revista de manguinhos | dezembro de 2009 · 2015. 5. 25. · revista de manguinhos nº 20 -...

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1 REVISTA DE MANGUINHOS | DEZEMBRO DE 2009

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    ma das principais características que tem marcado e distinguidoa Fiocruz em sua trajetória é o fato de atuarmos de formaintegrada em todas as dimensões do campo da saúde: desdepesquisas básicas sobre dengue, febre amarela, malária,leishmaniose, doença de Chagas, hanseníase, tuberculose e uma

    série de outros agravos que atingem os brasileiros até diferentes estudos naárea de ciências sociais e humanas, passando pela produção de vacinas emedicamentos e pela educação e formação de recursos humanos. Amultiplicidade de ações é, de fato, marca registrada da Fundação. Semprecom uma orientação social e uma forte ligação com os princípios de equidadee universalidade que caracterizam o Sistema Único de Saúde (SUS).

    Este número da Revista de Manguinhos comprova mais uma vez amultiplicidade de ações que a Fiocruz continua a oferecer para promover asaúde pública e a cidadania. Do campo das ciências sociais, temos os estudosdo nosso Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde(Claves) a respeito das agressões entre casais jovens e as pesquisas querevelam as dificuldades que os adolescentes que foram infectados pelo HIVvivem para seguir o tratamento antirretroviral e lidar com a sua sexualidade.

    Na pesquisa básica, apresentamos uma técnica baseada na análise deDNA que é capaz não apenas de diagnosticar a presença da bactéria causadorada hanseníase, mas também de estimar quais as chances do paciente de fatodesenvolver a doença. Importante contribuição ao diagnóstico precoce dadoença, que também irá ajudar a definir melhores esquemas terapêuticos, deacordo com o perfil genético de cada paciente. Ainda contribuições que vêmdos laboratórios: nossos pesquisadores estão empenhados em chegar aum novo medicamento contra a tuberculose a partir de princípios ativosencontrados em plantas da Amazônia e da Mata Atlântica.

    Da mesma forma, recebemos com grande alegria a notícia de que oRio de Janeiro sediará os Jogos Olímpicos de 2016. A Fiocruz teve grandedestaque no documento oficial enviado ao Comitê Olímpico Internacional(COI), especialmente pela participação que terá no legado social do evento.

    Nas páginas a seguir, temos ainda a estréia da ópera dedicada à vidae à trajetória do cientista Carlos Chagas, um evento que fechou emgrande estilo o ano do centenário da descoberta da doença; os 15 anos daEditora Fiocruz; e importantes avanços em saúde infantil, controle dequalidade de alimentos, Aids, HTLV e inovação tecnológica. Trabalhos quesó fazem confirmar a vitalidade da Fundação.

    Boa leitura!

    Paulo Gadelha

    Presidente da Fundação Oswaldo Cruz

    EDITORIAL

    E

    Biblioteca de Manguinhos (Foto: Peter Illicciev/Fiocruz)

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    Projetos sociais16

    Diagnóstico

    Pesquisa12

    6 Notas

    10 Pesquisa

    Estudo compara pacientes quetomam o coquetel anti-Aidsno Brasil e nos Estados Unidos

    14 Mobilização social

    Movimento chama atençãopara as doenças causadaspelo HTLV

    Apostana genéticaTécnica com base molecularpossibilita detecção precoceda hanseníase

    8

    Rumo a 2016Citada no documento oficialdo Rio enviado ao ComitêOlímpico Internacional, Fiocruzterá atuação importante nolegado social dos Jogos

    Eles não sãomais criançasAdolescentes que nasceramportadores do HIV relatamas dificuldades de chegar àidade adulta

    ÍNDICE

    24 Alimentos

    Novos equipamentos vãoimpulsionar o comércioexterior e a saúde pública

    28 Sistema de saúde

    Pesquisa avalia satisfaçãode usuários do SUS e deplanos privados de saúde

    PresidentePaulo Ernani Gadelha Vieira

    Vice-presidente de Ambiente,Atenção e Promoção da SaúdeValcler Rangel Fernandes

    Vice-presidente deGestão e DesenvolvimentoInstitucionalPedro Ribeiro Barbosa

    Vice-presidente de Ensino,Informação e ComunicaçãoMaria do Carmo Leal

    Vice-presidente de Pesquisa eLaboratórios de ReferênciaClaude Pirmez

    Vice-presidente de Produçãoe Inovação em SaúdeCarlos Augusto Grabois Gadelha

    Chefe de GabineteFernando Carvalho

    Coordenadoria de ComunicaçãoSocial/Presidência

    REVISTA DE MANGUINHOSNº 20 - NOVEMBRO/2009

    Coordenação: Wagner de Oliveira

    Edição: Fernanda Marques eWagner de Oliveira

    Redação e reportagem: FernandaMarques, Mariana Sá, Marina Bittencourt,Pamela Lang, Renata Moehlecke, RicardoValverde e Wagner de Oliveira

    Colaboradores: Aedê Cadaxa, EdnaPadrão, Elis Galvão, Irene Kalil, Isis Breves,Marcelo Garcia, Pablo Ferreira, PâmelaPinto, Rita Vasconcelos e Simone Evangelista

    Projeto gráfico e edição de arte:Guto Mesquita, Rita Alcantarae Rodrigo Carvalho

    Fotografia: Peter Ilicciev

    Administração: Diego Oliveira

    Secretaria: Edméia Inês Songo Campos

    Auxiliar administrativo: Daniel Lima

    Autorizada a reprodução de conteúdosdesde que citada a fonte.

    O que você achou desta edição da Revista deManguinhos? Mande seus comentários para:

    Av. Brasil, 4.365 - Manguinhos -Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21045-900

    www.fiocruz.br/ccsemail: [email protected]: 55 (21) 2270-5343

    Impressão: Duo Print

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    Saúde da criança

    Medicamentos

    Um ano dedicadoa Carlos ChagasComemorações do centenário dadescoberta da doença de Chagasculminam com estreia de ópera eexpedição histórico-científica aLassance (MG)

    Fio da história40

    22

    Violênciano namoroPesquisa investiga aprevalência e as formas deagressão entre casais jovens

    Comportamento18

    Novidadescontra atuberculoseFármacos baseados em produtosnaturais podem dar fim a período demais de 40 anos sem novas drogaspara o tratamento da doença

    30 Ciência e sociedade

    Evento de popularização daciência reúne jovens brasileirose franceses em Macapá

    32 Divulgação científica

    Ciência Móvel:três anos de estrada

    O valor daspequenas coisasIntervenções simples e baratasna rotina de uma UTI neonatalpodem salvar vidas

    33 Informação

    Memórias do InstitutoOswaldo Cruz chegaao centenário

    34 Inovação

    Sistema protege patrimôniointelectual para promoverinovação no SUS

    26

    36 Informação

    Editora Fiocruz: 15 anosdisseminando a produçãoacadêmica na área da saúde

    38 Resenhas

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    NOTAS

    A Françaé aqui

    Fábrica em Moçambique mais próxima

    Do Sul ao NordesteO Instituto Carlos Chagas (ICC),

    unidade da Fiocruz no Paraná, foioficialmente inaugurado em agosto.Dengue e hantavírus estão entre os temasde pesquisa do novo instituto. Há estudossobre os mecanismos das doenças,medicamentos antivirais, a filogenia(relações de parentesco) dos vírus e suaepidemiologia molecular, bem comosobre kits de diagnóstico. A unidadetambém desenvolve pesquisa básica comcélulas-tronco adultas, visando elucidaros mecanismos de diferenciação destascélulas em células cardíacas, e estudossobre o protozoário Trypanosoma cruzi,causador da doença de Chagas, com ointuito de investigar a expressão temporalde genes do parasito e do hospedeiro, eidentificar novos alvos potenciais paradrogas contra a enfermidade.

    Outra novidade foi a assinatura, emnovembro, do memorando de entendi-mento entre a Fiocruz e o Governo doCeará para a construção do Polo Indus-trial e Tecnológico de Saúde, no municí-pio de Eusébio, vizinho à Fortaleza. Aunidade da Fiocruz no Ceará funcionarádentro desse polo, onde também serãoinstaladas indústrias de medicamentos eequipamentos de saúde. Além de servircomo âncora para o polo, a unidade daFiocruz no Ceará terá como objetivosprincipais fortalecer a atenção primáriaà saúde e a Estratégia Saúde da Família;atuar em pesquisa, desenvolvimento einovação em fitofármacos; e realizar pes-quisas direcionadas à realidade ambientale epidemiológica regional e local.

    Em outubro, a Fiocruz participouativamente das celebrações do Ano daFrança no Brasil. Nos dias 19 e 20, oConselho de Diretores da Rede Inter-nacional dos Institutos Pasteur se reu-niu pela primeira vez no Brasil. Oencontro foi na Fiocruz, única institui-ção brasileira integrada à rede, com-posta por 32 Institutos Pasteur eentidades associadas, em todos os con-tinentes. O objetivo da rede é fomen-tar colaborações para pesquisas,treinamentos e promoção de serviçosem saúde. Durante a reunião, foi re-novado um convênio bilateral entre aFiocruz e o Instituto Pasteur de Paris,que têm longa história de cooperações.

    Também no dia 20, a exposiçãofrancesa Epidemik fez estreia nacio-nal no Rio de Janeiro, no Centro Cultu-ral da Ação da Cidadania, no bairro daSaúde, onde esteve aberta ao públicoaté 24 de novembro. Um videogamecoletivo, com tabuleiro eletrônico de270 metros quadrados, no qual cercade 40 jogadores, simultaneamente,

    enfrentavam situações de crise epidê-mica, era uma das principais atraçõesda Epidemik, fruto de uma parceriaentre a Fiocruz e o laboratório farma-cêutico sanofi-aventis. O videogamesimulava cinco diferentes cenários, co-nhecidos ou fictícios: gripe aviária emSingapura, ataque biológico terroris-ta em Nova York, malária e Aids naÁfrica e Ásia e, especialmente desen-volvido para o Brasil, dengue no Riode Janeiro. Originalmente criada peloMuseu La Cité des Sciences et del’Industrie de la Villette, em Paris, aexposição utilizava vários recursos au-diovisuais para contar a históriamilenar dos homens e das epidemias.

    Já nos dias 21 e 22, foi realiza-do na Fiocruz o colóquio Os desafi-os da ciência biomédica no iníciodo século XXI, no qual cientistasfranceses e brasileiros discutiramnovas tecnologias, como terapiagênica e nanotecnologia, pesquisassobre a gripe H1N1 e desenvolvi-mento de medicamentos e vacinas.

