nº 18 fevereiro de 2004 av. brasil 4.036/515, manguinhos rio de … · 2018-12-13 · nº 18 —...

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Nº 18 Fevereiro de 2004 Av. Brasil 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/publi/radis

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N º 1 8 � Fevereiro de 2 00 4

Av. Brasil 4.036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ � 21040-361

www.ensp.fiocruz.br/publi/radis

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Palavras escritas

Apalavra escrita clamava por atenção em todosos cantos da Doze. De revistas e folhetos bem

impressos a cartazes improvisados, de faixas ladean-do caminhos a camisetas chamativas — trazidas decasa ou compradas na hora —, o bombardeio de men-sagens era contínuo. Entre as muitas publicaçõeslançadas durante o evento, uma sobre o Fome Zero:a Cartilha Popular da Mobilização Social, de Frei Betto,com ilustrações do Estúdio Mauricio de Sousa.

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Nº 18 — Fevereiro de 2004

editorial

Capa, fotos e ilustrações: Aristides Dutra

Saber avançar, mas também parar emudar o rumo dos acontecimen-

tos foi uma das marcas do sucesso da12a Conferência Nacional de Saúde.O encontro começou com a inclu-são, por estrondosa aclamação do ple-nário, de uma mulher na mesa de aber-tura exclusivamente masculina, e sóterminou com a aprovação de propos-tas relevantes em todos os dez temas,porque os delegados decidiram alte-rar o regimento que previa a aprecia-ção de cada um dos destaques. Aténo calor das discussões houve pausassábias. Num dos 98 grupos, o fim dasvotações foi celebrado com uma ci-randa. Durante uma das mesastemáticas, o cansaço foi afastado cominusitados exercícios de alongamentocoletivo intercalando as palestras. Umdos momentos mais emocionantes foiprotagonizado por delegados que ti-veram seu acesso ao plenário dificul-tado pelo criterioso serviço de segu-rança da Presidência da República. Osgritos de “pára a votação” tiveram aadesão dos que estavam dentro doauditório, obrigando a mesa a suspen-der os trabalhos, o que foi festejadocom a velha palavra de ordem “o povounido jamais será vencido” e o HinoNacional cantado por todos.

Em alguns momentos falou-se dainexperiência de delegados (93% par-ticipavam pela primeira vez de umevento desta magnitude) ou de

Política e sabedoria

cartum

organizadores (que tinham queequacionar transparência e democra-cia com o pragmatismo do tempo eda síntese). Mas, no maior eventopolítico da saúde, venceram a matu-ridade do movimento sanitário e asabedoria dos novos atores sociais.

Nesta edição, trazemos a cober-tura jornalística dos cincos dias dediscussões e deliberações da Doze eum pouco do clima desta festa dademocracia.

Antes mesmo de chegarem aopapel as deliberações da conferên-cia já valem, desde que em conso-nância com a Constituição e as leis,como política pública de Estado, aci-ma de interesses de quem lucra coma doença e de eventuais políticas degovernos municipais, estaduais e fe-deral que desrespeitem o direito docidadão à saúde. O relatório final daDoze ainda vai depender de consul-tas a distância aos delegados sobredestaques menos polêmicos que nãoforam votados em dezembro. Masquando o documento for concluído,governo e sociedade terão em mãosum verdadeiro programa de ação parareformar o Sistema Único de Saúde eexecutar outras ações que concor-ram para estarmos mais próximos dasaúde que queremos.

Rogério Lannes RochaCOORDENADOR DO RADIS

Comunicação em Saúde

� Palavras escritas 2

Editorial

� Política e sabedoria 3

Cartum 3

Cartas 4

Súmula da Imprensa 5

Toques da Redação 7

12ª Conferência Nacional de Saúde

� Hora de fazer 8

� Imagens da Doze 11

� O Financiamento da Saúde 12

� O Trabalho na Saúde 14

� Controle Social e GestãoParticipativa 16

� A Organização da Atenção à Saúde 18

� As Três Esferas de Governo 20

� A Intersetorialidade das Açõesde Saúde 22

� Ciência e Tecnologia e a Saúde 24

� Informação e Comunicaçãoem Saúde 26

� Direito à Saúde 28

� A Seguridade Social em Saúde 30

� O consenso final 32

Entrevista: Eduardo Jorge 33

� “Explosão de participantesmostrou que precisamos repensaras conferências”

Serviços 34

Pós-Tudo

� Doze na cabeça 35

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RADIS 18 � FEV/2004

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expediente

USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radispode ser livremente utilizado e reproduzido em qual-quer meio de comunicação impresso, radiofônico,televisivo e eletrônico, desde que acompanhado doscréditos gerais e da assinatura dos jornalistas respon-

sáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos aosveículos que reproduzirem ou citarem conteúdo denossas publicações que enviem para o Radis um exem-plar da publicação em que a menção ocorre, as refe-rências da reprodução ou a URL da Web.

RADIS é uma publicação impressa e onlineda Fundação Oswaldo Cruz, editada peloPrograma Radis (Reunião, Análise e Difusãode Informação sobre Saúde), da Escola Na-cional de Saúde Pública (Ensp).

Periodicidade MensalTiragem 45 mil exemplaresAssinatura Grátis

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Jorge Bermudez

PROGRAMA RADISCoordenação Rogério Lannes RochaEdição Marinilda Carvalho

Reportagem Cláudio Cordovil(subeditor), Jesuan Xavier e KatiaMachado

Arte Aristides Dutra (subeditor) eHélio Nogueira

Estudos e Projetos Justa Helena Franco(gerência de projetos), JorgeRicardo Pereira e Laïs Tavares

Secretaria de Administração e Infra-Estrutura Onésimo Gouvêa,Márcia Pena, Cícero Carneiro,Cleonice Vieira, Osvaldo JoséFilho (informática) e Ita Goes(estágio supervisionado)

EndereçoAv. Brasil, 4.036, sala 515 — ManguinhosRio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361Telefone (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail [email protected] www.ensp.fiocruz.br/publi/radisImpressão e FotolitoEdiouro Gráfica e Editora SA

CARTAS

ILUSTRAÇÃO SUPIMPA

Parabéns pelo excelente veículo decomunicação sobre saúde. No

momento, estou interessada em sabermais sobre a ilustração da página 8 daRadis nº 17, de janeiro de 2004, que tan-to valoriza o artigo “Viver mais e me-lhor”. Gustavo Alves é o nome do autor?� Ieda de Alencar Barreira

Nota da Redação: O ilustrador da pá-gina 8 é Gustavo Alves, jornalista deprofissão — atualmente, repórter de OGlobo —, atividade que não tira o bri-lho de seu trabalho como artista plás-tico. Capixaba radicado no Rio, já par-ticipou de mostras coletivas e fezexposição individual no espaço cultu-ral da Casa da Escada Colorida, na Lapa,o bairro boêmio dos artistas da cidade.

ÉTICA NA MEDICINA DO TRABALHO

A Academia Nacional de Medicinado Trabalho (Acadamt) está preo-

cupada com os aspectos éticos feridospela Instrução Normativa nº 99 do INSS,de 5/12/2003 — o Perfil ProfissiográficoPrevidenciário (PPP) —, que estabele-ce critérios a serem adotados pelasáreas de benefícios e da ReceitaPrevidenciária. O PPP, adiado várias ve-zes, entrou em vigor em 1/1/2004. É odocumento para fins de aposentadoriaespecial de trabalhadores expostos aagentes nocivos (riscos físico, químicoe biológico), e fere eticamente os prin-cípios da inviolabilidade do prontuáriomédico. O médico do Trabalho terá quefornecer ao RH das empresas os resul-tados dos exames clínicos e complemen-tares registrados no prontuário, para opreenchimento do PPP.

O PPP está na contramão da legis-lação: só os conselhos regionais e oFederal de Medicina têm competênciapara legislar sobre o exercício da medi-cina. A Resolução 1.605 do CFM, de 15/9/2000, diz em seu Artigo 1º: “O médiconão pode, sem o consentimento dopaciente, revelar o conteúdo do pron-

“BOMBA SUJA”, LEITE LIMPO

Olá, pessoal! Sou assinante daRadis há muitos anos, enfermei-

ra, especialista em saúde pública, con-sultora em aleitamento materno. Es-crevo para trocar umas idéias sobreum dos “destaques” da Radis 17,“Bomba suja”.

Em muito boa hora teremos umavacina brasileira contra o rotavírus,e proteção contra um dos principaiscausadores das diarréias infantis. Otexto mencionava que os testes es-tão sendo feitos com bebês em Por-to Alegre e Belém.

Sei que vocês e muitos leitoressabem do papel protetor do leite edo aleitamento materno nas diarréi-as. Nas diarréias por rotavírus, segun-do diversos autores, o aleitamentomaterno reduz a incidência e a gravi-dade da doença, bem como promoverecuperação mais rápida. Entretan-to, isso não foi mencionado no tex-to. Evidente, pois o tema era outro...

Como são raras as iniciativas, tipocampanhas publicitárias, para divulgar osbenefícios do leite e do aleitamentomaterno! Estou estudando a influênciadas mães sobre as adolescentes queamamentam, e muita coisa tem me im-pressionado. Por exemplo, constatar oquanto a população em geral já ouviufalar da importância da amamentação,mas não sabe como amamentar! São pra-ticamente desconhecidos detalhes es-senciais, como o que significa realmen-te aleitamento exclusivo, e aimportância de não oferecer líquidos(chás e água) nem chupeta a bebês ama-mentados. Por sinal, as grandes vias decontaminação para as diarréias.

Esse conhecimento se perdeupor alguma esquina da história, pro-vavelmente naquela em que havia al-guém fazendo propaganda de fórmu-las infantis “maternizadas” e demamadeiras “iguais ao seio materno”...

Bem, o desabafo já está de bomtamanho... tudo o que eu queria eraque se aproveitassem todos os mo-mentos possíveis para lembrar aosprofissionais de saúde que amamen-tar é importante, é barato e uma es-tratégia incrivelmente eficiente naprevenção de inúmeros agravos à saú-de de recém-nascidos e crianças pe-quenas. Muito obrigada!� Celina Valderez

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SÚMULA DA IMPRENSA

NOVOS ACORDOS PARA O FOME ZERO

Recém-chegado da Europa, FreiBetto, assessor especial do pre-

sidente Luiz Inácio Lula da Silva, de-sembarcou no Brasil com várias pro-postas de cooperação para o FomeZero. Na Itália, conseguiu fechar fi-nanciamento com o Banco Ético, quedesembolsará 200 mil euros (cerca deR$ 750 mil) para ajudar 20 mil famíliascarentes. Na Espanha, acertou acor-dos para o desenvolvimento de pro-jetos de saneamento, moradia, edu-cação e saúde para áreas cadastradasno Fome Zero. “Foi uma maratona de20 palestras, mas consegui mostraraos europeus que o Fome Zero émuito mais do que um programa dedistribuição de cartões para a com-pra de alimento”, disse ele à revistaIstoÉ. “É um verdadeiro programa deinserção social”.

RISCOS PARA MULHERES ACIMA DOS 50

Segundo pesquisa realizada em Cam-pinas (SP), mesmo quando prati-

cam atividades físicas as mulheresacima dos 50 anos correm mais riscode desenvolver patologias como hi-pertensão, diabetes e obesidade doque os homens da mesma idade. Osdados constam da dissertação demestrado “Perfil de aptidão físicarelacionada a pessoas a partir de 50anos praticantes de atividades físi-cas”, da especialista em gerontologiaRosane Beltrão da Cunha Carvalho,apresentada na Faculdade de Edu-cação Física da Unicamp. O que agra-va esse quadro, explicou Rosane, éa alimentação inadequada, apesar daprática de exercícios.

Quase 1.000 homens e mulheresresponderam a questionários e fize-

ram testes de aptidão física. A pes-quisadora constatou que a maioriados entrevistados está acima dopeso ideal, e parte significativa so-fre de obesidade tipo 1. Para ela,as pessoas nesta faixa etária deve-riam comer menor quantidade commais qualidade, devido às alteraçõesdo metabolismo. Para mulheres en-tre 50 e 59 anos, o risco de desen-volveram tais doenças chega a62,92%; entre 60 e 69 anos, o índicesobe para 65,66%. Dos homens en-tre 50 e 59 anos que praticam exer-cícios, 63% estão fora da área derisco; entre 60 e 69 anos, a taxa caipara 54,88%. Rosane tomou comobase os parâmetros americanos deíndices de distribuição de gordurano corpo humano (relação cintura-quadril, ou RCQ).

NOVO TRATAMENTO CONTRA

DIABETES É TESTADO EM RATOS

O Instituto Europeu de Telecirurgia(Eits) e o Instituto de Pesquisa

do Câncer no Aparelho Digestivo de-senvolvem um novo tratamento con-tra o diabetes. Testes realizados emratos na Universidade Louis Pasteur,na França, demonstraram que umacirurgia no tubo digestivo pode me-lhorar a tolerância à glicose. Segun-do os especialistas, a operação con-siste em desviar os alimentosdigeridos, evitando que cheguem àparte alta do intestino.

De acordo com o estudo, trêssemanas depois da operação, a taxamédia de glicose no sangue dos oitoratos submetidos à intervenção caiude 159 miligramas por decilitro a umnível médio de 96 miligramas pordecilitro. Para o presidente do Eits,Jacques Marescaux, a operação re-velou-se mais eficaz para controlara taxa de glicose do que dieta ouremédios.

ALERTA SOBRE FORMA ORIGINAL

DE HEPATITE C

Pesquisadores da Fundação para o Es-tudo sobre Hepatite Viral, da

Espanha, acreditam que uma novaforma de hepatite C pode não es-tar sendo diagnosticada com os mé-todos usados atualmente pelos la-boratórios, e atingindo cerca de 29

tuário ou da ficha médica.” Ao abrirmoso prontuário estaremos criando nasempresas as chamadas listas negras, poisos que apresentarem alterações em seusexames serão imediatamente demitidos,e não serão admitidos em novo empre-go, porque terão de mostrar seu PPPpor ocasião de sua admissão. (...)

Nossa Constituição diz, no Arti-go 5º: “São invioláveis a intimidade, avida privada, a honra e a imagem daspessoas, assegurado o direito à inde-nização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação.” Estamosvivendo um impasse. Não seremos nós,os médicos do Trabalho deste paíscivilmente e eticamente os respon-sáveis pela quebra da relação médi-co/funcionário-paciente, invadindosua privacidade e intimidade, expon-do-o a práticas discriminatórias, quan-do o trabalhador e o médico não fo-ram consultados sobre o PPP. Somosveementemente contra a violação davida médica dos funcionários.� Paulo Meirelles, médico epresidente da Acadamt — Niterói, RJ

AJUDA EM TRÊS JORNADAS

Sou assistente social, estou fazen-do especialização em Saúde Públi-

ca e vou prestar concurso para a Se-cretaria Municipal de Saúde de Aracaju(SE). A Radis é uma revista tão ampla ecompleta que me subsidia nessas trêsjornadas. Parabéns pelas matérias.

Sobre a nota publicada na pági-na 5 da Radis 15, a respeito da cam-panha antitabagista, queria saber qualé o número estimado de fumantesativos no Brasil.� Orlando Dantas Martins NetoJeremoabo, BA

Nota da Redação: Prezado Orlando,aguarda-se para junho de 2004 levanta-mento do Instituto Nacional de Câncer eda Secretaria de Vigilância em Saúde doMinistério da Saúde, pois a última pes-quisa do governo sobre consumo de ci-garro é de 1989: na época, tínhamos cer-ca de 30 milhões de fumantes, 18 milhõesde homens e 12 milhões de mulheres.

COMPROMISSO COM A SAÚDE

Adorei saber que ainda existe umaimprensa comprometida em vei-

cular informações úteis sobre a saú-de em nosso país. Sou estudante deEnfermagem da Universidade Estadu-al de Feira de Santana (BA), atualmen-te estou cursando a matéria SaúdeColetiva e foi por meio dela que tivecontato com a revista. Achei ótima.� Adriana Pereira Pinto

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milhões de pessoas em todo mun-do. A descoberta é importante paraa hepatologia mundial, disseram ospesquisadores, visto que poderácausar mudanças nos procedimen-tos de estudo epidemiológico e dediagnóstico. “A partir dessa desco-berta”, disse o especialista VicenteCarreño, em entrevista ao jornalExtra em 8/1/2004, “é imprescindí-vel que se faça uma biópsia no fí-gado e se aplique uma tecnologiasofisticada para detectar o vírus C”.O estudo espanhol é capa da edi-ção de janeiro da revista america-na The Journal of InfectiousDiseases.

ANO NOVO, NOVOS PREÇOS

DE REMÉDIOS

O início do ano sempre é marca-do por reajustes de produtos e

serviços. É o caso dos remédios,cujos preços estão até 12% mais al-tos. Nas novas tabelas de preços demedicamentos que chegaram às far-mácias, 27 produtos foram reajus-tados entre 1,99% e 12,58%. O anal-gésico Saridon subiu 9,7%, de R$33,72 para R$ 37; o Janssen-Cilabpassou de R$ 15,20 para R$ 15,81.Em contrapartida, 74 remédios tive-ram redução. De acordo com a re-vista da ABC Farma, dos quase 13mil remédios listados, 98,45% man-tiveram os mesmo valores. Em mar-ço, porém, novo reajuste será apli-cado a outros medicamentos. Osvalores reajustados levarão em con-ta o IPCA de setembro de 2003 afevereiro de 2004, e outros dois in-dicadores de produtividade do se-tor farmacêutico. A última alta nospreços dos remédios controladospelo governo ocorreu em 31 deagosto de 2003.

VÍRUS DO RESFRIADO CONTRA

O CÂNCER DE PELE

Pesquisadores do Departamentode Virologia da Universidade de

Newcastle, na Austrália, constataram

que o vírus de um simples resfriadopode ajudar na cura do melanoma,um tipo de câncer de pele. Os tes-tes realizados em animais têm sidopositivos. Os estudos demonstraramque as células do melanoma sãodestruídas ao serem infectadas pelovírus da gripe.

O professor Darren Shafren, co-ordenador das pesquisas, afirma queo tratamento será testado primeira-mente em pacientes em estado ter-minal. Os resultados dos estudos, quelevaram quatro anos para serem fi-nalizados, foram publicados na revis-ta da Associação Americana de Pes-quisa sobre o Câncer. No Brasil,segundo a Sociedade Brasileira deDermatologia, o número de casos decâncer de pele cresce a cada ano.

MAIS NOVE REMÉDIOS GRATUITOS

PARA IDOSOS

Considerando o Estatuto do Ido-so, Lei 10.741/03, que entrou

em vigor em 1º de janeiro e quegarante a distribuição gratuita demedicamentos a brasileiros commais de 60 anos, o Ministério daSaúde pretende acrescentar maisnove remédios à lista de 35 produ-tos que integram o elenco de as-sistência farmacêutica básica parao combate de doenças da tercei-ra idade. Na nova l i s ta estãofármacos como o enalapril, para pa-c ientes com hipertensão, e overapanil, contra a angina. Os no-mes dos nove medicamentos serãodivulgados em breve.

O MS também pretende refor-çar ações e programas de assistên-cia farmacêutica de idosos jáimplementados com municípios e go-vernos estaduais. O objetivo é for-talecer a Relação Nacional de Me-dicamentos Essenciais (Rename) e oPrograma de Medicamentos Excep-cionais — os de alto custo.

Como informou Luiz RobertoKlassmann, coordenador-geral dePlanejamento, Articulação e Gestãode Programas de Medicamentos doMS, em entrevista ao Diário dePernambuco de 13/1/2004), a previ-são é que R$ 1,2 bilhão sejam em-pregados este ano em remédios daassistência básica e de alto custo.“Afinal”, disse, “boa parte da listade medicamentos de alto custo évoltada para o tratamento de enfer-midades que atingem os idosos,como mal de Parkinson, Alzheimer eosteoporose”. O MS destinará aoprograma R$ 763 milhões.

INGLATERRA TESTA VACINA CONTRA

MENINGITE B

Pesquisadores da Universidade deSurrey, na Inglaterra, estão desen-

volvendo uma vacina contra a menin-gite B. Segundo a notícia, os testesrealizados em camundongos vêm apre-sentando bons resultados. Atualmen-te, há vacinas apenas contra os tiposA e C da meningite. A expectativa daequipe é que em três anos uma vaci-na única (contra todas as variantesdo vírus) esteja disponível para usohumano. Segundo dados da Organi-zação Mundial da Saúde, morre umaem cada 10 crianças que contraem ameningite B.

