos. Depois, Simpson foi cercado e entusiasticamente parabe­nizado. Vale observar que o fato de os orçamentos para seqüenciamento de genomas importantes para a agricul­tura, nos Estados Unidos, serem me­nores que os disponibilizados pela FAPESP só aumentou o calor da aco­lhida ao seqüenciamento da Xylella.

"Foi só naquele momento em San Diego que eu senti como era saboro­so ter um dedinho naquilo que esta­va provocando tanto impacto, tanto sucesso", diz Camargo. O pesquisa­dor de 35 anos, professor doutor no Departamento de Entomologia, Fito­patologia e Zoologia Agrícola da Es­cola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz-Esalq/USP, diz que ao saber que um read que enviara ao Centro de Bioinformática fechara o genoma, sentiu só alívio. "Eu estava tão estres­sado, porque queria ter terminado tudo antes do Ano Novo, e tão an-

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- Meidanis: experiência anterior dos Joões tornou-os a alternativa perfeita à idéia de cooperação em bioinformática

gustiado, porque no meu computa­dor não conseguira fechar, mesmo depois de o João Setúbal me dizer que fechara, que nem senti alegria. Na Ca­lifórnia é que veio o rebote': comenta.

Realidade maior que o sonho -A par do importante fato científico stricto sensu, que abre vastas possibilidades e novas indagações para os laborató­rios ligados à rede ONSA, o fecha­mento do genoma da Xylella fastidiosa tem uma infinidade de outros signi­ficados. Primeiro, ele atesta que, não só foi cumprido, como ultrapassado em boa medida, o que era pouco mais que um sonho quando a FAPESP lançou solenemente, no auditório da Fundação superlotado por autorida­des, empresários e mais de 300 pes­quisadores do Estado, o então cha­mado Projeto Genoma-FAPESP. Ali, anteviam-se e explicitavam-se estas realizações: • Seqüenciar até maio do ano 2000 cerca de 2 milhões de pares de base do DNA da Xylella fastidiosa; • Propiciar um salto de competência em Genética Molecular, com cerca de 30 laboratórios dominando, no ano

Setúbal: competência do Centro de Bioinformática mereceu referência especial do Steering Committee

2000, as técnicas de análise de geno­ma e todas as tecnologias básicas des­sa área; • Dispor de novos dados científicos e idéias, no final do projeto, para tentar resolver o problema da CVC na citri­cultura paulista; • Consolidar um novo modelo de tra­balho cooperativo em pesquisa.

Essas propostas estão documen­tadas no Notícias FAPESP número 25, de outubro de 1997, na matéria com o título assertivo "Um projeto

para revolucionar a ciência brasilei­ra", apropriado ao clima de entusias­mo que grassava entre os formulado­res da proposta de seqüenciamento da Xylella, à frente o professor Perez. E é um exercício interessante compa­rar o que está dito no então boletim da Fundação com o que de fato ocorreu.

Primeiro, o número de bases da Xylella revelou-se cerca de um terço maior do que indicava a estimativa inicial, o que faz de seu genoma o quinto mais extenso já completa­mente seqüenciado. E ainda assim, o trabalho foi concluído cerca de qua­tro meses antes do prazo previsto: em janeiro, e não em maio de 2000.

Em segundo lugar, o salto de com­petência científica registrado na pes­quisa em biologia molecular em São Paulo, em decorrência do projeto da Xylella, foi certamente maior e mais facetado do que ousavam imaginar seus mais visionários formuladores. Em relação a número de laboratórios capacitados, por exemplo, hoje exis­tem, não 30, mas cerca de 60 grupos de pesquisa espalhados pelo estado de São Paulo com conhecimento e do­mínio das técnicas mais modernas de pesquisa em biologia molecular. Sobre isso, Marco Antonio Zago, professor titular do Departamento de Hemato­logia e Hemocentro da Medicina da USP de Ribeirão Preto e coordena­dor de um dos laboratórios de se­qüenciamento da Xylella diz que, "além da importância de seu resultado específico, é preciso ressaltar exata­mente a mudança drástica, funda­mental, operada na pesquisa bioló­gica em São Paulo pelo projeto, na medida em que permitiu a capacita­ção em termos de infra-estrutura e competência técnica de um número muito grande de laboratórios espa­lhados pelo estado". Zago não tem dúvida de que esses laboratórios en­contram-se num patamar comparável aos dos melhores grupos de pesquisa dos países mais desenvolvidos para responder, como diz Perez, "a um fu­turo, mais que promissor, exigente':

Em relação à competência cientí­fica, a área de bioinformática merece

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uma referência especial. Ela era cru­cial para se fazer o seqüenciamento, mas, ao mesmo tempo, nova e ca­rente de quadros no País, de tal for­ma que chegou-se a pensar na alter­nativa de resolver o problema via cooperação internacional. A idéia foi sugerida por André Goffeau, um dos três integrantes do comitê inter­nacional ( Steering Committee) de as­sessoramento ao projeto da Xylella­os outros dois são Steve Oliver, da Universidade de Manchester e John Sgouros, do Imperial Cancer Rese­arch Fund, em Londres. Goffeau, respeitado pesquisador belga do Instituto Curie, coordenador do se­qüenciamento do genoma da leve­dura, concluído em 1996 por uma rede de cerca de 100 laboratórios eu­ropeus, propôs que se contratasse um dos especialistas que haviam traba­lhado nesse projeto. A hipótese foi descartada quando o grupo que dis­cutia inicialmente o projeto - Perez, Reinach, Simpson, Paulo Arruda, pesquisador da Universidade Esta­dual de Campinas-Unicamp, Marcos Machado, do Instituto Agronômico de Campinas, Márcio de Castro, da Esalq, Juliano Aires e Ademerval Gar­cia, do Fundecitrus, Ricardo Brentani e Joaquim Machado, do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer e Goffeau, entre outros - soube que dois jovens pesquisadores da Uni­camp já vinham trabalhando nessa área. Eram João Meidanis e João Se­túbal, logo chamados para se agregar ao grupo e que terminariam ocupan­do a função-chave de coordenado­res de bioinformática do projeto. A solução revelou-se perfeita: no últi­mo parecer do Steering Committee sobre o projeto, extremamente posi­tivo, há um destaque para "o excep­cionalmente alto nível de compe­tência profissional demonstrado pelos dois coordenadores de bioin­formática, combinado com a dispo­sição de ajudar, sempre, a resolver os problemas". Do laboratório dos dois Joões começam a sair novos especia­listas em bioinformática, e ali afir­mou-se, por coincidência, um ter-

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..

O projeto ajudou a revelar novos tal entos, co mo João Kitajima, da Bio informática, área científica estratégica no século XXI

midades dos genes, o método ORESTES per­mite alcançar sua área central, de fundamental importância porque aí se concentra sua região co­dificadora de proteínas. O método vem sendo usado com grande suces­so no projeto paulista do Genoma Humano do Câncer. Um artigo a seu respeito está prestes a ser publicado numa revista científica internacional e ele é objeto de um pedi­do de registro de patente depositado no escritório norte-americano pelo Ins­tituto Ludwig, com a concessão de metade dos direitos à FAPESP.

ceiro João, o Kitajima. Isso é de gran­de importância, porque a essa área que, segundo a própria explicação de Setúbal, viabilizou o trabalho de tra­tamento e análise de enormes volu­mes de dados na biologia, conferin­do-lhe uma dimensão quantitativa inteiramente nova, parece reservado um lugar muito especial no desen­volvimento científico do século 21.'

Um olhar mais amplo sobre a questão do salto de competência obriga ainda a incluir uma brilhante realização paralela obtida no curso do projeto da Xylella fastidiosa: a nova metodologia de seqüencia­mento ORESTES, sigla de Open Re­ading Frames EST Sequences. Embo­ra não tenha sido utilizada com a bactéria da CVC, foi impulsionado por seu trabalho como coordenador de DNA nesse projeto que Simpson aperfeiçoou, junto com talentosos jovens cientistas de seu laboratório no Instituto Ludwig de Pesquisas so­bre o Câncer, o método sobre o qual já vinha trabalhando há alguns anos. Diferentemente das outras metodologias em curso, que propi­ciam o seqüenciamento das extre-

O vigor conquistado da ONSA - Em relação ao

objetivo do projeto da Xylella de ge­rar dados e idéias novas para resol­ver o problema da CVC, o caminho proposto pela FAPESP foi o projeto Genoma Funcional. Lançado em 30 de outubro de 1998, ele desafiava os pesquisadores paulistas especializa­dos em doenças de plantas e áreas afins a trabalhar com novas hipóte­ses sobre a praga do amarelinho, a partir dos genes da bactéria que vi­nham sendo biologicamente identi­ficados pelos laboratórios da rede ONSA. Hoje, 21 projetos de pesqui­sa estão sendo desenvolvidos no âm­bito do Genoma Funcional da X. fastidiosa e há uma expectativa de que possam oferecer um caminho efetivo de controle da clorose dentro de alguns anos.

E, para concluir a análise do sal­do entre o proposto e o realizado pelo projeto da Xylella, uma questão decisiva para seu êxito: o modelo implantado de trabalho cooperativo em pesquisa. A ONSA revelou-se um modelo que efetivamente conse­guiu criar uma nova cultura sobre o modo de fazer pesquisa em São Pau­lo. Antes de indicar como e por que

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ele conseguiu isso, vale lembrar que a ONSA foi a base a partir da qual a FAPESP transformou o Projeto Genoma numa coisa muito maior, o Pro-grama Genoma-FAPESP, constituído no primeiro semestre de 1999, com essa seqüência de lança-mento de projetos: • Genoma Humano do Câncer, em 26 de março, num esquema de parceria entre a FAPESP e o Insti­tuto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer; • Genoma da cana-de­açúcar, em workshop in­ternacional nos dias 12 e 13 de abril, com apoio da Copersucar (Cooperativa dos Produtores Paulistas de Cana -de-Açúcar); • Genoma-Xanthomonas,

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em junho, para seqüenciamento da bactéria Xanthomonas axonopodis pv citri, causadora do cancro cítrico, com apoio do Fundecitrus.

A essa altura, os projetos do progra­ma Genoma da FAPESP representam investimentos globais de aproxima­damente US$ 35 milhões, incluindo­se os aportes de R$ 5 milhões do Ludwig para o Genoma-Câncer, cer­ca de US$ 1 milhão do Fundecitrus para os dois projetas genoma ligados à citricultura e US$ SOO mil da Co­persucar em apoio ao Genoma­Cana. Chega-se ao custo total com os investimentos no projeto Genoma Funcional da Xylella.

Mas quais as razões do sucesso do modelo de trabalho concretiza­do pela ONSA? Já em maio de 1998, a renovação que ele estava trazendo ao ambiente da pesquisa paulista era, graças à percepção de Perez e Simpson, assim descrita no Notícias FAPESP 31: "Um fenômeno novo está ocorrendo na organização da pesquisa e na própria produção de ciência no Estado de São Paulo. ( .. . ) ele se manifesta numa cooperação entre pesquisadores em escala ja-

Luiz Eduardo Camargo: de seu laboratório, ele enviou, no dia 5 de janeiro, o read que permitiu fechar o genoma da bactéria

mais vista no País, num ritmo de produção que lembra mais uma li­nha de montagem industrial do que a investigação científica tradicional, e numa velocidade de obtenção de resultados surpreendente numa ati­vidade que, pelo menos no Brasil, sempre foi vista como descompro­metida com a ação do tempo". Ex­plicava-se que o acontecimento novo se revelava na consolidação de uma estrutura de pesquisa leve, fle­xível e eficiente, um instituto virtual sem paredes, descentralizado e base­ado na idéia de rede de laboratórios, tomada de empréstimo a alguns grandes projetas internacionais, à qual, no entanto, a iniciativa paulis­ta agregara "princípios de liderança e hierarquia próprios de um institu­to convencional, chegando a uma receita, no mínimo, original".

Uma chave da questão parece es­tar justamente aí: "Primeiro, o pro­jeto da Xylella funcionou muito bem por causa do estilo de coorde­nação de Simpson. Ele tem a capaci­dade de agregar pessoas, entende suas limitações e suas qualidades, cobra sem ferir e sem ser paternalis-

z

~ ta", diz Luiz Eduardo Camargo. Em segundo lugar, ainda de acordo com Camargo, a network da Xylella foi de alta eficiência, até pela sintonia que se conseguiu para a troca de in­formações, graças ao trabalho do Centro de Bioinformática. "E final­mente, tudo funcionou bem pela sensação de bem estar que prevale­cia nas reuniões do grupo".

Mais velho e mais experiente, o professor Zago vai praticamente pela mesma linha na avaliação das razões do sucesso do trabalho na ONSA. "Trabalhar em rede era um enorme desafio, porque não tínha­mos a cultura da cooperação", diz. Segundo ele, a personalidade de Simpson, a percepção dos pesquisa­dores de que acabara a competição entre eles e chegara o momento de se unir para competir com os gru­pos de fora e resultados rápidos, porque o grupo se unia para resol­ver os problemas, foram os compo­nentes básicos do excelente funcio­namento do projeto. Excelência reconhecida pelo Steering Committee quando disse, em seu parecer de 10 de novembro último, que a rede es­tava funcionando em São Paulo "ainda melhor do que funcionou na Europa" e recomendou à FAPESP esforçar-se para incorporar tudo que fora listado de positivo no pro­jeto da Xylella aos projetas genoma futuros. Dessa lista constam, entre outras coisas, "o excelente espírito de grupo construído na rede" e "o modo entusiasmado, positivo e aco­lhedor com que Andrew Simpson exerceu seu papel de coordenador de DNA".

Simpson, por sua vez, afirma que "o segredo do sucesso do projeto foi a dedicação intensa de jovens pes­quisadores e o aproveitamento do enorme talento disponível entre o grupo". Segundo ele, "esses talentos precisam ser valorizados e precisam saber que são valorizados".

Tudo deu certo com a Xylella. Agora o futuro, dizem os pesquisa­dores num coro virtual, está aberto para novos e maiores desafios. •

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO OE 1000 21

Page 22: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

CIÊNCIA

IMUNOLOGIA

Uma vitória contra os fungos

Caminhos novos para o tratamento de uma micose tipicamente tropical

Overão, quando o calor e a umidade aumentam, é a épo­

ca própria das micoses. Se localiza­das nas mãos ou nos pés, podem ser tratadas mais facilmente. Às vezes formam manchas brancas na pele ou até coçam, numa preciosa indi­cação de sua gravidade. Pior é quan­do não têm tempo certo para apare­cer, espalham-se pelo organismo e permanecem silenciosas durante anos. É o caso de uma micose de nome longo, que num primeiro mo­mento causa certo estranhamento, ainda que tipicamente tropical - a paracoccidioidomicose ou, simples­mente, PCM. Causada pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis, é difícil de ser detectada, até se manifestar em colônias que se formam normal­mente nos pulmões. A busca por de­talhes da origem e do comporta­mento desse fungo tem frustrado pesquisadores do Brasil, Argentina, Venezuela e Colômbia, os países mais atingidos. Mesmo assim, por meio da biologia molecular, a PCM pode estar sendo derrotada.

Um trabalho realizado na Uni­versidade Federal de São Paulo (Unifesp, antiga Escola Paulista de Medicina) levou ao isolamento e ao estudo da ação biológica de um componente molecular do fungo e agora abre caminho para a detecção da infecção, antes que ela se mani­feste clinicamente, e para uma vaci­na contra a PCM. É a glicoproteína gp43 (a abreviação gp refere-se à es­trutura de uma glicoproteína: além dos aminoácidos formadores da pro­teína, há uma cadeia de caboidra-

22 • JANEIRO I FEVEREIRO DE lODO • PESQUISA FAPESP

Travassos: o conhecimento da gp43 conduz à imunização experimental contra a PCM

tos). Já se sabe que essa molécula permanece frouxamente ligada à pa­rede que reveste a membrana celular do fungo e é desprendida para o meio externo, mas suas funções, em relação ao próprio fungo, permane­cem pouco conhecidas.

"Ao longo da evolução do fungo, a gp43 pode ter sido uma enzima responsável pela degradação de açú-

cares da parede celular, embora atual­mente não tenha mais essa função", conta a biomédica Rosana Puccia, uma das pesquisadores que estuda essa molécula desde os anos 80. Co­mo resultado do seu mestrado e doutoramento, concluído em 1990, Rosana identificou a gp43 como uma molécula protéica do P. brasi­liensis que inicia as reações imuno-

Efeito do desequilíbrio ambiental O VII Encontro Internacional

sobre Paracoccidioidomicose, reali­zado em abril de 1999, em Campos de Jordão, mostrou a dimensão atual da PCM, descrita pela primei­ra vez em 1908 pelo médico carioca Adolfo Lutz (1855-1940). O pes­quisador Boda Wanke, do Hospital Evandro Chagas, no Rio de Janeiro, expôs um trabalho demonstrando que o Brasil tem mais de 80% dos re­gistras de PCM na América Latina.

Não há registro de surtos epidê­micos, mas a doença ameaça alas-

trar-se em áreas de ocupação recen­te, em Rondônia, Tocantins, Pará, Mato Grosso e Acre, onde era des­conhecida. Wanke atribui essa ex­pansão ao desequilíbrio ambiental. O desmatamento acelerado e o re­volvimento do solo para plantio deixam o fungo em suspensão na atmosfera, facilitando a contamina­ção humana.

Outro estudo, feito em conjunto por pesquisadores da Unifesp e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, com base em

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lógicas no organismo humano con­tra a PCM, um marco em sua carrei­ra científica, registrado em I986 com a publicação de artigo na revis­ta Infection and Immunity. No papel de antígeno, como são chamados os elementos estranhos ao corpo, a gp43 aciona a produção de anticor­pos, como ela demonstrou.

Rosana não parou. Tornou-se professora da disciplina de Biologia Celular da Unifesp em I993 e uma das pesquisadoras do grupo reunido por Luiz Rodolpho Raja Gabaglia Travassos, seu orientador no mes­trado e doutorado. Foi Travassos quem coordenou durante três anos o projeto temático Biologia Molecu­lar e Imunobiologia de Componentes Exocelulares Purificados de Paracoc­cidioides Brasiliensis - Relação entre Estrutura e Função. O trabalho con­tou com recursos da FAPESP da or­dem de R$ 250 mil, empregados principalmente em equipamentos e reagentes para a purificação e análi­se de proteínas.

Os epitopos - Nesse estudo, os pes­quisadores da equipe de Travassos aprofundaram as descobertas de Ro­sana. Numa busca mais detalhada, verificaram que o mecanismo básico envolvido na origem e prevenção da PCM envolve um trecho específico da gp43, ou epitopo, contido em uma

3.I8I mortes, entre I980 e I995, aponta a PCM como a oitava causa de mortalidade entre as doenças in­fecciosas e parasitárias. É compara­da às grandes endemias, como a doença de Chagas, tuberculose, ma­lária, esquistossomose, sífilis e han­seníase. Com uma taxa de mortali­dade média anual de I,48 por milhão de habitantes, predomina en­tre a população masculina (84,75% dos casos na faixa entre 30 e 59 anos).

A infecção ocorre pela aspira­ção de formas arredondadas do P. brasiliensis que penetram nos alvéo­los pulmonares. No organismo humano, o fungo se reproduz no

O fungo: em forma de mickey mouse

seqüência de apenas IS aminoácidos. Quase perdido entre os 4I6 aminoá­cidos da gp43, é esse trecho que será reconhecido pelas células do sangue chamadas linfócitos T, que a partir desse momento vão entrar em ação para proteger o organismo. Há ou­tros epitopos, de tamanhos variados, que acionam a produção de anticor­pos ou de outras células de defesa,

pulmão como leveduras capazes de brotamento múltiplo, dando ori­gem a figuras características em roda de leme ou mickey mouse -quando se formam apenas duas gêmulas, semelhantes às orelhas do famoso rato.

Podendo permanecer incubada por 10 a 20 anos, a PCM manifesta­se na sua forma aguda pela forma­ção de gânglios e intenso compro­metimento do sistema linfático regional. Se as células fúngicas não são contidas, podem espalhar-se pelo organismo e afetar o sistema nervoso central, na forma mais gra­ve e rara da PCM.

mas é esse, de IS aminoácidos, o úni­co cuja localização e efeito encon­tram-se mais conhecidos.

Essa descoberta foi o resultado da tese de doutoramento, concluída no ano passado, de Carlos Pelleschi Ta­borda, hoje fazendo pós-doutora­mento no Albert Einstein Medical School, em Nova York, nos Estados Unidos. Sua rotina, durante meses, consistia em injetar uma solução da gp43 ou de seus fragmentos de peptí­dios em centenas de camundongos de linhagens especiais, chamados iso­gênicos. Sintetizados no Departa­mento de Biofísica da Unifesp, os fragmentos de IS a I8 aminoácidos, PI, P2, P3 . . . , representavam toda a cadeia protéica da gp43. O peptídio que deu mais certo, como se verifica­ria, foi o PIO, justamente o tal epito­po de IS aminoácidos.

O efeito da molécula inteira e dos fragmentos foi avaliado em cé­lulas crescidas no laboratório e em camundongos. Os animais imuniza­dos com a gp43 ou com o PIO de­senvolveram uma infecção pulmo­nar cerca de 200 vezes menos intensa que os animais controle não imunizados. Também se verificou que a infecção provocada pelo fungo não chegou a outros órgãos nos ani­mais protegidos. Esse efeito era o re­sultado do estímulo de uma espécie de linfócitos T, os CD4+ Th-I, que produzem substâncias protetoras chamadas interleucinas. Essas cé­lulas são responsáveis pelas reações intradérmicas positivas quando se injeta a gp43 ou o PIO na pele de pa­cientes com PCM ou em animais in­fectados pelo fungo.

Na etapa das experiências reali­zadas no laboratório em placas de plástico, ou in vitro, os pesquisado­res compararam o comportamento de linfócitos T de dois tipos. Um era proveniente de indivíduos infecta­dos, de pacientes com PCM instala­da na forma aguda ou crônica, de animais imunizados ou igualmente infectados pelo fungo. Outra eram células T normais, usadas como controle. Travassos conta que so­mente os linfócitos T provenientes

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2000 • 23

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de pessoas ou de animais infectados pelo fungo eram capazes de prolife­rar em presença da gp43 ou do P10. Do mesmo modo, a produção de anticorpos contra a gp43 era alta nos indivíduos infectados. Segun­do o pesquisador, esses resultados atestam que a gp43, além de ser um bom antígeno para diagnóstico, aciona uma resposta pro­liferativa de linfó­citos T protetora contra a micose.

Vez ou outra, a equipe de Travas­sos - de 17 pesqui­sadores, incluindo estudantes da Uni­versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - parava para compartilhar as novidades, já que a pesquisa dividia-se em três subprojetos. Um deles consistia na clonagem e no seqüenciamento completo do gene da gp43. Foi esse trabalho- resultante da tese de dou­toramento de Patricia Cisalpino -que possibilitou toda a pesquisa subseqüente para o mapeamento do epitopo de células T.

Surgiam outras razões para feste­jar à medida que se conhecia melhor o comportamento bioquímico do fungo. Ao encerrar o doutoramento, Rosana Puccia ficou com a impres­são de que a gp43 poderia ter uma atividade enzimática, por meio da qual poderia quebrar proteínas. Como verificou posteriormente, não era bem assim. Rosana, em cola­boração com Adriana Carmona, do Departamento de Biofísica da Uni­fesp, encontrou outra molécula, uma serino-tiol protease, esta sim uma enzima do fungo que faz o que a gp43 não poderia fazer. Não pare­ce estar associada diretamente a rea­ções do sistema imunológico, mas se constitui provavelmente em um fa­tor de virulência do P. brasiliensis. "É possível que essa enzima tenha uma ação degradando compostos da ma­triz extracelular e ajude desta forma

24 • JANEIRO I fEVEREIRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

o fungo a invadir os tecidos", diz a pesquisadora.