    O projeto de transferir a tecnologiade produção de antirretrovirais do Institu-to de Tecnologia em Fármacos (Farman-guinhos/Fiocruz) para Moçambique estámais próximo. Em novembro, a Comis-são de Relações Exteriores e Defesa Na-cional aprovou a autorização de umadoação de R$ 13,6 milhões do governobrasileiro para a primeira fase da instala-ção da fábrica de medicamentos contra aAids no país africano. A expectativa é deque a fábrica esteja montada no início dosegundo semestre de 2010 e comece a

    funcionar plenamente no ano seguinte.“Na primeira fase do projeto, vamos le-var produtos de Farmanguinhos com aembalagem primária e fazer lá a embala-gem secundária. Na etapa seguinte, o pro-cesso de embalamento será todo feito emMoçambique. Na fase final, a produçãoserá totalmente local e de responsabilida-de do governo moçambicano”, explicouRoberto Camilo Catrignani, coordenadorde Projetos Industriais e Internacionais deFarmanguinhos e futuro diretor da fábri-ca de Moçambique.

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    Prestígio internacionalA Fiocruz foi destaque na edição

    de 29 de outubro da revista Nature,em artigo sobre os desafios e as opor-tunidades da ciência brasileira. O tex-to menciona não só as contribuiçõeshistóricas da instituição, mas tambémenfatiza sua importância atual na for-mação e no emprego de pesquisa-dores e no desenvolvimento detecnologias em saúde.

    Ciência em famíliaAlém do centenário da desco-

    berta da doença de Chagas, o anode 2009 marcou também os 90 anosdo Hospital de Manguinhos, hojeInstituto de Pesquisa Clínica EvandroChagas (Ipec/Fiocruz). Filho deCarlos Chagas, Evandro começou atrabalhar no hospital em 1926 e sededicou ao estudo das grandesendemias nacionais, tendo descritoos primeiros casos humanos de leish-maniose visceral americana.

    Experimentação animalFoi publicada em outubro por-

    taria do Ministério da Ciência e Tec-nologia que designa os membros doConselho Nacional de Controle deExperimentação Animal (Concea).Entre eles, há dois pesquisadores daFiocruz: Renato Cordeiro, como re-

    presentante titular da AcademiaBrasileira de Ciências, e Marcia Cha-me, como representante titular dassociedades protetoras de animais le-galmente estabelecidas no país.

    Gestão com qualidadeA Fiocruz está entre as dez me-

    lhores organizações públicas brasilei-ras vencedoras do Prêmio Nacionalda Gestão Pública (PQGF) no perío-do 2008/2009. A Fundação foi con-templada na categoria bronze. Oobjetivo da premiação, concedidapelo Ministério do Planejamento, Or-çamento e Gestão, é incentivar o apri-moramento das práticas de gestãopública e promover a modernizaçãodo Estado brasileiro.

    Quanto mais, melhorO governo peruano aderiu ao

    Programa Ibero-Americano de Ban-cos de Leite Humano, do qual jáparticipavam Brasil, Argentina, Bo-lívia, Paraguai, Uruguai, Venezuela,Espanha e Colômbia. Inspirado nomodelo da Rede Brasileira de Ban-cos de Leite Humano, coordenadapela Fiocruz, o programa ibero-americano, também sob a secreta-ria executiva da Fundação, tem oobjetivo de reduzir a mortalidadeinfantil e melhorar a qualidade daatenção neonatal.

    Trabalho da Fiocruz recebeu men-ção honrosa no 1º Encontro Ibero-Ame-ricano de Toxicologia e Saúde Ambiental.Em estudo com ratos, a biomédicaKaren Friedrich, do Instituto Nacional deControle de Qualidade em Saúde(INCQS/Fiocruz), observou a transmissãodo elemento químico antimônio dasmães para as proles durante a amamen-tação. “O antimônio é o elemento prin-cipal do medicamento de escolha para otratamento das leishmanioses no Brasil”,explica a pesquisadora. A conclusão do

    Drogas edemocracia

    O presidente da Fiocruz, Paulo Ga-delha, foi aclamado presidente da Co-missão Brasileira sobre Drogas eDemocracia, uma iniciativa do Viva Rioque reúne 27 membros, entre perso-nalidades da sociedade civil, juristas,médicos, cientistas políticos, econo-mistas e esportistas. A primeira reu-nião do grupo ocorreu em agosto naFiocruz e contou com a participaçãodo ex-presidente da República Fer-nando Henrique Cardoso. Um dosconsensos entre os participantes doprimeiro encontro foi o impacto parti-cularmente agudo, no caso brasileiro,das reflexões entre o mercado ilegalde drogas e a violência urbana.

    Diante disso, ficou definido que ostemas para discussão no segundo en-contro seriam crime organizado, segu-rança pública e drogas e violênciaurbana. Para tanto, a segunda reunião,realizada em outubro, teve como con-vidado o ex-ministro da Defesa da Co-lômbia e candidato à Presidência de seupaís Rafael Pardo, coordenador do pla-no de segurança nacional colombianoque culminou com a queda do Cartelde Medellín. Os outros convidados es-trangeiros foram Jack Cole, ex-chefede polícia de Nova Jersey, membro fun-dador e diretor-executivo da LawEnforcement Against Prohibition, e TomLloyd, ex-chefe de polícia do ReinoUnido e coordenador do projeto LawEnforcement do Internacional DrugPolicy Consortium (IDPC).

    Antimônio versus leite materno

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    estudo seria suficiente para não se reco-mendar o uso de remédios com antimô-nio em lactantes humanas, mas acientista foi além e lançou uma reflexãosocial. “A maioria dos infectados pelasleishmanioses são pessoas em condiçõessociais precárias, muitas vezes com difi-culdade de acesso a substituintes ade-quados para o leite materno. Dessamaneira, a restrição da amamentaçãodurante o tratamento com antimoniaisé uma questão complexa que extrapolao ambiente acadêmico”, observa.

    C U R T A S○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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    DIAGNÓSTICO

    Genética contra a

    Técnica com base molecular traz novaalternativa de diagnóstico precoce para adoença, pode auxiliar no tratamento depacientes e reduzir a transmissão da bactéria

    hanseníase

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    APâmela Pinto

    pesar de ser uma doen-ça milenar, uma das prin-cipais dificuldades nocombate à hanseníasecontinua sendo o diag-

    nóstico precoce, fundamental para di-minuir o risco de sequelas. O InstitutoOswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) buscouna genética novas alternativas paracombater este antigo problema. Ospesquisadores desenvolveram umatécnica molecular, baseada na análi-se de DNA, que é capaz não apenasde diagnosticar a presença da Myco-bacterium leprae, bactéria causado-ra da hanseníase, mas também deestimar quais as chances do pacien-te, de fato, desenvolver a doença.

    O procedimento poderá ser impor-tante no diagnóstico precoce da doen-ça, além de ajudar a definir melhoresesquemas terapêuticos, de acordo como perfil genético de cada paciente. Aomesmo tempo, a novidade permite adetecção da infecção pelo micro-orga-nismo em pacientes que ainda não de-senvolveram sintomas. Isso permitirádiminuir a possibilidade de transmissãodurante o período de incubação da do-ença, que pode chegar a cinco anos.

    Alternativa paraprotocolos atuais

    A hanseníase é uma inflamaçãocrônica pelo bacilo M. leprae que afetao sistema neural e a pele, atingindo 40mil brasileiros por ano. É caracterizadapor formas clínicas que podem ser agru-padas como multibacilar ou paucibacilar,

    conforme o número maior ou menorde lesões apresentadas pelo paciente.

    Os métodos de diagnóstico dispo-níveis atualmente incluem exame his-topatológico (exame histológico deamostras da pele do paciente) combi-nado com avaliação clínica. Em pacien-tes caracterizados como paucibacilaresou com a forma neural pura da doen-ça (sem a manifestação de lesões napele), o diagnóstico é mais difícil. Nes-tes casos, quando a detecção histoló-gica não é precisa diante da variaçãodo aspecto clínico dos casos, a novatécnica molecular desenvolvida no IOCpoderia funcionar como um auxiliadorconfirmatório da doença.

    O novo diagnóstico é feito com basena técnica de PCR em Tempo Real (siglaem inglês para Reação em Cadeia dePolimerase). Os pesquisadores analisamamostras de tecido da pele do pacientee verificam a carga bacteriana, por meioda identificação do DNA e de RNA dabactéria. Assim, é possível detectar adoença precocemente e mesmo noscasos assintomáticos.

    “O PCR em Tempo Real é uma téc-nica muito sensível e possibilita umaquantificação das cópias de bacilos pre-sentes nas amostras de cada indivíduo,o que lhe confere uma vantagem em re-lação a outras metodologias”, explica abióloga Alejandra Martinez, que desen-volveu a metodologia sob a orientaçãodo pesquisador Milton Ozório Moraes,do Laboratório de Hanseníase do IOC.Parte da pesquisa foi desenvolvida nosEstados Unidos, em parceria com a Uni-versidade Estadual da Louisiana, ondeAlejandra realizou testes laboratoriais.

    Além de identificar a presença dabactéria, a metodologia também diag-nostica a viabilidade do bacilo no or-ganismo, isto é, sua capacidade dedesenvolver ou não a doença e de sertransmitido ou não para outras pesso-as. A metodologia é eficaz também noscasos de pacientes que receberam tra-tamento. Segundo Alejandra, esta in-formação potencializa os esquemasterapêuticos adotados ao identificar sea bactéria está se reproduzindo no hos-pedeiro e qual o nível da infecção. “Porser uma doença crônica, a bactériainterage com o hospedeiro de formabranda e a cada 14 dias completa umciclo de divisão. Quando identificamosa sua presença, podemos avaliar o efei-to da poliquimioterapia e obter trata-mentos exitosos”, pontua a bióloga.

    Desafios para a ciência

    Para Moraes, o controle da infec-ção ainda desafia cientistas em todo omundo, principalmente em regiões dealta endemicidade e sem recursos labo-ratoriais. Nessas áreas, o diagnóstico é,em geral, baseado apenas nos sinais esintomas apresentados pelos pacientes,no exame da pele, dos nervos periféri-cos e no histórico epidemiológico.

    O biólogo destaca que o diagnós-tico por PCR ajuda a reduzir o risco decontágio por M. leprae. “O teste porPCR e a confirmação da viabilidade dabactéria podem ser ferramentas úteispara o combate ao bacilo. Uma dasconsequências do diagnóstico tardio éa transmissão ativa da doença, pois aenfermidade tem período de incuba-ção médio de 2 a 5 anos”, afirma.

    Em 2007, foram registrados cer-ca de 250 mil novos casos de hanse-níase no mundo, sendo que 54%ocorreram na Índia. Do total, 40 milcasos ocorreram no Brasil – 8% delesem menores de 15 anos. Cerca de 3mil casos são diagnosticados em fa-ses avançadas da doença, com seque-

    las envolvendo deformidades físicas.Em 2007, a taxa de detecção no Bra-sil foi de 21,2 casos para cada 100 milhabitantes, considerada alta. A maiorconcentração de ocorrências está nasregiões Norte, Centro-Oeste e Nordes-te, de acordo com dados do Ministé-rio da Saúde.