PLANOS DE SAÚDE COM PRAZO PARAMIGRAÇÃO DE CONTRATOS

De acordo com a Resolução nor-mativa nº 64 da Agência Nacional

de Saúde Suplementar (ANS), as ope-radoras de planos de saúde têm até22 de fevereiro para encaminhar aosconsumidores a proposta de migra-ção dos contratos antigos para osnovos. Considerando esse prazo in-suficiente, as empresas pedem mais90 dias. Como ainda são muitas aspessoas com contratos antigos, comoem Pernambuco, onde 400 mil pesso-as têm contratos assinados antes de31 dezembro de 1998, os órgãos dedefesa do consumidor aconselham aousuário a não assinar apressadamen-te a carta aceitando o novo contra-to. É preciso, antes, que as regrasde migração estejam bem definidas.

A ANS obriga as operadoras a ofe-recer ao usuário de planos antigos oPlano de Adesão a Contrato Adapta-do (PAC). A migração poderá acarre-tar aumento nos preços dos planosde até 25%, dependendo do caso. Noentanto, o percentual médio indica-do pela agência, por operadora, é de15%. Pelas regras, os consumidoresterão três opções: adaptar o contra-to, migrar para planos novos ou fazerum ajuste técnico. Nenhuma dessasmudanças é obrigatória.

EUA IMPORTARAM VACA LOUCA

Testes de DNA confirmaram que ocaso da chamada doença da vaca

louca registrado no fim do ano pas-sado nos Estados Unidos foi importa-do do Canadá. O animal, abatido emterritório americano, pertencia a umfazendeiro de Sunnyside, estado de

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SÚMULA DA IMPRENSA é produzida a par-tir da leitura crítica dos principais jor-nais diários e revistas semanais do país.

DEMOCRACIA HIPERBÓLICA — FontesFidedignas, nosso indômito repórter,ainda um tanto extenuado pela co-bertura intensiva da 12a ConferenciaNacional de Saúde, nos faz a pergun-ta que não quer calar: o que andavapela cabeça de quem propôs a alíneaf do art. 14 do Regimento — “Após aapreciação do Relatório serão chama-das, uma a uma, as apresentações dedestaque”? Minha nossa! Quantos diasseriam necessários para votar em Ple-nária milhares de destaques? FontesFidedignas resolveu ouvir um grandeespecialista em conferências sobreesta idéia intrigante, que naturalmen-te foi derrubada. “Em todas as confe-rências se faz um filtro, e se discutemsomente as questões centrais, maispolêmicas. Se, por um lado, não é omelhor processo, é o possível”, ob-servou o especialista. “Cabe à relatoriaincorporar as emendas compatíveiscom o texto.”

Outra coisa: o que é um desta-que polêmico? Polêmico para quem?Para o relator? Para o delegado? Oupara o governo?

Essa, Fontes Fidedignas continuaapurando...

CLIMA DOS ANOS 60 — Fontes Fide-dignas testemunhou, no último dia daDoze, um momento típico dos anos60, quando estudantes promoviampasseatas de protesto e feministasqueimavam os sutiãs em praça públi-ca. Os seguranças do presidente Lularevistavam os participantes um a um,formando filas quilométricas de acessoao Auditório Sérgio Arouca. Uma de-legada do Espírito Santo, revoltada,ameaçou tirar a roupa. “Vou ficarpelada”, bradou. Contida por duas ami-gas, ela puxou o coro de “pára a vo-

tação”. Depois que conseguiu o ob-jetivo, cantava, feliz: “O povo/unido/jamais será vencido”.

A PRIMEIRA ACLAMAÇÃO — O primeiroteste da Plenária ocorreu na própriacerimônia de abertura da Doze. A sani-tarista Sarah Escorel, a quem o coor-denador Eduardo Jorge cedeu a vezao microfone, acabou se transforman-do no alvo da primeira votação — e poraclamação — da conferência: um corode 4 mil vozes exigiu que ela permane-cesse à mesa, até então formada sópor homens, após o discurso.

OLHO NO CONGRESSO — A Folha deS. Paulo foi o único grande jornal adar algum destaque à Doze. Na ma-téria de 12/12, o texto falava da apro-vação da proposta que destina 10%das receitas correntes da União (to-tal que entra nos cofres) ao orça-mento da Saúde.

A União deve aplicar o empenha-do no ano anterior mais a variaçãonominal do PIB apurada no ano emque se faz o Orçamento. “Neste ano,seriam R$ 30 bilhões. No próximo,pela regra atual, serão R$ 32,4 bi-lhões. Com a vinculação de 10% dasreceitas correntes, em 2004 a Saú-de teria R$ 42,4 bilhões”.

“O ministro da Saúde, HumbertoCosta, vinha prometendo ‘assinar em-baixo’ de todas as deliberações da con-ferência, mas ontem se mostrou maiscauteloso”, contava. “‘Essa é uma dis-cussão que teremos de tratar juntocom o Congresso. Historicamente,sempre defendemos a vinculação evamos continuar a defender que hajarecursos vinculados para a saúde. Qualé a melhor forma, nós vamos ter deanalisar técnica e politicamente. Nãoestou dizendo que é melhor ou pior’,disse o ministro, logo após o encerra-mento da conferência.”

UM EXCESSO? — Festa não faltou naDoze: forró, performances, shows.Houve o afoxé Filhos de Gandhi, oauto dos vaqueiros, show do Afrolata,de Gilberto Gil, Alceu Valença, NeyMatogrosso, Zezé Motta, Jones deAbreu e Dominguinhos, da Escola deSamba Mocidade Independente dePadre Miguel. Para alguns, a agendacultural tirou a concentração dos de-legados da agenda de debates, masquem participou adorou.

Washington. Por conta disso, os EUAtiveram que sacrificar 450 vacas, quefaziam parte do mesmo rebanho.

Prevendo um boicote mundial àimportação da carne desses dois paí-ses, o Brasil preparou uma ofensivapara conquistar novos mercados —atualmente, o produto representa US$1,5 bilhão da receita bruta brasileirade exportações. O ministro da Agri-cultura, Roberto Rodrigues, anuncioua criação de três grupos de traba-lho, encarregados da prevenção domal da vaca louca, do planejamentoda defesa sanitária e da ação demarketing para divulgar o produtobrasileiro.

SARS RESSURGE NA CHINA

Autoridades do governo chinês con-firmaram no mês passado o res-

surgimento da Síndrome Respirató-ria Aguda Grave (Sars). Um homemde 32 anos, foi contaminado com ovírus em Guangdong, província nosul do país. Este foi o primeiro casodesde julho do ano passado, quan-do o surto da doença foi declara-do controlado.

A superpneumonia, que come-çou a assustar o mundo no fim de2002, foi responsável pela morte de800 pessoas. Na ocasião, ao contrá-rio do que se vê agora, o governo daChina tentou esconder o fato dasoutras nações. Desta vez, o Ministé-rio da Saúde chinês já tomou medi-das enérgicas para tentar controlara propagação da doença: anunciouo extermínio de 10 mil civetas — es-pécie de gato selvagem lá considera-do iguaria que vem sendo apontadocomo possível transmissor da Sars.

A Organização Mundial de Saúdepediu à população que se mantenhaalerta, mas frisou que a confirmaçãodo caso não representa ameaça ime-diata para a saúde pública.

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12ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE

Marinilda Carvalho e Cláudio Cordovil

Por cinco dias — e noites! — foi permitido sonharno imenso Auditório Sérgio Arouca, de 4 mil luga-res, na Academia de Tênis de Brasília. Cidadãos ecidadãs comprometidos com a saúde pública bra-

sileira exerceram seu direito à democracia, debatendo evotando propostas para uma política nacional de saúdepública, na 12ª Conferência Nacional de Saúde — a Con-ferência Sergio Arouca, que teve por lema “Saúde, direi-to de todos, dever do Estado” e por tema “A saúde quetemos, o SUS que queremos”.

Por enquanto, estas propostas estão no papel. Mas oministro Humberto Costa, na cerimônia de abertura, e o pre-sidente Luiz Inácio Lula da Silva, no encerramento, promete-

Hora de fazer

ram: as decisões dos delegados serão aplicadas na prática.Afinal, o próprio Ministério da Saúde decidiu antecipar a Doze,não apenas para evitar o ano eleitoral, mas também para tertempo de aplicar as decisões da conferência ainda no gover-no Lula. E os sinais de respeito pelo evento foram inéditos esignificativos: pela primeira vez as conferências tiveram a pre-sença de um presidente da República na abertura (o viceJosé Alencar) e no encerramento (o presidente Lula).

Como contribuição à irradiação deste compromissopelas três esferas de governo, o coordenador-executivoda Doze, Eduardo Jorge, propõe [ver página 33] um pactonacional, a ser assinado até o fim do ano por governo fe-deral, governadores e prefeitos, que tire a saúde que to-dos queremos do papel.

Os delegados fizeram a sua parte. No primeiro diados trabalhos da conferência foi possível sonhar também

O relatório da Doze deverá estar prontoem março, momento de parar de sonhar

e praticar a saúde que queremos

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nos auditórios Raymundo Bezerra,Carlos Sant´Ana, Eric Jenner e DavidCapistrano, nos quais, por 30 horas,60 palestrantes e dezenas dedebatedores expuseram suas idéiassobre os 10 eixos temáticos quenortearam as discussões. No segundodia, o sonho se transferiu para a Uni-versidade de Brasília, criada por um dosmaiores sonhadores do país, Darcy Ri-beiro, cujo espírito se reuniu ao dosanitarista Sergio Arouca para inspirarum exercício intenso de democracia,tolerância e respeito ao outro. Em ma-ratona de 10 horas, que exigiu logísticasofisticada, 98 grupos, distribuídos emtrês prédios — Instituto Central de Ci-ências, Pavilhão João Calmon e PavilhãoAnísio Teixeira —, discutiram item poritem o documento consolidado das pro-postas aprovadas nas conferências es-taduais de saúde.

DUAS LEITURAS POSSÍVEISResultaram desta maratona 900

emendas e mais de 4 mil destaques aodocumento, fora as moções. Nos doisdias finais de trabalho, previstos paraa votação desse pacote, um certo cho-que de realidade: como votar 4 mil des-taques em dois dias? Duas leituras, en-tão, se fazem possíveis da 12a CNS, deacordo com as inclinações de quemanalisa. A primeira, personificada na fi-gura do coordenador, Eduardo Jorge,dá conta de que a massa de 3 mil de-legados e 1.000 observadores presen-

tes ao evento atestava o sucesso dadescentralização do SUS, de suacapilaridade, a partir da crescenteimplantação de conselhos municipaisali representados. “Uma explosão decontrole social” que estaria a exigirum novo modelo de conferência, naavaliação dele. Já outra leitura, devozes também autorizadas no âmbitodo movimento da Reforma Sanitária,percebe certa inexperiência dosorganizadores, já que é muito difí-cil, numa Plenária de tantos votos,cumprir um regimento que garantiao debate de todas as propostas apre-sentadas pelos delegados.

A cláusula comprometia o suces-so de um show de democracia ansia-do por milhares de brasileiros há tem-pos, e algo precisava ser feito. Naquarta-feira, 10/12, começava a se de-senhar uma estratégia para garantir osucesso da conferência que, naquelemomento, ameaçava naufragar justa-mente pelo excesso de democracia.

Foi assim que, no primeiro dia daPlenária Final, Luiz Odorico Monteirode Andrade, presidente do ConselhoNacional de Secretários Municipais deSaúde, pediu a palavra para informarque o Conselho Nacional de Saúdeestava preocupado. “Se continuar noritmo que vai hoje a gente não con-clui amanhã”, observou, a uma pla-téia entre perplexa e indignada, te-mendo manobras discutíveis. Veioentão sua recomendação de que o

primeiro dia fosse dedicado à leituradas propostas, e o segundo à vota-ção dos destaques. “Não podemosesvaziar a Plenária”, bradou. Seu apeloencontrou acolhida e foi aclamadopelos delegados presentes.

Estava se delineando o cenáriopara que, na manhã do dia seguinte,Eduardo Jorge se dirigisse aos cercade 4 mil presentes e informasse quehavia milhares de destaques. “Não há amenor possibilidade de votação destesdestaques nem em 15 dias”, afirmou.Comunicou então ao público que o ple-nário do Conselho Nacional de Saúde,reunido excepcionalmente na Coorde-nação Geral da Doze, autorizara quese levantassem as questões mais impor-tantes de cada eixo temático e fossemselecionadas quatro ou cinco delas –as mais polêmicas. Na matemática pos-sível numa ampla democracia, 4 mil des-taques se transformariam em 90, queseriam, estes sim, votados ali. Surpre-endentemente, Eduardo Jorge foi acla-mado. Não sem antes assumir o com-promisso de que a totalidade deemendas e destaques seria enviada pelocorreio aos delegados, para que votas-sem item por item. “Vocês não vão fi-car sem resposta”, prometeu.

Felicidade na Plenária, tensãonos bastidores. A mudança nas re-gras do jogo, tão bem costurada porEduardo Jorge, foi comunicada aosrelatores — que, praticamente semdormir, sintetizavam as propostas ealimentavam o software que organi-zou os trabalhos — com seis horasde atraso. Informações circularamdando conta de que os relatores en-saiaram uma renúncia coletiva dian-te do fato.

Observadores mais críticos des-tacaram o tríplice comando comocaracterística inédita da 12a Confe-rência. Normalmente a organização éde responsabilidade do Conselho Na-cional de Saúde. A Doze teve comoorganizadores, além do CNS, a Secre-taria de Gestão Participativa do Mi-nistério da Saúde e a própria Co-missão Executiva. O resultado foi“muito curto-circuito desnecessá-rio”, como diagnosticaram alguns.

Superados os percalços, o segun-do dia da Plenária Final amanheceucheio de expectativas com a anunciadapresença do presidente Luiz Inácio Lulada Silva para o encerramento dos tra-balhos. Depois do almoço, uma filaquilométrica de delegados se formou naporta do Auditório Sérgio Arouca, devi-do ao rigoroso processo de revista fei-to pelos guarda-costas do presidente.No auditório, com quórum esvaziado,a votação dos destaques prosseguia.

ALGUNS NÚMEROS DA 12

Resultados preliminares de Pes-quisa da Secretaria de Gestão

Participativa do Ministério da Saú-de, coordenada por Ana Maria Cos-ta: 93,6% dos delegados eram no-vatos: jamais tinham participado

de uma Conferência de Saúde; 51%deles tinham plano de saúde, en-quanto 48,8% usavam exclusiva-mente o SUS. Outro dado impor-tante: 58,3% dos delegados têmformação em saúde.

EDÚASOÃÇAMROFIUSSOP AICNÊÜQERF LAUTNECREP

miS 538 3,85

oãN 795 7,14

LATOT 234.1 0,001

579:atsopseroãN

EDÚASEDONALPIUSSOP AICNÊÜQERF LAUTNECREP

oãN 071.1 8,84

miS 732.1 4,15

LATOT 704.2 0,001

SARTUOEDOÃÇAPICITRAP AICNÊÜQERF LAUTNECREP

rodavresbo,miS 8 5,0

odageled,miS 101 9,5

uopicitrapoãN 595.1 6,39

LATOT 507.1 0,001

207:atsopser-oãN

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SÍNTESE DE ALGUMAS PROPOSTAS APROVADAS

Tal fato arrancou protestos dos delega-dos retidos na fila, que puxaram um corode “Pára a votação!”. Com apoio da pla-téia, a votação foi suspensa, e os dele-gados na fila cantaram o Hino Nacionale gritaram a velha palavra-de-ordem “Opovo/unido/jamais será vencido”.

Às 18h30, os trabalhos de votaçãode destaques foram encerrados paraque o palco fosse armado para um showem homenagem a Ary Barroso, cujo cen-tenário de nascimento se celebra esteano. De início, os delegados na platéiareagiram mal à suspensão brusca dostrabalhos, engrossando um coro de “Épalhaçada!”. Mas o público foi entran-do num clima de alto astral que se man-teve inalterado até a chegada de Lula,às 21h, com o auxílio luxuoso de ZezéMotta como uma das apresentadoras.Nenhum sinal de impaciência na platéia.

Lula chegou com o ministroHumberto Costa e Lúcia Souto, com-

panheira de Sérgio Arouca nos seus13 últimos anos de vida.

O presidente acabara de retornar,na madrugada do mesmo dia, de via-gem ao Oriente Médio, mas fez ques-tão de prestigiar o “encerramento”— o primeiro, pois o verdadeiro sóocorreria alta madrugada, às 4h20, coma rejeição do polêmico Ato Médico (verpágina 32). A emoção foi geral. Algunschoravam. Outros tiravam fotos paralevar para suas cidades. Quatro mil bra-sileiros, extenuados de tantas discus-sões, preocupados com os rumos dasaúde no país, tiveram seu momentode glória com a chegada do presiden-te, que falou de improviso, dirigindo-se a Humberto Costa.

“O POVO DO SEU LADO”“Um país que pode fazer uma Con-

ferência de Saúde como esta, quepode trazer portadores de deficiên-

cia física e mulheres que vêm discutiros problemas de milhões de brasilei-ros que não têm acesso à saúde, econtinua com a cara boa e animada,eu queria lhe dizer, Humberto, quetoda vez que a dificuldade financeiraapertar você tem que lembrar queeste povo estará do seu lado todas asvezes que você quiser”, disse Lula.

Sensibilizado com a energia quevinha da platéia, Lula se empolgou. “Re-gressem a seus estados com a convic-ção de que têm um companheiro, quefoi companheiro, é companheiro e pre-tende continuar a ser companheirodepois de sair da Presidência”. A multi-dão ficou siderada, gritos vinham detodos os lados da platéia. Para arrema-tar a festa, com pompa e circunstân-cia, o Hino Nacional foi tocado e telõesprojetavam imagens de Lula desde suainfância até os momentos históricos porque ele e o país passaram.

DIREITO À SAÚDE

� Implementar reforma agrária que in-clua atenção integral à saúde.

� Garantir que a atenção básica incor-pore a atenção e o respeito à saúdesexual e reprodutiva.

A SEGURIDADE SOCIAL E A SAÚDE

� Manter os atuais ministérios da Saú-de, Assistência Social e Previdência.

A INTERSETORIALIDADE DAS AÇÕESDE SAÚDE

� Criar agenda intersetorial para a saúde;ampliar o Programa do Leite, extensivo àárea rural, indígena e quilombola; integraras unidades básicas de saúde às escolas.

AS TRÊS ESFERAS DE GOVERNOE A CONSTRUÇÃO DO SUS

� Garantir a operacionalização das nor-mas do SUS; reafirmar a autonomia e o co-mando único de cada esfera de governo.

ORGANIZAÇAO DA ATENÇÃO À SAUDE

� Criar oficinas sobre alimentação sau-dável; produzir a multimistura; criarequipes multiprofissionais de atençãopor concurso público.

� Redefinir relação hospital universitário-gestor; proibir atendimento diferenci-ado para planos de saúde no SUS e noshospitais universitários.

� Estruturar o Programa de Atenção Inte-gral à Saúde Sexual e Reprodutiva; o MSdeve assumir a atenção à saúde indígena.

CONTROLE SOCIALE GESTÃO PARTICIPATIVA

� Gestores devem cumprir deliberações das

conferências e garantir a participação dedelegados estaduais e municipais nas con-ferências nacionais; capacitação continu-ada de conselheiros; conselhos devem in-cluir diferentes etnias e minorias; vetarconselheiros parentes de gestores e pes-soas ligadas ao Executivo; estimular a par-ticipação do Ministério Público; entidadesde empresários são prestadores, não usu-ários; eleger conselheiros em assembléiasa cada dois anos; mandatos não devemcoincidir com eleição de gestor; não podea mesma pessoa representar a mesma en-tidade por mais de dois mandatos consecu-tivos; a presidência não deve ser obriga-toriamente do gestor.

� Manter a CNS a cada 4 anos; I Confe-rência da Seguridade Social em 2005.

Eixo 7 — O TRABALHO NA SAÚDE

� Jornada de 30 horas; regulamentarlei sobre agentes comunitários de saú-de; rejeitar o Ato Médico; trabalho noSUS como carreira essencial de Estado;piso para todas as categorias do SUS.

Eixo 8 — CIÊNCIA E TECNOLOGIAE A SAÚDE

� Criar a Agenda Nacional de Priorida-des de Pesquisa em Saúde e mecanismosde fomento à pesquisa.

� Exigir a quebra de patentes de me-dicamentos e insumos segundo crité-rios epidemiológicos de urgência nasaúde pública.

� Criar mecanismos rigorosos deregulação do uso dos transgênicos.

Eixo 9 — O FINANCIAMENTO DA SAÚDE

� Renegociar as dívidas externa e interna.

