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ATITUDE Revista de Divulgação Científica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre Construindo Oportunidades Ano XI - nº23 Agosto/ Dezembro 2017

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ATITUDERevista de Divulgação Científica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre

ConstruindoOportunidades

Ano XI - nº23Agosto/

Dezembro2017

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REVISTA ATITUDE - Construindo OportunidadesPeriódico da Faculdade Dom Bosco de Porto AlegreAno XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

ISSN 1809-5720

A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por finalidade a produção e a divulgação do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de ideias, fomentar a produção científica e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos.Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte.

Endereço para permuta:Rua Mal. José Inácio da Silva, 355Passo D’Areia - Porto Alegre - RS

Tel: (51) 3361.6700www.faculdade.dombosco.net

Porto Alegre, 2017

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Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de DivulgaçãoCientífica da Faculdade Dom Bosco de Porto AlegreAno XI, número 23, ago/dez 2017 – ISSN 1809-5720

Diretor/DirectorProf. Dr. Edson Sidney de Avila Junior - [email protected]

Editor/EditorProf. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]

Comissão Editorial/Editorial BoardProf. Dr. Renato Ferreira Machado - [email protected]

Prof. Dr. P. Marcos Sandrini - [email protected]. Dra. Cristiane de Oliveira Pereira - [email protected]

Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]

Comissão Científica/Scientific CommitteeProfa. Dra. Adriana Dreyzin de Klor (UNC/ Córdoba, Argentina) Profa. Me. Andressa Lacerda Capelli (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. José Noronha Rodrigues (Universidade dos Açores, Portugal) Prof. Dr. Carlos Garulo (IUS/Roma, Itália)

Prof. Dr. Erneldo Schallenberger (UNIOESTE/Cascavel, PR) Prof. Dr. Fábio José Garcia dos Reis (UNISAL/Lorena, SP)

Prof. Dr. Friedrich Wilherm Herms (UERJ/Rio de Janeiro, RJ) Profa. Me. Neide Aparecida Ribeiro (UCB/Brasília)

Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS) Pesq. Dr. Manoel de Araújo Sousa Jr. (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS) Prof. Dr. Nelson Luiz Sambaqui Gruber (UFRGS/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. Osmar Gustavo Wöhl Coelho (UNISINOS/São Leopoldo, RS) Prof. Dr. Stefano Florissi (UFRGS/Porto Alegre, RS)

Pesq. Dra. Tania Maria Sausen (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Avaliadores ad-hoc/Ad-hoc reviewersProf. Ms. Aécio Cordeiro Neves (FDB/Porto Alegre, RS)

Pesq. Ms. Camila Cossetin Ferreira (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Prof. Dr. José Néri da Silveira (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Ms. José Nosvitz Pereira de Souza (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Ms. Luciane Teresa Salvi (FDB/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. Luís Carlos Dalla Rosa (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Ms. Luiz Dal Molin (FDB/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Marcelo Schenk Duque (FDB/Porto Alegre, RS) Pof. Dr. Ricardo Alvarez (UM/Buenos Aires, Argentina)

Pesq. Ms. Silvia Midori Saito (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Profa. Ms. Viviani Lopes Bastos (UCS/Caxias do Sul, RS)

Produção Gráfica/Graphics ProductionPropale*com

Rua Vinte e Quatro de Outubro 1330 – Auxiliadora – Porto Alegre – RS - CEP 90510-001 – Tel: (51) 3377.5297

Revisão:Diego Dornelles da Costa

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SUMÁRIO

1. A embriaguez no ambiente de trabalho: A concessão do auxílio doença X A dispensa por justa causa prevista na CLTLaura Machado de Oliveira; Magali Campos Rodrigues

2. Análise dos custos e formação de preço de prestação de serviços de beleza: Estudo de caso.Sandra Belloli de Vargas; Ana Lúcia Delgado

3. A responsabilidade civil dos hospitais: uma análise a partir do acórdão do STJKlaus Cohen Koplin

4. Os donos do poder e o perfil extrativista das instituições brasileirasGustavo Vicente Sander

5. Mudança organizacional e os fatores críticos de sucesso: estudo de caso no sistema FIERGSAndressa Lacerda Capelli

6. A mediação nos conflitos familiaresRoberta Drehmer de Miranda; Luiza Leite Vanzin

7. A utilização do material didático digital em uma escola particular: dados e observações inicias.Gilson de Oliveira Cardoso; Blanca Martín Salvago

8. Gestão de riscos corporativos, controles internos e governança no âmbito do Poder Executivo Federal.Marizete Teresinha Fabris; Daniela Baggio

9. A importância da confiança no relacionamento próximo entre empresa do pequeno varejo alimentício e o consumidor localAlexandre Viegas da Silva; Neuri A. Zanchet; Vanice T. Gomes

10. Harry Potter é acusado. Aline Vieira Malanovicz

11. Jogos Vorazes, medo e fascínio na vigilância contemporânea. Aline Tusset de Rocco

12. A disciplina da prova de negócio jurídico: interação entre o direito material e o direito processual. Anair Isabel Schaefer

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13. Gestação por substituição: o que o Brasil pode aprender com a experiência estrangeiraEliza Cerutti

14. Aplicação da curva ABC no estoque de uma empresa distribuidora de cosméticosHenrique Martim de Moura; Bruna Corecha

15. A igualdade social e política “entre” Hannah Arendt e HabermasJoão Francisco Cócaro Ribeiro

16. Reflexões sobre a crítica ao otimismo em Arthur SchopenhauerLeonardo Ritter Schaefer

17. La aplicación del protocolo de las leñas en el BrasilSilvio Javier Battello Calderón; Silvio Brambila Fragoso Junior

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A Revista Atitude é uma publicação periódica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, que atualmente oferece à comunidade 8 (oito) cursos superiores: Administração, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Ciências Contábeis, Engenharia Ambiental e Sanitária, Engenharia de Produção, Direito, Logística e Sistemas de Informação. Nosso grande objetivo é ajudar as novas gerações a se posicionarem diante da vida como profissionais e cidadãos.

Queremos ser fiéis à missão que nos foi deixada por Dom Bosco de educar pessoas para serem “bons cristãos e honestos cidadãos”. Fazemos parte de uma rede de Instituições de Educação Superior chamada IUS, ou seja, Instituições Universitárias Salesianas presente em quatro continentes com mais de 70 (setenta) Instituições. Todas com o mesmo objetivo, a mesma utopia, as mesmas metodologias, o mesmo desejo de encarnação no seu entorno.

A Revista Atitude já está em seu número 23. São muitos anos de publicação ininterrupta de uma revista reconhecida e conceituada no âmbito nacional e internacional, com indexação no Qualis. Professores, alunos, convidados estão presentes em suas páginas com o grande objetivo de defender, promover e alavancar a vida, cada vida, em todas as suas dimensões.

Por fim, aproveitamos para informar que a partir desde número todos os trabalhos já publicados na Revista poderão ser consultados também no portal da nossa Biblioteca:

https://faculdadedombosco.edu.br/bibliotecadb/

Este é o sentido de nossa presença no mundo da educação superior.

REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades!

APRESENTAÇÃO

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8A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO:A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA

POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

Laura Machado de Oliveira1

Magali Campos Rodrigues2

RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de explorar alguns aspectos acerca da extinção do contrato de trabalho com enfoque na inaplicabilidade da justa causa por motivo de embriaguez habitual ou em serviço. Adentrando o estudo no aspecto da dispensa por justa causa aplicada pelo empregador ao empregado (art.482, CLT), chega-se ao ato faltoso praticado pelo empregado por motivo da embriaguez habitual ou em serviço previsto na alínea “f” do artigo supracitado. Contudo, o entendimento jurisprudencial rechaça a dispensa por justa causa por tal motivo, tendo em vista que a embriaguez é uma doença. Desta forma, explorar-se-á esta divergência, entre legislação e jurisprudência, como uma tentativa de dar uma ampla visão sobre o assunto, sem enveredar por apenas um só caminho.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato de trabalho. Extinção. Justa causa. Embriaguez habitual ou em serviço. Doença.

ABSTRACT

The present work intends to explore some aspects about the termination of the employment contract with focus on the inapplicability of just cause due to habitual drunkenness or in service. In entering the study on the aspect of dismissal for just cause applied by the employer to the employee (art. 482, CLT), the wrongdoing is practiced by the employee due to habitual drunkenness or in service provided for in item “f” of the aforementioned article. However, the jurisprudential understanding rejects the dispensation for just cause for that reason, since drunkenness is a disease. In this way, this divergence, between legislation and jurisprudence, will be explored as an attempt to give a broad view on the subject, without embarking on only one way.

KEYWORDS: Employment contract. Extinction. Just cause. Usual or in-service drunkenness. Disease.

1 Laura Machado de Oliveira: Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Mestra pela UFRGS em Direito do Trabalho. Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho. Autora de diversos artigos trabalhistas. Citada reiteradamente em acórdãos do TST e na bibliografia selecionada do tribunal. Autora do livro “O direito do trabalho penitenciário” pela Lumen Juris.

2 Advogada trabalhista.

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INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como tema a dispensa por justa causa por embriaguez habitual ou em serviço, mais especificamente acerca da previsão do art. 482, alínea “f” da Consolidação das Leis do Trabalho e o entendimento dos tribunais trabalhistas a respeito da embriaguez.

Com base neste contexto, formulou-se o problema de pesquisa da seguinte forma: a embriaguez enseja dispensa por justa causa ou ela deve ser considerada doença e o empregado deverá ser encaminhado ao INSS para receber auxílio doença?

Consoante o exposto, percebe-se que há uma divergência, pois no que tange ao artigo supracitado o empregador poderá dispensar o empregado que se embriaga habitualmente ou em serviço. Todavia, nos deparamos aqui com uma divergência, haja vista que os tribunais desconsideram a dispensa por justa causa por tal motivo, desde que a embriaguez habitual foi elencada no Código Internacional de Doenças com o nome de “Síndrome da Dependência do Álcool”, sendo então considerada uma doença.

A justificativa de pesquisa é manifesta, pois a necessidade da abordagem do tema deve-se em virtude do aumento de despedimentos por tal motivo. Assim, obsta dizer que a relevância do tema é indiscutível, uma vez que há diversos processos judiciais versando sobre o tema. Outrossim, destaca-se a existência de um problema social, haja vista sua contribuição direta na saúde do trabalhador em virtude de sua doença.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo geral explorar alguns aspectos acerca da extinção do contrato de trabalho, com enfoque na inaplicabilidade da justa causa por motivo de embriaguez habitual, tendo em vista que o portador dessa doença deverá ser encaminhado para tratamento e consequentemente receber auxílio doença.

1. CONCEITO DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

A extinção do contrato do trabalho está expressamente prevista na CLT. Os artigos 477 ao 486 versam a respeito da rescisão do contrato. Primeiramente, cumpre esclarecer de forma ampla, que a extinção do contrato de trabalho é quando ocorre o rompimento do contrato firmado entre empregado e empregador, podendo ocorrer de diversas formas, como por causa dada pelo empregado, pelo empregador, de comum acordo entre as partes, factum principis, culpa recíproca, etc.

Segundo Sérgio Pinto Martins, “a cessação do Contrato de Trabalho é a terminação do vínculo de emprego, com a extinção das obrigações para os contratantes”3.

Maurício Godinho Delgado aborda o conceito de extinção do contrato de trabalho de forma mais ampla e explicativa, dispondo que “o contrato de trabalho, como os negócios jurídicos em geral, nasce em certo instante, cumpre-se parcialmente ou de modo integral, e sofre, quase que inevitavelmente, alterações ao longo do tempo; por fim, ela se extingue”4.

E ainda, cita o princípio da continuidade da relação de emprego, o qual, além de fundamentar a

3 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 399.

4 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 1163.

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preservação dos contratos de trabalho, visa também assegurar maior possibilidade de permanência do trabalhador em seu emprego.

O momento de terminação do contrato também é de grande relevância no Direito do Trabalho. [...] Tradicionalmente, no Direito do Trabalho sempre vigorou o princípio da conservação do contrato, da continuidade da relação de emprego: preserva-se o vínculo juslaborativo, desde que a dispensa não se funde em causa jurídica relevante.5

Assim, podemos perceber que a principal consequência deste princípio é que, em regra, o contrato de trabalho é firmado por prazo indeterminado, pois prevalece a continuidade da relação de emprego.

Ademais, a extinção do contrato de trabalho é de suma importância, haja vista as diversas formas de extinção contratual existentes, as quais passarão a ser analisadas no presente trabalho.

1.1. FORMAS DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

A extinção contratual se dá por diversas formas, tendo em vista, que diversas são as vontades dos contratantes. No entanto, incumbe ao Direito do Trabalho a tarefa de equilibrar as vontades de ambos, preservando direitos e interesses das partes contratantes.

Diante das diversas modalidades de extinção do contrato de trabalho e, tendo em vista, a necessidade de adentrar no contexto da modalidade específica da “dispensa por justa causa por motivo de embriaguez habitual e no serviço”, explorar-se-á de maneira sucinta as formas de extinção do contrato de trabalho. Neste contexto, iniciamos a explicação, elencando abaixo as modalidades de extinção contratual proposta por Sérgio Pinto Martins:

(a) por decisão do empregador, que compreenderá a dispensa sem justa causa e com justa causa; (b) por decisão do empregado, que comporta a demissão, a rescisão indireta ou aposentadoria; (c) por desaparecimento de uma das partes, como a morte do empregador pessoa física, do empregado, ou a extinção da empresa; (d) por mútuo consentimento entre as partes; (e) por advento do termo do contrato; (f) por força maior; (g) factum principis.6

A doutrina, porém, não é pacífica em relação a essa classificação, pois há doutrinadores que incluem nessa divisão a despedida arbitrária como uma forma de extinção contratual7. Desta forma, cumpre esclarecer que, para o presente trabalho utilizar-se-á a classificação proposta pelo referido autor, sendo usada para conceituar brevemente e individualmente cada forma de extinção contratual.

A seguir, abordar-se-á as principais modalidades da extinção do contrato de trabalho:

A) por decisão do empregador

5 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 1163.

6 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 402.

7 O motivo pelo qual há doutrinadores que divergem sobre tal diferenciação é em razão do art. 7º, inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil, vejamos o que aduz o artigo supracitado: Art. 7º, CRFB. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; O dispositivo acima não trata a dispensa arbitrária e sem justa causa como sinônimas. Ademais, até o presente momento, tal lei complementar inexiste. Então, enquanto não houver lei as definindo, os efeitos jurídicos das duas serão iguais.

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A.1) dispensa sem justa causa ou arbitrária: é aquela declarada pelo empregador, onde verifica-se o poder que este detém na relação trabalhista, pois o mesmo não fundamenta sua iniciativa por possuir autonomia para isso, mas acarretar-lhe-á obrigações legais junto ao trabalhador;

A.2) dispensa com justa causa do empregado: esta, por sua vez, caracteriza a ruptura do contrato de trabalho por ato faltoso do empregado e suas causas estão expressamente elencadas no artigo 482 da CLT, porém, esta será tratada separadamente neste trabalho, pois é parte essencial para esclarecer o tema aqui presente;

B) por decisão do empregado

B.1) demissão: é aquela pelo qual o empregado apenas comunica ao seu empregador de que não deseja mais trabalhar na empresa, portanto, “não cabe ao empregador, por óbvio, aceitar ou não a demissão, pois este é um direito fundamental do empregado (liberdade)”8;

B.2) rescisão indireta: esta ocorre por iniciativa do empregado sempre que o empregador descumprir suas obrigações contratuais, também conhecida como justa causa praticada pelo empregador, e seus motivos ensejadores estão previstos no “artigo 483 da CLT”;

B.3) aposentadoria: esta dar-se-á por idade, tempo de serviço ou aposentadoria especial. Ressalta-se que atualmente é possível estar aposentado e continuar trabalhando, depende da escolha do empregado;

C) por desaparecimento de uma das partes

C.1) morte do empregador pessoa física: (artigo 483, § 2º da CLT); c.2) morte do empregado; ou por c.3) extinção da empresa:

D) por mútuo consentimento entre as partes: esta, nada mais é que um acordo entre as partes para a cessação do contrato de trabalho. Tal modalidade surgiu com o advento da lei da reforma trabalhista com o implemento do art. 484-A CLT;

E) por culpa recíproca: compreende o fato de que ambas as partes tenham dado causa a extinção do contrato de trabalho, por falta tanto do empregado como do empregador, rescindindo assim o contrato de trabalho, pois ambos motivaram o seu término. Outrossim, cumpre mencionar, que as faltas de ambos os contratantes devem ser concomitantes, ou seja, ocorrerem ao mesmo tempo;

F) por advento do termo do contrato: esta é modalidade de extinção dos contratos a prazo determinado, a qual permite que empregado e empregador rescindam o contrato antes do prazo determinado, ambos arcando com respectivas indenizações;

G) por força maior: é caracterizada pela impossibilidade da execução do contrato de trabalho porque a empresa encerrou suas atividades por motivo de força maior e sem culpa do empregador;

H) factum principis: palavras derivadas do latim, que significa “fato do príncipe”, “o qual é causado pela Administração Pública, provocando o encerramento da empresa e a dispensa dos seus empregados”9.

Assim, verificamos que o ordenamento jurídico fornece várias formas para extinção contratual,

8 RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 648.

9 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 434.

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cada qual com suas peculiaridades e sua aplicabilidade caso a caso, observando sempre o princípio da continuidade da relação de emprego e a proteção prevista no art. 7º da Constituição.

1.1.2. JUSTA CAUSA

Objeto desse trabalho, a expressão “justa causa” e “falta grave” são consideradas pela maioria dos doutrinadores como sinônimas, no entanto, há estudiosos que entendem se tratar de figuras distintas, porém, ambas alcançam o mesmo objetivo. Deste modo, Wagner D. Giglio ensina: “na prática, as expressões justa causa e falta grave são usadas como sinônimos, mas de acordo com a lei, falta grave é a justa causa que, por sua repetição ou natureza, represente séria violação de deveres do trabalhador, autorizando o despedimento do empregado estável10” . Ainda, faz-se mister trazer o entendimento de Délio Maranhão a fim de deixar clara a explicação a respeito do tema para que se possa compreender quando encontrarmos tais nomenclaturas no decorrer deste trabalho. O referido autor ensina que há uma equivalência entre as duas expressões: “não procede a distinção, que se pretende fazer, entre ‘justa causa’ e ‘falta grave’, esta peculiar à resolução do contrato de empregado estável. A justa causa, por definição, é a falta grave”11.

Partindo dessa premissa e sob o intento maior de aprofundar o conhecimento acerca da dispensa por justa causa, existe a necessidade de conceituar a expressão justa causa no contrato de trabalho. A justa causa trabalhista é uma das modalidades do término do contrato de trabalho, sua previsão está no dispositivo dos artigos 477 ao 486 da Consolidação das Leis do Trabalho, e como visto anteriormente, pode ser atribuída tanto para a figura do empregado, consoante artigo 482, como do empregador, de acordo com o artigo 483, ambos da CLT. Todavia, cumpre salientar que para o presente trabalho, abordar-se-á apenas a modalidade da justa causa praticada pelo empregado.

Quando se fala em conceito de justa causa, abre-se um leque, haja vista que diversos autores a conceituam com várias definições. No entanto, a justa causa é uma previsão de ordem legal que vem para regular a dispensa do empregado pelo empregador, de modo que este não use o poder que possui para pôr fim ao contrato de trabalho, ou seja, é o justo motivo da rescisão contratual para a dispensa do empregado.

Ademais, a dispensa por justa causa é um ato faltoso cometido pelo empregado que faz desaparecer a confiança e boa-fé existentes entre as partes, tornando indesejável a continuação da relação trabalhista. A fim de certificar o exposto é que se traz os ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento, que conceitua a justa causa do empregado como um motivo grave. Assim, insta transcrever suas palavras: “considera-se justa causa o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho12”. Consoante entendimento de Maurício Godinho Delgado,

[...] para o direito brasileiro, justa causa é o motivo relevante, previsto legalmente, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do sujeito comitente da infração - no caso, o

10 GIGLIO, Wagner D.. Justa Causa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 47.

11 SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, José de Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1961. p. 608.

12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 36. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 401.

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empregado. Trata-se, pois, da conduta tipificada em lei que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do trabalhador.13

Resumidamente, é possível conceituar a justa causa, de acordo com o entendimento de Wagner D. Giglio que aduz que “a justa causa se constitui, basicamente, de uma infração ou ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autoriza a outra a rescindir o contrato”14.

A partir desses ensinamentos, o empregador tem o poder disciplinar e, assim poderá tomar algumas medidas como punição ao empregado que descumprir as obrigações do contrato de trabalho, como advertir o empregado, suspendê-lo por no máximo 30 dias, ou ainda adotar a medida mais severa que é a dispensa por justa causa.

Desta forma, é possível compreender que a dispensa por justa causa do empregado é uma forma de extinção do contrato de trabalho, na qual o empregador dispensa o seu trabalhador (extinguindo o contrato de trabalho) porque este cometeu falta grave, afetando assim, a confiança entre ambos contratantes. Ainda, no que concerne a dispensa por justa causa, Neuza Vaz Gonçalves de Melo explica que o empregado, além de perder o emprego, perde também todos os seus direitos trabalhistas em razão de ser despedido por um motivo justificado:

O motivo da dispensa, de natureza grave, partiu do empregado, impedindo a continuação do pacto, porque o empregador perdeu a fidúcia devotada ao empregado. Impossível, de tal arte, a continuação do contrato, tendo em vista a confiança e a boa-fé que devem existir entre os contratantes. É o ato doloso ou culposo gerador de descrédito. Impossível mesmo a permanência do pacto laboral. O ato faltoso do empregado autoriza o patrão a rescindir o contrato. O empregado perde tudo. As expressões motivo, justo motivo, culpa e justa causa expressam a perda do direito do trabalhador.15

Contribuindo para a interpretação acima, Valentin Carrion esclarece que a justa causa é caracterizada por ato ilícito praticado pelo empregado, que possibilita ao empregador rescindir o contrato de trabalho sem as devidas indenizações trabalhistas e outros direitos assegurados ao empregado, os quais seriam concedidos em outras modalidades de extinção do contrato. Neste sentido leciona que justa causa é,

[...] efeito emanado de ato ilícito do empregado que, violando alguma obrigação legal ou contratual, explícita ou implícita, permite ao empregador a rescisão do contrato sem ônus (pagamento de indenizações ou percentual sobre os depósitos do FGTS, 13º salário e férias, estes dois proporcionais).16

Assim sendo, se o empregado for dispensado de suas atividades laborais por esta modalidade de extinção contratual, qual seja a justa causa, ele não terá direito de receber 13º salário proporcional, férias proporcionais, nem pode sacar o fundo de garantia, fazendo jus apenas ao saldo de salário, o que inclui horas extras, adicional noturno ou qualquer outro adicional que acompanha o salário e se houver férias vencidas, apenas essas deverão ser pagas.

13 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 1207.

14 GIGLIO, Wagner D.. Justa Causa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 47.

15 MELO, Neuza Vaz Gonçalves de. Manual do Empregador: Direito do Trabalho. 2. ed. Goiânia: AB, 2000. p. 173.

16 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 459.

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14A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

A justa causa configura-se por meio de um dos atos praticados pelo empregado dentro ou fora do ambiente corporativo, classificada no rol do artigo 482 da CLT, os quais são caracterizados como atos contrários às condutas aceitáveis ao bom comportamento, dando margem a rescisão do contrato de trabalho por justo motivo.

A CLT aderiu em seu rol hipóteses de rescisão do contrato de trabalho por justa causa, rol considerado como taxativo. Encara-se dessa maneira tendo em vista que se aceita como justa causa somente àquela disposta na lei. Assim, resta evidente que, observando o exposto acima, pode-se afirmar que o empregador não poderá usar seu poder de direção para rescindir o contrato de trabalho por justa causa sem que o ato faltoso pelo empregado esteja expressamente previsto no dispositivo. Desta forma, o empregador não poderá extravasar os contornos fixados no artigo 482 da CLT. Tal ato faltoso, praticado pelo empregado, dentro ou fora da empresa, deverá ter gravidade a ponto de impossibilitar a normal continuação do vínculo empregatício. No entanto, além da previsão do artigo 482 da CLT, algumas hipóteses motivadoras da dispensa por justa causa são encontradas em outros dispositivos, quais sejam:

[...] art. 158, parágrafo único (recusa injustificada em observar as instruções de medicina e segurança do trabalho ou em utilizar EPI), e art. 240, parágrafo único (recusa injustificada do ferroviário a prestar hora extra em caso de urgência ou acidente), ambos da CLT; art. 7º, §3º, do Decreto 95.247/87 (declaração falsa ou uso indevido do vale-transporte).17

Por outro lado, o entendimento do autor Sérgio Pinto Martins é no seguinte sentido:

Pelo que se verifica, o art. 482 da CLT é taxativo, sendo que somente as faltas tipificadas no referido comando legal serão passíveis da aplicação da justa causa. Não se trata, portanto, de norma meramente exemplificativa, pois há necessidade de ser descrito o tipo para enquadramento da falta cometida pelo empregado.18

Todavia, obsta dizer que uma polêmica que aqui se verifica é no que concerne a “taxatividade” da justa causa, uma vez que a maioria da doutrina entende que não há qualquer outro tipo de justa causa senão aqueles expressamente determinados no artigo 482 da CLT. Em contraposto, verifica-se entendimentos no sentido de que o disposto no referido artigo é exemplificativo, pois torna-se uma utopia o fato da lei abranger todas as circunstâncias existentes na relação de trabalho, pois há que apreciar cada caso concreto com base nos dispositivos legais, sem que estes sejam taxativos. Porquanto, é que se traz o que nos ensina Eduardo Gabriel Saad, que preleciona:

É exemplificativa a relação de justa causa constante do artigo sob comento – Alguns doutrinadores como Mario de La Cueva – entendem que à lei é impossível abranger todas as circunstâncias da vida do trabalho e todos os conflitos que explodem entre patrões e empregados. Por essa razão, concluem que a relação das justas causas deve ser exemplificativa. A multifária vida empresarial não pode ser apreendida em toda a sua extensão por uma lei. A relação contida no art. 482, sob comentário é exemplificativa, mas são tão amplos seus termos que poucas faltas graves lhes escaparão. Todavia, admitimos a possibilidade de fato não previsto na CLT e que venha a quebrar, irremediavelmente, a confiança que o empregador deve depositar em seu empregado.19

17 OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. Direito do Trabalho. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. p. 358.

18 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 405.

19 SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidações das Leis do Trabalho. 42. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 652.

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Ademais, sem discordar do sistema taxativo, Alice Monteiro de Barros diz que:

A legislação brasileira aderiu ao sistema taxativo de faltas, limitando-se a enumerá-las, sem a preocupação de defini-las. Logo, relatados os fatos pela parte, o Juiz possui certa liberdade para enquadrá-las na enumeração legal, sendo-lhe, no entanto, defeso admitir nova figura faltosa além daquela prevista em lei.20

Destarte, consoante o exposto, a aplicação da justa causa deve ser sopesada pelo juiz, que no uso de suas atribuições deverá interpretar a norma em consonância com os elementos caracterizadores da justa causa, os quais serão discorridos no próximo tópico, pois não basta a aplicação “fria da lei”, mas sim uma análise ao caso concreto.

Ainda que se imagine que o rol do artigo 482 da CLT seja taxativo, diversas são as condutas do trabalhador que podem enquadrar-se na alínea “b” do referido artigo, caracterizadas como mau procedimento, que em tese, é todo o comportamento incorreto do empregado, o qual se desvia das regras legais ou que fere a própria moral, ou seja é a “conduta culposa do empregado que atinja a moral, sob o ponto de vista geral, [...] prejudicando o ambiente laborativo ou as obrigações do obreiro”21.

1.1.2.1. ELEMENTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA JUSTA CAUSA

Para configurar a justa causa é necessário que sejam preenchidos determinados requisitos, que são classificados pela doutrina como elementos subjetivos e objetivos. Reunindo os entendimentos doutrinários, cumpre destacar que são elementos subjetivos para a aplicação do poder disciplinar: a autoria, o dolo e a culpa. A figura da autoria remete àquele que cometeu a infração, o ato faltoso justificável da justa causa. Por dolo entende-se “a intenção de praticar o ato faltoso22”, enquanto que “a culpa refere-se à imprudência, negligência ou imperícia do empregado, fazendo com que o ato faltoso acabe ocorrendo”23.

Assim, insta transcrever o que aduz Maurício Godinho Delgado: “são requisitos subjetivos para a aplicação do poder disciplinar [...], a autoria obreira da infração e seu dolo ou culpa com respeito ao fato ou omissão imputados.”24 Ainda, no tocante aos elementos subjetivos, Machado Júnior entende que “o empregado deve participar para a ocorrência da conduta faltosa com culpa, pelo menos, nos seus aspectos de negligência, imperícia ou imprudência”25.

A partir de tais ensinamentos, torna-se evidente que, para a configuração da justa causa, deve haver a participação do trabalhador no ato faltoso. Não obstante, deverá ser comprovada a intenção do empregado para a ocorrência do mesmo, ou ainda, este deve ter agido com imprudência, negligência ou imperícia, o que resta configurado o dolo ou culpa.

20 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 888.

21 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 1217.

22 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 379.

23 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 379.

24 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 1211.

25 JR. MACHADO, César P. S.. Direito do Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 458.

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16A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

De outra parte, analisando os elementos objetivos, a falta cometida pelo empregado, no momento da aplicação da penalidade, deve ser devidamente observada e consequentemente dosada, pois para cada falta existe a possibilidade de uma penalidade, ou seja, é necessária a gravidade da conduta para ser enquadrada como justa causa.

A penalidade está diretamente ligada no que tange a justa causa, tendo em vista que é dela que vai nascer a possibilidade ou não da continuidade da relação de emprego. Deste modo, se a falta for considerada uma falta leve, a penalidade aplicada deverá ser uma leve também, como por exemplo, a utilização da advertência ou suspensão disciplinar não superior a 30 dias, conforme já mencionadas anteriormente. Ademais, salienta-se que o empregador deverá equilibrar a pena aplicada, pois se o ato faltoso do empregado for considerado grave, o empregador poderá aplicar a pena máxima, sendo ela a demissão por justa causa do empregado. Neste passo, é todo oportuno trazer os ensinamentos de Claudia Salles Vilela Vianna, acerca do tema:

O poder de disciplinar, como manifestação do poder de direção, é o direito do empregador de impor sanções disciplinares aos seus empregados.Entretanto, cumpre ao empregador analisar a gravidade da falta cometida e aplicar ao empregado faltoso penalidade proporcional à mesma, sob pena de se responsabilizar pelo abuso do poder de comando.26

Aqui, pode-se dizer que existe um equilíbrio entre a falta cometida pelo empregado e a aplicação da penalidade feita pelo empregador, pois frisa-se que, ao empregador não é dado a atribuição de usar seu poder de comando como bem entender, não podendo romper o contrato de trabalho do trabalhador por justa causa sem que a falta por ele cometida tenha sido de natureza grave.

Não há uma definição específica no que concerne aos elementos objetivos caracterizadores da justa causa, pois os autores classificam com elementos variados. Para Vanessa Ferrari Teixeira, por exemplo, os elementos objetivos são caracterizados como:

1.Tipificação legal: o ato do funcionário deve estar previsto na legislação trabalhista, em especial no artigo 482 da CLT;2.Gravidade: o ato praticado pelo funcionário deve ser grave de tal forma a abalar a confiança do empregador no empregado;3.Imediação: a dispensa por justa causa deve ser aplicada imediatamente após a constatação da prática de conduta ou ato que enseje a demissão, levando-se em consideração, ainda, no caso da embriaguez, o estado do empregado [01], sob pena de incorrer o empregador em perdão tácito;4.Proporcionalidade: a pena deve ser proporcional à conduta do empregado, dessa forma, faltas leves devem ser punidas com advertências verbais ou por escrito e, somente as faltas mais graves, que afetem a confiança do empregador no empregado, é que devem ensejar a justa causa; e5.Forma: a legislação trabalhista não prevê nenhuma formalidade para a comunicação da dispensa por justa causa, vedando apenas a anotação do motivo da rescisão do contrato de trabalho na carteira do funcionário.27

De forma ampla e completa, Renato Saraiva classifica os elementos objetivos como sendo: a) gravidade da falta, a qual torna impossível a continuidade da relação trabalhista; b) proporcionalidade da pena, esta devendo ser proporcional à falta cometida pelo empregado; c) non bis in idem, o que

26 VIANNA, Claudia Salles Vilela. Manual Prático das Relações de Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 1090.

27 TEIXEIRA, Vanessa Ferrari. A embriaguez no ambiente de trabalho e a utilização de bafômetros em obras de construção civil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2020, 11 jan. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12194>. Acesso em: 29 maio 2017.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 17

significa dizer que não se deve haver duas ações sobre a mesma coisa, ou seja, a mesma ação não pode ser punida duas vezes; d) inalteração da punição, “uma vez aplicada a penalidade, ela não pode ser substituída por uma de natureza mais grave”28; e) imediaticidade, pois a pena deverá ser aplicada no momento da ciência do ato faltoso, ou seja, para que o empregador possa agir com seu poder disciplinar diante de uma falta grave do empregado, é necessário que esta seja aplicada após o conhecimento e a apuração da falta, caso contrário resta configurado o perdão por parte do empregador; f) vinculação entre a infração e a pena, pois esta vinculação deve ser direta, não podendo então, o empregador utilizar determinada falta recém-ocorrida para punir infração anterior não apenada.

Com intuito de aprofundar e concluir, Wagner D. Giglio acrescenta:

Os elementos objetivos determinam a intensidade da infração, e os subjetivos permitem apurar o abalo da confiança. Assim, objetivamente, só haverá justa causa para o despedimento do empregado quando sua infração constituir violação séria das obrigações contratuais; subjetivamente, somente haverá justa causa se resultar irremediavelmente destruída confiança votada no empregado.29

Por fim, para restar configurada a justa causa motivando a extinção contratual, essa deverá ser motivada por ato faltoso cometido pelo empregado, como também a previsão desse motivo no ordenamento jurídico pátrio, sendo que são vários os requisitos que devem ser preenchidos e averiguados, como os elementos subjetivos e objetivos ora tratados.

2. DISPENSA POR JUSTA CAUSA POR MOTIVO DE EMBRIAGUEZ HABITUAL E NO SERVIÇO

2.1 CONCEITO DE EMBRIAGUEZ

Primeiramente, antes de adentrar diretamente na abordagem do assunto, torna-se imprescindível esclarecer o conceito de embriaguez, que consoante entendimento de Sérgio Pinto Martins “é o estado do indivíduo embriagado. Indica bebedeira, ebriedade. Embriagar é o ato de causar ou produzir embriaguez. É o ato de ingerir bebidas alcoólicas, de embebedar-se”30.

Partindo dessa premissa, é importante destacar, que a ingestão abusiva de bebidas alcoólicas faz parte da história da humanidade, e o consumo vem crescendo e, com ele, os problemas ocasionados pelo uso do álcool em excesso. Assim, é o que dispõe o levantamento apontado pelo CEBRID:

A partir da Revolução Industrial, registrou-se um grande aumento na oferta deste tipo de bebida, contribuindo para um maior consumo e, consequentemente, gerando um aumento no número de pessoas que passaram a apresentar algum tipo de problema devido ao uso excessivo de álcool.31

28 SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 243-44.

29 GIGLIO, Wagner D.. Justa Causa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 48.

30 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 411.

31 BRASIL. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Disponível em: <http://www2.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/folhetos/alcool_.htm>. Acesso em: 14 maio 2017.

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18A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

Desde então, é aceito e incentivado o consumo de bebidas alcoólicas, sendo considerada uma prática normal. No entanto, apesar de sua ampla aceitação social, a maioria da população não tem total conhecimento acerca dos efeitos que o álcool acarreta, não imaginando, por muitas vezes, as consequências que poderão resultar, tendo em vista a gravidade de ingerir em excesso tais bebidas.

O consumo excessivo de bebidas alcoólicas sempre leva à embriaguez, podendo até mesmo levar ao alcoolismo, criando assim problemas de ordem médica, psiquiátrica, psicológica, haja vista que afeta o discernimento do indivíduo, podendo causar problemas ao próprio empregado, à sociedade, aos seus familiares e as demais pessoas com quem convive.

Ainda, no que tange ao conceito de embriaguez, a Associação Britânica de Medicina, por sua vez, aduz que a embriaguez é uma condição em que o indivíduo encontra-se, estando este sob a influência do álcool. Desta forma, é que conceitua a embriaguez como sendo: “a condição em que se encontra uma pessoa de tal forma influenciada pelo álcool, que perde o governo de suas faculdades a ponto de tornar-se incapaz de executar com cautela e prudência o trabalho a que se dedica no momento”32, uma vez que, “o empregado ébrio não produz a contento e coloca em risco não apenas o nome da empresa mas também seus bens materiais”33.

Complementando as conceituações ora mencionadas, Sérgio de Paulo Ramos e José Manoel Bertolote ensinam:

O abuso do álcool caracteriza-se por um padrão patológico de ingestão repetitiva de bebidas alcoólicas (padrão mais qualitativo que quantitativo), ocorrendo repercussões sobre a saúde física, sobre o bem estar e psicológico e sobre o funcionamento familiar e profissional.34

Denota-se dos conceitos apresentados que o álcool consumido de forma excedente ao consumo normal influencia o indivíduo tornando-o sem governo de suas faculdades. Logo, a palavra embriaguez significa que a pessoa está de alguma forma influenciada pelo álcool, perdendo o controle de seus atos, a ponto que se torna incapaz de realizar suas atividades laborais em função do efeito que as bebidas alcoólicas causam no sistema neurológico do indivíduo.

Interessante a conceituação de embriaguez, pois é ainda mais abrangente, não se restringindo apenas ao uso de bebidas alcoólicas, expandindo-se amplamente pelo campo de substâncias tóxicas, como a cocaína, maconha, etc., que caracteriza o usuário como toxicômanos. Neste sentido, Alice Monteiro de Barros, argumenta a respeito do conceito de embriaguez:

[...] pressupõe ingestão não só de álcool, mas de qualquer substância tóxica, inebriante, capaz de alterar o comportamento do empregado. Tanto o alcoolismo como a toxicomania são tidos como doenças catalogadas no Código Internacional de Doenças (CID), sob os números F.10.6 (psicose alcoólica Korsakov), F.10.2 (Síndrome da Dependência do Álcool) e F.10.4 (delirium tremens), entre outras [...].35

32 BALLONE, GJ. Imputabilidade: Principais Modificadores – in. PsiqWeb. Internet. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/site/?a-rea=NO/LerNoticia&idNoticia=100>. Acesso em: 07 mai. 2017.

33 MELO, Neuza Vaz Gonçalves de. Manual do Empregador: Direito do Trabalho. 2. ed. Goiânia: AB, 2000. p. 180.

34 RAMOS, Sérgio de Paula; BERTOLOTE, José Manoel. Alcoolismo Hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 59.

35 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 713.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 19

A principal consequência da embriaguez pelo álcool é a chamada doença do alcoolismo, classificada no Código Internacional de Doenças (CID) como “Síndrome da Dependência do Álcool”, haja vista que o indivíduo que embriaga-se com frequência torna-se dependente do álcool, o qual, dificilmente consegue parar de ingerir bebidas alcoólicas sem ajuda, necessitando de tratamento, pois essa doença é tão forte que o dependente não consegue se valer só de força de vontade para parar de beber. O indivíduo está sob a forte compulsão do álcool, uma necessidade que se mostra tão forte quanto a fome ou a sede, e assim o alcoolismo se transforma em uma situação incapacitante para o trabalho.

Não obstante, o uso constante dessas bebidas pode comprometer seriamente o bom funcionamento de seu organismo, levando a consequências irreversíveis, sem contar que o indivíduo dependente do álcool, além de prejudicar a sua própria vida pessoal, também lesa a profissional, pois o alcoolismo sempre foi repudiado no meio corporativo por provocar uma desordem no ambiente de trabalho e também por constranger os demais colaboradores pertencentes ao quadro funcional da empresa.

Sobre este prisma, Dalgarrondo define a Síndrome da Dependência do Álcool como sendo “o estado psíquico e físico resultante da ingestão repetitiva de álcool, incluindo uma compulsão para ingerir bebidas alcoólicas de modo contínuo ou periódico, havendo a perda de controle. O fenômeno de tolerância geralmente está presente”36.

Além disso, para o alcoólatra o consumo da substância se dá de forma inconsciente, retirando, portanto, a figura do dolo ou culpa, mencionados no capítulo anterior, que são requisitos necessários para a caracterização da justa causa.

2.1.1. EMBRIAGUEZ HABITUAL OU EM SERVIÇO

Com fulcro no dispositivo 482, alínea “f” da CLT, resta configurada a justa causa do empregado para rescisão contratual por motivo de embriaguez habitual ou em serviço. Com fundamento neste artigo faz-se jus identificar quando é considerada a embriaguez habitual ou em serviço, pois ambas possuem definições distintas. Nesse diapasão, Wagner D. Giglio quando se refere ao artigo em questão, prevê duas hipóteses de justa causa: “O texto legal prevê, a rigor, duas justas causas, semelhantes, mas não idênticas: a embriaguez habitual e a embriaguez em serviço”37.

A doutrina majoritária entende que a embriaguez habitual é aquela que ocorre na vida privada do empregado com frequência, fora do ambiente da empresa, mas desde que tenha reflexos na sua vida laboral, enquanto que a embriaguez em serviço é aquela pela qual ocorre uma única vez, sendo desnecessária a habitualidade.

Para Sérgio Pinto Martins, a embriaguez habitual é quando o indivíduo se encontra embriagado com frequência, independente de o empregado que ao apresentar-se constantemente embriagado esteja sofrendo de embriaguez crônica, que consiste em uma doença onde o paciente sente a necessidade de beber. Além disso, o autor ainda ensina que a “embriaguez habitual é uma violação da conduta do empregado, que tem reflexos no contrato de trabalho. [...] Já a embriaguez em

36 DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 214.

37 GIGLIO, Wagner D.. Justa Causa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 152.

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20A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

serviço caracteriza-se por uma única falta”38.

Destaca-se que a vida do empregado fora dos olhos e muros do empregador tem grande influência na vida laboral do trabalhador. Assim, é o que dispõe o autor César Machado Jr.: “[...] o comportamento do empregado fora de seu ambiente de trabalho o atinge diretamente na relação de emprego, pois a embriaguez habitual refere-se, necessariamente, a um comportamento não demonstrado no âmbito do trabalho”39. No entanto, apesar de a habitualidade ocorrer fora do local de trabalho, ela revela um vício, uma dependência do trabalhador. Sobre este prisma, Délio Maranhão aprofunda:

A habitualidade revela o vício, o desregramento. Embora nenhuma falta haja o empregado cometido no trabalho, embora aí compareça, sempre, sem o menor sinal de intoxicação, aquele vício, a que se entrega fora do trabalho, fá-lo perder a confiança do empregador.40

Já a embriaguez em serviço caracteriza-se por uma única vez que o empregado comparecer para trabalhar, mesmo que esteja apenas na portaria da empresa. Neste caso, o trabalhador poderá ser dispensado por justa causa sem a necessidade de ter sido advertido ou suspenso anteriormente. Visão esta que é seguida por Eduardo Gabriel Saad que defende a aplicação da justa causa pelo “[...] simples comparecimento do empregado uma única vez embriagado no local de trabalho sem necessidade de o mesmo ter causado ou não prejuízo ao empregador”41.

Acrescenta-se ainda, entendimentos de outros doutrinadores que lecionam que a embriaguez habitual é aquela que ocorre na vida privada do empregado refletindo sim no seu trabalho. Porém, no que tange a embriaguez em serviço, Ricardo Resende diverge dos demais doutrinadores apresentados até o momento, dizendo que a embriaguez em serviço é justamente aquela que ocorre no próprio trabalho, dentro da empresa e durante o expediente do empregado:

[...] Em primeiro lugar, a embriaguez habitual, que ocorre fora do ambiente de trabalho, mas repercute negativamente na atividade do trabalhador. Nesta hipótese, a embriaguez deve ser habitual para configurar justa causa, não bastando um ato isolado.Em segundo lugar, a embriaguez em serviço, hipótese em que o empregador se embriaga no próprio local de trabalho, durante o expediente. Na embriaguez em serviço, uma única ocorrência autoriza a dispensa motivada, notadamente se a função desenvolvida pelo empregado coloca em risco outras pessoas, como, por exemplo, a função de motorista.42

Nota-se que o autor não menciona que basta que o empregado se apresente ao trabalho em estado de embriaguez para configurar a justa causa por embriaguez em serviço. Mas, em seu conceito, o empregado deverá ingerir bebida durante seu horário de trabalho, nas dependências da empresa, podendo ter até no seu intervalo.

Ricardo Resende em seu breve ensinamento aduz que, no que tange a embriaguez em serviço, a dispensa poderá ocorrer após uma única falta, mas desde que a atividade desenvolvida pelo empregado na empresa coloque em riscos outras vidas, como por exemplo, motorista ou um piloto de avião.

38 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 412-13.

39 JR. MACHADO, César P. S.. Direito do Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 466.

40 SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, José de Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: Freitas Bastos, 1996. p. 586.

41 SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidações das Leis do Trabalho. 42. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 477.

42 RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 662.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 21

Todavia, a maior parte da doutrina leciona acerca de que basta que o empregado compareça uma única vez ao trabalho, onde se perceba o seu estado de embriaguez, para a configuração da justa causa para rescisão do contrato de trabalho, independente da função que o empregado exerce. Assim, é de suma importância acrescentar o que escreveu Cínthia Machado de Oliveira e Leandro do Amaral Dorneles de Dorneles acerca do assunto:

Pela redação legal, caracteriza justa causa tanto a embriaguez habitual (fora do serviço e na vida privada do empregado, mas desde que transpareçam no ambiente de trabalho) como a no serviço (simples apresentação do obreiro em estado de embriaguez no trabalho, sem habitualidade), desde que prejudiciais ao labor.43

Deste modo, é sabido que a embriaguez configura-se de duas maneiras: habitual ou em serviço. Conclui-se, portanto, que se o empregado embriaga-se de forma contumaz fora do serviço, transparecendo este ato no seu trabalho, está caracterizada a embriaguez habitual. De outro lado, se a embriaguez ocorre em serviço, a justa causa também será observada, pois não há a necessidade de habitualidade e sim que ocorra o ato uma única vez.

Todavia, cumpre salientar que em nosso universo jurídico muito se discute no que tange à dispensa por justa causa nos casos de embriaguez habitual, tendo em vista as evoluções de pesquisas médicas que contribuíram para a inserção do alcoolismo no Código Internacional de Doenças e pela Organização Mundial de Saúde, como também pela jurisprudência, pois há diversas decisões judiciais no sentido de que a embriaguez habitual é uma doença e como tal deve ser tratada, não acatando, portanto, a justa causa nesses casos. Vejamos o que aduz o autor Renato Saraiva sobre o tema:

[...] O assunto é polêmico, uma vez que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera o alcoolismo uma doença, defendendo alguns doutrinadores que o obreiro não deveria ser dispensado por justa causa, mas sim ter o contrato de trabalho suspenso e submetido a tratamento pela Previdência Social.44

Diante do exposto, no que se refere à embriaguez habitual, “é patente a necessidade de mudança diante de uma realidade jurídica, que não mais condiz com a realidade”45, tendo em vista que “o alcoolismo, flagelo social, é a terceira doença que mais mata no mundo”46, e por ser uma doença deve ser tratada como tal, não podendo, o empregado acometido por essa patologia, ser surpreendido com a ruptura do seu contrato de trabalho por justa causa.

Ana Amarylis V. de O. Gulla ensina que “o alcoolismo deve ser encarado como patologia que é, e não como punição a quem já é vítima de grave enfermidade”47 e vai além, para que se possa compreender a gravidade da doença. Assim, é que surge a seguinte questão:

Qual empregado é punido por ser portador de cardiopatias, hipertensão, etc.? Evidentemente que após a constatação do alcoolismo, que é um mal crônico, o empregado deve ser afastado para tratamento médico e não dispensado, por justa causa. É para a Previdência Social que

43 OLIVEIRA, Cínthia Machado de. DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles. Direito do Trabalho. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. p. 357.

44 SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 248.

45 ALMEIDA, Mackson Leandro Marinho de. Demissão por justa causa em razão da embriaguez. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3893, 27 fev. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26805>. Acesso em: 30 maio 2017.

46 ALBUQUERQUE, Francisca Rita Alencar. Embriaguez habitual: justa causa ou doença? Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região. Manaus, v. 16, n. 16, p. 57-58. jan./dez. 2008.

47 GULLA, Ana Amarylis V. de O. Embriaguez habitual: justa causa ou séria enfermidade? Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. [S.I.], n. 2, p. 28. jan./dez. 1992.

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22A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

deveria ser encaminhado [...] e não para o desamparo e desemprego.48

Não obstante, Rodrigo Goldschmidt e Fabiana Rebechi Muller argumentam:

O que não se justifica é o desumano e pernicioso despedimento sumário do empregado doente justamente por atos decorrentes dessa moléstia, dos quais nem ele tem consciência. É bem verdade que a alínea “f” do artigo 482 da CLT ainda é aplicada, em alguns julgados, no seu sentido meramente literal; no entanto, veem-se cada vez mais provimentos judiciais e sérios trabalhos doutrinários apontarem no sentido que este estudo defende.49

Desta forma, há que se observar, que a CLT foi editada em 1943 onde foi criada a dispensa por justa causa por motivo da embriaguez habitual ou em serviço. Todavia, a Síndrome da Dependência do Álcool foi catalogada apenas no ano de 1967, quando a CLT já disciplinava as extinções por embriaguez, devendo então, nos dias de hoje, a justa causa ser desconsiderada nesses casos por tratar-se de doença. Assim, consoante Amauri Mascaro Nascimento:

Quando a CLT foi editada em 1943, as normas legais, evidentemente, refletiam a sociedade da época, que enxergava o ébrio como um sujeito de caráter fraco e que, por isso, marginalizava-o, o que acabava por justificar a rescisão motivada do contrato de trabalho. Em 1967, na 8ª Confederação Mundial de Saúde, a Organização Mundial de Saúde inseriu o alcoolismo como doença e, desde então, a jurisprudência tem evoluído e, em diversas decisões, o Judiciário anula a penalidade máxima.50

Ideal seria que a embriaguez habitual fosse excluída do rol taxativo de atos que possibilitam a aplicação da penalidade mais severa pelo empregador. Mas, enquanto não for regulamentada a alínea “f” do artigo 482 da CLT, atenta-se ao fato de o alcoolismo ser considerado doença, portanto, não é permitido ao empregador despedir por justa causa o trabalhador que se encontra doente, devendo então o empregador suspender o contrato de trabalho do empregado, como bem coloca Pedro Paulo Teixeira Manus, que entende que “a conduta do empregado deveria implicar na suspensão do contrato e no seu encaminhamento ao médico para tratamento, já que aquele que se embriaga habitualmente é doente e não simplesmente faltoso”51.

Com intuito de corroborar o exposto acima, é que se traz o entendimento de Arnaldo Sussekind que demonstra qual deveria ser a atitude da empresa para com o empregador que esteja sofrendo com o problema do empregado alcoólatra: “Deverá, o empregador na primeira constatação da falta, suspender o contrato de trabalho, obrigando o empregado a submeter-se a devido tratamento”52. Tendo o autor o entendimento de que somente após a negação do empregado de procurar ajuda para recuperação do alcoolismo é que o empregador poderá demitir o empregado, visto que não se pode exigir do mesmo que se tenha em seu quadro laborativo, um empregado com redução de seu estado de consciência, lucidez, alerta ou vigilância, podendo inclusive, causar prejuízos à empresa e aos seus colegas.

Em contrapartida, Mackson Leandro Marinho de Almeida leciona no sentido de que “mesmo

48 GULLA, Ana Amarylis V. de O. Embriaguez habitual: justa causa ou séria enfermidade? Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. [S.I.], n. 2, p. 28. jan./dez. 1992.

49 GOLDSCHMIDT, Rodrigo; MULLER, Fabiana Rebechi. A embriaguez habitual como hipótese de justa causa frente ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Florianópolis. [S.I.], n. 22, p. 145. 2. semestre 2005.

50 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 509.

51 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 141.

52 SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 340.

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havendo recusa do dependente em se tratar, há a necessidade de internação compulsória”53, fazendo a comparação do dependente do álcool com usuários de drogas ilícitas. “Desta feita, a rescisão por justa causa somente poderá se fazer em se tratando de embriaguez não patológica, com ocorrência de reincidência do empregado, comprovada por advertência anterior”54. A questão é como descobrir se a embriaguez é ou não patológica.

Ainda a respeito da suspensão contratual, suspensão é aquela, pela qual o empregado não presta serviços, o empregador não paga salário e nem se conta o período de suspensão para fins de tempo de serviço (ao contrário da interrupção, onde não há serviços, mas há pagamento), conforme ensina Vólia Bomfim Cassar:

Durante a suspensão contratual o empregado deixa de prestar serviços temporariamente ao empregador. Este, por sua vez, susta o pagamento dos salários ou qualquer outra contraprestação ou vantagem ao trabalhador. Neste período as principais cláusulas contratuais ficam estáticas, paralisadas. O contrato não é executado e, por isso, não produz os principais efeitos.55

Assim como na interrupção do contrato de trabalho, no curso da suspensão, o empregador não poderá despedir o trabalhador sem justa causa, tendo em vista, que as obrigações acessórias devem ser observadas pelo empregado, mesmo que no período da suspensão contratual, caso contrário, o empregador poderá despedir o empregado mesmo durante a suspensão do contrato.

Destarte, enseja ruptura motivada do vínculo contratual, quando, qualquer destas obrigações forem violadas, sendo caracterizada, portanto, a rescisão indireta (se ocorrer ato faltoso por parte do empregador) ou, a dispensa por justa causa (se descumprida as obrigações pelo empregado). Outrossim, se o empregado quiser ver seu contrato rescindido, ele sim poderá extinguir o contrato no período em que perdure a suspensão contratual.

Desta forma, usar-se-á o exemplo do empregado que se encontra enfermo, para fins de esclarecimento a respeito da interrupção e suspensão apresentadas até o momento, com o intuito de corroborar com o objetivo do presente trabalho, sendo, portanto, necessário trazer os ensinamentos dos doutrinadores Orlando Gomes e Elson Gottschalk:

Durante os primeiros 15 dias, cabe ao empregador o encargo de pagar ao empregado enfermo o salário integral [...]. Verifica-se, nessa fase, uma simples suspensão parcial dos efeitos do contrato, visto que permanece a obrigação do empregador sem a contraprestação do empregado. Mas, a partir do décimo sexto dia do afastamento do serviço, a suspensão é total, dado que o empregado passa a receber o auxílio-doença do INSS, até obter alta.56

Neste raciocínio, verifica-se que, em caso de doença do empregado, deverá haver a interrupção do contrato de trabalho, onde os primeiros 15 dias consecutivos de afastamento incumbem ao empregador o pagamento do salário integral ao empregado portador da respectiva doença, tornando-se perceptível a interrupção, dada que, o empregado não trabalha e ainda assim é remunerado pelo empregador. Entretanto, a partir do 16º dia de afastamento, o empregado passa a receber

53 ALMEIDA, Mackson Leandro Marinho de. Demissão por justa causa em razão da embriaguez. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3893, 27 fev. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26805>. Acesso em: 30 maio 2017.