    Hanseníase Hanseníase Hanseníase Hanseníase Hanseníase hojehojehojehojehoje

    M. leprae - Foto: Centers for Disease Control and Prevention (CDC)

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    E

    PESQUISA

    Duas realidades comum problema em comumEstudo compara pacientes que começaram a tomar o coquetel anti-Aids em Baltimore e no Rio de Janeiro

    Isis Breves

    quipes do Instituto de Pes-quisa Clínica EvandroChagas (Ipec/Fiocruz) edo Departamento de Me-dicina da Johns Hopkins

    University uniram esforços para estu-dar pacientes com HIV no Brasil e nosEstados Unidos. Eles avaliaram o riscoe as causas de morte entre pacientesque estavam no início da terapia an-tirretroviral potente (HAART, na siglaem inglês), mais conhecida como co-

    quetel anti-Aids. Ao compararem pa-cientes do Rio de Janeiro e de Balti-more, os pesquisadores observaramque o risco de morte durante o pri-meiro ano da terapia foi similar nasduas cidades. No entanto, as causasde morte foram diferentes. Os resul-tados do estudo ganharam as pági-nas do periódico AIDS, que temgrande prestígio na comunidade cien-tífica internacional.

    “No Rio de Janeiro, a maioria dasmortes estava relacionada a doençasinfecciosas, com predominância da tu-

    berculose”, afirma a pesquisadora doIpec, Beatriz Grinsztejn, primeira au-tora do artigo. “Já em Baltimore, asmortes não estavam relacionadas adoenças oportunistas da Aids, mas en-contramos uma alta proporção de usu-ários de drogas injetáveis, o que afetadiretamente os resultados da terapiaantirretroviral e contribui para a pro-gressão de doenças crônicas”, explica.

    Embora outros estudos já tivessemcomparado a mortalidade de pacien-tes com HIV na fase inicial do trata-mento nos países desenvolvimentos e

    Foto: Economic Alliance of Greater Baltimore (www.greaterbaltimore.org)

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    re. Os indivíduos incluídos no estudonunca tinham tomado antirretroviraise começaram a receber o coquetel anti-Aids entre os anos de 1999 e 2007.Eles foram acompanhados durante umano após o início do tratamento. Aolongo desse período, 79 pacientes fa-leceram, 34 no Rio (3.7%) e 45 emBaltimore (5,2%). No Rio, os óbitosocorreram, principalmente, no primei-ro trimestre (64,7%), enquanto, emBaltimore, eles foram mais frequentesno segundo semestre (48,9%).

    A tuberculose, principal causa demortalidade entre os pacientes estuda-dos no Rio, foi responsável por três emcada dez óbitos na cidade brasileira,mas esta doença não causou nenhu-ma morte em Baltimore. “Infecçõesbacterianas são mais comuns entrepacientes de países em desenvolvimen-to do que entre aqueles de países de-senvolvidos”, lembram os autores noartigo. Na cidade norte-americana, as

    em desenvolvimento, o artigo publi-cado este ano no periódico AIDS é oprimeiro que compara diretamente ascausas de morte. Como a coleta dedados em Baltimore e no Rio seguiurigorosamente a mesma metodologia,os resultados obtidos nas duas cida-des puderam ser confrontados comtotal rigor científico.

    De acordo com o artigo, o diagnós-tico tardio da infecção pelo HIV é umproblema tanto nos países em desenvol-vimento como nos países desenvolvidos,o que requer intervenções de saúde pú-blica para que o vírus seja detectado maisprecocemente nos dois grupos de paí-ses. No entanto, as diferenças identifica-das pelo estudo no Rio e em Baltimoreindicam que Brasil e Estados Unidos ne-cessitam de estratégias diferenciadas paraevitar a moralidade dos pacientes na faseinicial do tratamento.

    Participaram da pesquisa 1.774 pa-cientes, 859 no Rio e 915 em Baltimo-

    causas de mortalidade foram significa-tivamente distintas: 17,8% dos óbitosforam por problemas cardiovascularese 8,9%, devido a abuso de drogas.

    “Baltimore, em contraste com oRio de Janeiro, teve uma alta propor-ção de usuários de drogas injetáveis.E já foi verificado que a mortalidadeentre indivíduos infectados pelo HIV-1 usuários de drogas chega a ser deduas a três vezes maior que a de nãousuários de drogas injetáveis”, dizemos pesquisadores no artigo do perió-dico AIDS. “O uso de drogas persis-tente ou reincidente afeta diretamentea adesão à terapia antirretroviral po-tente e às consultas médicas, contri-buindo para a progressão clínica dadoença e a mortalidade”, destacamos autores da Fiocruz e da JohnsHopkins University, duas instituiçõesrenomadas que realizam pesquisas so-bre Aids e oferecem assistência a in-divíduos infectados pelo HIV.

    Foto: Regis Capibaribe (www.fotofree.com.br)

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    Renata Moehlecke

    o início da epidemia deAids no Brasil, em meadosda década de 1980, cri-anças que nasciam soro-positivas para o HIV ti-

    nham uma expectativa de vida quenão ultrapassava a infância. Apenasapós o estabelecimento no país doacesso universal e gratuito aos medi-camentos antirretrovirais, nos anos1990, essas crianças passaram a termaior chance de sobrevivência e co-meçaram efetivamente a alcançar aadolescência e juventude, demandan-do, portanto, cuidados específicos.Ciente da necessidade de ações quepreparem esses jovens para a maturi-dade, o pesquisador Luiz Montenegro,em dissertação de mestrado defendi-da na Escola Nacional de Saúde Públi-ca (Ensp/Fiocruz), analisou aspectos daadesão à terapia antirretroviral de altapotência (HAART, na sigla em inglês),também chamada coquetel anti-Aids,e do comportamento sexual de ado-lescentes que nasceram infectadospelo HIV devido à transmissão vertical(de mãe para filho durante a gesta-ção, o parto ou a amamentação).

    Para o estudo, foram realizadasentrevistas com 18 adolescentes soro-positivos, entre 15 e 20 anos, e duasinfectologistas responsáveis pelo aten-dimento a esses pacientes. Segundo opesquisador, no Brasil, entre os meno-res de 13 anos portadores do HIV,84,5% se infectaram pela via verticalde transmissão. Calcula-se em 11,6 mil

    o número de casos acumuladosnessa faixa etária no perío-

    do de 1995 a 2008.

    Adolescentes queforam infectadospelo HIV portransmissão vertical(de mãe para filho)revelam suasdificuldades paraseguir o tratamentoantirretroviral epara lidar com suasexualidade

    O desafio de chegarà idade adulta

    N

    PESQUISA

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    “Os profissionais de saúde que tra-balham com esses jovens devem estarpreparados para lidar com assuntos re-lacionados não só ao tratamento médi-co, mas também às angústias, aspira-ções e incertezas características dessafase da vida”, diz Montenegro, que foiorientado por Mônica Malta, da Ensp.

    Adolescentes vivendo com Aids sedeparam com limitações que podemimpedi-los de experimentar esse perío-do da vida como seus colegas, visto queter HIV significa também estar sob cui-dados permanentes, típicos de umadoença crônica. Os cuidados envolvemvárias doses de medicamentos diaria-mente, consultas médicas e exames ro-tineiros e até a possibilidade de hospita-lização. Um grande desafio, portanto,é estimular esses adolescentes a aderi-rem ao tratamento antirretroviral e nãoo abandonarem ao longo do tempo.

    “A aderência à HAART é um as-pecto fundamental para alcançar boaresposta terapêutica e contribui de for-ma decisiva para a melhora da quali-dade de vida de pessoas vivendo comHIV ou Aids”, afirma o pesquisador. Asentrevistas feitas por Montenegro re-velaram os principais aspectos que di-minuem a adesão ao tratamento: ogrande número de comprimidos e do-ses administrados diariamente; a inter-ferência no estilo de vida e nos hábitosalimentares, devido à necessidade detomar medicamentos em jejum ou nasrefeições; os efeitos colaterais, comoenjôos e náuseas; e uma comunicaçãodeficiente entre médico e paciente.

    ”Os pacientes relataram dificulda-des para administrar a grande quanti-dade de comprimidos nos horários pres-critos sem serem vistos por parentes eamigos”, acrescenta Montenegro. “Essainterferência do regime terapêutico nasatividades cotidianas dos pacientes ten-de a gerar em alguns adolescentes umasensação de aprisionamento e limita-ção”. Parte dos jovens fazia enormeesforço para manter sua condição desoropositivo em anonimato. Para isso,muitas vezes, decidiam por conta pró-pria adiantar ou atrasar os horários dosmedicamentos: assim, pessoas do seuconvívio social não ficavam sabendo queeles eram portadores do HIV.

    “O medo de ser estigmatizado eidentificado como uma pessoa com HIVé bastante forte nos relatos dos partici-pantes”, conta o pesquisador. “Eles de-monstraram sentimentos de medo, re-jeição e vergonha de viver com HIV. Essecomponente psicológico, muitas vezes,leva à negação da infecção e aoconsequente abandono do tratamento”.Por medo de sofrerem preconceito, quasetodos os adolescentes entrevistados op-taram por não revelar seu diagnósticopara colegas de escola, diretores e pro-fessores. “A busca por aceitação socialparece exigir desses jovens um esforçoadicional para omitirem seu diagnósticoe serem vistos como exatamente iguaisaos outros”, destaca Montenegro. Emgeral, eles só contam que são portado-res do HIV aos parentes mais próximos.

    Em sua dissertação de mestrado,Montenegro também avaliou como osadolescentes descobriram ser portado-res do HIV e qual foi o impacto dessadescoberta. “Eles tiveram uma infân-cia marcada por uso diário de medica-mentos, realização rotineira de exames,consultas ambulatoriais frequentes eepisódios de internação hospitalar”,descreve o pesquisador. “A consequên-cia imediata dessas experiências foi asensação de ser diferente das outrascrianças, além das constantes dúvidassobre seu estado de saúde. A maioriados participantes teve certeza de seudiagnóstico até os dez anos de idade”.Alguns descobriram sozinhos; outrossouberam de maneira gradual por res-ponsáveis ou familiares. Somente umdos 18 adolescentes entrevistados to-mou conhecimento de sua condiçãopor meio do profissional de saúde.“Para os adolescentes consultados, aconfirmação do diagnóstico soou comouma nova identidade, momento noqual afloraram sentimentos múltiplos,em particular raiva, ansiedade e revol-ta”, afirma Montenegro.

    O tabu da sexualidade

    A iniciação da vida sexual é ou-tro momento difícil para os adoles-centes com HIV. Eles relataram incer-teza quanto ao momento certo decontar sobre sua infecção ao parcei-ro; medo de rejeição; receio de con-

    taminar o outro; e dificuldades liga-das à negociação do uso de preser-vativo. “O direito do adolescente demanter seu diagnóstico em segredoentra em conflito com suas preocu-pações em relação aos parceiros se-xuais”, comenta Montenegro.