� Cumprir Constituição sobre destinaçãode recursos à saúde; destinar 12% paraestados, 15% para municípios; União:10% das receitas correntes.

� Diminuir os recursos federais “carim-bados” aos fundos de saúde; os recur-sos, inclusive investimentos e comprade medicamentos, devem ser repassa-dos ao Fundo Municipal de Saúde.

� PAB estadual como forma de repassefundo a fundo; financiamento tripartitepara o PSF e repasse para equipes se-gundo densidade populacional; nos mu-nicípios com 100% de cobertura peloPSF, a população registrada no SIABserá base de cálculo do PAB; aumentarPAB para municípios com menos de 30mil habitantes; nos de população flu-tuante, garantir repasses proporcio-nais aos incrementos sazonais; con-templar a multidisciplinaridade nasequipes; ampliar o PAB para R$ 20/habitante; garantir remuneração doSUS compatível com o custo dos pro-cedimentos.

Eixo 10 — INFORMAÇÃOE COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

� CNS e MS definirão estratégias paramaior visibilidade do SUS; reforçar a de-mocratização da informação e da comu-nicação; garantir, nas três esferas, comprazos, compatibilização, interface emodernização dos sistemas de informa-ção do SUS; viabilizar a rede de informa-ção e de comunicação em saúde; reali-zar em 2005 a I Conferência Nacional deInformação, Comunicação e EducaçãoPopular em Saúde; definir recursos paraCartão Nacional de Saúde em todo o país.

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Doze momentos da Doze

Grupos organizados se reuniam naPraça de Alimentação para definirestratégias de votação

Grupos de trabalho ocuparam 98salas de três pavilhões daUniversidade de Brasília

Escolhendo fotos nos muitos painéisdo saguão, para comprar e levar delembrança

Nos intervalos de folga, pausapara checar o e-mail no quiosqueda internet

Uma simples distribuição de brindeslogo provocava aglomeração emuita disputa

A linguagem dos sinais levou odebate aos portadores dedeficiência auditiva

A cochilada para tentar vencer ocansaço transformava qualquercanto em cama improvisada

O gramado à beira do Lago Paranoáera ponto certo para descanso ereuniões informais

O presidente Lula foi recebidocom entusiasmo na cerimôniade encerramento

Na abertura, o ministro HumbertoCosta (de cavanhaque) e o vice-presidente José Alencar

A idade não era limitação paraquem ainda tem disposiçãopara o trabalho

Computadores, telões e um programaespecialmente desenvolvido auxiliaramno registro das propostas

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Kátia Machado

O Financiamento da Saúde trans-formou-se no eixo temático mais

concorrido da Conferência Nacionalde Saúde. Na mesa-redonda, coor-denada por Júlia Rolland no Auditó-rio Sérgio Arouca, o debate atraiu omaior número de delegados e pau-tou muitas conversas informais pe-los corredores da Academia de Tê-nis de Brasília e da Universidade deBrasília (UnB). Para Maria EugêniaCury, representante dos trabalha-dores no Conselho Nacional de Saú-de (CNS), o tema é talvez o mais im-portante, pois, como disse, “nessedebate poderemos discutir ques-tões cruciais para o desenvolvimen-to do SUS. Afinal, como fazer saúdesem uma política de financiamentoeficiente e eficaz?”.

O cumprimento da Emenda Cons-titucional 29 (EC-29), de forma a ga-rantir a efetiva participação de União,estados e municípios no financiamen-to das ações e dos serviços de saúde,e o bom uso dos recursos disponíveisforam as duas questões centrais des-sa discussão. A opinião dos participan-tes, ao fim do debate, era unânime: énecessário criar mecanismos de cum-primento da lei, garantindo os recur-sos necessários para a saúde. Nessesentido, um ato chamou a atenção detodos: com narizes de palhaço e le-vantando faixas pelo auditório, a de-legação do Rio de Janeiro organizouprotesto contra o governo de RosinhaGarotinho, que desviou verbas da Saú-

de para programas sociais como o Res-taurante Popular, deixando de cum-prir o que exige a EC-29.

De acordo com um dos palestran-tes da mesa-redonda, Gastão Wagner,secretário-executivo do Ministério daSaúde, o Estado do Rio não está sozi-nho no descumprimento da lei: são 17estados, entre os 27 da União, bemcomo 41% dos municípios brasileiros.Para Eleuses Vieira de Paiva, partici-pante da mesa-redonda e presidenteda Associação Médica Brasileira (AMB),a EC-29 precisa ser cumprida não ape-nas porque isso reduz a perda de re-cursos do setor saúde, como tam-bém possibilita a entrada de dinheironovo e permite melhor planejamen-to de gestão, já que estabelece umpercentual mínimo de vinculação dodinheiro tanto à União quanto aosestados e municípios. Ainda que admi-ta a importância da EC-29, Cátia Soa-res, delegada do Estado do Rio, acre-dita que a lei por si só não basta. “Énecessário maior compromisso dos nos-sos gestores. Será que precisamos demais dinheiro ou de vergonha na carados que planejam e executam as açõese serviços de saúde?”, questionou.

O DESAFIO MAIORNa opinião do médico e profes-

sor da USP Gilson Carvalho, presen-te à Mesa, o setor carece de recur-sos e, sobretudo, de mecanismospara o bom uso do dinheiro disponí-vel. “O maior desafio do SUS é con-quistar a integralidade e a universa-lidade, ou seja, o tudo para todos.Por isso, precisa enfrentar dois gran-

des obstáculos: ainsuficiência dosrecursos e a ineficiência de seu uso”,ressaltou. “A sabedoria é milenar:precisamos gastar bem o pouco quese tem, sem abandonar a luta parase ter mais”.

Como informou Gilson, o Brasilgasta pouco com a saúde em relaçãoa alguns países. São US$ 300 por habi-tante/ano, assim como México, Chile,Costa Rica e Hungria, enquanto Uru-guai e Argentina gastam o dobro. Paí-ses desenvolvidos como Portugal eEspanha gastam US$ 1.000 por habi-tante/ano. Canadá, Inglaterra, Suíçae França, US$ 2 mil; Dinamarca, US$2.500; Noruega, US$ 2.800; Japão, US$ 3mil, e Estados Unidos, US$ 4.450 coma saúde por habitante/ano.

A necessidade de maiores re-cursos para a saúde foi tambémenfatizada por Eleuses Vieira, quecomparou o orçamento da Saúde aoda Seguridade Social. Segundo opresidente da AMB, em 1995, o or-çamento da seguridade foi de R$ 65bilhões, enquanto o da Saúde ficouem R$ 15,8 bilhões. Em 2004, aseguridade prevê orçamento de R$208 bilhões; a Saúde, de R$ 32, 4bilhões.

Gilson citou algumas iniciativaspara a prática de uma política definanciamento eficaz. Para ele, faz-se necessário:1- Usar o dinheiro da Saúde exclusi-

vamente com a Saúde;2- Administrar todo o dinheiro no fun-

do de saúde;3- Promover maior controle social;4- Combater a corrupção;5- Proporcionar melhor adequação

para construção e manutenção deserviços e para compra de equipa-mentos e materiais de saúde;

6- Investir na educação permanentede gestores, profissionais e pres-tadores de serviços de saúde e naeducação da população;

7- Criar unidades mais resolutivas, pa-dronizar materiais e remédios;

8- Investir em recursos humanos;9- Humanizar os serviços, consideran-

do o usuário como um todo;10- Investir na Atenção Básica.

O FINANCIAMENTO DA SAÚDE

“Gastar bem o pouco quese tem, sem abandonara luta para se ter mais”

Gilson (falando), Eleuses, Júlia, Gastão e Ângela

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Na opinião de Gastão Wagner,gastar melhor os recursos existen-tes significa avançar na forma de re-passe do dinheiro. Segundo ele, orepasse fundo a fundo já é um avan-ço, atingindo 80% do custeio do Mi-nistério da Saúde. “Mas precisamosfazer mais”, exortou, lembrando quehoje os pagamentos ainda são fei-tos com base em procedimentos. “Épreciso pensar o repasse de recur-sos a estados e municípios baseadoem projetos e na capacidade de ser-viços e ações de saúde instaladas”,disse. Mudar o modo de financia-mento, porém, requer capacidadede gestão. Para o secretário-execu-tivo do MS, é preciso capacitar assecretarias e o próprio Ministérioda Saúde, além de criar mecanismosde avaliação e controle do resulta-do e do custo. “Sem isso não hácomo ter boas formas de aplicaçãodo dinheiro”.

INVERSÃO DO MODELOTodos os palestrantes afirma-

ram que o financiamento do SUSnão pode ser pensado isoladamen-te da política social e econômicado país. “A EC-29, no que se refe-

Votação acirrada na plenária

re à União, diz que a vinculaçãode verbas deve ser acima do PIB”,interveio Maria Eugênia Cury. Maso PIB depende do desenvolvimentodo país.

Ou seja, quanto maior o desenvol-vimento maior o PIB e, conseqüente-mente, os recursos da saúde cresce-rão. Logo, ponderou, o financiamentode políticas públicas, inclusive o dasaúde, está diretamente relaciona-do com o desenvolvimento do país.“Mais do que lutar pelo cumprimen-to da EC-29, a Saúde precisa lutarpela inversão do modelo econômi-co do país”.

Viabilizar as diretrizes de univer-salidade, eqüidade, qualidade eresolutividade dos serviços, integra-lidade e humanização da atenção de-pendem, portanto, de um forte mode-lo de financiamento, expresso em leise atos normativos que garantam o com-promisso dos gestores com a manuten-ção de fontes estáveis, e de um mode-lo flexível que permita agilidade no usodos recursos, além de sistemas de in-formação orientados para a sua trans-parência, possibilitando o controle so-cial sobre todas as etapas do processode planejamento, execução, acompa-nhamento e avaliação.

Entre as propostas do eixo queobtiveram aprovação na Plenária

Final da conferência, a mais impor-tante foi a que defende que o orça-mento da saúde seja constituído por10% dos recursos das receitas cor-rentes da União. A proposta visava afazer cumprir a Resolução 322 de 2003do Conselho Nacional de Saúde, man-tendo um teto mínimo de vinculaçãoorçamentária. Como explicou a mé-dica Júlia Rolland, representante daCentral Única dos Trabalhadores naComissão de Finanças do CNS, isso per-mitirá que o governo federal dispo-nha, para a Saúde, de índices seme-lhantes ao dos estados (mínimo de12%) e municípios (15%). “Essa propos-ta destinará cerca de R$ 38 bilhõesanuais à saúde”, afirmou Júlia.

A votação foi acirrada pois, alémdessa, foram apresentadas outrastrês propostas sobre o tema. Umadelas defendia que 30% dos recur-sos da seguridade social deveriam serdestinados à saúde, o que daria cer-ca de R$ 60 bilhões. Outra propu-nha que a vinculação orçamentáriade recursos em relação à União fos-se estabelecida de acordo com a va-

riação percentual do PIB do ano an-terior, que em 2003 ficou em tornode 1,8%. E a terceira sugeria o valorque significasse mais recursos, fos-sem os 10% das receitas líquidas daUnião ou 2% do PIB.

Se, por um lado, a preocupa-ção dos delegados era propor maisrecursos para a saúde, por outro eragarantir que os recursos sejam usa-dos apenas no setor. Nesse sentido,a Plenária Final aprovou ainda umamedida determinando obediência àResolução 322 do CNS, que exclui dasverbas do setor os gastos com sane-amento, Fome Zero e pagamento defuncionários públicos inativos. “Demaneira geral, houve amplo apoio

às propostas-chave, aquelas quecontam com grande adesão dos mo-vimentos sociais”, informou Júlia,chamando atenção para a proposta,aprovada, pela não-renovação doacordo com o Fundo Monetário In-ternacional. “As cláusulas do acordocom o Fundo impedem o desenvolvi-mento econômico, o que tem rela-ção direta com a saúde da popula-ção, o transporte e a moradia”,argumentou a conselheira. Na opiniãode Júlia, o debate sobre financiamen-to dá conta das necessidades do SUSe estimula a outra luta mais lembradanos debates sobre financiamento: a

da regulamentação da EmendaConstitucional 29.

GASTOS EM SAÚDE NO MUNDO

*Em dólares, por habitante/ano

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Jesuan Xavier

Plano de carreira unificado, cargahorária, admissão por concurso pú-

blico e Ato Médico. Esses foram os pon-tos mais polêmicos debatidos na mesa,coordenada por Célia Pierantoni,que tratou do eixo temático O Tra-balho na Saúde, num Auditório EricJenner lotado. Se por um lado hácerta convergência em relação àatual precarização dos vínculosempregatícios na área, por outro, emrelação à forma de contratação idealdos profissionais, as discussões gera-ram algumas divergências.

Conceição Aparecida PereiraRezende, representante dos trabalha-dores na Comissão de Recursos Hu-manos do Conselho Nacional de Saú-de (CNS), lembrou que o tema sempretraz à tona grande polêmica. “Em prin-cípio, todo mundo é a favor do con-curso público, mas ninguém quer me-xer nas vagas já preenchidas”, disse.“Ou seja, vamos mudar a partir deagora, mas sem tocar naquelas pesso-as que estão trabalhando na área. Issoé um pouco complicado”.

Ela, no entanto, deixou claro queo CNS apóia a adoção do concursopúblico – que acabou acatada por am-pla maioria na Plenária Final. “O con-curso público é a forma legal e deseja-da de preenchimento e acesso aoscargos públicos”, frisou.

Durante sua explanação, Conceiçãopontuou os principais problemas da po-lítica de gestão do trabalho na últimadécada. “Por causa da situação precá-

ria de contratação, vemos uma granderotatividade em diferentes setores”.Para ela, isso traz dificuldades para sedefinir o quadro necessário de lotaçãopara cada serviço e para o estabeleci-mento de vínculo entre o servidor e apopulação. Ocasiona ainda dispêndiosde recursos com a capacitação perma-nente, disse. “É necessária uma políti-ca real de gratificação por dedicaçãoexclusiva e risco de vida”.

Essa última proposta, assimcomo o piso salarial para todas as ca-tegorias profissionais e trabalhadoresdo Sistema Único de Saúde (SUS), e agarantia dos direitos aos servidoresmunicipalizados e estadualizados, foiaprovada pela maioria dos delegados naPlenária Final da Conferência.

PRECARIZAÇÃO NASCONTRATAÇÕES

Maria Luiza Jaegger, secretária deGestão do Trabalho e Educação emSaúde do Ministério da Saúde, levou àmesa de debates os números de em-pregos na área. Segundo ela, o setorpúblico é responsável hoje por 54,7%do total de profissionais de saúde. “Sãomais de um milhão de pessoas que es-tão espalhadas por todo o país”.

Ela admitiu que existe uma expan-são do SUS com base na precarizaçãodas relações de trabalho. “Realmentehá uma inexistência de plano de car-reira, vemos diferentes salários e dife-rentes vínculos em cada unidade deatendimento”, ressaltou. “São proble-mas no campo da gestão do trabalhoque precisam ser solucionados”. NaPlenária Final, os delegados aprovaram

como fundamen-tal a consideraçãodo currículo e do tempo de serviço noenquadramento dos profissionais. Alémdisso, ficou decidido que a política sa-larial precisa recompor as perdas so-fridas em decorrência dos planos eco-nômicos implementados pelos governosanteriores.

Maria Luiza criticou a má distri-buição das instituições formadoras deprofissionais: “É claro que existe tam-bém uma inadequação da formaçãoprofissional em todos os níveis às ne-cessidades do SUS. Há profusão deiniciativas de capacitação dos traba-lhadores da área, que são pontuais,desarticuladas e fragmentadas”.

Ela defendeu a redefinição devagas e cursos na área de saúde. “Épreciso um compromisso dos gestoresda educação e da saúde de investirna capacitação pedagógica dos do-centes, de preceptores, tutores eorientadores dos serviços”, disse.“Precisamos redefinir a abertura decursos e o número de vagas de acor-do com as necessidades e conside-rando a importância da reorganizaçãoda atenção à saúde”.

A abertura de novos cursos aca-bou virando emenda, aprovada semdificuldades na Plenária Final. Ficouestabelecido que os delegados devemcobrar dos órgãos competentes rigo-roso cumprimento da legislação e dasdemais normas expedidas pelo poderpúblico, para abertura e funcionamen-to de cursos de formação de profissi-onais da área de saúde, submetendoa autorização à decisão conjunta dosministérios da Saúde e da Educação edos respectivos Conselhos Nacionais.

GOVERNO AMPLIARÁ VAGASA representante na Mesa do Mi-

nistério da Educação, Gilca Starling,garantiu que o governo pretende ex-pandir o número de cursos na áreade saúde. “Hoje já se percebe essaexpansão, mas a meta é criar novoscursos e garantir uma boa formaçãopara todos, independentemente daregião”, disse, reconhecendo queatualmente as regiões Sul e Sudesteconcentram a maioria desses cursos.

O TRABALHO NA SAÚDE

“O concurso público é aforma legal e desejadade acesso aos cargos”

Maria Luiza, Célia, Denise, Climério e Conceição (falando)

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Gilca citou o artigo 3º das dire-trizes curriculares do curso de gra-duação em Medicina para frisar queo profissional da área de saúde temque atuar também como agente detransformação social. “Com base nassuas competências, a formação domédico deverá contemplar o sistemade saúde vigente no país, o SUS, aatenção integral da saúde num siste-ma regionalizado e hierarquizado dereferência e contra-referência e otrabalho em equipe”, completou.

Denise Motta Dau, da Confedera-ção Nacional dos Trabalhadores emSeguridade Social, lembrou que a Leide Responsabilidade Fiscal (LRF) temsido usada como pretexto para a não-concessão de correções salariais. “Osgestores públicos se utilizam desse im-pedimento público para privatizar,terceirizar ou flexibilizar contratações”,censurou. “Pedimos a revisão da LRF,determinando que ela seja aplicada con-forme a realidade e a necessidade degastos de pessoal setorialmente, comono setor saúde”.

Denise, que também defende oconcurso público, confirmou que tra-balhadores de diversas esferas de go-verno e de entidades prestadoras deserviço convivem no mesmo local, comdireitos e deveres diferenciados. “Uti-lizam-se contratos de emergência emsituações normais”, criticou. “Assisti-mos ainda a uma submissão a formasimprovisadas e arcaicas de vinculaçãoe gestão, cuja regra geral é a trans-gressão da lei, e duplas e triplas jor-nadas de trabalho são normais”. Elacriticou também a atual organizaçãosindical: “Há uma pulverização preju-dicial aos trabalhadores, pois são mi-lhares de sindicatos pequenos, queficam sem poder de pressão”.

Nos grupos de trabalho – que apre-sentaram emendas à proposta inicial – acarga horária foi motivo de muito deba-te. “Temos que pensar com cuidadosobre esse assunto. Com pouca cargahorária, o profissional vai acabar crian-do vínculo em outras unidades e muni-cípios, o que contraria a diretriz de ummaior estreitamento entre agentes desaúde e paciente, disse Wilson MartinsMendes, delegado-gestor, sendo imedi-atamente contestado pela usuária So-lange Gandur Dacach. “Não concordo.A boa relação entre as duas pontas de-pende muito do profissional. A cargahorária não pode ultrapassar 30 horassemanais”. A proposta de 30 horas ga-nhou não apenas em seu grupo de tra-balho, como recebeu aprovação em mas-sa na Plenária Final.

Já Climério da Silva Rangel Júnior,representante da Entidade Nacional de

Portadores de Patologias e Deficiências,mostrou-se a favor de maior flexibilidadeno horário de atendimento das unida-des. “O usuário, que trabalha o dia intei-ro, só pode ser atendido nas emergên-cias, e acaba superlotando o setor, semhaver real necessidade”, analisou.

O Ato Médico, que prometia serum dos assuntos mais polêmicos da con-

Uma guerra saudável“As discus-sões fazemparte da de-moc rac i a ,desde queseja mantidoo respeito aopróx imo”,amenizou ela,

que conseguiu arrebatar a maioriados votos. “Na verdade, a briga mai-or ainda vai acontecer”, previa ela,aludindo à Plenária. Solange voltoupara casa com a satisfação da vi-tória. Mas avisou: vai acompanharatentamente o andamento da pro-posta, e festejar apenas quandofor posta em prática.

ferência, virou consenso. Na PlenáriaFinal, os delegados não aceitaram quetodo e qualquer procedimento médi-co fosse feito apenas por profissionaismédicos. Ficou claro, no entanto, queexiste um clamor por uma medida re-guladora do tema, que ainda exigemuita discussão antes de ser referen-dada pela classe (ver página 32).