54 ALMEIDA, Mackson Leandro Marinho de. Demissão por justa causa em razão da embriaguez. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3893, 27 fev. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26805>. Acesso em: 30 maio 2017.

55 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 943.

56 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 362.

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24A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

auxílio doença do órgão previdenciário até que obtenha alta, configurando-se assim, a suspensão do contrato de trabalho, haja vista que, o empregado não trabalha e o empregador não lhe paga salários, portanto, o contrato de trabalho fica estaticamente paralisado.

Assim como a doutrina, os tribunais também se posicionam a favor da suspensão contratual nos casos de embriaguez habitual, tendo em vista que o alcoolismo é considerado doença, o que não caberia a dispensa por justa causa do empregado, extinguindo seu contrato de trabalho. Assim, deveria haver a suspensão contratual do empregado (após o 15º dia) e o seu encaminhamento à Previdência Social, haja vista que ele é encarado como um doente e que precisa de tratamento adequado para que possa se recuperar e poder voltar a exercer suas atividades laborais.

2.2. A EMBRIAGUEZ COMO JUSTA CAUSA – ART. 482, “F”, DA CLT

Conforme visto anteriormente, o artigo 482 da CLT prevê as hipóteses de extinção do contrato de trabalho por justa causa, rescindindo o contrato de trabalho pelo empregador. Entre elas, percebe-se a embriaguez habitual ou em serviço que está expressamente prevista na alínea “f” do referido artigo. Priscilla Folgosi Castanha ainda acrescenta que “esse dispositivo obviamente alcança o uso de outras drogas além do álcool”57. Assim, pelo que reza o dispositivo mencionado, entende-se que a embriaguez, sendo ela habitual ou em serviço, enseja dispensa por justa causa, pois “a embriaguez traz a perda das faculdades: não se trabalha direito. No local devem reinar a ordem e a disciplina, deve-se combater a embriaguez por interesse social”58.

De acordo com o exposto, a embriaguez é hipótese de justa causa, já que está prevista na lei, pois o fato de o empregado apresentar-se ao trabalho embriagado poderá acarretar problemas ao seu empregador e aos seus clientes, podendo causar acidentes no seu trabalho ou ainda, colocar em risco outras vidas.

Além do mais, como bem salienta o autor Sérgio Pinto Martins, “a lei trabalhista tipifica como justa causa a embriaguez e não o ato de beber. Somente o empregado embriagado será dispensado e não o que vez ou outra toma um aperitivo e não fica embriagado”59, pois a embriaguez não se confunde com o hábito de beber ou ingerir bebidas alcoólicas. Neste prisma, é o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

EMENTA: DISPENSA POR JUSTA CAUSA –MOTORISTA - EMBRIAGUEZ NO TRABALHO O comparecimento do motorista ao trabalho em estado de embriaguez, configura falta grave e coloca em risco sua integridade física e dos passageiros, sendo suficiente para a ruptura motivada do contrato de trabalho nos termos do art. 482, alínea “f”, da CLT.60

No julgado mencionado acima, restou evidente que o motorista compareceu ao trabalho em estado de embriaguez. Nota-se ainda, que trabalhando sob a influência do álcool o empregado coloca em risco não apenas a sua própria vida, mas de todas as pessoas que estariam dentro

57 CASTANHA, Priscilla Folgosi. Demissão do Dependente Químico. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3215, 20 abri. 2012. Dis-ponível em: <http://jus.com.br/artigos/21560>. Acesso em: 29 maio 2017.

58 MELO, Neuza Vaz Gonçalves de. Manual do Empregador: Direito do Trabalho. 2. ed. Goiânia: AB, 2000. p. 179.

59 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 411.

60 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo nº 01302-2012-097-03-00-0 RO. Relatora: Juíza Convocada Maria Cecília Alves Pinto, 3ª turma.18 de junho de 2014. Dejt. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/>. Acesso em: 06 maio 2017.

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do coletivo e das que transitariam pelas ruas onde passara. Assim, evidencia-se o respaldo ao empregador para a concretização da dispensa do empregado por justa causa, tendo em vista o que dispõe a alínea “f ” do artigo 482 da CLT, especialmente em se tratando de empregado motorista. Comprovada, portanto, a conduta faltosa do empregado, correta foi a aplicação da pena máxima, haja vista a quebra de confiança decorrente da falta por ele praticada.

Surge então, o questionamento acerca de qual seria o grau de embriaguez para configurar a justa causa do empregado. Assim, o autor Sérgio Pinto Martins ensina que “como a CLT não faz distinção quanto ao grau de embriaguez, qualquer grau será considerado como justa causa, desde que o empregado esteja efetivamente embriagado”.61

Desta forma, compreende-se que, “para a configuração da justa causa, é irrelevante o grau de embriaguez e tampouco a causa, sendo bastante que o indivíduo se apresente embriagado no serviço ou se embebede no decorrer dele”62, como ocorreu no caso supramencionado em que o motorista apresentou-se ao trabalho embriagado. Neste diapasão, Alice Monteiro de Barros leciona:

A embriaguez habitual ou em serviço, ainda que por uma única vez, autoriza a dispensa por justa causa, a teor da alínea “f” do art. 482 da CLT. Incorre nessa falta, por exemplo, o empregado motorista, que se apresenta embriagado ao serviço, ainda que uma única vez. A embriaguez, no plano fisiológico, enfraquece os reflexos e, no plano psicológico, diminui a acuidade, tornando perigosa a condução do veículo pelo empregado embriagado, pois coloca em risco a vida de pessoas, podendo ainda lesar interesse patrimonial do empregador, na hipótese de dano do veículo.63

Consoante o exposto, resta evidente que basta que o empregado compareça uma única vez embriagado ao trabalho para ensejar a dispensa por justa causa por embriaguez habitual ou em serviço.

Todavia, muito tem se questionado acerca da aplicabilidade da demissão por justa causa nos casos de embriaguez. Tal questionamento faz-se frente às constantes mudanças no mundo contemporâneo, pois o entendimento jurisprudencial vem rechaçando a dispensa por justa causa por motivo de embriaguez, por tratar-se de doença, conforme estudado anteriormente.

Ademais, a embriaguez não se presume, ela deve ser cabalmente provada. A jurisprudência admite diversas formas de provas, como por exemplo, “teste do bafômetro”, entre outros. Acrescenta-se ainda, que também é admitida a prova testemunhal, o que se basta para provar a embriaguez do trabalhador, senão vejamos o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região:

Justa Causa. Embriaguez. Caracterização. Resta caracterizada a justa causa por embriaguez em serviço quando o estado etílico do empregado é integralmente confirmado pela prova testemunhal, não havendo necessidade de exame médico ou laboratorial para atestar o fato, uma vez que o descumprimento dos deveres funcionais e os das regras de trânsito, pela responsabilidade que encerram, não se confundem.64

61 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 547.

62 ZANLUCA, Júlio César. Rescisão do Contrato de Trabalho por Justa Causa do Empregado. Disponível em: <http://www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/justacausa.htm>. Acesso em: 05 maio 2017.

63 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 713.

64 SANTA CATARINA. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Processo n. 00667-2001-028-12-00-1 – Acórdão 10641/2002 RO. Relatora: Juíza Maria Regina Olivé Malhadas, 1ª Turma. Joinville, SC, 10 de setembro de 2002. DJSC. Joinville, 20 set. 2002. Disponível em: <http://www2.trt12.gov.br/acordaos/2002/10001a12500/10641_2002.pdf>. Acesso em: 06 maio 2017.

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26A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

Consoante o julgado colacionado, a prova testemunhal bastou para comprovar o estado que o empregado se encontrara, o que foi suficiente para caracterizar a dispensa do empregado por justa causa, sem a necessidade da produção de outras provas, como por exemplo, o exame médico ou laboratorial.

2.3. AUXÍLIO DOENÇA

É sabido que o auxílio doença é um benefício concedido pela Previdência Social. A CRFB prevê, em seu artigo 201, a organização da Previdência Social, tendo como caráter contributivo e de filiação obrigatória, cujo benefício cobre eventos como, por exemplo, a doença.

Conforme Marcos Marçal: “Para os trabalhadores empregados, que são regidos pela CLT, e para os trabalhadores avulsos, a filiação prescinde de ato formal, bastando, respectivamente, a assinatura do contrato de trabalho ou o registro no sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra.”65 Destarte, resta evidente que o empregado apenas deverá assinar o contrato de trabalho para estar vinculado formalmente à Previdência Social.

Ademais, o benefício do auxílio doença está expressamente previsto nos artigos 59 à 63 da Lei 8.213/91. Assim sendo, de acordo com o artigo 59 da referida lei, esse benefício é devido aos segurados que, após cumprir o período de carência, quando for o caso, ficar incapacitado para o trabalho ou atividade habitual, por motivo de doença, nos casos de segurado empregado por mais de quinze dias consecutivos, e para demais categorias a partir da data de início da incapacidade.

Neste momento, há que se observar uma certa exigência para a concessão do benefício do auxílio doença, qual seja a incapacidade, conforme entendimento do autor Fábio Zambitte Ibrahim que, conceitua o auxílio doença como sendo um “benefício não-programado, decorrente da incapacidade temporária do segurado para seu trabalho habitual. Porém, somente será devido se a incapacidade for superior a 15 (quinze) dias consecutivos”66. Não obstante, Sérgio Pinto Martins alega que essa “incapacidade deve ser parcial, pois se fosse total seria causa de aposentadoria por invalidez”67.

“Quanto ao tema da incapacidade para o trabalho ou para suas atividades habituais, deve-se entender que o segurado deve estar incapacitado para o trabalho ou para suas atividades habituais e não apenas doente.”68 Ademais, salienta-se que, a incapacidade deve se apresentar após a aquisição da condição de segurado, não sendo devido, portanto, o benefício do auxílio doença nos casos em que o segurado já se filiar à Previdência portando a respectiva doença.

O auxílio doença tem como natureza jurídica a “prestação nitidamente previdenciária temporária, substituidora dos salários, de pagamento continuado, reeditável, obstando a volta ao trabalho, é direito do segurado incapaz para o seu labor por mais de 15 dias”69, tendo em vista que nesses primeiros 15 dias incumbe ao empregador o pagamento de salário, ficando a cargo da Previdência,

65 MARÇAL, Marcos Figueredo. Carência para a concessão do auxílio-doença: implemento antes do início da incapacidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3542, 13 mar. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23942>. Acesso em: 30 maio 2017.

66 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 14. ed. Niterói: Impetus, 2009. p. 646-647.

67 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 323.

68 PATRIOTA, Caio César Soares Ribeiro. Considerações sobre o auxílio doença. Revista Jus Navigandi. 08 /2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/31248/consideracoes-sobre-o-auxilio-doenca>. Acesso em: 30 maio 2017.

69 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 5. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 839.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 27

o pagamento, a partir do 16º dia de afastamento do trabalhador de suas atividades de labor.

Ainda, via de regra, há que se observar a exigência do período de carência, que é o referente a 12 contribuições mensais, ou seja, para que o empregado possa fazer jus ao benefício do auxílio doença, além de estar acometido por patologia ele deverá ter contribuído para a Previdência Social o referente a 12 meses.

Conforme estudado até aqui, o empregado acometido pela doença do alcoolismo deve ser encaminhado ao INSS, e além de receber o benefício do auxílio doença, tem a possibilidade de buscar tratamento, e o empregador não tem a necessidade de continuar custeando um empregado que, devido à sua doença, não tem a possibilidade de continuar a exercer de forma satisfatória a sua função.

Aqui, se faz uma crítica ao atual sistema, pois se o empregador não pode despedir o empregado porque ele está doente, apenas deixá-lo em benefício previdenciário não basta. O vício do doente deveria ser tratado, o que atualmente inexiste. Isso dificulta a possibilidade de recuperação deste empregado acometido por tal patologia, haja vista que não há um acompanhamento ou alguma vistoria por parte do Estado para apurar se está ocorrendo algum tratamento, pois, talvez só assim seria possível uma cura do trabalhador, podendo ter novamente a total capacidade para voltar a exercer atividades laborais.

Ademais, cumpre mencionar, que justamente por uma falta de acompanhamento do tratamento, muitas vezes o benefício do auxílio doença é utilizado de maneira diversa, pois muitos segurados utilizam o recurso do governo para o próprio sustento do seu vício. Isso tudo é algo muito preocupante, pois seria conveniente que o valor recebido do Órgão Previdenciário, qual seja o benefício do auxílio doença, fosse utilizado dentro de algo que trouxesse benefícios a pessoa, custeando algum tipo de reabilitação para superar o vício. No entanto, infelizmente, mesmo o INSS exigindo exame médico periódico para acompanhar a evolução do tratamento, não há como provar que o dinheiro do benefício realmente esteja sendo usado para este fim.

Sendo assim, ressalta-se que há quem defenda a não concessão do auxílio doença a tais dependentes, uma vez que, não há o tratamento do alcoólatra, apenas a concessão do auxílio, e desta forma o benefício recebido do Órgão Previdenciário sem a contraprestação laborativa, acaba por incentivar ainda mais o vício do dependente, impossibilitando ainda mais a sua recuperação.

Além do mais, o álcool é o campeão de concessão do auxílio doença aos trabalhadores segurados pelo INSS: “Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apontam que o alcoolismo é o principal motivo de pedidos de auxílio-doença por transtornos mentais e comportamentais por uso de substância psicoativa”70. De acordo com um levantamento feito pelo INSS, foi constatado que “o alcoolismo foi o problema que mais provocou afastamento de trabalhadores. Entre 2009 e 2013, o número saltou 19%”71.

Desta forma, é possível compreendermos que o álcool é a principal causa para a concessão do

70 AGÊNCIA Brasil. Alcoolismo é a principal causa de afastamento do trabalho por uso de drogas. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-02/alcoolismo-e-o-principal-motivo-de-pedidos-de-auxilio-doenca-por-uso-de-drogas>. Acesso em: 24 maio 2017.

71 PRATES, Caio; DANA, Denis. Cresce o número de afastamentos no INSS por uso de álcool e drogas. Previdência Social. 05 mar. 2014. Disponível em: <http://www.previdenciatotal.com.br/integra.php?noticia=1721>. Acesso em: 30 maio 2017.

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28A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

benefício do auxílio doença para dependentes químicos e o número de segurados vem aumentando respectivamente a cada ano. Assim sendo, surge a necessidade de um olhar mais atento do Estado a respeito da matéria, pois é algo que preocupa a toda a sociedade, haja vista a aceleração com que vem ocorrendo os casos de embriaguez habitual sem que muitos tenham total conhecimento da gravidade e das consequências deste vício, além do fato que o benefício é custeado pela coletividade, ou seja, é dinheiro que deveria ser melhor aplicado, melhor regulamentado, para se perceber se efetivamente está surtindo o efeito desejado na sociedade.

2.4 JURISPRUDÊNCIA

Em consonância com o exposto anteriormente, há inúmeros julgados no sentido de que é inaplicável a dispensa do empregado por justa causa, pois caracterizam a embriaguez habitual como patologia, a qual necessita de tratamento como as demais doenças. Sendo assim, consoante jurisprudência, cabe ao empregador encaminhar o empregado ao INSS para tratamento da respectiva doença, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador. Neste prisma, é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho:

Recurso de revista. falta grave. Alcoolismo. JUSTA CAUSA. 1. O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de - síndrome de dependência do álcool -, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. 2. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria. 3. No caso dos autos, resta incontroversa a condição da dependência da bebida alcoólica pelo reclamante. Nesse contexto, considerado o alcoolismo, pela Organização Mundial de Saúde, uma doença, e adotando a Constituição da República como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, além de objetivar o bem de todos, primando pela proteção à saúde (artigos 1º, III e IV, 170, 3º, IV, 6º), não há imputar ao empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do liame empregatício. 4. Recurso de revista não conhecido.72

Desta forma, sendo o alcoolismo formalmente reconhecido como doença, não há que se falar em dispensa por justa causa por embriaguez habitual, pois nesses casos, o contrato deverá ser suspenso, onde somente o vínculo contratual permanece, não gerando nenhum efeito, haja vista que o empregado, portador da doença, não trabalha e em decorrência, não recebe qualquer remuneração do empregador, exceto nos primeiros 15 dias de interrupção do contrato, no qual o empregador deverá remunerá-lo integralmente e posteriormente o encaminhá-lo para tratamento e consequentemente receber o benefício do auxílio doença.

Assim, sendo afastada a aplicabilidade do dispositivo celetista, obsta dizer que o empregado deverá ser encaminhado para tratamento e receber o auxílio doença do Órgão Previdenciário, pois os alcoólatras diagnosticados são oficialmente doentes, e dessa forma, a depender do laudo, fazem jus ao benefício do auxílio doença, pois é evidente que o empregador, que recolhe de seus

72 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo n. 152900-21.2004.5.15.0022 RR. Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, 1ª turma. Brasília, DF, 11 de maio de 2011. Dejt. 20 maio 2011. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=prin-tInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR - 152900-21.2004.5.15.0022&base=acordao&rowid=AAANGhAA+AAA-K9UAAF&dataPublicacao=20/05/2011&localPublicacao=DEJT&query;=>. Acesso em: 11 maio 2017.

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funcionários devidamente as contribuições para com a Previdência Social, deve ter a segurança de, quando seu obreiro for acometido de doença incapacitante dessa natureza, possa ele estar desincumbido dessa despesa após o 16º dia.

Por outro lado, se o empregador demitir o funcionário injustamente, deverá então, reintegrar o empregado no quadro de funcionários da empresa. Veja-se então, o julgado do Tribunal Superior do Trabalho ora colacionado, frisando que a ementa a seguir foi recortada com intuito de trazer o fundamental para o presente trabalho:

RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO.REINTEGRAÇÃO. A OMS formalmente reconhece o alcoolismo crônico como doença no Código Internacional de Doenças (CID). Diante de tal premissa, a jurisprudência desta C. Corte firmou-se no sentido de admitir o alcoolismo como patologia, fazendo-se necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado para tratamento médico, de modo a reabilitá-lo. A própria Constituição da República prima pela proteção à saúde, além de adotar, como fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (arts. 6º e 1º, incisos III e IV). Repudia-se ato do empregador que adota a dispensa por justa causa como punição sumária ao trabalhador. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. [...] REINTEGRAÇÃO. GARANTIA DE EMPREGO. O v. acórdão regional manteve a reintegração do autor, não com base na estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho, mas porque o alcoolismo se caracteriza como uma doença, exige tratamento médico e a demissão por justa causa carrega a pecha discriminatória. Incólumes os dispositivos legais invocados. Recurso de revista não conhecido. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZIDO. MEDIDA COERCITIVA NO PROCESSO TRABALHO DIFERENCIADA DO PROCESSO CIVIL. O art. 475-J do CPC determina que o devedor que, no prazo de quinze dias, não tiver efetuado o pagamento da dívida, tenha acrescido multa de 10% sobre o valor da execução e, a requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação [...].73

Assim sendo, conforme a decisão do TST, restou evidente que a dispensa por justa causa do empregado portador da doença do alcoolismo, acarretará na reintegração do respectivo funcionário à empresa e ainda o seu encaminhamento ao INSS para o devido tratamento de saúde com o pagamento de todas as verbas relativas ao período em que ficou afastado.

Acrescenta-se ainda, o julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que arbitrou a empresa ao pagamento do montante de 10.000,00 de danos morais ao empregado portador da doença do alcoolismo que foi dispensado por justa causa, tendo em vista que o trabalhador foi dispensado de forma discriminatória:

EMPREGADO ALCÓOLATRA - DISPENSA ARBITRÁRIA - ATO DISCRIMINATÓRIO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVIDA. O alcoolismo crônico atualmente é reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, sob o título de “Síndrome de dependência do álcool”, sendo que o c. TST tem firmado entendimento no sentido de que em tais casos, antes de se proceder a qualquer ato de punição, deverá o empregador encaminhar o empregado ao INSS e a tratamento médico, visando a reabilitá-lo. No caso em exame, a perícia médica confirmou que o autor padece de alcoolismo crônico, encontrando-se acometido de tal doença inclusive na época da rescisão contratual, sendo que seus efeitos já repercutiam no seu labor, tanto que a ele foi aplicada suspensão pelo fato de comparecer embriagado no local de trabalho. Assim, seja por motivos humanitários ou ainda pela indeclinável responsabilidade social, caberia à empresa-ré encaminhar o autor ao INSS e a tratamento médico, visando recuperá-lo, ou mesmo para concessão de auxílio doença ou aposentadoria, caso a Previdência Social detectasse a irreversibilidade da situação. Contudo, pelo que se pode inferir dos termos da

73 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo n. 130400-51.2007.5.09.0012 RR. Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª turma. Brasília. Dejt. Brasília, 25 fev. 2011. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiro-Teor&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%20130400-51.2007.5.09.0012&base=acordao&numProcInt=193963&anoProcInt=2010&-dataPublicacao=25/02/2011%2007:00:00&query=>. Acesso em: 12 maio 2017.

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30A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

penalidade aplicada ao obreiro antes de sua dispensa, a reclamada, antevendo as questões que decorreriam do agravamento do estado clínico de seu empregado, procedeu à rescisão unilateral do contrato de trabalho deste nove dias depois de suspendê-lo do trabalho. Nesse contexto, tenho que o ato de dispensa imotivada do reclamante deve ser reputado discriminatório e abusivo, contrário à boa-fé e à dignidade do trabalhador, em ofensa à Constituição da República que adota como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais e à função social da empresa (artigos 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, I e XLI, 6º, 7º, I, XXX e XXXI, 170, III, VIII e 193, da Constituição da República). Recurso a que se dá provimento para deferir a indenização por dano moral.74

Conforme destacou a juíza, a realidade do autor da reclamação trabalhista não poderia deixar de ser considerada, uma vez que, a prova pericial demonstrou grave deterioração física e psíquica com elevado grau de incapacidade, o que é um risco muito grave tanto para o trabalhador como para a empresa, seus funcionários e clientes.

Assim, não poderia o empregador tê-lo dispensado por justa causa, tendo em vista que o mesmo sofre da doença do alcoolismo, o que descaracteriza a aplicação do artigo 482, alínea “f” da CLT. Diante do exposto, caberia à empregadora encaminhá-lo ao INSS e a tratamento médico, visando recuperá-lo, ou mesmo para concessão do auxílio doença, ou ainda, aposentadoria, caso o Órgão Previdenciário detectasse a irreversibilidade da situação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Primeiramente, cumpre observar que incumbe ao direito do trabalho, buscar acima de tudo, a manutenção do equilíbrio entre as relações de emprego, protegendo os direitos e interesses do empregado bem como do empregador, ou seja, é tarefa do direito do trabalho regulamentar as relações entre ambos os contratantes.

Deste feito, o contrato de trabalho, nada mais é do que uma manifestação de vontade das partes que expõem seus interesses de efetuar um vínculo, do qual surge um liame jurídico, que tem por finalidade estabelecer um pacto laborativo, determinando as condições negociais acordadas entre ambos contratantes, no qual ficam determinadas as obrigações e deveres entre as partes que, se não forem cumpridas, acarretam consequências para ambos os contratantes.

O rompimento deste contrato de trabalho dar-se-á de várias formas, tendo em vista que diversas são as vontades dos contratantes. Assim sendo, diante das modalidades de extinção, a ruptura contratual poderá ocorrer de diversas maneiras, umas por iniciativa do empregador, outras por iniciativa do empregado, de forma bilateral, por culpa recíproca, por desaparecimento de uma das partes, podendo ainda ocorrer por fatos alheios à vontade dos contratantes, como por exemplo, força maior.

A justa causa aqui estudada é a modalidade de extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, a qual é, sem a menor sombra de dúvidas, a medida mais severa prevista em lei trabalhista, pois acarreta na dispensa do empregado sem que este perceba o recebimento de alguns direitos trabalhistas, que receberia em outra modalidade de extinção, como na dispensa

74 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Processo n. 01303-2013-071-03-00-3 RO. Relatora: Juíza Convocada Ma-ristela Iris da Silva Malheiros, 2ª turma. DJMG. Belo Horizonte, 23 março 2015. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm?pIdAcordao=1155524&acesso=0d2683a937c7968c8d8a007dd51b7560>. Acesso em: 15 maio 2017.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 31

sem justa causa. As hipóteses de dispensa por justa causa do empregado são aquelas descritas nas alíneas do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Destarte, cumpre destacar que a alínea “f” do referido artigo prevê a dispensa por justa causa do empregado que se embriaga habitualmente ou em serviço, caracterizando ato faltoso praticado pelo empregado. Todavia, apesar de estar previsto em lei, a dispensa por justa causa por motivo de embriaguez habitual ou em serviço não pode ser aplicada sem levar em consideração o contexto que envolve empregado e empregador, uma vez que, a embriaguez habitual foi classificada no Código Internacional de Doenças (CID), sendo formalmente reconhecida como doença pela Organização Mundial de Saúde, haja vista que o álcool é uma substância psicoativa que pode interferir de maneira significativa no bom funcionamento do cérebro, o que resulta na redução parcial ou total de discernimento para que o indivíduo exerça suas atividades laborais. Porquanto é, pela sua gravidade, que foi elencado no CID como doença.

Assim sendo, é entendido que uma doença não poderia dar causa para que o empregador dispense o empregado de suas atividades na empresa sem que ele tenha se submetido a tratamento, haja vista que ele não é simplesmente faltoso, mas sim um doente que precisa de ajuda para curar-se deste vício, bem como os demais dependentes químicos que precisam de tratamento e auxílio para recuperarem-se e voltarem a exercer suas atividades laborais.

Neste contexto, a jurisprudência e a doutrina já estão pacificadas sobre o entendimento de que a embriaguez habitual por se dar de maneira contínua, onde na maioria das vezes o indivíduo não consegue se curar do vício sem ajuda, é uma patologia que necessita de tratamento e o seu encaminhamento ao Órgão Previdenciário para receber o benefício do auxílio doença, devendo ser desconsiderado o rompimento contratual pela forma mais gravosa atribuída ao empregado.

Desta forma, resta evidente que o dispositivo legal merece prudência antes de ser aplicado, não sendo correta a aplicação do referido artigo nos casos da embriaguez habitual, pois o empregado acometido pela patologia do alcoolismo deverá ter seu contrato de trabalho suspenso e não extinto como a lei autoriza.

Ademais, a alínea “f” do artigo 482 da CLT está ultrapassada, já que o ordenamento jurídico pátrio tem resistido aos avanços históricos e científicos que optaram por tratar a embriaguez habitual como doença e não como o referido artigo trata apenas elencando a embriaguez como motivo ensejador da dispensa por justa causa, sendo então, omisso quanto à redução do discernimento da pessoa acometida pela patologia, o que poderia ocasionar diversos problemas à empresa, aos clientes, ou ainda, podendo resultar em acidentes de trabalho, já que o empregado está sob a influência do álcool.

Sendo assim, se preza pela inaplicabilidade do artigo 482, alínea “f” ao empregado acometido da doença do alcoolismo, pois a dispensa do empregado alcoólatra constitui em manifesto ato de preconceito e discriminação, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico pátrio, devendo então o referido artigo ser aplicado com ressalvas e até desconsiderado em certos casos em que o empregado é diagnosticado com a doença, pois a norma legal deve ser analisada e aplicada de forma a acompanhar a evolução social, onde a embriaguez habitual deve ser considerada patologia e não mais como uma punição ao trabalhador que já está vitimado a tal doença grave.

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32A EMBRIAGUEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO: A CONCESSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA X A DISPENSA POR JUSTA CAUSA PREVISTA NA CLT

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 35

ANÁLISE DOS CUSTOS E FORMAÇÃO DE PREÇO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE BELEZA:

ESTUDO DE CASO

Sandra Belloli de Vargas1

Ana Lúcia Delgado2

RESUMO

A competição está presente em todos os setores da economia independente do porte da empresa, exigindo dos empresários, além do conhecimento do mercado em que atuam, conhecimentos para analisar os custos da empresa. O objetivo deste trabalho é demonstrar como a análise de custos pode auxiliar um microempreendedor individual da área da beleza. Para atender a este objetivo, utilizou-se a técnica de estudo de caso único em um salão de beleza localizado em Porto alegre. A empresa iniciou suas atividades em janeiro de 2015, entretanto não possui nenhum controle financeiro ou de custos, além de não estar formalizada. A partir da coleta dos dados referente aos gastos da empresa anotados de maneira informal, identifiou-se os custos que foram classificados em fixos e variáveis, calculou-se os custos dos principais serviços prestados pela empresa referentes ao período de abril a setembro, projetou-se os custos e faturamento para os meses de outubro a dezembro. A apuração dos custos permitiu o conhecimento dos serviços que geram lucro ou prejuízo no salão de beleza. Como resultado foi desenvolvido e apresentado à empresa um sistema para a formação de preços baseados nos custos e ferramentas de gestão.

Palavras-chave: Análise de Custos. Custo de Serviço. Salão de Beleza.

ABSTRACT

Competition is present in all sectors of the economy independent of the size of the company, requiring entrepreneurs, in addition to knowledge of the market in which they operate, knowledge to analyze the costs of the company. The objective of this work is to demonstrate how the cost analysis can help an individual microentrepreneur in the area of beauty. To meet this objective, we used the unique case study technique in a beauty salon located in the of Porto Alegre. The company started its activities in January 2015, however it does not have any financial or cost control, and is not formalized. From the collection of data on the company’s expenses recorded informally, we identified the costs that were classified as fixed and variable, we calculated the costs of the main services provided by the

1 Mestre em Ciências Contábeis. E-mail: [email protected]

2 Graduada em Ciências Contábeis. E-mail: [email protected]

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36 ANÁLISE DOS CUSTOS E FORMAÇÃO DE PREÇO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE BELEZA: ESTUDO DE CASO

company for the period from April to September 2016, cost and billing was projected for the months of October through December. The calculation of the costs allowed the knowledge of the services that generate profit or loss in the salon. As a result a system for cost-based pricing and management tools was developed and presented to the company.

Keywords: Cost analysis. Cost of Service. Beauty salon.

INTRODUÇÃO

O cuidado com a beleza sempre foi uma preocupação da humanidade. Para comprovar isso, na pré-história foram encontrados objetos arqueológicos, como pentes e navalhas de pedra. Depois, aproximadamente no ano de 5000 a.c., as mulheres e os homens da nobreza egípcia usavam perucas sofisticadas, pelos do corpo raspados, cabelos com franjas simétricas, cortes retos com comprimento acima do ombro. Na Grécia antiga, surgiram óleos, pomadas, loções para dar brilho e perfumar o cabelo. Os primeiros salões surgiram em Atenas, eram exclusivos para homens, onde podiam conversar sobre política, esportes e eventos sociais

O primeiro salão da era moderna, foi inaugurado em Paris, mas era somente para mulheres da nobreza. Em 1906, houve uma revolução no setor de beleza, com a criação da coloração e máquinas de fazer ondas permanentes nos cabelos (BORGES, 2012). Considera-se a década de 1960, no Brasil, o início da profissão dos cabelereiros, pois ocorreu a separação formal dos barbeiros e cabelereiros.

Atualmente, há uma grande valorização do corpo, sendo que a cada dia ocorrem lançamentos de novos produtos e tecnologias para o setor de beleza. Para o site ecommerce news, o segmento de salões de beleza tem crescido significativamente e é um dos maiores geradores de emprego no mercado brasileiro de beleza, e os fatores que influenciam a preferência do consumidor é o relacionamento, a praticidade e o atendimento.

O setor de salões de beleza teve faturamento de R$ 3,6 milhões em 2015 e a expectativa de crescimento entre 2015 e 2019 é de 10,2% ao ano. Entre 2010 e 2015, houve 482,4 mil novos microempreendedores legalizados no setor da beleza e estima-se que somente 20% dos negócios de beleza são formalizados. A lei complementar 133/2015, que foi aprovada no senado em março de 2016, promete aumentar a regularização do mercado, pois estabelece regras para parcerias entre profissionais dos salões, definindo terceirizações, comissões e relações de trabalho (SEBRAE, 2016).

Os pequenos empreendedores possuem uma grande dificuldade para formarem os preços de seus serviços, não possuem conhecimento dos seus custos, da concorrência e, por isso, a maioria fracassa nos primeiros anos de operação. Para não fracassar é fundamental um planejamento prévio e conhecer o melhor possível o ramo de seu negócio (SEBRAE, 2005). Para o controle eficaz e uma boa gestão financeira as empresas devem observar o princípio da entidade, ou seja, o patrimônio da empresa não deve se confundir com o patrimônio pessoal. É comum nos pequenos negócios misturar a pessoa física com a pessoa jurídica.

Diante deste cenário, este trabalho tem como objetivo, identificar e analisar os custos. Para

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 37

atingir tal objetivo, realizou-se um estudo de caso em uma empresa de pequeno porte do setor de beleza.

Para facilitar a compreensão do leitor, este trabalho está estruturado, além desta, da seguinte maneira: na seção dois a revisão de literatura abordado o conceito e estruturação do fluxo de caixa; na seção três apresentamos a metodologia; a seção quatro apresenta o diagnóstico empresarial e análise dos resultados e, por fim as referências.

1. REVISÃO DE LITERATURA

O objetivo principal da empresa é a maximização do lucro independente de seu porte. Para auxiliar os empresários a atingir este propósito busca-se apoio na gestão financeira. De acordo com o SEBRAE (2016), a gestão financeira se refere ao controle, análise, planejamento e simulações para produzir informações financeiras que apoiem a tomada de decisão.

Fernandes et al. (2012) define gestão financeira como o conjunto de decisões (tomadas pelos gestores) e atividades de uma organização que em função dos seus objetivos, concorrem para a regulação dos fluxos financeiros de aplicação e de origem, de que ela é o instrumento de ajustamento. Para os autores, através das suas decisões, a gestão financeira deve garantir a obtenção de meios de financiamento no tempo devido, ao menor custo possível, buscando a maximização do lucro, sem colocar em risco a sua continuidade.

Conforme argumentam Lima e Oliveira (2016, p.8), a maioria das decisões empresariais são medidas em termos financeiros. Portanto, todas as áreas de uma empresa precisam das informações financeiras para realizarem suas atividades e ou projetos, reforçando a importância da gestão financeira para o bom resultado e a sustentabilidade.

Nesse sentido, há que se ressaltar a importância das demonstrações contábeis, inclusive para as pequenas empresas, tais como o balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício. Para Padoveze (2007) o balanço patrimonial é de suma importância para análise de determinado período, pois representa o patrimônio da empresa. Já a demonstração do resultado do exercício, obrigatória para as empresas de capital aberto e sujeitas ao regime de tributação do lucro real exigida pela Lei 11.638/2007, é o resumo das operações realizadas pela empresa, com objetivo de destacar o resultado líquido do período (IUDÍCIBUS et al. (2010).

Uma das ferramentas mais utilizadas pelos gestores é o fluxo de caixa para o controle de entradas e saídas de dinheiro do caixa, considera-se um método eficaz para controlar as atividades financeiras e um instrumento de decisão importante. Zdanowicz (1986) define o fluxo de caixa como uma ferramenta utilizada, principalmente para apurar os ingressos e desembolsos financeiros da empresa, em um período determinado, prevendo a curto ou longo prazo, o saldo do caixa. O saldo estimado pelo fluxo de caixa, pode indicar o sucesso ou fracasso da empresa, pois detecta possíveis faltas ou sobra de caixa.

O fluxo de caixa a ser adotado pode seguir dois modelos: o modelo de fluxo de caixa direto ou indireto. O método direto, segundo Pereira (2014), apresenta toda a movimentação, de pagamento e recebimento dos itens das atividades operacionais, desde que tenham provocado alterações

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nas entradas e saídas do caixa. De acordo com Pereira (2014) o método indireto, parte do lucro ou prejuízo do período, com ajustes em contas, como a depreciação, que não afeta o disponível. Após é apresentado as variações das contas do ativo circulante e do realizável a longo prazo, adicionando ou subtraindo seu valor, dependendo se foi positivo ou negativo.

Considerando o contexto de competição e as dificuldades econômicas em que as empresas estão inseridas, a contabilidade e a análise de custos tornaram-se essenciais para a manutenção e sustentação da competitiva, pois propicia o conhecimento dos custos para que seja possível tentar reduzi-los com objetivo de oferecer preços mais atrativos aos clientes.

A contabilidade auxilia as empresas a conhecer seus custos através da contabilidade de custos. Para Ribeiro (2015) o objetivo principal a ser perseguido pela contabilidade de custos é produzir informações para auxiliar os gestores a tomar as decisões mais acertadas frente às incertezas dos diferentes cenários em que a empresa se encontra, visando atingir maior produtividade e otimização dos recursos disponíveis, reduzindo custos juntamente com a busca pela melhoria contínua.

Na contabilidade de custos utiliza-se uma terminologia específica com conceitos importantes e relevantes para os usuários das informações contábeis. Leone (2012) define custo como os gastos para obtenção de um produto ou serviço. Estes custos podem ser classificados de várias maneiras para produzir a melhor informação para atender às suas necessidades gerenciais.

Para Martins (2003) os custos podem ser classificados quanto à sua forma de alocação ou identificação com produto ou serviço. São os diretos e indiretos. Ribeiro (2015) exemplifica os custos diretos como por exemplo, mão-de-obra e gastos gerais de fabricação utilizados diretamente ao produto ou serviço. E os indiretos como aqueles que se impossibilitam uma segura e objetiva identificação em relação aos produtos ou serviços produzidos, complementa o autor.

Ao se considerar consideração a relação entre o valor total de custo e o volume de os custos os custos podem ser fixos ou variáveis. São custos que variam em função da quantidade produzida. Exemplo de custos que variam: matéria-prima. Tem relação com custos diretos, pois dependem diretamente do volume produzido (RIBEIRO, 2015).

Após a classificação dos custos as empresas optam pela utilização de um sistema de custeio, que pode ser fiscal ou gerencial, cujo objetivo é calcular o custo total de produção. Os sistemas mais difundidos são o custeio por absorção e custeio variável.

Segundo Martins (2003) no custeio variável todos os custos incorridos durante o processo de fabricação ou prestação de serviço são alocados aos produtos ou serviços. No Brasil, somente pode ser utilizado este método para fins de apuração do custo de fabricação, determinado pela legislação do Imposto de Renda. O autor considera este método derivado da aplicação dos princípios de contabilidade, pois consiste na apropriação de todos os gastos de produção aos bens e serviços.

Leone (2012) explica que no custeio por absorção os custos diretos são alocados diretamente aos produtos ou serviços à medida que são consumidos e os custos indiretos, são alocados através de critérios de rateios. Tais custos podem ser de valor irrelevante ou de difícil identificação ao produto e a finalidade deste critério é calcular o custo total, complementa o autor.

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Já o custeio variável, também denominado de direto pela literatura contábil, considera somente os custos diretos ou variáveis. Para Leone (2012) o custeio variável ao incluir no custo das operações, dos produtos, serviços e atividades os custos diretos e variáveis, preconiza a condição que este custo seja facilmente identificado com o produto, conclui o autor.

Martins (2003) ressalta que a contabilidade de custos através dos anos evoluiu de mera avaliadora de estoques e lucros para uma importante ferramenta de controle e apoio de decisões. Ou seja, reforça o autor, o conhecimento de custos é vital para a sustentabilidade da empresa. E essa evolução permitiu à contabilidade de custos passar a ser utilizada pelas empresas prestadoras de serviços, sendo utilizada para determinar os custos para avaliação dos estoques de serviços em andamento, conhecimento para posterior precificação e, consequentemente, apoio as decisões gerenciais.

2. METODOLOGIA

Em relação a natureza da pesquisa, este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa aplicada, pois conforme afirma Gil (2010), objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos, ou seja, volta-se para a solução de problemas através da utilização dos seus resultados. A primeira etapa deste estudo ocorreu através de uma pesquisa bibliográfica realizada em livros, artigos, jornais e sites especializados. Esta etapa contribuiu para ampliar o conhecimento sobre o tema e para o delineamento do trabalho.

Quanto ao seu objetivo, é definido como uma pesquisa exploratória, pois visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas de explicá-lo (GIL, 2010). Para Marconi e Lakatos (2013, p. 71), as pesquisas exploratórias “são investigações empíricas cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com a finalidade de desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com o tema”.

Para atingir o objetivo deste trabalho utilizou-se como procedimento o estudo de caso único. Para Yin (2015, p.17), o estudo de caso pode ser definido como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo (o ‘caso’) em profundidade e em seu contexto de mundo real”, especificamente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.

O estudo de caso iniciou com o levantamento dos custos através de recibos de pagamentos e notas fiscais. Após essa coleta de dados foi feita a separação dos custos fixos, variáveis e despesas. Depois foi realizada a contagem das quantidades dos serviços, utilizando a agenda dos profissionais, sendo coletados dados dos meses de abril a setembro de 2016. Esses dados foram anotados em um caderno e após transferidos para planilhas de Excel.

Foram realizadas entrevistas com os proprietários do salão para entendimento de algumas atividades do salão, tais como: informações sobre as compras e pagamentos dos fornecedores; sobre divulgação dos serviços; formação dos preços, etc. A partir dos dados coletados e das informações obtidas através de entrevistas, foram analisados de forma interpretativa, comparando-os com a literatura disponível sobre o tema, bem como com outros estudos que abordam o controle

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patrimonial e a legislação vigente, a fim de oportunizar uma maior compreensão sobre o assunto.

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

A empresa objeto deste estudo é prestadora de serviços na área da beleza, cujas atividades principais são: cabeleireiro, manicure, pedicura, tanto para o público feminino como para o masculino. Os profissionais possuem formação técnica na área da beleza e cursos de atualizações. A empresa é composta por três profissionais responsáveis e sócios: o cabelereiro, duas manicures, sendo que uma delas presta também serviços de reconstrução capitar e escova progressiva. A estética funciona de terça a sábado, e o horário de atendimento é determinado pelos clientes conforme disponibilidade dos profissionais, normalmente o horário é das 9hs às 20hs, no entanto o profissional pode atender antes ou após esse horário previsto.

A empresa está localizada há quase dois anos nesse mesmo local informalmente, não está registrada, não possui nenhum controle de custos e financeiro, os gestores não sabem qual é o custo dos serviços prestados, nem se os preços cobrados são rentáveis. Os preços praticados foram determinados a partir do conhecimento dos preços praticados pela concorrência, considerando o poder aquisitivo da região em que a empresa está instalada. A falta de formalização da empresa e a inexistência de controle de custos e financeiros motivou a execução do trabalho.

O local para abrir um novo salão foi indicado por um fornecedor de produtos cosméticos, amigo da proprietária do imóvel. O espaço foi alugado direto com a proprietária, é independente da residência, fica próximo de onde trabalhavam os três profissionais em uma rua central e com bastante circulação de carros e pedestres. Após a negociação com a proprietária do imóvel, praticamente em uma semana foi aberta, sem nenhum projeto, pesquisa de mercado, planejamento, tipo de gestão ou quanto seria o custo e o retorno do investimento.

A estética está localizada em um anexo de uma casa, onde consta um banheiro, uma sala para depilação, sala para maquiagem, sala para estética facial, uma sala para o lavatório e um grande espaço onde fica a recepção, o cabeleireiro e as duas manicures/pedicures. Como diferencial, cita-se o ambiente climatizado, a qualidade dos serviços prestados pelos seus profissionais e seus produtos, a limpeza do ambiente e total disposição de horários, inclusive nas segundas e feriados.

A forma de pagamento é normalmente à vista, mas há a opção de cheque à vista ou pré-datado, no cartão de débito e crédito e esses valores pagos em cartão vão para conta corrente de um familiar do cabeleireiro, onde o acerto é feito por semana. Os profissionais estipulam seus preços no começo do ano e alguns serviços especiais como coloração, mechas e reconstrução são analisados pelo cabeleireiro antes do serviço prestado. O controle dos recebimentos dos serviços é feito direto pelo profissional que prestou os serviços.

As despesas com limpeza, compra de material, água, luz, telefone, segurança são divididas por três. A despesa com aluguel é dividida da seguinte forma: o cabeleireiro paga 50% e as manicures pagam 25% cada. Os produtos utilizados para prestação de serviços são de responsabilidade de cada profissional, portanto cada um adquire, compra e paga seus produtos.

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O faturamento médio por mês é de R$14.000,00. A empresa desde a sua abertura em 2015 não fez a sua formalização, devido principalmente aos custos para uma empresa de pequeno porte. Para formalizar esse tipo de empresa são necessários custos para formação de um contrato social, custos na junta comercial, custos com contador, custos com alvará.

Após o levantamento dos dados referente aos gastos, classificou-se os custos em variáveis e fixos. Este levantamento teve como base documentos guardados pelos três profissionais como recibos, notas fiscais, faturas. Os valores médios de cada item foram identificados durante os meses de abril a setembro de 2016, conforme apresentado a seguir no Quadro 1.

Quadro 1 – Custos totais

Fonte: elaborado pelas autoras.

Os custos variáveis apresentados no Quadro 1 referem-se aos materiais utilizados para a prestação dos serviços, energia elétrica e água consumidos nos meses de abril a setembro, informa as médias de gastos. Para apropriar os custos variáveis aos serviços prestados, no caso dos materiais, foram calculados dividindo-se o custo médio pela unidade de medida do produto. A energia elétrica e água foram calculadas pela quantidade e tempo médio que foram utilizadas em cada serviço. O valor da mão-de-obra foi calculado considerando o mercado da beleza, que paga 60% aos profissionais.

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42 ANÁLISE DOS CUSTOS E FORMAÇÃO DE PREÇO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE BELEZA: ESTUDO DE CASO

Conforme Leone (2012, p.49), “os custos fixos são aqueles que não são facilmente identificados, por isso deve ser alocado aos objetos de custeio através de rateio. Quando é adotado o rateio, os custos devem ser considerados indiretos”. Portanto, os custos classificados indicados como fixos no Quadro 1, também são chamados de indiretos, pois cada tipo de serviço prestado no salão recebeu uma parcela de custo através dos critérios de rateio apresentados no Quadro 2.

Quadro 2 - Apropriação dos custos fixos

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Na empresa estuda, estes custos ocorrem independente da ocorrência da prestação de serviço, ou seja, correspondem a compromissos já assumidos. Os critérios de rateio, apresentados no Quadro 2, são baseados na forma que os sócios dividem e pagam os seus custos fixos.

Diante do conhecimento dos custos que a empresa teve no período, calculou-se os custos dos principais serviços prestados, são eles: corte feminino, corte masculino, mechas, tintura, escova, reconstrução capilar, escova progressiva, manicure e pedicura. A empresa presta outros serviços tais como: depilação, tratamentos capilares com uso de cremes específicos, aplicação de unhas em gel, etc., entretanto, estes serviços não tiveram ocorrência durante a elaboração desta pesquisa. Os custos dos serviços são apresentados a seguir, a Quadro 3 apresenta os custos identificados para o serviço de corte de cabelo masculino e feminino. Para o corte feminino optou-se por custear de acordo com o tamanho do cabelo.

Quadro 3 – Custo do corte feminino e masculino

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Os preços praticados pela empresa baseiam-se nos valores cobrados pela concorrência, para uma análise de custos, utilizou-se o mark-up sobre o custo identificado. O cálculo desconsiderou os impostos (ICMS de vendas, PIS e COFINS), pois a empresa está atuando no mercado de forma informal, não há também comissões de vendedores, a despesa administrativa é de 0,37 % para os serviços de cabelo (corte, tintura, escova progressiva, escova e reconstrução capilar) e o lucro desejado é de 10% sobre o valor do serviço. Após o cálculo dos preços do corte masculino e feminino com a utilização da ferramenta mark-up observou-se que os preços praticados pela empresa, mesmo sem o conhecimento dos custos e despesas, para o corte feminino são satisfatórios e

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propiciam o atingimento do lucro desejado. Já para o corte masculino não propicia lucratividade.

O Quadro 4 apresenta os custos apurados dos serviços de mechas e tintura, foram consideradas as mesmas premissas utilizadas no cálculo dos serviços de corte de cabelo para estimar o preço dos serviços. No caso das mechas o preço praticado pela empresa cobre os custos e o lucro desejado pelos sócios, entretanto, preço cobrado para tintura não cobre os custos identificados.

Quadro 4 – Custo de mechas e tintura

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Para os serviços de escova, reconstrução capilar e escova progressiva tiveram os custos apresentados no Quadro 5 a seguir. Considerando as mesmas premissas de despesas e lucro desejado calculou-se o preço dos serviços para compará-los com os praticados pela empresa. Neste caso, a reconstrução capilar não cobre os custos dos materiais utilizados na prestação do serviço.

Quadro 5 – Custo de escova, reconstrução capilar e escova progressiva

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Os serviços mais prestados pela empresa são manicure e pedicura. Para a utilização da ferramenta mark-up, diferente dos serviços anteriores, considerou-se a despesa administrativa de 0,12%) e o lucro desejado é de 10%. O Quadro 6 apresenta os custos destes serviços. O preço praticado para os serviços de manicure cobre os custos e atende a expectativa de lucro. Já o preço praticado pelo serviço de pedicura cobre apenas os custos.

Quadro 6 – Custo de manicure e pedicura

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Fonte: Elaborado pelas autoras.

Conforme apresentado anteriormente, após o levantamento dos gastos foi possível calcular o custo dos principais serviços prestados, com a utilização da ferramenta mark-up se calculou o preço dos serviços para comparar com o preço praticado. O Quadro 7 apresenta um resumo dos serviços cujo preço praticado pela empresa cobrem os custos e o lucro desejado ou somente os custos.

Quadro 7 – Resumo da análise dos custos

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Desta forma, identificou-se que a empresa cobre os custos e lucro desejado em cinco dos serviços analisados, cobre os custos de dois serviços e em apenas dois não há cobertura dos custos. Salienta-se que a estratégia adotada pela empresa é praticar o mesmo preço da concorrência, já que não conhecia os custos e despesas, ou seja não utilizava nenhuma metodologia de mensuração de custos ou análise de custos. Este resultado corrobora com a pesquisa realizada por Carmo, Santos e Lima (2013) que investigou 50 empresas de pequeno e médio e o resultado foi de que 40% das empresas da amostra também não adotam nenhum método de custeio ou análise de custos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo demonstrar como a análise de custos pode auxiliar um empreendedor da área da beleza a identificar se os preços praticados cobrem os custos. Esta análise é essencial para a formação de preço dos serviços unitários. A empresa desconhecia totalmente seus custos, não mantinha nenhum tipo de controle e seus preços são praticados de acordo com a concorrência.

Apurou-se os custos fixos e variáveis, o faturamento, o número de serviços executados, a quantidade média de clientes e a partir da coleta destas informações foi possível classificar os custos, despesas e o valor da mão-de-obra. Estabeleceu-se critérios de rateio para os custos fixos para a melhor apropriação aos serviços prestados. Identificou-se os custos de cada serviço, o seu lucro e sua contribuição para o pagamento dos custos fixos.

Sugere-se a formalização da empresa, visto que não possui nenhum tipo de registro, optando-

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se pelo Simples Nacional. A formalização garantiria os benefícios como aposentadoria, pensão por doença, seguro maternidade e crédito bancário para no futuro próximo expandir o negócio.

Através da pesquisa verificou-se que a compras de produtos são feitos em fornecedores terceirizados e em pequenas quantidades. Com o crédito bancário será possível reduzir custos, comprando diretamente do fornecedor em grandes quantidades e com preços mais baixos. Sugere-se a adoção de um fluxo de caixa, um DRE, controle dos custos, cálculo da Margem de Contribuição para uma melhor gestão financeira e formação correta do preço praticado.

Para pesquisas futuras, considerando a necessidade de profissionalização da gestão no segmento de beleza, sugere-se ampliar a análise para todos os serviços prestados e realizar uma pesquisa de mercado com objetivo de ampliar os serviços prestados e aumentar a receita.

REFERÊNCIAS

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CARMO, C. R. S.; SANTOS, T. G.; LIMA, I. G. A utilização de “artefatos de custos” por micro e pequenas empresas (MPEs) da cidade de Uberlândia-MG, Brasil. Revista del Instituto Internacional de Costos, n. 12, p. 5-27, 2013

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IUDÍCIBUS, S. et al. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades, de acordo com as normas internacionais e do CPC. Ed. Atlas, 2010.

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MARCONI, M.A., LAKATOS, E.M. Técnicas de pesquisa. 7° ed. São Paulo: Atlas, 2013.

MARTINS, E. Contabilidade de Custos (Inclui o ABC). 9ª edição. São Paulo: Atlas, 2003.

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PADOVEZE, C. L. Análise das demonstrações financeiras. 7ª edição. São Paulo: Thomson learning, 2007.

RIBEIRO, O. M. Contabilidade de Custos Fácil. 6ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015.

SEBRAE. Aprender e empreender. São Paulo: Fundação Roberto Marinho, 2005.

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YIN, R. K. Estudo de caso planejamento e métodos. 4° ed. Porto Alegre: Bookman, 2015.

ZDANOWICZ, J. E. Fluxo de caixa. Porto Alegre: DC Luzatto, 1986.

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS HOSPITAIS: UMA ANÁLISE A PARTIR DE ACÓRDÃO DO STJ

Klaus Cohen Koplin1

RESUMO

A partir da percepção do verdadeiro papel de “Cortes de Precedentes” atribuído pela Constituição Federal de 1988 aos tribunais superiores, o artigo se propõe a analisar, do ponto de vista doutrinário, relevante acórdão em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou as bases da responsabilidade pela reparação de danos ocorridos em hospitais. Conforme decidiu o Tribunal, ao interpretar o art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a responsabilidade civil do médico é subjetiva. Já a responsabilidade do hospital, no entendimento dessa Corte, é objetiva apenas em relação aos serviços prestados pelo próprio estabelecimento (art. 14, caput, do CDC), ao passo que, no tocante à conduta dos médicos que nele atuam, ela é subjetiva, exigindo a demonstração da culpa do profissional. Ademais, analisa-se tema não abordado diretamente no acórdão comentado, que é o do regime aplicável à responsabilidade civil dos hospitais públicos. Nesse sentido, vem-se decidindo que responsabilidade de tais hospitais é objetiva, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Erro médico. Hospitais. Hospitais públicos.

ABSTRACT

From the perception of the true role of “Courts of Precedents” attributed by the Federal Constitution of 1988 to the higher courts, the paper seeks to analyze from the academic point of view a relevant judgment in which the Brazilian Superior Court of Justice (STJ) established the civil liability for compensation for damages in medical cases. As the Court has decided, in interpreting article 14, § 4, of the Brazilian Code of Consumer Defense and Protection (CDC), the civil liability of the doctor is fault-based. The hospital, according to this Court, is strictly liable only in relation to the services provided by the institution itself (article 14, caput, CDC), whereas, regarding the conduct of the physicians who work in it, its liability is fault-based, demanding the analysis of the professional’s intention. In addition, it analyzes a subject not directly addressed in the judgment which is the civil liability of public hospitals. The Court has decided that the liability of such hospitals is strict, based on article 37, § 6, of the Brazilian Federal Constitution.

Keywords: Civil Liability. Medical malpractice. Hospitals. Public hospitals.