    Dos 18 adolescentes entrevista-dos, oito se autodeclararam sexual-mente ativos. Desses, a maioria afir-mou usar frequentemente o preserva-tivo, mas sem informar o parceiro so-bre sua condição de portador do HIV.Segundo Montenegro, existe uma cla-ra lacuna de conhecimento acerca desexo seguro e sexualidade de formamais ampla. O pesquisador tambémverificou que, embora fizessem trata-mento há vários anos, muitos partici-pantes tinham pouco conhecimentosobre o HIV e a Aids, o que sugereuma falha de comunicação entre osprofissionais de saúde e os pacientes.“Foi perguntado aos adolescentes seeles desejavam saber mais sobre o ví-rus e a doença, mas quase a totalida-de respondeu não ter interesse”, la-menta Montenegro. “Além disso, es-ses jovens apresentavam planos parao futuro bastante limitados”.

    Nas entrevistas com as infecto-logistas, o pesquisador constatouque as médicas estavam atentas aelementos da personalidade dosadolescentes que pudessem influen-ciar na aderência ao tratamento. Noentanto, em relação a questões desexo e doenças sexualmente trans-missíveis, muitas vezes, o diálogo fi-cava prejudicado pela vergonha dosadolescentes em conversar sobre oassunto e pelo medo das médicas deestimular um início precoce da vidasexual. “As dificuldades dos profis-sionais de saúde para chamarem osadolescentes soropositivos para umaconversa franca acerca da sexualida-de e da saúde reprodutiva são moti-vo de preocupação”, diz o pesqui-sador. “Serviços de saúde mais pre-parados podem facilitar a promoçãode autonomia no âmbito da sexuali-dade e, consequentemente, permi-tir que esses jovens façam escolhasinformadas e tenham seus direitosreprodutivos assegurados”.

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    MOBILIZAÇÃO SOCIAL

    Isis Breves

    om o apoio da AssociaçãoLutando para Viver, forma-da por pacientes do Insti-tuto de Pesquisa ClínicaEvandro Chagas (Ipec/Fio-

    cruz), e da direção do hospital, porta-dores do vírus linfotrópico de células Thumanas (HTLV) decidiram ir à luta ereivindicar mais atenção para as doen-ças causadas por este agente infeccio-so. Um dos principais questionamentosde pacientes e profissionais de saúde éque a população não está bem infor-mada sobre o HTLV e os problemasassociados ao vírus. Um grupo de pa-cientes e profissionais tem se reunidona Assembleia Legislativa do Estado doRio de Janeiro (Alerj). O objetivo é pro-mover uma mobilização política emtorno de um projeto de lei que con-temple a obrigatoriedade do examepara a detecção do HTLV durante o pré-natal e nos bancos de leite.

    “Estamos lutando pela inclusão datestagem para HTLV no pré-natal darede pública, pois hoje o exame não éoferecido às gestantes. Se a mulherfor portadora do HTLV e não souber,ela transmitirá o vírus ao filho pelo alei-tamento materno”, diz Sandra doValle, que descobriu ser portadora em2005 e hoje é uma das coordenado-ras do movimento político pela cria-ção do projeto de lei. “Evitar atransmissão vertical do HTLV é simplesquando se conhece o estado soroló-gico da gestante: basta que a mãe nãoamamente o bebê e seja encaminha-da a um banco de leite humano”,completa o neurologista Marcus Tulius,do Laboratório de Pesquisa Clínica emNeuroinfecção do Ipec.

    Portadores do HTLV eprofissionais de saúdereivindicam maisatenção para a doença

    Pacientesengajados

    HTLV (Foto: Ipec/Fiocruz)

  • 15R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 9

    Profissionais desaúde do Ipecbuscam conscientizara população sobrecomo se prevenirdo HTLV(Foto: Isis Breves)

    Tornar compulsória a notificaçãode casos de infecção pelo HTLV tam-bém está entre as reivindicações dogrupo. Outra demanda é a inclusãodas doenças associadas ao HTLV nogrupo das doenças crônicas, com di-reito a políticas sociais que garantamo acesso a transporte especializadopara os portadores de necessidade delocomoção e assegurem a gratuidadeno transporte público também paraseus acompanhantes, como rege oArtigo 16 da Lei 10.098/2000.

    A infecção causada pelo HTLV (ti-pos 1 e 2) representa importante pro-blema de saúde pública no Brasil. Atransmissão do HTLV é semelhante àdo HIV, ou seja, ocorre por via sexual,aleitamento materno, compartilha-mento de seringas e transfusão de san-gue contaminado. Embora a maioriados indivíduos infectados não apresentesintomas, uma parcela dos portadoresde HTLV-1 poderá desenvolver quadrosneurológicos degenerativos ou mani-festar alterações sanguíneas, comoleucemia ou linfoma.

    Um dos quadros neurológicos cau-sados pelo HLTV-1 é a mielopatia, do-ença degenerativa crônica e progressivaque afeta a medula espinhal e a subs-tância branca do cérebro. Menos de5% dos portadores do HTLV-1 desen-volverão essa doença. “Os sintomasiniciais podem ser muito inespecíficos,o que prejudica o diagnóstico precoce.Em geral, os sintomas começam porvolta dos 40 ou 50 anos de idade e in-cluem dor nas costas, dificuldade paracorrer, sensação de peso nas pernas oude pernas presas, e dificuldade para con-trolar a urina. Um exame neurológicopode levantar a suspeita da mielopatiae um exame de sangue e de líquor es-clarece o caso”, explica Tulius.

    Segundo o médico, muitas vezes,antes de buscarem um neurologista, ospacientes procuram outros especialistas,pois atribuem os sintomas a problemasarticulares na coluna. “Por fim, com oagravamento do quadro, eles são en-caminhados a um neurologista. Muitosdos pacientes que chegam ao Ipec játêm a doença há cinco ou dez anos, oque prejudica bastante o tratamento”,alerta Tulius. O Ipec tem cadastro de

    cerca de 900 indivíduos portadores doHTLV, dos quais 500 são pacientes ativosno tratamento. “Por ser uma doençadesconhecida até por alguns médicos,não há notificação em todo o país, massabemos que a Bahia é o estado maisafetado, seguido por Minas Gerais e Riode Janeiro. Trata-se de uma doença ne-gligenciada até mesmo no quesito no-tificação”, afirma a neurologista do IpecAna Claúdia Leite.

    A médica recomenda a realizaçãode cursos de capacitação dirigidos aosprofissionais do Sistema Único de Saú-de (SUS) de todo o país. “Não bastaapenas realizar a testagem para HTLVentre doadores de sangue. São neces-sárias campanhas informativas na mídia,como tem sido feito para a prevençãoda Aids. Precisamos aumentar o núme-ro de postos de atendimentos e dar maisatenção a um problema que cresce deforma silenciosa no país”, diz Ana Cláu-dia. “Se o projeto de lei for desenvolvi-do e aprovado pela Câmara, estaremosdando um grande passo não só para otratamento dos portadores, mas, prin-cipalmente, para prevenir a transmissãodo HTLV”, destaca Sandra.

    Assistência e pesquisapara portadores de HTLV

    Os médicos do Ipec Marcus Tuliuse Maria José de Andrada Serpa coor-denam pesquisas que poderão auxiliarno diagnóstico da infecção pelo HTLVe na avaliação do risco de um indiví-duo infectado desenvolver ou não adoença. O projeto de Tulius buscaquantificar o DNA proviral, isto é, oDNA do vírus integrado ao DNA dacélula do paciente. Quando o HTLV in-

    fecta uma célula do paciente, o DNAviral se integra ao DNA da célula hos-pedeira e, assim, as partículas viraisconseguem se multiplicar. A hipóteseé que a detecção de uma maior quan-tidade de DNA proviral esteja associa-da ao aparecimento de doenças. “Acarga proviral parece ser um importantefator de desenvolvimento de patologi-as associadas a este retrovírus. A ex-pectativa desta pesquisa é analisar avariação da carga proviral ao longo dotempo em indivíduos infectados peloHTLV-1, tentando estabelecer uma cor-relação entre esta variação e a mudan-ça do estado assintomático para osintomático ou a piora neurológica”,explica o pesquisador.

    Já o projeto de Maria José temcomo objetivo avaliar a especificidadee a sensibilidade da carga proviral naidentificação de indivíduos com algu-ma doença neurológica associada aoHTLV. “Embora a mielopatia seja aprincipal doença neurológica associ-ada ao HTLV, ela não é a única. Re-centemente, foi proposto o termoComplexo Neurológico do HTLV-1para contemplar todas as manifesta-ções neurológicas associadas a esteretrovírus, tais como neuropatia pe-riférica e polimiosite, entre outras”,explica a médica. A pesquisa visaconstruir um banco de dados com in-formações sobre a variação dareplicação do HTLV no sangue de in-divíduos infectados, buscando deter-minar a diferença entre um portadordo vírus que não desenvolverá nenhu-ma doença neurológica e outro queapresentará alguma das doenças doComplexo Neurológico do HTLV-1.

  • R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 916

    PROJETOS SOCIAIS

    Legado social dasOlimpíadas Rio 2016terá importanteparticipação da Fiocruz

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    RPamela Lang

    io de Janeiro, Tóquio, Chi-cago e Madri. Quatro ci-dades na disputa parasediar os Jogos Olímpicosde 2016. Pela primeira vez,

    o Rio, que já se candidatara outras duasvezes, chegava à etapa final. Torcedo-res aflitos acompanharam a votaçãodurante todo o dia 2 de outubro e, nomomento do anúncio, foram os cora-ções brasileiros que entraram em festa.Mas o significado dessa vitória vai mui-to além do orgulho de estar sob os ho-lofotes de quase 7 bilhões de pessoasem todo o mundo. Sediar uma Olimpí-ada pode alavancar o desenvolvimentode uma cidade, aumentar o número deturistas e, principalmente, deixar um le-gado social para seus moradores.

    Citada no documento oficial do Riode Janeiro enviado ao Comitê OlímpicoInternacional (COI), por sua relevânciae importância estratégicas para o país,a Fiocruz participou ativamente, desdeos Jogos Pan-Americanos de 2007, detodo o processo da candidatura cario-ca, especialmente em relação ao lega-do social. No documento, a Fundaçãoaparece com projetos para seus campide Manguinhos e da Mata Atlântica.“A Fiocruz reconhece a relevância dopleito de sediar uma Olimpíada para acidade do Rio de Janeiro e para o Brasil.A realização dos Jogos permitirá ao paísreforçar aspectos do desenvolvimentonacional e também o papel de desta-que que vem ganhando no plano inter-nacional”, reforça o presidente daFundação, Paulo Gadelha.

    Um dos melhores exemplos de comoos Jogos Olímpicos podem transformaruma cidade é o caso de Barcelona. Sedeem 1992, ela se modernizou, ganhou 40quilômetros de novas ruas, 75 novas ins-talações esportivas, 220 quilômetros derede de esgoto e, em 1994, já contavacom um aumento de 22% de turistas.Segundo os entusiastas da candidaturacarioca, esse foi o grande diferencial daproposta do Rio: ser a cidade em que oevento geraria os maiores impactos, prin-cipalmente sociais.

