av. brasil, 4.036/515, manguinhos rio de janeiro, rj

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Nº 49 • Setembro de 2006 Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/radis NESTA EDIÇÃO Integralidade Integralidade Pesquisa revela experiências inovadoras na formação em saúde Biopirataria Especialista mostra o caminho para um intercâmbio científico sem surpresas Gilson Carvalho Decisões no SUS não têm mais crítérios científicos ou éticos O SETOR SAÚDE APRESENTA PROPOSTAS AOS CANDIDATOS

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Page 1: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

N ordm 49 bull S etembro de 20 0 6

Av Brasil 4036515 ManguinhosRio de Janeiro RJ bull 21040-361

wwwenspf iocruzbrradis

NESTA EDICcedilAtildeO

IntegralidadeIntegralidadePesquisa revela experiecircncias inovadoras na formaccedilatildeo em sauacutede

BiopiratariaEspecialista mostra o caminho para um

intercacircmbio cientiacutefi co sem surpresas

Gilson

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O SETOR SAUacuteDE APRESENTA PROPOSTAS AOS CANDIDATOS

Para jogare aprender accedilotildees coletivas visando agrave melhoria

da qualidade de vida e do meio ambiente esclarece Rosane

Destinado a crianccedilas a par-tir de 10 anos e adolescentes o Jama tambeacutem eacute atraente para adultos A ideacuteia surgiu do tra-balho com jovens fi lhos de agri-cultores no projeto que Rosane criou e coordenou Em busca da Sauacutede Ambiental Tecnologias educativas de prevenccedilatildeo ao uso de agrotoacutexicos - o jogo coope-rativo e a interaccedilatildeo escola-fa-miacutelia do Programa de Pesquisa Estrateacutegica Desenvolvimento e Inovaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica com apoio da Escola de Governo em Sauacutede (EGSEnsp)

Inicialmente haveraacute peque-na distribuiccedilatildeo gratuita entre instituiccedilotildees puacuteblicas das aacutereas afi ns O kit do jogo conteacutem fi -cha-cadastro com questionaacuterio de avaliaccedilatildeo

Mais informaccedilotildeesTel (21) 2598-2813 (Rosane Curi ou Kaacutetia Peralta)E-mailjogojama-curienspfi ocruzbr

Sauacutede e ciecircncia com diversatildeo

Mais uma ferramenta de comunicaccedilatildeo em sauacutede

desta vez na aacuterea ambiental foi lanccedilado em agosto o Jogo dos Amigos do Meio Ambiente o Jama cujo objetivo eacute levar o participante a refl etir sobre a relaccedilatildeo meio ambiente sauacutede trabalho agriacutecola e agrotoacutexicos a debater essas questotildees e a procurar ajuda na criaccedilatildeo de estrateacutegias que sensibilizem e unam as pessoas na busca de soluccedilotildees para os problemas so-cioambientais locais

Jama eacute um jogo educativo-cooperativo desenvolvido pela psicoacuteloga Rosane Curi de Souza (na foto de peacute entre alunos) pes-quisadora do Centro de Estudos da Sauacutede do Trabalhador e Ecologia Humana (CestehEnspFiocruz) Procuramos criar material edu-cativo que colabore de forma luacutedica para o debate sobre tais temaacuteticas possibilitando a inte-raccedilatildeo entre jovens pais profes-sores profi ssionais das aacutereas da sauacutede do meio ambiente e da agricultura aleacutem de incentivar

Ensinar ciecircncia a crianccedilas e jovens de forma divertida

e inovadora eacute a missatildeo do Try-Science (experimente ciecircncia) a nova atraccedilatildeo virtual do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz (COCFiocruz) De um qui-osque multimiacutedia com cacircmeras online (foto) estudantes podem visitar museus de ciecircncia de vaacuterios paiacuteses em tempo real e participar de competiccedilotildees interativas com jogadores que estejam conectados Tambeacutem eacute possiacutevel fazer uma caminhada

O planeta emmuseu virtual pelo espaccedilo sideral escavar foacutes-

seis de dinossauros aventurar-se em cavernas e participar de um jogo no fundo do mar

Haacute 120 quiosques instalados em 27 paiacuteses interligados por rede de computadores No site do TryScience (wwwtryscienceorg) haacute outras atividades disponiacuteveis em nove liacutenguas inclusive portu-guecircs O conteuacutedo do TryScience eacute desenvolvido pelo museu New York Hall of Science e museus da Associaccedilatildeo de Centros de Ciecircncia e Tecnologia (ASTC) A rede eacute gerenciada pela IBM

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Cartum

Conselho aos poliacuteticos Comunicaccedilatildeo e Sauacutedebull Sauacutede e ciecircncia com diversatildeo 2

Editorialbull Conselho aos poliacuteticos 3

Cartum 3

Cartas 4

Suacutemula 6

Toques da Redaccedilatildeo 9

Integralidade no EnsinaSUSbull Experiecircncias inovadoras no ensinoda sauacutede 10

Entrevista Gilson Carvalhobull ldquoOs governos trincam e truncamo conceito da integralidaderdquo 16

Reforma da reformabull Inquietaccedilotildees e mudanccedilas 17

Eleiccedilotildees e reforma da reformabull O recado do setor sauacutede aos candidatos 18bull Carta aberta aos candidatosagrave Presidecircncia 19bull O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade 20

Viacuterus infl uenzabull Um novo surto a irritaccedilatildeo de sempre 28

Debates na EnspFiocruz mdash Violecircnciabull Democracia e inclusatildeo o melhor remeacutedio 29

Intercacircmbio cientiacutefi co e biopiratariabull Como evitar a paranoacuteia 32

Serviccedilo 34

Poacutes-Tudobull O SUS e os contornos juriacutedicos da integralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede 35

Nordm 49 bull Setembro de 2006

Capa Pintura digital sobre foto de Tania Santos (VideoSauacutedeFiocruz)

Ilustraccedilotildees Cassiano Pinheiro (CP) e Aristides Dutra (AD)

Nossa garota da capa eacute Maria Dijanira Tavares da Unidade Baacutesica de Sauacutede da Famiacutelia Dr Ildone (RN)

ldquoSe conselho fosse bom natildeo se dava vendiardquo eacute o dito popular Mas

como sauacutede natildeo eacute coisa que se venda acadecircmicos profi ssionais e movimen-tos sociais do setor resolveram ldquoacon-selharrdquo os candidatos agrave presidecircncia da Repuacuteblica governos estaduais Congresso Nacional e assembleacuteias le-gislativas com propostas e exigecircncias mdash um direito que a sociedade tem em relaccedilatildeo aos seus governantes

O recado de dezenas de respei-taacuteveis personalidades e entidades da sauacutede eacute claro e consistente cumprir os preceitos constitucionais em relaccedilatildeo agrave Sauacutede e agrave Seguridade Social legislar e desenvolver poliacuteticas que incidam sobre os determinantes sociais da sauacutede pro-mover o desenvolvimento com geraccedilatildeo de emprego distribuiccedilatildeo de renda e garantia de direitos regular o setor priva-do aperfeiccediloar o SUS para que seja cada vez mais universal humanizado e de qua-lidade alterando os modelos de atenccedilatildeo com integralidade e equumlidade conforme os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria

O fi nanciamento da Seguridade Social e da Sauacutede eacute destacado tanto no documento encabeccedilado pela Abrasco (paacuteg 21) quanto nos documentos dos secretaacuterios municipais e estaduais de sauacutede (em nosso site) A imediata apro-vaccedilatildeo do Projeto de Lei Complementar 012003 que regulamenta a Emenda Constitucional 292000 eacute uma das muitas recomendaccedilotildees e exigecircncias que incluem transparecircncia e controle

orccedilamentaacuterio Os gastos com a Sauacutede devem ser considerados investimento dizem os especialistas

O documento ldquoUm SUS pra valerrdquo afi rma que ldquoa populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da dis-tacircncia entre as propostas eleitorais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacuteticordquo Isso soacute ocorreraacute prossegue o documento ldquofortalecendo instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberati-vos () natildeo soacute nas aacutereas sociais mas tambeacutem na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicasrdquo

Tantos recados urgentes natildeo devem desanimar os poliacuteticos de conferirem as demais notiacutecias desta ediccedilatildeo e 10 expe-riecircncias realmente inovadoras de abor-dagem da integralidade na formaccedilatildeo de profi ssionais de sauacutede apresentadas em nossa mateacuteria de capa O trabalho dessas instituiccedilotildees de ensino puacuteblico e privado em diferentes estados pode inspirar governantes gestores educado-res e estudantes a desenvolverem seus proacuteprios modelos inovadores

Aos eleitores os votos de uma escolha consciente de olho nos com-promissos dos partidos e na biografi a dos candidatos

Rogeacuterio Lannes RochaCoordenador do RADIS

CPAD

editorial

RADIS 49 SET2006

[ 4 ]

cartas

RADIS eacute uma publicaccedilatildeo impressa e on-line da Fun da ccedilatildeo Oswaldo Cruz edi ta da pelo Pro gra ma RADIS (Reu niatildeo Anaacute li se e Difusatildeo de In for ma ccedilatildeo so bre Sauacute de) da Es co la Na ci o nal de Sauacute de Puacute bli ca Sergio Arouca (Ensp)

Periodicidade mensalTiragem 47500 exemplaresAssinatura graacutetis

(sujeita agrave ampliaccedilatildeo do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Antocircnio Ivo de Carvalho

Ouvidoria FiocruzTelefax (21) 3885-1762Site wwwfi ocruzbrouvidoria

PROGRAMA RADISCoordenaccedilatildeo Rogeacuterio Lannes RochaSubcoordenaccedilatildeo Justa Helena Franco

Ediccedilatildeo Marinilda CarvalhoReportagem Katia Machado (subeditora)

Wagner Vasconcelos (Brasiacutelia) Bruno Camarinha Dominguez e Juacutelia Gaspar (estaacutegio supervisionado)

Arte Aristides Dutra (subeditor) e Cassia-no Pinheiro (estaacutegio supervisionado)

Documentaccedilatildeo Jorge Ricardo Pereira Laiumls Tavares e Sandra Suzano

Secretaria e Administraccedilatildeo Oneacutesimo Gouvecirca Faacutebio Renato Lucas Ciacutecero Carneiro e Mariane Gonzaga Viana (estaacutegio supervisionado)

Informaacutetica Osvaldo Joseacute Filho e Mario Cesar G F Juacutenior (estaacutegio supervi-sionado)

EndereccediloAv Brasil 4036 sala 515 mdash ManguinhosRio de Janeiro RJ mdash CEP 21040-361Tel (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail radisenspfi ocruzbrSite wwwenspfi ocruzbrradisImpressatildeoEdiouro Graacutefi ca e Editora SA

A Radis nos traz a cada nova ediccedilatildeo uma oportunidade magniacutefi ca de

atualizaccedilotildees em se tratando de comu-nicaccedilatildeo em sauacutede Na ediccedilatildeo 47 logo na paacutegina 2 haacute uma reportagem sobre o ldquoinspetor Silvardquo e accedilotildees educativas em Vigilacircncia Sanitaacuteria O tema me interessa pois estou na Coordenaccedilatildeo de Vigilacircncia em Sauacutede do Distrito Sanitaacuterio de Santa Felicidade em Curitiba agrave qual eacute atrelado o Serviccedilo de Vigilacircncia Sanitaacuteria (Visa)

Estamos implementando accedilotildees educativas em Visa com enfoque para empresaacuterios dos diferentes ramos de atividade de interesse para a sauacutede puacuteblica equipes das unidades de sauacutede incluindo agentes comunitaacuterios de sauacutede conselhos locais de sauacutede corpo docente das escolas municipais e vereadores Este projeto estaacute em fase de elaboraccedilatildeo de propostas didaacutetico-pedagoacutegicas e acredito que a experi-ecircncia desenvolvida pela Fiocruz e a Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal poderaacute nos auxiliar Gostariacuteamos que se possiacutevel nos fosse enviado um exemplar do CD-ROM do inspetor Silva ou quem sabe dicas para elaboraccedilatildeo de materiais

didaacuteticos para o nosso projeto bull Angelo Roberto Massuchetto Curitiba

Caros amigos seu e-mail jaacute foi re-passado agrave Fiocruz-Brasiacutelia

FISIOTERAPIA NA ATENCcedilAtildeO BAacuteSICA

Sou receacutem-formada em Fisioterapia e minha formaccedilatildeo me possibilita

atuar em sauacutede puacuteblica principalmen-te na Atenccedilatildeo Primaacuteria Preocupo-me com a efetiva promoccedilatildeo da sauacutede por isso gostaria de saber sobre a atuaccedilatildeo do fi sioterapeuta no PSFbull Pollyanna Cota Rio Piracicaba MG

Parabeacutens pelas excelentes mateacuterias que a Radis vem publicando Sou

estudante de Fisioterapia e gostaria de saber quais as poliacuteticas do Ministeacuterio da Sauacutede para a inclusatildeo do fi sioterapeuta na Atenccedilatildeo Baacutesica principalmente no Programa Sauacutede da Famiacutelia bull Mirian M Mota Tauaacute Cearaacute

Prezadas leitoras a assistecircncia em fisioterapia e terapia ocupacional prevista no SUS e objeto de regula-mentaccedilatildeo (NOAS 0102) faria parte dos Nuacutecleos de Sauacutede Integral mas a portaria foi revogada por falta de or-ccedilamento segundo informou agrave Radis o Ministeacuterio da Sauacutede Agora a inclusatildeo desses profi ssionais na Atenccedilatildeo Baacutesica eacute iniciativa municipal mdash e muitas pre-feituras jaacute o fi zeram Alguns programas federais prevecircem essa assistecircncia as poliacuteticas de Sauacutede da Pessoa Portadora de Defi ciecircncia de Sauacutede Mental (nos Caps) e de Sauacutede do Idoso aleacutem dos procedimentos de Alta Complexidade e Atenccedilatildeo Hospitalar Por sinal o cur-so de sauacutede recordista em matriacuteculas entre 1991 e 2004 no Brasil foi Fisio-terapia (aumento de 7415)

CONSELHEIROS EM ACcedilAtildeO

O Instituto Estadual de Infectologia Satildeo Sebastiatildeo no Caju Rio de Janeiro

estaacute totalmente sucateado caindo aos pedaccedilos mdash natildeo literalmente falando e sim de fato paredes e reboco estatildeo cain-do muita infi ltraccedilatildeo agrave mostra aparelhos sem manutenccedilatildeo alguns obsoletos rede eleacutetrica em peacutessimas condiccedilotildees mdash os trecircs respiradores natildeo podem ser usados pois a rede natildeo suporta e cai podendo causar a morte do paciente

INSPETOR SILVA AGRADECE

Gostamos muito da ideacuteia do ldquoins-petor Silvardquo (Radis 47) tanto

que gostariacuteamos muito de receber o CD-ROM para trabalhar a questatildeo da importacircncia da vigilacircncia sanitaacuteria e os direitos dos cidadatildeos ao contar com esse serviccedilo para proteccedilatildeo da sauacutede Esclarecemos que em nossa regional satildeo 30 municiacutepios e jaacute vimos trabalhando essa questatildeo poreacutem precisamos de reforccedilos jaacute que o pouco controle social permite a frequumlente interferecircncia poliacutetica nas accedilotildees das Visas principalmente nos pequenos municiacutepiosbull Maria Therezinha B Alves diretora teacutecnica Vigilacircncia Sanitaacuteria Direccedilatildeo Regional de Sauacutede Botucatu SP

expediente

USO DA INFORMACcedilAtildeO mdash O conteuacutedo da revista Radis pode ser li vre men te utilizado e re pro du zi do em qual- quer meio de co mu ni ca ccedilatildeo im pres so radiofocircnico televisivo e ele trocirc ni co des de que acom pa nha do dos creacute di tos gerais e da as si na tu ra dos jor na lis tas

res pon saacute veis pe las ma teacute ri as reproduzidas So li ci ta mos aos ve iacute cu los que re pro du zi rem ou ci ta rem con teuacute do de nos sas pu bli ca ccedilotildees que enviem para o Radis um exem plar da pu bli ca ccedilatildeo em que a men ccedilatildeo ocor re as re fe recircn ci as da reproduccedilatildeo ou a URL da Web

RADIS 49 SET2006

[ 5 ]

Um hospital que jaacute teve 260 leitos hoje tem apenas 16 Os bravos trabalhadores desta unidade lutam ar-duamente para mantecirc-la funcionando buscando ajuda na comunidade no Cremerj nos sindicatos e nos conse-lhos distritais e municipais mesmo assim natildeo tecircm conseguido salvar o hospital Eacute a unidade de referecircncia em infectologia do paiacutes com equipes mul-tiprofi ssionais Mas natildeo tem recurso nenhum para executar seu trabalho

Como conselheira de Sauacutede do segmento usuaacuterio vou denunciar e gritar para alertar o governo federal estadual a prefeitura Este hospital deve receber ajuda das trecircs esfe-ras pois suas portas estatildeo abertas agrave populaccedilatildeo E aos guerreiros do SUS do Hospital Satildeo Sebastiatildeo minha solidariedade e disponibilidade para lutarmos juntos bull Maria Celina de Oliveira conselheira dis-trital diretora do Sindsprev Rio de Janeiro

Gostaria de sugerir mateacuteria sobre controle social e Oscip Recente-

mente em Rio Claro (SP) o Conselho Municipal de Sauacutede apoacutes represen-taccedilatildeo ao Ministeacuterio Puacuteblico Estadual obteve vitoacuteria tambeacutem liminar em 1ordf instacircncia e cancelou a parceria entre a Fundaccedilatildeo de Sauacutede e a Oscip Associaccedilatildeo Civil Cidadania Brasil Os bens do prefeito Nevoeiro Junior (PFL) da agora ex-secretaacuteria Carminha Johanson e do diretor-administrativo foram bloqueados (wwwcanalrioclarocombrnoticiasnoticia=10788) Sou do Conselho Municipal e gostaria de receber coacutepia da decisatildeo do juiz de Valente (BA) conforme a Radis 44 Parabeacutens pelo excelente trabalhobull Edison Rodrigues Filho Rio Claro SP

Prezado Edison a reportagem sobre controle social estaacute em preparo A coacutepia da liminar seguiu por e-mail

CEacuteLULAS-TRONCO E GATOS ARISCOS

A excelente mas assustadora mateacuteria sobre as ceacutelulas-tronco demonstra

o que jaacute era de se esperar Os jogos da poliacutetica de interesses fi nanceiros estatildeo sempre intentando colocarem-se acima do conhecimento e da sauacutede Eacute com muita preocupaccedilatildeo que verifi co que aleacutem dos interesses fi nanceiros fazendo pressatildeo de todos os lados a confusatildeo eacute geral e extrema devido agrave ignoracircncia sobre eacutetica e religiatildeo A maacute gestatildeo dos recursos puacuteblicos nesse palco de gatos ariscos deixa pouco espaccedilo ao respeito agrave sauacutede e agrave vida humana Felizmente ainda natildeo

A Radis solicita que a cor res pon decircn cia dos leitores para pu bli ca ccedilatildeo (car ta e-mail ou fax) con te nha iden ti fi ca ccedilatildeo com ple ta do re me ten te nome en- de re ccedilo e te le fo ne Por questotildees de es pa ccedilo o tex to pode ser resumido

NORMAS PARA CORRESPONDEcircNCIA

permitiram o comeacutercio de embriotildees mas as jaacute permitidas experiecircncias com eles eacute um inegaacutevel crime () A polecircmica das ceacutelulas-tronco vem apenas se juntar ao lodaccedilal que corre por traacutes da medicina atual Foi-se a eacutepoca em que se tinha noccedilatildeo melhor do que expressa a Constituiccedilatildeo ldquoSatildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacute-de o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparadosrdquo () O governo jaacute pecou no fundamental A polecircmica das ceacutelulas-tronco eacute apenas mais uma ponta do icebergbull Alexandre Luis psicoacutelogo Rio de Janeiro

Parabeacutens pela mateacuteria referente ao evento do Projeto Ghente ldquoCeacute-

lulas-tronco mdash Possibilidades riscos e limites no campo das terapias no Brasilrdquo Sabemos como eacute difiacutecil a rea-lizaccedilatildeo de tal trabalho em funccedilatildeo da quantidade de debates e palestras em um evento como este mas certamente o puacuteblico da revista mais uma vez saiu ganhando com a excelente cobertura feita por vocecircsbull Karla Bernardo Projeto Ghente (wwwghenteorg)

7ordm CONGRESSO ACADEcircMICO DE MEDICINA

Sou estudante do 4ordm ano de Medicina da Faculdade de Ciecircncias Meacutedicas de

Minas Gerais Nossa escola recebe regu-larmente as ediccedilotildees da Radis e gostaria de pedir apoio para divulgaccedilatildeo do nosso 7ordm Congresso Acadecircmico de Medicina de 20 a 23 de setembro de 2006 Vaacuterios temas de interesse seratildeo abordados como interiorizaccedilatildeo da medicina sauacutede puacuteblica SUS biosseguranccedila Inscriccedilotildees na faculdade ou em nosso site (wwwcamfcmmgcjbnet)bull Christiano Orlandi Belo Horizonte

HOMENAGEM A AROUCA

O Centro Acadecircmico do Curso de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal

de Viccedilosa resolveu homenagear Sergio

Arouca [que morreu em agosto de 2003] um dos siacutembolos da luta pela democratizaccedilatildeo da sauacutede no Brasil Esperamos com isso que se eternizem na memoacuteria dos discentes do nosso curso sua sabedoria garra e perseve-ranccedila Hoje somos o CASA mdash Centro Acadecircmico Sergio Arouca Abraccedilos e parabeacutens agrave equipe do RADISbull Marcelo Eliseu Sipioni Viccedilosa MG

RADIS PARA TODOS

Trabalhamos na Biblioteca da Uni-versidade do Estado do Rio de

Janeiro (Uerj) mdash Campus Satildeo GonccedilaloRJ Gostariacuteamos de receber por doa-ccedilatildeo os exemplares desta conceituada revista Os temas tratados satildeo muito importantes os estudantes estatildeo procurando e esta coleccedilatildeo certamente ajudaraacute no desenvolvimento e apren-dizado de nossos usuaacuterios bull Rejane Amaral Uerj Satildeo Gonccedilalo RJ

Estou me graduando em Enfermagem e por recomendaccedilatildeo de minha

professora de Epidemiologia assinei a revista Por ser um mero estudante pensei que natildeo a receberia mas um dia me surpreendi ao ver a Radis em minha casa Queria agradecer agrave equipe por me manter mensalmente atualizado nas questotildees de sauacutede puacuteblica Valeubull Gean Douglas Carneiro Liacutedice RJ

Vinha recebendo regularmente as ediccedilotildees ao longo dos anos e con-

siderando as mateacuterias dessa notaacutevel miacutedia extremamente atuais para a loacute-gica dos serviccedilos puacuteblicos Entretanto o exemplar uacutenico gera controveacutersias embora apoacutes a leitura a ediccedilatildeo seja socializada para os demais colegas servidores do setor Solicitaria enca-recidamente que novos 12 exemplares fossem postados para nossa Coorde-naccedilatildeo Estadual do PACSPSF como solicitado anteriormentebull Salomatildeo Samuel Levy Niteroacutei RJ

Amigos os (muitos) pedidos estatildeo na lista de espera assim que ampliarmos novamente a tiragem procuraremos atender a todos

RADIS 49 SET2006

[ 6 ]

LEI MARIA DA PENHA PUNE VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER

Foi sancionada em 78 a Lei Maria da Penha mdash de combate agrave violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher mdash que tornaraacute mais rigorosa a puni-ccedilatildeo dos agressores O nome da lei eacute homenagem a Maria da Penha Maia militante dos direitos das mulheres A lei que entra em vigor em 21 de setembro altera o Coacutedigo Penal per-mitindo que o agressor seja preso em fl agrante ou tenha prisatildeo preventiva decretada Acabam as penas pecuni-aacuterias pelas quais os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas baacutesicas A pena de detenccedilatildeo que era de seis meses a um ano seraacute de trecircs meses a trecircs anos

Em 1983 o marido de Maria da Penha o professor universitaacuterio Mar-co Antonio Herredia tentou mataacute-la duas vezes Na primeira vez deu-lhe um tiro que a deixou parapleacutegica Na segunda tentou eletrocutaacute-la Na ocasiatildeo ela tinha 38 anos e trecircs fi lhas entre 6 e 2 anos informou a Agecircncia Brasil Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violecircncia e a impunidade e hoje coordena a aacuterea de Estudos Pesquisas e Publicaccedilotildees da Associaccedilatildeo de Paren-tes e Amigos de Viacutetimas de Violecircncia (APAVV) em seu estado o Cearaacute Em decorrecircncia da impunidade em 2001 o Brasil foi responsabilizado por negli-gecircncia e omissatildeo em violecircncia domeacutes-tica pela Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos

Suacutemula

Antes Lei Maria da Penha

Natildeo existe lei especiacutefi ca sobre a violecircncia domeacutestica contra a mulher

Tipifi ca e defi ne a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher

Natildeo estabelece as formas desta vio-lecircncia

Estabelece as formas da violecircncia domeacutes-tica contra a mulher como sendo fiacutesica psicoloacutegica sexual patrimonial e moral

Natildeo trata das relaccedilotildees de pessoas do mesmo sexo

Determina que a violecircncia domeacutestica contra a mulher independe de orientaccedilatildeo sexual

Aplica a lei dos juizados especiais criminais (lei 909995) para os casos de violecircncia domeacutestica Estes juizados julgam os crimes com pena de ateacute dois anos (menor poten-cial ofensivo)

Retira dos juizados especiais criminais (lei 909995) a competecircncia para julgar os crimes de violecircncia domeacutestica contra a mulher

Permite a aplicaccedilatildeo de penas pecuniaacuterias como as de cestas baacutesicas e multa

Proiacutebe a aplicaccedilatildeo destas penas

Os juizados especiais criminais tratam somente do crime mas para a mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica resolver as questotildees de famiacutelia (separaccedilatildeo pensatildeo guarda de fi lhos) tem que ingressar com outro processo na vara de famiacutelia

Seratildeo criados juizados especiais de violecircn-cia domeacutestica e familiar contra a mulher com competecircncia ciacutevel e criminal para abranger todas as questotildees

A autoridade policial efetua um resumo dos fatos atraveacutes do tco (termo circunstancia-do de ocorrecircncia)

Prevecirc um capiacutetulo especiacutefi co para o atendi-mento pela autoridade policial para os casos de violecircncia domeacutestica contra a mulher

A mulher pode desistir da denuacutencia na delegacia

A mulher somente poderaacute renunciar pe-rante o juiz

Eacute a mulher que muitas vezes entrega a intimaccedilatildeo para o agressor comparecer em audiecircncia

Eacute vedada a entrega da intimaccedilatildeo pela mulher ao agressor

A lei atual natildeo prevecirc a prisatildeo em fl agrante do agressor

Possibilita a prisatildeo em fl agrante

Natildeo prevecirc a prisatildeo preventiva para crimes de violecircncia domeacutestica

Altera o coacutedigo de processo penal para possibilitar ao juiz a decretaccedilatildeo da prisatildeo preventiva quando houver riscos agrave integri-dade fiacutesica ou psicoloacutegica da mulher

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica geralmente natildeo eacute informada quanto ao andamento dos atos processuais

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica seraacute notifi cada dos atos processuais es-pecialmente quanto ao ingresso e saiacuteda da prisatildeo do agressor

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica em geral vai desacompanhada de advoga-do ou defensor puacuteblico nas audiecircncias

A mulher deveraacute estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais

A violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo eacute considerada agravante de pena

Altera o artigo 61 do coacutedigo penal para considerar este tipo de violecircncia como agravante da pena

Hoje a pena para o crime de violecircncia domeacutestica eacute de 6 meses a 1 ano

A pena do crime de violecircncia domeacutestica passaraacute a ser de 3 meses a 3 anos

A violecircncia domeacutestica contra mulher porta-dora de defi ciecircncia natildeo aumenta a pena

Se a violecircncia domeacutestica for cometida contra mulher portadora de defi ciecircncia a pena seraacute aumentada em 13

Natildeo prevecirc o comparecimento do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Altera a lei de execuccedilotildees penais para permitir que o juiz determine o compareci-mento obrigatoacuterio do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Fonte Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres (wwwplanaltogovbrspmulheres)

O que muda com a nova lei

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RADIS 49 SET2006

[ 7 ]

A nova legislaccedilatildeo prevecirc medidas ineacuteditas mdash a serem determinadas pelo juiz em ateacute 48 horas mdash de proteccedilatildeo agrave mulher em situaccedilatildeo de violecircncia e risco de vida desde a saiacuteda do agressor da residecircncia e a proibiccedilatildeo de aproximaccedilatildeo fiacutesica da mulher agre-dida e dos fi lhos ateacute o direito a reaver bens e cancelar procuraccedilotildees Na aacuterea da assistecircncia social fi ca prevista a inclusatildeo da mulher no cadastro de programas assistenciais dos gover-nos federal estadual e municipal A ministra Nilceacutea Freire da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres acredita que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentiratildeo a partir de agora mais encorajadas a denunciar as agressotildees Maria da Penha concorda e recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressatildeo ldquoNatildeo adianta conviver a cada dia a agressatildeo vai aumentar e terminar em assassina-tordquo disse ela na solenidade

Outra medida importante a cria-ccedilatildeo dos Juizados Especiais de Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher A secretaria vai instar os Tribunais de Justiccedila dos estados a que instalem es-ses juizados com o maacuteximo de rapidez possiacutevel A lei foi aprovada no Congres-so sem alteraccedilotildees ldquocomo ocorre com os grandes consensos democraacuteticosrdquo afi rma notiacutecia no site da secretaria Para Maria da Penha a lei representa o primeiro passo para que homens e mulheres vivam de forma igual ldquoPre-cisamos caminhar para uma relaccedilatildeo familiar mais harmoniosardquo

SUSPENSA PROPAGANDADE ANTIGRIPAL

A Anvisa determinou a suspensatildeo das campanhas publicitaacuterias do

Tamifl u fabricado pela multinacional Roche no Brasil sediada em Satildeo Paulo O antiviral fi cou famoso por suposta-mente curar a gripe aviaacuteria embora se saiba que natildeo eacute bem assim (Radis nordm 40) Apresentada como informativa a campanha a partir do slogan ldquoA gripe pode acabar com vocecirc mas vocecirc tem 48 horas para acabar com a griperdquo faz referecircncia a seu uso Resoluccedilatildeo da Anvi-sa (RDC nordm 1022000) e a Lei 636076 proiacutebem propaganda de medicamentos sob prescriccedilatildeo meacutedica A divulgaccedilatildeo eacute permitida exclusivamente a meacutedicos dentistas veterinaacuterios e farmacecircu-

ticos A suspensatildeo foi publicada no Diaacuterio Oficial de 38 e eacute vaacutelida para todos os meios de

comunicaccedilatildeo

BACTEacuteRIA RESISTENTE IDENTIFICADA EM SP

Uma jovem foi internada num hospital da capital paulista com

pneumonia e infecccedilatildeo generalizada mdash a primeira paciente diagnosticada no Brasil com infecccedilatildeo grave pela bac-teacuteria multirresistente Staphilococcus aureus tipo IV cepa mais virulenta e de difiacutecil combate informou o jornal O Estado de SP Casos semelhantes ocorreram nos Estados Unidos e era inevitaacutevel que chegasse ao Brasil disseram os especialistas Formas mais brandas desse microorganismo que satildeo os principais responsaacuteveis por infecccedilotildees hospitalares jaacute haviam sido registradas em 2004 em quatro pacien-tes de Porto Alegre Os americanos anunciaram nova classe de antibioacuteticos mdash platensimycin mdash para combate ao Staphilococcus aureus resistente agrave meticilina (derivada da penicilina) e ao Enterococos resistente aos mais modernos antibioacuteticos

O aumento da resistecircncia das bacteacuterias pode estar associado ao uso indiscriminado de antibioacuteticos sem prescriccedilatildeo meacutedica ldquoTodo organismo tenta sobreviver seja bacteacuteria viacuterus ou protozoaacuteriordquo disse ao jornal a in-fectologista Marta Ramalho do Hospi-tal Emiacutelio Ribas Na jovem paulistana os sintomas foram confundidos com uma gripe As hipoacuteteses de hantaviro-se leptospirose e contaminaccedilatildeo por rotaviacuterus foram afastadas A vigilacircncia sanitaacuteria investigou sem sucesso res-taurantes que a jovem frequumlentava Os medicamentos usados no tratamento foram a teicoplanina e a vancomicina da famiacutelia dos glicopeptiacutedeos O pro-blema eacute o diagnoacutestico raacutepido

OS PLANOS DE SAUacuteDE E A DIacuteVIDACOM O SUS

O Tribunal de Contas da Uniatildeo (TCU) afi rma que o SUS conseguiu

receber apenas 59 do que lhe de-vem as operadoras de planos de sauacutede privados pelos serviccedilos prestados aos usuaacuterios pela rede puacuteblica Eacute esta a conclusatildeo de auditoria do tribunal ldquofalhas administrativasrdquo da Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar se-riam o principal obstaacuteculo ao paga-mento de R$ 1 bilhatildeo ao SUS A ANS nega Diz que em dois anos os planos pagaram R$ 75 milhotildees o que cor-responderia a 16 do total devido O TCU determinou a revisatildeo das regras mas as operadoras que consideram a cobranccedila ldquoilegalrdquo continuaratildeo recor-rendo agrave Justiccedila para natildeo pagar

OS BANCOS E A DIacuteVIDA COM O INSS

O setor bancaacuterio que exibe sucessivos lucros-recorde deve R$ 17 bilhatildeo agrave

Previdecircncia mdash o total do calote chega a R$ 114 bilhotildees de empresas privadas e oacutergatildeos puacuteblicos Os nove maiores conglo-merados bancaacuterios inclusive estatais devem juntos R$ 1194 bilhatildeo ao INSS segundo lista de inadimplentes do Ministeacuterio da Previdecircncia A diacutevida co-brada na Justiccedila corresponde a 5 do lucro apurado pelas nove instituiccedilotildees em 2005 (R$ 232 bilhotildees)

O estranho eacute que embora a lei pro-iacuteba que instituiccedilotildees devedoras operem creacutedito consignado 14 das 37 institui-ccedilotildees fi nanceiras que assinaram convecircnio nesse segmento devem ao INSS informa a Agecircncia Carta Maior Onze delas satildeo privadas (BMG Mercantil do Brasil HSBC Citibank Santander-Banespa Unibanco Bradesco Real Paranaacute Fibra e Intermedium) e trecircs puacuteblicas (Banco do Brasil CEF e Banrisul) e seu deacutebito conjunto soma R$ 988 milhotildees (diacutevida de cada uma mais a de bancos e empresas que controlam) Os bancos por conta de tecnicalidades fi scais natildeo reconhecem a diacutevida

O INCRIacuteVEL SUPERAacuteVIT PRIMAacuteRIO BRASILEIRO

Outra mateacuteria relevante da agecircn-cia o Brasil pagou aos credores no

primeiro semestre de 2006 inacreditaacute-veis R$ 816 bilhotildees em juros vencidos ou por vencer mdash 825 do PIB Por lei a Uniatildeo deve reservar 425 do PIB um percentual jaacute bem alto para pagar os fi nanciadores da diacutevida puacuteblica mdash mas a equipe econocircmica preferiu ir (bem) aleacutem A parcela fi scal do pagamento o chamado superaacutevit primaacuterio cor-respondeu a 70 ou R$ 571 bilhotildees nada menos do que 577 do PIB

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RADIS 49 SET2006

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O economista Maacutercio Pochmann afi rma que 20 mil famiacutelias ganham dinheiro fi nanciando a diacutevida Como para o IBGE uma famiacutelia meacutedia tem quatro pessoas conclui-se que a parcela tributaacuteria do pagamento de juros favoreceu 80 mil pessoas com 577 das riquezas do paiacutes Por outro lado no primeiro semestre R$ 19 bi-lhotildees de impostos cobriram os gastos da Previdecircncia que sozinha com a arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees ao INSS natildeo consegue distribuir os benefiacutecios previstos (ver anaacutelise dessa ldquoloacutegicardquo na Radis 48) O valor de R$ 19 bilhotildees representa 192 do PIB Como foram pagos 21 milhotildees de benefiacutecios a agecircncia conclui que 84 milhotildees de pessoas fi caram com 192 das riquezas brasileiras

Mesmo com um aumento nominal (de R$ 1 trilhatildeo para R$ 1024 trilhatildeo no primeiro semes-tre) a diacutevida caiu de 515 do PIB em dezembro de 2005 para 503 em junho passado A equipe econocircmica argumen-ta que quanto menor o percentual me-nos juros o paiacutes paga enfraquecendo o argumento dos especuladores fi nancei-ros sobre o risco de calote

Enquanto isso na aacuterea socialOs programas de transferecircncia

de renda reduziram o percentual da populaccedilatildeo extremamente pobre (que vive com menos de US$ 60 por mecircs) de 145 em 2003 para 123 em 2004 segundo a pesquisadora Aldaiacuteza Sposa-ti da PUC-SP tambeacutem consultora da Unesco em palestra na 32ordf Conferecircn-cia Internacional do Bem-Estar Social em julho Mas isso eacute insufi ciente pois o governo precisa aceitar a ideacuteia de que gasto social eacute investimento e ldquonatildeo desperdiacutecio sem rentabilidade para o crescimento econocircmicordquo

O AVANCcedilO DAS OSSS

Em Satildeo Paulo 45 dos serviccedilos esta-duais de sauacutede jaacute estatildeo a cargo do

setor privado o restante se divide entre Organizaccedilotildees Sociais de Sauacutede (Radis 43) e o estado A Secretaria de Sauacutede natildeo quis informar o montante investido nos contratos de gestatildeo com OSSs mas o Tribunal de Contas apontou em 2004 aumento de 90 nos gastos com inter-naccedilotildees entre 1995 e 2002 e ldquoquestionou se o crescimento natildeo seria fraudulento induzido pelas entidades privadas com o objetivo de receber mais recursos puacutebli-cosrdquo informou em julho a Agecircncia Carta Maior Para o sanitarista Joseacute Carvalho de Noronha da Fiocruz o modelo atual de ldquoorganizaccedilotildees paraestataisrdquo com regime trabalhista fl exiacutevel e burla a licitaccedilotildees

difere da primeira OSS transformada na Rede Sarah criada por lei especiacutefi -ca e com orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede ldquoTem plano de carreiras proacuteprio regime trabalhista da CLT e goza de au-tonomia administrativa e fi nanceirardquo diz Eacute uma ldquoOSS puacuteblicardquo

AGRONEGOacuteCIO SEM DESMATAMENTO

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva cobrou do novo ministro da

Agricultura Luis Carlos Guedes um plano de desenvolvimento sustentaacutevel do agronegoacutecio que evite o avanccedilo do desmatamento ldquoHaacute 160 mil quilocircme-tros quadrados jaacute convertidos para a agricultura hoje abandonados na Ama-zocircniardquo disse ela ldquoNatildeo haacute motivo para que a fronteira agriacutecola seja expandi-da gerando mais desmatamento e por isso o Ministeacuterio da Agricultura precisa de um planordquo Se esse territoacuterio fosse usado de forma semi-intensiva seria possiacutevel dobrar a capacidade brasileira de produccedilatildeo de gratildeos e de criaccedilatildeo de gado sem derrubar uma soacute aacutervore Por ano satildeo desmatados 18 mil hectares de selva Apoacutes um aumento do desma-tamento de 27 em 2002 esse iacutendice caiu em 31 em 2005

AGENDA DE COMUNICACcedilAtildeO E INFORMACcedilAtildeO EM SAUacuteDE

O Conselho Nacional de Sauacutede reuniu em julho durante o 7ordm

Congresso Nacional da Rede Unida em Curitiba conselheiros e tra-balhadores da sauacutede na Ofi cina de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para o Exerciacutecio do Controle Social Foi elaborada uma Agenda de Comunica-ccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para 2006 com nove temas principais

Satildeo eles ampliaccedilatildeo do Fique Atento com defi niccedilatildeo de temaacuteticas prioritaacuterias Pacto pela Democrati-

zaccedilatildeo e Qualidade da Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede que deve ser pauta em reuniotildees dos conse-lhos Comissotildees de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede cuja criaccedilatildeo os conselhos devem priorizar ca-pacitaccedilatildeo de conselheiros na aacuterea direito agrave sauacutede e controle social com elaboraccedilatildeo de material informativo Pacto de Gestatildeo com elaboraccedilatildeo

de material in-formativo em linguagem sim-plificada pac-tos pela Vida de Gestatildeo e em Defesa do SUS com introduccedilatildeo da temaacutetica da comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo em sauacutede nos deba-tes entidades devem assumir o papel de di-vulgadores das pautas dos con-selhos Cadas-

tro Nacional de Conselhos de Sauacutede com atualizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

SANGUESSUGAS VENCERAM29 DAS LICITACcedilOtildeES

A CPI das Sanguessugas relacionou 116 parlamentares e ex-parlamen-

tares com envolvimento no esquema de ambulacircncias superfaturadas A Controladoria Geral da Uniatildeo (CGU) apurou que de 2000 a 2004 a Planam ganhou de um total de 3048 licita-ccedilotildees para aquisiccedilatildeo de ambulacircncias 891 convecircnios (29) entre municiacutepios e Ministeacuterio da Sauacutede A Operaccedilatildeo Sanguessuga da Poliacutecia Federal partiu de investigaccedilatildeo da CGU Se-gundo o Ministeacuterio da Justiccedila as in-formaccedilotildees levantadas ateacute agora natildeo permitem que os investigados sejam declarados culpados uma funccedilatildeo da Justiccedila A CPI afi rma que haacute provas concretas mdash como recibos de depoacutesi-to mdash contra 70 parlamentares

O professor Joseacute Sebastiatildeo dos Santos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiratildeo Preto disse agrave Folha de S Paulo que ambulacircncias com-pradas por emendas parlamentares servem principalmente agrave propaganda poliacutetica jaacute que chegam agraves cidades de forma aleatoacuteria e sem o planejamen-to proposto pelo SUS Ex-secretaacuterio de Sauacutede de Ribeiratildeo Preto o profes-sor acha que distribuir ambulacircncias eacute uma forma cara e pouco efi ciente

RADIS 49 SET2006

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

RADIS 49 SET2006

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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RADIS 49 SET2006

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

RADIS 49 SET2006

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

RADIS 49 SET2006

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

RADIS 49 SET2006

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

RADIS 49 SET2006

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

RADIS 49 SET2006

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Page 2: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

Para jogare aprender accedilotildees coletivas visando agrave melhoria

da qualidade de vida e do meio ambiente esclarece Rosane

Destinado a crianccedilas a par-tir de 10 anos e adolescentes o Jama tambeacutem eacute atraente para adultos A ideacuteia surgiu do tra-balho com jovens fi lhos de agri-cultores no projeto que Rosane criou e coordenou Em busca da Sauacutede Ambiental Tecnologias educativas de prevenccedilatildeo ao uso de agrotoacutexicos - o jogo coope-rativo e a interaccedilatildeo escola-fa-miacutelia do Programa de Pesquisa Estrateacutegica Desenvolvimento e Inovaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica com apoio da Escola de Governo em Sauacutede (EGSEnsp)

Inicialmente haveraacute peque-na distribuiccedilatildeo gratuita entre instituiccedilotildees puacuteblicas das aacutereas afi ns O kit do jogo conteacutem fi -cha-cadastro com questionaacuterio de avaliaccedilatildeo

Mais informaccedilotildeesTel (21) 2598-2813 (Rosane Curi ou Kaacutetia Peralta)E-mailjogojama-curienspfi ocruzbr

Sauacutede e ciecircncia com diversatildeo

Mais uma ferramenta de comunicaccedilatildeo em sauacutede

desta vez na aacuterea ambiental foi lanccedilado em agosto o Jogo dos Amigos do Meio Ambiente o Jama cujo objetivo eacute levar o participante a refl etir sobre a relaccedilatildeo meio ambiente sauacutede trabalho agriacutecola e agrotoacutexicos a debater essas questotildees e a procurar ajuda na criaccedilatildeo de estrateacutegias que sensibilizem e unam as pessoas na busca de soluccedilotildees para os problemas so-cioambientais locais

Jama eacute um jogo educativo-cooperativo desenvolvido pela psicoacuteloga Rosane Curi de Souza (na foto de peacute entre alunos) pes-quisadora do Centro de Estudos da Sauacutede do Trabalhador e Ecologia Humana (CestehEnspFiocruz) Procuramos criar material edu-cativo que colabore de forma luacutedica para o debate sobre tais temaacuteticas possibilitando a inte-raccedilatildeo entre jovens pais profes-sores profi ssionais das aacutereas da sauacutede do meio ambiente e da agricultura aleacutem de incentivar

Ensinar ciecircncia a crianccedilas e jovens de forma divertida

e inovadora eacute a missatildeo do Try-Science (experimente ciecircncia) a nova atraccedilatildeo virtual do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz (COCFiocruz) De um qui-osque multimiacutedia com cacircmeras online (foto) estudantes podem visitar museus de ciecircncia de vaacuterios paiacuteses em tempo real e participar de competiccedilotildees interativas com jogadores que estejam conectados Tambeacutem eacute possiacutevel fazer uma caminhada

O planeta emmuseu virtual pelo espaccedilo sideral escavar foacutes-

seis de dinossauros aventurar-se em cavernas e participar de um jogo no fundo do mar

Haacute 120 quiosques instalados em 27 paiacuteses interligados por rede de computadores No site do TryScience (wwwtryscienceorg) haacute outras atividades disponiacuteveis em nove liacutenguas inclusive portu-guecircs O conteuacutedo do TryScience eacute desenvolvido pelo museu New York Hall of Science e museus da Associaccedilatildeo de Centros de Ciecircncia e Tecnologia (ASTC) A rede eacute gerenciada pela IBM

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Cartum

Conselho aos poliacuteticos Comunicaccedilatildeo e Sauacutedebull Sauacutede e ciecircncia com diversatildeo 2

Editorialbull Conselho aos poliacuteticos 3

Cartum 3

Cartas 4

Suacutemula 6

Toques da Redaccedilatildeo 9

Integralidade no EnsinaSUSbull Experiecircncias inovadoras no ensinoda sauacutede 10

Entrevista Gilson Carvalhobull ldquoOs governos trincam e truncamo conceito da integralidaderdquo 16

Reforma da reformabull Inquietaccedilotildees e mudanccedilas 17

Eleiccedilotildees e reforma da reformabull O recado do setor sauacutede aos candidatos 18bull Carta aberta aos candidatosagrave Presidecircncia 19bull O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade 20

Viacuterus infl uenzabull Um novo surto a irritaccedilatildeo de sempre 28

Debates na EnspFiocruz mdash Violecircnciabull Democracia e inclusatildeo o melhor remeacutedio 29

Intercacircmbio cientiacutefi co e biopiratariabull Como evitar a paranoacuteia 32

Serviccedilo 34

Poacutes-Tudobull O SUS e os contornos juriacutedicos da integralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede 35

Nordm 49 bull Setembro de 2006

Capa Pintura digital sobre foto de Tania Santos (VideoSauacutedeFiocruz)

