revista de manguinhos | marÇo de 2009...revista de manguinhos nº 18 - marÇo/2009 coordenação:...

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1 REVISTA DE MANGUINHOS | MARÇO DE 2009

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Page 1: REVISTA DE MANGUINHOS | MARÇO DE 2009...REVISTA DE MANGUINHOS Nº 18 - MARÇO/2009 Coordenação: Wagner de Oliveira Edição: Wagner de Oliveira e Raquel Aguiar Redação e reportagem:

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3R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 9

uito prazer. Este é meu primeiro ano de gestão à frente desta centená-ria casa da ciência, tarefa para a qual fui escolhido, pelos companhei-ros da Fundação Oswaldo Cruz, para assumir até 2012. As expectativassão muitas, o ímpeto de trabalhar é enorme e as oportunidades quese abrem nos instigam a buscar novos desafios. Bem-vindos a esta

jornada de quatro anos, em que procuraremos aliar modernidade e tradição paradeixar mais uma vez na História a marca da Fiocruz.

Começamos bem, em nossa tarefa de editorialista, pela oportunidade deapresentar uma matéria que tem especial significado nacional e internacional: areportagem de capa mostra uma dessas realizações que nos enche de orgulhode sermos brasileiros. A produção nacional de Efavirenz posiciona o Brasil comoum país que prioriza o direito à vida e é exemplar pela sinergia da política deassistência farmacêutica em atender a uma demanda social, visando acessibili-dade a baixo custo de um medicamento essencial; a ousadia do Ministério daSaúde de propor e do governo brasileiro de decretar o licenciamento compulsó-rio; o reforço do sistema de inovação e do complexo produtivo da saúde com aparceria público-privada para a utilização dos princípios ativos e a demonstraçãoda capacidade científica, tecnológica e de produção dos trabalhadores de Far-manguinhos. É um feito que reforça o movimento mundial pela prevalência dodireito social sobre os direitos de patentes.

Para coroar a imensa responsabilidade de ser parte ativa no cuidado àsaúde de 180 mil brasileiros que vivem com a Aids com a produção de agoraoito dos 17 medicamentos do coquetel anti-HIV distribuído gratuitamentepelo Ministério da Saúde por meio do exemplar Programa Nacional de DST-Aids, prestamos a Betinho nossa merecida homenagem, dando seu nome àlinha de produção de antirretrovirais de Farmanguinhos.

Contribuições da Fiocruz para a ciência em áreas estratégicas tambémsão destaque nesta edição da revista. Identificado há pouco mais de duasdécadas, o que o torna um dos mais recentes agentes patogênicos virais co-nhecidos no planeta, o norovírus ganhou uma metodologia para diagnósticoque permite esclarecer surtos de gastroenterite, sobretudo em locais deconfinamento, como navios. Já a toxoplasmose registrou avanço na questãofundamental de geração de conhecimento para substituição do uso de ani-mais em pesquisas científicas. Formas graves da esquistossomose em Pernam-buco e um novo teste rápido para a leishmaniose canina também são notícia.

O campo das relações entre ambiente e saúde dá o mote para a reportagemsobre questões de saúde relacionadas a enchentes. Ainda neste tema, vamos daação de serviço público sobre como eliminar os caramujos africanos – praga queatinge quase todo o país e que preocupa pelas doenças que pode transmitir – aouso da natureza em favor da ciência, como a iniciativa que usou botos-cinza paraavaliar o nível de contaminação de águas marítimas por mercúrio.

Por fim, a seção Fio da História, que nos faz sempre refletir sobre adinâmica presente-passado-futuro, recupera a formação da especialidadefarmacêutica no país no século 19 e o ímpeto de cientistas que seembrenharam nos grotões do país para combater as epidemias que acompa-nhavam a abertura de ferrovias.

Boa leitura.

Paulo GadelhaPresidente da Fundação Oswaldo Cruz

EDITORIAL

M

Detalhe do terraço do Castelo da Fiocruz (Foto: André Az - in memoriam)

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R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 94

Ambiente22

Inovação

Imunobiológicos14

6 Notas

10 Pesquisa

Avanço na substituição douso de animais em pesquisas

Norovírus:novo métodoidentifica surtosVírus que causagastroenterite é comumem locais de confinamento

8

Enxurradade doençasProblemas comuns na época deenchentes são alvo de estudos

TotalmentenacionalMedicamento do coquetelantiAids mais usado no país passaa ser produzido pela Fiocruz

ÍNDICE

12 Ambiente

Caramujos africanos:invasores indesejados

PresidentePaulo Ernani Gadelha Vieira

Vice-presidente de Ambiente,Atenção e Promoção da SaúdeValcler Rangel Fernandes

Vice-presidente deDesenvolvimento Institucionale Gestão do TrabalhoRomulo Maciel Filho

Vice-presidente de Ensino,Informação e ComunicaçãoMaria do Carmo Leal

Vice-presidente de Pesquisa eLaboratórios de ReferênciaClaude Pirmez

Vice-presidente de Produçãoe Inovação em SaúdeCarlos Augusto Grabois Gadelha

Chefe de GabineteFernando Carvalho

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial/Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 18 - MARÇO/2009

Coordenação: Wagner de Oliveira

Edição: Wagner de Oliveira e Raquel Aguiar

Redação e reportagem: Edmilson Silva,Fernanda Marques, Renata Moehlecke,Ricardo Valverde e Wagner de Oliveira

Colaboradores: Elis Galvão, FabíolaTavares, Marcelo Garcia, Renata Fontourae Roberta Monteiro

Projeto gráfico e edição de arte:Guto Mesquita e Rodrigo Carvalho

Fotografia: Peter Ilicciev

Administração: Carolina Bandeirae Diego Oliveira

Secretaria: Edméia Inês Songo Campos

Auxiliar administrativo: Daniel Lima

Autorizada a reprodução de conteúdosdesde que citada a fonte.

O que você achou desta ediçãoda Revista de Manguinhos?Mande seus comentários para:

Av. Brasil, 4365 - Manguinhos -Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21045-900

www.fiocruz.br/ccsemail: [email protected]: 55 (21) 2270-5343

Impressão: Duo Print

Foto: Priscila Marins

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5R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 9

Cooperação

Prevenção

Saúdenos trilhosConstrução de ferroviasauxiliou a medicina tropicalna Primeira República

Fio da História38

30

Acesso livreEntre as maiores da AméricaLatina, rede de bibliotecas daFiocruz tem mais de 1 milhãode publicações

Informação28

Cuidadoredobradoentre jovensAdolescentes são mais vulneráveisà infecção por HPV, associada aocâncer de colo do útero

18 Entrevista

Planos da Fiocruzpara 2009-2012

26 Ambiente

Boto-cinza indica qualidadede ecossistemas

35 Editora

Retrato dos policiaismilitares cariocas

Informaçãode confiançapara cientistasBanco de dados temsequências de proteínasde quase 4 mil seres vivos

Foto: Felipe Gomes

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NOTAS

Todos os anos nascem no Brasil cri-anças com deficiências motoras e neu-rológicas que, na maioria dos casos, pre-cisam de tratamento especializado. Noentanto, muitas delas não conseguemcomparecer a todas as consultas pela im-possibilidade dos familiares em conciliaro horário do tratamento com as rotinasde seus empregos. Pensando nisso, umaequipe do Instituto Fernandes Figueira(IFF/Fiocruz) desenvolve o projeto NovosCaminhos, voltado para a geração infor-mal de renda entre os responsáveis pe-las crianças em atendimento na institui-ção, visando contribuir para a melhoriada qualidade de vida dessas famílias.

Em cursos gratuitos, mães de paci-entes têm a oportunidade de aprender eproduzir trabalhos manuais, permitindoque elas trabalhem de forma autônoma.Os cursos ocorrem cinco vezes por sema-na, cada dia com uma atividade diferente:bordado, tricô, bijuteria, caixinha e cestariaem jornal. O projeto oferece também au-las de alfabetização para adultos. O pro-duto deste aprendizado é vendido emfeirinhas e a renda é revertida para as fa-mílias artesãs e para a continuidade e im-plementação de novos cursos. O projetooferece também aos ex-alunos a chancede trabalhar de forma associativa na con-fecção de produtos desenvolvidos por en-comenda para ONGs e lojas parceiras.

Segundo Laura Santos, uma das co-ordenadoras do projeto, o sucesso obtidonos cursos serve de estímulo para que asfamílias transponham as dificuldades e me-lhorem sua forma de lidar com a realidade.“O Novos Caminhos tem como resultado acapacitação e o aumento da renda das fa-mílias atendidas e, principalmente, amelhoria da autoestima dos envolvidos”, dizLaura. Os interessados em participar doNovos Caminhos ou em comercializar osprodutos confeccionados no projeto podementrar em contato pelo telefone (21) 2554-1769 ou pelo email [email protected].

Para colaborar com o con-trole de acidentes de trânsitoassociados ao uso de drogaslícitas e ilícitas, a Escola Nacio-nal de Saúde Pública SergioArouca (Ensp/Fiocruz), por meio doCentro de Estudos em Saúde do Tra-balhador e Ecologia Humana (Cesteh),estabeleceu parceria com a Polícia Ci-vil do Rio de Janeiro. O projeto Estudodo impacto do uso de álcool e psico-trópicos nos incidentes de trânsito e acapacitação do estado para atenuarseus efeitos envolve o equipamento delaboratórios de toxicologia, a qualifi-cação de profissionais da área, a nor-matização de processos de vigilância,a integração de dados e o transporteadequado de amostras para exames.

“Apesar de ser, aparentemente,um problema policial e legal, o usosocial e recreativo de drogas lícitas ouilícitas é uma questão de saúde públi-ca. Mas, por meio das parcerias, con-seguimos coletar dados e trabalharpara que isso informe a saúde públi-ca. Tudo servirá de subsídio para pau-tar discussões de novas políticas pú-blicas para o país, tornando-se umapoderosa ferramenta de vigilância”,

acredita o pesquisador Jefferson Joséda Silva, coordenador do projeto. Ainiciativa integra o programa Priorida-de Rio, do governo estadual, e temapoio da Fundação Carlos Chagas Fi-lho de Amparo à Pesquisa do Estadodo Rio de Janeiro (Faperj).

Entre os frutos do projeto estãodois laboratórios móveis de toxicolo-gia (foto), um painel de normatizaçãoe a elaboração de um curso. O labo-ratório móvel foi criado para a pro-moção de campanhas pontuais em lo-cais com grande concentração depessoas, principalmente jovens, comofestas de música eletrônica e micare-tas. Durante as ações, os peritos fa-rão exames clínicos capazes de detec-tar cerca de 200 substâncias tóxicasdiferentes. De acordo com Jefferson,hoje as amostras não contam com umesquema adequado de transporte e,na maioria dos casos, são inviabiliza-das para análise quando chegam aoInstituto Médico Legal (IML).

A parceria para buscar novos trata-mentos para a doença de Chagas entrea Fiocruz e a Genzyme, uma das maisimportantes empresas de biotecnologiado mundo, ganhou o Corporate SocialResponsibility Award 2008 (Prêmio deResponsabilidade Social Corporativa),uma das categorias da premiação ScripAwards, que celebra conquistas da in-dústria farmacêutica mundial. A cate-goria reconhece instituições dedicadasà prevenção de doenças, tratamento eprogramas educativos de pacientes.

O acordo possibilita que cientistasda Fundação e da Genzyme trabalhemem laboratórios de ambas instituições

Laboratóriomóvel de

toxicologia

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Apoio a famílias de pacientes

e inclui uma nova abordagem em pro-priedade intelectual, pela qual a Fiocruzfica isenta do pagamento de royaltiescaso venha a explorar comercialmenteas descobertas no tratamento de doen-ças negligenciadas.

O foco da parceria são enfermida-des que afetam centenas de milhões depessoas, como malária, tuberculose eleishmanioses. O trabalho se iniciou jus-tamente com a pesquisa de novos trata-mentos contra a doença de Chagas, en-dêmica na América Latina. Os estudostestam um tratamento que neutralizauma proteína associada a problemas car-díacos nos pacientes com Chagas.

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7R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 9

Foi realizada em fevereiro a segun-da edição do curso Harvard-Brasil, pro-movido pela Escola de Saúde Pública daUniversidade de Harvard (HSPH) e a Fio-cruz Bahia, com apoio do Programa deEstudos do Brasil do Centro DavidRockefeller de Estudos Latino-America-nos. Reunidos em Salvador, especialis-tas brasileiros e norte-americanos pu-deram aprofundar a discussão sobre osdeterminantes sociais relacionados a do-

Boa alimentaçãoO professor pede aos alunos que

abram o livro escolar e leiam sobre os ali-mentos, que, de acordo com suas fun-ções no organismo, dividem-se em trêsgrandes grupos: energéticos, construto-res e reguladores. Aprendem também queas proteínas exercem funções estruturais,enquanto os carboidratos fornecem ener-gia e os lipídios servem como reserva deenergia. Mas será que esse tipo de ensi-no, baseado na memorização de concei-tos, é a melhor estratégia? A professoraMaria de Fátima Alves de Oliveira, queleciona ciências há mais de 30 anos, con-cluiu que não e elaborou uma propostainovadora para falar de alimentos e nutri-ção com seus alunos. O resultado é o Jogoda Pizza, desenvolvido durante seu dou-torado no Programa de Pós-Graduaçãoem Ensino de Biociências e Saúde do Ins-tituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), sob ori-entação do professor Maurício Luz.

A idéia do jogo surgiu não só daconstatação de que era preciso inovar nametodologia de ensino, mas também apartir da observação de que os alunos nãomerendavam na escola, mas compravamlanches no entorno do colégio. Ou seja:eles trocavam a refeição saudável ofereci-da gratuitamente na escola por doces esalgadinhos vendidos na rua. “A motiva-ção para criar o jogo era justamente mos-trar aos alunos o valor calórico dos nutri-entes e fazê-los ter uma visão mais críticasobre aquilo que comiam”, conta Fátima,que desenvolveu o projeto em turmas do8º ano do Ensino Fundamental de umaescola municipal em Campo Grande, bair-ro da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

A Fiocruz acaba de lançar o Núcleode Telemedicina e Telessaúde (NTT), co-ordenado pelo Canal Saúde, um projetoda Presidência da Fiocruz. O objetivo éviabilizar e coordenar a execução dasações desenvolvidas pela Fundação nes-te segmento. Composto pelos represen-tantes das unidades da Fiocruz que de-senvolvem ações nas áreas de telessaúdee telemedicina, o NTT buscará contribuirpara o aprimoramento dos serviços deassistência e para a formação de recur-sos humanos da Fundação, prestará ser-viços e desenvolverá pesquisas empre-gando tecnologias de informação ecomunicação em saúde. O Núcleo tam-bém poderá facilitar o intercâmbio daFiocruz com outras instituições nacionaise internacionais em sua área de atuação.

O NTT está inserido no âmbito doCanal na Rede Universitária de Teleme-dicina (Rute), iniciativa do Ministério daCiência e Tecnologia coordenada pelaRede Nacional de Ensino e Pesquisa

Aposta na telemedicina(RNP). Na ocasião de lançamento doNúcleo, também foi assinado acordo decooperação técnica entre a Fiocruz e aRNP, que, além de coordenar a Rute, éa organização responsável pela internetacadêmica no Brasil.

O objetivo da Rute é aprimorar ainfra-estrutura de comunicação para te-lessaúde presente nos hospitais univer-sitários, criar formalmente unidades detelemedicina e telessaúde, e promover aintegração dos projetos existentes nessaárea. Exemplo dessa integração são osGrupos Especiais de Interesse (SIGs, nasigla em inglês), nos quais os profissio-nais de saúde das instituições pertencen-tes à Rute montam uma agenda devideoconferências para debater temas es-pecíficos. Além dos debates e discussõesde caso, alguns SIGs também realizam di-agnósticos e aulas a distância. A Rute éapoiada pela Financiadora de Estudos eProjetos (Finep) e pela Associação Brasi-leira de Hospitais Universitários (Abrahue).

enças infecciosas no Brasil. O curso foidirecionado para uma análise crítica defatores socioeconômicos e ambientaisque estão associados à alta prevalênciae à distribuição geográfica dessas do-enças, além de procurar identificar ascaracterísticas da população, seu esta-do nutricional, imunidade e co-morbidades, o grau de exposição, as-sim como o impacto desses fatoressobre morbidade e mortalidade.