1 Doutor e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor adjunto de direito processual civil na Faculdade de Direito da UFRGS e na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro da Asociación Argentina de Filosofía del Derecho (AAFD). Advogado sócio do Escritório Freitas Macedo Advogados. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

Na atualidade, é forte a tendência de pensar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não mais como tribunais de última instância, encarregados de simplesmente controlar a aplicação do direito aos casos concretos pelas instâncias inferiores, mas como verdadeiras “Cortes de vértice”, respectivamente, em matéria de interpretação da Constituição Federal e das leis infraconstitucionais. Vale dizer, tais tribunais devem ser encarados como “Cortes Supremas” (“Cortes de Precedentes”) em seus respectivos âmbitos de atuação.2

De fato, a estruturação do Judiciário da Constituição Federal de 1988 e o próprio desenho do recurso extraordinário (CF, art. 102, III) e do recurso especial (CF, art. 105, III) apontam para o fato de que a missão institucional do STF e do STJ não é reexaminar o caso concreto, corrigindo erros e acertos dos tribunais de segundo grau (“Cortes de Justiça”), em função retrospectiva, mas, a partir dele, conferir unidade ao Direito, estabelecendo critérios aptos a orientar a interpretação e a aplicação da Constituição e da lei federal pelos demais órgãos do Poder Judiciário, em inequívoca função prospectiva. A partir da identificação da relevância da discussão proposta pelo recorrente (daí a demonstração da “repercussão geral” já exigida no recurso extraordinário, conforme art. 102, § 3º da CF), o Tribunal competente “usa” o caso como “pretexto” para sinalizar a todo o Judiciário e à sociedade em geral a interpretação mais adequada para a Constituição e a lei, ainda que não seja a única possível.

A partir dessa compreensão, analisa-se acórdão unânime proferido pelo STJ (cuja orientação restou recentemente corroborada)3, do qual constam importantes critérios interpretativos acerca da caracterização da responsabilidade civil de Hospitais por danos sofridos por seus pacientes.

1. O STJ E A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS HOSPITAIS

Com efeito, o Recurso Especial nº 1.621.375/RS (Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 19/09/2017, DJe 26/09/2017) versa sobre caso, oriundo da Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, em que a paciente autora foi internada no Hospital demandado para realização do parto de sua filha. Conforme informações constantes dos autos, após tentativa frustrada de realização de parto normal, realizou-se parto cesáreo. Todavia, em razão de procedimentos supostamente equivocados efetuados pelo Hospital após a tentativa de parto normal, o bebê teria ficado sem acompanhamento por cerca de 29 minutos, faltando-lhe oxigenação. Em função disso, a filha da autora apresentou graves sequelas após o nascimento, como paralisia cerebral, atrofia cerebral e epilepsia. A demanda foi ajuizada unicamente contra o Hospital, pedindo-se a sua condenação à reparação dos danos morais e materiais alegadamente experimentados pela autora.

A sentença reconheceu a ilegitimidade ativa quanto à reparação dos materiais e julgou parcialmente procedente a demanda para condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais, arbitrada em R$ 30.000,00, corrigidos pelo IGP-M desde a data da decisão e acrescidos

2 DANIEL MITIDIERO, Cortes Superiores e Cortes Supremas, São Paulo : RT, 3. ed., 2017, pp. 93 e ss.; LUIZ GUILHERME MARINONI, O STJ enquanto Corte de Precedentes, São Paulo : RT, 3. ed., 2017, 108-115; MICHELE TARUFFO, Il vertice ambiguo, Bologna : Il Mulino, 1991, pp. 157-169.

3 Confira-se o REsp 1.579.954/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 08/05/2018, DJe 18/05/2018.

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de juros de mora a partir da data do fato.

Os recursos de Apelação e de Embargos de Declaração, ambos interpostos pelo nosocômio, foram desprovidos, mantendo-se a determinação sentencial. No Recurso Especial, o requerido alegou violação a vários dispositivos de leis federais (arts. 165, 333, I, 458, II e 535 do CPC/1973; 407 e 944 do CC/2002; 14, § 1º, I e II e § 4º, do CDC), bem como pediu a reforma do acórdão recorrido para que fosse julgada improcedente a demanda.

A 3ª Turma do STJ, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e deu-lhe provimento em parte, no quanto conhecido, apenas para alterar o termo inicial dos juros moratórios, que deveriam incidir a partir da citação, por considerar que a responsabilidade do Hospital era de natureza contratual.

A parte da fundamentação do acórdão que interessa à presente análise diz respeito à configuração da responsabilidade civil do estabelecimento hospitalar fundada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Com efeito, o STJ entendeu que a responsabilidade civil do médico é subjetiva, conforme art. 14, § 4º, do CDC. Todavia, a responsabilidade do nosocômio é objetiva apenas em relação aos serviços prestados pelo estabelecimento (como os que dizem respeito às instalações, à alimentação, aos equipamentos e serviços auxiliares), com arrimo no caput do art. 14 do CDC, ao passo que, no tocante à conduta dos médicos que nele atuam, ela é subjetiva. É o que se constata do seguinte trecho:

“10. O art. 14, § 4º, do CDC, que dispõe que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante verificação de culpa” tem aplicabilidade limitada aos médicos, não se estendendo aos estabelecimentos de saúde. Estes, por força do disposto no caput do art. 14 do Código consumerista, estarão sujeitos aos efeitos da teoria da responsabilidade objetiva, que prescinde da demonstração de culpa, forte no reconhecimento legal da desvantagem existente entre o paciente e a instituição (MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do médico. 4 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 64). (...) 12. Por oportuno, salienta-se que a responsabilidade objetiva dos hospitais não é absoluta, afinal, tem-se que o estabelecimento hospitalar responde objetivamente pelos danos causados aos pacientes toda vez que o fato gerador for o defeito do seu serviço, isto é, quando o evento danoso proceder de defeito do serviço, sendo, ainda assim, indiscutível a imprescindibilidade do nexo causal entre a conduta e o resultado.13. Tem-se, deste modo, que a responsabilidade objetiva para o prestador de serviço, prevista no art. 14 do CDC, na hipótese de tratar-se de hospital, limita-se aos serviços relacionados ao estabelecimento empresarial, tais como estadia do paciente (internação e alimentação), instalações, equipamentos e serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) (REsp 1.526.467⁄RJ, 3ª Turma, DJe 23⁄10⁄2015).14. Em contrapartida, a responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos médicos contratados que neles laboram, é subjetiva, dependendo da demonstração de culpa do preposto, não se podendo, portanto, excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital.” (os grifos constam do original)

Após citar vários acórdãos da 3ª e 4ª Turmas, a Ministra Relatora invoca precedente que resume os princípios interpretativos a serem aplicados na aferição da responsabilidade civil do médico e do Hospital:

“16. Quando do julgamento do REsp 1.145.728⁄MG, o Min. Luis Felipe Salomão - relator para o acórdão, na oportunidade - sintetizou as situações de responsabilidade atinentes às sociedades empresárias hospitalares por dano causado ao paciente-consumidor, destacando que:i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato

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50 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS HOSPITAIS: UMA ANÁLISE A PARTIR DE ACÓRDÃO DO STJ

próprio) exsurge somente em decorrência do defeito no serviço prestado (art. 14, caput, do CDC);ii) os atos técnicos praticados pelos médicos, sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (art. 14, § 4º, do CDC); eiii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima, de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (arts. 932 e 933 do CC⁄02), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC)”. (os grifos constam do original)

Com base nessas balizas, bem como nas premissas fáticas assentadas nas instâncias inferiores, o STJ reconheceu, no caso, a existência de defeito no serviço prestado pelo Hospital, uma vez que não houve acompanhamento dos batimentos cardíacos do feto durante o período de 29 minutos compreendidos entre a tentativa de parto normal e a cesariana, tendo nascido asfixiado. Entendeu o órgão julgador que isso se deveu a falha na prestação de serviços atribuível apenas ao Hospital, atraindo a responsabilidade objetiva prevista no caput do art. 14 do CDC e o consequente dever de indenizar.

Ademais, a Corte identificou um “fundamento adicional” para responsabilização do nosocômio: na esteira do que constatou o tribunal a quo, “os profissionais teriam tido conduta inadequada para o caso que lhes foi apresentado, não condizentes com a literatura médica, consoante descrição do laudo [pericial] realizado”, considerando, por isso, “comprovada a existência de nexo de causalidade direta entre o agir dos prepostos do réu e os danos apresentados pela filha da autora”. Por isso, caracterizado o agir culposo dos médicos vinculados ao Hospital (e que não são réus nessa demanda), esse também responderia pelo pagamento da indenização, agora em função da culpa de terceiro, consoante arts. 932 e 933 do Código Civil.

2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS E DOS HOSPITAIS PRIVADOS

Efetivamente, consoante reconhece a doutrina, a responsabilidade civil do médico profissional liberal, sendo de caráter pessoal, é subjetiva, mesmo que se trate de relação de consumo, consoante regra expressa do art. 14, § 4º, do CDC. Ou seja, o médico, qualificado em tal situação como fornecedor de serviços, só responde pelo pagamento da indenização dos prejuízos se restar caracterizado agir culposo seu (imprudência, imperícia, negligência). Entretanto, deve-se ressaltar que os demais preceitos do CDC permanecem aplicáveis4, sobretudo o seu art. 6º, VIII, que estabelece o direito à inversão do ônus da prova5.

Nesse caso, os elementos clássicos da responsabilidade civil traduzir-se-ão em conduta culposa (= defeito do serviço), dano e nexo de causalidade, permitindo-se o afastamento da responsabilidade pela demonstração da inexistência de culpa por parte do médico (CDC, art. 14, §§ 3º e 4º).

Já a responsabilidade do Hospital privado, qualificado como fornecedor de serviço de saúde,

4 SERGIO CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, São Paulo : Atlas, 9. ed., 2010, p. 398.

5 GERSON LUIZ CARLOS BRANCO, “Aspectos da responsabilidade civil e do dano médico”, in: NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Doutrinas essenciais: responsabilidade civil, São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 643-574, esp. p. 558.

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vem sendo entendida pela doutrina especializada como objetiva, consoante caput do art. 14.6 A responsabilização do nosocômio exige, nesse caso, apenas a caracterização de sua conduta defeituosa, a demonstração do dano e do nexo de causalidade. Diante do disposto no art. 14, § 3º, do CDC, afasta-se a responsabilidade do Hospital fornecedor do serviço quando restar comprovado que o defeito inexiste ou quando caracterizada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Em outros termos, a demonstração da inexistência do defeito se dá com a prova da correção dos procedimentos adotados em razão de serviços relacionados ao próprio estabelecimento hospitalar, quanto a suas instalações, alimentação, equipamentos e serviços auxiliares, na linha do acórdão ora comentado.

Em que pese haja manifestações expressivas em sentido contrário7, a interpretação propugnada pelo STJ em acórdãos como o ora comentado permite que se encare a culpa do médico vinculado ao Hospital como defeito do serviço prestado por ele, através de seu preposto8. Assim, a responsabilidade do nosocômio, conquanto em tese seja objetiva, fica condicionada à verificação da responsabilidade subjetiva (culpa), no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos a ele vinculados9. De acordo com esse ponto de vista, “a falha do médico transmuta-se na falha do hospital”10.

Efetivamente, consoante já se afirmou em sede doutrinária, “não seria plausível sustentar a responsabilidade objetiva do hospital em termos absolutos, sob pena de tornar inviável a manutenção deste ramo de atividade”11, o que justifica a orientação do STJ a respeito da responsabilidade do Hospital apenas por danos culposos causados pelos médicos que nele atuam. Em vista disso, “o risco da atividade hospitalar será determinante quando houver falha do serviço, e não apenas em razão do risco que é próprio do tipo de procedimento desempenhado em estabelecimento dessa natureza”12.

Em suma: em se tratando de responsabilidade do Hospital por serviços prestados unicamente pela instituição, como acomodação (hospedagem), alimentação, medicamentos, equipamentos (de raios-X, por exemplo) e serviços auxiliares (como de enfermagem), a responsabilidade será puramente objetiva, afastando-se unicamente quando demonstrada a inexistência do defeito a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Por outro lado, cuidando-se de responsabilidade

6 BRUNO MIRAGEM, “Responsabilidade civil médica no direito brasileiro”, in: NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Doutrinas essenciais: responsabilidade civil, São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 677-724, esp. pp. 681-682 e 701.

7 RIZZATTO NUNES, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo : Saraiva, 4. ed., 2009, pp. 229-230; ANTONIO HERMAN V. BENJAMIN; CLAUDIA LIMA MARQUES; LEONARDO ROSCOE BESSA, Manual de direito do consumidor, São Paulo : RT, 6. ed., 2014, pp. 192; BRUNO MIRAGEM, “Responsabilidade civil médica no direito brasileiro”, in: NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Doutrinas essenciais: responsabilidade civil, São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 677-724, esp. p. 713; SERGIO CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, São Paulo : Atlas, 9. ed., 2010, pp. 400-402.

8 RUI STOCO, “Responsabilidade civil dos hospitais, sanatórios, clínicas, casas de saúde e similares em face do Código de Defesa do Consumidor”, in: NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Doutrinas essenciais: responsabilidade civil, São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 815-825, esp. p. 823: “Perceba-se que, porque importante, que o caput do art. 14 do CDC condicionou a responsabilização do fornecedor de serviços de saúde à existência de ‘defeitos relativos à prestação de serviços’. Tal expressão induz culpa, máxime quando se trate de atividade médica, cuja contratação assegura meios e não resultado (...), de modo que o resultado não querido não pode ser rotulado de ‘defeito’.”

9 MIGUEL KFOURI NETO, Responsabilidade civil do médico, São Paulo : RT, 8. ed., 2013, p. 233-236; IDEM, Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, São Paulo : RT, 2. ed., 2015, pp. 108-113.

10 A expressão usada no texto é de Bruno Miragem, o qual, apesar disso, parece não estar de acordo com o entendimento adotado pelo STJ no tocante à necessidade de configuração da culpa do médico para a responsabilização do Hospital (“Responsabilidade civil médica no direito brasileiro”, in: NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Doutrinas essenciais: responsabilidade civil, São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 677-724, esp. p. 713).

11 CARLOS NELSON KONDER; THAMIS DALSENTER, “Questões atuais da responsabilidade civil média hospitalar”, in: CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA; LUCIANO DADALTO (coord.), Dos hospitais aos tribunais, Belo Horizonte : Del Rey, 2013, pp. 463-498, esp. p. 472.

12 CARLOS NELSON KONDER; THAMIS DALSENTER, “Questões atuais da responsabilidade civil média hospitalar”, in: CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA; LUCIANO DADALTO (coord.), Dos hospitais aos tribunais, Belo Horizonte : Del Rey, 2013, pp. 463-498, esp. p. 474.

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por danos causados diretamente pelos médicos a ele vinculados (por exemplo, como prepostos), o Hospital somente responderá (e solidariamente com o médico, segundo art. 7º, parágrafo único, do CDC) quando ficar caracterizado o agir culposo do profissional. Nesse caso, a culpa médica apresenta-se como hipótese de defeito do serviço prestado pelo Hospital (CDC, art. 14, § 1º), afastando-se o dever de indenizar se a instituição conseguir demonstrar, a partir da análise do elemento subjetivo, a inexistência de culpa por parte do profissional.

Já no caso do médico não vinculado ao Hospital como empregado ou membro do corpo clínico, mas em situação de simples locação de centro cirúrgico do Hospital, efetivamente nenhuma responsabilidade exsurge para este, de regra, em função da conduta do profissional eleito pelo paciente, conforme entendimento adotado pela Segunda Seção do STJ13. De fato, “se o dano decorreu exclusivamente do ato médico, sem nenhuma forma de participação do hospital (inexistente vínculo de preposição entre médico e nosocômio), responderá tão só o profissional da medicina”14. Seguindo-se a linha de raciocínio já exposta, o Hospital somente responderá, nesses casos, pelo estado de materiais e equipamentos disponibilizados por ocasião da cirurgia.

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS HOSPITAIS PÚBLICOS

Finalmente, embora o tema não tenha sido examinado pelo STJ nessa decisão, deve-se considerar ainda o regime da responsabilidade civil aplicável aos hospitais públicos.

Aí, a responsabilidade civil não será regida pelo CDC, uma vez que, inexistindo a remuneração direta do usuário pelo serviço prestado, não se caracteriza relação de consumo. Com efeito, tais hospitais recebem recursos do SUS obtidos a partir da arrecadação dos impostos.

Assim, a responsabilidade de tais instituições é também objetiva, mas fundada no risco administrativo, consoante o art. 37, § 6º, da CF15, regendo-se pelos preceitos do direito comum (Código Civil).16

Nesse caso, já decidiu STJ que seria prescindível a apreciação dos elementos subjetivos do agente, que diriam respeito, apenas, ao eventual direito de regresso do Estado contra o preposto responsável pelo dano.17

No entanto, há julgados dessa Corte sinalizando para necessidade de exame do elemento subjetivo (dolo ou culpa) para fins de fixação da responsabilidade estatal por condutas omissivas, em situações, por exemplo, de fuga de paciente de hospital psiquiátrico. Conforme observou o Tribunal, “Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade subjetiva,

13 REsp 908.359/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, 2ª Seção, j. em 27/08/2008, DJe 17/12/2008.

14 MIGUEL KFOURI NETO, Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, São Paulo : RT, 2. ed., 2015, p. 116.

15 Assim já decidiu o STJ no AgRg no AREsp 403.236/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª Turma, j. em 05/12/2013, DJe 12/12/2013.

16 Nesse sentido, MIGUEL KFOURI NETO, Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, São Paulo : RT, 2. ed., 2015, p. 128 e BRUNO MIRAGEM, “Responsabilidade civil médica no direito brasileiro”, in: NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Doutrinas essenciais: responsabilidade civil, São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 677-724, esp. pp. 681 e 697. Diferente é a situação dos hospitais particulares que prestam serviço ao SUS e são, portanto, indiretamente remunerados pelo Estado. Nesse caso, o cidadão usuário do serviço será considerado consumidor e fará jus à aplicação das normas protetivas do CDC.

17 Nesse sentido, REsp 674.586/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, j. em 06/04/2006, DJ 02/05/2006, p. 253.

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prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando houver culpa do preposto.” 18

Embora o STJ ainda não tenha enfrentado a questão da responsabilidade do Hospital público à luz dos arts. 932 e 933 do CC/2002 (e eventualmente do art. 14, § 4º, do CDC), existem julgados estaduais e lição doutrinária no sentido de que o risco administrativo consagrado na Constituição não excluiria, por si só, o exame da culpa do médico vinculado ao Hospital público, consoante o raciocínio antes exposto a propósito de hospitais particulares.19

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo : RT, 6. ed., 2014.

BRANCO, Gerson Luiz Carlos. “Aspectos da responsabilidade civil e do dano médico”. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 643-574.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo : Atlas, 9. ed., 2010.

KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. São Paulo : RT, 2. ed., 2015.

___. Responsabilidade civil do médico. São Paulo : RT, 8. ed., 2013.

KONDER, Carlos Nelson; DALSENTER, Thamis. “Questões atuais da responsabilidade civil média hospitalar”. In: TEIXEIRA, Carolina Brochado; DADALTO, Luciano (coord.). Dos hospitais aos tribunais. Belo Horizonte : Del Rey, 2013, pp. 463-498.

MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes. São Paulo : RT, 3. ed., 2017.

MIRAGEM, Bruno. “Responsabilidade civil médica no direito brasileiro”. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 677-724.

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. São Paulo : RT, 3. ed., 2017.

NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo : Saraiva, 4. ed., 2009.

TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo. Bologna : Il Mulino, 1991.

STOCO, Rui. “Responsabilidade civil dos hospitais, sanatórios, clínicas, casas de saúde e similares

18 REsp 602.102/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, j. em 06/04/2004, DJ 21/02/2005, p. 146.

19 Nesse sentido, MIGUEL KFOURI NETO, Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, São Paulo : RT, 2. ed., 2015, p. 129; Apelação Cível Nº 70073010746, 10ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Marcelo Cezar Müller, j. em 25/05/2017; Apelação Cível nº 0088832-70.2001.8.19.0001, 5ª Câmara Cível, TJRJ, Rel. Des. Antonio Saldanha Palheiro, j. em 06/11/2007.

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em face do Código de Defesa do Consumidor”. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo : RT, vol. V, 2010, pp. 815-825.

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OS DONOS DO PODER E O PERFIL EXTRATIVISTA DAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Gustavo Vicente Sander1

RESUMO

Exploramos neste artigo as origens do perfil extrativista das instituições político-econômicas inicialmente implantadas no Brasil, de acordo com a interpretação histórica aduzida por Raymundo FAORO na sua obra clássica, “Os Donos do Poder”. Demonstramos também a dificuldade em superar o legado negativo destas instituições e a importância de aproveitar as conjunturas críticas para promover a implantação de instituições mais inclusivas.

PALAVRAS-CHAVE: Instituições extrativistas. Instituições Inclusivas. Conjunturas Críticas. História do Brasil. Raymundo Faoro.

ABSTRACT

We explore in this paper the origins of Brazil’s extractive institutions, from the point of view presented by Raymundo FAORO in his classic book named “Os Donos do Poder”. We’ll also show the inherent difficulties in transcending such a legacy and the importance of taking advantage of critical junctures to promote the adoption of inclusive institutions.

KEYWORDS: Extractive Institutions. Inclusive Institutions. Critical junctures. Brazilian History. Raymundo Faoro

“The longer you look back, the farther you can look forward.” Winston S. Churchill

INTRODUÇÃOO interesse que nos leva à leitura de uma obra clássica é especialmente intenso em momentos

como o atual, em que acompanhamos o país imerso em uma crise de múltiplas facetas (política, econômica, institucional) e saímos à busca das peças para montar um mapa mental capaz de nos ajudar a interpretar suas causas e a especular sobre possíveis saídas.

Neste sentido, Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro, de Raymundo Faoro, é um desses clássicos que iluminam a compreensão de certos problemas da vida nacional,

1 Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Advogado e Professor de Direito Constitucional na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e de Teoria do Estado e Direito Econômico na Uniritter. E-mail: [email protected]

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jogando luz sobre importantes características estruturais de nossa formação política. A obra do jurista gaúcho expõe uma interpretação (não incontroversa) da história política brasileira, por meio de uma detalhada narrativa da formação e desenvolvimento dos Estados português e brasileiro, em um arco que vai do século XIV ao século XX, do Mestre de Ávis a Getúlio Vargas.

Trata-se de uma longa e bem-documentada narrativa, da qual emerge um conjunto de traços comuns à formação política de ambas as nações, fato que não é de surpreender, se considerarmos que em meados do século XVI o Brasil começou a receber o transplante de instituições já bem desenvolvidas na península ibérica:

“O Estado português, plenamente maduro e constituído no século XVI, abraça as praias e os sertões, negando-se à experiência criadora de amoldar-se às novas, imprevistas e perigosas circunstâncias brasileiras”2.

A tese central defendida por FAORO é de que foram transplantadas para o Brasil duas características distintivas da unidade política portuguesa: o Estado patrimonialista e, apoiando-o e movendo-o desde dentro, o estamento burocrático. Cabe pontuar que o autor nos apresenta um ensaio de interpretação sobre a história do Brasil, a partir de uma bem-definida perspectiva liberal3, que evidentemente colore sua narrativa dos fatos e o seu julgamento de valor sobre essa história.

Ainda assim, sem deixar de reconhecer a justiça das críticas que apontam suas deficiências de método cientifico e a carência de maior neutralidade crítica, cremos que a obra de FAORO, pela profusão de fontes que a embasam e pela extensão cronológica de seu objeto, é especialmente útil para ilustrar o aspecto central do ensaio que escrevemos: o de que historicamente as instituições político-econômicas de nosso país caracterizam-se por um perfil marcadamente extrativista. Será, pois, neste particular, o nosso principal ponto de referência, mas não o único.

1. PATRIMONIALISMO E ESTAMENTO

O Estado patrimonialista corresponde a um tipo de organização política em que as fronteiras entre o público e o privado são mal delimitadas, confundindo-se as duas esferas a ponto de tornarem-se praticamente indistinguíveis aos olhos dos que ocupam o poder ou dele são dependentes. Dentre as causas deste fenômeno, encontra-se, segundo FAORO, o fato de que à época da formação do Reino de Portugal, a Coroa (o Estado, em sentido contemporâneo) tornou-se a maior proprietária de terras, com domínios mais vastos do que aqueles da nobreza, que, relativamente frágil perante a Coroa, tendeu a subordinar-se aos desígnios desta.

Foi um arranjo que desestimulou o surgimento de camadas intermediárias entre o Rei e a nobreza frágil e dependente, camadas autônomas, econômica e socialmente, em relação à Coroa e com interesses privados claramente distintos dos interesses dos setores vinculados ao Estado:

“Um fato quantitativo, o rei como o maior proprietário, ditará, em consonância com a chefia da guerra, a índole qualitativa, ainda mal colorida, de transformação do domínio na soberania – do dominare ao regnare. O centro supremo das decisões, das ações temerárias, cujo êxito geraria um reino e cujo malogro lançaria à miséria um conde, impediu que, dispersando-se o poder real em domínios, se constituísse uma camada autônoma, formada de nobres e proprietários. Entre o rei

2 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. 10a ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2000.Vol I, p. 166.

3 CYRIL LYNCH, Christian Edward e MENDONÇA, José Eduardo Santos de. Por uma história constitucional brasileira: uma crítica pontual à doutrina da efetividade. Revista Direito & Praxis. Rio de Janeiro, vol. 08, no 02, 2017. p. 990/992.

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e os súditos não há intermediários: um comanda e todos obedecem.”4

(...)Dominante o patrimonialismo, uma ordem burocrática, com o soberano sobreposto ao cidadão, na qualidade de chefe para funcionário, tomará relevo e expressão. Além disso, o capitalismo, dirigido pelo Estado, impedindo a autonomia da empresa, ganhará substância, anulando a esfera das liberdades públicas, fundadas sobre as liberdades econômicas (...)”5

O estamento designa na obra de FAORO o grupo do qual se seleciona a elite político-administrativa, que opera as alavancas institucionais do estado patrimonialista. Trata-se de um grupo social coeso, cujos membros têm ciência de suas características distintivas e que não se confunde com uma classe, no sentido marxista do termo, porque não está unido por interesses de natureza predominantemente econômica:

“... os seus membros pensam e agem conscientes de pertencer a um mesmo grupo, a um círculo elevado, qualificado para o exercício do poder. A situação estamental, a marca do indivíduo que aspira aos privilégios do grupo, se fixa no prestígio da camada, na honra social que ela infunde sobre toda a sociedade.” FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. cit. Vol. I, p. 52 6

Na condição de camada dirigente do Estado, o estamento projeta seu poder e sua influência não apenas para o interior das instituições estatais, mas também para fora, fazendo sentir sua presença sobre a vida social e econômica. Esta presença é especialmente nítida no arranjo patrimonialista, com sua típica indistinção entre o público e o privado, como bem nota Faoro:

“As convenções, e não a ordem legal, determinam as sanções para a desqualificação estamental, bem como asseguram privilégios materiais e de maneiras. O fechamento da comunidade leva à apropriação de oportunidades econômicas, que desembocam, no ponto extremo, nos monopólios de atividades lucrativas e de cargos públicos.

(...)Junto com o rei, livremente recrutada, uma comunidade – patronato, parceria, oligarquia, como quer que a denomine a censura pública – manda, governa, dirige, orienta, determinando, não apenas formalmente, o curso da economia e as expressões da sociedade, sociedade tolhida, impedida, amordaçada.”7

O estamento forma, assim, um eixo estabilizador da vida política, capaz de orientar o Estado para fins estratégicos do qual pouco se desviará mesmo em tempos de turbulência. Aliás, diga-se que o conceito de estamento nunca foi rigorosamente definido por Raymundo FAORO, restando aí um dos pontos mais controversos de sua obra. Tendemos a nos alinhar com os críticos segundo os quais esta categoria abstrata e de contornos mal-definidos teria sido empregada para dar maior substância à sua particular interpretação sobre a história luso-brasileira, no sentido de um perene conflito entre o Estado e sua elite dominante (o estamento) e o restante da população8.

Esta crítica, todavia, não deve ser tomada como uma negativa quanto à existência de uma elite governante luso-brasileira, unida por afinidades de valores, de formação e pelo serviço ao Estado em ambos os lados do Atlântico. Sua existência é algo que pode ser aferido, por exemplo, pela biografia de dois ilustres brasileiros que daqui saíram para alçar-se a posições de proeminência em Portugal: Alexandre de Gusmão e José Bonifácio. Não chegaram a estas posições, todavia,

4 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. cit. Vol. I, p. 07

5 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. cit. Vol. I, p. 22

6 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. cit. Vol. I, p. 52

7 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. cit. Vol. I, p. 53

8 CYRIL LYNCH, Christian Edward e MENDONÇA, José Eduardo Santos de. Por uma história constitucional brasileira... cit. p. 988.

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sem antes passar pelo elaborado sistema de seleção e formação de quadros da elite burocrática, que, ao lado do Rei, comandava os negócios do Estado português.

Comprova-o também a própria história do Brasil, cuja formação não deixa de ser o vistoso legado de um projeto estratégico de longo prazo, a expansão dos domínios da Coroa portuguesa para as terras d’além mar e o concomitante transplante da civilização européia para a América. Foi um projeto executado tenazmente pelo Império Português durante três séculos, perpassado por crises inúmeras e pela sucessão de três dinastias reinantes (Ávis, Filipina e Bragança). Essa façanha não teria sido possível sem algum comando estratégico da situação por uma elite governante em constante renovação, mas animada por uma razoável uniformidade de propósitos entre uma geração e outra.

Resta claro, pois, que se critica aqui apenas o expediente de agrupar os membros dessa elite na mal-ajambrada categoria de “estamento” e ainda atribuir-lhe características quase sobrenaturais, como força perene e onipresente na condução da história de nosso país.

2. VÍCIOS E VIRTUDES DO PATRIMONIALISMO

O Estado patrimonialista comandado e orientado por uma burocracia de quadros razoavelmente homogêneos, que operava em íntima conexão com a Coroa, criou condições propícias para empreitadas complexas e de longo curso (no sentido geográfico e temporal), que requerem uma firmeza de propósito em seu comando só compatível com um grau relativamente elevado de inércia e permanência institucional. Estas foram características marcantes do antigo Estado português, que chamaram a atenção de não poucos historiadores, como exemplifica seguinte o comentário de Sir John Plumb: “E Portugal é, uma vez mais o maior império da Europa Ocidental: foi o primeiro e é o ultimo. A inércia e a continuidade no meio de vastas revoluções sociais e políticas são fenômenos raros na história.”9

Referia-se obviamente à formação de um longevo império ultra-marino (durou cinco séculos) em cujo contexto surgiu o Brasil, um país imenso criado pelo impulso obstinado de uma pequena nação europeia espremida contra o Oceano Atlântico. Aí está o lado brilhante, virtuoso e heróico do antigo Estado patrimonialista português. Naturalmente, como em qualquer empreendimento sujeito às fraquezas e imperfeições humanas, há também um lado pouco virtuoso e nada heróico, um conjunto de problemas que tem como matriz um arranjo patrimonialista, do qual fomos igualmente herdeiros e que até hoje não foi adequadamente superado por aqui (mas o foi, curiosamente, no Portugal contemporâneo, que soube superá-los pela modernização institucional, que no Brasil ainda está por ser completada).

Um deles, a corrupção disseminada e as relações promíscuas entre agentes do Estado e agentes privados, consequência, dentre outros, da perigosa combinação entre a indistinção das esferas pública e privada com a propensão do Estado em assenhorear-se de boa parte das oportunidades econômicas, tornando os agentes privados sumamente dependentes de licenças, permissões, monopólios, concessões e favores, além de onerá-los com tributos e encargos das

9 Na introdução a BOXER, Charles R. O Império Colonial Português. 1969. Lisboa: Edições 70. p. 15.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 59

mais variadas e espécies.

Em linhas gerais, o que se descreve acima serviria com uma imagem das relações entre Estado e economia no Brasil contemporâneo, mas não há nenhuma novidade nesta imagem, pois seus contornos já podiam ser identificados em pleno Século XVII, a julgar pelo estado de coisas denunciado pelo Pe. Antônio Vieira:

“Perde-se o Brasil, Senhor (digamo-lo em uma palavra), porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, mas os nossos bens... El rei manda-os tomar Pernambuco, e eles contentam-se com o tomar...

(...) Desfazia-se o povo em tributos, em imposições e mais imposições, em donativos e mais donativos em esmolas e mais esmolas (que até à humildade deste nome se sujeitava a necessidade ou se abatia a cobiça), e no cabo nada aproveitava, nada luzia, nada aparecia. Por quê? Porque o dinheiro não passava das mãos por onde passava.10”

O quadro que se vislumbra desde a formação originária do Estado brasileiro é o de um conjunto de práticas e instituições, que não obstante terem viabilizado a própria existência do país como unidade política11, apresentam um perfil nitidamente extrativista, pois tendem a concentrar o poder político e as oportunidades econômicas nas mãos de uma pequena camada da população, em detrimento do restante.

Aqui se tem uma característica estrutural, que se modifica e adapta à evolução dos tempos, mas que não é fundamentalmente afetada pela simples alternância dentre os detentores do poder, como nota Sérgio Buarque de HOLANDA em seu clássico ensaio sobre a formação do Brasil:

“A experiência já tem mostrado largamente como a pura e simples substituição dos detentores do poder público é um remédio aleatório, quando não precedida, e até certo ponto determinada por transformações complexas e verdadeiramente estruturais na vida da sociedade.”12 (grifo nosso)

Buarque de HOLANDA toca em um ponto chave para explicar porque, afinal, algumas características negativas de nossa dinâmica política, econômica e social parecem se perpetuar, reproduzindo-se com monótona regularidade, geração após geração: o problema está nas estruturas que orientam a vida em sociedade. Em linguagem mais contemporânea, diríamos que o problema está nos arranjos institucionais do país.

3. CONCEITUANDO “INSTITUIÇÕES

O estudo sistemático do impacto dos arranjos institucionais tem ganho espaço cada vez maior nas ciências sociais, sendo um interessante ponto de intersecção entre a Ciência Econômica, a Ciência Política, a Sociologia e o Direito. É bom que se tenha claro exatamente o que se quer dizer com o termo “instituições”, até porque ele pode ser utilizado para indicar aspectos diferentes da realidade, conforme a perspectiva do autor que o utiliza.

10 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. cit. Vol. I, p. 195.

11 “O Brasil oficialmente entrou a existir quando D. João III, o Povoador, nomeou Tomé de Souza governador-geral do Brasil. Este fidalgo chegou à Bahia trazendo uma espécie de Constituição para o país, o famoso Regimento do Governo, um Ministro da Justiça (o ouvidor--mor), um Ministro da Fazenda (o provedor-mor), o poder espiritual, no clero, soldados e fundou a cidade de Salvador, que logo passou a ter, inclusive, uma câmara municipal. Era o Estado do Brasil, que nascia com todos os órgãos que um gôverno que se preza deveria ter.” (grifo nosso) OLIVEIRA TÔRRES, João Camilo. Interpretação da Realidade Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1969. p. 28.

12 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 3a ed. São Paulo: Cia. Das Letras, 1999. p. 178.

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60 OS DONOS DO PODER E O PERFIL EXTRATIVISTA DAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Uma primeira formulação do termo “instituições” destaca o seu sentido objetivo, como um conjunto de restrições externas à ação da pessoa humana. É o sentido que se tornou clássico na formulação de Douglas NORTH:

“Instituições são as restrições concebidas pelo homem, que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais. Elas consistem tanto em restrições informais (sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta) quanto em normas formais (Constituições, leis, direitos de propriedade)13. (tradução nossa, grifo nosso).

De outro lado, o termo “instituições” pode adquirir também uma conotação subjetiva, expressando o conjunto de hábitos que orientam, desde dentro, a ação da pessoa humana. Foi o sentido atribuído ao termo, dentre outros, por Thorstein VEBLEN:

“De fato, os homens ordenam suas vidas por esses princípios e, na prática, não questionam sua estabilidade ou finalidade. É isso o que se quer dizer chamando-os de instituições; eles são hábitos de pensamento estabelecidos, comuns à generalidade dos homens.”14 (tradução nossa, grifo nosso)

Importa notar que estas duas formulações do conceito de instituições não são mutuamente excludentes, mas complementares: é como se cada um deles tomasse um aspecto diferente da realidade concreta e o destacasse com maior ênfase na formulação abstrata do conceito. Assim é, porque ao estabelecerem um conjunto de restrições à ação da pessoa as instituições (em sentido objetivo) contribuem para a formação de determinados hábitos que, uma vez estabelecidos, tendem a ser reproduzidos pela pessoa, até mesmo inconscientemente.

Como aponta HODGSON, as instituições “são estruturas sociais que podem envolver uma causação reconstitutiva de cima para baixo, atuando, até certo grau, sobre hábitos de pensamento e ações individuais.”15. Trata-se de uma formulação acadêmica para o conhecido ditado popular segundo o qual “o hábito faz o monge”, i.e, o conjunto de regras (instituições em sentido objetivo) da ordem monástica inculcam na pessoa a elas submetida, dia após dia, os hábitos de vida (instituições em sentido subjetivo) que normalmente associamos a um monge, como a disciplina, a frugalidade, a humildade, etc.

Neste ensaio, utilizamos o termo “instituições” majoritariamente no seu sentido objetivo. Importa ressaltar que isso não implica em assumir uma posição determinista, como se as pessoas humanas fossem autômatos cegamente guiados por estruturas institucionais externas. Longe disso, reconhece-se plenamente o papel do livre-arbítrio na determinação das ações da pessoa humana, mas é inegável que as instituições dentro das quais a pessoa vive e atua são também um fator relevante na orientação de seus modos de pensar e agir.

4. INSTITUIÇÕES INCLUSIVAS E EXTRATIVISTAS

O impacto dos arranjos institucionais no progresso ou atraso de uma nação é o objeto de estudos de ACEMOGLU e ROBINSON, que a partir da análise de diversos casos concretos propuseram uma

13 NORTH, Douglas. Institutions. The Journal of Economic Perspectives. Vol. 5, Number I – (Winter 1991). p. 97. Disponível em: www.jstor.org

14 VEBLEN, Thorstein. The Limitations of Marginal Utility. Journal of Political Economy 17, no. 09. November, 1909. p. 626. Disponível em: www.journals.uchicago.edu

15 HODGSON, Geoffrey M. What Are Institutions? Journal of Economic Issues. Vol. XL, No 01. March, 2006. p. 07. Disponível em: www.jstor.org

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clivagem entre instituições inclusivas e instituições extrativistas, referindo-se, com estes termos, ao conjunto de instituições que estruturam a vida política e econômica de um país. O conceito capta a simbiose existente entre a política e a economia, afinal, “...por mais vitais que sejam as instituições econômicas de um país, a política e as instituições políticas é que ditam que instituições econômicas o país terá.”16

As instituições inclusivas são aquelas que promovem uma ampla distribuição do poder político entre grupos plurais da sociedade e, por consequência, promovem também uma ampla distribuição das oportunidades econômicas, de modo que a riqueza resulta razoavelmente bem distribuída entre as diversas camadas da população. O contrário ocorre com as instituições extrativistas. Elas concentram o poder político nas mãos de uma reduzida elite, que, em consequência, apropria-se das melhores oportunidades econômicas e concentra também a riqueza em suas mãos17.

O arcabouço institucional de qualquer nação é constituído por pelo menos quatro elementos essenciais, mutuamente interligados em uma complexa teia de relações: o regime político, o sistema econômico, o estado de direito e a sociedade civil. A prosperidade ou o empobrecimento de uma nação serão em boa medida determinados por quão inclusivas ou extrativistas sejam estas instituições, por quão bem ou mal elas funcionam, como lembra Niall FERGUSON:

“Eu quero mostrar que essas caixas-pretas políticas, econômicas, jurídicas e sociais são conjuntos altamente complexos de instituições interconectadas. Como a placa de circuitos dentro do seu computador ou smartphone, são estas instituições o que faz o dispositivo funcionar. E se ele para de funcionar, é provavelmente por causa de um defeito no circuito institucional.”18

A contribuição do conjunto de instituições de um país para a formação de determinada ordem social foi bem explorada por NORTH, WALLIS e WEINGAST, ao proporem uma estrutura conceitual capaz de esclarecer porque algumas poucas nações conseguem desenvolver-se significativamente mais do que a maioria das outras19. Segundo estes autores, cerca de 25 nações no mundo, apenas, conseguiram criar uma ordem social de acesso aberto (open access order), conducente aos maiores níveis de desenvolvimento político, econômico e social. A maior parte dos países no mundo erigiu, em graus variados, ordens sociais de acesso limitado (limited access order), que resultam em níveis de desenvolvimento médio ou baixo.

As características distintivas entre estas categoria de ordens sociais podem ser sumarizadas na seguinte tabela, que compilamos em tradução quase ipsis litteris dos autores citados20:

16 ACEMOGLU, Daron et ROBINSON, James. Porque as Nações Fracassam – As origens do poder, da prosperidade e da pobreza. 1a ed. São Paulo: Ed. Campus, 2012. p. 33.

17 ACEMOGLU, Daron et ROBINSON, James. op.cit. p. 60-63.

18 FERGUSON, Niall. The Great Degeneration – How Institutions Decay and Economies Die. New York: Penguin, 2013. p. 11

19 NORTH, Douglas; WALLIS, John Joseph and WEINGAST, Barry R. Violence and Social Orders – A Conceptual Framework for Interpreting Recorded Human History. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. p. xi.

20 NORTH, Douglas; WALLIS, John Joseph and WEINGAST, Barry R. Violence and Social Orders. cit. p. 11/12.

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62 OS DONOS DO PODER E O PERFIL EXTRATIVISTA DAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Note-se que relacionar maiores níveis de desenvolvimento com maior abertura à participação política não é uma novidade apresentada pelos referidos autores. Seguem aqui uma correlação já bem estabelecida no plano da ciência política, como aponta Samuel HUNTINGTON:

“Racionalização, integração e democratização aparecem comumente em definições de desenvolvimento político. A característica do desenvolvimento político ou da modernização política mais frequentemente enfatizada, no entanto, é a mobilização ou participação. A modernização, enfatizou Karl Deutsch, envolve a mobilização social e ‘este complexo processo de mudanças socais está significativamente correlacionado com grandes mudanças na política’.”21 (tradução nossa).

Ordens sociais de acesso aberto são um evento relativamente recente na história humana, tendo emergido apenas a partir do início do século XIX, momento em que alguns países ocidentais, como a Inglaterra, os EUA e a França, conseguiram estruturar um conjunto de instituições capazes de orientar sua transição para este modelo22. Não há nenhuma surpresa em constatar que nestes países o desenvolvimento de instituições políticas e econômicas inclusivas foi a chave de transição para uma ordem social de aceso aberto, com todas as vantagens políticas, econômicas e sociais que aí se encontram.

5. INÉRCIA E MUDANÇA INSTITUCIONAL

Os últimos duzentos anos da história ocidental nos permitiram constatar que há rotas de transição viáveis e comprovadas da pobreza, do autoritarismo e da insegurança para a afluência, a democracia e a estabilidade. Elas passam prioritariamente por reformas institucionais, mas são reformas difíceis, que poucos países do mundo conseguiram operar com sucesso.

21 HUNTINGTON, Samuel. Political Development and Political Decay. World Politics, Vol. 17, No. 03 (Apr., 1965). p. 388. Disponível em: www.jstor.org

22

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 63

Tome-se o caso do Brasil e sua tradição patrimonialista. Após a proclamação da Independência, em 1822, o país já teve oito Constituições diferentes (contando a Emenda no 01, de 1969) e, não obstante, certas características estruturais indicativas de uma sociedade de acesso limitado continuam presentes na paisagem de nossa ordem social. A força inercial das instituições extrativistas em nosso país pode ser aferida na seguinte observação do abade RAYNAL (citado por Oliveira LIMA), sobre os entraves ao desenvolvimento econômico do Brasil em fins do século XVIII:

“O Brasil converter-se-á em um dos mais formosos estabelecimentos do globo (nada para isto lhe falta) quando o tiverem liberado dessa multidão de impostos, desse cardume de recebedores que o humilham e oprimem; quando inúmeros monopólios não mais encadearem suas atividades; quando o preço das mercadorias que lhe trazem não mais for duplicado pelas taxas de que andam sobrecarregadas; quando seus produtos não pagaram mais direitos ou não os pagarem mais avultados que os dos seus concorrentes; quando as suas comunicações com as outras possessões nacionais se virem desembaraçadas dos entraves que as restringem...”23

O trecho acima poderia ter sido escrito por qualquer crítico atento da economia brasileira neste início de século XXI. Em certo sentido, essa força inercial denota a normalidade: como já apontamos, apenas uma minoria dos países no mundo conseguiram operar reformas capazes de erigir um conjunto de instituições inclusivas24.

A verdade é que mudanças no sentido de criar instituições mais inclusiva não são simples de fazer e o seu caminho é invariavelmente pontilhado por hesitações, incertezas, oportunidades perdidas e uma miríade de efeitos imprevisíveis que podem colocar a perder mesmo o mais bem-intencionado conjunto de reformas. ACEMOGLU e ROBINSON lembram que os arranjos institucionais podem “criar um poderoso processo de feedback negativo, em que as instituições políticas extrativistas forjem suas contrapartes econômicas, as quais por sua vez fornecem a base para a persistência das primeiras”25. Forma-se aí o circulo vicioso do extrativismo, que só com muita dificuldade se consegue romper.

Segundo NORTH, WALLIS e WEINGAST, a transição para uma ordem social de acesso amplo é possível apenas quando os grupos que formam a elite de uma nação têm um interesse comum em transformar seus privilégios particulares (acesso ao poder político, às oportunidades econômicas, à um sistema estável de regras de Direito, etc.) em direitos compartilhados por todos os membros dessa elite. Em um momento posterior, é necessário que esses direitos sejam gradualmente estendidos para conjuntos cada vez maiores da população que não pertence aos grupos de elite, até que o acesso ao poder político, ao império do Direito e à riqueza econômica, dentre outros, é a todos franqueado26.

Mudanças na direção certa são possíveis, portanto, mas requerem sabedoria, senso de oportunidade e muita persistência: instituições inclusivas não se constroem da noite para o dia ou com um único golpe de caneta. De fato, a experiência demonstra que sua construção é um trabalho lento e dependente de um esforço continuado, em que conjunturas críticas (períodos de relativa fraqueza do status quo extrativista) criam oportunidades favoráveis para pequenas

23 Histoire philosophique des etablissements et du commerce des européens dans les deux Indes. Amsterdã, 1770. apud LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. 3a ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p. 58.

24 FERGUSSON, Nial. The Great Degeneration. p. 27.

25 ACEMOGLU, Daron et ROBINSON, James. op.cit. p. 283.

26 NORTH, Douglas; WALLIS, John Joseph and WEINGAST, Barry R. Violence and Social Orders. cit. p. 190/193.

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mudanças no sentido de uma maior inclusão, que vão se acumulando no tempo até começarem a gerar um feedback positivo apto a sustentar um ciclo virtuoso de progresso27.

CONCLUSÃO

Cada país nasce com um conjunto próprio de instituições que estabelecem os marcos iniciais a orientar a sua progressão rumo ao futuro. No caso do Brasil, tivemos, de um lado, a oportunidade praticamente única no mundo de termos atingido a nossa independência já com todas as principais instituições estatais estruturadas e operantes. Essas instituições não fugiam ao padrão usual de sua época: eram de perfil extrativistas, tendentes a concentrar o poder político e econômico nas mãos de uma pequena elite.

As sucessivas ondas de modernização econômica e social pelas quais passou o país nestes quase dois séculos desde a independência, levaram a uma diluição do teor extrativista de nossas instituições (pense-se na abolição da escravidão, para ficar apenas no exemplo mais notório). Deve-se notar que parte relevante dessas ondas modernizadoras foi instrumentalizada por reformas institucionais, não raro mediadas por novas cartas constitucionais, que se por um lado produziram efeitos aquém das elevadas expectativas que costumavam marcar seu nascimento, de outro algum efeito positivo exerceram, ainda que com atraso, como notam LYNCH e MENDONÇA:

“...o descompasso entre o país constitucional e o real, que produzia inefetividade constitucional superior à das constituições europeias, não resultou, em grande parte, da falta de vontade de suas elites. Ele era inevitável nas condições em que surgiram países íbero-americanos. Muitos dos constituintes de 1823/24, 1890/91 e 1933/34 sabiam que certos dispositivos normativos, então consagrados, seriam de difícil efetivação no curto prazo. Apostavam no futuro. Em longo prazo a intuição se revelou verdadeira.28”

A transição para um modelo institucional inclusivo tende a ser um processo lento, mas em nosso país parece ser singularmente lento e sujeito a inúmeras contramarchas. Ainda é forte a presença de instituições de perfil extrativista no quadro institucional brasileiro. Podemos constatar sua presença apontando, por exemplo, a desproporcional concentração de competências nas mãos da União Federal; a carga tributária elevada em proporção da riqueza nacional, para um país em desenvolvimento; os enormes dispêndios dos orçamentos públicos com subsídios e com pessoal ativo e inativo; a economia fechada e pouco integrada aos fluxos internacionais de comércio e de criação de riqueza; o baixo teor de representatividade dos sistemas eleitoral e partidário; a corrupção sistêmica e disseminada, para ficar apenas em algumas das mais conhecidas mazelas nacionais.

Neste quadro, a boa notícia é que o conjunto de problemas que se acumulam e afligem o país contribui para enfraquecer politicamente os beneficiários do extrativismo institucional e pode levar à abertura da janela de oportunidade – a chamada conjuntura crítica - para que se inicie um ciclo de reformas no sentido de dotar o país de instituições de perfil cada vez mais inclusivo. Cumpre que não se despedisse essa eventual oportunidade.

27 ACEMOGLU, Daron et ROBINSON, James. op.cit. p. 258

28 CYRIL LYNCH, Christian Edward e MENDONÇA, José Eduardo Santos de. Por uma história constitucional brasileira... cit. p. 1000.

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REFERÊNCIAS

ACEMOGLU, Daron et ROBINSON, James. Porque as Nações Fracassam – As origens do poder, da prosperidade e da pobreza. 1a ed. São Paulo: Ed. Campus, 2012.

BOXER, Charles R. O Império Colonial Português. Lisboa: Edições 70, 1969.

CYRIL LYNCH, Christian Edward e MENDONÇA, José Eduardo Santos de. Por uma história constitucional brasileira: uma crítica pontual à doutrina da efetividade. Revista Direito & Praxis. Rio de Janeiro, vol. 08, no 02, 2017.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. 10a ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2000. Vols. I e II.

FERGUSON, Niall. The Great Degeneration – How Institutions Decay and Economies Die. New York: Penguin, 2013.

HODGSON, Geoffrey M. What Are Institutions? Journal of Economic Issues. Vol. XL, No 01. March, 2006.

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HUNTINGTON, Samuel. Political Development and Political Decay. World Politics, Vol. 17, No. 03 (Apr., 1965). Disponível em: www.jstor.org

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. 3a ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

NORTH, Douglas. Institutions. The Journal of Economic Perspectives. Vol. 5, Number I – (Winter 1991). Disponível em: www.jstor.org

NORTH, Douglas; WALLIS, John Joseph and WEINGAST, Barry R. Violence and Social Orders – A Conceptual Framework for Interpreting Recorded Human History. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

OLIVEIRA TÔRRES, João Camilo. Interpretação da Realidade Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1969.

VEBLEN, Thorstein. The Limitations of Marginal Utility. Journal of Political Economy 17, no. 09. November, 1909. Disponível em: www.journals.uchicago.edu

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66 MUDANÇA ORGANIZACIONAL E OS FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO: ESTUDO DE CASO NO SISTEMA FIERGS.

MUDANÇA ORGANIZACIONAL E OS FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO: ESTUDO DE CASO NO

SISTEMA FIERGS.

Andressa Lacerda Capelli1

RESUMO

A mudança organizacional (MO) é uma iniciativa realizada por empresas que buscam adequar sua atuação em conformidade com a demanda do mercado. No entanto, estudos realizados apontam alto índice de insucessos e desistências das empresas em reestruturar-se, pois se trata de uma iniciativa complexa. Portanto, para realizar este processo de melhoria organizacional, uma MO depende de muitos fatores para obter o resultado esperado, dentre estes, sistemáticas de apoio para o desenvolvimento da iniciativa, bem como a gestão dos fatores críticos de sucesso (FCS). A complexidade de uma MO pode-se agravar em entidades que se caracterizam por interferências políticas na sua atuação, trocas periódicas de mandato, complexidade na mensuração de ganhos dos produtos e serviços, entre outros. A metodologia empregada foi a de estudo de caso. Como resultados alcançados deste estudo, obtiveram-se a estruturação da compreensão dos FCS na MO do Sistema FIERGS.

PALAVRAS-CHAVE: mudança organizacional; fatores críticos de sucesso, federação de indústrias;

ABSTRACT

Organizational change (OC) is an initiative undertaken by companies that seek to adapt their performance in line with market demand. However, studies carried out indicate a high rate of failures and withdrawals of companies to restructure, since this is a complex initiative. Therefore, to carry out this process of organizational improvement, an OC depends on many factors to obtain the expected result, among them, systematic support for the development of the initiative, as well as the management of critical success factors (CSF). The complexity of an OC can be aggravated by entities that are characterized by political interference in their performance, periodic mandate changes, complexity in measuring the gains of products and services, among others. The methodology used was case study. As results obtained from this study, we obtained the structuring of the understanding of the CSF in the OC of the FIERGS System.

KEYWORDS: organizational change; critical success factors; federation of industries

1 Mestre em Engenharia de Produção pela UFRGS. Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

No século XIX as organizações caracterizavam-se pela utilização de tecnologias mais simples, devido à baixa escala de produção, ao modelo de gestão caracterizado pela supervisão direta dos proprietários e distribuição somente local; Entretanto, a necessidade de ampliação da produção iniciou uma série de transformações e modernizações sucessivas que a sociedade viria a passar, em que as organizações iniciariam a avaliar a utilização dos recursos e matérias-primas, processos produtivos e ampliação da oferta de produtos antes localmente comercializados.

No entanto, o desafio das organizações é transformar-se de entidade burocrática, com estruturas hierarquizadas e de culturas que tendem ao isolamento, em organizações flexíveis que atendam aos anseios de seus clientes (LIMA, 2003), pois a “mudança é um processo consciente de se criar uma nova realidade organizacional” (MOTTA, 1999, p. 46).

A realização de uma mudança organizacional numa organização do tipo Federação de Indústrias – representante de interesses setoriais perante as demais entidades, através de ações focadas em liderança, representatividade e desenvolvimento industrial estadual e nacional – torna-se desafiadora pelo caráter político da entidade, que atende demandas das indústrias que representa frente à decisões puramente técnicas ou administrativas.

Este trabalho objetivo de identificar os fatores críticos de sucesso de uma mudança organizacional (MO), em organizações do tipo de Federação de Indústrias.

1. MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS

Compreende-se que a dimensão da mudança organizacional a partir da percepção de que “uma organização pode facilmente mudar um produto ou indivíduo isoladamente. Mas mudar, digamos, a visão ou a estrutura sem mudar nada mais é tolo, somente um gesto vazio” (LIMA, 2003, p. 37).

As empresas que buscam uma MO visam atingir o alto desempenho demandado pelo mercado que, para Azevedo (1997), trata-se do redimensionamento dos limites da empresa e conseqüentemente, refletindo sobre: processos, linhas de comando, sistemas, infra-estrutura e tecnologia de informação, entre outros; em que “reprojetar esses processos implica reprojetar cargos, procedimentos, sistemas e tecnologia que sustentam esses processos, treinar pessoas para atingir o novo desempenho ou para realizar as tarefas diferentes e remover as barreiras da mudança” (AZEVEDO, 1997, p. 28).