Ilustraccedilotildees Cassiano Pinheiro (CP) e Aristides Dutra (AD)

Nossa garota da capa eacute Maria Dijanira Tavares da Unidade Baacutesica de Sauacutede da Famiacutelia Dr Ildone (RN)

ldquoSe conselho fosse bom natildeo se dava vendiardquo eacute o dito popular Mas

como sauacutede natildeo eacute coisa que se venda acadecircmicos profi ssionais e movimen-tos sociais do setor resolveram ldquoacon-selharrdquo os candidatos agrave presidecircncia da Repuacuteblica governos estaduais Congresso Nacional e assembleacuteias le-gislativas com propostas e exigecircncias mdash um direito que a sociedade tem em relaccedilatildeo aos seus governantes

O recado de dezenas de respei-taacuteveis personalidades e entidades da sauacutede eacute claro e consistente cumprir os preceitos constitucionais em relaccedilatildeo agrave Sauacutede e agrave Seguridade Social legislar e desenvolver poliacuteticas que incidam sobre os determinantes sociais da sauacutede pro-mover o desenvolvimento com geraccedilatildeo de emprego distribuiccedilatildeo de renda e garantia de direitos regular o setor priva-do aperfeiccediloar o SUS para que seja cada vez mais universal humanizado e de qua-lidade alterando os modelos de atenccedilatildeo com integralidade e equumlidade conforme os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria

O fi nanciamento da Seguridade Social e da Sauacutede eacute destacado tanto no documento encabeccedilado pela Abrasco (paacuteg 21) quanto nos documentos dos secretaacuterios municipais e estaduais de sauacutede (em nosso site) A imediata apro-vaccedilatildeo do Projeto de Lei Complementar 012003 que regulamenta a Emenda Constitucional 292000 eacute uma das muitas recomendaccedilotildees e exigecircncias que incluem transparecircncia e controle

orccedilamentaacuterio Os gastos com a Sauacutede devem ser considerados investimento dizem os especialistas

O documento ldquoUm SUS pra valerrdquo afi rma que ldquoa populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da dis-tacircncia entre as propostas eleitorais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacuteticordquo Isso soacute ocorreraacute prossegue o documento ldquofortalecendo instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberati-vos () natildeo soacute nas aacutereas sociais mas tambeacutem na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicasrdquo

Tantos recados urgentes natildeo devem desanimar os poliacuteticos de conferirem as demais notiacutecias desta ediccedilatildeo e 10 expe-riecircncias realmente inovadoras de abor-dagem da integralidade na formaccedilatildeo de profi ssionais de sauacutede apresentadas em nossa mateacuteria de capa O trabalho dessas instituiccedilotildees de ensino puacuteblico e privado em diferentes estados pode inspirar governantes gestores educado-res e estudantes a desenvolverem seus proacuteprios modelos inovadores

Aos eleitores os votos de uma escolha consciente de olho nos com-promissos dos partidos e na biografi a dos candidatos

Rogeacuterio Lannes RochaCoordenador do RADIS

CPAD

editorial

RADIS 49 SET2006

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cartas

RADIS eacute uma publicaccedilatildeo impressa e on-line da Fun da ccedilatildeo Oswaldo Cruz edi ta da pelo Pro gra ma RADIS (Reu niatildeo Anaacute li se e Difusatildeo de In for ma ccedilatildeo so bre Sauacute de) da Es co la Na ci o nal de Sauacute de Puacute bli ca Sergio Arouca (Ensp)

Periodicidade mensalTiragem 47500 exemplaresAssinatura graacutetis

(sujeita agrave ampliaccedilatildeo do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Antocircnio Ivo de Carvalho

Ouvidoria FiocruzTelefax (21) 3885-1762Site wwwfi ocruzbrouvidoria

PROGRAMA RADISCoordenaccedilatildeo Rogeacuterio Lannes RochaSubcoordenaccedilatildeo Justa Helena Franco

Ediccedilatildeo Marinilda CarvalhoReportagem Katia Machado (subeditora)

Wagner Vasconcelos (Brasiacutelia) Bruno Camarinha Dominguez e Juacutelia Gaspar (estaacutegio supervisionado)

Arte Aristides Dutra (subeditor) e Cassia-no Pinheiro (estaacutegio supervisionado)

Documentaccedilatildeo Jorge Ricardo Pereira Laiumls Tavares e Sandra Suzano

Secretaria e Administraccedilatildeo Oneacutesimo Gouvecirca Faacutebio Renato Lucas Ciacutecero Carneiro e Mariane Gonzaga Viana (estaacutegio supervisionado)

Informaacutetica Osvaldo Joseacute Filho e Mario Cesar G F Juacutenior (estaacutegio supervi-sionado)

EndereccediloAv Brasil 4036 sala 515 mdash ManguinhosRio de Janeiro RJ mdash CEP 21040-361Tel (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail radisenspfi ocruzbrSite wwwenspfi ocruzbrradisImpressatildeoEdiouro Graacutefi ca e Editora SA

A Radis nos traz a cada nova ediccedilatildeo uma oportunidade magniacutefi ca de

atualizaccedilotildees em se tratando de comu-nicaccedilatildeo em sauacutede Na ediccedilatildeo 47 logo na paacutegina 2 haacute uma reportagem sobre o ldquoinspetor Silvardquo e accedilotildees educativas em Vigilacircncia Sanitaacuteria O tema me interessa pois estou na Coordenaccedilatildeo de Vigilacircncia em Sauacutede do Distrito Sanitaacuterio de Santa Felicidade em Curitiba agrave qual eacute atrelado o Serviccedilo de Vigilacircncia Sanitaacuteria (Visa)

Estamos implementando accedilotildees educativas em Visa com enfoque para empresaacuterios dos diferentes ramos de atividade de interesse para a sauacutede puacuteblica equipes das unidades de sauacutede incluindo agentes comunitaacuterios de sauacutede conselhos locais de sauacutede corpo docente das escolas municipais e vereadores Este projeto estaacute em fase de elaboraccedilatildeo de propostas didaacutetico-pedagoacutegicas e acredito que a experi-ecircncia desenvolvida pela Fiocruz e a Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal poderaacute nos auxiliar Gostariacuteamos que se possiacutevel nos fosse enviado um exemplar do CD-ROM do inspetor Silva ou quem sabe dicas para elaboraccedilatildeo de materiais

didaacuteticos para o nosso projeto bull Angelo Roberto Massuchetto Curitiba

Caros amigos seu e-mail jaacute foi re-passado agrave Fiocruz-Brasiacutelia

FISIOTERAPIA NA ATENCcedilAtildeO BAacuteSICA

Sou receacutem-formada em Fisioterapia e minha formaccedilatildeo me possibilita

atuar em sauacutede puacuteblica principalmen-te na Atenccedilatildeo Primaacuteria Preocupo-me com a efetiva promoccedilatildeo da sauacutede por isso gostaria de saber sobre a atuaccedilatildeo do fi sioterapeuta no PSFbull Pollyanna Cota Rio Piracicaba MG

Parabeacutens pelas excelentes mateacuterias que a Radis vem publicando Sou

estudante de Fisioterapia e gostaria de saber quais as poliacuteticas do Ministeacuterio da Sauacutede para a inclusatildeo do fi sioterapeuta na Atenccedilatildeo Baacutesica principalmente no Programa Sauacutede da Famiacutelia bull Mirian M Mota Tauaacute Cearaacute

Prezadas leitoras a assistecircncia em fisioterapia e terapia ocupacional prevista no SUS e objeto de regula-mentaccedilatildeo (NOAS 0102) faria parte dos Nuacutecleos de Sauacutede Integral mas a portaria foi revogada por falta de or-ccedilamento segundo informou agrave Radis o Ministeacuterio da Sauacutede Agora a inclusatildeo desses profi ssionais na Atenccedilatildeo Baacutesica eacute iniciativa municipal mdash e muitas pre-feituras jaacute o fi zeram Alguns programas federais prevecircem essa assistecircncia as poliacuteticas de Sauacutede da Pessoa Portadora de Defi ciecircncia de Sauacutede Mental (nos Caps) e de Sauacutede do Idoso aleacutem dos procedimentos de Alta Complexidade e Atenccedilatildeo Hospitalar Por sinal o cur-so de sauacutede recordista em matriacuteculas entre 1991 e 2004 no Brasil foi Fisio-terapia (aumento de 7415)

CONSELHEIROS EM ACcedilAtildeO

O Instituto Estadual de Infectologia Satildeo Sebastiatildeo no Caju Rio de Janeiro

estaacute totalmente sucateado caindo aos pedaccedilos mdash natildeo literalmente falando e sim de fato paredes e reboco estatildeo cain-do muita infi ltraccedilatildeo agrave mostra aparelhos sem manutenccedilatildeo alguns obsoletos rede eleacutetrica em peacutessimas condiccedilotildees mdash os trecircs respiradores natildeo podem ser usados pois a rede natildeo suporta e cai podendo causar a morte do paciente

INSPETOR SILVA AGRADECE

Gostamos muito da ideacuteia do ldquoins-petor Silvardquo (Radis 47) tanto

que gostariacuteamos muito de receber o CD-ROM para trabalhar a questatildeo da importacircncia da vigilacircncia sanitaacuteria e os direitos dos cidadatildeos ao contar com esse serviccedilo para proteccedilatildeo da sauacutede Esclarecemos que em nossa regional satildeo 30 municiacutepios e jaacute vimos trabalhando essa questatildeo poreacutem precisamos de reforccedilos jaacute que o pouco controle social permite a frequumlente interferecircncia poliacutetica nas accedilotildees das Visas principalmente nos pequenos municiacutepiosbull Maria Therezinha B Alves diretora teacutecnica Vigilacircncia Sanitaacuteria Direccedilatildeo Regional de Sauacutede Botucatu SP

expediente

USO DA INFORMACcedilAtildeO mdash O conteuacutedo da revista Radis pode ser li vre men te utilizado e re pro du zi do em qual- quer meio de co mu ni ca ccedilatildeo im pres so radiofocircnico televisivo e ele trocirc ni co des de que acom pa nha do dos creacute di tos gerais e da as si na tu ra dos jor na lis tas

res pon saacute veis pe las ma teacute ri as reproduzidas So li ci ta mos aos ve iacute cu los que re pro du zi rem ou ci ta rem con teuacute do de nos sas pu bli ca ccedilotildees que enviem para o Radis um exem plar da pu bli ca ccedilatildeo em que a men ccedilatildeo ocor re as re fe recircn ci as da reproduccedilatildeo ou a URL da Web

RADIS 49 SET2006

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Um hospital que jaacute teve 260 leitos hoje tem apenas 16 Os bravos trabalhadores desta unidade lutam ar-duamente para mantecirc-la funcionando buscando ajuda na comunidade no Cremerj nos sindicatos e nos conse-lhos distritais e municipais mesmo assim natildeo tecircm conseguido salvar o hospital Eacute a unidade de referecircncia em infectologia do paiacutes com equipes mul-tiprofi ssionais Mas natildeo tem recurso nenhum para executar seu trabalho

Como conselheira de Sauacutede do segmento usuaacuterio vou denunciar e gritar para alertar o governo federal estadual a prefeitura Este hospital deve receber ajuda das trecircs esfe-ras pois suas portas estatildeo abertas agrave populaccedilatildeo E aos guerreiros do SUS do Hospital Satildeo Sebastiatildeo minha solidariedade e disponibilidade para lutarmos juntos bull Maria Celina de Oliveira conselheira dis-trital diretora do Sindsprev Rio de Janeiro

Gostaria de sugerir mateacuteria sobre controle social e Oscip Recente-

mente em Rio Claro (SP) o Conselho Municipal de Sauacutede apoacutes represen-taccedilatildeo ao Ministeacuterio Puacuteblico Estadual obteve vitoacuteria tambeacutem liminar em 1ordf instacircncia e cancelou a parceria entre a Fundaccedilatildeo de Sauacutede e a Oscip Associaccedilatildeo Civil Cidadania Brasil Os bens do prefeito Nevoeiro Junior (PFL) da agora ex-secretaacuteria Carminha Johanson e do diretor-administrativo foram bloqueados (wwwcanalrioclarocombrnoticiasnoticia=10788) Sou do Conselho Municipal e gostaria de receber coacutepia da decisatildeo do juiz de Valente (BA) conforme a Radis 44 Parabeacutens pelo excelente trabalhobull Edison Rodrigues Filho Rio Claro SP

Prezado Edison a reportagem sobre controle social estaacute em preparo A coacutepia da liminar seguiu por e-mail

CEacuteLULAS-TRONCO E GATOS ARISCOS

A excelente mas assustadora mateacuteria sobre as ceacutelulas-tronco demonstra

o que jaacute era de se esperar Os jogos da poliacutetica de interesses fi nanceiros estatildeo sempre intentando colocarem-se acima do conhecimento e da sauacutede Eacute com muita preocupaccedilatildeo que verifi co que aleacutem dos interesses fi nanceiros fazendo pressatildeo de todos os lados a confusatildeo eacute geral e extrema devido agrave ignoracircncia sobre eacutetica e religiatildeo A maacute gestatildeo dos recursos puacuteblicos nesse palco de gatos ariscos deixa pouco espaccedilo ao respeito agrave sauacutede e agrave vida humana Felizmente ainda natildeo

A Radis solicita que a cor res pon decircn cia dos leitores para pu bli ca ccedilatildeo (car ta e-mail ou fax) con te nha iden ti fi ca ccedilatildeo com ple ta do re me ten te nome en- de re ccedilo e te le fo ne Por questotildees de es pa ccedilo o tex to pode ser resumido

NORMAS PARA CORRESPONDEcircNCIA

permitiram o comeacutercio de embriotildees mas as jaacute permitidas experiecircncias com eles eacute um inegaacutevel crime () A polecircmica das ceacutelulas-tronco vem apenas se juntar ao lodaccedilal que corre por traacutes da medicina atual Foi-se a eacutepoca em que se tinha noccedilatildeo melhor do que expressa a Constituiccedilatildeo ldquoSatildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacute-de o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparadosrdquo () O governo jaacute pecou no fundamental A polecircmica das ceacutelulas-tronco eacute apenas mais uma ponta do icebergbull Alexandre Luis psicoacutelogo Rio de Janeiro

Parabeacutens pela mateacuteria referente ao evento do Projeto Ghente ldquoCeacute-

lulas-tronco mdash Possibilidades riscos e limites no campo das terapias no Brasilrdquo Sabemos como eacute difiacutecil a rea-lizaccedilatildeo de tal trabalho em funccedilatildeo da quantidade de debates e palestras em um evento como este mas certamente o puacuteblico da revista mais uma vez saiu ganhando com a excelente cobertura feita por vocecircsbull Karla Bernardo Projeto Ghente (wwwghenteorg)

7ordm CONGRESSO ACADEcircMICO DE MEDICINA

Sou estudante do 4ordm ano de Medicina da Faculdade de Ciecircncias Meacutedicas de

Minas Gerais Nossa escola recebe regu-larmente as ediccedilotildees da Radis e gostaria de pedir apoio para divulgaccedilatildeo do nosso 7ordm Congresso Acadecircmico de Medicina de 20 a 23 de setembro de 2006 Vaacuterios temas de interesse seratildeo abordados como interiorizaccedilatildeo da medicina sauacutede puacuteblica SUS biosseguranccedila Inscriccedilotildees na faculdade ou em nosso site (wwwcamfcmmgcjbnet)bull Christiano Orlandi Belo Horizonte

HOMENAGEM A AROUCA

O Centro Acadecircmico do Curso de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal

de Viccedilosa resolveu homenagear Sergio

Arouca [que morreu em agosto de 2003] um dos siacutembolos da luta pela democratizaccedilatildeo da sauacutede no Brasil Esperamos com isso que se eternizem na memoacuteria dos discentes do nosso curso sua sabedoria garra e perseve-ranccedila Hoje somos o CASA mdash Centro Acadecircmico Sergio Arouca Abraccedilos e parabeacutens agrave equipe do RADISbull Marcelo Eliseu Sipioni Viccedilosa MG

RADIS PARA TODOS

Trabalhamos na Biblioteca da Uni-versidade do Estado do Rio de

Janeiro (Uerj) mdash Campus Satildeo GonccedilaloRJ Gostariacuteamos de receber por doa-ccedilatildeo os exemplares desta conceituada revista Os temas tratados satildeo muito importantes os estudantes estatildeo procurando e esta coleccedilatildeo certamente ajudaraacute no desenvolvimento e apren-dizado de nossos usuaacuterios bull Rejane Amaral Uerj Satildeo Gonccedilalo RJ

Estou me graduando em Enfermagem e por recomendaccedilatildeo de minha

professora de Epidemiologia assinei a revista Por ser um mero estudante pensei que natildeo a receberia mas um dia me surpreendi ao ver a Radis em minha casa Queria agradecer agrave equipe por me manter mensalmente atualizado nas questotildees de sauacutede puacuteblica Valeubull Gean Douglas Carneiro Liacutedice RJ

Vinha recebendo regularmente as ediccedilotildees ao longo dos anos e con-

siderando as mateacuterias dessa notaacutevel miacutedia extremamente atuais para a loacute-gica dos serviccedilos puacuteblicos Entretanto o exemplar uacutenico gera controveacutersias embora apoacutes a leitura a ediccedilatildeo seja socializada para os demais colegas servidores do setor Solicitaria enca-recidamente que novos 12 exemplares fossem postados para nossa Coorde-naccedilatildeo Estadual do PACSPSF como solicitado anteriormentebull Salomatildeo Samuel Levy Niteroacutei RJ

Amigos os (muitos) pedidos estatildeo na lista de espera assim que ampliarmos novamente a tiragem procuraremos atender a todos

RADIS 49 SET2006

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LEI MARIA DA PENHA PUNE VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER

Foi sancionada em 78 a Lei Maria da Penha mdash de combate agrave violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher mdash que tornaraacute mais rigorosa a puni-ccedilatildeo dos agressores O nome da lei eacute homenagem a Maria da Penha Maia militante dos direitos das mulheres A lei que entra em vigor em 21 de setembro altera o Coacutedigo Penal per-mitindo que o agressor seja preso em fl agrante ou tenha prisatildeo preventiva decretada Acabam as penas pecuni-aacuterias pelas quais os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas baacutesicas A pena de detenccedilatildeo que era de seis meses a um ano seraacute de trecircs meses a trecircs anos

Em 1983 o marido de Maria da Penha o professor universitaacuterio Mar-co Antonio Herredia tentou mataacute-la duas vezes Na primeira vez deu-lhe um tiro que a deixou parapleacutegica Na segunda tentou eletrocutaacute-la Na ocasiatildeo ela tinha 38 anos e trecircs fi lhas entre 6 e 2 anos informou a Agecircncia Brasil Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violecircncia e a impunidade e hoje coordena a aacuterea de Estudos Pesquisas e Publicaccedilotildees da Associaccedilatildeo de Paren-tes e Amigos de Viacutetimas de Violecircncia (APAVV) em seu estado o Cearaacute Em decorrecircncia da impunidade em 2001 o Brasil foi responsabilizado por negli-gecircncia e omissatildeo em violecircncia domeacutes-tica pela Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos

Suacutemula

Antes Lei Maria da Penha

Natildeo existe lei especiacutefi ca sobre a violecircncia domeacutestica contra a mulher

Tipifi ca e defi ne a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher

Natildeo estabelece as formas desta vio-lecircncia

Estabelece as formas da violecircncia domeacutes-tica contra a mulher como sendo fiacutesica psicoloacutegica sexual patrimonial e moral

Natildeo trata das relaccedilotildees de pessoas do mesmo sexo

Determina que a violecircncia domeacutestica contra a mulher independe de orientaccedilatildeo sexual

Aplica a lei dos juizados especiais criminais (lei 909995) para os casos de violecircncia domeacutestica Estes juizados julgam os crimes com pena de ateacute dois anos (menor poten-cial ofensivo)

Retira dos juizados especiais criminais (lei 909995) a competecircncia para julgar os crimes de violecircncia domeacutestica contra a mulher

Permite a aplicaccedilatildeo de penas pecuniaacuterias como as de cestas baacutesicas e multa

Proiacutebe a aplicaccedilatildeo destas penas

Os juizados especiais criminais tratam somente do crime mas para a mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica resolver as questotildees de famiacutelia (separaccedilatildeo pensatildeo guarda de fi lhos) tem que ingressar com outro processo na vara de famiacutelia

Seratildeo criados juizados especiais de violecircn-cia domeacutestica e familiar contra a mulher com competecircncia ciacutevel e criminal para abranger todas as questotildees

A autoridade policial efetua um resumo dos fatos atraveacutes do tco (termo circunstancia-do de ocorrecircncia)

Prevecirc um capiacutetulo especiacutefi co para o atendi-mento pela autoridade policial para os casos de violecircncia domeacutestica contra a mulher

A mulher pode desistir da denuacutencia na delegacia

A mulher somente poderaacute renunciar pe-rante o juiz

Eacute a mulher que muitas vezes entrega a intimaccedilatildeo para o agressor comparecer em audiecircncia

Eacute vedada a entrega da intimaccedilatildeo pela mulher ao agressor

A lei atual natildeo prevecirc a prisatildeo em fl agrante do agressor

Possibilita a prisatildeo em fl agrante

Natildeo prevecirc a prisatildeo preventiva para crimes de violecircncia domeacutestica

Altera o coacutedigo de processo penal para possibilitar ao juiz a decretaccedilatildeo da prisatildeo preventiva quando houver riscos agrave integri-dade fiacutesica ou psicoloacutegica da mulher

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica geralmente natildeo eacute informada quanto ao andamento dos atos processuais

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica seraacute notifi cada dos atos processuais es-pecialmente quanto ao ingresso e saiacuteda da prisatildeo do agressor

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica em geral vai desacompanhada de advoga-do ou defensor puacuteblico nas audiecircncias

A mulher deveraacute estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais

A violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo eacute considerada agravante de pena

Altera o artigo 61 do coacutedigo penal para considerar este tipo de violecircncia como agravante da pena

Hoje a pena para o crime de violecircncia domeacutestica eacute de 6 meses a 1 ano

A pena do crime de violecircncia domeacutestica passaraacute a ser de 3 meses a 3 anos

A violecircncia domeacutestica contra mulher porta-dora de defi ciecircncia natildeo aumenta a pena

Se a violecircncia domeacutestica for cometida contra mulher portadora de defi ciecircncia a pena seraacute aumentada em 13

Natildeo prevecirc o comparecimento do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Altera a lei de execuccedilotildees penais para permitir que o juiz determine o compareci-mento obrigatoacuterio do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Fonte Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres (wwwplanaltogovbrspmulheres)

O que muda com a nova lei

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RADIS 49 SET2006

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A nova legislaccedilatildeo prevecirc medidas ineacuteditas mdash a serem determinadas pelo juiz em ateacute 48 horas mdash de proteccedilatildeo agrave mulher em situaccedilatildeo de violecircncia e risco de vida desde a saiacuteda do agressor da residecircncia e a proibiccedilatildeo de aproximaccedilatildeo fiacutesica da mulher agre-dida e dos fi lhos ateacute o direito a reaver bens e cancelar procuraccedilotildees Na aacuterea da assistecircncia social fi ca prevista a inclusatildeo da mulher no cadastro de programas assistenciais dos gover-nos federal estadual e municipal A ministra Nilceacutea Freire da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres acredita que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentiratildeo a partir de agora mais encorajadas a denunciar as agressotildees Maria da Penha concorda e recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressatildeo ldquoNatildeo adianta conviver a cada dia a agressatildeo vai aumentar e terminar em assassina-tordquo disse ela na solenidade

Outra medida importante a cria-ccedilatildeo dos Juizados Especiais de Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher A secretaria vai instar os Tribunais de Justiccedila dos estados a que instalem es-ses juizados com o maacuteximo de rapidez possiacutevel A lei foi aprovada no Congres-so sem alteraccedilotildees ldquocomo ocorre com os grandes consensos democraacuteticosrdquo afi rma notiacutecia no site da secretaria Para Maria da Penha a lei representa o primeiro passo para que homens e mulheres vivam de forma igual ldquoPre-cisamos caminhar para uma relaccedilatildeo familiar mais harmoniosardquo

SUSPENSA PROPAGANDADE ANTIGRIPAL

A Anvisa determinou a suspensatildeo das campanhas publicitaacuterias do

Tamifl u fabricado pela multinacional Roche no Brasil sediada em Satildeo Paulo O antiviral fi cou famoso por suposta-mente curar a gripe aviaacuteria embora se saiba que natildeo eacute bem assim (Radis nordm 40) Apresentada como informativa a campanha a partir do slogan ldquoA gripe pode acabar com vocecirc mas vocecirc tem 48 horas para acabar com a griperdquo faz referecircncia a seu uso Resoluccedilatildeo da Anvi-sa (RDC nordm 1022000) e a Lei 636076 proiacutebem propaganda de medicamentos sob prescriccedilatildeo meacutedica A divulgaccedilatildeo eacute permitida exclusivamente a meacutedicos dentistas veterinaacuterios e farmacecircu-

ticos A suspensatildeo foi publicada no Diaacuterio Oficial de 38 e eacute vaacutelida para todos os meios de

comunicaccedilatildeo

BACTEacuteRIA RESISTENTE IDENTIFICADA EM SP

Uma jovem foi internada num hospital da capital paulista com

pneumonia e infecccedilatildeo generalizada mdash a primeira paciente diagnosticada no Brasil com infecccedilatildeo grave pela bac-teacuteria multirresistente Staphilococcus aureus tipo IV cepa mais virulenta e de difiacutecil combate informou o jornal O Estado de SP Casos semelhantes ocorreram nos Estados Unidos e era inevitaacutevel que chegasse ao Brasil disseram os especialistas Formas mais brandas desse microorganismo que satildeo os principais responsaacuteveis por infecccedilotildees hospitalares jaacute haviam sido registradas em 2004 em quatro pacien-tes de Porto Alegre Os americanos anunciaram nova classe de antibioacuteticos mdash platensimycin mdash para combate ao Staphilococcus aureus resistente agrave meticilina (derivada da penicilina) e ao Enterococos resistente aos mais modernos antibioacuteticos

O aumento da resistecircncia das bacteacuterias pode estar associado ao uso indiscriminado de antibioacuteticos sem prescriccedilatildeo meacutedica ldquoTodo organismo tenta sobreviver seja bacteacuteria viacuterus ou protozoaacuteriordquo disse ao jornal a in-fectologista Marta Ramalho do Hospi-tal Emiacutelio Ribas Na jovem paulistana os sintomas foram confundidos com uma gripe As hipoacuteteses de hantaviro-se leptospirose e contaminaccedilatildeo por rotaviacuterus foram afastadas A vigilacircncia sanitaacuteria investigou sem sucesso res-taurantes que a jovem frequumlentava Os medicamentos usados no tratamento foram a teicoplanina e a vancomicina da famiacutelia dos glicopeptiacutedeos O pro-blema eacute o diagnoacutestico raacutepido

OS PLANOS DE SAUacuteDE E A DIacuteVIDACOM O SUS

O Tribunal de Contas da Uniatildeo (TCU) afi rma que o SUS conseguiu

receber apenas 59 do que lhe de-vem as operadoras de planos de sauacutede privados pelos serviccedilos prestados aos usuaacuterios pela rede puacuteblica Eacute esta a conclusatildeo de auditoria do tribunal ldquofalhas administrativasrdquo da Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar se-riam o principal obstaacuteculo ao paga-mento de R$ 1 bilhatildeo ao SUS A ANS nega Diz que em dois anos os planos pagaram R$ 75 milhotildees o que cor-responderia a 16 do total devido O TCU determinou a revisatildeo das regras mas as operadoras que consideram a cobranccedila ldquoilegalrdquo continuaratildeo recor-rendo agrave Justiccedila para natildeo pagar

OS BANCOS E A DIacuteVIDA COM O INSS

O setor bancaacuterio que exibe sucessivos lucros-recorde deve R$ 17 bilhatildeo agrave

Previdecircncia mdash o total do calote chega a R$ 114 bilhotildees de empresas privadas e oacutergatildeos puacuteblicos Os nove maiores conglo-merados bancaacuterios inclusive estatais devem juntos R$ 1194 bilhatildeo ao INSS segundo lista de inadimplentes do Ministeacuterio da Previdecircncia A diacutevida co-brada na Justiccedila corresponde a 5 do lucro apurado pelas nove instituiccedilotildees em 2005 (R$ 232 bilhotildees)

O estranho eacute que embora a lei pro-iacuteba que instituiccedilotildees devedoras operem creacutedito consignado 14 das 37 institui-ccedilotildees fi nanceiras que assinaram convecircnio nesse segmento devem ao INSS informa a Agecircncia Carta Maior Onze delas satildeo privadas (BMG Mercantil do Brasil HSBC Citibank Santander-Banespa Unibanco Bradesco Real Paranaacute Fibra e Intermedium) e trecircs puacuteblicas (Banco do Brasil CEF e Banrisul) e seu deacutebito conjunto soma R$ 988 milhotildees (diacutevida de cada uma mais a de bancos e empresas que controlam) Os bancos por conta de tecnicalidades fi scais natildeo reconhecem a diacutevida

O INCRIacuteVEL SUPERAacuteVIT PRIMAacuteRIO BRASILEIRO

Outra mateacuteria relevante da agecircn-cia o Brasil pagou aos credores no

primeiro semestre de 2006 inacreditaacute-veis R$ 816 bilhotildees em juros vencidos ou por vencer mdash 825 do PIB Por lei a Uniatildeo deve reservar 425 do PIB um percentual jaacute bem alto para pagar os fi nanciadores da diacutevida puacuteblica mdash mas a equipe econocircmica preferiu ir (bem) aleacutem A parcela fi scal do pagamento o chamado superaacutevit primaacuterio cor-respondeu a 70 ou R$ 571 bilhotildees nada menos do que 577 do PIB

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RADIS 49 SET2006

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O economista Maacutercio Pochmann afi rma que 20 mil famiacutelias ganham dinheiro fi nanciando a diacutevida Como para o IBGE uma famiacutelia meacutedia tem quatro pessoas conclui-se que a parcela tributaacuteria do pagamento de juros favoreceu 80 mil pessoas com 577 das riquezas do paiacutes Por outro lado no primeiro semestre R$ 19 bi-lhotildees de impostos cobriram os gastos da Previdecircncia que sozinha com a arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees ao INSS natildeo consegue distribuir os benefiacutecios previstos (ver anaacutelise dessa ldquoloacutegicardquo na Radis 48) O valor de R$ 19 bilhotildees representa 192 do PIB Como foram pagos 21 milhotildees de benefiacutecios a agecircncia conclui que 84 milhotildees de pessoas fi caram com 192 das riquezas brasileiras

Mesmo com um aumento nominal (de R$ 1 trilhatildeo para R$ 1024 trilhatildeo no primeiro semes-tre) a diacutevida caiu de 515 do PIB em dezembro de 2005 para 503 em junho passado A equipe econocircmica argumen-ta que quanto menor o percentual me-nos juros o paiacutes paga enfraquecendo o argumento dos especuladores fi nancei-ros sobre o risco de calote

Enquanto isso na aacuterea socialOs programas de transferecircncia

de renda reduziram o percentual da populaccedilatildeo extremamente pobre (que vive com menos de US$ 60 por mecircs) de 145 em 2003 para 123 em 2004 segundo a pesquisadora Aldaiacuteza Sposa-ti da PUC-SP tambeacutem consultora da Unesco em palestra na 32ordf Conferecircn-cia Internacional do Bem-Estar Social em julho Mas isso eacute insufi ciente pois o governo precisa aceitar a ideacuteia de que gasto social eacute investimento e ldquonatildeo desperdiacutecio sem rentabilidade para o crescimento econocircmicordquo

O AVANCcedilO DAS OSSS

Em Satildeo Paulo 45 dos serviccedilos esta-duais de sauacutede jaacute estatildeo a cargo do

setor privado o restante se divide entre Organizaccedilotildees Sociais de Sauacutede (Radis 43) e o estado A Secretaria de Sauacutede natildeo quis informar o montante investido nos contratos de gestatildeo com OSSs mas o Tribunal de Contas apontou em 2004 aumento de 90 nos gastos com inter-naccedilotildees entre 1995 e 2002 e ldquoquestionou se o crescimento natildeo seria fraudulento induzido pelas entidades privadas com o objetivo de receber mais recursos puacutebli-cosrdquo informou em julho a Agecircncia Carta Maior Para o sanitarista Joseacute Carvalho de Noronha da Fiocruz o modelo atual de ldquoorganizaccedilotildees paraestataisrdquo com regime trabalhista fl exiacutevel e burla a licitaccedilotildees

difere da primeira OSS transformada na Rede Sarah criada por lei especiacutefi -ca e com orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede ldquoTem plano de carreiras proacuteprio regime trabalhista da CLT e goza de au-tonomia administrativa e fi nanceirardquo diz Eacute uma ldquoOSS puacuteblicardquo

AGRONEGOacuteCIO SEM DESMATAMENTO

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva cobrou do novo ministro da

Agricultura Luis Carlos Guedes um plano de desenvolvimento sustentaacutevel do agronegoacutecio que evite o avanccedilo do desmatamento ldquoHaacute 160 mil quilocircme-tros quadrados jaacute convertidos para a agricultura hoje abandonados na Ama-zocircniardquo disse ela ldquoNatildeo haacute motivo para que a fronteira agriacutecola seja expandi-da gerando mais desmatamento e por isso o Ministeacuterio da Agricultura precisa de um planordquo Se esse territoacuterio fosse usado de forma semi-intensiva seria possiacutevel dobrar a capacidade brasileira de produccedilatildeo de gratildeos e de criaccedilatildeo de gado sem derrubar uma soacute aacutervore Por ano satildeo desmatados 18 mil hectares de selva Apoacutes um aumento do desma-tamento de 27 em 2002 esse iacutendice caiu em 31 em 2005

AGENDA DE COMUNICACcedilAtildeO E INFORMACcedilAtildeO EM SAUacuteDE

O Conselho Nacional de Sauacutede reuniu em julho durante o 7ordm

Congresso Nacional da Rede Unida em Curitiba conselheiros e tra-balhadores da sauacutede na Ofi cina de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para o Exerciacutecio do Controle Social Foi elaborada uma Agenda de Comunica-ccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para 2006 com nove temas principais

Satildeo eles ampliaccedilatildeo do Fique Atento com defi niccedilatildeo de temaacuteticas prioritaacuterias Pacto pela Democrati-

zaccedilatildeo e Qualidade da Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede que deve ser pauta em reuniotildees dos conse-lhos Comissotildees de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede cuja criaccedilatildeo os conselhos devem priorizar ca-pacitaccedilatildeo de conselheiros na aacuterea direito agrave sauacutede e controle social com elaboraccedilatildeo de material informativo Pacto de Gestatildeo com elaboraccedilatildeo

de material in-formativo em linguagem sim-plificada pac-tos pela Vida de Gestatildeo e em Defesa do SUS com introduccedilatildeo da temaacutetica da comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo em sauacutede nos deba-tes entidades devem assumir o papel de di-vulgadores das pautas dos con-selhos Cadas-

tro Nacional de Conselhos de Sauacutede com atualizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

SANGUESSUGAS VENCERAM29 DAS LICITACcedilOtildeES

A CPI das Sanguessugas relacionou 116 parlamentares e ex-parlamen-

tares com envolvimento no esquema de ambulacircncias superfaturadas A Controladoria Geral da Uniatildeo (CGU) apurou que de 2000 a 2004 a Planam ganhou de um total de 3048 licita-ccedilotildees para aquisiccedilatildeo de ambulacircncias 891 convecircnios (29) entre municiacutepios e Ministeacuterio da Sauacutede A Operaccedilatildeo Sanguessuga da Poliacutecia Federal partiu de investigaccedilatildeo da CGU Se-gundo o Ministeacuterio da Justiccedila as in-formaccedilotildees levantadas ateacute agora natildeo permitem que os investigados sejam declarados culpados uma funccedilatildeo da Justiccedila A CPI afi rma que haacute provas concretas mdash como recibos de depoacutesi-to mdash contra 70 parlamentares

O professor Joseacute Sebastiatildeo dos Santos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiratildeo Preto disse agrave Folha de S Paulo que ambulacircncias com-pradas por emendas parlamentares servem principalmente agrave propaganda poliacutetica jaacute que chegam agraves cidades de forma aleatoacuteria e sem o planejamen-to proposto pelo SUS Ex-secretaacuterio de Sauacutede de Ribeiratildeo Preto o profes-sor acha que distribuir ambulacircncias eacute uma forma cara e pouco efi ciente

RADIS 49 SET2006

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

RADIS 48 AGO2006

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

RADIS 49 SET2006

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Page 3: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

Cartum

Conselho aos poliacuteticos Comunicaccedilatildeo e Sauacutedebull Sauacutede e ciecircncia com diversatildeo 2

Editorialbull Conselho aos poliacuteticos 3

Cartum 3

Cartas 4

Suacutemula 6

Toques da Redaccedilatildeo 9

Integralidade no EnsinaSUSbull Experiecircncias inovadoras no ensinoda sauacutede 10

Entrevista Gilson Carvalhobull ldquoOs governos trincam e truncamo conceito da integralidaderdquo 16

Reforma da reformabull Inquietaccedilotildees e mudanccedilas 17

Eleiccedilotildees e reforma da reformabull O recado do setor sauacutede aos candidatos 18bull Carta aberta aos candidatosagrave Presidecircncia 19bull O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade 20

Viacuterus infl uenzabull Um novo surto a irritaccedilatildeo de sempre 28

Debates na EnspFiocruz mdash Violecircnciabull Democracia e inclusatildeo o melhor remeacutedio 29

Intercacircmbio cientiacutefi co e biopiratariabull Como evitar a paranoacuteia 32

Serviccedilo 34

Poacutes-Tudobull O SUS e os contornos juriacutedicos da integralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede 35

Nordm 49 bull Setembro de 2006

Capa Pintura digital sobre foto de Tania Santos (VideoSauacutedeFiocruz)

Ilustraccedilotildees Cassiano Pinheiro (CP) e Aristides Dutra (AD)

Nossa garota da capa eacute Maria Dijanira Tavares da Unidade Baacutesica de Sauacutede da Famiacutelia Dr Ildone (RN)

ldquoSe conselho fosse bom natildeo se dava vendiardquo eacute o dito popular Mas

como sauacutede natildeo eacute coisa que se venda acadecircmicos profi ssionais e movimen-tos sociais do setor resolveram ldquoacon-selharrdquo os candidatos agrave presidecircncia da Repuacuteblica governos estaduais Congresso Nacional e assembleacuteias le-gislativas com propostas e exigecircncias mdash um direito que a sociedade tem em relaccedilatildeo aos seus governantes

O recado de dezenas de respei-taacuteveis personalidades e entidades da sauacutede eacute claro e consistente cumprir os preceitos constitucionais em relaccedilatildeo agrave Sauacutede e agrave Seguridade Social legislar e desenvolver poliacuteticas que incidam sobre os determinantes sociais da sauacutede pro-mover o desenvolvimento com geraccedilatildeo de emprego distribuiccedilatildeo de renda e garantia de direitos regular o setor priva-do aperfeiccediloar o SUS para que seja cada vez mais universal humanizado e de qua-lidade alterando os modelos de atenccedilatildeo com integralidade e equumlidade conforme os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria

O fi nanciamento da Seguridade Social e da Sauacutede eacute destacado tanto no documento encabeccedilado pela Abrasco (paacuteg 21) quanto nos documentos dos secretaacuterios municipais e estaduais de sauacutede (em nosso site) A imediata apro-vaccedilatildeo do Projeto de Lei Complementar 012003 que regulamenta a Emenda Constitucional 292000 eacute uma das muitas recomendaccedilotildees e exigecircncias que incluem transparecircncia e controle

orccedilamentaacuterio Os gastos com a Sauacutede devem ser considerados investimento dizem os especialistas

O documento ldquoUm SUS pra valerrdquo afi rma que ldquoa populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da dis-tacircncia entre as propostas eleitorais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacuteticordquo Isso soacute ocorreraacute prossegue o documento ldquofortalecendo instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberati-vos () natildeo soacute nas aacutereas sociais mas tambeacutem na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicasrdquo

Tantos recados urgentes natildeo devem desanimar os poliacuteticos de conferirem as demais notiacutecias desta ediccedilatildeo e 10 expe-riecircncias realmente inovadoras de abor-dagem da integralidade na formaccedilatildeo de profi ssionais de sauacutede apresentadas em nossa mateacuteria de capa O trabalho dessas instituiccedilotildees de ensino puacuteblico e privado em diferentes estados pode inspirar governantes gestores educado-res e estudantes a desenvolverem seus proacuteprios modelos inovadores

Aos eleitores os votos de uma escolha consciente de olho nos com-promissos dos partidos e na biografi a dos candidatos

Rogeacuterio Lannes RochaCoordenador do RADIS

CPAD

editorial

RADIS 49 SET2006

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cartas

RADIS eacute uma publicaccedilatildeo impressa e on-line da Fun da ccedilatildeo Oswaldo Cruz edi ta da pelo Pro gra ma RADIS (Reu niatildeo Anaacute li se e Difusatildeo de In for ma ccedilatildeo so bre Sauacute de) da Es co la Na ci o nal de Sauacute de Puacute bli ca Sergio Arouca (Ensp)

Periodicidade mensalTiragem 47500 exemplaresAssinatura graacutetis

(sujeita agrave ampliaccedilatildeo do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Antocircnio Ivo de Carvalho

Ouvidoria FiocruzTelefax (21) 3885-1762Site wwwfi ocruzbrouvidoria

PROGRAMA RADISCoordenaccedilatildeo Rogeacuterio Lannes RochaSubcoordenaccedilatildeo Justa Helena Franco

Ediccedilatildeo Marinilda CarvalhoReportagem Katia Machado (subeditora)

Wagner Vasconcelos (Brasiacutelia) Bruno Camarinha Dominguez e Juacutelia Gaspar (estaacutegio supervisionado)

Arte Aristides Dutra (subeditor) e Cassia-no Pinheiro (estaacutegio supervisionado)

Documentaccedilatildeo Jorge Ricardo Pereira Laiumls Tavares e Sandra Suzano

Secretaria e Administraccedilatildeo Oneacutesimo Gouvecirca Faacutebio Renato Lucas Ciacutecero Carneiro e Mariane Gonzaga Viana (estaacutegio supervisionado)

Informaacutetica Osvaldo Joseacute Filho e Mario Cesar G F Juacutenior (estaacutegio supervi-sionado)

EndereccediloAv Brasil 4036 sala 515 mdash ManguinhosRio de Janeiro RJ mdash CEP 21040-361Tel (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail radisenspfi ocruzbrSite wwwenspfi ocruzbrradisImpressatildeoEdiouro Graacutefi ca e Editora SA

A Radis nos traz a cada nova ediccedilatildeo uma oportunidade magniacutefi ca de

atualizaccedilotildees em se tratando de comu-nicaccedilatildeo em sauacutede Na ediccedilatildeo 47 logo na paacutegina 2 haacute uma reportagem sobre o ldquoinspetor Silvardquo e accedilotildees educativas em Vigilacircncia Sanitaacuteria O tema me interessa pois estou na Coordenaccedilatildeo de Vigilacircncia em Sauacutede do Distrito Sanitaacuterio de Santa Felicidade em Curitiba agrave qual eacute atrelado o Serviccedilo de Vigilacircncia Sanitaacuteria (Visa)

Estamos implementando accedilotildees educativas em Visa com enfoque para empresaacuterios dos diferentes ramos de atividade de interesse para a sauacutede puacuteblica equipes das unidades de sauacutede incluindo agentes comunitaacuterios de sauacutede conselhos locais de sauacutede corpo docente das escolas municipais e vereadores Este projeto estaacute em fase de elaboraccedilatildeo de propostas didaacutetico-pedagoacutegicas e acredito que a experi-ecircncia desenvolvida pela Fiocruz e a Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal poderaacute nos auxiliar Gostariacuteamos que se possiacutevel nos fosse enviado um exemplar do CD-ROM do inspetor Silva ou quem sabe dicas para elaboraccedilatildeo de materiais

didaacuteticos para o nosso projeto bull Angelo Roberto Massuchetto Curitiba

Caros amigos seu e-mail jaacute foi re-passado agrave Fiocruz-Brasiacutelia

FISIOTERAPIA NA ATENCcedilAtildeO BAacuteSICA

Sou receacutem-formada em Fisioterapia e minha formaccedilatildeo me possibilita

atuar em sauacutede puacuteblica principalmen-te na Atenccedilatildeo Primaacuteria Preocupo-me com a efetiva promoccedilatildeo da sauacutede por isso gostaria de saber sobre a atuaccedilatildeo do fi sioterapeuta no PSFbull Pollyanna Cota Rio Piracicaba MG

Parabeacutens pelas excelentes mateacuterias que a Radis vem publicando Sou

estudante de Fisioterapia e gostaria de saber quais as poliacuteticas do Ministeacuterio da Sauacutede para a inclusatildeo do fi sioterapeuta na Atenccedilatildeo Baacutesica principalmente no Programa Sauacutede da Famiacutelia bull Mirian M Mota Tauaacute Cearaacute

Prezadas leitoras a assistecircncia em fisioterapia e terapia ocupacional prevista no SUS e objeto de regula-mentaccedilatildeo (NOAS 0102) faria parte dos Nuacutecleos de Sauacutede Integral mas a portaria foi revogada por falta de or-ccedilamento segundo informou agrave Radis o Ministeacuterio da Sauacutede Agora a inclusatildeo desses profi ssionais na Atenccedilatildeo Baacutesica eacute iniciativa municipal mdash e muitas pre-feituras jaacute o fi zeram Alguns programas federais prevecircem essa assistecircncia as poliacuteticas de Sauacutede da Pessoa Portadora de Defi ciecircncia de Sauacutede Mental (nos Caps) e de Sauacutede do Idoso aleacutem dos procedimentos de Alta Complexidade e Atenccedilatildeo Hospitalar Por sinal o cur-so de sauacutede recordista em matriacuteculas entre 1991 e 2004 no Brasil foi Fisio-terapia (aumento de 7415)

CONSELHEIROS EM ACcedilAtildeO

O Instituto Estadual de Infectologia Satildeo Sebastiatildeo no Caju Rio de Janeiro

estaacute totalmente sucateado caindo aos pedaccedilos mdash natildeo literalmente falando e sim de fato paredes e reboco estatildeo cain-do muita infi ltraccedilatildeo agrave mostra aparelhos sem manutenccedilatildeo alguns obsoletos rede eleacutetrica em peacutessimas condiccedilotildees mdash os trecircs respiradores natildeo podem ser usados pois a rede natildeo suporta e cai podendo causar a morte do paciente