Cooperação com Harvard

Usar a tecnologia paraencurtar distâncias,beneficiando o ensino,é uma das prioridadesdo Núcleo

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INOVAÇÃO

NMarcelo Garcia

o início do ano, um surtode gastroenterites duranteum cruzeiro de luxo, cau-sado por um norovírus, ga-nhou destaque no noticiá-

rio. Apesar de ser pouco conhecido dopúblico, este vírus transmitido por águae alimentos contaminados é um impor-tante causador de gastroenterites nãobacterianas no Brasil. Pesquisadores doInstituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)acabam de desenvolver um método iné-dito para diagnosticar sua presença emalimentos – verduras e queijo artesanal,por enquanto. A técnica poderá ser im-portante para o desenvolvimento de po-líticas de vigilância sanitária para casosde contaminação por vírus, aindainexistentes no país.

A pesquisadora Marize Miagos-tovich, do Laboratório de VirologiaComparada e Ambiental do IOC, res-ponsável pela pesquisa, explica que osnorovírus estão muito associados asurtos em locais confinados ou de con-tato próximo, numa mesma família,em navios, asilos e ambientes hospi-talares, por exemplo. “A transmissãode pessoa para pessoa ocorre comfacilidade e, diferentemente de outrosvírus causadores de gastroenterites, onorovírus afeta com frequência indi-víduos adultos, o que facilita a ocor-rência desse tipo de surto”, afirma.

Para o trabalho de prevenção econtrole da doença, segundo Marize, éimportante determinar a origem da con-taminação. “Até agora eram raros e dedifícil padronização os testes capazes deindicar a contaminação de alimentos porvírus”, explica a pesquisadora. “O novoprocedimento já se mostrou eficaz nadetecção do norovírus em amostras dealface e de queijo artesanal tipo Minas”,detalha. A técnica é derivada do méto-do utilizado no laboratório para detec-ção do norovírus e de outros vírus de

Norovírus:Vírus responsável porgastroenterites emlocais de confinamentoé alvo de estudos

novo método identificaorigem de surtos

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veiculação hídrica, como o da hepatiteA, em amostras de água suspeitas decontaminação.

Testes baseados noácido nucléico viral

Para chegar ao novo método, ospesquisadores inocularam norovírus, ob-tidos a partir de amostras fecais infec-tadas, em folhas de alface e na superfí-cie de amostras de queijo, alimentosque podem ser contaminados facil-mente durante sua manipulação.“Uma parceria com o Instituto Na-cional de Controle de Qualidade emSaúde (INCQS/Fiocruz) permitiu oprocessamento das amostras emum aparelho chamado stomacher,que simula a digestão humana”,conta Marize. “Em seguida, a solu-ção passou por processos de filtraçãoe de concentração viral, antes de seranalisada por metodologias molecula-res, que até o momento constituem aúnica maneira de se detectar a presen-ça dos vírus em alimentos.”

O novo procedimento teve ori-gem no trabalho já adotado no IOCpara a análise de amostras de águasuspeitas de contaminação. Referên-cia regional para o diagnóstico de ro-tavírus A, o Laboratório de VirologiaComparada e Ambiental do Instituto

aprimorou, nos últimos cinco anos, ummétodo originalmente descrito porpesquisadores japoneses para verificara presença dos principais vírus deveiculação hídrica. “Adaptamos o mé-todo para identificar a contaminação

de alimentos e escolhemos como pri-meiros alvos folhas verdes e laticínios,por fazerem parte da dieta do brasi-leiro”, conta a pesquisadora.

Marize aponta as vantagens dométodo em comparação a outros se-melhantes. “Utilizamos substâncias

Para a pesquisadora Marize Mia-gostovich, esse pode ser o primeiro pas-so para um trabalho de monitoramen-to e controle sanitário para vírus. “Nãoexiste legislação específica para essefim, as metodologias necessárias ain-da estão sendo desenvolvidas”, acre-dita. “Nosso objetivo também é dimi-nuir os custos desses processos que, porserem baseados em biologia molecu-lar, ainda são caros e não podem serrealizados nos laboratórios centrais desaúde pública, por exemplo.”

Além de importante para saúdepública, o desenvolvimento de métodoscomo esse pode ter implicações econô-micas. “As legislações internacionais es-tão sendo cada vez mais rígidas para o

Desafio para a ciência e a saúde públicacontrole microbiológico e a investigaçãode vírus, particularmente os gastroen-téricos, já estão sendo exigidas para aentrada de alimentos em diversos paí-ses”, explica a pesquisadora.

Para os padrões da ciência, a des-coberta dos norovírus é recente. Em-bora os pesquisadores acreditem queeles sempre estiveram presentes no am-biente e suspeitem que estão associa-dos a surtos de gastroenterite antesinexplicáveis, sua descrição foi feitaapenas na década de 1970. “Ainda co-nhecemos pouco sobre a dezena desubtipos existentes de norovírus. Nãosabemos como ocorre a replicação nointerior das células e não conseguimosestabelecer modelos animais para en-

tender melhor a patogênese da doen-ça”, afirma Marize. “Sua presença sópôde ser constatada com o desenvol-vimento de técnicas moleculares deamplificação genômica, que ainda sãocaras e não acessíveis a qualquer labo-ratório público do país.”

Como Laboratório de ReferênciaRegional para o diagnóstico de rotaví-rus A, o Laboratório de Virologia Com-parada e Ambiental do IOC já faz, des-de 2005, a análise de amostras deágua suspeitas de contaminação, emcasos de surtos de gastroenterites nãobacterianas. “Temos encontrado umpercentual muito grande de norovírus,em especial nos surtos com casos emadultos”, destaca Marize.

inorgânicas, como ácidos, na etapa dereconcentração do vírus, o que evitaque os resultados dos testes molecu-lares sejam mascarados, como acon-tece em outros métodos”, explica.“Para a análise de amostras de águao teste também é muito prático, poissão necessárias amostras de apenas 2litros, enquanto outros métodos ne-cessitam de até 100 litros.”

Gastroentrites virais

A gastroenterite viral é trans-mitida por meio de água contami-nada, alimentos manipulados porpessoas infectadas ou contatodireto com o material fecal de umapessoa doente. Existem diversos ví-rus responsáveis pela etiologia das

gastroenterites, com destaque pararotavírus A, norovírus, adenovírus

entéricos e astrovírus. Os sintomas maiscomuns são diarréia, vômito, febre edores abdominais e de cabeça. Existevacina apenas contra o rotavírus A enão há tratamento específico para adoença: apenas os sintomas são com-batidos. A recomendação central éevitar a desidratação e procurar auxíliomédico. A gravidade pode variar depessoa para pessoa, mas, em geral, ossintomas costumam desaparecer de-pois de dois ou três dias.

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PESQUISA

mbora o Toxoplasmagondii seja um parasitoconhecido há mais de umséculo, a maioria das pes-quisas a respeito da to-

xoplasmose está voltada para o estu-do da doença no homem. Mas, nestecaso, o homem é apenas o hospedei-ro intermediário do protozoário. É nogato doméstico, hospedeiro definiti-vo do parasito, que ocorrem os ciclosreprodutivos do T. gondii, garantindosua manutenção na natureza. Um tra-balho realizado no Instituto OswaldoCruz (IOC/Fiocruz) avançou justamen-te neste ponto: os pesquisadores de-senvolveram um modelo inédito decultivo in vitro de células intestinais degato doméstico. O modelo pode ser oprimeiro passo para a realização depesquisas sem a necessidade de usode animais adultos vivos e tambémabre caminho para estratégias de con-trole que atuem na interrupção do ci-clo reprodutivo do protozoário.

O modelo experimental é o pri-meiro capaz de reproduzir in vitro ociclo do T. gondii: as culturas de célu-las intestinais de gato foram infecta-das com o parasito, que evoluiu até aformação dos gametas, algo que nun-ca havia sido conseguido fora de mo-delos vivos. Para o veterinário Marcosde Assis Moura, entender por que ociclo sexuado do T. gondii ocorre ape-nas nos felídeos pode permitir o de-senvolvimento de novas estratégias decontrole da toxoplasmose.

“Ainda não sabemos o que geraessa especificidade. Mais estudos so-bre a genômica e a proteômica dessascélulas talvez possam nos dizer de que

Avanço no estudoda toxoplasmosePara substituir o uso deanimais em pesquisas, modeloexperimental pioneiro usacélulas intestinais de gatos

modo o início do ciclo sexuado do T.gondii é estimulado”, espera Moura,que desenvolveu o estudo durante seudoutorado em biologia parasitária noLaboratório de Biologia Estrutural doIOC, sob orientação da pesquisadoraHelene Barbosa e co-orientação deMaria Regina Amendoeira.

Ao entender essa relação, abre-se a perspectiva de controlar a toxo-plasmose por meio do desenvolvimen-to de vacinas ou terapias para aplicaçãoem gatos capazes de interromper o ci-clo reprodutivo do protozoário.

Expectativa parasubstituição do uso deanimais em pesquisas

Estabelecer um modelo experi-mental capaz de reproduzir em tubode ensaio as condições do ambiente

onde o ciclo sexuado do T. gondii ocor-re não foi tarefa fácil. “O parasito temuma reprodução sexuada bastantecomplexa e ocorre apenas no interiordo intestino dos felídeos”, contaMoura. Após tentativas infrutíferascom gatos adultos, os pesquisadoresconseguiram estabelecer o modelo apartir de células de fetos de gatos,com material obtido a partir de frag-mentos de tecido de animais doadospela Universidade Castelo Branco(UCB), no Rio de Janeiro.

Para o pesquisador, a iniciativapode representar um avanço no estu-do do toxoplasma em seu hospedeirodefinitivo. “Esse modelo pioneiro re-presenta um primeiro passo para o de-senvolvimento de investigações maiscompletas sobre uma fase pouquíssi-mo estudada do ciclo de vida do T.gondii”, avalia Moura. “Ele poderá ser-vir de base para pesquisas mais com-plexas sobre a doença, sem a necessi-dade de trabalhar diretamente commodelos vivos - o que, além dos be-nefícios éticos que são evidentes, re-presenta ganhos de logística e de ca-pacidade de pesquisa.”

O modelo ainda precisa ser apri-morado até que possa ser adotado emoutros laboratórios. “Apesar de pro-missor, nosso protótipo tem um tem-po de vida de 45 dias, depois dos quaisé necessário realizar uma nova coletae cultura de células”, explica Moura.Agora, é necessário aplicar técnicaspara a chamada ‘imortalização’ dascélulas, transformando-as em uma li-nhagem padronizada que possa serutilizada em outros laboratórios parao estudo do T. gondii. (M.G.)

Uma doençadisseminadaSegundo dados da OrganizaçãoMundial da Saúde, metade dapopulação mundial está cro-nicamente infectada pelo para-sito causador da toxoplasmose

80% das pessoas infectadaspelo parasito são assintomáti-cas e sequer sabem que estãoinfectadas

Em crianças infectadas durantea gravidez, a sequela mais co-mum é a doença ocular, levan-do à cegueira

Imagem: Laboratório de Biologia Estrutural/IOC/Fiocruz

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Fabíola Tavares

oença considerada rara egrave, de prevalência des-conhecida no Brasil, umainfecção do sistema ner-voso central causada pela

esquistossomose acaba de ter suaocorrência em Pernambuco mapeadapela primeira vez. O estudo sobre amielorradiculopatia esquistossomótica(MRE), coordenado pela Fiocruz Per-nambuco, identificou 139 casos dadoença em pacientes com idade en-tre 2 e 83 anos, no período de 1994 a2006. A maioria (60,5%) ocorreu en-tre moradores de áreas não-endêmi-cas para esquistossomose (Região Me-tropolitana, Agreste e Sertão), o querevela mudança na distribuição geo-gráfica da doença no estado.

A MRE tem sintomas típicos comodor lombar, fraqueza muscular nosmembros inferiores, dificuldade paraandar, alterações da sensibilidade, in-continência ou retenção urinária e re-tenção fecal. Além disso, são relatadosdormência, formigamento, alteraçõesdos reflexos e impotência sexual. Cor-roborando o que descreve a literaturamédica, o estudo mostrou que entreos pernambucanos a MRE tem predo-minância no sexo masculino (66,2%).Dentre os 184 municípios de Pernam-buco, os casos foram mais frequentesem Jaboatão dos Guararapes e Recife,ambos localizados na região metropo-litana da capital – 25 e 18 casos, res-pectivamente. As ocorrências estãoconcentradas na faixa etária de 20 a40 anos (39,6%).

A pesquisa realizada pela profes-sora universitária Karina Araújo, quedesenvolveu o estudo no doutorado emsaúde pública da Fiocruz Pernambuco,se baseou nos prontuários de três hos-pitais do Recife. “Esperávamos que omaior número de casos estivesse con-

centrado na Zona da Mata, área endê-mica clássica da esquistossomose, oque não ocorreu. Agora é preciso sa-ber o porquê desse resultado”, explicaa coordenadora do Serviço de Referên-cia em Esquistossomose da Fiocruz Per-nambuco, Constança Simões Barbosa,que orientou a pesquisa de Karina. So-

bre os casos encontrados no sertão, elaacredita que a infecção das pessoasocorreu em outro local, já que não háregistro da ocorrência de casos de es-quistossomose nessa região do estado.

Ferramenta paraprofissionais de saúde

O estudo também analisou comoa mielorradiculopatia esquistossomáti-ca se apresentou nos pacientes pernam-bucanos. Todos eles relataram fraque-za muscular nos membros inferiores,tendo a maioria (93,7%) apresentadoalguma dificuldade para andar. A incon-tinência e/ou retenção urinária foi rela-tada por quase 80% dos pacientes e aretenção fecal esteve presente em tor-no de 60% dos casos.

Karina acredita que os dadoscontribuem para o melhor entendi-mento da doença, facilitando a açãodos profissionais de saúde na identifi-cação dos casos e no planejamentodas ações em saúde. “O estudo vempreencher a lacuna existente sobre oquantitativo de pessoas acometidaspela esquistossomose no estado, ondese desconhecia a real magnitude daocorrência da MRE”, afirma.

Transmissão ocorre emambientes aquáticos

A pesquisa constatou que em91% dos casos analisados os pacien-tes tiveram contato com rios, lagos echarcos. A esquistossomose mansônicaocorre em 19 estados brasileiros,registrando casos em todas as regiõesgeográficas do país. São cerca de 2,5milhões de pessoas infectadas no Bra-sil, segundo dados do Ministério daSaúde, e cerca de 25 milhões de pes-soas estão expostas ao risco de con-trair a doença. O vetor do parasitoSchistosoma mansoni são caramujos dogênero Biomphalaria. Quando fezes in-fectadas com os ovos do parasito sãodepositadas em rios, lagos e outros sis-temas aquáticos, eclodem minúsculaslarvas chamadas miracídios, que po-dem penetrar em caramujos do gêne-ro Biomphalaria. Após o tempo de in-cubação no caramujo, o miracídio dáorigem a outras larvas, chamadascercárias, que têm a capacidade de in-fectar o homem.

Mapeada forma rarada esquistossomose em PernambucoManifestação grave da doença teve maior parte dos casos em regiões não endêmicas

D

ServiçoInformações técnicassobre a mielorradiculopatiaesquistossomótica no site doMinistério da Saúde:

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/guia_mielo_esquisto.pdf

PESQUISA

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R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 912

AMBIENTE

Renata Foutoura

m pouco mais de 20 anos,o molusco que um dia ser-viu como aposta comerci-al, na busca de uma alter-nativa mais barata ao

escargot, se transformou em uma ver-dadeira praga. Com o fracasso dos em-preendimentos que introduziram noBrasil o caramujo africano, Achatinafulica, alguns milhares de exemplaresforam soltos na natureza. Dotado dealta capacidade de reprodução, omolusco hoje se disseminou em 23 dos26 estados brasileiros. Os impactos paraa biodiversidade são evidentes, mas osriscos à saúde pública também preo-cupam: dois casos de meningite em2007, no Espírito Santo, estão relacio-nadas ao molusco. A prevenção nocontato com o animal e o controle daspopulações do caramujo são medidasfundamentais para frear este quadro.

“Nos ambientes urbanos as po-pulações desses moluscos são densas,

Invasores

Fiocruz desenvolveestratégias para controle docaramujo africano, que seprolifera com rapidez no país

Einvadem e destroem hortas e jardins.Como são formadas por animais degrande porte, com 10cm em média,causam transtornos às comunidadesdas áreas afetadas”, esclarece a pes-quisadora Silvana Thiengo, responsá-vel pelo Laboratório de Referência Na-cional em Malacologia Médica doInstituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).Segundo a especialista, um exemplardo molusco pode colocar uma médiade 200 ovos por postura e se repro-duzir mais de uma vez ao ano. “Asnumerosas populações desse moluscono Brasil devem-se principalmente aoseu grande potencial biótico e à au-sência de patógenos específicos. Ape-sar de serem herbívoros, são muitovorazes e pouco exigentes para se ali-mentar, comendo praticamente detudo”, explica.