Entretanto, uma MO não funciona como deveria, pois pela estatística, dentre mil empresas que realizam este tipo de iniciativa, menos de 50% atingem resultados de sucesso e acredita-se que esse percentual é inferior a 20% (STREBEL, 1996), devido à ameaça que este processo gera no equilíbrio fictício da organização (SENGE, 2000), em que constitui um cenário de dificuldades de alinhamento entre a alta administração e os subordinados.

A alta administração busca a gestão pela qualidade total e reestruturação organizacional, em que cabe aos gestores seguir o plano de melhorias nos processos e a integração dos novos processos à organização, enquanto, de seus funcionários espera-se entusiasmo, aceitação e comprometimento. No entanto, obtém-se dificuldade de comunicação, atraso no cronograma

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68 MUDANÇA ORGANIZACIONAL E OS FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO: ESTUDO DE CASO NO SISTEMA FIERGS.

de atividades, falha no alcance dos resultados propostos (STREBEL, 1996) e resistência ás mudanças. Para inibir esses fatores negativos é importante o entendimento das razões da MO, em que “compreender e fazer com que todos os funcionários compreendam os reais motivos das mudanças é um passo importante na manutenção bem sucedida de qualquer projeto nesse sentido” (AZAMBUJA, 2003, p. 33).

Os fatores críticos de sucesso são os pontos chave que definem o sucesso ou o fracasso de uma MO, e são encontrados pelo estudo sobre os próprios objetivos, derivados deles, e tomados como condições fundamentais a serem cumpridas para que a instituição sobreviva e tenha sucesso no seu mercado de atuação. Quando bem definidos, os fatores críticos de sucesso se tornam um ponto de referência para toda a organização em suas atividades voltadas para o alcance das propostas estabelecidas.

Os FCS são abordados de maneiras diferentes por autores, mas considerados como definidores de sucesso em uma iniciativa de MO, quadro 1.

A partir das definições acima mencionadas (quadro 1) é proposta a utilização de sete fatores críticos de sucesso (FCS) como sendo os fatores de maior relevância para uma MO: gestão ativa e dedicada; objetivos e metas clarificados; acompanhamento freqüente; disponibilização de recursos em quantidade e qualidade adequados; alocação bem definida dos papéis e responsabilidades; comunicação constante e eficiente; mudança cultural. O sete FCS definidos são referenciados pelos autores, conforme Quadro 2

1.1. GESTÃO ATIVA E DEDICADA

Gerir adequadamente uma MO é referir-se à realização de uma gestão ativa, interagindo com as propostas e monitorando o andamento das ações e dedicando-se à solução de problemas. A importância de existir um grupo gestor da MO, ao invés de manter o comando numa única pessoa, é que esta última foca-se somente na operacionalidade da MO e no curto prazo (MOTTA, 1999), deixando para segundo plano a sustentação da MO no âmbito estratégico e de longo prazo. A existência de um grupo gestor da MO ainda possibilita a discussão de alternativas para a tomada de decisão, sendo um exemplo de integração para a própria entidade.

Quadro 1: Comparação Fatores críticos de sucesso em mudanças organizacionais

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Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

1.2 OBJETIVOS E METAS CLARIFICADOS

A proposição de uma MO numa organização desperta expectativas em seus funcionários, em que cada pessoa busca atender seus propósitos e objetivos, algumas através de uma organização visionária, outras de uma empresa inovadora (SENGE, 2000). O fator mais importante é que a MO seja:

constituída, basicamente, por uma justificativa poderosamente persuasiva em favor das modificações objetivadas por seu esforço. Ou, em outras palavras, o projeto deve ser: conciso; claro; articulado; lógico; qualitativo e quantitativo; bem-documentado; motivador. Acima de

Fatores críticos de sucesso em mudanças organizacionais

Mudança constituída sobre as forças e valores da organização; participação em todos os níveis hierárquicos; mudança de forma holística (relaciona es-trutura, estratégia, sistemas de recompensa, controle etc.); planejada em longo prazo e executada em etapas; alta gerência dê todo o apoio; processo contínuo;

Desafio de: controlar o próprio tempo; orientar e apoiar; relevância (provar que mudar é necessário); clareza e coerência gerencial; medo e ansiedade (exposição, vulnerabilidade e inadequação); avaliação negativa do progresso; isolamento e arrogância (descrentes da mudança); enfrentar a estrutura de governança prevalecente e conflitos entre grupos; difusão (incapacidade de transferir conhecimento); estratégia e propósito da organização (revitalizar e repensar o foco). Nem sempre são identificados os dez desafios numa MO.

Missão do projeto (metas, objetivos, entre outros); apoio da alta administração (prover recursos e a autoridade); planos e cronogramas (detalhar etapas); consulta ao cliente; recursos humanos necessários, (perfil e capacitação adequada); recursos técnicos disponíveis (tecnologias e especificações); aprovação pelas partes interessadas; disponibilizar informações para mo-nitoramento e retorno; comunicação; solução de problemas.

Suporte a gerência; relações intra-organizações; relações com o agente financiador; gerência de transferência; planejamento; cronograma; relação do gerente com líder de projeto; clareza do papel do líder de projeto; coope-ração e habilidade em desenvolver projetos; comunicação; procedimentos de controle; Liderança.

Reconhecimento da importância de se ter consenso sobre a mudança; co-municação clara dos objetivos e alterações a serem implementadas; esforço especial no treinamento; dar tempo ao tempo e, finalmente, encorajar a idéia da mudança como um fator de adequação ao meio. Ainda, acreditam que intervenções de sucessos possam ser realizadas, desde que haja suficiente sensibilidade para com os atributos culturais-chave.

Incorporação da mudança como parte do trabalho (atividades da mudança em conjunto com rotinas); incentivo do trabalho polivalente (mesclar pes-soas inexperientes com experientes); comunicar ao máximo (informações permeiem por toda organização); minimizar o poder da hierarquia: processo cruzando a empresa horizontalmente (estrutura matricial); minimizar barrei-ras de ordem burocrática; forçar a troca de informações (compartilhamento de acertos e erros).

O´Toole (1985)apud Wood Jr.(1995)

Pinto e Slevin (1998) apud Cerri (2004)

DeCotiis e Dyer (1979) e Baker (1974) apudRobie (1996)

Deal e Kennedy (1982) apud Wood Jr. (1995)

Mandelli (2003)

Senge (2000)

Autores

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70 MUDANÇA ORGANIZACIONAL E OS FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO: ESTUDO DE CASO NO SISTEMA FIERGS.

tudo, deve trazer em seu seio um senso de urgência. Deve levar as pessoas a agir (AZEVEDO, 1997, p. 50).

Para tornar “soluções definidas em metas e resultados a serem alcançados, transformá-las em ação a ser empreendida e direcioná-las a um responsável, é necessário um tratamento inicial que permita agrupar idéias complementares e ordená-las em uma seqüência de execução” (MANDELLI, 2003, p. 121). É importante a participação de uma equipe de MO com o maior número de representantes na estruturação da proposta de plano de ação, que objetive “uma análise racional, participativa e negociada entre os envolvidos com o problema a fim de alterar uma situação organizacional específica”, sendo validado pela alta administração da entidade (MOTTA, 1999, p. 134). Esse agrupamento de idéias deve ser conciso e de domínio comum dentro da empresa, para que todos trabalhem num mesmo sentido da mudança, alcance dos objetivos propostos.

Quadro 2: Abrangência dos FCS propostos por Autores

Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

1.3 ACOMPANHAMENTO FREQÜENTE

Acompanhar freqüentemente uma MO “é monitorar problemas, pois as inovações são frutos de respostas concretas a desafios impostos à empresa” (MOTTA, 1999, p. 134). Para Obolensky (1994), o monitoramento se concentra no acompanhamento do progresso da ação e nos resultados gerados. Para realizar o monitoramento de uma MO é sugerida a utilização de indicadores de desempenho, acompanhando a evolução das alterações e se estão alcançando os resultados propostos. Ainda, ressalta-se um ponto importante na administração dos indicadores, que:

todos os esforços de mudança de grande escala exigem reformulação de indicadores de desempenho que guiam as ações da administração e dos empregados. Se os indicadores antigos não forem cancelados, continuarão a motivar o comportamento e a bloquear as mudanças que você pretende implementar (AZEVEDO, 1997, p. 39).

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 71

Então, os indicadores mensuram os resultados gerados pelos novos processos, devendo estar ajustados com as novas exigências propostas pela MO, caso contrário, será praticamente impossível medir qualquer mudança.

1.4 DISPONIBILIZAÇÃO DE RECURSOS EM QUANTIDADE E QUALIDADE ADEQUADOS

A MO em uma empresa pode ser considerada como uma proposta audaciosa da alta direção ou de seus idealizadores, pois envolve uma quantidade elevada de recursos a serem investidos, tanto financeiros quanto humanos, por um determinado período, em que na maioria dos casos, ultrapassa o período previsto de término. Para Azevedo (1997), independentemente de quão cuidadosa foi selecionada a equipe de mudança, alta administração sempre deve estar atenta às necessidades de modificações dos integrantes da MO, desde que “a maioria da equipe seja formada por indivíduos respeitados na empresa” (AZEVEDO, 1997, p. 35). Para Senge (2000), uma MO requer investimentos em um grupo-piloto comprometido com os propósitos da mudança: metas e processos de trabalho; melhoria de desempenho; envolvimento de pessoas com poder de realização; busca do equilíbrio entre ação e reflexão; reflexão e pensamento para a tomada de decisão; aumento da capacidade das pessoas e aprendizado.

1.5 ALOCAÇÃO BEM DEFINIDA DOS PAPÉIS E RESPONSABILIDADES

O bom funcionamento da estrutura organizacional necessita a definição de papéis e responsabilidades, clarificando a ordem hierárquica que as decisões devem seguir. A ausência destas responsabilidades formalizadas pode gerar problemas quanto à procedência de informações, tomada de decisões no âmbito hierárquico inferior e mais de uma definição sobre um mesmo assunto. Portanto “mobilizar é colocar a empresa em movimento no sentido da mudança desejada por meio das pessoas” (MANDELLI, 2003, p. 180). Este autor propõem quatro papéis para a condução de uma MO, quadro 3:

Quadro 3: Papéis de condução de uma MO

Fonte: Adaptado de Mandelli (2003).

1.6 COMUNICAÇÃO CONSTANTE E EFICIENTE

Para alcançar os objetivos da MO é necessário o envolvimento do empregado e comprometê-lo, torna-se uma tarefa confusa. O envolvimento cria o engajamento e a probabilidade de sucesso da MO (AZEVEDO, 1997), em que as comunicações abertas e francas através de canais formais e

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72 MUDANÇA ORGANIZACIONAL E OS FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO: ESTUDO DE CASO NO SISTEMA FIERGS.

informais facilitam o desenvolvimento do consenso. Cabe ressaltar que é válido formalizar um posicionamento através da alta administração, pois a ausência disto gera diferentes versões para esse mesmo fato. Portanto:

há muito poucas situações no decorrer de uma iniciativa de mudança de grande porte nas quais seja desejável manter segredos. Na maior parte, a tentativa resulta em comprometimento da verdade, diminuindo do compromisso e da motivação e cooperação titubeante dos interessados. A máquina de boatos trabalha incansavelmente em períodos de mudanças significativas, quando o desejo de informações, por parte dos empregados, torna-se insaciável (AZEVEDO, 1997, p. 100).

Ressalta-se que o foco principal da comunicação deve ser o nível gerencial e supervisores. A disseminação da MO para os funcionários também deve ser realizada pela alta administração ou líder desta iniciativa (LARKIN; LARKIN, 1996).

Estudos mostram que menos de 10% da comunicação é verbal. O que não quer dizer que a comunicação verbal ou escrita é inútil em projetos de mudança – na verdade, ela permanece como a melhor forma de orientar as pessoas dentro e fora da empresa quanto à necessidade e natureza da mudança (AZEVEDO, 1997, p. 103).

1.7 MUDANÇA CULTURAL

Para Strebel (1996), embora as circunstâncias sejam particulares em cada empresa numa MO, as dificuldades têm um ponto em comum: gerentes e funcionários vêem a MO de forma diferente. Ambos sabem que a gestão da MO é essencial para o alcance do sucesso, porém poucos líderes sabem como obter o comprometimento dos funcionários. A alta administração enxerga a MO como uma oportunidade de reforçar suas operações comerciais, alinhando à estratégia e assumindo novos riscos e desafios. Strebel (1996) indica que para muitos funcionários e até mesmo gerentes, a MO é um processo perturbador e intrusivo, não sendo bem-vindo.

O desconforto gerado pela MO, segundo Garvin e Roberto (2005), é resultante da relutância dos funcionários em alterar seus hábitos, pois crêem que o método que funcionava no passado é bom o suficiente para continuar sendo utilizando. Portanto, ressalta-se que as:

transformações culturais são possíveis, no entanto, não é algo que ocorre facilmente ou que, possa ser manipulado ou gerenciado (PETTIGREW, 1989; GAGLIARDI, 1986). A dificuldade na alteração dos valores deve-se primeiramente, à hierarquia dos valores, a qual pode não estar bem definida, ocorrendo então, conflito, tensão e desorientação quanto à escolha a ser feita. A contradição entre os valores nem sempre é bem resolvida, necessitando então que os mitos e as estórias ajam no sentido de torná-las ao menos suportáveis (BALDI, 1999, p. 7).

A absorção de novos valores gera a necessidade de grande renovação de pessoal, demandando perdas financeiras (GAGLIARDI, 1986 apud BALDI, 1999) sendo a maior dificuldade acaba sendo a de romper com o estabelecido, pelo receio de perder as bases de seu sucesso (MOTTA, 1999), ou ainda, o fato de que incorporar um valor novo significa reiniciar o longo processo de surgimento e consolidação de valores (GAGLIARDI, 1986 apud BALDI, 1999).

Este processo de incorporação caracteriza-se por uma luta entre os que buscam preservar a cultura existente e os que pretendem implantar novos valores. Desta forma, procurou-se sistematizar uma base teórico-empírica que explorasse a cultura organizacional e a mudança

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estrutural, relacionando o impacto da implantação de um novo arranjo estrutural nos valores subjacentes às ações na organização (BALDI, 1999, p. 8).

Tavares (1996) sugere que, em tempos de MO, os funcionários devem adaptar-se às novas exigências, podendo esta ser uma condição de permanência na empresa (GRISCI; FEDRIZZI, 2004). A insegurança e o medo fazem aumentar o sentimento de impotência e de fragilidade e, neste momento, inconscientemente “os mecanismos de defesa psíquicos entram em ação justamente para enfrentar esse sofrimento” (GRISCI; FEDRIZZI, 2004, p. 4), gerando incertezas a respeito de seu futuro, reagindo de forma resistente à MO.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Aplica-se o método de Estudo de Caso (YIN, 1994). Para tanto, utilizou-se os seguintes meios de coleta de dados:

a) investigação documental, sendo uma importante fonte de dados, em que as informações podem tomar diversas formas como: cartas, memorandos, agendas, atas de reuniões, documentos administrativos, estudos formais (BRESSAN, 2000). Yin (1994) considera relevante a utilização de documentos, para corroborar e aumentar a evidência de outras fontes de dados;

b) dados arquivados, que podem ser de serviços, organizacionais, de levantamentos, lista de nomes, etc. Os dados arquivados podem ser usados com outras fontes de informações, tanto para verificar a exatidão como para avaliar dados de outras fontes (YIN, 1994), pois não garantem precisão e acurácia;

c) entrevistas com os principais dirigentes para aprofundar questões complexas, sendo uma das mais importantes fontes de dados para estudos de caso (YIN, 1994). O tipo de entrevista utilizada é a focada, em que mantém a natureza de aberta-fechada e assume um formato de conversação, a partir de um conjunto de questionamentos derivados do próprio estudo de caso;

d) Observação participante, que é um tipo especial de observação na qual o observador deixa de ser um membro passivo e pode assumir vários papéis na situação do caso em estudo, podendo participar e influenciar os eventos em estudo (YIN, 1994).

3. RESULTADOS

O Sistema FIERGS é a entidade a qual direciona e alinha as demais entidades que o compõe (figura 1) – SESI, SENAI, CIERGS e IEL – estando voltado à promoção da competitividade da Indústria gaúcha e na liderança da criação de um ambiente favorável aos negócios e no estímulo do desenvolvimento humano e tecnológico.

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74 MUDANÇA ORGANIZACIONAL E OS FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO: ESTUDO DE CASO NO SISTEMA FIERGS.

SISTEMA FIERGS

Figura 1: Entidades que compõem o Sistema FIERGS.

A MO realizada no Sistema FIERGS, iniciado em 2005, a partir da posse da nova gestão da Entidade. A primeira ação do Presidente foi a contratação de uma empresa de consultoria especializada (denominada de Consultoria Z), para realizar o diagnóstico dos modelos de gestão e de governança. Assim, o diagnóstico realizado pela empresa foi dividido em três enfoques, abordados separadamente: defesa de interesses e representações; modelo organizacional e de gestão; modelo de governança. Os três enfoques foram detalhados, sendo identificadas em cada um as deficiências organizacionais existentes na entidade.

A partir do diagnóstico do modelo organizacional e de gestão do Sistema FIERGS é realizado, inicia-se a proposição de alternativas para constituição de um novo modelo para a entidade, que realizou-se, pela alta administração, a escolha de uma dentre as alternativas estruturadas pela Consultoria Z. Em alguns casos, coube à alta administração a validação das sugestões de alteração da atual forma de atuação, também propostas pela Consultoria Z.

A validação de prioridades e modelos e, conseqüentemente a seleção do modelo, seguiu-se o detalhamento dos Modelos de Governança e Gestão, através do redesenho do modelo organizacional. O detalhamento dos modelos organizacionais abordou, inclusive, os papéis e responsabilidades da alta administração; desenho ou redesenho dos processos de gestão e de controle em um nível macro e redesenho do sistema de governança.

O novo modelo desenhado necessita ser acompanhados por uma estrutura dedicada a realizar a gestão eficaz, assim, com papéis definidos, para o acompanhamento da realização das alterações propostas. Esta estrutura do Programa de Transformação possuía diferentes instâncias para as respectivas tomadas de decisão e, por esta razão, as ações de MO não seriam realizadas até a aprovação do Comitê de Acompanhamento do Programa de Transformação (CAPT).

Sob orientação do CAPT, iniciou-se a implementação do Modelo de Governança do Sistema FIERGS foi realizado pela organização de frentes de trabalho específicas sobre o assunto proposto, que se propuseram a implementar as diretrizes estruturadas pela Consultoria Z. Este trabalho teve duração de dois anos, sendo destes, seis meses foram com o acompanhamento da Consultoria Z.

A avaliação geral do processo de MO consistiu em uma análise geral, em que são verificados os ganhos obtidos e as dificuldades enfrentadas. Essa avaliação foi realizada através da entrevista com um representante da alta administração (CAPT), no caso, o Presidente do Sistema FIERGS. Na entrevista, avaliou-se, dentre outros aspectos, os fatores críticos de sucesso resultantes da MO.

A entrevista consistiu na análise e avaliação dos tópicos pelo Presidente do Sistema FIERGS, em fevereiro de 2008. Perguntou-se ao Presidente quais seriam aos principais ganhos organizacionais do Sistema FIERGS, obtidos com a MO. O Presidente identificou ganhos organizacionais relacionados diretamente ao atendimento das problemáticas que levaram a iniciativa de MO. Dentre estas

FIERGS / CIERGSFederação e Centro

das Indústrias

SESI-RSServiço Social da

Indústria

SENAI-RSServiço de Aprendizagem

de Indústria

IEL/RSInstituto Euvaldo

Lodi

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 75

problemáticas, ressaltou a unificação das culturas organizacionais das quatro entidades – SESI, SENAI, CIERGS e IEL – em uma única do Sistema FIERGS. Anteriormente à MO, essas culturas eram dissipadas e até divergentes, devido ás diversidade de produtos, serviços e negócios das entidades que compõem o Sistema FIERGS.

Para o Presidente, uma das principais dificuldades estava relacionada a cultura organizacional, principalmente na sensibilização dos funcionários em crer no acontecimento das mudanças, resultados a serem obtidos e que a iniciativa de reestruturação não seria uma atitude de modismo, sem propósitos. Para o Presidente, a MO proposta para o Sistema FIERGS buscou estruturar e consolidar o modelo de gestão e de governança; desmistificar a crença na abundância financeira da entidade, gerada pela arrecadação do compulsório do SESI e SENAI. Pela existência deste imposto, criou-se na organização a mentalidade de desperdício de recursos, metas pouco exigentes, inexistência de mensuradores de resultados e investimentos sem retorno; resultando, assim, em uma entidade sem perspectivas de crescimento sustentável e resultados sólidos. Ainda, em instituições do tipo federações, há uma característica bastante marcante, denominada fator político, que interfere diretamente em situações de posicionamento estritamente técnico e/ ou operacional, alterando o resultado de uma atividade e dificultando a atuação organizacional.

Outro aspecto questionado junto ao respondente foi a priorização dentre os sete FCS identificados, que o fizesse em ordem crescente de importância, comentando-os (quadro 4).

O Presidente ainda sugeriu algumas idéias para uma entidade que deseja realizar uma MO, objetivando o alcance de melhores resultados: analisar criticamente e profundamente (sem emoção) a situação atual (diagnóstico organizacional) da entidade; identificar os modelos organizacionais de comparação (benchmarks em outras organizações) para admitir como melhores práticas; identificar os pontos positivos e negativos de realizar a MO, certificando-se das intenções de realizá-la, mesmo sob a pressão de interrupção, falha ou insucesso deste tipo de iniciativa. Além disso, frisou que antes da decisão de iniciar a reestruturação, é necessário mensurar o impacto organizacional negativo que uma MO pode gerar para a entidade.

Quadro 4: Ordem de relevância do impacto do FCS na MO do Sistema FIERGS.

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Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

O respondente concluiu a entrevista ressaltando a necessidade de um planejamento minucioso de cada etapa da MO e, buscar executá-la o mais próximo possível do proposto. É preferível modernizar uma entidade, fortalecendo seu foco de atuação – principalmente em instituições caracterizadas por instâncias de governança com freqüente alteração, dada às mudanças de mandato – e manter o processo de MO contínuo, ao invés de assistir a ineficiência e a falta de comprometimento organizacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A MO é uma iniciativa de grande impacto em uma organização, pelo fato de empresas serem compostas por pessoas e, estruturas organizacionais complexas. A partir destas variáveis, estudos apontam alto índice de insucessos e desistências das empresas em reestruturar-se, o que não poderia ser diferente, dada a dificuldade em enfrentar sete FCS, presentes em MO.

Portanto, para realizar este processo de melhoria organizacional, uma MO necessita trabalhar exaustivamente no intuito de mitigar ou anestesiar os FCS, no intuito de obter o resultado esperado.

A complexidade de uma MO pode-se agravar em entidades que se caracterizam por interferências políticas na sua atuação, como o caso do Sistema FIERGS, uma instituição de caráter político e de trocas periódicas de mandato, ampliando a complexidade na mensuração de ganhos dos produtos e serviços, resultantes de sua atuação no âmbito industrial.

Os resultados alcançados por este estudo, traduzem-se na estruturação da compreensão dos FCS na MO do Sistema FIERGS, bem como a ordenação destes FCS, por ordem de criticidade.

Ainda, a partir deste estudo, torna-se possível compreender, que apesar do tema MO não ser um assunto novo no ambiente acadêmico, este ainda pode ser explorado. Permite-se, ainda, como propostas futuras de entendimento, a análise de sistemáticas utilizadas para realizar mudanças organizacionais, bem como a compreensão dos aspectos e variáveis relacionados para a estruturação de modelos de gestão e governança organizacionais.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 77

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78 A MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS FAMILIARES

A MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS FAMILIARES

Roberta Drehmer de Miranda1

Luiza Leite Vanzin2

RESUMO

A mediação vem crescendo e ganhando espaço no Brasil como método autocompositivo de resolução de conflitos, principalmente na área do Direito de Família, uma vez que se entende que os conflitos que advém das relações familiares são especialmente complexos e envolvem aspectos afetivos, psicológicos e sociais os quais o juiz, por meio da decisão judicial, não consegue chegar a uma solução que seja a melhor e mais pacífica para a família. O presente artigo se dedica a um breve estudo sobre a utilização da mediação na resolução desses conflitos, realizado com base em pesquisa bibliográfica e em análise dos dispositivos legais que dispõe sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Mediação, Família, Conflito, Autocomposição.

ABSTRACT

The mediation has been growing and gaining space in Brazil as an autocompositive method of conflict resolution, especially in Family Law, inasmuch as it is understood that the conflicts that arise from family relationships are especially complex and involve affective, psychological and social aspects that can not be properly dealt with by a judicial decision. This article is devoted to a brief study on the use of mediation in the resolution of these conflicts, based on a bibliographical research and analysis of the legal provisions on the subject.

KEYWORDS: Mediation, Family, Conflict, Self-Regulation.

INTRODUÇÃO

Os conflitos que nascem das relações familiares são demasiadamente complexos, subjetivos e delicados para serem tratados diretamente pela via judicial. As relações internas de uma família não podem ser adequadamente tratadas apenas pela atuação de terceiros.

Cada família é única, de forma que a lei jamais será capaz de abranger todas as possibilidades de controvérsias que podem surgir do convívio familiar. Muitas vezes o que está sendo discutido em uma ação de divórcio, guarda e/ou alimentos é apenas uma parte dos problemas daquela

1 Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de Direito de Família e Sucessões na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Advogada na área de Direito de Família, Sucessões e Restituição Internacional de Menores.

2 Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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família. O que se percebe é que uma decisão judicial, assim como a própria instrução probatória processual, não atingem sua eficácia de resolução do conflito familiar, pois não alcança a falta de diálogo e de compreensão entre as pessoas envolvidas no litígio. Para tanto, é necessário uma atenção especial e um trabalho diferenciado para que se possa atingir a profundidade dos conflitos e atender às necessidades de uma família.

É a partir da compreensão dessa limitação do Poder Judiciário que a mediação ganha espaço nas demandas relacionadas ao Direito de Família. Prevista na Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça e instituída no ordenamento jurídico brasileiro pelo Código de Processo Civil de 2015 e pela Lei nº 13.140, também de 2015, a mediação vem crescendo no País como uma forma alternativa e realmente efetiva de resolução de conflitos, principalmente, na área do Direito de Família.

Assim, esse trabalho se dedica, por meio de pesquisa bibliográfica, a um breve estudo da aplicação da mediação nos conflitos na esfera familiar no Brasil. A finalidade é demonstrar que a mediação é, sim, o principal instrumento para resolução dos conflitos familiares de maneira a respeitar as características e afetos de cada núcleo familiar, visando o melhor encaminhamento de modo a preservar os interesses de cada indivíduo, especialmente dos filhos, que ganham primazia no respeito aos seus direitos.

1. A MEDIAÇÃO COMO MÉTODO AUTOCOMPOSITIVO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, publicada no ano de 2010, já previa a incumbência dos órgãos do Poder Judiciário de oferecer e incentivar os chamados meios consensuais (ou autocompositivos) de solução de controvérsias, como a conciliação e a mediação. No entanto, apenas em 2015, com o Novo Código de Processo Civil e com a Lei da Mediação (Lei nº 13.140), esse instrumento foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro, como regra geral aplicável.

Os chamados “meios autocompositivos” de resolução de conflitos podem ser descritos, basicamente, como mecanismos que possibilitem às partes envolvidas em um conflito uma forma de solucionar o problema por meio de um acordo estabelecido entre elas, sem que seja necessária uma decisão judicial. O artigo 1º da Lei nº 13.140/15, em seu parágrafo único, conceitua a mediação da seguinte forma: “Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”3.

Esse “terceiro imparcial” - o chamado mediador - não tem a atribuição de julgar, de decidir ou até mesmo de sugerir uma solução para o caso, ele apenas deve estimular e viabilizar o diálogo entre as partes, para que elas mesmas possam buscar, entre si, colaborativamente, a solução para o seu problema4. De acordo com Tatiana Robles, a mediação “possibilita que as partes compreendam o litígio, que vejam o lado do outro, que recuperem a comunicação e a

3 BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>. Acesso em: 12 de julho de 2017.

4 TRENTIN, Taise Rabelo Dutra; ZENI, Bruna Schlindwein. Mediação: instituto democrático-dialógico de exercício de cidadania na cons-trução de soluções satisfatórias nos conflitos familiares. Direito e Práxis. Rio de Janeiro, vol. 01, n. 01, p. 80-99, 2010, p. 88/89. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/1149/5065>. Acesso em: 11 de julho de 2017.

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autodeterminação, visando solucionar a lide de forma consensual, através de um acordo por elas mesmas obtido”5.

Dessa forma, entende a mesma autora que a mediação é o método mais eficaz para tratar de um conflito, tendo em vista que uma decisão tomada pelas próprias pessoas envolvidas, através do diálogo e buscando o consenso, com a ajuda de um mediador, tem muito mais probabilidades de exprimir exatamente as condutas que se quer de ambas as partes para a resolução do conflito (verdadeiro compromisso mútuo de boa conduta) do que a decisão judicial, a qual tem outras características, como a imparcialidade, a objetividade e a subjetividade do juiz, dentro do que se conhece por convencimento judicial. Importante salientar que o instrumento da mediação não vem para “substituir” a decisão judicial, ou colocá-la em “segundo plano”, ou categorizá-la como algo “não importante”, mas tão somente para proporcionar às partes a possibilidade de resolverem sozinhas o seu conflito, ainda mais quando se tratam de relações familiares de afeto, sentimento e, muitas vezes, mágoas e tristezas, cujo lugar talvez não seja o gabinete do julgador.

Em consonância com esse entendimento, o próprio Código de Processo Civil consolidou, em 2015, a preferência pela utilização dos métodos autocompositivos, uma vez que determinou a obrigatoriedade da audiência de conciliação, na qual deve ser ofertada às partes a conciliação ou a mediação, a menos que conste, expressamente, na petição inicial ou na contestação, a recusa da parte em realizar a autocomposição. Percebe-se que a finalidade do Código é respeitar a natureza do conflito processual que, antes de tudo, é social, familiar ou pessoal.

No entanto, muitos autores sustentam que a mediação se diferencia dos demais métodos autocompositivos, como a conciliação e a arbitragem, uma vez que tem como objetivo não só a resolução de um conflito específico, mas também a transformação da relação social das pessoas, modificando e melhorando a sua forma de enxergar e de lidar não apenas com aquele conflito em específico, mas também os conflitos futuros. De acordo com o entendimento da Maria Berenice Dias, pode-se dizer que a mediação objetiva ainda o “empoderamento” das pessoas para que elas exerçam a sua autonomia e assumam a responsabilidade pela solução do problema:

A mediação deve levar em conta o respeito aos sentimentos conflitantes, pois coloca os envolvidos frente a frente na busca da melhor solução, permitindo que, através de seus recursos pessoais, se reorganizem. O mediador favorece o diálogo na construção de alternativas satisfatórias para ambas as partes. A decisão não é tomada pelo mediador, mas pelas partes, pois a finalidade da mediação é permitir que os interessados resgatem a responsabilidade por suas próprias escolhas6.

Assim, entende-se que a mediação ultrapassa o conceito de “método de resolução de conflitos”, eis que busca ultrapassar o caso concreto, “restaurando a relação social entre pessoas, provocando repercussões de alcance social até então não incluídas nos métodos de resolução de conflitos”, conforme leciona Tania Almeida7. Além da solução do caso, a mediação tem uma finalidade pedagógica, no sentido de estimular as partes a aprender uma forma mais pacífica e eficaz de comunicação para, quem sabe, pelo aumento dessa prática, criar uma cultura social de “abrir

5 ROBLES, Tatiana. Mediação e Direito de Família. 2ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Ícone, 2009, p. 46.

6 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 69.

7 ALMEIDA, Tania. Mediação de conflitos: um meio de prevenção e resolução de controvérsias em sintonia com a atualidade. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/programas/movimento-pela-conciliacao/arquivos/Artigo%20Tania-86_Dez 31_Mediacao_de_Confli-tos_Um_meio_de_prevencao_e_resolucao_de_controversias_em_sintonia_com.pdf>. Acesso em: 04 de julho de 2017.

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mão” do Poder Judiciário - sem, é claro, extinguir o direito constitucional de acesso à jurisdição e de petição - e de tratá-lo como única ou principal forma de resolver controvérsias.

3. A LEI Nº 13.140/15 - “LEI DA MEDIAÇÃO”

Apesar da mediação já ser aplicada e ter sido prevista, já em 2010, na Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, ela só passou a ter previsão legal expressa em 2015, com advento da Lei nº 13.140. Esse dispositivo regulamentou as orientações do procedimento de mediação, definiu as atribuições e requisitos para a formação dos mediadores, bem como estabeleceu, em seu artigo 2º, os princípios que devem orientar a prática da mediação no Brasil:

Art. 2o A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I - Imparcialidade do mediador; II - Isonomia entre as partes; III - Oralidade; IV - Informalidade; V - Autonomia da vontade das partes; VI - Busca do consenso; VII - Confidencialidade; VIII - Boa-fé8.

A imparcialidade do mediador (I) diz respeito à sua não intervenção, tendo em vista que o seu papel no procedimento é apenas viabilizar o diálogo; a isonomia entre as partes (II) pressupõe que as partes sejam iguais durante o procedimento, possuindo, de igual forma, direitos e deveres durante a mediação; a oralidade (III) está relacionada ao diálogo, sem a utilização de petições, despachos e decisões por meio escrito como no processo comum; a informalidade (IV) diz respeito à simplicidade do procedimento, diferentemente dos procedimentos tradicionais da justiça que, muitas vezes, não são sequer compreendidos pelas partes envolvidas; a autonomia da vontade das partes (V) significa que as decisões tomadas devem advir da vontade das partes, não podem ser tomadas por um terceiro em nome delas, de forma que as partes sejam, então, responsáveis pelas suas decisões; a busca do consenso (VII) diz respeito à busca coletiva de uma solução que satisfaça todos os envolvidos. A confidencialidade (VII) está relacionada com a segurança das partes, para que se sintam à vontade para falar sobre o conflito sem qualquer receio de julgamento por parte de terceiros, uma vez que o conflito ficará apenas entre os mediados e o mediador (exceto nos casos previstos no art. 30 da mesma lei); a boa-fé (VIII) está relacionada às intenções dos envolvidos com o procedimento e ao dever de respeito e urbanidade das partes, umas em relação às outras9.

A lei dispõe também que a mediação pode abordar todo o conflito ou apenas parte dele - quando se tem, por exemplo, uma ação judicial de divórcio, guarda e alimentos, mas as partes se dispõem a mediar apenas a respeito dos alimentos. Além disso, a mediação pode ser extrajudicial ou judicial.

A mediação judicial deve ser oferecida e realizada pelos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSCs) criados pelos tribunais e serão conduzidas por mediadores judiciais, com

8 BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>. Acesso em: 12 de julho de 2017.

9 FERREIRA, Nayara Souza. Mediação familiar: fundamentos e regulamentação pela nova Lei da Mediação. Revista do Curso de Direito do UNIFOR. Formiga, v. 7, n. 2, p. 16-28, julho/dezembro de 2016, p. 21/22. Disponível em: <https://periodicos.uniformg.edu.br:21011/periodicos/index.php/cursodireitouniformg/article/view/376>. Acesso em: 10 de julho de 2017.

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formação específica definida em lei (artigo 11 da Lei nº 13.140/15). Já a mediação extrajudicial pode ser instaurada pelas partes junto ou a Câmaras Privadas de mediação, não ligadas ao Poder Judiciário, ou por mediador capacitado, o qual se enquadre na definição e requisitos de mediador extrajudicial dada pelo artigo 9 da referida Lei de Mediação.

4. A MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS FAMILIARES

Os conflitos familiares possuem uma certa peculiaridade, se comparados aos conflitos advindos de outras relações, tendo em vista que a organização de uma família envolve aspectos afetivos e psicológicos muito mais profundos que qualquer outra forma de relação. Em razão disso, entende-se que esses conflitos não são suficientemente e/ou adequadamente resolvidos por uma decisão judicial. O juiz é o terceiro imparcial que precisa tomar uma decisão; porém, muitas vezes, vem de uma realidade social muito diferente da realidade da família sub judice - o que pode, sim, fazer parte de sua convicção para julgar, por mais imparcial que procure ser - e, por isso, não consegue compreender o conflito na sua essência, mas tão somente o conflito judicial, aquele que aparece pela instrução probatória e pelas audiências realizadas.

Logo, a solução que o juiz encontrará para aquele conflito, não raras vezes, não será suficiente para atender todas as necessidades das pessoas envolvidas, apesar de pôr fim a um processo. Maria Berenice Dias, sobre esse assunto, refere:

A sentença raramente produz o efeito apaziguador desejado, principalmente nos processos que envolvem vínculos afetivos. A resposta judicial nunca corresponde aos anseios de quem busca muito mais resgatar prejuízos emocionais pelo sofrimento de sonhos acabados do que reparações patrimoniais ou compensações de ordem econômica. Independentemente do término do processo judicial, subsiste o sentimento de impotência dos componentes do litígio familiar10.

Diante da compreensão dessa limitação do Poder Judiciário, entende-se que a melhor forma de resolver os conflitos advindos das relações familiares é por meio de métodos autocompositivos. Entre eles, o que vem sendo mais utilizado e incentivado é a mediação, justamente pelo seu caráter mais amplo, citado anteriormente, que busca não só a resolução de um conflito específico, mas sim a transformação da relação entre as partes.

De acordo com Adolfo Braga Neto, a mediação é capaz de promover a responsabilidade,

não somente pela situação geradora do conflito, mas também por tudo aquilo que está sendo objeto da mediação, além de, evidentemente, tudo a que irão assumir como compromisso no futuro. Nesse sentido, parte-se sempre da premissa de que o conflito não somente é decorrente da estrutura relacional existente, mas sobretudo de eventuais expectativas pessoais não atendidas de cada um dos envolvidos. Em outras palavras proporcionará a responsabilidade parental no seio familiar11.

Da mesma forma, afirmam Maria Alice Rodrigues e Vera Regina Rohnelt Ramires:

Os conflitos são inerentes às relações humanas, e transições importantes como uma separação

10 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 68/69.

11 NETO, Adolfo Braga. Mediação de Conflitos no contexto familiar. Revista IOB de Direito de Família, ed. 51, dezembro de 2008 - janeiro de 2009. p. 58.

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conjugal ou divórcio requerem um tempo para sua elaboração e superação. Quanto mais as pessoas envolvidas puderem se responsabilizar pela solução do conflito, quanto maior for o seu protagonismo, tanto melhor para a qualidade dos seus vínculos afetivos, para a reorganização dos laços e das relações familiares, e para a saúde mental de todos os envolvidos12.

A mediação pode ser utilizada nas mais variadas situações de conflito dentro de uma família. As mais comuns estão ligadas ao rompimento de uma relação amorosa, que pode vir a gerar controvérsias sobre a partilha dos bens; sobre a guarda e residência dos filhos; sobre a necessidade e o valor referente à pensão alimentícia; sobre o direito de convivência do genitor que não possui a guarda do filho; e até mesmo sobre questões referentes ao dia-a-dia dos filhos, como em qual escola vai estudar, o que pode e o que não pode fazer. Todas essas questões, se não houver uma boa comunicação entre os pais, podem gerar inúmeros conflitos e gerar situações de extrema tensão, angústia, frustração, tanto para os pais quanto para os filhos.

O rompimento de uma relação sempre vai ser difícil, sempre vai gerar situações de conflito entre os envolvidos nesse rompimento, principalmente, quando perduram relações como as de pai/mãe e filhos, ou seja, apesar do rompimento, os pais dessas crianças vão continuar convivendo de alguma forma. E para que essa convivência não seja desagradável e não cause maiores danos ao desenvolvimento dos filhos, a compreensão e o diálogo são fundamentais entre todos os membros da família.

Nesse sentido, Rolf Madaleno ressalta:

Embora toda a separação cause desequilíbrios e estresse, os pais, quando rompem seus relacionamentos afetivos, deveriam empreender o melhor de si para preservarem seus filhos e ajuda-los a compreenderem, e também eles, vencerem e superarem a triste fase da separação dos genitores. São crianças e adolescentes que dependem do diálogo franco e da transparência e honestidade dos pais. Pais que sejam sinceros em seus informes e esclarecimentos, mostrando aos filhos que seguem íntegras suas relações de amor e afeto para com ambos os genitores, apesar da separação dos adultos, e salientando ao mesmo tempo, a importância dos filhos para a existência e felicidade dos pais13.

Assim, é fundamental para os filhos que exista um “elo de cooperação” entre os pais, porque assim eles são capazes de aceitar e compreender o rompimento da relação conjugal. Ou seja:

[...] é necessária a conscientização da família mesmo após o divórcio ou a dissolução da união estável, de que a forma mais saudável de tratar as questões familiares é por meio do diálogo, com respeito e consideração pelo outro, com educação e com o pensamento voltado para o bem-estar dos filhos, que são a continuação da vida e merecem especial atenção às suas necessidades e que melhor administram o rompimento dos pais se eles conseguirem conviver harmonicamente14.

Tania Almeida traz a ideia de que muitas famílias acabam encontrando no litígio uma forma de manter o vínculo que, supostamente, foi rompido pela separação do casal15. Isto é, as pessoas

12 RODRIGUES, Maria Alice; RAMIRES, Vera Regina Rohnelt. Psicologia Jurídica: Alienação parental e a lei: a judicialização das relações familiares? In: BOECKEL, Fabricio Dani de; ROSA, Karin Regina Rick (Org.). Direito de Família: em perspectiva interdisciplinar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 237.

13 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 461/462.

14 SPENGLER, Fabiana Marion; MARCANTÔNIO, Roberta. A mediação como forma de tratamento de conflitos decorrentes da guarda dos filhos. Revista Brasileira de Direito, IMED, vol. 9, n. 1, p. 78-97, janeiro-junho de 2013. p. 90/91. Disponível em: <https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/508/392>. Acesso em: 11 de julho de 2017.

15 ALMEIDA, Tania. Particularidades da mediação familiar. In: A mediação familiar no contexto da guarda compartilhada. p. 4. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/programas/movimento-pela-conciliacao/arquivos/Artigo%20Tania-85_Set-08_Artigo_TA_SP_-_A_Me-

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estão acostumadas e possuem uma expectativa baseada em uma relação contínua.

Quando ocorre o término dessa relação, com o “turbilhão emocional que as desavenças provocam nas pessoas”, é possível que essas pessoas não consigam vislumbrar uma forma pacífica de manutenção desse vínculo, buscando, então, continuar com esse vínculo através da litigância. Para tratar esse tipo de situação, é necessário proporcionar a essas pessoas uma outra forma de manter uma relação mesmo após a separação. De acordo com a mesma autora, nessas situações, a mediação se mostra como a melhor alternativa tendo em vista que a “preservação da relação social desconstrói a fantasia da ruptura de vínculos importantes e contribui para que o litígio deixe de ser um recurso para manter o vínculo e o diálogo”16.

O objetivo da mediação é transformar um contexto adversarial, de competição entre as partes, como ocorre no processo judicial, onde se tem um ganhador e um perdedor, em um contexto de cooperação entre todos os envolvidos, em busca de um consenso, de uma solução que seja capaz de atender às necessidades de todos, de forma a não se ter mais um ganhador e um perdedor, mas apenas ganhadores. É resolver a controvérsia num processo colaborativo17, para que o conflito familiar não seja resolvido nas sessões de mediação, mas que seja solucionado num continuum das relações afetivas que ainda ligam os membros daquela família - principalmente, nas demandas envolvendo guarda de filhos.

Para ilustrar melhor a aplicação da mediação, principalmente judicial, mister faz uma referência ao instituto da guarda de filhos, o que tem sido a situação jurídica mais recorrente, na prática judicial, em que se utiliza da ação do mediador. Atualmente, a legislação brasileira prevê duas hipóteses de definição da guarda: unilateral ou compartilhada.

A guarda unilateral é quando a responsabilidade jurídica sobre os filhos fica a cargo de apenas um dos genitores, enquanto a guarda compartilhada é caracterizada pelo compartilhamento dessa responsabilidade jurídica entre os dois genitores. A regra legal hoje é a guarda compartilhada. A guarda unilateral somente será aplicada quando um dos genitores declarar ao juiz que não deseja a guarda do filho, ou em situações excepcionais. Ou seja, ainda que não haja consenso entre os genitores, será aplicada a guarda compartilhada, conforme dispõe o artigo 1.584, § 2º, do Código Civil Brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014.

Assim, nos casos em que a guarda compartilhada for aplicada sem o consenso entre os pais, é possível que existam conflitos decorrentes dessa responsabilidade conjunta, pois os pais, separados, deverão exercer a responsabilidade pelos filhos de forma idêntica ou similar à que deveriam se estivessem juntos. O casal é um “ex-casal”; mas não deixarão de ser pais. Logo, a prática da mediação nesses casos se torna extremamente necessária, para que esses pais consigam se comunicar e buscar um consenso a respeito da forma de criação e educação de seus filhos:

Não raro, em situações de discordância sobre como conduzir a vida dos filhos, estes se sentem desconfortáveis e apresentam dificuldades emocionais por se perceberem motivo de desentendimentos entre seus pais. A proposta da guarda compartilhada para as situações de dissenso coloca esse tema em foco e a Mediação, nesses casos, possibilita cuidar para que todos – pais e filhos – ganhem em qualidade de convivência e não tenham comprometidos o

diacao_Familiar_no_Contexto_da_Guarda_Compartilhada1.pdf>. Acesso em: 04 de julho de 2017.

16 Idem, ibidem, p.9.

17 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 69.

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seu cotidiano e a sua emoção pela discórdia18.

Dessa forma, a mediação é capaz de efetivar a responsabilização conjunta idealizada pelo legislador, a partir da conscientização das partes através do diálogo, para que seja possível atingir um certo nível de consenso entre os pais sobre a vida dos filhos, possibilitando uma relação saudável entre todos e o exercício adequado do instituto da guarda compartilhada. Além dos exemplos aqui citados, são inúmeros os casos de litígios familiares que podem ser melhor atendidos por meio da mediação, de maneira a não ser necessária uma intervenção por meio de decisão judicial.

Nesse mesmo sentido, é a posição de Maria Alice Rodrigues e Vera Regina Rohnelt Ramires:

Mais do que sanções e processos judiciais, as pessoas envolvidas nessa ordem de conflitos necessitam de programas de mediação desses conflitos, de políticas públicas, ações de prevenção e de intervenção profissional multidisciplinar que auxiliem na superação dos litígios familiares. Nessa perspectiva, apenas em um pequeno número de casos, aqueles mais graves e comprometidos, cujos envolvidos se encontrem impossibilitados de encaminhar a solução do seu conflito de forma autônoma e co-participativa, as ações previstas pela lei seriam necessárias19.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante salientar que a simples prática da mediação não é garantia da resolução do conflito. As partes não são obrigadas a mediar e, ainda que o façam, não necessariamente chegaram a um consenso sobre o problema.

No entanto, a importância da mediação ultrapassa os resultados práticos do caso concreto, de forma que, ainda que não tenha sido possível a realização de um acordo a respeito daquele conflito em específico, apenas o conhecimento de uma outra forma de resolver um conflito, a simples oportunidade de conversar, ouvir e ser ouvido, já é relevante para a realidade de uma família e já é capaz de transformar a relação entre as pessoas. Dessa forma, entende-se que a mediação deve ser estimulada e aplicada sempre que possível, principalmente, nos conflitos familiares, buscando sempre uma forma de solucionar os problemas através do diálogo, possibilitando uma convivência familiar mais saudável, harmônica e pacífica.

REFERÊNCIAS

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18 PELAJO, Samantha. O instituto da mediação familiar como instrumento de concretização da guarda compartilhada. p. 32. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/programas/movimento-pela-conciliacao/arquivos/Artigo%20Tania-85_Set-08_Artigo_TA_SP_-_A_Me-diacao_Familiar_no_Contexto_da_Guarda_Compartilhada1.pdf>. Acesso em: 04 de julho de 2017.

19 RODRIGUES, Maria Alice; RAMIRES, Vera Regina Rohnelt. Psicologia Jurídica: Alienação parental e a lei: a judicialização das relações familiares? In: BOECKEL, Fabricio Dani de; ROSA, Karin Regina Rick (Org.). Direito de Família: em perspectiva interdisciplinar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 238.

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86 A MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS FAMILIARES

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FERREIRA, Nayara Souza. Mediação familiar: fundamentos e regulamentação pela nova Lei da Mediação. Revista do Curso de Direito do UNIFOR. Formiga, v. 7, n. 2, p. 16-28, julho/dezembro de 2016. Disponível em: <https://periodicos.uniformg.edu.br:21011/periodicos/index.php/cursodireitouniformg/article/view/376>. Acesso em: 10 de julho de 2017.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 87

A UTILIZAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL EM UMA ESCOLA PARTICULAR: DADOS E

OBSERVAÇÕES INICIAIS. 1

Gilson de Oliveira Cardoso2

Blanca Martín Salvago3

RESUMO:

Esta pesquisa tem por objetivo identificar os benefícios e desafios decorrentes da utilização do material didático digital em sala de aula para aprimorar o processo educativo de uma escola particular da cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina, além de observar se já existe ou não melhora no desempenho dos alunos após a sua utilização, a partir da análise das notas quantitativas. Para tal finalidade, foi realizado um breve resgate histórico, a fim de se descobrir como foi desenvolvido o processo de implantação do material didático digital e também a coleta das notas dos alunos a partir do sistema de registro utilizado pela escola.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Material Didático Digital 2. Didática 3. Avaliação

ABSTRACT:

This research aims to identify the benefits and challenges arising from the use of digital teaching material in the classroom to improve the educational process of a private school in the city of Rio do Sul, in Santa Catarina, in addition to observing wether or not there is improvement in the students’ performance after its use, from the analysis of the quantitative notes. For such purpose, a brief historical rescue was carried out in order to discover how the digital teaching material implantation process was developed and also the collection of students’ grades from the registration system used by the school.

KEYWORDS: 1. Digital Teaching Material 2. Teaching 3. Evaluation

1 Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Gestão Escolar da Universidade Católica Dom Bosco. Campo Grande, 2015.

2 Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUC-RS; pós-graduado em Gestão Estratégica de Pessoas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUC-PR e em Gestão Escolar pela Universidade Católica Dom Bosco, UCDB. Atualmente exerce a função de Cordenador Pastoral do Colégio e da Faculade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

3 Professora orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso. Bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia de Granada (Espanha). Licenciada em letras pela Universidade católica Dom Bosco (Campo Grande – MS). Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália). Coordenadora Pedagógica da UCDB Virtual. Membro do GETED – Grupo de Estudos e Pesquisa de Tecnologia Educacional e Educação a Distância. E-mail: [email protected]

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88 A UTILIZAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL EM UMA ESCOLA PARTICULAR: DADOS E OBSERVAÇÕES INICIAIS.

INTRODUÇÃO

O tema Material Didático Digital é relevante na discussão atual sobre Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC)4. Isto, porque em todas as épocas históricas é sempre um grande empenho adaptar a educação às novas tecnologias que vão surgindo. E na época atual não é diferente. O processo de inclusão digital, a partir da inserção de computadores e internet nas escolas, facilitou e aperfeiçoou o uso da tecnologia, melhorando também o acesso às informações e aos processos de comunicação. No entanto, o empenho está em disponibilizar para alunos e professores um material de apoio que atenda às diversas expectativas: pedagógica, de acessibilidade, funcionalidade, atualidade, praticidade, etc.

Neste início de terceiro milênio é comum a presença das TDIC`s, que possibilitam inovação e interação em diversos ambientes da sociedade, incluindo o da educação. Essas tecnologias trazem consigo muitas facilidades, mas também introduzem novas exigências e competências no paradigma educacional, impondo adaptações.

Atento a essa problemática, desde o ano de 2013 a escola observada nesta pesquisa conta com o apoio de uma editora que atua na implantação gradativa do Material Didático Digital (MDD) para os alunos. Atualmente, a proposta da editora contempla uma plataforma de apoio para alunos, professores e profissionais de gestão. Sendo assim, os dados e observações que serão apresentados são relevantes não só para uma escola específica, mas também para outras instituições educacionais que utilizam ou pretendem utilizar materiais didático digitais em sua proposta educativa.

Como educadores, somos geralmente preparados para avaliar somente a aprendizagem dos alunos, lançamos, aqui, outro desafio: avaliar a escola como um todo, buscando identificar como está o seu funcionamento, isto é, como estão sendo desenvolvidas as atividades que levam os alunos a aprenderem e a se tornar cidadãos. Como está o desempenho dos professores? A participação dos pais? A gestão da escola? Quais fatores e situações que precisam ser mudados, pois estão insuficientes? Quais os que estão bem e, por isso, precisam ser difundidos e servir de exemplo? (FERNANDES, 2002, p. 115).

Essa observação de Fernandes serve de base para indicar a real intenção do presente artigo: aprimorar o processo educativo. Para tanto, é necessário reforçar aos professores e aos gestores educacionais que a centralidade do seu trabalho está no aluno e que a função da escola é garantir uma formação que o considere em sua totalidade, proporcionando-lhe uma melhora na qualidade de vida. Para que isso aconteça, não basta apenas aperfeiçoar processos internos e práticas pedagógicas; é necessário que haja orientação a fim de que esses processos e práticas ultrapassem a aprendizagem baseada na assimilação de conhecimentos e que os alunos apliquem o conhecimento em sua vida concreta.

Cabe ressaltar que a pesquisa não possui a pretensão de ser um fim em si mesma. Ao contrário, com base nos resultados apresentados, pretende-se criar condições para a realização de estudos mais aprofundados sobre o tema em questão.

4 Todas as palavras que permitam a utilização de siglas passarão a ser escritas através destas, após uma primeira utilização por extenso.

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1. O MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL NA SALA DE AULA

Se a preocupação primeira deste artigo fosse descrever o atual cenário histórico social, talvez uma das palavras que mais se adequasse seria “mudança”. É forte a percepção de que acontecimentos, fatos e tecnologias utilizadas pelas pessoas mudam muito rapidamente.

Vive-se um período de transformações sem precedentes na história da humanidade. Este tem recebido muitas denominações – Era do conhecimento, sociedade do conhecimento, sociedade em rede, sociedade da comunicação, para citar apenas alguns. O elemento comum entre esses diferentes modos de nomear o cenário atual refere-se ao papel central do conhecimento na organização social e econômica atual, o que tende a redefinir a centralidade da instituição escolar. Sempre que a sociedade defronta-se com mudanças significativas em suas bases sociais e tecnológicas, novas atribuições passam a ser exigidas à escola (VIEIRA e PENIN, 2002, p. 13).

Nesse sentido, vê-se uma preocupação no campo educacional em relação aos materiais pedagógicos e didáticos, que devem ser adequados a um cenário cada vez mais tecnológico. Aparece, nesse contexto, a utilização do material didático digital.

Para se entender adequadamente o que é um material didático digital, é oportuno ter presente o conceito de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Belloni (2001), quando utilizava ainda o termo “Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC”, dizia que “são o resultado da fusão de três grandes vertentes técnicas: a informática, as telecomunicações e as mídias eletrônicas. As possibilidades são infinitas e inexploradas, e vão desde as ‘casas ou automóveis inteligentes’ até os androides reais e virtuais para finalidades diversas” (BELLONI, 2001, p. 21).

A importância da utilização dessas tecnologias justifica-se quando “as sociedades contemporâneas já estão a exigir um novo tipo de indivíduo e de trabalhador em todos os setores sociais e econômicos: um indivíduo dotado de competências técnicas múltiplas, habilidade no trabalho em equipe, capacidade de aprender e de adaptar-se a situações novas.” (BELLONI, 2001, p. 22).