    Com a escolha do Rio para sediar osJogos Olímpicos, a Fiocruz planeja, para

    o campus de Manguinhos, a construçãode um prédio, projetado pelo arquitetoOscar Niemayer, onde serão instalados oComplexo Educacional e Esportivo, e oPólo Central de Treinamento do Volunta-riado. Espera-se que as Olimpíadas 2016mobilizem 48 mil voluntários. Esse núme-ro foi de 20 mil em 2007, nos Jogos Pan-Americanos. Em Manguinhos, estãoprevistos, ainda, um pavilhão de cursos,um centro de convenções e uma áreapoliesportiva com quadras e piscinas. Alémde promover a prática desportiva, as ins-talações servirão para a formação de agen-tes de saúde e gestores sociais.

    Já no campus da Mata Atlântica, emJacarepaguá, o foco da Fiocruz será emações sociais e de preservação ambiental.O objetivo é deixar um legado positivosobre toda a área de influência da Barrada Tijuca, que corresponde ao Núcleo 1dos Jogos Olímpicos. A região é a quemais cresce no Rio de Janeiro, com maisde 500 mil moradores e forte concen-tração de assentamentos habitacionaisirregulares. Cerca de 4,5 mil famílias debaixa renda vivem em um raio de ape-nas um quilômetro do campus da MataAtlântica. Nele, serão construídos o Com-plexo Educacional da Colônia Juliano Mo-reira e o Centro de Treinamento daFiocruz, que ficarão em áreas adjacen-tes e vão suprir uma carência históricadaquela região de espaços públicos de-dicados ao esporte, à cultura e ao lazer.

    Durante os Jogos, o Centro deTreinamento da Fiocruz será utilizado pelasdelegações para treinos e aquecimentos,mas, posteriormente, servirá a toda acomunidade do entorno, com o propósitode descobrir e aprimorar talentos para oesporte. No projeto, estão previstosquadras poliesportivas e de tênis de mesa,piscina, pistas de atletismo, dojôs (onde setreinam artes marciais) e um centro deavaliação e acompanhamento de atletas.

    Já o Complexo Educacional da Co-lônia Juliano Moreira tem uma propos-ta mais abrangente e multidisciplinar,que relaciona o setor cultural e os cam-pos da educação formal e não-formal,com foco na preservação ambiental. Oespaço deve abrigar o Horto-Escola daMata Atlântica, o Galpão Social e a Ofi-cina-Escola da Colônia Juliano Moreira,bem como o Museu Arthur Bispo do

    Rosário, um cinema, um teatro e expo-sições para atender a população dosarredores. O objetivo, segundo o coor-denador executivo do Programa de Im-plantação do Campus Fiocruz da MataAtlântica, Gilson Antunes da Silva, “éaproveitar as vocações naturais docampus para proporcionar um conjun-to de atividades culturais, educacionais,de preservação do ecossistema e de for-mação profissional”.

    O Galpão Social e a Oficina-Escolaatuarão em conjunto para oferecer cursosligados à preservação do meio ambiente.O local será dotado de infraestrutura paracapacitar jovens em restauro e construçãocivil, atendendo a uma antiga carênciade mão-de-obra qualificada para arecuperação do patrimônio histórico. Acriação do Horto-Escola, por sua vez,resgatará um modelo concebido paraaquele mesmo local pelo educador DarcyRibeiro, em 1993. Lá funcionará umcentro de Ensino Médio profissionalizantevoltado para a formação de guias,guardas e fiscais florestais.

    A preocupação ecológica permeiatodo o projeto: as emissões de gáscarbônico produzidas pelas novasinstalações serão compensadas peloplantio de 200 mil mudas por ano deespécies de árvores nativas. Além disso,o Horto-Escola desenvolverá atividades derecomposição ecológica do ParqueEstadual da Pedra Branca a partir daprodução de mudas com sementescoletadas na própria floresta. O Parquefica em área limítrofe ao campus daFiocruz e é hoje a maior área verde urbanado planeta, com 12,5 mil hectares.

    A contribuição da Fiocruz na áreacultual ficará por conta da ampliação doMuseu Artur Bispo do Rosário, cujo nomeé uma homenagem ao artista que viveucomo interno da Colônia Juliano Morei-ra e tornou-se referência por sua produ-ção intimista e devocional. O Museu jáestá em funcionamento e abriga exposi-ções temporárias, além de um importan-te acervo de obras de artistas plásticosque foram internos de diversas institui-ções psiquiátricas brasileiras nas últimasdécadas. Todas as ações previstas serãoconduzidas pelo Governo Federal, em co-operação com a Prefeitura, o governodo Estado e a iniciativa privada.

  • R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 918

    Relações

    Violência entre jovensnamorados é maiscomum do que seimagina, mas pode serevitada com o apoioda família e da escola

    perigosas

    COMPORTAMENTO

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    Renata Moehlecke

    rovavelmente os adoles-centes não se dão conta,mas as agressões entre ca-sais não se limitam a adul-tos casados: elas podem

    ocorrer também entre jovens namora-dos. Foi o que revelou um trabalho rea-lizado por pesquisadores do CentroLatino-Americano de Estudos de Violên-cia e Saúde (Claves) da Escola Nacionalde Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). Com oobjetivo de investigar a prevalência e asformas de violência entre jovens no Bra-sil, os pesquisadores consultaram 3.205estudantes de 15 a 19 anos de 104 es-colas públicas e privadas.

    “Praticamente nove em cada dezjovens que namoram praticam ou so-frem variadas formas de violência”,afirma uma das coordenadoras do es-tudo, Kathie Njaine. A violência verbalé a mais frequente: dos adolescentesque mantinham relacionamentosafetivos, 85% admitiram já ter dito aosparceiros coisas ruins em tom hostil,depreciações e xingamentos, e igualproporção relatou já ter sido vítimadesse tipo de agressão.

    “Demérito à aparência física doparceiro foi outra forma de violência

    verbal identificada na pesquisa”, co-menta Kathie. “Os meninos disseramque humilham as garotas chamando-as de gordas e feias, e as meninascontaram que alguns parceiros prati-cam uma espécie de sabotagem paraque elas fiquem menos atraentes aosolhos de outros rapazes”.

    A coleta de dados para a pesquisafoi realizada de agosto de 2007 a agos-to de 2009 em dez capitais brasileiras,duas de cada região do país: Manaus,Porto Velho, Teresina, Recife, Cuiabá,Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizon-te, Florianópolis e Porto Alegre. O es-tudo, que contou com a parceria depesquisadores de universidades fede-rais em todas as cidades, não encon-trou diferenças significativas entre osjovens das diferentes localidades. Tam-bém não foram verificadas diferençassubstanciais entre os adolescentes dasescolas públicas e os das particulares.

    Para exercer domínio sobre o par-ceiro, o adolescente busca controlaro comportamento do outro, as rou-pas que ele usa, os nomes na agendado celular, os acessos a redes virtuaisde relacionamento, as pessoas comquem conversa e as formas de expres-sar afeto pelos amigos. “A ameaça dedifamação do outro por meio da di-

    vulgação de fotos íntimas pelo celularou via internet foi uma das estratégi-as citadas pelos adolescentes para ten-tar evitar o término do namoro”,destaca a pesquisadora. Os rapazessão os principais autores dessas chan-tagens. Foram descritas situações emque as garotas se deixam fotografarou filmar em ocasiões íntimas com osparceiros, nuas ou seminuas, e tam-bém casos em que o rapaz filma umarelação sexual sem que ela saiba.

    A ameaça de término do relacio-namento foi pretexto para vários tiposde chantagem. “A pressão dos meni-nos para fazer sexo com as meninas,com a desculpa de ser uma prova deamor, é uma forma de violência emo-cional, que provoca sofrimento, sobre-tudo quando a moça acaba cedendosem estar com vontade, arrependen-do-se depois”, exemplifica Kathie. Apesquisadora acrescenta, ainda, que aameaça de suicídio, caso o parceirotermine o namoro, foi uma das manei-ras de amedrontar o outro. “Em situa-ções como essa, alguns adolescentesrelataram receio de que a ameaça seconcretizasse, porque se lembravam deepisódios conhecidos em que namora-dos se mataram devido ao fim de umarelação”, elucida Kathie.

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    Criado em 1989 na Escola Nacio-nal de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz),o Centro Latino-Americano de Estu-dos de Violência e Saúde (Claves) temcomo principal objetivo investigar oimpacto da violência sobre a saúdeda população brasileira e latino-ame-ricana. Com atividades voltadas parapesquisa e ensino, o Centro tem par-ticipação ativa na formulação de po-líticas públicas e na construção deplanos de ação. Ele presta assessori-as e consultorias aos Ministérios daSaúde e da Justiça, à Secretaria Es-pecial de Direitos Humanos e a ins-tâncias estaduais e locais, além decolaborar com órgãos internacionais,como a Organização Pan-Americana

    20 anosde estudossobreviolênciae saúde

    A violência sexual também foidetectada, sob duas formas mais co-muns: forçar a beijar e tocar o outrosexualmente. As meninas foram asmaiores vítimas desse tipo de agres-são. Já em relação à violência física,como dar um tapa, puxar o cabelo,empurrar, sacudir, bater ou jogar algoem cima da outra pessoa, os garotosforam os mais agredidos. “Em um re-lacionamento violento, as agressõespraticadas pelas moças, geralmente,resultam de autodefesa”, explica apesquisadora. “Quando a mu-lher é a vítima, ela tem trêsvezes mais chances de serferida”, acrescenta.

    O estudo indicou, ainda, que a vio-lência no namoro estava associada àviolência familiar. “Observamos que ojovem que é vítima da violência verbaldo parceiro tem 2,6 vezes mais chancesde ter sofrido esse tipo de agressão porparte dos pais, quando comparado comquem não sofreu nenhuma forma deviolência”, alerta Kathie. “Além disso,jovens que praticam violência sexual eameaças foram os que mais sofreram

    violência física deseus pais e mais tes-

    temunharam agressõesentre eles e entre os irmãos”.

    ‘Ficar’ com alguémpode causar confusões

    Segundo dados obtidos no estu-do, o ‘ficar’ é uma prática instituída econhecida por todos os adolescentes

    da Saúde (Opas), e sociedades cien-tíficas, sempre visando a prevençãoda violência e a promoção da quali-dade de vida e da cidadania. O Cla-ves coordena a Biblioteca Virtual emSaúde sobre o tema violência e saú-de. Seu acervo contém aproximada-mente 4 mil documentos, incluindoliteratura científica, literatura instru-cional, como leis e normas, e disser-tações e teses sobre violência e saúdedefendidas em todo país. Os pesqui-sadores do Claves oferecem, ainda,no âmbito dos cursos de pós-gradu-ação e especialização da Fiocruz, dis-ciplinas sobre a epidemiologia e asociologia da violência, com ênfaseem seu impacto sobre a saúde.

    e costuma ocorrer com mais frequên-cia em festas. A forma mais comum ébeijar pessoas sem compromisso. Noentanto, alguns jovens apontam seucaráter de superficialidade e banalida-de afetiva e indicam que a práticapode causar confusões. A fase ‘rolo’,situada entre o ‘ficar’ e o namoro, éainda mais complicada, pois pode ge-rar ciúmes e conflitos.