O Laboratório de Malacologia re-cebe e analisa caramujos enviados porsecretarias de Saúde de todo o Brasile avalia a presença de parasitos cau-sadores de doenças. A atividade de vi-

gilância epidemiológica contribui paramonitorar de que forma os caramujosafricanos podem atuar como vetor dedoenças, trazendo riscos à população.

Quando infectado por parasi-tos, o caramujo africano pode trans-mitir dois tipos de doenças. A me-ningite eosinofílica é a única queteve casos registrados no país. Ela écausada pelo verme Angiostrongyluscantonensis, que passa pelo sistemanervoso central, antes de se alojarnos pulmões, num ciclo de transmis-são que envolve moluscos e roedo-res. Já a angiostrangilíase abdomi-nal, que ocorre no país, porém semregistro de transmissão pelo caramu-jo africano, é causada pelo parasitoAngiostrongylus costaricensis. Mui-tas vezes é assintomática e em algunscasos pode levar a óbito. Com rela-ção a doenças causadas aos animaisdomésticos, em 2008 o Laboratóriode Malacologia publicou dados iné-ditos indicando que o caramujo afri-cano pode transmitir o verme Aelu-

indesejados

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rostrongylus abstrusus, que causapneumonia em gatos.

Catação manualé a melhor medida

de controle

Em função da alta toxicidade, apesquisadora não recomenda o uso depesticidas para controlar a prolifera-ção do caramujo africano. Esses re-cursos devem ser aplicados pelo ór-gão governamental responsável, comosecretarias de Saúde, de Ambiente oude Agricultura. “A melhor opção é acatação manual dos caramujos e deseus ovos, sempre com as mãos pro-tegidas com luvas ou sacos plásticos.Este procedimento pode ser realizadonas primeiras horas da manhã ou ànoitinha, horários em que os caramu-jos estão mais ativos e é possível coletara maior quantidade de exemplares. Du-rante o dia, eles se escondem para seproteger do sol”, explica.

Fonte: Laboratório de Malacologia / IOC

Cuidados na catação edescarte dos caramujosPara realizar a catação, as mãos devemestar protegidas com luvas ou sacos plás-ticos para evitar o contato com o animal

Recolher também os ovos, que sãoesféricos, amarelados e ficam semi-enterrados, e proceder da mesma for-ma usada para os animais coletados

Os caramujos e ovos recolhidos devemser esmagados, cobertos com cal vir-gem e enterrados

Outra alternativa é usar solução decloro (três partes iguais de água parauma de cloro): os ovos e caramujosdevem ser deixados totalmente cober-tos pela solução durante 24 horas,antes de serem descartados

Jogar água fervente e incinerar tambémsão opções, mas estes procedimentosdevem ser realizados com segurança

O material ensacado pode ser descar-tado em lixo comum, mas é precisoquebrar as conchas para que elas nãoacumulem água, tornando-se possíveisfocos para reprodução de mosquitos

Na África, local de origem docaramujo gigante, o ambiente contacom patógenos, como bactérias, fun-gos e parasitos, que realizam o con-trole natural dessa população. No Bra-sil, os estudos ecológicos sobre aespécie ainda são incipientes e as pers-pectivas para que ocorra um controlenatural são baseadas em experiênciasde outros países, como os EstadosUnidos. “No Havaí, a grande explo-são do caramujo africano ocorreu pou-cos anos depois de sua introdução, nadécada de 30. Hoje, já não existemexemplares grandes como os encon-trados aqui e a população diminuiubastante. Esperamos que o mesmoocorra no Brasil”, declara Silvana.

Semelhança comespécie nativa

Com características semelhantesàs do caramujo africano, moluscosnativos Megalobulimus spp., conhe-

cidos popularmente como caramujo-da-boca-rosada ou aruá-do-mato,podem ser confundidos com a espé-cie invasora. Silvana explica que, di-ferentemente do molusco africano, aespécie brasileira se reproduz menos,colocando em média apenas doisovos em cada ciclo reprodutivo.“Megalobulimus ssp. são espécies danossa fauna e se parece com oAchatina fulica por seu tamanho.Como se reproduz pouco, é impor-tante saber identificar a diferençaentre os dois para que as espécies bra-sileiras não sejam prejudicadas nasações de controle que são direciona-das ao caramujo invasor”, informa.

A principal diferença entre asespécies está na concha. “A conchado caramujo africano tem mais girose é mais alongada. Já o molusco nati-vo é mais bojudo, gordo, tem menosgiros e sua abertura é espessa, nãocortante”, Silvana indica.

Ocorrênciado caramujoafricano noBrasil

2002 2006

Infestação noRio de Janeiro

Áreas afetadas

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IMUNOBIOLÓGICOS

Totalmentenacional

O Efavirenz,medicamentodo coquetel antiAidsmais usado no Brasil,passa a ser produzidopela Fiocruz.

A fabricaçãonacional doantirretroviralrepresentaráuma economiade R$ 30 milhõespara o país.

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NEdmilson Silva e Ricardo Valverde

o momento em que o mi-nistro da Saúde, José GomesTemporão, recebeu dasmãos do presidente da Fun-dação Oswaldo Cruz (Fio-

cruz), Paulo Gadelha, um frasco de com-primidos do medicamento antirretroviralEfavirenz, em fevereiro deste ano, ocor-reu mais um desses episódios marcantesda história da saúde pública brasileira. Naocasião, em solenidade no Instituto deTecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), foi oficializada a entrega da pri-meira partida nacional do medicamento.Ali começavam a ser despachados 2,1milhões de comprimidos a serem distri-buídos para pacientes atendidos pelo Pro-grama Nacional de DST/Aids em São Pau-lo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná eEspírito Santo – estados que concentram62% dos usuários do Efavirenz.

A cerimônia foi o coroamento deuma trajetória que começou quase doisanos antes, quando o presidente LuizInácio Lula da Silva assinou o licencia-mento compulsório do medicamento. Oministro Temporão afirmou que um pas-so como esse representa “um marco doprocesso civilizatório”, já que amplia aproteção social e a assistência médicapara milhares de brasileiros. O Efavirenzé o antirretroviral mais usado pelos paci-entes que recebem o coquetel antiAids,atendendo a 85 mil (46%) dos 185 milpacientes assistidos pelo Programa Na-cional de DST/Aids. A nacionalização doEfavirenz representará uma economia deR$ 30 milhões por ano para o país.

Para o presidente da Fiocruz, a en-trega do primeiro lote do medicamentoé mais um exemplo do alinhamento daFundação às demandas do Ministério daSaúde e da população. “Tem sido assimdesde o início da epidemia de Aids,quando a Fiocruz isolou pela primeira vezo HIV no Brasil e estivemos juntos, comHerbert de Souza, o Betinho, nas lutasque garantiram a qualidade do sangueusado nas transfusões”, afirmou

Gadelha. O sociólogo Herbert deSouza foi homenageado no ato deentrega da primeira partida do Efa-virenz, dando nome à linha de pro-dução de antirretrovirais de Far-manguinhos. A viúva de Betinho,

Maria Nakano, descerrou a pla-

ca que batiza a linha. “Quando fez dezanos da morte de Betinho, decidi que nãoparticiparia mais de homenagens a ele.Mas ao receber o convite da Fiocruz re-solvi aceitar pelo carinho que tenho poressa instituição”, comentou.

Bastante emocionado, o diretorde Farmanguinhos, Eduardo Costa, dis-se recordar de 1985, quando um mo-vimento de sanitaristas, constrangidosporque Betinho havia contraído o HIVnuma transfusão de sangue, deu fimao sinistro comércio movimentado pe-los bancos de sangue. “Naquela épo-ca, 1/3 dos 51 casos brasileiros de Aidsera de cidadãos que o contraíram emtransfusões. Nos Estados Unidos, namesma época, apenas 3% dos cercade 2 mil casos estavam na mesma situ-ação”, destacou.

Uma vitória do SUS

Para o coordenador-adjunto da As-sociação Brasileira Interdisciplinar de Aids(Abia), Veriano Terto Junior, a produçãodo Efavirenz é um passo importante nãoapenas para o Brasil, mas principalmentepara os pacientes, que passam a ter agarantia de acesso a um medicamento dequalidade sem o risco de descontinuidadeno tratamento. Terto Junior aproveitoupara pedir que Farmanguinhos passassea produzir outros antirretrovirais que com-põem o coquetel. A reivindicação do re-presentante da Abia está contempladanos planos de expansão de Farmangui-nhos, que tem a fabricação do antirretro-viral Tenofovir como próxima meta.

Segundo o ministro da Saúde, aprodução do Efavirenz pela Fiocruz é oresultado de uma história vitoriosa, quetem no SUS os princípios que sintetizamesse esforço. “A luta pela vida, pela igual-dade, pelo fim dos preconceitos e dainiquidade e, ao lado disso, a capacida-de de organizar o conhecimento técni-co-científico, pondo-o a serviço da po-pulação, é o que comemoramos aopromover esta primeira partida do me-dicamento”, disse. Ele também afirmouque o setor da saúde será uma arma paraenfrentar a crise econômica, devido àgeração de emprego, renda e tecnologiaa partir de uma política industrial e de de-senvolvimento nesse campo. “O Efavirenznão é o fim da linha, mas a possibilidadede desenvolvermos e criarmos novas tec-nologias”, avaliou Temporão.

Paulo Gadelha parabenizou os fun-cionários de Farmanguinhos ao afirmarque o início da produção é exemplar por-que mostra a Fiocruz envolvida em todaa cadeia produtiva do setor da saúde. Elecomentou que recentemente o Brasil, ar-ticulado a outros países em desenvolvi-mento, conseguiu derrubar, na Organiza-ção Mundial da Saúde (OMS), umaproposta dos Estados Unidos que identi-ficava os medicamentos genéricos comopirataria. Foi uma ação que contou coma atuação destacada da Fiocruz, represen-tada por seu ex-presidente Paulo Buss.Gadelha também celebrou o alinhamen-to da Fundação com o Ministério da Saú-de, para que sejam promovidas novascontribuições para a saúde pública brasi-leira. Sobre Betinho, o presidente da Fun-dação lembrou que a instituição foi sem-pre parceira das iniciativas do sociólogo.“E, recentemente, a Fiocruz foi convida-da pela Rede Nacional de Mobilização So-cial (Coep) para ocupar a sua secretaria-executiva”, observou.

O diretor de Farmanguinhos tam-bém aproveitou a ocasião para home-nagear os funcionários da unidade da Fi-ocruz e agradecer o empenho para quea produção do Efavirenz fosse feita den-tro dos prazos estabelecidos. “Expressoum reconhecimento formal aos trabalha-dores de Farmanguinhos. Esta conquis-ta é deles. Dia e noite trabalharam, in-cluindo feriados e fins de semana”,reconheceu Costa.

Complexo industrialda saúde fortalecido

A decisão de produzir no Brasil omedicamento é um passo concreto dogoverno federal para fortalecer o Com-plexo Industrial da Saúde (CIS), que temcomo objetivo manter no país o mon-tante de recursos que estrutura a cadeiaprodutiva da saúde, algo em torno de8% do Produto Interno Bruto (PIB) bra-sileiro. O setor da saúde movimenta acada ano no país R$ 160 milhões e éresponsável por empregar cerca de 10milhões de pessoas. “Não tenho dúvi-da de que a saúde será um dos instru-mentos para enfrentarmos a crise eco-nômica mundial. O pacote lançado pelopresidente dos Estados Unidos, BarackObama, por exemplo, tem uma porcen-tagem significativa de investimentos nosetor da saúde”, afirmou Temporão.

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formulação do genérico bra-sileiro do Efavirenz é resul-tado de uma parceria públi-co-privada. Pela parceria, aFiocruz desenvolveu a tec-

nologia e a produção final do medicamen-to. Ao consórcio formado pelas empresasprivadas Globequímica (SP), Cristália (SP)e Nortec (RJ) coube a fabricação do princí-pio ativo. O Efavirenz é o oitavo medica-mento produzido por Farmanguinhos, dototal de 17 medicamentos utilizados no co-quetel antiAids. Também são produzidos na-cionalmente: Zidovudina (AZT), Lamivudi-na (3TC), AZT + 3TC, Estavudina, Indinavir,Nevirapina e Saquinavir.

A decisão de declarar o licenciamen-to compulsório do Efavirenz foi o final deum processo de negociação frustrada en-tre o laboratório Merck e o Ministério da

A

Segundo o ministro, é necessáriauma “extrema valorização deste momen-to, para que possamos enfrentar novosdesafios e novas conquistas”. Para queo Efavirenz se tornasse possível, Tempo-rão destacou a superação de quatro eta-pas: a dimensão política, em que os sa-nitaristas se uniram no Sistema Único deSaúde (SUS); a dimensão técnico-cientí-fica, marcada pela capacidade de orga-

O Efavirenz brasileiro

nização dos pesquisadores brasileiros aoaplicar conhecimentos aos serviços desaúde; a dimensão da política industriale desenvolvimento, em que a saúde évista como espaço de geração de rique-za e criação de empregos; e a dimensãoexercida pelo processo civilizatório, emque Betinho e Sergio Arouca contribuí-ram para a formação de uma “consciên-cia diferenciada”.

Durante a solenidade de entregada primeira partida do Efavirenz, foramassinadas as portarias ministeriais 268e 269, que instituem e designam osmembros de comitê para definir a ori-entação estratégica e as bases para acontratação na gestão de Farmangui-nhos, envolvendo a definição de meca-nismos de pactuação entre o Ministérioda Saúde e a Fiocruz.

Saúde. A proposta brasileira era que o la-boratório praticasse o mesmo preço pagopela Tailândia, de US$ 0,65 por cada com-primido de 600mg, enquanto o Brasil pa-gava US$ 1,59. A diferença entre os pre-ços praticados pelo mesmo laboratóriopara os dois países era de 136%. A em-presa propôs uma redução de apenas 2%,recusada pelo governo brasileiro.

Após o licenciamento compulsório,o Ministério da Saúde passou a importarda Índia genéricos pré-qualificados pelaOrganização Mundial da Saúde, pormeio de organismos internacionais(Unicef e Opas). O primeiro lote do me-dicamento genérico chegou ao Brasil emjulho de 2007. A produção nacional foiassumida por Farmanguinhos, unidadede produção de medicamentos da Fio-cruz que abastece o Ministério da Saú-

de. Responsável pela produção de 860milhões de unidades farmacêuticas em2007, compreendendo 18 grupos de me-dicamentos, incluindo antirretrovirais,anti-hipertensivos, antianêmicos e anti-virais, Farmanguinhos fornece medica-mentos para 12 programas do Ministé-rio da Saúde, como Saúde da Família,Farmácia Popular e DST/Aids.

Autonomia farmacêutica

Para o ministro Temporão, a en-trega do Efavirenz nacional é uma ga-rantia de assistência à saúde dos querecebem tratamento pelo Sistema Úni-co de Saúde (SUS). “O paciente passa ater a garantia de que não haverá inter-rupção no tratamento”, disse. Segun-do ele, a decisão sobre o licenciamentocompulsório levou em consideração a

Betinho, símbolo da luta contra a Aids no país, foi homenageado durante a solenidade de entrega da primeira partida do Efavirenz

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segurança dos pacientes e oequilíbrio econômico e financei-ro do Programa Nacional deDST/Aids, exemplo mundial notratamento de pacientes.

A medida foi baseada noacordo internacional Trips (As-pectos dos Direitos de Proprie-dade Intelectual Relacionadas aoComércio, na sigla em inglês), daOrganização Mundial do Comér-cio (OMC). Para Temporão, cadacomprimido do medicamentoexpressa a capacidade manifes-tada pelo país de enfrentar osdesafios da saúde pública.“Quando o Brasil quebrou a paten-te do Efavirenz, ouvimos que o país per-deria investimentos estrangeiros. Mastenho participado de muitas inaugu-rações de laboratórios, o que mostraque o Brasil é um excepcional mer-cado e a decisão não afugentou divi-sas”, disse o ministro. Entre 2007 e 2008,Temporão participou de inaugurações eassinatura de investimentos que somammais de R$ 1,7 bilhão da iniciativa priva-da nos setores de produção de medica-mentos, vacinas, insumos e logística naárea da saúde, além de acordos de trans-ferência de tecnologia.