Para orientar esse novo indivíduo, presume-se também um novo perfil de professor, capaz de corresponder às expectativas da nova sociedade tecnológica e seus atores.

Do livro e do quadro de giz à sala de aula informatizada e online a escola vem dando saltos qualitativos, sofrendo transformações que levam de roldão um professorado mais ou menos perplexo, que se sente muitas vezes despreparado e inseguro frente ao enorme desafio que representa a incorporação das TIC ao cotidiano escolar. Talvez sejamos ainda os mesmos educadores, mas certamente nossos alunos já não são os mesmos. (BELLONI, 2001, p. 27).

Kenski (2003, p. 56) comenta que:

na sociedade da informação, o uso das TIC’s reflete em todas as áreas do conhecimento humano, trazendo significativas mudanças na forma de agir e de fazer educação: o compartilhamento de informações e as múltiplas possibilidades de comunicação e interação imediatas garantem que escolas, universidades, instituições educacionais e culturais, empresas e organizações de todo o mundo possam produzir e utilizar cooperativamente conhecimentos, produtos, serviços e conteúdos nas mais diferenciadas áreas científicas.

Segundo Carneiro (2002, p. 32):

o paradigma educacional emergente requer a inserção de novas práticas curriculares e metodologias inovadoras, para fazer frente às necessidades de uma sociedade globalizada,

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90 A UTILIZAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL EM UMA ESCOLA PARTICULAR: DADOS E OBSERVAÇÕES INICIAIS.

que altera padrões de vida das pessoas, seja na maneira de se comunicar, nas habilidades profissionais de atuação ou na forma de aquisição do conhecimento e do pensar.

A utilização do computador e de outras tecnologias como recurso de aprendizagem permite a criação de materiais didáticos que reúnem várias mídias5 e a ampliação do conhecimento de forma interativa. Os materiais digitais que se utilizam dessas tecnologias possibilitam que, através dos recursos digitalizados, diversas fontes de informações e de conhecimentos sejam criadas e socializadas.

Para Lévy (1999), digitalizar uma informação - um texto, uma imagem ou o som - significa traduzi-la em números. Por exemplo, se fizermos com que um número corresponda a cada letra do alfabeto, qualquer texto pode ser transformado em uma série de números e uma imagem pode ser transformada em pontos (ou pixels), que são descritos por dois números que especificam as coordenadas sobre o plano e outros três números que analisam a intensidade de cada um dos componentes de sua cor.

A informação digitalizada pode ser processada automaticamente, com grau de precisão quase absoluto, muito rapidamente e em grande escala quantitativa. Nenhum outro processo a não ser o processamento digital reúne, ao mesmo tempo, essas quatro qualidades. (LÉVY, 1999, p. 54).

Isto explica porque há uma quantidade crescente de informações sendo digitalizadas e, cada vez mais, sendo produzidas diretamente dessa forma. Acompanhar todas as novidades e se adequar àquilo que melhor corresponda às necessidades educativas trata-se de um verdadeiro desafio. E como será que a escola irá responder a esse desafio? Segundo Belloni (2001, p. 95):

integrando as tecnologias de informação e comunicação ao cotidiano da escola, na sala de aula, de modo criativo, crítico, competente. Isto exige investimentos significativos e transformações profundas e radicais em: formação de professores; pesquisa voltada para metodologias de ensino; nos modos de seleção, aquisição e acessibilidade de equipamentos, materiais didáticos e pedagógicos, além de muita, muita criatividade.

Uma das preocupações que surgem com a utilização do material didático digital tem a ver com o esgotamento dos sentidos e a perda da sensibilidade, fruto do bombardeio de imagens e sons que esse meio apresenta. O excesso de informações e estímulos pode dificultar a reflexão. Para que o aluno utilize o material de forma ativa e crítica em meio à rapidez e mistura de informações (verbais, visuais e sonoras), é necessário desenvolver a habilidade de análise e síntese de modo simultâneo.

1.1 OBSERVAÇÕES SOBRE O MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL, APONTADAS PELOS PROFESSORES.

No início do ano de 2014, a escola iniciou o processo de implantação do material didático digital com as turmas do 6º ano da Educação Fundamental e do 1º ano do Ensino Médio. Tal processo de implantação vem ocorrendo de modo gradativo, em duas novas turmas a cada ano. No mês de

5 A palavra mídia deriva da palavra meio, do latim médius, significando aquilo que está no meio ou entre dois pontos. A partir dessa definição e trazendo para o contexto educativo, pode-se dizer que uma mídia educacional é um meio através do qual se transmite ou se constrói conhecimentos. Dentre as mídias utilizadas no processo ensino-aprendizagem temos o material impresso, a televisão e o rádio. Além disso, tem-se a informática como uma das principais mídias utilizadas na atualidade, tendo a particularidade de ser uma mídia multimídia, uma vez que agrega recursos de diversos tipos.

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setembro de 2014, os professores que utilizaram o novo material em suas aulas fizeram alguns apontamentos práticos sobre a sua utilização. Esses apontamentos foram encaminhados ao serviço de suporte da editora responsável e, no fim de 2014, um técnico entrou em contato com a escola a fim de compreender as situações e propor alternativas que as solucionassem. Essa ação de trabalho resultou em um relatório, no qual constam questões que necessitavam de melhorias6:

• Alguns links e vídeos não abrem; esse é um motivo de grande descontentamento e desqualificação do material por parte dos alunos, pois cada vez que um link ou vídeo não abre é feito contato com a editora, sendo necessário que a unidade seja deletada e baixada novamente. Com isso o aluno precisa sair da sala e perder aula.

• As senhas dos alunos precisam estar sendo trocadas constantemente.

• Dois alunos marcam as mesmas respostas em seus respectivos cadernos interativos; um obtém a mensagem “parabéns” enquanto o outro recebe a mensagem “reveja o conteúdo”.

• Ao digitar a senha para acesso do caderno interativo, geralmente, é necessário refazer a ação para que o sistema a reconheça.

• Modificação no tempo do exercício determinado pelo professor.

• Erros de grafia.

• O conteúdo do material digital é o mesmo do material impresso, o que desmotivou os alunos para o uso do MDD. Os alunos utilizam mais o impresso pela facilidade no transporte e manuseio.

• Muitas atividades do caderno interativo são mecânicas e não levam o aluno à reflexão.

Todas essas observações fizeram com que a equipe da editora trabalhasse no aprimoramento do material elaborado. Nota-se que tais questões, de ordem prática, são relativamente fáceis de solucionar. No entanto, o real desafio encontrado na escola diz respeito à capacitação dos professores para encontrarem a forma mais adequada e significativa para seus alunos ao utilizarem o material didático digital. Por exemplo, o fato de os alunos preferirem utilizar o material impresso ao digital demonstra a necessidade de desenvolver nos professores a capacidade de estimular e orientar os alunos para a utilização correta do material didático digital.

Belloni (2001) lembra-se dos “modos de aprendizagem mediatizada”, que apontam a utilização cada vez maior das tecnologias de produção, estocagem e transmissão de informações e o redimensionamento do papel do professor. “O professor tende a ser amplamente mediatizado, como produtor de mensagens inscritas em meios tecnológicos, destinadas a estudantes à distância, e como usuário ativo e crítico e mediador entre estes meios e o aluno.” (BELLONI, 2001, p. 27)

Ainda Belloni (2001), no que se refere à elaboração de tecnologias pedagógicas, sugere a preocupação com as formas de apresentação dos conteúdos didáticos, previamente, selecionados e elaborados com metodologias de ensino e estratégias de utilização de materiais de ensino/aprendizagem que potencializem ao máximo as possibilidades de aprendizagem autônoma.

Já para Davis e Grosbaum (2002, p. 77):

6 Por questão didática, os apontamentos enviados pelos professores no relatório foram reorganizados antes de comporem o presente artigo.

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92 A UTILIZAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL EM UMA ESCOLA PARTICULAR: DADOS E OBSERVAÇÕES INICIAIS.

os gestores precisam trabalhar com os professores a concepção de escola que desejam implementar e, de acordo com essa concepção, como se definirá o projeto pedagógico da escola e a prática de seus professores, de maneira a promover a aprendizagem continua de seus alunos.

1.2 IMIGRANTES E NATIVOS DIGITAIS

Termos comuns utilizados nos estudos sobre educação na atualidade são “Nativos Digitais” e “Imigrantes Digitais”. Usa-se o termo Nativo Digital para definir a geração que nasceu por volta da década de 90 e que cresceu tendo a internet como parte natural de seu ambiente cultural e cognitivo. Computadores, celulares, videogames, webcams e várias outras tecnologias fazem parte do cotidiano dessa geração, passando do status de ferramentas para o status de linguagem comum.

Já o termo Imigrante Digital é utilizado para definir as gerações anteriores, formado pelas pessoas que têm mais de 30 anos e que foram pegas já em idade adulta pelo advento da internet. Eles viram várias das tecnologias atuais se desenvolverem e se incluírem em seu cotidiano. Os Imigrantes sempre precisarão fazer um esforço adicional para conseguir assimilar aquilo que os Nativos fazem com tanto conforto e facilidade, isto é, a capacidade de pensar e agir usando as ferramentas inovadoras digitais.

É importante perceber essa distinção porque, em geral, professores imigrantes têm alunos nativos. Mais do que a diferença de geração, existe uma diferença de linguagem. Neurocientistas do mundo todo reconhecem que, quando se aprende uma língua estrangeira na infância, esse aprendizado é arquivado em uma parte diferente do cérebro do que quando aprendemos uma língua já na idade adulta. Ou seja, além da diferença de linguagem, ainda existe uma diferença na maneira como se processam e se armazenam as informações.

O que se observa na prática é que a maioria dos professores imigrantes tenta ensinar os alunos nativos usando a mesma linguagem com a qual foram ensinados. Talvez não seja mais novidade que uma nova linguagem é necessária; o que escolas precisam aprender, então, é adaptar os conteúdos curriculares para esse novo tipo de linguagem.

2. O DESEMPENHO NAS AVALIAÇÕES DOS ALUNOS

A utilização do MDD faz parte de um momento de transição da escola, com grande investimento em novas tecnologias. Esse novo material é composto pelo livro digital e pelo caderno interativo. Os recursos apresentam navegação fácil e intuitiva, incorporam várias linguagens e favorecem o estudo colaborativo.

O MDD vem alterando o modo como alunos e educadores enxergam a sala de aula e o próprio processo de ensino e aprendizagem. Sua utilização traz uma nova dinâmica para as aulas, sendo que o laboratório de informática perde um pouco de importância e a sala de aula passa a ser um ambiente multimídia, em que a tecnologia é incorporada às demais ferramentas de forma natural. Os conceitos podem ser explorados pelos educadores usando tanto o conteúdo que é apresentado

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no livro digital, quanto todo o conteúdo que é oferecido pela web.

A partir dessa ideia, é preciso saber se, de fato, a mudança observada no cotidiano das aulas tem surtido efeito positivo no desempenho dos alunos. E isso só é possível através de uma avaliação ampla e significativa.

A avaliação desperta tanta resistência na maior parte das pessoas porque, tradicionalmente ela tem sido usada como um instrumento de controle para adequar as características dos indivíduos às exigências de determinadas situações ou circunstâncias. Só que o problema não é da avaliação, mas do uso que dela se faz. Na verdade, avaliar é condição essencial de qualquer ato intencional. Se implementamos algo com determinados objetivos, como saber se os resultados esperados foram alcançados? (DAVIS e GROSBAUM, 2002, p. 104)

O processo de avaliação é um processo complexo, pois deve levar em conta os diversos fatores que podem influenciar a aprendizagem dos alunos. Existem hoje muitas concepções teóricas e muitas práticas distintas do que é avaliar (DAVIS e GROSBAUM, 2002, p. 105). Independente disso, o professor não avalia o aluno apenas pelo seu desempenho em uma prova específica, pois isso é só um instrumento a serviço da aprendizagem; antes, deve estar atento ao longo de todo o percurso de um determinado assunto ou aprendizado, a fim de mostrar para cada aluno quais são os seus pontos fortes e fracos.

Segundo Davis e Grosbaum (2002):

O sucesso de uma escola é medido pelo desempenho de seus alunos. Se os alunos, cada um no seu ritmo, conseguem aprender continuamente, sem retrocessos, a escola é sábia e respeitosa. Se suas crianças e jovens são frequentadores assíduos das aulas, seguros de sua capacidade de aprender e interessados em aprender os problemas que os professores lhes propõem, ela está cumprindo o papel de torná-los pessoas autônomas, capazes de aprender pela vida toda. Se os alunos estão sabendo ouvir, discordar, discutir, defender seus valores, respeitar a opinião alheia e chegar a consensos, ela pode se orgulhar de estar formando cidadãos. (DAVIS e GROSBAUM, 2002, p. 77)

E ainda, segundo a avaliação, as autoras dizem o seguinte:

É ela quem indica a gestores e professores onde estão seus tropeços e qualidades, onde é preciso investir mais e onde se pode caminhar com segurança. Sem avaliação não saberíamos se nossos objetivos estão sendo atingidos. Ela mostra quais são os conteúdos em que os alunos estão enfrentando maiores dificuldades e que precisam ser repensados pelos professores. (DAVIS e GROSBAUM, 2002, p. 103)

Toda avaliação deve assumir os papéis de função diagnóstica para o professor, permitindo que esse conheça o que o aluno aprendeu, fornecendo informações sobre os pontos fracos e fortes do aluno, e demonstrando se o ensino atingiu ou não as metas previstas e também de função diagnóstica para o aluno, possibilitando uma autoanálise de seu progresso, informando-o sobre o que ainda não domina e motivando-o para a aprendizagem.

O processo de avaliação dos alunos na escola pesquisada tem como objetivo:

• Proporcionar ao aluno condições de fazer uma síntese das experiências educativas vividas durante certo período;

• Promover a ação consciente e crítica para que professor e aluno interajam no processo ensino-aprendizagem;

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• Fornecer à Direção e Macroprocessos dados necessários ao processo de planejamento escolar;

• Proporcionar ao corpo docente meios para melhorar a eficiência e eficácia de seu trabalho;

• Possibilitar ao professor, pais e alunos, diagnosticar e acompanhar o seu progresso e estimular seu crescimento pessoal.

Nos processos para avaliação do aproveitamento, os aspectos qualitativos preponderam sobre os quantitativos. Assim, a escola considera a avaliação de qualidade aquela que apresenta:

• Desenvolvimento pessoal - Aprender a Ser: desenvolver as condições para a construção e enriquecimento da identidade pessoal e coletiva. É a aprendizagem síntese de todas as outras e implica no desenvolvimento de si próprio. Passa pelo cultivo e desenvolvimento de todas as potencialidades da pessoa.

• Desenvolvimento intelectual - Aprender a Saber: desenvolver a pessoa preparando-a para discernir e enfrentar as mudanças da sociedade em constante transformação. É a aprendizagem relacionada com o domínio dos instrumentos do conhecimento, compreensão e descoberta.

• Desenvolvimento de aptidões - Aprender a Fazer: desenvolver a pessoa para a aquisição de habilidades e competências práticas.

Quanto aos critérios de avaliação, a orientação da escola é que todo professor realize a cada bimestre ao menos uma avaliação com peso um, relacionada ao Ser; duas avaliações com peso seis, ligadas ao campo do Saber; e duas avaliações com peso dois, relacionadas ao Saber Fazer. No caso das avaliações serem provas tradicionais, essas deverão conter no mínimo três tipos de questões distintas (objetivas, dissertativas, lacuna, múltipla escolha, relação, etc.) e a indicação dos conhecimentos, habilidades e atitudes que estão sendo avaliadas. Os alunos cujas avaliações não atingiram média sete deverão obrigatoriamente participar do apoio pedagógico.

Quando o percentual de notas inferiores a sete for acentuado, o professor deve organizar uma forma de fazer a retomada do conteúdo com toda a turma. Os resultados da avaliação são comunicados às famílias no final de cada bimestre, através de Informativo de Aproveitamento Escolar, contendo notas que podem variar de um a dez.

As informações apresentadas sobre as práticas de avaliação servem para reforçar o fato de que a observação das notas quantitativas dos alunos não servirá, em momento algum, como uma fonte isolada de leitura ou interpretação de dados. Ela é uma ação importante e útil dentro do processo de adaptação da escola às novas tecnologias e que também está alinhada a um processo muito maior e significativo de avaliação dos alunos e professores.

2.1 O DESEMPENHO QUANTITATIVO DOS ALUNOS ANTES E DEPOIS DA UTILIZAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL - MDD

A análise quantitativa das notas foi realizada a partir das turmas do sexto ano da Educação Fundamental (EF) ao terceiro ano do Ensino Médio (EM). Cabe ressaltar que o processo de

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implantação do MDD na escola é gradativo, tendo iniciado em 2014 com as turmas do sexto ano da EF e primeiro ano do EM. Em 2015, expandiu-se para as turmas do sétimo ano do EF e segundo ano do EM. Sendo assim, as turmas do oitavo e nono ano da EF e terceiro ano do EM ainda não utilizam o MDD.

Foram observadas as notas bimestrais das disciplinas de Português, Matemática, História e Geografia de todas as turmas ao longo de cinco anos antes da utilização do MDD e também as notas a partir de sua utilização, nas turmas que já iniciaram o processo. Tais disciplinas são comuns a todas as turmas e períodos observados. Fizeram parte da análise apenas as notas dos alunos matriculados em todos os bimestres observados. Aqueles que se tornaram alunos após o primeiro bimestre observado ou que deixaram de ser antes do último bimestre observado, não foram considerados.

A partir desses critérios, 96 alunos tiveram suas notas observadas. Os dados coletados permitiram fazer dois tipos de observação diferentes e, por hora, importantes: de cada aluno individualmente e das turmas entre si.

Quando observadas as notas individuais dos alunos, constatou-se que entre aqueles que já utilizam o MDD (53 alunos, de 4 turmas diferentes), 30 (56,6%) apresentaram melhoras na média após a utilização do material, sendo que desses, 9 apresentaram uma melhora de até 10%; 9 uma melhora entre 10,1% e 20% e 12 alunos uma melhora acima de 20%. Os demais, 23 alunos (43,4%), apresentaram uma média menor após a utilização, sendo 19 alunos com uma diminuição de até 10% e 4 alunos com uma diminuição entre 10,1% e 20%.

Para efeito de comparação, observou-se também as notas das turmas que não utilizam ainda o MDD (43 alunos, de 3 turmas diferentes) durante o mesmo período de utilização pelas outras turmas. Constatou-se que 12 alunos (28%) apresentaram melhoras de até 10% na média, enquanto que 31 alunos (72%) apresentaram uma média menor, sendo que desses, 25 apresentaram uma diminuição de até 10% e 6 alunos, uma diminuição acima de 10%. Ou seja, enquanto que, no mesmo período, alunos que utilizaram o MDD e que apresentaram melhoras nas médias representam 56,6%, esse número desce para 28% entre os que não utilizaram. E quando observados os alunos que apresentaram uma média menor, temos 43,4% entre aqueles que utilizaram o MDD e 72% entre os que não utilizaram. De modo simplificado, temos:

Tabela 1: Observação das médias após o início da utilização do MDD na escola.

Quando observadas as quatro turmas que já utilizam o MDD, notou-se que metade (sexto ano do EF e primeiro ano do EM) apresentou melhoras de aproximadamente 20% nas médias e metade (sétimo ano EF e segundo ano EM) apresentou uma diminuição de aproximadamente 5%

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96 A UTILIZAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL EM UMA ESCOLA PARTICULAR: DADOS E OBSERVAÇÕES INICIAIS.

nas médias após o início da utilização. Chama a atenção neste dado o fato de que as turmas que apresentam diminuição nas médias são aquelas que iniciam o segundo ano de utilização do MDD, enquanto as que mostraram melhoras são as que iniciam agora a utilização do mesmo material.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fica claro que o curto período de utilização do MDD pela escola não permite ainda levantar algum dado estatístico efetivo quanto ao desempenho dos alunos ou mesmo justificativas e propostas de encaminhamentos. Para tanto, será necessário o término da implantação em todas as turmas e mais um ciclo de pelo menos cinco anos de utilização. No entanto, pretendeu-se mostrar alguns dados e observações iniciais que possam auxiliar no processo de implantação, uma vez que a própria editora responsável por essa implantação vem trabalhando em melhorias a partir de dados e informações apresentadas pela escola.

É importante ter presente algumas ideias que Davis e Grosbaum (2002) apontam como sendo importantes para aprender: a história pessoal do aluno deve ser considerada; o autoconceito do aluno influi em sua capacidade de aprender; a aprendizagem deve ser significativa; elogios são uma arma poderosa; as aprendizagens precisam ser repetidas; a aprendizagem é mais sólida quando se conhecem os erros.

Sendo assim, muito mais significativa que a observação do desempenho quantitativo dos alunos ao longo do tempo é a preocupação em analisar se, de fato, o material didático digital adotado pela escola cumpre o objetivo primeiro que é o de promover uma educação de qualidade centrada na pessoa do aluno. Nessa preocupação estão inseridas, além das notas dos alunos: a correta utilização do material pelo professor, uma didática adequada para aproveitar todas as ferramentas e formas de interação e uma avaliação séria e propositiva por parte da equipe pedagógica. Lembramos aqui a ideia de Fernandes (2002), ao comentar que se queremos fazer uma avaliação consistente e coerente não podemos nos limitar à avaliação da aprendizagem. É preciso avaliar a escola e os fatores externos a ela que influenciam nesse processo.

Surgem ainda, como pano de fundo das observações apresentadas neste artigo e, talvez como proposta para uma nova empreitada, algumas questões propositivas, como por exemplo: como despertar a curiosidade dos alunos para temas e tarefas cada vez mais complexos, com aparatos e tecnologias também complexos e, por vezes, longe do seu interesse? Como qualificar os professores para serem pacientes e competentes para lidar com os erros dos alunos e com as suas próprias dificuldades diante das novas tecnologias digitais de informação e comunicação? Como receber a aprendizagem como um processo desafiante, no qual as tarefas precisam ser interessantes e valer à pena para professores e alunos? Como selecionar e adquirir materiais didáticos e pedagógicos significativos na era da tecnologia? E, talvez a questão mais importante de todas: como ser uma escola propositiva, que ensina a criticidade e a autonomia diante do esgotamento dos sentidos e da perda da sensibilidade?

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98 GESTÃO DE RISCOS CORPORATIVOS, CONTROLES INTERNOS E GOVERNANÇA NO ÂMBITO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL

GESTÃO DE RISCOS CORPORATIVOS, CONTROLES INTERNOS E GOVERNANÇA NO ÂMBITO DO PODER

EXECUTIVO FEDERAL

Marizete Teresinha Fabris1

Daniela Baggio2

RESUMO:

o presente trabalho é um importante estudo sobre boas práticas de gestão e a aplicabilidade da Instrução Normativa (IN) Conjunta nº 01/2016, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Controladoria Geral da União, visto que, gestão de riscos, controles internos estruturados e governança das instituições públicas tem se tornado uma meta para os gestores que visão adquirir, desenvolver e alinhar competências, ajustar ações para o alcance dos objetivos estratégicos das organizações, incentivar a colaboração e o compartilhamento de informações, estimular a inovação e incrementar a maturidade a riscos, melhorar a eficiência operacional e a prática da governança, promovendo assim o aperfeiçoamento organizacional. Desse modo, a questão que norteia o presente estudo é o princípio constitucional da eficiência organizacional. Para tanto, foi realizado um estudo qualitativo, através de uma pesquisa documental em duas instituições públicas: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) na área de tecnologia da informação e na Pró-reitoria de gestão de pessoas. Como principais resultados deste estudo, pode-se apurar que para um salto qualitativo na gestão requer alinhar estratégias, otimizar decisões, reduzir surpresas, identificar riscos e fornecer respostas adequadas, assim como está sendo feito nessas instituições públicas com maestria.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão de riscos, controles internos e governança.

ABSTRACT:

the present work is an important study on good management practices and the applicability of Joint Normative Instruction (INC) 01/2016, of the Ministry of Planning, Development and Management and of the General Controllership of the Union, as risk management, controls structured internal governance and governance of public institutions has become a goal for managers aiming to acquire, develop and align skills, adjust actions to achieve the strategic objectives of the organization, encourage collaboration and information sharing, stimulate innovation and increase risk maturity, improve operational efficiency and governance practice, and thus promote organizational improvement. In this way, the question that

1 Pesquisadora do Centro Universitário Leonardo da Vinci. Email: [email protected]

2 Professora de Pós Graduação do Centro Universitário Leonardo da Vinci. Email: [email protected]

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 99

guides this study is the constitutional principle of organizational efficiency. For that, a qualitative study was carried out through a documentary research in two public institutions: National Agency of Sanitary Surveillance (ANVISA) and Federal University of Pampa - (UNIPAMPA) in the area of information technology and in the Pro-rectory of management of people. As the main results of this study, it can be verified that for a qualitative leap in management, it is necessary to align strategies, optimize decisions, reduce surprises, identify risks and provide adequate responses, just as it is being done in these three public institutions with mastery.

KEYWORDS: Risk management, internal controls and governance.

1. SOBRE O PROBLEMA DE N-CORPOS

A exemplo de organizações privadas, o Estado também necessita ser bem gerido para que alcance seus objetivos. A boa administração alicerça a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados. Existem incertezas que são originadas por variados fatores e são riscos à boa administração. Portanto, a gestão de riscos torna-se extremamente importante para o alcance de objetivos estratégicos, sendo sua identificação antecipada e estratégias mitigadoras, as técnicas para poupar esforços e recursos que seriam despendidos caso fossem tratados inesperadamente.

Os governos têm deveres em relação aos bens públicos que os obrigam a melhorar suas estratégias e práticas de gestão. Cabe aos gestores públicos aprimorar a gestão para prover benefícios à sociedade em contrapartida aos impostos por ela pagos. Considerando-se que a eficiência é um princípio constitucional, surgem ações específicas, tais como: o apoio da alta administração; o alinhamento ao planejamento estratégico; a gestão de riscos; a gestão da informação e a interação entre os vários escalões. O objetivo é melhorar a qualidade do controle interno, respaldar a tomada de decisões, aprimorar processos, reduzir desvios e atingir os objetivos estratégicos, norteados pelo princípio da supremacia do interesse público e da indisponibilidade no prestar contas.

Nas palavras do professor Franklin Brasil, auditor da CGU, em entrevista exclusiva concedida em fevereiro/2017 para a comunidade de práticas de compras públicas da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), há uma necessidade iminente de inserção da gestão de riscos na governança da Administração Pública, por ser um mecanismo de liderança, estratégia e controle voltado para fazer com que esses interesses sejam convergentes.

Diante da necessidade de implementação da IN, foi definido o problema dessa pesquisa, que se resume à análise de como as diversas instituições públicas então se adequando à Instrução Normativa (IN) Conjunta nº 01/2016, para atender integralmente os quesitos nela previstos. Considerando-se que essa pesquisa pretende estudar e verificar como estão sendo aplicadas “boas práticas de gestão”, foi formulada a pergunta de pesquisa: como está sendo aplicada a Instrução Normativa (IN) Conjunta nº 01/2016, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP) e a Controladoria Geral da União (CGU), no âmbito dos Órgãos Públicos Federais do Rio Grande do Sul?

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100 GESTÃO DE RISCOS CORPORATIVOS, CONTROLES INTERNOS E GOVERNANÇA NO ÂMBITO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL

Segundo o que está divulgado no site do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP) e Controladoria Geral da União (CGU), comemora-se o primeiro ano de gestão de riscos. Segundo o ministro Dyogo Henrique de Oliveira, o MP é o precursor na implementação da gestão de riscos e tem auxiliado e incentivado outros órgãos da Administração Pública a desenvolverem suas próprias políticas. Atualmente, existem cinco ministérios que já publicaram suas políticas de gestão de riscos e outros dez instituíram comitê de governança, risco e controles internos da gestão.

O estudo justifica-se pela necessidade de uma moderna governança. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há a necessidade de administrar os chamados conflitos de agência, que aparecem quando o bem-estar de uma parte depende de decisões tomadas por outras. No quadro atual, o aprimoramento da governança reflete bons controles internos e consequentemente melhores políticas públicas com o foco em riscos, inovação e resultados eficazes. E ainda por leis, decretos e instruções normativas que emitem orientações sobre boas práticas para a área pública, entre eles: Lei 12.846/2013 e o decreto 8.420/2015 que a regulamenta, IN Conjunta MP-CGU 01/2016, Lei 13.303/2016 e o Decreto 8.945/2016 que a regulamenta e algumas organizações que também emitem essas orientações como Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA) e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), dentro outros.

A Constituição Federal, em seu art. 37, traz alguns princípios para a boa governança:

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Nesse contexto, administrar de forma ética, com transparência e com responsabilidade é de fundamental importância. Segundo o que previa no art. 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789, “A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração”. O Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967, em seu art. 93, revela um conceito abrangente do ato de prestar contas, o qual define que: “quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprêgo [sic] na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes”.

Seguem palavras do entrevistado Franklin Brasil, auditor da CGU:

Tenho defendido com fervor a bandeira da racionalidade administrativa do art. 14 do Decreto-Lei 200/67. Há meio século já temos um comando normativo para adotar controles proporcionais aos riscos. Agora, com a doutrina da gestão de riscos, essa premissa se fortalece. Espero, sinceramente, que sejamos capazes de entender e aplicar essa premissa: o controle não pode ser mais caro que a coisa controlada. É importante entender que a gestão de riscos não é algo inédito, desconhecido. Já fazemos isso. Mas fazemos, em geral, de maneira amadora, intuitiva, improvisada, insuficiente, ineficiente. O que os modelos de referência propõem é a sistematização, a adoção de passos lógicos e organizados, com o uso de mecanismos de apoio, tornando o processo racional, estrutural e incorporado aos demais aspectos da organização.

Para o ministro Dyogo Oliveira do MP:

Boa gestão não é apenas aquela que empreende muitos projetos e tem muitas realizações, e

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sim aquela que está preparada para agir a tempo e a hora. Neste sentido é que a Gestão de Riscos tem grande relevância.

1. REFERENCIAL TEÓRICO

A gestão de riscos é implementada segundo métodos reconhecidos internacionalmente e a IN nº 01/2016 baseia-se na estrutura do Committee of Sponsoring Organizations (COSO). O estudo, de forma complementar, visou identificar o que prevê a IN, averiguar a aplicação atual nos órgãos públicos e relatar ações de orientação e disseminação do conhecimento.

1.1. INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 01/2016

Segundo o MP, os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal deverão implementar, manter, monitorar e revisar os controles internos de gestão, sendo essa a primeira linha ou camada de defesa das organizações públicas. Devem ter por base a identificação, a avaliação e o gerenciamento dos riscos, ter controles adequados para mitigar a probabilidade de ocorrência dos mesmos e seus impactos nos objetivos organizacionais. A orientação é que os controles internos devem ser efetivos e consistentes, considerar o ambiente e as atividades de controle, a informação, comunicação e monitoramento. Devem ter como base o gerenciamento de riscos, integração, planos, ações, políticas, sistemas, recursos e esforços de todos que trabalham na organização e ser implementado com uma série de ações que permeiam as atividades da organização.

O chefe da assessoria especial de controle interno do MP, Sr. Rodrigo Fontenelle de Araujo Miranda, explica que existe uma metodologia para a implantação interna da gestão de riscos nas unidades: primeiramente são selecionados os processos relevantes, seguido pelas fases de análise do ambiente, fixação de objetivos, identificação dos riscos, análises do risco inerente, controles existentes e riscos residuais, após são definidas as repostas a riscos e os planos de controle.

Para o professor Franklin Brasil, auditor da CGU, a governança compreende o sistema de direção, supervisão e estímulo para fazer com que as ações dos agentes públicos reflitam a vontade do cidadão. Essa vontade é atendida por meio das políticas públicas, traduzidas em planos, projetos e ações. Portanto, a gestão de riscos é um componente da governança e para o seu gerenciamento existem os controles internos. Ainda nas palavras do professor, no Tribunal de Contas da União (TCU), principal órgão de controle do país, o assunto gestão de riscos tem se tornado a preocupação central, por entender que o gerenciamento de riscos é um processo fundamental para racionalizar as ações governamentais, melhorar a tomada de decisões e avaliação de desempenho, e também por se tratar de uma poderosa ferramenta para os gestores do setor público.

Para Peter F. Drucker (2008, p. 45): É a mudança o que sempre proporciona a oportunidade para o novo e o diferente. A inovação sistemática, portanto, consiste na busca deliberada e organizada de mudanças, e na análise sistemática das oportunidades que tais mudanças podem oferecer para a inovação econômica e social.

Em material disponibilizado aos gestores do Instituto Federal do RS (IFRS), a CGU entende

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que, enquanto o gerir trata de planejar, agir, executar e controlar, a governança se encarrega de direcionar, avaliar e monitorar.

1.2. APLICAÇÃO NOS ÓRGÃOS PÚBLICOS EM UM CONTEXTO GERAL

O Sr. Américo Martins, auditor federal de finanças e controle da CGU regional RS, ressalta a importância de eventos voltados ao aperfeiçoamento profissional e identificação de melhorias na gestão das instituições: “[...] de fato, seu conteúdo foi bastante denso e certamente possibilitou o pensar ou o repensar sobre quais caminhos construir e trilhar a fim de alavancar nas instituições públicas as rotinas sobre Governança Gestão de Riscos e Compliance”.

Deve haver um alinhamento técnico na administração pública, na mentalidade estratégica de seus dirigentes através de trabalho sistêmico, planejamento de ações a serem tomadas no dia a dia e escolha de prioridades, numa sequência lógica, organizada e coerente para atingir objetivos que deles se esperam, e fazê-los, buscando a qualidade adequada dos bens e serviços prestados, ao menor custo possível.

1.3. AÇÕES FUTURAS DE ORIENTAÇÃO – APLICAÇÃO GERAL

A CGU é o orgão que orienta quanto à eficácia dos controles internos e também é o órgão que avalia a gestão de riscos nas unidades sob sua competência, normatiza o processo e capacita agentes públicos. Assim, ainda nas palavras do Sr. Américo Martins, espera-se disseminar o conhecimento e que, cada órgão, identificando fluxos/rotinas ou setores passíveis de mudança/aprimoramento contribuam para que sejam dados mais alguns passos na construção de novas “boas práticas”, para uma gestão pública mais eficiente, com mais e melhores benefícios à sociedade.

Vários órgãos da administração pública estão promovendo eventos com o intuito de capacitar gestores, agregar conhecimentos e compartilhar melhores práticas em temas relevantes na gestão pública contemporânea. A Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), grande promotora de eventos promoveu: em 19/09/2016 o “Seminário Internacional de Governança, Inovação e Desenvolvimento”; em 23/08/2017 o “Seminário Gestão de Riscos: Desafios para a implementação da Instrução Normativa Conjunta MP/CGU nº 01/2016”, onde 60 órgãos/entidades foram representadas, num total de sete Estados brasileiros participantes; e de 11 a 13/12/2017 o Workshop de capacitação de nível internacional para gestores de compras públicas, em Brasília/DF. O Tribunal de Contas da União (TCU), através do programa Diálogos Públicos, que tem o objetivo de trocar informações e conhecimentos com a sociedade, Congresso Nacional e os gestores públicos, promoveu em 17/08/2017 o Seminário de Governança e Gestão Organizacional: Novo modelo, Papéis e Responsabilidades.

2. METODOLOGIA

Considerando que a pesquisa buscou analisar como está sendo aplicada a Instrução Normativa (IN) Conjunta nº 01/2016, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP) e a

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Controladoria Geral da União (CGU), no âmbito dos órgãos públicos federais do Rio Grande do Sul, optou-se pela realização de um estudo qualitativo, e como procedimentos técnicos foi utilizado uma pesquisa documental.

O trabalho iniciou-se com pesquisas sobre a IN Conjunta nº 01/2016 nos diversos sites oficiais que a tratam e esclarecem: CGU, TCU, MP, ENAP. Após, buscou-se pesquisar sobre ações e experiências de palestrantes de instituições públicas participantes do 1º Seminário sobre Governança, Gestão de Riscos e Compliance - Boas práticas no estado do Rio Grande do Sul em 30/05/2017, diante da necessidade do aprendizado e enriquecendo o saber pela diversidade, sabendo-se perfeitamente possível reproduzir bons resultados através de experiências bem-sucedidas em diferentes contextos.

Conforme afirmam Weller e Pfaff (Org.), (2013, p. 10):

Neste momento em que vivemos uma espécie de ‘globalização’ ou internacionalização da pesquisa qualitativa, existem muitos desafios a serem enfrentados. [...] Somente por meio do acesso às abordagens metodológicas e resultados de pesquisas desenvolvidas [...] será possível elaborar análises a partir de um ‘olhar que olha’ e que contempla as devidas especificidades culturais e sociais de cada região [...].

Quanto à estratégia utilizada, foi um estudo de caso. O autor Yin (2001, p. 20), descreve que esse estudo “[...] não precisa conter uma interpretação completa ou acurada; em vez disso, seu propósito é estabelecer uma estrutura de discussão e debate [...]”.

Em resumo, o estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real – tais como ciclos de vida individuais, processos organizacionais e administrativos, mudanças ocorridas em regiões urbanas, relações internacionais e a maturação de alguns setores. (YIN, 2001, p. 21).

2.1. SELEÇÃO DE CASOS.

Os casos selecionados originaram-se das palestras do 1º Seminário sobre Governança, Gestão de Riscos e Compliance - Boas práticas no Estado do Rio Grande do Sul em 30/05/2017 em Porto Alegre/RS, onde houve a participação de várias instituições públicas, dentre as quais foram selecionadas: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) nas áreas de tecnologia da informação e Pró-reitoria de gestão de pessoas.

O primeiro caso analisado foi da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Ela tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados. As inspeções são realizadas a partir de um sistema integrado batizado de Sagarana em consonância com o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) 2005. O RSI introduz a necessidade de avaliação do risco, da gestão e comunicação dos eventos de saúde pública, assim como a designação dos pontos de entrada, visando fortalecer e manter as capacidades básicas com o objetivo de prevenção, verificação, alerta e resposta. Essa estrutura se justifica pela necessidade de informações oportunas para a

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tomada de decisão frente a emergências de saúde pública internacional e ajudar os profissionais da ANVISA a continuar trabalhando juntos para a melhoria das condições de saúde da população e na construção do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.

Conforme relato de Sr. Júlio César Colpo, especialista em regulação da Anvisa:

O sistema nos fornece índice de risco das inspeções que realizamos e a partir deste valor conseguimos gerir, otimizar e dispensar nossa atenção ou força de trabalho para os processos que realmente precisam. Além de nos proporcionar uma ‘fotografia’ do risco sanitário dos processos e serviços. [...] na época, ainda não tínhamos conhecimento sobre os novos conceitos de Governança, Gestão de Riscos e Compliance. O sistema foi pensado ainda em 2005. [...] depois deste seminário, cheguei à conclusão que fomos audaciosos e que nossa ideia hoje seria de vanguarda.

O segundo caso analisado foi o da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) na área de tecnologia da informação. A gestão de riscos envolve a verificação dos fatores internos e externos e sua influência na organização. Por isso, a metodologia adotada nessa análise deve fornecer uma visão abrangente, considerando as modificações tecnológicas, os processos de negócio e as mudanças no fator humano. Foi criada uma Coordenadoria de Governança de TI (CGOV) na Diretoria de Tecnologia da Informação e Comunicação (DTIC), que tem como justificativa as referências governamentais, a necessidade interna e a tendência de criação de setor especializado dentro das universidades federais. A CGOV tem como atribuição ser atuante nas áreas de governança, gestão de riscos e compliance.

A coordenação de governança de TI baseia-se em limites de atuação e parâmetros de governança, em boa parte oriundos do questionário PerfilGovTI do TCU, seguidos por constante aprimoramento da governança e gestão. Os produtos são gerados e reavaliados durante o processo e os dados do plano de gestão são periodicamente atualizados. Segue-se, então, a Metodologia de Gestão de Riscos (MGR) do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação do Poder Executivo Federal (SISP), onde cada processo tem sua finalidade específica: define-se o papel do gestor de riscos, o escopo, os objetivos, as premissas e as restrições, após são identificados os riscos, seu o grau de detalhamento, os ativos primários mais críticos, as ameaças, vulnerabilidades e controles, e revisado o escopo. Após, com base nas informações levantadas, estimam-se os riscos, que são avaliados e analisados conjuntamente. Em seguida, há o tratamento desses riscos e a definição de como agir diante deles e a própria continuidade da gestão de riscos.

Conforme relato do Sr. Thiarles Soares Medeiros, coordenador de governança de tecnologia da informação da UNIPAMPA:

No evento da CGU foi dado enfoque à Gestão de Riscos pois estamos com foco no atendimento da INC MP/CGU nº 01/2016. [...] apresentou-se o andamento do projeto, o qual estava em fase inicial em que estabelecia o contexto da gestão de riscos e os envolvidos no processo. Hoje, de forma mais apropriada, estamos revisando as fases iniciais da Gestão de Riscos (como a própria MGR-SISP afirma que é possível) buscando refinar e aprimorar o processo além de melhor subsidiar as próximas fases.

O terceiro caso analisado, também da UNIPAMPA, envolve a Pró-reitoria de gestão de pessoas. O planejamento ocorreu no modelo participativo, com avaliação envolvendo servidores, equipes e Instituição, definição da função estratégica do servidor, apropriação do processo de trabalho, soluções coletivas e indicadores para as políticas de desenvolvimento. A ideia central era propiciar

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condições favoráveis à melhoria dos processos de trabalho, legitimidade, publicidade e reflexão crítica dos ocupantes da carreira acerca de seu desempenho em relação aos objetivos institucionais. A gestão de desempenho na UNIPAMPA remonta a um sistema de avaliação de desempenho ligado ao planejamento e ao desenvolvimento da política de desenvolvimento de pessoas (Lei 11.091/2005).

Foi adotado o planejamento Top-Down, com ações definidas no início do processo, desempenho calçado na relação de ação e resultado. O planejamento e o aval institucionais ocorrem no nível macro e descem o organograma. O planejamento institucional (PDI) define objetivos e metas para a organização com ações das unidades de equipes, atividades dos servidores e avaliação. Leva em conta a complexidade, os recursos, cargos, circunstâncias, regimentos, leis específicas, demandas, competências, etc. Os ajustes são feitos dos níveis subordinados ao planejamento superior. O planejamento Bottom-Up surge de rede de fatores, agentes e circunstâncias. As ações são descentralizadas, o desempenho segue o modelo sistêmico e a eficiência decorre da adequação à realidade. O planejamento e o aval institucional ocorrem no nível micro.

O plano de trabalho contém as atividades desenvolvidas pelo servidor no ano e deve ser referendado pela chefia, tornando-se público. O desenvolvimento e acompanhamento são esforços para a realização das atividades, suporte, reação e replanejamento, cotidiano e registro de ocorrências. A avaliação de desempenho é feita seguindo o eixo I (mérito e progressão), que envolve plano de trabalho, assiduidade e responsabilidade, avanço/conclusão, produção, atendimento e contribuição; e o eixo II (compreensão e desenvolvimento) com ênfase em planejamento e funcionamento das equipes, processos e resultados de trabalho, avaliação das chefias, avaliação das condições de trabalho e competências (clima, quantitativo, recursos, etc.).

Como avanços, podem ser destacados: planejamento das equipes; conhecimento das chefias; descoberta da realidade da UNIPAMPA; publicidade, transparência e controle social; conflitos revelados; possiblidade de análises descritivas; primeira investigação dos fatores influentes no desempenho e os desafios; qualificação dos planos (servidores e chefias); acompanhamento efetivo (sistemas, processos e hábito); critérios de avaliação (interface, visibilidade e melhorias); automação, digitalização integral (períodos, certificação, recursos); aproveitamento das informações para a melhoria das políticas de desenvolvimento de pessoas.

Conforme relato do palestrante Sr. Daniel Rodrigues Echevarria, mestre em Psicologia na Pró-reitoria de gestão de pessoas da UNIPAMPA:

Diferente do que vários órgãos participantes, inclusive outros setores da Unipampa, nosso convite se deu pela afinidade de nossas práticas com o tema da governança. No evento, o que foi destacado foi a forma como envolvemos todos no processo de governança e accountability, o aspecto da transparência de cada atividade individual e cada servidor envolvido, e o fato de no nosso caso as políticas terem sido integradas às próprias normas e regulamentos da instituição. Este processo já avançou significativamente, desde a apresentação, e hoje temos uma série de indicadores e diagnósticos para subsidiar as políticas de desenvolvimento de possoas. É importante que se diga, nossos processos de gestão de desempenho foram projetados para um contexto específico, de uma carreira, da educação, da Universidade, com um quadro altamente capacitado, numa instituição jovem e descentralizada, [...].

O Quadro 1, apresenta os casos analisados.

Quadro 1 - 1º Seminário sobre Governança, Gestão de Riscos e Compliance - Boas práticas no

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Estado do Rio Grande do Sul.

Fonte: Elaborado pela autora

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa buscou analisar como está sendo aplicada a Instrução Normativa (IN) Conjunta nº 01/2016, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP) e a Controladoria Geral da União (CGU), no âmbito dos órgãos públicos federais do Rio Grande do Sul. Optou-se por estudo de caso, através de uma pesquisa documental, onde foram analisadas as seguintes instituições públicas: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) na área de tecnologia da informação e na Pró-reitoria de gestão de pessoas que participaram do 1º Seminário sobre Governança, Gestão de Riscos e Compliance - Boas práticas no Estado do Rio Grande do Sul em 30/05/2017 em Porto Alegre/RS.

O primeiro objetivo específico do estudo foi identificar o que prevê a IN nº 01/2016 de 10 de julho de 2016. Apurou-se que ela parte do princípio de um alinhamento interno, para fortalecer a gestão estratégica, por meio da geração de informações e indicadores de riscos, assegurando a aderência regulatória e o auxílio à tomada de decisão, base para a governança eficaz. Além disso, ela busca o alinhamento externo, de forma a responder aos órgãos de controle sobre a necessidade de melhoria da gestão de riscos na governança do setor público, com a incorporação de boas práticas e privilegiando ações preventivas.

O segundo objetivo do estudo foi averiguar a aplicação atual nos órgãos públicos. Na ANVISA, o índice de riscos sanitários em portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados é obtido com o sistema integrado Sagarana, tratando-se de um projeto piloto, para padronizar processos de trabalho onde todas as fiscalizações são registradas em um software específico em consonância com o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) 2005. O projeto piloto contribui como ferramenta para o cumprimento da missão da ANVISA, de melhorar as condições de saúde da população, aprimorar o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, manter a gestão apoiada por indicadores

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e implementação de sala de situação em emergência de saúde pública.

Na UNIPAMPA, na gestão de TI, a metodologia de gestão de riscos segue as normas oriundas do Sistema de administração dos recursos de tecnologia da informação do poder executivo federal, com uma abordagem sistêmica para a gestão de riscos da Segurança da Informação e Comunicações (SIC), plenamente compatível com a INC CGU/MP nº 01/2016. Originalmente direcionada para a TI, a metodologia é adaptável e customizável, conforme as características e objetivos da organização.

Na UNIPAMPA, especificamente na Pró-reitoria de gestão de pessoas, o sistema de trabalho em uso não foi projetado deliberadamente para atender aos princípios da IN, pois o mesmo já vinha sendo desenvolvido e negociado com os órgãos internos da Instituição. Os sistemas informatizados vinham sendo iterados há algum tempo. Existe sincronicidade entre as práticas de gestão de desempenho atualmente utilizadas com as expostas no Capítulo IV da IN que trata da governança.

E, por fim, o terceiro e último objetivo específico foi relatar ações futuras de orientação e disseminação do conhecimento. Para alcançar os objetivos da ANVISA é importante que seus profissionais compreendam o funcionamento e utilizem todos os recursos oferecidos pelo sistema integrado Sagarana. Os postos de fiscalização têm metas definidas na forma de realização de inspeções e seus fiscais possuem diferentes formações, de forma a propiciar variações na percepção do risco sanitário e do processo de trabalho.

Na UNIPAMPA, gestão de TI, a metodologia de gestão de riscos sistematiza os processos e gera produtos durante a realização, criando a cultura de gestão de riscos, que depende do comprometimento dos envolvidos. A metodologia de gestão de riscos (MGR) do sistema de administração dos recursos de tecnologia da informação do poder executivo federal (SISP) é a metodologia utilizada atualmente e está de acordo com outros padrões e também atualizada após a IN nº 01/2016.

Ainda na UNIPAMPA, gestão de pessoas, as mudanças organizacionais são promovidas através da governança, os processos e políticas são moldados para favorecer os efeitos desejados. Foca-se na rede sistêmica que influencia o desempenho, ao invés de utilizar modelos tradicionais e esperar resultados inovadores. O oferecimento de um caminho possível aos servidores para engajar-se nesse processo é de vital importância.

Embora a presente pesquisa apresente contribuições no que se refere à aplicação da IN 01/2016, os resultados devem ser interpretados levando-se em consideração algumas limitações. A análise e implementação da gestão de riscos no setor público ainda está em fase inicial, essa prática ainda não está totalmente difundida apesar de o assunto ser antigo, não existe na maioria das instituições públicas a cultura da gestão de riscos e nem o alinhamento deste com os planos de desenvolvimento institucionais e nem a cultura de mapeamento de processos macros, devido a vários fatores, dentre eles a alta demanda de atividade das equipes e desconhecimento dos conceitos de gestão de riscos. Hoje existe um referencial que orienta e estrutura a gestão de riscos no setor público e que serve como base para a melhoria ou implementação de novas atividades.

Nesse sentido, esta pesquisa bibliográfica utilizou-se de sites oficiais e materiais disponibilizados pelo MP e CGU sobre o tema, devido à peculiaridade do assunto abordado. Desta forma, as boas

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práticas de gestão utilizadas nos casos analisados, considerando as especificidades de cada instituição, podem ser vistas como ações bem-sucedidas de gestões eficientes e eficazes. A perspectiva de mudança de um contexto vem da elaboração de modelos teóricos e sua consequente implementação prática, de forma a avaliar sua real viabilidade e quais os ajustes necessários para sua permanência. Assim, a inserção da gestão de risco dentre as atividades do setor público brasileiro é um processo lento, que enfrenta resistências, como questões culturais, estruturais e até mesmo orçamentárias. No entanto, é um processo que deve ser estimulado, pois dele depende a boa governança das instituições públicas através de mensurações e análises críticas e consequentes mudanças e melhorias na qualidade dos gastos públicos.

REFERÊNCIAS

ANEFAC – Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade. Compliance, Gestão de Riscos e Governança. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=e4nNhLFvWLE >. Acesso em: 02 mar. 2017.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 109

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110 GESTÃO DE RISCOS CORPORATIVOS, CONTROLES INTERNOS E GOVERNANÇA NO ÂMBITO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL

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112 A IMPORTÂNCIA DA CONFIANÇA NO RELACIONAMENTO PRÓXIMO ENTRE EMPRESA DO PEQUENO VAREJO ALIMENTÍCIO E O CONSUMIDOR LOCAL

A IMPORTÂNCIA DA CONFIANÇA NO RELACIONAMENTO PRÓXIMO ENTRE EMPRESA DO PEQUENO VAREJO ALIMENTÍCIO E O CONSUMIDOR

LOCAL

Alexandre Viegas da Silva1

Neuri A. Zanchet2

Vanice T. Gomes3

RESUMO

A importância do relacionamento e da confiança para a sobrevivência e o desenvolvimento das pequenas empresas do varejo alimentar no Brasil tem sido pouco estudada. Nessa perspectiva, buscou-se entender a importância da confiança no relacionamento entre pequena empresa do gênero alimentício e seus consumidores locais, para a realização das trocas comerciais e relacionais como fator de sobrevivência para a empresa. Para tanto, são utilizados dados secundários do varejo de alimentos do país e, como dados primários, estudo de casos múltiplos, de três pequenos mercados localizados no município de Esteio/RS. Entrevistas em profundidade foram realizadas com os proprietários e clientes, sendo a análise e interpretação de dados fundamentadas na análise de conteúdo. Os resultados obtidos demonstram a importância da confiança e seus atributos estabelecidos no relacionamento próximo entre proprietários e consumidores locais para a sobrevivência e desenvolvimento da pequena empresa do varejo de alimentos situada em bairros residenciais. Apontam que em pequenos varejos os negócios sofrem influência das relações sociais geradas entre proprietários e consumidores, motivando e justificando a decisão dos consumidores em frequentar e comprar nessas lojas locais.

PALAVRAS-CHAVE: Pequeno varejo alimentício. Confiança. Relacionamento.

ABSTRACT

The role of relationships and trust for the surviving and development of small food businesses in Brazil is poorly known. Hence, we aimed at understanding how important confidence between businesses and

1 Bacharel em Comunicação Social. MBA em Comportamento Organizacional e Marketing Estratégico. Mestre em Administração. Professor Universitário na área de empreendedorismo e inovação e gestão de pessoas. E-mail: [email protected]

2 Doutor em Desenvolvimento Regional. Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas. Bacharel em Administração. Especialização em Aprendizagem Cooperativa e Novas Tecnologias. Consultor organizacional e professor da Faculdade Luterana São Marcos, no curso de Administração. E-mail: [email protected]

3 Mestre em Desenvolvimento Regional. Bacharel em Administração de Empresas. Especialização em Administração de Marketing. Professora da Faculdade São Marcos, Alvorada. E-mail: [email protected]

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their consumers is for trade relations as a factor in the survival of the businesses. Thus, we used secondary data from food retail businesses in Brazil, besides a multiple case study of three small businesses located in Esteio/RS. In-depth interviews were conducted with owners and consumers. Data analysis and interpretation were based on content analysis. Results indicated the importance of trust and relationships between owners and consumers for the surviving and development of small food businesses located in residential areas. In small businesses, trade is affected by relationships between owners and consumers, motivating and justifying consumer decision related to visiting and shopping in such local businesses.

KEYWORDS: Small food businesses. Trust. Relationships.

INTRODUÇÃO

As pequenas empresas do varejo alimentício estão espalhadas por todo território nacional. De acordo com estudo divulgado pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (ABAD) e a empresa de pesquisa Nielsen, o pequeno varejo alimentar possui cerca de 470 mil pontos de vendas, em todas as regiões do país, englobando minimercados, mercearias, pequenos supermercados, empórios, padarias e bares (ABAD & NIELSEN, 2017).

Esse estudo destaca ainda que a ascensão econômica de famílias das classes C e D contribuíram significativamente para o fortalecimento das pequenas e médias empresas do segmento de alimentos no período entre 2002 e 2012. Mesmo com a recente crise do país onde uma parte significativa da classe C regrediu (3,3 milhões), entre 2015 e 2016, outras 4,3 milhões de pessoas passaram a integrá-la.

Apesar da retração da renda, as famílias brasileiras passam a retomar o equilíbrio financeiro, combinado com um cuidado maior com o orçamento e contenção de gastos. Os consumidores mudaram o hábito em relação às compras mensais, passaram a fazer compras semanalmente nos pequenos e médios varejos, perto de casa (GFK CUSTOM RESEARCH BRASIL, 2018).

O pequeno e o médio varejo são os que mais atendem os consumidores das classes C, D e E, cujo grande crescimento do poder de compra está mudando o perfil do consumo no país.

De acordo com o estudo realizado pelo IPC Mapas 2013, as famílias de Classe A são responsáveis por apenas 4,6% da população urbana e as classes B por 33,4%. As Classes C, D e E representam conjuntamente 62,0% das famílias urbanas no Brasil.