Isolamento difícil - Ainda há muito por saber sobre a PCM. O próprio fungo exibe um comportamento bastante discreto. Numa região en-

dêmica de São Paulo (Botucatu, Manduri, Pardinho e Pratânea), pesquisadores da área de microbiologia e imunologia do Insti­tuto de Biocências da

em ambiente natural. Ensaios reali­zados em laboratório demonstra­ram que um pesticida de uso co­mum, o Benlate, em concentrações de 25 a 100 vezes menores que pro­dutos similares, elimina até 98,3% dos fungos em amostras infectadas de células de animais.

O trabalho evolui agora para a determinação da variabilidade gené­tica de moléculas-chave como a gp43 e para o desenvolvimento de vacinas de plasmídeos contendo ge­ne da gp43, para imunização experi-

mental de animais. ~ Travassos confia que ~ ~ métodos mais preci-

As regiões Sudeste e Centro-Oeste apresentam

as maiores incidências de PCM no Brasil. um dos

sos de diagnóstico podem melhorar o conhecimento epide­miológico da PCM, cuja notificação não é obrigatória. Há pou­cos casos de interna­mento hospitalar (en­tre 50 e 75 casos por ano em São Paulo), mas a alta reatividade dos testes de sensibi­lidade, a chamada re­ação intradérmica, entre jovens em áreas endêmicas (62% em São Paulo, 52% na Venezuela e 41% no Equador) indica que a PCM pode estar se

mais países mais atingidos na América latina

Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, tiveram de coletar e examinar cerca de 40 ani-. . mms- morcegos, cap1varas, serpen-tes e tatus - até descobrir em apenas um deles, o tatu-galinha (Dasypus novemcinctus), especialmente no pâncreas, o reservatório natural do fungo.

Mesmo assim, o fungo não tem sido encontrado mais facilmente em ambientes quentes, úmidos e sombreados, os preferidos dos ta­tus. Com base em um estudo que reuniu a Unifesp e a Universidade Estadual de Londrina, foi sugerido que o uso de fungicidas agrícolas pode estar interferindo na dificul­dade de se encontrar o P. brasiliensis

propagando numa velocidade maior do que se consegue detectar. •

PERFIL:

• LUIZ RODOLPHO RAlA GABAGLIA

TRAVASSOS, 61 anos, graduou-se em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde de­senvolveu o doutorado e lecionou entre 1963 e 1980. É professor titu­lar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desde 1980. Projeto temático: Biologia Molecu­lar e Imunobiologia de Componentes Exocelulares Purificados de Paracoc­cidioides Brasiliensis - Relação entre Estrutura e Função Investimento: R$ 249.090,00

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Cobertura de diamante

Dentro dos cilindros, o vá­cuo é quase total. A tempera­tura, próxima a 800 graus Celsius. Nessas condições, um dos laboratórios da Uni­versidade de São Francisco (USF), em Atibaia, produziu uma das maiores áreas reco­bertas de diamante sintético no Brasil, com 80 centíme­tros quadrados. A película que cobre a placa arredonda­da (10,2 centímetros de diâ­metro e 0,25 milímetro de espessura) tem uma espessu­ra de 80 a 100 microns (um micra é um décimo do milí­metro). João Roberto Moro, responsável pelo laboratório de Diamantes e professor da Faculdade de Engenharia da USF, conta que essas placas poder ser úteis na indústria aeroespacial - por exemplo, em juntas dos braços de sa­télite que se abrem no espaço e não podem ter lubrifican­tes, que se desfazem sob gra­vidade muito baixa. O traba­lho desenvolveu-se em colaboração com o Instituto Nacional de Pesquisas Espa­ciais (Inpe) e o Instituto de Estudos Avançados do Cen­tro Técnico Aeroespacial (CTA), ambos de São José dos Campos. É também o ponto alto de um projeto de

CIÊNCIA

... e Moro, da USF, com o reatar: aplicações em braços de satélites

pesquisa que focava inicial­mente o desenvolvimento de tubos de 0,9 mm, com apli­cações práticas mais imedia­tas (em brocas de dentista, por exemplo) . Formado pela Unicamp, Moro conta que agora sua equipe consegue também fazer camadas com até 1 milímetro de diamante sintético, de propriedades de alto interesse: é o material mais duro que qualquer ou­tro, quimicamente inerte, iso­lante elétrico e de baixo coe-ficiente de atrito.

laboratórios novos no Ceará

Chegou no final de ano o quarto e último lote de equi­pamentos importados da Alemanha, a um custo de US$ 1 O milhões, que vão re­novar os laboratórios da Fundação Núcleo de Tecno­logia Industrial do Ceará (Nutec) e das três universi­dades estaduais. A nova apa­relhagem permitirá também a criação do curso de Ecolo­gia da Universidade Estadual do Ceará e, no caso da Nu­tec, atender a demandas do setor produtivo. •

Eletricidade e água no sertão

Aos poucos, os moradores das propriedades rurais de Araripina, Serra Telhada e Afogados da Ingazeira, no interior pernambucano, dei­xam de assistir televisão mo­vida a bateria e de usar óleo diesel e querosene para ilu­minar suas casas. O Núcleo de Apoio a Projetos de Ener­gias Renováveis (Naper) da Universidade Federal de Per­nambuco (UFPE) está insta­lando sistemas de captação e produção de energia solar nesses municípios, a um cus-

Energia solar: conforto

to de US$ 800 a US$ 1.100 por unidade. O financia­mento provém do Conselho Nacional de Desenvolvimen­to Científico e Tecnológico (CNPq), Eletrobrás e de en­tidades não-governamentais. Estão em operação 126 siste­mas, compostos por uma pla­ca captadora, uma bateria e um controlador de voltagem, que alimentam até quatro pontos de luz de 60 Watts por cinco horas e, se faltar sol, armazenam energia por 48 horas. Além de prepararem

os moradores para cuidar dos equipamentos, os pesquisa­dores instalaram cinco siste­mas de bombeamento de água para poços acionados a energia solar, os Amazonas ou cacimbões. O reservatório de água é feito com placas pré­moldadas feitas no próprio lo­cal pelos moradores. Criado em 1995, o Naper procura amenizar o precário quadro da eletrificação rural, não rentável para as concessioná­rias. No Nordeste, apenas 14% das propriedades rurais recebem energia elétrica. •

Enfoque diferenciado no exame de HIV

Pesquisadores da Universi­dade Federal de São Paulo (Unifesp) aplicaram em re­cém-nascidos o chamado teste de carga virai, que pode detectar diretamente a pre­sença do vírus HIV, causador da Aids. Trata-se de um en­foque inusitado. Para saber se um filho de uma mãe com HIV pode desenvolver a do­ença, normalmente se avalia a presença de anticorpos con­tra o vírus, não do próprio HIV - e os anticorpos não indicam necessariamente a contaminação pelo vírus. Apresentado no final de ja­neiro na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Opor­tunistas, em San Francisco, nos Estados Unidos, o teste re­duz de 18 meses para um mês a confirmação da infecção em bebés e abre a possibili­dade de iniciar logo o trata­mento com drogas antivirais. Os pesquisadores estimam que essa alternativa pode re­duzir pela metade os custos em testes de laboratórios e medicamentos profiláticos. •

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2000 • 25

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CIÊNCIA

SAÚDE PÚBLICA

A genética da surdez Teste simples detecta problemas de audição em recém-nascidos

D e cada 1.000 crianças, uma nasce com problemas de sur­

dez. Dados mundiais indicam que 60% dos casos são causados pela he­rança genética do bebê. No Brasil, mesmo que a maioria dos casos te­nha causas não-genéticas, como ru­béola, meningite ou falta de oxigênio no parto, com a melhoria da atenção da saúde materno-infantil a propor­ção de casos de origem genética ten­de a aumentar progressivamente. En­tretanto, dificilmente a surdez é constatada antes que a criança com­plete dois anos. Nessa altura, ela já pode ter sofrido prejuízos, causados pela falta de estímulos cerebrais rela­cionados com a fala, que vão prejudi­cá-la pelo resto da vida. É consenso entre os médicos que a melhor época para o tratamento ocorre por volta de um ano e meio.

Um teste simples e barato pode mudar essa situação e mostrar, logo na maternidade, se o bebê tem o pro­blema. É o que indicam os primeiros resultados de um estudo que vem sendo realizado no Centro de Biolo­gia Molecular e Engenharia Genética ( CBMEG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O teste, que custa apenas o equivalente a US$ 5, indica com certeza se o recém-nasci­do tem o problema genético mais co­mum relacionado com a surdez, a mu­tação 35delG no gene conexina 26.

"É importante informar à popula­ção, aos médicos e aos pesquisadores a existência desse teste, tão simples quanto outros, já feitos rotineira­mente': diz a coordenadora do estu­do, a pesquisadora Edi Lúcia Sartora-

26 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

to. O projeto, chamado Aplicação das Técnicas de Biologia Molecular no Diagnóstico Etiológico da Deficiência Auditiva, começou em 1999, com apoio da FAPESP, e tem prazo de dois anos para ser terminado.

Além de Edi, participa do estudo a médica Andréa Trevas Maciel Guerra, do Departamento de Genéti­ca Médica da Unicamp, atuando como geneticista responsável pela tria­gem e avaliação clínica das crianças en­volvidas. A contribuição da FAPESP foi de R$ 10 mil, mais US$ 10 mil. Essa verba cobre, basicamente, a aquisição de material de apoio.

Maior precisão - O teste é apenas um dos primeiros resultados da pesquisa, que envolve o estudo de outros genes relacionados à surdez. ''Além do diag­nóstico precoce, à medida que os es­tudos avançarem será possível fazer prognósticos mais precisos sobre a doença, uma vez que existem dife­rentes graus de surdez e diferentes genes envolvidos", diz Edi. Como se trata de um problema genético, é possível calcular a probabilidade do aparecimento de casos de surdez nu-

ma família. Já se sabe, por exemplo, que o simples aparecimento da mu­tação 35delG não deixa a criança sur­da: é preciso que ambos os pais te­nham o mesmo problema, mais comum em pessoas de origem italia­na, grega ou espanhola.

Para se fazer o teste, recolhe-se uma pequena amostra do sangue do recém-nascido, que pode ser colhida mesmo num pedacinho de papel. O resultado sai em algumas horas. A

pesquisadora trouxe a idéia do teste do congresso da Sociedade America­na de Genética Humana realizado em 1998 em Denver, no Colorado, nos Estados Unidos. Aqui, adaptou a me­todologia, conhecida como PCR ale­lo-específico.

O teste consiste em ampliar a re­gião do gene a ser estudada, por meio de uma reação em cadeia de polime­rase. O especialista verifica, então, se a região apresenta a mutação mais freqüente nos casos de surdez de ori­gem genética. Essa mutação é conhe­cida como 35delG e ocorre no gene conexina 26, encontrado no braço longo do cromossomo 13. É um cha­mado hot spot (ponto quente) do gene- um lugar suscetível a altera­ções, provavelmente por causa da re­petição da base guanina.

Edi está realizando uma campa­nha para divulgar a existência do tes­te, especialmente entre entidades de

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apoio aos deficientes auditivos. Ela admite que o teste precisa de materiais específicos e pessoal qualificado e de uma avaliação prévia cuidadosa, rea­lizada por um geneticista clínico. Mas, na execução e análise, é muito sim­ples. Além disso, é mais barato que o teste otoacústico, um exame capaz de determinar o nível de audição do bebê por meio de uma sonda que mede vi­brações sonoras no canal auditivo, que custa US$ 7,50.

Dois testes - Desde 1993, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) vem recomendando a reali­zação do teste otoacústico nos recém-nascidos, reco­nhecendo a importância dos problemas de surdez se­rem descobertos antes dos dois anos de idade. Em ja­neiro deste ano, a prefeitura de Campinas tornou obri­gatória a realização desse exame nas maternidades do município.

Amostras de sangue - Até o mês de janeiro, a pesquisa tinha estudado 27 famílias. De acordo com Edi, a idéia da pesquisa surgiu em conversas com Andréa, começando no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Doutor Gabriel Porto (Cepre), da Unicamp.

Uma participação fundamental partiu de Joyce Maria Annichino­Bizzacchi, coordenadora -associada do Centro de Hematologia e Hemo­terapia (Hemocentro) da Unicamp,

gene conexina 26 rputante para que a criança nasça surda.

De posse dessas informações, os pesquisadores pretendem fazer o aconselhamento genético das famí­lias com problemas de surdez heredi­tária. Nestes casos, examinam o his­tórico familiar e, quando necessário, explicam os riscos de recorrência ou surgimento da surdez. Vão lembrar, principalmente, que as crianças hete­rozigotas têm 25% de chance de terem filhos com deficiência auditiva de ori­

z gem genética se casarem com ~ outra também heterogizota. :il ::>

O risco aumenta quando ~ se sabe que as populações do

sul da Europa, de onde se ori­gina grande parte dos brasi­leiros, têm as proporções mais altas de genes mutantes. A porcentagem mais alta é a da Itália, onde 4% da população é heterozigota para a mutação 35delG. Outros índices altos: Grécia, com 3,5%, e Espanha, 2,3%. Por outro lado, nunca se encontrou a mutação entre pessoas de origem asiática. A pesquisadora diz que

não pede que a lei seja emen­dada ou alterada. Também não quer envolver-se direta­mente em assuntos políticos.

Edi: em campanha para divulgar o teste genético de surdez

A proporção nos Estados Unidos, outro país de popu­lação de origem heterogênea, é de 1%, igual à do Brasil.

Mas defende que, se o teste otoacús­tico encontrar algum problema de surdez na criança, ela seja submetida também ao teste genético. "O exame otoacústico informa se o bebê vai ter um problema de audição, mas não diz se sua causa é genética ou não': explica. "Também não informa o grau de surdez que a criança tem ou desen­volverá. O ideal seria que, depois do teste otoacústico, fossem feitos, além de outros testes audiológicos, os tes­tes genéticos nos recém-nascidos com problemas", acrescenta.

Edi se diz disposta a passar a me­todologia para outros centros, fora da Unicamp, e para laboratórios in­teressados em fazer a análise. Para ela, essa divulgação faz parte da pes­quisa. "A FAPESP está apoiando um projeto importante para a saúde pú­blica e os resultados devem ser divul-gados", observa.

pelo estudo em colaboração do ras­treamento da mutação 35delG em 620 amostras de sangue colhidas ae cordão umbilical de recém-nascidos da região de Bragança Paulista.

A partir dessas amostras, foi pos­sível chegar à conclusão de que a mu­tação 35delG é "muito freqüente" no Brasil. "Falar em termos de popula­ção brasileira é difícil, porque ela é muito heterogênea': diz Edi. Mas o índice encontrado está em torno de 1%, o que significa que aproximada­mente 1 entre cada 100 recém-nasci­dos são heterozigotos para a mutação (com a mutação no gene conexina 26 herdada apenas do pai ou da mãe) .

Logicamente, nem todas essas crianças são surdas. A surdez provo­cada pela mutação 35delG do gene conexina 26 é dada pelo padrão au­tossômico recessivo: tanto o pai co­mo a mãe da criança precisam ter o

"De qualquer maneira, outros estu­dos são necessários, pois os dados disponíveis se baseiam apenas em amostras da população", comenta Edi. Na França, por exemplo, até hoje apenas 68 indivíduos foram estuda­dos com relação à mutação.

Origem e tratamento - Nos casos de surdez de origem genética, 70% são não-sindrômicos, ou seja, a criança não tem problemas de formação que possam estar ligados à surdez. Como os órgãos estão bem formados, o tra­tamento é facilitado.

Existem muitos genes envolvidos nos casos de etiologia genética da surdez - até o momento, 14 já foram mapeados e clonados. Mas na grande maioria dos casos de surdez de ori­gem genética a causa está numa mu­tação do gene conexina 26. A muta­ção mais freqüente, ocorrendo em

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2000 • 27

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70% dos casos, é a deleção de uma base, a guanina. É nessa deleção que consiste a mutação 3SdelG. O trata­mento mais indicado é um implante de cóclea, uma parte do labirinto, em espiral, também conhecida como ca­racol. O período ideal para esse im­plante ocorre quando a criança tem por volta de um ano e meio. Nessa fa­se, ela tem mais oportunidades de apro­veitar os estímulos cerebrais ligados à fala, muito desenvolvidos nessa época.

Para o implante ter resultado, a cóclea da criança deve estar íntegra e não ter nenhum comprometimento neurológico. É o que acontece nos ca­sos de origem genética. A mutação 3SdelG do gene conexina 26 não alte­ra a estrutura da cóclea. Apenas faz com que o produto desse gene, uma proteína também chamada conexina, não chegue a funcionar.

Ou seja, o tratamento tem tudo para dar certo se for realizado no momento apropriado. O problema é identificar a causa genética e provi­denciar sua correção antes que esse período passe. Além disso, ressalta a pesquisadora, é muito importante o diagnóstico naqueles casos de etiolo­gia indefinida em que existe uma an­gústia muito grande em estimar os riscos de recorrência na família. É o que o exame desenvolvido pelos pes­quisadores da Unicamp pode fazer . •

PERFIL:

·A professora Em LúCIA SARTORATO tem 37 anos. Formada em Química pelo Instituto de Química da Uni­versidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem mestrado e douto­rado em Genética Médica, obtidos no Instituto de Biologia da mesma universidade. Desenvolveu parte de sua tese de doutorado no Centro Médico da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos. É pes­quisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp desde 1997. Projeto: Aplicação das Técnicas de Biologia Molecular no Diagnóstico Etiológico da Deficiência Auditiva Investimento: R$ 10 mil e US$ 10 mil

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CIÊNCIA

AMBIENTE

A qualidade é um mito Poços contaminados são comuns entre produtores de leite

V ida na fazenda significa am­biente limpo, ar puro e águas

cristalinas, que correm de cascatas paradisíacas e de rios ainda não to­cados pela poluição, certo? Lamen­tavelmente, não é bem assim. Uma investigação científica realizada em Jaboticabal, na região nordeste do Estado, derrubou o mito da água limpa, pelo menos a envolvida na produção do leite, ao evidenciar a baixa qualidade das fontes utiliza­das cotidianamente para higiene de equipamentos e úberes dos ani­mais, consumo do gado e dos pró­prios produtores.

O resultado surpreen­deu o próprio pesquisador responsável por esse traba­lho, o médico veterinário Luiz Augusto do Amaral, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veteri­nárias da Universidade Es­tadual Paulista (Unesp ), em Jaboticabal. Antes de iniciar o estudo, Amaral suspeitava da possível con­taminação dos mananciais, mas não poderia imaginar que o problema fosse tão grave.

No final do trabalho, o pesquisador verificou que 90% das amostras da água utilizada na limpeza de equipamentos e do úbere dos animais, colhidas em 30 propriedades produto­ras de leite, estavam fora dos padrões microbioló­

água empregada para consumo animal e humano também se mos­trou com índices elevados de con­taminação por microrganismos, in­dicadores de sua baixa qualidade higiênica e sanitária.

Em estudos anteriores, Amaral identificou, em 30% das amostras de água utilizada na produção de leite, higiene de equipamentos e úbere dos animais, colônias de bactérias Staphylococcus aureus, apontadas nas cidades como as causadoras de infec­ções hospitalares, de difícil resolução. Essas bactérias, transmitidas por meio da água durante a lavagem do úbere, podem provocar mastites, uma inflamação da glândula mamá­ria que gera desconforto nos animais, reduz a produtividade e deprecia a qualidade do leite. Os Staphylococcus aureus podem se constituir em fonte de intoxicações em consumidores de

gicos de potabilidade. A Amarai : a situação é preocupante, mas reversível

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leite bovino, principalmente crianças e idosos, lembra o pesquisador.

As conclusões da pesquisa que ele desenvolveu, intitulada Quali­dade Higiênico-Sanitária e Teor de Nitratos em Amostras de Água de Dessedentação Animal e Humana em Propriedades Leiteiras Situadas na Região Nordeste do Estado de São Paulo, com R$ 9,2 mil financiados pela FAPESP, preocupam também por outra razão. Os produtores não apenas desconhecem que a água não é apropriada como, ao contrá­rio, estão convencidos de que a água é boa e, segundo eles, muito melhor do que a consumida nasci­dades (58,6% dos entrevistados).

Confiança - Amaral constatou uma idéia generalizada: para os produto­res, não há por que se preocupar muito com a qualidade da água for­necida aos animais, já que o gado geralmente consome qualquer tipo de água. Outra razão para a tranqüi­lidade é que, de acordo com a opinião unânime dos moradores das pro­priedades que ele estudou, a água é boa. Metade dos produtores contou que a água de suas terras "é melhor que a da cidade". Os moradores de algumas propriedades chegam ao extremo de levar a água para acida­de, pois acreditam que seja melhor que a fornecida pelo sistema de tra­tamento público. Carregam satis­feitos seus galões também porque "a água da cidade tem gosto ruim".

A pesquisa contraria frontalmen­te as impressões dos produtores. Ha­via algum manejo de dejetos em apenas três das propriedades visita­das. Como sabemos, se não tratados adequadamente, os resíduos, especial­mente os orgânicos, como fezes e urina, tornam-se fontes de micror­ganismos patogênicos (bactérias, ví­rus, protozoários), que se infiltram no solo, favorecidos eventualmente pela chuva, atingem a água subterrâ­nea, que abastece as propriedades na zona rural, e causam doenças ao ser humano e aos animais. Em apenas uma entre as 30 propriedades se fa­zia a limpeza e desinfecção periódica

do reservatório de água, que em ge­ral se apresentava em condições ina­dequadas, depreciando ainda mais a qualidade da água.

Epidemias- A história tem mostra­do as conseqüências do descuido

derada uma importante via de transmissão de agentes causadores de doenças, principalmente em bo­vinos, suínos e aves.

Segundo Amaral, minas e poços rasos, mais sujeitos à contaminação que os profundos, constituem qua-

Fonte de água a céu aberto: precariedade e falta de controle sanitário

Poços rasos Espaço livre para a proliferação

por microrganismos

Profundidade Ocorrência (em metros) (em%)

O-lO 56,5

I 1-20 20,0

21-30 6,6

mais de 30 13,3

Fonte: Luiz Augusto do Amarai/ Unesp

com a água, que, diga-se logo, não se restringe ao Brasil. Para exempli­ficar o papel da água na transmis­são de doenças, Amaral cita os sur­tos de cólera ocorridos em 1848 em Londres, descritos em estudos clás­sicos pelo médico epidemiologista inglês John Snow (1813-1858) e, no Brasil, a epidemia de cólera dos anos 90. No caso dos animais, lem­bra o pesquisador, a água é consi-

se a totalidade das fontes de abaste­cimento nas áreas rurais tanto aqui quanto nos Estados Unidos, por exemplo. Faltam no Brasil levanta­mentos sobre a ocorrência de doen­ças veiculadas pela água, mas nos Estados Unidos já se verificou que metade dos casos de doenças trans­mitidas por ela, na década de 70, apresentou uma relação direta com a água subterrânea contaminada, a despeito do inegável- ainda que li­mitado - poder filtrante do solo.