PROBLEMAS DE LEGITIMIDADE

Sérios problemas políticos quaseameaçaram a participação da de-

legação do Pará na Doze. Isto por-que o Conselho Estadual de Saúdedo Pará “aplicou” no regimento daVI Conferência Estadual de Saúde“metodologia que não correspondeà representatividade populacionalde seus municípios”, segundo notade entidades de classe paraenses,entre as quais a CUT.

Belém deveria estar represen-tada por 140 delegados na conferên-cia estadual, de acordo com cálcu-los do CNS, baseados no tamanho dapopulação. Mas à cidade couberamapenas 28 vagas, a partir de decisãodo Conselho Esta-dual de Saúde,que não reconhe-ceu as decisões daPlenária munici-pal. Entre outrasirregularidades,houve indicação(e não eleição)de 10% dos ob-servadores pre-vistos. O secre-tário de Saúde,

Fernando Dourado, convocou o Pe-lotão de Choque da PM, segundo anota, resultando em “traumatismosgraves” em duas pessoas.

O CNS “deliberou apenas pelocredenciamento sub judice da de-legação do Pará”. Em Brasília, osdelegados paraenses ostentavamfaixa onde se lia: “O Pará não podeser discriminado”. Uma crise se en-saiou nos bastidores. O CNS teriaresolvido credenciar a delegaçãoparaense em separado, segregan-do-a no plenário. “Não vi qualquerproblema”, desmentiu Eduardo Jor-ge. “A delegação do Pará pôde vo-tar tranqüilamente.”

Com amplo sorriso estampado norosto, Solange Gandur Dach

pode até enganar quem não a co-nhece. Com poucos minutos em seugrupo de trabalho, contudo, ficouclaro que ela não estava ali a lazer.“Em alguns momentos, até parece umaguerra. Mas, ao contrário do queacontece entre Iraque e EstadosUnidos, os lados que divergem aquibuscam no fundo a mesma coisa: umSUS melhor”.

Solange, cadastrada comousuária, brigou até o último mo-mento pela carga máxima de 30horas semanais para os agentes desaúde. Travou duelo à parte comum gestor, Wilson Martins Mendes.

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CONTROLE SOCIAL E GESTÃO PARTICIPATIVA

“A força doSistema Único de Saúde

é o controle social”

A mesa-redonda sobre Controle So-cial e Gestão Participativa, rea-

lizada no dia 8 de dezembro no Audi-tório Raimundo Bezerra, e coordena-da por Jocélio Drummond, secretáriosub-regional da Internacional de Ser-viços Públicos, teve como principaldestaque, a julgar pela quantidade deperguntas a ele dirigidas, a participa-ção de Marco Antonio Teixeira, re-presentando o Ministério Público Es-tadual do Paraná. Em sua exposição,e na de outros integrantes da mesa,a tônica foi a necessidade de maiorcapacitação dos conselheiros de saú-de com relação às atividades do Mi-nistério Público, e vice-versa.

Um intenso pinga-fogo esquen-tou o auditório quando a palavra foidada aos delegados, que dirigiramdezenas de perguntas à mesa, espe-cialmente ao promotor. Ouviram-seindagações sobre atribuições do Mi-nistério Público, questionamentossobre o atrelamento deste órgão apoderes políticos locais, sobre pro-cedimentos quanto ao não-cumpri-mento da EC-29, e outras mais.

Em sua apresentação, MarcoAntonio Teixeira afirmou que o con-trole social (que é a capacidade quea sociedade civil tem de interferir nagestão pública, colocando as açõesdo Estado na direção dos interessesda comunidade) deve ser exercidopelos conselheiros, primordialmente.“Quando o controle social está re-correndo muito ao Ministério Públi-co é porque não está se fazendo ou-vir, não está se fazendo respeitar. Eleestá procurando um reforço.

Mais adiante, Teixeira perguntouà platéia por que, apesar de passados15 anos da promulgação da Constitui-ção Federal e 13 anos de aprovaçãoda Lei Orgânica da Saúde, caminha-mos tão lentamente rumo à meta desaúde como direito de todos e deverdo Estado. Há muitas explicações paraisso, disse, mas uma bastante possívelé que essa regra implica transferên-cia de poder. “Ou seja, cabe aos Con-selhos, quando na plenitude do exer-cício de suas atribuições, fiscalizarpoliticamente, principalmente o orça-mento da saúde, que sempre é um dosmaiores problemas”. Para Teixeira, essatransferência de poder ainda nãoocorreu no país de forma integral.“Muitos gestores em vários lugaresresistem, pressionam os conselhos,quando não os querem apenas comomeros chanceladores unilaterais dasaúde publica”.

O PAPEL DOMINISTÉRIO PÚBLICO

Teixeira destacou a importânciade se cuidar da capacitação de con-selheiros com relação às atividadesdo Ministério Público, seus limites epotencialidades. De fato, quando apalavra foi aberta aos delegados, per-sistiam alguns equívocos sobre o realpapel do Ministério Público, fato quefez o procurador “restabelecer oóbvio”, como às vezes é necessário,nas palavras do escritor Aldous Huxley.“Em primeiro lugar, quando alguémcomete algo que acreditamos ter sidoum ato ilícito, deve haver um pro-cesso de apuração efetiva para que

haja uma conde-nação”, observou.“O que os senhores têm de enten-der é que o Ministério Público temobrigação de agir legalmente nashipóteses em que esteja configu-rado o ilícito, porém uma conde-nação virá do Poder Judiciário”.

Assimetrias na competência dosconselheiros também preocupam oprocurador. “Uma questão que mui-to me aflige no âmbito do controlesocial é que não temos uma noçãosobre para onde vão os Conselhos deSaúde nas discussões que estabele-cem”, disse. “Os conselheiros de saú-de na maior parte das vezes têm umnível de informação absolutamenteassimétrico, de acordo com sua ori-gem, e isso gera distorções que aca-bam afetando o trabalho do conselho”.

Para solucionar o problema,Teixeira propôs a criação de cursosde capacitação dos conselhos emassuntos envolvendo o Ministério Pú-blico, que poderiam atuar em mãodupla, trazendo aos procuradoresregionais conhecimentos preciosospara a defesa do direito à saúde.“Quando eu falo desta capacitaçãodigo que ela é recíproca, porque nósdo Ministério Público também apren-demos com os Conselhos de Saúde”.

Gyselle Tannous, representandoo Fórum de Portadores de Patologi-as no Conselho Nacional de Saúde,afirmou que “a força do SUS é o con-trole social”. Em sua intervenção,Tannous se preocupou em delinear“o controle social que temos” para“alavancar o SUS que queremos”,destacando que o ano de 2003 foi demuitas conquistas para o ConselhoNacional de Saúde, mas também de“desafios, retomadas e frustrações”.Segundo ela, no ano passado a pautada recomposição do Conselho Nacio-nal de Saúde, calada desde 1998, foiretomada. E os novos desafios inclu-em uma metodologia de capacitaçãopermanente dos conselheiros e a me-lhora na capacidade de comunicaçãoentre os níveis municipal, estadual enacional de controle social.

Gyselle Tannous trouxe à discus-são uma proposta encaminhada noMarco Antonio, Crescêncio, Teófilo, Jocélio, Natividade e Gyselle

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início de 2003 por Sérgio Arouca, en-tão representante do Ministério daSaúde no CNS. “Se não temos rela-ções hierárquicas entre os três ní-veis, se ninguém manda em ninguém,não estaria na hora de propormosuma instância deliberativa conjuntaque represente os interesses dos trêsníveis de controle social?”.

Outro problema apontado porGyselle é que, embora tenhamos 5 milConselhos de Saúde espalhados pelopaís, não há um cadastro nacionaldesses conselhos e uma forma decomunicar-se adequadamente. Nu-merosos delegados presentes à mesa-redonda também se queixaram dasdificuldades de comunicação comBrasília. Alexandre Soares, delegadode Pernambuco, garantiu: “O Conse-lho Nacional de Saúde não respondea e-mails do interior”. Já JorgeCangussu, delegado por Montes Cla-ros (MG), afirmou: “Quando se ligapara Brasília ninguém responde a nos-sas ligações”.

O secretário de Gestão Participativado Ministério da Saúde, CrescêncioAntunes, anunciou que sua secreta-ria discute neste momento um pro-jeto de Ouvidoria com capacidadepara atender 30 mil chamadas/dia.Em sua palestra, ele optou por usaro tempo mostrando em que momen-tos da história do Brasil o Estado foicontrolado pela sociedade brasilei-ra. E foi categórico em sua defini-

ção de democracia. “Para o Estadoser verdadeiramente democrático,ele tem que estar inerentementesubmetido ao controle da socieda-de”, disse. “O Estado autoritário éresultante de sociedades com níveisprecários de organização e culturademocrática”.

GESTÃO CAPILARIZADAMais adiante, Crescêncio afirmou

que a Secretaria de Gestão Participativacogita de elaborar projeto de lei quedefina com mais clareza e estabeleçacom mais firmeza os poderes do con-trole social no sistema de saúde. Osecretário manifestou o desejo decapilarizar a gestão participativa paratodas as instâncias e unidades do SUS.“Inclusive para as empresas privadasque prestam serviço ao público”.

Dois estados, duas queixas graves

este vira as costas para ele”.Segundo Soares, Rondônia

tem, em sua maioria, conselhosmunicipais cartoriais. “Em matériade município, o controle social lánão funciona”, contou. “Nós, emRondônia, trabalhamos com o Mi-nistério Público Federal direta-mente, porque descobrimos queos procuradores de Justiça são no-meados pelos governadores, e háinterferência do governador nainstituição,que não é tão democrá-tica como deveria ser”.

O representante dos usuáriosde Rondônia gostaria de ver o fimdos “conselhos biônicos”. “Gestornão gosta do conselho que é atu-ante, porque este fiscaliza e criti-ca”, observou. Baixa um decretonomeando outro conselheiro,despreparado e desqualificado, sópara dizer amém”.

José Teófilo Cavalcante, repre-sentante da Plenária Nacional dosConselhos de Saúde, preferiu fazerum inventário histórico da reformasanitária brasileira. O fortalecimentodo controle social e a recomposiçãodos conselhos em todos os níveis paraatender à paridade de 50% de usuári-os e 25% de trabalhadores e gestoresforam as principais propostas dos tra-balhadores ao debate, na pessoa deMaria Natividade Santana, represen-tante do Fórum das Entidades Nacio-nais dos Trabalhadores na área deSaúde no Conselho Nacional de Saú-de. Em sua avaliação, “o SUS sobre-vive porque tem a seu favor a par-ticipação da sociedade na gestãode suas ações, incluída a gestão derecursos financeiros por meio docontrole social”. (C.C.)

RADIS ADVERTE

Jorge Cangussu, o Kojak, delega-do de Minas Gerais, represen-

tando os usuários, está prestes a“pendurar asc h u t e i r a s ”pelo que elec l a s s i f i c acomo “faltade reciproci-dade” na rela-ção entre osconselheirosmunicipais e o governo. Publica-mente, na mesa-redonda sobreControle Social e Gestão Parti-cipativa, desfiou seu rosário. “De-via haver um canal direto entre oSUS e os conselhos municipais”, re-clamou. Quando um auditor doSUS chega à cidade, contou, pro-cura somente o gestor, e não oconselheiro. Na época da confe-rência, segundo Kojak, os 15 cen-

tros de saúdede Montes Cla-ros estavam sem73% da cestabásica de medi-camentos haviaseis. “Até hojeligo para Brasíliae eles não merespondem”, queixou-se um Kojakdesalentado. “Se eu não tiver maisresposta vou pendurar minhaschuteiras. Quero ser respeitadocomo conselheiro”.

Raimundo Soares, delegadorepresentando os usuários deRondônia, tinha reclamação pare-cida, só que o alvo era outro. “Te-mos todo um mecanismo legal parafazer o controle social funcionar,mas ele não funciona porquequando o conselheiro busca ori-entação do Ministério Público

“Viver é melhor que sonhar”, jádizia Belchior em Como nossos pais, can-ção eternizada por Elis Regina.

Viver, cobrar, exigir que a saúde quesonhamos saia do papel e chegue à prá-tica pública é dever de todos!

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Marinilda Carvalho

Épossível que a distância entre a saú-de real e a desejada tenha ficado

mais exposta na mesa temática Organi-zação da Atenção à Saúde. Na órbitade eixos múltiplos da conferência, aAtenção Básica que queremos exige fi-nanciamento maior, melhor gestão dotrabalho, mais controle social, mais in-formação em saúde. A mesa reuniu, soba coordenação da médica Fátima Oli-veira, presidente da Rede Feminista deSaúde, palestrantes como o médico Má-rio César Scheffer, do Fórum Nacionalde Pessoas Portadoras de Deficiênciase Patologias, a enfermeira Nelci Dias daSilva, do Fórum das Entidades Nacio-nais dos Trabalhadores da Área de Saú-de (Fentas), ou o médico-executivoArlindo Almeida, presidente da Associ-ação Brasileira de Medicina de Grupo(Abramge), que congrega planos e se-guros privados de saúde.

Se os três tinham queixas e rei-vindicações específicas, também esta-vam ali para as devidas explicações osgestores Jorge Solla, secretário deAtenção à Saúde do Ministério da Saú-de, Fernando Cupertino de Barros, doConselho Nacional de Secretários deSaúde (Conass), e Silvio Fernandes daSilva, do Conselho Nacional de Secre-tários Municipais de Saúde (Conasems).

Dividida entre “O SUS que temos”e “O SUS que queremos”, a palestrade Jorge Solla detalhou a situação dosistema de saúde brasileiro e seus con-dicionamentos num contexto de altacomplexidade, pelas dimensões do país,

pela intensa urbanização, pela coexis-tência paradoxal de unidades federa-tivas autônomas e práticas administra-tivas centralizadoras e paternalistas, oua convivência de doenças típicas dosubdesenvolvimento com demandascrescentes por serviços e medicamen-tos de alto custo.

Embora do governo, Solla não pou-pou nosso modelo de Atenção à Saú-de. As características que apontou: de-sarticulação entre ações de promoção,prevenção, cura e reabilitação, baixaresolutividade, pronto-atendimentodesqualificado, lógica privada na orga-nização e no funcionamento da rede,ditada pelo mercado, custo elevado epouco eficaz, centrado no médicohospitalocêntrico, autoritário, burocra-tizado e desumanizado.

PROJETOS ESTRATÉGICOSPara a expansão e a qualificação

da Atenção Básica, alguns projetos es-tratégicos do governo, apontados porSolla: dobrar em quatro anos o núme-ro de equipes do Programa Saúde daFamília, alcançando 100 milhões de pes-soas (em maio do ano passado eram18.815 equipes, frente à meta de 21mil em 2003); ampliar os recursos paracusteio da Atenção Básica, chegandoa 50% cobertos com repasses federais:até maio de 2003, esses recursos atin-giam R$ 4,2 bilhões, contra R$ 3,9 bi-lhões em 2002 e R$ 3,6 bilhões em 2001,enquanto os recursos para custeio deprocedimentos de média e alta com-plexidade somaram R$ 12,6 bilhões atémaio de 2003 (R$ 11,7 bilhões em 2002e R$ 10,8 bilhões em 2001); ampliar a

cobertura do Pro-grama Saúde daFamília, especialmente em capitais egrandes municípios (por enquanto, 49%do país estão cobertos).

O secretário de Saúde de Goiás,Fernando Passos de Barros, baseou suapalestra na Carta de Sergipe, emitida aofim dos debates do seminário do Conassrealizado em julho de 2003 em Aracaju,que reuniu 27 secretários estaduais. Nodocumento, os gestores propuseram ofortalecimento da Atenção Básica, comoeixo fundamental para a mudança do mo-delo assistencial, e reconheceram a res-ponsabilidade do gestor municipal em suaorganização e operacionalização. Mas,destacou Fernando, as macrofunçõescabem à esfera estadual, e é necessá-ria uma ampla rediscussão do entendi-mento dos conceitos de comando úni-co e direção única em cada esfera degoverno. “O comando único deve serdiretriz do SUS, e a gestão das referên-cias intermunicipais deve caber aogestor estadual”, defendeu.

Silvio Fernandes da Silva, secretá-rio municipal de Londrina (PR) e re-presentante do Conasems, apontou aintersetorialidade como um dos pon-tos problemáticos de implantação doSUS, em especial na Atenção à Saúde.“Devemos integrar os serviços de saú-de segundo a mesma lógica dos demaisprogramas de governo”, ressaltou.

A enfermeira Nelci Dias da Silva,várias vezes aplaudida, fez de sua pa-lestra um balanço crítico da situaçãode trabalho das equipes de Atençãoà Saúde. A primeira censura dirigiu àcentralização dos holofotes no pro-fissional médico, cultura que consi-dera arraigada em nossa sociedade.“Já começa que é posto médico, enão posto de saúde”, reclamou. “Sócom a valorização de todo o pessoalpodemos cumprir a diretriz deintegralidade do SUS.”

Nelci lamentou o empobrecimen-to e a exclusão da população brasilei-ra, conseqüência “de 11 anos de go-vernos” que não priorizaram asquestões sociais, e voltou-se para apolítica de saúde. “Atenção básica éimportante, mas precisamos sair do dis-curso e também olhar a rede que já

A ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE

“Vamos resgatar oativismo na saúde,

esquecido desde a 8ª”

Mário, Arlindo, Nelci, Fátima, Fernando, Silvio e Jorge Solla

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está montada”, disse, sob fortes aplau-sos. “Não basta achar que o ProgramaSaúde da Família vai salvar a pátria, dei-xando a rede precarizada.”

Numa fala curta, que emocionoua platéia, Mário César Scheffer criti-cou igualmente mídia e governo: a pri-meira por mostrar o pior do SUS, o se-gundo por não mostrar o melhor doSUS. “Vi no Fantástico, da TV Globo,reportagem com a chamada `Como so-fre quem não pode pagar um plano desaúde´”, contou. “O lado bom do SUS,da universalização, da cidadania, rara-mente é visto”. Mário disse que todosparecem ignorar que há muito dinhei-ro público envolvido nos planos de saú-

de, e exortou o governo a extinguir a filadupla de atendimento nas unidades doSUS, a dos que têm e a dos que não têmplano de saúde. “Estamos criando cida-dãos de primeira e segunda linha, especi-almente nos hospitais universitários”, con-denou. (Na Plenária, foi aprovada aextinção deste duplo atendimento).

O médico destacou os “nada ani-madores” resultados da CPI dos Pla-nos de Saúde na Câmara dos Deputa-dos — um deles: em 2003, deveriamter sido repassados ao SUS R$ 225 mi-lhões pelo atendimento de usuáriosdos planos privados, mas apenas R$ 45milhões chegaram aos cofres públicos—, distribuiu aos presentes o relató-rio final, que seria entregue quatrodias depois ao ministro da Saúde, elamentou que nos debates da comis-são parlamentares-médicos tenhamsubido à tribuna de jaleco branco paraapoiar as operadoras privadas. Muitoaplaudido, encerrou: “Por tudo issodeveríamos tentar resgatar o ativismona defesa da saúde, que anda esque-cido desde a 8ª Conferência.”

O último palestrante da tarde erajustamente o presidente da Abramge,associação das empresas de “medici-na suplementar” — expressão mal re-cebida pela platéia, que preferia “saú-de suplementar”. Técnico, exibindomuitos gráficos no telão, ArlindoAlmeida criticou o excesso de leis enormatizações, que confunde e en-reda o segmento, e disse que os pla-nos de saúde são úteis ao SUS por-que tiram boa parcela da populaçãoda rede pública.

A platéia não se manifestou comvaias, mas Arlindo Almeida foi con-testado por praticamente todos osdelegados que pediram a palavra

quando o micro-fone foi liberadoao público. Porexemplo, o mé-dico homeopataGiovano de CastroJannotti, delega-do-trabalhadorde Belo Horizon-

te, foi muito aplaudido ao denunciaros quatro planos de saúde para osquais trabalhou, que pagavam poucoe com grande atraso, e ao exortar apopulação a abandonar a medicinaprivada: “Vamos usar o SUS.”

“TODO MUNDO USA O SUS”Jorge Solla retomou a palavra para

rebater Arlindo: “Muitos dizem ‘Eu nãouso o SUS’. Mentira. Todo mundo usao SUS”, afirmou. E deu exemplos: seusa o controle e a fiscalização da Vigi-lância Sanitária usa o SUS; 15% dostransplantes pagos pelo SUS são depessoas com planos de saúde. Solla tam-bém contestou a crítica de Nelci àprecarização: “Não se pode confundirprecarização com contratação peloregime celetista”, disse. “Quem temcarteira assinada, férias e 13º não éprecarizado.” A platéia silenciou, masNelci voltou ao microfone sob aplau-sos: “O pessoal do PSF deve estar inte-grado ao SUS, não se deve permitir aformação de duas categorias.”