Observado por Eduardo Costa, diretor deFarmanguinhos, o ministro da Saúde

apresenta o Efavirenz nacional, que apontacomo ação de destaque no fortalecimento

do Complexo Industrial da Saúde

Há menos de um ano, outra par-ceria bem-sucedida permitiu a Farman-guinhos lançar o primeiro medicamen-to inovador para o tratamento damalária. Em conjunto com a iniciativaMedicamentos para Doenças Negligen-ciadas (DNDi, na sigla em inglês), e re-cursos da União Europeia, foi entregueo medicamento ASMQ, uma nova com-binação em dose fixa do artesunato (AS)e mefloquina (MQ), para controle damalária. O ASMQ, que combina doismedicamentos (AS e MQ) em um pe-

queno comprimido azul, simplifica otratamento de adultos e criançascom uma dose diária de um a dois

comprimidos durante três dias,garantindo que os dois medica-mentos sejam tomados juntose na proporção correta. As ne-cessidades das crianças, prin-cipais vítimas da malária, sãoatendidas pelo ASMQ, que ofe-

rece três apresentações infantis.O novo tratamento será disponi-

bilizado a pacientes adultos e crian-ças em toda a América Latina e

no Sudeste Asiático. Damesma forma que o Efa-virenz começa a benefici-

ar pacientes brasileiros, é aFiocruz espalhando doses de saú-

de pelos quatro cantos do mundo.

Apenas dois anos após olicenciamento compulsóriodo medicamento, a Fiocruzanunciou a entrega dos primeiroscomprimidos do Efavirenzao Ministério da Saúde

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ENTREVISTA

Onovo presidenteda Fiocruz, o médicoPaulo Gadelha, quetomou posse em

janeiro passado, afirma quea Fundação deve ampliar, nospróximos anos, o seu papelde instituição estratégica doEstado brasileiro para a áreada saúde. Em entrevista àRevista de Manguinhos,Gadelha diz que a Fiocruzprecisa fortalecer cada vezmais características que aacompanham desde a suacriação, há mais de 100 anos,e que lhe deram o sucesso,a visibilidade e oreconhecimento com queconta hoje. Vigésimo-sétimoocupante de um cargo peloqual passaram Oswaldo Cruz,Carlos Chagas e SergioArouca, o presidente comentaa atuação internacional daFundação, a abertura de novasunidades pelo país e defendeuma reforma do Estado quegaranta flexibilidade à gestão.

PauloGadelha

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19R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 9

Ricardo Valverdee Wagner de Oliveira

Ampliar a participação da Fio-cruz no cenário da saúde públicacomo uma instituição estratégica doEstado brasileiro tem sido umadiretriz sua. Por que o senhor enten-de que este posicionamento devenortear a Presidência da Fiocruz?

Para responder a essa pergunta ébom olharmos para o passado da insti-tuição. Componentes essenciais de suamatriz original estão presentes até hojena Fiocruz e foram otimizados em perío-dos que marcaram mais fortemente suahistória e consoli-daram o sucesso, avisibilidade e o re-conhecimento daFundação. Entreesses elementosbásicos que ani-mam a Fiocruz, es-tão o compromissocom a resolução deproblemas relativosa demandas sanitá-rias e sociais pormeio da atuaçãoem uma ampla di-versidade de cam-pos, que abrangemformulação e exe-cução de políticas,pesquisa multidis-ciplinar, ensino eformação de pes-soal, vigilância epidemiológica, produçãode vacinas e medicamentos, entre ou-tras atividades estratégicas para o país.Tudo isso com a sinergia de uma confi-guração institucional única, que incor-pora toda a cadeia de inovação –envolvendo pesquisa, desenvolvimen-to, produção e serviços. Outra carac-terística fundamental foi identificarquestões mais amplas do contexto so-cial e político do país – a exemplo dareforma urbana e constituição da ima-gem cosmopolita da república emer-gente, incorporação dos “sertões” eampliação do papel do Estado, quemarcaram o período áureo dos pionei-ros –, traduzindo-os de forma a con-ferir à saúde um papel privilegiado eatribuir à Fiocruz protagonismo no

GRADUADO EM medicina pela Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro(Uerj), o cearense Paulo Ernani Gade-lha Vieira, de 57 anos, presidiu a Asso-ciação de Médicos Residentes do Riode Janeiro e a Associação Nacional deMédicos Residentes. Mestre em medi-cina social pela Uerj e doutor em saú-de pública pela Fiocruz, foi vice-presi-dente da Fundação de 2001 até o iníciodeste ano. Relator-geral da 12ª Confe-rência Nacional de Saúde, em 2003, émembro da Comissão Intersetorial deCiência e Tecnologia do Conselho Na-cional de Saúde.

COM VASTA experiência na área depesquisa e docência, Gadelha foi umdos principais responsáveis pela criaçãoda Casa de Oswaldo Cruz (COC), umaunidade da Fiocruz, tendo sido seudiretor de 1985 a 1997. Implementoue coordenou o Museu da Vida da COC.Foi coordenador-geral do 4º Congres-so Mundial de Museus e Centros deCiências e curador de diversas exposi-ções. Atuou como secretário-geral dasquatro edições do Congresso Internoda Fiocruz, instância de deliberaçãomáxima para definição das grandes li-nhas de atuação e dos modelos orga-nizacionais da instituição.

À FRENTE da Abrasco (2005-2006),presidiu o 11º Congresso Mundial deSaúde Pública e do 8º Congresso Brasi-leiro de Saúde Coletiva, em parceria coma World Federation of Public HealthAssociations (2006). É representante daFiocruz no processo de institucionaliza-ção do Drugs for Neglected DiseasesIniciative (DNDi), rede internacional depesquisa para combater a falta de me-dicamentos eficazes para doenças comomalária, leishmaniose e Chagas.

INTEGRANTE DO Conselho Editorial daEditora Fiocruz entre 1994 e 2005 e co-ordenador da Editora entre 2001 e 2005,é membro do Conselho Editorial das se-guintes revistas: Salud, Cultura y Socie-dade en America Latina: Nuevas pers-pectivas históricas (Peru); Asclepio –Revista de Historia de la Medicina y dela Ciência (Espanha); Revista da Socie-dade Brasileira de História da Ciência,História, Ciências, Saúde – Manguinhos,Revista Eletrônica de Comunicação In-formação e Inovação em Saúde.

P E R F I Lprocesso mais amplo de construção danacionalidade e do Estado brasileiro.

A Fiocruz é muito associada àsrealizações científicas do início doséculo 20, mas também assumiupapel fundamental para a articula-ção da reforma sanitária e do Siste-ma Único de Saúde (SUS). Comoaproveitar esse legado?

No período mais contemporâneo,a ampliação de sentido da saúde e aarticulação com movimentos sociais sedeu com a Reforma Sanitária e a cons-tituição do SUS, quando o tema da saú-de foi construído como integranteessencial do processo de reconquistademocrática e dos direitos de cidada-

nia. A Fiocruz foiprotagonista desta-cada nesse proces-so. Na sequênciada construção doSUS, entretanto, aárea da ciência etecnologia só foiincorporada comotema central tardi-amente e isso teveefeitos sobre a ple-na consolidaçãodos elos do conjun-to da Fiocruz como SUS, que só maisrecentemente ad-quiriram uma novadimensão. Nessesentido, são exem-plares a criação daSecretaria de Ciên-

cia, Tecnologia e Insumos Estratégicosdo Ministério da Saúde e a realizaçãoda 2ª Conferência Nacional Ciência,Tecnologia e Inovação em Saúde. Umnovo desdobramento dessa tendênciatem sido de extrema relevância parailustrar nosso argumento: o papel daFiocruz ganha dimensão especial coma releitura sobre a importância do for-talecimento e direcionamento do com-plexo produtivo da saúde para aconstrução de um desenvolvimento na-cional inclusivo e direcionado pelas pri-oridades sociais, tendo o projeto doSUS como referência e mecanismoindutor que constitui, a meu ver, umaformulação de enorme potencial parao desenvolvimento do SUS e fortaleci-mento de sua base de apoio social.

“ “A Fiocruz ocupalugar privilegiado

para trabalhara interface

entre saúde edesenvolvimento,articulando suainserção no SUScom a política dedesenvolvimento

industrial

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“ “O CDTSserá um dos

instrumentos maisimportantes parasuprir uma lacuna

do sistemabrasileiro de

inovação

A Fiocruz ocupa um lugarprivilegiado para trabalhar essainterface entre saúde e desenvolvi-mento, articulando sua inserção noSUS com a política de desenvolvi-mento industrial, como atestanossa participação no Grupo Execu-tivo do Complexo Industrial da Saú-de, Ciência e Tecnologia (Gecis), ondeestão presentes instâncias como osministérios da Saúde e de Ciência eTecnologia, BNDES e Casa Civil.

Definir os campos e os desenhosorganizacionais e programáticos queresponderão ao papel estratégico deEstado da Fiocruz é uma tarefa central.É o caso da cooperação internacional.Na medida em que o Brasil assumecrescente relevância econômica e polí-tica na arena internacional e conside-rando que a saúde constitui um bempúblico universal – objeto de coopera-ção humanitária, tema de segurança,área de fronteiras tecnológicas e de tro-cas comerciais –, a cooperação em saú-de se torna cada vez mais um assuntoprioritário nas relações internacionais.O mesmo podemos pensar para a Es-cola de Governo e a redefinição do pro-jeto nacional, com uma nova forma deentender o papel das unidades da Fio-cruz em vários estados e a ampliaçãode mais cinco novas unidades. Aquiprevalece a diretriz de descentralizaçãoregional da atividade de ciência e tec-nologia e desenvolvimento do comple-xo produtivo da saúde no contexto deum projeto de integração nacional so-lidário e equitativo.

Por todo o crescimento que ex-perimentou nos últimos anos - doqual o senhor participou ativamen-te - e pela diversificação de ativida-des que a Fiocruz mantém, é corretosupor que a Fundação se transfor-mará nos próximos anos numa es-pécie de Petrobras da saúde?

Mantidas as óbvias diferenças decampo de atuação e das dimensões dasduas, eu diria que sim. O país precisa,em setores estratégicos como a matrizenergética e agropecuária, de institui-ções como a Petrobras e a Embrapa, quegarantam a mediação da atuação esta-tal na formulação das políticas, suporteao desenvolvimento tecnológico e ca-pacidade produtiva por meio da atuação

direta ou associada. A Fiocruz, na áreada saúde, como instituição estatal e doMinistério da Saúde, já vem desempe-nhando na prática este papel, mas ain-da precisar trabalhar de forma maissistemática para maior consistência eefetividade dessa missão.

De que maneiras a Fundação seengajará, como uma instituição es-tratégica do Estado, na elaboraçãoe definição de políticas para a saú-de nas relações do Brasil com outrospaíses? E como funcionará o recém-criado Centro de Relações Interna-cionais em Saúde (Cris)?

Há uma compreensão, por par-te do Ministério da Saúde e do Mi-nistério das Relações Exteriores, dessepapel diferenciado da Fiocruz. É repre-sentativo disso o fato de a Fundaçãoter um escritório permanente na Áfri-ca, acreditado para toda a Organiza-ção dos Estados Africanos, paraatender uma prioridade da política ex-terna brasileira. Estamos viabilizando,com os dois ministérios, que a Fiocruzseja o ponto focal da Agência Brasilei-ra de Cooperação na área acadêmicae de cooperação tecnológica em saú-de. Quanto ao Cris, certamente terá umpapel fundamental, para além das ati-vidades que a assessoria internacionaljá exercia. Será um centro de inteligên-

cia, de reflexão e produção de termosde referência e de indução e acompa-nhamento de ações estruturantes dacooperação internacional.

Nos próximos meses, com ainstalação de novas unidades regio-nais da Fundação em cinco estadosbrasileiros, a instituição cumpriráuma das metas do programa MaisSaúde, do governo federal. Que es-pecificidades essas unidades tra-zem para a pesquisa e o avanço dasaúde pública, tendo em vista ascaracterísticas geossanitárias decada região?

A criação das unidades é norteadapor dois requisitos: ser ponto de articula-ção e cooperação para o desenvolvimen-to regional, ao lado de instituições desaúde e ciência e tecnologia regionais; eidentificar novos temas ou reforço deobjetos de atuação da Fiocruz que apre-sentem vantagens comparativas peloacúmulo de conhecimento e/ou contex-tos sociossanitários e ambientais. NoMato Grosso do Sul vamos trabalhar aquestão da saúde das fronteiras, pois oestado tem uma área extensa de frontei-ra seca. As fronteiras são um tema rele-vante, ligado a relações internacionais,vigilância em saúde e dinâmica econômi-ca e social. Também trabalharemos comos biomas do Cerrado e do Pantanal eavaliaremos as consequências do desen-volvimento agropecuário para a saúde.Outro foco será a saúde indígena, na re-gião, o Centro-Oeste, que tem a segun-da maior população indígena do país.

Outro exemplo: o Ceará tem exce-lência reconhecida que nos permitirádesenvolver o projeto de um centro dereferência nacional em medicina preven-tiva e saúde da família e de desenvolvi-mento e produção de fitofármacos emedicamentos. Outro caso é o de Ron-dônia, onde o Instituto de Pesquisa emPatologias Tropicais (Ipepatro), será incor-porado à Fiocruz. Naquele estado, alémde se dedicar à malária e a outras doen-ças comuns na região e de já apresentaracúmulo em desenvolvimento tecnoló-gico, a unidade deverá desenvolver emconjunto com outras unidades da Fiocruzestudos para se antecipar e propor me-didas que minimizem o impacto da cons-trução das hidrelétricas do Rio Madeirasobre o quadro de saúde e o ambiente.

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“ “A Fundaçãoprecisa de uma

legislaçãoespecífica,

porque está aomesmo tempo naárea econômicae na área social

Até o final de 2010 deverá co-meçar a funcionar na Fiocruz o Cen-tro de Desenvolvimento Tecnológicoem Saúde (CDTS), cujo objetivo é ge-rar tecnologias para produzir novosfármacos, vacinas e reagentes paradiagnóstico, apoiando pesquisasnas áreas de genômica, proteômi-ca, nanotecnologia e bioinformáti-ca, entre outras. Quais os ganhospara o Brasil?

O CDTS será um dos instrumen-tos mais importantes para suprir umalacuna do sistema brasileiro de inova-ção, que é o fato de o país dispor deindicadores satisfatórios na produção doconhecimento, mas nem sempre con-tar com equipamentos e plataformasque permitam desenvolver produtos.Isso ocorre com aqueles projetos quesão candidatos a fabricar vacinas e me-dicamentos e que muitas vezes esbar-ram na fase pré-clínica, que precisa serrealizada para que se saiba se os pro-dutos de fato são viáveis. O CDTS vaipermitir, a pesquisadores internos e ex-ternos, a oferta de plataformas que da-rão suporte às etapas envolvidas nodesenvolvimento de um produto. Vai,assim, expressar uma mudança impor-tante na Fiocruz, que será a de ampliarinternamente as ofertas de plataformascomuns e o trabalho compartilhado aomesmo tempo em que oferecerá a mes-ma estrutura para grupos de pesquisade fora da instituição. O CDTS será umcentro para o país. A articulação já estásendo feita e será fundamental para aideia de firmar a Fundação como umainstituição nacional. Isso significará umamudança de cultura e a possibilidadede fazer trabalhos compartilhados, queé benéfica a todos.

A mudança do modelo organi-zacional da Fiocruz será um tema emdestaque nos próximos meses. A ex-periência da Fundação, principalmen-te no aprofundamento da discussãode novos modelos de organizaçãodas instituições públicas, poderá con-tribuir para o governo no processode reavaliação e aprimoramento daadministração pública?

Há necessidade de uma reformado Estado que incorpore um novo mo-delo organizacional. Hoje, com a criseeconômica mundial, vemos o retorno

e o reconhecimento do papel do Esta-do, um movimento para que os gover-nos estejam presentes de maneiraadequada às demandas da sociedade.A Fiocruz representa um modelo queatende de maneira clara a esse com-promisso. Ela é formuladora e parte dasrespostas às demandas da população.E produz medicamentos e vacinas, fa-zendo intervenções diretas na saúdepública. Esse Estado precisa ter umanova conformação e assim designar apossibilidade de mais autonomia paraa gestão de pessoal, dada a necessida-de de qualificação profissional. Tendoem vista os desafios tecnológicos, afalta de autonomia para gestão de re-cursos humanos é um empecilho degrande monta. No campo internacio-nal também. A legislação atual é umabarreira porque dificulta mecanismosmais ágeis para a instalação de escri-tórios e para a alocação de servidorese contratação de pesquisadores no ex-terior, entre outros aspectos.

A Fiocruz responde basicamentea demandas da política de saúde, por-tanto nessa conformação que buscamosela não pode ser modelada nem comouma autarquia, o que a impediria dedispor de uma série de requisitos ine-rentes ao processo produtivo, e nemcomo uma empresa que esteja compe-

tindo no mercado pela sua sustentabili-dade. O que define o portfolio de de-senvolvimento e produção não é alucratividade, mas uma lógica como aque se viu no caso do antirretroviral Efa-virenz. Garantir a acessibilidade aoinsumo é a questão fundamental; o su-perávit em relação aos custos é um as-pecto secundário. Menos que o preçofinal, o ganho está em garantir o aces-so ao medicamento e servir de instru-mento de regulamentação quandoestamos diante de uma empresa mono-polística que aplica preços exorbitantes.