As propriedades que Amaral visi­tou não eram assim tão pequenas, como se poderia imaginar num pri­meiro momento. O pesquisador se­lecionou os locais onde seriam colhi­das as amostras de água por sorteio, a partir de um universo de 100 pro­priedades agropecuárias previamen­te identificadas nos municípios de Pitangueiras, Sertãozinho, Pontal, Taiacu, Taiúva, Monte Alto, Barri­nha, Jaboticabal, Morro Agudo, Vi-

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radouro, Terra Roxa e Sales de Oli­veira - todas elas fornecedoras de leite para a indústria de laticínios da região nordeste do Estado.

A maioria das 30 propriedades selecionadas (82,7%) tinha entre 11 e 300 alqueires (em São Paulo, 1 al­queire equivale a 24,2 mil metros quadrados). Quase metade delas (ou 44,8%) abrigava uma criação com 51 a 100 animais, seguida por outro grupo, de 23,3% das localida­des, com menos de 50. Não eram terras dedicadas exclusivamente à pecuária: grande parte da área era ocupada pelo cultivo de cana-de­açúcar, que favorecia o adensamen­to dos animais (de 0,5 a 30 animais por alqueire, resultado que em al­guns casos facilitava a contamina­ção do solo e dos lençóis freáticos, segundo o pesquisador).

A profundidade - Em quase um ter­ço das propriedades (31,0%) mo­ram de 16 a 30 pessoas, vindo em segundo lugar, com 27,6% do total, aquelas com 6 a 10 moradores. Os poços constituíam 73,3% das fontes de água, e as mi-nas, 26,67%. Um detalhe im­portante a respeito dos po-

Um ponto positivo: predomina­vam os bebedouros para animais de cimento ou de concreto (66,6%), que facilitam a limpeza e a desin­fecção. A água dos bebedouros é que não era boa. Amaral verificou que 43,3% das amostras de água colhidas na época de chuvas e 50% no período de estiagem apresenta­ram-se fora dos padrões para con­sumo animal recomendados pela resolução número 20 do Conselho Nacional do Meio Ambiente ( Co­nama), de 18 de junho de 1986.

O pesquisador explica que, se­gundo essa determinação, a água utilizada para dessedentação ani­mal pode conter 4 mil coliformes fecais por 100 mililitros de água e 20 mil coliformes totais. Para Ama­ral, são valores condescendentes, que deveriam ser revistos. "Uma água com esses níveis de indicado­res bacterianos de poluição fecal pode ser perigosa para animais, principalmente jovens, como os be­zerros", diz.

Reservatório: água não-potável

Fora dos padrões- Mesmo de acor­do com os limites atuais delineia-se um quadro de alto risco para a saú­de bovina. Nas amostras de água utilizada na produção de leite, na la-

Contaminação comprovada

A maioria das amostras de fontes de água (poços e minas), reservatórios e de consumo humano encontra-se fora dos padrões

microbiológicos de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde ços: a profundidade variava até 10 metros em 56,6% dos casos e até 20 em 20% do to­tal. "A pouca profundidade li­mita o poder filtrante do solo e expõe as fontes de água à contaminação, principalmen­te por águas de escoamento superficial", diz Amaral.

PERÍODO FONTES RESERVATÓRIOS CONSUMO

Havia, é certo, algum cui-dado. Havia tampa em 93,1% dos poços e calçada ao redor de 70% deles. No entanto, as obras por si só não justificariam o pouco cuidado em relação ao tratamento da água: em ape­nas 6,6% das propriedades -ou, em termos absolutos, duas residências- utilizava-se filtro de água, e em apenas 3,3%, cloro. "A maioria consumia a água diretamente da torneira situada no interior das resi­dências", conta o pesquisador.

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HUMANO Amostras Contaminação Amostrils Contaminação Amostras Contaminação

(%) (%) (%)

Chuvas 27 90,0 27 90,0 9 96,7

Estiagem 25 83,3 29 96,7 27 90,0

Água ruim também para os animais

A maioria das amostras de água de consumo animal e utilizada na produção de leite encontra-se igualmente fora dos padrões microbiológicos de potabilidade estabelecidos pelo Conama.

A situação é ainda mais grave no período de chuvas do que nas análises das amostras para consumo humano

PERÍODO CONSUMO ANIMAL

Amostras Contaminação (%)

Chuvas 13 43,3

Estiagem IS 50,0

Fonte: Luiz Augusto do Amarai/ Unesp

PRODUÇÃO DE LEITE

Amostras Contaminação (%)

30 100,0

27 90,0

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Bebedouros: facilidade na limpeza

vagem de equipamentos e do úbere do animal, colhidas no estábulo em períodos de chuva, Amaral consta­tou que 100% estavam fora dos pa­drões microbiológicos estabelecidos para esse tipo de água, contidos no Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Nos períodos de estiagem, o índice foi de 90%. Em 70% das amostras durante a época de chuvas e 66,7% delas, em época de estia­gem, havia Escherichia coli, indica­dora fidedigna de poluição fecal, evidenciando o risco da existência de patógenos de origem intestinal, que podem infectar os animais e os seres humanos. Em relação à água consumida pelo animal, 43,3% das amostras estavam fora das especifi­cações oficiais, em períodos de chu­vas, e 50% na estiagem.

Nas amostras de água de fontes utilizadas para consumo humano, diretamente nas moradias das pes­soas que habitam a propriedade ru­ral, em períodos de chuva, 96,7% (equivalente a 29 das 30 proprieda­des) estavam fora dos padrões de potabilidade estabelecidos pela Por­taria número 36 de 19 de janeiro de 1990, do Ministério da Saúde. Na es­tiagem, o índice foi de 90%, corres­pondente a 27 das 30 propriedades.

Água para animais: com bactérias

Registre-se também a presença de nitrato, composto químico que se origina de matéria orgânica e adu­bos químicos. Dependendo da con­centração na água, podem ser noci­vos à saúde humana e animal.

Cont raste - A baixa qualidade da água verificada nesse estudo con­trasta com o perfil tecnológico da produção pecuária dessa região bas­tante desenvolvida do Estado de São Paulo. Nas propriedades estudadas, é comum o uso de ordenha mecâni­ca e o resfriamento do leite na pró­pria fazenda, por exemplo. Da água é que se descuida. "A situação é pre­ocupante."

Mas da própria pesquisa emer­gem os subsídios para o início de um trabalho não apenas de prevenção da contaminação como de tratamento nos casos em que os lençóis freáticos já se encontram afetados. "É preciso proteger as fontes, monitorar perio­dicamente a qualidade da água e tra­tar a água nos casos em que o com­prometimento da qualidade esteja em grau elevado", diz o pesquisador, que comprova que o problema é um pouco mais abrangente. Ele próprio coordena uma pesquisa em águas de propriedades de suinocultura, tam­bém com o apoio da FAPESP. O tra-

balho ainda está em andamento, mas os resultados preliminares dese­nham uma situação semelhante à ve­rificada na área leiteira.

Da própria Unesp de Jaboticabal partem não apenas o delineamento do problema, mas também algumas soluções. Uma delas, que conta com a participação do professor Jorge de Lucas Jr., do Departamento de En­genharia Rural, diz respeito à avalia­ção de biodigestores, para a melhora da qualidade sanitária de dejetos or­gânicos, com posterior aplicação no solo. "São caminhos que devem ser mostrados para permitir ao produ­tor rural a compensação econômica e o controle da poluição do meio ambiente, a fim de proteger a saúde animal e o homem no meio rural", afirma Amaral, que alerta para a ne­cessidade de debater mais intensa­mente a qualidade da água no meio rural em congressos e encontros com produtores. "A situação é rever­sível, desde que todos nós, das uni­versidades, das cooperativas, das empresas e produtores, nos empe­nhemos para começar a considerar a água um nutriente essencial aos ani­mais e aos seres humanos." •

PERFIL:

• LUIZ A UGUSTO DO AMARAL, 47 anos, é médico veterinário gradua­do pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universi­dade Estadual Paulista (Unesp ), em Jaboticabal, com especialização em Saúde Pública e mestrado e douto­rado na área de Saúde Ambiental na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Leciona no Departamento de Me­dicina Veterinária Preventiva e Re­produção Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp em Jaboticabal desde 1978. Projeto: Qualidade Higiênico-Sani­tária e Teor de Nitratos em Amostras de Água de Dessedentação Animal e Humana em Propriedades Leiteiras Situadas na Região Nordeste do Es­tado de São Paulo Investimento: R$ 9.200,00

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I fEVEREIRO DE 1000 • 31

Page 32: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

Soma, Yanasse e Lorena: alternativas na administração do espaço nas empresas

MATEMÁTICA

As fórmulas do lucro

Pesquisa operacional refaz processos e acentua a economia de materiais

Como cortar uma placa de ma-eira para fazer peças para móveis de

modo a obter o maior rendimento possível? Como picotar uma imensa bobina de papel em folhas pequenas com a menor perda possível? E como empilhar contêineres, de modo a oti­mizar o aproveitamento do espaço, sem, evidentemente, deixar que a pi­lha desabe? Questões desse tipo não afligem apenas os administradores das empresas. Fazem parte de uma área relativamente nova da engenha­ria de produção, a chamada Pesquisa Operacional (PO), que ganha espaço no Brasil. Enraizada na matemática aplicada, na computação e na estatís­tica, a pesquisa operacional auxilia a tomada de decisões em áreas tão dis­tintas como finanças, medicina, en­genharia elétrica, agricultura, saúde,

32 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

telecomunicações, transportes, enge­nharia civil, engenharia mecânica, esportes ou operações militares. No Instituto Nacional de Pesquisas Espa­ciais (Inpe), em São José dos Cam­pos, uma equipe coordenada pelo engenheiro eletrônico Horácio Hide­ki Yanasse, responsável pelo projeto temático Corte e Empacotamento As­sistido por Computador, tem conse­guido mostrar a empresas a validade da pesquisa operacional.

Mesmo que os resultados finais, além de confidenciais, estejam sujei-

Equações de rara versatilidade

Modelos matemáticos desenvol­vidos para a área de corte e empa­cotamento resolvem problemas prá­ticos encontrados em ambientes totalmente diferentes. Por exemplo, os valores inteiros não negativos (ou seja, O, 1, 2, 3, ... ) atribuídos às

tos a freqüentes revisões e ajustes, há o que contar. A LinSoft, uma empre­sa de Recife, Pernambuco, desenvolve programas de computador para o carregamento de produtos sobre pa­letes, com base na pesquisa realizada por um dos integrantes do grupo, o engenheiro Reinaldo Morabito, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Os programas são utiliza­dos pela rede de supermercados Bom Preço com o objetivo de aumentar a eficiência na armazenagem e distri­buição de produtos. Funcionam também em Campinas, num centro de distribuição de cargas da Trans­portadora Americana, que "atua como um laboratório de aplicação para os métodos desenvolvidos", diz Morabito. "A assimilação dessas téc­nicas num momento de elevada competição entre as empresas pode ampliar a eficiência logística de uma empresa e representar a diferença en­tre lucros e prejuízos."

Algoritmos - Para atingir essa eficiên­cia, os pesquisadores desenvolvem al­goritmos matemáticos. Algoritmos são um conjunto de instruções que via­bilizam uma tarefa específica. Podem ser comparados a uma receita culiná­ria, por conterem as indicações por meio das quais se pode chegar a um resultado desejado - uma torta doce, salgada ou um pudim. Os algoritmos são expressos por um conjunto de instruções de programação que indi­cam as operações a serem executadas pelo computador. O grupo dedica-se à área conhecida como corte e empa-

variáveis x1, x2, x3, x4 e x5 e que sa­tisfazem a uma equação simples, do tipo x1 + 5x2 + 10x3 + 25x4 + 50 x5 = 70, poderiam representar as possíveis combinações nas quais uma barra de metal de 70 centíme­tros de comprimento poderia ser cortada- em pedaços de 1, 5, 10,25 e 50 cm, por exemplo.

A combinação x1 = 10, x2 = 2, x3 = O, x4 = O, x5 = 1 significaria

Page 33: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

cotamento e trabalha no desenvolvimento de algo­ritmos de corte, facilitando a busca de soluções para os mais variados problemas.

São Paulo (USP), reduzem a distância entre a teoria e as aplicações e fortalecem a interação com as empresas.

Em São Carlos, a Ful­tec, uma pequena fundição de metais, refez a programa­ção de fornadas e melhorou a capacidade dos fornos. Como resultado, produz mais com menos gastos. Em Araras, também no in­terior paulista, a fábrica de móveis Colombini tira par­tido há anos de técnicas de corte de placas de madeira para otimizar a produção de partes de móveis. Mas não são apenas as peque­nas empresas que renovam suas formas de organiza­ção do espaço. Tradicional fabricante de divisórias de madeira, a Duratex tem re­gistrado ganhos de produ­tividade após adotar os al­goritmos de corte numa serra industrial instalada

Indústria de papel: algoritmos permitem a redução das perdas

Segundo Yanasse, a apli­cação de técnicas da pesqui­sa operacional em bancos inclui a localização de pos­tos de atendimento de agências bancárias e rede­finição de políticas de filas ou do número ideal de cai­xas para manter um nível de serviço satisfatório. Na eletrônica, pode ajudar no desenvolvimento de circui­tos integrados. Soma diz que é possível evitar as in­terrupções freqüentes nas conexões telefônicas.

Fabricação de móveis: otimização no corte de placas de madeira

Morabito e Arenales pre­vêem economias significa­tivas, principalmente em segmentos industriais que manipulam matéria-prima de custo elevado, como na microeletrônica, ou gran­de escala de produção, co­mo na indústria de papel e celulose. Neste caso, bobi­em Botucatu.

"Temos de oferecer soluções me­lhores que as disponíveis': diz o ma­temático Luiz Antonio Nogueira Lo­rena, colega de Yanasse no Inpe. As alternativas mais convenientes consi­deram também o tempo de compu­tação necessário para sua operacio­nalização: além de mais simples, a resposta ao problema deve chegar logo. "Não adianta apresentarmos uma solução mais eficiente se a com­plexidade de sua execução tomar um

que a barra de 70 centímetros pode­ria ser cortada em 1 O pedaços de 1 centímetro cada, 2 pedaços de 5 centímetros cada e 1 pedaço de 50 centímetros. A equação é, pois, um modelo que fornece uma represen­tação matemática de todas as com­binações possíveis dos pedaços de 1, 5, 10, 25 e 50 centímetros que po­dem ser cortadas de uma barra de 70 centímetros.

tempo excessivo de computação", ava­lia Yanasse. Em fase de conclusão, o trabalho contou com apoio da FAPESP, que lhe destinou R$ 153,3 mil.

As investigações teóricas conta~ com a colaboração do engenheiro de produção Nei Yoshihiro Soma, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), também em São José dos Campos. Em São Carlos, Morabito, da UFSCar, e o matemático Marcos Nereu Arenales, da Universidade de

Essa formulação pode ser utiliza­da também para representar as pos­síveis combinações de moedas de 1, 5, 10, 25 e 50 centavos que somam R$ 0,70. Se surgisse a incumbência de desenvolver uma máquina para dar um troco de R$ 0,70 a partir das pilhas de moedas de 1, 5 10, 25 e 50 centavos, seria possível resolver o problema com a mesma equação matemática.

nas de papel com mais de 4 metros de largura devem ser cortadas de acordo com medidas padronizadas, para fa­bricação, por exemplo, de papel sulfi­te. De acordo com os pesquisadores, a utilização de algoritmos adequados pode reduzir o volume de aparas em alguns percentuais, o bastante para gerar milhões de reais de economia ao final de um ano de atividade.

PERFIL:

• HORACIO HIDEKI YANASSE, 47 anos, graduado em engenharia eletrônica no Instituto Tecnológico de Aero­náutica (ITA), fez o mestrado no Instituto Nacional de Pesquisas Es­paciais (Inpe) e o doutorado no Massachusetts Institute of Techno­logy, nos Estados Unidos. É pesqui­sador do Inpe desde 1975. Projeto: Corte e Empacotamento As­sistido por Computador Investimento: R$ 153.312,69

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO OE 2000 • 33

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TECNOLOGIA

PROCESSOS PRODUTIVOS

Ferramenta de luz infravermelha

Empresa incubada no Ipen amplia o uso industrial do laser

M icrofuros quase invisíveis a olho nu, cortes perfeitos, es­

tampagens metálicas de alta precisão sem uso de moldes, gravações de lo­gomarcas mais rápidas e baratas. Es­sas são algumas das aplicações indus­triais do atual processamento de materiais por meio de laser. Um tipo de técnica que começa a se expandir no Brasil por empresas como a Laser­Tools, instalada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), sediado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), no câmpus da Universidade de São Pau­lo (USP). A empresa originou-se, em 1998, na Divisão de Óptica do Ipen a partir do projeto Aplicações de Lasers no Processamento de Materiais, que faz parte do Programa Inovação Tec­nológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. A LaserTools con­ta com o aporte financeiro de R$ 111 mil e US$ 90 mil e o apoio do Pro­grama de Capacitação de Recursos Humanos para Atividades Estratégi­cas (RHAE) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec­nológico (CNPq). São R$ 154 mil destinados à contratação de bolsistas de junho de 1999 a maio de 2002.

A atividade da LaserTools não é exatamente oferecer um produto, mas um serviço que emprega a tecnologia de laser para agregar valor a diversos tipos de materiais e equipamentos. A empresa, por exemplo, faz cortes de alta precisão com medidas da ordem de 30 micrometros (um micro metro é igual a um metro dividido em um milhão de partes), furos com tama­nhos de 20 a 100 micrometros, solda-

34 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

gens sem propagação de calor, trata­mentos térmicos e gravações superfi­ciais ou profundas. Entre os mate­riais que podem ser processados com laser destacam-se aço carbono, aço inox, titânio, tungstênio, alumínio, li­gas de cobre, silício e cerâmicas.

A empresa trabalha com um tipo de laser chamado de estado sólido de neodímio (Nd):YAG. O Nd é um

da empresa e coordenador do proje­to, explica que o correto é utilizar a expressão "feixe de luz laser", em vez do popular "raio laser". Raio é indi­cado para descargas rápidas, como as atmosféricas, de duração curta.

Custo menor - Morato conta que a LaserTools já desenvolveu soluções para várias empresas. Para a Faber-

Mo rato: "A ind ústria nacional ainda desco nhece as reais possibilidades do laser"

elemento químico conhecido como terra rara e o YAG é a designação de um cristal sintético, também cha­mado de granada, constituído por óxido de ítrio e de alumínio. A pre­sença de neodímio nesse cristal é mínima. É uma impureza que emite luz ao ser excitada (ou "bombeada", como dizem os físicos) por um tipo de lâmpada específica. A luz é am­pliada num dispositivo chamado ca­vidade óptica, que é o "coração" do aparelho laser. A seguir, ela é direcio­nada de forma a produzir um feixe de luz de alta intensidade, perten­cente à faixa de luz infravermelha, portanto invisível ao olho humano. O físico Spero Penha Morato, sócio

Castell, implementou a marcação de lápis. Esse processo substitui os mé­todos pantográficos tradicionais para fazer a matriz do carimbo e permite gravar com mais velocida­de, mais qualidade e a um custo me­nor. Na KG Sorensen, a LaserTools presta serviços de gravação de ins­crições num porta-brocas de dentis­ta, uma peça de alumínio. A grava­ção a laser substitui com vantagem de preço e tempo de execução o mé­todo silk-screen tradicional. Ainda para a indústria odontológica, estão em desenvolvimento vários proces­sos de gravação de logotipos e códi­gos de identificação em instrumen­tos e pinos de titânio para implantes.

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O laser utilizado na empresa é invisível e produz fagulhas luminosas ao tocar no metal

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cionalizar os bicos injetores de mo­tores a diesel usados no Brasil". Eles são importados e os furos, por onde passa o combustível, são feitos na Suíça. Para executar esse serviço, a LaserTools planeja dois caminhos. Fazer os furos por encomenda ou dar assessoria para a compra de uma máquina dedicada- ou seja, especí­fica para essa atividade- e acompa­nhar a produção.

Laser mais potente - Para realizar os diversos tipos de serviço que se pro­põe, a LaserTools tem um instru­mental aparentemente modesto. "Temos dois lasers: um para corte,

A variedade de usos do laser abrange desde gravações de logomarcas e códigos até cortes, furos e soldas em diversos tipos de metal

A Smar Equipamentos obteve com a LaserTools um processo de solda sem propagação de calor para sensores de pressão de ar em máqui­nas industriais. Para o Centro de Pesquisas da Telebras, o laser inseriu nomes nos chips e fez soldas em dis­positivos utilizados nos equipamen­tos de telefonia celular. Além desses exemplos, há um serviço prestado a outra empresa do Cietec, a Desys­tems, que desenvolve uma bateria para coração artificial envolta em ti­tânio. A LaserTools faz o corte, a sol­da e a identificação do encapsula­mento da bateria.

Também furos micrométricos es­tão sendo produzidos para a Eletro-

tela Tecnologia, fabricante de im­pressoras de jato de tinta para gigan­tografia- grandes painéis ou banners de propaganda. Dispositivos com fu­ros tão diminutos servem para a pas­sagem da tinta, permitindo uma im­pressão de alta precisão. "Isso só o laser faz e só nós fazemos", salienta Mora to.

O número e a variedade de produ­tos, exemplificados no mostruário exibido na pequena sede da Laser­Tools, são surpreendentes. A tecnolo­gia a laser tem alcance muito amplo. "A indústria nacional ainda não sabe das reais possibilidades do laser", afir­ma Morato. E cita mais uma possibi­lidade em andamento: "Podemos na-

furo e solda e outro para marcação ou gravação." O alvo da tecnologia da empresa é tornar os processos de corte e furação cada vez mais efici­entes e precisos. "Para isso vamos obter um laser mais potente, que permitirá desenvolver processos como os de furos de bicos injetores."

Uma das grandes aplicações do laser, destacada por Morato, é a substituição da estamparia tradicio­nal de metais, sobretudo para a pro­dução em pequena escala. "Se al­guém quer fazer só SOO peças, o custo do estampo ou molde é tão alto que a produção fica inviável. Com o laser, o estampo desaparece. A nova técnica é integrável à progra-

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mação dos computadores e a siste­mas de controle numérico."

Outra possibilidade do laser, ain­da não utilizada no Brasil, é o corte de laminados híbridos- por exem­plo, uma lâmina formada por uma camada de metal junto com outra de grafite, para facilitar a lubrificação. "Sem o laser, o processo seria muito caro, pois o laminado híbrido é feito de materiais de durezas diferentes. Se usássemos serra, por exemplo, que­braríamos o grafite", explica Morato.

Formação acadêmica - A LaserTools foi fundada em novembro de 1998 e é formada por sete sócios, incluindo o coordenador Spero Morato. São eles Wagner de Rossi, Nílson Dias Vieira Júnior, Gessé Eduardo Calvo Nogueira, José Roberto Berretta, Ni­klaus Ursus Wetter e José Tort Vidal. Todos tiveram formação acadêmica e profissional na Divisão de Óptica Aplicada do Ipen, criada no início dos anos 80. Na fase atual, o objetivo deles é consolidar metodologias e processos para o uso do laser em apli­cações industriais de maior deman­da, como as gravações superficiais e profundas, a microfuração e a solda sem transmissão de calor.