O ministro Humberto Costa visi-tou rapidamente o painel, chegandoa tempo de ouvir uma cobrança dooperário José Vale, delegado-usuáriocapixaba: “Na abertura da conferên-cia o ministro falou no aumento dosrecursos, mas nós, trabalhadores,ainda não sentimos mudança noacesso ao SUS.”

Polêmica em meio a vaiashouve reduçãode 1.175 leitosnos hospitais psi-quiátricos daárea. No estadode São Paulo, são11.500 leitos amenos.

A perguntade Douglas ficou sem resposta, masalguém do governo poderia ter ante-cipado que o Ministério da Saúde e aCaixa Econômica, parceiros no pro-grama “De Volta para Casa”, começa-riam a pagar no dia 16/12 benefíciomensal de R$ 240 aos pacientes quevoltaram ao convívio da família, paraajudar nas despesas de casa.

O próprio ministro HumbertoCosta participou em Recife do lan-çamento do benefício, cujo nomeoficial é “auxílio-reabilitaçãopsicossocial”. Já estão cadastra-das 206 pessoas, mas a meta para2004 é chegar a 2.500 beneficiários.As vaias a Douglas se deveram aofato de que, historicamente, aAFDM foi contrária ao projeto dareforma psiquiátrica, por entenderque o fechamento dos hospitaistraria sobrecarga às famílias. Noencerramento da conferência, opresidente Lula segurou a camise-ta amarela da AFDM, com os dize-res “Reforma psiquiátrica sim,desassistência não”.

OS NÚMEROS DO SUS*

63.662 unidades ambulatoriais

169 milhões de procedimentos/mês

5.864 unidades hospitalares

441.591 leitos

980 mil internações/mês

11,7 milhões de internações/ano

1 bilhão de procedimentos de AtençãoBásica

287 milhões de exames laboratoriais

9,2 milhões de ultra-sonografias

7,9 milhões de procedimentos dehemodiálise (cobertura de 97%)

177,5 milhões de atendimentosambulatoriais de altacomplexidade

2,3 milhões de partos na rede SUS

70 mil cirurgias cardíacas

100 mil AIH para tratamentooncológico

8 mil transplantes de órgãos

* Situação em julho/2003

Delegado-usuário de São Paulo,Douglas Parra foi ao microfone

nos debates da Atenção à Saúde fa-zer uma pergunta polêmica ao se-cretário Jorge Solla: para onde estáindo o dinheiro dos hospitais psiqui-átricos fechados após a reforma psi-quiátrica?

Ele pretendia se estender mas, sobvaias, desistiu. “Não sou contrário àreforma psiquiátrica”, disse, depois.“Mas os hospitais já foram fechadose os pacientes liberados ainda nãoreceberam a verba prometida”.Douglas é presidente da Associaçãode Amigos, Familiares e Doentes Men-tais (AFDM) de Sorocaba e Região, ese queixava de que nos últimos 10 anos

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AS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO

“A politização do debateé a força-motriz daconstrução do SUS”

Um dos grandes desafios na áreado cuidado em saúde é o bom

relacionamento, fundado na coope-ração, entre as três esferas de go-verno. Grande ênfase tem sido pos-ta pelo atual governo na necessidadede se reduzir o poder excessivo daesfera federal no campo da saúde,concedendo-se maior autonomia aestados e municípios.

Este desafio pautou a mesa-re-donda sobre As Três Esferas de Go-verno e a Construção do SUS, reali-zada no Auditório Carlos Sant’Anna natarde do dia 8 de dezembro. Coorde-nada pelo representante da ForçaSindical Diógenes Sandim Martins, amesa estava composta por Jarbas Bar-bosa da Silva Júnior, secretário deVigilância em Saúde do Ministério daSaúde, João Paulo Barcellos Esteves,vice-presidente do Conass, LuisOdorico de Andrade, presidente doConasems, Marco Antônio Manfredini,da Fentas, e Olympio Távora DerzeCorrea, representando a Confedera-ção Nacional de Saúde.

Manfredini, representando oFórum de Entidades Nacionais dos Tra-balhadores da Área de Saúde (Fentas)e a Federação Interestadual deOdontologistas, disse em sua pales-tra acreditar que no centro destadiscussão está o federalismo. Istoporque, segundo ele, desde a Cons-tituição de 1988 está claramente es-tabelecido que o Brasil é uma Repú-blica Federativa, e como tal se colocaem três esferas de governo, “comautonomia administrativa e semvinculação hierárquica”.

“Nosso entendimento é que o SUSnão é apenas um sistema federal, estadualou municipal”, disse, em sua palestra. “Elena realidade deriva das ações articuladasdestas três esferas de governo, mas nenhu-ma delas pode ser a tutora das demais”.

Segundo Manfredini, na constru-ção do SUS a cobrança deve ser feitapor igual, solidariamente, sobre as trêsesferas de governo. Deve-se exigirdestas esferas “políticas públicas ecompromissos solidários”. Manfredinipontuou a seguir: “O SUS não temdono, e os trabalhadores em saúdenão aceitarão que prefeitos e gover-nadores e até mesmo o presidenteda República possam se colocar aci-ma das leis e dos pactos”.

FATORES QUE COMPLICAMFalando em nome dos trabalha-

dores de saúde, Manfredini destacouque “uma política pública de saúdesó pode ser realizada com considerá-vel capacidade de investimento dastrês esferas de governo”, que hojeestá, segundo ele, totalmente com-prometida por conta da política eco-nômica vigente. “A manutenção dopagamento dos juros e do serviço dadívida implica uma clara perda de ca-pacidade de investimento das trêsesferas de governo”.

Outro complicador para a atua-ção ideal das três esferas de gover-no no campo da saúde é, segundoManfredini, a Lei de Responsabilida-de Fiscal que, “ao ser aprovada em2000, inibiu consideravelmente aampliação do quadro de servidoresda saúde na administração direta”.

Uma integranteda platéia desta-cou o engessamento representado poresta lei que, segundo ela, é um dos gran-des indicadores da precarização dos ser-viços de saúde no país.

Críticas também não foram pou-padas aos Comitês IntergestoresBipartite (CIBs) e Tripartite (CITs). “Oque vemos no cotidiano é que essascomissões absorvem as decisões maisimportantes, relegando aos Conse-lhos de Saúde uma agenda de políti-ca secundária”, censurou Manfredini.Ressaltando que não é contra os co-mitês, o representante do Fentas dis-se considerar que estes espaçosinstitucionais não podem tirar dosconselhos sua principal função, queé viabilizar o controle público.

Segundo ele, os CIBs e CITs im-possibilitam a participação do tra-balhador e do usuário no controlepúblico. “Quem deve definir asmacropolíticas são as Conferências eos Conselhos”, ainda que CIBs e CITssejam importantes, desde que subor-dinadas à agenda maior que é aquelados conselhos nas três esferas.

Manfredini articulou sua exposi-ção com a finalidade de mostrar queo discurso de que “somos todos SUS”é “incorreto”. “Ele coloca do mesmolado atores sociais que têm interes-ses claramente divergentes”, afirmou,insistindo na necessidade de sepolitizar o debate sobre a saúde.“Reside na politização a força-motrizpara efetivação do conjunto das pro-postas do SUS”, afirmou. Politizar a saú-de significa, para Manfredini, deixarbem claro que a lógica e as razões demercado devem se subordinar às polí-ticas de saúde, “tendo o Estado comoente estabelecido para garantir estasubordinação”.

Luis Odorico Monteiro de Andrade,presidente do Conselho Nacional dosSecretários Municipais de Saúde(Conasems), disse que os gestores dastrês esferas precisam ter a seu lado ousuário, numa gestão participativa. Se-gundo ele, deve-se levar em conta adiversidade existente nos 5.560 muni-cípios brasileiros. “O avanço já con-quistado e que deve ser ampliado é aJarbas, Manfredini, Diógenes, João Paulo, Olympio e Odorico

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A ETIQUETA DA LUTArelação de gestor a gestor”, disse.Odorico defendeu as estruturas regio-nais como articuladoras da pactuação,sem a criação, porém, de outras ins-tâncias burocráticas.

“Cada delegado que participa daconferência, representando sua basemunicipal, tem a cara do Brasil, simbo-liza um SUS humanizado, feito de cida-dãos que legitimam esse sistema”. Paraele, a 12ª Conferência deve apontarpara uma perspectiva internacional,universalizando o sistema de saúde paraos países da América Latina”.

Como exemplo de desburocrati-zação da gestão, Odorico citou o pac-to assinado, naquele mesmo dia 8 dedezembro, com o Ministério da Saúde,ampliando o número de municípios be-neficiados pelo Projeto de Expansão eConsolidação do Programa de Saúde daFamília (Proesf). A assinatura do Proesfpara 100 municípios, por carta-compro-misso, dispensou convênios cartoriais etransferiu os recursos de investimentodo Fundo Nacional direto para o FundoMunicipal, o chamado “fundo a fundo”.

No debate que se seguiu às pales-tras, Odorico recuperou uma das gran-des discussões em toda a conferência,a que trata da capacitação de conse-lheiros. Ele advertiu os presentes dosperigos da tutela do Estado. “Não po-demos esperar que o Estado capaciteusuários, pois corremos o risco da tu-tela”, disse ele, que é secretário deSaúde de Sobral, no Ceará. “Quem temque capacitar os conselheiros da CUTé a CUT, não é o Estado que vai treinaros conselheiros da CUT. Está erradoisso”. O secretário Jarbas Barbosa, do

Ministério da Saúde, deu razão aOdorico quanto à responsabilidade dogestor capacitar os conselheiros, e in-formou que há um programa decapacitação em andamento, do qualparticiparam mais de 10 mil conselhei-ros. “Tem que ser um processo perma-nente”, disse. Outra questão muitodiscutida foi a eleição de secretáriosmunicipais de Saúde para a presidên-cia dos conselhos municipais de Saú-de, que a maioria condenou.

DÍVIDA EXTERNA, A VILÃSebastião Tavares, delegado es-

tadual do Rio de Janeiro, achou queo debate melhorou em seu último blo-co, porque tocou-se no importanteassunto do financiamento. “Se dese-jamos construir o SUS que queremosprimeiro precisamos de dinheiro parabancar o sistema”, ressalvou. “Masfico preocupado quando observamosque, de todo o dinheiro que vai cir-cular em 2004, 56% estão destinados

a pagar a dívida externa”.O relatório do eixo temático As Três

Esferas de Governo foi o primeiro a serlido na Plenária Final e, segundo arelatora de síntese, Patrícia Lucchese,“pelos destaques também foi possívelperceber a polêmica em torno do equi-líbrio que deve haver entre o governofederal e os locais, na questão da polí-tica de saúde”, disse. “Os destaquesdemonstraram grande esforço em sepensar no modo como compartilhare-mos as responsabilidades”.

Foi aprovada a proposta “a reafir-mação da autonomia do comando úni-co de cada esfera de governo na ges-tão de todas as ações e serviços desaúde em seu território, visando garan-tir o direito universal à saúde e repas-ses regulares de recursos”. Pelo desta-que aprovado, um marco regulatóriodeverá reorganizar as funções e a atua-ção do Ministério da Saúde e das se-cretarias estaduais de Saúde em rela-ção aos municípios. (C.C.)

Esquecidos da saúde pública

Além da diversidade, outra caracte-rística chamava a atenção en-

tre delegados e observadores daDoze: a organização dos grupos em-penhados na defesa de causas es-pecíficas. Os dois maiores e mais or-ganizados talvez tenham sido o dosportadores de HIV, representadospor várias entidades, e o do Movi-mento de Reintegração de PessoasAtingidas por Hanseníase (Morhan).Fundado em 1981, o movimento temsede no Rio de Janeiro, participadas conferências de saúde desde aOitava, a que consolidou o SUS, e éum dos representantes de porta-dores de patologias no ConselhoNacional de Saúde.

Mas havia grupos menores, que

se consideram excluídos da saúdepública. A Associação Brasil Huntingtondistribuía folhetos à entrada do Au-ditório Sérgio Arouca. Seu objetivoé localizar, orientar e esclarecer asfamílias afetadas pela doença deHuntington, que compromete o sis-tema nervoso central e leva o paci-ente à completa dependência.

Também estava representadaa Associação Mineira dos Portado-res e Amigos de Gaucher — raradoença genética que leva aoacúmulo de gordura em órgãoscomo baço, fígado, medula ósseae pulmão, provocando a morte. Aentidade reivindica que o SUS im-porte um medicamento especialusado no tratamento.

Solitários, Márcia Viana Costae Márcio Cipriano, de Campinas (SP),representaram a Associação Paulistade Mucopolissacaridose, a MPS, do-ença também rara e genética quecompromete visão, baço, fígado,vias respiratórias, sistema ósseo eneurológico. O tratamento exigereposição enzimática, e o medica-mento precisa ser importado.

Márcia, na mesa-redonda Infor-mação e Comunicação em Saúde,ocupou o microfone para dizer quea quantidade de pacientes que so-frem de uma doença determina aatenção do governo. “Os pacien-tes de doenças raras acabam esque-cidos, como se o drama fosse me-nor por serem minoria”, disse.

“A briga política tem queexistir mesmo, porque acabeça de cada um é ummundo. Não pode partirpara baixaria ou ofensamoral, mas briga políticatem que haver.”

Tereza Ramos de Souza (aocentro), agente de saúde do

Recife, em agitada reunião

dos agentes de saúde no Au-

ditório Raimundo Bezerra

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A INTERSETORIALIDADE DAS AÇÕES DE SAÚDE

“Saúde é renda, emprego,alimentação, educação,moradia, saneamento”

A necessidade de juntar pessoasdos mais variados segmentos num

mesmo espaço se deve ao fato de que,para o setor saúde, a qualidade devida depende de um conjunto de va-riáveis inter-relacionadas, associadasa diferentes setores da ação públicae social. Não depende apenas de cui-dar da doença. O desafio é, confor-me definiu a 8ª Conferência Nacionalde Saúde, reconhecer que “saúde éa resultante das condições de alimen-tação, habitação, educação, renda,meio ambiente, trabalho, transporte,emprego, lazer, liberdade, acesso eposse da terra e acesso a serviços desaúde”. Daí, a importância do eixo-temático A Intersetorialidade dasAções de Saúde”.

O debate, coordenado porNeimy Batista da Silva no AuditórioEric Jenner, reuniu representantesde vários segmentos, como MicheleCaputo, secretário de Saúde deCuritiba, e Jurandi Frutuoso Silva,secretário de Saúde do Ceará,Amélia Cohn, da Faculdade de Me-dicina da USP, Edmundo Ferreira Fon-tes, da Confederação Nacional deAssociação de Moradores, e o minis-tro das Cidades, Olívio Dutra.

O tema, segundo relatório doConselho Nacional de SecretáriosMunicipais de Saúde (Conasems), ca-racteriza-se pelo estabelecimento deredes de solidariedade para a cons-trução de novas práticas sociais vi-sando o desenvolvimento social e apromoção da saúde da populaçãocomo qualidade de vida. Segundo orelatório consolidado de propostas

para a 12ª Conferência Nacional deSaúde, “como prática de ação políti-ca e de gestão, a intersetorialidadeparte da compreensão sistêmica dosproblemas com seus determinantes econdicionantes interligados e inter-dependentes”.

Primeiro palestrante da mesa-redonda, Olívio Dutra destacou a ne-cessidade de integração entre os vá-rios setores políticos e sociais para aprodução e a manutenção da quali-dade de vida, e ressaltou as ações desaneamento básico e moradia para odesenvolvimento urbano. Lembrandoque compete à União, aos estados,ao Distrito Federal e aos municípios aexecução de um sistema de 12 ações,entre elas a de promover programasde construção de moradia e a melhoriadas condições habitacionais e de sa-neamento básico, o ministro das Cida-des resgatou a Constituição Federalno que se refere ao desenvolvimentoda cidade e da população.

CUMPRINDO A CONSTITUIÇÃO“Reconhecer a necessidade naci-

onal de integração de esforços e derecursos públicos para expandir, porexemplo, a oferta de moradia e de ser-viços de saneamento básico, oferecen-do qualidade de vida à população, signi-fica fazer cumprir os dispositivos legaisdeterminados pela Constituição Fede-ral de 1988, artigos 21, parágrafo XX”,ressaltou. A lei estabelece que “com-pete à União instituir diretrizes para odesenvolvimento urbano, inclusive ha-bitação, saneamento básico e transpor-tes urbanos”.

Ao contráriodo que determinaa Constituição, segundo Dutra, o queocorreu nos últimos anos foi um pro-cesso de desmonte de empresas pú-blicas responsáveis pelo saneamentobásico de muitas cidades. “Encontra-mos, ao assumir o novo governo, osserviços de saneamento dispersos em80 ações”, citou. Hoje, no entanto,busca-se mudar essa realidade, au-mentando o orçamento que era deR$ 200 milhões para R$ 2,9 bilhões.“Recursos esses consideravelmentemaiores, porém ainda aquém dos R$3,6 bilhões necessários para atenderà demanda de ações de saneamentodo país”, disse.

Responsável por orientar e dis-tribuir tais recursos a estados e mu-nicípios para ações em saneamento,o Ministério das Cidades, conformecitou Dutra, busca atender parte dos83 milhões de cidadãos que não con-tam com sistema de esgoto, dos 45milhões não-atendidos por rede deágua potável, retomar as mais de 1.300obras de saneamento básico que es-tavam paralisadas ou ameaçadas deparar e recuperar as empresas esta-tais responsáveis por tais ações. Emação integrada, agirão os ministériosdas Cidades, da Saúde e da Educação,a Casa Civil, a Caixa Econômica Fede-ral e o Banco Nacional de Desenvolvi-mento Econômico e Social (BNDES), vi-sando programas de saneamentoambiental nas áreas urbanas e rurais.“Pretendemos aplicar para tanto cer-ca de R$ 18,3 bilhões de recursos, einiciativas como essas servem paramostrar a necessidade de trabalhar-mos de forma intersetorial”, disse.

Para Dutra, somente pelo traba-lho integrado será possível combatermuitos outros problemas que o paísenfrenta, com vistas à melhora daqualidade de vida da população. Eledeu como exemplo o grupo de quase12 milhões de pessoas sem serviçosadequados de coleta de lixo, os 65%de municípios que têm resíduos delixo depositados em lixões a céu aber-to e as áreas rurais em que mais de80% das moradias não têm abasteci-mento de água suficiente.Caputo, Edmundo, Olívio Dutra, Neimy, Amélia e Jurandi

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Além disso, destacou a situaçãodos esgotos industriais e domiciliareslançados sem tratamento diretamenteem mananciais de água. “Para melho-rar o abastecimento de água, o paísprecisará, segundo estudo do Ministé-rio do Meio Ambiente, de R$ 168 bi-lhões para universalizar os serviços deágua em 20 anos e tratamento de es-goto”, informou. “Serão necessáriosR$ 5,6 bilhões para que consigamosem 10 anos universalizar a coleta delixo e implantar aterros sanitários emmunicípios com mais de um 1,5 mi-lhão de habitantes e criar lixões emtodos as cidades com população su-perior a seis mil habitantes”.

Na opinião de Caputo Neto, aintersetorialidade deve ser de fatoentendida entre ações e ministériose não, segundo ele, como “inter-setorialidade de recursos”. O alertado secretário de Curitiba diz respei-to à polêmica quanto ao uso de par-te do orçamento da Saúde para açõesdo Fundo de Combate e Erradicaçãoda Pobreza. Caputo acredita que osrecursos da Saúde devam ser respei-tados de acordo com a Emenda Cons-titucional 29. “Intersetorialidade deveser entendida pela capacidade decompartilhar saberes e poderes, denegociar, de superar conflitos e porsaber respeitar a diversidade e a par-ticularidades de cada setor partici-pante”, defendeu.

Nenhum setor sozinho conseguedar conta dos problemas existentes,disse Caputo. Como exemplo, citou omodelo colaborativo que Curitibausou em alguns projetos sociais. En-tre eles, os projetos Ambientes Sau-dáveis, em que se construiu uma redede proteção à criança e ao adoles-cente em parceria com a sociedade

organizada; Mulher de Verdade, ca-racterizado pela integração entresetores de saúde, sociedade orga-nizada e Justiça, para combate àviolência contra a mulher; Alfabe-tizando com Saúde, um trabalhointersetorial entre Saúde e Educa-ção; Rodando Limpo, em parceriacom empresas que recolhem pneusem troca de alimentos, contendodessa forma a proliferação do mos-quito da dengue e estimulando aparticipação comunitária; e Adoles-cente Saudável, trabalho conjuntocom a sociedade organizada e o se-tor de saúde para conter o uso dedrogas nesse grupo populacional.