    “Eles não sabem dizer ao certoquando e se ocorre traição no

    ‘rolo’, já que trair é frequente-mente associado às relaçõesde namoro, nas quais há umvínculo mais sólido entre o

    casal”, esclarece a pesquisado-ra Fernanda Mendes, que tambémparticipou do estudo. “As brigas de-correntes de ciúmes, principal fatorque dispara as discussões entre oscasais, se mostraram associadas aodesencadeamento de todas as for-mas de violência”, destaca.

    Para os jovens, o ciúme é um sen-timento natural entre pessoas que seamam e só é qualificado como violên-cia quando seus efeitos são percebi-dos como excessivos. “Nas relaçõesafetivo-sexuais entre adolescentes,junto à banalização de certos atos, háepisódios que nem sequer são perce-bidos como violentos”, comenta Fer-nanda. A pesquisadora lembra que, noato de ‘ficar’, essa dinâmica da

  • 21R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 9

    Da saúdedos policiaisàs criançasem abrigos

    Para saber mais sobreo trabalho e as atividades

    do Centro, acesse

    www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/departamento/

    claves

    banalização pode tomar proporçõesmais sérias. “As meninas contaramque, muitas vezes, em festas, os ra-pazes as puxaram pelos cabelos ou ashumilharam verbalmente caso elas ti-vessem se negado a ficar com eles, eas garotas não perceberam esses ti-pos de atitude como formas efetivasde violência”, exemplifica.

    Família: principalfonte de apoio

    Independentemente do sexo e doestrato social, os adolescentes elege-ram a família, representada, sobre-tudo, pela figura dos pais, como aprincipal referência para questõesafetivo-sexuais. Na pesquisa, 53%dos jovens relataram conversar livre-mente com os pais sobre sexo, 76,7%sobre drogas e 86,8% sobre amiza-des. No que diz respeito a diálogossobre namoro, as meninas recorriammais à família do que os meninos. Aescola e a mídia também foram con-sideradas pelos adolescentes espaçosimportantes para a abordagem des-sas temáticas.

    “Mesmo tendo um canal de con-fiança com a família, os jovens podemter medo ou vergonha de estabelecercontato com os pais, pois esses assun-tos perpassam o tabu da sexualidadee, muitas vezes, exigem a quebra de

    Na internet

    Violência contra idosos, portado-res de deficiência, crianças e adoles-centes; segurança pública; filosofia eantropologia sobre violência e saúde;e metodologias de avaliação de pro-gramas e serviços: estes são algunsexemplos de linhas de pesquisa desen-volvidas pelo Claves. Recentemente,o Centro concluiu um estudo que des-crevia e analisava as precárias condi-ções de saúde, trabalho e qualidadede vida de policiais civis e militares doRio de Janeiro. Outra pesquisa de des-taque investigou o caso de jovens queabandonaram o tráfico pela família epor medo de morrer. Atualmente, emparceria com o Ministério do Desen-

    preconceitos”, explica a pesquisado-ra Kathie Njaine. “Os dados quantita-tivos da pesquisa revelaram queraramente os adolescentes procuramajuda em situações de violência no re-lacionamento afetivo-sexual e apenas3,5% dos jovens entrevistados afirma-ram já ter solicitado apoioprofissional devido a algumtipo de agressão causadapelo parceiro”.

    Apesar da importânciada família e dos profissio-nais de saúde, Kathie acre-dita que os profissionais nasescolas e os amigos podem,igualmente, ajudar no proces-so. “A escola foi escolhida comolocal ideal para ações de prevençãoda violência, envolvendo, inclusive, ospais”, afirma a pesquisadora. “O pro-blema da violência ainda é tratado deforma velada nas escolas, mas o temaprecisa ser abordado no espaço esco-lar, com todo o cuidado para não es-pantar os adolescentes”.

    Quanto aos amigos, os adoles-centes os definem como pessoascom quem contar para desabafos etroca de informações. No entanto,em função da pouca maturidade, es-ses amigos não conseguem orientare aconselhar nos casos de violênciano namoro. Já a mídia foi avaliadapelos adolescentes como um meio

    importante para a veiculação demensagens dirigidas aos jovens, em-bora estes tenham feito críticas aosconteúdos transmitidos. Os serviçosde saúde e outros espaços semelhan-tes foram pouco citados nas falas dosadolescentes.

    volvimento Social e Combate à Fome,o Claves promove um levantamentonacional de crianças e adolescentesem serviços de acolhimento. O objeti-vo é identificar e caracterizar essa redede abrigos e programas de família exis-tentes no país, bem como traçar operfil do público atendido.

  • R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 922

    T

    MEDICAMENTOS

    Simone Evangelista

    ísica, vampirismo, doença-ruim, moléstia-magra,mal-do-peito, capitã detodas as mortes: estes sãoalguns dos nomes que fo-

    ram dados à tuberculose, doença queassombrou o mundo entre os séculos18 e 19, quando matou cerca de umbilhão de pessoas. Nas últimas déca-das, com o avanço da Aids e o surgi-mento de cepas de bactérias resistentesa antibióticos, a tuberculose voltou achamar atenção como problema desaúde pública mundial. Para fazer fren-te à doença, o pesquisador MarcusVinícius Nora de Souza, do Institutode Tecnologia em Fármacos (Farman-guinhos/Fiocruz), aposta no desenvol-vimento de novos fármacos, baseadosem produtos naturais.

    Respostaque vem danatureza

    Após mais de 40 anos semnovos medicamentos para atuberculose, pesquisadoresapostam em fármacosbaseados em produtos naturais

    M. tuberculosis(Foto: Helene Barbosa eAndré Luiz Peixoto Candeia/ IOC / Fiocruz)

  • 23R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 9

    Após a descoberta do medicamen-to estreptomicina, na década 1940,pensou-se que o fantasma da tuber-culose estava superado. Ainda hoje, noentanto, a doença mata quase 1,7 mi-lhão de pessoas por ano em todo omundo. O número aumenta silencio-samente à medida que surgem cepasmulti resistentes e extremamente re-sistentes do Mycobacterium tubercu-losis, agente causador da enfermidade.Em artigo que será publicado em de-zembro deste ano na revista Fitotera-pia, Souza conta que os fármacosbaseados em produtos naturais – oitodeles já em fase de testes clínicos, con-duzidos por agências e laboratórios in-ternacionais – renovam as esperançaspara a evolução do tratamento da tu-berculose. Afinal, há mais de 40 anosnão são desenvolvidos novos medica-mentos para a doença.

    Farmanguinhos também faz suaparte na luta pelo fim desse longo je-jum. Neste momento, o Instituto tra-balha com princípios ativos extraídosde dois produtos naturais – uma plan-ta da Amazônia e outra da Mata Atlân-tica – no combate à tuberculose. Nostestes preliminares, as substâncias apre-sentaram atuação semelhante à de doisantibióticos já utilizados no tratamen-to contra a doença, rifampicina eisoniazida. Os estudos, conduzidos pelapesquisadora Maria das Graças Henri-ques, estão na etapa de testes in vivo,ou seja, com animais. Se as proprieda-des terapêuticas forem confirmadas, opróximo passo é buscar uma parceriacom uma empresa ou entidade capa-citada a avaliar a ação das substânciasem seres humanos.

    Além dos estudos com fármacosbaseados em produtos naturais, ou-tra novidade são os testes clínicos paraavaliar o efeito da combinação entreantibióticos já utilizados para outrasdoenças e medicamentos já existen-tes para a tuberculose, como aisoniazida. Os resultados desses tes-tes, também comandados por gran-des conglomerados internacionais,mostram que o tratamento tradicio-nal da tuberculose, que dura de seis anove meses, pode cair para dois me-ses. “Isso diminuiria um dos principais

    problemas que enfrentamos, que é oabandono do tratamento por partedos doentes”, lembra Souza.

    De acordo com o pesquisador, osurgimento das chamadas superbacté-rias foi decisivo para acelerar as pesqui-sas. “Antes, registrávamos a existênciade bactérias resistentes, ou seja, queresistem aos fármacos de primeira linha,utilizados normalmente no combate àdoença”, explica. “No início deste sé-culo, bactérias extremamente resisten-tes começaram a ser identificadas e elassão difíceis de tratar até com medica-mentos de segunda linha, que já sãomais caros, apresentam mais efeitos co-laterais e exigem uma maior duraçãono tratamento”, acrescenta.

    Aids e tuberculose

    Atualmente, a tuberculose é res-ponsável direta pela morte de um emcada três pacientes com HIV. Segun-do a Organização Mundial da Saúde(OMS), cerca de 12 milhões de pesso-as em todo o mundo estão co-infec-tadas por essas duas doenças, sendoque 90% dos casos se encontram nospaíses em desenvolvimento. “Estima-se que cerca de 32% da populaçãomundial têm tuberculose latente noorganismo. Este número cresce 2% acada ano. Quando você tem uma bai-

    xa no sistema imunológico, como nocaso da Aids, por exemplo, a doençaaparece”, explica Souza. Além da as-sociação com o HIV, fatores como ouso excessivo de antibióticos e a po-breza ocasionaram o aumento do nú-mero de casos de tuberculose e osurgimento de bactérias resistentes.

    Bactérias resistentesno Brasil

    De acordo com a OMS, ocorrementre 300 mil e 450 mil novos casos detuberculose resistentes por ano, dosquais em torno de 80% não são tratá-veis com pelo menos três dos fárma-cos comumente utilizados contra adoença. “As variantes estão espalha-das por praticamente todas as partesdo mundo, inclusive no Brasil, e o nú-mero de casos tende a aumentar cadavez mais. O problema é que, com su-perbactérias como essas, o tratamen-to pode não fazer mais efeito”, afirmaSouza. “Farmanguinhos, além de pro-duzir medicamentos e pesquisar novostratamentos para a tuberculose, tam-bém busca sensibilizar as pessoas paraa importância da prevenção e do trata-mento adequado. Além disso, é impor-tante angariar mais pesquisadores paraestudar a doença, especialmente aquino Brasil”, destaca o pesquisador.

    Para o pesquisador Marcus Vinícius Nora de Souza, fármacos baseadosem produtos naturais renovam esperanças no tratamento da tuberculose

  • R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 924

    ALIMENTOS

    Impulso parao comércioexterior e asaúde pública

    Novo equipamento capazde detectar contaminantesno leite atesta a qualidadedo alimento

    Pablo Ferreira

    dentificar agrotóxicos emicotoxinas em alimentos,mesmo que a concentra-ção seja tão pequenaquanto uma parte de con-

    taminante para um bilhão de partesdo alimento: esta é a função de umnovo equipamento que chegou ao Ins-tituto Nacional de Controle de Quali-dade em Saúde (INCQS/Fiocruz) emsetembro deste ano. Conhecida comoUPLC/MS/MS, a máquina custou maisde um R$ 1 milhão e é a segunda des-se tipo adquirida pelo Instituto nosúltimos dois anos.