Até agora, a receptividade da em­presa tem sido muito boa em vários setores industriais, segundo Spero, e ainda há um bom caminho pela fren­te. "O processo de incubação da La­serTools, no Cietec, deve durar mais dois ou três anos, e então esperamos estar no mercado de uma vez. Hoje te­mos encomendas e os resultados do projeto já geram uma receita, embo­ra pequena", revela o coordenador. •

PERFIL:

• SPERO PENHA MORATO, 56 anos, é professor de pós-graduação do Ipen. Fez graduação e mestrado na USP e doutorou-se em Física do Estado Sólido pela Universidade de Utah, Estados Unidos. Foi superin­tendente do Ipen entre 1990 e 1995. Projeto: Aplicações de Lasers no Pro­cessamento de Materiais Valor: R$ 111 mil e US$ 90 mil

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TECNOLOGIA

CONSTRUÇÃO CIVIL

Mistura na medida

Estudo analisa a adição de polímeros à massa de contrapisos

Escondida dos olhos e dos pés humanos, existe quase sempre,

embaixo de cada piso, uma camada chamada de argamassa onde se mis­turam cimento e areia. Não importa o tipo de acabamento. Carpetes, ce­râmicas, madeiras e emborracha­dos são assentados à laje sobre esse contrapiso, que muitas vezes tam­bém assume a função de evitar a pre­sença deletéria da umidade. Contra esse inimigo, os construtores aplicam junto ao contrapiso camadas de man­tas ou membranas asfálticas.

Porém, há cerca de cinco anos, uma nova técnica começou a ser utilizada. Misturados à argamassa de con­trapiso, começaram a ser adi­cionados ao cimento e à areia vários tipos de polímeros, ma­teriais conhecidos como plás­ticos. Assim, a camada ganhou dupla função - assentamento regular do piso e estanquei­dade. A primeira proporciona o nivelamento ou caimento necessário para escoar a água para o ralo e mantém uma porosidade adequada para re­ceber o piso. No entanto, essa porosidade deve ser controla­da para que não permita a passagem de água. Aí, entra a outra propriedade do contra· piso- reter a umidade, função exercida pelos polímeros. "Es­tanqueidade não é imper­meabilização, que se caracte­riza por exigir porosidade zero': afirma a professora Mercia Maria Semensato Bottura de

partamento de Engenharia de Cons­trução Civil da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP). Ela foi a coordenadora do projeto de pesquisa Argamassas Modificadas com Polímeros para Contrapisos de Edifícios, financiado pela FAPESP.

O estudo analisou as atuais práti­cas da adição de polímeros à arga­massa. Pelas diversas vantagens dessa mistura, incluindo a de ser mais eco­nômica, ela é cada vez mais adotada pela construção civil. O problema é que, pela falta de informações mais precisas sobre essa técnica, o uso é feito sem muito critério, resultando em alto risco de fissuras e em infiltra­ções, além do desperdício de mate­rial e de mão-de-obra.

Com o objetivo de dar parâmetros a essa atividade, Mercia desenvolveu o estudo baseada nos materiais à venda no mercado. "Estudamos os in-

Barros, pesquisadora do De- Mercia: análise dos procedimentos de mercado

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gredientes, as proporções de cada um na mistura da argamassa e as técnicas de execução do contra piso. Avaliamos a resistência e a eficiência da camada estanque, ou seja, em que condições a água chega a umedecê-la, mas não consegue passar por ela", explica.

Após um ano e quatro meses de estudo, os resultados surpreenderam a pesquisadora, que contou com a co­laboração do engenheiro civil Eduar­do Henrique Pinheiro de Godoy, que fez sua dissertação de mestrado sobre esse tema. Eles identificaram o estireno­butadieno (SBR) como o polímero que apresentou os melhores resultados na maioria dos testes de resistência mecânica, aderência e estanqueidade. Isso ajudou a derrubar um mito na construção civil que indica o políme­ro de base acrílica, que é o mais caro de todos aqueles utilizados para esse fim, como o melhor, tecnicamente, para compor a argamassa.

Segundo a professora Mercia, nos testes realizados, verificou-se que esse material apresentou o maior teor de ar incorporado, o que inviabiliza sua utilização, porque há formação de mui­tos capilares acessíveis à água, deixan­do a camada mais permeável. Por esse motivo, ela sugere novos estudos para que se identifique a origem do pro­blema e se proponha uma modifica­ção na composição desse polímero.

Vantagens do polímero - Sabia-se, desde o início da década de 70, a par­tir de pesquisas realizadas fora doBra­sil, que a adição de polímeros melho­rava a eficiência da argamassa, porém não havia um estudo sistêmico que avaliasse qual deles teria o melhor de­sempenho e em que quantidade de­veria ser usado. Segundo a professora Mercia, com esses elementos, frutos da pesquisa, os construtores poderão obter o melhor desempenho e a melhor relação custo-benefício nessa operação.

As vantagens do uso da argamas­sa com polímeros em comparação à impermeabilização tradicional são muitas. Em primeiro lugar, reduz-se a espessura da camada de 4 a 6 centí­metros no sistema convencional para 2 a 3 centímetros no novo método.

Isso resulta em economia de material e de mão-de-obra na construção de todo o pavimento, com uma redução de custo de 50% a 60%. Além disso, não é preciso contratar empresa es­pecializada, pois o trabalho é realiza­do pelos próprios operários da obra.

O estudo visou a solucionar basi­camente os problemas de áreas inter­nas frias, como cozinhas, banheiros, áreas de serviço e sacadas, onde são

parte de cimento pa:ra cinco de areia), mantendo sempre a mesma consistência e densidade de massa.

Os polímeros estudados foram os três tipos encontrados no mercado: o acetato de polivinila (PVAc), o mais antigo e mais largamente usado; o SBR, menos conhecido e de preço in­termediário; e o estireno-acrílico, que chega a custar três a quatro vezes o preço do PVAc e é tido como o de me-

Os testes de retenção de umidade usam tubos com água sobre os corpos-de-prova

maiores os riscos de infiltração. Nes­ses locais, o contrapiso deve propor­cionar o maior grau possível de es­tanqueidade. Além da capacidade de barrar os líquidos, o estudo pÔde avaliar outros itens importantes, como resistência, compressão e tra­ção. Também verificou a escala de deformação - o quanto essa camada suporta sem se romper ou fissurar -e qual a capacidade de aderência da argamassa tanto em relação à base -na laje - quanto ao revestimento.

A melhor porção - A primeira etapa da pesquisa concentrou-se na caracte­rização dos materiais. Para a argamas­sa, foram escolhidos aqueles geral­mente empregados pela construção civil, ou seja, areia de granulação mé­dia e cimento comum, do mesmo tipo utilizado na execução de estru­turas. Na mistura, foram testadas porções de 1:3 (uma parte de cimen­to para três de areia) e de 1:5 (uma

lhor desempenho pelo setor. Empre­gando esses materiais, foram obtidas no total14 proporções de argamassa. Assim, foram construídos corpos-de­prova de argamassa- sem aplicação à laje - para testar o desempenho de cada uma das proporções obtidas.

Esforço de flexão - Os corpos-de­prova foram submetidos a esforços de compressão para medir a força máxima que cada placa era capaz de suportar antes de se romper e deter­minar o grau máximo de deforma­ção. Foram feitos ainda testes de tra­ção, simulando o que acontece com uma laje sob esforço de flexão. Esse experimento é o mesmo que apoiar uma régua em suas duas extremida­des e aplicar uma carga no centro. Essa régua irá fletir, ou seja, a parte de baixo da régua fica com suas fi­bras tracionadas, enquanto a parte de cima fica com as fibras compri­midas. A esse efeito de tração e com-

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I fEVEREIRO DE 2000 • 37

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pressão em uma mesma seção da peça dá-se o nome de "fle­xão': Isso é o que normalmente ocorre com uma laje que está apoiada em sua borda. O cen­tro dela, submetido aos carre­gamentos comuns, como pes­soas caminhando, móveis, etc., estará submetido à flexão. Esse teste serve para saber qual a re­sistência da argamassa em rela­ção ao esforço submetido.

Mais uma bateria de testes analisou o desempenho do contrapiso. A produção das placas para esses testes obede­ceu a um procedimento, simu­lando o que acontece numa obra. Nesta etapa foram avalia­das também várias formas de preparação da base - desde lançar a argamassa sem ne­nhum preparo, testando-se aplicações de camadas de polí­mero, polímero com cimento e cimento com água, para saber qual delas proporcionaria me­lhor aderência. Combinando as 14 proporções de argamassa usadas com as formas de pre­paro de base obteve-se um grande número de placas, que foram submetidas a testes de estanqueidade e aderência.

A pesquisa desenvolveu também a maneira correta

Superfície mais lisa - Outro ponto fundamental é garantir uma boa compactação da arga­massa, seguida de sarrafeamen­to, que significa o corte da ca­mada que sobra além do nível necessário. A porção da arga­massa é cortada e desempenada para deixar a superfície mais lisa e menos porosa possível.

Para a professora Mercia, os resultados do estudo, além de servir de referência para indicar o melhor polímero ao mercado, mostram a necessidade de se conhecer com mais detalhes a composição dessas substâncias e, a partir de novas pesquisas, levantar elementos para uma possível formulação de normas técnicas para a fabricação de polímeros específicos para a construção civil. Na opinião da professora, isso seria um passo importante num setor tão ca­rente de normalização.

No ensaio de estanqueidade, foram fixados sobre as placas tubos de PVC com 40 centíme­

de fazer a preparação e o assentamento do cóntrapiso

Os recursos utilizados na pesquisa recém-finalizada serão úteis para as novas pesquisas a serem desenvolvidas e, além dis­so, viabilizarão novos trabalhos na graduação e no mestrado. O financiamento da FAPESP, de R$ 13,6 mil, foi destinado à compra de materiais e equipa­mentos, como fôrmas metálicas, balanças eletrônicas, misturador

tros de diâmetro e 1 metro de altura, formando uma coluna d'água. As placas eram pesadas em balança de precisão antes e depois de submeti­das à ação da água. Assim, foi possí­vel saber o quanto de umidade cada uma absorvia e identificar qual delas proporcionava o melhor desempe­nho como camada estanque.

A conclusão da pesquisa esclare­ceu muitas dúvidas não só em rela­ção ao tipo de polímero mais efici­ente, no caso o SBR, mas também quanto às características da camada de estanqueidade. Quanto à porção ideal da argamassa, o melhor de­sempenho foi verificado na propor­ção 1:3, mas a professora não des­carta o uso de 1:5 em algumas áreas

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onde as exigências de estanqueidade sejam menores.

O estudo demonstrou ainda que, para se obter maior eficiência do contrapiso, são necessários alguns procedimentos no seu preparo. Em primeiro lugar, ficou comprovado que a melhor técnica de preparo da base, antes do lançamento da arga­massa, é a aplicação da mistura de ci­mento, água e polímero, diferente da argamassa por não conter areia. Essa camada tem a capacidade de pene­trar nos poros da base, pois é muito fluida, garantindo a ligação da base com a argamassa mais condensada. Assim, se não houver preparo da base, não existirá uma perfeita ade­rência.

planetário e dinamômetro de tração. Eles fazem parte, agora, do laborató­rio do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Poli. •

P ERFIL:

• Mercia Maria Bottura de Barros é coordenadora do Centro de Pes­quisa e Desenvolvimento em Cons­trução Civil da Escola Politécnica (Poli) da USP. Graduada em Enge­nharia Civil pela Universidade Fe­deral de São Carlos, em 1985, fez mestrado e doutorado na Poli. Projeto: Argamassas Modificadas com Polímeros para Contrapisos de Edifícios Investimento: R$ 13.600,00

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TECNOLOGIA

INOVAÇÃO

Crescem as adesões

PIPE investe mais de R$ 1 O milhões em pequenas empresas

Asexta rodada de inscrições para o Programa de Inovação

Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), encerrada em 30 de novem­bro, recebeu 73 novas adesões. Entre essas empresas, o maior número pertence à área de engenharia elétri­ca, com 13 projetas. Em seguida vem computação, com 12, engenha­ria mecânica, 8 e engenharia civil, S. Também estão participando empre-

sas das seguintes áreas: medicina, en­genharia de materiais, educação, ge­nética, bioquímica, administração, turismo, geociências e agronomia.

Os novos ped idos chegaram de todo o Estado, de cidades grandes e pequenas. A liderança ficou com São Paulo, com 26 pedidos, vindo a seguir Campinas, 9, São Carlos e São José dos Campos, 5 cada, e Ca­tanduva, São Bernardo do Campo, Osasco, Ribeirão Preto e Piracica­ba, com 2. Com um pedido cada, inscreveram-se, por exemplo, em­presas de Jaboticabal, Itu, Ilha Sol­teira, Paraibuna, Itariri e São Joa­quim da Barra, além de mais 13 municípios.

Até o momento, o total de recur­sos repassados pela FAPESP para as 96 empresas que já tiveram seus projetas aprovados, sem necessidade de futura contrapartida, já atingiu R$ 7,7 milhões e US$ 2,3 milhões.

Valorizar a pesquisa - Criado em 1995, o PIPE é o primeiro programa da FAPESP destinado a fi nanciar di­retamente a pesquisa na empresa, por meio de um pesquisador con­tratado ou associado. O alvo são as empresas com menos de cem funci­onários que pretendem desenvolver produtos, serviços e sistemas com tecnologia de ponta.

Os projetas inscritos são subme­tidos à análise de assessores indi­cados pela FAPESP. Se aprovado, a empresa começa a empreender a primeira fase do programa, que consiste na realização de estudos para comprovar a viabilidade técni­ca das idéias propostas. Se bem de­monstradas e receberem a aprovação dos assessores, o projeto passa para a segunda fase, quando efetivamente, a pesquisa se desenvolve. Ao contrá­rio da primeira, que tem duração de seis meses, na segunda o período de elaboração do objeto do projeto é de dois anos. O limite de financiamen­to na primeira fase é de R$ 50 mil e na segunda, R$ 200 mil, incluindo a compra de material de consumo e equipamento importado.

A Fundação recebe novos pedi­dos para o PIPE duas vezes por ano, nos dias 30 de junho e 30 de novem­bro, e faz a análise dos projetas no período máximo de 120 dias. •

PIPE - Participantes e Investimentos - la Fase PIPE- Participantes e Investimentos- r Fase

Edital Inscrições Aprovados R$ US$ Edital Aprovados R$ US$ lo 80 31 928.025,00 241 .864,80 I o 23 2. 771 .497,80 896.848,21 20 66 23 726.898,00 204.771 ,71

30 31 13 372.390,00 96. 127,50 20 lO 1. 169.016,00 442.496,00

40 44 16 498.510,00 87. 131,65 30 4 484.890,00 164.460,00 50 33 13 430.848,00 68.016,00

40 3 323.350,00 111.493,00 60 73

Total 327 96 2.956.671 ,00 697.9 11,66 Total 40 4.748.753 ,80 1.615.297,21

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I fEVEREIRO DE 2000 • 39

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TECNOLOGIA

Uma receita para fabricar telhas

Junte escória de alto-forno si­derúrgico, que são os restos da primeira etapa da produ­ção de aço, mais fibras vege­tais de bananeira, sisai ou eu­calipto. Moa tudo com areia e água, acrescente pitadas de produtos alcalinos como cal e gesso agrícola (um resíduo da indústria de fertilizantes) e coloque tudo em fôrmas on­duladas. Esses são os ingredi ­entes da receita para fazer te-

ria de alto-forno que se acu­mula em grandes montanhas fora das siderúrgicas, sem uso, embora a sua utilização seja conhecida mas pouco empregada pela indústria de telhas." O projeto tem a cola­boração de pesquisadores da Poli-USP, Esalq e Engenharia de São Carlos-USP.

Parceria produz inversor solar

Uma parceria entre a empre­sa Conections e a Universida­

Teste de durabilidade e conforto térmico

de Estadual de Londrina (UEL) resultou no desen­volvimento de um inversor solar, um tipo de aparelho que permite cap­tar a energia elé­trica acumulada por painéis solares e transformá-la em energia utilizá­vel à noite em equipamentos ele-

lhas da equipe do professor Holmer Savastano Júnior, do grupo de Construções Rurais e Ambiência do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, de Piras­sununga. O projeto Sistemas de Cobertura para Constru­ções de Baixo Custo: Uso de Fibras Vegetais e de Outros Resíduos Agroindustriais tem financiamento da Finep e já produziu 300 unidades que estão em testes finais de con­forto térmico e durabilidade. "O uso de matérias-primas diferentes do cimento para a fabricação de telhas torna esses produtos mais baratos e aproveita resíduos que seriam desperdiçados, como a escó-

trônicos e na ilu-minação. "O inversor utiliza duas baterias semelhantes a de automóveis que duram de seis a oito horas", afirma Mar­cos Teixeira, sócio da empre­sa. "Embora ainda não tenha­mos estipulado o preço final do aparelho, sabemos que ele custará menos que o impor­tado e terá melhor qualidade que os similares nacionais", garante. "Acreditamos que o inversor será muito útil em fazendas, casas de campo e em granJaS para aquecer os pintinhos". O projeto foi de­senvolvido pela empresa e pelo departamento de enge­nharia eletroeletrônica da UEL, sob a coordenação dos professores César Santos e César Melo.

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Supercomputador Made in Brasil

Dentro de alguns meses, a Universidade de Nova York estará recebendo o Spade li , um supercomputador mon­tado no Laboratório de Sis­temas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP. Depois de mostrar, por meio de um protótipo, resultados melhores que computadores similares da IBM e de, igual­mente, experimentais da Nasa e da Universidade de Berkeley, o Spade vai inte­grar o Laboratório de Pes­quisas de Meios de Comuni­cação, da UNY. "A intenção inicial é usá-lo como meio para produzir e apresentar uma ópera virtual, em que a tores e a música serão sinte­tizados no computador e apresentados num enorme vídeo walf', informa o pro­fessor Sérgio Takeo Kofuji, coordenador de áreas de sis­temas digitais do LSI. Os es­pectadores assistirão à ópera munidos de órulos especiais que permitirão uma imagem tridimensional composta pelos vários monitores que serão alimentados pelo Spa­de. A parceria Poli-Universi-

Spade: ópera em Nova York

dade de Nova York tem o apoio financeiro da National Science Fundation (NSF), a principal agência de fomen­to americana. O Spade pos­sui 144 processadores insta­lados em paralelo e uma memória, em disco, de 400 gigabytes.

Falta inovação no setor de alimentos

A indústria de alimentos no Brasil investe pouco em ino­vação tecnológica e quando faz prefere soluções criadas em outras indústrias - a de máquinas, por exemplo- ou desenvolvidas no exterior. A conclusão está na tese de doutorado do professor José Ednílson de Oliveira Cabral, apresentada na Universidade de Reading, na Inglaterra. Pesquisador e atual gerente de negócios tecnológicos da Embrapa Tropical, de Forta­leza, no Ceará, Cabral enviou 1 mil questionários e rece­beu 242 de empresas de pe­queno, médio e grande por­te. "Desse total, apenas 66 (27,3%) apresentaram al­gum tipo de inovação, ou seja, algo novo para a empre­sa, para o Brasil ou para o mundo", afirma. Em relação à natureza da inovação, 57,2% referem-se aos pro­cessos de fabricação e 33,3% a modificações tecnológicas nos produtos. Outros núme­ros mostram que apenas 40 empresas têm algum contato ou parceria com instituições de pesquisa ou universida­des. Confirmou-se, também, que o investimento em pes­quisa é baixo nesse setor, representando, na média, 0,29% do faturamento das empresas.

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HUMANIDADES

CIÊNCIA POLÍTICA

A descentralização pós-abertura Elites nem sempre estão preparadas para abrir mão do centro

Quinze anos depois de os gover­nos civis começarem a falar

em um projeto de descentralização administrativa no País, uma pesquisa acadêmica está fazendo a primeira radiografia de quais são as disposi­ções e condições reais dos municí­pios de porte médio (entre 50 mil e 200 mil habitantes) para assumir a execução de serviços à comunidade, como saúde, educação, saneamento, habitação, assistência e outros.

Com financiamento da FAPESP, o estudo, intitulado Democracia, Ad­ministração e Governo Local, faz par­te de um consórcio internacional, o Democracy and Local Governance, em que 29 pesquisadores, distribuí­dos predominantemente em países europeus, mas também nos Estados Unidos e na Ásia, aplicam um questi­onário sobre percepções e atitudes dos governos locais. "O objetivo é es­tudar as mudanças no poder local e suas relações com o processo de transformação do País': afirma ache­fe do departamento de Ciência Polí­tica da Faculdade de Filosofia e Ciên­cias Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Hermínia Tavares de Almeida, uma das coorde­nadoras da pesquisa brasileira. "Fo­ram escolhidas cidades de porte mé­dio porque nelas é mais fácil observar alguns fenômenos." Os resultados das pesquisas internacionais estão sendo colocados em um grande ban­co de dados disponível na Internet.

A pesquisa brasileira é a primeira da América Latina. "Em 1996, eles queriam alguém no continente e meu nome foi sugerido por um cole-

Maria Hermínia: detectando semelhanças nos valores e atitudes de elites locais e federais

ga da Universidade de Nova York, Adam Przaworski, ao coordenador do consórcio, Henry Teune, da Uni­versidade de Pensilvânia", diz Maria Hermínia. Os pesquisadores do De­mocracy and Local Governance for­mam uma rede voluntária e reúnem­se periodicamente em congress~s internacionais para discutir suas ex­periências e comparar resultados. "Cada um deve buscar financiamen­to em seu país", afirma a professora.

Maria Hermínia coordena o estu­do juntamente com Elisa Pereira Reis, professora de sociologia da Universi­dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Minha primeira pesquisa, que ainda está em andamento, tem como obje­tivo perceber quais são os valores e as atitudes das elites ligadas ao governo federal, ou seja, deputados e senado­res", relata Elisa. "O que estamos per­cebendo nessa pesquisa com elites locais é que existem algumas seme­lhanças entre elas e as federais, como, por exemplo, a valorização da liber­dade e da igualdade -pelo menos no discurso", complementa.

O primeiro ano de pesquisa, o de 1998, foi totalmente dedicado à apli­cação dos questionários. "Recebemos R$ 73,7 mil (posteriormente, foram liberados mais R$ 2,5 mil), e com esse valor contratamos a Feedback, uma empresa de pesquisa de opinião que aplicou o questionário em uma amos­tra de 20 municípios, entrevistando 15 lideranças em cada cidade, umas governamentais, outras não", conta a professora Maria Hermínia. ''Acrescen­tamos ao survey algumas questões vol­tadas para a realidade brasileira. Como, por exemplo, perguntas sobre violên­cia e segurança pública. Perguntáva­mos como eles se sentiam em relação às desigualdades sociais", observa Elisa.

Seleção - Os 20 municípios foram selecionados aleatoriamente de um total de 241, com um desenho amos­tral feito por um profissional de esta­tística de modo a obter uma amostra significativa das cidades de porte mé­dio no Brasil. Os Estados foram divi­didos em três grupos. O primeiro, o que tinha o maior número de muni-

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO OE 1000 • 41

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opws de porte médio; o se­gundo, um número menor; e um terceiro, com pouquíssi­mos. "Foram escolhidos 13 mu­nicípios do primeiro grupo, 3 do segundo e 1 do último", re­lata Maria Hermínia. Algumas das cidades: Botucatu, Guara­tinguetá e Mogi-Guaçu, em São Paulo; Candeias, na Bahia; Sapucaia do Sul, no Rio Gran­de do Sul; Jataí, em Goiás; e Caratinga, em Minas Gerais.

A escolha dos 15 entrevis­tados não foi aleatória. "Esco­lhemos por cargo ou repre­sentatividade na comunidade: desde o prefeito, o delegado, o vereador, o presidente de sin­dicato ou de associações em- As lideranças locais não aceitam que a educação seja responsabilidade dos municípios ...

presariais, até o padre ou o presidente do Rotary Club", explica Maria Hermínia.