INSPETOR SILVA AGRADECE

Gostamos muito da ideacuteia do ldquoins-petor Silvardquo (Radis 47) tanto

que gostariacuteamos muito de receber o CD-ROM para trabalhar a questatildeo da importacircncia da vigilacircncia sanitaacuteria e os direitos dos cidadatildeos ao contar com esse serviccedilo para proteccedilatildeo da sauacutede Esclarecemos que em nossa regional satildeo 30 municiacutepios e jaacute vimos trabalhando essa questatildeo poreacutem precisamos de reforccedilos jaacute que o pouco controle social permite a frequumlente interferecircncia poliacutetica nas accedilotildees das Visas principalmente nos pequenos municiacutepiosbull Maria Therezinha B Alves diretora teacutecnica Vigilacircncia Sanitaacuteria Direccedilatildeo Regional de Sauacutede Botucatu SP

expediente

USO DA INFORMACcedilAtildeO mdash O conteuacutedo da revista Radis pode ser li vre men te utilizado e re pro du zi do em qual- quer meio de co mu ni ca ccedilatildeo im pres so radiofocircnico televisivo e ele trocirc ni co des de que acom pa nha do dos creacute di tos gerais e da as si na tu ra dos jor na lis tas

res pon saacute veis pe las ma teacute ri as reproduzidas So li ci ta mos aos ve iacute cu los que re pro du zi rem ou ci ta rem con teuacute do de nos sas pu bli ca ccedilotildees que enviem para o Radis um exem plar da pu bli ca ccedilatildeo em que a men ccedilatildeo ocor re as re fe recircn ci as da reproduccedilatildeo ou a URL da Web

RADIS 49 SET2006

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Um hospital que jaacute teve 260 leitos hoje tem apenas 16 Os bravos trabalhadores desta unidade lutam ar-duamente para mantecirc-la funcionando buscando ajuda na comunidade no Cremerj nos sindicatos e nos conse-lhos distritais e municipais mesmo assim natildeo tecircm conseguido salvar o hospital Eacute a unidade de referecircncia em infectologia do paiacutes com equipes mul-tiprofi ssionais Mas natildeo tem recurso nenhum para executar seu trabalho

Como conselheira de Sauacutede do segmento usuaacuterio vou denunciar e gritar para alertar o governo federal estadual a prefeitura Este hospital deve receber ajuda das trecircs esfe-ras pois suas portas estatildeo abertas agrave populaccedilatildeo E aos guerreiros do SUS do Hospital Satildeo Sebastiatildeo minha solidariedade e disponibilidade para lutarmos juntos bull Maria Celina de Oliveira conselheira dis-trital diretora do Sindsprev Rio de Janeiro

Gostaria de sugerir mateacuteria sobre controle social e Oscip Recente-

mente em Rio Claro (SP) o Conselho Municipal de Sauacutede apoacutes represen-taccedilatildeo ao Ministeacuterio Puacuteblico Estadual obteve vitoacuteria tambeacutem liminar em 1ordf instacircncia e cancelou a parceria entre a Fundaccedilatildeo de Sauacutede e a Oscip Associaccedilatildeo Civil Cidadania Brasil Os bens do prefeito Nevoeiro Junior (PFL) da agora ex-secretaacuteria Carminha Johanson e do diretor-administrativo foram bloqueados (wwwcanalrioclarocombrnoticiasnoticia=10788) Sou do Conselho Municipal e gostaria de receber coacutepia da decisatildeo do juiz de Valente (BA) conforme a Radis 44 Parabeacutens pelo excelente trabalhobull Edison Rodrigues Filho Rio Claro SP

Prezado Edison a reportagem sobre controle social estaacute em preparo A coacutepia da liminar seguiu por e-mail

CEacuteLULAS-TRONCO E GATOS ARISCOS

A excelente mas assustadora mateacuteria sobre as ceacutelulas-tronco demonstra

o que jaacute era de se esperar Os jogos da poliacutetica de interesses fi nanceiros estatildeo sempre intentando colocarem-se acima do conhecimento e da sauacutede Eacute com muita preocupaccedilatildeo que verifi co que aleacutem dos interesses fi nanceiros fazendo pressatildeo de todos os lados a confusatildeo eacute geral e extrema devido agrave ignoracircncia sobre eacutetica e religiatildeo A maacute gestatildeo dos recursos puacuteblicos nesse palco de gatos ariscos deixa pouco espaccedilo ao respeito agrave sauacutede e agrave vida humana Felizmente ainda natildeo

A Radis solicita que a cor res pon decircn cia dos leitores para pu bli ca ccedilatildeo (car ta e-mail ou fax) con te nha iden ti fi ca ccedilatildeo com ple ta do re me ten te nome en- de re ccedilo e te le fo ne Por questotildees de es pa ccedilo o tex to pode ser resumido

NORMAS PARA CORRESPONDEcircNCIA

permitiram o comeacutercio de embriotildees mas as jaacute permitidas experiecircncias com eles eacute um inegaacutevel crime () A polecircmica das ceacutelulas-tronco vem apenas se juntar ao lodaccedilal que corre por traacutes da medicina atual Foi-se a eacutepoca em que se tinha noccedilatildeo melhor do que expressa a Constituiccedilatildeo ldquoSatildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacute-de o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparadosrdquo () O governo jaacute pecou no fundamental A polecircmica das ceacutelulas-tronco eacute apenas mais uma ponta do icebergbull Alexandre Luis psicoacutelogo Rio de Janeiro

Parabeacutens pela mateacuteria referente ao evento do Projeto Ghente ldquoCeacute-

lulas-tronco mdash Possibilidades riscos e limites no campo das terapias no Brasilrdquo Sabemos como eacute difiacutecil a rea-lizaccedilatildeo de tal trabalho em funccedilatildeo da quantidade de debates e palestras em um evento como este mas certamente o puacuteblico da revista mais uma vez saiu ganhando com a excelente cobertura feita por vocecircsbull Karla Bernardo Projeto Ghente (wwwghenteorg)

7ordm CONGRESSO ACADEcircMICO DE MEDICINA

Sou estudante do 4ordm ano de Medicina da Faculdade de Ciecircncias Meacutedicas de

Minas Gerais Nossa escola recebe regu-larmente as ediccedilotildees da Radis e gostaria de pedir apoio para divulgaccedilatildeo do nosso 7ordm Congresso Acadecircmico de Medicina de 20 a 23 de setembro de 2006 Vaacuterios temas de interesse seratildeo abordados como interiorizaccedilatildeo da medicina sauacutede puacuteblica SUS biosseguranccedila Inscriccedilotildees na faculdade ou em nosso site (wwwcamfcmmgcjbnet)bull Christiano Orlandi Belo Horizonte

HOMENAGEM A AROUCA

O Centro Acadecircmico do Curso de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal

de Viccedilosa resolveu homenagear Sergio

Arouca [que morreu em agosto de 2003] um dos siacutembolos da luta pela democratizaccedilatildeo da sauacutede no Brasil Esperamos com isso que se eternizem na memoacuteria dos discentes do nosso curso sua sabedoria garra e perseve-ranccedila Hoje somos o CASA mdash Centro Acadecircmico Sergio Arouca Abraccedilos e parabeacutens agrave equipe do RADISbull Marcelo Eliseu Sipioni Viccedilosa MG

RADIS PARA TODOS

Trabalhamos na Biblioteca da Uni-versidade do Estado do Rio de

Janeiro (Uerj) mdash Campus Satildeo GonccedilaloRJ Gostariacuteamos de receber por doa-ccedilatildeo os exemplares desta conceituada revista Os temas tratados satildeo muito importantes os estudantes estatildeo procurando e esta coleccedilatildeo certamente ajudaraacute no desenvolvimento e apren-dizado de nossos usuaacuterios bull Rejane Amaral Uerj Satildeo Gonccedilalo RJ

Estou me graduando em Enfermagem e por recomendaccedilatildeo de minha

professora de Epidemiologia assinei a revista Por ser um mero estudante pensei que natildeo a receberia mas um dia me surpreendi ao ver a Radis em minha casa Queria agradecer agrave equipe por me manter mensalmente atualizado nas questotildees de sauacutede puacuteblica Valeubull Gean Douglas Carneiro Liacutedice RJ

Vinha recebendo regularmente as ediccedilotildees ao longo dos anos e con-

siderando as mateacuterias dessa notaacutevel miacutedia extremamente atuais para a loacute-gica dos serviccedilos puacuteblicos Entretanto o exemplar uacutenico gera controveacutersias embora apoacutes a leitura a ediccedilatildeo seja socializada para os demais colegas servidores do setor Solicitaria enca-recidamente que novos 12 exemplares fossem postados para nossa Coorde-naccedilatildeo Estadual do PACSPSF como solicitado anteriormentebull Salomatildeo Samuel Levy Niteroacutei RJ

Amigos os (muitos) pedidos estatildeo na lista de espera assim que ampliarmos novamente a tiragem procuraremos atender a todos

RADIS 49 SET2006

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LEI MARIA DA PENHA PUNE VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER

Foi sancionada em 78 a Lei Maria da Penha mdash de combate agrave violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher mdash que tornaraacute mais rigorosa a puni-ccedilatildeo dos agressores O nome da lei eacute homenagem a Maria da Penha Maia militante dos direitos das mulheres A lei que entra em vigor em 21 de setembro altera o Coacutedigo Penal per-mitindo que o agressor seja preso em fl agrante ou tenha prisatildeo preventiva decretada Acabam as penas pecuni-aacuterias pelas quais os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas baacutesicas A pena de detenccedilatildeo que era de seis meses a um ano seraacute de trecircs meses a trecircs anos

Em 1983 o marido de Maria da Penha o professor universitaacuterio Mar-co Antonio Herredia tentou mataacute-la duas vezes Na primeira vez deu-lhe um tiro que a deixou parapleacutegica Na segunda tentou eletrocutaacute-la Na ocasiatildeo ela tinha 38 anos e trecircs fi lhas entre 6 e 2 anos informou a Agecircncia Brasil Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violecircncia e a impunidade e hoje coordena a aacuterea de Estudos Pesquisas e Publicaccedilotildees da Associaccedilatildeo de Paren-tes e Amigos de Viacutetimas de Violecircncia (APAVV) em seu estado o Cearaacute Em decorrecircncia da impunidade em 2001 o Brasil foi responsabilizado por negli-gecircncia e omissatildeo em violecircncia domeacutes-tica pela Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos

Suacutemula

Antes Lei Maria da Penha

Natildeo existe lei especiacutefi ca sobre a violecircncia domeacutestica contra a mulher

Tipifi ca e defi ne a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher

Natildeo estabelece as formas desta vio-lecircncia

Estabelece as formas da violecircncia domeacutes-tica contra a mulher como sendo fiacutesica psicoloacutegica sexual patrimonial e moral

Natildeo trata das relaccedilotildees de pessoas do mesmo sexo

Determina que a violecircncia domeacutestica contra a mulher independe de orientaccedilatildeo sexual

Aplica a lei dos juizados especiais criminais (lei 909995) para os casos de violecircncia domeacutestica Estes juizados julgam os crimes com pena de ateacute dois anos (menor poten-cial ofensivo)

Retira dos juizados especiais criminais (lei 909995) a competecircncia para julgar os crimes de violecircncia domeacutestica contra a mulher

Permite a aplicaccedilatildeo de penas pecuniaacuterias como as de cestas baacutesicas e multa

Proiacutebe a aplicaccedilatildeo destas penas

Os juizados especiais criminais tratam somente do crime mas para a mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica resolver as questotildees de famiacutelia (separaccedilatildeo pensatildeo guarda de fi lhos) tem que ingressar com outro processo na vara de famiacutelia

Seratildeo criados juizados especiais de violecircn-cia domeacutestica e familiar contra a mulher com competecircncia ciacutevel e criminal para abranger todas as questotildees

A autoridade policial efetua um resumo dos fatos atraveacutes do tco (termo circunstancia-do de ocorrecircncia)

Prevecirc um capiacutetulo especiacutefi co para o atendi-mento pela autoridade policial para os casos de violecircncia domeacutestica contra a mulher

A mulher pode desistir da denuacutencia na delegacia

A mulher somente poderaacute renunciar pe-rante o juiz

Eacute a mulher que muitas vezes entrega a intimaccedilatildeo para o agressor comparecer em audiecircncia

Eacute vedada a entrega da intimaccedilatildeo pela mulher ao agressor

A lei atual natildeo prevecirc a prisatildeo em fl agrante do agressor

Possibilita a prisatildeo em fl agrante

Natildeo prevecirc a prisatildeo preventiva para crimes de violecircncia domeacutestica

Altera o coacutedigo de processo penal para possibilitar ao juiz a decretaccedilatildeo da prisatildeo preventiva quando houver riscos agrave integri-dade fiacutesica ou psicoloacutegica da mulher

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica geralmente natildeo eacute informada quanto ao andamento dos atos processuais

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica seraacute notifi cada dos atos processuais es-pecialmente quanto ao ingresso e saiacuteda da prisatildeo do agressor

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica em geral vai desacompanhada de advoga-do ou defensor puacuteblico nas audiecircncias

A mulher deveraacute estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais

A violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo eacute considerada agravante de pena

Altera o artigo 61 do coacutedigo penal para considerar este tipo de violecircncia como agravante da pena

Hoje a pena para o crime de violecircncia domeacutestica eacute de 6 meses a 1 ano

A pena do crime de violecircncia domeacutestica passaraacute a ser de 3 meses a 3 anos

A violecircncia domeacutestica contra mulher porta-dora de defi ciecircncia natildeo aumenta a pena

Se a violecircncia domeacutestica for cometida contra mulher portadora de defi ciecircncia a pena seraacute aumentada em 13

Natildeo prevecirc o comparecimento do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Altera a lei de execuccedilotildees penais para permitir que o juiz determine o compareci-mento obrigatoacuterio do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Fonte Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres (wwwplanaltogovbrspmulheres)

O que muda com a nova lei

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A nova legislaccedilatildeo prevecirc medidas ineacuteditas mdash a serem determinadas pelo juiz em ateacute 48 horas mdash de proteccedilatildeo agrave mulher em situaccedilatildeo de violecircncia e risco de vida desde a saiacuteda do agressor da residecircncia e a proibiccedilatildeo de aproximaccedilatildeo fiacutesica da mulher agre-dida e dos fi lhos ateacute o direito a reaver bens e cancelar procuraccedilotildees Na aacuterea da assistecircncia social fi ca prevista a inclusatildeo da mulher no cadastro de programas assistenciais dos gover-nos federal estadual e municipal A ministra Nilceacutea Freire da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres acredita que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentiratildeo a partir de agora mais encorajadas a denunciar as agressotildees Maria da Penha concorda e recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressatildeo ldquoNatildeo adianta conviver a cada dia a agressatildeo vai aumentar e terminar em assassina-tordquo disse ela na solenidade

Outra medida importante a cria-ccedilatildeo dos Juizados Especiais de Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher A secretaria vai instar os Tribunais de Justiccedila dos estados a que instalem es-ses juizados com o maacuteximo de rapidez possiacutevel A lei foi aprovada no Congres-so sem alteraccedilotildees ldquocomo ocorre com os grandes consensos democraacuteticosrdquo afi rma notiacutecia no site da secretaria Para Maria da Penha a lei representa o primeiro passo para que homens e mulheres vivam de forma igual ldquoPre-cisamos caminhar para uma relaccedilatildeo familiar mais harmoniosardquo

SUSPENSA PROPAGANDADE ANTIGRIPAL

A Anvisa determinou a suspensatildeo das campanhas publicitaacuterias do

Tamifl u fabricado pela multinacional Roche no Brasil sediada em Satildeo Paulo O antiviral fi cou famoso por suposta-mente curar a gripe aviaacuteria embora se saiba que natildeo eacute bem assim (Radis nordm 40) Apresentada como informativa a campanha a partir do slogan ldquoA gripe pode acabar com vocecirc mas vocecirc tem 48 horas para acabar com a griperdquo faz referecircncia a seu uso Resoluccedilatildeo da Anvi-sa (RDC nordm 1022000) e a Lei 636076 proiacutebem propaganda de medicamentos sob prescriccedilatildeo meacutedica A divulgaccedilatildeo eacute permitida exclusivamente a meacutedicos dentistas veterinaacuterios e farmacecircu-

ticos A suspensatildeo foi publicada no Diaacuterio Oficial de 38 e eacute vaacutelida para todos os meios de

comunicaccedilatildeo

BACTEacuteRIA RESISTENTE IDENTIFICADA EM SP

Uma jovem foi internada num hospital da capital paulista com

pneumonia e infecccedilatildeo generalizada mdash a primeira paciente diagnosticada no Brasil com infecccedilatildeo grave pela bac-teacuteria multirresistente Staphilococcus aureus tipo IV cepa mais virulenta e de difiacutecil combate informou o jornal O Estado de SP Casos semelhantes ocorreram nos Estados Unidos e era inevitaacutevel que chegasse ao Brasil disseram os especialistas Formas mais brandas desse microorganismo que satildeo os principais responsaacuteveis por infecccedilotildees hospitalares jaacute haviam sido registradas em 2004 em quatro pacien-tes de Porto Alegre Os americanos anunciaram nova classe de antibioacuteticos mdash platensimycin mdash para combate ao Staphilococcus aureus resistente agrave meticilina (derivada da penicilina) e ao Enterococos resistente aos mais modernos antibioacuteticos

O aumento da resistecircncia das bacteacuterias pode estar associado ao uso indiscriminado de antibioacuteticos sem prescriccedilatildeo meacutedica ldquoTodo organismo tenta sobreviver seja bacteacuteria viacuterus ou protozoaacuteriordquo disse ao jornal a in-fectologista Marta Ramalho do Hospi-tal Emiacutelio Ribas Na jovem paulistana os sintomas foram confundidos com uma gripe As hipoacuteteses de hantaviro-se leptospirose e contaminaccedilatildeo por rotaviacuterus foram afastadas A vigilacircncia sanitaacuteria investigou sem sucesso res-taurantes que a jovem frequumlentava Os medicamentos usados no tratamento foram a teicoplanina e a vancomicina da famiacutelia dos glicopeptiacutedeos O pro-blema eacute o diagnoacutestico raacutepido

OS PLANOS DE SAUacuteDE E A DIacuteVIDACOM O SUS

O Tribunal de Contas da Uniatildeo (TCU) afi rma que o SUS conseguiu

receber apenas 59 do que lhe de-vem as operadoras de planos de sauacutede privados pelos serviccedilos prestados aos usuaacuterios pela rede puacuteblica Eacute esta a conclusatildeo de auditoria do tribunal ldquofalhas administrativasrdquo da Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar se-riam o principal obstaacuteculo ao paga-mento de R$ 1 bilhatildeo ao SUS A ANS nega Diz que em dois anos os planos pagaram R$ 75 milhotildees o que cor-responderia a 16 do total devido O TCU determinou a revisatildeo das regras mas as operadoras que consideram a cobranccedila ldquoilegalrdquo continuaratildeo recor-rendo agrave Justiccedila para natildeo pagar

OS BANCOS E A DIacuteVIDA COM O INSS

O setor bancaacuterio que exibe sucessivos lucros-recorde deve R$ 17 bilhatildeo agrave

Previdecircncia mdash o total do calote chega a R$ 114 bilhotildees de empresas privadas e oacutergatildeos puacuteblicos Os nove maiores conglo-merados bancaacuterios inclusive estatais devem juntos R$ 1194 bilhatildeo ao INSS segundo lista de inadimplentes do Ministeacuterio da Previdecircncia A diacutevida co-brada na Justiccedila corresponde a 5 do lucro apurado pelas nove instituiccedilotildees em 2005 (R$ 232 bilhotildees)

O estranho eacute que embora a lei pro-iacuteba que instituiccedilotildees devedoras operem creacutedito consignado 14 das 37 institui-ccedilotildees fi nanceiras que assinaram convecircnio nesse segmento devem ao INSS informa a Agecircncia Carta Maior Onze delas satildeo privadas (BMG Mercantil do Brasil HSBC Citibank Santander-Banespa Unibanco Bradesco Real Paranaacute Fibra e Intermedium) e trecircs puacuteblicas (Banco do Brasil CEF e Banrisul) e seu deacutebito conjunto soma R$ 988 milhotildees (diacutevida de cada uma mais a de bancos e empresas que controlam) Os bancos por conta de tecnicalidades fi scais natildeo reconhecem a diacutevida

O INCRIacuteVEL SUPERAacuteVIT PRIMAacuteRIO BRASILEIRO

Outra mateacuteria relevante da agecircn-cia o Brasil pagou aos credores no

primeiro semestre de 2006 inacreditaacute-veis R$ 816 bilhotildees em juros vencidos ou por vencer mdash 825 do PIB Por lei a Uniatildeo deve reservar 425 do PIB um percentual jaacute bem alto para pagar os fi nanciadores da diacutevida puacuteblica mdash mas a equipe econocircmica preferiu ir (bem) aleacutem A parcela fi scal do pagamento o chamado superaacutevit primaacuterio cor-respondeu a 70 ou R$ 571 bilhotildees nada menos do que 577 do PIB

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O economista Maacutercio Pochmann afi rma que 20 mil famiacutelias ganham dinheiro fi nanciando a diacutevida Como para o IBGE uma famiacutelia meacutedia tem quatro pessoas conclui-se que a parcela tributaacuteria do pagamento de juros favoreceu 80 mil pessoas com 577 das riquezas do paiacutes Por outro lado no primeiro semestre R$ 19 bi-lhotildees de impostos cobriram os gastos da Previdecircncia que sozinha com a arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees ao INSS natildeo consegue distribuir os benefiacutecios previstos (ver anaacutelise dessa ldquoloacutegicardquo na Radis 48) O valor de R$ 19 bilhotildees representa 192 do PIB Como foram pagos 21 milhotildees de benefiacutecios a agecircncia conclui que 84 milhotildees de pessoas fi caram com 192 das riquezas brasileiras

Mesmo com um aumento nominal (de R$ 1 trilhatildeo para R$ 1024 trilhatildeo no primeiro semes-tre) a diacutevida caiu de 515 do PIB em dezembro de 2005 para 503 em junho passado A equipe econocircmica argumen-ta que quanto menor o percentual me-nos juros o paiacutes paga enfraquecendo o argumento dos especuladores fi nancei-ros sobre o risco de calote

Enquanto isso na aacuterea socialOs programas de transferecircncia

de renda reduziram o percentual da populaccedilatildeo extremamente pobre (que vive com menos de US$ 60 por mecircs) de 145 em 2003 para 123 em 2004 segundo a pesquisadora Aldaiacuteza Sposa-ti da PUC-SP tambeacutem consultora da Unesco em palestra na 32ordf Conferecircn-cia Internacional do Bem-Estar Social em julho Mas isso eacute insufi ciente pois o governo precisa aceitar a ideacuteia de que gasto social eacute investimento e ldquonatildeo desperdiacutecio sem rentabilidade para o crescimento econocircmicordquo

O AVANCcedilO DAS OSSS

Em Satildeo Paulo 45 dos serviccedilos esta-duais de sauacutede jaacute estatildeo a cargo do

setor privado o restante se divide entre Organizaccedilotildees Sociais de Sauacutede (Radis 43) e o estado A Secretaria de Sauacutede natildeo quis informar o montante investido nos contratos de gestatildeo com OSSs mas o Tribunal de Contas apontou em 2004 aumento de 90 nos gastos com inter-naccedilotildees entre 1995 e 2002 e ldquoquestionou se o crescimento natildeo seria fraudulento induzido pelas entidades privadas com o objetivo de receber mais recursos puacutebli-cosrdquo informou em julho a Agecircncia Carta Maior Para o sanitarista Joseacute Carvalho de Noronha da Fiocruz o modelo atual de ldquoorganizaccedilotildees paraestataisrdquo com regime trabalhista fl exiacutevel e burla a licitaccedilotildees

difere da primeira OSS transformada na Rede Sarah criada por lei especiacutefi -ca e com orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede ldquoTem plano de carreiras proacuteprio regime trabalhista da CLT e goza de au-tonomia administrativa e fi nanceirardquo diz Eacute uma ldquoOSS puacuteblicardquo

AGRONEGOacuteCIO SEM DESMATAMENTO

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva cobrou do novo ministro da

Agricultura Luis Carlos Guedes um plano de desenvolvimento sustentaacutevel do agronegoacutecio que evite o avanccedilo do desmatamento ldquoHaacute 160 mil quilocircme-tros quadrados jaacute convertidos para a agricultura hoje abandonados na Ama-zocircniardquo disse ela ldquoNatildeo haacute motivo para que a fronteira agriacutecola seja expandi-da gerando mais desmatamento e por isso o Ministeacuterio da Agricultura precisa de um planordquo Se esse territoacuterio fosse usado de forma semi-intensiva seria possiacutevel dobrar a capacidade brasileira de produccedilatildeo de gratildeos e de criaccedilatildeo de gado sem derrubar uma soacute aacutervore Por ano satildeo desmatados 18 mil hectares de selva Apoacutes um aumento do desma-tamento de 27 em 2002 esse iacutendice caiu em 31 em 2005

AGENDA DE COMUNICACcedilAtildeO E INFORMACcedilAtildeO EM SAUacuteDE

O Conselho Nacional de Sauacutede reuniu em julho durante o 7ordm

Congresso Nacional da Rede Unida em Curitiba conselheiros e tra-balhadores da sauacutede na Ofi cina de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para o Exerciacutecio do Controle Social Foi elaborada uma Agenda de Comunica-ccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para 2006 com nove temas principais

Satildeo eles ampliaccedilatildeo do Fique Atento com defi niccedilatildeo de temaacuteticas prioritaacuterias Pacto pela Democrati-

zaccedilatildeo e Qualidade da Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede que deve ser pauta em reuniotildees dos conse-lhos Comissotildees de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede cuja criaccedilatildeo os conselhos devem priorizar ca-pacitaccedilatildeo de conselheiros na aacuterea direito agrave sauacutede e controle social com elaboraccedilatildeo de material informativo Pacto de Gestatildeo com elaboraccedilatildeo

de material in-formativo em linguagem sim-plificada pac-tos pela Vida de Gestatildeo e em Defesa do SUS com introduccedilatildeo da temaacutetica da comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo em sauacutede nos deba-tes entidades devem assumir o papel de di-vulgadores das pautas dos con-selhos Cadas-

tro Nacional de Conselhos de Sauacutede com atualizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

SANGUESSUGAS VENCERAM29 DAS LICITACcedilOtildeES

A CPI das Sanguessugas relacionou 116 parlamentares e ex-parlamen-

tares com envolvimento no esquema de ambulacircncias superfaturadas A Controladoria Geral da Uniatildeo (CGU) apurou que de 2000 a 2004 a Planam ganhou de um total de 3048 licita-ccedilotildees para aquisiccedilatildeo de ambulacircncias 891 convecircnios (29) entre municiacutepios e Ministeacuterio da Sauacutede A Operaccedilatildeo Sanguessuga da Poliacutecia Federal partiu de investigaccedilatildeo da CGU Se-gundo o Ministeacuterio da Justiccedila as in-formaccedilotildees levantadas ateacute agora natildeo permitem que os investigados sejam declarados culpados uma funccedilatildeo da Justiccedila A CPI afi rma que haacute provas concretas mdash como recibos de depoacutesi-to mdash contra 70 parlamentares

O professor Joseacute Sebastiatildeo dos Santos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiratildeo Preto disse agrave Folha de S Paulo que ambulacircncias com-pradas por emendas parlamentares servem principalmente agrave propaganda poliacutetica jaacute que chegam agraves cidades de forma aleatoacuteria e sem o planejamen-to proposto pelo SUS Ex-secretaacuterio de Sauacutede de Ribeiratildeo Preto o profes-sor acha que distribuir ambulacircncias eacute uma forma cara e pouco efi ciente

RADIS 49 SET2006

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

RADIS 49 SET2006

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

RADIS 49 SET2006

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

PESQ

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A

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SU

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

RADIS 49 SET2006

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

RADIS 49 SET2006

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

RADIS 49 SET2006

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

RADIS 49 SET2006

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RADIS 49 SET2006

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

RADIS 49 SET2006

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Page 4: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

RADIS 49 SET2006

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cartas

RADIS eacute uma publicaccedilatildeo impressa e on-line da Fun da ccedilatildeo Oswaldo Cruz edi ta da pelo Pro gra ma RADIS (Reu niatildeo Anaacute li se e Difusatildeo de In for ma ccedilatildeo so bre Sauacute de) da Es co la Na ci o nal de Sauacute de Puacute bli ca Sergio Arouca (Ensp)

Periodicidade mensalTiragem 47500 exemplaresAssinatura graacutetis

(sujeita agrave ampliaccedilatildeo do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Antocircnio Ivo de Carvalho

Ouvidoria FiocruzTelefax (21) 3885-1762Site wwwfi ocruzbrouvidoria

PROGRAMA RADISCoordenaccedilatildeo Rogeacuterio Lannes RochaSubcoordenaccedilatildeo Justa Helena Franco

Ediccedilatildeo Marinilda CarvalhoReportagem Katia Machado (subeditora)

Wagner Vasconcelos (Brasiacutelia) Bruno Camarinha Dominguez e Juacutelia Gaspar (estaacutegio supervisionado)

Arte Aristides Dutra (subeditor) e Cassia-no Pinheiro (estaacutegio supervisionado)

Documentaccedilatildeo Jorge Ricardo Pereira Laiumls Tavares e Sandra Suzano

Secretaria e Administraccedilatildeo Oneacutesimo Gouvecirca Faacutebio Renato Lucas Ciacutecero Carneiro e Mariane Gonzaga Viana (estaacutegio supervisionado)

Informaacutetica Osvaldo Joseacute Filho e Mario Cesar G F Juacutenior (estaacutegio supervi-sionado)

EndereccediloAv Brasil 4036 sala 515 mdash ManguinhosRio de Janeiro RJ mdash CEP 21040-361Tel (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail radisenspfi ocruzbrSite wwwenspfi ocruzbrradisImpressatildeoEdiouro Graacutefi ca e Editora SA

A Radis nos traz a cada nova ediccedilatildeo uma oportunidade magniacutefi ca de

atualizaccedilotildees em se tratando de comu-nicaccedilatildeo em sauacutede Na ediccedilatildeo 47 logo na paacutegina 2 haacute uma reportagem sobre o ldquoinspetor Silvardquo e accedilotildees educativas em Vigilacircncia Sanitaacuteria O tema me interessa pois estou na Coordenaccedilatildeo de Vigilacircncia em Sauacutede do Distrito Sanitaacuterio de Santa Felicidade em Curitiba agrave qual eacute atrelado o Serviccedilo de Vigilacircncia Sanitaacuteria (Visa)

Estamos implementando accedilotildees educativas em Visa com enfoque para empresaacuterios dos diferentes ramos de atividade de interesse para a sauacutede puacuteblica equipes das unidades de sauacutede incluindo agentes comunitaacuterios de sauacutede conselhos locais de sauacutede corpo docente das escolas municipais e vereadores Este projeto estaacute em fase de elaboraccedilatildeo de propostas didaacutetico-pedagoacutegicas e acredito que a experi-ecircncia desenvolvida pela Fiocruz e a Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal poderaacute nos auxiliar Gostariacuteamos que se possiacutevel nos fosse enviado um exemplar do CD-ROM do inspetor Silva ou quem sabe dicas para elaboraccedilatildeo de materiais

didaacuteticos para o nosso projeto bull Angelo Roberto Massuchetto Curitiba

Caros amigos seu e-mail jaacute foi re-passado agrave Fiocruz-Brasiacutelia

FISIOTERAPIA NA ATENCcedilAtildeO BAacuteSICA

Sou receacutem-formada em Fisioterapia e minha formaccedilatildeo me possibilita

atuar em sauacutede puacuteblica principalmen-te na Atenccedilatildeo Primaacuteria Preocupo-me com a efetiva promoccedilatildeo da sauacutede por isso gostaria de saber sobre a atuaccedilatildeo do fi sioterapeuta no PSFbull Pollyanna Cota Rio Piracicaba MG

Parabeacutens pelas excelentes mateacuterias que a Radis vem publicando Sou

estudante de Fisioterapia e gostaria de saber quais as poliacuteticas do Ministeacuterio da Sauacutede para a inclusatildeo do fi sioterapeuta na Atenccedilatildeo Baacutesica principalmente no Programa Sauacutede da Famiacutelia bull Mirian M Mota Tauaacute Cearaacute

Prezadas leitoras a assistecircncia em fisioterapia e terapia ocupacional prevista no SUS e objeto de regula-mentaccedilatildeo (NOAS 0102) faria parte dos Nuacutecleos de Sauacutede Integral mas a portaria foi revogada por falta de or-ccedilamento segundo informou agrave Radis o Ministeacuterio da Sauacutede Agora a inclusatildeo desses profi ssionais na Atenccedilatildeo Baacutesica eacute iniciativa municipal mdash e muitas pre-feituras jaacute o fi zeram Alguns programas federais prevecircem essa assistecircncia as poliacuteticas de Sauacutede da Pessoa Portadora de Defi ciecircncia de Sauacutede Mental (nos Caps) e de Sauacutede do Idoso aleacutem dos procedimentos de Alta Complexidade e Atenccedilatildeo Hospitalar Por sinal o cur-so de sauacutede recordista em matriacuteculas entre 1991 e 2004 no Brasil foi Fisio-terapia (aumento de 7415)

CONSELHEIROS EM ACcedilAtildeO

O Instituto Estadual de Infectologia Satildeo Sebastiatildeo no Caju Rio de Janeiro

estaacute totalmente sucateado caindo aos pedaccedilos mdash natildeo literalmente falando e sim de fato paredes e reboco estatildeo cain-do muita infi ltraccedilatildeo agrave mostra aparelhos sem manutenccedilatildeo alguns obsoletos rede eleacutetrica em peacutessimas condiccedilotildees mdash os trecircs respiradores natildeo podem ser usados pois a rede natildeo suporta e cai podendo causar a morte do paciente

INSPETOR SILVA AGRADECE

Gostamos muito da ideacuteia do ldquoins-petor Silvardquo (Radis 47) tanto

que gostariacuteamos muito de receber o CD-ROM para trabalhar a questatildeo da importacircncia da vigilacircncia sanitaacuteria e os direitos dos cidadatildeos ao contar com esse serviccedilo para proteccedilatildeo da sauacutede Esclarecemos que em nossa regional satildeo 30 municiacutepios e jaacute vimos trabalhando essa questatildeo poreacutem precisamos de reforccedilos jaacute que o pouco controle social permite a frequumlente interferecircncia poliacutetica nas accedilotildees das Visas principalmente nos pequenos municiacutepiosbull Maria Therezinha B Alves diretora teacutecnica Vigilacircncia Sanitaacuteria Direccedilatildeo Regional de Sauacutede Botucatu SP

expediente

USO DA INFORMACcedilAtildeO mdash O conteuacutedo da revista Radis pode ser li vre men te utilizado e re pro du zi do em qual- quer meio de co mu ni ca ccedilatildeo im pres so radiofocircnico televisivo e ele trocirc ni co des de que acom pa nha do dos creacute di tos gerais e da as si na tu ra dos jor na lis tas

res pon saacute veis pe las ma teacute ri as reproduzidas So li ci ta mos aos ve iacute cu los que re pro du zi rem ou ci ta rem con teuacute do de nos sas pu bli ca ccedilotildees que enviem para o Radis um exem plar da pu bli ca ccedilatildeo em que a men ccedilatildeo ocor re as re fe recircn ci as da reproduccedilatildeo ou a URL da Web

RADIS 49 SET2006

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Um hospital que jaacute teve 260 leitos hoje tem apenas 16 Os bravos trabalhadores desta unidade lutam ar-duamente para mantecirc-la funcionando buscando ajuda na comunidade no Cremerj nos sindicatos e nos conse-lhos distritais e municipais mesmo assim natildeo tecircm conseguido salvar o hospital Eacute a unidade de referecircncia em infectologia do paiacutes com equipes mul-tiprofi ssionais Mas natildeo tem recurso nenhum para executar seu trabalho

Como conselheira de Sauacutede do segmento usuaacuterio vou denunciar e gritar para alertar o governo federal estadual a prefeitura Este hospital deve receber ajuda das trecircs esfe-ras pois suas portas estatildeo abertas agrave populaccedilatildeo E aos guerreiros do SUS do Hospital Satildeo Sebastiatildeo minha solidariedade e disponibilidade para lutarmos juntos bull Maria Celina de Oliveira conselheira dis-trital diretora do Sindsprev Rio de Janeiro

Gostaria de sugerir mateacuteria sobre controle social e Oscip Recente-

mente em Rio Claro (SP) o Conselho Municipal de Sauacutede apoacutes represen-taccedilatildeo ao Ministeacuterio Puacuteblico Estadual obteve vitoacuteria tambeacutem liminar em 1ordf instacircncia e cancelou a parceria entre a Fundaccedilatildeo de Sauacutede e a Oscip Associaccedilatildeo Civil Cidadania Brasil Os bens do prefeito Nevoeiro Junior (PFL) da agora ex-secretaacuteria Carminha Johanson e do diretor-administrativo foram bloqueados (wwwcanalrioclarocombrnoticiasnoticia=10788) Sou do Conselho Municipal e gostaria de receber coacutepia da decisatildeo do juiz de Valente (BA) conforme a Radis 44 Parabeacutens pelo excelente trabalhobull Edison Rodrigues Filho Rio Claro SP

Prezado Edison a reportagem sobre controle social estaacute em preparo A coacutepia da liminar seguiu por e-mail

CEacuteLULAS-TRONCO E GATOS ARISCOS

A excelente mas assustadora mateacuteria sobre as ceacutelulas-tronco demonstra

o que jaacute era de se esperar Os jogos da poliacutetica de interesses fi nanceiros estatildeo sempre intentando colocarem-se acima do conhecimento e da sauacutede Eacute com muita preocupaccedilatildeo que verifi co que aleacutem dos interesses fi nanceiros fazendo pressatildeo de todos os lados a confusatildeo eacute geral e extrema devido agrave ignoracircncia sobre eacutetica e religiatildeo A maacute gestatildeo dos recursos puacuteblicos nesse palco de gatos ariscos deixa pouco espaccedilo ao respeito agrave sauacutede e agrave vida humana Felizmente ainda natildeo

A Radis solicita que a cor res pon decircn cia dos leitores para pu bli ca ccedilatildeo (car ta e-mail ou fax) con te nha iden ti fi ca ccedilatildeo com ple ta do re me ten te nome en- de re ccedilo e te le fo ne Por questotildees de es pa ccedilo o tex to pode ser resumido

NORMAS PARA CORRESPONDEcircNCIA

permitiram o comeacutercio de embriotildees mas as jaacute permitidas experiecircncias com eles eacute um inegaacutevel crime () A polecircmica das ceacutelulas-tronco vem apenas se juntar ao lodaccedilal que corre por traacutes da medicina atual Foi-se a eacutepoca em que se tinha noccedilatildeo melhor do que expressa a Constituiccedilatildeo ldquoSatildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacute-de o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparadosrdquo () O governo jaacute pecou no fundamental A polecircmica das ceacutelulas-tronco eacute apenas mais uma ponta do icebergbull Alexandre Luis psicoacutelogo Rio de Janeiro

Parabeacutens pela mateacuteria referente ao evento do Projeto Ghente ldquoCeacute-

lulas-tronco mdash Possibilidades riscos e limites no campo das terapias no Brasilrdquo Sabemos como eacute difiacutecil a rea-lizaccedilatildeo de tal trabalho em funccedilatildeo da quantidade de debates e palestras em um evento como este mas certamente o puacuteblico da revista mais uma vez saiu ganhando com a excelente cobertura feita por vocecircsbull Karla Bernardo Projeto Ghente (wwwghenteorg)

7ordm CONGRESSO ACADEcircMICO DE MEDICINA

Sou estudante do 4ordm ano de Medicina da Faculdade de Ciecircncias Meacutedicas de

Minas Gerais Nossa escola recebe regu-larmente as ediccedilotildees da Radis e gostaria de pedir apoio para divulgaccedilatildeo do nosso 7ordm Congresso Acadecircmico de Medicina de 20 a 23 de setembro de 2006 Vaacuterios temas de interesse seratildeo abordados como interiorizaccedilatildeo da medicina sauacutede puacuteblica SUS biosseguranccedila Inscriccedilotildees na faculdade ou em nosso site (wwwcamfcmmgcjbnet)bull Christiano Orlandi Belo Horizonte

HOMENAGEM A AROUCA

O Centro Acadecircmico do Curso de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal

de Viccedilosa resolveu homenagear Sergio

Arouca [que morreu em agosto de 2003] um dos siacutembolos da luta pela democratizaccedilatildeo da sauacutede no Brasil Esperamos com isso que se eternizem na memoacuteria dos discentes do nosso curso sua sabedoria garra e perseve-ranccedila Hoje somos o CASA mdash Centro Acadecircmico Sergio Arouca Abraccedilos e parabeacutens agrave equipe do RADISbull Marcelo Eliseu Sipioni Viccedilosa MG

RADIS PARA TODOS

Trabalhamos na Biblioteca da Uni-versidade do Estado do Rio de

Janeiro (Uerj) mdash Campus Satildeo GonccedilaloRJ Gostariacuteamos de receber por doa-ccedilatildeo os exemplares desta conceituada revista Os temas tratados satildeo muito importantes os estudantes estatildeo procurando e esta coleccedilatildeo certamente ajudaraacute no desenvolvimento e apren-dizado de nossos usuaacuterios bull Rejane Amaral Uerj Satildeo Gonccedilalo RJ

Estou me graduando em Enfermagem e por recomendaccedilatildeo de minha

professora de Epidemiologia assinei a revista Por ser um mero estudante pensei que natildeo a receberia mas um dia me surpreendi ao ver a Radis em minha casa Queria agradecer agrave equipe por me manter mensalmente atualizado nas questotildees de sauacutede puacuteblica Valeubull Gean Douglas Carneiro Liacutedice RJ

Vinha recebendo regularmente as ediccedilotildees ao longo dos anos e con-

siderando as mateacuterias dessa notaacutevel miacutedia extremamente atuais para a loacute-gica dos serviccedilos puacuteblicos Entretanto o exemplar uacutenico gera controveacutersias embora apoacutes a leitura a ediccedilatildeo seja socializada para os demais colegas servidores do setor Solicitaria enca-recidamente que novos 12 exemplares fossem postados para nossa Coorde-naccedilatildeo Estadual do PACSPSF como solicitado anteriormentebull Salomatildeo Samuel Levy Niteroacutei RJ

Amigos os (muitos) pedidos estatildeo na lista de espera assim que ampliarmos novamente a tiragem procuraremos atender a todos

RADIS 49 SET2006

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LEI MARIA DA PENHA PUNE VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER

Foi sancionada em 78 a Lei Maria da Penha mdash de combate agrave violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher mdash que tornaraacute mais rigorosa a puni-ccedilatildeo dos agressores O nome da lei eacute homenagem a Maria da Penha Maia militante dos direitos das mulheres A lei que entra em vigor em 21 de setembro altera o Coacutedigo Penal per-mitindo que o agressor seja preso em fl agrante ou tenha prisatildeo preventiva decretada Acabam as penas pecuni-aacuterias pelas quais os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas baacutesicas A pena de detenccedilatildeo que era de seis meses a um ano seraacute de trecircs meses a trecircs anos

Em 1983 o marido de Maria da Penha o professor universitaacuterio Mar-co Antonio Herredia tentou mataacute-la duas vezes Na primeira vez deu-lhe um tiro que a deixou parapleacutegica Na segunda tentou eletrocutaacute-la Na ocasiatildeo ela tinha 38 anos e trecircs fi lhas entre 6 e 2 anos informou a Agecircncia Brasil Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violecircncia e a impunidade e hoje coordena a aacuterea de Estudos Pesquisas e Publicaccedilotildees da Associaccedilatildeo de Paren-tes e Amigos de Viacutetimas de Violecircncia (APAVV) em seu estado o Cearaacute Em decorrecircncia da impunidade em 2001 o Brasil foi responsabilizado por negli-gecircncia e omissatildeo em violecircncia domeacutes-tica pela Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos

Suacutemula

Antes Lei Maria da Penha

Natildeo existe lei especiacutefi ca sobre a violecircncia domeacutestica contra a mulher

Tipifi ca e defi ne a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher

Natildeo estabelece as formas desta vio-lecircncia

Estabelece as formas da violecircncia domeacutes-tica contra a mulher como sendo fiacutesica psicoloacutegica sexual patrimonial e moral

Natildeo trata das relaccedilotildees de pessoas do mesmo sexo

Determina que a violecircncia domeacutestica contra a mulher independe de orientaccedilatildeo sexual

Aplica a lei dos juizados especiais criminais (lei 909995) para os casos de violecircncia domeacutestica Estes juizados julgam os crimes com pena de ateacute dois anos (menor poten-cial ofensivo)

Retira dos juizados especiais criminais (lei 909995) a competecircncia para julgar os crimes de violecircncia domeacutestica contra a mulher

Permite a aplicaccedilatildeo de penas pecuniaacuterias como as de cestas baacutesicas e multa

Proiacutebe a aplicaccedilatildeo destas penas

Os juizados especiais criminais tratam somente do crime mas para a mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica resolver as questotildees de famiacutelia (separaccedilatildeo pensatildeo guarda de fi lhos) tem que ingressar com outro processo na vara de famiacutelia

Seratildeo criados juizados especiais de violecircn-cia domeacutestica e familiar contra a mulher com competecircncia ciacutevel e criminal para abranger todas as questotildees

A autoridade policial efetua um resumo dos fatos atraveacutes do tco (termo circunstancia-do de ocorrecircncia)

Prevecirc um capiacutetulo especiacutefi co para o atendi-mento pela autoridade policial para os casos de violecircncia domeacutestica contra a mulher

A mulher pode desistir da denuacutencia na delegacia

A mulher somente poderaacute renunciar pe-rante o juiz

Eacute a mulher que muitas vezes entrega a intimaccedilatildeo para o agressor comparecer em audiecircncia

Eacute vedada a entrega da intimaccedilatildeo pela mulher ao agressor

A lei atual natildeo prevecirc a prisatildeo em fl agrante do agressor

Possibilita a prisatildeo em fl agrante

Natildeo prevecirc a prisatildeo preventiva para crimes de violecircncia domeacutestica

Altera o coacutedigo de processo penal para possibilitar ao juiz a decretaccedilatildeo da prisatildeo preventiva quando houver riscos agrave integri-dade fiacutesica ou psicoloacutegica da mulher

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica geralmente natildeo eacute informada quanto ao andamento dos atos processuais

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica seraacute notifi cada dos atos processuais es-pecialmente quanto ao ingresso e saiacuteda da prisatildeo do agressor

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica em geral vai desacompanhada de advoga-do ou defensor puacuteblico nas audiecircncias

A mulher deveraacute estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais

A violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo eacute considerada agravante de pena

Altera o artigo 61 do coacutedigo penal para considerar este tipo de violecircncia como agravante da pena

Hoje a pena para o crime de violecircncia domeacutestica eacute de 6 meses a 1 ano

A pena do crime de violecircncia domeacutestica passaraacute a ser de 3 meses a 3 anos

A violecircncia domeacutestica contra mulher porta-dora de defi ciecircncia natildeo aumenta a pena

Se a violecircncia domeacutestica for cometida contra mulher portadora de defi ciecircncia a pena seraacute aumentada em 13

Natildeo prevecirc o comparecimento do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Altera a lei de execuccedilotildees penais para permitir que o juiz determine o compareci-mento obrigatoacuterio do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Fonte Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres (wwwplanaltogovbrspmulheres)