Portanto, precisa haver flexibili-dade, mas num contexto de vínculo eproteção pelo Estado. Essa nova con-formação não pode ser aplicada au-tomaticamente aos modelos jurídicosexistentes. O Estado tem que ser efi-ciente em sua atuação, ter capacida-de de indução e execução direta eoutros determinantes, que não estãopresentes no mercado e nem nas em-presas públicas. Não existe hoje ummodelo que possa ser aplicado à com-plexidade da Fiocruz. A Fundação pre-cisa de uma legislação específica,porque está ao mesmo tempo na áreaeconômica e na área social. Por isso,e por estar articulada à ação estatal,precisa redefinir seu modelo jurídico,dentro de um remodelamento maisamplo do Estado.

Depois de ter sido o fundadorda Casa de Oswaldo Cruz, há maisde 20 anos, e de ter uma trajetóriadedicada também à história e à pre-servação da memória, como o se-nhor se sente à frente da Fundação?

É uma enorme responsabilidade,em uma situação de muito incentivo emuita energia. Conta bastante o fatode saber que temos um lastro, uma tra-dição de realizações e um processocoletivo que nos garante que nãoestamos sós. Associado à capacidade deresposta da Fiocruz, está o fato de aquiexistir uma gestão participativa, que ébastante arraigada na instituição. Issonos faz sentir como integrantes de umacoletividade, de uma missão que étraduzida pela expressão “Orgulho deser Fiocruz”. Esse sentido de orgulho,responsabilidade e compartilhamentodá um pouco conta do sentimento deestar à frente da Fundação.

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Enxurradade doençasHepatites, leptospirose e outras doenças comuns naépoca de enchentes são foco de iniciativas da Fiocruz

AMBIENTE

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Fernanda Marques

esde o final de 2008 aschuvas têm castigado opaís e as enchentes já atin-giram milhares de pessoasem estados como Santa

Catarina, Minas Gerais e Rio de Janei-ro. A situação é grave não só devido aogrande número de desabrigados, mastambém porque traz à tona o debatesobre mudanças climáticas e uma sériede questões de saúde pública, como asdoenças que tendem a aumentar emépoca de inundações. A mais comenta-da talvez seja a leptospirose, transmiti-da pela urina de ratos. Muitas outrasdoenças, porém, estão relacionadas àágua e podem ocorrer em caso de en-chente. “As mais frequentes e comunssão as diarreias, hepatite A, febresentéricas e leptospirose. Após asenchentes, mais tarde, também adengue”, afirma o engenheiro sa-nitarista Odir Clécio da Cruz Roque,pesquisador da Escola Nacional deSaúde Pública (Ensp/Fiocruz).

O primeiro passo para com-bater essas doenças é conhecer osagentes causadores, os sintomas,as formas de transmissão e de pre-venção. Na tarefa de contribuir parao controle de doenças relacionadasà água e, sobretudo, aquelas maiscomuns após as enchentes, a po-pulação brasileira conta com a Fio-cruz, onde não faltam projetos depesquisa, desenvolvimento tecno-lógico e produção em saúde pública emáreas relacionadas ao tema.

Destaque paraa leptospirose

Febre, dor de cabeça e dores nocorpo, principalmente na panturrilha:se a pessoa apresentar estes sintomasalguns dias após ter entrado em con-tato com águas de enchente, esgotos,terrenos baldios, lagoas ou rios con-taminados, ela pode estar com leptos-pirose. Apesar de curável, a doença égrave. Por isso, em caso de suspeita,é necessário procurar um médico ime-diatamente. Vômitos, diarreia, tossee, nos casos mais graves, pele e olhosamarelados também estão entre ospossíveis sintomas da doença, queocorre, principalmente, nos meseschuvosos e nas áreas metropolitanas.

A leptospirose é transmitida aohomem, sobretudo, durante as inunda-ções, quando a urina de ratos, presenteem esgotos e bueiros, mistura-se àságuas de enchente. Ao entrar em con-tato com essas águas, a pessoa contraia bactéria Leptospira, que penetra nocorpo pela pele, especialmente porferimentos. Para se prevenir, o conse-lho número um é evitar o contato comas águas de enchente.

Obras de saneamento básico emelhorias nas habitações também es-tão entre as medidas de prevenção. Pes-quisa da Fiocruz Bahia realizada no bair-ro de Pau da Lima, em Salvador, mostrouque quem residia a menos de 20 me-tros de esgotos a céu aberto e em áreaspropensas a alagamentos tinha um ris-co 42% maior de ser infectado pela

chente, deve-se diluir um copo dehipoclorito de sódio em um balde com20 litros de água.

Os dados da doença no país em2008 chamam atenção para uma ques-tão importante: enquanto o Sul teve omaior número de casos (920 entre os2.518 notificados), os óbitos estiveramconcentrados no Sudeste, que teve 116dos 272 casos fatais.

Colaboraçãojunto à OMS

O Laboratório de Referência Naci-onal para Leptospirose, do InstitutoOswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), tornou-se,no ano passado, o quarto laboratóriodo mundo a receber a designação deCentro Colaborador da OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS) para esta do-ença. Assim, a Fiocruz assumiu uma sé-

rie de responsabilidades perantea OMS e passou a atuar em umaesfera mais ampla em termos decooperação internacional na área.

“Firmamos o compromissode oferecer apoio técnico e cien-tífico para a OMS em situaçõesepidêmicas e em todas as ques-tões relacionadas à doença, alémde investir no desenvolvimento deoutros centros de pesquisa, namultiplicação do conhecimentosobre a leptospirose e na forma-ção profissional”, explica a pesqui-sadora Martha Pereira, chefe doLaboratório do IOC e diretora doCentro Colaborador da OMS para

Leptospirose, que já participou de mis-sões do órgão em países como Repú-blica Dominicana e Nicarágua.

Kits paradiagnóstico

Também na Fundação, por meio doInstituto de Tecnologia em Imunobiológi-cos (Biomanguinhos/Fiocruz), são produ-zidos kits para diagnóstico da doença, for-necidos ao Ministério da Saúde. Os kitssão produzidos a partir de metodologiaElisa. Em contrato com a empresa Chem-bio Diagnostics, Biomanguinhos assinoua transferência de tecnologia para produ-ção de um kit rápido de diagnóstico combase na tecnologia conhecida como DPP(dual path plataform), que permite o re-

D

Leptospirose: casos em 2008

Leptospira. Para quem morava a menosde 20 metros de um local de acúmulode lixo, esse risco era 43% maior. O es-tudo revelou ainda que, para cada acrés-cimo de um dólar na renda familiar diá-ria per capita, a chance de infecçãodiminuía 11%, deixando evidentes ascorrelações entre a leptospirose, as con-dições de moradia e saneamento e oacesso à renda.

O controle de roedores, que tam-bém faz parte da prevenção à doença,requer cuidado. O Ministério da Saúdeorienta que o uso de venenos raticidasdeve ser feito por técnicos capacitados.Para eliminar a bactéria Leptospira, re-comenda-se o uso de hipoclorito desódio (água sanitária): um litro do pro-duto para cada mil litros de água doreservatório. Já para a limpeza de locaise objetos contaminados durante a en-

Fonte: Ministério da Saúde

Norte 270 23

Nordeste 474 60

Sudeste 816 116

Sul 920 70

Centro-Oeste 38 3

BRASIL 2.518 272

Regiões ÓbitosCasos

confirmados

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sultado em poucos minutos e sensibilida-de maior em relação a outras metodolo-gias. Além disso, ele pode ser adotadopara teste em diversos fluidos corporais.O procedimento é simples para o usuá-rio: o teste consiste numa cartela onde édepositada pequena quantidade do ma-terial a ser analisado e o próprio dispositi-vo indica o resultado, num sistema seme-lhante ao adotado em testes de gravidez.O processo de transferência de tecnolo-gia iniciado em 2007 ainda está em cur-so e a previsão é que a Fiocruz produziráentre 70 e 100 mil testes por ano.

Ao mesmo tempo, a Fiocruz traba-lha para colocar à disposição do Ministé-rio da Saúde um produto estratégico paradiagnóstico rápido da leptospirose usan-do tecnologia própria. Pesquisadores daFiocruz Bahia, em parceria com Bioman-guinhos e a Universidade de Cornell, nosEstados Unidos, desenvolveram a meto-dologia inovadora.

“Este é um teste que vai ajudar asalvar vidas, representando uma ferra-menta importantíssima para o médicoidentificar a doença ainda no seu iní-cio, antes da progressão para formasseveras”, destaca um dos coordenado-res do projeto, o pesquisador Miter-mayer Galvão dos Reis, diretor da Fio-cruz Bahia. O desenvolvimento do testefoi possível porque a equipe de pesqui-sadores identificou o componente dabactéria Leptospira que estimula a pro-dução de anticorpos pelo paciente.

Na etapa atual, a Fiocruz Bahia eBiomanguinhos trabalham conjuntamen-te para o desenvolvimento e obtençãodas proteínas recombinantes que sãoobjeto de duas patentes da Fundação eque servirão como base para o teste. “Embreve, avançaremos para uma fase deavaliação e validação do kit, que será

realizada de forma compartilhada envol-vendo a Fiocruz Bahia, Biomanguinhose outras instituições de excelência dopaís, com apoio do Ministério da Saú-de”, observa Antonio Ferreira, gerentedo Programa de Reativos para Diagnós-tico de Biomanguinhos.

O pesquisador da Fiocruz BahiaAlbert Ko, coordenador científico doprojeto, conta que em seguida será re-alizada a avaliação clínica do desempe-nho do kit, que antecede a obtençãode registro pela Agência Nacional deVigilância Sanitária (Anvisa). “O testeterá formato similar ao de um cartão decrédito e o resultado sairá em até 15minutos”, antecipa.

GastroenteritesA infecção por rotavírus é uma

das mais importantes causas de diarreiagrave em crianças menores de 5 anos,particularmente nos países em desen-volvimento. Além da diarreia, a doençaé caracterizada por uma forma abruptade vômito e febre alta. Segundo o Mi-nistério da Saúde, na população até 4anos a quase totalidade dos indivíduosjá teve algum episódio de diarreia porrotavírus. Entre adultos, as reinfecçõesocorrem com relativa frequência, sobre-tudo entre viajantes de países desenvol-vidos em visita às regiões tropicais, paisde crianças com diarreia por rotavírus,indivíduos que trabalham em unidadespediátricas e creches, idosos e comuni-dades isoladas. Estima-se que cerca deum terço dos adultos se infectem emcasos de transmissão intrafamiliar.

Nas fezes de crianças infectadas,durante a fase aguda do quadro diar-réico, cerca de um trilhão de partículas

de rotavírus são eliminadas por mililitrode espécime fecal. A transmissão ocor-re por via fecal-oral, por contato pes-soa a pessoa, através de água ou ali-mentos contaminados. A disseminaçãopor meio de mãos contaminadas é, pro-vavelmente, a forma mais importante detransmissão. Por isso, para prevenir adoença, bons hábitos de higiene sãofundamentais, como lavar sempre asmãos antes e depois de utilizar o ba-nheiro, trocar fraldas, manipular ou pre-parar alimentos.

O Brasil foi o primeiro país do mun-do a oferecer a vacina contra rotavírusna rede pública de saúde. Em 2006 aimunização foi acrescentada ao calendá-rio básico de vacinação para crianças emtodo o país, sendo administrada em duasdoses, aos 2 e aos 4 meses de vida. Em2005, o Brasil registrou mais de 95 milinternações atribuídas ao rotavírus nafaixa etária abaixo de 5 anos. Em 2007,após a introdução da vacina, estimou-seuma redução de quase 30% dessas hos-pitalizações em menores de 1 ano.

Atenta à importância dessa imuni-zação, a Fiocruz firmou, em 2008, umcontrato com a multinacional britânicaGlaxoSmithKline (GSK), que transferirápara Biomanguinhos a tecnologia paraprodução da vacina contra rotavírus. Oacordo permitirá ao Brasil produzir cercade 50 milhões de doses nos próximoscinco anos, atendendo integralmente àdemanda do Programa Nacional de Imu-nizações (PNI). A transferência de tec-nologia será feita em quatro etapas e anacionalização da vacina deve aconte-cer em 2013. Após a incorporação de-finitiva da tecnologia, calcula-se umaeconomia de, pelo menos, US$ 100 mi-lhões aos cofres públicos em um prazode cinco anos.

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Além disso, a Fiocruz conta com umServiço de Referência Regional paraRotaviroses. O Laboratório de VirologiaComparada e Ambiental do IOC é res-ponsável pelo desenvolvimento e pelaaplicação de metodologias para detecçãoe caracterização molecular dos principaisvírus causadores das gastrenterites agu-das, o que inclui rotavírus, astrovírus, no-rovírus e adenovírus entéricos.

Atenção adiarreias bacterianas

Para o caso de gastroenterites pro-vocadas pelas bactérias Escherichia coli(E. coli), a Fiocruz Amazônia apresen-tou a proposta de produção de um kitpara a identificação rápida do micro-or-ganismo, com custo mais baixo. A hi-pótese lançada no estudo é que algu-mas E. coli não precisam ser tratadascom antibióticos quando devidamentediagnosticadas, mas a vagarosidade narealização dos testes de identificaçãoacaba levando os médicos a prescreve-rem medicamentos antes do diagnósti-co elucidado.

“Tornamo-nos grandes criadoresde bactérias multirresistentes. Além domais, acaba saindo muito caro para oEstado, que mantém hospitais e labo-ratórios infantis à base de medicamen-tos específicos e sofisticados, quando,muitas vezes, em casos de diarreias, nãohá necessidade deste tratamento. Seidentificado o subgrupo de E.coli diar-reiogênica, a criança passa somentepelo ambulatório e, com orientação mé-dica, a própria mãe pode cuidar da cri-ança em casa, não precisando ir paraemergência e diminuindo, assim, o flu-xo de crianças nos hospitais”, salientaa pesquisadora Andrea Grava.

Com o kit que está em fase dedesenvolvimento na Fiocruz Amazônia,a partir de ferramentas de biologia mo-lecular, o resultado do teste sai em dezminutos, enquanto algumas versõesimportadas podem levar dias para aconfirmação do diagnóstico. Além dis-so, o produto nacional exige menosinfraestrutura e mão-de-obra.

Hepatite AO vírus da hepatite A causa uma

doença infecciosa que ocorre, principal-mente, em locais com precárias condi-ções sanitárias e socioeconômicas. NoBrasil, são registrados, em média, 16 milcasos por ano. Na maioria das vezes, ahepatite A produz sinais e sintomas pou-co específicos, podendo passar desper-cebida. A principal via de contágio é afecal-oral, por contato inter-humano oupor água e alimentos contaminados.Não existe tratamento para a formaaguda da doença, exceto o repouso,que acaba sendo imposto pela própriacondição do paciente. Melhoria das con-dições de vida, adequação do sanea-mento básico e medidas educacionaisde higiene constituem as melhores es-tratégias de prevenção.

Em relação à hepatite A, a Fiocruztambém tem novidades na área de diag-nóstico. Uma nova metodologia para de-tecção do vírus da hepatite A com baseem amostras de saliva pode contribuirpara o controle epidemiológico da do-ença durante surtos. Diferentemente dodiagnóstico com base em amostras desangue, utilizado hoje, o método inédi-to validado pelo Laboratório de Desen-volvimento Tecnológico em Virologia doIOC permite identificar os casos da do-

ença mesmo em pessoas infectadas queestão no chamado período de janelaimunológica (antes de produzirem anti-corpos para combater o vírus).

“O diagnóstico laboratorial e a in-vestigação de surtos de hepatite A ge-ralmente dependem de estudos soroló-gicos e epidemiológicos, mas algunsfatores, como a dificuldade de coleta desangue em crianças, têm acelerado aprocura de fluidos alternativos para odiagnóstico da doença”, avalia a bio-médica Luciane Amado. Além disso, aevolução assintomática da hepatite Acontribui para a disseminação da doen-ça e, por isso, detectar o vírus rapida-mente é fundamental para o controlede surtos – daí a importância de um tes-te que permita a detecção do vírus mes-mo durante a janela imunológica.

A pesquisa de Luciane demons-trou, inclusive, que o fluido oral apre-senta maior virulência que amostras desangue. A nova metodologia, que usaa técnica de PCR em tempo real para aanálise da saliva, já foi testada satisfa-toriamente no estudo de dois surtos –em 2005, na comunidade do Jacarezi-nho, no município do Rio de Janeiro, eem 2008, em Nova Iguaçu, na BaixadaFluminense –, além de um inquérito nacomunidade ribeirinha de Rio Pardo, emManaus. “A coleta de saliva para de-tecção do vírus mostrou-se bastante efi-ciente tanto para o diagnóstico mole-cular do vírus quanto para o estudoepidemiológico de surtos e pode seruma importante ferramenta para o con-trole da hepatite A, sobretudo entre cri-anças. Além de permitir o diagnósticoprecoce da doença, ao contrário dacoleta de sangue, o método é feito demaneira não invasiva, o que facilita todoo processo”, conclui Luciane.