    A compra dos aparelhos é umadas principais consequências do Sis-tema Brasileiro de Tecnologia (Sibra-

    tec), instaurado pelo Governo Federalem 2007 com o objetivo de apoiar odesenvolvimento tecnológico dossetores empresariais, como o do co-mércio exterior de alimentos. “Essesnovos instrumentos nos ajudarão arealizar um controle de resíduos e con-taminantes, para que nossas exporta-ções estejam dentro das legislaçõesinternacionais e, paralelamente, paraproteger a saúde de nossa popula-ção”, explica Armi Nóbrega, assessorda direção do INCQS que atua direta-mente com o Sibratec.

    Para auxiliar o comércio exterior,o INCQS atuará em conjunto comuniversidades e outras instituições. Elesdividirão entre si os alimentos a seremmonitorados – o Instituto avaliará oleite, enquanto as outras instituições

    controlarão carne, frango etc. “Esco-lhemos o leite porque seu consumo égrande entre crianças, idosos e ges-tantes”, justifica Nóbrega. Além dis-so, o leite tem um grande valorestratégico em potencial, pois, com ocrescimento do poder aquisitivo daspopulações de países em desenvolvi-mento, como China e Índia, calcula-se um aumento da demanda destealimento no futuro.

    Os investimentos recebidos peloINCQS, porém, não se limitam à ob-tenção de máquinas de ponta. Novasinstalações foram preparadas para re-ceber os novos equipamentos. A salaonde os aparelhos se encontram, porexemplo, tem que estar condicionadadia e noite sob temperaturas entre 18o

    C e 23o C: caso contrário, os resulta-

    I

    Foto: Sérgio Coelho (Companhia Docas do Estado de São Paulo)

  • 25R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 9

    dos dos testes realizados, assim comoa conservação dos equipamentos, po-dem ficar comprometidos. Outrasações incluem a capacitação e o trei-namento de funcionários do INCQS; oestabelecimento de intercâmbios cominstituições nacionais e estrangeiras;a concessão de bolsas a estudantes re-cém-formados; e o planejamento deworkshops e congressos com partici-pação de consultores internacionais.

    Os ensaios para o monitoramentodo leite – para detecção de agrotóxicos,micotoxinas ou drogas veterinárias –estão sendo acreditados junto ao Insti-tuto Nacional de Metrologia, Normali-zação e Qualidade Industrial (Inmetro).A acreditação é o modo de certificarque o INCQS respeita os procedimen-tos e as calibrações necessárias paraemitir resultados confiáveis aqui e noexterior. O Instituto pretende, ainda, in-troduzir outros ensaios no controle doleite, como o de resíduos de embala-gens em alimentos e o de contaminan-tes inorgânicos, cujas acreditações,igualmente, devem ocorrer em breve.

    Outra importante consequência doSibratec é o plano para que o Institutoproduza materiais de referência, utili-zados como parâmetro para análises,e ensaios de proficiência, que servempara avaliar a confiabilidade de resul-tados produzidos em laboratório. “Issoocorre por sugestão do Governo Fede-ral, para que nos tornemos o principalprovedor desses produtos e serviçospara os laboratórios de análises do Bra-sil”, declara Nóbrega. O INCQS produ-zir esses insumos significaria umaenorme economia para o país, uma vezque se tem um enorme gasto na im-portação dessas substâncias. “Elas sãomuito perecíveis, o que encarece a im-portação, visto que percorrem um lon-go caminho até chegarem aqui”,explica o assessor.

    Embora, no momento, os investi-mentos do Governo Federal tenhamcomo objetivo imediato um melhorcontrole do leite a ser exportado, tan-to os equipamentos como os efeitosde sua aquisição permanecerão noINCQS como legado. Esse avanço jáse faz sentir, por exemplo, nos ensai-os de micotoxinas. Pelos métodos an-

    teriores, a detecção de uma únicamicotoxina era um processo extrema-mente complexo, o que obrigava ostécnicos a elegerem a mais recorrentee perigosa delas e a trabalharem so-mente com sua identificação. “Essesnovos aparelhos nos permitem identi-ficar várias micotoxinas em uma úni-ca análise”, conta a química MariaHeloísa de Moraes, que coordena es-ses ensaios. “Para nós, portanto, es-ses equipamentos representam umaquebra de paradigma que pode, in-

    clusive, ter reflexo na legislação brasi-leira, com impactos positivos para asaúde da população”, conclui.

    Os investimentos do Governo Fe-deral chegam por meio da Financia-dora de Estudos e Projetos (Finep)do Ministério da Ciência e Tecnolo-gia (MCT). O INCQS também traba-lha com o Ministério da Saúde; oMinistério da Agricultura, Pecuáriae Abastecimento; e o Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científi-co e Tecnológico (CNPq).

    Os ensaios para omonitoramento do leiteestão sendo acreditados

    junto ao Inmetro.Investimentos têm como

    objetivos realizar ummelhor controle do

    alimento a ser exportadoe proteger a saúde de

    nossa população

  • R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 926

    Medidassimples quesalvam vidasPequenas mudanças na rotinade uma Unidade de TratamentoIntensivo Neonatal reduzemrisco de infecção hospitalarentre os recém-nascidos

    SAÚDE DA CRIANÇA

    Foto: Felipe Gomes/Fiocruz

  • 27R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 9

    Irene Kalil

    urante o doutorado, opediatra Arnaldo CostaBueno implantou, na Uni-dade de Tratamento In-tensivo Neonatal (UTIN)

    de um hospital maternidade do mu-nicípio do Rio de Janeiro, as Potenci-ais Boas Práticas (PBP) – mudançasna rotina do serviço que podem acar-retar resultados bastante positivos. Omédico, então, comparou o desem-penho da UTIN antes e depois dessaintervenção. Os resultados mostraramque a correta adesão às PBP pode di-minuir a ocorrência de infecções hos-pitalares e os óbitos a ela associados.Principal causa de morte na faseperinatal (entre o momento imedia-tamente anterior e o posterior ao par-to), a infecção hospitalar também éresponsável por altos custos hospita-lares no tratamento de recém-nasci-dos e pelo aumento das taxas deparalisia cerebral e dificuldade deaprendizado.

    “Diversos trabalhos documentamas altas taxas de infecção hospitalarem recém-nascidos e apontam teori-as para explicar suas causas”, afirmaBueno. “No entanto, são poucos osestudos que apresentam propostasconcretas, baseadas em medidas re-lativamente simples e de baixo custo,que possam ser implantadas nos ser-viços públicos de saúde com o intuitode reverter esse quadro”, destaca opediatra, que defendeu a tese no Pro-grama de Pós-Graduação em Saúdeda Criança e da Mulher do InstitutoFernandes Figueira (IFF/Fiocruz).

    Na pesquisa, as PBP adotadas eanalisadas foram: a correta implanta-ção e manuseio de cateteres centrais;o início precoce da alimen-tação enteral (por via intes-tinal) dos recém-nascidoscom leite humano; a acurá-cia no diagnóstico da sepse(infecção generalizada); aadequada higienização dasmãos; e o uso criterioso demedicamentos (antimicrobi-anos, corticoides e bloquea-dores H2). A escolha dessas

    PBP foi baseada em evidências cientí-ficas e na facilidade de implantação,dispensando investimento financeiroadicional.

    A intervenção durou cerca de oitomeses. Primeiramente, as PBP foramapresentadas e discutidas com toda aequipe da UTIN. Depois, os profissio-nais receberam treinamento e, porfim, as ações foram incorporadas àsrotinas dos médicos, enfermeiros, téc-nicos de enfermagem e nutricionistasda Unidade. Um elemento importan-te para o sucesso da intervenção foi otrabalho de motivação dos profissio-nais, que incluiu a premiação das equi-pes com melhor desempenho naimplantação dos protocolos. “As PBPdevem ser seguidas por toda a equipede saúde da UTIN, e não somente pe-los médicos. A falta de motivação dosprofissionais pode ter impactos nega-tivos no modo de trabalhar e nos re-sultados obtidos”, pondera Bueno.

    O estudo incluiu 457 recém-nasci-dos divididos em dois grupos: os admi-tidos no período pré-intervenção eaqueles internados após o início da açãoproposta. Comparados quanto aos pro-cedimentos de diagnóstico e condutaterapêutica em caso de sepse, os bebêsdo segundo grupo apresentaram resul-tados significativamente melhores. Apósa implantação das PBP, houve diminui-ção do tempo de uso de antibióticos;da quantidade de tipos e combinaçõesdestes medicamentos utilizados porpaciente; e do número de ocorrênciasde sepse clínica e de infecções hospita-lares, tanto de origem materna quantode origem hospitalar. Segundo Bueno,a redução das infecções, dos óbitos porelas causados e dos gastos hospitalaresdecorrentes dos tratamentos esteve di-

    retamente relacionada à adesão da equi-pe da UTIN às PBP.

    No que se refere ao uso precocedo leite humano na alimentaçãoenteral, os dados da pesquisa tam-bém se revelaram animadores, apon-tando um crescimento de 23,3%.Antes da intervenção, toda a unida-de neonatal do hospital utilizava 28,7litros de leite humano por mês, quan-tidade que subiu para 37,4 litros pormês após a introdução das PBP. Foiregistrado, ainda, um aumento donúmero de recém-nascidos alimenta-dos preferencialmente com leite hu-mano. No período pré-intervenção,82% dos bebês alimentados por viaenteral receberam leite humanocomo primeira dieta; após a interven-ção, essa prática alcançou 100% dosbebês incluídos na pesquisa.

    De acordo com Bueno, os resulta-dos do estudo demonstram a necessi-dade de amplos programas para aimplantação das PBP nos serviços clíni-cos assistenciais, especialmente noatendimento intensivo a recém-nasci-dos. Com os mínimos recursos finan-ceiros aplicados na intervenção, opediatra constatou importantes avan-ços na UTIN analisada, inclusive a di-minuição do tempo de internação e donúmero de bebês que fizeram uso deventilação mecânica. “Infelizmente,parece já fazer parte do nosso cotidia-no pacientes desenvolverem quadrosde sepse e correrem risco de morrerem decorrência disso. Mas podemosmodificar esse cenário. O surgimentode um caso de infecção hospitalar devesempre ser encarado como um eventosentinela, uma ocorrência que deman-da vigilância e é passível de prevenção”,conclui o pesquisador.

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    A motivação dosprofissionais é umelemento fundamentalpara o sucesso daintervenção na UTIneonatal

  • R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 928

    ORita Vasconcelos

    grau de satisfação dos usu-ários com os serviços desaúde, tanto no atendi-mento ambulatorial comona internação hospitalar,

    foi o tema de uma tese de doutoradodefendida este ano no Centro de Pes-quisa Aggeu Magalhães (CPqAM/Fio-cruz Pernambuco). A pesquisa incluiunão só os usuários do Sistema Único deSaúde (SUS), mas também aqueles quepagam pelos serviços ou utilizam os pla-nos privados de saúde (denominadosnão-SUS). O item dos serviços que re-cebeu a melhor avaliação foi o respeitoà intimidade, com 93,9% de satisfaçãopara os usuários do SUS e 97,1% paraos do não-SUS. Por outro lado, o princi-pal motivo de insatisfação foi o tempode espera por atendimento nos servi-ços ambulatoriais. No grupo do SUS,55% dos usuários se queixaram da de-mora no atendimento ambulatorial –problema também detectado no gru-po do não-SUS.