Corroborando com o estudo realizado pelo IPC Mapas, a ACNielsen (2010) mostra que as pequenas empresas do varejo de alimentos estão se beneficiando de vários fatores combinados. O primeiro deles é a ascensão social das classes de menor poder aquisitivo. O segundo é estabilização da inflação que fragmentou e diminuiu o volume das compras mais frequentes, pois os preços não mudam do dia para noite como no início dos anos 90 devido à hiperinflação. E, por último, o fato do envelhecimento da população que, geralmente por razões físicas e emocionais, está mudando seus hábitos como consumidores e optando por fazer suas compras em lojas menores

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e próximas de suas residências. Esse novo cenário que se configura nas pequenas empresas do varejo alimentar também tem influenciado as estratégias das grandes corporações. Como exemplo, pode-se citar inaugurações de lojas de menor porte localizadas em bairros residenciais pelo Grupo Pão de Açúcar e Walmart, na tentativa de disponibilizarem atributos oferecidos pelas pequenas empresas do varejo alimentício e aproximar o consumidor final do ponto de venda (RAMOS, 2008).

Parente et al (2007) relata que grandes empresas varejistas atuantes no Brasil já começaram a desenvolver formatos de dois supermercados específicos para atender o mercado de baixa renda, tais como Walmart (com o formato Walmart Todo Dia), Carrefour (Dia%) e Grupo Pão de Açúcar (CompreBem). O autor enfatiza a pluralidade das estratégias no setor, dentre as que destacam preços baixos, tendo em vista as limitações financeiras dos consumidores de menor poder aquisitivo e as que focam na oferta de benefícios como atendimento, ambiente agradável de loja e facilidade de crédito.

Com base nesse contexto, a presente pesquisa busca entender a importância da confiança no relacionamento entre pequena empresa do gênero alimentício e seus consumidores locais, para a realização das trocas comerciais e relacionais como fator de sobrevivência em relação aos concorrentes.

O estudo está organizado em cinco seções, sendo esta introdução a primeira delas. Na segunda seção, destaca-se o referencial teórico. Na sequência, a pesquisa apresenta e discute o método adotado, seguindo-se os principais resultados e sua discussão. Por fim, apresenta-se as considerações finais do estudo.

1. REFERENCIAL TEÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO DO VAREJO NO BRASIL

Para que se compreenda o cenário brasileiro atual do setor varejista, serve de ajuda um breve resgate histórico do seu surgimento. Para isso, propõe-se uma volta ao passado, iniciada no século XVI.

O desenvolvimento e a história do comércio estão intimamente ligados ao povoamento da terra (VAROTTO, 2006). Para Varotto (2006), o comércio no país nasceu com as formações populacionais que habitaram a costa litorânea para moradia, orientados para a exportação, tendo como principal mercadoria o açúcar. Desde o descobrimento do Brasil até os idos de 1850, o varejo era caracterizado pelo mascate (GIMPEL, 1980).

Por volta de 1840, no início do Segundo Reinado, nascem as primeiras casas comerciais. Varotto (2006) afirma que diversos comerciantes europeus se instalaram no Brasil, contribuindo para o surgimento de muitas lojas nas ruas próximas aos portos, devido à intensa movimentação de navios e mercadorias.

Em meados da década de 20, o processo de industrialização e o grande aumento da população contribuíram para a instalação das primeiras “feiras-livres” que tinham como objetivo vender

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gêneros alimentícios mais baratos (VAROTTO, 2006). Enquanto isso, os armazéns de secos e molhados e os vendedores ambulantes se proliferavam nos bairros. Até o final da Segunda Guerra mundial (1939-1945), o varejo de alimentos era composto basicamente por armazéns, empórios e mercearias no país. Varotto (2006) ressalta que as tradicionais cadernetas eram o principal modo de crédito desenvolvido por esse comércio.

Pelas afirmações de Sesso Filho (2003), o supermercado chegou ao país no decorrer da década de 50, proporcionando uma maior liberdade de escolha do consumidor devido ao autosserviço, mas foi somente na segunda metade dos anos 60 que esse negócio se tornou importante e aumentou sua participação no faturamento do varejo de alimentos. Para Sesso Filho (2003), no início da década de 70 os supermercados passaram a comercializar a maior parte dos produtos alimentícios consumidos pela população brasileira.

Beneficiados pelo chamado milagre econômico que o país estava vivendo na época, o setor supermercadista desenvolveu novos formatos de loja (VAROTTO, 2006). Nesse período surgem os primeiros hipermercados, com áreas superiores a três mil metros quadrados, oferecendo alimentos, roupas, artigos para presentes e eletrodomésticos para os consumidores, destaca o autor. Restaurantes, lanchonetes e estacionamentos amplos passaram a ser serviços ofertados pelos hipermercados. Em 1973, a empresa holandesa de atacado de autosserviço, o Makro, desembarca no país. Acompanhando essa tendência, o Carrefour instala-se em São Paulo em 1975.

“Durante a década de 1980, o setor supermercadista acompanhou a crise da economia brasileira devido a desestabilização política, voltando a apresentar altas taxas de crescimento na segunda metade dos anos 90” (SESSO FILHO, 2003, p. 01). Após a implantação do Plano Real em 1994, o país voltou a crescer. A moeda se estabilizou, acabando com a alta inflação nos produtos e alimentos, e esse novo contexto promoveu mudanças no consumo das famílias brasileiras, beneficiando diretamente os supermercados que retomaram o crescimento, aproveitando o novo cenário de mercado (SESSO FILHO, 2003).

Essa volta às origens do nascimento do varejo no Brasil demonstra que, desde a chegada dos primeiros colonizadores portugueses, a evolução do varejo brasileiro acompanhou as principais transformações sociais, políticas e econômicas do país.

De forma mais proeminente, o fez o setor supermercadista, que nos últimos 60 anos foi se adequando às transformações e ao perfil cultural da população brasileira, e que continua sendo um mercado atrativo a grandes grupos nacionais e internacionais. Com esse contexto sobre a evolução do setor varejista, faz-se necessário entender as definições acadêmicas existentes sobre o varejo que começaram a surgir nos anos 50 nos Estados Unidos (RICHTER, 1954).

1.2 DEFINIÇÕES DE VAREJO

Na busca por uma melhor definição para varejo, verificou-se uma pluralidade de conceitos. Sua base é a comercialização de produtos e serviços para os consumidores finais. Na década de 50, o americano Henry Richter, definiu o varejo como um processo que “compra produtos em quantidade relativamente grande dos produtores atacadistas e outros fornecedores e vende em

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quantidades menores ao consumidor final” (RICHTER, 1954, p. 53).

A Associação Americana de Marketing define o varejo como sendo uma “unidade de negócio que compra mercadorias de fabricantes, atacadistas e outros distribuidores e vende diretamente a consumidores finais e eventualmente a outros consumidores” (LAS CASAS, 1992, p. 17).

O varejo também pode ser entendido como um conjunto de atividades de negócios que adiciona valor aos produtos e serviços vendidos aos consumidores finais para seu uso pessoal e familiar (LEVY; WEITZ, 2000).

Uma das acepções mais abrangentes em relação ao varejo foi criada por Kotler (1998), nas quais afirma que o varejo inclui todas as atividades envolvidas na venda de bens ou serviços diretamente aos consumidores finais, para uso pessoal e não comercial. Qualquer empresa que utiliza essa forma de venda, seja ela fabricante, atacadista ou varejista, está praticando o varejo, não importando a maneira pela qual os produtos ou serviços são vendidos - pessoalmente, pelo correio, por telefone, por máquinas de vendas ou pela internet - ou onde eles são vendidos - em uma loja, na rua, na casa do consumidor.

Com base na convergência entre as definições apresentadas pelos autores, pode-se afirmar que o varejo tem como objetivo básico vender produtos e serviços para os consumidores finais, não importando a natureza da organização. Tendo o varejo o interesse de comercializar um conjunto tão diverso de bens e serviços, é de se esperar que se apresente em diferentes composições e formatos, especialmente no segmento varejista alimentício.

1.3 FORMATOS DE VAREJO DE ALIMENTOS

Moura, Silva e Batalha (2006) afirmam que os formatos de varejo mais importantes para distribuição de alimentos são: hipermercados, supermercados, lojas de especialidades ou especializadas (englobam açougues, padarias, varejões), mercearias (pequenas e médias empresas do varejo de alimentos que atuam em bairros) e feiras livres (local onde se comercializa produtos geralmente de primeira necessidade em locais e dias determinados).

Na definição de Moura, Silva e Batalha (2006, p. 2) os hiper/supermercados são “considerados varejos de auto-serviço, onde o próprio consumidor se serve, colocando os itens escolhidos em carinhos ou cestas para, ao final das compras, passarem no check-out e efetuarem o pagamento”.

O conceito específico de hipermercado chegou ao Brasil na década de 70, e é definido por Kotler (1998, p. 495) como grandes lojas que

variam de 24.000 a 67.000 metros quadrados e combinam os princípios do supermercado, das lojas de descontos e dos varejos de fábrica. Seu sortimento de produtos vai além de bens comprados rotineiramente, incluindo móveis, eletrodomésticos grandes e pequenos, itens de vestuário e muitos outros produtos.

De forma geral, essas grandes lojas costumam localizar-se em rodovias de acessos aos centros urbanos ou em grandes vias de circulação, nas maiores cidades, ofertando amplas áreas de estacionamento (BERNARDINHO et al., 2008).

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Com menor porte, os supermercados operam com custo baixo, pequena margem de lucro e elevado volume para atender às necessidades totais dos consumidores em termos de produtos alimentícios, produtos de limpeza e de uso doméstico (KOTLER, 1998).

Parente (2000) especifica, ainda, os chamados supermercados convencionais, como lojas de porte médio que comercializam especialmente produtos alimentícios e oferecem uma boa diversificação para seus consumidores. No país a grande maioria das redes de supermercados são classificados como convencionais, totalizando 3.000 unidades espalhadas no mercado brasileiro e representando ¼ do varejo de alimentos explica Parente (2000). De acordo com Bernardinho et al. (2008), os supermercados convencionais possuem uma área de 700 a 2.500m, comercializam aproximadamente 2.500 produtos, possuem de sete a 20 check-outs e podem ter lojas com perfis e características distintas dentro da mesma rede.

É nesse cenário, paralelamente às grandes lojas do segmento varejista de alimentos, que subsistem as pequenas empresas do varejo alimentício, localizadas geralmente em bairros residenciais. Segundo Gimpel (1980), essas pequenas lojas do varejo que comercializam alimentos são classificadas como lojas especializadas. Para Gimpel (1980, p. 22), essas empresas “são de pequeno porte, tanto no número de funcionários como em vendas e são dirigidas e operadas por famílias”.

Bernardinho et al. (2008) denominam as pequenas empresas alimentares como supermercados compactos. Para os autores, são lojas com uma área de 300 a 700 m2, operam no máximo com quatro mil produtos, geralmente possuem de dois a seis check-outs, oferecem produtos que atendem o dia-a-dia de seus consumidores, são administradas por famílias geralmente estão localizadas em bairros.

Ressalta-se, no entanto, que para se ter a classificação de mini-mercado, mercearia e supermercado de pequeno porte, a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) estipula um formato específico: possuir um check out, ter uma área de vendas entre 50 a 100 m2, comercializar no máximo 1.000 produtos, ter 3% do percentual das vendas em produtos não alimentícios e possuir como seções da loja mercearia, frios, lacticínios e bazar.

Apesar de supermercados, hipermercados, mercearias e supermercados de bairros possuírem características e estratégias distintas, essas empresas fazem parte da mesma cadeia de distribuição de gêneros alimentícios para os consumidores finais.

Todos os quatro principais formatos do varejo de alimentos, em suas atividades de vendas, criam determinados tipos de relacionamentos com os seus clientes, gerando relações sociais e níveis de confiança diferenciados. Especialmente nesse segmento, o pequeno varejo se diferencia das grandes redes através da intimidade maior que ele tem com seu cliente, oferecendo um serviço mais especializado e personalizado, pois conhece suas necessidades através da proximidade (KOTLER, 2001) e, com isso, estabelece relações de confiança, fortalecendo o relacionamento entre pequena empresa e cliente (GRANOVETTER, 1985).

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118 A IMPORTÂNCIA DA CONFIANÇA NO RELACIONAMENTO PRÓXIMO ENTRE EMPRESA DO PEQUENO VAREJO ALIMENTÍCIO E O CONSUMIDOR LOCAL

1.4 RELACIONAMENTO E CONFIANÇA

São ainda poucas as pesquisas científicas brasileiras que abordam a importância do relacionamento e da confiança para a sobrevivência e o desenvolvimento das pequenas empresas do varejo alimentar. Para a construção da base teórica deste estudo, teve-se como interesse abordar a dinâmica do relacionamento entre empresa e cliente e vendedor e cliente, no qual a confiança é o atributo essencial para o desenvolvimento do relacionamento. Nas pequenas empresas, o relacionamento está baseado nas relações sociais e nas relações de confiança estabelecida entre as partes envolvidas (GRANOVETTER, 1985).

Com base em estudos da Sociologia (GRANOVETTER, 1985; BOURDIEU, 1980; LYONS; MEHTA, 1997), pode-se dizer que, desde os primórdios da humanidade, o relacionamento é um dos elementos fundamentais para o desenvolvimento das sociedades. Em outras palavras, é um elemento inerente à condição humana e existe desde o aparecimento do ser humano no mundo; é a maneira pela qual as pessoas estabelecem relações sociais, e com isso trocam interesses, experiências, sentimentos, valores, culturas e informações.

Sheth e Parvatiyar (1995 apud FERREIRA, 2008, p. 17) e Grönroos (1999 apud FERREIRA, 2008, p. 17), afirmam que

o relacionamento no marketing nasceu com o comércio. Desde a época pré-industrial, o artesão vendia diretamente seu produto ao consumidor final, tendo assim a oportunidade de conhecer individualmente seus clientes e manter com eles um relacionamento próximo, conseguindo levá-los a fazer repetidas compras, alimentando a confiança estabelecida.

Fazendo uma analogia aos tempos atuais, ainda hoje o relacionamento entre empresa e cliente das pequenas organizações varejistas lembra a época pré-industrial, pois nesse tipo de negócio o atendimento é personalizado e permite a pequena empresa conhecer as particularidades de seus clientes no cotidiano (FURUTA; BARRIZZELLI, 2002). As estratégias de marketing de relacionamento estão emergindo dentro do contexto organizacional nas últimas décadas e suas ferramentas são amplamente utilizadas pelas grandes empresas, porém, nas pequenas organizações, o marketing de relacionamento é baseado na sua forma mais pura, ou seja, no contato relacional direto entre empresa e cliente (PACANHAN et al., 2004).

O relacionamento interpessoal é entendido como uma ligação afetiva, de amizade ou profissional, condicionada por uma série de atitudes recíprocas (FERREIRA, 1994). Certas habilidades relacionais e atitudes são necessárias para a construção do relacionamento, entre elas, destacam-se indivíduos com características afáveis, sagazes, simpáticos, sociáveis e até encantadores (FERREIRA, 2008).

Para Ferreira (2008), essas atitudes e habilidades relacionais são essenciais para a relação entre comprador e vendedor. De forma semelhante, esses elementos também podem ser aplicados nas pequenas empresas do varejo alimentício, pois geralmente os proprietários dessas lojas apresentam as mesmas habilidades relacionais no contato com seus clientes.

Ainda que a existência de habilidades e atitudes relacionais entre comprador e vendedor seja importante, o relacionamento interpessoal faz a diferença na condução do relacionamento (FERREIRA, 2008). Geiger e Turley (2003), afirmam que existem três tipos de relacionamento interpessoal entre vendedores e clientes: o primeiro seria o relacionamento baseado apenas em

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negócios, onde o vendedor foca-se somente nas vendas e não busca muita amizade e intimidade com o cliente; o segundo tipo, o cultivado, onde elementos relacionais e negociais são igualmente alimentados e estão no mesmo patamar; por fim, o relacionamento “sem manchas”, que se foca na manutenção do relacionamento e não venda. Esse tipo de relacionamento deve ser feito apenas por pessoas próximas e amigas, onde a preocupação está no investimento da relação.

A principal ponte que leva para construção e sustentação do relacionamento é a presença da confiança para o sucesso das trocas relacionais (MORGAN; HUNT, 1994). Isto porque o relacionamento baseado na confiança acaba reduzindo as incertezas do futuro e prevenindo contra o comportamento oportunista dos outros (LEWICKI; BUNKER, 1995).

No campo científico são encontradas inúmeras definições sobre o construto confiança provenientes de diversas áreas do conhecimento, tais como a economia, a psicologia, a sociologia e a administração (SINGH; SIRDESHMUKH, 2000).

A confiança é “um investimento que se realiza quando parceiros de interação têm interesses mútuos ou compatíveis, ao menos em alguma questão” (ZANINI, 2007, p. 41). Esses interesses podem estar relacionados a ganhos financeiros e de reputação ou serve de elemento para a manutenção do relacionamento estabelecido. Para Zanini (2007), a confiança também pode ser entendida como um conjunto de normas e regras, formais e informais, e de valores compartilhados, que governam as relações humanas.

Zucker (1986) conceitua confiança como um conjunto de expectativas compartilhadas por todas as partes envolvidas nas relações sociais. Para Hoffman (2002), a confiança é um estado relacional onde é possível prever as ações futuras daquele em que confiamos, estabelecendo assim o vínculo de confiabilidade entre os indivíduos envolvidos na relação. De acordo com Hoffman (2002), a confiança está ligada a uma atitude envolvendo a vontade de um indivíduo colocar seus interesses particulares sob o controle outra pessoa.

Morgan e Hunt (1994) afirmam que confiança é uma crença existente entre dois indivíduos no qual uma parte tem segurança quanto à confiabilidade e integridade da outra parte em uma determinada troca.

Ainda que com diversas definições, uma convergência é encontrada para o construto confiança, na definição consensual de Rousseau et al. (1998 apud REYES JUNIOR; BORGES; GONÇALO, 2008), aceita por diversas áreas do conhecimento: a confiança é um estado psicológico que compreende a intenção de aceitar certa vulnerabilidade baseado em expectativas positivas das intenções ou dos comportamentos dos outros.

Ao falar do relacionamento entre comprador e vendedor, Ganesan (1994) afirma que a confiança é um dos pontos chaves para a orientação de longo prazo do relacionamento. Ou seja, esse elemento é essencial para o desenvolvimento e manutenção do relacionamento.

Sennet (1999) argumenta que as experiências mais relevantes de confiança são aquelas derivadas dos relacionamentos informais entre os indivíduos. Fazendo uma analogia a pequena empresa do varejo alimentar pode-se afirmar que a ideia de Sennet (1999) aplica-se aos proprietários dessas lojas comerciais, pois os relacionamentos são construídos na informalidade (FURUTA;

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BARRIZZELLI, 2002) e, a partir da convivência a confiança vai se manifestando nas trocas relacionais, trazendo resultados interessantes para ambas as partes. Nas pequenas empresas, as trocas relacionais criam cadeias de relações sociais que permitem transmitir e disseminar a confiança (GRANOVETTER, 1985).

Nos estudos de Mayer, Davis e Schoorman (1995) a confiança entre os indivíduos só é possível se estiver associada à existência de alguns atributos identificados no outro. A habilidade, a benevolência e a integridade são apontados pelos autores como atributos que conferem a alguém o status de confiabilidade. A habilidade está relacionada ao domínio de um determinado conhecimento pelo indivíduo, ou seja, ela passa a se tornar influenciadora dos outros. Nesse processo, a benevolência está relacionada à postura de respeito e honestidade em relação ao parceiro relacional. E a integridade é demonstrada quando o individuo segue uma lógica de princípios.

Outros atributos essenciais apresentados para o desenvolvimento da confiança são destacados por Morgan e Hunt (1994), tais como a competência, a integridade, a honestidade e comprometimento, elementos-chave para os relacionamentos comerciais. A reciprocidade também é um elemento importante na construção da confiança, pois é gerada a partir de experiências positivas durante as interações dos indivíduos (TZAFRIR; HAREL, 2002).

Todos esses atributos são os elementos que compõe o desenvolvimento e a manutenção da confiança nos relacionamentos. Nos pequenos negócios, devido à proximidade dos proprietários no contato direto com os clientes no cotidiano, acaba criando-se atributos intangíveis para o florescimento da confiança, entre eles credibilidade e reciprocidade (RAMOS, 2008). Ramos (2008) ressalta que dificilmente as grandes redes conseguem reproduzir em suas lojas os mesmos atributos ligados a confiança que as pequenas empresas propagam para seus clientes, pois o convívio diário, a familiaridade e as afinidades desenvolvidas entre pequena empresa e cliente são únicas. Ou seja, os pequenos negócios locais oferecem atributos que não podem ser obtidos por grandes organizações (COWELL; GREEN, 1994).

Tanto em grandes empresas como nas pequenas, Barnes (2002) chama a atenção para o fato de que essas levam algum tempo para conquistar a confiança de seus clientes, pois isso só se manifesta depois de repetidos contatos e vínculos relacionais. O cliente deve sentir que pode confiar na empresa, que a organização é digna de confiança (BARNES, 2002) através do relacionamento estabelecido. O relacionamento baseado na confiança só é mantido se os atores perceberem vantagem ou benefício em atuarem continuamente umas com as outras (ZANINI, 2007). A ideia de Zanini (2007) aplica-se às pequenas empresas do varejo alimentício, porque a confiança é a base do relacionamento entre proprietários e clientes. Como ambos fazem negócios e têm interesse na relação, acabam criando laços de proximidade e desenvolvendo relações sociais (GRANOVETTER, 1985; RAMOS, 2008).

O referencial teórico apresentado nesse trabalho para análise do segmento varejista de alimentos buscou abordar a importância da confiança no relacionamento entre empresa e cliente onde, para isso, contextualizou e conceituou o varejo e seus formatos na área de alimentos e abordou os estudos sobre relacionamento e confiança, bem como os atributos que compõem a confiança no relacionamento entre os atores. O próximo capítulo apresenta a metodologia utilizada nessa

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pesquisa

2. MÉTODOLOGIA

A presente pesquisa é um estudo de caso com viés exploratório, porque busca entender a importância da confiança no relacionamento próximo entre pequena empresa do varejo alimentício e o consumidor local em Esteio/RS, utilizando-se de diferentes fontes de evidências. Com base nas especificidades da pesquisa realizada, na qual prevê resultados semelhantes entre os casos investigados (YIN, 2005), foi desenvolvido o estudo através da metodologia de casos múltiplos.

O estudo utilizou caráter qualitativo, entendendo que a interpretação de dados, na análise de conteúdo pode ser tanto quantitativa quanto qualitativa, dependendo do tipo de análise que se busca fazer na pesquisa (BARDIN, 1977). A construção da metodologia de pesquisa demandou as seguintes características essenciais: “(a) o ambiente natural com fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental; (b) o caráter descritivo; (c) o significado que as pessoas dão as coisas e à sua vida como preocupação do investigador; (d) o enfoque indutivo” (GODOY, 1995 apud RAMOS, 2008, p. 34).

Para a pesquisa foram investigadas três pequenas empresas de pequeno porte, localizadas em bairros residenciais na cidade de Esteio/RS. Foram escolhidas por serem próximas a grandes redes de supermercados, pertencerem ao segmento varejista do gênero de alimentos e possuírem características similares. Para a seleção dessas empresas foram avaliados os seguintes critérios:

1. desejo do proprietário em participar da pesquisa;

2. pertencer ao segmento varejista de alimentos;

3. localizar-se na cidade de Esteio/RS;

4. ter um período de atividade no mínimo de oito anos;

5. estar próximo geograficamente de um grande varejista de alimentos;

6. ter formato de minimercado, de acordo com à classificação da ABRAS (um check out; possuir entre 50 a 100 (m2) de área de vendas, comercializar no máximo 1.000 produtos, ter 3% de percentual de venda de produtos não alimentícios e possuir como seções da loja mercearia, frios laticínios e bazar).

As pequenas empresas que foram selecionadas apresentam as seguintes características:

1. os proprietários nasceram no interior ou suas famílias vieram do interior, transferindo-se para Esteio em busca de melhores condições de vida;

2. a origem dos negócios foi motivada pela necessidade do sustento familiar ou pela vocação empreendedora da família;

3. o nível de escolaridade de um proprietário é baixo - não completou o ensino fundamental. Os outros dois concluíram o ensino médio, sendo que um chegou a cursar nível superior, mas não concluiu;

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122 A IMPORTÂNCIA DA CONFIANÇA NO RELACIONAMENTO PRÓXIMO ENTRE EMPRESA DO PEQUENO VAREJO ALIMENTÍCIO E O CONSUMIDOR LOCAL

4. gestão exclusiva familiar, onde o casal e os filhos trabalham e contam no máximo com três funcionários;

5. gestão informal, na base da intuição e experiências cotidianas na condução do negócio ao longo dos anos;

6. oferecem produtos e serviços semelhantes, entre eles, a tradicional caderneta de crédito;

7. horários amplos de atendimentos. De segunda a sábado, 7h30 a 9h30 e nos domingos das 8h às 13h.

Para subsidiar e aprofundar a pesquisa foram selecionados três clientes, com idades entre 31 a 71 anos, de cada pequena empresa estudada no trabalho. Para a seleção dos clientes, foram analisados os seguintes critérios:

1. morar próximo ao mercado;

2. ter um relacionamento próximo ao proprietário;

3. ser cliente há mais de oito anos;

4. realizar compras freqüentemente;

5. confiar na pequena empresa;

6. usar ou ter usado, em algum momento, o crediário próprio da pequena empresa (caderneta);

Os diferentes procedimentos utilizados para a coleta de dados foram:

Coleta dados secundários: Pesquisa em sites, periódicos, base de dados e em revista especializada no segmento varejista de alimentos (Revista Vitrine do Varejo), artigos publicados sobre o varejo alimentício na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), livros especializados sobre o varejo, dissertações de mestrado na área de relacionamento com o cliente, além de artigos especializados de autores americanos. Também se buscou registros sobre tendências e vendas do varejo alimentar oriundos da consultoria especializada no varejo ACNielsen.

Coleta de dados Primários: Entrevistas - Essa fase de coleta seguiu os seguintes procedimentos:

1. apresentação da importância da pesquisa, método e tempo necessário para cada proprietário. Foi marcado um primeiro encontro pessoal na empresa para esclarecer algumas dúvidas ao potencial entrevistado. Depois disso, agendava-se um horário para a execução da entrevista. No total foram realizados três contatos com cada proprietário para o levantamento de dados;

2. na ocasião da coleta, houve a preocupação por parte do entrevistador em criar um clima favorável para o entrevistado ficar à vontade para responder livremente e à sua maneira as perguntas propostas no roteiro de entrevista. As entrevistas com os proprietários aconteceram dentro das empresas dos respectivos. Somente houve intervenções para ajudar o entrevistado a ampliar ou explicar melhor suas respostas, a fim de ajudá-lo a focalizar no conteúdo específico da entrevista. A duração das entrevistas com cada proprietário durou em torno de 2h, num total de 6h;

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 123

3. os clientes entrevistados foram selecionados por indicação do proprietário, considerando o tempo e o vínculo com o mercado. Os clientes foram entrevistados em suas residências. A duração das entrevistas com cada cliente durou em torno de 1h30min, num total de 13h30min;

4. todas as entrevistas foram gravadas com autorização prévia dos entrevistados e depois transcritas com fidelidade, respeitando os tópicos gerais de cientificidade como a validade e a confiabilidade. Também foram registradas imagens das pequenas empresas selecionadas, como evidências relevantes para a pesquisa;

5. as entrevistas com os proprietários e clientes foram realizadas no período de 01/05 a 15/05/10.

A análise e interpretação dos dados estão fundamentadas na análise de conteúdo qualitativa. A escolha dessa técnica se justifica, porque umas das características da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos e informações que estão por trás das palavras e busca interpretar outras realidades das mensagens (BARDIN, 1977). A Análise de Conteúdo foi utilizada para a análise e interpretação dos dados coletados dessa pesquisa. Durante a pesquisa, observaram-se as etapas de organização do material, de categorização e de inferência e interpretação, as quais foram aplicadas sobre os entrevistados durante a fase de coletas de dados no campo.

A etapa de organização do presente estudo compreendeu a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados, sendo que a pré-análise consistiu na escolha dos documentos que foram analisados para atender os objetivos propostos na pesquisa. A primeira etapa de análise contemplou as transcrições de todas as entrevistas que foram gravadas com o propósito de subsidiar a descrição dos dados para a análise.

Para a análise dessa pesquisa, foi escolhida a análise categorial, pois é a mais antiga e na prática a mais utilizada (BARDIN, 1977). Partindo dos conceitos sobre relacionamento e confiança entre empresa e clientes no referencial teórico, a análise tem como base as seguintes categorias:

1. perfil das empresas pesquisadas;

2. o relacionamento próximo entre pequena empresa e seus clientes locais;

3. a confiança e sua importância no relacionamento próximo entre pequena empresa do varejo e clientes locais para sua sobrevivência;

4. os atributos que estabelecem a confiança no relacionamento próximo entre pequena empresa do varejo e clientes locais. São eles: habilidade, benevolência, integridade, competência, honestidade e reciprocidade (MAYER; DAVIS; SCHOOMAN, 1995; MORGAN; HUNT, 1994; TZAFRIR; HAREL, 2002).

Outras características utilizadas para a análise e interpretação dos dados:

1. pesquisa de campo: ao longo das entrevistas com os entrevistados foi realizado registros das conversas informais e dos detalhes que se mostraram relevantes para a pesquisa;

2. produção da narrativa: a transcrição das falas dos proprietários e clientes serviram para o levantamento de evidências que auxiliaram na confirmação das suposições propostas na

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pesquisa. Foi feita uma análise global, priorizando as peculiaridades de cada entrevistado, com isso possibilitando uma análise de replicação dos casos.

A inferência, caracterizada como a indução a partir dos dados e fatos coletados será mostrada no próximo capítulo, onde são apresentados os resultados e a análise dos casos estudados.

3. RESULTADOS E ANÁLISE DOS CASOS

Essa seção tem como objetivo apresentar os dados obtidos nas diferentes etapas da pesquisa. Para isso, foram analisadas três pequenas empresas do varejo alimentício dentro do segmento varejista, considerando a importância da confiança e seus atributos no relacionamento próximo entre pequena empresa e consumidor local.

3.1. PERFIL DAS PEQUENAS EMPRESAS DO VAREJO ALIMENTÍCIO

As três empresas investigadas foram escolhidas por serem próximas a grandes redes de supermercados e possuírem características similares.

3.1.1. HISTÓRICO DA EMPRESA DO PRIMEIRO CASO ESTUDADO

O mercado estudado situa-se na cidade de Esteio. Antes de adquirir o pequeno mercado, o proprietário desempenhou outras atividades profissionais, entre elas, foi representante comercial por 20 anos de uma indústria do varejo. Sua primeira profissão foi de atendente no Grupo Zaffari. Experiência profissional que estimulou a ter seu próprio mercado.

“Sempre tive vontade de ter o meu próprio mercado. Era um sonho que carregava desde criança. E quando fui trabalhar no Zaffari por volta dos 20 anos de idade, esse sonho se tornou mais forte (PROPRIETÁRIO)”.

Nascido no interior do Estado, em Palmeiras das Missões, atuou na agricultura até os 18 anos com a família. Não concluiu o Ensino Fundamental.

Depois de atuar por 20 anos na área comercial atendendo pequenas empresas do varejo, decidiu que havia chegado o momento de montar seu próprio mercado. Fez uma pesquisa de campo e acabou comprando um ponto comercial em Esteio, onde atua há 10 anos.

Atualmente o estabelecimento é administrado pelo proprietário e sua esposa, juntamente com a filha que presta suporte em alguns momentos, pois tem emprego fixo em uma empresa. O estabelecimento também conta com o apoio de uma funcionária. A pequena empresa está registrada no nome da filha, que pretende um dia fazer a sucessão do pai no negócio. A maioria dos seus clientes são donas de casa e aposentados.

“Atendo clientes com cinco anos de idade até 84 anos. Mas as mulheres compram mais que os homens e os aposentados são frequentes aqui (PROPRIETÁRIO)”.

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3.1.1.1. A GESTÃO DO NEGÓCIO

O mercado é abastecido através de compras feitas com representantes comerciais de atacados. A padaria e o açougue são diferencias para os clientes, principalmente a padaria que é administrada pela esposa do proprietário e disponibiliza a venda de pães e cucas caseiras para seus clientes.

“Adoro os pães e as cucas deste mercado. Eles têm um sabor caseiro e são uma delícia. Não dá para resistir.” (CLIENTE)

O estabelecimento não oferece o serviço de tele entrega, com exceção dos clientes idosos, que algumas vezes realizam um volume de compra maior e daí o proprietário os auxilia até suas residências.

“São poucas vezes que tenho que ajudar a levar as mercadorias até a casa do cliente. Mas se for necessário eu levo, não posso deixar de prestar esse serviço, principalmente para os idosos.” (PROPRIETÁRIO)

Os pagamentos das compras podem ser efetuados através do cartão de crédito ou débito. Apenas são aceitos os cheques daqueles clientes especiais, onde há uma relação de maior confiança. Seu volume maior de venda está concentrado nas tradicionais cadernetas, onde os pagamentos ocorrem quinzenalmente ou mensalmente.

Para um cliente ter uma concessão de crédito são vendidos pequenos volumes de compras e depois, com a convivência no cotidiano, o cliente pode ir aumentando seu crédito. Outro fator, levado em consideração pelo proprietário para abrir um crediário próprio a um cliente, é necessário que ele tenha boas referências locais.

“Agente tem que conhecer pra quem está vendendo. Já perdi dinheiro por não conhecer direito o cliente. As referências são importantes porque diminuem as chances de você ter um cliente ruim. Tenho uma cliente que me pediu para abrir crédito para o seu genro. Ela compra de mim, desde o início, é uma pessoa séria, na mesma hora comecei a vender para seu genro. Sei que caso ele não pague, ela paga, pois confio nela.” (PROPRIETÁRIO).

O estabelecimento comercial disponibiliza produtos de higiene, limpeza, alimentos perecíveis, laticínios e hortifrutigranjeiros. Abrem todos os dias, no horário das 7h até o 12h15 e das 14h até 21h. No horário de verão, o atendimento para os clientes é esticado até às 22h.

3.1.2. HISTÓRICO DA EMPRESA DO SEGUNDO CASO ESTUDADO

O proprietário nasceu no interior de Montenegro, onde sua família dedicava-se à agricultura. Devido a vida que levava no campo, cursou até o ginásio, o que equivale atualmente ao Ensino Médio, mas não concluiu os estudos.

No ano de 1968, quando tinha 23 anos de idade, sua família mudou-se para a cidade de Esteio a convite de parentes para colocarem um armazém em sociedade, mas o negócio não deu certo. Dessa forma, seus pais abriram um comércio voltado para área de alimentos.

O pequeno proprietário trabalhou com a família por 14 anos. Em 1982, decidiu abrir seu próprio negócio, onde nasceu o Minimercado Sobradinho, que completou recentemente 28 anos de atuação

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126 A IMPORTÂNCIA DA CONFIANÇA NO RELACIONAMENTO PRÓXIMO ENTRE EMPRESA DO PEQUENO VAREJO ALIMENTÍCIO E O CONSUMIDOR LOCAL

no comércio em Esteio.

“Estou há 28 anos atuando no mesmo local. Acompanhei o desenvolvimento do bairro. Tenho atualmente 65 anos, já me aposentei, formei meus filhos e logo estarei encerrando minhas atividades no minimercado. Meus filhos não têm interesse em seguir neste ramo, provavelmente alugarei meu comércio para um sobrinho que está interessado e que já tem açougue.” (PROPRIETÁRIO)

O proprietário administra o minimercado com sua esposa que é professora aposentada do município e conta com o apoio de uma funcionária.

3.1.2.1. A GESTÃO DO NEGÓCIO

O minimercado especializou-se na área de bazar, pois percebeu que seus clientes estavam dispostos a comprar produtos desse segmento. Não deixou de ofertar os demais produtos como perecíveis e lacticínios. O abastecimento do minimercado ocorre através de compras feitas com representantes comerciais de diversos atacados.

“Como essa mudança para área do bazar, passei a oferecer somente produtos que atendem as necessidades dos clientes.” (PROPRIETÁRIO)

O estabelecimento não oferece serviço de tele entrega. Suas vendas giram em torno de 90% no dinheiro e 10% na caderneta. Atualmente somente os clientes mais antigos utilizam esse tipo de crédito. O minimercado não dispõe de máquinas de cartão de crédito ou débito.

“Há 20 anos minhas vendas giraram 90% na caderneta e 10% no dinheiro. Porém, os tempos foram mudando, alguns clientes mudaram suas residências para outras cidades, outros faleceram e alguns deixaram de pagar suas contas. Atualmente só compra na caderneta aqueles clientes que tenho confiança.” (PROPRIETÁRIO)

As donas de casa e os aposentados são os clientes que mais frequentam o minimercado no cotidiano.

“Quem mais frequenta o meu minimercado são as mulheres, algo em torno de 80%, incluindo as donas de casas e as senhoras da terceira idade.” (PROPRIETÁRIO)

O minimercado disponibiliza produtos de higiene, limpeza, alimentos perecíveis, laticínios e especializou-se em bazar. O horário de funcionamento do estabelecimento comercial é de segunda à sábado, das 8h até 12h e das 14h até 19h e não abre aos domingos. Pelo fato de estar quase encerrando suas atividades profissionais, optou por fazer um horário de funcionamento reduzido nos últimos anos, em relação aos concorrentes. Também preferiu não abrir o comércio aos domingos, para dedicar mais tempo à família.

3.1.3. HISTÓRICO DA EMPRESA DO TERCEIRO CASO ESTUDADO

O proprietário é natural de Boa Vista, interior de Garibaldi, na serra gaúcha. Seus pais e tios atuavam na área do varejo, pois suas atividades profissionais eram voltadas para o comércio e

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a agricultura.

Completou o Ensino Médio no interior e depois mudou-se com os pais para Esteio, onde abriram um mercado. Enquanto trabalhava no negócio da família, foi cursar Economia na faculdade, mas não concluiu o curso, pois escolheu abrir seu próprio mercado quando tinha 22 anos.

“Decidi deixar a faculdade, porque percebi que trabalhando por conta própria e tendo o meu próprio negócio, iria conseguir ter uma vida econômica melhor.” (PROPRIETÁRIO)

O Mercado é administrado pelo proprietário que conta com o apoio da cunhada, do filho e de mais quatro funcionários. Sua esposa dedica-se ao lar e a criação dos três filhos.

3.1.3.1. A GESTÃO DO NEGÓCIO

O mercado é abastecido duas vezes por semana por produtos hortifrutigranjeiros, considerando a qualidade exigida por seus clientes para os produtos adquiridos. O proprietário compra os produtos diretamente na Ceasa e depois revende para seus clientes.

“Os meus clientes são exigentes em relação às frutas, verduras e legumes. O meu preço é mais caro do que as fruteiras da região, porque trabalho somente com produtos classe A e os clientes exigem essa alta qualidade e pagam por isso.” (PROPRIETÁRIO)

Outro diferencial do mercado é o açougue, que oferece somente carnes e seus derivados de primeira linha. Também é oferecida uma linha de produtos coloniais que tem uma ótima aceitação pelos clientes.

“O diferencial do meu mercado são os produtos hortifrutigranjeiros e as carnes. Especializei-me nessa área. Minha clientela é formada pela classe média, tenho clientes exigentes que pagam mais pelos produtos. Tenho que oferecer os melhores produtos e o melhor atendimento personalizado.” (PROPRIETÁRIO)

As compras podem ser efetuadas através do cartão de crédito ou débito. Os cheques só são aceitos daqueles clientes que tem uma relação de proximidade e intimidade com o proprietário. A caderneta também é utilizada como forma de crédito, onde possui em torno de 80 clientes que compram diariamente utilizando esse tipo de crediário. Os tickets de alimentação e refeição também são aceitos para o pagamento das compras.

“Quando passei a oferecer as máquinas de cartão de crédito e débito para os clientes, o uso da caderneta acabou diminuindo, mas mesmo assim ela ainda é muito utilizada pelos meus clientes nos pequenos volumes de compras.” (PROPRIETÁRIO)

O estabelecimento comercial disponibiliza produtos de higiene, limpeza, alimentos perecíveis, laticínios e hortifrutigranjeiros. Abrem todos os dias, no horário das 8h até o 12h30 e das 15h30 até 21h. Nos domingos, o atendimento funciona das 8h até 13h.

3. 2. O RELACIONAMENTO PRÓXIMO ENTRE PEQUENA EMPRESA E SEUS CLIENTES LOCAIS

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O relacionamento interpessoal próximo - ou quase familiar - foi um dos aspectos intensamente ressaltados pelos entrevistados. Tantos proprietários quanto clientes destacaram a proximidade do relacionamento como a base da relação comercial, alimentando as trocas sociais e econômicas no cotidiano entre pequena empresa e cliente. A resposta de um proprietário contribui para mostrar a importância do relacionamento próximo entre pequena empresa e cliente:

“O meu relacionamento com todos os clientes é na base do carinho e da atenção. Trato eles como eu gostaria de ser tratado. Acredito que o segredo é manter sempre a simplicidade, informalidade e o respeito no tratamento com as pessoas. O relacionamento é a base dos negócios, sem ele não há como sobreviver nesse ramo, pois conheço o perfil dos meus clientes e estou próximo a eles.” (PROPRIETÁRIO)

Notou-se na fala do proprietário que os termos carinho e atenção aludem a uma ligação genuína na condução do relacionamento próximo com os clientes locais no cotidiano, esses elementos alimentam a relação estabelecida. Os outros dois proprietários entrevistados, com outras expressões, também se referiram sobre a relevância de dar atenção e dispor de um tratamento com os clientes na base do carinho na relação, ou seja, atender o consumidor com paixão, se diferenciado das grandes redes e fazendo ele se sentir especial.

As três pequenas empresas analisadas e localizadas em bairros residenciais consideram o relacionamento próximo como um diferencial competitivo para manter e atrair os clientes, pois as relações nesses ambientes propiciam uma maior proximidade com os consumidores locais e com isso, estimulam o contato pessoal e a identificação de afinidades sociais (RAMOS, 2008).

Um proprietário entrevistado afirma que a proximidade entre pequena empresa e cliente local é fundamental para o desenvolvimento do relacionamento entre as partes envolvidas ao dizer que devido ao contato próximo com o consumidor local, o relacionamento próximo oportuniza conhecer individualmente o perfil e as características dos clientes, atendendo assim as suas necessidades.

Essa fala do proprietário confirma o que Sheth e Parvatiyar (1995 apud FERREIRA, 2008) e Grönroos (1999 apud FERREIRA, 2008) afirmam ao dizer que desde a época pré-industrial o relacionamento direto com os consumidores oportunizava aos comerciantes locais conhecerem as necessidades dos clientes, mantendo um relacionamento próximo e levando-os a comprar novamente em seus estabelecimentos comerciais. A proximidade das pequenas empresas com os clientes permite aos proprietários conhecerem as particularidades de seus clientes no cotidiano e com isso, suprir suas lojas com produtos adequados ao seu público.

Os proprietários entrevistados demonstraram que, devido ao relacionamento próximo estabelecido com seus clientes, eles acabam adquirindo conhecimentos sobre seus gostos, preferências e estilo de vida, e isso é evidenciado pelo volume de informações que os mesmos geralmente dispõem da vida de cada cliente, por exemplo:

“Tenho um cliente que vende lances prontos no centro da cidade. Ele começou neste negócio com a esposa há poucos anos e estão indo bem. Ele compra de mim os produtos que precisa. Ele mora na casa da sogra que cedeu um espaço para ele fazer uma cozinha industrial [...].” (PROPRIETÁRIO)

Devido ao vínculo relacional desenvolvido com os proprietários, os clientes entrevistados

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explicaram que se sentem à vontade para expor e emitir opiniões e considerações sobre suas necessidades, e se gostam ou não de algum produto comprado no mercado, como afirma uma cliente entrevistada:

“[...] não gosto de comprar uma melancia ou um frango congelado inteiro. Moro somente eu e o meu marido. Se eu comprar um frango inteiro vai estragar na geladeira e não vou ficar feliz com isso. Um dia pedi para o dono do mercado vender somente a metade do frango e ele aceitou a minha sugestão e desde então, sempre compro a metade. Ele passou a fazer a mesma coisa com outros produtos, como melancia e abóbora.”

Percebeu-se também, pelas afirmações dos clientes entrevistados, que os mesmos possuem o hábito de passar no mercado para conversar com os proprietários sobre diversos assuntos e dos acontecimentos do bairro, principalmente os aposentados e as donas de casa que tem um tempo livre mais disponível em relação a população economicamente ativa. Por exemplo, o dono do mercado Rabaioli, relata esse comportamento de alguns de seus consumidores ao dizer que:

“Muitas vezes os clientes vêm bater um papo comigo e com meus funcionários e não desejam consumir produtos, mas geralmente compram algo, mesmo que o valor da venda seja baixo. Acho que isso demonstra que as pessoas gostam da gente e acreditam que podem confidenciar suas particularidades com agente.”

Outro proprietário entrevistado relata a história de um cliente aposentado que tem um vínculo relacional muito forte com ele:

“O seu Valdomiro José é um senhor de 74 anos, ele passa longas horas do dia comigo aqui no mercado. Ele toma o café e vem para cá, compra o jornal e fica conversando comigo e com os demais clientes. Todos estão acostumados com ele. Até acham estranho quando o seu Valdomiro não está por perto.”

O mesmo cliente relatado pelo proprietário anteriormente foi entrevistado e ratifica a fala do proprietário ao explicar que:

“[...] estou a aposentado há muitos anos, tenho bastante tempo livre, meus filhos não moram comigo, então vou para o mercado conversar com o proprietário e a sua esposa, assim converso com os clientes da vizinhança, pois conheço todos e assim vou levando a minha vida.”

Como base nas afirmações dos proprietários e cliente entrevistado se verifica que o pequeno mercado local acaba desempenhando um “papel de família” no bairro em que está inserido, já que preenche um vazio social, criando vínculos e desenvolvendo relacionamentos comerciais baseados na parceria e na solidificação das relações. Assim, a pequena empresa deixa de ser apenas um local de compra de produto e passa a se tornar um espaço social onde as pessoas se encontram e interagem. Esse foi um dos aspectos mais ressaltados pelos entrevistados, tanto os proprietários quanto os clientes consideram a familiaridade um elemento essencial para o relacionamento próximo, devido a confiança depositada, ambos acabam desenvolvendo relações parecidas com as relações familiares.

Além dos produtos de qualidade e do atendimento personalizado que os mercados locais oferecem para seus consumidores, os clientes entrevistados afirmaram que gostam de freqüentar o mercado local, porque consideram os proprietários atenciosos, simpáticos, afáveis, educados

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e queridos. A informalidade no tratamento é característica marcante e presença constante nas relações nessas lojas de vizinhança. A fala a seguir de uma cliente traduz esse conhecimento:

“Adoro o dono do Mercado Sobradinho. Ele é muito gentil, respeitoso, atencioso, querido e muito simples. Ele é gente igual a gente. Compro lá desde o primeiro dia que ele abriu o mercado. Não me imagino comprando em outro mercadinho. Ele é uma pessoa muito especial.”

A baixa escolarização, a trajetória profissional e a origem humilde são apontadas como fatores que podem influenciar o perfil comportamental dos proprietários desses pequenos mercados estudados na relação com os clientes, fator que contribui para a espontaneidade e disponibilidade nas relações sociais. Esses vínculos sociais são desenvolvidos naturalmente nesses ambientes, fato que contribui para a competitividade dessas empresas (RAMOS, 2008).

Na elocução da fala anterior da entrevistada e no que Ramos (2008) afirma, fica evidenciado que o relacionamento interpessoal próximo dos proprietários com os clientes é um fator chave para estabelecer o vínculo relacional, condição necessária para a construção e manutenção do relacionamento.

O tipo de relacionamento interpessoal próximo (GEIGER; TURLEY, 2003) mais praticado nas três empresas estudadas foi o relacionamento cultivado onde os proprietários e clientes tratam igualmente os elementos relacionais e negociais, estando no mesmo patamar. O relacionamento interpessoal “sem manchas” também é praticado em determinados momentos com os clientes, pois nem sempre o foco está na venda e sim na manutenção do relacionamento. A fala a seguir expressa esse tipo de relacionamento interpessoal:

“Às vezes é melhor eu ceder enquanto proprietário para não perder um cliente. Vou citar um exemplo. Outro dia um cliente havia falado que tinha pagado uma conta que me devia, mas na verdade ele não pagou, deve ter se enganado. Tentei explicar a situação, mas ele continuou falando que tinha pago, então deixei, ele é um ótimo cliente, gasta bastante no meu mercado.” (PROPRIETÁRIO)

Conforme as entrevistas realizadas com os proprietários e clientes, ficou demonstrado que o relacionamento próximo está ligado a vários elementos, pois a proximidade e a convivência cotidiana influenciam a continuidade dos contatos e o que possibilita a criação de laços de confiança entre pequena empresa e cliente, sendo fundamental para o desenvolvimento das relações sociais. É através do relacionamento próximo que a confiança se manifesta e faz com que essa relação se desenvolva e seja fortificada.

3.3. A CONFIANÇA E SUA IMPORTÂNCIA NO RELACIONAMENTO PRÓXIMO ENTRE PEQUENA EMPRESA DO VAREJO ALIMENTÍCIO E CLIENTES LOCAIS PARA SUA SOBREVIVÊNCIA

Nas verbalizações dos entrevistados a confiança foi a variável mais presente para a construção e sustentação do relacionamento próximo entre proprietários e clientes, sendo a base da durabilidade dessas relações sociais, como afirma uma das entrevistadas:

“[...] levo o cheque do meu irmão para trocar com o dono do mercado seguidamente e nem preciso colocar o meu nome atrás do cheque. Basta a minha palavra, pois compro lá há mais de 25 anos. Temos uma relação de confiança e ele sabe que não vou fazer bobagem para

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estragar a nossa relação de confiança adquirida ao longo dos anos [...].” (CLIENTE)

Esse depoimento da cliente confirma o que Lewicki e Bunker (1995) afirmam ao dizer que relacionamentos baseados na confiança podem reduzir as incertezas do futuro e prevenir contra atitudes oportunistas. Ou seja, a confiança estabelecida entre proprietário e cliente é um sentimento de certeza e de segurança de uma parte na integridade da outra, por exemplo:

“Tenho um cliente que, às vezes, me empresta dinheiro quando estou precisando, principalmente no final do mês. Quando ele precisa também empresto. Eu confio nele e ele em mim. Temos uma relação de amizade há dez anos. Ele vai ao centro pagar as minhas contas pessoais e ainda faz os serviços de banco, dou o meu cartão e a minha senha. Ele é como se fosse um pai para mim.” (PROPRIETÁRIO)

Uma cliente entrevistada ressalta o que Lewicki e Bunker (1995) defendem sobre a importância da confiança no relacionamento próximo ao relatar sua experiência vivida com o proprietário do Mercado Sobradinho:

“Esses tempos eu havia ficado sem dinheiro para pagar a minha conta de luz. Corri para falar com o dono do mercadinho que precisava de dinheiro emprestado para pagar minha luz, se não ficaria sem energia. Prontamente ele me emprestou o dinheiro e não precisei assinar nenhum papel como comprovante. Isso ocorreu porque temos um relacionamento gerado em torno da confiança e muita convivência nos últimos 28 anos.”

Todos os clientes entrevistados relataram que confiam nos proprietários devido ao relacionamento próximo estabelecido e afirmaram que acreditam que os proprietários confiam neles, pois a proximidade, a periodicidade das compras e a convivência alimentam a confiança no relacionamento. Outro fator comentado pelos clientes entrevistados que atribuem o status de confiabilidade aos proprietários é a relação agradável e próxima baseada na informalidade que os mesmos mantêm com os consumidores, escutando-os sempre que necessário e buscando atender suas necessidades. De acordo com Sennet (1999), essa relação baseada na informalidade citada pelos clientes entrevistados enriquece a confiança entre os indivíduos.

Corroborando com o que os clientes entrevistados falaram sobre a confiança que eles depositam nos proprietários, os pequenos empresários também afirmaram que confiam nos seus clientes, principalmente nos mais antigos que estabeleceram vínculos relacionais com o mercado ao longo dos anos, conforme afirma um proprietário entrevistado:

“Outro dia, uma cliente se esqueceu da carteira e por acaso eu estava no caixa. Ela compra de mim há mais de 12 anos, é uma senhora muito séria, disse para ela levar as mercadorias e me pagar em outro momento. Imagina se isso acontecesse num grande mercado, ela teria que deixar as mercadorias lá e ir embora, logo depois ela voltou e pagou a sua conta.”

Durante o desenvolvimento das entrevistas, ficou evidenciado que o uso da caderneta pelos clientes para o pagamento posterior é uma das questões mais importantes na relação entre proprietário e consumidor local, pois esse mecanismo de crédito fortifica a confiança, ficando o compromisso que as trocas relacionais e econômicas serão cumpridas por ambas as partes. Mesmos aqueles clientes entrevistados que não utilizam a caderneta como forma de crédito, relataram que sabem que se precisarem usar esse meio, o proprietário irá fornecer o crédito,

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pois tem ciência que existe uma relação de confiança na relação. A fala a seguir de uma cliente expressa esse conhecimento:

“Eu gosto de comprar no pequeno mercado. Eu não gosto de comprar em mercados grandes porque lá você é só mais um no meio de um monte de gente. No mercado pequeno se cria uma amizade muito importante e sou atendida diretamente pelos donos. Por exemplo, eu não utilizo a caderneta, mas sei que se precisar não teria problema, pois o dono me venderia tranquilamente e ele sabe que eu pagaria, isso se deve a confiança que ele tem em mim adquirida pelos anos que compro lá [...].”

Outro exemplo que demonstra a confiança dos consumidores e o laço estabelecido com os proprietários é o fato da indicação a outro consumidor para freqüentar o mercado local. Essas pequenas empresas devido ao estilo de gestão informal não têm condições de investirem em propaganda e divulgação de suas lojas, mas, em compensação, elas contam com a comunicação boca-a-boca que os clientes fazem para sua rede de contatos, pois confiam na pequena loja e sabem que vão atender as necessidades de seus conhecidos, amigos e parentes, como afirma uma cliente entrevistada:

“Eu também era comerciante. Tinha um açougue do outro lado da cidade, mas devido a alguns problemas particulares resolvi vender. Meus clientes ficaram em pânico, pois confiavam em mim e nos produtos que eu vendia. Então, como a minha irmã era cliente do Mercado Rabaioli há anos e sempre falou muito bem daquele local, passei a indicar esse mercado para os meus clientes na época. E ainda hoje muitos deles compram no mercado Rabaioli. Fiz isso porque sei que os meus antigos clientes seriam muito bem atendidos e o proprietário sempre demonstrou ser uma pessoa de confiança.”

Através dos relatos dos proprietários constatou-se que em pequenos ambientes varejistas, a confiança é o elemento chave para o sucesso do relacionamento próximo entre proprietários e clientes e vice-versa, pois existe uma proximidade e familiaridade entre as partes. Foram raros os casos citados pelos proprietários em que o elo de confiança foi quebrado por algum cliente e o mesmo ocorreu com os clientes entrevistados em relação aos proprietários, isso se deve pelo longo tempo que os consumidores frequentam essas lojas.