O que muda com a nova lei

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RADIS 49 SET2006

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A nova legislaccedilatildeo prevecirc medidas ineacuteditas mdash a serem determinadas pelo juiz em ateacute 48 horas mdash de proteccedilatildeo agrave mulher em situaccedilatildeo de violecircncia e risco de vida desde a saiacuteda do agressor da residecircncia e a proibiccedilatildeo de aproximaccedilatildeo fiacutesica da mulher agre-dida e dos fi lhos ateacute o direito a reaver bens e cancelar procuraccedilotildees Na aacuterea da assistecircncia social fi ca prevista a inclusatildeo da mulher no cadastro de programas assistenciais dos gover-nos federal estadual e municipal A ministra Nilceacutea Freire da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres acredita que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentiratildeo a partir de agora mais encorajadas a denunciar as agressotildees Maria da Penha concorda e recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressatildeo ldquoNatildeo adianta conviver a cada dia a agressatildeo vai aumentar e terminar em assassina-tordquo disse ela na solenidade

Outra medida importante a cria-ccedilatildeo dos Juizados Especiais de Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher A secretaria vai instar os Tribunais de Justiccedila dos estados a que instalem es-ses juizados com o maacuteximo de rapidez possiacutevel A lei foi aprovada no Congres-so sem alteraccedilotildees ldquocomo ocorre com os grandes consensos democraacuteticosrdquo afi rma notiacutecia no site da secretaria Para Maria da Penha a lei representa o primeiro passo para que homens e mulheres vivam de forma igual ldquoPre-cisamos caminhar para uma relaccedilatildeo familiar mais harmoniosardquo

SUSPENSA PROPAGANDADE ANTIGRIPAL

A Anvisa determinou a suspensatildeo das campanhas publicitaacuterias do

Tamifl u fabricado pela multinacional Roche no Brasil sediada em Satildeo Paulo O antiviral fi cou famoso por suposta-mente curar a gripe aviaacuteria embora se saiba que natildeo eacute bem assim (Radis nordm 40) Apresentada como informativa a campanha a partir do slogan ldquoA gripe pode acabar com vocecirc mas vocecirc tem 48 horas para acabar com a griperdquo faz referecircncia a seu uso Resoluccedilatildeo da Anvi-sa (RDC nordm 1022000) e a Lei 636076 proiacutebem propaganda de medicamentos sob prescriccedilatildeo meacutedica A divulgaccedilatildeo eacute permitida exclusivamente a meacutedicos dentistas veterinaacuterios e farmacecircu-

ticos A suspensatildeo foi publicada no Diaacuterio Oficial de 38 e eacute vaacutelida para todos os meios de

comunicaccedilatildeo

BACTEacuteRIA RESISTENTE IDENTIFICADA EM SP

Uma jovem foi internada num hospital da capital paulista com

pneumonia e infecccedilatildeo generalizada mdash a primeira paciente diagnosticada no Brasil com infecccedilatildeo grave pela bac-teacuteria multirresistente Staphilococcus aureus tipo IV cepa mais virulenta e de difiacutecil combate informou o jornal O Estado de SP Casos semelhantes ocorreram nos Estados Unidos e era inevitaacutevel que chegasse ao Brasil disseram os especialistas Formas mais brandas desse microorganismo que satildeo os principais responsaacuteveis por infecccedilotildees hospitalares jaacute haviam sido registradas em 2004 em quatro pacien-tes de Porto Alegre Os americanos anunciaram nova classe de antibioacuteticos mdash platensimycin mdash para combate ao Staphilococcus aureus resistente agrave meticilina (derivada da penicilina) e ao Enterococos resistente aos mais modernos antibioacuteticos

O aumento da resistecircncia das bacteacuterias pode estar associado ao uso indiscriminado de antibioacuteticos sem prescriccedilatildeo meacutedica ldquoTodo organismo tenta sobreviver seja bacteacuteria viacuterus ou protozoaacuteriordquo disse ao jornal a in-fectologista Marta Ramalho do Hospi-tal Emiacutelio Ribas Na jovem paulistana os sintomas foram confundidos com uma gripe As hipoacuteteses de hantaviro-se leptospirose e contaminaccedilatildeo por rotaviacuterus foram afastadas A vigilacircncia sanitaacuteria investigou sem sucesso res-taurantes que a jovem frequumlentava Os medicamentos usados no tratamento foram a teicoplanina e a vancomicina da famiacutelia dos glicopeptiacutedeos O pro-blema eacute o diagnoacutestico raacutepido

OS PLANOS DE SAUacuteDE E A DIacuteVIDACOM O SUS

O Tribunal de Contas da Uniatildeo (TCU) afi rma que o SUS conseguiu

receber apenas 59 do que lhe de-vem as operadoras de planos de sauacutede privados pelos serviccedilos prestados aos usuaacuterios pela rede puacuteblica Eacute esta a conclusatildeo de auditoria do tribunal ldquofalhas administrativasrdquo da Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar se-riam o principal obstaacuteculo ao paga-mento de R$ 1 bilhatildeo ao SUS A ANS nega Diz que em dois anos os planos pagaram R$ 75 milhotildees o que cor-responderia a 16 do total devido O TCU determinou a revisatildeo das regras mas as operadoras que consideram a cobranccedila ldquoilegalrdquo continuaratildeo recor-rendo agrave Justiccedila para natildeo pagar

OS BANCOS E A DIacuteVIDA COM O INSS

O setor bancaacuterio que exibe sucessivos lucros-recorde deve R$ 17 bilhatildeo agrave

Previdecircncia mdash o total do calote chega a R$ 114 bilhotildees de empresas privadas e oacutergatildeos puacuteblicos Os nove maiores conglo-merados bancaacuterios inclusive estatais devem juntos R$ 1194 bilhatildeo ao INSS segundo lista de inadimplentes do Ministeacuterio da Previdecircncia A diacutevida co-brada na Justiccedila corresponde a 5 do lucro apurado pelas nove instituiccedilotildees em 2005 (R$ 232 bilhotildees)

O estranho eacute que embora a lei pro-iacuteba que instituiccedilotildees devedoras operem creacutedito consignado 14 das 37 institui-ccedilotildees fi nanceiras que assinaram convecircnio nesse segmento devem ao INSS informa a Agecircncia Carta Maior Onze delas satildeo privadas (BMG Mercantil do Brasil HSBC Citibank Santander-Banespa Unibanco Bradesco Real Paranaacute Fibra e Intermedium) e trecircs puacuteblicas (Banco do Brasil CEF e Banrisul) e seu deacutebito conjunto soma R$ 988 milhotildees (diacutevida de cada uma mais a de bancos e empresas que controlam) Os bancos por conta de tecnicalidades fi scais natildeo reconhecem a diacutevida

O INCRIacuteVEL SUPERAacuteVIT PRIMAacuteRIO BRASILEIRO

Outra mateacuteria relevante da agecircn-cia o Brasil pagou aos credores no

primeiro semestre de 2006 inacreditaacute-veis R$ 816 bilhotildees em juros vencidos ou por vencer mdash 825 do PIB Por lei a Uniatildeo deve reservar 425 do PIB um percentual jaacute bem alto para pagar os fi nanciadores da diacutevida puacuteblica mdash mas a equipe econocircmica preferiu ir (bem) aleacutem A parcela fi scal do pagamento o chamado superaacutevit primaacuterio cor-respondeu a 70 ou R$ 571 bilhotildees nada menos do que 577 do PIB

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RADIS 49 SET2006

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O economista Maacutercio Pochmann afi rma que 20 mil famiacutelias ganham dinheiro fi nanciando a diacutevida Como para o IBGE uma famiacutelia meacutedia tem quatro pessoas conclui-se que a parcela tributaacuteria do pagamento de juros favoreceu 80 mil pessoas com 577 das riquezas do paiacutes Por outro lado no primeiro semestre R$ 19 bi-lhotildees de impostos cobriram os gastos da Previdecircncia que sozinha com a arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees ao INSS natildeo consegue distribuir os benefiacutecios previstos (ver anaacutelise dessa ldquoloacutegicardquo na Radis 48) O valor de R$ 19 bilhotildees representa 192 do PIB Como foram pagos 21 milhotildees de benefiacutecios a agecircncia conclui que 84 milhotildees de pessoas fi caram com 192 das riquezas brasileiras

Mesmo com um aumento nominal (de R$ 1 trilhatildeo para R$ 1024 trilhatildeo no primeiro semes-tre) a diacutevida caiu de 515 do PIB em dezembro de 2005 para 503 em junho passado A equipe econocircmica argumen-ta que quanto menor o percentual me-nos juros o paiacutes paga enfraquecendo o argumento dos especuladores fi nancei-ros sobre o risco de calote

Enquanto isso na aacuterea socialOs programas de transferecircncia

de renda reduziram o percentual da populaccedilatildeo extremamente pobre (que vive com menos de US$ 60 por mecircs) de 145 em 2003 para 123 em 2004 segundo a pesquisadora Aldaiacuteza Sposa-ti da PUC-SP tambeacutem consultora da Unesco em palestra na 32ordf Conferecircn-cia Internacional do Bem-Estar Social em julho Mas isso eacute insufi ciente pois o governo precisa aceitar a ideacuteia de que gasto social eacute investimento e ldquonatildeo desperdiacutecio sem rentabilidade para o crescimento econocircmicordquo

O AVANCcedilO DAS OSSS

Em Satildeo Paulo 45 dos serviccedilos esta-duais de sauacutede jaacute estatildeo a cargo do

setor privado o restante se divide entre Organizaccedilotildees Sociais de Sauacutede (Radis 43) e o estado A Secretaria de Sauacutede natildeo quis informar o montante investido nos contratos de gestatildeo com OSSs mas o Tribunal de Contas apontou em 2004 aumento de 90 nos gastos com inter-naccedilotildees entre 1995 e 2002 e ldquoquestionou se o crescimento natildeo seria fraudulento induzido pelas entidades privadas com o objetivo de receber mais recursos puacutebli-cosrdquo informou em julho a Agecircncia Carta Maior Para o sanitarista Joseacute Carvalho de Noronha da Fiocruz o modelo atual de ldquoorganizaccedilotildees paraestataisrdquo com regime trabalhista fl exiacutevel e burla a licitaccedilotildees

difere da primeira OSS transformada na Rede Sarah criada por lei especiacutefi -ca e com orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede ldquoTem plano de carreiras proacuteprio regime trabalhista da CLT e goza de au-tonomia administrativa e fi nanceirardquo diz Eacute uma ldquoOSS puacuteblicardquo

AGRONEGOacuteCIO SEM DESMATAMENTO

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva cobrou do novo ministro da

Agricultura Luis Carlos Guedes um plano de desenvolvimento sustentaacutevel do agronegoacutecio que evite o avanccedilo do desmatamento ldquoHaacute 160 mil quilocircme-tros quadrados jaacute convertidos para a agricultura hoje abandonados na Ama-zocircniardquo disse ela ldquoNatildeo haacute motivo para que a fronteira agriacutecola seja expandi-da gerando mais desmatamento e por isso o Ministeacuterio da Agricultura precisa de um planordquo Se esse territoacuterio fosse usado de forma semi-intensiva seria possiacutevel dobrar a capacidade brasileira de produccedilatildeo de gratildeos e de criaccedilatildeo de gado sem derrubar uma soacute aacutervore Por ano satildeo desmatados 18 mil hectares de selva Apoacutes um aumento do desma-tamento de 27 em 2002 esse iacutendice caiu em 31 em 2005

AGENDA DE COMUNICACcedilAtildeO E INFORMACcedilAtildeO EM SAUacuteDE

O Conselho Nacional de Sauacutede reuniu em julho durante o 7ordm

Congresso Nacional da Rede Unida em Curitiba conselheiros e tra-balhadores da sauacutede na Ofi cina de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para o Exerciacutecio do Controle Social Foi elaborada uma Agenda de Comunica-ccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para 2006 com nove temas principais

Satildeo eles ampliaccedilatildeo do Fique Atento com defi niccedilatildeo de temaacuteticas prioritaacuterias Pacto pela Democrati-

zaccedilatildeo e Qualidade da Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede que deve ser pauta em reuniotildees dos conse-lhos Comissotildees de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede cuja criaccedilatildeo os conselhos devem priorizar ca-pacitaccedilatildeo de conselheiros na aacuterea direito agrave sauacutede e controle social com elaboraccedilatildeo de material informativo Pacto de Gestatildeo com elaboraccedilatildeo

de material in-formativo em linguagem sim-plificada pac-tos pela Vida de Gestatildeo e em Defesa do SUS com introduccedilatildeo da temaacutetica da comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo em sauacutede nos deba-tes entidades devem assumir o papel de di-vulgadores das pautas dos con-selhos Cadas-

tro Nacional de Conselhos de Sauacutede com atualizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

SANGUESSUGAS VENCERAM29 DAS LICITACcedilOtildeES

A CPI das Sanguessugas relacionou 116 parlamentares e ex-parlamen-

tares com envolvimento no esquema de ambulacircncias superfaturadas A Controladoria Geral da Uniatildeo (CGU) apurou que de 2000 a 2004 a Planam ganhou de um total de 3048 licita-ccedilotildees para aquisiccedilatildeo de ambulacircncias 891 convecircnios (29) entre municiacutepios e Ministeacuterio da Sauacutede A Operaccedilatildeo Sanguessuga da Poliacutecia Federal partiu de investigaccedilatildeo da CGU Se-gundo o Ministeacuterio da Justiccedila as in-formaccedilotildees levantadas ateacute agora natildeo permitem que os investigados sejam declarados culpados uma funccedilatildeo da Justiccedila A CPI afi rma que haacute provas concretas mdash como recibos de depoacutesi-to mdash contra 70 parlamentares

O professor Joseacute Sebastiatildeo dos Santos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiratildeo Preto disse agrave Folha de S Paulo que ambulacircncias com-pradas por emendas parlamentares servem principalmente agrave propaganda poliacutetica jaacute que chegam agraves cidades de forma aleatoacuteria e sem o planejamen-to proposto pelo SUS Ex-secretaacuterio de Sauacutede de Ribeiratildeo Preto o profes-sor acha que distribuir ambulacircncias eacute uma forma cara e pouco efi ciente

RADIS 49 SET2006

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

RADIS 49 SET2006

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

RADIS 49 SET2006

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

PESQ

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A

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SU

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

RADIS 49 SET2006

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

RADIS 49 SET2006

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

RADIS 49 SET2006

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

AD

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

AD

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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Page 5: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

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Um hospital que jaacute teve 260 leitos hoje tem apenas 16 Os bravos trabalhadores desta unidade lutam ar-duamente para mantecirc-la funcionando buscando ajuda na comunidade no Cremerj nos sindicatos e nos conse-lhos distritais e municipais mesmo assim natildeo tecircm conseguido salvar o hospital Eacute a unidade de referecircncia em infectologia do paiacutes com equipes mul-tiprofi ssionais Mas natildeo tem recurso nenhum para executar seu trabalho

Como conselheira de Sauacutede do segmento usuaacuterio vou denunciar e gritar para alertar o governo federal estadual a prefeitura Este hospital deve receber ajuda das trecircs esfe-ras pois suas portas estatildeo abertas agrave populaccedilatildeo E aos guerreiros do SUS do Hospital Satildeo Sebastiatildeo minha solidariedade e disponibilidade para lutarmos juntos bull Maria Celina de Oliveira conselheira dis-trital diretora do Sindsprev Rio de Janeiro

Gostaria de sugerir mateacuteria sobre controle social e Oscip Recente-

mente em Rio Claro (SP) o Conselho Municipal de Sauacutede apoacutes represen-taccedilatildeo ao Ministeacuterio Puacuteblico Estadual obteve vitoacuteria tambeacutem liminar em 1ordf instacircncia e cancelou a parceria entre a Fundaccedilatildeo de Sauacutede e a Oscip Associaccedilatildeo Civil Cidadania Brasil Os bens do prefeito Nevoeiro Junior (PFL) da agora ex-secretaacuteria Carminha Johanson e do diretor-administrativo foram bloqueados (wwwcanalrioclarocombrnoticiasnoticia=10788) Sou do Conselho Municipal e gostaria de receber coacutepia da decisatildeo do juiz de Valente (BA) conforme a Radis 44 Parabeacutens pelo excelente trabalhobull Edison Rodrigues Filho Rio Claro SP

Prezado Edison a reportagem sobre controle social estaacute em preparo A coacutepia da liminar seguiu por e-mail

CEacuteLULAS-TRONCO E GATOS ARISCOS

A excelente mas assustadora mateacuteria sobre as ceacutelulas-tronco demonstra

o que jaacute era de se esperar Os jogos da poliacutetica de interesses fi nanceiros estatildeo sempre intentando colocarem-se acima do conhecimento e da sauacutede Eacute com muita preocupaccedilatildeo que verifi co que aleacutem dos interesses fi nanceiros fazendo pressatildeo de todos os lados a confusatildeo eacute geral e extrema devido agrave ignoracircncia sobre eacutetica e religiatildeo A maacute gestatildeo dos recursos puacuteblicos nesse palco de gatos ariscos deixa pouco espaccedilo ao respeito agrave sauacutede e agrave vida humana Felizmente ainda natildeo

A Radis solicita que a cor res pon decircn cia dos leitores para pu bli ca ccedilatildeo (car ta e-mail ou fax) con te nha iden ti fi ca ccedilatildeo com ple ta do re me ten te nome en- de re ccedilo e te le fo ne Por questotildees de es pa ccedilo o tex to pode ser resumido

NORMAS PARA CORRESPONDEcircNCIA

permitiram o comeacutercio de embriotildees mas as jaacute permitidas experiecircncias com eles eacute um inegaacutevel crime () A polecircmica das ceacutelulas-tronco vem apenas se juntar ao lodaccedilal que corre por traacutes da medicina atual Foi-se a eacutepoca em que se tinha noccedilatildeo melhor do que expressa a Constituiccedilatildeo ldquoSatildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacute-de o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparadosrdquo () O governo jaacute pecou no fundamental A polecircmica das ceacutelulas-tronco eacute apenas mais uma ponta do icebergbull Alexandre Luis psicoacutelogo Rio de Janeiro

Parabeacutens pela mateacuteria referente ao evento do Projeto Ghente ldquoCeacute-

lulas-tronco mdash Possibilidades riscos e limites no campo das terapias no Brasilrdquo Sabemos como eacute difiacutecil a rea-lizaccedilatildeo de tal trabalho em funccedilatildeo da quantidade de debates e palestras em um evento como este mas certamente o puacuteblico da revista mais uma vez saiu ganhando com a excelente cobertura feita por vocecircsbull Karla Bernardo Projeto Ghente (wwwghenteorg)

7ordm CONGRESSO ACADEcircMICO DE MEDICINA

Sou estudante do 4ordm ano de Medicina da Faculdade de Ciecircncias Meacutedicas de

Minas Gerais Nossa escola recebe regu-larmente as ediccedilotildees da Radis e gostaria de pedir apoio para divulgaccedilatildeo do nosso 7ordm Congresso Acadecircmico de Medicina de 20 a 23 de setembro de 2006 Vaacuterios temas de interesse seratildeo abordados como interiorizaccedilatildeo da medicina sauacutede puacuteblica SUS biosseguranccedila Inscriccedilotildees na faculdade ou em nosso site (wwwcamfcmmgcjbnet)bull Christiano Orlandi Belo Horizonte

HOMENAGEM A AROUCA

O Centro Acadecircmico do Curso de Nutriccedilatildeo da Universidade Federal

de Viccedilosa resolveu homenagear Sergio

Arouca [que morreu em agosto de 2003] um dos siacutembolos da luta pela democratizaccedilatildeo da sauacutede no Brasil Esperamos com isso que se eternizem na memoacuteria dos discentes do nosso curso sua sabedoria garra e perseve-ranccedila Hoje somos o CASA mdash Centro Acadecircmico Sergio Arouca Abraccedilos e parabeacutens agrave equipe do RADISbull Marcelo Eliseu Sipioni Viccedilosa MG

RADIS PARA TODOS

Trabalhamos na Biblioteca da Uni-versidade do Estado do Rio de

Janeiro (Uerj) mdash Campus Satildeo GonccedilaloRJ Gostariacuteamos de receber por doa-ccedilatildeo os exemplares desta conceituada revista Os temas tratados satildeo muito importantes os estudantes estatildeo procurando e esta coleccedilatildeo certamente ajudaraacute no desenvolvimento e apren-dizado de nossos usuaacuterios bull Rejane Amaral Uerj Satildeo Gonccedilalo RJ

Estou me graduando em Enfermagem e por recomendaccedilatildeo de minha

professora de Epidemiologia assinei a revista Por ser um mero estudante pensei que natildeo a receberia mas um dia me surpreendi ao ver a Radis em minha casa Queria agradecer agrave equipe por me manter mensalmente atualizado nas questotildees de sauacutede puacuteblica Valeubull Gean Douglas Carneiro Liacutedice RJ

Vinha recebendo regularmente as ediccedilotildees ao longo dos anos e con-

siderando as mateacuterias dessa notaacutevel miacutedia extremamente atuais para a loacute-gica dos serviccedilos puacuteblicos Entretanto o exemplar uacutenico gera controveacutersias embora apoacutes a leitura a ediccedilatildeo seja socializada para os demais colegas servidores do setor Solicitaria enca-recidamente que novos 12 exemplares fossem postados para nossa Coorde-naccedilatildeo Estadual do PACSPSF como solicitado anteriormentebull Salomatildeo Samuel Levy Niteroacutei RJ

Amigos os (muitos) pedidos estatildeo na lista de espera assim que ampliarmos novamente a tiragem procuraremos atender a todos

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LEI MARIA DA PENHA PUNE VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER

Foi sancionada em 78 a Lei Maria da Penha mdash de combate agrave violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher mdash que tornaraacute mais rigorosa a puni-ccedilatildeo dos agressores O nome da lei eacute homenagem a Maria da Penha Maia militante dos direitos das mulheres A lei que entra em vigor em 21 de setembro altera o Coacutedigo Penal per-mitindo que o agressor seja preso em fl agrante ou tenha prisatildeo preventiva decretada Acabam as penas pecuni-aacuterias pelas quais os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas baacutesicas A pena de detenccedilatildeo que era de seis meses a um ano seraacute de trecircs meses a trecircs anos

Em 1983 o marido de Maria da Penha o professor universitaacuterio Mar-co Antonio Herredia tentou mataacute-la duas vezes Na primeira vez deu-lhe um tiro que a deixou parapleacutegica Na segunda tentou eletrocutaacute-la Na ocasiatildeo ela tinha 38 anos e trecircs fi lhas entre 6 e 2 anos informou a Agecircncia Brasil Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violecircncia e a impunidade e hoje coordena a aacuterea de Estudos Pesquisas e Publicaccedilotildees da Associaccedilatildeo de Paren-tes e Amigos de Viacutetimas de Violecircncia (APAVV) em seu estado o Cearaacute Em decorrecircncia da impunidade em 2001 o Brasil foi responsabilizado por negli-gecircncia e omissatildeo em violecircncia domeacutes-tica pela Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos

Suacutemula

Antes Lei Maria da Penha

Natildeo existe lei especiacutefi ca sobre a violecircncia domeacutestica contra a mulher

Tipifi ca e defi ne a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher

Natildeo estabelece as formas desta vio-lecircncia

Estabelece as formas da violecircncia domeacutes-tica contra a mulher como sendo fiacutesica psicoloacutegica sexual patrimonial e moral

Natildeo trata das relaccedilotildees de pessoas do mesmo sexo

Determina que a violecircncia domeacutestica contra a mulher independe de orientaccedilatildeo sexual

Aplica a lei dos juizados especiais criminais (lei 909995) para os casos de violecircncia domeacutestica Estes juizados julgam os crimes com pena de ateacute dois anos (menor poten-cial ofensivo)

Retira dos juizados especiais criminais (lei 909995) a competecircncia para julgar os crimes de violecircncia domeacutestica contra a mulher

Permite a aplicaccedilatildeo de penas pecuniaacuterias como as de cestas baacutesicas e multa

Proiacutebe a aplicaccedilatildeo destas penas

Os juizados especiais criminais tratam somente do crime mas para a mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica resolver as questotildees de famiacutelia (separaccedilatildeo pensatildeo guarda de fi lhos) tem que ingressar com outro processo na vara de famiacutelia

Seratildeo criados juizados especiais de violecircn-cia domeacutestica e familiar contra a mulher com competecircncia ciacutevel e criminal para abranger todas as questotildees

A autoridade policial efetua um resumo dos fatos atraveacutes do tco (termo circunstancia-do de ocorrecircncia)

Prevecirc um capiacutetulo especiacutefi co para o atendi-mento pela autoridade policial para os casos de violecircncia domeacutestica contra a mulher

A mulher pode desistir da denuacutencia na delegacia

A mulher somente poderaacute renunciar pe-rante o juiz

Eacute a mulher que muitas vezes entrega a intimaccedilatildeo para o agressor comparecer em audiecircncia

Eacute vedada a entrega da intimaccedilatildeo pela mulher ao agressor

A lei atual natildeo prevecirc a prisatildeo em fl agrante do agressor

Possibilita a prisatildeo em fl agrante

Natildeo prevecirc a prisatildeo preventiva para crimes de violecircncia domeacutestica

Altera o coacutedigo de processo penal para possibilitar ao juiz a decretaccedilatildeo da prisatildeo preventiva quando houver riscos agrave integri-dade fiacutesica ou psicoloacutegica da mulher

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica geralmente natildeo eacute informada quanto ao andamento dos atos processuais

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica seraacute notifi cada dos atos processuais es-pecialmente quanto ao ingresso e saiacuteda da prisatildeo do agressor

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica em geral vai desacompanhada de advoga-do ou defensor puacuteblico nas audiecircncias

A mulher deveraacute estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais

A violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo eacute considerada agravante de pena

Altera o artigo 61 do coacutedigo penal para considerar este tipo de violecircncia como agravante da pena

Hoje a pena para o crime de violecircncia domeacutestica eacute de 6 meses a 1 ano

A pena do crime de violecircncia domeacutestica passaraacute a ser de 3 meses a 3 anos

A violecircncia domeacutestica contra mulher porta-dora de defi ciecircncia natildeo aumenta a pena

Se a violecircncia domeacutestica for cometida contra mulher portadora de defi ciecircncia a pena seraacute aumentada em 13

Natildeo prevecirc o comparecimento do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Altera a lei de execuccedilotildees penais para permitir que o juiz determine o compareci-mento obrigatoacuterio do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Fonte Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres (wwwplanaltogovbrspmulheres)

O que muda com a nova lei

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A nova legislaccedilatildeo prevecirc medidas ineacuteditas mdash a serem determinadas pelo juiz em ateacute 48 horas mdash de proteccedilatildeo agrave mulher em situaccedilatildeo de violecircncia e risco de vida desde a saiacuteda do agressor da residecircncia e a proibiccedilatildeo de aproximaccedilatildeo fiacutesica da mulher agre-dida e dos fi lhos ateacute o direito a reaver bens e cancelar procuraccedilotildees Na aacuterea da assistecircncia social fi ca prevista a inclusatildeo da mulher no cadastro de programas assistenciais dos gover-nos federal estadual e municipal A ministra Nilceacutea Freire da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres acredita que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentiratildeo a partir de agora mais encorajadas a denunciar as agressotildees Maria da Penha concorda e recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressatildeo ldquoNatildeo adianta conviver a cada dia a agressatildeo vai aumentar e terminar em assassina-tordquo disse ela na solenidade

Outra medida importante a cria-ccedilatildeo dos Juizados Especiais de Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher A secretaria vai instar os Tribunais de Justiccedila dos estados a que instalem es-ses juizados com o maacuteximo de rapidez possiacutevel A lei foi aprovada no Congres-so sem alteraccedilotildees ldquocomo ocorre com os grandes consensos democraacuteticosrdquo afi rma notiacutecia no site da secretaria Para Maria da Penha a lei representa o primeiro passo para que homens e mulheres vivam de forma igual ldquoPre-cisamos caminhar para uma relaccedilatildeo familiar mais harmoniosardquo

SUSPENSA PROPAGANDADE ANTIGRIPAL

A Anvisa determinou a suspensatildeo das campanhas publicitaacuterias do

Tamifl u fabricado pela multinacional Roche no Brasil sediada em Satildeo Paulo O antiviral fi cou famoso por suposta-mente curar a gripe aviaacuteria embora se saiba que natildeo eacute bem assim (Radis nordm 40) Apresentada como informativa a campanha a partir do slogan ldquoA gripe pode acabar com vocecirc mas vocecirc tem 48 horas para acabar com a griperdquo faz referecircncia a seu uso Resoluccedilatildeo da Anvi-sa (RDC nordm 1022000) e a Lei 636076 proiacutebem propaganda de medicamentos sob prescriccedilatildeo meacutedica A divulgaccedilatildeo eacute permitida exclusivamente a meacutedicos dentistas veterinaacuterios e farmacecircu-

ticos A suspensatildeo foi publicada no Diaacuterio Oficial de 38 e eacute vaacutelida para todos os meios de

comunicaccedilatildeo

BACTEacuteRIA RESISTENTE IDENTIFICADA EM SP

Uma jovem foi internada num hospital da capital paulista com

pneumonia e infecccedilatildeo generalizada mdash a primeira paciente diagnosticada no Brasil com infecccedilatildeo grave pela bac-teacuteria multirresistente Staphilococcus aureus tipo IV cepa mais virulenta e de difiacutecil combate informou o jornal O Estado de SP Casos semelhantes ocorreram nos Estados Unidos e era inevitaacutevel que chegasse ao Brasil disseram os especialistas Formas mais brandas desse microorganismo que satildeo os principais responsaacuteveis por infecccedilotildees hospitalares jaacute haviam sido registradas em 2004 em quatro pacien-tes de Porto Alegre Os americanos anunciaram nova classe de antibioacuteticos mdash platensimycin mdash para combate ao Staphilococcus aureus resistente agrave meticilina (derivada da penicilina) e ao Enterococos resistente aos mais modernos antibioacuteticos

O aumento da resistecircncia das bacteacuterias pode estar associado ao uso indiscriminado de antibioacuteticos sem prescriccedilatildeo meacutedica ldquoTodo organismo tenta sobreviver seja bacteacuteria viacuterus ou protozoaacuteriordquo disse ao jornal a in-fectologista Marta Ramalho do Hospi-tal Emiacutelio Ribas Na jovem paulistana os sintomas foram confundidos com uma gripe As hipoacuteteses de hantaviro-se leptospirose e contaminaccedilatildeo por rotaviacuterus foram afastadas A vigilacircncia sanitaacuteria investigou sem sucesso res-taurantes que a jovem frequumlentava Os medicamentos usados no tratamento foram a teicoplanina e a vancomicina da famiacutelia dos glicopeptiacutedeos O pro-blema eacute o diagnoacutestico raacutepido

OS PLANOS DE SAUacuteDE E A DIacuteVIDACOM O SUS

O Tribunal de Contas da Uniatildeo (TCU) afi rma que o SUS conseguiu

receber apenas 59 do que lhe de-vem as operadoras de planos de sauacutede privados pelos serviccedilos prestados aos usuaacuterios pela rede puacuteblica Eacute esta a conclusatildeo de auditoria do tribunal ldquofalhas administrativasrdquo da Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar se-riam o principal obstaacuteculo ao paga-mento de R$ 1 bilhatildeo ao SUS A ANS nega Diz que em dois anos os planos pagaram R$ 75 milhotildees o que cor-responderia a 16 do total devido O TCU determinou a revisatildeo das regras mas as operadoras que consideram a cobranccedila ldquoilegalrdquo continuaratildeo recor-rendo agrave Justiccedila para natildeo pagar

OS BANCOS E A DIacuteVIDA COM O INSS

O setor bancaacuterio que exibe sucessivos lucros-recorde deve R$ 17 bilhatildeo agrave

Previdecircncia mdash o total do calote chega a R$ 114 bilhotildees de empresas privadas e oacutergatildeos puacuteblicos Os nove maiores conglo-merados bancaacuterios inclusive estatais devem juntos R$ 1194 bilhatildeo ao INSS segundo lista de inadimplentes do Ministeacuterio da Previdecircncia A diacutevida co-brada na Justiccedila corresponde a 5 do lucro apurado pelas nove instituiccedilotildees em 2005 (R$ 232 bilhotildees)

O estranho eacute que embora a lei pro-iacuteba que instituiccedilotildees devedoras operem creacutedito consignado 14 das 37 institui-ccedilotildees fi nanceiras que assinaram convecircnio nesse segmento devem ao INSS informa a Agecircncia Carta Maior Onze delas satildeo privadas (BMG Mercantil do Brasil HSBC Citibank Santander-Banespa Unibanco Bradesco Real Paranaacute Fibra e Intermedium) e trecircs puacuteblicas (Banco do Brasil CEF e Banrisul) e seu deacutebito conjunto soma R$ 988 milhotildees (diacutevida de cada uma mais a de bancos e empresas que controlam) Os bancos por conta de tecnicalidades fi scais natildeo reconhecem a diacutevida

O INCRIacuteVEL SUPERAacuteVIT PRIMAacuteRIO BRASILEIRO

Outra mateacuteria relevante da agecircn-cia o Brasil pagou aos credores no

primeiro semestre de 2006 inacreditaacute-veis R$ 816 bilhotildees em juros vencidos ou por vencer mdash 825 do PIB Por lei a Uniatildeo deve reservar 425 do PIB um percentual jaacute bem alto para pagar os fi nanciadores da diacutevida puacuteblica mdash mas a equipe econocircmica preferiu ir (bem) aleacutem A parcela fi scal do pagamento o chamado superaacutevit primaacuterio cor-respondeu a 70 ou R$ 571 bilhotildees nada menos do que 577 do PIB

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O economista Maacutercio Pochmann afi rma que 20 mil famiacutelias ganham dinheiro fi nanciando a diacutevida Como para o IBGE uma famiacutelia meacutedia tem quatro pessoas conclui-se que a parcela tributaacuteria do pagamento de juros favoreceu 80 mil pessoas com 577 das riquezas do paiacutes Por outro lado no primeiro semestre R$ 19 bi-lhotildees de impostos cobriram os gastos da Previdecircncia que sozinha com a arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees ao INSS natildeo consegue distribuir os benefiacutecios previstos (ver anaacutelise dessa ldquoloacutegicardquo na Radis 48) O valor de R$ 19 bilhotildees representa 192 do PIB Como foram pagos 21 milhotildees de benefiacutecios a agecircncia conclui que 84 milhotildees de pessoas fi caram com 192 das riquezas brasileiras

Mesmo com um aumento nominal (de R$ 1 trilhatildeo para R$ 1024 trilhatildeo no primeiro semes-tre) a diacutevida caiu de 515 do PIB em dezembro de 2005 para 503 em junho passado A equipe econocircmica argumen-ta que quanto menor o percentual me-nos juros o paiacutes paga enfraquecendo o argumento dos especuladores fi nancei-ros sobre o risco de calote

Enquanto isso na aacuterea socialOs programas de transferecircncia

de renda reduziram o percentual da populaccedilatildeo extremamente pobre (que vive com menos de US$ 60 por mecircs) de 145 em 2003 para 123 em 2004 segundo a pesquisadora Aldaiacuteza Sposa-ti da PUC-SP tambeacutem consultora da Unesco em palestra na 32ordf Conferecircn-cia Internacional do Bem-Estar Social em julho Mas isso eacute insufi ciente pois o governo precisa aceitar a ideacuteia de que gasto social eacute investimento e ldquonatildeo desperdiacutecio sem rentabilidade para o crescimento econocircmicordquo

O AVANCcedilO DAS OSSS

Em Satildeo Paulo 45 dos serviccedilos esta-duais de sauacutede jaacute estatildeo a cargo do

setor privado o restante se divide entre Organizaccedilotildees Sociais de Sauacutede (Radis 43) e o estado A Secretaria de Sauacutede natildeo quis informar o montante investido nos contratos de gestatildeo com OSSs mas o Tribunal de Contas apontou em 2004 aumento de 90 nos gastos com inter-naccedilotildees entre 1995 e 2002 e ldquoquestionou se o crescimento natildeo seria fraudulento induzido pelas entidades privadas com o objetivo de receber mais recursos puacutebli-cosrdquo informou em julho a Agecircncia Carta Maior Para o sanitarista Joseacute Carvalho de Noronha da Fiocruz o modelo atual de ldquoorganizaccedilotildees paraestataisrdquo com regime trabalhista fl exiacutevel e burla a licitaccedilotildees

difere da primeira OSS transformada na Rede Sarah criada por lei especiacutefi -ca e com orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede ldquoTem plano de carreiras proacuteprio regime trabalhista da CLT e goza de au-tonomia administrativa e fi nanceirardquo diz Eacute uma ldquoOSS puacuteblicardquo

AGRONEGOacuteCIO SEM DESMATAMENTO

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva cobrou do novo ministro da

Agricultura Luis Carlos Guedes um plano de desenvolvimento sustentaacutevel do agronegoacutecio que evite o avanccedilo do desmatamento ldquoHaacute 160 mil quilocircme-tros quadrados jaacute convertidos para a agricultura hoje abandonados na Ama-zocircniardquo disse ela ldquoNatildeo haacute motivo para que a fronteira agriacutecola seja expandi-da gerando mais desmatamento e por isso o Ministeacuterio da Agricultura precisa de um planordquo Se esse territoacuterio fosse usado de forma semi-intensiva seria possiacutevel dobrar a capacidade brasileira de produccedilatildeo de gratildeos e de criaccedilatildeo de gado sem derrubar uma soacute aacutervore Por ano satildeo desmatados 18 mil hectares de selva Apoacutes um aumento do desma-tamento de 27 em 2002 esse iacutendice caiu em 31 em 2005

AGENDA DE COMUNICACcedilAtildeO E INFORMACcedilAtildeO EM SAUacuteDE

O Conselho Nacional de Sauacutede reuniu em julho durante o 7ordm

Congresso Nacional da Rede Unida em Curitiba conselheiros e tra-balhadores da sauacutede na Ofi cina de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para o Exerciacutecio do Controle Social Foi elaborada uma Agenda de Comunica-ccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para 2006 com nove temas principais

Satildeo eles ampliaccedilatildeo do Fique Atento com defi niccedilatildeo de temaacuteticas prioritaacuterias Pacto pela Democrati-

zaccedilatildeo e Qualidade da Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede que deve ser pauta em reuniotildees dos conse-lhos Comissotildees de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede cuja criaccedilatildeo os conselhos devem priorizar ca-pacitaccedilatildeo de conselheiros na aacuterea direito agrave sauacutede e controle social com elaboraccedilatildeo de material informativo Pacto de Gestatildeo com elaboraccedilatildeo

de material in-formativo em linguagem sim-plificada pac-tos pela Vida de Gestatildeo e em Defesa do SUS com introduccedilatildeo da temaacutetica da comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo em sauacutede nos deba-tes entidades devem assumir o papel de di-vulgadores das pautas dos con-selhos Cadas-

tro Nacional de Conselhos de Sauacutede com atualizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

SANGUESSUGAS VENCERAM29 DAS LICITACcedilOtildeES

A CPI das Sanguessugas relacionou 116 parlamentares e ex-parlamen-

tares com envolvimento no esquema de ambulacircncias superfaturadas A Controladoria Geral da Uniatildeo (CGU) apurou que de 2000 a 2004 a Planam ganhou de um total de 3048 licita-ccedilotildees para aquisiccedilatildeo de ambulacircncias 891 convecircnios (29) entre municiacutepios e Ministeacuterio da Sauacutede A Operaccedilatildeo Sanguessuga da Poliacutecia Federal partiu de investigaccedilatildeo da CGU Se-gundo o Ministeacuterio da Justiccedila as in-formaccedilotildees levantadas ateacute agora natildeo permitem que os investigados sejam declarados culpados uma funccedilatildeo da Justiccedila A CPI afi rma que haacute provas concretas mdash como recibos de depoacutesi-to mdash contra 70 parlamentares

O professor Joseacute Sebastiatildeo dos Santos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiratildeo Preto disse agrave Folha de S Paulo que ambulacircncias com-pradas por emendas parlamentares servem principalmente agrave propaganda poliacutetica jaacute que chegam agraves cidades de forma aleatoacuteria e sem o planejamen-to proposto pelo SUS Ex-secretaacuterio de Sauacutede de Ribeiratildeo Preto o profes-sor acha que distribuir ambulacircncias eacute uma forma cara e pouco efi ciente

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

RADIS 49 SET2006

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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Page 6: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

RADIS 49 SET2006

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LEI MARIA DA PENHA PUNE VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER

Foi sancionada em 78 a Lei Maria da Penha mdash de combate agrave violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher mdash que tornaraacute mais rigorosa a puni-ccedilatildeo dos agressores O nome da lei eacute homenagem a Maria da Penha Maia militante dos direitos das mulheres A lei que entra em vigor em 21 de setembro altera o Coacutedigo Penal per-mitindo que o agressor seja preso em fl agrante ou tenha prisatildeo preventiva decretada Acabam as penas pecuni-aacuterias pelas quais os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas baacutesicas A pena de detenccedilatildeo que era de seis meses a um ano seraacute de trecircs meses a trecircs anos

Em 1983 o marido de Maria da Penha o professor universitaacuterio Mar-co Antonio Herredia tentou mataacute-la duas vezes Na primeira vez deu-lhe um tiro que a deixou parapleacutegica Na segunda tentou eletrocutaacute-la Na ocasiatildeo ela tinha 38 anos e trecircs fi lhas entre 6 e 2 anos informou a Agecircncia Brasil Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violecircncia e a impunidade e hoje coordena a aacuterea de Estudos Pesquisas e Publicaccedilotildees da Associaccedilatildeo de Paren-tes e Amigos de Viacutetimas de Violecircncia (APAVV) em seu estado o Cearaacute Em decorrecircncia da impunidade em 2001 o Brasil foi responsabilizado por negli-gecircncia e omissatildeo em violecircncia domeacutes-tica pela Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos

Suacutemula

Antes Lei Maria da Penha

Natildeo existe lei especiacutefi ca sobre a violecircncia domeacutestica contra a mulher

Tipifi ca e defi ne a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher

Natildeo estabelece as formas desta vio-lecircncia

Estabelece as formas da violecircncia domeacutes-tica contra a mulher como sendo fiacutesica psicoloacutegica sexual patrimonial e moral

Natildeo trata das relaccedilotildees de pessoas do mesmo sexo

Determina que a violecircncia domeacutestica contra a mulher independe de orientaccedilatildeo sexual

Aplica a lei dos juizados especiais criminais (lei 909995) para os casos de violecircncia domeacutestica Estes juizados julgam os crimes com pena de ateacute dois anos (menor poten-cial ofensivo)

Retira dos juizados especiais criminais (lei 909995) a competecircncia para julgar os crimes de violecircncia domeacutestica contra a mulher

Permite a aplicaccedilatildeo de penas pecuniaacuterias como as de cestas baacutesicas e multa

Proiacutebe a aplicaccedilatildeo destas penas

Os juizados especiais criminais tratam somente do crime mas para a mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica resolver as questotildees de famiacutelia (separaccedilatildeo pensatildeo guarda de fi lhos) tem que ingressar com outro processo na vara de famiacutelia

Seratildeo criados juizados especiais de violecircn-cia domeacutestica e familiar contra a mulher com competecircncia ciacutevel e criminal para abranger todas as questotildees

A autoridade policial efetua um resumo dos fatos atraveacutes do tco (termo circunstancia-do de ocorrecircncia)

Prevecirc um capiacutetulo especiacutefi co para o atendi-mento pela autoridade policial para os casos de violecircncia domeacutestica contra a mulher

A mulher pode desistir da denuacutencia na delegacia

A mulher somente poderaacute renunciar pe-rante o juiz

Eacute a mulher que muitas vezes entrega a intimaccedilatildeo para o agressor comparecer em audiecircncia

Eacute vedada a entrega da intimaccedilatildeo pela mulher ao agressor

A lei atual natildeo prevecirc a prisatildeo em fl agrante do agressor

Possibilita a prisatildeo em fl agrante

Natildeo prevecirc a prisatildeo preventiva para crimes de violecircncia domeacutestica

Altera o coacutedigo de processo penal para possibilitar ao juiz a decretaccedilatildeo da prisatildeo preventiva quando houver riscos agrave integri-dade fiacutesica ou psicoloacutegica da mulher

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica geralmente natildeo eacute informada quanto ao andamento dos atos processuais

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica seraacute notifi cada dos atos processuais es-pecialmente quanto ao ingresso e saiacuteda da prisatildeo do agressor

A mulher viacutetima de violecircncia domeacutestica em geral vai desacompanhada de advoga-do ou defensor puacuteblico nas audiecircncias

A mulher deveraacute estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais

A violecircncia domeacutestica contra a mulher natildeo eacute considerada agravante de pena

Altera o artigo 61 do coacutedigo penal para considerar este tipo de violecircncia como agravante da pena

Hoje a pena para o crime de violecircncia domeacutestica eacute de 6 meses a 1 ano

A pena do crime de violecircncia domeacutestica passaraacute a ser de 3 meses a 3 anos

A violecircncia domeacutestica contra mulher porta-dora de defi ciecircncia natildeo aumenta a pena

Se a violecircncia domeacutestica for cometida contra mulher portadora de defi ciecircncia a pena seraacute aumentada em 13

Natildeo prevecirc o comparecimento do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Altera a lei de execuccedilotildees penais para permitir que o juiz determine o compareci-mento obrigatoacuterio do agressor a programas de recuperaccedilatildeo e reeducaccedilatildeo

Fonte Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres (wwwplanaltogovbrspmulheres)

O que muda com a nova lei

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A nova legislaccedilatildeo prevecirc medidas ineacuteditas mdash a serem determinadas pelo juiz em ateacute 48 horas mdash de proteccedilatildeo agrave mulher em situaccedilatildeo de violecircncia e risco de vida desde a saiacuteda do agressor da residecircncia e a proibiccedilatildeo de aproximaccedilatildeo fiacutesica da mulher agre-dida e dos fi lhos ateacute o direito a reaver bens e cancelar procuraccedilotildees Na aacuterea da assistecircncia social fi ca prevista a inclusatildeo da mulher no cadastro de programas assistenciais dos gover-nos federal estadual e municipal A ministra Nilceacutea Freire da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres acredita que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentiratildeo a partir de agora mais encorajadas a denunciar as agressotildees Maria da Penha concorda e recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressatildeo ldquoNatildeo adianta conviver a cada dia a agressatildeo vai aumentar e terminar em assassina-tordquo disse ela na solenidade

Outra medida importante a cria-ccedilatildeo dos Juizados Especiais de Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher A secretaria vai instar os Tribunais de Justiccedila dos estados a que instalem es-ses juizados com o maacuteximo de rapidez possiacutevel A lei foi aprovada no Congres-so sem alteraccedilotildees ldquocomo ocorre com os grandes consensos democraacuteticosrdquo afi rma notiacutecia no site da secretaria Para Maria da Penha a lei representa o primeiro passo para que homens e mulheres vivam de forma igual ldquoPre-cisamos caminhar para uma relaccedilatildeo familiar mais harmoniosardquo