Desde o início, as pesquisa­doras estão contando com a ativa participação de Leandro Piquet Carneiro, um pesquisa­dor carioca com doutorado na área de cultura política, expe­riente em técnicas de análises de dados de survey e que tem uma bolsa de pós-doutorado independente, também pela FAPESP, dentro do próprio pro­jeto. A construção de bancos de dados, além da elaboração de bibliografias comentadas de temas correlatas à pesquisa, está a cargo de quatro bolsis­tas de iniciação científica, dois deles pagos pela Fundação. Estudo abrangeu 20 municípios brasileiros de porte médio, entre eles Guaratinguetá, SP

Um passo à frente - A pesquisa de­senvolvida por Maria Hermínia, Elisa e Carneiro deu um passo à frente em relação aos estudos feitos internacio­nalmente. "Desde o princípio nós achamos que uma pesquisa de valo­res e atitudes não era suficiente para explicar a hipótese do estudo, que era a de que lideranças mais pluralistas e democráticas tenderiam a ser mais lo­calistas", argumenta Maria Hermínia.

Os pesquisadoras decidiram, as­sim, investigar qual era a capacidade de gestão de cada município. Adapta-

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ram, para isso, o questionário de uma pesquisa piloto realizada pelo IBGE que avaliava as condições institucio­nais das cidades. "Foi uma grande sorte e coincidência eles terem feito esse estudo", festeja Maria Hermínia. As pesquisadoras pretendem apre­sentar a nova abordagem aos outros pesquisadores do consórcio Demo­cracy and Local Governance.

Entenda-se por capacidade de gestão não só o poder financeiro, que pôde ser levantado por Maria Her­mínia na Secretaria do Tesouro Na-

cional (que há pouquíssimo tempo tem dados de orçamentos dos muni­cípios de porte médio, segundo a professora), mas também caracterís­ticas como grau de informatização das prefeituras, existência de conse­lhos, instrumentos de planejamento e outros. "Além disso, levamos em conta as normas constitucionais e a legislação complementar que estabe­lecem competências e atribuições dos três níveis de governo, já que es­tamos em um sistema federativo", ex­plica a professora.

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breza do País. "Todos acham que é preciso se preocupar com a pobre­za, mas ninguém toma a responsabilidade para si", afirma Maria Her­mínia.

... mas consideram que saúde, assistência, saneamento e obras sejam de competência municipal

Os pesquisadores calculam que o projeto Democracia, Administra­ção e Governo Local se estenderá até o fim do ano 2001. Maria Her­mínia e Carneiro já es­tão trabalhando sobre um paper que será apresentado no próxi­mo congresso da Inter­national Associations of Politicai Science (IPSA) e que faz parte do pró­

As pesquisadoras ainda levaram em consideração a distribuição da po­pulação por setor da atividade eco­nômica e criaram alguns indicadores de capacidade municipal. "Na saúde, por exemplo, utilizamos os três tipos de adesão ao Sistema Único de Saúde (SUS) : se o município está no tipo pleno significa que ele tem capacida­de maior de assumir o serviço", expli­ca Maria Hermínia. Do mesmo modo, o tamanho da rede de escolas municipais e o índice de adesão ao Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), do governo federal, são indicadores da capacidade municipal de assumir a educação.

Primeiras conclusões - Uma das pri­meiras conclusões a que o estudo chegou, embora ainda esteja em uma fase de "juntar as peças do quebra­cabeça", é que o fato de lideranças go­vernamentais ou não-governamen­tais serem a favor genericamente da descentralização não significa que elas sejam a favor da descentralização de serviços específicos. "A educação, por exemplo, não é tida como um serviço que deve ser de responsabili­dade local, nem a habitação", conta Maria Hermínia. "Já saúde, assistên­cia, saneamento e obras são conside-

rados de competência municipal", complementa. Ao serem questiona­dos sobre se os serviços deveriam ser de competência local, os entrevista­dos deviam dizer também se o muni­cípio estava apto para tanto. "A ques­tão do meio ambiente é a última preocupação para eles; nem chega a ser um problema", avisa ela. "Já o sa­neamento, todos consideram que é obrigação do município e acham que têm capacidade para assumir:'

"Também não há diferenças de opiniões entre pessoas de partidos políticos diferentes", conta. "A es­querda tende a ser um pouquinho menos municipalista do que o centro e a direita, mas a diferença é pouco significativa", avalia. A pesquisa agora está passando pelo momento de ten­tar descobrir por que essas lideranças consideram determinados serviços de responsabilidade do município e outros não. "Já vimos que não são seus valores localistas que determi-. ))

nam ISSO.

Para Elisa Pereira Reis, o estudo vai contribuir para fazer um perfil das elites locais atuais e compará-las com as existentes há 20 ou 30 anos. "Já podemos dizer que as elites atuais são mais descentralizadoras do que aquelas", afirma. Uma semelhança entre as elites do passado e as atuais diz respeito à preocupação com a po-

ximo relatório da FAPESP. "No fim do ano pretendemos lançar um livro com vários artigos", afirma Maria Hermíria. •

PERFIS:

• MARIA HERMÍNIA TAVARES DE AL­MEIDA é chefe do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Fi­losofia e Ciências Humanas da USP. Defendeu tese de doutorado sobre a constituição da política trabalhis­ta no Brasil. Sua tese de livre-do­cência chama-se Crise Econômica e Interesses Organizados. Ultimamen­te, tem estudado o federalismo e a descentralização de políticas sociais, além das políticas de privatização das empresas públicas. • ELISA PEREIRA REis é professora do Departamento de Sociologia da UFRJ. Defendeu a tese de doutora­do As Origens Agrárias do Autorita­rismo no Brasil. É Ph.D. em Ciência Política pelo Massachusetts Institut of Technology (MIT). • LEANDRO PIQU ET CARNEIRO é bol­sista de pós-doutorado no Depar­tamento de Ciência Política da USP. É doutor pela IUPERJ, Rio de Ja­neiro. Projeto: Democracia, Administração e Governo Local Investimento: R$ 76.200,00

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HUMANIDADES

ARQUITETURA

Indo em busca da nossa paisagem

Grupo faz um inventário dos espaços livres do País

H á cinco anos, quando Sílvio Soares Macedo deu início ao

projeto Quadro do Paisagismo no Brasil, QUAPÁ, o arquiteto desco­briu de cara que a pesquisa teria uma bibliografia de referência bas­

zados em 35 cidades brasileiras e com um acervo de mais de 30 mil imagens. O trabalho teve o apoio da FAPESP, que investiu R$ 280 mil na execução do projeto, e do Conse­lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq), responsável pelas bolsas para estu­dantes.

Não contentes em guardar o ma­peamento na universidade, o grupo, comandado por Soares Macedo, abriu o resultado de seus esforços

Fábio Namiki, contendo todo o banco de dados rastreados desde 1994. No fim do ano passado, Soares Macedo lançou o livro Quadro do Paisagismo no Brasil ( 145 páginas, R$ 45,00), resultado da pesquisa e uma referência teórica e iconográ­fica do paisagismo nacional, que acabou tomando forma de um do­cumento que descreve o comporta­mento da construção de paisagens no País nos últimos 200 anos. Com tiragem inicial de 5 mil exemplares,

o livro está sendo dis­tribuído para bibliote­cas de universidades, livrarias e institutos culturais.

"No momento em

tante reduzida. Profes­sor titular de Paisagis­mo da Faculdade de Arquitetura e Urbanis­mo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e atualmente lançando três livros de aborda­gens específicas sobre a matéria, ele conta ter­se surpreendido com a escassez de literatura referente ao tema. A saída foi reunir cerca de 20 alunos e ex-alu­nos da faculdade liga­dos ao Laboratório da Paisagem da FAU/USP e mandá-los literal- Sílvio Soares Macedo: pesquisa catalogou 2 mil projetas em 35 cidades

que começamos a re­digir o primeiro rela­tório do projeto, per­cebemos que o livro havia transcendido seu caráter técnico e pode­ria tomar forma de um trabalho de base para a discussão do paisa­gismo brasileiro", des­creve o autor, que fez, então, da lacuna aca­dêmica sobre estudos atualizados do paisa­mente a campo para

dar início a um inventário das linhas projetuais dos espaços livres no Bra­sil, o que inclui o levantamento de todo tipo de praça, parque ou calça­dão de cidades das cinco regiões do País.

Apesar da falta de registro e dos caminhos desordenados pelos quais se desenvolveram os projetas urba­nos no Brasil, o que ocorre em pra­ticamente toda a paisagem resultan­te de inserções em locais públicos e abertos do País, a equipe do QUAP Á concluiu uma primeira etapa da pesquisa, o que significa a cataloga­ção de mais de 2 mil projetas locali-

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para o público. Entre as iniciativas, a montagem de uma sala na última edição da Bienal Internacional de Arquitetura, que se realizou em São Paulo no período de novembro aja­neiro passados, com uma seleção de 30 imagens do projeto ampliadas em grande painéis, logo na entrada do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, uma mostra com curadoria do autor e do arquiteto Mauro Font. A equi­pe também preparou um CD-ROM em associação com a Semiotic Systems intitulado Paisagismo Brasi­leiro: Guia de Praças e Parques, pro­duzido por Luiz Fernando Meira e

gismo brasileiro, uma fonte nova de discussão e de desenvolvimento de novos projetas.

Os estilos - O trabalho de pesquisa foi árduo e dividido em três etapas. Na primeira, foi feito o levantamen­to paisagístico em 17 cidades, que já se sabia, de antemão, que tinham projetas de porte. Entre elas estavam várias capitais de Estados brasileiros e cidades de porte médio. A segunda etapa incluiu as demais capitais (à exceção de Palmas, TO) e novas ci­dades médias, chegando-se, na ter­ceira etapa, às 35 cidades com proje-

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O Passeio Públ ico no Rio de Janeiro, marco do projeto paisagístico no País

Parque do lbi rapuera, em São Paulo: uma releitura do Eclet ismo Jardins do prédio do MEC, no Rio

de Janeiro: pr imeiro espaço moderno

tos paisagísticos analisados. "Para o segundo livro, vamos incluir cidades que ficaram de fora, como Petrópo­lis, no Rio de Janeiro, Maringá e Cascavel, no Paraná, entre outras", diz Sílvio Macedo.

Para realizar a pesquisa, a equipe do projeto foi diversas vezes a cada uma das cidades. O destino inicial eram as prefeituras, onde se encon­travam as plantas dos parques, pra­ças e calçadões das cidades, além, muitas vezes, de desenhos e fotogra­fias . O material era remetido a São Paulo, analisado e feita a triagem. Em seguida, a equipe retornava à ci­dade para fazer o levantamento do atual estado daqueles locais, por meio de fotografias e desenhos. A triagem, segundo Sílvio Macedo, obedeceu a dois principais critérios: a importância daquele espaço urba­no para a cidade e para a comuni­dade, mesmo que não tivesse ne­nhum arquiteto de renome como autor do projeto paisagístico, e/ou que o projeto fosse significativo dentro das três linhas de projetas paisagísticos (Ecletismo, Moderno e Contemporâneo) e se encontrasse bem conservado.

O Ecletismo, explica o arquiteto, é uma das correntes que compõem a paisagem construída no Brasil e des­creve o tipo de projeto criado para a contemplação. A concepção eclética, a mais tradicional corrente projetual, é de origem totalmente européia, adaptada ao cotidiano nacional, a partir do século XIX. Esta influência é especialmente francesa e inglesa, sendo seus principais autores no Rio de Janeiro Glaziou e Villon. O Pas­seio Público, no Rio de Janeiro, de 1783, o primeiro projeto paisagístico no Brasil, é representativo dessa cor­rente. O estilo pode ser facilmente identificado pela presença de elemen­tos como fontes, gazebos, quiosques e lagos, que, em geral, correspon­dem a imitações pictóricas de ícones europeus e pode ser observado em espaços nas capitais e nos mais dis­tantes lugarejos do interior do Brasil.

A concepção Moderna diz res­peito à criação de base nacionalista,

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Parque São Clemente, em Nova Fribu rgo: espaço para a contemplação

feita de elementos essencialmente brasileiros e produzida sobre uma forte preocupação funcional e social, na qual se encaixa, por exemplo, a obra de Burle Marx. O primeiro es­paço dessa vertente é o prédio do Ministério da Educação (antigo MEC) no Rio de Janeiro. Já a con­cepção Contemporânea é uma rup­tura com o Moderno. "Trata-se de uma grande mistura, marcada prin­cipalmente pela colagem de muitas influências e pela liberdade de cria­ção", descreve o pesquisador. Soares Macedo acrescenta que o paisagis­mo chamado de Contemporâneo é fortemente marcado por traços de trabalhos franceses, espanhóis e in­gleses antigos, o que inclui uma sé­rie de modelos e elementos de cons­trução em desuso há muito tempo. Isso tudo junto com elementos do paisagismo japonês, francês, ameri­cano e espanhol contemporâneo, por exemplo.

Terceira corrente - A verificação da corrente de produção paisagística Contemporânea no QUAPÁ foi ou­tra novidade no estudo de paisagis­mo brasileiro. Até então, os livros de referência sobre o tema identifica­vam o paisagismo como Eclético e Moderno. A pesquisa mostrou que existe essa terceira vertente, ainda

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em formação, mas pre­sente em todo o País. O curioso é que esse tipo de trabalho já está em curso há pelo menos 15 anos no Brasil, mas, até então, segundo o

O estilo contemporâneo do Jardim Botânico de Curitiba, obra de 1991

grupo de pesquisado-res, nada foi publicado a respeito. Ao menos nada que atingisse a dimen­são nacional do QUAP Á.

"O Brasil trata a obra de Burle Marx, o paisagista oficial do mo­dernismo, como sua última van­guarda e, por isso, deixa de obsér­var a importância do que de novo se vem construindo", observa o au­tor. Isso não significa desmerecer o trabalho do paisagista, que teve di­versos projetos incluídos na pes­quisa . Assim, o livro conta com uma farta documentação da obra de Burle Marx, devidamente ilus­trada por plantas e fotografias . Mas a inegável importância do paisagis­ta está na sua posição de contestado e criador de novos parâmetros de comparação por meio de uma pers­pectiva histórica.

Descobertas - A rápida ramificação da pesquisa, que teve uma espécie de edição prévia em 1998, contendo 450 imagens de cerca de 300 espaços visitados, deve-se principalmente à

sua natureza desbravadora. "Desco­brimos dados surpreendentes, como o fato de termos pelo menos 60 ar­quitetos com projetos bem articula­dos e bem executados trabalhando sozinhos por vários cantos do País em anonimato." Entre esses cantos, o arquiteto destaca projetos que considera bastante sofisticados e permanecem "escondidos" do olhar dos centros de estudos, como praças de Teresina, no Piauí, ou de Belém do Pará. "Outra constatação é que, se São Paulo sabe pouco do paisagis­mo carioca, o Rio de Janeiro sabe menos ainda do paulista, e assim por diante, ou seja, o Brasil não co­nhece a paisagem do Brasil", susten­ta Soares Macedo.

Em um dos tópicos do livro Quadro do Paisagismo no Brasil, que trata de projetos urbanos, o arquite­to apresenta, por exemplo, a Praça Carlos Gomes, em Campinas, SP, e a Praça Dom Pedro II, em Belém, PA, como dois desses achados - desco­nhecidos por quem não vive nestes

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O Bosque Alemão, em Curitiba, de 1996: colagem de vários elementos

lugares-, que representam uma ver­tente da produção chamada de Ecle­tismo.

Nesse tópico, a pesquisa é apre­sentada com o apoio de fotografias de projetos, mostradas ao lado de suas plantas originais e, quando possível, de imagens de idades dife­rentes do mesmo local. Assim, são descritos e analisados, por exemplo, os projetos do Jardim da Luz, de São Paulo, a Avenida Central, do Rio de Janeiro, e o Parque Munici­pal René Giannetti, de Belo Hori­zonte. "Para essa comparação, e mesmo para que fosse possível ob­termos medida de análises, uma das regras do levantamento foi rastrear apenas os projetos que tivessem do­cumentos nas prefeituras das cida­des visitadas."

Cada trabalho catalogado é acompanhado dos acontecimentos históricos que o circundaram no momento de sua criação e constru­ção. Partindo desde o trabalho de mestre Valentim, no século 18, cada autor é registrado dentro de seu contexto de produção. Assim, a pes­quisa acaba por fazer algumas justi­ças históricas, lembrando de paisa­gistas como Reynaldo Dieberger e seu pai, João Dieberger, que juntos produziram mais de meio século de paisagismo no Brasil.

Praça Vinícius de Moraes, São Paulo: novo modo de usar a vegetação

Do filho, o autor emprestou, além dos projetos, um texto sobre a produção de um jardim, escrito em 1928, que, no livro, abre o tópico de­dicado ao Ecletismo: "A arte de fa­zer-se um jardim é a mesma como que se pinta uma tela, como se com­põe uma poesia, ou se constrói uma casa. Como em todas as artes, dis­tinguem-se ali os serviços bem aca­bados, onde a longa experiência e o gosto natural unem-se aos recursos do material e plantas". Mas sem, en­tretanto, assumir algum tipo de tom de homenagem. "É apenas o leván­tamento atualizado da paisagem ur­bana brasileira, mais especificamen­te dos espaços abertos e públicos", observa o professor. "A grande ques­tão é que ninguém havia feito isso até hoje no País."

Este ano, o grupo parte para uma nova fase de estudos que também abrangerá a produção de espaços privados, além de espaços públicos, mas que integram, de forma indire­ta, a paisagem pública. Mas também nesse momento, narra o pesquisa­dor, várias teses nascidas no grupo do arquiteto estão em andamento. Em São Paulo, os pesquisadores De­nise Franquini e Wolfgang Stechen­ko desenvolvem trabalhos de mes­trado, e Fabio Robba, de doutorado. Em Campo Grande, MS, Guttenberg

Weingartner desenvolve um douto­rado e a arquiteta e professora Vera Tangari, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concluiu sua tese de doutorado sobre o Rio de Ja­neiro. Todos com trabalhos vincula­dos à pós-graduação da FAU/USP e utilizando dados do QUAP Á.

O projeto está nesse momento desenvolvendo a etapa final da se­gunda parte da pesquisa e ultiman­do o lançamento dos livros Parques Brasileiros e A Praça Brasileira, e do CD-ROM Quadro do Paisagismo no Brasil - A história do paisagismo brasileiro. •

PERFIL:

• SíLVIO SOARES MACEDO é arquiteto formado pela Faculdade de Arqui­tetura e Urbanismo da Universida­de de São Paulo, onde é professor titular de Paisagismo e coordena­dor do Laboratório de Paisagem. Desenvolve, desde 1976, projetos de pesquisa na área de paisagismo, sendo autor de Higienópolis e Arre­dores, livro sobre as transformações urbanas sofridas pelo bairro do tí­tulo. Edita a revista Paisagem e Am­biente, produzida na faculdade. Projeto: Quadro do Paisagismo no Brasil Investimento: R$ 280 mil

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LIVROS

ISTVÁN ]ANCSO

Estranhos estrangeiros Falando dos outros, falamos de nós mesmos

Como os mitos entranhados na memória coletiva trazem a marca do nacional, a per­cepção dos significados de histórias dessa

ordem pode ser enriquecida pela análise atenta de quem vive outra realidade: o estrangeiro. Essa ques­tão remete a muitas outras, dentre as quais a dare­lação do historiador com o emaranhado de suas próprias circunstâncias, terreno onde medram difi­culdades que não podem ser menosprezadas, prin­cipalmente quando a prática historiográfica tem por cenário e objeto um universo de identidades nacionais erigidas com base em referências cruzadas, caso da América Latina. O livro de Alberto Aggio - Frente Popular, Radicalismo e Revolução Passiva no Chile, São Paulo, Annablume/FAPESP, 1999,230 p., enfrenta esta dificuldade, e o resultado é instigante.

A forma de exposição adotada difere um tanto do que é tido por padrão acadêmico, com o que ganha o leitor. A matéria, organizada em três grandes conjuntos de problemas, é apresentada em sete capítulos. O primeiro traz um painel su­mário da história política do Chile, abrindo espa­ço para o enunciado dos marcos teóricos da aná­lise (cap. 2). Nos três capítulos subseqüentes tem lugar a exposição da matéria histórica propria­mente dita, com a narração das vicissitudes do movimento modernizador chileno e de seus pro­tagonistas (cap. 3). Os capítulos seguintes dão conta da trajetória da Frente Popular e de seus desdobramentos imediatos, por meio do relato da história da articulação política bem-sucedida que reuniu em coalizão partidos de centro (o Radical), de esquerda (o Comunista e o Socialista) e o da Democracia Unificada, além de setores do movi­mento sindical organizados na Confederação dos Trabalhadores do Chile. Conta-se aí como a coali­zão consolidou-se com a indicação do radical Pe­dro Aguirre Cerda para concorrer à presidência e como se deu o triunfo da Frente Popular em 1938. Esta parte da obra completa-se no quinto capítulo, onde é feita a análise das dimensões política e eco­nômica do período de governo da Frente Popular e do radicalismo. No sexto capítulo o leitor é brin-

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dado com detalhado painel do debate historio­gráfico que tem por foco de interesse a experiência política acumulada durante os períodos da moder­nização chilena, da Frente Popular e do radicalismo. Finalmente, o autor conclui o estudo com a sua ex­plicação do enigma político chileno configurado por volta de 1930 e tragicamente encerrado em 1973.

Finda a leitura do texto, percebe-se que o seu tema central- o seu enigma - não é o anunciado pelo título. A obra, e vem daí seu "caráter reflexivo [na] origem" (p. 23), é etapa de uma linha de refle­xão cujas origens estão na purgação do trágico co­lapso, em 1973, da experiência socialista com liber­dade, assunto da primeira visita do autor a este distante país que é o passado chileno (vide Aggio, A., Democracia e Socialismo, São Paulo, Edunesp, 1993). Na verdade, o tema/enigma com o qual o au­tor é confrontado é o da esquizofrênica relação das elites políticas latino-americanas com a moderni­zação capitalista imposta-assumida-erigida comova­lor supremo a subordinar todos os outros na defi­nição do papel do Estado. Nesse ponto, Aggio recusa a cantilena dóminante que atribui a este o papel de demiurgo das patologias sociais convertidas em entranhada natureza dos povos do continente. Sua análise demonstra que, no caso do Chile, o Estado foi, em vez de causador dessas patologias, o gran­de campo de batalha onde travaram-se combates decisivos dos que forcejavam por debelá-las con­tra aqueles outros cujas condições de dominação tinham por pré-condição a reiteração ampliada das causas profundas dessas patologias sociais.

Ainda que não seja difícil divergir do autor quanto ao seu modo de operar sofisticadas cate­gorias gramscianas de análise, em especial a de "revolução passiva", seu livro é merecedor de mui­ta atenção, até porque revela que nós, brasileiros, somos estrangeiros bem estranhos: falando dos outros, falamos de nós mesmos.

! STVÁN ]ANCSó é prof do Depto. de História da FFLCH da USP

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LANÇAMENTOS

Teoria da Relatividade Especial e Geral

O livrinho, tão acanhado, não dá a idéia da sua preciosidade. Mas, escrito num estilo delicioso e claro, eis a súmula, pelo próprio gênio da celebrada Teoria da Relatividade, Albert Einstein (Editora Contraponto, 136 págs. R$ 19), pela primeira vez em

português. "Esse livro pretende dar uma idéia, a mais exata possível, da Teoria da Relatividade, àqueles que se interessam pela teoria, mas não dominam aparato matemático da física teórica", promete o cientista, falando apenas da maior revolução científica do século.