Nas verbalizações dos proprietários, ficou evidenciado que devido a convivência cotidiana e o contato direto com os consumidores, isso acaba fazendo com que a confiança vá sendo construída através de ações, gestos, postura, princípios e valores. Esses elementos vêm ao encontro com que Zanini (2007) explica ao dizer que a confiança pode ser entendida como um conjunto de regras e normas, formais e informais, e de valores compartilhados entre os indivíduos. As trocas relacionais nas pequenas organizações criam uma teia de relações sociais entre as partes envolvidas e permitem transmitir e disseminar a confiança (GRANOVETTER, 1985). A fala de um proprietário entrevistado contribui para entender como isso acontece:

“Tem clientes que compram há mais de 20 anos. É impossível você não criar laços de amizade e confiança com o passar dos anos. Eu e a minha família somos convidados para aniversários infantis, festas de casamentos e outras coisas no bairro. Isso demonstra que as os nossos clientes gostam e confiam na gente.”

Em todos os casos pesquisados, percebeu-se que a confiança no relacionamento próximo está caracterizada por alguns atributos que estabelecem a relação entre as partes envolvidas, entre

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eles, a honestidade, o comprometimento e a familiaridade relatados pelos entrevistados como atributos que compõe a confiança.

3.4. ATRIBUTOS QUE ESTABELECEM A CONFIANÇA NO RELACIONAMENTO PRÓXIMO ENTRE PEQUENA EMPRESA DO VAREJO ALIMENTÍCIO E CLIENTES LOCAIS

Habilidade, benevolência, integridade, competência, honestidade e reciprocidade (MAYER; DAVIS; SCHOOMAN, 1995; MORGAN; HUNT, 1994; TZAFRIR; HAREL, 2002) são atributos que os autores utilizados no referencial teórico desse trabalho consideram essenciais para estabelecer a confiança no relacionamento.

Isso pode ser verificado no decorrer das entrevistas. Os proprietários e clientes entrevistados relataram que só é possível estabelecer confiança num relacionamento próximo se alguns determinados atributos estiverem associados a confiança. Também notou-se que os atributos ligados a confiança vão surgindo no decorrer do relacionamento entre os indivíduos envolvidos, e os mesmos só se manifestam depois de repetidos contatos e vínculos relacionais (BARNES, 2002).

A benevolência, a integridade, a honestidade e a reciprocidade foram os atributos mais citados pelos entrevistados como elementos que caracterizam a relação de confiança entre proprietários e clientes, como confirma um dos clientes entrevistados:

“O seu Odilar, dono do mercado Rabaioli aqui perto de casa é uma pessoa muito integra e honesta, tem princípios, constituiu uma família bonita e sempre passou a imagem de uma pessoa confiável através de suas ações [...].”

A resposta de um proprietário entrevistado complementa o que o entrevistado anteriormente disse:

“É importante agente do comércio passar uma imagem de honestidade para os nossos clientes. Não adianta eu ser desonesto com eles, porque dependo deles e são sempre os mesmos que compram de mim. Sem falar que aqui no bairro quase todo mundo se conhece [...].”

Essas falas do cliente e do proprietário demonstram que para construir a confiança são necessários determinados atributos se estabelecerem no relacionamento próximo. Outro cliente relatou ter uma admiração por um determinado proprietário, pela forma recíproca que ele trata todos os consumidores e pela seriedade que ele representa. Esses elementos estão associados à benevolência que está relacionada à postura de respeito e honestidade em relação ao parceiro relacional.

Nem todos os atributos citados por Mayer, Davis e Schooman (1995), Morgan e Hunt (1994) e Tzafrir e Harel (2002) foram evidenciados pelos entrevistados diretamente, mas de certa forma percebeu-se que eles foram expressos nas entrevistas por outras afirmações, podendo-se inferir que eles são importantes para estabelecer a confiança no relacionamento próximo.

Outros atributos foram ressaltados pelos entrevistados como elementos necessários para a confiança surgir no relacionamento, entre eles, a familiaridade entre proprietários e clientes. A convivência cotidiana faz ambas as partes desenvolverem conhecimento sobre si, e constrói a

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solidariedade que é expressa em determinados momentos quando alguém necessita de algum tipo de ajuda. A resposta de um cliente entrevistado contribui para entender como isso acontece:

“Sou cliente do mercado Rabaioli, há mais de 20 anos, considero o dono, como se fosse da minha família, chego lá e me sinto como se estivesse em casa. Ele é uma pessoa muito especial, faz doações para a comunidade.”

Percebeu-se que essas pequenas empresas do varejo alimentício estudadas acabam tendo proximidade e contato direto com os clientes, fazendo com que se criem atributos intangíveis (RAMOS, 2008) para o desenvolvimento da confiança no relacionamento próximo entre os envolvidos. É importante ressaltar que os negócios locais desenvolvem esses atributos específicos que as grandes redes dificilmente conseguirão reproduzir, devido à proximidade direta com seus clientes locais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve por objetivo geral entender a importância da confiança no relacionamento entre pequena empresa do gênero alimentício e seus consumidores locais, para a realização das trocas comerciais e relacionais como fator de sobrevivência em relação aos concorrentes.

Utilizou-se como base de referência para análise desse estudo, três pequenas empresas do varejo alimentar, localizadas em bairros residenciais, na cidade de Esteio/RS.

Os resultados do estudo mostraram que a confiança e seus atributos na construção e desenvolvimento do relacionamento próximo, entre proprietários e clientes locais, no setor estudado, deu sinal de evidências que esses são elementos fundamentais para a sobrevivência e diferenciação das pequenas empresas em mercados globais. Ou seja, devido à expansão das grandes redes de super/hipermercados, ascensão econômica das famílias das classes C e D (CONVENIÊNCIA..., 2008) e a mudança do perfil do comportamento do consumidor em relação ao envelhecimento da população que está mudando seus hábitos de compras (ACNIELSEN, 2010), a confiança no relacionamento próximo é um fator motivacional para o uso do pequeno varejo alimentício atualmente, e isto contribui para a longevidade e lucratividade desses pequenos negócios. Nesse sentido, pode-se considerar o estudo da confiança, no relacionamento próximo entre proprietários e consumidores locais, uma das formas mais efetivas para manter, melhorar e aprimorar as relações sociais e, com isso, o desempenho comercial das pequenas empresas do varejo alimentar.

Pode-se dizer que as relações comerciais são caracterizadas por ligações fracas, definidas por laços superficiais ou casuais onde ocorre pouco investimento emocional entre os atores envolvidos. No entanto, nas empresas estudadas do pequeno varejo alimentício, demonstrou-se que há uma transformação desses laços fracos em fortes, pois as relações comerciais são realizadas por pessoas próximas que se conhecem (GRANOVETTER, 1973 apud CARVALHO, 2002) e estabelecem relações sociais favoráveis entre si, através de elementos como confiança, convivência, proximidade, intimidade e familiaridade.

Devido a essa transformação dos laços fracos em fortes no pequeno negócio, é possível afirmar

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que quanto mais fortes forem as relações sociais estabelecidas entre os proprietários e clientes locais, maior será a probabilidade de ocorrência de transações comerciais.

Merece ser ressaltado também que, essas pequenas empresas do varejo alimentício, devido à proximidade com seus clientes e os laços fortes estabelecidos entre as partes, acabam se tornando um veículo de comunicação local. Os proprietários emitem informações sobre os acontecimentos ocorridos no bairro e de âmbito nacional, tornando-se, de forma inconsciente, formadores locais de opiniões e, com isso, trocam informações comuns e propiciam as trocas relacionais. Tanto os proprietários quanto os clientes entrevistados afirmaram que esse fenômeno de transmissão de informações é comum nas relações cotidianas no pequeno comércio.

No decorrer da pesquisa, os clientes demonstraram ter conhecimento de que as pequenas empresas do gênero de alimentos não têm estrutura econômica para competir com preço em relação às grandes redes. Eles avaliaram que os preços estabelecidos pelos pequenos mercados estão de acordo com os super/hipermercados, ou seja, não há uma alta discrepância neste quesito.

Percebe-se, nos três casos estudados, que os clientes valorizam outros elementos em relação a preço nos pequenos mercados. Eles buscam produtos de qualidade, atendimento personalizado, formas de crédito próprio, atenção e, principalmente, interação social com os proprietários e os demais clientes que frequentam essas lojas. E é, a partir disso, que o relacionamento próximo se desenvolve e a confiança e seus atributos vão se manifestando nessas relações cotidianas.

A pesquisa possibilitou entender que a convivência e a praticidade oportunizada pelos pequenos mercados influenciam os clientes para a decisão do local de compra. Contudo, a interação social é determinante para a continuidade dos contatos e o desenvolvimento para um relacionamento duradouro (RAMOS, 2008).

Surgiram evidências nos resultados da pesquisa de que os clientes entrevistados frequentam as grandes lojas do varejo alimentício normalmente nos finais de semana, feriados e principalmente no início de cada mês, como forma de lazer e entretenimento para a família e por oportunizarem outros ambientes, como praça de alimentação e espaços para recreação infantis, além de terem interesse em alguma promoção exclusiva de um determinado produto. Em contrapartida, os pequenos mercados residenciais representam a opção para o consumo do dia-a-dia, como forma de suprimento para as pequenas emergências domésticas, e contabilizando um maior número de visitas.

Constatou-se que quem mais frequenta as pequenas lojas de bairro voltadas para a distribuição de alimentos são os idosos, donas-de-casa e, nos finais de tarde, os consumidores locais economicamente ativos, caracterizando o perfil dos clientes-alvo desses estabelecimentos comerciais. Principalmente a população idosa, por ter tempo disponível, é assídua nesse tipo de comércio e por razões físicas e emocionais preferem fazer suas compras em lojas próximas de suas residências, pois estabelecem uma ligação pessoal com os proprietários, favorecendo as trocas sociais.

Vale ressaltar a importância do método utilizado para a construção dos objetivos que permitiu, pela inferência (BARDIN, 1977), conhecer e interpretar o que está por trás das palavras e buscar outras realidades através das mensagens emitidas pelos entrevistados durante a coleta de dados

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de campo. Esse método propiciou analisar em profundidade as opiniões das pessoas, buscando compreender o que era dito nas entrelinhas.

A variável confiança e seus atributos como habilidade, benevolência, integridade, competência, honestidade e reciprocidade (MAYER; DAVIS; SCHOOMAN, 1995; MORGAN; HUNT, 1994; TZAFRIR; HAREL, 2002) e outros citados pelos entrevistados como, convivência, familiaridade e solidariedade são fatores chaves para o desenvolvimento e manutenção do relacionamento próximo e das parcerias comerciais que visam a interação social entre proprietários e clientes locais como um fator de sobrevivência e diferenciação dessas pequenas empresas. Os resultados da pesquisa confirmam que a confiança é importante e essencial no relacionamento próximo entre proprietários e clientes locais, servindo para solidificar e dar sustentação para as relações sociais estabelecidas.

A partir dos resultados e conclusões desse estudo, limitados aos casos e setor investigado, é possível aprofundar as relações de confiança no relacionamento próximo entre proprietários e clientes, principalmente buscando entender a relação dos idosos com as pequenas lojas de bairro. Finalmente, cabe ressaltar que este estudo não tem o propósito de ser definitivo e sim, contribuir com mais um passo para o entendimento do papel e importância da confiança entre pequenas empresas alimentícias de bairros e clientes locais no cenário econômico e social brasileiro, do segmento varejista de alimentos, visando a sobrevivência do pequeno negócio.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 139

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140 HARRY POTTER É ACUSADO.

HARRY POTTER É ACUSADO

Aline Vieira Malanovicz1

RESUMO:

O objetivo deste texto é puramente literário. Não é, e não se tem pretensões de que seja, um artigo acadêmico – ainda que tenha demandado considerável pesquisa em livros de Latim para o Direito. O texto apresenta uma breve cena de julgamento: o personagem principal sofre uma acusação, o acusador constrói sua argumentação de acusação, o acusado tenta construir sua própria defesa, e o juiz decide a questão. O resultado do processo... seria spoiler se eu contasse. O propósito deste texto é nada mais do que aprender se divertindo.

PALAVRAS-CHAVE: Direito, Literatura, Latim, julgamento.

ABSTRACT:

The purpose of this text is purely literary. It is not, and do not intended to be, an academic article - although it has required considerable research in Latin law books. The text presents a brief scene of judgment: the main character suffers an accusation, the accuser builds his accusation argument, the accused attempts to construct his own defense, and the judge decides the matter. The result of the process ... would be spoiler if I told it. The purpose of this text is nothing more than learning to have fun.

KEYWORDS: Law, Literature, Latin, Judgment.

INTRODUÇÃO

Este é um texto ficcional, escrito por uma acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco especialmente para esta Revista Atitude. O texto se organiza em forma de diálogo e dramatiza um julgamento. Quem é julgado? O título do texto já informa: é o personagem Harry Potter. Foi escolhido por ser mundialmente conhecido – devido às séries de livros e de filmes – e por ser notoriamente carismático, e ao mesmo tempo, um incorrigível causador de problemas. Os personagens do diálogo representam a Acusação, a Defesa e a Magistratura. Talvez seja fácil identificar quem é quem pelas próprias falas dos personagens. Mas os recursos tipográficos (itálico e negrito) são utilizados para auxiliar a leitura.

Ah, o texto é escrito em latim. Naturalmente. “Quidquid latine dictum sit, altum videtur.” Mas não se apavore. Você vai conseguir decifrá-lo. São utilizadas diversas expressões latinas de uso corrente no âmbito jurídico, especialmente brocardos e expressões do Direito Romano, nomes

1 Acadêmica do curso de Direito. E-mail: [email protected]

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 141

científicos de animais, e expressões usadas em orações e referências bíblicas ou cristãs/católicas. Também são mencionados – em “latinorum”, é claro – feitiços do mundo mágico literário criado pela talentosíssima autora J.K.Rowling. Para quem quiser confirmar seu entendimento, uma versão em português também é dada.

1. ACCUSATUS HARRY POTTER EST

- Dura lex sed lex. Ecce casum, ecce delictum, ecce homo.

- Harry Potter? Data venia, quod accusatio? Auctori incumbit onus probandi!

- Draco dormiens titilare! Habemus legem: “Draco dormiens NUNQUAM titilandus”.

- Et quod modus operandi? Flagrante delicto? (Conditio sine qua non!)

- Priori incantatum exemplia gratia: wingardium leviosa, petrificus totalus, oppugno,aquamenti, mobilicorpus, diffindo, confringo, reducto, bombarda, et caetera.

- Habemus testimonium oculatus? Habemus testimonium de visu et auditu?

- Habemus multis: Canis lupus familiaris, Felis catus, Amazona aestiva, Pantera onca,Leontopithecus rosalia, Drosophila melanogaster, et Aedes aegypti!

- Auctori: quod damnationem quaerere?

- Quaerere damnationem Incarcerous et Crucio in aeternum. Et Avada Kedavra!

- Protego! Finite incantatem! Audiatur et altera pars! Harry Potter, habet alibi?

- Habemus multis: centauri, diabretus, basiliscus, hipogrifus et caetera.

- Bona fide, pro rata, per capita?

- Bona fide, de facto, ab principia!

- Data venia, excelsus judex et arbitrum: quod opinione? Quod veredictum?

- A priori, ad cautelam, grosso modo, sed ne ex improviso, consultatur opera: PhilosophusLapis, Secretum Camera, Azkabanus Captivum, Ignis Calicem, Phoenixis Ordinem,Princeps Medium Sanguis, et Mortem Reliquia.

- Data venia, excelsus arbitrum, obsecro... Ipsis litteris apud opus citatum? “Lorem ipsumdolor sit amet...” - “Quidquid latine dictum sit, altum videtur.” :-}

- Ad hoc, ex oficio, voca auctoritate superiore, lato sensu et strictu sensu.

- Excelsus judex, quod auctoritate superiore?

- Summa auctoritate, de jure et de facto! Expecto patronum!

- Qui? Auctrix librorum!!! Summa Auctoritate!!!

- Vade mecum! “Ave J.K.Rowling, gratia plena, honoris causa; benedicta tu in auctoribus,et benedictus fructus caput tui, Harry Potter.”

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142 HARRY POTTER É ACUSADO.

- Annuntio vobis gaudium magnum: habemus arbitrium!

- Excelsus arbitrum, quod arbitrium? Avada Kedavra?

- In dubio pro reo. Habeas corpus, Ignosco tibi. In nomine mater J.K.Rowling et fili Harryet spiritu Fenix Fawkesum.

2. TRADUÇÃO: HARRY POTTER É ACUSADO

- A lei é dura, mas é a lei. Eis aqui o caso, eis aqui o delito, eis aqui o homem.

- Harry Potter? Com sua permissão, qual é a acusação? Cabe ao autor o ônus da prova!

- Cutucar um dragão adormecido! Nós temos uma lei: “NUNCA cutuque um dragão adormecido”.

- E qual o modo de operação? Flagrante delito? (Condição indispensável!)

- Por exemplo encantamentos anteriores: levitação de asa para o alto, petrificação total,ataque, conjuração de água, movimentação de corpos, separação, quebra em pedaços, reduçãoa pó, canhonaço, e assim por diante.

- Temos testemunhas oculares? Temos testemunho visual e auditivo?

- Temos muitos: cachorro, gato, papagaio, onça, mico-leão-dourado, mosca-das-frutas emosquito-da-dengue!

- Autor: qual punição queres?

- Quero a punição de Encarceramento e de Tortura eterna. E a Maldição da Morte!

- Proteção! Finalizar encantamento! A outra parte deve ser ouvida! Harry Potter, tensálibi?

- Temos muitos: centauros, diabretes, basiliscos, hipogrifos e assim por diante.

- De boa-fé, proporcionalmente, por cabeça?

- De boa-fé, de fato, desde o início!

- Com sua licença, excelente juiz e árbitro: qual a opinião? Qual o veredito?

- Antes de tudo, com cautela, mais ou menos, mas não de improviso, as obras devem serconsultadas: A Pedra Filosofal, A Câmara Secreta, O Prisioneiro de Azkaban, O Cálice deFogo, A Ordem da Fênix, O Príncipe Meio-sangue, e As Relíquias da Morte.

- Com sua licença, excelente árbitro, imploro... tal como está escrito conforme as obrascitadas? “Aquele que ama ou exerce ou deseja a dor...” – “Tudo que é dito em latim soaprofundo.” :-}

- Para este propósito, de ofício, convoco a autoridade superior, em sentido amplo e emsentido estrito.

- Excelente juiz, qual autoridade superior?

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 143

- A mais alta autoridade, de direito e de fato! Espero defensor!

- Quem? A autora dos livros!!! A mais alta autoridade!!!

- Venha comigo! “Salve, J.K.Rowling, cheia de graça, por uma causa de honra; bendita éstu entre os autores, e bendito é o fruto da tua cabeça, o Harry Potter.”

- Anuncio a vocês notícias de grande alegria: temos uma decisão.

- Excelente juiz, qual decisão? A Maldição da Morte?

- Na dúvida, favorece-se o acusado. Esteja em liberdade. Eu te perdôo. Em nome da mãeJ.K.Rowling, e do filho Harry, e do espírito da fênix Fawks.

3. TEXTO COMPARATIVO EM LATIM E PORTUGUÊS Accusatus Harry Potter est

- Dura lex sed lex. Ecce casum, ecce delictum,ecce homo.

- Harry Potter? Data venia, quod accusatio?Auctori incumbit onus probandi!

- Draco dormiens titilare! Habemus legem: “Dracodormiens NUNQUAM titilandus”.

- Et quod modus operandi? Flagrante delicto?(Conditio sine qua non!)

- Priori incantatum exemplia gratia: wingardiumleviosa, petrificus totalus, oppugno, aquamenti,mobilicorpus, diffindo, confringo, reducto, bombarda,et caetera.

-Habemus testimonium oculatus? Habemustestimonium de visu et auditu?

- Habemus multis: Canis lupus familiaris, Felis catus,Amazona aestiva, Pantera onca, Leontopithecusrosalia, Drosophila melanogaster, et Aedes aegypti!

- Auctori: quod damnationem quaerere?

- Quaerere damnationem Incarcerous et Crucio inaeternum. Et Avada Kedavra!

- Protego! Finite incantatem! Audiatur et alterapars! Harry Potter, habet alibi?

- Habemus multis: centauri, diabretus, basiliscus, hipogrifus et caetera.

Harry Potter é acusado

- A lei é dura, mas é a lei. Eis aqui o caso, eis aquio delito, eis aqui o homem.

- Harry Potter? Com sua permissão, qual é aacusação? Cabe ao autor o ônus da prova!

- Cutucar um dragão adormecido! Nós temos uma lei: “Um dragão adormecido NUNCA deve ser cutucado”.

- E qual o modo de operação? Flagrantedelito? (Condição indispensável!)

- Por exemplo encantamentos anteriores: levitaçãode asa para o alto, petrificação total, ataque,conjuração de água, movimentação de corpos,separação, quebra em pedaços, redução a pó,canhonaço, e assim por diante.

- Temos testemunhas oculares? Temos testemunhovisual e auditivo?

- Temos muitos: cachorro, gato, papagaio, onça, micoleão-dourado, mosca-das-frutas e mosquito-da-dengue!

- Autor: qual punição queres?

- Quero a punição de Encarceramento e de Torturaeterna. E a Maldição da Morte!

- Proteção! Finalizar encantamento! A outraparte deve ser ouvida! Harry Potter, tens álibi?

- Temos muitos: centauros, diabretes, basiliscos, hipogrifos e assim por diante.

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144 HARRY POTTER É ACUSADO.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A apreciação deste texto ficcional permite identificar a dinâmica e alguns dos movimentos do processo judicial, além de exemplificar critérios de julgamento e, de modo especial, neste caso, de perdão. Também apresentou diversos brocardos e máximas jurídicas de uso comum

- Bona fide, pro rata, per capita?

- Bona fide, de facto, ab principia!

- Data venia, excelsus judex et arbitrum: quodopinione? Quod veredictum?

- A priori, ad cautelam, grosso modo, sed ne eximproviso, consultatur opera: Philosophus Lapis,Secretum Camera, Azkabanus Captivum, IgnisCalicem, Phoenixis Ordinem, Princeps MediumSanguis, et Mortem Reliquia.

- Data venia, excelsus arbitrum, obsecro... Ipsis litteris apud opus citatum? “Lorem ipsum dolor sit amet...” - “Quidquid latine dictum sit, altum videtur.” :-}

- Ad hoc, ex oficio, voca auctoritate superiorelato sensu et strictu sensu.

- Excelsus judex, quod auctoritate superiore?

- Summa auctoritate, de jure et de facto! Expecto patronum!

- Qui? Auctrix librorum!!! Summa Auctoritate!!!

- Vade mecum! “Ave J.K.Rowling, gratia plena,honoris causa; benedicta tu in auctoribus, etbenedictus fructus caput tui, Harry Potter.”

- Annuntio vobis gaudium magnum: habemusarbitrium!

- Excelsus arbitrum, quod arbitrium? AvadaKedavra?

- In dubio pro reo. Habeas corpus, Ignosco tibiIn nomine mater J.K.Rowling et fili Harry etspiritu Fenix Fawkesum.

- De boa-fé, proporcionalmente, por cabeça?

- De boa-fé, de fato, desde o início!

- Com sua licença, excelente juiz e árbitro: qual aopinião? Qual o veredito?

- Antes de tudo, com cautela, mais ou menos,mas não de improviso, as obras devem serconsultadas: A Pedra Filosofal, A CâmaraSecreta, O Prisioneiro de Azkaban, O Cálicede Fogo, A Ordem da Fênix, O Príncipe Meiosangue, e As Relíquias da Morte.

- Com sua licença, excelente árbitro, imploro... tal como está escrito conforme as obras citadas? “Aquele que ama ou exerce ou deseja a dor...” “Tudo que é dito em latim soa profundo.” :-}

- Para este propósito, de ofício, convoco aautoridade superior em sentido amplo e emsentido estrito.

- Excelente juiz, qual autoridade superior?

- A mais alta autoridade, de direito e de fato! Espero defensor!

- Quem? A autora dos livros!!! A mais alta autoridade!!!

- Venha comigo! “Salve, J.K.Rowling, cheia degraça, por uma causa de honra; bendita éstu entre os autores, e bendito é o fruto da tuacabeça, o Harry Potter.”

− Anuncio a vocês notícias de grande alegria:temos uma decisão.

− Excelente juiz, qual decisão? A Maldição daMorte?

− Na dúvida, favorece-se o acusado. Esteja emliberdade. Eu te perdôo. Em nome da mãeJ.K.Rowling, e do filho Harry, e do espíritoda fênix Fawks.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 145

nos textos jurídicos. Vale mencionar que, para quem se dedicou à decifração do texto original, ele proporcionou a possibilidade de exercitar um pouco o (talvez já enferrujado) latim, aprendido talvez no “Clássico” do colégio ou nos estudos de Direito Romano. Mais do que tudo, a experiência lúdica do aprender-brincando, ou aprender-se-divertindo, é o que realmente caracteriza a potencial contribuição deste despretensioso texto.

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146 JOGOS VORAZES, MEDO E FASCÍNIO NA VIGILÂNCIA CONTEMPORÂNEA

JOGOS VORAZES, MEDO E FASCÍNIO NA VIGILÂNCIA CONTEMPORÂNEA

Aline Tusset De Rocco1

RESUMO:

O artigo aqui proposto visa, a partir do conceito foucaultiano de vigilância, tratar sobre aspectos de opressão, controle e dominação no contexto da saga Jogos Vorazes. Através deste conceito, relacionam-se outros pontos importantes para estudos desta área, como as instituições totais goffmanianas e a sociedade de controle deleuziana. Desta maneira, propõe-se uma breve análise da saga escrita por Suzanne Collins, levando-se em consideração seu contexto distópico e aspectos de conflito com o poder estatal.

PALAVRAS-CHAVE: Vigilância. Jogos Vorazes. Instituições totais.

ABSTRACT:

The proposed article aims, from Foucault’s concept of surveillance, handle on aspects of oppression , domination and control in the context of the saga Hunger Games. Through this concept, related to other important concepts for studies of this area, as Goffmanians total institutions and Deleuzian control society . Thus, we propose a brief analysis of the saga written by Suzanne Collins, taking into account their dystopic context as aspects of conflict with state power.

KEYWORDS: Surveillance. Hunger Games. Total institutions.

INTRODUÇÃO

Conforme afirma Ramos (2013) desde os anos 1950, após o fim da Segunda Guerra Mundial, surgem os estudos na área da vigilância, motivados pelo colonialismo e fascismo, assim como por comportamentos antidemocráticos e uma crescente consciência em relação aos direitos humanos. Também, com obras literárias como 1984 de Orwell (2005) e as novas tecnologia surgidas nesta década, cria-se um cenário propício a continuidade dos estudos com essa temática. Atualmente, com o surgimento das comunidades virtuais nascem maneiras de vigiar baseadas na exposição que cada indivíduo faz de sua vida privada onde cada um se submete a uma vigilância constante. Entretanto, a vigilância não é algo tão recente, desde tempos longínquos que as pessoas se

1 Bacharela em Design pela Universidade Feevale e Mestra em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: [email protected]

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 147

observam pelos mais diversos motivos, seja por zelo ao próximo, seja para controlar populações ou prisioneiros. Segundo Foucault (2003, p. 100) a origem da vigilância se dá na Inglaterra como modo de controle de grupos para escapar ao direito penal, e posteriormente ainda é acentuada e utilizada pelas classes sociais mais altas quando essas começam a acumular capital e percebem a necessidade de proteger seus bens materiais.

Nas décadas de 1960 e 1970 os estudos de Goffman (2001) e Foucault (2003) apontavam para o controle exercido por instituições, polarizando dois grupos, os dirigentes e os internados. Goffman evidenciou as relações assimétricas nos espaços de confinamento, enquanto Foucault advertiu para o poder de disciplinação do tempo e do corpo dos indivíduos. Aos olhos foucaultianos, a eficácia disciplinar se deve ao uso de instrumentos de vigilância e sanção normalizadora.

Assim, propõe-se neste artigo abordar conceitos centrais para o entendimento do controle e dominação nas instituições para, brevemente, compreender alguns aspectos apresentados na saga Jogos Vorazes. A aplicação das teorias aqui apresentadas se deve a uma óbvia presença de focos de poder soberano, assim como também de tecnologias de vigilância nos filmes estudados. Vale ressaltar que não tem-se como intuito descobrir os interesses do agente vigilante, nem seus motivos ou intenções, para isso seria necessário um outro tipo de estudo, com um foco diferente do abordado por Foucault (2003).

1. OS JOGOS VORAZES

A saga de filmes hollywoodianos Jogos Vorazes dirigida por Gary Ross e Francis Lawrence é composta por quatro filmes baseados no romance de Suzanne Collins, que mostram uma competição de vida ou morte a partir do ponto de vista da protagonista Katniss Everdeen (16 anos). As características dessa saga distópica são o caráter opressivo e de controle da sociedade, a privação da liberdade, e a vigilância absoluta e repressão.

No contexto, Katniss é uma jovem moradora do Distrito 12, um dos estados que sobrevivem a uma espécie de apocalipse ambiental. Panem é o país onde vive Katniss, possuindo 12 distritos, e a Capital que controla os demais. Cada distrito é responsável por uma atividade econômica do país, e como forma de celebrar a paz e recordar o risco da insurreição são promovidos todos os anos os jogos vorazes, de maneira a oprimir os distritos. Neles, um casal de jovens de cada distrito é sorteado para enfrentar um jogo de vida ou morte em uma arena televisionada para todo o país, lutando até que haja apenas um indivíduo vivo. Os distritos aceitam os jogos pois recebem provisões maiores caso o vencedor seja um morador do local. Assim, a Capital reforça seu domínio sobre a vida dos moradores dos distritos de modo efetivo e violento.

Conforme Da Silva Cordeiro, Goes e Nogueira (2016) a prática dos jogos vorazes remete à Roma antiga, onde mantinha-se a população entretida com espetáculos sangrentos no Coliseu, enquanto esmolas de comida eram oferecidas ao povo. Daí a expressão “Pão e Circo”, que é a origem do nome “Panem” ou pão, como é chamado o país fictício de Collins. Ao mesmo tempo que a saga trata do conceito de “panem et circenses” também traça um paralelo com os reality shows contemporâneos. Os jogos são transmitidos como reality shows para toda população, fazendo alusão não só a programas como Big Brother, mas ao próprio Orwell e o seu grande irmão que

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148 JOGOS VORAZES, MEDO E FASCÍNIO NA VIGILÂNCIA CONTEMPORÂNEA

acompanha todos os movimentos dos cidadãos.

Em suma, a história conta o drama de Katniss que ao ver sua irmã mais nova ser sorteada para os jogos vorazes se voluntaria para ir em seu lugar. Com suas habilidades de caça com arco e flecha e a parceria com Peeta (outro jovem do mesmo distrito a ser convocado para os jogos) sobrevive e vence, junto com o jovem, aos jogos. Após os jogos, Katniss percebe que estes nunca terminam de verdade e que o jogo político se segue. O seu ato de rebeldia ao final dos jogos, ao tentar suicídio com seu parceiro, a transforma na esperança dos rebeldes em derrotar Snow (o presidente de Panem). Assim, a saga narra o esforço de Katniss de encontrar seu lugar, tomar consciência do mundo e dos acontecimentos a sua volta.

De acordo com Strehl (2014), o uso de vorazes para nomear os jogos é uma lembrança da fome imposta a massa servil, além disso, a escolha dos tributos (como são chamados os jovens dos distritos) também são um meio de humilhar a população dos distritos que precisa doar seus filhos para o entretenimento da Capital. Ainda segundo o autor, os jogos se baseiam na oposição entre luta e submissão, uma expressão política de poder denominada por Foucault (2010) como guerra-repressão. Este poder faria reinar uma suposta paz na sociedade, não para suspender os efeitos da guerra, mas para neutralizar o desequilíbrio na batalha final. Deste modo, o poder político (FOUCAULT, 2010, p. 15) teria como função perpetuar a relação de força de uma guerra silenciosa.

2. INSTITUIÇÕES E VIGILÂNCIA NOS JOGOS VORAZES

Para dar início a este estudo, propõe-se um apanhado sobre conceitos como vigilância (FOUCAULT, 2003) e instituições totais (GOFFMAN, 2001) assim como estudos que se relacionam a estas abordagens.

As instituições totais, conforme a ideia de Goffman (2001), possuem uma tendência de fechamento e se tornam totais quando criam barreiras entre o indivíduo e o mundo externo. O institucionalizado realiza suas atividades diárias dentro desta instituição, onde as esferas da vida como dormir, brincar e trabalhar ocorrem em um mesmo lugar com as mesmas pessoas. As atividades são rigorosamente estabelecidas em horários, e lhes é imposto também um sistema de regras vindo do grupo supervisor. A divisão nas instituições totais costuma ser em dois grupos: os internos e o grupo que supervisiona. A ideia de tratar o filme Jogos Vorazes em sua trilogia através do conceito goffmaniano se deve a reclusão imposta aos distritos. Os indivíduos nascidos nos distritos não tem permissão para sair dos mesmos, muito menos conhecer os demais distritos. Assim, podemos traçar um paralelo entre os distritos de Panem e as instituições totais de Goffman, já que estes se comportam como uma instituição onde os indivíduos não têm permissão para sair ou entrar, sendo constantemente vigiados e incorporados a uma vida onde não há liberdade, nem meios de fugir às regras impostas pela Capital. Ainda, podemos traçar a ideia de dois grupos distintos que é apresentada nas instituições totais, pensando na relação entre indivíduos nascidos nos distritos, que seriam os internos, e os Pacificadores, uma espécie de soldados da Capital que atuam como o grupo dirigente, fazendo valer as regras e normas.

Nas instituições totais goffmanianas o indivíduo perde a sua individualidade, sendo despido da

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 149

sua aparência usual, e são profanadas as encarnações do seu eu. Ainda, nestes locais é necessário um constante esforço para manter-se longe de problemas e dentro das regras, além de que estes ambientes acabam quase que totalmente com a autonomia do indivíduo. Na trilogia aqui estudada vemos claramente a importância das vestimentas e da moda como meio de comunicação e instrumento de individualização de identidades. Enquanto nos distritos os indivíduos apenas usam roupas simples, de cores neutras e cortes básicos, na Capital os indivíduos se vestem com roupas extravagantes, cores vibrantes e, inclusive, ostentam cabelos coloridos e rostos maquiados. Assim, a massa é desprovida de valor simbólico do luxo através das vestimentas, representando a sua condição de pobreza e de homogeneidade.

Além do exposto, nas instituições totais, assim como são punidos os que descumprem as regras, também recebem privilégios os que são obedientes ao grupo dirigente. Percebemos este aspecto institucional nos filmes desta saga quando é deixado claro que alguns distritos treinam e estimulam os jovens a participar dos jogos como meio de receber mais provisões mensais, ou seja, mais comida para a sua população faminta.

Ainda dentro do conceito de instituições totais, podemos frisar o comportamento e táticas de sobrevivência utilizados dentro destes locais. (GOFFMAN, 2001, p. 59-61). De acordo com o autor, alguns dos comportamentos apresentados pelos internados nas instituições são: primeiro, o afastamento da situação; segundo, a intransigência e não cooperação com a instituição; em seguida a colonização; depois a conversão e representação do papel de internado perfeito; e ainda a viração que combina várias das táticas citadas, e a imunização onde a instituição deixa de ser novidade. Neste ponto, percebemos o comportamento da protagonista, Katniss, como um comportamento típico de um interno. No início, quando decide participar dos jogos no lugar de sua irmã, a protagonista se mostra distante, sem compreender o que está de fato acontecendo. Em determinado ponto do treinamento para os jogos, Katniss, para ganhar a atenção dos organizadores, atira uma de suas flechas em direção aos mesmos, mostrando o que seria depois a sua não cooperação com os jogos vorazes. Em diversos momentos a protagonista se recusa a fazer o que as regras impõem. Um exemplo se expressa ao final do primeiro filme, quando Katniss resolve cometer suicídio junto com Peeta, seu companheiro de distrito, e assim, obriga aos idealizadores permitirem dois vencedores nesta edição. Ela também, em frente as câmeras, interpreta a campeã perfeita, engraçada e bonita, de modo representar o campeão colonizado e encantado com as belezas da Capital.

Dando sequência ao pensamento proposto, trataremos sobre o conceito de sociedade disciplinar de Foucault (2003) que se conecta com o pensamento goffmaniano das instituições totais já que também repensa o contexto contemporâneo da vigilância e dominação. Enquanto Goffman (2001)pensa sobre as instituições, Foucault (2003) percebe as disciplinações sobre os corpos.

Para contextualizar o pensamento de Foucault (2003) irei retomar as ideias do autor através do momento histórico trazido pelo mesmo. No final do século XVIII e início do século XIX ocorreram dois fatos contraditórios, a reforma e a reorganização do sistema judiciário e penal na Europa e no mundo. A partir desta nova organização judiciária e penal, os crimes deixam de ter relação com a falta de moral e religiosa e passam somente a refletir a ruptura com a lei civil, o incômodo social. Logo, a lei penal passa a buscar a reparação social pelo mal cometido, sendo através

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150 JOGOS VORAZES, MEDO E FASCÍNIO NA VIGILÂNCIA CONTEMPORÂNEA

de: punições por afirmações, impondo o exílio do indivíduo; punição por exclusão, através da humilhação pública; e a punição que prevê reparação social, onde o indivíduo deve encontrar um meio de compensar o dano causado.

Em torno do ano de 1820, as penalidades sociais apresentaram uma grande mudança em relação ao projeto de Beccaria, Bentham e outros, apresentado acima. É assim que surgem as prisões: sem justificativa teórica, desviando-se da ideia de uma suposta “utilidade social” da punição. Logo, a partir do século XIX, segundo Foucault (2003) toda penalidade passa a ser controle. E assim que, conforme o autor, surge a sociedade disciplinar como a sociedade contemporânea.

Partindo do pensamento do autor, a penalidade imposta após o século XIX passa a ser o controle, relacionando-se mais com o que os indivíduos podem vir a fazer, do que se o que fizeram até então está em conformidade com a lei. Com a dificuldade do judiciário em manter um controle penal, nascem as instituições com potencial de correção (também chamadas de instituições totais no conceito de Goffman abordado anteriormente). Esta idade também é chamada de ortopedia social na teoria foucaultiana, se caracterizando pelo grande controle social.

Na ortopedia social, surge também o que Foucault (2003) chama de panóptico, termo cunhado por Bentham. O panóptico é caracterizado pela vigilância permanente, sendo relacionado à construções arquitetônicas com uma torre central que possibilita que poucos indivíduos vigiem muitos. O panóptico pode ser visto em diversas instituições totais contemporâneas, como em penitenciárias, escolas internas e outros; mas também pode ser percebido em uma releitura, como no caso dos reality shows onde milhares de pessoas assistem e vigiam um número reduzido da população. Assim, vale ressaltar que a questão da vigilância também incorpora a relação entre público e privado, distorcendo o que é íntimo através de um constante olhar disciplinador de modo que o indivíduo interiorize as normas e crie um corpo dócil.

Ainda, segundo Ramos (2013), a teoria do poder de Foucault (1977) está intimamente ligada com a ideia de vigilância. Neste ponto de vista, o conhecimento alimenta o poder, que empodera um “agente” que está em posição central da vigilância. O autor observa que o poder está diretamente ligado à uma ação verbal que o justifica, e o mantém sob a vigilância em continuidade dessa mesma ação. Para Foucault, distinguem-se duas formas de poder: o poder da soberania, e o poder disciplinar. Enquanto o poder da soberania é pré-moderno e baseado na visibilidade do soberano e no castigo como forma de manter-se o controle; o poder disciplinar baseia-se na vigilância contínua de modo a moldar o comportamento social. Logo, ao pensarmos sobre o filme Jogos Vorazes e aspectos contemporâneos da vigilância conforme Foucault (2003), percebemos o poder disciplinar demonstrado através da vigilância absoluta do Estado (representado pelo presidente Snow) sob os demais indivíduos desta sociedade distópica. A vigilância apresentada em Jogos Vorazes se mostra como um meio de inibir e moldar o comportamento social. Podemos ver um exemplo deste ponto levantado nas cenas do primeiro filme, quando Katniss é uma das únicas pessoas a caçar em uma área não permitida pelo governo. Apesar da fome constante imposta ao Distrito 12, onde a protagonista vive, ela é um dos poucos indivíduos que ousa quebrar as regras e confrontar o sistema. A maioria nesta sociedade está moldada pelo vigilância, o que a faz preferir passar fome do que subverter as regras.

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Quanto ao termo vigilância, este foi inicialmente utilizado por Foucault (1977) como maneira de caracterizar uma atividade em seu modelo proposto de sociedade disciplinar. A vigilância seria um modo de buscar a docilização dos corpos através do enclausuramento e do senso de auto vigilância, criado a partir da ideia do panóptico.

Nos filmes Jogos Vorazes, os aspectos da vigilância são abordados de diversas maneiras. A vigilância acontece dentro dos jogos, com câmeras em toda arena de modo que os indivíduos de Panem possam assistir à barbárie ao vivo. Também são vigiados os distritos, câmeras são utilizadas nas ruas de modo que Snow, o presidente de Panem, possa vigiar a todos os moradores do território. Assim, a vigilância aqui também é utilizada como meio de disciplinar a população, já que qualquer quebra de regra ou norma poderá ser vista e punida pelo Estado.

Seguindo este pensamento sobre vigilância, percebe-se também que o poder para Foucault (2003) não se concentra em apenas um ponto, sendo necessária a análise dos diversos pontos de poder. Desta maneira, o poder estaria em uma espécie de dinâmica circular, passando de posição para posição. Ainda, o autor adverte para a tendência de hierarquizar o poder, e de pensá-lo atrelado apenas às classes dominantes. Dito isto, percebe-se que em relações de poder foucaultianas sempre há um proporcional de contra-poder, sendo mais efetivo conforme se concentra nas técnicas de poder, e não no poder em si. Mais do que o controle sobre o corpo, a sociedade disciplinar trata também do controle sobre o dinheiro, e sobre o saber do indivíduo. Em Jogos Vorazes, Katniss tenta combater o poder em si, a protagonista acha que ao matar Snow traria a democracia ao Estado, e reestabeleceria uma vida mais digna ao povo. Entretanto, a jovem não percebe que ao combater o poder, e não suas técnicas como a vigilância, acaba por se aliar a Coin, líder dos rebeldes, que ao ganhar a guerra propõe a volta dos jogos e a continuidade da vigilância e violência antes imposta aos distritos, e agora imposta aos moradores da Capital.

Para Fuchs (2011) o Estado faz uso da vigilância tanto para organização, como também como forma de controle. As empresas também utilizariam a vigilância como meio de controle, não mais de modo cara a cara como antes, mas através de novas tecnologias. Em conceitos de vigilância como de Foucault, esta seria ligada diretamente a propósitos de dominação e coerção, sendo além de disciplinadora também classificatória (FUCHS, 2011).

A vigilância do panóptico secretamente guarda “um conhecimento sobre o homem” (Foucault, 1977: 171), conhecimento sobre “se o indivíduo” está “se comportando como deve, de acordo com as regras ou não” (Foucault, 1994: 59). É “permanente, exaustiva, onipresente” (Foucault, 1977: 214). A vigilância está baseada num “princípio de visibilidade compulsória” que é exercitada através da invisibilidade do poder disciplinar (p. 187), ele “precisa ver sem ser visto” (p. 171), é “capaz de fazer tudo ficar visível, com tanto que possa ele mesmo ficar invisível” (p. 214), é um “sistema de registro permanente” (p. 196) no qual “todos os eventos são gravados” (p. 197), uma “máquina para desassociar o par ver/ser visto” (p. 202), “vê-se tudo, sem nunca ser visto” (p. 202). “Ele é visto, mas não vê; ele é objeto de informação, nunca um sujeito em comunicação” (p. 200). “Nós vivemos numa sociedade em que o panoticismo reina” (Foucault, 1994: 58). Para Foucault, a vigilância é inerentemente coercitiva e dominadora - a negatividade é a pura imanência da vigilância (FUCHS, 2011).

Alguns autores se utilizam da ideia de panóptico de Foucault para tratar da sociedade contemporânea. Gordon (1987) aborda o panóptico eletrônico, Poster (1990) constitui a ideia de um “superpanóptico” como sistema de vigilância sem guardas, e ainda temos Bauman (1999),

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que aborda o panóptico digital. Dentre estes, podemos frisar o conceito de Bauman (1999) que diferencia o panoptismo do panóptico digital da contemporaneidade por ser este último um instrumento de vigilância em que os indivíduos voluntariamente fornecem as informações. Para Bauman, o panóptico marcou a passagem para a sociedade disciplinar, passando da vigilância de muitos para com poucos, para a de poucos que vigiam muitos. Bauman dá sequência a este pensamento introduzindo a ideia de sinóptico, que seria o panóptico global, relacionado às novas tecnologias comunicacionais e seu poder de vigilância. A ideia de sinóptico trata da sedução que os indivíduos sentem por sentirem-se vigiados, sem necessitar de coerção para a vigilância.

Pode-se fazer um paralelo com o papel dos mecanismos de vigilância foucaultianos e produtos culturais midiáticos como o Big Brother que transporta os mecanismos de vigilância para um contexto de voyeurismo e exibição da vida privada pelos meios de comunicação. Os reality shows tratam principalmente da questão de vigilância e punição, todos vigiam o que acontece através dos meios de comunicação, e punem os participantes com a saída da “casa”. Para Foucault (2003) a vigilância é anônima e onipresente, qualquer um é capaz de exercer ou ser objeto de vigilância, e assim, uma rede descentralizada de vigilância seria capaz de abranger toda a sociedade.

(...) Vimos que qualquer pessoa pode vir exercer na torre central as funções de vigilância, e que fazendo isso pode adivinhar a maneira como é exercida a vigilância. Na realidade, qualquer instituição panóptica, mesmo que seja tão cuidadosamente fechada quanto uma penitenciária, poderá sem dificuldade ser submetida a essas inspeções ao mesmo tempo aleatórias e incessantes: e isso não só por parte dos controladores designados, mas por parte do público; qualquer membro da sociedade terádireito de vir constatar com seus olhos como funcionam as escolas , os hospitais, as fábricas, as prisões. Não há, consequentemente, risco de que o crescimento de poder devido à máquina panóptica possa degenerar em tirania; o dispositivo disciplinar será democraticamente controlado, pois será sem cessar acessível ao “grande comitê do tribunal do mundo”. Esse panóptico, sutilmente arranjado para que um vigia possa observar, com uma olhadela, tantos indivíduos diferentes, permite também a qualquer pessoa vigiar o menor vigia. A máquina de ver é uma espécie de câmara escura em que se espionam os indivíduos; ela torna-se um edifício transparente onde o exercício do poder é controlável pela sociedade inteira. O esquema panóptico, sem se desfazer nem perder nenhuma de suas propriedades, é destinado a se difundir no corpo social; tem por vocação tornar-se aí uma função generalizada (FOUCAULT, 1977, p.182-183).

Os jogos vorazes, dos quais Katniss participa, funcionam de modo muito semelhante aos reality shows contemporâneos. Nos Jogos Vorazes, dois jovens de cada distrito devem ser levados a uma arena televisionada onde irão matar-se até que apenas um indivíduo seja o vencedor, e o único sobrevivente. Conforme nos apresenta Jardim (2013) através da tese de doutorado de Viana Rodrigues (2011) os reality shows possuem uma estreita relação com o funcionamento do mercado de trabalho, demonstrando o universo de regras cambiantes. É através de uma ideia de poder político que se exerce por meio da ritualização de um jogo em que o vencedor é um sobrevivente, que demonstra-se o funcionamento da sociedade contemporânea.

Ainda, os jogos vorazes, como reality show que são (dentro da história apresentada no filme), também se apresentam com uma relação interessante com patrocinadores e público em geral. Katniss e seu parceiro de distrito Peeta fingem um romance durante os jogos de modo a ganhar o amor e a atenção do público que assiste aos jogos. Com esta atitude, o casal consegue auxílio de patrocinadores, e com seu ato final nos jogos de “suicídio conjunto” em uma alusão a Romeu e Julieta, se tornam os vencedores e queridinhos dos moradores da Capital. Uma conversa

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entre o presidente Snow e o idealizador dos jogos demonstra bem a importância de cativar o público, “Katniss Everdeen é um símbolo. O tordo deles. Eles a veem como uma deles. Temos que mostrá-la como uma de nós. Não precisamos destruí-la. Só a imagem dela. E o povo fará o resto” (COLLINS, 2011).

Para alguns autores como Costa (2004) as sociedades disciplinares podem ser situadas entre o século XVIII até a Segunda Guerra Mundial, e a partir de então, a sociedade poderia ser considerada como sociedade de controle. A sociedade disciplinar de Foucault estaria relacionada a espaços fechados e a uma ordenação rigorosa do tempo tornando fixas as mais diversas formas sociais. Já a sociedade de controle, conceito trazido de Deleuze (1990), seria marcada pela interpenetração dos espaços, pela ausência de limites havendo aqui uma espécie de modulação constante que regularia o tecido social.

Na sociedade disciplinar, as instituições produziriam modos de ser através do sentimento de vigilância onipresente, agindo não só na relação entre vigiado e vigilante, mas também do vigiado consigo mesmo, através do efeito da auto vigilância passando a influenciar em sua subjetividade. Já na sociedade de controle, as novas tecnologias cotidianas utilizadas pelos indivíduos passam a integrar um novo campo de visibilidade possibilitando a exposição da vida íntima e privada. Esta exposição voluntária torna o olhar do outro um desafio a ser conquistado, e transforma o que era privado em público, destruindo a barreira entre aparência e realidade (COSTA, 2004). A saga Jogos Vorazes pode ser entendida na ideia foucaultiana de vigilância, quando pensamos em uma vigilância onipresente e na influência na subjetividade dos personagens, na história como todo e nos sentimentos como o medo. Ao mesmo tempo, Katniss também se utiliza de uma suposta vigilância para exibir aspectos da sua vida que a favorecem, compreendendo então a ideia de vigilância deleuziana. Por exemplo, ao permitir que a equipe dos rebeldes a filme visitando sobreviventes da guerra no hospital, e utilizem seu discurso, inflamado pelas emoções do momento, para atrair a população de Panem para a causa rebelde, Katniss se utiliza dos novos meios de comunicação, para de modo não coercitivo, apresentar sua vida íntima.

De acordo com Costa (2004) cabe lembrar que os dispositivos disciplinares de Foucault se baseiam em uma espécie de polarização entre opacidade do poder e transparência dos indivíduos. Como o autor apresenta na ideia de panóptico, o poder se manteria fora do alcance dos indivíduos, enquanto estes são transparentes ao serem vigiados pelo poder. Assim, há uma modificação no conceito de vigilância de Foucault para Deleuze. Enquanto para Foucault vigilância remete a confinamento, a regulação dos corpos, para Deleuze e a sociedade de controle, a vigilância se dá de modo comunicacional, mais dispersa e horizontal.

Deleuze (1995) enxerga a dominação contemporânea como baseada no autocontrole, identificação, inclusão, redes e flexibilidades. Assim, indivíduos que controlam a si mesmos identificam-se com a sua própria exploração e dominação, reproduzindo-as, de modo que os indivíduos vigiam e disciplinam a si mesmos.

Fica evidente na saga, a utilização da mídia como meio de comover a população, seja pelo entretenimento sangrento dos jogos, seja através da própria Katniss se expondo à população sua vida privada e seu suposto romance com Peeta para cativar o público, seja a protagonista se

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154 JOGOS VORAZES, MEDO E FASCÍNIO NA VIGILÂNCIA CONTEMPORÂNEA

tornando símbolo da revolução e sendo usada, de forma consciente, para mobilizar indivíduos a ajudar a causa rebelde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de alguns estudiosos acreditarem que a noção de Foucault sobre vigilância esteja desatualizada, devido às novas tecnologias e seu potencial descentralizador, percebemos a importância da ideia de vigilância foucaultiana para pensarmos sobre filmes e literaturas distópicas. De certo ponto de vista, é surpreendente o modo que a saga Jogos Vorazes retoma temas como opressão do Estado, controle e vigilância de maneira a ainda repercutir em grandes números de bilheteria no mundo todo.

Ainda, podemos repensar a vigilância contemporânea através de uma recordação de Deleuze (1990) criando um paralelo com a fascinação causada por um filme distópico com tanto sucesso como é a saga Jogos Vorazes, “diante das próximas formas de controle incessante em meio aberto, é possível que os mais rígidos sistemas de clausura nos pareçam pertencer a um passado delicioso e agradável”. Assim, pode-se refletir sobre o fascínio que sentimos em relação a filmes de futuro distópico como Jogos Vorazes, ou como outros clássicos de Hollywood como 1984 e Admirável Mundo Novo. O cinema, enquanto ferramenta da cultura contemporânea, ao perceber o sucesso dos programas de reality shows, tem inserido elementos que retomam o tema da vigilância em contextos filmícos de modo a criar uma crítica ao voyeurismo contemporâneo, mas também de se apropriar da curiosidade e fascínio social, que resultam da possibilidade de vigiar outros indivíduos, para gerar lucro.

Por fim, vale lembrar que o foco deste breve trabalho é apresentar aspectos do filme da saga Jogos Vorazes que interligam, principalmente, a teoria goffmaniana das instituições totais e a teoria foucaultiana da sociedade disciplinar. O filme distópico, aqui brevemente analisado, demonstra tanto a sociedade de Panem como uma instituição total, como também a sociedade disciplinar que disciplina os corpos através da vigilância como ferramenta de controle do Estado sob os indivíduos.

Assim, podemos constatar a centralidade da vigilância em contextos de controle e dominação, mesmo quando é apresentado em uma fantasia como um filme ou livro. Este tema certamente não se esgota aqui, podendo ser tratado em diversas outras obras de ficção, como as anteriormente citadas 1984 e Admirável Mundo Novo, como também na realidade através de reality shows. Também, conforme vimos, podemos perceber a vigilância na exposição da vida privada nas redes sociais, e na exposição de dados pessoais que fornecemos livremente em cadastros na Internet. A vigilância contemporânea, ainda poderia ser abordada como tema pertinente no mercado de trabalho demonstrando-se como utiliza-se da vigilância para gerar maior produtividade e lucratividade para as empresas através do controle de seus funcionários, e da tentativa de moldar, ou como afirmaria Foucault (2003), docilizar os seus corpos e saberes. Apesar destas demais perspectivas não serem o foco deste artigo, também seriam modos interessantes de repensarmos sobre a teoria goffmaniana e foucaultiana nos dias atuais.

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156 JOGOS VORAZES, MEDO E FASCÍNIO NA VIGILÂNCIA CONTEMPORÂNEA

intermidialidade.10º Interprogramas de mestrado Faculdade Cásper Líbero. São Paulo, 2014.

FILMOGRAFIA

1984. Direção: Michael Radford. United Kingdom: Virgin Films, Umbrella-Rosenblum Films, 1984. 113 min. Son. Color.

Admirável mundo novo. Direção: Leslie Libman, Larry Williams. Estados Unidos: Dan Wigutow Productions, Michael Joyce Productions, USA Networks Studios, 1998. 100 min. Son. Color.

A Esperança: Parte 1. Direção: Francis Lawrence. Estados Unidos: Color Force, 2014. 122 min. Son. Color.

A Esperança: Parte 2. Direção: Francis Lawrence. Estados Unidos: Color Force, 2015. 113 min. Son. Color.