SUSPENSA PROPAGANDADE ANTIGRIPAL

A Anvisa determinou a suspensatildeo das campanhas publicitaacuterias do

Tamifl u fabricado pela multinacional Roche no Brasil sediada em Satildeo Paulo O antiviral fi cou famoso por suposta-mente curar a gripe aviaacuteria embora se saiba que natildeo eacute bem assim (Radis nordm 40) Apresentada como informativa a campanha a partir do slogan ldquoA gripe pode acabar com vocecirc mas vocecirc tem 48 horas para acabar com a griperdquo faz referecircncia a seu uso Resoluccedilatildeo da Anvi-sa (RDC nordm 1022000) e a Lei 636076 proiacutebem propaganda de medicamentos sob prescriccedilatildeo meacutedica A divulgaccedilatildeo eacute permitida exclusivamente a meacutedicos dentistas veterinaacuterios e farmacecircu-

ticos A suspensatildeo foi publicada no Diaacuterio Oficial de 38 e eacute vaacutelida para todos os meios de

comunicaccedilatildeo

BACTEacuteRIA RESISTENTE IDENTIFICADA EM SP

Uma jovem foi internada num hospital da capital paulista com

pneumonia e infecccedilatildeo generalizada mdash a primeira paciente diagnosticada no Brasil com infecccedilatildeo grave pela bac-teacuteria multirresistente Staphilococcus aureus tipo IV cepa mais virulenta e de difiacutecil combate informou o jornal O Estado de SP Casos semelhantes ocorreram nos Estados Unidos e era inevitaacutevel que chegasse ao Brasil disseram os especialistas Formas mais brandas desse microorganismo que satildeo os principais responsaacuteveis por infecccedilotildees hospitalares jaacute haviam sido registradas em 2004 em quatro pacien-tes de Porto Alegre Os americanos anunciaram nova classe de antibioacuteticos mdash platensimycin mdash para combate ao Staphilococcus aureus resistente agrave meticilina (derivada da penicilina) e ao Enterococos resistente aos mais modernos antibioacuteticos

O aumento da resistecircncia das bacteacuterias pode estar associado ao uso indiscriminado de antibioacuteticos sem prescriccedilatildeo meacutedica ldquoTodo organismo tenta sobreviver seja bacteacuteria viacuterus ou protozoaacuteriordquo disse ao jornal a in-fectologista Marta Ramalho do Hospi-tal Emiacutelio Ribas Na jovem paulistana os sintomas foram confundidos com uma gripe As hipoacuteteses de hantaviro-se leptospirose e contaminaccedilatildeo por rotaviacuterus foram afastadas A vigilacircncia sanitaacuteria investigou sem sucesso res-taurantes que a jovem frequumlentava Os medicamentos usados no tratamento foram a teicoplanina e a vancomicina da famiacutelia dos glicopeptiacutedeos O pro-blema eacute o diagnoacutestico raacutepido

OS PLANOS DE SAUacuteDE E A DIacuteVIDACOM O SUS

O Tribunal de Contas da Uniatildeo (TCU) afi rma que o SUS conseguiu

receber apenas 59 do que lhe de-vem as operadoras de planos de sauacutede privados pelos serviccedilos prestados aos usuaacuterios pela rede puacuteblica Eacute esta a conclusatildeo de auditoria do tribunal ldquofalhas administrativasrdquo da Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar se-riam o principal obstaacuteculo ao paga-mento de R$ 1 bilhatildeo ao SUS A ANS nega Diz que em dois anos os planos pagaram R$ 75 milhotildees o que cor-responderia a 16 do total devido O TCU determinou a revisatildeo das regras mas as operadoras que consideram a cobranccedila ldquoilegalrdquo continuaratildeo recor-rendo agrave Justiccedila para natildeo pagar

OS BANCOS E A DIacuteVIDA COM O INSS

O setor bancaacuterio que exibe sucessivos lucros-recorde deve R$ 17 bilhatildeo agrave

Previdecircncia mdash o total do calote chega a R$ 114 bilhotildees de empresas privadas e oacutergatildeos puacuteblicos Os nove maiores conglo-merados bancaacuterios inclusive estatais devem juntos R$ 1194 bilhatildeo ao INSS segundo lista de inadimplentes do Ministeacuterio da Previdecircncia A diacutevida co-brada na Justiccedila corresponde a 5 do lucro apurado pelas nove instituiccedilotildees em 2005 (R$ 232 bilhotildees)

O estranho eacute que embora a lei pro-iacuteba que instituiccedilotildees devedoras operem creacutedito consignado 14 das 37 institui-ccedilotildees fi nanceiras que assinaram convecircnio nesse segmento devem ao INSS informa a Agecircncia Carta Maior Onze delas satildeo privadas (BMG Mercantil do Brasil HSBC Citibank Santander-Banespa Unibanco Bradesco Real Paranaacute Fibra e Intermedium) e trecircs puacuteblicas (Banco do Brasil CEF e Banrisul) e seu deacutebito conjunto soma R$ 988 milhotildees (diacutevida de cada uma mais a de bancos e empresas que controlam) Os bancos por conta de tecnicalidades fi scais natildeo reconhecem a diacutevida

O INCRIacuteVEL SUPERAacuteVIT PRIMAacuteRIO BRASILEIRO

Outra mateacuteria relevante da agecircn-cia o Brasil pagou aos credores no

primeiro semestre de 2006 inacreditaacute-veis R$ 816 bilhotildees em juros vencidos ou por vencer mdash 825 do PIB Por lei a Uniatildeo deve reservar 425 do PIB um percentual jaacute bem alto para pagar os fi nanciadores da diacutevida puacuteblica mdash mas a equipe econocircmica preferiu ir (bem) aleacutem A parcela fi scal do pagamento o chamado superaacutevit primaacuterio cor-respondeu a 70 ou R$ 571 bilhotildees nada menos do que 577 do PIB

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O economista Maacutercio Pochmann afi rma que 20 mil famiacutelias ganham dinheiro fi nanciando a diacutevida Como para o IBGE uma famiacutelia meacutedia tem quatro pessoas conclui-se que a parcela tributaacuteria do pagamento de juros favoreceu 80 mil pessoas com 577 das riquezas do paiacutes Por outro lado no primeiro semestre R$ 19 bi-lhotildees de impostos cobriram os gastos da Previdecircncia que sozinha com a arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees ao INSS natildeo consegue distribuir os benefiacutecios previstos (ver anaacutelise dessa ldquoloacutegicardquo na Radis 48) O valor de R$ 19 bilhotildees representa 192 do PIB Como foram pagos 21 milhotildees de benefiacutecios a agecircncia conclui que 84 milhotildees de pessoas fi caram com 192 das riquezas brasileiras

Mesmo com um aumento nominal (de R$ 1 trilhatildeo para R$ 1024 trilhatildeo no primeiro semes-tre) a diacutevida caiu de 515 do PIB em dezembro de 2005 para 503 em junho passado A equipe econocircmica argumen-ta que quanto menor o percentual me-nos juros o paiacutes paga enfraquecendo o argumento dos especuladores fi nancei-ros sobre o risco de calote

Enquanto isso na aacuterea socialOs programas de transferecircncia

de renda reduziram o percentual da populaccedilatildeo extremamente pobre (que vive com menos de US$ 60 por mecircs) de 145 em 2003 para 123 em 2004 segundo a pesquisadora Aldaiacuteza Sposa-ti da PUC-SP tambeacutem consultora da Unesco em palestra na 32ordf Conferecircn-cia Internacional do Bem-Estar Social em julho Mas isso eacute insufi ciente pois o governo precisa aceitar a ideacuteia de que gasto social eacute investimento e ldquonatildeo desperdiacutecio sem rentabilidade para o crescimento econocircmicordquo

O AVANCcedilO DAS OSSS

Em Satildeo Paulo 45 dos serviccedilos esta-duais de sauacutede jaacute estatildeo a cargo do

setor privado o restante se divide entre Organizaccedilotildees Sociais de Sauacutede (Radis 43) e o estado A Secretaria de Sauacutede natildeo quis informar o montante investido nos contratos de gestatildeo com OSSs mas o Tribunal de Contas apontou em 2004 aumento de 90 nos gastos com inter-naccedilotildees entre 1995 e 2002 e ldquoquestionou se o crescimento natildeo seria fraudulento induzido pelas entidades privadas com o objetivo de receber mais recursos puacutebli-cosrdquo informou em julho a Agecircncia Carta Maior Para o sanitarista Joseacute Carvalho de Noronha da Fiocruz o modelo atual de ldquoorganizaccedilotildees paraestataisrdquo com regime trabalhista fl exiacutevel e burla a licitaccedilotildees

difere da primeira OSS transformada na Rede Sarah criada por lei especiacutefi -ca e com orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede ldquoTem plano de carreiras proacuteprio regime trabalhista da CLT e goza de au-tonomia administrativa e fi nanceirardquo diz Eacute uma ldquoOSS puacuteblicardquo

AGRONEGOacuteCIO SEM DESMATAMENTO

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva cobrou do novo ministro da

Agricultura Luis Carlos Guedes um plano de desenvolvimento sustentaacutevel do agronegoacutecio que evite o avanccedilo do desmatamento ldquoHaacute 160 mil quilocircme-tros quadrados jaacute convertidos para a agricultura hoje abandonados na Ama-zocircniardquo disse ela ldquoNatildeo haacute motivo para que a fronteira agriacutecola seja expandi-da gerando mais desmatamento e por isso o Ministeacuterio da Agricultura precisa de um planordquo Se esse territoacuterio fosse usado de forma semi-intensiva seria possiacutevel dobrar a capacidade brasileira de produccedilatildeo de gratildeos e de criaccedilatildeo de gado sem derrubar uma soacute aacutervore Por ano satildeo desmatados 18 mil hectares de selva Apoacutes um aumento do desma-tamento de 27 em 2002 esse iacutendice caiu em 31 em 2005

AGENDA DE COMUNICACcedilAtildeO E INFORMACcedilAtildeO EM SAUacuteDE

O Conselho Nacional de Sauacutede reuniu em julho durante o 7ordm

Congresso Nacional da Rede Unida em Curitiba conselheiros e tra-balhadores da sauacutede na Ofi cina de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para o Exerciacutecio do Controle Social Foi elaborada uma Agenda de Comunica-ccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para 2006 com nove temas principais

Satildeo eles ampliaccedilatildeo do Fique Atento com defi niccedilatildeo de temaacuteticas prioritaacuterias Pacto pela Democrati-

zaccedilatildeo e Qualidade da Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede que deve ser pauta em reuniotildees dos conse-lhos Comissotildees de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede cuja criaccedilatildeo os conselhos devem priorizar ca-pacitaccedilatildeo de conselheiros na aacuterea direito agrave sauacutede e controle social com elaboraccedilatildeo de material informativo Pacto de Gestatildeo com elaboraccedilatildeo

de material in-formativo em linguagem sim-plificada pac-tos pela Vida de Gestatildeo e em Defesa do SUS com introduccedilatildeo da temaacutetica da comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo em sauacutede nos deba-tes entidades devem assumir o papel de di-vulgadores das pautas dos con-selhos Cadas-

tro Nacional de Conselhos de Sauacutede com atualizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

SANGUESSUGAS VENCERAM29 DAS LICITACcedilOtildeES

A CPI das Sanguessugas relacionou 116 parlamentares e ex-parlamen-

tares com envolvimento no esquema de ambulacircncias superfaturadas A Controladoria Geral da Uniatildeo (CGU) apurou que de 2000 a 2004 a Planam ganhou de um total de 3048 licita-ccedilotildees para aquisiccedilatildeo de ambulacircncias 891 convecircnios (29) entre municiacutepios e Ministeacuterio da Sauacutede A Operaccedilatildeo Sanguessuga da Poliacutecia Federal partiu de investigaccedilatildeo da CGU Se-gundo o Ministeacuterio da Justiccedila as in-formaccedilotildees levantadas ateacute agora natildeo permitem que os investigados sejam declarados culpados uma funccedilatildeo da Justiccedila A CPI afi rma que haacute provas concretas mdash como recibos de depoacutesi-to mdash contra 70 parlamentares

O professor Joseacute Sebastiatildeo dos Santos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiratildeo Preto disse agrave Folha de S Paulo que ambulacircncias com-pradas por emendas parlamentares servem principalmente agrave propaganda poliacutetica jaacute que chegam agraves cidades de forma aleatoacuteria e sem o planejamen-to proposto pelo SUS Ex-secretaacuterio de Sauacutede de Ribeiratildeo Preto o profes-sor acha que distribuir ambulacircncias eacute uma forma cara e pouco efi ciente

RADIS 49 SET2006

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

RADIS 49 SET2006

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

PESQ

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

RADIS 49 SET2006

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

RADIS 49 SET2006

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RADIS 49 SET2006

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

RADIS 49 SET2006

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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Page 7: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

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A nova legislaccedilatildeo prevecirc medidas ineacuteditas mdash a serem determinadas pelo juiz em ateacute 48 horas mdash de proteccedilatildeo agrave mulher em situaccedilatildeo de violecircncia e risco de vida desde a saiacuteda do agressor da residecircncia e a proibiccedilatildeo de aproximaccedilatildeo fiacutesica da mulher agre-dida e dos fi lhos ateacute o direito a reaver bens e cancelar procuraccedilotildees Na aacuterea da assistecircncia social fi ca prevista a inclusatildeo da mulher no cadastro de programas assistenciais dos gover-nos federal estadual e municipal A ministra Nilceacutea Freire da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres acredita que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentiratildeo a partir de agora mais encorajadas a denunciar as agressotildees Maria da Penha concorda e recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressatildeo ldquoNatildeo adianta conviver a cada dia a agressatildeo vai aumentar e terminar em assassina-tordquo disse ela na solenidade

Outra medida importante a cria-ccedilatildeo dos Juizados Especiais de Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher A secretaria vai instar os Tribunais de Justiccedila dos estados a que instalem es-ses juizados com o maacuteximo de rapidez possiacutevel A lei foi aprovada no Congres-so sem alteraccedilotildees ldquocomo ocorre com os grandes consensos democraacuteticosrdquo afi rma notiacutecia no site da secretaria Para Maria da Penha a lei representa o primeiro passo para que homens e mulheres vivam de forma igual ldquoPre-cisamos caminhar para uma relaccedilatildeo familiar mais harmoniosardquo

SUSPENSA PROPAGANDADE ANTIGRIPAL

A Anvisa determinou a suspensatildeo das campanhas publicitaacuterias do

Tamifl u fabricado pela multinacional Roche no Brasil sediada em Satildeo Paulo O antiviral fi cou famoso por suposta-mente curar a gripe aviaacuteria embora se saiba que natildeo eacute bem assim (Radis nordm 40) Apresentada como informativa a campanha a partir do slogan ldquoA gripe pode acabar com vocecirc mas vocecirc tem 48 horas para acabar com a griperdquo faz referecircncia a seu uso Resoluccedilatildeo da Anvi-sa (RDC nordm 1022000) e a Lei 636076 proiacutebem propaganda de medicamentos sob prescriccedilatildeo meacutedica A divulgaccedilatildeo eacute permitida exclusivamente a meacutedicos dentistas veterinaacuterios e farmacecircu-

ticos A suspensatildeo foi publicada no Diaacuterio Oficial de 38 e eacute vaacutelida para todos os meios de

comunicaccedilatildeo

BACTEacuteRIA RESISTENTE IDENTIFICADA EM SP

Uma jovem foi internada num hospital da capital paulista com

pneumonia e infecccedilatildeo generalizada mdash a primeira paciente diagnosticada no Brasil com infecccedilatildeo grave pela bac-teacuteria multirresistente Staphilococcus aureus tipo IV cepa mais virulenta e de difiacutecil combate informou o jornal O Estado de SP Casos semelhantes ocorreram nos Estados Unidos e era inevitaacutevel que chegasse ao Brasil disseram os especialistas Formas mais brandas desse microorganismo que satildeo os principais responsaacuteveis por infecccedilotildees hospitalares jaacute haviam sido registradas em 2004 em quatro pacien-tes de Porto Alegre Os americanos anunciaram nova classe de antibioacuteticos mdash platensimycin mdash para combate ao Staphilococcus aureus resistente agrave meticilina (derivada da penicilina) e ao Enterococos resistente aos mais modernos antibioacuteticos

O aumento da resistecircncia das bacteacuterias pode estar associado ao uso indiscriminado de antibioacuteticos sem prescriccedilatildeo meacutedica ldquoTodo organismo tenta sobreviver seja bacteacuteria viacuterus ou protozoaacuteriordquo disse ao jornal a in-fectologista Marta Ramalho do Hospi-tal Emiacutelio Ribas Na jovem paulistana os sintomas foram confundidos com uma gripe As hipoacuteteses de hantaviro-se leptospirose e contaminaccedilatildeo por rotaviacuterus foram afastadas A vigilacircncia sanitaacuteria investigou sem sucesso res-taurantes que a jovem frequumlentava Os medicamentos usados no tratamento foram a teicoplanina e a vancomicina da famiacutelia dos glicopeptiacutedeos O pro-blema eacute o diagnoacutestico raacutepido

OS PLANOS DE SAUacuteDE E A DIacuteVIDACOM O SUS

O Tribunal de Contas da Uniatildeo (TCU) afi rma que o SUS conseguiu

receber apenas 59 do que lhe de-vem as operadoras de planos de sauacutede privados pelos serviccedilos prestados aos usuaacuterios pela rede puacuteblica Eacute esta a conclusatildeo de auditoria do tribunal ldquofalhas administrativasrdquo da Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar se-riam o principal obstaacuteculo ao paga-mento de R$ 1 bilhatildeo ao SUS A ANS nega Diz que em dois anos os planos pagaram R$ 75 milhotildees o que cor-responderia a 16 do total devido O TCU determinou a revisatildeo das regras mas as operadoras que consideram a cobranccedila ldquoilegalrdquo continuaratildeo recor-rendo agrave Justiccedila para natildeo pagar

OS BANCOS E A DIacuteVIDA COM O INSS

O setor bancaacuterio que exibe sucessivos lucros-recorde deve R$ 17 bilhatildeo agrave

Previdecircncia mdash o total do calote chega a R$ 114 bilhotildees de empresas privadas e oacutergatildeos puacuteblicos Os nove maiores conglo-merados bancaacuterios inclusive estatais devem juntos R$ 1194 bilhatildeo ao INSS segundo lista de inadimplentes do Ministeacuterio da Previdecircncia A diacutevida co-brada na Justiccedila corresponde a 5 do lucro apurado pelas nove instituiccedilotildees em 2005 (R$ 232 bilhotildees)

O estranho eacute que embora a lei pro-iacuteba que instituiccedilotildees devedoras operem creacutedito consignado 14 das 37 institui-ccedilotildees fi nanceiras que assinaram convecircnio nesse segmento devem ao INSS informa a Agecircncia Carta Maior Onze delas satildeo privadas (BMG Mercantil do Brasil HSBC Citibank Santander-Banespa Unibanco Bradesco Real Paranaacute Fibra e Intermedium) e trecircs puacuteblicas (Banco do Brasil CEF e Banrisul) e seu deacutebito conjunto soma R$ 988 milhotildees (diacutevida de cada uma mais a de bancos e empresas que controlam) Os bancos por conta de tecnicalidades fi scais natildeo reconhecem a diacutevida

O INCRIacuteVEL SUPERAacuteVIT PRIMAacuteRIO BRASILEIRO

Outra mateacuteria relevante da agecircn-cia o Brasil pagou aos credores no

primeiro semestre de 2006 inacreditaacute-veis R$ 816 bilhotildees em juros vencidos ou por vencer mdash 825 do PIB Por lei a Uniatildeo deve reservar 425 do PIB um percentual jaacute bem alto para pagar os fi nanciadores da diacutevida puacuteblica mdash mas a equipe econocircmica preferiu ir (bem) aleacutem A parcela fi scal do pagamento o chamado superaacutevit primaacuterio cor-respondeu a 70 ou R$ 571 bilhotildees nada menos do que 577 do PIB

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O economista Maacutercio Pochmann afi rma que 20 mil famiacutelias ganham dinheiro fi nanciando a diacutevida Como para o IBGE uma famiacutelia meacutedia tem quatro pessoas conclui-se que a parcela tributaacuteria do pagamento de juros favoreceu 80 mil pessoas com 577 das riquezas do paiacutes Por outro lado no primeiro semestre R$ 19 bi-lhotildees de impostos cobriram os gastos da Previdecircncia que sozinha com a arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees ao INSS natildeo consegue distribuir os benefiacutecios previstos (ver anaacutelise dessa ldquoloacutegicardquo na Radis 48) O valor de R$ 19 bilhotildees representa 192 do PIB Como foram pagos 21 milhotildees de benefiacutecios a agecircncia conclui que 84 milhotildees de pessoas fi caram com 192 das riquezas brasileiras

Mesmo com um aumento nominal (de R$ 1 trilhatildeo para R$ 1024 trilhatildeo no primeiro semes-tre) a diacutevida caiu de 515 do PIB em dezembro de 2005 para 503 em junho passado A equipe econocircmica argumen-ta que quanto menor o percentual me-nos juros o paiacutes paga enfraquecendo o argumento dos especuladores fi nancei-ros sobre o risco de calote

Enquanto isso na aacuterea socialOs programas de transferecircncia

de renda reduziram o percentual da populaccedilatildeo extremamente pobre (que vive com menos de US$ 60 por mecircs) de 145 em 2003 para 123 em 2004 segundo a pesquisadora Aldaiacuteza Sposa-ti da PUC-SP tambeacutem consultora da Unesco em palestra na 32ordf Conferecircn-cia Internacional do Bem-Estar Social em julho Mas isso eacute insufi ciente pois o governo precisa aceitar a ideacuteia de que gasto social eacute investimento e ldquonatildeo desperdiacutecio sem rentabilidade para o crescimento econocircmicordquo

O AVANCcedilO DAS OSSS

Em Satildeo Paulo 45 dos serviccedilos esta-duais de sauacutede jaacute estatildeo a cargo do

setor privado o restante se divide entre Organizaccedilotildees Sociais de Sauacutede (Radis 43) e o estado A Secretaria de Sauacutede natildeo quis informar o montante investido nos contratos de gestatildeo com OSSs mas o Tribunal de Contas apontou em 2004 aumento de 90 nos gastos com inter-naccedilotildees entre 1995 e 2002 e ldquoquestionou se o crescimento natildeo seria fraudulento induzido pelas entidades privadas com o objetivo de receber mais recursos puacutebli-cosrdquo informou em julho a Agecircncia Carta Maior Para o sanitarista Joseacute Carvalho de Noronha da Fiocruz o modelo atual de ldquoorganizaccedilotildees paraestataisrdquo com regime trabalhista fl exiacutevel e burla a licitaccedilotildees

difere da primeira OSS transformada na Rede Sarah criada por lei especiacutefi -ca e com orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede ldquoTem plano de carreiras proacuteprio regime trabalhista da CLT e goza de au-tonomia administrativa e fi nanceirardquo diz Eacute uma ldquoOSS puacuteblicardquo

AGRONEGOacuteCIO SEM DESMATAMENTO

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva cobrou do novo ministro da

Agricultura Luis Carlos Guedes um plano de desenvolvimento sustentaacutevel do agronegoacutecio que evite o avanccedilo do desmatamento ldquoHaacute 160 mil quilocircme-tros quadrados jaacute convertidos para a agricultura hoje abandonados na Ama-zocircniardquo disse ela ldquoNatildeo haacute motivo para que a fronteira agriacutecola seja expandi-da gerando mais desmatamento e por isso o Ministeacuterio da Agricultura precisa de um planordquo Se esse territoacuterio fosse usado de forma semi-intensiva seria possiacutevel dobrar a capacidade brasileira de produccedilatildeo de gratildeos e de criaccedilatildeo de gado sem derrubar uma soacute aacutervore Por ano satildeo desmatados 18 mil hectares de selva Apoacutes um aumento do desma-tamento de 27 em 2002 esse iacutendice caiu em 31 em 2005

AGENDA DE COMUNICACcedilAtildeO E INFORMACcedilAtildeO EM SAUacuteDE

O Conselho Nacional de Sauacutede reuniu em julho durante o 7ordm

Congresso Nacional da Rede Unida em Curitiba conselheiros e tra-balhadores da sauacutede na Ofi cina de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para o Exerciacutecio do Controle Social Foi elaborada uma Agenda de Comunica-ccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para 2006 com nove temas principais

Satildeo eles ampliaccedilatildeo do Fique Atento com defi niccedilatildeo de temaacuteticas prioritaacuterias Pacto pela Democrati-

zaccedilatildeo e Qualidade da Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede que deve ser pauta em reuniotildees dos conse-lhos Comissotildees de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede cuja criaccedilatildeo os conselhos devem priorizar ca-pacitaccedilatildeo de conselheiros na aacuterea direito agrave sauacutede e controle social com elaboraccedilatildeo de material informativo Pacto de Gestatildeo com elaboraccedilatildeo

de material in-formativo em linguagem sim-plificada pac-tos pela Vida de Gestatildeo e em Defesa do SUS com introduccedilatildeo da temaacutetica da comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo em sauacutede nos deba-tes entidades devem assumir o papel de di-vulgadores das pautas dos con-selhos Cadas-

tro Nacional de Conselhos de Sauacutede com atualizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

SANGUESSUGAS VENCERAM29 DAS LICITACcedilOtildeES

A CPI das Sanguessugas relacionou 116 parlamentares e ex-parlamen-

tares com envolvimento no esquema de ambulacircncias superfaturadas A Controladoria Geral da Uniatildeo (CGU) apurou que de 2000 a 2004 a Planam ganhou de um total de 3048 licita-ccedilotildees para aquisiccedilatildeo de ambulacircncias 891 convecircnios (29) entre municiacutepios e Ministeacuterio da Sauacutede A Operaccedilatildeo Sanguessuga da Poliacutecia Federal partiu de investigaccedilatildeo da CGU Se-gundo o Ministeacuterio da Justiccedila as in-formaccedilotildees levantadas ateacute agora natildeo permitem que os investigados sejam declarados culpados uma funccedilatildeo da Justiccedila A CPI afi rma que haacute provas concretas mdash como recibos de depoacutesi-to mdash contra 70 parlamentares

O professor Joseacute Sebastiatildeo dos Santos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiratildeo Preto disse agrave Folha de S Paulo que ambulacircncias com-pradas por emendas parlamentares servem principalmente agrave propaganda poliacutetica jaacute que chegam agraves cidades de forma aleatoacuteria e sem o planejamen-to proposto pelo SUS Ex-secretaacuterio de Sauacutede de Ribeiratildeo Preto o profes-sor acha que distribuir ambulacircncias eacute uma forma cara e pouco efi ciente

RADIS 49 SET2006

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

RADIS 48 AGO2006

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

RADIS 49 SET2006

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

RADIS 49 SET2006

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

RADIS 49 SET2006

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

PESQ

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A

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SU

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O

Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

RADIS 49 SET2006

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

RADIS 49 SET2006

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

RADIS 49 SET2006

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

AD

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

AD

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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Page 8: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

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O economista Maacutercio Pochmann afi rma que 20 mil famiacutelias ganham dinheiro fi nanciando a diacutevida Como para o IBGE uma famiacutelia meacutedia tem quatro pessoas conclui-se que a parcela tributaacuteria do pagamento de juros favoreceu 80 mil pessoas com 577 das riquezas do paiacutes Por outro lado no primeiro semestre R$ 19 bi-lhotildees de impostos cobriram os gastos da Previdecircncia que sozinha com a arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees ao INSS natildeo consegue distribuir os benefiacutecios previstos (ver anaacutelise dessa ldquoloacutegicardquo na Radis 48) O valor de R$ 19 bilhotildees representa 192 do PIB Como foram pagos 21 milhotildees de benefiacutecios a agecircncia conclui que 84 milhotildees de pessoas fi caram com 192 das riquezas brasileiras

Mesmo com um aumento nominal (de R$ 1 trilhatildeo para R$ 1024 trilhatildeo no primeiro semes-tre) a diacutevida caiu de 515 do PIB em dezembro de 2005 para 503 em junho passado A equipe econocircmica argumen-ta que quanto menor o percentual me-nos juros o paiacutes paga enfraquecendo o argumento dos especuladores fi nancei-ros sobre o risco de calote

Enquanto isso na aacuterea socialOs programas de transferecircncia

de renda reduziram o percentual da populaccedilatildeo extremamente pobre (que vive com menos de US$ 60 por mecircs) de 145 em 2003 para 123 em 2004 segundo a pesquisadora Aldaiacuteza Sposa-ti da PUC-SP tambeacutem consultora da Unesco em palestra na 32ordf Conferecircn-cia Internacional do Bem-Estar Social em julho Mas isso eacute insufi ciente pois o governo precisa aceitar a ideacuteia de que gasto social eacute investimento e ldquonatildeo desperdiacutecio sem rentabilidade para o crescimento econocircmicordquo

O AVANCcedilO DAS OSSS

Em Satildeo Paulo 45 dos serviccedilos esta-duais de sauacutede jaacute estatildeo a cargo do

setor privado o restante se divide entre Organizaccedilotildees Sociais de Sauacutede (Radis 43) e o estado A Secretaria de Sauacutede natildeo quis informar o montante investido nos contratos de gestatildeo com OSSs mas o Tribunal de Contas apontou em 2004 aumento de 90 nos gastos com inter-naccedilotildees entre 1995 e 2002 e ldquoquestionou se o crescimento natildeo seria fraudulento induzido pelas entidades privadas com o objetivo de receber mais recursos puacutebli-cosrdquo informou em julho a Agecircncia Carta Maior Para o sanitarista Joseacute Carvalho de Noronha da Fiocruz o modelo atual de ldquoorganizaccedilotildees paraestataisrdquo com regime trabalhista fl exiacutevel e burla a licitaccedilotildees

difere da primeira OSS transformada na Rede Sarah criada por lei especiacutefi -ca e com orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede ldquoTem plano de carreiras proacuteprio regime trabalhista da CLT e goza de au-tonomia administrativa e fi nanceirardquo diz Eacute uma ldquoOSS puacuteblicardquo

AGRONEGOacuteCIO SEM DESMATAMENTO

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva cobrou do novo ministro da

Agricultura Luis Carlos Guedes um plano de desenvolvimento sustentaacutevel do agronegoacutecio que evite o avanccedilo do desmatamento ldquoHaacute 160 mil quilocircme-tros quadrados jaacute convertidos para a agricultura hoje abandonados na Ama-zocircniardquo disse ela ldquoNatildeo haacute motivo para que a fronteira agriacutecola seja expandi-da gerando mais desmatamento e por isso o Ministeacuterio da Agricultura precisa de um planordquo Se esse territoacuterio fosse usado de forma semi-intensiva seria possiacutevel dobrar a capacidade brasileira de produccedilatildeo de gratildeos e de criaccedilatildeo de gado sem derrubar uma soacute aacutervore Por ano satildeo desmatados 18 mil hectares de selva Apoacutes um aumento do desma-tamento de 27 em 2002 esse iacutendice caiu em 31 em 2005

AGENDA DE COMUNICACcedilAtildeO E INFORMACcedilAtildeO EM SAUacuteDE

O Conselho Nacional de Sauacutede reuniu em julho durante o 7ordm

Congresso Nacional da Rede Unida em Curitiba conselheiros e tra-balhadores da sauacutede na Ofi cina de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para o Exerciacutecio do Controle Social Foi elaborada uma Agenda de Comunica-ccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede para 2006 com nove temas principais

Satildeo eles ampliaccedilatildeo do Fique Atento com defi niccedilatildeo de temaacuteticas prioritaacuterias Pacto pela Democrati-

zaccedilatildeo e Qualidade da Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede que deve ser pauta em reuniotildees dos conse-lhos Comissotildees de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo em Sauacutede cuja criaccedilatildeo os conselhos devem priorizar ca-pacitaccedilatildeo de conselheiros na aacuterea direito agrave sauacutede e controle social com elaboraccedilatildeo de material informativo Pacto de Gestatildeo com elaboraccedilatildeo

de material in-formativo em linguagem sim-plificada pac-tos pela Vida de Gestatildeo e em Defesa do SUS com introduccedilatildeo da temaacutetica da comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo em sauacutede nos deba-tes entidades devem assumir o papel de di-vulgadores das pautas dos con-selhos Cadas-

tro Nacional de Conselhos de Sauacutede com atualizaccedilatildeo monitoramento e acompanhamento

SANGUESSUGAS VENCERAM29 DAS LICITACcedilOtildeES

A CPI das Sanguessugas relacionou 116 parlamentares e ex-parlamen-

tares com envolvimento no esquema de ambulacircncias superfaturadas A Controladoria Geral da Uniatildeo (CGU) apurou que de 2000 a 2004 a Planam ganhou de um total de 3048 licita-ccedilotildees para aquisiccedilatildeo de ambulacircncias 891 convecircnios (29) entre municiacutepios e Ministeacuterio da Sauacutede A Operaccedilatildeo Sanguessuga da Poliacutecia Federal partiu de investigaccedilatildeo da CGU Se-gundo o Ministeacuterio da Justiccedila as in-formaccedilotildees levantadas ateacute agora natildeo permitem que os investigados sejam declarados culpados uma funccedilatildeo da Justiccedila A CPI afi rma que haacute provas concretas mdash como recibos de depoacutesi-to mdash contra 70 parlamentares

O professor Joseacute Sebastiatildeo dos Santos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiratildeo Preto disse agrave Folha de S Paulo que ambulacircncias com-pradas por emendas parlamentares servem principalmente agrave propaganda poliacutetica jaacute que chegam agraves cidades de forma aleatoacuteria e sem o planejamen-to proposto pelo SUS Ex-secretaacuterio de Sauacutede de Ribeiratildeo Preto o profes-sor acha que distribuir ambulacircncias eacute uma forma cara e pouco efi ciente

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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Page 9: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

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VIOLEcircNCIA CONTRA A MULHER mdash Estaacute na TV uma campanha educativa sobre violecircncia contra a mulher mdash a Bem-Querer Mulher (wwwbemquerermulhercombr) A campanha eacute importantiacutessima embora o nome soe complacente Natildeo tem que bem-querer Pode mal-querer agrave vonta-de pode ateacute detestar O que natildeo pode eacute bater ou vai para a cadeia Menos poesia e mais fi rmeza

FARMAacuteCIA COMUNITAacuteRIA mdash Imperdiacutevel a reportagem ldquoAlgo de novo e belo estaacute acontecendo nas farmaacutecias comunitaacute-riasrdquo (Pharmacia Brasileira nordm 53) de Aloiacutesio Brandatildeo editor da revista Um farmacecircutico goiano de 33 anos Luciano da Ressurreiccedilatildeo Santos eacute o protagonista da histoacuteria contada na mateacuteria e exemplo do que a assistecircncia farmacecircutica pode fazer por um paciente Na internet wwwcfforgbrrevistas5308a12pdf

AUTOacuteCTONES NO PODER mdash Depois do presidente Evo Morales que eacute aymara a Boliacutevia empossou na presidecircncia da Assembleacuteia Constituinte em agosto a deputada Silvia Lazarte Flores que eacute quiacutechua Ou seja legiacutetima representan-te dos povos originaacuterios bolivianos

NA BLOGOSFERA mdash Os cinco blogs de ciecircncia mais populares nos Estados Uni-dos segundo a revista Nature conforme mateacuteria da Agecircncia Fapesp Pharyngula (wwwscienceblogscompharyngula) Pandas Thumb (wwwpandasthumborg) Realclimate (wwwrealclimateorg) Cosmic Variance (wwwcosmicva-riancecom) Scientifi c Activist (wwwscienceblogscomscientifi cactivist)

O HIacuteFEN SUMIU mdash A equipe do RADIS pede desculpas ao leitor A substituiccedilatildeo do programa de editoraccedilatildeo na ediccedilatildeo 48 provocou na fase de impressatildeo o sumiccedilo dos hiacutefens dos textos embora estivessem todos laacute no momento da revisatildeo como se vecirc na versatildeo da in-ternet O bug identifi cado natildeo seraacute repetido no proacuteximo nuacutemero

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SUacuteMULA eacute pro du zi da a par tir do acom pa -nha men to criacutetico do que eacute di vul ga do na miacutedia impressa e eletrocircnica

de poliacutetica de sauacutede que persiste apenas pela pressatildeo poliacutetica Em vez de organizar unidades baacutesicas e implantar o Programa Sauacutede da Famiacute-lia disse muitos prefeitos preferem comprar ambulacircncias

AacuteFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DSTAIDS

Representantes de paiacuteses africanos pediram em julho que o Brasil

amplie as accedilotildees de cooperaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede principalmente no combate agrave Aids em debate sobre poliacuteticas de sauacutede puacuteblica e a luta contra HIVAids malaacuteria e outras epidemias na 2ordf Con-ferecircncia de Intelectuais da Aacutefrica e da Diaacutespora Para o ex-primeiro-ministro de Moccedilambique Pascoal Mocumbi representante de uma iniciativa global para o desenvolvimento de medicamentos poderia ser repassada aos paiacuteses africanos a experiecircncia do programa brasileiro de DSTAids na reduccedilatildeo da incidecircncia da doenccedila no paiacutes ldquoNo Brasil conseguem transmitir mensagens a todas as comunidades mesmo agravequelas sem instruccedilatildeordquo disse agrave Agecircncia Brasil

Mas o presidente do Grupo Gay da Bahia Marcelo Cerqueira con-testou citando dados da Secretaria Estadual de Sauacutede de Satildeo Paulo a Aids atinge duas vezes mais negros do que brancos no estado ldquoA maior parte das campanhas de sauacutede exclui o negrordquo afirmou ele acrescentando que a vulnerabilidade maior da populaccedilatildeo negra eacute fruto da difi culdade de acesso aos serviccedilos de sauacutede Laura Segall Correcirca representante do Ministeacuterio da Sauacutede disse que o SUS tem pro-blemas mas eacute preciso defendecirc-lo ldquoO governo jaacute desenvolve um programa estrateacutegico de accedilotildees afi rmativas para a populaccedilatildeo negrardquo

JUSTICcedilA DECIDIRAacute QUEBRA DE PATENTE

Em Brasiacutelia o Ministeacuterio Puacuteblico Federal e ONGs que atuam na pre-

venccedilatildeo da Aids aguardam decisatildeo da Justiccedila sobre accedilatildeo civil puacuteblica mdash con-tra o governo federal e o laboratoacuterio Abott mdash que pede licenccedila compulsoacuteria para a produccedilatildeo no Brasil do anti-retroviral Kaletra ldquoO que motivou o pedido foi nossa preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade do programa nacional de Aids pois esse eacute um medicamento de alto custordquo disse a advogada do Grupo Pela Vida Karina Grou que par-ticipou em agosto de seminaacuterio sobre a capacidade industrial brasileira na produccedilatildeo de anti-retrovirais

A medida foi tomada em dezem-bro depois que o entatildeo ministro Sarai-va Felipe rejeitou resoluccedilatildeo do Conse-lho Nacional de Sauacutede pedindo emissatildeo imediata de licenccedilas compulsoacuterias das drogas efavirenz lopinavir tenofovir e outros anti-retrovirais patenteados que oneram o orccedilamento do SUS Para a advogada eacute poliacutetica a decisatildeo da natildeo-quebra de patentes jaacute que o Brasil tem respaldo legal e capacidade de produccedilatildeo ldquoHaacute muita pressatildeo dos paiacuteses desenvolvidos como os Estados Unidos e o governo teme retaliaccedilotildees em outros setoresrdquo

FALTAM MEacuteDICOS PARA O PSF

O Projeto de Expansatildeo e Conso-lidaccedilatildeo da Sauacutede da Famiacutelia

(Proesf) natildeo avanccedilou como previsto em alguns municiacutepios devido agrave falta de meacutedicos avaliou o Ministeacuterio da Sauacutede em seminaacuterio de balanccedilo do programa em Brasiacutelia ldquoTemos vaacuterios indicadores que mostram resultados positivos como reduccedilatildeo das interna-ccedilotildees melhoria do preacute-natal acesso da populaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo dos usuaacuteriosrdquo afi rmou no dia 4 de agosto o diretor do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica do ministeacuterio Luiz Fernando Rolim Entre os desafi os Rolim destacou a falta de profi ssionais qualifi cados e disponiacuteveis para trabalhar nas regiotildees de maior demanda ldquoVaacuterios municiacutepios dizem que a expansatildeo natildeo estaacute ocorrendo no ritmo que queriam pela falta de meacutedicosrdquo A qualifi caccedilatildeo permanente das equipes eacute outra difi culdade mais de 300 mil profi ssionais entre meacutedi-cos enfermeiros e agentes de sauacutede trabalham no PSF

O Proesf que visa a expansatildeo do PSF em municiacutepios com mais de 100 mil habitantes teve iniacutecio em marccedilo de 2003 e conta com US$ 550 milhotildees para aplicaccedilatildeo ateacute 2009 informou a Agecircncia Brasil Metade da verba vem de empreacutestimo do Banco Mun-dial e metade do governo federal O programa cresce principalmente nos municiacutepios pequenos Em 2005 cobria quase 5 mil municiacutepios dos 5563 do paiacutes E atendia principalmente cida-datildeos de baixa renda das classes D e E segundo levantamento do professor Luiacutes Augusto Facchini da Universida-de Federal de Pelotas que avaliou o projeto em 21 municiacutepios

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

RADIS 49 SET2006

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

RADIS 49 SET2006

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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Page 10: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

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INTEGRALIDADE no ensinasus

Katia Machado

Integralidade em sauacutede Este eacute o princiacutepio que com a universali-dade e a equumlidade forma a base do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Diz a Lei 808090 entende-se por in-tegralidade de assistecircncia um conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e servi-ccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em

todos os niacuteveis de complexidade do sistema A integralidade foi prioridade do Movimento da Re-forma Sanitaacuteria desde meados de 1980 nas lutas que culminaram na Constituiccedilatildeo de 1988 que ga-

rantiu a sauacutede como um direito de todos Um princiacutepio sempre defendido como primordial ao sistema e como intenccedilatildeo e necessidade da accedilatildeo puacuteblica

Por este motivo em 2004 for-mou-se o EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteti-cas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (IMSUerj) visando identifi car apoiar e desenvolver experiecircncias de ensino e pesquisa capazes de transformar a formaccedilatildeo em sauacutede fundamentando-se no princiacutepio da integralidade

A professora Roseni Pinheiro que coordena o Lappis explica que discutir integralidade do SUS eacute tambeacutem tratar dos compromissos das instituiccedilotildees de sauacutede sobretudo das que operam com a racionalidade biomeacutedica que satildeo as universidades os hospitais os oacutergatildeos formadores as instituiccedilotildees cientiacutefi cas e os conselhos da aacuterea de sauacutederdquo

A pesquisa cujos resultados foram divulgados no Simpoacutesio Nacional Ensina-

SUS em 9 e 10 de agosto na Uerj ti-nha portanto funccedilatildeo determinante a possibilidade de repensar-se que curso ou que formaccedilatildeo se buscava estruturar segundo uma sauacutede mais integral

Integralidade natildeo eacute princiacutepio mais importante do que outro mas por sua natureza eacute capaz de atender a todos segundo as especifi cidades de cada pessoa grupo ou regiatildeo Trata-se de conceito amplo diz Roseni uma accedilatildeo social que resulta da interaccedilatildeo democraacutetica entre os sujeitos no coti-diano de suas praacuteticas e na prestaccedilatildeo do cuidado da sauacutede em diferentes niacuteveis do sistema

Para o Lappis caracteriza-se como eixo estruturante e seminal de estudos sobre questotildees que envolvem direta ou indiretamente a afi rmaccedilatildeo da cidadania coletiva da sauacutede mdash a sauacutede como um direito do cidadatildeo Natildeo eacute portanto

Experiecircncias inovadorasno ensino da sauacutede

Rio Grande do Sul fi sioterapia em todos os ciclos da vida

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

PESQ

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

RADIS 49 SET2006

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

RADIS 49 SET2006

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

RADIS 49 SET2006

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

AD

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

AD

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

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INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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nenhum modismo exaltaacute-lo ressalta Roseni Eacute nada mais do que um princiacute-pio constitucional que desafi a todos os outros com sua caracteriacutestica de trans-versalidade pelos demais princiacutepios

O Lappis formado em 2004 visa assim auxiliar na identificaccedilatildeo e na construccedilatildeo de praacuteticas de aten-ccedilatildeo integral agrave sauacutede A proposta do grupo de pesquisadores eacute repensar a noccedilatildeo de integralidade a partir de anaacutelise divulgaccedilatildeo e apoio a expe-riecircncias inovadoras ldquoComeccedilamos a delimitar o escopo de nosso progra-ma como um grupo de pesquisa para analisar praacuteticas de integralidade a partir de experiecircncias no SUS que eacute a poliacutetica de Estado do paiacutes para sauacutederdquo explica ela

Doutora em Sauacutede Coletiva e pro-fessora-adjunta do IMS Roseni entende que este princiacutepio universal e consti-tucional fruto de amplo movimento social segue um caminho permanente em construccedilatildeo A integralidade para ela eacute um termo polissecircmico e po-lifocircnico como gosta de ressaltar Eacute polissecircmico porque natildeo se limita a uma diversifi caccedilatildeo dos sentidos carregando valores que merecem ser defendidos e que respeitam as diferenccedilas nos vaacuterios cantos do Brasil Eacute polifocircnico porque ouve as vozes ldquosilenciadas em espaccedilos institucionais que natildeo tecircm canais de escuta e acesso agrave informaccedilatildeo e agrave comu-nicaccedilatildeo ou seja natildeo tecircm visibilidade para suas demandasrdquo

OS OLHOS NO COLETIVONa opiniatildeo da advogada Lenir San-

tos especialista em direito sanitaacuterio a integralidade de fato tem um conceito amplo mas natildeo pode ter o signifi cado de que tudo aquilo que o cidadatildeo preten-der na sauacutede ele teraacute ldquoA integralidade precisa ser demarcadardquo diz ldquouma vez que na sauacutede eacute impossiacutevel garantir a todos tudo o que se pretenderrdquo Para ela esse princiacutepio deveraacute ser pautado por criteacuterios teacutecnicos orccedilamentaacuterios fi nanceiros e poliacuteticos Caso contraacuterio haveraacute um SUS esmagado por demandas individuais sem os olhos voltados para o coletivo (ver paacuteg 35)

Mas se a integralidade em sauacutede eacute conforme Roseni um princiacutepio em cons-tante construccedilatildeo seraacute que a Constitui-ccedilatildeo Federal e a Lei 808090 datildeo conta deste conceito Para a coordenadora do Lappis em se tratando de adequar o sistema de sauacutede agraves especifi cidades regionais do Brasil a lei natildeo daacute conta da defi niccedilatildeo Ela apenas possibilita demo-craticamente que se faccedilam rearranjos das praacuteticas de sauacutede que podem ser construiacutedas coletivamente em cada re-giatildeo Essa construccedilatildeo evidentemente

precisa de criteacuterios mas que natildeo devem ser ditados apenas por especialistasrdquo diz Natildeo haacute como se ter um profi ssional capaz de dar conta de todas as deman-das satildeo necessaacuterios vaacuterios profi ssionais integrados ldquoEssa eacute a proposta quando abordamos tal princiacutepio do SUSrdquo