Fotos: Virgínia Damas/Ensp/Fiocruz

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R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 926

omo saber se um ecossis-tema marinho está saudá-vel ou contaminado pormercúrio? A resposta podeestar no boto-cinza (Sotalia

guianensis), um pequeno cetáceo en-contrado desde Santa Catarina até aAmérica Central. Em sua dissertaçãode mestrado, defendida em fevereirona Escola Nacional de Saúde Pública(Ensp/Fiocruz), o biólogo JailsonFulgencio de Moura concluiu que oanimal pode funcionar como um indi-cador da saúde dos ambientes costei-ros a partir da análise do teor de mer-cúrio em seu tecido muscular.

O mercúrio é um metal tóxicoque representa risco, principalmente,para mulheres grávidas, já que eleatravessa a placenta e pode causardanos neurológicos e hepáticos aofeto. Se um boto-cinza apresentaacúmulo de mercúrio no tecido mus-cular, é sinal de que esse elemento estápresente no meio ambiente e pode tercontaminado também peixes usadospara consumo humano que habitamo mesmo ecossistema.

Vários fatores foram levados emconta na hora de eleger o boto-cinzacomo alvo do estudo. “Ele é um ma-mífero marinho que está no topo dacadeia alimentar e, por isso, tende aacumular em seu organismo contami-nantes encontrados no ambiente e nosdemais seres vivos do ecossistema quehabita. Dessa forma, os agravos se tor-nam mais visíveis no boto-cinza”, ex-plica Jailson, que realizou o estudo sob

Boto sentinelaBoto sentinelaPesquisa utilizao boto-cinza paraavaliar a saúde deecossistemas marinhos

orientação do pesquisador SalvatoreSiciliano. Além disso, por viver em re-giões costeiras, este cetáceo está pró-ximo do homem e mais diretamenteexposto aos efeitos das atividades hu-manas. Ao mesmo tempo, trata-se deum animal que não costuma realizargrandes migrações, de modo que osagravos a sua saúde estão associadosàs condições do ambiente onde vive.

O estudo analisoubotos do RJ e AP

O projeto analisou 47 botos-cin-zas, sendo 20 da costa norte do Esta-do do Rio de Janeiro e 27 no estuárioamazônico. No Rio, foram usadas car-caças que o Grupo de Estudos de Ma-míferos Marinhos da Região dos La-gos (Gemm-Lagos) coletou na praiaenquanto monitorava o litoral desdeSaquarema até Barra do Itabapoana.Na Amazônia, com a supervisão de umtécnico da Universidade Federal Ruralda Amazônia (UFRA), foram utilizadosanimais acidentalmente capturadospor embarcações de pesca queatuavam em vários pontos da costado Amapá, em áreas de grande influ-ência do Rio Amazonas.

As amostras de tecido muscularforam analisadas nos laboratórios daPontifícia Universidade Católica do Riode Janeiro (PUC-Rio). Nos botos-cinzascoletados no Amapá, o teor de mercú-rio variou de 0,07 a 0,79 microgramapor grama (µg/g) de músculo, em pesoúmido, com média de 0,38 µg/g. János animais do Rio de Janeiro, a varia-

ção foi de 0,2 a 1,66 µg/g, com mé-dia de 1,07 µg/g. “Os valores relati-vos ao Amapá foram bem menores, oque sugere que, naquele estado, omercúrio estaria naturalmente presen-te nos sedimentos marinhos e nãoestaria associado à atividade de ga-rimpo, ao contrário do que se imagi-na”, considera Jailson.

O biólogo explica que a costanorte fluminense sofre bastante influ-ência do rio Paraíba do Sul, onde élançado grande volume de dejetos deatividades industrial e agrícola, o queexplicaria o maior teor de mercúrio nosbotos-cinzas. Jaílson, que é moradorde Cabo Frio, uma cidade de veraneiona costa do Rio de Janeiro, alerta tam-bém para o problema da poluição de-corrente do turismo. “Em algumas ci-dades, a população chega a ficarquatro vezes maior durante o verão,o que representa um grande desafioem relação ao gerenciamento do es-goto”, sinaliza.

Embora os níveis de contamina-ção verificados no Rio de Janeiro te-nham sido bem maiores que os doAmapá, os valores detectados na cos-ta norte fluminense permanecem dis-tantes daqueles observados em algunspaíses da Europa e da Ásia. “Na re-gião do Mediterrâneo, já foram en-contrados índices alarmantes, superi-ores a 60 µg/g”, comenta Jailson, queintegra o Gemm-Lagos e hoje cursa odoutorado no Programa de Pós-Gra-duação em Saúde Pública e Meio Am-biente na Ensp. (F. M.)

AMBIENTE

C

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27R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 9

OElis Galvão

teste que atualmente levaquatro dias para ficar pron-to passará a ter resultado nahora com o novo kit rápidopara diagnóstico da leish-

maniose em cães. O produto desenvol-vido por Biomanguinhos, unidade da Fi-ocruz responsável pela produção devacinas e kits para diagnóstico, está sen-do aplicado em escala piloto desde se-tembro de 2008 em Campo Grande,para ensaios de operacionalidade emcampo e na rotina laboratorial. A previ-são é que os testes em campo com oteste rápido – chamado DPP leishmanio-se visceral canina – sejam concluídos ain-da no primeiro semestre de 2009.

O diagnóstico da leishmaniose ca-nina é fundamental para o controle dadoença, já que o ciclo de vida do parasi-ta causador da leishmaniose humanaenvolve necessariamente o cão como seureservatório. Segundo dados do Minis-tério da Saúde, a doença acumulou, nosúltimos dez anos, cerca de 400 mil ca-sos no país. São cerca de 500 mil novoscasos por ano em todo o mundo.

São muitas vantagens em relaçãoaos métodos de diagnóstico usadosatualmente: o teste rápido é mais pre-ciso, a interpretação dos dados é maissimples e a sensibilidade é maior emrelação aos testes convencionais (deza 50 vezes maior que o ensaio de cro-matografia de fluxo lateral, por exem-plo). Além disso, o teste é específicopara leishmaniose e é compatível comdiferentes tipos de fluidos biológicos:sangue, soro ou plasma. E basta ape-nas uma gota de sangue do animalpara um diagnóstico eficaz no própriolocal da coleta.

O sistema é baseado nos testesrápidos de HIV, também desenvolvidospela Fiocruz. Neste caso, o teste foi de-senvolvido pela empresa Chembio e,após a assinatura do contrato de trans-ferência de tecnologia no ano passado,Biomanguinhos iniciou a avaliação in-

Resultado na horaKit rápido para diagnóstico de leishmaniose em cães étestado em escala piloto no Mato Grosso do Sul

terna e externa do produto,solicitando ajustes para me-lhor adequação à realidadebrasileira.

Testes juntoaos profissionaisque usarão o kit

no dia-a-dia

Três técnicos de Bio-manguinhos acompanhamde perto a aplicação em es-cala piloto do novo teste. Acidade de Campo Grande foiescolhida para ser o ponto departida do projeto devido àexcelência do seu Centro deControle de Zoonoses (CCZ),que é modelo em todo o Bra-sil e tem ampla experiênciano combate a leishmanioses.

“Nós apresentamos okit aos usuários e treinamosos operadores que irão ma-nusear o teste. Nosso objetivo é avaliarsua operacionalidade em campo e narotina laboratorial. Este trabalho nos per-mitiu realizar pequenos ajustes eadequá-lo melhor às necessidades darede brasileira”, informa Pedro Paulo Ri-beiro, gerente dos Projetos de Transfe-rência de Tecnologia de Testes Rápidosde Biomanguinhos, que acompanha oprojeto com André Totino, farmacêuti-co do Departamento de Relações como Mercado, e Edmilson da Silva, do La-boratório de Desenvolvimento deReativos para Diagnóstico.

Na etapa atual, o diagnóstico éobtido em cinco minutos. Nos casospositivos, é feita coleta de sangue logoapós a testagem pelo kit rápido, parateste de contraprova em laboratório. Oestudo se estenderá por mais localida-des, em diversas regiões do país.

Aplicação fácil

O funcionamento do teste é sim-ples: colhe-se uma gota de sangue doanimal e o material é colocado em umpequeno dispositivo (com cerca de

10x10 cm). Um reagente é colocado emum recipiente do mesmo kit e, então,uma reação química aponta se o ani-mal está ou não infectado.

O teste pode ser realizado em re-giões remotas, onde não há condiçõesde implantação de um laboratório, be-neficiando populações que não poderi-am contar com outros métodos de diag-nóstico. “A possibilidade de dispormosde conjuntos de diagnóstico como o DPPleishmaniose visceral canina - que per-mitem conjugar características como aredução de custo, o tempo de reação econtribuir para melhoria de açõesoperacionais de campo - constitui impor-tante instrumento para o aprimoramentodo diagnóstico laboratorial da leishmani-ose visceral no Brasil”, completa Ribeiro.Ele ainda enfatiza que a disponibilidadede um núcleo de profissionais de exce-lência em desenvolvimento de produtospermitirá aliar nacionalização e tecnolo-gia, o que possibilita uma redução de cus-tos diretos e indiretos com economia dedivisas em consonância com a estratégiade biotecnologia do governo federal.

IMUNOBIOLÓGICOS

Foto: Denilson Secreta

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R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 928

INFORMAÇÃO

URenata Moehlecke

m dos requisitos básicospara o desenvolvimentode pesquisas em saúde éestar atualizado sobre oque acontece no universo

acadêmico. Para isso, é fundamental aconsulta a livros, artigos, teses, periódi-cos e folhetos, entre outras referênciasbibliográficas. Na Fiocruz, pesquisado-res e estudantes contam com uma dasmaiores redes de bibliotecas da Améri-ca Latina. A oportunidade de estar emdia com as novidades da área de ciênci-as e saúde também está aberta ao pú-blico, num compromisso de universali-zação do acesso ao acervo da Fundação,que vai de obras raras do século 17 àsmais atualizadas coleções de revistas ci-entíficas nacionais e estrangeiras.

As dez unidades da Rede de Biblio-tecas da Fiocruz são especializadas em áre-as temáticas – incluindo ciências biomédi-cas, saúde da mulher e da criança, saúdepública e controle da qualidade em saúde–, atendendo a milhares de usuários pormês. O acervo é extenso: somente a bibli-oteca de ciências biomédicas inclui mais

Acesso livre

Entre as maiores da AméricaLatina, Rede de Bibliotecasda Fiocruz tem mais de1 milhão de publicações

de um milhão de peças. Além do emprés-timo pessoal de livros e do acesso a catá-logos e bases de dados nacionais e inter-nacionais, as visitas à coleção de obras rarassão muito procuradas. “O serviço de le-vantamento bibliográfico e o acesso àinternet estão entre os serviços mais solici-tados”, comenta a chefe da Biblioteca deCiências Biomédicas, Mônica Garcia. Paradocentes, estudantes e profissionais da Fi-ocruz, o acesso às bibliotecas é automáti-co. Para o público, basta o preenchimentode cadastro para se associar à Rede.

Preocupação secular

Desde o surgimento da Fiocruz, ocuidado com a informação é uma ques-tão central. A primeira biblioteca da Fun-dação surgiu em 1902, apenas doisanos após sua criação. Idealizada porOswaldo Cruz, ela recebia toda sema-na os principais periódicos de informa-ção científica. “Oswaldo Cruz se reuniacom seus discípulos na biblioteca naschamadas mesas das quartas-feiras.Aquele foi o primeiro grupo de gestãode conhecimento da Fiocruz”, comen-ta a coordenadora da Rede de Bibliote-cas e diretora do Instituto de Comunica-

ção e Informação Científica e Tecnológicaem Saúde (Icict) da Fiocruz, Ilma HorsthNoronha. “Cada participante lia um ar-tigo e depois reuniam-se para um de-bate. A atividade se perpetuou até aépoca da ditadura.”

Conforme a instituição foi crescen-do e agregando novas unidades, maisbibliotecas eram criadas. A primeira ten-tativa de reunião das bibliotecas da Fio-cruz aconteceu em 1975, integrando asbibliotecas de Manguinhos, da EscolaNacional de Saúde Pública (Ensp) e doInstituto Fernandes Figueira (IFF). Em1986, a Fundação investiu na criaçãode uma unidade voltada justamentepara a gestão da informação científicaem saúde, o Icict. As bibliotecas deixa-ram de pertencer às unidades de ori-gem e passaram a prestar serviços a elas,sob gerenciamento do Icict.

Acesso em debate

Hoje, uma das principais demandasda Rede de Bibliotecas da Fiocruz é forta-lecer as estratégias de universalização doacesso aos acervos. Ilma esclarece que essapolítica não significa um simples acesso li-vre, visando a popularização da informa-

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29R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 9

ção científica. Ela aponta que, atualmen-te, da forma como a política de incentivo àpesquisa está formulada, o pesquisadornão pode simplesmente publicar dadosem acesso livre. Para conseguir novos fi-nanciamentos e prestígio, é preciso pu-blicar em periódicos internacionais. “Háum nó estrutural em que a instituição depesquisa paga duas vezes pelo acesso aostrabalhos que produz, já que, depois definanciar o trabalho, é a hora de publicare vender, assim, seus direitos autorais. Paraconsultar novamente a publicação produ-zida pela própria instituição, é necessáriopagar pelo acesso”, afirma.

Esse sistema, de acordo com acoordenadora, pode prejudicar o desen-volvimento de pesquisas, especialmen-te em países mais pobres. “O acesso li-vre ajudaria a alavancar pesquisas emtemas que estão sendo deixadas de ladoe auxiliaria o trabalho desenvolvido empaíses mais pobres, que não podempagar pelo acesso aos periódicos.”

Acervos virtuais

Um dos principais instrumentos deluta pela democratização do acesso li-vre à informação científica em saúde sãoas Bibliotecas Virtuais em Saúde (BVS),um projeto liderado pelo Centro Lati-no-americano e do Caribe de Informa-ção em Ciências da Saúde (Bireme/Opas)em conjunto com o Ministério da Saú-de. A Fiocruz é responsável por noveBVS temáticas (sendo as de saúde pú-blica, aleitamento materno e doençasinfecciosas e parasitárias as mais pro-curadas) e duas bibliográficas (AdolphoLutz e Sergio Arouca), que têm aproxi-madamente 35 mil visitas mensais.

Segundo Ilma, elas são reflexo deuma reconfiguração das bibliotecas quecada vez mais as desvincula do espaçofísico e das estantes. “O principal desafioé fornecer, a partir das BVS, acesso remo-to e facilitado a todo o acervo das biblio-tecas da instituição, além de links paraconsulta de artigos e periódicos comple-tos”, diz a coordenadora da Rede de Bi-bliotecas. “Já é possível consultar onlinealgumas obras raras e também mais de1.800 teses e dissertações, material aca-dêmico, qualificado e que conta com con-trole de qualidade com comitê consultivoformado pelas maiores instituições deensino e pesquisa do país.”É a Fiocruzdando sua parcela para promover o am-plo acesso ao conhecimento.

Rede de Bibliotecas da Fiocruz

http://www.fiocruz.br/redebibliotecas

Bibliotecas Virtuais em Saúde

http://bvsfiocruz.fiocruz.br

Obras raras

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

om cerca de 100 milvolumes nas estantese um acervo constitu-ído por livros, perió-dicos, folhetos e te-

ses que datam do século XVII àatualidade, o setor de Obras Rarasda Rede de Bibliotecas da Fiocruzé um passeio pela história das pu-blicações em saúde. A seção con-centra títulos como um manuscri-to jesuíta de 1703, com descriçõesde diversas ervas e receitas paradoenças que acometiam os mora-dores da colônia brasileira. Entre asobras mais antigas, está o primeirotratado sobre história natural doBrasil, de Willem Piso e GeorgMarggraf (1648). O tratado HistoriaNaturalis Brasiliae chama atençãopelas belas imagens, pintadas amão, da flora e fauna brasileiras.Outro item relevante é a revistaAnais de Física, publicada em 1906,que traz o famoso artigo de AlbertEinstein sobre a Lei da Relativida-de. O volume foi autografado pelofísico em 1925, quando ele visitoua Fiocruz.