Astronáutica: do Sonho à Realidade

O lançamento deste estudo do renomado astrônomo Ronaldo Rogério Freitas Mourão coincide com os 30 anos da chegada do homem à Lua, cujo percurso ele descreve com minúcia num texto saboroso que se lê como ficção. Mas a obra explicita toda

a trajetória do desenvolvimento da técnica, desde a colocação em órbita do Sputnik, o satélite russo, em 1957, até o 21 de julho de 1969, quando a Apolo 11 desceu em solo lunar. Uma boa história da conquista espacial (Bertrand Brasil, 686 págs., R$ 55).

O Teorema do Papagaio

Nem sempre é preciso ensinar sem dar prazer. Ainda mais a árida história da matemática. O professor Denis Guedj, docente da Universidade de Paris, decidiu contar a epopéia numérica por uma intricada trama que incluiu Manaus,

de onde chega, para uma livraria de Paris, a coleção de livros de matemática, a maior do mundo, de um estranho homem. Para entender todos os mistérios, os heróis têm de passar em revista Tales, Pitágoras, Fermat, Euler e Bhaskara (Companhia das Letras, 502 págs.).

REVISTAS

Novos Esrudos Novos Estudos Cebrap

Eis o número 55 (novembro de 1999) desta referência bibliográfica quadrimestral para pesquisadores e leigos. O sabor especial desta edição é a celebração dos 30 anos do Centro Brasileiro

=:=.~~..:=~~ de Análise e Planejamento, o Cebrap. Mas, além

de relembrar glórias passadas e remeter às futuras, a revista também traz artigos sobre outros temas. Entre esses: Considerações sobre a poesia brasileira em fim de século, de Iumna Simon; as diversidades e identidades étnicas no Brasil, de Simon Schwartzman; entre outros.

Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental

Tendo como editor Manoel Tosta Berlinck, essa publicação trimestral chega ao vol. II, no 4 (dezembro de 99). Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP),

a edição reúne artigos de pesquisadores da PUC-SP, Unicamp e da Rede Universitária de Pesquisa. Entre os temas desté número: Benjamin, Proust e o sadismo, de Ernani Chaves; O desejo na Grécia Antiga, de Zeferino Rocha; A entrada do chiste na cena analítica, de Luciano Balboa; e, entre outros, o incesto e as ocorrências incestuosas, de Aluísio de Menezes.

Wired

Capaz de reunir beleza gráfica e conteúdo inteligente, a Wired é leitura de poucos e bons. Na edição de fevereiro, o artigo de capa traz uma longa entrevista com um pioneiro da cibernética, Kevi Warwick, contando como será possível ao homem do futuro

melhorar, com a tecnologia, partes de seu corpo. Detalhe: o cientista já iniciou os trabalhos com implantes em seu próprio corpo. Mais: arquitetos imaginam uma arquitetura que use de tudo e modifique tudo.

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FERNANDO GONSALES

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ESPECIAL PATENTES

Proteção à tecnologia

Especialistas apresentam mecanismos de defesa da propriedade intelectual dos resultados de pesquisa

Em dezembro do ano passado, a Fundação de Amparo à Pesqui­

sa do Estado de São Paulo - FAPESP reuniu um gru­po de especialistas brasilei­ros e estrangeiros no work­shop Propriedade Intelectual e Patentes. Objetivo: anali­sar estratégias para apri­morar seus próprios pro­cedimentos relativos à proteção da propriedade intelectual de produtos re­sultantes das pesquisas que financia e, de modo mais amplo, indicar caminhos para que as instituições de pesquisa possam zelar melhor pelos resultados do trabalho de seus pesquisadores.

Na verdade, nesse campo de propriedade intelectual e patentes de produtos originários da pesquisa brasileira verifica-se um certo impasse. Cada uma a seu modo, as instituições nacionais avançam no desenvolvimento tec­nológico e no entrosamento com o setor empresarial, mas ainda tratam com pouca atenção o patenteamento dos resultados das pesquisas - cuidado indispensável quando se almeja a produção em escala industrial dos re­sultados de experimentos nascidos em laboratório, o re­torno social dos investimentos realizados e, mais ainda, financiamentos extras à pesquisa, desta feita de origem privada, capazes de complementar os recursos públicos.

As patentes, por si só, não asseguram o repasse da tec­nologia, mas dão às empresas a possibilidade de tecer contratos coesos com as instituições de pesquisa. Sem pa­tente, dificilmente as empresas sentem-se à vontade para investir durante um ou dois anos no desenvolvimento de um produto nascido em um laboratório acadêmico. Por­tanto, sem uma política clara e eficaz de proteção da pro­priedade intelectual, será praticamente impossível para as instituições de pesquisa avançarem nos acordos de licen-

PESQUISA FAPESP

ciamento com as empre­sas. No cenário internacio­nal, as oportunidades es­tão definidas: já há muitos anos, as indústrias come­çaram a ver as universida­des com outros olhos, es­pecialmente na medida em que as pesquisas em infor­mática e biologia molecu­lar começaram a dar resul­tados que poderiam gerar lucros.

Dentro desse panora­ma, a FAPESP, com seu longo histórico de financi­amento à pesquisa científi­

ca e tecnológica no Estado de São Paulo, e com a atenção especial que vem dispensando nos anos mais recentes à inovação tecnológica - com os programas de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e Inovação Tecnológi­ca em Pequenas Empresas (PITE)-, não poderia manter­se ao largo da questão da propriedade intelectual e paten­tes. Daí seu esforço para atuar de forma mais ativa nesse campo, do qual o workshop foi um ponto de partida.

Neste encarte organizado por Carlos Fioravanti estão resumidas as apresentações de cinco especialistas convida­dos pela FAPESP. Elas retratam diferentes estratégias de instituições de pesquisa- dos Estados Unidos, de Israel ( es­colhido por ser um país que, como o Brasil, contribui com cerca de 1% da produção científica mundial, embora com uma atuação bem mais incisiva no campo da proprieda­de intelectual) e do próprio Brasil. Os relatos respondem às principais dúvidas dos dirigentes das instituições e dos pesquisadores a respeito do registro das idéias. Mostram que não são poucas as possibilidades de acordos com o setor empresarial e, por fim, indicam como a universida­de pode auxiliar a criação e a consolidação de empresas, principalmente quando os mecanismos de proteção à propriedade intelectual já se encontram implantados.

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PATENTES

ESTADOS UNIDOS

Da descoberta à cotnercialização

Formado em Economia Política pela Universidade de Indiana, David Allen vive

o desafio de fazer com que a Universidade Estadual de Ohio - a segunda maior nos Estados Unidos, com cerca de 50 mil alunos - amplie os vínculos com o setor empresarial e ajude a transformar a economia do Estado de Ohio, de perfil industrial e conservador, ainda com baixa competitividade nas atividades ligadas à informação e à Internet. Não lhe falta experiência para dar conta do recado. Depois de implantar o Centro de Criação e Desenvolvimento de Empresas na Universidade do Estado da Pensilvânia, Allen transferiu-se para a Universidade de Ohio, onde, de 1991 a 1997, dirigiu o Instituto de Biotecnologia Edison, um centro de pesquisas com renda anual de USS 2 milhões (metade proveniente de contratos com indústrias), e coordenou o Escritório de Transferência de Tecnologia. Atualmente, como vice-presidente-assistente do Escritório de Licenciamento de Tecnologias da Universidade Estadual de Ohio, desenvolve parcerias com empresas e supervisiona os contratos de licenciamento de tecnologias, um campo em que a instituição já construiu certa tradição: do orçamento anual de pesquisa da universidade, cerca de USS 200 milhões, USS 36 milhões provêm de empresas ou associações de empresas. Allen fez duas apresentações no seminário sobre patentes promovido pela FAPESP, Da Descoberta à Propriedade Intelectual e Da Propriedade Intelectual à Comercialização, sintetizadas a seguir.

2

Para começar, algumas definições importantes. Uma invenção é uma formulação ou método tecnológico novo e útil, que pode ser comunica­da por meio de notificação por es­crito ao departamento de patentes ou escritório de licenciamento de tecnologia. A propriedade intelec­tual cobre um conjunto de tipos de tecnologia, na forma de invenções, patentes, direitos autorais, marca

David Allen registrada, dados e, cada vez mais, know-how. Uma licença é um con­

trato que dá à empresa os direitos à propriedade intelec­tual. Normalmente outorgamos direitos, mas não ven­demos a propriedade intelectual. Quando se vende a propriedade intelectual não se pode mais retomá-la e não há garantia de que será desenvolvida.

A Universidade Estadual de Ohio- a segunda maior nos Estados Unidos, com cerca de 50 mil alunos e um orçamento anual de pesquisa deUS$ 210 milhões, dos quais US$ 36 milhões provenientes de empresas ou as­sociações de empresas- não cria empresas, mas traba­lha com quem tem interesse em fundar uma empresa que licencie a propriedade intelectual. Nosso escritório cuida de todo o processo de desenvolvimento da tecno­logia, da proteção à propriedade intelectual ao licencia­mento a empresas. Cuidamos também da comercializa­ção, preparando os contratos que, às vezes, são necessários já no início do processo, a exemplo dos acordos de confiança e de transferência de material. Ou­tros aparecem mais tarde, como os acordos de opção e de licenciamento.

Em 1999, recebemos 100 comunicados de invenções, a maior parte da área de engenharia e medicina. Em 1998, foram apenas 75. Em 1998, registramos 33 paten­tes, duas a mais do que no ano anterior, e assinamos 26 acordos de comercialização, sendo 13 para licenciamen­to e 13 para opções, quando a empresa decide num se­gundo momento se vai realmente aceitar o licenciamen­to. Algumas opções realizadas no ano passado serão acordos de licenciamento no próximo ano. Recebemos dos contratos com empresas cerca de US$ 1,6 milhão, normalmente com uma variação de 20% para mais ou para menos de um ano para outro.

Em uma reunião com os inventores, determinamos o procedimento mais adequado, ao verificar se a tecno­logia já foi publicada ou noticiada em alguma conferên-

PESQUISA FAPESP

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PATENTES

cia ou encontro científico. Freqüentemente, temos de tratar da garantia da propriedade intelectual o mais rá­pido possível. Já fizemos isso até de um dia para o ou­tro, mas certamente não é uma situação desejável. Nes­se encontro, vemos também se a invenção é o resultado de um programa de financiamento ou se há outra em­presa ou instituição que, por ter patrocinado a pesqui­sa, pode ter algum tipo de direito autoral ou proprieda­de intelectual sobre os resultados.

Para aceitar um projeto e providenciar a patente, exi­gimos uma demonstração de que a idéia realmente fun­ciona. Não é necessário que se te-nha uma redução de operação à

ESTADOS UN I DOS

se quer realmente avançar para o acordo de licenciamen­to. Em metade dos casos, fazemos com a empresa um acordo de financiamento para a pesquisa avançar até a fase de desenvolvimento.

Os inventores recebem metade dos primeiros US$ 75 mil em royalties. A outra metade é destinada ao escritó­rio de licenciamento para cobrir despesas com o proces­so. Depois, os inventores recebem um terço dos royalties, independentemente de permanecerem ou não na uni­versidade. O outro terço vai para o departamento da fa­culdade onde trabalham ou trabalharam e a parte res-

tante para a agência que financia a pesquisa adicional.

prática, mas um conceito e uma redução conceituai à prática, de forma que se possa demonstrar como, de fato, se poderia desen­volver a tecnologia. A demons­tração conceituai em geral não é suficiente para iniciar a comercia­lização do projeto. Mais cedo ou mais tarde é preciso demonstrar que o projeto pode realmente se tornar operacional.

''Um projeto só avança quando

há transferência real de conhecimento

do laboratório para a empresa''

Para desenvolver um produto com uma empresa, não basta fa­zer o registro das patentes, que normalmente são incompletas e necessitam de mais trabalho. Pa­tentes, por si mesmas, apenas co­meçam o jogo da comercialização. Um projeto só avança quando há transferência de conhecimento real do pessoal do laboratório para a empresa e quando ocorre,

Procuramos também conhe­cer os objetivos do inventor. O que ele realmente quer? Ele meramente concluiu mais uma pesquisa financiada ou estaria interessado em co­mercializar a tecnologia? E de que maneira? É impor­tante que o pesquisador compreenda o que é necessário para se comercializar a tecnologia, já que a tecnologia por si mesma não se transfere. O que se transfere é o co­nhecimento embutido na tecnologia. o que acontece é que o conhecimento passa dos laboratórios dos pesqui­sadores para a empresa.

É importante também saber que contatos os inven­tores têm com os setores ligados à produção, porque de 50% a 70% dos acordos de licenciamento provêm de contatos feitos pelos próprios inventores com ex-alunos ou ex-colegas, que agora trabalham na indústria, ou ain­da empresários que conheceram em reuniões, encontros ou conferências. É um mito a idéia de que saímos a cam­po em busca de empresas. Em geral, as empresas é que nos encontram, porque estão em conta to com os inventores.

Para apresentar o projeto às empresas, formulamos um resumo não confidencial, de uma ou duas páginas, que identifica de forma ampla o que a tecnologia pode fa­zer, sem especificar de que modo faz. Em seguida, faze­mos um acordo confidencial, por meio de uma negocia­ção com o inventor, e procuramos convencer a empresa a visitar os laboratórios da universidade e a conhecer os outros pesquisadores que participam daquele projeto. Quando há sinais claros de interesse, apresentamos nos­sas condições e damos um prazo para a empresa decidir

PESQUISA FAPESP

mais do que um bom contrato, um encontro de mentes.

Observamos também que quase todas as patentes bem-sucedidas são renegociadas a cada três anos. É mui­to difícil chegar a um acordo ideal já no começo, porque os cinco anos seguintes é que definem a viabilidade da comercialização da tecnologia. Na maioria das vezes, é a taxa de royalties que mudamos. Sempre pisamos duro para fazer o produto mais competitivo. Muito raramen­te pedimos ·mais e muito raramente ganhamos mais. Mas o ponto aqui é o relacionamento, que deve ir bem para assegurar o sucesso do projeto.

Normalmente, não é a tecnologia que não funciona, são as pessoas que não conseguem ou não querem criar os relacionamentos e as condições necessárias para que o projeto se concretize. Caso as empresas não sejam ca­pazes de desenvolver a tecnologia, nós a tomamos de volta e a repatenteamos. Nos últimos dois anos repaten­teamos três tecnologias porque as companhias licencia­das não foram capazes de desenvolvê-las ou não tinham atingido as condições estabelecidas no acordo.

Não estamos nesse negócio para ganhar dinheiro. Mais do que ganhar dinheiro, pretendemos, sim, me­lhorar a universidade e responsabilizá-la, como institui­ção, pelos recursos que recebe. Desejamos nos tornar mais competitivos, o que implica ter as melhores facul­dades, atrair e manter os melhores estudantes e conse­guir mais financiamentos para pesquisas. Se, ao contrá­rio, perdermos competitividade, os alunos vão para outras escolas, como o Instituto de Tecnologia de Mas-

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ESTADOS UN I DOS

sachusetts ou a Universidade de Stanford, que se forma­ram nas duas últimas décadas nesses mesmos moldes.

Pôr a tecnologia em uso e aumentar a competitivi­dade não significa apenas assegurar o patrocínio de pes­quisas, mas principalmente ter boas faculdades e bons estudantes. Chegaremos a esses resultados à medida que desenvolvermos as cinco estratégias que nos impomos.

A primeira é mudar a estrutura interna da universida­de, que deve incutir novas políticas e uma cultura mais atual de desenvolvimento científico e tecnológico. Temos alguma dificuldade com os estatutos legais do Estado a respeito de propriedade intelec-tual, mas conseguimos uma flexi-

PATENTES

da como uma universidade tecnológica. Queremos abri­lhantar nossos astros na pesquisa nessa área, de modo que os pesquisadores possam se ver como excepcionais e serem reconhecidos pelo trabalho que realizam.

Por fim, queremos fortalecer o trabalho em conjun­to com outras entidades. Criamos um conselho de lide­rança com homens de negócios, que coordenam os gru­pos de tecnologia e indicam os interesses das empresas. Desse modo, estaremos certos de constar na agenda dos empresários quando precisarem de serviços na área tec­nológica. Esse conselho tem funcionado muito bem. A

proximidade é um ponto a favor: a sede do conselho fica a cerca de

bilidade maior em patentes e na comercialização dos resultados de pesquisas.

O segundo ponto é redefinir o comportamento administrativo. Concluímos que precisávamos acabar com a duplicação de pro­cedimentos, de uma coordenação e de um sistema de contabilidade mais visível na universidade. Am­pliamos o quadro de pessoal, re­forçamos a ação da equipe que

'' Queremos consta r na agenda

dois quilômetros do câmpus. Na incubadora de negócios da

universidade, onde as empresas nascentes podem se estabelecer desde que mantenham um rela­cionamento com a universidade, está estabelecido que 30% dos funcionários serão alunos de gra­duação. Desse modo, os estudan­tes poderão se desenvolver e, após sair dos laboratórios universitá-

dos empresários quando precisarem de serviços na área

tecnológica''

busca financiamentos externos para as pesquisas, e fui indicado para vice-presidente­assistente, para cuidar da contabilidade dos contratos, do patenteamento e dos cantatas com as empresas.

A terceira meta é ampliar o fluxo de tecnologia da universidade com as empresas. Para isso, estamos for­mando uma equipe de comercialização de tecnologia e criando uma instituição não-lucrativa cuja única fun­ção será produzir empresas a partir das pesquisas da universidade.

Fazemos com as empresas um contrato por um pe­ríodo de 60 meses, no qual se avalia a viabilidade de co­mercialização de um jeito mais aberto, sem os critérios de decisões e a política de prioridades da universidade. Nesse tempo, assessoramos a empresa e, se necessário, buscamos financiadores adicionais. Trabalhamos com fundos de investimento de risco, que inicialmente põem deUS$ 100 mil a US$ 2 milhões numa companhia de desenvolvimento tecnológico. Com essa ajuda financei­ra, as empresas constroem a atividade comercial de um modo muito mais confortável do que a universidade poderia proporcionar. O financiamento chega normal­mente quando já há um produto em fase de testes e um público bem definido.

A quarta meta da estratégia de parceria em tecnolo­gia é realmente contar às pessoas o que estamos fazendo e identificar nosso papel como agentes críticos do pro­cesso. Somos um ponto-foco que permite à universida­de se posicionar melhor no futuro e se tornar conheci-

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rios, entrar nos negócios tecnoló­gicos estabelecidos, primeiro nas

incubadoras e depois na Cidade da Ciência, que é o par­que de pesquisa.

Procuramos criar condições para que depois eles próprios abram seus próprios negócios. Designamos um pesquisador sênior que os orienta e diz o que devem saber. Sem liderança, não se vai a parte alguma. Esse é um ponto claro para nós há muito tempo. Cada um, do funcionário rríais simples ao presidente, vive se pergun­tando o que pode fazer para, desde o ensino médio, os nossos colleges, criar um ambiente positivo e desenvolver a capacidade de trabalho e a criatividade nos amigos.

Podemos medir esse empenho coletivo por meio do volume de financiamento recebido ou da contribuição para novos negócios e por nossa capacidade de atrair os melhores estudantes do país, que no passado iriam para outras universidades. Podemos avaliar nosso trabalho também pelo acervo de patentes de invenções, royalties e companhias de start up.

Com esse modelo, esperamos ser capazes de drenar mais capital e estabelecer um programa de pesquisa de classe mundial a um quilômetro do câmpus, numa área onde ainda não há muito mais que o verde. Precisamos comunicar o que a universidade faz. De nosso orçamen­to, 60% vêm dos contratos de licenciamento com 26 empresas, 20% do Estado de Ohio e 20% de doações. E, descobrimos, o melhor jeito de motivar as pessoas a as­sinar aqueles cheques para a universidade é mostrar os ganhos econômicos que podemos proporcionar.

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PATE N TES

ISRAEL

Os riscos e as possibilidades de negócios

Paulina Ben-Ami, vice­presidente de patentes e propriedade intelectual

da Companhia Yeda de Pesquisa e Desenvolvimento, a empresa de transferência de tecnologia do Instituto Weizmann de Ciências, criada em 1959, explicou por que os institutos de pesquisa de Israel, tanto quanto os dos Estados Unidos, não se cansam de propor projetas conjuntos com o setor empresarial. Em primeiro lugar, porque nesses países o Estado financia a pesquisa apenas parcialmente. Em segundo lugar, por causa da "consciência da necessidade de transferir à sociedade os resultados da pesquisa desenvolvida nas instituições com financiamento público". Brasileira e israelense, formada em Química pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação na Universidade Hebraica de Jerusalém, Paulina foi diretora da Divisão de Química e Biotecnologia do Escritório de Patentes de Israel, até se transferir para a Yeda, em 1990. Sua exposição, Proteção da Propriedade Intelectual em uma Instituição Acadêmica, deixou evidente a importância da proteção dos resultados de pesquisa, quando se cogita a produção em escala industrial: "Nenhuma empresa assina um contrato de licença sem que a invenção esteja protegida por um pedido de patente ou já patenteada", comentou. Perita em propriedade intelectual, Paulina participou de projetas da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) em países da América Latina, incluindo o Brasil.

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A patente é uma modalidade de propriedade industrial que protege uma invenção que é nova, tem cará­ter inventivo e é útil. Sendo uma propriedade, a patente tem valor econômico e permite uma série de operações financeiras, tais como sua venda ou licenciamento a fim de manufaturar produtos ou fornecer serviços protegidos pela patente. De modo geral, as opções estratégicas

Paulina Ben-Ami de um titular de patente incluem: 1 - A exploração própria da patente;

2 - O uso da patente para impedir sua exploração por ter­ceiros; 3 - A transferência dos direitos da patente a terceiros, me­diante compensação financeira; 4- A concessão de licença a terceiros, que pode ser exclu­siva, excluindo o próprio titular, ou não-exclusiva, medi­ante pagamentos de royalties e outras compensações; e 5 - O uso da patente como sua parte na constituição de uma nova empresa (start up).

Quando o titular da patente é uma instituição acadê­mica, somente as opções 3 a 5 são viáveis. Por não ser produtora ou fornecedora de serviços, a instituição não explora a patente por si própria e não usa a patente para impedir que 'outros a explorem, porque uma de suas fi­nalidades é transferir a tecnologia gerada nos seus labo­ratórios à sociedade. A transferência dos direitos da pa­tente a terceiros, apesar de viável, é pouco usada, restando, portanto, o licenciamento da patente a empre­sas ou o estabelecimento de companhias start up basea­das na tecnologia patenteada.

Quais os motivos que levam as universidades e os ins­titutos de pesquisa a procurar essa colaboração com a in­dústria e o setor empresarial? Por um lado, a busca de verbas para a pesquisa, em países como os Estados Uni­dos e Israel, nos quais a pesquisa universitária é financia­da apenas parcialmente pelo Estado, e, por outro lado, a consciência da necessidade de transferir à sociedade os resultados da pesquisa desenvolvida nas instituições com financiamento público.

Os contratos entre uma instituição acadêmica e as empresas interessadas nas tecnologias propostas podem ser de vários tipos: a - Contrato de pesquisa com opção a licença, segundo o qual a empresa financia a pesquisa ainda em estágio pre-

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ISRAEL

liminar por um prazo determinado (geralmente de um a três anos) e tem a opção de negociar uma licença se os re­sultados da pesquisa forem positivos; b- Contrato de pesquisa e de licença, que fixa desde o iní­cio o financiamento da pesquisa e as condições da licença; c - Contrato de opção, feito quando o pedido de patente já foi depositado, a pesquisa está mais avançada e a empre­sa requer um certo tempo para avaliação da invenção; e d- Contrato de licença, feito após a concessão da paten­te, muito raro porque geralmente as invenções nas insti­tuições acadêmicas são de caráter preliminar e necessi­tam de pesquisa adicional antes de sua comercialização.