AMBIENTES SAUDÁVEISJurandi Frutuoso dedicou sua

palestra à proposta lançada na Con-ferência de Ottawa (Canadá), em 1986,sobre políticas públicas saudáveis.Para ele, a criação de ambientes sau-dáveis depende da conjunção de es-forços. Dois outros pontos estão re-lacionados ao tema: “O reforço das

Votação pacífica

ações comunitárias e o desenvolvi-mento das habilidades pessoais”.

De fato, a saúde é um dos poucossetores sociais que vêm trazendo à tonaa discussão sobre intersetorialidade.“Em 1992, a Conferência Nacional deBogotá sobre Promoção da Saúde dis-cutiu a integração entre saúde e de-senvolvimento econômico”, lembrouFrutuoso. Segundo o secretário doCeará, é inviável pensar num país comdimensões e diversidades tão grandessem trabalhar a integração das práti-cas sociais. Nesse sentido, disse, “épreciso agir para reduzir os altos ín-dices de epidemias, a violência e aagressão ao meio ambiente”.

“Se não pensarmos na integraçãoentre os setores, vamos patinar aindapor muito tempo”. Nesse sentido,completou Amélia Cohn, em sua pa-lestra, “a intersetorialidade não podeser realizada apenas entre ações,mas, sobretudo, entre políticas so-ciais que compreendem renda, em-prego, educação, moradia, sanea-mento e saúde”. (K.M.)

A votação do eixo A Interseto-rialidade das Ações de Saúde cor-

reu sem muitas polêmicas. Uma ques-tão nessa discussão ficou bem defi-nida: as propostas sugeridas visavamà intersetorialidade entre ações epolíticas sociais, e não de recursos.Das propostas aprovadas, destacou-se a que exigia o cumprimento daLei Orgânica 8.080/90, no que dizrespeito à obrigatoriedade das ins-tituições públicas e privadas de en-sino superior e os serviços de saúdede promoverem de maneira articula-da as atividades de ensino, pesquisae extensão nos diversos níveis deatenção à saúde da população.

Uma outra proposta foi muito bemdiscutida pelos grupos de trabalho,levada à Plenária Final e votada porunanimidade, confirmando a importân-cia da integração dos setores Saúde eEducação, como alertou JurandirFrutuoso: a que pedia a integração dasunidades básicas de saúde com esco-las, inclusive nas comunidades indíge-nas e quilombolas, implantando umapolítica de segurança alimentar enutricional, com projetos educativossobre hábitos alimentares e preserva-ção ambiental, sob orientação denutricionistas, assistentes sociais eoutros profissionais especializados, emparceria com as secretarias de Agri-

cultura, Educação, Assistência Sociale outros órgãos afins, das esferas es-taduais e municipais.

Foi aprovada a proposta que su-geria a criação e a implementação deuma agenda intersetorial para a saú-de da população, nas três esferas degoverno, articulando ministérios e se-cretarias estaduais e municipais deSaúde segundo a natureza do proble-ma a ser tratado. Foi derrotada aproposta que sugeria a articulaçãocom outros setores sociais, comomeio ambiente, educação, trabalho,cidades, agricultura, assistência so-cial, previdência e Ministério Públi-co, entre outras entidades.

A DURA REALIDADE

“Todos estamos imbuídos da polí-tica racista mais eficiente do pla-neta, que é a brasileira. É tão efi-ciente que o negro fica invisível,e nem vê a si próprio. Sempre quese tenta inserir propostas relaci-onadas a negros e índios cria-seum clima. E olhe que se trata delideranças da área de saúde, for-madores de opinião, gente que fazas leis, que está nos governos. Épor isso que é tão difícil mudar.”

Maria do Carmo Sales Monteiro,

da Rede Feminista de Saúde-SP, no

Grupo D-10 da UnB, debatendo a

Organização da Atenção à Saúde

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA E A SAÚDE

“A estrutura do setorfarmacêutico inibe a

produção de fármacos”

Cláudio Cordovil

Uma presença inesperada compôsa mesa-redonda sobre Ciência e

Tecnologia e a Saúde, a mais extensade toda a conferência, realizada noAuditório Raimundo Bezerra, na noi-te de 8 de dezembro: o então minis-tro da Ciência e Tecnologia, RobertoAmaral. Tal participação sinalizou operfeito entrosamento entre o Mi-nistério da Saúde e o MCT no gover-no Lula. Agora, ciência e tecnologiaem saúde não é mais um domíniovisto como monopólio do MCT. Aprova foi o anúncio feito na oca-sião da liberação pelo MCT de R$30,5 milhões para pesquisa em saú-de, um valor quase simbólico, dian-te dos desafios que nos aguardamno campo farmacêutico, para ape-nas citar uma das áreas do amploespectro de atividades do comple-xo industrial da saúde.

Em seu discurso de abertura doevento, o ministro Roberto Amaralcitou estudos do Ipea apontando queno último decênio, em que não hou-ve aumento do consumo per capitade medicamentos, “a indústria farma-cêutica elevou suas importações dematéria-prima e medicamentos aca-bados de US$ 212 milhões para US$1,3 bilhão, uma alta de mais de 500%”.E o ministro indagou sobre quem pa-gou estes aumentos, para logo res-ponder: “O povo brasileiro”. Segun-do Amaral, entre 1990 e 2002, o custoda importação de 1.032 fármacos —princípios ativos para fabricação de

remédios — passou de US$ 535 milhõesem 1990 para US$ 1,1 bilhão em 2002.

O Brasil é pouco convidativo emtermos de estrutura para a produ-ção de princípios ativos, admitiuAmaral, obrigando-nos a importar. “Aestrutura que sustenta o setor far-macêutico no país inibe o investi-mento na produção doméstica defármacos. Na verdade, a maioria dasempresas farmacêuticas deixou deproduzir no Brasil as matérias-primasnecessárias à produção de medica-mentos”, afirmou.

O MITO DOS FUNDOSSETORIAIS

Quando se pensa em como “sal-var a lavoura” dos parcos recursos his-toricamente concedidos à área de ci-ência e tecnologia no país, fala-sesempre nos Fundos Setoriais, criadospelo governo anterior como se fossemuma panacéia. Jorge Guimarães, secre-tário de Políticas Estratégicas e de De-senvolvimento Científico do MCT, aca-bou com as ilusões nesse sentido.“Setenta e cinco por cento dos re-cursos de 2003 dos Fundos Setoriaisforam dívidas do ano anterior”, reve-lou. Com exceção de poucos editaisdos fundos de petróleo e de infra-es-trutura, não houve nenhum edital. “Em2003, lançamos 76 editais com essa pe-quena diferença de recursos disponí-veis. Em números redondos, o orçamen-to de todos os fundos juntos em 2003foi de R$ 630 milhões, e recebemos umadívida de R$ 450 milhões. Pagamos”.

Segundo ele, boa parte do quefoi feito com esses editais resultou

de parceria como Ministério daSaúde. Antes de soltar foguetes comos Fundos Setoriais de Saúde, uma pe-quena lembrança mencionada porGuimarães. “Em 2003, o Fundo Setorialda Saúde teve R$ 30 milhões. Comisso não se desenvolve um décimode droga alguma”, comentou, sinali-zando a situação real do investimen-to em C&T no país.

Estes números e dados dão bema dimensão dos desafios que aguar-dam um país que pretende desen-volver uma política consistente deCiência e Tecnologia em saúde. Parase ter uma idéia das cifras envolvi-das na produção de novas moléculasfundamentais para a indústria farma-cêutica, basta tomar o dado menci-onado por José Eduardo PessoaAndrade, que no evento represen-tou Carlos Lessa, presidente doBNDES. “O custo médio de desenvol-vimento de uma nova molécula apre-goado por empresas e laboratóriosestrangeiros é de US$ 800 milhõesde dólares”, revelou. É importanteressaltar que este custo incorporatambém vários insucessos no desen-volvimento da molécula. “Mas o paísnão pode ficar ao largo desse pro-cesso de incorporações de novasmoléculas”, sentenciou.

Foi Andrade quem deu a conhecer,no evento, o tamanho de nosso déficitna área da saúde. “Temos um déficitcomercial da ordem de US$ 3 bilhões/ano na área do complexo industrialda saúde, dos quais US$ 1,2 bilhão emmedicamentos, US$ 800 milhões emfármacos e cerca de US$ 1 bilhão emequipamentos médico-hospitalares”.As conseqüências para o desenvolvi-mento do país destas cifras foram bemdetalhadas. “Com isso perdemos opor-tunidade de emprego de qualidade,de aumento de geração de renda eum estímulo menor à área de pesqui-sa”, explicou Andrade.

POTENCIALIDADESESTRATÉGICAS

Não obstante as dificuldades,potencialidades foram vislumbradaspelos participantes da mesa-redonda.José Eduardo, Jorge, Roberto Amaral, Renato, José Alberto, Goldbaum e Mortella

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As investigações em saúde são o prin-cipal componente setorial de pesquisano Brasil. “O país dispõe de 4.914 gru-pos de pesquisa, envolvendo cercade 18 mil pesquisadores, sendo que11 mil entre eles são doutores vincu-lados a estudos em saúde humana.Isto corresponde a cerca de 30% detodos os grupos de pesquisa em ativi-dade no país”, afirmou José AlbertoHermógenes de Souza, secretário deCiência e Tecnologia e Insumos Estra-tégicos em Saúde.

A secretaria foi pensada eestruturada no processo de transi-ção do governo. Uma de suas princi-pais diretrizes é “definir, implementare avaliar, de forma intersetorial, emparticular com o Ministério da Ciên-cia e Tecnologia, uma política públi-ca de desenvolvimento científico etecnológico, a partir de ações pac-tuadas envolvendo centros públicose privados, centros de pesquisa e uni-versidades brasileiras, com o objeti-vo de desenvolvimento de inovaçõestecnológicas que atendam aos inte-resses nacionais”.

Diante das dificuldades que ron-dam a produção de medicamentos nopaís, a nova secretaria aposta no de-senvolvimento da produção de vaci-nas. “O Brasil dispõe de capacidadecientífica que pode ser induzida parainovação tecnológica do ponto de vis-ta da produção de biofármacos (prin-cípios ativos à base de proteína)”, afir-mou José Alberto.

Segundo o palestrante, 25 do-enças infecciosas são atualmentecontroláveis com vacinação. Aproxi-madamente três milhões de vidas sãosalvas anualmente com vacinas. Háum alto beneficio em relação a seuscustos, na utilização dos imunizantes.Mas o Brasil enfrenta grandes pro-blemas neste campo. “A oferta devacinas é limitada; independente-mente da demanda configurada demédio prazo a produção consome detrês a seis meses até a entrega deum produto”, disse. “O mercado in-ternacional não tem condições deatender a grandes volumes de vaci-nas de forma emergencial”. No cam-po das vacinas, a lógica econômicada iniciativa privada não atende àsnecessidades de saúde pública. “Umexemplo disso são os Estados Unidos:as multinacionais estão abandonan-do a produção de importantes vaci-nas de baixo valor agregado, entreelas a de sarampo”.

Há crescente defasagem na uti-lização de novas vacinas, comparan-do países desenvolvidos a países emdesenvolvimento. “Das 18 vacinas

lançadas nos últimos 20 anos apenastrês beneficiam populações do mun-do inteiro”, informou. “Há desinte-resse das multinacionais em produzirvacinas no Brasil, além de forteoligopolização do setor e concentra-ção de tecnologia de produção”.

Por esta razão, segundo JoséAlberto, os laboratórios públicos pro-dutores de vacina têm tido ação estra-tégica no país. “Eles atendem a 70% dasnecessidades imunofisiológicas do Bra-sil, economizando divisas e garantindoempregos especializados”, afirmou.

Na opinião de Moisés Goldbaum,presidente da Abrasco, o que se ob-serva hoje é uma ausência de meca-nismos de coordenação entre o Mi-nistério da Ciência e Tecnologia e aspolíticas de saúde, que padecem deuma articulação precária.

PRAGMATISMO ECONÔMICOO representante da Confede-

ração Nacional da Indústria, CiroMortella, que é presidente-execu-tivo da Febrafarma (a entidade quecongrega as indústrias farmacêuti-cas), mostrou o outro lado da moe-da e tentou sensibilizar a platéiapara as dificuldades com que sedefronta o setor. Segundo ele, usan-do dados da realidade americana,US$ 897 milhões é o montante derecursos necessários para se ter umproduto farmacêutico totalmentedesenvolvido. Mortella afirmou quede cada 10 remédios lançados sete

Meio ambiente, a grande ausência

não têm seus custos de pesquisacobertos pela venda.

O mercado farmacêutico brasi-leiro é pouco atrativo internacional-mente, segundo ele. “Hoje o Brasilrepresenta 0,5% do mercado mundi-al de medicamentos na operação deuma grande corporação”, revelou,alertando que novos recursos nãoserão atraídos para o setor se nãohouver mudanças. Pare ele, as em-presas precisam de mecanismos querealmente façam com que as empre-sas economicamente viáveis, que te-nham projetos de relevância, rece-bam recursos. “Além disso é precisoque essas políticas sejam consisten-tes, sustentadas”, reivindicou. “Com12 a 15 anos para se desenvolver umproduto, não dá para improvisar, nãodá para ter uma política por dia”.Mortella disse que ciência etecnologia somente existem se forem médio prazo. “A visão de curtoprazo nesse negocio jamais vai fun-cionar, e é por isso que nosso défi-cit comercial está do jeito que está:sempre tivemos política industrialvoltada para o curto prazo”.

Para o curto prazo, uma interes-sante proposta. Aproveitar a notávelcapacidade produtiva instalada paraa produção de fármacos e, talvez, deaté alguns farmoquímicos. “Temoscerca de 40% de ociosidade nessacapacidade instalada, e isso precisaser utilizado para atender ‘as carên-cias que temos”, diagnosticou.

O biólogo André Ruschi, filho donaturalista Augusto Ruschi, um

dos pioneiros na luta pela preserva-ção do meio ambiente, tomou a pa-lavra ao fim das apresentações paradestacar a total ausência de preo-cupação mais detalhada com o meioambiente na fala dos especialistasque participaram da mesa-redondasobre Ciência e Tecnologia em Saú-de. De fato, a expressão meio ambi-ente não foi mencionada em nenhu-ma das intervenções, nas quaispalavras como sustentabilidade ebiodiversidade apareciam com rari-dade preocupante.

Ruschi aproveitou a ocasiãopara revelar que uma política equi-vocada de combate à dengue, a seuver, está matando beija-flores. Istoporque o beija-flor é o maior poli-nizador de bromélias que, por suavez, são receptáculos ideais para

as larvas do mosquito da dengue,por armazenarem água em sua par-te central — e recebem inseticidacomo ação preventiva.

Renato Cordeiro, coordena-dor dos debates, representando aSociedade Brasileira para o Progres-so da Ciência, concordou com a ar-gumentação de Ruschi sobre ainexplicável ausência do tema aolongo das exposições.

Já Moisés Goldbaum, presiden-te da Associação Brasileira de Saú-de Coletiva, não viu nada de anor-mal na omissão. “Poderíamos trazerum elenco de problemas que po-deriam ser contemplados”, disse.“Neste momento, devemos fazer umgrande esforço para definir dire-trizes em ciência e tecnologia emsaúde, e o fato de não ter sido ci-tado não quer dizer que não sejaum tema importante”.

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INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

“Informar é importante,minha gente, quem não se

comunica se trumbica”

O eixo temático Informação e Co-municação em Saúde, no Au-

ditório David Capistrano, reuniugrande platéia e seis palestrantesecléticos, combinação que resul-tou num dos mais longos debatesdo segundo dia da conferência, sóencerrado depois da meia-noite. Àmesa, coordenada por José CaetanoRodrigues, do Fórum das EntidadesNacionais dos Trabalhadores da Saú-de, estavam técnicos em informática,educadores e jornalistas, falando aum público majoritário de agentesmunicipais de saúde, interessados noCartão SUS — mas também formadopor ativistas de causas tão polêmicasquanto urgentes.

A primeira palestra foi do médi-co Alcindo Antônio Ferla, diretor daárea de Informação e Informática doSUS, que pintou com cores fortes ocenário atual da informação e dainformática na saúde: centralização,pulverização, inexistência de pa-drões e processos integrados, defi-ciência de resposta a algumas clien-telas, dependência tecnológica,custos desproporcionais — um con-junto de males que impede o forta-lecimento do SUS.

Alcindo disse acreditar que, nes-ta área, o cumprimento da legislaçãojá seria uma grande inovação e umforte impulso para o SUS. Ele infor-mou que, em busca disso, o ano de2003 foi de muito trabalho para oDatasus: entre fevereiro — quando ogoverno decidiu implementar a Polí-tica Nacional de Informação eInformática em Saúde para o SUS — e

novembro, quando saiu a primeira ver-são do documento (a versão 1.3 estádisponível para consulta no Datasus, noendereço http://politica.datasus.gov.br/politicainformacaosaude1_3_27Nov2003.pdf), houve um sem-fim de consultas adocumentos legais e relatórios das trêsúltimas conferências e das plenárias deconselhos em todas as esferas.

A Plenária Final da 12ª CNS apro-vou, entre outras, três propostas quereforçam este precioso trabalho doDatasus: viabilizar a rede de informa-ção em saúde como forma de materi-alizar uma política de comunicaçãoampla, plural, horizontal e descentra-lizada; promover até 2005 a 1ª Confe-rência Nacional de Informação, Co-municação e Educação Popular emSaúde e definir recursos para a im-plantação do Cartão Nacional de Saú-de em todo o país.

MAIS COMPROMISSOCOM A SAÚDE

Ricardo Burg Ceccim, secretáriode Gestão do Trabalho e da Educa-ção na Saúde do MS, defendeu emsua palestra o ordenamento da for-mação de recursos humanos na áreada saúde, hoje de má qualidade econcentrada no Sudeste: estão naregião, por exemplo, 61,67% dos pro-gramas de residência médica, contra2,9% no Norte.

Ceccim lembrou que há quase 3mil cursos de formação em saúde, masa maioria não tem compromisso com asaúde pública e está conectada a umsistema de avaliação que também nãoconsidera critérios de saúde pública.

Para R icardo,esta formaçãodeve ter relações próximas com osserviços de saúde, incorporar aagenda ético-política da reforma sa-nitária e construir novos modos defazer saúde.

A palestra seguinte foi da pedia-tra e sanitarista Zilda Arns Neumann,co-fundadora e coordenadora naci-onal da Pastoral da Criança, daConferência Nacional dos Bispos doBrasil, e sua representante no Con-selho Nacional de Saúde. A Pasto-ral da Criança é modelo de infor-mação de saúde: desde a fundação,em 1983, sempre se preocupou emavaliar os resultados das ações de-senvolvidas, para definir objetivose motivar os voluntários. Seu siste-ma de informações, considerado umdos melhores do mundo, é capaz deemitir relatórios permanentes sobrea situação de saúde de crianças egestantes das mais de 32 mil comu-nidades onde atua.

O processo é simples: os líderescomunitários preenchem a Folha deAcompanhamento e Avaliação Mensaldas Ações Básicas de Saúde e Educa-ção na Comunidade (FABS), relatórioenviado todos os meses à coordena-ção nacional, em Curitiba, que digitaas informações, sistematiza, analisa edevolve às comunidades, a cada trimes-tre, um relatório com mensagensdirigidas — ou parabenizando pelas con-quistas alcançadas ou dando orienta-ções para a melhora dos índices.

“Informar é muito importante,minha gente, quem não se comuni-ca se trumbica”, resumiu Zilda Arns,que fazia perguntas à platéia comonum programa de auditório. “O prin-cipal é querer fazer, e depois infor-mar”. Ela elogiou o cartão do SUS —“Todo mundo está feliz com ele noParaná” —, a criação da Ouvidoria doSUS — “Coisa nova, muito boa” — elembrou que não existe um sistemacomo o SUS no mundo. “Todos de-vem levar para casa o dever de di-fundir a saúde”, recomendou. “Épreciso informar sobre as coisasboas, senão os jornais só falam damulher que pariu na pia.”Ricardo, Wilma, José Ivo, Zilda Arns, Alcindo e José Caetano

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VÍDEOSAÚDE EM AÇÃOO médico e professor José IvoPedrosa, coordenador de EducaçãoPopular do Ministério da Saúde, pri-meiro reclamou do ostracismo a quefora relegada a educação — “Nãoconstava de eixo nenhum” — e de-pois comoveu a platéia ao descrevera relação entre o profissional de saú-de e o paciente. “Um entra com osaber, o outro com o sofrer. Vamostemperar essa relação com um pou-co de afeto e carinho”. Para isso, oSUS precisa de profissionais de saú-de engajados nos movimentos sociaise comprometidos com a comunida-de, para que ouçam grupos que nun-ca foram ouvidos, para que reconhe-çam o outro — o usuário —, para quea participação desse usuário nasações de saúde resulte em novasmodalidades de gestão participativa,para que o usuário se sinta afinal cui-dado pelo sistema de saúde.