Roseni acredita tambeacutem que os sa-beres em sauacutede natildeo estatildeo isolados nem satildeo universais ou mesmo defi nitivos O conhecimento cientiacutefi co no campo da sauacutede por exemplo ou o conhecimento epidemioloacutegico natildeo eacute sufi ciente para

pautar accedilotildees integrais Sem duacutevida satildeo conhecimentos com lugar proacuteprio e relevante mas natildeo exclusivos e determinantes para defi nir as poliacuteticas de sauacutede ldquoEles satildeo vaacutelidos quando adequados agraves especifi cidades de cada regiatildeordquo explica Ela ressalta trecircs impor-tantes aacutereas do setor sauacutede que contribuem para a materializaccedilatildeo da integralidade ldquoTemos a aacuterea de poliacute-tica planejamento e gestatildeo na sauacutede as ciecircncias sociais humanas em sauacutede e

Acre Sauacutede da Famiacutelia do primeiro ao uacuteltimo periacuteodo do curso de Medicina

Rio Grande do Norte a enfermagem a serviccedilo da comunidade

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

PESQ

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

RADIS 49 SET2006

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

RADIS 49 SET2006

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

RADIS 49 SET2006

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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RADIS 49 SET2006

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

RADIS 49 SET2006

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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Page 12: Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ

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por fi m a epidemiologia Todas elas tecircm contribuiccedilotildees fundamentais no que tange agrave integralidaderdquo afi rma Roseni lembrando que a Sauacutede Coletiva propotildee uma criacutetica agrave concepccedilatildeo fragmentada das sauacutedes puacuteblicas

Na praacutetica portanto a integra-lidade funciona quando a sauacutede se integra a setores e conhecimentos e natildeo apenas a setores ldquoSenatildeo este princiacutepio acaba muitas vezes sendo confundido com intersetorialidade bastaria ter accedilotildees intersetoriais para termos accedilotildees integrais e sabemos que natildeo eacute assimrdquo resume

O SUS DIZ ldquoPRESENTErdquoCompartilhando das mesmas

ideacuteias para Lenir a Constituiccedilatildeo natildeo defi ne a integralidade apenas preco-niza que as accedilotildees curativas sejam inte-gradas com as accedilotildees preventivas para que se evite a dicotomia buscando-se a demarcaccedilatildeo do campo de atuaccedilatildeo do

SUS Segundo ela quem tenta defi nir a integralidade mas tambeacutem natildeo o faz com clareza eacute a Lei 808090 no artigo 7 ldquoDigo que natildeo faz com clareza por-que este princiacutepio deve ser objeto de uma construccedilatildeo constanterdquo afi rma

Embora a lei natildeo abarque conceito tatildeo amplo no dia-a-dia o princiacutepio da integralidade acaba por se fazer pre-sente sem que muitas vezes as pessoas se decircem conta A necessidade de iden-tifi caccedilatildeo dessas experiecircncias portanto eacute fundamental para a consolidaccedilatildeo e a propagaccedilatildeo do SUS como uma poliacutetica de Estado de garantia do direito agrave sauacutede

A pesquisa assim surgiu a partir de uma convocatoacuteria em 2004 por conta da poliacutetica ministerial AprenderSUS como parte das atividades da linha do Lappis em parceria com o Departamento de Gestatildeo da Educaccedilatildeo na Sauacutede (Deges) da Secretaria de Gestatildeo do Trabalho e da Educaccedilatildeo na Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacute-de e a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da

Sauacutede Foram chamadas as experiecircncias de graduaccedilatildeo que se identifi cassem com praacuteticas de integralidade ou que desen-volvessem projetos poliacutetico-pedagoacutegicos voltados para este princiacutepio do SUS

Cem experiecircncias se apresen-taram espontaneamente e 10 delas foram escolhidas para a pesquisa O objetivo era mobilizar e apoiar experi-ecircncias inovadoras voltadas para praacuteti-cas de integralidade em instituiccedilotildees de ensino e pesquisa Aleacutem disso havia a proposta de produccedilatildeo de conhecimen-to relativo ao ensino em dois campos de intervenccedilatildeo especiacutefi cos Um deles formaccedilatildeo e educaccedilatildeo permanente dos profi ssionais considerando as interfa-ces entre educaccedilatildeo sauacutede e trabalho O outro relacionado ao desenvolvi-mento para a incorporaccedilatildeo de novas tecnologias do cuidado capazes de articular saberes e praacuteticas produzidas nos serviccedilos para usuaacuterios

SELECcedilAtildeO O GRANDE DESAFIOSelecionar essas experiecircncias foi

um grande desafi o relata o cientista social Gilson Saippa-Oliveira pes-quisador da linha mestre em Sauacutede Puacuteblica doutorando em Sauacutede Publica e professor do Departamento de Pla-nejamento em Sauacutede da Universidade Federal Fluminense (UFF)

A primeira preocupaccedilatildeo na sele-ccedilatildeo foi identifi car o perfi l com potencial de produccedilatildeo e de inovaccedilatildeo na forma-ccedilatildeo do profi ssional de sauacutede Depois selecionar experiecircncias de diferentes regiotildees do Brasil e de diferentes aacutereas da sauacutede ldquoUma coisa era fundamental identifi car a perspectiva da inovaccedilatildeo visceral no processo de formaccedilatildeordquo conta Gilson Natildeo seria uma disciplina isolada um projeto de extensatildeo ou um momento especiacutefi co da formaccedilatildeo que revelaria um potencial de transforma-ccedilatildeo ldquomas alguma coisa que estivesse integrada ao processo de formaccedilatildeo que tivesse uma perspectiva de continuidade desse processordquo A pesquisa acabou por descobrir modalidades de formaccedilatildeo na enfermagem na odontologia na fi siote-rapia na medicina e na psicologia con-templando as cinco regiotildees do Brasil

Para a pesquisadora Regina Henri-ques da linha de atuaccedilatildeo e professora da Faculdade de Enfermagem da UERJ o EnsinaSUS comeccedila justamente com a necessidade de se formarem traba-lhadores sob a perspectiva da integra-lidade Enfermeira ela acredita que a pesquisa permitiu entender e conhecer propostas em desenvolvimento nos vaacuterios cursos da aacuterea da sauacutede que no entanto natildeo estavam devidamente evidenciadas ldquoAleacutem disso conse-guimos refl etir sobre o que faziacuteamos

Simpoacutesio do EnsinaSUS Gilson Saippa Francini Guizardi Ricardo Ceccim Lilian Koifman e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa

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O conteuacutedo de Sauacutede da Famiacutelia no curso de Medicina da Uni-

versidade Federal do Acre (Ufac) os marcos teoacutericos e metodoloacutegicos que orientam a forccedila de trabalho de enfermagem que se forma na Facul-dade de Enfermagem da Universi-dade do Estado do Rio Grande do Norte (Faen) a disciplina Sauacutede da Famiacutelia na Faculdade de Medicina

de Juazeiro do Norte no Cearaacute o Programa de Interaccedilatildeo Univer-sidade-Serviccedilo-Comunidade da Faculdade de Medicina de Bo-tucatu (SP) a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica e o Internato

Rural da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o curso de Fisiote-

rapia da Universidade de Caxias do Sul (RS) que se pauta natildeo apenas na reabilitaccedilatildeo como tambeacutem na promoccedilatildeo e na prevenccedilatildeo os moacute-dulos interdisciplinares do curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regiatildeo do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande (MS) o projeto de Assistecircncia Interdisciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Uni-versidade Estadual de Londrina (PR) o curriacuteculo que orienta a Escola de Enfermagem da UFMG e o projeto de pesquisa baseado na necessidade dos pacientes dos alunos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)

As 10 experiecircncias escolhidas

RADIS 49 SET2006

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nas nossas proacuteprias instituiccedilotildeesrdquo diz O mesmo pensa Gilson Saippa para quem o projeto contribuiu na reavaliaccedilatildeo de seu proacuteprio processo de trabalho como tambeacutem de toda a sua praacutetica cotidiana na formaccedilatildeo quer seja na graduaccedilatildeo na poacutes-graduaccedilatildeo ou na residecircncia meacutedica

Para uma das pesquisadoras do grupo a enfermeira Maria do Carmo dos Santos Macedo professora da Faculdade de Enfermagem da Uerj uma das carac-teriacutesticas importantes do EnsinaSUS foi a pergunta ldquoOnde anda a formaccedilatildeo como ela estaacute e quem nesse momento bus-cou alguma coisa para se aproximar mais dos princiacutepios do SUS e da integralidade que eacute o foco da questatildeoldquo

PERGUNTAS NA BAGAGEMO trabalho como esclarece a

pesquisadora Lilian Koifman partiu ainda dos seguintes questionamen-tos ldquoSaberiacuteamos dizer o que tem sido feito no Brasil no que tange agrave formaccedilatildeo em sauacutederdquo e mais ldquoo que identifi camos como pistas ou situa-ccedilotildees educacionais de integralidade na graduaccedilatildeo em sauacutederdquo Pedagoga mestre e doutora em Sauacutede Puacuteblica ela conta que com essas perguntas na bagagem e as experiecircncias seleciona-das o grupo visitou vaacuterios cantos do Brasil para identifi car como a integra-lidade se dava na praacutetica da formaccedilatildeo em sauacutede qual o sentido dado a esse princiacutepio e em que momentos e de que forma os alunos podem trabalhar com o tema da integralidade Tudo isso diz Liacutelian ldquorespeitando as es-pecifi cidades dos lugares das regiotildees e dos cursosrdquo

Iniciado em 2002 o curso de Medicina da Ufac visa maior intera-ccedilatildeo dos alunos com a comunidade O eixo Sauacutede da Famiacutelia perpassa do 1ordm ao 6ordm periacuteodo da faculdade Jaacute no primeiro ano os discentes vatildeo visitar famiacutelias e fazem diagnoacutesticos socio-ambientais Depois passam agrave accedilatildeo em cliacutenica educaccedilatildeo e sauacutede Para Rodrigo Silveira meacutedico de Famiacutelia e Comunidade professor-assistente da universidade ser selecionado causou felicidade e surpresa e conforme ressalta ldquofacilitou a consolidaccedilatildeo do eixo na faculdaderdquo

A seleccedilatildeo do projeto poliacuteti-co-pedagoacutegico da Faen deveu-se agrave articulaccedilatildeo ensinotrabalho que promove preparando os enfermei-ros em consonacircncia com o serviccedilo puacuteblico e a comunidade As estrateacute-gias metodoloacutegicas para a formaccedilatildeo desse profi ssional visam agrave realidade agraves reais necessidades dos usuaacuterios Essas necessidades se transformam

em conteuacutedo do curriacuteculo da facul-dade Coordenadora do projeto ateacute o fi m do ano passado Moecircmia Gomes de Oliveira Miranda assume ter sido ao mesmo tempo prazeroso preo-cupante e desafi ador participar do EnsinaSUS ldquoIsso porque sabiacuteamos que as demandas eram muitas era neces-saacuterio aprofundar ainda mais a questatildeo da integralidade e estreitar a articu-laccedilatildeo entre ensino e trabalho entre as instituiccedilotildees formadoras o proacuteprio SUS a comunidade e os gestoresrdquo

resume a enfermeira que eacute mestre em Enfermagem e Sauacutede Puacuteblica

Terceira experiecircncia selecio-nada o curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte no Cearaacute pauta seu curriacuteculo na dis-ciplina Sauacutede da Famiacutelia como eixo integrador dos conteuacutedos aplicados ldquoO curso iniciado em 2000 soacute foi aprovado na eacutepoca pelo Conselho Estadual de Sauacutede do Cearaacute devido a esta propostardquo observa a coordenadora

Minas Gerais Alunos de odontologia levam consultoacuterio ao interior

Rio Grande do Sul uma infra-estrutura completa favorece a formaccedilatildeo do fi sioterapeuta generalista

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Paola Colares de Borba que eacute pediatra e mestre em Sauacutede Puacuteblica Para ela foi grande e grata surpresa estar no EnsinaSUS ldquoSobretudo porque somos uma instituiccedilatildeo privada e em nossa regiatildeo haacute discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves faculdades privadasrdquo

SAUacuteDE E SOFRIMENTOO Programa de Interaccedilatildeo Uni-

versidade-Serviccedilo-Comunidade em Botucatu iniciado em 2003 tem como objetivo deixar o ensino meacutedico mais proacuteximo dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica e da comunidade levando em conta a subjetividade da relaccedilatildeo humana e escutando o que o paciente tem a dizer ao meacutedico Essa foi a pista de integralidade que levou a experiecircncia a participar do projeto do Lappis

Para ouvir a comunidade e seus pacientes os alunos de Medicina satildeo divididos em oito grupos espalhados nos oito territoacuterios de Atenccedilatildeo Baacutesica de Botucatu No primeiro ano cada aluno fi ca responsaacutevel por trecircs bebecircs e suas respectivas famiacutelias realizan-do o reconhecimento do territoacuterio a forma como as pessoas datildeo conta de sua sauacutede e lidam com o sofrimento No segundo ano partem para um tra-balho mais educativo e no terceiro ano vatildeo atender pacientes adultos em centros de sauacutede Para a coordenadora do projeto Eliana Cyrino meacutedica e professora do Departamento de Sauacutede Puacuteblica da faculdade o EnsinaSUS acabou por estimular ainda mais o trabalho ldquoSignifi ca que estamos se-guindo o caminho certordquo

O mesmo pensa a dentista Efi gecirc-nia Ferreira doutora em Epidemiolo-gia e professora-adjunta da Faculdade de Odontologia da UFMG O trabalho selecionado a integrar a pesquisa do EnsinaSUS diz respeito a duas discipli-nas da instituiccedilatildeo a Cliacutenica Integrada de Atenccedilatildeo Baacutesica ministrada em cin-co periacuteodos e Internato Rural depois das cinco cliacutenicas ldquoEssas disciplinas estatildeo focadas na Atenccedilatildeo Baacutesica procurando maior interaccedilatildeo com o serviccedilordquo explica

O curso de Fisioterapia da Uni-versidade de Caxias do Sul criado em 2001 foi selecionado devido a sua proposta inovadora que vai aleacutem da

reabilitaccedilatildeo De acordo com Suzete Machetto Claus enfer-meira e assessora pedagoacutegica do curso o trabalho tem como base dois pontos fundamentais O primeiro eacute formar o pro-

fi ssional fi sioterapeuta generalista capaz de atuar em diversos acircmbitos desde a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo ateacute a reabilitaccedilatildeo O objetivo eacute fazer com

que esse profi ssional natildeo se detenha exclusivamente na reabilitaccedilatildeo como normalmente tem sido na formaccedilatildeo do fi sioterapeuta O segundo ponto estaacute relacionado agrave organizaccedilatildeo curricular Em vez de se pautar em sistemas or-gacircnicos o curso estaacute voltado para as necessidades de sauacutede das pessoas e de seu ciclo vital ldquoA proposta volta-se para a pessoa e natildeo para a patologia abrangendo todas as fases da vida de forma interacionalrdquo

Para Suzete o EnsinaSUS signifi -cou reconhecimento e responsabilida-de ldquoReconhecimento de ver que foi selecionada a proposta de uma facul-dade privada ainda que a faculdade seja de caraacuteter comunitaacuterio e regional E responsabilidade com a instituiccedilatildeo que apostou em tudo isso como tam-beacutem com outras instituiccedilotildees pois o curso serve de referecircnciardquo diz

MEacuteTODO INTEGRADOE INTEGRADOR

Na explicaccedilatildeo da psicoacuteloga Vera Luacutecia Kodjaoglanian mestre em Sauacute-de Coletiva que coordena o curso de Psicologia da Uniderp em Campo Grande o trabalho foi selecionado devido ao meacutetodo pedagoacutegico e ao de-senho curricular do curso Implantado no ano de 2000 o curso apresenta um meacutetodo integrado e integrador ao mesmo tempo pois foi construiacutedo coletivamente com a participaccedilatildeo de diversas aacutereas da sauacutede Estaacute organi-zado por moacutedulos interdisciplinares que seguem o eixo do ciclo vital iniciado na concepccedilatildeo do ser humano e passando por todo o seu desenvolvi-mento Por esse curriacuteculo os estudos de todas as disciplinas do curso se datildeo de forma integrada ldquoSatildeo moacutedulos te-maacuteticos interdisciplinares focados na aprendizagem baseada em problemas (em inglecircs Problem Basic Learning ou PBL) por esse meacutetodo o aluno se vecirc na praacutetica de sua formaccedilatildeo desde o 1ordm periacuteodo do cursordquo conta

Para a execuccedilatildeo do trabalho satildeo organizados grupos tutoriais com 10 estudantes e um professor que cumpre o papel de tutor Seus estudos partem de uma situaccedilatildeo-problema real que eacute analisada e refl etida por cada grupo ldquoO trabalho desenvolvido estaacute fi ncado em alguns pilares quer seja de oferecer ao aluno maior autonomia de inseri-lo precocemente na praacutetica de aprender a aprender de aprender fazendo e de trabalhar em equiperdquo sintetiza

Vera Luacutecia como todos os outros atores da pesquisa acredita que o Ensi-naSUS foi uma forma de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do trabalho ldquoNosso traba-lho mostrou que o psicoacutelogo tem muitas

possibilidades de atuaccedilatildeo natildeo apenas a cliacutenicardquo constata ldquoEle tem uma atua-ccedilatildeo social e muito efi caz no SUSrdquo

UM SER HETEROGEcircNEOO projeto de Assistecircncia Interdis-

ciplinar ao Idoso em Niacutevel Primaacuterio da Universidade Estadual de Londrina selecionado pelo EnsinaSUS parte da ideacuteia de que o idoso na periferia natildeo eacute bem assistido e que esse atendimento natildeo pode ser feito por um uacutenico profi s-sional Essa foi a pista de integralidade que levou o trabalho a ser inserido na pesquisa do Lappis Para o idea-lizador dessa experiecircncia o geriatra Marcos Cabrera que eacute professor da universidade esse eacute um projeto que vecirc o idoso como um ser heterogecircneo Por esse motivo deveraacute ser assistido por profi ssionais da medicina da en-fermagem da fi sioterapia do serviccedilo social e da odontologia aleacutem dos profi ssionais de serviccedilo da Unidade Baacutesica de Sauacutede ldquoSer selecionado foi uma grande felicidade e engrandeceu o grupo que compotildee o projetordquo diz ldquoSempre tivemos o objetivo de mostrar que eacute possiacutevel realizar um trabalho de forma interdisciplinarrdquo

Outro projeto selecionado as duas experiecircncias de ensino aplicadas na Escola de Enfermagem da UFMG A primeira eacute o internato rural quando os alunos do 8ordm periacuteodo vatildeo a campo atuar nas comunidades rurais fora de Belo Horizonte A segunda experiecircncia eacute a atuaccedilatildeo dos alunos da graduaccedilatildeo no Hospital Sophia Seldman na periferia de Belo Horizonte Esta unidade de acordo com a enfermeira Maria Joseacute Menezes Brito coordenadora do tra-balho presta atendimento materno-infantil e eacute hoje referecircncia nacional em atendimento de matildees e crianccedilas

Para esta mestre em Enferma-gem e doutora em Administraccedilatildeo aleacutem de docente do Departamento de

Em brigade marido emulher a leiagora mete

a colher

Radisadverte

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Integralidadena pauta

NA RADIS wwwenspfi ocruzbrradisbull nordm 12 ago2003 p 14 Seminaacuterio discute o conceito de integralidade nas praacuteticas de sauacutedebull nordm 14 out2003 p 7 Atenccedilatildeo integral agrave sauacutede inspira ciclo de palestrasbull nordm 27 nov2004 p 17 Integra-lidade a cidadania do cuidado

NA COLETAcircNEA RADIS 20 ANOS

NA TEMA

bull nordm 21 nov-dez2001 p 6 Inte-gralidade

PESQ

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Enfermagem Aplicada da escola o En-sinaSUS conduziu a uma refl exatildeo mais profunda ldquoPercebemos como essa experiecircncia eacute forte na universidaderdquo diz ldquoFoi com o EnsinaSUS que acaba-mos ampliando o estaacutegio que era no 8ordm periacuteodo para o 9ordm periacuteodo quando os alunos que estatildeo para se formar passam por hospitais e unidades da rede puacuteblica de sauacutederdquo

MODELO NAtildeO ESTIacuteMULONa concepccedilatildeo da tambeacutem enfer-

meira Maria de Lourdes Denardin Budoacute mestre em Extensatildeo Oral e doutora em Enfermagem o EnsinaSUS daacute visibilidade agraves experiecircncias e estimula o estudante agrave praacutetica da integralidade Professora-adjunta do Departamento de Enferma-gem da UFSM o projeto que coordena foi selecionado por fazer diagnoacutestico de sauacutede de uma regiatildeo sanitaacuteria (PSF) de Santa Maria incluindo seus alunos desde o primeiro periacuteodo da faculdade O objetivo era fazer com que os pesqui-sadores montassem um planejamento de trabalho baseado na necessidade dos pacientes e que os alunos de gradua-ccedilatildeo do curso de Enfermagem tivessem contato com as novas diretrizes curri-culares voltadas para a integralidade na sauacutede ldquoA pesquisa teve iniacutecio em 2004 a partir da necessidade de uma das enfermeiras que integram o grupordquo informa Maria de Lourdes

Para os pesquisadores do Ensina-SUS nenhuma dessas experiecircncias serve de modelo mas de estiacutemulo agrave praacutetica da integralidade ldquoNatildeo existe um modelo em que se ensine a integralidaderdquo disse Liacutelian Koifman ldquoExistem vaacuterias possi-bilidades cada curso tem um modelo alguns parecidos outros muito diferen-tes outros muito originais outros bem tradicionais e dentro deles todos cabe a possibilidade de se discutir o tema da integralidaderdquo observa

O que mais chamou atenccedilatildeo no EnsinaSUS Para a pesquisadora Maria do Carmo da Uerj foi a certeza de que eacute possiacutevel fazer integralidade em qualquer regiatildeo e aacuterea de atuaccedilatildeo da sauacutede ldquoFoi bom ver que a formaccedilatildeo ganha uma outra qualidade no assistir principalmente quando as pessoas aten-dem nos serviccedilos e nas aacutereas de ensino com o olhar da integralidaderdquo

NADA Eacute MIRABOLANTEA forma de organizaccedilatildeo do En-

sinaSUS eacute de interaccedilatildeo permanente Foram quase trecircs anos de pesquisa feita em trecircs etapas explica Roseni O primeiro momento foi de captaccedilatildeo e seleccedilatildeo das experiecircncias O segun-do a pesquisa de campo feita pelos proacuteprios pesquisadores organizados

em duplas O terceiro apoacutes anaacutelise de campo e aplicaccedilatildeo da matriz ana-liacutetica a reuniatildeo dos relatores das 10 experiecircncias selecionadas para uma criacutetica dessa anaacutelise ldquoEsse foi um momento novo para o tipo de pesquisa exploratoacuteria realizada o que criou uma validade dialoacutegica muito impor-tante para os resultados da pesquisa e permitiu sua conclusatildeo com maior efi caacuteciardquo diz Roseni

A decisatildeo de reunir-se com os repre-sentantes das experiecircncias selecionadas depois de feita a anaacutelise de campo levou ao documentaacuterio Vozes da Integralidade (making of em wwwlappisorgbrcgicgiluaexesysstarthtmsid=1) em parceria com a VideoSauacutede ligada ao Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecno-loacutegica da Fiocruz Para o documentaacuterio foram visitadas as cinco regiotildees do Brasil e fi lmadas sete experiecircncias ldquoApesar de natildeo estar previsto inicialmente como instrumento de pesquisa o viacutedeo acabou funcionando como tal como um validador dialoacutegico ainda mais que a ideacuteia surgiu apoacutes um ano da pesquisa de campo permitindo que os dados natildeo fossem perdidosrdquo informa Roseni

Para o meacutedico-sanitarista Aloiacutesio Gomes da Silva Juacutenior doutor em Sauacute-de Puacuteblica e professor do Instituto de Sauacutede da Comunidade da UFF o viacutedeo foi importante primeiramente porque possibilitou registrar fragmentos de vaacuterias situaccedilotildees e pessoas em deze-nas de lugares captados ao longo de dois anos e meio ldquoSegundo porque carrega a ideacuteia de que as coisas natildeo

acontecem em outro lugar acontecem no nosso cotidianordquo ressalta Nada eacute mirabolante ou impossiacutevel de reali-zar muitas das coisas que noacutes sequer imaginamos satildeo pistas da construccedilatildeo da integralidade e o viacutedeo resgata isso das experiecircnciasrdquo

Mais informaccedilotildeesVideoSauacutedeTel (21) 3882-91099110E-mail videosaudecictfi ocruzbr

Mato Grosso do Sul alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo

RADIS 49 SET2006

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Meacutedico-pediatra e de Sauacutede Puacutebli-ca Gilson Carvalho tem tratado

frequumlentemente em seus artigos da integralidade Militante e defensor do sistema Gilson fala nesta entrevista agrave Radis por e-mail de seu entendimento desse princiacutepio faz breve balanccedilo dos avanccedilos do SUS no que tange agrave integra-lidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede e por fi m aponta o papel da Atenccedilatildeo Baacutesica agrave Sauacutede (ABS) ou como prefere Atenccedilatildeo Primaacuteria da Sauacutede (APS) Segundo ele baacutesica ou primaacuteria o que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede

Como vocecirc defi ne a integralidade na atenccedilatildeo em sauacutede

A dimensatildeo da integralidade em sauacutede natildeo eacute uacutenica A acepccedilatildeo consensual eacute de que signifi que o tudo Costumo dizer que a integralidade tem duas dimensotildees a vertical e a horizontal A vertical inclui a visatildeo do ser humano como um todo uacutenico e indivisiacutevel A horizontal eacute a dimensatildeo da accedilatildeo de sauacutede em todos os campos e niacuteveis Tudo sob todos os aspectos O ser humano como um todo bio-psico-social O bio-psico incluindo oacutergatildeos e sistemas de maneira integrada e natildeo-dicotomizada A atuaccedilatildeo da sauacutede em todas as aacutereas pro-moccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo Em todos os niacuteveis do primaacuterio ao quaternaacuterio

A Constituiccedilatildeo ou a Lei 808090 datildeo conta desse conceito

A CF enuncia a integralidade da intervenccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacute-de O Art 198 diz ldquoAs accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede regionalizada e hierarquizada e consti-tuem um sistema uacutenico organizado de acordo com as seguintes diretrizes () atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo das assistenciaisrdquo No Art 200 descrevem-se as accedilotildees de sauacutede como vigilacircncia sanitaacuteria meio ambiente sa-neamento sauacutede do trabalhador etc

A Lei 808090 que regulamenta o SUS vai um pouquinho mais longe e profundo em seu Art 7 II quando diz que o SUS deve seguir as diretrizes acima e os seguintes princiacutepios ldquoIntegralidade da assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e co-letivos exigidos para cada caso em todos

os niacuteveis de complexidade do sistemardquo No Art 6 garante inclusatildeo no campo de atuaccedilatildeo do SUS ldquoAssistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircuticardquo

A dimensatildeo do que fazer da sauacutede a abrangecircncia da integralidade da accedilatildeo estaacute tambeacutem no Art 3 genericamente quando declara os objetivos e entre eles coloca as accedilotildees de ldquoassistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com realizaccedilatildeo integrada das accedilotildees assistenciais e das atividades pre-ventivasrdquo Natildeo eacute por falta de defi niccedilatildeo O maior problema estaacute no natildeo-cumpri-mento do desejado e do prometido

Quais satildeo os avanccedilos e retrocessos alcanccedilados no SUS na aacuterea

Tenho certeza de que avanccedilamos e muito independentemente de quem nos governou centralmente nos estados e nos municiacutepios Vaacuterios partidos foram artiacutefi ces das muitas e maiores conquis-tas do SUS Infelizmente uma minoria ajudou a congelar o SUS ou mesmo a destruiacute-lo O saldo eacute extremamente positivo O avanccedilo eacute termos conquistado mais integralidade Tanto na visatildeo do ser humano quanto nas accedilotildees feitas com e no ser humano em quantidade e na com-plexidade Tambeacutem continua um desafi o manter a integralidade conquistada e trabalhar por ampliaacute-la

Pode-se dizer que a integralidade eacute umdos princiacutepios mais importantes do SUS

Eu diria que estatildeo em peacute de igualdade a universalidade (o para todos) e a integralidade (o tudo) O ldquotudo para todosrdquo eacute uma diretriz-princiacutepio do SUS que se constitui no maior dos desafi os O ldquopara-todosrdquo eacute menos ameaccedilado que o tudo O tudo sofre ataque dos dois lados de quem quer restringi-lo sob vaacuterios aspec-tos e de quem quer turbinaacute-lo ao ponto do inexequumliacutevel Quando o Movimento da Reforma Sanitaacuteria pensou o sistema de sauacutede baseado na proacutepria experiecircncia e em sistemas de outros paiacuteses imaginou uma integralidade regulada Nela se faria soacute o tudo que tivesse base cientiacutefi ca devidamente evidenciada e que seguisse o padratildeo eacutetico

Hoje vemos vencer a busca de uma assistecircncia agrave sauacutede turbinada pelos inte-resses econocircmico-fi nanceiros decidindo o que se vai fazer no SUS sem criteacuterio nem cientiacutefi co nem eacutetico Haacute turbinagem

em procedimentos medicamentos exa-mes diagnoacutesticos e terapias Os governos conseguem a cada dia trincar e truncar o conceito da integralidade Ora usam conceitos restritivos desvinculando o fi -nanciamento de atividades-fi m das ativi-dades-meio em sauacutede sendo que aquelas dependem destas ora consideram accedilotildees de sauacutede os condicionantes e determi-nantes da sauacutede como bolsa-famiacutelia bolsa-alimentaccedilatildeo saneamento

Como vocecirc entende a ABSA atenccedilatildeo baacutesica eacute a porta de entra-

da do cidadatildeo dentro do SUS Uns defen-dem o nome de Atenccedilatildeo Baacutesica e outros Atenccedilatildeo Primaacuteria O que importa eacute que ela seja o primeiro contato do cidadatildeo com os serviccedilos de sauacutede Que a ela se decirc cada vez mais espaccedilo e importacircncia como um dos caminhos do novo modelo de fazer sauacutede Prioridade na APS

Qual a funccedilatildeo da ABS segundo a in-tegralidade

Temos que investir cada vez mais na APS para que ela atenda ao cidadatildeo no ldquoantes do acontecerrdquo ou quando muito no princiacutepio deste acontecer O desafi o eacute ter na APS o comeccedilo a en-trada Jamais como o limite da poliacutetica focal ou seja soacute focar no baacutesico mas sim como a entrada num sistema que tenha que garantir a sauacutede em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo APS limitante natildeo APS como garantidora da integralidade comeccedilando pelo comeccedilo (K M)

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

ldquoOs governos trincam e truncam o conceito da integralidaderdquo

RADIS 48 AGO2006

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CP

RADIS 49 SET2006

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Aexemplo de Gilson Carvalho (paacutegina anterior) e Lenir Santos (paacutegina 35) muitos representan-tes do movimento sanitaacuterio vecircm

demonstrando preocupaccedilatildeo com desvios no SUS O uso da expressatildeo reforma da reforma (Radis 48) entretanto tornou-se de tal modo frequumlente que no Congresso do Conasems em junho a pesquisadora Sarah Escorel condenou tal discurso por seu signifi cado subjacente mdash o de que os princiacutepios da Reforma Sanitaacuteria precisariam ser mudados Sarah eacute uma das signataacuterias de documento com propostas aos candidatos agrave Presidecircncia no qual satildeo enumeradas algumas mudan-ccedilas que o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira considera essenciais ao avanccedilo do sistema (SUS pra valer paacuteg 20)

Na revista Conasems (maiojunho 2006) por sua vez o sanitarista Flaacutevio Goulart tambeacutem militante histoacuterico do movimento propotildee justamente a revisatildeo do princiacutepio da equumlidade ldquopois tudo para todos natildeo existe em sistema nenhum do mundordquo e defende a cobranccedila de serviccedilos de quem pode pagar

A Radis pediu a Flaacutevio que expli-casse melhor essas opiniotildees Ele foi aleacutem enviou-nos o ensaio ldquoTem futuro o SUS (Ou da necessidade de reformar o reformaacutevel)rdquo para que suas ideacuteias natildeo apareccedilam fora do contexto de sua anaacutelise [iacutentegra no site do RADIS wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-01html] Flaacutevio critica inicialmente a ldquounanimida-derdquo das plateacuteias reunidas em encontros da sauacutede que defendem verdades estabelecidas sem criacutetica formando-se uma ldquoendogamiardquo cujo ldquoproduto fi nal geralmente eacute esteacuteril ou deformadordquo

O sanitarista propotildee que se areje o debate sobre o sistema sem a polarizaccedilatildeo das vertentes habituais a dos que atacam a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS versus a que natildeo aceita mudanccedila Para Flaacutevio ldquoalguns dispositivos legais e por conse-quumlecircncia algumas praacuteticas estabelecidas podem ser fl exibilizados ou reformados exatamente para fazer o SUS avanccedilarrdquo diz ldquoQue fi que claro portanto o con-traacuterio do SUS para mim seria a barbaacuterie sanitaacuteriardquo Pontos a reavaliar

Primeiro o fi nanciamento A poliacute-tica de ortodoxia fi scal praticada pelo atual governo natildeo fi ca nada a dever a outros Assim diz natildeo haveria espaccedilo para ilusotildees a poliacutetica econocircmica pra-ticada no passado no presente e talvez no futuro natildeo eacute outra senatildeo a do ajuste

das contas puacuteblicas agrave custa de artifiacutecios como o contingenciamento sistemaacutetico ou mesmo a supressatildeo dos recursos da sauacutede e das outras aacutereas ditas gastadei-ras Ficaria pois sempre ameaccedilada a proacutepria ideacuteia-matriz do SUS com seus componentes de universalidade equumli-dade e integralidade

CONFUSAtildeO DE PRINCIacutePIOS Mal resolvidas estariam ainda a

descentralizaccedilatildeo a gestatildeo e a capa-citaccedilatildeo de pessoas a incorporaccedilatildeo de tecnologias um modelo centrado na atenccedilatildeo primaacuteria cita A noccedilatildeo de equidade central na ideacuteia-matriz do SUS ldquoeacute praticada precariamente e natildeo escapa a um dilema os mais ricos adquirem privileacutegios toda vez que se aumenta a cobertura do sistemardquo Para ele a integralidade tem sido ldquoconfun-didardquo com universalidade e considerada ldquosinocircnimordquo de se oferecer tudo a todos ldquoSejamos realistas nenhum sistema mundial de sauacutede oferece benefiacutecios de tal ordemrdquo Para ele essa dimensatildeo dependeraacute dos recursos ldquoIsto natildeo eacute regra neoliberal do FMI ou de equipe econocircmica eacute questatildeo aritmeacuteticardquo

O problema da exclusatildeo diz me-rece tratamento diferenciado e para isso talvez seja preciso romper com o tudo para todos substituindo-o por mais para quem precisa mais

Uma boa maneira defende seria contemplar as periferias mais sujeitas agrave falta de acesso aos serviccedilos de sauacutede agrave mortalidade infantil agrave desnutriccedilatildeo agraves violecircncias agrave miseacuteria ldquoNatildeo com o velho discurso de que eacute preciso dar tudo a todos mas agora diferenciar a accedilatildeo governamental mdash por exemplo a complementaccedilatildeo das despesas de sauacutede de forma proporcional agrave renda dos usuaacuterios deve deixar de ser assunto tabu e ser mais discutida na sociedade bem como estiacutemulo ao associativismo e agrave autogestatildeo para viabilizar a oferta das accedilotildees de sauacutede mais complexas

Sarah Escorel natildeo leu a entrevista de Flaacutevio ao Conasems nem foi informada do teor de seu texto mas disse agrave Radis que em Recife estava se referindo de modo geral agrave postura de que o SUS cami-nha numa direccedilatildeo errada e haacute que fazer meia volta ldquoEstamos na direccedilatildeo certa e o norte satildeo os princiacutepios e as diretrizes do sistema que natildeo estatildeo implementados integralmente em sua totalidade em sua radicalidaderdquo afi rma Isso exige mudanccedila Sim porque a realidade natildeo

eacute satisfatoacuteria natildeo porque a legislaccedilatildeo esteja com pontos equivocados mas porque sua implementaccedilatildeo fi cou in-completa diz ldquoDaiacute o SUS pra valer natildeo meio SUS mdash ah agora vamos privatizar cobrar de quem pode nos concentrar na parcela pobre mdash natildeo Somos ateacute radicalmente contraacuterios agrave proposta do governo de fazer plano de seguro-sauacutede para o funcionalismordquo ressalta

Para Sarah o SUS eacute um instrumen-to da Reforma Sanitaacuteria que eacute muito mais do que o proacuteprio SUS ldquoAgraves vezes o que acontece eacute que as pessoas fi cam desiludidas e desesperanccediladas achando que temos que mudar o projeto senatildeo ele natildeo avanccedilardquo refl ete Sarah ldquoMas o problema natildeo estaacute no projeto mas nos uacuteltimos governos que natildeo tecircm investido em programas sociaisrdquo

REFORMA E CONTRA-REFORMAO sanitarista Gastatildeo Wagner

de Souza Campos observa eacute preciso distinguir a ldquoreforma da reformardquo da ldquocontra-reformardquo Gastatildeo por sinal eacute o ldquopairdquo da expressatildeo inaugurada em sua tese de doutorado mdash ldquoA reforma da reforma repensando o SUSrdquo de 1991 publicada em livro (ver paacuteg 34) A ideacuteia ganhou aliados inclusive o sanitarista Sergio Arouca ldquoHaacute que repensar natildeo privatizar ou restringir direitos mas mudar o modelo de gestatildeordquo afi rma ldquoSanguessuga vampiro temos que mudar para evitar a corrupccedilatildeo e nada disso estaacute na lei do SUS porque o SUS natildeo estaacute prontordquo

O professor da Unicamp Nelson Rodrigues dos Santos o Nelsatildeo concor-da ldquono geneacutericordquo em que ldquoreforma da reformardquo tem dupla interpretaccedilatildeo ldquoA verdadeira que eu adoto complexa demanda esforccedilo eacute a das propostas de estrateacutegias de implementaccedilatildeo da reforma a outra manipulada que equi-vocadamente usam daacute a entender que princiacutepios precisam ser reformadosrdquo

ldquoNatildeo podemos tapar o sol com a peneira e achar que rumos e estra-teacutegias estatildeo certos nesses 15 anosrdquo pondera ldquoHouve muitos erros e aiacute cabe a reformardquo Nelsatildeo lembra no entanto que princiacutepios e diretrizes estatildeo consagrados na Constituiccedilatildeo ldquoNatildeo satildeo apenas um documento foram forjados num pacto da sociedade que se mobilizou ateacute a promulgaccedilatildeo em 1988rdquo diz ldquoVaacuterios governos tentaram obstruir natildeo conseguiram e esse pac-to social persisterdquo (M C)

Inquietaccedilotildees e mudanccedilasReforma da reforma DEBATE

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ELEICcedilOtildeES E REFORMA DA REFORMA

O recado do

A aacuterea da sauacutede estaacute mobilizada para as eleiccedilotildees de outubro Nos uacuteltimos meses entidades diversas divul-garam documentos com propostas

mdash e ateacute exigecircncias mdash aos candidatos Pela relevacircncia nesta ediccedilatildeo o RADIS publica dois deles na iacutentegra a ldquoCarta aberta aos candidatos agrave Presidecircnciardquo (paacuteg 18) assina-da pelos integrantes da Comissatildeo Nacional de Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS) criada em marccedilo (Radis 45) e ldquoO SUS pra Va-ler universal humanizado e de qualidaderdquo (paacuteg 19) subscrito pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sauacutede (Cebes) a Associaccedilatildeo Brasileira de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Co-letiva (Abrasco) a Associaccedilatildeo Brasileira de Economia da Sauacutede (Abres) a Rede Unida e a Associaccedilatildeo Nacional do Ministeacuterio Puacuteblico de Defesa da Sauacutede (Ampasa) que compotildeem o Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira

O mesmo colegiado divulgou tambeacutem em julho o documento ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo em que conclui que o fi nanciamento da sauacutede eacute baixo tanto em relaccedilatildeo ao niacutevel de desenvolvimento quanto em relaccedilatildeo agraves demandas do paiacutes A ldquoCarta de Reciferdquo (junho 2006) documento fi nal do 22ordm Conasems (Radis 48) eacute outro roteiro minucioso para poliacuteticas de sauacutede no qual os secretaacuterios municipais inclusive reiteram sua criacutetica ao ldquouso poliacutetico do Ministeacuterio da Sauacutede e de outras esferas de gestatildeo nas barganhas poliacuteticas e partidaacute-riasrdquo O Conass publicou ainda o documento ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no

fi nanciamento da Sauacutederdquo (julho de 2006) que analisa a trajetoacuteria de investimentos na aacuterea das trecircs esferas de governo e reitera a necessidade da aprovaccedilatildeo do PLC 012003 regulamentaccedilatildeo da Emenda Constitucional C-29 O projeto dorme no Congresso haacute trecircs anos apesar das muitas promessas de ldquovotaccedilatildeo iminenterdquo

Satildeo anseios dos movimentos ligados ao setor igualmente as recomendaccedilotildees do Conselho Nacional de Sauacutede para que as conferecircncias nacionais ou temaacuteticas sirvam ldquocomo referecircncia na elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e orientem os gestores das trecircs esferas de governo na execuccedilatildeo das accedilotildeesrdquo como lembrou editorial do Jornal do CNS (marccediloabril 2006)

Mais informaccedilotildees

bull Conselho Nacional de Sauacutedehttpconselhosaudegovbr

bull Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutedewwwdeterminantesfi ocruzbr

bull ldquoCresce a participaccedilatildeo dos estados no fi nanciamento da Sauacutederdquo (Conass)wwwconassorgbradminarquivosCresce_gastos_estadospdf

bull ldquoGasto em sauacutede no Brasil eacute muito ou poucordquo (FRSB)wwwabrascoorgbrpublicacoesarquivos20060712142141pdf

bull ldquoCarta de Reciferdquo (Conasems)wwwenspfi ocruzbrradis48web-02html

setor sauacutede aos candidatos

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COMISSAtildeO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAUacuteDE

Carta aberta aos candidatos agrave Presidecircncia

Agosto de 2006Srs(a) candidatos(a) a presidente do Brasil

Noacutes membros da Comissatildeo Nacional sobre Determinantes Sociais da Sauacutede (CNDSS)

bull Preocupados com as enormes desigualdades em sauacutede no Brasil que aleacutem de injustas satildeo evitaacuteveis e

desnecessaacuterias

bull Sabedores de que essas desigualdades satildeo resultado do desemprego da violecircncia da falta de perspectivas

e das precaacuterias condiccedilotildees de vida a que estaacute submetida grande parte da populaccedilatildeo brasileira acentuadas

pelas dimensotildees de gecircnero e etnia

bull Convencidos de que poliacuteticas puacuteblicas baseadas em informaccedilotildees confi aacuteveis e com amplo apoio poliacutetico dos

diversos segmentos da sociedade brasileira podem reverter esse quadro tal como ocorre em outros paiacuteses

com desenvolvimento econocircmico igual ou inferior ao nosso

Instamos os Srs(a) candidatos(a) agrave Presidecircncia da Repuacuteblica do Brasil a incluir em seus programas de

governo accedilotildees concretas para a melhoria das condiccedilotildees de sauacutede particularmente de promoccedilatildeo da equidade

em sauacutede Que tenham por referecircncia o conceito de sauacutede tal como a concebe a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

como um estado de completo bem-estar fiacutesico mental e social e natildeo meramente a ausecircncia de doenccedila ou

enfermidadeQue cumpram o preceito constitucional de reconhecer a sauacutede como um ldquodireito de todos e dever do

Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e outros

agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recupera-

ccedilatildeordquoQue contemplem os determinantes sociais da sauacutede em todos os seus niacuteveis incluindo

bull Poliacuteticas que favoreccedilam mudanccedilas de comportamento para a reduccedilatildeo de riscos e aumento da qualidade de

vida mediante programas educativos comunicaccedilatildeo social acesso facilitado a alimentos saudaacuteveis criaccedilatildeo

de espaccedilos puacuteblicos para a praacutetica de esportes e exerciacutecios fiacutesicos bem como proibiccedilatildeo agrave propaganda do

tabaco e do aacutelcool em todas a suas formas

bull Poliacuteticas que favoreccedilam accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede da paz e da justiccedila social buscando estreitar

relaccedilotildees de solidariedade e confi anccedila construir redes de apoio e fortalecer a organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo

das pessoas e das comunidades em accedilotildees coletivas para melhoria de suas condiccedilotildees de sauacutede e bem estar

especialmente dos grupos sociais vulneraacuteveis

bull Poliacuteticas que assegurem a melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo garantindo a todos o acesso a

aacutegua limpa esgoto habitaccedilatildeo adequada ambientes de trabalho saudaacuteveis serviccedilos de sauacutede e de educaccedilatildeo

de qualidade superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma accedilatildeo planejada e integrada

dos diversos niacuteveis da administraccedilatildeo puacuteblica e

bull Poliacuteticas macroeconocircmicas e de mercado de trabalho de proteccedilatildeo ambiental e de promoccedilatildeo de uma cultura

de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentaacutevel reduzindo as desigualdades

sociais e econocircmicas as violecircncias a degradaccedilatildeo ambiental e seus efeitos sobre a sociedade

Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questotildees de sauacutede sob o enfoque dos deter-

minantes sociais formulando e avaliando suas poliacuteticas em funccedilatildeo do impacto sobre a qualidade de vida

e a equidade e natildeo apenas sobre a melhoria das meacutedias dos indicadores de sauacutede estaraacute correspondendo

plenamente aos anseios da populaccedilatildeo brasileira por um paiacutes mais justo e humano

AssinamPaulo M Buss meacutedico presidente da Fiocruz membro-titular da Academia Nacional de Medicina

(ANM) coordenador da CNDSS Adib Jatene meacutedico ex-professor da USP ex-ministro da Sauacutede

membro-titular da ANM Aloiacutesio Teixeira economista reitor da UFRJ Ceacutesar Victora meacutedico professor

de Epidemiologia da UFPel membro-titular da Academia Brasileira de Ciecircncias (ABC) Dalmo Dallari

advogado professor de Direito da USP membro da Comissatildeo Internacional de Juristas Eduardo Eugecircnio

Gouvecirca Vieira empresaacuterio presidente da Firjan Elza Berquoacute demoacutegrafa pesquisadora do Cebrap

membro-titular da ABC Jaguar cartunista Jairnilson Paim meacutedico professor de Planejamento de

Sauacutede UFBA Luceacutelia Santos atriz Moacyr Scliar meacutedico escritor e membro da Academia Brasileira

de Letras Roberto Esmeraldi ambientalista diretor da ONG Amigos da Terra-Amazocircnia Brasileira

Rubem Ceacutesar Fernandes antropoacutelogo coordenador do Movimento Viva Rio Sandra de Saacute cantora