C

A obra Historia NaturalisBrasiliae (no alto), uma das maisimportantes peças do acervode obras raras; o autógrafo deEinstein e as gravuras de JeanThéodore Descourtilz

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CuidadoredobradoentrejovensAdolescentes são mais vulneráveisà infecção por HPV, associada aocâncer de colo do útero

P

PREVENÇÃO

Roberta Monteiro

esquisa realizada pela Fio-cruz revela que a presen-ça de lesões causadas porpapiloma vírus humano(HPV) é alta entre adoles-

cente logo no início da vida sexual.Estudo conduzido em uma unidadepública de saúde no Rio de Janeiroaponta que até uma em cada quatroadolescentes já apresenta lesões logonos primeiros anos após o início davida sexual. Este número chega a 40%entre as mulheres com cinco anos devida sexual. O levantamento foi feitopela ginecologista Denise Monteiro,doutora em Saúde da Criança e daMulher pelo Instituto Fernandes Fi-gueira (IFF/Fiocruz), e alerta para oscuidados especiais que devem ser de-dicados a esta faixa etária.

O colo do útero é o segundo lo-cal mais comum de instalação do cân-cer entre as mulheres, perdendo paramama. Transmitido sexualmente, oHPV está associado ao desenvolvi-mento do câncer de colo de útero. Acada ano, ocorrem aproximadamen-te 510 mil novos casos da doença,com 288 mil óbitos por ano em todo

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o mundo. O diagnóstico é simples epode ser realizado em exames gine-cológicos de rotina.

Estudo acompanhoujovens nos primeiros anos

da vida sexual

Denise Monteiro investigou osatendimentos realizados no Serviçode Ginecologia para Adolescentes doHospital de Jacarepaguá, instituiçãopública na cidade do Rio de Janeiropertencente ao Ministério da Saúde.Ela coordena o Setor de Ginecolo-gia para Adolescentes desde sua cri-ação, em 1993.

Entre 1993 e 2006, Denise acom-panhou 403 adolescentes por um pe-ríodo de cinco anos após o início daatividade sexual. Entre elas, 147 apre-sentaram alterações citológicas nos exa-mes realizados. Do total de adolescen-tes acompanhadas, 113 apresentaramlesões intraepiteliais de baixo grau. Em12 jovens, foram detectadas lesões dealto grau – aquelas que possuem po-tencial oncogênico relevante. Nas ou-tras 22 jovens, o exame indicou algumgrau de anormalidade, mas não identi-ficou se tratava-se de uma lesão de bai-xa gravidade ou de outro problema.

Denise observou a incidência de24,1% de lesões cervicais no primei-ro ano de atividade sexual no grupoestudado e a redução nos quatro anossubseqüentes, com variação entre 3e 8%. Os dados apontam que a mai-oria das lesões regride com o tempoem grande número de casos, assimcomo é observado em outras faixasetárias. “Nosso trabalho reforça a im-portância da detecção precoce das le-sões nas adolescentes, o que seriaviabilizado pelo acesso das jovens se-xualmente ativas aos programas derastreamento, minimizando o impac-to sobre sua saúde sexual e reprodu-tiva”, destaca a médica.

Vulnerabilidadetípica da idade

A especialista explica que asadolescentes são mais vulneráveis aqualquer doença sexualmente trans-missível, não apenas ao HPV. “Comoo primeiro contágio por HPV ocorre

mais frequentemente no início davida sexual, do mesmo modo que amaioria das doenças sexualmentetransmissíveis, a prevalência do vírusentre os jovens é maior”, explica amédica. “Por isso, é importante rea-lizar periodicamente o exame preven-tivo, já que permite identificar as le-sões pré-cancerosas para que elas nãoevoluam para um câncer de colo deútero”, acrescenta.

A médica diz ainda que grandeparte dos casos de infecção por HPVnão está associada a sintomas. Entre-tanto, nos casos persistentes, a infec-ção pelo HPV pode levar ao desenvol-vimento de lesões que antecedem ocâncer do colo do útero. “Felizmente,confirmamos grande taxa de regressãodessas lesões, chegando a 50% noscasos de lesões de alto grau e até 90%nas de baixo grau. No Brasil, estima-seque 3% das mulheres infectadas porum tipo viral oncogênico de HPV po-derá desenvolver câncer de colo uteri-no se não forem adotadas medidaspreventivas”, destaca Denise. A esti-mativa do Instituto Nacional do Cân-cer (Inca) é que se possa reduzir 80%da mortalidade por câncer cervical como rastreamento adequado da doençapor meio da ampla difusão do teste dePapanicolau e com o tratamento daslesões com alto potencial de evoluírempara malignidade.

Em pesquisa anterior, tambémrealizada com pacientes do Hospitalde Jacarepaguá, Denise apontou aimportância de não associar a doen-ça exclusivamente à promiscuidade,pois a maior parte das pessoas entraem contato com o vírus no início davida sexual e não apenas porque tevemuitos parceiros. Outro engano co-mum é a mulher que faz o exameregularmente achar que, necessaria-mente, adquiriu a doença recente-mente ou que foi infectada pelo últi-mo parceiro. “Os sinais da infecçãopelo HPV podem aparecer em qual-quer momento da vida, semanas ouanos após a infecção. É importanteque a lesão de alto grau seja diag-nosticada e tratada, impedindo queevolua para o câncer de colo uteri-no”, ressalta a ginecologista.

Desafios nocombate à doença

Para Denise, a saúde dos adoles-centes constitui grande desafio para asaúde pública, uma vez que ainda hádificuldade em relação ao acesso a in-formações e serviços adequados parao atendimento de suas necessidadesem saúde sexual e reprodutiva. Outraquestão que preocupa a pesquisadoraé o fato de a pessoa com HPV não apre-sentar sintomas que levem a procurartratamento médico, com exceção doscasos em que surgem verrugas genitais.

Apesar de também serem vítimasdo HPV, os homens sofrem menos coma doença. O risco de câncer de pênisassociado ao vírus é muito inferior aodo colo uterino. Os únicos sinais, quan-do eles aparecem, são verrugas. Porisso, muitos portadores podem nuncasaber que têm o vírus, aumentando aschances de transmissão. Outra dificul-dade são as estratégias de prevençãodisponíveis: o uso da camisinha dimi-nui bastante a possibilidade de trans-missão do HPV na relação sexual e,apesar de não evitar totalmente o con-tágio, é recomendado em qualquer tipode relação sexual, mesmo entre casaisestáveis, já que protege de forma efi-caz contra muitas outras doenças detransmissão sexual, inclusive a Aids.

Vacina não significadescuido na prevenção

Existem mais de 100 tipos depapiloma vírus humano (HPV), dosquais 40 infectam a região genital.Destes, 15 podem estar associados àocorrência de câncer. A maioria dasinfecções é ocasionada por apenasquatro tipos de HPV: os tipos 16 e 18(de alto risco) são responsáveis por70% dos casos de câncer de colo deútero e os tipos 6 e 11 (de baixo risco)causam 90% das verrugas genitais.

A médica explica que existem duasvacinas contra a infecção por HPV.Ambas são profiláticas, ou seja, devemser aplicadas preferencialmente antes deiniciada a atividade sexual. “Embora asvacinas sejam eficientes, a rotina doexame preventivo deve continuar, poisnem todos os tipos de HPV são preveni-dos pela vacinação”, alerta Denise.

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R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | M A R Ç O D E 2 0 0 932

Informaçãode confiançapara cientistas

COOPERAÇÃO

A partir de tecnologia daIBM, Fiocruz cria banco dedados com sequências deproteínas de quase 4 milseres vivos

Art

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Odesenvolvimento de va-cinas, medicamentos ekits de diagnóstico, cadavez mais, depende de in-formações sobre as pro-

teínas tanto dos micro-organismoscausadores de doenças quanto do ho-mem. Para facilitar a tarefa, cientistasde todo o mundo já têm a sua dispo-sição o Proteinworld Database, umnovo banco de dados com mais de 3,5milhões de sequências de proteínas decerca de 3,8 mil organismos.

O banco (acessível em www.proteinworlddb.org) é um dos resul-tados do Projeto de Comparação deGenomas da Fiocruz. A análise, quelevaria 3.748 anos se fosse realizadapor um único computador, foi conclu-ída em menos de 12 meses graças auma tecnologia desenvolvida pelamultinacional IBM, que permite o usosimultâneo de computadores ociosos.

Com a nova tecnologia de gridcomputing, enquanto você não estáusando seu computador, ele contribuipara o avanço do conhecimento cien-tífico. Isso é possível porque a soluçãotecnológica aproveita a capacidade decomputadores comuns. Trata-se doWorld Community Grid (WCG), umacomunidade mundial da qual qualquercidadão pode participar: basta fazero download de um software que co-necta a máquina do usuário a um su-percomputador. Feito isso, a capaci-dade do seu computador comum,sempre que ele estiver inativo, seráutilizada para o processamento de da-dos científicos, como os do Projetode Comparação de Genomas da Fi-

ocruz – o primeiro trabalho brasi-leiro aprovado para participar do

WCG. A inclusão no programada IBM permitiu ao projeto daFiocruz gerar mais de 800gigabytes de resultados emtão pouco tempo.

A comparação de se-quências de proteínas deorganismos, desde as bac-térias mais simples até ohomem, incluindo vírus,está permitindo aos cientis-tas corrigir erros e preen-cher lacunas nos bancos de

Para contribuir com a

realização dos projetos, acesse

www.worldcommunitygrid.org

e torne-se membro do WCG.

No momento do cadastro, você

pode se identificar como partici-

pante brasileiro e escolher fazer

parte do grupo da Fiocruz.

dados internacionais que reúnem in-formações sobre o DNA e as proteí-nas dos organismos. Dados mais apu-rados e completos podem favorecerprojetos de pesquisa em saúde domundo todo.

120 anos em um dia

Com quase 1,2 milhão de com-putadores cadastrados voluntariamen-te, sendo mais de 17 mil no Brasil, oWCG consegue, em um único dia deanálise, realizar o trabalho que, pelatecnologia convencional, levaria cer-ca de 120 anos. A capacidade ociosadessas máquinas não só viabilizou oprojeto da Fiocruz como tem sido uti-lizada em outras iniciativas. Câncer,Aids e mudanças climáticas são te-mas de projetos em andamento. Des-taca-se, ainda, uma iniciativa norte-americana cujo objetivo é obter novasdrogas para o tratamento de doen-ças como a dengue hemorrágica e afebre amarela.

A maioria das sequências protéi-cas avaliadas pelo projeto da Fiocruzfoi predita a partir de análises compu-tacionais dos genomas, que contêm ainformação genética para a síntese dasproteínas que constituem os organis-mos. Toda essa informação sobregenomas e proteínas, gerada por ci-entistas de todo o mundo, é registradae armazenada em um grande bancode dados internacional de sequênciasde referência, o RefSeq, mantido peloNational Center for BiotechnologyInformation dos Estados Unidos.

O RefSeq serviu como fonte dassequências protéicas analisadas. Acomparação de todas elas entre si –tarefa que só foi viável devido à tec-nologia da IBM – gerou uma quanti-dade enorme de resultados. Estes in-cluem o cálculo de um índice queindica o grau de similaridade entrecada par de sequências protéicas. Comisso, será possível fazer uma compa-ração dos genomas e investigar a ori-gem evolutiva dos organismos. “Essetipo de abordagem também permiteverificar se determinada proteína estápresente em vários micro-organismoscausadores de doenças, mas não éencontrada no homem. Essa proteí-

na, portanto, seria um possível alvopara o desenvolvimento de medica-mentos com menos efeitos colate-rais”, explica o químico Wim Degrave,coordenador do projeto da Fiocruz,que já foi concluído no âmbito doWCG e está agora na fase de análisedos resultados, em parceria com aequipe do Laboratório de GenômicaFuncional e Bioinformática do Institu-to Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Sobre o ProteinworldDatabase

Utilizando o Proteinworld Data-base, cientistas podem comparar as se-quências protéicas de diversos organis-mos, buscando seres que apresentamsequências similares. Esse tipo de bus-ca, que consiste em cruzar uma deter-minada sequência contra todas as de-mais existentes no banco, é apenasuma das possíveis formas de utilizar aferramenta. O cientista pode tambémfazer buscas por famílias de proteínas,baixar dados completos de um orga-nismo e verificar todas as similaridadesque ele tem com outros seres vivos.

A ideia é que, nas etapas futu-ras do projeto, os usuários do bancotenham à sua disposição cada vezmais dados, confiabilidade aindamaior da informação e opções parabuscas mais complexas. O Protein-world Database é fruto de uma par-ceria que envolve a Fiocruz, a IBM e oDepartamento de Informática daPontifícia Universidade Católica do Riode Janeiro (PUC-Rio). (F.M.)

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RESENHAS

Inovação no setorde medicamentos

Uma das parti-cularidades da áreada saúde é estarprofundamente as-sociada tanto à es-fera social quan-to à industrial.Essa característi-ca representaoportunidades

interessantes, mastambém grandes desafios. Trata-se de

um campo aberto à reflexão e à ação, àdiscussão acadêmica e à formulação depolíticas públicas. Toda a riqueza des-ses debates foi reunida em um livro re-cém-lançado pela Editora Fiocruz. O tí-tulo – Medicamentos no Brasil: inovaçãoe acesso – já oferece pistas sobre os ob-jetivos da obra: não se trata apenas defomentar o desenvolvimento tecnológi-co e fortalecer a produção nacional,mas também de garantir que essesavanços beneficiem toda a populaçãobrasileira. Em outras palavras: “inova-ção não pode estar desligada da ideiade acesso”, como afirma o próprio mi-nistro da Saúde, José Gomes Tempo-rão, no prefácio da obra.

“A indústria farmacêutica – pro-dução de fármacos e medicamentos –responde por cerca de 60% do déficitcomercial nacional em saúde, sendo osegmento mais crítico do ponto de vistatanto da política de saúde quanto dapolítica de inovação industrial”, revelao terceiro capítulo, assinado pelos eco-nomistas Carlos Gadelha, vice-presiden-te de Produção e Inovação em Saúdeda Fiocruz, e José Maldonado, tambémda Fundação. “Tal situação implica umaelevada vulnerabilidade para o país nopresente e para suas perspectivas futu-ras num contexto dinâmico em que afronteira tecnológica evolui acelerada-mente”. No capítulo, os autores tam-bém destacam o problema dos investi-mentos em pesquisa e desenvolvimento:para a indústria farmacêutica brasileira,esses gastos representam apenas 0,53%do valor das vendas; no âmbito interna-cional, o percentual chega a 18%. Ape-sar dos gargalos, Gadelha e Maldonadoveem possibilidades para o fortalecimen-to das empresas nacionais do setor, cujaparticipação já havia aumentado para40% do mercado em 2006.

Educação profissionalem saúde

Estado, políticassociais e saúde; saú-de e sociedade; de-mocracia, participa-ção e gestão emsaúde; trabalho etrabalho em saú-de; relação tra-balho e educa-ção na saúde:

estes são os cinco eixostemáticos em torno dos quais se desen-volve o livro Estado, sociedade e forma-ção profissional em saúde – Contradi-ções e desafios em 20 anos de SUS.Lançamento da Editora Fiocruz, em con-junto com a Escola Politécnica de Saú-de Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), aobra busca contribuir para a formula-ção de políticas de educação profissio-nal em saúde ou, mais especificamente,“cumprir a função de subsidiar as dis-cussões de uma proposta político-peda-gógica na perspectiva emancipatória dostrabalhores técnicos da saúde”.

Relações do trabalhoQuatro anos de-

pois da primeira edi-ção, que se esgotourapidamente, o livroChristophe Dejours:da psicopatologiaà psicodinâmicado trabalho aca-ba de ser relan-

çado pelas editoras Pa-ralelo 15 e Fiocruz. Na primeira edição,os organizadores – Selma Lancman eLaerte Idal Sznelwar – publicaram váriostextos de Dejours que permaneciam iné-ditos em português. Desta vez, eles acres-centaram à coletânea dois novos artigosdo autor, intitulados Ativismo profissio-nal: masoquismo, compulsividade ou ali-enação? e Alienação e clínica do traba-lho. O objetivo é contribuir para a difusãoe o desenvolvimento da psicodinâmicado trabalho no Brasil.

Sorriso/dentes sadiosNo livro Saúde bucal no

Brasil – muito alémdo céu da boca, oscirurgiões-dentis-tas e sanitaristasPaulo CapelNarvai e PauloFrazão fazemuma análiseda saúde bu-cal do ponto

de vista biológico, sociale psicológico, além da avaliação de suasimplicações políticas no país. A obra fazparte da coleção Temas em Saúde, quebusca trazer para estudantes, profissio-nais e público geral panoramas sobreconceitos e conteúdos fundamentais dasáreas da saúde.