Em sua palestra, Wilma Madeira,do Grupo de Trabalho Saúde e Comu-nicação da Abrasco (Associação Bra-sileira de Pós-Graduação em SaúdeColetiva), fez balanço negativo dacomunicação em saúde no país, co-meçando sua crítica pelas contradi-ções do sistema: tem discurso degestão participativa e prática de cen-tralização, o governo sempre com aúltima palavra.

Ela lembrou que a 8ª Conferên-cia definiu a liberdade de expressãocomo um dos pressupostos do direi-to à saúde e que a 11ª estabeleceu acriação de redes de informação ecomunicação entre as várias instân-

cias de controle social, o que consi-dera essencial para a promoção dasaúde e da cidadania. Para Wilma, des-centralizar a comunicação em saúdeé um dos grandes desafios do SUS.

VÍRUS NÃO TEM FERIADOO último palestrante da noite, e

o mais aplaudido, foi o veterano jor-nalista Alberto Dines, editor do Ob-servatório da Imprensa, que fez pe-quena provocação aos organizadoresda conferência: que se evite a cria-ção no Brasil de uma cultura de even-tos, eventual. “Precisamos de com-promissos com a ação”, disse. Elereconhece que os problemas do paísexigem um trabalho precursor demapeamento e, sobretudo, de deba-tes. “Mas atribui-se a um evento —grande ou pequeno — o poder mági-co de produzir soluções”, disse. “Overbo é o princípio mas, em excesso,pode ser o fim”.

Aids, momentos de embate

Dines aproveitou como exemplo oDia Mundial da Luta contra a Aids, em1° de dezembro. Durante duas sema-nas, a mídia revelou a extensão do de-sastre. Mas, argumentou, é preciso queo Dia Mundial da Luta contra a Aids ocor-ra todos os dias — em 3/12, porém, de-saparecia do noticiário. “O espírito daefeméride e os eventos que provocoudevem ser acompanhados ao longo doano, ou teremos uma luta desigual, jáque o vírus não tem feriado, nem sedeixa impressionar pela discurseira”, dis-se, sob intensos aplausos.

Dines concluiu com uma proposi-ção, “quase um desafio”: a substituiçãodo triângulo doença-doente-informaçãopor um quadrilátero, acrescentando-seo produtor de informações. “Se nãocapacitarmos os jornalistas para co-brir a área de medicina e saúde es-taremos condenados a conviver comdoenças informativas e doentesdesinformados.” (M.C.)

O eixo temático Informação eComunicação em Saúde atraiu

barulhentos militantes de camposopostos: pró e contra o uso da cami-sinha. Quando os debates foram aber-tos ao público, dois delegados emespecial, Eduardo Barbosa, presiden-te do Fórum ONG-Aids de São Paulo,e Alexandre Martins, do Grupo Arco-Íris de Florianópolis, mandaram reca-dos contundentes à CNBB, pelas cam-panhas contra o uso da camisinha.

Eduardo disse que a Igreja prestadesserviço ao cidadão ao combater ouso de preservativos. Alexandre citouo exemplo da vizinha Argentina, que sócomeçou a falar em prevenção há doisanos e agora se vê mergulhada numaepidemia de Aids.

Ambos foram vaiados pelos mi-litantes favoráveis à abstinência se-

xual fora do casamento, a maiorialigada a igrejas diversas, mas ZildaArns mostrou por que conquistarespeito até entre ateus – e nãoapenas porque de seu currículoconstam 1,7 milhão de criançasatendidas pela pastoral que dirige.“Verdade é verdade”, disse, quan-do retomou a palavra. “A vida é oque mais vale.”

Os delegados talvez não soubes-sem, mas Zilda Arns, que prometeu le-var o recado à CNBB, é voz dissonanteentre os católicos nesta questão. “Euprefiro seguir o caminho da Igreja, masa consciência do casal, que deve serbem-informado, é a suprema lei”, de-fende sempre. A polêmica sobre a ca-misinha se acirrou um mês antes da 12ªCNS, quando o cardeal colombiano Al-fonso Lopez Trujillo questionou a efi-

cácia do preservativo como medida deprecaução contra a Aids. Em resposta,organizações brasileiras promoveramatos de protesto em novembro, e lan-çaram o vídeo Perdão.

Criação de Flavio Waiteman, ovídeo diz, em meio a imagens fortesda Inquisição, dos campos de con-centração e das vítimas da Aids: “De-pois de séculos, a Igreja pediu per-dão pela Inquisição; depois dedécadas, a Igreja pediu perdão aosjudeus por ter se calado frente aonazismo; quanto tempo vai levar paraa Igreja pedir perdão pelas vítimas daAids?” A última cena mostra uma ca-misinha e a frase-slogan “Pecado énão usar”. A CNBB recorreu à Justiçapara que o vídeo fosse retirado doar, e as entidades também interpuse-ram ação judicial.

Em ação na Doze uma das duasequipes do VídeoSaúde, a dis-

tribuidora de vídeos da Fiocruz (De-partamento de Comunicação emSaúde): 36 fitas, 22 horas, 1.306minutos com imagens e sons daconferência, para o documen-tário de 50 minutos ParticipaçãoPopular em Saúde e um vídeomenor. O material estará prontoainda neste semestre.

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DIREITO À SAÚDE

“Há distância entre odireito à saúde tão faladoe o que alguns exercem”

O debate sobre o eixo-temáticoDireito à Saúde, que ocupou o

Auditório Sérgio Arouca, permitiu umadiscussão ampla sobre como fazervaler o que está garantido pela Cons-tituição Federal de 1988, estabele-cendo que “a saúde é direito detodos e dever do Estado”. Na mesa-redonda que apresentou a temática,coordenada por Antônio Sousa, che-fe de gabinete do Ministério da Saú-de, os palestrantes foram unânimesem afirmar que a validade desse di-reito, que é fundamental ao homem,depende de ações e serviços desaúde eficazes e da participação dasociedade, exigindo o cumprimen-to dos princípios básicos do Siste-ma Único de Saúde (SUS) de univer-salidade, integralidade e eqüidade.

Para o primeiro palestrante,Humberto Jacques de Medeiros, pro-curador da República no Rio Grande doSul, em matéria legislativa tudo já foifeito no que diz respeito a esse direito.“O movimento sanitário brasileiro nãose contentou em ter o direito enuncia-do na constituição, mas moveu as casaslegislativas para que produzissem nor-mas, leis que detalhavam e davam con-sistência a esse direito, como a Lei Or-gânica 8.080, que criou o SUS”, disse.De acordo com o procurador, no planoformal jurídico praticamente nada oumuito pouco falta. O problema, porém,é tornar o direito à saúde uma verdadeplena e absoluta, como sempre foi so-nhado pelo movimento sanitário. “Háainda uma distância entre o direito àsaúde de que nós falamos e o que al-guns exercem”, ressaltou.

Humberto reconheceu que a va-lidade do direito depende de políti-cas públicas eficientes, orçamentopúblico adequado e, sobretudo, par-ticipação social democrática. A mai-or responsabilidade hoje do gover-no e de toda a sociedade é manteresse direito, estendê-lo cada vez maise incluir as clientelas diminuídas eexcluídas. Para ele, a manutenção sig-nifica a difusão e a conscientização,da totalidade dos brasileiros, de quesaúde é um direito. “E, para que setorne irreversível, devemos clamare provocar o legislador para quefaça desse um direito intocável”.Humberto lembrou que o que faz deum direito jurídico um direito práti-co é a existência da democracia edo controle social.

A LIÇÃO DE GANDHI“É como disse Gandhi, em car-

ta à ONU, que aprendera de sua mãeanalfabeta, que para todos os direi-tos há também correspondentes de-veres”, continuou. “E os deveresque nós temos como titulares do di-reito à saúde é o dever de partici-pação, de exercício da cidadanianuma democracia sanitária que im-peça qualquer retrocesso e garan-ta a extensão, a densificação e airreversibilidade desse direito”.

Na opinião do palestrante RafaelGuerra, presidente da Frente Parla-mentar de Saúde (hoje composta por238 deputados e 23 senadores), avan-çar com o direito à saúde significademocratizar o acesso a ações e ser-viços de saúde. “Devemos reconhecer

que o Ministérioda Saúde e, so-bretudo, o atual governo têm avan-çado nesse sentido, implantandoprogramas de agentes comunitári-os e de saúde da família, que sãocertamente portas de entrada e es-tratégias de democratização e deeqüidade no sistema de saúde”,exemplificou Guerra. No entanto,é preciso superar os problemas ain-da existentes quanto ao atendimen-to de urgência e emergência, nosquais usuários enfrentam dificulda-des para encontrar serviços pertode onde vivem ou de serem atendi-dos a tempo e hora. Do mesmo re-clamou a debatedora Maria HelenaBaumgartem, da Confederação Na-cional dos Trabalhadores na Agri-cultura, que citou as filas no aten-dimento básico e a espera paratratamento mais especializado.

Muitas são as necessidades paraque a saúde seja de fato um direitoinalienável, e superar tais dificulda-des depende intimamente da parti-cipação da sociedade. Como exem-plo, Guerra citou a luta travada pelocumprimento da Emenda Constituci-onal-29 (EC-29), que garantiu recur-sos mínimos à saúde, e a votação doorçamento da saúde. São formas degarantir as ações em saneamentonas pequenas localidades, de com-bater a desnutrição infantil e deampliar o Programa Saúde da Famíliae os serviços de média e alta com-plexidade, além da distribuição gra-tuita de medicamentos.

“Essas são as propostas que es-tão, nesse momento, sendo discuti-das na Câmara dos Deputados, masnós precisamos da mobilização detoda a sociedade, porque deputadosozinho não resolve nada”, alertou.Ele informou que a Frente Parlamen-tar estará neste ano lutando pelaaprovação do Código Nacional dosDireitos dos Usuários do SUS e pelaregulamentação da EC-29. Para Ma-ria Helena, se a emenda não for de-vidamente considerada não há comomanter o direito de qualquer cida-dão à saúde. “Queremos que as trêsesferas de governo cumpram a leiAlfredo, Maria Helena, Rafael, Antônio, Humberto e Fátima

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PEQUENA LIÇÃOfeita por todos nós. Como melhorara saúde sem aplicar a emenda?”,perguntou.

Em sua participação na mesa-re-donda, Helena mencionou a mo-bilização dos trabalhadores rurais naluta pela aprovação da Lei Orgânica8.080. “Lembro muito bem de que,no Rio Grande do Sul, em 1985, mo-bilizamos 30 mil trabalhadores ruraisna luta pela afirmação do SUS”, exal-tou. Para Helena, não apenas o for-talecimento do controle social, masa manutenção e a ampliação dessedireito estão também diretamente re-lacionadas à formação profissional eà valorização dos profissionais de saú-de. “Como fazer valer tal direito quan-do ainda temos no sistema profissio-nais trabalhando com baixos saláriose sem a mínima condição de traba-lho?”, questionou.

Nesse sentido, para Alfredo BoaSorte Júnior, representando a Fede-ração Nacional dos Médicos, discutiro direito à saúde é também falar so-bre o direito dos trabalhadores. “Pre-cisamos trabalhar pela despreca-rização do trabalho e pela formaçãoe educação continuada dos trabalha-dores do SUS”.

A SAÚDE DAPOPULAÇÃO NEGRA

Na discussão, o direito à saú-de da população negra recebeudestaque. Representando a Coor-denação Nacional de EntidadesNegras, Fátima de Oliveira Ferreira

lembrou que hoje a população ne-gra ainda enfrenta a mortalidadeprecoce e conclamou a 12ª CNS aservir como meio de exigir do go-verno uma política nacional de saú-de para os negros, que represen-tam mais de 45% da populaçãobrasileira. “Os negros do Brasil mor-rem antes do tempo em todas as fai-xas etárias, e o maior responsávelpor essa realidade é o Estado brasi-leiro”, reclamou. Como informouFátima, estudo da Unicamp mostraque, no começo dos anos 90, as cri-anças negras brasileiras com até 1ano de idade morriam 20% a mais doque as crianças brancas da mesmaidade. E, embora a mortalidade in-fantil tenha caído no país nos últi-mo 10 anos, crianças negras aindaestão morrendo 40% a mais do queas crianças brancas. Logo após a con-ferência a Universidade FederalFluminense divulgou pesquisa, coor-denada pela professora de EconomiaHildete Pereira de Melo, mostrandoque mulheres negras brasileiras mor-rem mais do que homens negros e,proporcionalmente, muito mais doque as mulheres brancas.

Fátima citou também doençasque atingem com mais freqüência apopulação negra, como a hipertensãoarterial, que pode levar ao derramecerebral e à insuficiência renal, adiabete tipo 2, que pode levar à ce-gueira, e a anemia falciforme, respon-sável por danos em quase 6% da popu-lação afrodescendente. No caso da

Descriminalizar ou não o aborto?

insuficiência renal, o problema é ain-da mais grave: a doença leva à neces-sidade de transplante de rim.

Não só as doenças, como tambéma forma de atendimento e de tratamen-to, preocupam quem defende a saúdedesse grupo. “A população negra femi-nina sofre com elevada freqüência detumores uterinos”, alertou Fátima. Se-gundo ela, no Brasil, normalmente, éfeita a histerectomia, ou seja, a remo-ção total ou parcial do útero, quandose descobre o tumor. No entanto, emmuitos casos, o problema poderia sercombatido com medicamentos e tra-tamentos alternativos”, explicou.

O destaque dado à populaçãonegra serviu para reafirmar que direitoà saúde significa promover a eqüidade,a universalidade e a integralidadena atenção à saúde, reduzindo asdesigualdades regionais e sociais degênero, raça e etnias. Para ospalestrantes, este é o maior desafiopara que o direito à saúde saia do papele passe a integrar o dia-a-dia da popu-lação brasileira. (K.M.)

Se a forma de fazer valer o direitoà saúde mereceu consenso en-

tre palestrantes e participantes, al-guns pontos mais polêmicos do de-bate racharam as opiniões. O pontomais controvertido da noite disserespeito à descriminalização do abor-to. Na mesa-redonda, Fátima Oliveirae Helena Baumgartem lembraramque o aborto é hoje a terceiracausa de morte materna no Bra-sil. Na opinião de Fátima, abortonão é crime: imoral e antiético éobrigar uma mulher a levar adian-te uma gravidez que não deseja.Afinal, observou, “a maternidadeé para sempre, e ninguém podeobrigar uma pessoa a ter uma res-ponsabilidade que é para sempre”.Fátima recorreu a um argumentoforte: “Na prática, o aborto já érealizado em todo o país. O pro-

blema é quesó morre amulher pobree negra, poisaquela quetem mil reais,por exemplo,vai à clínica eaborta com

risco de saúde zero”.Na Plenária Final, a votação pela

descriminalização do aborto foi amais acirrada, dividida entre dele-gados ligados aos movimentos femi-nistas e a instituições religiosas. Aproposta de número 36 sugeria:

“Respeitar o direito de livre es-colha das mulheres, a laicidade doEstado brasileiro com os compromis-sos assumidos pelo Brasil nos espa-ços oficiais das Nações Unidas, emconferências internacionais da dé-

cada de 90, que servem de basespara a descriminalização do abortono Brasil, e atendimento digno aoscasos de aborto lícito, como um di-reito de cidadania e uma questãode saúde pública”.

Foi aprovada a supressão totalda proposta. Depois da votação, Fá-tima se queixou da aferição. “Foimuito apertada a votação”, comen-tou. “Por contraste, difícil dizerquem teve mais voto, mas a Mesa deuganho de votação à Igreja, não acei-tou contar os votos um a um; se-quer ouviu pedidos de contagem devotos”. Mas alguma coisa as feminis-tas festejaram: como foi aprovada asupressão total da proposta 36, fi-cou apenas assegurado que o temado aborto não constaria das resolu-ções da 12ª CNS. “Ou seja, tambémnão há condenação”.

“O Ministério daSaúde não é banco,é formulador depolíticas.”

Jorge Solla

Secretário de Atenção

à Saúde do MS, no eixo Organização

da Atenção à Saúde

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A SEGURIDADE SOCIAL EM SAÚDE

“Quem sabe teremoseste sonhado ministério

na próxima conferência?”

Acriação de um ministério que englobasse três áreas, Previdência,

Saúde e Assistência Social, foi o as-sunto que norteou as principais dis-cussões em torno do eixo temáticoA Seguridade Social e a Saúde, coor-denada por Nelson dos Santos, doMinistério da Saúde, no AuditórioCarlos Sant´Anna. Veementementedefendida por muitos, a nova pastanão saiu do papel: o destaque pro-posto nos grupos de trabalho aca-bou rejeitado pelos delegados naPlenária Final da conferência.

O coordenador-geral da confe-rência, Eduardo Jorge, disse em en-trevista à Radis (ver página 33) quenão foi percebido o efeito positivoque o novo ministério acarretaria atodo o sistema de saúde. “Os dele-gados não entenderam as amplasperspectivas que viriam com a unifi-cação”, disse. Eduardo Jorge, quedefende o ministério único para astrês áreas desde 1993, foi além. “Nomeu entender, a conferência pecoupor uma atitude corporativa, de man-ter as caixinhas separadas, preser-vando pequenos poderes,” criticou.

Maria Eugenia Cury, representan-te da Confederação Nacional dos Tra-balhadores em Seguridade Social(CNTSS), entidade da CUT, foi uma dasque se posicionaram contra o novoministério. O ideal, para ela, seria aretomada de um Conselho Nacionalde Seguridade Social. “Sei que a ques-tão do Ministério da Seguridade épolêmica, mas penso nele como umverdadeiro paquiderme”.

A proposta recusada pela Plená-ria Final previa a criação do Ministé-rio da Seguridade Social, com as se-cretarias nacionais de Saúde, dePrevidência e de Assistência Social,que substituiriam os atuais ministéri-os dessas áreas. A idéia era vinculartodo o orçamento da Seguridade So-cial a esse superministério. As trêsáreas juntas têm orçamento para esteano estimado em R$ 208 bilhões.

O secretário de Atenção à Saú-de do Ministério da Saúde, JorgeSolla, disse acreditar que a integraçãodesses ministérios favoreceria dire-tamente o trabalhador. “Quem seacidenta hoje tem assistência doSUS, mas precisa retirar o benefíciopela Previdência”, lembrou. “A unifi-cação facilitaria todo esse proces-so, e os dois sistemas co-agiriam commais harmonia”.

O secretário-executivo do Minis-tério da Previdência Social, ÁlvaroSólon, também afirmou que defendea unificação das três áreas há muitotempo. Sólon disse que gostaria dever na prática a idéia da gestãoquadripartite: nesse modelo, partici-pariam as três áreas, mais um Conse-lho da Seguridade Social. “Seria umórgão de controle do qual fariam par-te usuários, prestadores de serviçose trabalhadores”.

SEMENTE PLANTADAApesar de sair de Brasília sem al-

cançar seu objetivo, a criação donovo ministério, a delegada MadalenaSperandio, representante da Pasto-

ral da Criança,não desanimou.“A democracia é assim mesmo, o quevale é a vontade da maioria”, confor-mou-se. “Além disso, tenho certezade que a semente foi plantada; quemsabe numa próxima conferência pos-samos ter o sonhado ministério?”.

Ela lembrou que em seu gru-po de trabalho, que debateu pro-postas durante uma manhã inteirano Pavilhão João Calmon, na Uni-versidade de Brasília, muitos seposicionaram pela criação do minis-tério. “Acho que seria de fundamen-tal importância existir uma pastaoficial para tratar assuntos tão re-levantes”, ressaltou.

Já o professor José Carvalho deNoronha, da Universidade do Estadodo Rio de Janeiro, cobrou uma tare-fa de peso: “Precisamos recomporprogressivamente o orçamento daseguridade para podermos exigir 30%disso para a saúde”.

Maria Leda Rezende Dantas, re-presentante da Confederação Brasi-leira de Aposentados e Pensionistas,também se mostrou favorável à cria-ção do Ministério da Seguridade So-cial. “Eu quero o SUS que foi pensa-do pelos nossos constituintes”,resumiu. Para ela, o problema hojenão é seu teor, quase uma unanimi-dade entre os especialistas do setor,e sim a sua execução. “Acredito queo Ministério da Seguridade poderiaajudar nisso”.