Socircnia Fleury cientista poliacutetica professora de Poliacuteticas Puacuteblicas e Sauacutede da FGVRJ Zilda Arns Neu-

mann meacutedica coordenadora da Pastoral da Crianccedila

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Neste ano mais uma vez a populaccedilatildeo brasi-leira vai ser chamada a escolher seus diri-gentes reafi rmando novamente a democra-cia eleitoral No entanto este eacute o momento

de transitarmos de uma democracia eleitoral a um verdadeiro sistema democraacutetico o que soacute existiraacute quando forem apresentadas opccedilotildees concretas de radicalizaccedilatildeo do processo de desenvolvimento na-cional Isso signifi ca um padratildeo de desenvolvimento que coloque como objetivos centrais o investimento em um crescimento autocircnomo e soberano voltado para a geraccedilatildeo de emprego a distribuiccedilatildeo de renda e a garantia dos direitos de cidadania

A estabilidade da economia nacional tem sido a principal preocupaccedilatildeo dos uacuteltimos go-vernos com resultados positivos em relaccedilatildeo ao controle infl acionaacuterio e ao manejo da diacutevida Estes foram fruto tanto de poliacuteticas puacuteblicas que abriram novos mercados para exportaccedilotildees reduziram a diacutevida externa atrelada agrave variaccedilatildeo cambial e alongaram os prazos de seu pagamento quanto do dinamismo do setor produtivo nacional que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo no mercado internacional

No entanto os governos tornaram-se prisio-neiros dos instrumentos de sua poliacutetica monetaacuteria o que acarretou a consolidaccedilatildeo de um padratildeo de capitalismo fi nanceiro que apesar de dinacircmico e inserido na economia globalizada e no comeacutercio in-ternacional produz e reproduz a concentraccedilatildeo da renda Isso se daacute principalmente pela manuten-

ccedilatildeo de taxas elevadiacutessimas de juros drenando as riquezas produzidas pela populaccedilatildeo para o Estado por meio da elevaccedilatildeo incessante da carga tributaacute-ria e pelo Estado para o setor fi nanceiro nacional e internacional com o pagamento de juros

Esse padratildeo eacute o resultado da poliacutetica neolibe-ral implantada desde a deacutecada de 90 com conse-quumlecircncias irreversiacuteveis eou altamente deleteacuterias para a sociedade face agrave efetuada transferecircncia de responsabilidades governamentais e do patrimocircnio puacuteblico para matildeos privadas ao desmantelamento da inteligecircncia e das carreiras do Estado agraves restri-ccedilotildees orccedilamentaacuterias para as poliacuteticas sociais univer-sais e agrave ameaccedila permanente de desvinculaccedilatildeo das receitas constitucionais a elas destinadas

A populaccedilatildeo brasileira estaacute cada vez mais consciente da distacircncia entre as propostas eleito-rais e as realizaccedilotildees dos governantes e exige que a democracia seja mais do que um jogo poliacutetico eacute preciso que a democracia se traduza em medi-das concretas voltadas para o pleno emprego a reduccedilatildeo das desigualdades salariais e regionais aleacutem de exigir a garantia dos direitos sociais por meio da cobertura universal humanizada e de qualidade Mais do que nunca a sociedade sabe que isso soacute ocorreraacute se aprofundarmos os meca-nismos de participaccedilatildeo controle e transparecircncia na gestatildeo puacuteblica fortalecendo os instrumentos de democracia direta como a iniciativa popular legislativa os orccedilamentos participativos os con-selhos gestores e os foacuteruns deliberativos

O SUS pra valeruniversal humanizado

e de qualidadeDocumento preparado pelo Foacuterum da Reforma Sanitaacuteria Brasileira integrado por

Abrasco (wwwabrascoorgbr) Cebes (cebesenspfi ocruzbr) Abres (wwwabresfeauspbr)Rede Unida (wwwredeunidaorgbr) e Ampasa (wwwampasaorgbr) e estaacute em discussatildeo

com a Frente Parlamentar da Sauacutede com outras entidades dos setores de sauacutede e de educaccedilatildeoe com a sociedade Seu objetivo eacute contribuir para as plataformas eleitorais nas eleiccedilotildees gerais

de outubro Mensagens poderatildeo ser postadas nos endereccedilos acima

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No entanto eacute preciso que esses mecanismos deixem de ser restritos agraves aacutereas sociais e avancem para aumentar a transparecircncia e a participaccedilatildeo social na defi niccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas macroeconocircmicas pois sabemos que estes satildeo fatores condicionantes do ecircxito na democratiza-ccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede Setorialmente tambeacutem temos que radicalizar para fazer valer o texto constitucional Mais do que isso sabe-se que eacute possiacutevel com as condiccedilotildees teacutecnicas poliacuteticas e econocircmicas que temos hoje no paiacutes dar o salto que falta para termos um SUS pra valer universal humanizado de qualidade

A Reforma Sanitaacuteriae o SUS

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) eacute fruto de um longo processo de construccedilatildeo poliacutetica e ins-

titucional nomeado Reforma Sanitaacuteria voltado para a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede e de atenccedilatildeo agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira ges-tado a partir da deacutecada de 70 quando viviacuteamos sob a ditadura militar

Mais do que um arranjo institucional o pro-cesso da Reforma Sanitaacuteria brasileira eacute um projeto civilizatoacuterio ou seja pretende produzir mudanccedilas dos valores prevalentes na sociedade brasileira tendo a sauacutede como eixo de transformaccedilatildeo e a solidariedade como valor estruturante Da mesma forma o projeto do SUS eacute uma poliacutetica de cons-truccedilatildeo da democracia que visa agrave ampliaccedilatildeo da esfera puacuteblica agrave inclusatildeo social e agrave reduccedilatildeo das desigualdades Se a Reforma Sanitaacuteria eacute a expres-satildeo do nosso desejo de transformaccedilatildeo social sua materializaccedilatildeo institucional no SUS eacute a resultante do enfrentamento desta proposta com as contin-gecircncias que se apresentaram nessa trajetoacuteria Em outras palavras expressa a correlaccedilatildeo de forccedilas existente em uma conjuntura particular

Originalmente uma ideacuteia e um ideaacuterio de um grupo de intelectuais a proposta se desenvolveu na transiccedilatildeo democraacutetica congregando entidades representativas de gestores profi ssionais da sauacutede e movimentos sociais que articulados na Plenaacuteria Na-cional de Entidades de Sauacutede conseguiu infl uenciar o processo constituinte e plasmar na Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 (CF88) o texto aprovado na 8ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede que garante que ldquoSauacutede eacute um Direito de Todos e um Dever do Es-tadordquo Em outras palavras a sauacutede passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania

A partir de entatildeo iniciou-se uma nova fase do processo da Reforma Sanitaacuteria em que ao mesmo tempo era necessaacuterio prosseguir elaborando o referencial teoacuterico e estrateacutegico e comeccedilar a construir os meacutetodos e instrumentos de gestatildeo do SUS Cebes Abrasco Conass Conasems a Rede Unida Abres Ampasa parlamentares

entidades representadas nos Conselhos de Sauacutede a Frente Parlamentar da Sauacutede e outros tecircm liderado o debate e concentrado esforccedilos para a concreti-zaccedilatildeo do projeto da Reforma Sanitaacuteria

Ao incluir a sauacutede como um direito constitu-cional da cidadania no capiacutetulo da Seguridade So-cial avanccedilamos na concretizaccedilatildeo da democracia fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e da Justiccedila cada dia mais presentes na garantia dos direitos sociais Mesmo coincidindo com o governo Collor e o iniacutecio da implantaccedilatildeo das propostas neoliberais de ajuste do Estado a construccedilatildeo do SUS foi realizada na contramatildeo das poliacuteticas econocircmicas confi gurando juntamente com a atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico alguns dos mais expressivos resultados dos preceitos democraacuteticos inscritos na CF88

No acircmbito da reforma do Estado o SUS de-senvolveu um projeto de reforma democraacutetica que se caracterizou pela introduccedilatildeo de um modelo de pacto federativo baseado na descentralizaccedilatildeo do poder para os niacuteveis subnacionais e para a parti-cipaccedilatildeo e o controle social Como consequumlecircncia ocorreu uma ousada municipalizaccedilatildeo do setor Sauacute-de Foram criados Conselhos de Sauacutede com caraacuteter deliberativo em todos os municiacutepios e estados nos quais os representantes dos usuaacuterios ocupam 50 dos assentos Foram instituiacutedos os Fundos de Sauacutede substituindo os convecircnios que regiam as relaccedilotildees entre as trecircs esferas governamentais A criaccedilatildeo das Comissotildees Bipartites (CIB) nos estados e a Tripar-tite (CIT) no niacutevel nacional estabeleceu o espaccedilo para o desenvolvimento de relaccedilotildees cooperativas entre os entes governamentais

O modelo de pacto federativo do SUS mos-trou-se altamente adequado agrave realidade de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e regionais Em um paiacutes com tais caracteriacutesticas soacute seraacute democraacutetico o poder exercido de forma pac-tuada e socialmente controlada que considere as desigualdades entre grupos populacionais e regiotildees como o principal problema a ser superado Por isso esse modelo do SUS estaacute sendo expandido e rein-terpretado para a aacuterea de Assistecircncia Social (SUAS) e tambeacutem para a aacuterea de Seguranccedila (SUSP)

O ecircxito da descentralizaccedilatildeo pode ser medido pelo seu impacto no aumento da base teacutecnica da gestatildeo puacuteblica em sauacutede nos niacuteveis local regional e central Tambeacutem a rede de atenccedilatildeo baacutesica teve grande expansatildeo a partir de 1998 ampliando enormemente o acesso das populaccedilotildees antes excluiacutedas O sistema universal e descentra-lizado permite que o paiacutes realize um dos maiores programas puacuteblicos de imunizaccedilotildees do planeta e um programa de controle da Aids mundialmente reconhecido Esses resultados constituem os es-forccedilos de milhares de trabalhadores da sauacutede de todos os niacuteveis e especialidades de formaccedilatildeo para

concretizar o direito agrave sauacutede no cotidiano da populaccedilatildeo brasileira

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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Entretanto tendo sido implementado em condiccedilotildees adversas da deacutecada de 90 ateacute hoje o SUS enfrentou obstaacuteculos que marcaram sua confi guraccedilatildeo como Sistema Nacional de Sauacutede entre os quais os mais graves seriam a natildeo-imple-mentaccedilatildeo do preceito constitucional do Sistema de Seguridade Social com seus respectivos me-canismos de fi nanciamento e gestatildeo o draacutestico subfi nanciamento desde a sua criaccedilatildeo a pro-funda precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees remuneraccedilotildees e condiccedilotildees de trabalho dos trabalhadores da sauacutede a insignifi cacircncia de mudanccedilas estruturan-tes nos modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo do sistema o desenvolvimento intensivo do marketing de valores de mercado em detrimen-to das soluccedilotildees que ataquem os determinantes estruturais das necessidades de sauacutede

Por isso apesar dos referidos e reconhecidos avanccedilos na produccedilatildeo na produtividade e na in-clusatildeo muito pouco se avanccedilou na efetivaccedilatildeo da integralidade da igualdade e soacute recentemente retomamos a questatildeo da regionalizaccedilatildeo Sabe-mos que natildeo seraacute possiacutevel seguir expandindo a cobertura sem alterar os modelos de atenccedilatildeo e de gestatildeo em sauacutede Tampouco a sociedade civil e os Conselhos de Sauacutede tecircm conseguido partici-par com efetividade e assim infl uir na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e estrateacutegias do SUS

Estatildeo inalteradas ou crescentes as doen-ccedilas do perfi l epidemioloacutegico contemporacircneo previsiacuteveis mas natildeo prevenidas as doenccedilas agra-vadas pela ausecircncia de intervenccedilotildees oportunas e precoces as mortes evitaacuteveis e os altiacutessimos percentuais de exames diagnoacutesticos trata-mentos medicamentosos e encaminhamentos desnecessaacuterios e de baixa qualidade apesar dos conhecimentos e teacutecnicas jaacute disponiacuteveis

Por outro lado entre os problemas enfren-tados encontram-se aspectos relacionados ao funcionamento do mercado em sauacutede no qual o Estado tem um papel a exercer considerando que a sauacutede eacute um bem puacuteblico Ressaltem-se as importantes difi culdades vigentes na relaccedilatildeo com o setor privado suplementar seja na regu-laccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho profi ssional seja na produccedilatildeo de serviccedilos e na garantia das coberturas contratadas Eacute tambeacutem notoacuteria a luta pela democratizaccedilatildeo do acesso a medicamentos produzidos por empresas multinacionais Ambos os problemas deveratildeo ser enfrentados de forma mais vigorosa transparente e contiacutenua

Ainda estaacute por ser reconhecido o impacto do setor Sauacutede mdash que movimenta parcela consideraacutevel do PIB na geraccedilatildeo de empregos na produccedilatildeo cien-tiacutefi ca e tecnoloacutegica no aumento da produtividade do trabalho na reduccedilatildeo do absenteiacutesmo mdash na economia brasileira Os governos teratildeo que deixar de falar da sauacutede como gasto e passar a encarar o investimento que estatildeo fazendo aleacutem da me-lhoria da qualidade de vida da populaccedilatildeo

No entanto natildeo se pode esperar que o setor Sauacutede seja capaz de responder agrave demanda cres-cente de atenccedilatildeo provocada por uma sociedade desigual injusta e cada dia mais violenta cuja so-ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro eacute visto como uma ameaccedila As consequumlecircncias satildeo a perda da coesatildeo social expressa natildeo apenas em milhares de mortes e internaccedilotildees mas tambeacutem no sofrimento mental na inseguranccedila e no desalento que seriam evitaacuteveis onde predominassem uma cultura de paz e a justiccedila social

O SUS universal cujo melhor exemplo eacute o programa de Aids mdash cartatildeo de visitas de diversos governos mdash convive com avaliaccedilotildees negativas sobre o acesso e as condiccedilotildees indignas do atendi-mento efetuado pela rede de serviccedilos de sauacutede A desfi guraccedilatildeo da Seguridade Social o adiamento sine die de direitos baacutesicos de cidadania e o deslocamento das poliacuteticas sociais em direccedilatildeo a programas de transferecircncia de renda cujos efei-tos redistributivos natildeo incidem especifi camente sobre as condiccedilotildees que produzem os principais problemas de sauacutede dos brasileiros retardam a melhoria dos padrotildees de sauacutede e qualidade de vida A organizaccedilatildeo do SUS deve pautar-se pela aproximaccedilatildeo dos indicadores de sauacutede pelo menos agravequeles verifi cados na economia Eacute imprescindiacutevel ao desenvolvimento alcanccedilar padrotildees de sauacutede compatiacuteveis com o progresso cientiacutefi co-tecnoloacutegico cultural e poliacutetico

Os impasses antepostos ao SUS universal humanizado e de qualidade exigem a reposiccedilatildeo do usuaacuterio-cidadatildeo como o centro das formulaccedilotildees e operacionalizaccedilatildeo das poliacuteticas e accedilotildees de sauacutede Eacute essa a premissa que orienta a reinvenccedilatildeo de modelos e alternativas de gestatildeo para superar a crise dos sistemas puacuteblicos A subordinaccedilatildeo dos problemas e necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo a interesses econocircmicos das induacutestrias de equipa-mentos e insumos de prestadores de serviccedilo de burocracias governamentais ou corporativas por vezes opostos aos da garantia da atenccedilatildeo oportuna respeitosa refl ete-se no cotidiano da assistecircncia agrave sauacutede Os brasileiros em busca de assistecircncia e cuidados agrave sauacutede na rede do SUS satildeo submetidos a fi las que se formam desde a madrugada para pegar senhas passam por triagens aguardam horas em locais de espera frequumlentemente desconfortaacuteveis e necessitam quase sempre percorrer mais de um estabelecimento nos casos exigentes de exames e obtenccedilatildeo de medicamentos

A loacutegica que deve orientar a organizaccedilatildeo dos serviccedilos de atenccedilatildeo e atuaccedilatildeo dos profi ssionais da sauacutede eacute a de tornar mais faacutecil a vida do cidadatildeo-usuaacuterio no usufruto de seus direitos Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoccedilatildeo da sauacutede do acolhimento dos direitos agrave decisatildeo sobre alternativas terapecircuticas dos compromissos

de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistecircncia e cuidados

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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EstrateacutegiasprogramaacuteticasROMPER O INSULAMENTO

DO SETOR SAUacuteDE

Eacute sabido que melhores niacuteveis de sauacutede natildeo seratildeo al-canccedilados se as transformaccedilotildees natildeo ultrapassarem

o setor Sauacutede envolvendo outras aacutereas igualmente comprometidas com as necessidades sociais e com os direitos de cidadania (Previdecircncia Social Assistecircncia Social Educaccedilatildeo Seguranccedila Alimentar Habitaccedilatildeo Urbanizaccedilatildeo Saneamento e Meio Ambiente Segu-ranccedila Puacuteblica Emprego e Renda)

Para tanto eacute necessaacuterio que os trecircs niacuteveis de governo deixem de operar em termos exclusivamen-te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento social de forma integrada e integral O governo nacional o Congresso e a Justiccedila tecircm que se respon-sabilizar pela implementaccedilatildeo dos mecanismos que garantam a existecircncia real da Seguridade Social com a implantaccedilatildeo do orccedilamento deste setor a convocaccedilatildeo da Conferecircncia Nacional da Seguridade e a criaccedilatildeo de foacuteruns de deliberaccedilatildeo conjunta da Previdecircncia Sauacutede e Assistecircncia Social

Os governos locais e regionais precisam romper modelos ultrapassados de gestatildeo e passar a atuar de forma transversal criando instacircncias intersetoriais de poliacuteticas implantando a gestatildeo em redes e garantindo maior efi caacutecia e efetivi-dade na redistribuiccedilatildeo da renda e no acesso aos benefiacutecios sociais

Eacute preciso construir canais de interaccedilatildeo com a miacutedia que nos permitam divulgar nossa concep-ccedilatildeo ampliada de sauacutede Um esforccedilo nesse sentido deve ser realizado por gestores parlamentares acadecircmicos e militantes da Reforma Sanitaacuteria para retomar espaccedilos de debate divulgaccedilatildeo e difusatildeo de concepccedilotildees sobre sauacutede e criar novas possibilidades de comunicaccedilatildeo

No acircmbito internacional devem ser inten-sifi cados os esforccedilos para ampliar o intercacircmbio de experiecircncias e o debate em torno da defesa dos sistemas universais A divulgaccedilatildeo e o debate sobre o SUS considerado um modelo avanccedilado de sistema de sauacutede na Ameacuterica Latina nos foacuteruns internacionais contribuem para sua consolidaccedilatildeo e para o protagonismo da luta por reformas do Estado democraacuteticas e inclusivas

ESTABELECERRESPONSABILIDADES SANITAacuteRIAS

E DIREITOS DOS CIDADAtildeOS USUAacuteRIOSAs necessidades que a populaccedilatildeo apresenta de

accedilotildees e serviccedilos de sauacutede preventivos e curativos de acordo com a realidade de cada regiatildeo e micror-regiatildeo com base nas caracteriacutesticas demograacutefi cas socioeconocircmicas e epidemioloacutegicas da populaccedilatildeo devem presidir o planejamento estrateacutegico de cada municiacutepio e a programaccedilatildeo local das

atividades Sua divulgaccedilatildeo deveraacute ser feita para a populaccedilatildeo usuaacuteria e suas entidades representa-tivas de maneira a contribuir para a formaccedilatildeo da consciecircncia das necessidades e dos direitos e a permitir o controle popular e representativo

A responsabilidade sanitaacuteria de cada ente go-vernamental de cada serviccedilo e dos trabalhadores da sauacutede deve ser normalizada e regulamentada assim como os direitos e deveres do cidadatildeo usuaacuterio do SUS A qualidade dos serviccedilos prestados deve ser cobrada de cada um dos profi ssionais e dirigentes do setor Mesmo sabendo que temos condiccedilotildees muito limitadas em termos fi nanceiros e operacionais gestores e pro-fi ssionais deveratildeo ser responsabilizados pela prestaccedilatildeo do melhor cuidado possiacutevel dentro dessas condiccedilotildees Isso soacute se tornaraacute realidade quando metas forem es-tabelecidas paracircmetros defi nidos e se a populaccedilatildeo conhecer e compartilhar estas metas assim como puder dispor de mecanismos efetivos de cobranccedila

A responsabilidade sanitaacuteria deve ser exercida plenamente nos locais de trabalho garantindo condiccedilotildees de produccedilatildeo que preservem a sauacutede do trabalhador e evitem os acidentes de trabalho

INTENSIFICAR A PARTICIPACcedilAtildeOE O CONTROLE SOCIAL

Os Conselhos e as Conferecircncias municipais estaduais e nacional de Sauacutede satildeo as modalidades de participaccedilatildeo fortemente disseminadas no paiacutes fazendo parte da dinacircmica poliacutetica da aacuterea da sauacutede Entretanto eacute necessaacuterio revitalizar tais foacuteruns no sentido de viabilizar relaccedilotildees sociais mais igualitaacuterias entre os atores sociais que deles participam Eacute sabido que principalmente gestores mas em menor medida tambeacutem prestadores de serviccedilos e profi ssionais da sauacutede dispotildeem de maio-res recursos de poder do que usuaacuterios e controlam a agenda de debates desses foacuteruns

Eacute necessaacuterio ampliar a capacitaccedilatildeo de conse-lheiros e democratizar a formulaccedilatildeo da agenda da sauacutede Esforccedilos devem ser realizados no sentido de aumentar a representatividade dos integrantes dos Conselhos incentivando uma relaccedilatildeo mais constante e transparente com seus representados Tambeacutem de-veraacute ser avaliada a efetividade do papel deliberativo dos Conselhos na formulaccedilatildeo e no acompanhamento das poliacuteticas de sauacutede para que se superem os obstaacute-culos antepostos de diferentes naturezas

Por outro lado um conjunto de mecanismos inovadores de participaccedilatildeo e de controle social natildeo se generalizou no sistema Eacute o caso dos Conselhos locais de unidades ambulatoriais e de unidades hospitalares Apenas as unidades proacuteprias do SUS nas trecircs esferas de governo tecircm apresentado experiecircncias nesse sentido sendo que na aacuterea hos-pitalar elas satildeo dramaticamente escassas Outros mecanismos de participaccedilatildeo individual tais como ouvidorias disque-sauacutede pesquisas sistemaacuteticas de

satisfaccedilatildeo de usuaacuterios carecem tambeacutem de generalizaccedilatildeo no contexto do sistema

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Unidades de serviccedilos privadas que satildeo fi -nanciadas com recursos puacuteblicos natildeo dispotildeem de mecanismos de participaccedilatildeo ou de controle social aleacutem dos exercidos pelo Ministeacuterio da Sauacutede ou o Ministeacuterio Puacuteblico

Eacute necessaacuteria a definiccedilatildeo de mecanismos baacutesicos indispensaacuteveis para a democratizaccedilatildeo da gestatildeo do sistema e a constituiccedilatildeo de instrumen-tos legais e administrativos que generalizem o funcionamento desses mecanismos em unidades de sauacutede proacuteprias e fi nanciadas pelo SUS levando em conta que a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede especialmente quando fi nanciados por recursos puacuteblicos eacute uma concessatildeo que o Poder Executivo faz para o exerciacutecio de um dever de Estado

Gestores do SUS Ministeacuterio Puacuteblico e Poder Legislativo precisam criar espaccedilos para viabilizar accedilotildees cooperativas e coordenadas Compete ao Ministeacuterio da Sauacutede induzir a coordenaccedilatildeo hori-zontal dessas instacircncias estatais

AUMENTAR A COBERTURA E ARESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE

O MODELO DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDEA sustentabilidade poliacutetico-econocircmica do

SUS e sua legitimidade dependem da promoccedilatildeo de mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo pois a qualidade e a resolutividade das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede possibilitaratildeo ao SUS tornar-se patrimocircnio nacional e ser o local preferencial de atendimento para todos os segmentos sociais

Uma mudanccedila radical do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede envolve natildeo apenas priorizar a atenccedilatildeo primaacuteria e retirar do centro do modelo o papel do hospital e das especialidades mas principalmente concentrar-se no usuaacuterio-cidadatildeo como um ser humano integral abandonando a fragmentaccedilatildeo do cuidado que trans-forma as pessoas em oacutergatildeos sistemas ou pedaccedilos de gente doentes As praacuteticas interativas mais holiacutesticas devem estar disponiacuteveis como alternativas de cuidado agrave sauacutede A humanizaccedilatildeo do cuidado que envolve desde o respeito na recepccedilatildeo e no atendimento ateacute a limpeza e conforto dos ambientes dos serviccedilos de sauacutede deve orientar todas as intervenccedilotildees

A Carta dos Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede deve ser amplamente divulgada e sua implantaccedilatildeo acompanhada pelos oacutergatildeos gestores e de controle social visando agrave sua avaliaccedilatildeo e a eventuais apri-moramentos E os servidores puacuteblicos devem estar comprometidos com o resultado de suas accedilotildees no cuidado das pessoas

Para ampliar o acesso e garantir a cobertura de accedilotildees e cuidados agrave sauacutede eacute necessaacuterio expandir e organizar redes de serviccedilos de sauacutede articuladas As unidades baacutesicas acolhedoras de qualidade e resolutivas nas suas accedilotildees integrais preventivas e curativas baseadas nas necessidades e demandas da populaccedilatildeo devem articular-se aos demais niacuteveis do sistema local de sauacutede com garantias de referecircncia e contra-referecircncia

Nesse sentido eacute imprescindiacutevel articular ati-vidades de sauacutede coletiva com accedilotildees de assistecircncia cliacutenica nos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica estabelecer esses serviccedilos como porta de entrada dos sistemas locais de sauacutede equipar e expandir os serviccedilos de urgecircncia e emergecircncia e de referecircncia implantar centrais de marcaccedilatildeo de consultas exames e internaccedilatildeo e o Cartatildeo SUS como instrumentos de garantia de acesso e atendimento

A formaccedilatildeo de microrregiotildees ou consoacutercios sob responsabilidade dos municiacutepios e dos estados deve pautar-se pela coordenaccedilatildeo programaccedilatildeo e oferta de recursos para promover prevenir e tratar problemas de sauacutede A ampliaccedilatildeo e a garantia de investimentos na estruturaccedilatildeo de redes articuladas e territorializadas satildeo essenciais para conferir mais qualidade e resolutividade aos serviccedilos prestados

A execuccedilatildeo de accedilotildees de assistecircncia terapecircu-tica integral inclusive farmacecircutica deve se tra-duzir na garantia do acesso universal da populaccedilatildeo agravequeles medicamentos considerados essenciais bem como no controle da seguranccedila efi caacutecia e qualidade dos produtos e na promoccedilatildeo do seu uso racional A poliacutetica nacional de medicamentos natildeo se restringe agrave aquisiccedilatildeo e agrave distribuiccedilatildeo envolve todas as atividades relacionadas agrave garantia do acesso da populaccedilatildeo agravequeles essenciais incluindo investimentos e incentivos em desenvolvimento cientiacutefi co e tecnoloacutegico e produccedilatildeo

FORMAR E VALORIZAROS TRABALHADORES DA SAUacuteDE

Deve-se enfrentar o desafio de superar as barreiras legais que difi cultam a combinaccedilatildeo das imprescindiacuteveis agilidade e efi ciecircncia da gestatildeo com a vinculaccedilatildeo regular dos trabalhadores ao SUS de modo a evitar natildeo apenas a burocratizaccedilatildeo mas tam-beacutem a precarizaccedilatildeo a privatizaccedilatildeo e a terceirizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho do SUS Trata-se de enfren-tar esses problemas inadiaacuteveis com a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas articuladas entre os setores da sauacutede e educaccedilatildeo para assegurar que a oferta (distribuiccedilatildeo e abertura de cursos e progra-mas e o respectivo nuacutemero de vagas) de formaccedilatildeo teacutecnica de graduaccedilatildeo e de especializaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede corresponda agraves necessidades do SUS e da populaccedilatildeo superando os desequiliacutebrios regionais e intra-regionais e as determinaccedilotildees do mercado

A par das poliacuteticas de corte nacional eacute preciso responsabilizar as trecircs esferas de acordo com suas competecircncias e possibilidades pela efetivaccedilatildeo de poliacuteticas que favoreccedilam a interiorizaccedilatildeo do traba-lho em sauacutede com qualidade bem como assegurar a autonomia dos municiacutepios DF e estados para que criem mecanismos de atraccedilatildeo e fi xaccedilatildeo de equipes de sauacutede em todos os niacuteveis do sistema

Medidas voltadas para a formaccedilatildeo a educa-ccedilatildeo permanente e a fi xaccedilatildeo das equipes de profi s-

sionais da sauacutede com base nas necessidades e direitos da populaccedilatildeo tecircm papel crucial

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na implementaccedilatildeo do conjunto dos princiacutepios e diretrizes do SUS e do novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de gestatildeo

A reduccedilatildeo dos cargos de confi anccedila para a ges-tatildeo em sauacutede nas trecircs esferas de governo e sua substituiccedilatildeo por quadros teacutecnicos e administrativos de carreira satildeo necessaacuterias agrave estabilizaccedilatildeo e agrave quali-fi caccedilatildeo da gestatildeo do SUS Por outro lado trata-se de um meio de evitar que a gestatildeo da sauacutede seja usada como moeda para garantia de governabilidade O provimento de cargos de direccedilatildeo deve obedecer a criteacuterios objetivos e compatiacuteveis com os requerimen-tos de capacitaccedilatildeo e habilitaccedilatildeo especiacutefi cos

Esse conjunto de proposiccedilotildees concentra-se em torno da adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de ges-tatildeo do trabalho (municipais estaduais e federais) que considerem as diversidades regionais assegu-rem o caraacuteter puacuteblico do ingresso e estabeleccedilam carreiras no SUS que possibilitem a progressatildeo associada natildeo somente ao tempo de trabalho e qualifi caccedilatildeo mas tambeacutem aos resultados do trabalho e ao compromisso dos profi ssionais e das equipes com a melhoria da sauacutede da populaccedilatildeo

APROFUNDARO MODELO DE GESTAtildeO

No iniacutecio deste ano os gestores dos trecircs niacuteveis de governo pactuaram em defesa da vida do SUS e da gestatildeo Por meio desse instrumento comprome-tem-se a fazer avanccedilar a Reforma Sanitaacuteria desen-volvendo accedilotildees articuladas repolitizando a sauacutede e promovendo a cidadania Retomou-se a ecircnfase na diretriz constitucional da regionalizaccedilatildeo Trata-se de reconhecer a autonomia das Comissotildees Bipartites para a pactuaccedilatildeo das estrateacutegias de regionalizaccedilatildeo nos estados com base nas diretrizes nacionais acordadas na Comissatildeo Tripartite de promover a criaccedilatildeo de Comissotildees Intergestores regionais e microrregionais de resgatar o importante papel coordenador do ente estadual e estabelecer formas de co-gestatildeo entre os entes federados para a promo-ccedilatildeo da descentralizaccedilatildeo solidaacuteria e cooperativa do sistema de sauacutede Eacute necessaacuterio cumprir cabalmente esse acordo em prol da populaccedilatildeo brasileira

A defi niccedilatildeo de prioridades e metas eacute compo-nente imprescindiacutevel para o planejamento efetivo e a responsabilizaccedilatildeo por seu cumprimento Para aprofundar o modelo de gestatildeo do SUS tanto para os serviccedilos de administraccedilatildeo direta quanto para os contratados eacute necessaacuterio estabelecer a co-responsabilizaccedilatildeo por meio de contratos de gestatildeo e de fi nanciamento misto que estabeleccedilam as metas sanitaacuterias a serem cumpridas Isso envol-ve necessariamente uma reforma administrativa que atenda agraves especifi cidades dos princiacutepios e das organizaccedilotildees do SUS e lhes permita agilidade e efi ciecircncia de suas decisotildees sob a eacutegide da eacutetica e da responsabilidade puacuteblica

Todas as unidades puacuteblicas de sauacutede das mais simples agraves mais complexas deveratildeo

usufruir de autonomia gerencial desenvolvendo modalidades de gestatildeo participativa colegiada ou em co-gestatildeo com trabalhadores da sauacutede e outras representaccedilotildees da comunidade e defi nindo metas quali-quantitativas em interaccedilatildeo com os objetivos municipais e regionais por meio de contratos de metas ou de gestatildeo

AUMENTAR A TRANSPAREcircNCIAE CONTROLE DOS GASTOS

As decisotildees da poliacutetica de alocaccedilatildeo de recur-sos e os criteacuterios dos gastos devem ser transparen-tes e passiacuteveis de controle pela populaccedilatildeo e visar o acesso igualitaacuterio aos serviccedilos de qualidade em todos os niacuteveis do sistema

As compras realizadas pelo setor puacuteblico deveratildeo ser feitas de forma a impedir a corrupccedilatildeo em todos as esferas e niacuteveis governamentais uti-lizando os instrumentos tecnoloacutegicos disponiacuteveis para a realizaccedilatildeo de pregotildees que possam ser acom-panhados pelo puacuteblico A defi niccedilatildeo de paracircmetros teacutecnicos e fi nanceiros deve permitir que a socie-dade e autoridades puacuteblicas possam acompanhar e monitorar os gastos governamentais

Um trabalho mais afi nado com a Procuradoria Geral da Uniatildeo e com os Tribunais de Contas seraacute necessaacuterio para criar mecanismos que impeccedilam os tipos de corrupccedilatildeo jaacute detectados na aacuterea da sauacutede Torna-se necessaacuterio criar uma instacircncia que congregue gestores puacuteblicos Procuradoria Tribunais Ministeacuterio Puacuteblico Legislativo e organi-zaccedilotildees da sociedade civil para o desenvolvimento de poliacuteticas e instrumentos efetivos de combate a toda forma de corrupccedilatildeo prevaricaccedilatildeo ou mal-versaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos em sauacutede

AMPLIAR A CAPACIDADEDE REGULACcedilAtildeO DO ESTADO

As diversas aacutereas do setor Sauacutede mdash e suas derivaccedilotildees a setores da Educaccedilatildeo agrave miacutedia mdash in-tegram o complexo produtivo da sauacutede Sob esta acepccedilatildeo resgata-se o signifi cado econocircmico e produtivo de accedilotildees e produtos ligados ao atendi-mento em sauacutede considerando a estreita relaccedilatildeo entre dois poacutelos 1) um setor produtivo industrial de bens como vacinas e soros medicamentos e faacutermacos sangue e hemoderivados reagentes e kits-diagnoacutestico equipamentos meacutedicos e ciruacutergicos 2) um outro da produccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede pelos agentes puacuteblicos e privados (fi -lantroacutepicos e lucrativos)

Eacute inescapaacutevel admitir que o natildeo-reconhecimen-to da infl uecircncia dos fatores de mercado na sauacutede elimina um importante elemento de anaacutelise e de formulaccedilatildeo das poliacuteticas especialmente na defi niccedilatildeo de prioridades de incorporaccedilatildeo de inovaccedilotildees (pro-dutos e processos) e na importacircncia da infl uecircncia dos agentes econocircmicos sobre a oferta de serviccedilos

de sauacutede Dado que a sauacutede eacute um bem de re-levacircncia puacuteblica as relaccedilotildees puacuteblico-privado

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devem ser objeto permanente de regulaccedilatildeo estatal no sentido da preservaccedilatildeo dos direitos dos usuaacuterios do SUS e dos consumidores de planos e seguros de sauacutede Aleacutem disso o poder puacuteblico deve atuar na regulaccedilatildeo da reorientaccedilatildeo das demandas dos planos e seguros para os serviccedilos especializados do SUS e na eliminaccedilatildeo das interferecircncias das empresas privadas no sistema puacuteblico

A fragmentaccedilatildeo e a segmentaccedilatildeo vigentes no sistema nacional de sauacutede exigem a explicitaccedilatildeo do montante de recursos puacuteblicos envolvidos com o fi nanciamento de planos e seguros de sauacutede bem como dos interesses confl itantes derivados da acu-mulaccedilatildeo de postos gerenciais e administrativos por profi ssionais da sauacutede com ldquodupla militacircnciardquo

Aprofundar a construccedilatildeo de convivecircncia das instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em funccedilatildeo das necessidades e direitos da populaccedilatildeo usuaacuteria e sob a eacutegide do princiacutepio constitucional que estabelece o caraacuteter complementar dos serviccedilos privados de sauacutede eacute uma tarefa inadiaacutevel Os serviccedilos privados que integram o SUS devem pautar suas atividades como se puacuteblicos fossem Adicionalmente eacute pre-ciso induzir as empresas privadas prestadoras de serviccedilos as que comercializam planos de sauacutede bem como as empresas empregadoras que ofertam planos de sauacutede a seus empregados a participarem decisivamente dos esforccedilos para a construccedilatildeo de sistemas regionalizados voltados para o atendi-mento de necessidades e direitos da populaccedilatildeo

A instituiccedilatildeo de regras claras sobre o ldquotracircn-sito privado-puacuteblico de pacientesrdquo deve forta-lecer a rede de serviccedilos do SUS como a ldquouacutenica porta de entradardquo para a admissatildeo nos serviccedilos puacuteblicos quer para o atendimento de pacientes de empresas de planos e seguros de sauacutede quer para o acesso a medicamentos

Para enfrentar a tendecircncia agrave segmentaccedilatildeo eacute preciso convocar entidades sindicais empre-sariais e de profi ssionais da sauacutede para que se empreendam novos compromissos em torno da sauacutede O estabelecimento de tabelas de remune-raccedilatildeo de procedimentos que sejam compatiacuteveis com os gastos dos profi ssionais e dos serviccedilos e assegurem a qualidade da assistecircncia prestada eacute essencial A institucionalizaccedilatildeo do plano de sauacutede universal para os servidores civis da esfera federal representaria a cristalizaccedilatildeo da descrenccedila do proacuteprio governo na universalizaccedilatildeo da sauacutede Os recursos envolvidos e programados para fi nanciar os planos de sauacutede de funcionaacuterios puacuteblicos de-vem ser canalizados para a melhoria da qualidade de atenccedilatildeo agrave sauacutede nos serviccedilos do SUS

A adoccedilatildeo de criteacuterios de ingresso nos serviccedilos de sauacutede vinculados ao SUS baseados nas condi-ccedilotildees cliacutenicas e nas necessidades de sauacutede e natildeo na capacidade de pagamento e a exigecircncia da observacircncia dos mesmos padrotildees assistenciais de casos com diagnoacutestico similar para todos os brasileiros satildeo essenciais ao reordenamento

das relaccedilotildees entre o puacuteblico e o privado e agrave garan-tia do acesso e da qualidade da assistecircncia

SUPERAR A INSEGURANCcedilAE O SUBFINANCIAMENTO

As poliacuteticas sociais encontram-se perma-nentemente ameaccediladas de terem seus recursos ainda mais reduzidos gerando uma situaccedilatildeo de inseguranccedila que impede a efetividade e a efi caacutecia de seu planejamento e execuccedilatildeo

A forma mais corriqueira embora muito prejudicial agrave gestatildeo social eacute o permanente con-tingenciamento dos orccedilamentos puacuteblicos para que sejam atendidos os ditames do superaacutevit primaacuterio estabelecido pela aacuterea econocircmica ou ateacute mes-mo superaacute-lo Aleacutem de prejudicial essa praacutetica corroacutei a proacutepria democracia ao transformar o orccedilamento puacuteblico em peccedila de fi cccedilatildeo

Outra maneira de subverter os ditames cons-titucionais sobre os recursos a serem alocados na aacuterea social eacute a introduccedilatildeo constante de outras des-pesas de programas governamentais considerados prioritaacuterios dentro dos orccedilamentos para os quais haacute recursos constitucionais defi nidos como o da Sauacutede Isso ocorre em funccedilatildeo da natildeo-regulamen-taccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 29

Uma outra maneira de retirar recursos da aacuterea social que tem sido reiteradamente usada e prorrogada eacute a Desvinculaccedilatildeo das Receitas da Uniatildeo (DRU) que a pretexto de dar maior fl exibilidade ao governo central retira 20 dos recursos cons-titucionalmente destinados agrave aacuterea social A DRU estaacute em vigor ateacute 2007 e temos que exigir que o governo desde agora crie mecanismos substitu-tivos dessa fonte espuacuteria O momento das eleiccedilotildees eacute importante para pactuarmos com os candidatos a eliminaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo da DRU

Em diferentes momentos setores governa-mentais ou elites econocircmicas da sociedade civil tecircm se posicionado em relaccedilatildeo agrave necessidade de dar ainda maior fl exibilidade orccedilamentaacuteria ao governo desvinculando totalmente as receitas constitucionais para a aacuterea social Apoiados por organismos internacionais satildeo a cada momento lanccedilados balotildees de ensaio nesse sentido A alega-ccedilatildeo eacute de que esses recursos satildeo necessaacuterios para zerar o deacutefi cit nominal quando entatildeo sobraratildeo recursos para a aacuterea social A sociedade brasileira conhece essa loacutegica e sabe que natildeo existe fl exi-bilidade para o pagamento de juros da diacutevida e que esses recursos desviados das suas vinculaccedilotildees constitucionais jamais retornariam Por isso natildeo permitiremos a desvinculaccedilatildeo e este compromisso deveraacute ser assumido publicamente pelos candida-tos comprometidos com a democracia social

Outra ameaccedila constante eacute relativa agrave reduccedilatildeo ou agrave eliminaccedilatildeo de benefiacutecios sociais vistos como causadores do alegado desequiliacutebrio fi nanceiro da

Previdecircncia Social Eacute preciso que este debate seja feito de forma seacuteria e natildeo como sempre

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sob a ameaccedila da espada do deacutefi cit e da crise Eacute preciso fazer um debate aberto e transparente haacute dados que questionam o deacutefi cit apontando a apropriaccedilatildeo das receitas sociais para outros fi ns e a evasatildeo de contribuiccedilotildees O debate sobre os benefiacute-cios previdenciaacuterios natildeo pode ser restrito agrave dimensatildeo contaacutebil prescindindo do princiacutepio maior que subor-dina a Previdecircncia aos objetivos da ordem social de garantia do bem-estar e da justiccedila social Em vez de desvincular os benefiacutecios previdenciaacuterios do salaacuterio miacutenimo eacute preciso desvincular os benefiacutecios sociais da capacidade contributiva de cada indiviacuteduo Soacute assim com a socializaccedilatildeo dos custos da proteccedilatildeo social estaremos permitindo que se realize uma redistri-buiccedilatildeo de renda via poliacuteticas sociais que garantem direitos universais Para tanto eacute necessaacuterio rever o enfoque desta discussatildeo passando a buscar fontes que fi nanciem a inclusatildeo previdenciaacuteria de milhotildees de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda natildeo tem amparo legal

Em relaccedilatildeo ao fi nanciamento da sauacutede ob-servamos

bull Acentuada retraccedilatildeo da contrapartida federal quando cotejada com o crescimento das contrapar-tidas estaduais e municipais tanto em termos das porcentagens no total do fi nanciamento puacuteblico como em doacutelares per capita Ainda que os recursos destinados agrave sauacutede representem um percentual considerado alto no orccedilamento ele eacute totalmente insufi ciente face agraves necessidades da populaccedilatildeo

bull O Brasil gasta muito pouco com sauacutede O total do fi nanciamento puacuteblico vem oscilando entre 125 e 150 doacutelares per capita ao ano enquanto no Canadaacute paiacuteses europeus Japatildeo Austraacutelia e outros a meacutedia do fi nanciamento puacuteblico eacute de US$ 1400 per capita na Argentina de US$ 362 e no Uruguai de US$ 304

bull O Projeto de Lei Complementar nordm 012003 que regulamenta a EC 292000 foi exaustiva-mente debatido e aprimorado pelas entidades da sociedade civil representativas dos usuaacuterios dos membros dos Tribunais de Contas e do Ministeacuterio Puacuteblico dos gestores nas trecircs esferas de governo dos profi ssionais da sauacutede dos prestadores de serviccedilos Esse debate se deu nas Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede por mais de dois anos e fi nalmente nas Comissotildees da Seguridade Social e Famiacutelia de Financcedilas e Tributaccedilatildeo e da Consti-tuiccedilatildeo Justiccedila e Cidadania da Cacircmara dos Depu-tados Eacute preciso pois que governo e oposiccedilatildeo se comprometam a aprovaacute-lo

bull Fruto desse consenso eacute a proposta de estabe-lecer-se a contrapartida federal para a Sauacutede em 10 da receita bruta da Uniatildeo o que corresponde a um acreacutescimo de aproximadamente R$ 10 bilhotildees ou US$ 30 per capita ao ano Ainda que gritante-mente insufi ciente e aqueacutem das referecircncias internacionais citadas signifi ca um importan-

te passo porque atrela essa contrapartida a uma base orccedilamentaacuteria da mesma maneira com que foi defi nida para estados e municiacutepios dispotildee sobre o que satildeo serviccedilos de sauacutede fi nanciados pelo SUS e o que natildeo satildeo serviccedilos de sauacutede e orienta os gastos e as prestaccedilotildees de contas com base no referencial de Equumlidade Integralidade e Efi ciecircncia

A sauacutede universal humanizada e de qualidade como

poliacutetica de estado

Essas estrateacutegias programaacuteticas representam as pontes a serem construiacutedas para fazermos

a transiccedilatildeo entre o SUS existente reconhecendo-se seus avanccedilos e limites e para o SUS pra valer universal humanizado e de qualidade Hoje eacute plenamente factiacutevel e necessaacuterio ampliarmos a garantia do direito agrave sauacutede

As eleiccedilotildees que se aproximam repotildeem a sauacutede na agenda de prioridades dos candidatos e dos partidos Nossa intenccedilatildeo eacute abrir este debate de forma ampla com todos os partidos poliacuteticos de forma a alcanccedilar um lugar de destaque de nossas propostas em seus programas A luta pela demo-cratizaccedilatildeo da sauacutede sempre foi suprapartidaacuteria e permitiu a construccedilatildeo de uma ampla e soacutelida coalizatildeo reformadora que tem dado sustentaccedilatildeo ao processo da Reforma Sanitaacuteria

Uma vez mais estas forccedilas comprometidas com o avanccedilo da democracia por meio da imple-mentaccedilatildeo da Reforma Sanitaacuteria reafi rmam a neces-sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se comprometam com o programa expresso nas linhas programaacuteticas acima enunciadas Elas foram fruto de uma ampla discussatildeo entre vaacuterias entidades e seu delineamento nasceu da experiecircncia acumulada pelo movimento da Reforma Sanitaacuteria em todas as suas frentes de trabalho nas organizaccedilotildees e enti-dades de profi ssionais e usuaacuterios nas universidades no Executivo no Legislativo no Judiciaacuterio etc

Sabemos que eacute possiacutevel hoje atender a populaccedilatildeo em um SUS pra valer universal hu-manizado e de qualidade Para chegarmos a isso eacute necessaacuteria a fi rme vontade poliacutetica dos nossos liacutederes de assumirem o compromisso social com nossas propostas Temos certeza de que dessa forma estaremos todos construindo uma socieda-de mais justa e democraacutetica o que transcende a mera perspectiva setorial possibilitando o avanccedilo em direccedilatildeo a uma sociedade inclusiva na qual predomine a cultura da paz Este eacute um momento crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra valer natildeo seratildeo toleradas omissotildees