    O caso de Maria das Graças Mello,45 anos, ilustra essa situação. Para ela,os movimentos do ponteiro do reló-gio na sala de espera parecem multi-plicar cada segundo por dez. Há trêshoras ela aguarda para fazer um exa-me de rotina num consultório parti-cular, no Recife (PE). “A gente faz umesforço para pagar o plano de saúde,mas os atrasos são constantes”, con-ta a usuária. A tese de doutorado deGiselle Campozana Gouveia, pesqui-sadora do Departamento de SaúdeColetiva da Fiocruz Pernambuco, con-firma que o caso de Maria das Graçasnão é isolado: de acordo com a pes-quisa, 27% dos usuários do não-SUSestavam insatisfeitos com a demorano atendimento ambulatorial.

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  • 29R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 9

    “Os principais problemas identifi-cados pelos usuários foram os mesmosnos grupos do SUS e do não-SUS”, dizGiselle, orientada pelo professorWayner Vieira de Souza. “No caso dainternação hospitalar, a liberdade deescolha do profissional de saúde foi oitem que demonstrou menor grau desatisfação em ambos os grupos”,acrescenta. A tese analisou dadosoriundos da Pesquisa Mundial de Saú-de (PMS), inquérito populacional deâmbito nacional realizado em 2003.Sob coordenação de Célia Szwarcwald,pesquisadora do Instituto de Comuni-cação e Informação Científica e Tec-nológica em Saúde (Icict/Fiocruz), aPMS revelou que 25% da populaçãobrasileira eram cobertos por planos pri-vados de saúde, enquanto os 75% res-tantes utilizavam o SUS.

    Segundo Giselle, embora fosseplausível que os usuários do não-SUS,com melhor condição socioeconômi-ca, tivessem maior nível de expectati-va e avaliassem mais rigorosamenteos serviços prestados, com maior graude insatisfação, os resultados da PMSnão confirmaram tal hipótese. “Pos-síveis explicações podem estar namelhor qualidade da assistência pri-vada e/ou na constatação de que exis-te um grau de expectativa já elevadona população, usuária ou não doSUS”, comenta a pesquisadora.

    A tese se baseou em dados de en-trevistas com cerca de 4 mil brasilei-ros. Giselle considerou como fatoresdeterminantes da satisfação dos usu-ários não apenas a cura, a restaura-ção da capacidade funcional e aredução do sofrimento. Ela tambémlevou em conta o tratamento respei-toso por parte dos profissionais desaúde; o tempo de espera para oatendimento; a maneira como a inti-

    midade foi respeitada durante os exa-mes físicos e o atendimento. Foramanalisados, ainda, a liberdade de es-colha do profissional de saúde; a dis-ponibilidade de tempo para fazerperguntas sobre o problema de saúdeou o tratamento; a clareza nas expli-cações dadas pelos profissionais desaúde; a privacidade na conversa comos profissionais; o sigilo das informa-ções pessoais; e a limpeza das instala-ções e o espaço disponível das salasde espera e de exames.

    Além disso, perguntou-se aos en-trevistados se haviam sofrido discrimi-nação nos serviços de saúde por contade sua cor, sexo, idade, falta de di-nheiro, classe social, tipo de doençaou nacionalidade. No caso dos usuá-rios que passaram por internaçõeshospitalares, foram considerados ou-tros dois aspectos: a facilidade em re-ceber visitas de familiares e amigos; ea facilidade de estar em contato como mundo exterior.

    Para identificar esolucionar problemas

    Em 2004, o Governo de Pernam-buco identificou como necessidadeurgente avaliar o desempenho do sis-tema de saúde no estado, na perspec-tiva do usuário. Para otimizar essetrabalho, a Fiocruz, junto com outroscentros colaboradores permanentesda Secretaria Estadual de Saúde dePernambuco (SES-PE), foi contratadapara realizar a Pesquisa Mundial deSaúde com foco na Atenção Básica(PMS-AB). Em 2005, utilizando ques-tionários adaptados da PMS brasilei-ra, a PMS-AB avaliou o desempenhodo sistema de saúde de Pernambuco.Dessa forma, foi possível avaliar o graude satisfação dos pernambucanos comos serviços básicos de saúde.

    Os usuários de Pernambuco mos-traram alto índice de insatisfação coma disponibilidade de medicamentos.Apenas 56,3% dos usuários do não-SUS e quase a mesma proporção dosusuários do SUS (56,6%) estavam sa-tisfeitos com o acesso aos medicamen-tos. “Esses percentuais sugerem quehavia problemas de ordem estruturalno âmbito da assistência farmacêuti-ca estadual”, afirma Giselle. “Os nú-meros, porém, se referem a 2005 e,diante dos resultados, o estado já fezinvestimentos no sentido de melhorara situação”, pondera. A segunda mai-or queixa dos pernambucanos foi amesma dos demais usuários do país:o tempo de espera até o atendimentoambulatorial, com um pequeno agra-vante para os usuários do não-SUS:31% de insatisfação.

    Em busca da equidade

    A partir dos dados da PMS e daPMS-AB, um terceiro estudo foi de-senvolvido. Nele, a percepção dos usu-ários de Pernambuco sobre os serviçosde saúde foi comparada com a dosusuários das cinco regiões do país. Deacordo com essa análise, a menorchance de satisfação com os serviçosde saúde foi verificada entre os mora-dores do Nordeste e, em especial, dePernambuco. Os residentes na regiãoSul, por sua vez, tiveram a maiorchance de satisfação com os serviços.Os resultados dessa comparação tam-bém indicaram que jovens, usuários ex-clusivos do SUS, com baixa escolaridadee percepção negativa da própria saú-de eram os mais propensos à insatisfa-ção com os serviços em todo territórionacional. “Somente com a aplicaçãoreal do conceito de equidade será pos-sível reduzir as diferenças regionais emsaúde”, destaca Giselle.

  • R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 930

    Aedê Cadaxa

    ensar globalmente e agirlocalmente. Esta máximada globalização, repetidadiversas vezes durante aplenária final do III Fórum

    Internacional Ciência e Sociedade Bra-sil-França, resume o que foi o evento,que reuniu, em outubro, cerca de 160estudantes do Brasil, da França e daGuiana Francesa. Biodiversidade, Saú-de e Desenvolvimento Sustentável para

    Salada culturalna capital domeio do mundo

    Iniciativa da Fiocruz paraa popularização da ciênciareúne jovens brasileiros e

    franceses num grandeevento em Macapá

    Todos, com foco no bioma amazônico,foi o tema do evento, realizado emMacapá – também chamada de capi-tal do meio do mundo, já que o Amapáfaz fronteira com a Guiana Francesa.O evento fez parte das programaçõesoficiais do Ano da França no Brasil.

    O Fórum Ciência e Sociedade é umaatividade de educação não-formal vol-tada a estudantes do Ensino Médio deescolas públicas. A iniciativa busca di-fundir o conhecimento científico entreos jovens. “A ideia é reunir estudantese pesquisadores para dialogar sobre ci-ência, tecnologia, saúde e ambiente, cri-ando um espaço coletivo de discussãoe construção de conhecimentos”, ex-plica Luciana Sepúlveda, pesquisadorada Fiocruz Brasília e coordenadora ge-ral do Fórum.

    Há 15 anos, na França, o CentreNational de la Recherche Scientifique(CNRS) promove o encontro entre jovense a comunidade científica. A experiênciafrancesa aportou no Brasil em 2002, pormeio de uma parceria entre o Serviço de

    P

    Cerimônia de abertura do Fórum no Teatro das Bacabeiras, em Macapá. O evento reuniu cerca de 160 estudantes de Brasil, França e Guiana Francesa

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    CIÊNCIA E SOCIEDADE

  • 31R E V I S T A D E M A N G U I N H O S | D E Z E M B R O D E 2 0 0 9

    Cooperação Técnica e Científica do Con-sulado Geral da França no Rio de Janeiroe o Museu da Vida da Fiocruz. A propos-ta de articular estudantes e pesquisado-res brasileiros e franceses deu certo, e comuma novidade no Brasil: a realização deatividades preparatórias para o Fórum.Como os objetivos do Fórum no Brasil in-cluem reunir alunos de escolas técnicas ede ensino convencional de diferentes lo-calidades, o evento, anualmente, tambémé realizado em âmbito regional.

    Antes do evento internacional emMacapá, em 2009, foram realizadasuma edição na França, em 2005, e ou-tra em Brasília, em 2007. “O Fórum éuma maneira de articular saberes da ci-ência com a vida cotidiana. Isso desper-ta a consciência dos jovens e os faz verque, ao falarmos das questões locais,passamos a perceber os problemas co-muns, globais”, afirma Christophe Lalia,representante da Rede da América Lati-na do Ministério da Alimentação, Agri-cultura e Pesca da França. O intercâmbiopromovido pelo evento já começa naformação das delegações. Ao todo, seisdelegações participaram do III Fórum In-ternacional: quatro do Brasil, uma daFrança e outra da Guiana.

    Atuação juvenilDurante o III Fórum em Macapá,

    pesquisadores da Fiocruz, do Instituto Na-cional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)e da Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa) debateram comos alunos temas que afetam toda a po-pulação mundial, como as mudanças cli-máticas e o desenvolvimento sustentável.O agir localmente também ganhou des-taque no evento, na interação entre asdelegações e na busca por soluções paraproblemas vividos em cada região, dosassentamentos urbanos de Macapá eBrasília ao impacto ambiental e social daconstrução da ponte que liga o Amapáà Guiana Francesa.

    Ao final do Fórum, os jovens, or-ganizados em grupos de discussão,apresentaram um resumo das princi-pais questões levantadas durante oevento e também das alternativas desolução para cada problema. Todasessas reflexões serão reunidas na Car-ta de Macapá, documento que sinte-tiza os pontos essenciais dos debates.

    “Todo pesquisador deve devolvero conhecimento para a sociedade e oFórum é uma oportunidade de fazerisso”, opina o pesquisador LeandroGiatti, da Fiocruz Amazônia. Apósapresentar dados de sua pesquisa so-bre modelos de desenvolvimento e suarelação com o ambiente e a saúde dapopulação amazônica, Leandro ficouimpressionado com o alto nível dosquestionamentos e do conhecimentodos alunos participantes do Fórum.

    A postura dos jovens se explica pelotrabalho feito muito antes do evento emMacapá. Todas as delegações realizaramencontros regionais, onde discutiram osproblemas relacionados à saúde e aomeio ambiente dos biomas locais: caa-tinga, cerrado e Floresta Amazônica.

    Para ampliar o número de escolas einstituições participantes do Fórum Ci-ência e Sociedade, o plano é formar aRede Fórum, que apoiaria o projeto na-cionalmente e articularia os atores nasdiferentes regiões. O pontapé inicial parao projeto da Rede Fórum já foi dado emMacapá, quando se reuniram os coor-denadores do Fórum no Brasil