Médicos no interiorUm dos gran-

des desafios para aconsolidação doSistema Único deSaúde (SUS) é adistribuição ge-ográfica dosprofissionais eserviços desaúde, ainda

fortemente concentrados nas re-giões Sul e Sudeste. Compreender essedesafio e fornecer subsídios paraenfrentá-lo são os objetivos do livroRumo ao interior: médicos, saúde dafamília e mercado de trabalho. Os au-tores são dois pesquisadores da Funda-ção: Maria Alice Fernandes Branco eRomulo Maciel Filho, vice-presidente deDesenvolvimento Institucional e Gestãodo Trabalho da Fiocruz. O ministro daSaúde, José Gomes Temporão, assina oprefácio da obra.

São quatro os programas analisa-dos: o Projeto Rondon, o Programa deInteriorização das Ações de Saúde e Sa-neamento (Piass), o Programa deInteriorização do SUS (Pisus) e o Progra-ma de Interiorização do Trabalho emSaúde (Pits). Este último, por constituira iniciativa mais recente do Ministérioda Saúde nesse campo e apresentar ca-racterísticas inéditas, é avaliado em de-talhes no terceiro capítulo do livro.

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Editora Fiocruz

www.fiocruz.br/editora

Tel: (21) 3882-9093

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Apresentar um diagnósticodas condições de trabalho,saúde e qualidade de vidade policiais militares da ci-dade do Rio de Janeiro é a

proposta do livro Missão prevenir e pro-teger, coordenado por Marília CecíliaMinayo, Edinilsa de Souza e PatríciaConstantino. Fruto de um estudo realiza-

Missão prevenir e protegerEditora Fiocruz(21) 3882-9093326 p. R$ 42

do por pesquisadores do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saú-de (Claves) da Escola Nacional de SaúdePública (Ensp/Fiocruz), a obra revela o re-trato de um trabalhador que, apesar dedemonstrar amor à profissão, acumulauma série de insatisfações – envolvendoo salário, as poucas perspectivas de cres-cimento profissional, a falta de reconhe-cimento pela população e pela corpora-ção e o volume de tarefas aliadas apéssimas condições de execução.

A pesquisa, realizada de 2005 a2007, avaliou a opinião de 1.120 polici-ais sobre quatro conceitos centrais: riscoe segurança, trabalho, saúde e qualida-de de vida. Os resultados apontam umelevado nível de pressão física e estresseemocional: mais de 50% desses profis-sionais afirmam dormir mal, 48% se sen-tem nervosos, 35% se queixam de can-saço constante, 14% dizem chorar comfrequência e 5% admitem que já pensa-ram em se matar. Um quarto dos polici-as se consideram incapazes de desem-penhar um papel útil na vida e sesubmetem a atividades extremamentearriscadas por uma remuneração líquidade cerca de R$ 1 mil.

“O estudo derruba o mito do militarsuperior ao tempo e às adversidades queo meio ambiente lhe impõe”, afirma o ca-pitão da reserva da Polícia Militar PauloStorani, que assina o prefácio do livro. Eleexplica que há uma distorção da realidadequando se estabelece a missão desses pro-fissionais como meta a ser atingida a qual-quer preço, ignorando-se o fato de que setrata de pessoas. “São trabalhadores – pais,mães, filhos e filhas – pagos para executarum serviço como qualquer outro.”

Os questionários e grupos focaisutilizados durante a pesquisa mostraramoutros dados interessantes. Apenas 38%dos policiais entrevistados acreditam querecebem comandos claros para realizarsuas atividades, enquanto 72% admitemter que burlar ordens para cumprir as ta-refas e 71,9% afirmam que, após o in-gresso na polícia, em poucas ou nenhu-ma vez foram ministrados cursos paramelhoraria de sua formação. O estudotambém apontou que folgas podem nãosignificar descanso para esses trabalha-dores. “Dos 4.518 policiais militares mor-tos e feridos por todas as causas, de 2000a 2004, 56,1% foram vitimados duranteas folgas”, comentam os especialistas.Além disso, aqueles que trabalham emoutras atividades nas folgas para auxiliaro sustento da família têm cinco vezes maischances de sofrer violências, número quecresce entre aqueles que praticam essasatividades esporadicamente.

Outro resultado destacado foi que ogrupo analisado atribui sua imagem ne-gativa à maneira como a sociedade lidacom sua figura, dando ênfase à corrupçãoe à truculência, o que os faria adotar umaidentidade defensiva e arrogante. “Os po-liciais militares responsabilizam a popula-ção e a mídia pela construção da identida-de negativa que os persegue”, esclarecemos pesquisadores. “Embora possamos con-cluir que em qualquer categoria existemresistências e insatisfações dos trabalhado-res, entendemos que as autoridades de-veriam levar em conta o que ocorre comos policiais militares e civis, uma vez quesua insatisfação com as condições laboraisse reflete em nossa segurança e proteção”,concluem os pesquisadores. (R.M.)

Retratodo policialmilitarcarioca

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FIO DA HISTÓRIA

A arte do boticárioComo a figura do farmacêutico surgiu na Bahia e no Rio de Janeiro durante o século 19

médico não pode impor aodoente a condição de com-prar o remédio em determi-nada farmácia, os receituá-rios devem apresentar com

clareza os nomes e as doses das subs-tâncias que entram na composição domedicamento e o farmacêutico não podepreparar uma receita que não esteja as-sinada pelo médico. Essas preocupações,embora pareçam bastante recentes, já es-tavam presentes no regulamento da Jun-ta Central de Higiene Pública, publicadoem 1851 – uma época em que as farmá-cias ainda se chamavam boticas. A his-tória do exercício farmacêutico no Bra-sil, foco de projetos desenvolvidos naCasa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz),surpreende por sua atualidade.

O século 19 testemunhou, na esfe-ra acadêmica, a diferenciação entre aque-

les que diagnosticavam doenças e pres-creviam remédios – os médicos – e aque-les que fabricavam e comercializavam es-ses remédios – os farmacêuticos, que seprofissionalizavam. O tema foi estudadopelas pesquisadoras Tânia Salgado Pimen-ta, da COC, e Ediná Alves Costa, profes-sora do Instituto de Saúde Coletiva da Uni-versidade Federal da Bahia (UFBA), emartigo publicado no periódico História,Ciências, Saúde – Manguinhos. “Em-bora muitos aprendessem com os farma-cêuticos mais experientes ou em escolasindependentes das faculdades de medi-cina, apenas estas podiam conceder au-torização para o exercício da farmácia”,apontam Tânia e Ediná. No entanto, asespecialistas destacam, nas faculdades ocurso médico, com duração de seis anos,era priorizado em relação ao de farmá-cia, que durava três.

As pesquisadoras também chamama atenção para o fato de que, embora afarmácia buscasse independência em re-lação à medicina na esfera acadêmica,esse processo não significou a exclusãodas terapias populares. “Por um lado, mé-dicos e boticários interessavam-se pelamaneira como as pessoas sem formaçãoacadêmica tratavam as doenças mais co-muns de determinada região, assim comopelas substâncias usadas para esse fim.Ao mesmo tempo, alguns curadores po-pulares faziam uso de conhecimentosmédicos acadêmicos”, ressaltam.

Dificuldade para queas leis fossem seguidas

Décadas antes do regulamento daJunta Central de Higiene Pública, já em1810 a regulamentação e fiscalizaçãodas boticas e dos boticários estavam

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Criada por D. João VIem 1808, a Botica RealMilitar atendia osexércitos da Coroasediados no Brasil

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previstas no regimento da Fisicatura-mor, órgão que fiscalizava as artes decurar. A principal dificuldade era colo-car a lei em prática – problema especi-almente difícil na província da Bahia,distante da capital e assolada por secase misérias ao longo do século 19.

“Diante da necessidade de ajuda,o governo não poderia recusar auxíliooferecido por farmacêuticos, estivessemou não exercendo suas atividades deacordo com a lei”, explicam as especia-listas. “Contudo, mesmo em momentosem que a sociedade baiana não enfren-tava alguma calamidade, a não obser-vância à lei parece ter-se tornado cons-

m ambiente de epidemi-as e transformação socialacompanhou o processode institucionalização dafarmácia no Brasil. O pro-

cesso, que envolve aproximações eafastamentos entre farmacêuticos,médicos e curandeiros, foi tema datese de doutorado Farmácia na CorteImperial (1851-1887): práticas e sabe-res, defendida na Casa de OswaldoCruz (COC/Fiocruz) pela historiadoraVerônica Pimenta Velloso, sob orien-tação da professora Maria RachelFróes da Fonseca. Em entrevista à Re-vista de Manguinhos, Verônica con-ta um pouco sobre este momento dahistória da saúde no Brasil.

Como se deu o processo de ins-titucionalização da farmácia no Bra-sil? Ela era vista mais como magiado que como ciência?

Verônica: Desde 1835, algunsfarmacêuticos já integravam a Seção deFarmácia da Academia Imperial de Me-dicina, no Rio de Janeiro. Para eles, afarmácia deveria alcançar o estatuto deuma ciência. Para eles, a química con-feria o sentido científico à farmácia. Masa química nasceu da alquimia, que ti-nha um sentido transcendental e, entrea clientela para a qual eles manipula-vam os medicamentos, a crença no so-brenatural permanecia.

parte dos conflitos foi sendo contem-porizada e alguns farmacêuticos acaba-ram incorporando a homeopatia. A par-tir da década de 1860, a designação decharlatão se amplia para outros perso-nagens, como livreiros, perfumistas evendedores de remédios secretos.

Como a nomenclatura ‘boticário’deu lugar ao termo “farmacêutico”?

Oficialmente, a designação de far-macêutico surge no Brasil com a criaçãodo curso de farmácia nas faculdades demedicina do Império, no Rio de Janeiro ena Bahia, em 1832. Quem se formavapor esse curso deveria, então, ser deno-minado de farmacêutico, em contrastecom o boticário, que aprendia o ofícionuma botica, trabalhando como apren-diz de um mestre boticário. No cotidia-no essa distinção não acontecia.

Os farmacêuticos passaram acompetir com os boticários?

Os farmacêuticos das associaçõespassaram a usar a distinção em relaçãoaos boticários como forma de denunciaro exercício ilegal ou as práticas informaisrelacionadas à farmácia, mas a Junta Cen-tral de Higiene Pública, órgão do gover-no responsável pela fiscalização das artesde curar, alegava que os dois únicos cur-sos farmacêuticos oficiais existentes eraminsuficientes para atender às necessida-des de todo o país. Eram expedidas, en-tão, licenças que permitiam o exercício dafarmácia por leigos. (F.M.)

Médicos, farmacêuticos e charlatões na Corte ImperialCriação de instituições científicas contribuiu para institucionalizar a prática da farmácia no país

Havia tensões entre farmacêu-ticos e médicos?

Os tratamentos propostos pelosórgãos sanitários deixavam implícitas asdistinções que se pretendia fazer entreum ofício e outro – os médicos deveri-am prestar assistência aos doentes, en-quanto aos farmacêuticos cabia formu-lar os medicamentos de acordo com asreceitas médicas. No dia-a-dia, não erabem assim: muitas vezes, os boticáriosprestavam assistência aos doentes, e osmédicos, por sua vez, também formu-lavam medicamentos.

Por que a disputa entre médi-cos e farmacêuticos se convertia emaliança em situações de epidemia?

Os episódios de epidemias incen-tivavam a reunião de farmacêuticos emédicos em associações, como umaforma de se protegerem do mercadoinformal que crescia nessas épocas. Nãofoi à toa que a primeira associação far-macêutica surgiu após a epidemia defebre amarela do verão de 1849-1850.

E a figura do “charlatão”, comoela era caracterizada?

A figura do charlatão não existiaapenas no Brasil e sofreu modificaçõesno decorrer do tempo. Nas décadas de1840 e 1850, os homeopatas eram con-siderados verdadeiros charlatões pelosfarmacêuticos pertencentes à AcademiaImperial de Medicina. Com o tempo,

tante.” Conforme documentos estuda-dos pelas pesquisadoras, o próprioinspetor de Saúde da Bahia admitiu, em1879, em carta ao presidente da provín-cia, que vários artigos do regulamentoda Junta não eram cumpridos.

Clima de denúncias

Havia, porém, quem se indignas-se com as irregularidades. Os farmacêu-ticos Euclides Caldas, José de Calazans,Ismael da Silva, Francisco Ribeiro eManoel Ribeiro, por exemplo, escreve-ram ao inspetor e ao presidente da pro-víncia delatando que, em Salvador, naRua de São Pedro, uma farmácia deso-

bedecia às determinações da lei. Tam-bém de modo contrário à legislação, emLençóis, na Praça do Mercado, o médi-co Julio Gama exercia a medicina vin-culado à Farmácia Gama, esta dirigidapelo não-diplomado Manoel MagianoPinto. A situação foi denunciada pelofarmacêutico Archimimo da Fonseca.

Em suas últimas petições, Archi-mimo havia concentrado suas denúnci-as em Magiano e não se referiu mais àsatividades do doutor Julio. “Isso sugereque a atuação de um médico era maisdifícil de contestar do que a de um prá-tico, ainda que houvesse violação dalei”, comentam as autoras.

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Saúde nos trilhosFIO DA HISTÓRIA

Construção de ferrovias auxiliou a medicina tropical na Primeira República

ímbolos do idealde progresso e ci-vilização no iníciodo século 20, asferrovias tinham

o papel de integrar o territórionacional, seja como as alavan-cas mais eficazes da expansãodo mercado interno e interna-cional ou como instrumentopara a subordinação das popu-lações interioranas ao Estado eaos centros hegemônicos dasociedade brasileira. No entan-to, a construção do sistema fer-roviário esbarrou em doenças,em especial a malária, que secolocava como um obstáculo aser enfrentado pela moderniza-ção republicana. Pesquisadoresda Casa de Oswaldo Cruz(COC/Fiocruz) investigam a re-lação entre ferrovias, malária ea medicina tropical, entre osanos 1890 e 1920 e apontama contribuição das expediçõescientíficas que percorreram os cantõesdo país na tentativa de debelar surtospara a construção do conhecimento.

“As ferrovias que penetravam o in-terior e interligavam o território nacionalforam objeto de ações sanitárias relati-vamente bem-sucedidas”, comentam osespecialistas Jaime Benchimol e AndréFelipe Cândido da Silva, da COC, em ar-tigo recente publicado na revista Histó-ria, Ciências, Saúde – Manguinhos.“Ao mesmo tempo, induziram investiga-ções importantes que ajudaram a con-formar a medicina tropical, que lida comcomplexos ciclos de vida de parasitas emmúltiplos hospedeiros e com sinergiasmuito dinâmicas entre processos bioló-gicos e ciclos econômicos das socieda-des humanas.”

No período destacado, o interes-se pelos parasitos e mecanismos detransmissão das doenças era crescente,sendo a malária e a febre amarela asenfermidades que apresentavam asmaiores indefinições à comunidade cien-tífica brasileira. Surtos de malária come-çaram a ocorrer nos canteiros de obras

em diversas estradas de ferro, como asde Mauá, perto do Rio de Janeiro, eGuarujá, próxima a Santos. Diante des-se problema, cientistas do Instituto Bac-teriológico de São Paulo, sob comandode Adolpho Lutz, e de Manguinhos, acargo de Oswaldo Cruz e Carlos Cha-gas, começaram a se embrenhar pelossertões do Brasil a fim de estudar e com-bater as doenças.

O exemplo da Estrada de FerroMadeira-Mamoré talvez seja o maisemblemático quanto ao impacto que asdoenças ditas tropicais tiveram nasobras de infra-estrutura associadas àmodernização, nesse período da histó-ria republicana: a assombrosa mortali-dade entre os trabalhadores que cons-truíram a linha, construída entre 1907e 1912 para ligar Porto Velho a Guarajá-Mirim (RO), valeu-lhe o epíteto de Fer-rovia do Diabo.

Pistas sobre oprocesso de infecção

Ao colocar seu conhecimento aserviço de ferrovias e outros empreen-

dimentos, os pesquisadores iriam sedeparar com problemas diferentes da-queles vivenciados nos centros urbanos.Estava aberta a oportunidade de estu-dar patologias pouco ou nada conheci-das e de recolher materiais biológicosque dariam grande amplitude à medici-na tropical brasileira.

De acordo com os pesquisadores,os estudos realizados por aqueles cien-tistas pioneiros geraram inovações,como a “teoria da infecção domiciliá-ria”, que consistia na suposição de quea infecção era muito mais frequentedentro das habitações do que fora de-las, fator que traria a destruição dosmosquitos vetores no interior das casasem primeiro plano. “Por muito tempoconsiderou-se que nossa tradição inte-lectual e científica era essencialmenteimitativa”, destacam os especialistas.“Nesse caso, como em outros estudosnos últimos anos pelos historiadores dasciências, vemos que os cientistas-sani-taristas são co-participantes do desdo-bramento de fronteiras em vários cam-pos do saber.” (F.M.)

Foto: Acervo COC/Fiocruz

A investigação de epidemias durante a abertura de ferrovias foi ocasião para a descoberta de novas doenças

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