Rio de Janeiro julho de 2006

O SUS pra valer universal humanizado e de qualidade

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VIacuteRUS INFLUENZA

Bruno Camarinha Dominguez

Aleacutem das baixas temperaturas com o inverno chega um novo surto de gripe mdash doenccedila in-fecciosa aguda causada pelo

viacuterus infl uenza Tosse febre dores satildeo sintomas usuais mdash e sempre irritantes Neste ano poreacutem pacientes afetados julgaram perceber algo diferente a longa duraccedilatildeo da infecccedilatildeo e mais es-tranho a perda da voz A Radis foi atraacutes das explicaccedilotildees ldquoA gripe natildeo estaacute mais grave nem a cepa eacute diferenterdquo garante a virologista Marilda Mendonccedila Siqueira chefe do Laboratoacuterio de Viacuterus Respira-toacuterios e Sarampo da Fiocruz Contou ela que no iniacutecio de agosto conversou com pesquisadores britacircnicos que analisam as mutaccedilotildees do infl uenza e eles confi r-maram natildeo haacute nada de diferente

Os tipos de viacuterus em circulaccedilatildeo mdash ANew Caledonia H1N1 AWyoming H3N2 e BShangai mdash jaacute existiam no ano passado e a vacina contra a gripe distribuiacuteda em 2006 protege contra todos eles assegura a pesquisadora Marilda lembra que a gripe se manifesta de forma diferente em cada pessoa dependendo da sensibilidade Se muita gente perdeu a voz ainda assim natildeo eacute possiacutevel generalizar pois natildeo eacute sintoma comum a todos ldquoSatildeo casos isoladosrdquo

Mas um alerta importante da viro-logista mais do que justifi ca mateacuteria so-bre a nossa velha e (nada) boa gripe natildeo eacute caracteriacutestica do infl uenza deixar al-gueacutem doente por mais de 15 dias ldquoCaso aconteccedila signifi ca que jaacute natildeo eacute mais a gripe pode ser uma doenccedila de base uma infecccedilatildeo bacteriana secundaacuteria ou outra doenccedila concomitanterdquo Nem sem-pre aliaacutes sintomas como tosse febre e dores musculares indicam gripe ldquoTemos que deixar claro que existe um grande nuacutemero de viacuterus aleacutem do infl uenza que causam infecccedilotildees respiratoacuteriasrdquo

O sincicial por exemplo eacute a principal causa de doenccedilas do trato respiratoacuterio inferior em crianccedilas abai-xo de 2 anos Devido agrave semelhanccedila do quadro cliacutenico dessas viroses leigos mdash e ateacute alguns profi ssionais da sauacutede

mdash tendem a generalizar classifi cando todas como gripe A virologista observa que sem o auxiacutelio de dados labora-toriais o diagnoacutestico eacute difiacutecil mesmo para meacutedicos experientes Por isso eacute necessaacuterio auscultar o paciente ldquoSe o profi ssional perceber que o doente tem uma infecccedilatildeo bacteriana deve receitar antibioacutetico se notar que eacute virose deve indicar um antiteacutermico e recomendar repouso e hidrataccedilatildeordquo

O grande nuacutemero de casos tambeacutem natildeo eacute novidade ldquoAcontece no mundo in-teiro porque o viacuterus eacute mesmo impactan-terdquo diz Dados da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede indicam que 15 da populaccedilatildeo mdash ou 600 milhotildees de pessoas mdash do pla-neta se gripam a cada ano Altamente contagioso o infl uenza eacute transmitido pelas gotiacuteculas da secreccedilatildeo respiratoacuteria mdash liberadas na tosse e no espirro

Os idosos satildeo mais vulneraacuteveis a desenvolver a doenccedila e a apresentar complicaccedilotildees dela decorrentes como a pneumonia Os viacuterus respiratoacuterios mdash principalmente o infl uenza mdash satildeo a principal causa de morte de pessoas com mais de 60 anos faixa etaacuteria em que se concentram os oacutebitos por gripe No ano passado a taxa esteve em torno de 3 por 100 mil habitantes variando de 7 por 100 mil na Regiatildeo Sul (julho) a 3 por 100 mil na Regiatildeo Norte (marccedilo)

Para enfrentar essa realidade o Ministeacuterio da Sauacutede iniciou em 1999 a campanha de vacinaccedilatildeo contra a gripe Por ano ateacute 12 milhotildees de idosos car-

diopatas diabeacuteticos e outros grupos de risco para infl uenza recebem a vacina Segundo o epidemiologista Fernando Barros coordenador de Vigilacircncia de Doenccedilas de Transmissatildeo Respiratoacuteria e Imunopreveniacuteveis da Secretaria de Vigi-lacircncia em Sauacutede do Ministeacuterio da Sauacutede a prevenccedilatildeo tem dado bons resulta-dos ldquoA anaacutelise das taxas mensais de internaccedilatildeo de 2000 a 2005 mostra que no periacuteodo maiojulho de 2000 estavam em torno de 100 por 100 mil habitantes e caiacuteram para 75 por 100 mil em 2005rdquo aponta Tambeacutem houve queda na morta-lidade por pneumonia em idosos

A SVS manteacutem em 23 estados 50 unidades-sentinela que coletam amos-tras cliacutenicas para o diagnoacutestico labora-torial de viacuterus respiratoacuterios e informam semanalmente a proporccedilatildeo de aten-dimentos por infecccedilotildees respiratoacuterias agudas o que orienta as autoridades de sauacutede nos programas de vacinaccedilatildeo

Por que natildeo estender entatildeo a vacinaccedilatildeo a toda a populaccedilatildeo A vacina eacute muito cara mdash cada dose custa cerca de R$ 30 mdash e o Ministeacuterio da Sauacutede tem prioridades como o combate agrave hepatite e agrave meningite ldquoO governo gastaria muito dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-xa etaacuteria que passa mal fi ca gripada sem sair de casa por dois dias mas consegue se recuperarrdquo avalia Marilda Siqueira

Entatildeo para os mais jovens a alter-nativa eacute a prevenccedilatildeo Locais ventilados lavagem das matildeos com frequumlecircncia e longamente ldquoQuando algueacutem coccedila o nariz o viacuterus fi ca na matildeo por pelo me-nos duas horas pode passar para uma caneta e contaminar quem a segurerdquo exemplifi ca A virologista sugere que os profi ssionais de sauacutede tambeacutem sigam esta recomendaccedilatildeo ldquoNos hospitais alguns meacutedicos usam luvas mas natildeo as trocam ao atender outro paciente entatildeo trans-mitem doenccedilasrdquo diz ldquoEacute melhor natildeo usar luva e lavar sempre as matildeosrdquo

A quem se gripar Marilda acon-selha descanso e aacutegua ldquoNo Brasil natildeo temos a cultura de descansar sob um quadro respiratoacuteriordquo diz ldquoMas quando fi camos em casa nos alimentamos me-lhor bebemos mais aacutegua e nos vemos livres do estresse do dia-a-diardquo

Um novo surtoa irritaccedilatildeo de sempre

CP

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DEBATES NA ENSPFIOCRUZ mdash Violecircncia

Claudia Rabelo Lopes

Conhecer o fenocircmeno da violecircncia mdash cada vez mais generalizado nas metroacutepoles brasileiras mdash a fi m de propor

accedilotildees para combatecirc-lo eacute a tarefa do Foacuterum de Combate agrave Violecircncia da Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca (EnspFiocruz) O lan-ccedilamento do website do Foacuterum (wwwenspfi ocruzbrforumviolencia) em 30 de junho foi marcado pelo evento Seguranccedila Puacuteblica Promover a Paz e Garantir Direitos que reuniu no Salatildeo Internacional da Ensp trecircs especialis-tas no assunto e um puacuteblico formado por pesquisadores da Fiocruz e repre-sentantes de comunidades da aacuterea de Manguinhos onde a instituiccedilatildeo estaacute instalada no Rio de Janeiro

A pesquisadora Maria Ceciacutelia Minayo do Centro Latino-americano de Estudos de Violecircncia e Sauacutede Jorge Carelli (EnspFiocruz) a inspetora de Poliacutecia Civil Marina Maggessi e o antropoacutelogo e cientista poliacutetico Luiz Eduardo Soares apresentaram visotildees distintas poreacutem complementares so-bre o problema da violecircncia no Rio de Janeiro e no Brasil Foram consenso a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a inclusatildeo social e econocircmica das po-

pulaccedilotildees marginalizadas a necessidade de que as accedilotildees sejam coordenadas entre os trecircs niacuteveis de governo de que os teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos na elaboraccedilatildeo dos projetos de seguranccedila puacuteblica e de que a sociedade como um todo incluindo os policiais mobilize-se em torno desses projetos

O campus da Fiocruz no Rio de Janeiro e o preacutedio da Expansatildeo em frente fi cam em meio a uma das aacutereas mais carentes da cidade cercados por favelas que margeiam a Avenida Brasil Durante anos a instituiccedilatildeo tem desen-volvido uma agenda de accedilotildees para o desenvolvimento local integrada com outros agentes puacuteblicos e privados em parceria com as comunidades de Man-guinhos Apesar disso como lembrou Antocircnio Ivo de Carvalho diretor da Ensp e coordenador do debate a Fiocruz tem sido testemunha do agravamento da situaccedilatildeo social da deterioraccedilatildeo das condiccedilotildees de seguranccedila e o consequumlente sofrimento da comunidade diante da ampliaccedilatildeo e do descontrole da violecircn-cia Isso tem provocado a necessidade de uma atualizaccedilatildeo da refl exatildeo e do entendimento sobre o fenocircmeno

VIOLEcircNCIA GLOBALIZADAA primeira palestrante Maria Ce-

ciacutelia Minayo procurou contextualizar a violecircncia que vivemos no Brasil hoje

num panorama mais amplo Isso por-que o sucesso das accedilotildees locais depen-de em grande em parte de questotildees de acircmbito global ldquoO problema com a nossa juventude eacute a ponta do iceberg de negoacutecios internacionaisrdquo afi rmou a pesquisadora referindo-se ao traacutefi co de drogas e ao comeacutercio legal ou ilegal de armas que segundo ela soacute perdem em tamanho e poder para a induacutestria do petroacuteleo Mais do que isso estudos da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas mostram que praticamente dobrou a taxa de criminalidade no mundo com a novidade de que se trata de uma criminalidade moderna em rede

Por outro lado para Ceciacutelia a conscientizaccedilatildeo dos indiviacuteduos sobre seus direitos tem aumentado e eles anseiam por seguranccedila e qualidade de vida Poreacutem no mundo globalizado o indiviacuteduo se vecirc diante de todo um qua-dro de inseguranccedila natildeo apenas do ponto de vista policial mas tambeacutem social ldquoO trabalho na empresa era um mediador da cidadania na sociedade industrial enquanto na poacutes-industrial a realidade eacute cada vez mais de desemprego subem-prego emprego sem viacutenculo inseguro e com os apelos de consumordquo apontou No caso brasileiro haacute uma sinergia entre as diversas formas de violecircncia criando na sociedade uma cultura e uma banalizaccedilatildeo do fenocircmeno

DemocraciaDemocraciae inclusatildeoe inclusatildeoo melhoro melhorremeacutedioremeacutedio

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Luiz Eduardo Marina e Ceciacutelia trecircs olhares

As pesquisas apresentadas por Ce-ciacutelia Minayo mostram que a morte por violecircncia no Brasil eacute coisa de homem jovem pobre negro ou pardo A popu-laccedilatildeo mais diretamente atingida vive nas aacutereas perifeacutericas urbanas onde o crescimento da violecircncia eacute relaciona-do agrave existecircncia de grupos criminosos cujos integrantes em sua maioria estatildeo na faixa dos 15 aos 39 anos de idade E o Rio de Janeiro para sur-presa de muitos estaacute em quinto lugar no ranking das capitais mais violentas do Brasil em proporccedilatildeo ao nuacutemero de habitantes vindo atraacutes de Recife Vitoacuteria Porto Velho e Belo Horizonte e imediatamente agrave frente de Satildeo Paulo (dados de 2003) O grande problema no Rio eacute a luta por territoacuterio entre os grupos de trafi cantes de drogas que acaba matando policiais e jovens

DEMOCRACIA O CAMINHOMas comparado ao mercado in-

ternacional de drogas especialmente agrave situaccedilatildeo da Europa e dos Estados Unidos o consumo de entorpecentes no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo eacute pequeno A pesquisadora acre-dita que a poliacutetica de ldquoguerra contra as drogasrdquo mdash modelo importado dos EUA e adotado aqui mdash contribui para aumentar a violecircncia e que uma op-ccedilatildeo mais interessante seria a poliacutetica de reduccedilatildeo de danos implementada em alguns paiacuteses europeus ldquoGuerra mata E eacute a isso que assistimos uma

juventude morrendo e um problema que natildeo diminui pelo contraacuteriordquo

Ceciacutelia Minayo apontou que his-toricamente a atuaccedilatildeo da sociedade rumo agrave democracia e agrave inclusatildeo social parece ser a melhor soluccedilatildeo Em fa-vor dessa tese voltou a citar o livro Histoire de la violence en Occident de 1800 agrave nos jours (Histoacuteria da violecircncia no Ocidente de 1800 aos nossos dias) do demoacutegrafo francecircs Jean-Claude Chesnais Embora valorize o papel do policiamento o autor conclui que muito mais fi zeram pela paz e a se-guranccedila puacuteblica a inclusatildeo da classe trabalhadora na cidadania a melhoria das condiccedilotildees de vida e a educaccedilatildeo formal Assim a pesquisadora defen-deu um investimento real nas favelas nas aacutereas pobres na populaccedilatildeo negra ldquoporque eles merecem porque satildeo seus direitos de cidadatildeo e natildeo soacute para fazer frente agrave violecircnciardquo e deu como exemplo projetos como o Fica Vivo em Belo Horizonte o Afroreggae ONG criada em Vigaacuterio Geral no Rio e a Frente pela Prevenccedilatildeo da Violecircncia em Diadema Satildeo Paulo

O CAOS NADA ORGANIZADOA inspetora Marina Maggessi da

Delegacia de Repressatildeo a Entorpe-centes do Rio de Janeiro estaacute na po-liacutecia haacute 16 anos 15 deles no combate agraves drogas e impressionou o puacuteblico com sua fala direta e contundente Sua equipe tem no curriacuteculo prisotildees

de grandes chefes do traacutefi co no es-tado como Marcinho VP e Uecirc Para Marina no que se refere agrave seguranccedila puacuteblica eacute preciso derrubar mitos paradigmas e mentiras

Uma das expressotildees enganosas a seu ver eacute ldquocrime organizadordquo Com a entrada do crack no mercado e com armas sofi sticadas e municcedilatildeo prove-nientes das forccedilas armadas e da proacutepria poliacutecia nas matildeos de adolescentes e ateacute de crianccedilas o que existe no Rio hoje eacute o caos Quando havia organizaccedilatildeo do traacutefi co na cidade disse o crack natildeo en-trava por ser uma droga devastadora matar raacutepido ser barata e trazer pouco lucro A situaccedilatildeo eacute pior tambeacutem para os policiais ldquoNatildeo existe accedilatildeo de inte-ligecircncia que consiga parar um menino de 15 anos viciado em cocaiacutena desde os 6 que natildeo tem por traacutes nenhum tipo de instituiccedilatildeo mdash nem famiacutelia nem es-cola nem igreja nem Estado mdash e para quem a uacutenica instituiccedilatildeo eacute a facccedilatildeo criminosa de que ele faz parte e que defende com a vidardquo afi rmou

Marina Maggessi criticou o modo como autoridades policiais e miacutedia fabricam a imagem dos liacutederes das facccedilotildees transformando-os em cele-bridades Ela considera que colocar Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na capa de uma revista de grande circu-laccedilatildeo eacute ldquouma irresponsabilidade social tremendardquo pois signifi ca dar-lhes a notoriedade que almejam Criticou tambeacutem que estatiacutesticas e nuacutemeros sejam frequumlentemente usados para manipular informaccedilotildees ldquoSe sai no jornal que na semana passada apre-endemos 20 quilos de cocaiacutena e que nesta apreendemos 40 isto quer dizer que estamos trabalhando mais ou que o traacutefico aumentourdquo questionou dizendo que a maacute informaccedilatildeo eacute pior do que a falta de informaccedilatildeo

DEPENDENTES X RECREATIVOSSobre a comparaccedilatildeo feita por

Ceciacutelia Minayo entre o consumo de drogas no Brasil e na Europa e nos EUA Marina lembrou que nos paiacuteses ricos as pessoas tecircm dinheiro para consumir a droga mas aqui muitos precisam cometer roubos ou assaltos para poder comprar os entorpecentes ou pagar diacutevidas com o traacutefi co Por isso haacute um grande nuacutemero de crimes relacionados direta ou indiretamente agraves drogas cometidos natildeo apenas por quem trafi ca mas tambeacutem por parte

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de usuaacuterios dependentes dispostos a qualquer coisa para obter a substacircncia de que necessitam

Mas segundo a inspetora quem realmente sustenta o negoacutecio dos en-torpecentes natildeo satildeo os dependentes e sim os usuaacuterios de fi m de semana que alguns especialistas chamam de ldquousuaacuterios recreativosrdquo Marina Maggessi disparou ldquoO Morro da Providecircncia so-brevive graccedilas agrave Rio Branco [avenida no centro do Rio] e agrave Bolsa de Valores A Mangueira eacute forte porque os VIPs e o high society da Zona Sul vatildeo laacute desfi lar e cheiram muito A Rocinha tambeacutem vive da vizinhanccedila Seraacute que eacute tatildeo di-fiacutecil entender essa regra de mercado Eacute oacutebvio que o usuaacuterio natildeo eacute a uacutenica causa mas eacute sim um pilar que sustenta issordquo E arrematou ldquoToda cocaiacutena cheirada no Rio tem sangue no meiordquo

Os dependentes por outro lado satildeo as maiores viacutetimas do traacutefi co de acordo com a inspetora Ela revelou que nos cemiteacuterios clandestinos em morros e favelas muitos dos corpos enterrados ou queimados satildeo desses usuaacuterios Eles representam um estor-vo para as ldquobocasrdquo mdash locais onde satildeo vendidos os entorpecentes pois em geral natildeo tecircm dinheiro e perturbam o movimento oferecendo-se para fazer qualquer coisa inclusive favores sexu-ais em troca da droga

Uma das falhas mais graves no combate agrave violecircncia para Marina eacute que a sociedade natildeo consiga evitar o momento em que o menino se torna bandido Ela acredita que as soluccedilotildees satildeo alternativas e sairatildeo das cadeias e das proacuteprias favelas como o Afro-reggae e os trabalhos de MV Bill e Celso Athayde realizadores do docu-mentaacuterio Falcatildeo meninos do traacutefi co A inspetora defende que moradores e teacutecnicos da poliacutecia sejam ouvidos em primeiro lugar sobre a questatildeo da violecircncia mdash ldquonatildeo os gabineteiros mdash natildeo a poliacutetica de gabinete Natildeo aguumlentamos mais ouvir esse discurso e ver a desgraccedila aumentando debaixo do nosso narizrdquo

UMA VERDADEIRA BABELLuiz Eduardo Soares falou das

poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica do ponto de vista do gestor papel que assumiu em algumas ocasiotildees O maior problema para ele eacute a falta de co-ordenaccedilatildeo de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo entre os diferentes oacutergatildeos de segu-

meses de diaacutelogos e negociaccedilotildees com governadores no chamado Pacto pela Paz para a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Seguranccedila Puacuteblica (Susp) de novo o caacutelculo poliacutetico interferiu avaliou Luiz Eduardo Para ele o presidente Lula natildeo quis assumir o ocircnus de uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica nacional ldquoNatildeo vamos chegar a lugar nenhum se depositarmos nossas fi chas nas boas intenccedilotildees eacute preciso mudanccedila na proacutepria estrutura poliacuteti-cardquo afi rmou ldquoPoliacutetico burguecircs tem compromisso em primeiro lugar com sua proacutepria carreirardquo

No debate que se seguiu o diretor-geral da Associaccedilatildeo de Fun-cionaacuterios da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Asfoc) Rogeacuterio Lannes Rocha tam-beacutem coordenador do Programa RADIS enfatizou a necessidade de os sindi-catos inclusive a Asfoc terem maior engajamento na busca por soluccedilotildees para o problema da violecircncia e na cobranccedila das poliacuteticas puacuteblicas nessa aacuterea Para Rogeacuterio os intelectuais e a academia estatildeo falhando em seus discursos em defesa dos direitos huma-nos ldquoEstamos perdendo essa disputa simboacutelica dentro da miacutedia e frente a elardquo alertou

A questatildeo dos usuaacuterios de drogas veio agrave tona novamente quando um dos participantes chamou a atenccedilatildeo para a importacircncia da educaccedilatildeo como tarefa do Estado mas tambeacutem das famiacutelias jaacute que os pais passam cada vez menos tempo com os fi lhos Luiz Eduardo Soares disse natildeo con-cordar com a culpabilizaccedilatildeo do con-sumidor como discurso puacuteblico mas revelou que em casa diz agraves fi lhas que ldquoneste momento acender um baseado eacute pocircr fogo na cidaderdquo

Interessante tambeacutem foi a dis-cussatildeo em torno do Caveiratildeo (Radis 43) mdash veiacuteculo blindado com o qual o Batalhatildeo de Operaccedilotildees Policiais Espe-ciais entra nas favelas cariocas ldquoVocecirc se sente humilhado por um blindado que representa o Estadordquo disse Luiz Eduardo denunciando que desde 2005 o Bope natildeo aceita rendiccedilatildeo ldquoPor que o Caveiratildeo eacute um problema O problema eacute quem estaacute dentro delerdquo retrucou Marina Maggessi reclamando que ningueacutem aborda a questatildeo da for-maccedilatildeo do policial da necessidade de fazecirc-lo ter orgulho da profi ssatildeo e da importacircncia de prevenir que tambeacutem ele torne-se um bandido

ranccedila puacuteblica tanto em niacutevel federal quanto estadual em funccedilatildeo de suas estruturas organizacionais ldquoA Secre-taria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica a Poliacutecia Federal a Poliacutecia Rodoviaacuteria Federal que fazem parte do Ministeacute-rio da Justiccedila natildeo tecircm nenhum laccedilo orgacircnico entre sirdquo afi rmou

As poliacutecias estaduais tambeacutem natildeo conversam entre si ateacute porque natildeo falam a mesma liacutengua O especialista revelou que haacute 56 poliacutecias no Brasil cada uma com seu proacuteprio modelo de formaccedilatildeo ldquoEacute uma verdadeira Babelrdquo Haacute tambeacutem uma pluralidade na ca-tegorizaccedilatildeo de crimes e delitos que varia de estado para estado difi cul-tando a organizaccedilatildeo de um banco de dados nacional

Luiz Eduardo acredita que com as ferramentas institucionais hoje existentes eacute impossiacutevel fazer uma boa gestatildeo nas poliacutecias estaduais mesmo que haja maacutexima honestidade Isso porque os gestores natildeo dispotildeem de dados sobre os resultados das accedilotildees sobre a taxa de esclarecimento de crimes natildeo haacute instrumentos de avalia-ccedilatildeo nem planejamento de modo que as maacutequinas burocraacuteticas dos oacutergatildeos policiais se reproduzem por ineacutercia

Aleacutem disso as poliacutecias estaduais reproduzem modelos de hierarquia e disciplina herdados do Exeacutercito ldquoEm termos de seguranccedila puacuteblica o Estado aceita conviver com uma estrutura arcaica do tempo da ditadura es-trutura que natildeo pode responder aos preceitos constitucionais e que com-promete o trabalho dos profi ssionais de poliacuteciardquo atestou

A FAMIacuteLIA E O CAVEIRAtildeOOutro desafi o eacute fazer com que

projetos interessantes sobrevivam ao ciclo poliacutetico-eleitoral Subsecretaacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Coordenador de Seguranccedila Justiccedila e Cidadania do Estado do Rio no primeiro ano do governo Anthony Garotinho (1999-2000) Luiz Eduardo contou que o plano de seguranccedila puacuteblica elabora-do pela equipe da qual fazia parte foi desmantelado quando o entatildeo governador decidiu se candidatar agrave presidecircncia da Repuacuteblica e os cargos dos gestores entraram na barganha com as novas alianccedilas poliacuteticas

Decepccedilatildeo parecida aconteceu em 2003 quando era secretaacuterio nacional de Seguranccedila Puacuteblica Depois de oito

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INTERCAcircMBIO CIENTIacuteFICO E BIOPIRATARIA

Marinilda Carvalho

Desde que em 2002 a mul-tinacional japonesa Asahi Foods registrou a marca ldquocupuaccedilurdquo impedindo que

exportadores da Amazocircnia usassem a palavra nos roacutetulos de derivados da brasileiriacutessima fruta mdash imbroacuteglio solucionado em instacircncias diplomaacute-ticas e comerciais mdash as autoridades mantecircm alerta vermelho aceso para tudo o que se refere agrave saiacuteda do paiacutes de exemplares da maior biodiversidade do planeta a do Brasil Este caso natildeo foi o primeiro nem o mais famoso nos anos 1960 o veneno da jararaca acabou aproveitado com permissatildeo do pesquisador na foacutermula de um anti-hipertensivo de sucesso mundial Mas hoje a biodiversidade eacute preocupa-ccedilatildeo nacional e sua defesa agraves vezes atabalhoada originou uma palavra estigmatizante biopirataria

Como evitar a paranoacuteia

No primeiro semestre deste ano houve vaacuterios exemplos de repressatildeo agrave biopirataria mdash ou ao que se pensa ser biopirataria mdash tema geralmente divul-gado de forma simplista O caso mais estridente foi o de um pesquisador do Instituto Butantan de Satildeo Paulo multado em abril ao enviar a colega da Universidade de Dusseldorf na Alemanha 13 exemplares do inverte-brado onicoacuteforo Trecircs semanas antes a dupla publicara na revista Nature artigo sobre outra espeacutecie e natildeo tinha intenccedilatildeo alguma de obter lucro com seus estudos tiacutepicos da troca de expe-riecircncias entre zoomorfologistas

Os casos certamente deixariam perplexo se estivesse vivo o profes-sor Sebastiatildeo Oliveira que foi curador da Coleccedilatildeo Entomoloacutegica do Instituto Oswaldo Cruz (IOCFiocruz) em Manguinhos tendo trabalhado grande parte da carreira na classifi caccedilatildeo de insetos O professor morreu aos 86 anos em abril do ano passado e gos-

tava de relembrar sua intensa troca de experiecircncias com pesquisadores alematildees que mantecircm ligaccedilatildeo estreita com Manguinhos desde o iniacutecio do seacuteculo passado quando Oswaldo Cruz ainda estava agrave frente do Instituto Soroteraacutepico Federal o atual IOC O professor contava que das espeacutecies conhecidas de mosquitos mdash e 90 de-las natildeo estatildeo classifi cadas mdash a maior parte estaacute na Amazocircnia conhecida graccedilas aos alematildees que recolheram muitas amostras e receberam outro tanto de colegas brasileiros

Eacute um clima complexo para o in-tercacircmbio cientiacutefi co mdash que o jornal O Estado de S Paulo resumiu na expressatildeo ldquocrime e paranoacuteiardquo em reportagem de maio mdash especialmente quando haacute casos de biopirataria real A Iacutendia foi viacutetima de trecircs escacircndalos a RiceTec patenteou como ldquoinvenccedilatildeordquo sua o arroz basmati antiquiacutessimo na cultura indiana a Monsanto se apropriou de milenar trigo indiano com baixo teor de gluacuteten e a

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WR Grace registrou como pesticida seu a aacutervore neem que cresce no mato e nos quintais indianos a ponto de ser chama-da de ldquofarmaacutecia da aldeiardquo tantos satildeo os usos descritos em sacircnscrito seacuteculos atraacutes (um deles como antibactericida para limpeza dos dentes) A Iacutendia levou anos lutando por seus direitos nos tribu-nais mdash e prossegue

Assim todo cuidado eacute pouco mes-mo Como fi cam entatildeo instituiccedilotildees de pesquisa que detecircm grandes coleccedilotildees quase todas trocando amostras com parceiros no exterior

Coleccedilotildees satildeo espaccedilos institucionais dinacircmicos que abrigam fraccedilotildees do patri-mocircnio geneacuteticobioloacutegico nacional ou estrangeiro na defi niccedilatildeo da pesquisa-dora Claudia Inecircs Chamas doutora em Engenharia pela CoppeUFRJ que no IOC atua na aacuterea de propriedade intelectu-al Para ela eacute certamente necessaacuteria a repressatildeo agraves accedilotildees de biopirataria num paiacutes que deteacutem ateacute 20 da biodi-versidade global ldquoDisciplinar o acesso aos recursos geneacuteticos e regular os ganhos resultantes da exploraccedilatildeo desse patrimocircnio e do uso de conhecimentos tradicionais satildeo medidas bem-vindas e por isso haacute tantos esforccedilos por uma legislaccedilatildeo de proteccedilatildeordquo diz

TREINAMENTO E ALERTAMas isso exige extrema atenccedilatildeo

das instituiccedilotildees ldquoA Fiocruz por exemplo considera prioridade o desenvolvimento de suas coleccedilotildees e ao mesmo tempo o atendimento da legislaccedilatildeordquo afi rma Claacuteudia ldquoAs coleccedilotildees satildeo estrateacutegicas essenciais para preservaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo da biodiversidade inclusive das espeacutecies ameaccediladas de extinccedilatildeordquo Por isso e dada a longa tradiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca tem treinado profi ssionais e alertado os parceiros para as novas regras planeja a criaccedilatildeo de um Foacuterum Permanente de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas para monitorar e aprimorar o acervo e em 2007 promoveraacute o 1ordm Simpoacutesio In-ternacional de Coleccedilotildees Cientiacutefi cas

Biopirataria eacute conceito complexo supotildee a apropriaccedilatildeo de elemento da diversidade bioloacutegica sem autorizaccedilatildeo com prejuiacutezo dos valores de comunida-des (natildeo necessariamente indiacutegenas) esclarece a pesquisadora Apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre Diversi-dade Bioloacutegica as discussotildees em torno da regulamentaccedilatildeo ganharam projeccedilatildeo global e a tendecircncia internacional passou a ser a repressatildeo ldquoMas ainda haacute graves lacunas nos instrumentos de proteccedilatildeordquo avalia ldquoA Organizaccedilatildeo Mundial da Propriedade Intelectual propocircs o termo biogrilagem em subs-tituiccedilatildeo a biopiratariardquo

A legislaccedilatildeo que disciplina a aacuterea

bull Decreto nordm 2519 de 163 1998 que promulga a Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica assinada no Rio de Janeiro em 561992

bull MP nordm 2186-16 de 2382001 que regulamenta o inciso II do sect 1ordm e o sect 4ordm do Artigo 225 da Consti-tuiccedilatildeo os Artigos 1ordm 8ordm aliacutenea j 10 aliacutenea c 15 e 16 aliacuteneas 3 e 4 da Convenccedilatildeo sobre Diversidade Bioloacutegica e dispotildee sobre o acesso ao patrimocircnio geneacutetico a proteccedilatildeo e o acesso ao conhecimento tradi-cional associado a reparticcedilatildeo de benefiacutecios e o acesso agrave tecnologia e transferecircncia de tecnologia para sua conservaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo

bull Decreto nordm 3945 de 2892001 que defi ne a composiccedilatildeo do Con-selho de Gestatildeo do Patrimocircnio Geneacutetico e estabelece as normas

para seu funcionamento mediante a regulamentaccedilatildeo dos Artigos 10 11 12 14 15 16 18 e 19 da Medida Provisoacuteria nordm 2186-16

bull Decreto nordm 4339 de 2282002 que defi ne princiacutepios e diretrizes para a implementaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional da Biodiversidade

bull Decreto nordm 4946 de 31122003 que altera revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5439 de 352005 que daacute nova redaccedilatildeo aos Artigos 2ordm e 4ordm do Decreto nordm 3945

bull Decreto nordm 5459 de 762005 que regulamenta o Artigo 30 da MP nordm 2186-16 instituindo as sanccedilotildees aplicaacuteveis agraves condutas e atividades lesivas ao patrimocircnio geneacutetico ou ao conhecimento tradicional associado e daacute outras providecircncias

A letra da lei

O Conselho de Gestatildeo do Patrimocirc-nio Geneacutetico (Cgen) do Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) eacute quem autoriza o acesso e a remessa de exemplares da biodiversidade com base em volumosa regulamentaccedilatildeo mdash talvez maccedilante para os pesquisadores mas de entendimento essencial para a instituiccedilatildeo que lida com cooperaccedilatildeo cientiacutefi ca O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis do MMA) que tem sido o ldquoalgozrdquo dos pesquisadores exerce papel repressivo por atribuiccedilatildeo do Cgen a partir da Deli-beraccedilatildeo nordm 40 (de 24903) E haacute outros oacutergatildeos envolvidos a autorizaccedilatildeo para a presenccedila de estrangeiros em expediccedilotildees cientiacutefi cas por exemplo compete ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefi co e Tecnoloacutegico o CNPq con-forme o Decreto nordm 98830 e a Portaria nordm 55 ambos de 1990 Coleta com embarcaccedilotildees em aacuteguas jurisdicionais brasileiras plataforma continental e zona econocircmica exclusiva eacute autorizada pelo Comando da Marinha do Minis-teacuterio da Defesa como reza o Decreto nordm 96000 de 1998 Em alguns casos interferem ainda a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria o Ministeacuterio da Agricultura e a Poliacutecia Federal

INVESTIMENTO Eacute VITALMuita coisa E as instituiccedilotildees

de pesquisa precisam se adaptar agraves exigecircncias pois lei obviamente tem de ser cumprida mdash ou o pesquisador

continuaraacute tendo problemas ldquoEacute ne-cessaacuterio que as instituiccedilotildees invistam para lidar com a burocracia de modo a facilitar o trabalho dos pesquisado-resrdquo diz Claudia ldquoEacute vital orientar os cientistas sobre todos os tracircmites em cada situaccedilatildeordquo

Eacute claro a dinacircmica da pesquisa requer sempre processos aacutegeis sem obstaacuteculos pois o tempo eacute crucial para o sucesso dos projetos Muitas vezes lembra Claudia haacute recursos financeiros atrelados aos projetos que demandam decisotildees raacutepidas sob pena de natildeo se cumprirem as metas acordadas com o agente fi nanciador da pesquisa Por isso recomenda a especialista eacute importante promover avaliaccedilotildees regulares do impacto dessas poliacuteticas com intensa participaccedilatildeo dos envolvidos Soacute assim eacute possiacutevel melhorar continuamente as praacuteticas inclusive para verifi car a efi caacutecia das medidas de combate agrave biopirataria

Claudia poreacutem natildeo joga toda a responsabilidade sobre as instituiccedilotildees de pesquisa Ela considera urgente o trei-namento dos profi ssionais que operam em portos e aeroportos para que com-preendam todo este complexo processo de regulaccedilatildeo dos materiais geneacuteticos facilitando o diaacutelogo com cientistas em tracircnsito e evitando constrangimentos ldquoA atuaccedilatildeo dos diversos oacutergatildeos nem sempre se mostra clara para as insti-tuiccedilotildees de pesquisardquo diz (Colaborou Bruno Camarinha Dominguez)

RADIS 49 SET2006

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ENDERECcedilOS

Editora HucitecRua Joaquim Antunes 637 Pinheiros bull Satildeo PauloCEP 05415-011Tel (11) 3060-9273Fax (11) 3064-5120E-mail contatohuciteccombrSite wwwhuciteccombr

Editora AbrascoTel (21) 2590-2073E-mail abrlivroenspfi ocruzbrSite wwwabrascobr

serviccedilo

INTERNET

MONITORAMENTO DA AIDS

O Programa Nacional de DSTAids do Ministeacuterio da Sauacutede a rede

Centers for Disease Control and Pre-ventionGlobal Aids Program Brazil e o Centro de Informaccedilatildeo Cientiacutefi ca e Tecnoloacutegica (CictFiocruz) uniram-se para criar o Sistema Nacional de Mo-nitoramento em Aids o MonitorAids (http15786837frameshtm) com indicadores da doenccedila no Brasil incluindo entre outros dados a cober-tura de testes de HIV em gestantes o percentual de infecccedilatildeo de receacutem-nascidos e gastos do governo

PUBLICACcedilOtildeES

CONSOLIDACcedilAtildeO DO SUS

Reforma da Refor-ma repensando a sauacutede do sanita-rista Gastatildeo Wagner de Sousa Campos (Editora Hucitec) foi lanccedilado em 1992 e chega agrave terceira ediccedilatildeo neste 2006 mdash quando tanto se fala em mudan-ccedilas no SUS Originaacuterio de sua tese de doutorado defendida em 1991 o livro analisa as poliacuteticas neolibe-rais de produccedilatildeo e organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e faz um balanccedilo do processo de descentralizaccedilatildeo ins-tituiacutedo no Brasil em fins da deacutecada de 1980 O uacuteltimo capiacutetulo propotildee mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede na aacuterea puacuteblica bem como dos meacutetodos de planeja-mento de gestatildeo e da praacutetica dos profissionais de sauacutede

A Hucitec a propoacutesito re-lanccedila neste ano mais dois livros do autor Os meacute-dicos e a poliacuteti-ca de sauacutede (se-gunda ediccedilatildeo) que aponta as difi culdades para se conseguir a adesatildeo da categoria dos meacutedicos agrave luta por um sistema de sauacute-de puacuteblico gratuito e de qualidade nas palavras do sanitarista David Ca-pistrano Filho (1948-2000) e A sauacutede

puacuteblica e a defesa da vida (terceira ediccedilatildeo) mdash criacutetica a temas que geram grandes polecircmicas no movimento sa-nitaacuterio a preponderacircncia do projeto neoliberal o papel da assistecircncia meacutedica e organizaccedilatildeo do SUS Certa-mente marcaraacute a sauacutede puacuteblica e as lutas pela defesa da vida

Inventando a mu-danccedila na sauacutede do sanitarista Luiz Carlos de Oliveira Cecilio (organiza-dor) Coletacircnea de artigos produzidos no Laboratoacuterio de Planejamento e Ad-ministraccedilatildeo (Lapa) da Unicamp traduzem anos de experiecircncia de uma equipe que teimou em acre-ditar no SUS A maioria dos artigos analisa intervenccedilotildees concretas em instituiccedilotildees de sauacutede secretarias municipais de Campinas Piracicaba (Satildeo Paulo) Ipatinga (Minas Gerais) e na Santa Casa do Paraacute (Paraacute) A postura criacutetica dos autores expotildee limites impasses e contradiccedilotildees da administraccedilatildeo publica e dos mode-los tecno-assistenciais dominantes mas apresenta descobertas novos arranjos organizacionais e poliacuteticos capazes de sustentar mudanccedilas na sauacutede Tambeacutem da Hucitec

EXPERIEcircNCIAS CURRICULARES EXITOSAS

Ensinar Sauacutede a integralidade e o SUS nos cursos de graduaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede de Rose-ni Pinheiro Ricardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mattos (organ izadores ) conta a trajetoacuteria e os resultados da pesquisa EnsinaSUS linha de atuaccedilatildeo do Laboratoacuterio de Pesquisas sobre Praacuteticas de Integralidade em Sauacutede (Lappis) do Instituto de Medicina Social da Uerj Com rigor eacutetico e dis-ciplina cientiacutefi ca este livro apresenta os processos pedagoacutegicos na aacuterea da sauacutede voltados para a praacutetica da integralidade e o trabalho no SUS A publicaccedilatildeo foi lanccedilado pelo Lappis em parceria com a Editora Abrasco

Os autores satildeo Aluiacutesio Gomes da Silva Juacutenior Ana Luacutecia de Moura Pontes Bruno Stelet Claacuteudia March Francini Lube Guizardi Gilson Sai-ppa-Oliveira Liacutelian Koifman Maria do Carmo dos Santos Macedo Maria Elizabeth Barros de Barros Regina Au-rora Romano Regina Luacutecia Henriques Ricardo Burg Ceccim Roseni Pinheiro Ruben Arauacutejo de Mattos Verocircnica Silva Fernandez e Yara Maria de Carvalho

Ensino-Trabalho-Cidadania novas marcas ao ensinar integralidade no SUS organizado por Roseni Pinheiro Ri-cardo Burg Ceccim e Ruben Arauacutejo de Mat-tos tambeacutem faz par-te do EnsinaSUS O livro reuacutene textos produzidos pelos autores das propostas selecionadas pela ldquoConvocatoacuteria para apresentaccedilatildeo de experiecircncias de ensi-no na formaccedilatildeo de profi ssionais para a integralidade em sauacutederdquo em agosto de 2004 lanccedilada pelos ministeacuterios da Sauacute-de e da Educaccedilatildeo em parceria com o Lappis com a Associaccedilatildeo Brasileira de Universidades Estaduais e Municipais e a Associaccedilatildeo Nacional dos Dirigentes das Instituiccedilotildees Federais de Ensino Superior mdash que culminou na pesquisa EnsinaSUS As experiecircncias apresen-tadas no livro (Editora Abrasco) tecircm como objetivo a praacutetica da integrali-dade em sauacutede na graduaccedilatildeoMais informaccedilotildeesSetor de Publicaccedilotildees do IMS tel (21) 2587-7303 ramal 248 e-mail publica-coesimsuerjbr

POacuteS-TUDO

O SUS e os contornos juriacutedicos daintegralidade da atenccedilatildeo agrave sauacutede

Lenir Santos

Nenhum sistema de sauacutede puacuteblico sem organizaccedilatildeo paracircmetros

criteacuterios epidemioloacutegicos protocolos de conduta regulamentos teacutecnicos criteacuterios de incorporaccedilatildeo de tecnolo-gia e limites de gastos daraacute conta de atender agrave demanda ofertada na socie-dade cada dia mais sofi sticada e que poderaacute muitas vezes ter muito mais a ver com interesses fi nanceiros do que com interesses humaniacutesticos

Todavia natildeo podemos ter a ingenui-dade de acreditar que os governos tam-beacutem natildeo tentam mitigar o direito agrave sauacutede mediante diversos subterfuacutegios Por isso natildeo podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da sauacutedea) as evasivas de governos incon-sequumlentes que tentam desprover de conteuacutedo os direitos sociais priorizando poliacuteticas que os esvaziam de sua quali-fi caccedilatildeo constitucional Contra isso na sauacutede temos como ponto de partida o disposto na EC 29 que vincula per-centuais miacutenimos para a sauacutede e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifiacutecios e outros ditames legais e constitucionais [Na Folha de SPaulo

do dia 462006 Jacircnio de Freitas em sua coluna com muita propriedade descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a sauacutede sem contudo ser responsabilidade do setor sauacutede a sua realizaccedilatildeo Muito pertinente a criacute-tica ao governo Lula que incluiu accedilotildees como o Bolsa-Famiacutelia nas despesas com sauacutede com o uacutenico fi m de tentar maquiar os gastos com sauacutede em razatildeo dos recursos miacutenimos que a Constitui-ccedilatildeo impotildee aos entes federados] e b) os excessos que as pessoas preten-dem para si mdash em absoluto desrespeito ao interesse coletivo mdash que satildeo muitas vezes reforccedilados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planeja-mento da sauacutede Contra isso somente o bom senso de juiacutezes e promotores poderaacute minimizar a demanda por medicamen-tos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviccedilos complementares sem obrigar-se a res-peitar sua normatividade ou ainda de pessoas que mesmo estando no SUS pretendem medicamentos e procedi-mentos que estatildeo fora de protocolos e regulamentos teacutecnicos fundados em co-nhecimentos cientiacutefi cos atualizados

Por fi m o Poder Judiciaacuterio na sauacute-de poderaacute ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo mas natildeo pode decidir quanto gastar nem como gastar uma vez que isso jaacute estaacute defi nido em leis sendo essa com-petecircncia do Legislativo e do Executivo Natildeo tem o Judiciaacuterio legitimidade para alterar leis orccedilamentaacuterias percentuais de tributos vinculados criteacuterios legais do planejamento da sauacutede Quanto gastar a EC 29 jaacute o diz em que gastar o art 200 da CF de maneira mais abran-gente e a Lei nordm 8080 em seus arts 6ordm 7ordmVII 35ordm 36ordm e 37ordm jaacute o fazem

Qualquer demanda judicial da sauacutede deve ver respondidas algumas questotildees comobull Qual o conteuacutedo dos planos de sauacutede discutidos e aprovados nos conselhos de sauacutede (representaccedilatildeo da sociedade na defi niccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede local estadual e nacional) Estatildeo sendo cumpridosbull Quais as reais responsabilidades do ente federado no acircmbito dos pactos de gestatildeo [Portaria MS nordm 399 de 22206]mdash documento defi nidor entre os entes fe-

derados de suas responsabilidades com a sauacutede Estatildeo sendo cumpridasbull Haacute compatibilidade da poliacutetica de sauacutede com as disponibilidades de re-cursos fi nanceiros conforme recursos miacutenimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15 para os muni-ciacutepios 12 para os estados e valores iguais aos do ano anterior acrescidos da variaccedilatildeo do PIB para a Uniatildeo) A EC 29 estaacute sendo cumpridabull O paciente escolheu o sistema puacuteblico de sauacutede com todas as suas nuances organizativas teacutecnicas prin-cipioloacutegicas etcbull A terapecircutica prescrita pelo pro-fi ssional puacuteblico de sauacutede estaacute em conformidade com os regulamentos teacutecnicos os criteacuterios epidemioloacutegicos os protocolos de conduta a tecnologia admitida a padronizaccedilatildeo de medica-mentos do SUS bull Esses regulamentos estatildeo sendo periodicamente revistos a fim de manter a necessaacuteria (de acordo com o criteacuterio epidemioloacutegico) atualizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefi ca

As decisotildees judiciais quando des-bordam de sua competecircncia interfe-rem de forma negativa na organizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo do SUS colocando em risco o princiacutepio da igualdade uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciaacuterio podem ser mais benefi ciados do que aquele que adentrou o SUS voluntaria-mente aleacutem de poder estar atendendo de maneira indireta demanda das induacutestrias de medicamentos

Ao Judiciaacuterio compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades puacute-blicas na sauacutede natildeo deixando nunca de analisar se estatildeo sendo aplicados recursos fi nanceiros de acordo com os percentuais miacutenimos constitucionais se a execuccedilatildeo dos serviccedilos se funda em criteacuterios epi-demioloacutegicos teacutecnicos e cientiacutefi cos se manteacutem as unidades de sauacutede abasteci-das de todos os medicamentos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revecirc periodicamente fundada em dados cientiacutefi cos etc

Esses fatos qualifi cam verdadei-ramente o sistema puacuteblico de sauacutede inibindo omissotildees das autoridades puacuteblicas e interesses individuais que poderatildeo implodir o sistema puacuteblico de sauacutede que deve ser solidaacuterio e coope-rativo por excelecircncia

Advogada especialista em direito sani-taacuterio pela USP procuradora aposentada da Unicamp este texto eacute a Conclusatildeo do artigo cuja iacutentegra estaacute no site do RADIS seccedilatildeo Exclusivo para a Web (wwwenspfi ocruzbrradisweb49web-02html)

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