SUS PRONTO PARADESLANCHAR

Ministérios à parte, o assuntoseguridade rendeu diversas discus-sões. “Infelizmente, não temos dinhei-ro para fazer a seguridade que quere-mos”, lamentou o senador Tião Viana,representante da Comissão de Assun-tos Sociais do Senado Federal.

Ele afirmou, em sua explanaçãona mesa temática, que atualmentenão existe vontade política para arealização de um bom projeto deseguridade. “O nosso Sistema Únicode Saúde está pronto para deslanchar,mas infelizmente isso não acontece”.O senador citou como exemplo osMaria Eugênia, Tião Viana, Nelson, Maria Leda, Noronha e Álvaro

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destaques que vêm sendo estuda-dos no Congresso Nacional. Há qua-tro emendas constitucionais no Se-nado que tratam de seguridadesocial, e todas elas estão vincula-das a alternativas tributárias. “É in-teressante constatar que não se vêquase nada que seja realmenteestruturante em relação à Assistên-cia e à Previdência Social”. Ele res-saltou que é como se o Brasil intei-ro estivesse esperando uma saídamágica de quem está administrandoo setor previdenciário do Brasil.

Viana lembrou que estados emunicípios sofrem, há muito, com umempobrecimento real. Na décadapassada tínhamos os estados parti-cipando com 30% da riqueza nacio-nal — hoje, esse percentual nãopassa de 23%. O que um estado quenão tem dinheiro nem para pagar odécimo terceiro salário vai fazer paracobrir uma boa seguridade social?,perguntou “A questão hoje é dis-cutir a recuperação financeira deestados e municípios, pois só assimpoderemos cobrar o cumprimentode suas obrigações”.

Para ele, a Reforma da Previdên-cia — aprovada no ano passado — po-

derá dar início a um novo processode redirecionamento de verbas. “Es-peramos ter uma outra estrutura or-çamentária, que funcione no senti-do de recuperar esses estados emunicípios”.

O senador disse que atualmentea Previdência Social tem seis milhõesde segurados, os trabalhadores rurais,que nunca contribuíram. “Isso de-monstra que a Previdência precisarealmente ser subsidiada”, observou.“E vamos incluir agora, por sugestãodo senador Pedro Simon, cerca de40 milhões de brasileiros que estãofora do sistema: essa é uma respon-sabilidade constitucional”.

Mas, para essa inclusão, disseele, o governo terá que achar umasolução. “Seja com contribuições deR$ 1, R$ 5 ou R$ 10. Acho que nin-guém gosta de nada de graça, chegaa ser humilhante”.

DESVIOS DE VERBASViana admite que há muitas ir-

regularidades em todo o sistema. “Seolharmos para a auditoria que vemsendo feita pela Corregedoria Ge-ral da União em amostras de 50 mu-nicípios, veremos que os indícios de

Reforma, erros e acertos

Na abertura para os debates,logo após a exposição dos

palestrantes, o delegado-usuárioPaulo Sérgio quis tirar dúvidas emrelação à Reforma da Previdência.Aproveitou a presença de um repre-sentante do Parlamento, o líder doPT no Senado, Tião Viana, para ques-tionar os direitos dos portadores dedeficiência.

Viana admitiu que a Reforma daPrevidência pode realmente contererros, mas que se fazia necessárianeste momento. “Sei que atinge al-guns interesses e que pode estarsendo injusta em alguns casos”, res-salvou. “Mas considero o modelocoerente, e mesmo errando achoque era o que precisava ser feito”.

Viana fez questão de salientar,no entanto, que os portadores denecessidades especiais terão direi-to a isenção. Na Emenda Constitu-cional 77, que o Senado estava apro-vando na época da conferência, osportadores de deficiência física ga-rantirão o direito à redução de cin-co anos no tempo de contagem paraa aposentadoria, e os de doençasincapacitantes estarão protegidos

contra a cobrança da contribuiçãoprevidenciária, informou, arrancan-do aplausos dos que acompanhavama mesa temática.

Questionado sobre a cobran-ça da CPMF, Viana salientou quedefende a extinção do imposto.“Jamais poderemos reduzir umcentavo do investimento na saú-de, mas este é um imposto que

deve ser gradativamente substitu-ído”, sustentou. “Fomos assaltadosquando dos desvios das finalidadesdos recursos da CPMF”, disse.“Atualmente é dito que o impostoestá sendo investido na seguridadesocial, mas acho que ele nunca po-deria ter sido desviado para qual-quer outra finalidade que não fos-se em saúde”.

desvios e corrupção no SUS sãofortíssimos em pelo menos 45 deles”,disse. “Este é o retrato do Brasil,um país apodrecido moralmente. Epara tirá-lo desses vícios vai demo-rar muito”.

O secretário-executivo do Mi-nistério da Previdência Social, Álva-ro Sólon, disse ser necessário ummaior rigor no combate aos sonega-dores. Para ele, recursos vultososcontinuam sendo desviados, apesardos esforços contrários. “Acho queo Brasil já tem maturidade suficien-te para uma maior flexibilização nosigilo bancário. Em muitos casos, nãoconseguimos alcançar os grandes so-negadores por conta da burocra-cia”, sugeriu.

Maria Eugênia Cury, da CNTSS,também condenou o desvio de ver-bas. O dinheiro arrecadado seria su-ficiente para dar conta de uma boaPrevidência: “Se se apertasse o cer-co contra os sonegadores não tería-mos um rombo desse tamanho na Pre-vidência”, disse. “Precisamos pensarqual é o modelo social e econômicoque queremos para o Brasil, pois nãopodemos permitir uma política que sómate a vida”. (J.X.)

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O consenso final

Kátia Machado

Na Plenária Final da Doze, uma proposta esquentou os ânimos dos

delegados presentes à votação doeixo O Trabalho na Saúde: a extinçãodo Projeto de Lei do Ato Médico,que estabelece: todo e qualquerprocedimento médico só pode serrealizado por profissionais médicoshabilitados.

A proposta condenava o Projetode Lei e todas as outras tentativas deregulação das demais profissões da áreade saúde, e foi aprovada por unanimi-dade. Os delegados alegaram que o pro-jeto impede o trabalho multiprofissionale interdisciplinar na atenção à saúdee a atenção de forma integral. A ques-tão será tema do seminário nacionalProfissões de saúde, trabalho em equi-pe — limites e possibilidades, sugeridopelo Conselho Nacional de Saúde, vi-sando a regulamentação unificada dasprofissões do setor.

A proposta provocou ampla mo-bilização de profissionais de váriossegmentos da saúde, que usaram fai-xas e cartazes com os dizeres “Nãoao Ato Médico”.

O Projeto de Lei 025 foi aprovadoem dezembro de 2002 pela Comissão deConstituição, Justiça e Cidadania doSenado Federal, e ficou de ser analisa-do pela Comissão de Assuntos Sociais(CAS). Desde então, associações, sindi-

catos, escolas e conselhos regionais vêmse manifestando contra o projeto. Umrol de críticas ao texto foi enviadoem 2003 aos senadores da CAS, onde oprojeto seria votado como decisãoterminativa. Ou seja, se aprovado iriadiretamente à Câmara dos Deputados,sem passar pelo Plenário.

Atendendo solicitação do CNS, quepedia audiência pública com a partici-pação de todos os setores da saúdeantes da votação, e com base na rejei-ção unânime da Plenária Final da confe-rência, o Senado paralisou a tramitaçãodo PL 025. Para o CSN, esse projeto re-presenta um retrocesso na área da saú-de, uma vez que interfere no exercícioprofissional de várias categorias. “Enten-demos que a aprovação do Ato Médicoignora as relações multidisciplinares e aintegralidade da saúde”, disseram repre-sentantes do conselho na Doze.

Maria Atividade Santana, represen-tante do Fórum das Entidades Nacio-nais dos Trabalhadores da Área de Saú-de (Fentas), acredita que regulamentaro Ato Médico é reduzir o conceito desaúde à cura de uma doença. “Seriaum retrocesso imaginar que um únicoprofissional tenha conhecimentos hu-manos tão amplos para abarcar as açõesde todos os profissionais de saúde emprol do bem-estar da população”, dis-se ela, em entrevista ao portal Psicolo-gia online (www.pol.org.br), em 22 dedezembro. Ela chama a atenção paraprofissionais, como sanitaristas, enfer-

meiros, nutricionistas e psicólogos, quetrabalham segundo os princípios damultidisciplinaridade na promoção dasaúde adotados pelo SUS.

O mesmo pensa Maria Elizabete deSouza, presidente do Conselho Regio-nal de Psicologia de Minas Gerais. Paraela, em entrevista ao mesmo portal, aconcepção de saúde tem conceitoamplo, que não permite dizer que so-mente a medicina é capaz de lidar coma saúde. “A própria sociedade tem ma-neiras históricas e culturais de lidar comas doenças, como curandeiros, raizeirose benzedeiras”, enumerou.

Somente o Conselho Federal deMedicina aprova o Ato Médico. Para seupresidente, Edson de Oliveira Andrade,segundo artigo publicado no PortalMédico (www.portalmedico.org.br) em19 de dezembro de 2003, o Ato Médicoestá justificado pela importância quea medicina representa para o país.

“Hoje, temos mais de 280 mil médi-cos trabalhando no Brasil”, dizia o tex-to. “Herdeiros de uma profissão commais de 25 séculos de existência, osmédicos brasileiros necessitam de umalei que reconheça sua efetiva importân-cia social. Segundo Andrade, a lei nãodá qualquer privilégio à medicina emrelação às demais profissões da área dasaúde, apenas respeita a importânciaque assumiu o “ser médico” na históriado setor saúde, considerando o tempoe a dedicação que o curso de Medicinaexige de cada aluno.

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radis entrevista

Jesuan Xavier

Coordenador-geral da 12ªConferência Nacional deSaúde, o médico sanitaris-ta Eduardo Jorge Martins

Alves Sobrinho, 53 anos, ainda feste-ja o sucesso do evento. Ovacionadona solenidade de abertura, emBrasília, ele considera que houve umaexplosão de participação popularnesta última edição. Por conta disso,admite, é necessário que se pensenum novo modelo de conferência,com menos espaço para discurso.

Convidado pela revista Radis afazer um balanço crítico do evento,Eduardo Jorge elogia a organização,mas acha que os delegados agiramcom certa timidez em relação a ques-tões que considera fundamentais paraa expansão do Sistema Único de Saú-de (SUS). “Mas o mais importante é orespeito à vontade da maioria”. Eleressalta, no entanto, que a conferên-cia ainda não terminou. “Em respeitoàs regras do jogo, as emendas pro-postas — e que não foram votadas —ainda deverão ser apreciadas”. A vo-tação, segundo Eduardo Jorge, ocor-rerá por correspondência. Depoisdisso, ele promete lutar por um pac-to nacional em relação ao que foideliberado durante os cinco dias detrabalho em Brasília.

Qual o balanço da 12º ConferênciaNacional de Saúde?

O sucesso na descentralizaçãodo SUS acabou gerando uma partici-pação incrível. Se avaliarmos todas asetapas da Conferência, com debatesorganizados em mais de 3.600 municí-pios e nos 27 estados, constatamosque mais de 200 mil pessoas contri-buíram de alguma forma para a elabo-ração de um documento que, espe-ro, se torne a diretriz a ser seguidapelo governo em todas as suas esfe-ras. O relatório estudado e debatidoem Brasília foi elaborado de baixo paracima. Isso reflete um nível de amadu-

recimento nunca antes visto. Poroutro lado, essa explosão de partici-pantes demonstrou que precisaremosrepensar a estrutura das próximasconferências. Um novo modelo quetenha menos discurso e mais refle-xão. Menos caciques e que dê maisautonomia aos delegados. Termina-mos aqui em Brasília com mais de1.000 emendas que ainda precisamser votadas. Acho também que te-mos que escolher melhor os temas.Não dá para debater todos os aspec-tos num só evento.

E as propostas que não foram apre-ciadas em Brasília?

Como disse antes, mais de 1.000destaques não puderam ser votados.Não haveria tempo suficiente para aPlenária Final apreciar tudo. Optamospor votar as mais polêmicas e as quejulgamos mais importantes. Mas assumio compromisso de enviar aos três mildelegados todas as emendas propos-tas em Brasília – a votação delas acon-tecerá por correspondência. Apenasdepois desse processo é que vamosconcluir o relatório. Acredito que issoaconteça até o fim de março.

Que avaliação o senhor faz das vo-tações?

Acho que os delegados da con-ferência pecaram por uma certa ti-midez. Diante dos enormes desafiosda expansão do SUS, poderiam tersido um pouco menos conservadores.Por exemplo, penso que eles nãoentenderam as amplas perspectivasque viriam com uma unificação emtorno de um Ministério da SeguridadeSocial. Acho ainda que poderíamoster pensado numa política mais agres-siva de novos recursos, mais agressi-va também para a universalização doPrograma de Saúde da Família.

Como o senhor viu a estrutura mon-tada em Brasília?

Foi fantástica. Reunimos três mildelegados e 1.000 observadores, quetrabalharam durante cinco dias sem

nenhum problema mais relevante. Valeressaltar aqui a boa organização darelatoria, comandada pelo PauloGadelha [vice-presidente de Desen-volvimento Institucional em Formaçãoe Comunicação da Fiocruz]. A utiliza-ção intensiva da informática foi fun-damental para a fluência dos traba-lhos dos 100 grupos que apreciaramo relatório. Transparência e democra-cia estiveram presentes em todas asfases do evento.

O que pode sair de concreto dessaconferência?

Esse é o ponto-chave. Acheimuito positivo o ministro da Saúde,Humberto Costa, ter reiterado diver-sas vezes que assumirá as decisõestomadas na Conferência. Acho que oConselho Nacional de SecretáriosMunicipais de Saúde (Conasems) e oConselho de Secretários de Saúde emcada estado (Cosems) deveriam fazero mesmo. Vamos lutar, a partir de ago-ra, por um pacto público nacionalentre todas as esferas de governo. Oideal seria uma solenidade em quepresidente da República, governado-res e prefeitos assinassem um com-promisso formal com as diretrizes fir-madas na conferência. Apenas assimconseguiremos que nosso trabalhosaia concretamente do papel.

Eduardo Jorge

“Explosão de participantes mostrouque precisamos repensar as conferências”

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SERVIÇOS

AGENDA 2004

1º CONGRESSO BRASILEIRO

DE PREVENÇÃO DA TRANSMISSÃO

VERTICAL DO HIV/AIDS

Oevento busca promover a trocade experiências entre profissi-

onais, valorizando a atuação de ONGsque trabalham para a redução dosíndices de transmissão vertical doHIV/AIDS.Data: 8 a 11 de março de 2004Local: Espaço Cultural José Linsdo Rego, João Pessoa (PB)Mais informações:(83) 247-4424 / 247-6299 ouwww.eventos-e-consultoria.com.br

20º CONGRESSO NACIONAL

DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS DE SAÚDE

Tendo como tema “SUS é Saúde,SUS é Brasil”, o congresso fará

uma reflexão sobre a política nacio-nal de saúde, com base nas decisõesda 12ª Conferência Nacional de Saú-de. Organizado pelo Conselho Naci-onal de Secretários Municipais deSaúde (Conasems), o congresso re-presenta a oportunidade para ocompartilhamento de experiênciasmunicipais de secretários e profissi-onais de saúde. Paralelamente aoCongresso será realizado também o ICongresso Brasileiro de Saúde, Cul-tura de Paz e Não-Violência.Data: 17 a 20 de março de 2004Local: Natal (RN)Mais informações: Conasems(61) 315-2121, www.conasems.org.brou [email protected]

I CONGRESSO INTERAMERICANO

DE SAÚDE AMBIENTAL

Oevento apresenta como temacentral “Saúde ambiental e desen-

volvimento sustentável: perspectivas

e conseqüências”. O congresso abor-dará os seguintes temas: a epide-miologia dos riscos ambientais, o am-biente construído e seu efeito nasaúde, periferia urbana e reflexos nasaúde, resíduos do setor de saúde,saúde e avaliação da qualidadeambiental, produção de alimentos ereflexos na saúde e no ambiente, cri-anças e idosos e exposição ambiental,avaliação dos impactos do saneamen-to ambiental no setor de saúde, saú-de no ambiente de trabalho, prote-ção da saúde como responsabilidadesocial e política nacional de saúde emeio ambiente.Data: 27 a 29 de abril de 2004Local: Centro de Eventos do HotelPlaza São Rafael, Porto Alegre (RS)Mais informações: (51) 3226-3111,www.abes-rs.org.br [email protected]

12º CONGRESSO DA ANAMT 2004

Promovido pela Associação Nacio-nal de Medicina do Trabalho e a

Associação Goiana de Medicina doTrabalho, o encontro vai debater“Saúde e segurança do trabalho noatual contexto brasileiro: novos es-paços, necessidades e oportunida-des”. O prazo para entrega de traba-lhos expirou em janeiro. Temas emdiscussão: câncer ocupacional, dis-túrbios respiratórios, ergonomia, saú-de mental, riscos biológicos, educa-ção e treinamento, trabalho noturnoou em turnos de revezamento, so-brecarga térmica, neurotoxicidade,psicofisiologia, problemas de saúdeocupacional relacionados às pequenasempresas, computação e tecnologiada informação, reabilitação.Data: 1º a 7 de maio de 2004Local: Centro de Cultura e Conven-ções, Goiânia (GO)Mais informações: (62) 241-3939 ouwww.anamt2004.com.br

6º CONGRESSO PAULISTA

DE DIABETES E METABOLISMO

Dirigido aos grupos de pesquisabásica e clínica e aos clínicos

e especialistas interessados emapresentar e discutir temas relaci-onados ao diabetes melito, o even-to apresenta como tema central a

“Heterogeneidade do diabetes melito:da pesquisa para a clínica”.Data: 29 a 2 de maio de 2004Local: Campos do Jordão Arts & Conven-tion Center, Campos do Jordão (SP)Mais informações:www.eventus.com.br/diabetes/

5º CONGRESSO BRASILEIRO

DE BIOÉTICA

Promovido pela Sociedade Brasileirade Bioética, o Congresso tem como

tema Bioética e Cidadania.Data: 13 a 15 de maio de 2004Local: Mar Hotel, Recife (PE)Mais informações: (81) 3463-0871 ouwww.sbbioetica.org.br

1º ENCONTRO ANUAL

DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL

DE AVALIAÇÃO TECNOLÓGICA

Oprimeiro Encontro Anual da Asso-ciação Internacional de Avaliação

Tecnológica (HTAi) traz o tema “HTA— ontem, hoje e amanhã”. O prazode envio de trabalhos expirou em ja-neiro. Os temas: avaliação de políti-cas e práticas de saúde, qualidade ecusto-efetividade de serviços clíni-cos, administração efetiva e organi-zação de serviços de saúde.Data: 30 de maio a 2 de junho de 2004Local: Krakow, PolôniaMais informações:[email protected] ou www.htai.org

6º CONGRESSO BRASILEIRO

DE EPIDEMIOLOGIA

Com o lema “Um olhar sobre a ci-dade”, o evento pretende enfocar

a cidade na perspectiva epidemio-lógica, refletindo acerca de umnovo modelo de cidade, mais sau-dável e justa. Paralelamente acon-tece a 6ª Reunião Científica daAmérica Latina e Caribe da IEA, re-alizada pela Associação Internacio-nal de Epidemiologia (IEA) e a Asso-ciação Brasileira de Pós-Graduaçãoem Saúde Coletiva (Abrasco).Data: 19 a 23 de junho de 2004Local: Centro de Convenções dePernambuco, Recife (PE)Mais informações (81) 3227-1902 ouwww.congressoepidemiologia2004.com.br

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PÓS-TUDO

Doze na cabeça

Aristides Dutra

Uma conferência é uma reuniãode pessoas para discutir e

deliberar sobre grandes questões.Uma conferência é um embatenuma arena de idéias de onde mui-tas sairão triunfantes, enquanto tan-tas outras serão simplesmente re-jeitadas ou mesmo extintas. Nessaluta cruel pela sobrevivência, as idéi-as manifestam-se tanto nos espaçosoficiais quanto nos não-oficiais. O

mais inusitado, belo e sutil espaçoalternativo para a variedade de idéi-as, valores e gostos contidos nas ca-beças dos participantes da Dozeeram suas próprias cabeças. Em al-guns casos o comprometimento eraexplícito, em outros as escolhas pa-reciam puramente estéticas.Cocares indígenas, penteados afro,turbantes, lenços, bandanas, tou-cas, bonés, boinas, espirais, arcos,faixas e até narizes de palhaço pro-varam definitivamente que cabeçanão é somente para ter idéias.

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