PATENTES

As desvantagens: 1 - A dificuldade de licenciar projetas em estágio muito preliminar; 2 - Decisões lentas (quanto maior a empresa, mais tempo para a tomada de decisão); 3 - O financiamento da pesquisa depende de concluir com sucesso e nos prazos determinados etapas ( milesto­nes) do projeto definidas no contrato; 4- A falta de investimento agressivo no desenvolvimento ou marketing do projeto por vários motivos, inclusive a prioridade a outros projetos;

5 -A exigência de sigilo e de limi­tação de colaboração com outros

O contrato entre uma insti­tuição acadêmica e uma empresa deve considerar os interesses das duas partes e estipular, por um lado, que os interesses da empre­sa sejam assegurados por meio do depósito de um pedido de pa­tente para cada invenção resul­tante da pesquisa financiada pela empresa antes de sua publicação científica, e, por outro lado, que

''É importante que os direitos da

licença voltem

pesquisadores; 6- O perigo de mudança repenti­na da estratégia da empresa, que pode resultar no término do pro­jeto em qualquer estágio, inde­pendentemente de seus resulta­dos. Por essa razão é importante que todas as patentes estejam no nome da instituição e é preciso as­segurar no contrato que todos os direitos da licença voltem à insti-

à instituição caso o contrato com a em presa

seja interrompido''

os interesses acadêmicos sejam assegurados por meio da definição do prazo concedi­do ao licenciado para proceder com o depósito do pe­dido de patente (geralmente, de dois a três meses), evi­tando, assim, a protelação da desejada publicação científica.

Uma das grandes dificuldades no licenciamento de projetos acadêmicos à indústria reside no fato de as pes­quisas acadêmicas serem de caráter preliminar (seed sta­ge) e progredirem a passos lentos. Uma forma mais re­cente de promover o desenvolvimento de novos produtos baseados em pesquisa acadêmica consiste no estabeleci­mento de empresas novas (start up) com a ajuda de capi­tal de risco ( venture capital), provido por particulares ou por fundos de investimento de capital de risco. Essas em­presas start up investem um capital inicial para desenvol­ver a tecnologia até um estágio mais avançado que per­mite, então, a venda da tecnologia e/ou da start upa uma empresa estratégica ou a outros investidores e/ou nego­ciação de suas ações na bolsa de valores.

Vamos agora comparar as vantagens e as desvanta­gens do licenciamento de um projeto acadêmico a uma empresa estratégica ou a uma start up. As vantagens de um contrato com uma companhia estratégica incluem: 1 - Um período mais longo de financiamento da pesquisa; 2 - A capacidade para desenvolver, produzir e vender os produtos, e compromisso contratual para fazê-lo; e 3 - Pagamento de honorários de licença (license fees), além dos royalties da venda.

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tuição em caso de interrupção do contrato por parte da empresa.

As vantagens de um contrato com um fundo de capi­tal de risco e a criação de uma start up incluem: 1 - O financiamento maior da pesquisa inicial; 2 - Decisões mais rápidas; e 3 - O fato de a instituição e os pesquisadores receberem ações da coml?anhia start up.

E as desvantagens: 1 -A possibilidade de concessão de licença a uma organi­zação inexperiente; 2 - A limitação de recursos financeiros; 3 - A dificuldade em recrutar profissionais capacitados para a pesquisa e o desenvolvimento da tecnologia e para a administração da start up; 4- A possibilidade de fusão ou venda da start upa tercei­ros ou ao público; e 5 - O perigo de conflitos de interesses entre os acionistas e o Conselho de Diretores da start up.

O estudo da Yeda, que em hebraico significa conheci­mento ou know-how, a empresa de transferência de tecno­logia do Instituto Weizmann de Ciências, pode servir como exemplo da forma que uma instituição acadêmica prote­ge a propriedade intelectual e transfere com sucesso os resultados de sua pesquisa aplicada ao setor empresarial.

A Yeda, criada em 1959, funciona como um braço co­mercial do Instituto Weizmann, uma instituição sem fins

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PATE NTE S

lucrativos fundada em 1934, que conta com cerca de 400 professores e pesquisadores, 250 estudantes de mestrado, SOO doutorandos, 200 pós-doutorandos, 800 técnicos e engenheiros e 250 funcionários administrativos. Cerca de 900 projetos de pesquisa básica e aplicada encontram-se em andamento. Do orçamento de cerca US$ 170 mi­lhões anuais, 50% são fornecidos pelo estado e de 10% a 15% provêm de royalties de projetos licenciados.

Os vice-presidentes de Ciência e Tecnologia e de Pro­priedade Intelectual da Yeda identificam e avaliam os projetos de pesquisa com potencial comercial, os quais são, então, apresentados ao Comitê de Patentes interno, do qual fazem

I SRAEL

Os assessores desse fundo têm livre acesso aos pesqui­sadores do instituto, para que possam eles também iden­tificar e monitorar as oportunidades, mesmo antes dos resultados finais. Desde seu estabelecimento, cinco com­panhias start up foram criadas - três na área de Ciências Biológicas, uma em Eletroóptica e uma em Biossensores -e dois outros projetos estão em negociação. Um contra­to feito entre a Yeda, o instituto e este fundo, já no seu es­tabelecimento, determinou as condições referentes a equity (participação acionária) e antidiluição, tanto da Yeda como dos pesquisadores, ao financiamento da pes-

quisa e aos royalties. A Yeda tem contratos de pes­

parte os dois VPs e mais o presi­dente da Yeda e o VP de Transfe­rência de Tecnologia do instituto. Os projetos aprovados são então protegidos através do depósito de pedidos de patente e oferecidos para licença, por meio de sua apresentação no siteda Yeda na In­ternet e a empresários que visitam o instituto ou por meio de conta­tos com empresas ou investidores de capital de risco feitos pela dire-

''Se os pesquisadores põem uma quantia do paga menta no

laboratório, o instituto contribui com uma

quantia igual''

quisa e de licença com mais de 20 empresas, 65% das quais são es­trangeiras, e participou na criação de cerca de 20 companhias start up. Os royalties anuais recebidos das vendas, principalmente no ex­terior, dos produtos licenciados (quatro medicamentos e um car­tão inteligente), da ordem de vá­rios milhões de dólares, só tendem a crescer com o lançamento de no-

ção da Yeda ou por intermédio dos cientistas. Identificadas as empresas interessadas na licen­ça ou os investidores interessados em estabelecer uma start up, começa o processo das negociações, levado a cabo pelo presidente da Yeda, assessorado pelos VPs e com a colaboração dos cientistas.

Sendo Israel um mercado pequeno, de 6 milhões de habitantes, nem sempre as indústrias nacionais podem absorver e desenvolver tecnologias originadas nas univer­sidades. Isso faz com que grande parte dos esforços da Yeda se dirija à procura de empresas estrangeiras para li­cenciar as pesquisas do instituto. Também as start ups es­tabelecidas pela Yeda em Israel, no final das contas, pro­curarão empresas estrangeiras para a negociação de sua tecnologia. Por essa razão, a Yeda investe muito no paten­teamento das invenções no estrangeiro, principalmente Estados Unidos, Europa e Japão, e na preparação dos contratos de licença.

Outra característica sui generis refere-se à criação de um fundo de capital de risco dedicado ao Instituto Weiz­mann. Esse fundo, estabelecido em 1996 com capital es­trangeiro (cerca de US$ 17 milhões), por iniciativa do instituto, tem o direito exclusivo da primeira oportunida­de com relação aos frutos da pesquisa feita na entidade, ou seja, todos os projetos em andamento no instituto, in­cluindo aqueles em oferta de licença, são apresentados pela Yeda primeiro a esse fundo, o qual pode escolher en­tre eles os projetos que considera interessantes para a cria­ção de uma start up.

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vos produtos farmacêuticos nos Estados Unidos e na Europa.

Deduzidas as despesas, a Yeda entrega 60% dos ro­yalties ao Instituto Weizmann, para aplicação em novas pesquisas, e distribui os 40% restantes aos pesquisado­res e aos inventores, sejam professores, estudantes ou técnicos, de acordo com a divisão que eles próprios acertaram e comunicaram à Yeda antes de depositado o pedido de patente. Se os pesquisadores resolvem colo­car uma quantia do seu pagamento pessoal no labora­tório em que trabalham, o instituto contribui com um valor igual.

A proteção da propriedade intelectual, por meio das patentes, é muito importante nesse processo da comercia­lização porque nenhuma empresa assina um contrato de licença sem que a invenção esteja protegida por um pedi­do de patente ou já patenteada. A Yeda recebe anualmen­te de 70 a 80 novas propostas (em 1999, 90) e deposita de 50 a 60 novos pedidos de patente inicialmente em Israel ou nos Estados Unidos, dos quais cerca de 40 são, após 12 meses, depositados no exterior.

Os custos envolvidos no processo de patenteamento são altos, mas necessários. Uma vez licenciadas, todas as despesas das patentes são pagas pelo licenciado, inclusi­ve as de data anterior à da licença. Em 1999, a Yeda pa­gou diretamente cerca de US$ 900 mil de despesas com patentes, dos quais US$ 400 mil foram recebidos de vol­ta dos licenciados. Além disso, estimamos que os paga­mentos relativos a patentes da Yeda feitos diretamente por licenciados foram da ordem de US$ 2 milhões.

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PATENTES

I S RAEL

En1 contato direto con1 os pesquisadores

R enée Ben-lsrael, cientista social formada nos anos 70 pela Universidade

de São Paulo, trabalha desde 1988 na Yissum Companhia para o Desenvolvimento da Pesquisa, o escritório de licenciamento de tecnologia da Universidade Hebraica de Jerusalém, uma das mais antigas de Israel, com 1.200

Renée Ben-lsrael

A Yissum, em hebraico, significa aplicação. É uma empresa privada economicamente autônoma, que tem o monopólio da comercializa­ção dos resultados de pesquisa da Universidade Hebraica de Jerusa­lém. Temos cerca de 1.200 cientistas e 24 mil estudantes- 30% dos dou­torados de Israel são realizados na Universidade Hebraica. Estão em andamento no momento cerca de 3.500 projetos de pesquisa, financia­dos por verbas internas, provenien­

cientistas e 24 mil estudantes. A equipe de 15 funcionários da Yissum vive atenta para descobrir quais projetas de pesquisa em andamento na universidade (3.500, no momento) serão concluídos em breve e, principalmente, quais podem ser produzidos comercialmente. Como os colegas, Renée é uma profissional de múltiplas tarefas. Atende os inventores, a quem serve de guia no labirinto jurídico da propriedade industrial, avalia a maturidade e as possibilidades de desdobramentos comerciais dos projetas de pesquisa, providencia o registro das patentes e prepara os acordos de licenciamento de tecnologias com as empresas. Como gerente de propriedade intelectual faz, enfim, a articulação entre pesquisadores, empresários e investidores. Um trabalho que ela considera uma legítima acrobacia, com regras claras, mas também indispensável dose de sorte. Na apresentação que fez na FAPESP, Administração de Propriedade Intelectual Universitária: A Arte da Acrobacia, Renée tratou das possibilidades e das dificuldades de trabalho com os pesquisadores e com os empresários interessados em novas tecnologias.

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tes do Estado e das mensalidades de alunos, e externas, públicas ou particulares.

A Universidade Hebraica conta com duas entidades para administrar os recursos financeiros: a autoridade para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e a Yissum. A primeira lida com as bolsas de estudo e com as verbas de origem não-comercial. Negocia fundos de pesquisas com outras universidades, procura contatos com agências de financiamento e fomenta a cooperação internacional.

A Yissum cuida dos assuntos comerciais. Fazemos ar­ranjos comerciais com indústrias, fundos de risco e de­senvolvemos uma série de outras possibilidades comer­ciais. A Yissum registra entre 40 e 50 novos pedidos de patentes por ano e o portfólio ativo é de aproximada­mente 800 pa~ntes e 200 projetos à venda, ou seja, ofere­cidos para diversos tipos de colaborações econômicas. Li­damos com a academia, com a indústria, com o mundo legal dos advogados e da propriedade industrial e com o mundo financeiro, cada um com suas próprias regras, ca­racterísticas e interesses. Como sobreviver andando nes­sa corda bamba sem perder o foco e a dignidade? É A Arte da Acrobacia.

Nossas funções se desdobram em três categorias in­terligadas que exigem alto nível de coordenação: política, entre entidades e internacional. O trabalho é político, num sentido amplo, antes de mais nada, porque proprie­dade intelectual tornou-se um assunto popular, questio­nado eticamente no sentido da própria atividade comer­cial no câmpus e em áreas como a biotecnologia e a utilização de reservas naturais, por exemplo. Se há algum tempo podíamos trabalhar sossegadamente, sem sermos questionados, hoje devemos explicações, respostas e rela­tórios a diversos grupos, pois os projetos são financiados pelo Estado, por bancos, por uma indústria ou por um consórcio de empresas. Temos o dever de explicar. De

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Page 61: Concluído o primeiro genoma de fitopatógeno

PATENTES ISRAEL

certa maneira, vivemos num que é a mercadoria que temos para aquário, estamos sob um escru­tínio constante.

A segunda categoria seria a da coordenação das relações in­terpessoais e entre entidades. Não basta haver uma tecnologia de alto nível, um excelente me­canismo de proteção de propri­edade intelectual e uma compa­nhia muito interessada nas novas técnicas. Sem unir todas as peças do quebra-cabeça, não

'' Podemos recusa r algo brilhante em termos científicos,

porque fazemos distinção entre ciência

e tecnologia''

vender, e 20% em itens variados, como trocas de equipamentos, ser­viços legais e auditoria. De que for­ma obtemos tais resultados com apenas 15 funcionários? Antes de mais nada, com a otimização das forças locais, a experiência na sele­ção de projetos (com o tempo de­senvolvemos um certo faro, que aju­da a não perder tempo com projetos inúteis) e finalmente com o outsour-

teremos nenhum acordo. A articulação internacional é importante porque não

há mais ciência feita em um só lugar. Estamos vendo, por um lado, avançarem os projetos internacionais puramen­te acadêmicos como mistos, feitos com a indústria, e, por outro, as companhias se fundirem ou serem englobadas umas por outras. Temos de agir de acordo com essa rea­lidade. Além disso, é dificílimo realizar um licenciamen­to clássico de uma tecnologia, protegida por uma paten­te, a uma única empresa. Vivemos mais e mais situações mistas, nas quais uma tecnologia pertence a diversas en­tidades, é protegida por diversas patentes e copyrights e é licenciada a um grupo de capital de risco, que por sua vez quer lançá-la em bolsa de valores quando atingir um es­tágio mais avançado.

Cuidamos do trabalho de relações públicas, dentro e fora da universidade, do marketing da própria compa­nhia e das invenções e do financiamento às pesquisas. Por ser de certa forma uma empresa de serviço, temos de atender a todos os telefonemas e depois fazer a triagem.

O turnoverda Yissum em 1999 foi de cerca deUS$ 15 milhões. O orçamento interno é de um décimo, distribuí­do do seguinte modo: 40% em salários, 40% em patentes,

cing, a utilização de forças externas. Delegamos o trabalho do registro

das patentes a profissionais especializados, por diversos motivos. Primeiro, porque temos de dar cobertura a di­versos campos e seria difícil manter um grupo de advo­gados de patentes que pudesse cobrir todas as áreas da universidade. Segundo, porque trabalhamos num mun­do profissional e temos de procurar a melhor solução possível para cada problema.

No Departamento de Propriedade Intelectual, do qual faço parte, recebo os primeiros telefonemas e faço a pri­meira triagem. Pergunto aos pesquisadores: Já publicou? Vai publicar quando? Em que estágio está a pesquisa? Re­cebeu bolsa ou financiamento de alguém a quem esteja devendo alguma explicação? Tem colaborador em outro lugar? Essas perguntas são essenciais porque a partir das respostas poderemos estabelecer se temos nas mãos uma tecnologia patenteável ou não e até mesmo se temos di­reito a essa tecnologia. Há casos de bolsas ou de financi­amentos que exigem boa parte dos direitos de proprieda­de intelectual ou de uma parceria que dificulte a futura comercializa~ão e inutilize nosso trabalho.

Para ser patenteada a invenção deve ser original, não­óbvia e ter alguma aplicação útil. Esses são os critérios

formais, que não bastam.

Receita Gerada com Novos Contratos em 1999 Para que a Yissum resolva investir num plano que in­clua a proteção da proprie­dade intelectual, a invenção deve preencher mais alguns requisitos, que levam em conta o tempo, esforço do desenvolvimento de marke-

7.000

6.000

5.000

[ 4.000

.. :l 3.000

2.000

1.000

o Pesquisa Serviços Total

Fonte:Yissum Companhia para o Desenvolvimento da Pesquisa da Universidade Hebraica de Jerusalém

PESQUISA FAPESP

• Ciências Naturais

• Medicina

• Agricultura

• Farmácia

• Outros

• Total

ting, de contratos, enfim, de toda a equipe.

Em certos casos registra­mos uma idéia sem esses cri­térios, quando há um feed­back, por exemplo, de uma empresa de capital de risco, que precisa do número do re­gistro da patente para levar

9

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I S RA EL

o projeto à bolsa de valores e conseguir financiamento. O interesse comercial não precisa ser imediato, pois a Yis­sum procura conciliar projetas a curto e longo prazos.

Consultamos especialistas das indústrias e procura­mos recolher o máximo de informação possível, por meio de uma consultaria interna, da equipe de marketing ou de propriedade intelectual e até mesmo os agentes de patentes, antes de tomar a decisão final, que é sempre da Yissum. Depois dessa análise, enviamos uma carta pa­drão ao inventor comunicando que vamos ou não regis­trar a patente e salientando que o critério de seleção é pu­ramente comercial. Podemos recusar algo brilhante em termos

PATE N TE S

que uma patente possa ser importante apenas daqui a dez anos, pode não ser inteligente registrá-la hoje, porque da­qui a dez anos ela terá dez anos de vida a menos; • O mercado já existe ou será preciso esperar que se de­senvolva?; • Quais os investimentos realizados nesse mercado?; • Em que estágio se encontra a invenção? É uma idéia ou há indicações de que realmente possa funcionar? Se regis­tramos muito cedo, a patente pode expirar antes de o produto chegar ao mercado; • Quais serão as reivindicações dessa patente? É uma pa­

tente de um processo, que depois será difícil saber quem a está utili­

científicos, porque fazemos distin­ção entre ciência e tecnologia. Há algum tempo se discutiu ampla­mente se as patentes deveriam ser utilizadas como publicações na promoção de cientistas na univer­sidade. Minha recomendação foi que não. Patentes podem ser con­feridas a muitos assuntos cientifi­camente pouco relevantes.

''É importante ver zando, de uma molécula ou de um material?; • Qual é a dinâmica nessa área? Esse campo está se desenvolvendo tão rápido que, quando conse­guirmos a aprovação do registro, a patente já estará obsoleta? Isso acontece muito com computado­res, uma área em que as patentes têm de ser licenciadas rapidamen­te para não perderem o valor;

a pessoa do outro lado como quem também

está procurando o sucesso. E sermos sinceros e diretos ''

Até o começo de dezembro de 1999, tivemos 71 novas solicita-ções para registras de patentes. Re-gistramos 47. Normalmente, registramos por ano entre 45 e 50 patentes, a maioria provisórias. Foram concedidas 21 patentes e licenciamos 16.

Há dois tipos de abordagens para registrar uma pa­tente. O conservador consiste em enviar uma página re­digida sobre a invenção a algumas empresas e, se houver interesse pelo projeto, registrar a patente. Ou então quan­do houver alguém que mantenha essa patente e que pa­gue por ela. O outro enfoque é mais aventureiro e exige dois tipos de pergunta. A primeira: será que essa invenção pode ser patenteada? É uma pergunta fácil, porque, como já sabemos, uma idéia para ser patenteada não pode ser óbvia e deve ser original e ter um potencial comercial. A outra pergunta é mais relevante: quando dizer que uma invenção é comercialmente atraente?

Hoje, a Yissum conseguiu ter um patrimônio que lhe permite um certo comportamento aventureiro. Pode se dar ao luxo de registrar patentes mesmo que não sejam imediatamente bem-sucedidas. Creio que são essas as perguntas mais relevantes: • Quais as necessidades do mercado? São coisas realmen­te importantes ou algo irrelevante?; • Qual o tamanho do mercado? A invenção vai servir ape­nas para laboratórios esotéricos ou atenderá a um públi­co bem mais amplo?; • Qual a situação do mercado no momento? O invento responde a uma necessidade atual ou diz respeito a uma demanda que pode surgir daqui a alguns anos? Se ocorrer

lO

• Quem são os inventores? São lí­deres conhecidos nas respectivas

áreas? Sabem quais são as necessidades do mercado ou apenas inventam soluções para problemas inexistentes? Já tiveram outros sucessos, são cooperativos?

Não há respostas fáceis. Damos uns chutes, inteligen­tes e educados, mas, ainda assim, chutes. Temos todas as ferramentas de análise, mas nem sempre temos sucesso. Não temos comitês· de análise de patentes, que não queremos usar porque já tivemos muitos problemas. Eles são tradicio­nalmente lentos e nós necessitamos de rapidez e agilidade.

Usamos às vezes consultaria externa, que nos ajuda a apresentar uma tecnologia não confidencial a uma em­presa. Jogamos verde para colher maduro. Nem sempre temos sucesso. O problema nesse esquema são as restri­ções acadêmicas, já que os pesquisadores querem publi­car rapidamente o resultado de seus trabalhos.

Outro fator importante é olhar nos olhos de quem está falando. Há pouco tempo, na Holanda, expliquei longamente a situação e as perspectivas de uma patente a um empresário até que, de repente, ele comentou que o projeto estava lhe parecendo em ritmo muito lento. Em seguida, perguntou por quê. Entendi o problema dele. Concordei e fui ver como poderia acelerar o trabalho. É importante ver a pessoa do outro lado como quem tam­bém está procurando o sucesso. E sermos sinceros e dire­tos, como ele foi. E, finalmente, o que nunca é demais: sorte. É o que desejo a todos os que estão começando esta aventura, muito fôlego e muita sorte. ·

PESQUISA FAPESP

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PAT EN T ES

BRAS I L

O resultado das estratégias das instituições brasileiras

C om uma notável visão da história e das perspectivas

O Brasil, apesar de ter assinado a Convenção da União de Paris em 1883, que organizou o assunto da propriedade intelectual no final do século passado, pouco fez no decor­rer deste século para introduzir a cultura, estabelecer políticas públi­cas coerentes e difundir os princí­pios da propriedade intelectual.

da propriedade intelectual no Brasil, Maria Celeste Emerick, coordenadora de Gestão Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, mostrou quão pouco eficazes e estruturadas são, ainda, as formas

Maria Celeste Emerick

Um marco no cenário nacional sobre a propriedade intelectual é a ratificação pelo Brasil, com o decre-

de atuação das instituições nacionais de pesquisa nessa área - algumas vezes a inconsistência mesclando-se com a displicência, a ponto de permitir que importantes materiais ou resultados de pesquisas deixem o País sem qualquer controle. Maria Celeste- socióloga formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (Uf JF), de Minas Gerais - ingressou em 1986 na Fiocruz, onde, em 1990, participou da criação e passou a coordenar a área de Gestão Tecnológica, que elabora e implementa a política de Propriedade Intelectual e Comercialização de Tecnologia na instituição. Maria Celeste dividiu sua apresentação Propriedade Intelectual e Comercialização de Tecnologia em Instituições Acadêmicas no Brasil em três partes. Na primeira, descreveu as mudanças no cenário brasileiro na década de 90. Em seguida, analisou os resultados de políticas institucionais de propriedade intelectual. Por fim, expôs sugestões por meio das quais as agências de financiamento poderiam promover de modo mais intensivo a comercialização dos resultados da pesquisa no Brasil.

PESQUISA FAPESP

to legislativo n° 1.355, de 30 de de­zembro de 1994, do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips), um acordo internacional que mudou bastante as regras do jogo no campo da propriedade intelectual. Costuma-se dizer que a Convenção de Paris era uma convenção sem dentes e o Trips é uma convenção com dentes: dá prazos e estabelece obrigatoriedade de paten­teamento em determinados setores, como a biotecnolo­gia, química fina e alimentos. Ao ratificar esse acordo, o Brasil teve de rever a legislação sobre propriedade in­dustrial e direito autoral. Teve de fazer novas leis sobre proteção de software, proteção de cultivares, além de ou­tras ainda em estudo, como o projeto de lei de proteção de topografia de circuitos integrados, em fase de discus­são no Congresso Nacional.

O decreto no 2.553, de 16 de abril de 1998, que regu­lamenta os artigos da Lei 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, pretende estimular o patenteamento nas instituições acadêmicas, por meio da premiação do inventor. Depois das porta­rias dos Ministérios da Ciência e Tecnologia no 88/98 e da Educação no 322/98, que regulamentaram esse de­creto, tanto as universidades como as instituições de pesquisas vinculadas ao Ministério da Ciência e Tecno­logia deveriam cumprir o que está determinado, que ba­sicamente é prever o ganho para o servidor-inventor.

Chamo a atenção para um detalhe da Lei de Paten­tes, a questão da titularidade, ou seja, a quem pertencem as invenções. A invenção pode pertencer exclusivamen­te ao empregador, exclusivamente ao empregado ou pertencer às duas partes, como acontece nas instituições públicas brasileiras. Em geral, o titular é a própria insti­tuição, que pode também prever a co-titularidade. Em princípio o empregador tem o direito da titularidade, mas há possibilidade de pensar em outras alternativas.

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BRASIL

Três expenencias estão ampliando a discussão no Brasil sobre propriedade intelectual: o Grupo Intermi­nisterial, a Rede Temática e o Projeto Inventiva.

O Grupo Interministerial foi criado em 1995 no âm­bito da Câmara de Comércio Exterior, articulado pela Casa Civil. É composto por todos os ministérios que produzem tecnologia ou regulam o desenvolvimento da ciência e tecnologia. Seu principal objetivo é definir a política de governo e apoiar as negociações internacio­nais. Não tínhamos interlocuto-res nos ministérios, inclusive no

PATENTES

·A dificuldade em estabelecer o preço de uma tecnologia; • O desconhecimento do mercado.

Outra iniciativa é o Projeto Inventiva, desenvolvido em conjunto pelo Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo e pelo INPI, com apoio do Sebrae e da Fe­deração e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo ( Ciesp/Fiesp). Procurou detalhar as demandas e as difi­culdades dos inventores e estimular a criatividade e a

inovação nas instituições de pes­

de Ciência e Tecnologia, até mui­to recentemente.

A Rede Temática de Proprie­dade Intelectual, Cooperação, Negociação e Comercialização de Tecnologia (Repict), criada no âmbito da Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro, é uma entidade privada sem fins lucrativos que congrega instituições de pesquisa, fomento e associações empresa­riais do Estado, com o objetivo de

''A maior dificuldade das instituições

acadêmicas são as cooperações informais ou não formalizadas adequadamente''

quisa e nas indústrias. A amostra­gem: 14 institutos tecnológicos, 12 incubadoras tecnológicas, 3 centros educacionais, 37 micro­empresas, 5 empresas de grande porte, 2 associações de inventores e 5 secretarias estaduais de indús­tria e comércio ou de ciência e tec­nologia.

O relatório final, concluído em marco de 1998, indicou:

contribuir para subsidiar a formulação e a implementa­ção política de propriedade intelectual nas empresas, universidades e instituições de pesquisa do Rio de Janei­ro. Mas o foco já saiu do Rio e ganha expressão nacio­nal, com a participação de instituições com bastante ex­periência, como Petrobras, Embrapa, USP, Unicamp, IPT, Fiocruz e outras instituições acadêmicas e associa­ções empresariais.

No evento Política de Propriedade Intelectual, Coope­ração, Negociação e Comercialização de Tecnologia: Aná­lises e Proposições, realizado pela Rede em 1998, com 165 participantes de 15 Estados, fizemos documentos dos grupos de trabalho que constituem um diagnóstico do País. Nada muito diferente do que sabemos, mas foi construído coletivamente, de forma participativa. Esse diagnóstico indicou: • O desconhecimento profundo da necessidade de pro­teção dos processos de patenteamento, negociação e co­mercialização dos resultados da pesquisas; • A carência de políticas governamentais e institucionais de regulamentação de propriedade intelectual no País; • A carência de gestores, professores e pesquisadores nessa área; • A necessidade de mudar a cultura no ambiente acadê­mico e nas agências de fomento a respeito da proprieda­de intelectual; • A inexistência de políticas claras das agências de fo­mento nesse campo; • A desigualdade de condições de negociações das uni­versidades e institutos brasileiros nas parcerias com ins­tituições estrangeiras;

12

com patentes;

• 93% das instituições não fazem previsão orçamentária de gastos

• 85,7% não concedem prêmios ou vantagens econômicas aos inventores em decorrência da exploração das patentes; • 64% não utilizam cláusulas relativas à propriedade in­telectual nos acordos, convênios ou contratos de coope­ração em pesquisa ou assistência técnica; • 57% tratam diretamente com o INPI do depósito e do acompanhamento dos processos de patente para redu­zir os custos; • 36% fazem ~usca do estado-da-arte em patentes; • Apenas quatro entre as instituições de pesquisa analisa­das dispõem de uma política formal de propriedade inte­lectual; • Nenhuma adota critérios de seleção das invenções a se­rem protegidas.

O resultado a que se chegou é portanto muito pare­cido com o diagnóstico da Rede Temática: inexistência de políticas de propriedade intelectual e comercializa­ção de tecnologia nas instituições acadêmicas e tecnoló­gicas, pouco patenteamento nas universidades, poucos contratos negociados e poucas negociações que dêem retorno financeiro.

Não basta saber quando e como fazer um pedido de patente. É preciso ter um entendimento geral da políti­ca e cultura institucional e da pesquisa. A maior dificul­dade das instituições acadêmicas são as cooperações in­formais ou não formalizadas adequadamente. Nessa área, o calcanhar-de-aquiles é o fluxo informal e des­controlado de informações entre pesquisadores de ins­tituições brasileiras e estrangeiras.

PESQUISA FAPESP

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PATENTES

Em minha análise, inspirei-me em quatro grupos de instituições: · Os institutos de pesquisas vinculados a empresas esta­tais (Petrobras, Eletrobras e Telebrás, que têm esse as­sunto bastante bem organizado há duas décadas). • O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), vinculado ao governo estadual, com bastante experiência nessa área; • Duas instituições públicas, a Fiocruz e a Embrapa, vin­culadas ao governo federal, portanto, a órgãos executivos

BRAS I L

na Unicamp e em outras instituições com experiência em parcerias e cooperação tecnológica. É comum a exis­tência de várias instâncias que tratam do assunto e uma não dialogar com a outra.

É uma tourada negociar qualquer tecnologia por­que os departamentos jurídicos normalmente estão de­fasados no entendimento das leis relacionadas à trans­ferência de tecnologia e, na prática, dificultam demais os acordos com as empresas. Outro grande nó é a pre-

de governo; • A universidade, peculiar por explorar um conjunto maior de áreas do conhecimento e dispor de maior liberdade de pesquisa do que outras instituições pú­blicas.

''Boa parte

cariedade dos mecanismos de pla­nejamento, financiamento e avalia­ção das pesquisas. Boa parte das instituições não sabe que projetos está realizando, a que se propõem e se terminaram com êxito. Em geral as instituições ficam satisfeitas ape­nas com o número de trabalhos publicados.

De modo geral, a proprie­dade intelectual não integra a visão estratégica das institui­ções. Na maiorias das vezes, é

das instituições não sabe que projetas

está realizando, a que se propoem e se

terminaram com êxito''

Se não mudarmos nossa cultu­ra, perderemos tudo o que fizemos e estamos fazendo na pesquisa.

um pesquisador sozinho ou um grupo pequeno que procura, isoladamente, descobrir os mecanismos de proteção de seu trabalho, nem sempre com resultados satisfatórios. Mas não adianta fazer uma patente sem olhar para o mercado, sem pensar em dinheiro. A pa­tente deve ser vista como um mecanismo que pode contribuir para que o resultado de uma pesquisa che­gue até o mercado.

Os Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Petro­bras e da Telebrás talvez sejam das poucas instituições brasileiras que montaram uma estrutura e uma visão estratégica nessa área. Não vejo a proteção à proprieda­de intelectual ser tratada com a mesma atenção na USP,

A Propriedade Intelectual no Brasil

Patentes

Quando um pesquisador estrangei­ro chega, queremos mostrar os

equipamentos e os laboratórios mais modernos. Muitas coisas são levadas por não termos regras, procedimen­tos e organização nas instituições.

Na Fiocruz uma patente já foi roubada por um esta­giário estrangeiro. E depois nós é que somos acusados de piratear. Tanto a entrada quanto a saída de pesquisa­dores precisa ser mais orientada e regulamentada. Nos­sos pesquisadores vão para outros países com o bolso cheio de DNA de pacientes, da forma mais aberta possí­vel, sem imaginar quanto vale o material com uma ca­racterística génética específica para testar produtos far­macêuticos.

Instituições Patentes depositadas No Brasil No exterior

Patentes concedidas No Brasil

Negociadas No exterior

Fiz um levantamento sobre o número de patentes depositadas e concedidas no Brasil e no exterior e de licenciamentos em seis instituições (ver qua­dro). No caso da Petrobras, o número de patentes depositadas e concedidas é bastante expressivo, tanto no Brasil quanto no exterior. A Petrobras faz anualmente uma revisão do que poderia li­cenciar e, nos dois últimos anos, abandonou uma série de pedidos de patente cuja continuidade não parecia mais interessante. Há apenas oito pa­tentes negociadas, mas é um resultado que, disse­ram-me, é realmente expressivo, porque o Centro de Pesquisas da Petrobras trabalha muito para ele mesmo e grande parte das tecnologias é usada

Petrobras* 257 760 366

IPT 128 2

USP** 114

Unicamp 103 I

Embrapa*** 72 5

Fiocruz 16 28

* Polít ica de patenteamento e licenciamento em revisão. ** Nova política de propriedade intelectual em discussão. - IS programas de computador, I I 3 marcas, 4 1 cultivares

67

26

18

9

(3 de milho, I O de arroz, 3 de sorgo e 2 de algodão) registrados.

Fonte: Coordenação de Gestão Tecnológica da Fiocruz

PESQUISA FAPESP

684 8

4

6

13 17

pelo próprio sistema Petrobras. A Petrobras trata do assunto com muita prá­

tica e documentos internos norteadores. Há mui­tas empresas e patentes chegando ao mercado que ela dominava até há pouco tempo.

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BR ASIL

O IPT também formulou na década de 70 uma polí­tica de propriedade intelectual, com a criação do Nú­cleo de Inovação Tecnológica, atualmente sob os cuida­dos da Coordenadoria de Relações com o Mercado. O IPT também está mudando suas estratégias: fez uma instrução normativa em julho de 1999, que trata da pre­miação dos inventores, e outra em setembro, que esta­belece diretrizes para elaboração e aprovação de pro­postas para proteção e comercialização.

A USP começou em meados

PATE N T ES

os acordos de cooperação tecnológica, cujo número está crescendo. De 31 acordos negociados em 1999, 17 foram assinados.

O papel das agências de fomento é fundamental para mudar a situação. Por falta de conhecimento das impli­cações da divulgação antecipada ao depósito de pedido de patente, andam na contramão da proteção dos resul­tados das pesquisas. Algumas exigem participação de re­sultados, por meio de cláusulas contratuais, mas ainda é

bastante restrito o gerenciamento da década de 80, com a criação do Grupo de Assessoramento e De­senvolvimento de Inventos (Gadi). A portaria mais recente, deste ano, transfere esta área, antes li­gada à Consultaria Jurídica, para a Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e Ativi­dades Especiais (Cecae), vincula­da à Reitoria.

'' As publicações não podem ma is ser consideradas como o único indicador

dos resu I ta dos

do processo e a avaliação dos re­sultados. Muito se perde e nin­guém sabe o que faz. Outras exi­gem participação na titularidade, mas nada se define a respeito da participação nos custos. Como resultado, o outro titular desiste de colocar a agência como co-au­tora, porque não há ninguém para conversar sobre como divi­dir e fazer o pagamento desses A Unicamp, que também ten­

tou cuidar desse assunto de algu­ma forma desde os anos 80, criou

de uma pesquisa''

em 1998 o Escritório de Difusão e Serviço Tecnológi­co, o Ediste. Informaram-me que estão procurando mudar a estratégia, verificando quais patentes estão concedidas ou depositadas e escrevendo para todos os inventores para analisar se as patentes ainda estão vá­lidas, se houve continuidade na pesquisa e se há em­presa interessada no desenvolvimento da tecnologia. Enfim, estão de alguma forma provocando a comuni­dade acadêmica.

A Embrapa sentiu muito os efeitos da globalização na área da agricultura, com a entrada no País de empre­sas de grande porte e a competição acirrada. Em 1999, saíram duas deliberações, uma sobre a propriedade in­telectual de cultivares obtidas isoladamente ou em par­ceria e outra sobre a política de negócios tecnológicos. A Embrapa passa por um processo de regulamentação bastante rigoroso desde 1996.

A Fiocruz começou informalmente em 1986, quan­do criou o Núcleo de Estudos Especiais da Presidência, que pela primeira vez fez menção ao assunto. Já tínha­mos uma pequena história: o depósito da primeira pa­tente e o primeiro acordo já nesse espírito da negocia­ção e proteção datam de 1911.

Damos um pequeno passo atrás do outro, mas já com alguns resultados. Uma patente de uma vela repe­lente a insetos gerou oito licenças não-exclusivas. Quan­do o resultado de uma pesquisa consiste em tecnologia pouco competitiva, licenciamos a várias empresas. Estão em curso negociações mais expressivas com três ou qua­tro empresas do exterior, mas os resultados ainda são bastante preliminares. Estamos procurando organizar

14

custos. Há também as agências que

desistiram de reivindicar direitos de propriedade inte­lectual porque elas não conseguem gerenciar os resulta­dos das pesquisas ou projetas que possam levar a paten­tes e não têm qualquer política nessa área. Queremos que as agências sejam nossas parceiras e financiem os projetas, que reivindiquem os direitos de participação nos resultados, mas que ajudem também no financia­mento do desenvolvimento do produto e na busca de parcerias com o setor produtivo.

Na minha opinião, as agências de fomento poderiam: • Elaborar, implementar e gerenciar uma política de propriedade intelectual, não apenas manter uma cláu­sula contratual de eventual participação nos resultados, e criar uma definição estratégica do que quer ao alocar recursos financeiros num projeto de pesquisa; • Incorporar a patente ou outra forma de pesquisa pro­tegida como indicador de resultado; • Criar uma modalidade de bolsa adequada a formar profissionais para atividade executiva e não apenas acadêmica.

Um dos maiores problemas da Ciência e Tecnologia no Brasil é que os pesquisadores nadam, nadam e mor­rem na praia. Conseguem bons trabalhos, mas param na hora de fazer um protótipo e finalizar o produto.

Em geral, nossos dirigentes não olham para o resul­tado dos projetas que param na bancada do laboratório. São geradas muitas teses e livros, mas pouco resultado chega ao mercado. As publicações não podem mais ser consideradas como o único indicador do resultado e da relevância de uma pesquisa.

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PATE N TES

BRASIL

Os tneandros do registro de patentes

Luiz Otávio Beaklini colocou-se à frente da platéia do auditório

da FAPESP, em dezembro de 1999, apenas dois meses depois de ter sido nomeado diretor de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Mas, ao longo de sua exposição, A Atuação do Instituto Nacional

Luiz Otávio Beaklini

Trabalho no INPI há mais de 20 anos como examinador de patentes e há menos de dois meses fui nomea­do diretor de patentes. Encontrei uma diretoria cheia de desafios, es­pecialmente com uma grande quan­tidade de pedidos de patentes não examinados. Trata-se de um proble­ma de muitos anos, cuja solução de­safia os administradores. Não vou prometer ·que será tudo resolvido em curto espaço de tempo, mas as medidas que estão sendo tomadas

de Propriedade Industrial, conseguiu aplacar as críticas a respeito do modo de funcionamento da instituição à medida que descrevia as dificuldades atuais e as alternativas criadas para evitar o atraso no exame dos pedidos de patentes - a cada ano, chegam cerca de 18 mil novos pedidos. Beaklini conhece os desafios do novo cargo que ocupa. Com uma equipe reduzida, tem de cuidar de uma demanda crescente de pedidos de análise de patentes. Mas, esperançoso, acredita que a nova legislação nacional, os acordos internacionais e os cursos realizados em empresas e instituições de pesquisa permitirão que se modifique rapidamente o quadro da propriedade industrial no Brasil. Especialista em Propriedade Industrial pela Organização Mundial da Propriedade Industrial (Ompi) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Beaklini é engenheiro civil com pós-graduação no Centro Tecnológico da Universidade Federal Fluminense (UFF). Embora há 20 anos no INPI, não perdeu o elo com o ambiente acadêmico: foi professor visitante da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, entre 1997 e 1998. Desde 1983 leciona na Escola de Engenharia da UFF.

PESQUISA FAPESP

permitirão modificar completamente o cenário atual da propriedade industrial no Brasil.

Entrei no INPI quando parecia que o instituto iria se tornar um grande escritório de patentes. Havia um pro­grama de modernização patrocinado pela Ompi, o Banco de Patentes, e um grupo de 140 examinadores havia sido contratado e treinado por especialistas dos maiores escritó­rios do mundo. O INPI sempre recebeu aproximadamen­te 10 mil depósitos de patentes por ano. Para esse núme­ro, 140 examinadores bem treinados seriam suficientes, mas a equipe logo se viu reduzida para 80, já incluídos os 16 recém-contratados pelo único concurso público que o INPI foi autorizado, e a situação começou a se complicar. A cada ano acumulavam-se mais pedidos não examinados.

De uns anós para cá, quando o Brasil adotou uma no­va legislação de propriedade industrial, que não mais excluía de patenteabilidade setores como o químico, o farmacêu­tico e o alimentício, ao mesmo tempo em que a economia dava sinais de ter entrado num padrão menos desorgani­zado, o volume de solicitações de patentes explodiu. De 10 mil em 1994, foi aumentando a cada ano e está agora em 18 mil, sem sinais de que este crescimento vá parar.

O governo federal agora está consciente do problema e, ao editar a Medida Provisória 2014/99, incluiu um dis­positivo permitindo a contratação temporária de exami­nadores. O contrato é de apenas um ano, mas estamos muito felizes porque vemos uma solução para nosso atraso.

Em 1998 só conseguimos decidir 5 mil pedidos. Em 1999, passamos para 10.784. Não é o ideal, mas é bem mais do que antes. Conseguimos reverter a curva de aná­lise de pedidos de patentes, que era decrescente e hoje aponta para cima.

São muitas as causas do grande atraso do INPI, algu­mas delas decorrentes de decisões que não se mostraram as mais acertadas. A Lei de Patentes de 1971 excluiu de

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BRAS IL PATENTES

patenteabilidade produtos quími- A Medida Provisória 2014/99 cos, farmacêuticos e alimentícios. O Brasil não era o único país do mundo a fazer uma reserva de mercado para estes setores. O Ja­pão, a Itália e a Holanda também já optaram por este caminho. Cada um desses países utilizou esse período em que poderia utili­zar medicamentos criados em ou­tros países sem ter de pagar royal­ties para desenvolver sua indústria farmacêutica, assim como o Brasil.

''Vamos reduzir determinou que os pedidos depo­sitados até 31 de dezembro de 1994 e referentes a matéria que àquela data não poderia ser privi­legiável sejam considerados inde­feridos, na data de 31 de dezem­bro de 1999, um dia antes da aplicação do acordo Trips. É a me­lhor solução para o INPI, pois eli­mina uma grande disputa entre qual a interpretaÇão da lei.

o prazo mínimo de aceitação de um pedido

de patentes de dois ou até seis meses para,

no máximo, um dia''

Por causa do impedimento legal à concessão de patentes nestes campos, o INPI decidiu não examinar os pedidos de patente nessas três áreas. Os pro­cessos foram se acumulando e, passados alguns anos, cresceram como uma bola de neve.

Em 1994, a assinatura pelo Brasil do acordo Trips ( Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) complicou essa realidade. Ninguém percebeu na época, ou não foi possível tomar as medidas necessárias a tem­po. O acordo Trips determina: nenhum país que assinou o acordo pode manter uma lei que proíba patente em qualquer setor tecnológico, como o Brasil fazia com o farmacêutico. Isso cria um conflito, pois os pedidos de patentes dessas áreas, depositados na vigência de uma lei que não permitia seu patenteamento, que estiverem aguardando decisão até o próximo dia primeiro de ja­neiro de 2000, quando o acordo começa a vigorar, como serão julgados? Enquanto um grupo acha que aqueles pedidos devem ser indeferidos, pois foram depositados numa lei que não o permitia, outro acredita que deva ser exatamente o contrário e não existe razão para que não possam ser patenteados, desde que sejam novos e inventivas.

Cerca de 70% dos pedidos de patentes vêm do exterior. A maio­

ria é depositada por meio de um acordo internacional chamado PCT que traz um Relatório Internacional de Buscas, uma lista representativa do estado da técnica, pre­parado por uma Autoridade Internacional de Buscas (co­nhecido como ISA, em inglês). O INPI, como todos os de­mais escritórios de patentes do mundo, utiliza essa listagem para acelerar o exame técnico dos pedidos de patente.

Apesar de o INPI arrecadar com os pedidos e a manu­tenção das patentes, quase não fica com esse dinheiro. Vive­mos à míngua, porque não recebemos autorização para usá-lo e no final do ano o governo raspa o que sobrou. Mas isto também está mudando, e para melhor. O governo tem mostrado um apoio ao INPI como nunca se viu antes.

Quais são as perspectivas? Na Diretoria de Patentes, pretendemos reduzir o que for apenas formalismo dos procedimentos de análise de patentes. A idéia é não fa­zer exigência apenas por aspectos formais. Já vi o INPI devolver um pedido de patente porque a margem exce­dia três milímetros as normas predeterminadas. É um absurdo este· grau de preciosismo, enquanto o órgão leva meses para fornecer o número de depósito do pe­dido, coisa que deveria ser feita em uma hora.

Vamos reduzir o prazo

Pedidos deferidos e patentes expedidas mínimo de aceitação de um depósito de patente, de dois ou até seis meses para, no má­ximo, um dia. Não estou fa­lando do exame técnico, mas do ato de depositar o pedido. O exame mesmo vai aguar­dar os outros procedimen­tos, o sigilo de 18 meses, a publicação e o pedido de exame. A despeito das dificul­dades, esse, a meu ver, é oca­minho pelo qual vamos pro­duzir uma pressão maior ainda vinda do setor privado nacional para nos obrigar a

4.000

3.000

2.000

1.000 • Pedidos deferidos

• Patentes expedidas

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Fonte: INPI aumentar nossa eficiência.

16 PESQUISA FAPESP

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