Em Chamas. Direção: Francis Lawrence. Estados Unidos: Color Force, 2013. 146 min. Son. Color.

Jogos Vorazes. Direção: Gary Ross. Estados Unidos: Color Force, 2012. 145 min. Son. Color.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano X - No 20 - agosto a dezembro de 2016 157

A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O

DIREITO PROCESSUALAnair isabel Schaefer1

RESUMO:

O presente artigo analisa a prova do negócio jurídico sob o aspecto material e processual. Na primeira parte, distingue-se o direito material e o processual. Na segunda parte, analisa-se a interação da prova do negócio jurídico, observando-se os meios probatórios no Código Civil de 2002 e no código de processo civil de 2015.

PALAVRAS-CHAVE: prova – negócio jurídico – direito material e processual

ABSTRACT:

Thisarticleanalyzestheproofofthe legal deal in termsof material and procedural aspects. The firstpartdistinguishesbetween substantive and procedural law. In thesecondpart, theinteractionoftheevidenceofthe legal business isanalyzed, observingtheevidentiarymeans in the civil codeof 2002 and in the civil processcodeof 2015.

KEYWORDS: proof - legal business - material and procedural law

INTRODUÇÃO

No Direito Romano não havia a distinção entre o direito material e o direito processual. Atribui-se a Bentham (1748 a 1832)2, a distinção entre leis substantivas (direito material) e adjetivas (direito processual).3

O direito processual passou a ser considerado uma ciência autônoma a partir com a obra Excepciones procesales y pressupuestos procesales, de Oskar Von Bülow, publicada inicialmente em 1868.

1 Doutora em Direito pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected].

2 Filósofo, economista, jurista inglês nascido em Houndsditch, Londres, fundador da doutrina utilitarista e cujas ideias exerceram grande influência sobre o desenvolvimento do liberalismo político e econômico.

3 Qualificou o direito processual de adjetivo devido à dinâmica emprestada às normas que, sem procedimento, são inúteis - enquanto as demais normas “substantivas” regulam relações diretas, entre os sujeitos de direito, no grupo social, onde propõe qualificar as normas processuais de formais ou instrumentais, por se destinarem a fazer atuar as normas substanciais ou materiais que regulam as relações do grupo social.

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158 A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO PROCESSUAL

A prova apresenta disciplina no direito material e no processual. O Código Civil de 2002 e o Código de Processo Civil de 2015 disciplinam os meios probatórios.

O presente estudo analisa a prova do negócio jurídico sob o aspecto material e processual. Na primeira parte, distingue-se o direito material e o processual. Na segunda parte, analisa-se a interação da prova do negócio jurídico, observando-se os meios probatórios no Código Civil de 2002 e no Código de Processo Civil de 2015.

1. A PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO NO DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL

O negócio jurídico traduz a manifestação de vontades na qual uma ou ambas as partes se comprometem a cumprir o pactuado, de acordo com as condições acordadas, no escopo de produzir modificações e efeitos nas relações jurídicas.

O escopo deste capítulo é analisar os quatro fundamentos (prova, negócio jurídico, direito material e processual) de forma a verificar a compatibilidade das normas de direito material e processual.

1.1 DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL.

No direito romano não havia adistinção sistemática entre o direito material e o processual. 4Não possuía uma “designação própria para o Direito Processual Civil e, nas suas fontes, sobretudo no Edicto do pretor, constam em paralelo e sem distinção [nas] disposições jurídico-privadas e processuais”. E esclarece:

Esta UNIDADE do Direito Privado e Direito processual é também INTERNA, sendo comum a ambas as áreas do direito certos conceitos fundamentais do Direito Romano, sobretudo o conceito central de actio, e também o de exceptio. Os Romanos consideram cada um destes conceitos uma unidade; os significados distintos que hoje atribuímos à actio em âmbito processual (como ‘acto processual’, ‘acção’) e privado (como ‘pretensão’), são reflexões posteriores de que os Romanos só tiveram consciência em meros aspectos iniciais.

Salah Hassan Khaled Junior aponta que a unidade entre direito processual e civil perdurou até metade do século XIX:5

Até a segunda metade do século XIX o processo detinha na doutrina um caráter meramente adjetivo, considerando-se o direito processual como mero apêndice do direito civil e, portanto, negando-lhe a condição de campo de saber autônomo, dotado de características que lhe são peculiares. O rompimento dessa relação de subordinação ao âmbito material se deu com a polêmica entre Windscheid e Muther, nos anos de 1856 e 1857.

Não havia distinção no direito romano entre o direito processual e material, segundo Salah

4 KASER, Max. Direito Privado Romano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. P. 429. Tradução de RömischesPrivatrecht. Traduzido por Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle.

5 KHALED JUNIOR, Salah Hassan. Oscar Von Bülow e a difusão das idéias de Relação Jurídica e pressupostos Processuais . In: Panóptica, Ano 4, nº 20, Novembro 2010-março2011. Disponível em: http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/viewFile/Op_5.3_2010_19-41/15.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano X - No 20 - agosto a dezembro de 2016 159

Hassan Khaled Junior, e este entendimento mantinha-se no direito alemão:6

O contexto histórico-jurídico alemão da época e a biografia de Bernard Windscheid e Theodor Muther O jurista italiano Pugliese afirma (na introdução que escreveu para a obra que reúne os textos dos referidos autores) que o significado do embate então travado não pode ser compreendido sem levar-se em conta o momento histórico que atravessava a ciência jurídica alemã no século XIX. No contexto alemão. Dentro da realidade jurídica alemã de então, as lições do direito romano (ou do que se entendia por direito romano, como veremos) eram consideradas corretas e absolutamente incontestáveis e, portanto, revestidas de universalidade. O direito romano de Justiniano permanecia em vigor em grande parte da Alemanha, sendo que não havia trabalho de direito civil e processual que não fizesse referência a fontes romanas. Naquele momento histórico o contexto era de aceitação praticamente unânime da máxima de Celso: a ação era entendida como o próprio direito material colocado em movimento, ou seja, a ação não era nada mais que o direito de pedir em juízo o que nos é devido. Partindo dessa premissa, entendia-se que a simples ameaça ou violação a um direito fazia nascer um direito que é o direito de ação.

Este entendimento estava vinculado ao estabelecido por Savigny, de que “o direito à tutela judicial nasce da lesão de um direito ou de uma ameaça a ele, sendo, portanto, o direito em que se transforma o direito lesionado (ou ameaçado),” demonstrando a falta de autonomia da dimensão processual na época:7

A teoria imanentista, ou civilista, da ação Até a metade do século XIX, a concepção que se tinha sobre a ação estava submetida ao direito civil, como consequência do fato de ainda não se ter reconhecido a autonomia do direito processual. A maior expressão dessa compreensão acerca do direito de ação, que tem, por outro lado, o inegável mérito de ser uma das primeiras abordagens científicas sobre o tema (em oposição ao praxismo então dominante) é a obra de Friedrich Carl von Savigny. Inserido no contexto pandectista alemão do século XIX, o trabalho parte de um ponto de vista histórico sobre a famosa fórmula de Celso, “nihilaliud est actioquamius, quod sibidebeatur, in judicio persequendi”,8 para concluir que a ação era uma metamorfose do próprio direito material, decorrente de sua violação.9 Com efeito, na concepção de Savigny, presente no volume quinto de seu “System des heutigen Römischen Rechts” (“Sistema do direito romano atual”, publicado em nove volumes entre 1840 e 1849), o direito de ação é “o aspecto particular, que cada direito assume em consequência de uma lesão”.10

Do conceito de Savigny vincula-se a ação com o direito, compreendendo que não há ação sem direito e não há direito sem ação:11

Essa compreensão vinculava-se ao conceito que havia sido estabelecido por Savigny, que sinteticamente pode ser reduzido aos seguintes elementos: a) não há ação sem direito; b) não há direito sem ação; c) a ação segue a natureza do direito.[...] Naquele momento não se colocava seriamente qualquer possibilidade de divergência entre o que os romanos entendiam por actio e o que os modernos compreendiam por ação (klagerecht). A teoria imanentista, civilista, clássica ou francesa foi inicialmente desenvolvida

6 KHALED JUNIOR, Salah Hassan. Windscheid&Muther: a polêmica sobre a actio e a invenção da idéia de autonomia. In: Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p. 97-109, jan./jun. 2010.

7 KHALED JUNIOR, Salah Hassan. Windscheid&Muther: a polêmica sobre a actio e a invenção da idéia de autonomia. In: Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p. 97-109, jan./jun. 2010.

8 10 A fórmula é do jurisconsulto e cônsul romano CELSO (PubliusIuventius Celsus Titus Aufidius Hoenius Severianus), do século II da Era Cristã, publicada no Digestorum D. Iustiniani, do Imperador Justiniano, no livro XLIV, título VII, fragmento 51. A versão citada é a indicada em latim no livro: GARCÍA DEL CORRAL, Ildelfonso L. Cuerpo Del derecho civil romano. v. 3. Barcelona: 1897. [Tradução livre: “A ação nada mais é que o direito de pedir em juízo o que nos é devido.”].

9 11 SAVIGNY, Friedrich Carl von. Sistema Del diritto romano attuale. Trad. Vittorio Scialoja. v. 5. Torino: Utet, 1893, § 205, p. 3-4.

10 12 SAVIGNY, F. C. Sistema deldiritto romano attuale. p. 4. [Tradução livre de: “l’aspetto particolare, che ogni diritto assume in conseguenza di una lesione…”].

11 12 SAVIGNY, F. C. Sistema deldiritto romano attuale. p. 4. [Tradução livre de: “l’aspetto particolare, che ogni diritto assume in conseguenza di una lesione…”].

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160 A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO PROCESSUAL

por Savigny, o qual não vislumbra a possibilidade de existir ação sem direito, nem direito sem ação, pois a ação, para ele, segue a natureza do direito. Nessa fase, não se distingue direito subjetivo material e ação.

Atualmente, o direito material e o direito processual são disciplinas autônomas, com conceitos definidos.

Quanto ao conceito de direito material, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos de Araújo Cintra consideram o “corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, penal, administrativo, comercial, tributário, trabalhista).”

Segundo Luiz Rodrigues Wambier, as normas de direito material são aquelas que “criam, regem e extinguem relações jurídicas, definindo aquilo que é ilícito e não deve ser feito”, bem como:

constituem normas jurídicas de direito material estas normas das relações jurídicas que travam no mundo empírico, como, por exemplo às regras que regulam a compra e venda de bens, ou disciplinam como deve ocorrer o relacionamento entre vizinhos, ou como se opera um negócio jurídico no âmbito financeiro.

O direito material violado permite ao prejudicado recorrer ao Poder Judiciário para pleitear a sua reparação. Tendo em vista, que por estar contido em normas expressas, o direito material pode ser violado ou não. Ao ingressar em juízo, valendo-se de um processo judicial, tem-se o direito processual, instrumento para obter a proteção jurisdicional do direito violado.

O direito processual, segundo Chiovenda, conceitua como sendo o “complexo dos atos coordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei (com respeito a um bem que se pretende garantido por ela), por parte dos órgãos da jurisdição ordinária”.12

Segundo Ovídio Baptista e Fabio Gomes, compõem o direito processual civil “as atividades desenvolvidas pelos sujeitos da relação jurídica processual e, em última análise, uma atividade do próprio Estado-prestador da jurisdição serão regulados por regras próprias”.13

A autonomia do direito processual civil decorre da “relação jurídica processual frente à relação de direito material [autonomamente] em face de qualquer dos outros ramos da ciência jurídica”.14

A interferência do Direito Processual no Direito Material manifesta-se de várias formas. Algumas vezes a interferência ocorre de forma positiva, viabilizando o alcance do direito material, outras de forma negativa.

Os problemas apresentados na relação entre direito material e processual são alertados por Cândido Rangel Dinamarco:15

12 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2000, p. 56, Vol. I.

13 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fabio. A Teoria Geral do Processo Civil. 2ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. P. 35.

14 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fabio. A Teoria Geral do Processo Civil. 2ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2000. P. 35.

15 DINAMARCO, Candido Rangel. A Instrumentalidade do processo, 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 268.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano X - No 20 - agosto a dezembro de 2016 161

a excessiva preocupação com os temas processuais constitui condição favorável a essas posturas inadequadas, com o esquecimento da condição instrumental do processo. Favorece, inclusive, o formalismo no modo de empregar a técnica processual, o que tem também o significado de menosprezar a advertência de que as formas são apenas meios preordenados aos objetivos específicos em cada momento processual. Mais do que isso, gera a falsa impressão de que os sucessos do processo criem direitos para as partes, de modo que as atenções então se desviam da real situação de direito material existente entre elas, para o modo como se comportaram processualmente e o destino que em virtude disso lhes é reservado.

O direito processual diz respeito às partes e aos procedimentos (atos, prazos).O direito processual é, instrumental, na medida em que a sua função jurídica constitui um instrumento a serviço do direito material. O direito material constitui o direito substancial, alegado em juízo.

1.2 NEGÓCIO JURÍDICO E PROVA.

No Código Civil de 1916 o negócio jurídico estava previsto como uma subdivisão de atos jurídicos lícitos. O ato jurídico era visto de forma genérica, sem subdivisão de espécies, entre elas o negócio jurídico, seguindo o previsto no Código Civil Alemão (BGB)16

Moreira Alves foi membro da comissão redatora do Anteprojeto do Código Civil de 2002, cabendo-lhe a relatoria da Parte Geral. Nesse âmbito, o Direito Civil alemão foi recepcionado de modo direto pelo Código brasileiro, em diversos temas, como os direitos da personalidade, a teoria da representação, a teoria das nulidades, a simulação, a conversão substancial do negócio jurídico, o silêncio e a prescrição.163 No campo doutrinário, o livro de Moreira Alves sobre a posse é um destacado exemplo da aplicação dos constructos teóricos alemães.164 Há ampla consulta de autores germânicos do século XIX e da primeira metade do século XX, além de serem enfrentados temas como a vontade possessória (Besitzwille), a distinção entre posse própria (eigener Besitz), posse mediata (mittelbarer Besitz) e posse imediata.Assim, por exemplo, traz o Código Civil Brasileiro uma Teoria do Ato Jurídico, que na terminologia alemão é chamada de Handlungslehre, e que ficou ausente no BGB de 1896. Note-se que Bevilaqua não utilizou o conceito de “Rechtsgeschaft” (negócio jurídico)17, preferindo a expressão tradicional portuguesa de “acto jurídico” (Rechtshandlung)18 e, talvez por esta razão, elaborou uma verdadeira teoria do ato jurídico, que incluía não somente o ato lícito, mas também o ato ilícito, seguindo assim os modelos de Freitas e de Coelho Rodrigues.19

Claudia Lima Marques ressalta a influência do Código Civil alemão no Código Civil Brasileiro de 1916:20

O BGB trata do negócio jurídico (Rechstgeschaft, § 104 e seg. BGB), da declaração de

16 DINAMARCO, Candido Rangel. A Instrumentalidade do processo, 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 268.

17 121. Bevilaqua não utiliza, nem no Projeto, nem em seus comentários o conceito de “negócio jurídico”; conceito que conhecia , como provam as citações do direito estrangeiro e da literatura alemã e italiana (por exemplo, é citada a obra de G. Rotondi, Negozio Jurídico), veja Bevilaqua, Código Civil, pg. 318ss. (Art. 81ss.).

18 121. Bevilaqua não utiliza, nem no Projeto, nem em seus comentários o conceito de “negócio jurídico”; conceito que conhecia , como provam as citações do direito estrangeiro e da literatura alemã e italiana (por exemplo, é citada a obra de G. Rotondi, Negozio Jurídico), veja Bevilaqua, Código Civil, pg. 318ss. (Art. 81ss.).

19 123. Art. 81 do CCBr. ·foi praticamente copiado do Art. 271 do Projeto de Coelho Rodrigues. Previa o Art. 271 de Rodrigues: “Con-sidera-se acto jurídico todo o acto lícito que tenha por fim immediato adquirir, conservàr, modificar, ou extinguir um direito.” O Art. 81 de Bevilaquas e do atual CCBr. dispõe: “Todo acto lícito, que tenha por fim immediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direito, se denomina acto jurídico.”

20 MARQUES, Claudia Lima. Cem anos de Código Civil Alemão: O BGB de 1896 e o Código Civil Brasileiro de 19161. Revista da Fa-culdade de Direito da UFRGS, v. 13, 1997.

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162 A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO PROCESSUAL

vontade (Willenserklarung, § 116 e seg. BGB) e do contrato (Vertrag, § 145 e seg. BGB) na Parte Geral, deixando para a Parte Especial, no Direito das Obrigações, as regras sobre os atos ilícitos e a responsabilidade daí resultante ( § 812 e seguintes do BGB). O CCBr. define tanto o ato lícito(atos jurídicos, Art. 81ss.), como o ilícito (a tos ilícitos, Art. 159s.), e os fatos juridicamente relevantes (fatos, Art. 74ss.; prescrição, Art. 161ss.) na Parte Geral, como queriam mesmo alguns críticos do BGB. A doutrina brasileira, porém, tende a utilizar o conceito germânico de negócio jurídico, classificando os atos jurídicos conforme o poder formativo e definidor (Gestaltungskraft) da declaração de vontade presente neste ato, classificando os em “ato jurídico stricto sensu, ato, fato, negócio jurídico etc.”.21 A inspiração da doutrina alemã do século XIX e do próprio BGB é aqui inegável.22

Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho justificam a ausência de negócio jurídico de forma expressa no Código Civil de 1916, por ser uma doutrina desenvolvida posteriormente23:

o Código de 1916, por haver sido elaborado por BEVILÁQUA em 1899, não cuidou de consagrar expressamente a figura do negócio jurídico, doutrina desenvolvida um pouco mais tarde, e, muito menos, de traçar a diagnose diferencial entre o ato negocial (negócio jurídico) e os atos jurídicos em sentido estrito (sem conteúdo negocial).

Moreira Alves, ao expor sobre o Anteprojeto do Código Civil de 2002 aponta a vinculação ao BGB alemão24:

O Anteprojeto não segue, rigorosamente, em seu sistema, o Código atual. Nesse particular, vincula-se mais estreitamente com o Código Civil Alemão, o B.G.B., de 1896, vigente desde janeiro de 1900. Sua Parte Geral divide-se em três Livros: Das Pessoas, Dos Bens e Dos Fatos Jurídicos. A Parte Especial se inicia com o Livro relativo ao Direito das Obrigações; em seguida, e com vistas à unificação do Direito Privado, há o Livro concernente à Atividade Negociais; seguem-se-lhe, nesta ordem, os Livros sobre o Direito das Coisas, o Direito de Família e o Direito das Sucessões.

Moreira Alves continua a exposição, justificando a inclusão do negócio jurídico no Anteprojeto do Código Civil de 2002:25

Por outro lado, o Anteprojeto consagra a figura do negócio jurídico, repudiando a orientação francesa, seguida pelo Código Civil atual, que o dilui na categoria genérica do ato jurí¬dico. Não se trata de exigência apenas de ordem técnica — e a Parte Geral de um Código deve primar pelo tecnicismo —, mas de orientação com reflexos de natureza prática. O Código vigente, embora se utilize da expressão genérica ato jurídico, traça normas que se aplicam ao negócio jurídico especificamente, e que, por isso, nem sempre são utilizáveis para outros atos jurídicos lícitos que não os negócios jurídicos.[...]Nos casos referidos — o do contrato, o da ocupação e o da invenção — há três atos jurídicos de natureza diversa, e que, por isso, não são disciplinados do mesmo modo. Eis por que adotou o Anteprojeto a técnica moderna de distinguir, de um lado, o negócio jurídico, e, de outro, os demais atos jurídicos lícitos, mandando aplicar a estes, apenas no que couber, os princípios disciplinadores daquele.O maior número de inovações que a Parte Geral apresenta se encontra na disciplina do negócio jurídico. Inúmeras lacunas do Código vigente foram supridas. Regulou-se a representação legal, a fraude à lei, a reserva mental, o estado de perigo, a lesão.

21 124. Veja por exemplo a obra do atual Professor der Faculdade de Direito de São Paulo Azevedo, Antonio Junqueira de, Negócio Jurídico -Existência, Validade e Eficácia, São Paulo, 1990 e da atual escola de São Paulo (USP}, veja Miranda, Custódio Ubaldino , Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos, São Paulo, 1989.

22 125. Veja a obra de 60 volumes de Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, na qual o vol. 3 é dedicado ao “Negócio Jurídico”. Sobre o tema, comenta Paul, in: Stolleis, pg. 497. 126. Veja Pontes de Miranda, Brasil - Código Civil, pg. 24.

23 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral 1 19ª edição, 2017. P. 389.

24 MOREIRA ALVES, José Carlos. Inovações dp Novo Anteprojeto do Código Civil.

25 MOREIRA ALVES, José Carlos. Inovações do Novo Anteprojeto do Código Civil.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano X - No 20 - agosto a dezembro de 2016 163

Miguel Reale conceitua negócio jurídico como “espécie de ato jurídico que, além de se originar de um ato de vontade, implica a declaração expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois ou mais sujeitos tendo em vista um objeto protegido pelo ordenamento jurídico”.26

Segundo Marcos Bernardes de Mello o negócio jurídico27

é o fato jurídico, cujo elemento nuclear do suporte fáctico consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico fa¬culta às pessoas, dentro de limites pré-determinados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho apresentam a definição de negócio jurídico como a manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos:28

Dentro dessa concepção, calcada, como sugere a sua própria denominação, na noção de “vontade”, costuma-se definir o negócio jurídico como sendo “a manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos”, “o ato de vontade dirigido a fins práticos tutelados pelo ordenamento jurídico”, ou “uma declaração de vontade, pela qual o agente pretende atingir determinados efeitos admitidos por lei”.

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece condições e normas que devem ser observadas para a realização do negócio jurídico. A inobservância de tais normas do direito positivo pode implicar a nulidade do negócio jurídico e impedir a produção dos seus efeitos.

A forma do negócio jurídico é o meio (conjunto de formalidades) pelo qual se externa a manifestação de vontade nos negócios jurídicos, sem o qual não se produz o efeito jurídico do respectivo negócio (art. 10729 e ss do CC).

Em regra, a forma é livre, exceto se a lei exige forma específica. A validade do negócio depende de uma forma específica só quando a lei assim determinar expressamente. A forma contratual é eleita pelas partes, conforme previsto no art. 10930 do Código Civil brasileiro.

No Código de Processo Civil tem sido apresentada como inovação pela doutrina os negócios jurídicos processuais, previsto no artigo 190:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam auto composição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade

Negócio jurídico-processual é o negócio jurídico que se constitui de dois elementos de existência categoriais: (i) o negócio se refere a um procedimento ou litígio, uma norma processual, isto

26 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito Civil, 2001. P.207.

27 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 14. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 153.

28 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral 1. 19ª edição, 2017. P. 389.

29 Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir

30 Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.

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164 A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO PROCESSUAL

é, de norma que se dedique a regular o processo, a jurisdição ou o direito de ação.31

O conceito pode abranger tanto declarações de vontade que integram a sequência do procedimento, como no plano de recuperação judicial, bem como os negócios jurídicos extra procedimentais, na transação extrajudicial.32

Incluem-se, nos negócios jurídicos processuais os preparatórios, que se celebram antes da demanda, como no pacto de competência, como os interlocutórios, que só podem ser concluídos na pendência de uma demanda, como na convenção de suspensão do processo. Distingue-se o negócio do instrumento negocial. No instrumento de contrato consigna-se a eleição consensual de foro, a eleição convencional de perito e a diminuição de prazos para ambas as partes, além de trazer disposições contratuais de direito material.33

Os negócios jurídicos requerem no processo civil a sua comprovação.

A prova do negócio jurídico é o conjunto de meios capazes de demonstrar a existência e a validade do negócio jurídico em juízo. Os requisitos estão previstos no Código Civil, estabelecendo, como regar geral o disposto no artigo 10434: não podem ser proibidas por lei, ou seja, devem ser admissíveis; devem ser pertinentes ao caso discutido; e, devem ser concludentes, ou seja, aptas para o esclarecimento dos pontos controversos; agentes capazes, objeto lícito.

O Código Civil de 2002 disciplinou expressamente a prova no Título I – Do Negócio Jurídico. Constitui uma inovação, bem como a inclusão em título próprio, chamado negócio jurídico.

Ao disciplinar a prova, inclui a forma, sem fazer uma distinção especifica.Prova em direito refere-se ao conjunto dos meios empregados para demonstrar legalmente a existência de um ato ou fato jurídico. A prova se faz quanto ao fato, não quanto ao direito, considerando que é do fato que se extraem as consequências jurídicas.35 Os meios de prova estão previstos no artigo 212 do Código Civil de 2002: a confissão, os atos processados em juízo, os documentos públicos ou particulares, as testemunhas, os exames e vistorias, o arbitramento e a presunção.36

Arruda Alvim distingue as provas do direito material e do direito processual:37

31 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona; CAMPOS, Felipe de Almeida. O instituto jurídico da prova no direito processual brasileiro e sua (re)construção histórica. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 25. p. 301-326. Data da submissão: 16/12/2016 Data da aprovação: 22/12/2016.

32 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona; CAMPOS, Felipe de Almeida. O instituto jurídico da prova no direito processual brasileiro e sua (re)construção histórica. Argumenta Journal Law, Jacarezinho –PR, Brasil, n. 25. p. 301-326. Data da submissão: 16/12/2016 Data da aprovação: 22/12/2016.

33 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona; CAMPOS, Felipe de Almeida. O instituto jurídico da prova no direito processual brasileiro e sua (re)construção histórica. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 25. p. 301-326. Data da submissão: 16/12/2016 Data da aprovação: 22/12/2016.

34 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:I - agente capaz;II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;III - forma prescrita ou não defesa em lei.

35 LEITE, Gisele. Considerações sobre a prova nos negócios jurídicos na sistemática jurídica brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3850, 15jan.2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/26406>. Acesso em: 17 jun. 2017.

36 TÍTULO V - Da ProvaArt. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:I - confissão;II - documento;III - testemunha;IV - presunção;V - perícia.

37 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, volume 2. Processo de Conhecimento. Ed. 11ª. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2007. p. 433.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano X - No 20 - agosto a dezembro de 2016 165

A prova é um dos capítulos do Direito processual. Em nosso entender, as normas que disciplinam as provas não pertencem exclusivamente ao campo do Direito Material, o que se daria se seu objetivo único fosse o convencimento da parte contrária e não o do juiz, que, na verdade, é, por excelência, o destinatário da prova. A maior parte da disciplina das mesmas pertence ao Direito Processual Civil,que as regulam, salvo nos casos das provas legais e de outros aspectos. À modalidade do de prova legal alude o art. 36638 do CPC, que se reporta às leis de Direito Material, sua sede própria. [...] Relativamente às provas legais haverá, apenas, de constatar o juiz se a prova existe ou não, e, existindo validamente, não poderá deixar de lhe emprestar o valor que lhe atribui a ordem jurídica ( eficácia).

O juiz poderá valorar as provas de Processo Civil, no entendimento de Arruda Alvim:39

O juiz pode atribuir o valor que tiver por conveniente às provas reguladas pelo Código de processo Civil, e sua liberdade se manifesta até em poder (=dever) deferir ou não a produção delas, ou seja, admiti-las ou não.

O referido Autor identifica as provas de direito material como pertencentes à teoria do direito privado; a teoria das provas, predominantemente, reguladas pelo direito processual:40

Pertencem ao Direito Material as regras formativas dos atos jurídicos (prova literal), como, ainda, o valor jurídico respectivo de tais provas. Sob este último aspecto, exemplificativamente, quando se exige, prova literal (art. 353, parágrafo único41), não se poderá no processo admitir prova testemunhal exclusivamente (art. 40142), regra aquela integrante do Código de Processo Civil, mas de natureza material.Por outro lado, a função do art. 401 do CPC é diferente da do art. 336, pois relativamente àquele admite-se confissão, para o fim de suprir as provas legais, referidas por este artigo.Desta forma, a teoria da prova, predominantemente, vem regulada no Código de Processo Civil, quanto aos seus tipos (= meios de prova); à sua admissibilidade (pelo juiz), reporta-se a tais normas; à sua produção (pelas partes, e, excepcionalmente, pelo juiz – art. 13043); e, ainda quanto aso ônus da prova( v. art. 33344 – atividades dos litigantes) e sua valoração ( art. 13145), que são assuntos intrinsecamente processuais; já quanto ao tema relativo às

38 CPC/1973 Art. 366. Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais espe-cial que seja, pode suprir-lhe a falta. CPC 2015 Art. 406 Art. 406. Quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.

39 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, volume 2. Processo de Conhecimento. Ed. 11ª. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2007. p. 433.

40 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, volume 2. Processo de Conhecimento. Ed. 11ª. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2007. p. 433-4.

41 CPC/1973 Art. 353. A confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; feita a terceiro, ou contida em testamento, será livremente apreciada pelo juiz. Parágrafo único. Todavia, quando feita verbalmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal. CPC/2015. Art. 394. A confissão extrajudicial, quando feita oralmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal.

42 CPC/1973 .Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados. CPC/ 2015. Sem correspondente. Art. 1.072. Revogam-se: II - os arts. 227, caput,[...] da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).CC/2002. Art. Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados. Assim, não há previsão no ordenamento civil ou processual a prova exclusivamente testemunhal.

43 CPC/1973 Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. CPC/2015 . Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

44 CPC/1973 Art. 333. O ônus da prova incumbe: - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. CPC/ 2015 Art. 373. O ônus da prova incumbe: – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. §1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

45 CPC/1973 Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes;mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. CPC/2015 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

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166 A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO PROCESSUAL

provas legais, aloja-se a disciplina nos Códigos de Direito Material , donde, então, pertencer o assunto à teoria geral do direito, pois, sediada a matéria no Direito Material, referente ao processo.

No direito processual os preceitos que presidem apreciação da prova em juízo, e a técnica de trazê-la, buscam apresentá-las para a decisão do julgador. A lei processual estabelece o modo através do qual os advogados dos litigantes deverão se utilizar, assim como o tempo processual oportuno para a demonstração da existência e validade do negócio jurídico. Via de regra, a prova se faz em juízo. A prova do negócio jurídico se classifica como geral ou livre especial, destacando que a liberdade ou livre admissibilidade da prova.

As provas admitidas no processo estão previstas na Parte Especial, em capítulo próprio, nos artigos 369 a 484.46 Dentre as provas admitidas em juízo destaca-se a de natureza documental, testemunhal e pericial, bem como as provas indiciárias.

Distingue-se de natureza geral ou livre e de natureza especial. A primeira se refere ao princípio da liberdade da prova ou de livre admissibilidade da prova desde que não conforme a legislação em vigor, isto é, desde que esteja em conformidade com o direito. A de natureza especial, requer a observância dos requisitos previstos na lei. Não se admite a prova ilícita como é o caso de gravações telefônicas não autorizadas.

Vinicius Lott e André Cordeiro Leal consideram que o Código de Processo Civil de 2015, tal qual o de 1973, mantém os equívocos sobre o instituto da prova, entendendo-a ora como meio ora com o resultado47:

Ao reproduzir os equívocos e indistinções de que padece o Código de Processo Civil de 1973, um dos pontos mais obscuros do Novo CPC talvez esteja no tratamento que dispensa ao instituto da prova. Vê-se que a prova ora é entendida como meio, ora como atividade ou como resultado, a despeito de, em qualquer dessas significações, estar sempre destinada à formação da convicção judicial sobre a verdade dos fatos afirmados e negados no procedimento. [...]No recém-promulgado Código de Processo Civil brasileiro, assim, a prova permanece assumindo as acepções de meio, de atividade e de resultado adstritos à formação da convicção do julgador sobre a verdade dos fatos. Se comparado com o Código de Processo Civil de 1973, modificaram-se os números dos dispositivos que abordam a temática probatória, bem como, parcialmente, a grafia conferida à normatização. Mantém-se intocada, no entanto, a persistente a cientificidade conceitual.

De acordo com Sergio Henrique Zandona Freitas e Felipe de Almeida Campos, ao analisar o instituto jurídico da prova no CPC 2015, considera que trouxe “interessantes novidades em relação aos institutos que eram regulados pelo CPC de 1973, embora “não apresente textualmente grandes novidades sobre a matéria, é possível perceber avanços, embora não apresente textualmente grandes novidades sobre a matéria, é possível perceber avanços:

46 PARTE ESPECIALLIVRO I - DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇATÍTULO I - DO PROCEDIMENTO COMUMCapítulo XII – DAS PROVAS

47 THIBAU, Vinicius Lott; LEAL, André Cordeiro. Prova e Jurisdicionalismo no Novo CPC Brasileiro. In: Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, n.28, Belo Horizonte. p.99-107, jan./abr. 2016.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano X - No 20 - agosto a dezembro de 2016 167

significativos avanços e a própria tendência a uma mudança de comportamento das partes, haja vista o dever de boa-fé e da cooperação expressamente previsto para os sujeitos processuais e diretamente aplicáveis ao campo das provas, no processo. Verifica-se que o novo CPC/2015 avançou no sentido de não manter o preceito de apreciação livre da prova dos fatos e circunstâncias não alegados pelas partes, contido no revogado art. 131, do CPC/73. Na nova redação do CPC/2015 o dispositivo que versa sobre as provas suprime o termo “livremente” ao estabelecer que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação do seu convencimento.” (BRASIL, 2015). Com isso, surge a discussão a respeito da superação do sistema adotado em 1973, sobre a influência do novo paradigma jurídico constitucional do Estado Democrático de Direito. É que os códigos anteriores, sobretudo o CPC de 1973, se fundava no livre convencimento como modo de superar o sistema da prova tarifada, já superado no Brasil. Atualmente, o subjetivismo do julgador na análise da prova é plenamente incompatível com o processo constitucional.

Quanto ao direito à ampla produção probatória, Sergio Henrique Zandona Freitas e Felipe de Almeida Campos48, apresentam que o primeiro destaque está exatamente no primeiro artigo deste capítulo, qual seja, o artigo 36949:

Percebe-se que é mantida a vertente constitucional da proibição e inadmissão das provas obtidas por meios ilícitos, tornando, por outro lado, amplamente aberta a atividade probatória pelas partes, já que podem produzir todos os meios de provas moralmente legítimos, com vistas a influir, como diz o texto, “[...] eficazmente na convicção do juiz”.

Ressaltam os referidos autores50 que, além do juiz, as provas têm como destinatários, as partes e o Ministério Público, uma vez que,

não se pode compreender no processo democrático que o juiz seja uma espécie de único recebedor das provas, ou seja, o alvo a que se propõe a prova. Não é adequado, dentro do contexto de um processo constitucional, afastar os demais integrantes do processo como destinatários da prova. Assim, a melhor compreensão encontra sentido na medida em que as partes, o Ministério Público e os demais interessados também devem ser compreendidos como destinatários da prova, no contexto de simétrica paridade e construção conjunta do provimento.51

Outro ponto que os autores apresentam é a posição do juiz na determinação das provas, quando ao indeferimento de provas requeridas pelas partes:52

No artigo 37053 do atual CPC está previsto que o juiz deverá, de ofício ou por requerimento das partes, determinar as provas necessárias para o julgamento do feito e, ainda, desde que fundamentado, indeferir diligências inúteis ou protelatórias. Além disso, o direito à ampla produção probatória assegura que não poderá o magistrado indeferir – por meras razões subjetivas - os meios de provas indicados pelas partes para provarem suas alegações, na

48 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona; CAMPOS, Felipe de Almeida. O instituto jurídico da prova no direito processual brasileiro e sua (re)construção histórica. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 25. p. 301-326. Data da submissão: 16/12/2016 Data da aprovação: 22/12/2016.

49 Art. 369 - As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especi-ficados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz

50 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona; CAMPOS, Felipe de Almeida. O instituto jurídico da prova no direito processual brasileiro e sua (re)construção histórica. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 25. p. 301-326. Data da submissão: 16/12/2016 Data da aprovação: 22/12/2016.

51 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona; CAMPOS, Felipe de Almeida. O instituto jurídico da prova no direito processual brasileiro e sua (re)construção histórica. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 25. p. 301-326. Data da submissão: 16/12/2016 Data da aprovação: 22/12/2016.

52 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona; CAMPOS, Felipe de Almeida. O instituto jurídico da prova no direito processual brasileiro e sua (re)construção histórica. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 25. p. 301-326. Data da submissão: 16/12/2016 Data da aprovação: 22/12/2016.

53 Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

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168 A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO PROCESSUAL

medida em que garante o emprego de “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos”. Portanto, não cabe ao magistrado indeferir a produção de provas por razões de cunho subjetivo, embora lhe assegure o novo CPC indeferir as diligências inúteis ou protelatórias.54

Ao serem as provas processuais, apresentadas no escopo do convencimento do juiz, a interação com as provas de direito material, a princípio, parece apresentar-se necessária.

3. A INTERAÇÃO DA PROVA NO NEGÓCIO JURÍDICO: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.

No presente capítulo pretende analisar a interação dos meios probatórios do negócio jurídico de direito material e de direito processual, especificamente previstos no Código Civil de 2002 e no Código de Processo Civil de 2015.

3.1 MEIOS PROBATÓRIOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.

A disciplina dos meios probatórios no Código Civil de 2002 observa o disposto no ordenamento de 1916. O Título V, “Da Prova”, tem início no art. 212 do atual Código Civil, totalizando a disciplina em vinte e um dispositivos, diferentemente da codificação de 1916 que apresentava treze dispositivos.

Os meios de prova estão previstos no artigo 212 do Código Civil de 200255: a confissão, os atos processados em juízo, os documentos públicos ou particulares, as testemunhas, os exames e vistorias, o arbitramento e a presunção56. As formas de prova admitidas constavam na codificação anterior, sendo no atual, mencionadas de maneira mais objetiva e direta, indicando negócios jurídicos.

Repetiu-se a confissão e a presunção. O enunciados 157 do Conselho Nacional de Justiça apresenta a interpretação do artigo 212, quanto ao termo “confissão”:

157 – Art. 212: O termo “confissão” deve abarcar o conceito lato de depoimento pessoal, tendo em vista que este consiste em meio de prova de maior abrangência, plenamente admissível no ordenamento jurídico brasileiro.

A testemunha passou a constar no singular (art. 212, inciso57 . Contudo, com a publicação da lei que disciplina o Código de Processo Civil, foi revogado o caput do artigo 227 do Código Civil de 2002, excluindo-se a possibilidade de prova exclusivamente testemunhal.

54 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona; CAMPOS, Felipe de Almeida. O instituto jurídico da prova no direito processual brasileiro e sua (re)construção histórica. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 25. p. 301-326. Data da submissão: 16/12/2016 Data da aprovação: 22/12/2016.

55 CC/2002 . Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I – confissão; II – documento; III – testemunha; IV – presunção; V – perícia.CC/1916. Art. 136. Os atos jurídicos, a que se não impõe forma especial, poderão provar-se mediante:I – confissão; II – atos processa-dos em juízo; III – documentos públicos ou particulares; IV – testemunhas; V – presunção; VI – exames e vistorias; VII – arbitramento.

56 TÍTULO V - Da ProvaArt. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:I - confissão;II - documento;III - testemunha;IV - presunção;V - perícia.

57 Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I - confissão; II - documento; III - testemunha;

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano X - No 20 - agosto a dezembro de 2016 169

Da mesma forma, consta o documento no singular (art. 212, inc. II)58, englobando os documentos públicos e os particulares, previsto no Código Civil de 1916.

Os enunciados 297 e 298 do Conselho Nacional de Justiça apresentam a interpretação do artigo 212, incluindo o documento eletrônico:

297 — Art. 212. O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada.298 — Arts. 212 e 225. Os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de “reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas”, do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental.

A confissão, prevista no artigo 212 do Código Civil, objeto do enunciado 157 do Conselho Nacional de Justiça, interpretou o termo confissão, para abarcar o depoimento pessoal:

157 – Art. 212: O termo “confissão” deve abarcar o conceito lato de depoimento pessoal, tendo em vista que este consiste em meio de prova de maior abrangência, plenamente admissível no ordenamento jurídico brasileiro.

A prova plena prevista para a escritura pública no artigo 21559, não tem a presunção absoluta, de acordo com o Enunciado 158 do Conselho Nacional de Justiça, devendo ser conjugada com a redação do artigo 219:60

158 – Art. 215: A amplitude da noção de “prova plena” (isto é, “completa”) importa presunção relativa acerca dos elementos indicados nos incisos do §1o, devendo ser conjugada com o disposto no parágrafo único do art. 219.

Quanto aos meios probatórios previstos no Código de Processo Civil foi incluído no artigo 384 a ata notarial, mediante a lavratura pelo tabelião.61 Bruna Sitta Deserti fundamenta que não há no CPC 2015 conceito de ata notarial:62

No ordenamento jurídico brasileiro não existe lei que defina ata notarial. Mesmo após o início da vigência da Lei nº 13.105/2015, que institui o novo CPC, em 18 de março de 2016 (vide capítulo 3, item 3.1), continuaremos sem um conceito propriamente dito para a ata notarial; isso porque o art. 384 estabelece que “A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião” 1 , o que caracteriza muito mais o objeto do que o conceito da ata. Por conseguinte, o conceito desse instrumento público deve ser extraído da doutrina. Quanto ao conceito da ata notarial, a doutrina brasileira ainda é restrita em relação à quantidade

58 Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: [...]; II - documento;

59 Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

60 Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários.Parágrafo único. Não tendo relação direta, porém, com as disposições principais ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-las.

61 Seção III - Da Ata NotarialArt. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

62 DESERTI, Bruna Sitta. Ata notarial como meio de prova. 2016. 132 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2016. Distingue notário de registrador: “Para ficar mais claro, a função do notário, de forma geral, traduz a ideia de formalização jurídica da vontade das partes e de autenticação de fatos; já a função do oficial de registro remete à ideia de tornar público aquilo que vai a registro, de publicidade registral, de apreen-são dos atos e fatos jurídicos para torná-los seguramente públicos. Por essa razão, é incorreto se referir ao registrador civil (aquele profissional que cuida dos registros de casamentos, nascimentos, óbitos) como tabelião, [...].”

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170 A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO PROCESSUAL

de obras sobre o tema e a maioria dos conceitos desenvolvidos pelos autores possuem respaldo em estudos realizados com base na doutrina estrangeira.

Luiza Oliveira Guedes conceitua ata notarial como instrumento com base em fé pública e presunção de autenticidade e veracidade dos documentos lavrados pelo notário63.

Pode-se dizer que a ata notarial é o instrumento pelo qual o notário, com base em sua fé pública e na presunção de autenticidade e veracidade dos atos por ele lavrados, autentica um fato, sendo uma de suas funções tornar-se prova em processo judicial. A ata notarial é diferente da escritura pública, também lavrada nas notas do tabelião. Na ata notarial, não há manifestação de vontade, pois ela apenas retrata o testemunho de fatos presenciados pelo notário. É dizer, o tabelião narra um fato. Na escritura pública, por sua vez, a manifestação de vontade se faz necessária. O tabelião recebe a manifestação de vontade das partes, voltada para a concreção do suporte fático de um ato jurídico lato sensu (EL DEBS, 2016, p. 90).

Os meios probatórios previstos no direito material para o negócio ,jurídico serão apreciados no processo civil, requerendo a sua interação.

3.2 A INTERAÇÃO DA PROVA NO DIREITO CIVIL E NO DIREITO PROCESSUAL

Ao analisar os meios probatórios do negócio jurídicos no direito material e processual, constata-se uma diferença na disciplina da prova testemunhal, entre o artigo 228 do Código civil e o § 1º do artigo 447 do Código de Processo Civil.

Os incisos II64 e III65 do artigo 228 do Código Civil foram revogados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, mantendo a seguinte redação:

Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:I – os menores de dezesseis anos;IV – o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;V – os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, porconsangüinidade, ou afinidade.§ 1o Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo.§ 2o A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

A redação do § 1º do art. 447 do Código de Processo Civil, ao disciplinar a prova testemunhal, mantém os dispositivos (revogados do CC/2002), considerando incapazes:

Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.§ 1o São incapazes:

63 Guedes, Luiza Oliveira, 1988- Serventias extrajudiciais: uma via alternativa de acesso à justiça. - Belo Horizonte, 2016. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade FUMEC, Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, Belo Horizonte, 2016.Brandelliapud Bruna Sitta Deserti, conceitua a ata notarial como sendo “o instrumento público através do qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento” (BRANDELLI, 2004, p. 44).Brandelli conceitua a ata notarial como sendo “o instrumento público através do qual o notário capta, por seus sentidos, uma de-terminada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento” (BRANDELLI, 2004, p. 44).

64 II – aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil;

65 III – os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam;

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano X - No 20 - agosto a dezembro de 2016 171

I - o interdito por enfermidade ou deficiência mental;II - o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;III - o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.

A redação do Código de Processo Civil está em desconformidade com o Estatuto da Pessoa com Deficiência66 (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), que estabelece a capacidade plena como regra e, com o Código Civil de 2002, que considera a incapacidade absoluta somente aos menores de dezesseis anos.

Ressalte-se que a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência ocorreu poucos meses após o Novo Código de Processo Civil Brasileiro (CPC)67. Por sua vez, o NCPC entrou em vigor meses após o Estatuto. Os dispositivos I, II e IV ainda que não revogados, não podem ser aplicados, por contrariar Convenção Internacional que ingressou como norma constitucional. Somente o inciso III (menor de 16 anos) se mantém.

Desta forma, a interação entre os meios probatórios de direito material e de processo civil, permite que as pessoas ali indicadas possam ser testemunhas.

No processo civil, caberá aos envolvidos, e principalmente ao Juiz, a verificação da interação entre os meios probatórios com o direito material.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Direito Romano, não havia distinção entre o direito material e o processual. Atualmente, constituem disciplinas autônomas. Os meios probatórios do negócio jurídico, previsto no direito material, são apreciados no direito processual. Desta forma, ainda que disciplinas autônomas, há a interação entre os meios probatórios do negócio jurídico de direito substantivo no direito adjetivo.

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DESERTI, Bruna Sitta. Ata notarial como meio de prova. 2016. 132 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de

66 BRASIL. Decreto nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União. Brasília. 7 de julho de 2015; 194o da Independência e 127o da República.

67 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. Brasília. 17 de março de 2015. 194o da Independência e 127o da República.

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172 A DISCIPLINA DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO: INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO PROCESSUAL

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 173

GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO: O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA

ESTRANGEIRAEliza Cerutti1

RESUMO:

Este estudo visa a abordar alguns problemas que podem decorrer da gestação por substituição em um cenário globalizado, bem como a identificar as possíveis causas e, ainda, as soluções que têm sido buscadas no enfrentamento jurídico do tema. Estima-se que por meio do conhecimento dos sistemas jurídicos de alguns países e da experiência estrangeira, seja possível extrair algumas lições que podem ser consideradas pelo Brasil ao delinear os marcos jurídicos internos a respeito da matéria.

PALAVRAS-CHAVE: gestação por substituição, globalização, turismo reprodutivo, filiação, superior interesse da criança, direito internacional privado.

ABSTRACT:

This paper propose to analyse some problems that may arise from surrogacy in a globalized scenario, as well as to identify possible causes and also solutions that have been sought in the legal confrontation of the topic. It is intended that, through the knowledge of the legal systems of some countries and foreign experience, it is possible to draw some lessons that can be considered by Brazil in outlining the internal legal frameworks on this issue.

KEYWORDS: surrogacy, cross-border reproductive care, parentage, best interests of the child, private international law.

1. ALGUNS DESAFIOS DA GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO

A última metade do século XX foi marcada por profundas transformações políticas, sociais e tecnológicas. Entre o horror e a esperança, a Segunda Guerra Mundial deixou seu legado e fez florescer um mundo novo. A política viu nascerem organismos internacionais de cooperação mútua e esforços para tentar garantir o desenvolvimento econômico e a paz mundial. Mudanças sociais deixaram suas marcas na família. Hoje ela é mais livre, igualitária e solidária. Enquanto

1 Mestre em Direito de Família e Infância pela Facultat de Dret de la Universitat de Barcelona. Especialista em Direito Internacional Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogada.

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174 GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO: O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

isso, no campo tecnológico, avanços significativos no terreno da energia, dos transportes, das telecomunicações e da saúde fizeram surgir novas necessidades e sugerem a invenção de diferentes maneiras de se viver e se relacionar com o outro.

Até mesmo a procriação, ato que se propõe tão natural, ingressou nessa ciranda. Os métodos contraceptivos viabilizaram o controle dos nascimentos não desejados. A reprodução humana assistida veio a remediar, em alguma medida, a infertilidade2. Nesse marco, apresenta-se a figura da gestação por substituição3, potencializando os problemas relacionados à atribuição dos laços parentais e a como tutelar os interesses daqueles que a ela recorrem4. Com efeito, a dissociação entre casamento, sexo e reprodução fez ruir a noção, até então, unívoca, da filiação5, fazendo surgir situações nem sempre expressamente acolhidas pelo Direito, especialmente, nas formas de entender as relações entre pais e filhos, provocando o fenômeno que o antropólogo Maurice Godelier denominou “a metamorfose do parentesco”6.

Por suas consequências tão transcendentes, a gestação por substituição tem suscitado uma multiplicidade de questionamentos de ordem jurídica, moral e ética, cujas respostas variam em cada Estado. Entretanto, o tema ganha uma dimensão especial, quando se considera que os empecilhos que, internamente, alguns Estados impõem à gestação por substituição, não são capazes de contê-la em um mundo globalizado7 e, por vezes, ainda podem estimular o surgimento de um mercado reprodutivo internacional8 que potencializa os problemas, na medida em que, nesse contexto, haverá contato com mais de um sistema jurídico.

Os dramas existenciais vividos em decorrência de manobras adotadas para contornar vedações legais e alcançar a realização do tão desejado projeto parental se multiplicam. Alguns casos são representativos dessa problemática, como o de Samuel. Ele nasceu na Ucrânia, em decorrência de acordo de gestação por substituição, e lá permaneceu em um orfanato por dois anos, porque os vistos de permanência de seus pais, um cidadão belga e um francês, expiraram antes que eles obtivessem o reconhecimento, pela Bélgica, do seu registro de nascimento, emitido pela Ucrânia9.

História semelhante marca as vidas de Leonard e Nikolas Balaz. Os dois meninos nasceram

2 LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publica-cions i Edicions, 2013, p.18. A via da gestação por substituição é bastante procurada por famílias menos tradicionais, formadas por pessoas sozinhas ou casais do mesmo sexo, que, em razão da chamada infertilidade estrutural - impossibilidade de reprodução não por razões médicas, mas de estrutura social -, não podem alcançar a maternidade ou paternidade, por si mesmos.

3 VELA SÁNCHEZ, Antônio J. La maternidad subrogada: estudo ante un reto normativo. Granada: Comares, 2012, p. 13. Gestación por sus-titución es un supuesto especial de reproducción humana assistida – em pleno processo de expansión – por el cual una mujer, mediante contraprestación o sin ella, se compromete a gestar un bebé – concebido, repito, a través de las técnicas de reproducción asistida – para que otra u otras personas puedan ser padres, biológicos o no.

4 BRASILEIRO, Luciana da Fonseca Lima. As vicissitudes da filiação: os filhos da reprodução artificial heteróloga sob a ótica do consumo. In: ALBUQUESQUE, Fabíola; EHRHARDT JR. Marcos; OLIVEIRA, Catarina Almeida de. (coords.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo. Salvador: Jus Podium, 2010, p. 232. A autora alerta para o risco de que os futuros filhos deixem de ser sujeitos de direito, enquanto embriões, e passem a ser sonhos de consumo.

5 LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pp.103-104. No mesmo sentido, ATLAN, Henri. O útero artificial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006, p. 73.

6 RODRIGUEZ, Jesús flores. Gestación por sustitución: más cerca de um estatuto jurídico comum europeo. Revista de Derecho Privado. Universidad Externado de Colombia. n. 27, jul./dec. 2014, pp. 71-89, p. 72.

7 SANTOS BELANDRO, Rubens. La maternidad sub-rogada consumada en el extranjero: eficacia extraterritorial de las decisiones ju-diciales y/o administrativas y de la circulación internacional de los documentos relacionados con ella. elDial. 25 nov. 2011. Buenos Aires.

8 LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Op. cit., p. 193. A European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE) tem criticado a terminologia “turismo reprodutivo”, por banalizar os motivos que levam às pessoas a migrarem para se submeterem às técnicas de reprodução assistida, sugerindo o termo cross-border reproductive care.

9 RUBAJA, Nieve. El derecho internacional privado al servicio de los derechos fundamentales de los niños nascidos por el empleo de la gestación por sustitución en el extranjero. In: MORENO RODRIGUEZ, José Antonio. MARQUES, Cláudia Lima. Los servicios en el derecho internacional privado: jornadas de la ASADIP 2014. Porto Alegre/Asunción: Gráfica e Editora URJ, 2014, pp. 281-336, pp. 306-307.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 175

na Índia e lá permaneceram durante dois anos, sem registro de nascimento, porque a Alemanha não reconhecia o vínculo parental em relação aos seus pais, um casal de alemães. As crianças apenas puderam deixar o país por questões humanitárias. A Agência de Adoção Central da Índia flexibilizou as regras internas e promoveu o registro dos dois meninos, permitindo também a adoção das crianças pelos alemães10.

Situações como estas têm chegado à apreciação da Corte Europeia de Direitos Humanos. A Itália foi condenada no caso Paradiso y Campanelli, por ter afastado um menino, nascido em decorrência de um acordo de gestação por substituição, firmado na Rússia, com uso de gametas cedidos, do casal de italianos que desejou e promoveu o seu nascimento, ao mesmo tempo em que o encaminhou para a adoção, sob a justificativa de que seus pais genéticos eram desconhecidos11. A França também foi condenada nos casos Mennesson12 e Labasse13 por ter violado o direito à vida privada e familiar, ao negar o reconhecimento da filiação de crianças nascidas nos Estados Unidos, em decorrência de gestação por substituição, embora filhas biológicas de cidadãos franceses.

As histórias relatadas não são episódios isolados14.

Elas ilustram a abundante quantidade de casos vivenciados por crianças nascidas em decorrência de gestação por substituição havida no estrangeiro e imersas em contextos permeados pela incerteza e potencial vulneração de seus mais basilares direitos.

Frente a essa realidade, e a partir da hipótese de que a vedação à gestação por substituição não impede que acordos dessa natureza sejam realizados, podendo provocar, em relação ao Estado, situações indesejadas de fraude à lei e, do ponto de vista do ser humano, de sujeição à vulnerabilidade e a incertezas jurídicas, este estudo se propõe a transitar pelo sistema jurídico de alguns países e extrair, da experiência estrangeira, lições que possam nortear a elaboração dos marcos jurídicos internos.

2. A GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO NOS SISTEMAS JURÍDICOS CONTEMPORÂNEOS15

Em matéria de reprodução humana assistida, a gestação por substituição, possivelmente, revela-se como uma das práticas mais controvertidas dentre as utilizadas hodiernamente, em boa parte, porque os valores morais e culturais que informam diferentes sistemas jurídicos têm conduzido à maior ou menor aceitação do uso dessa técnica.

Um passeio pelos sistemas jurídicos de alguns países que optaram por permitir ou tolerar a

10 MORTAZAV, Sarah. It takes a village to make a child: creating guidelines for international surrogacy. Disponível em: http://georgeto-wnlawjournal.org/files/2012/08/14Mortazavi.pdf. Acesso em: 01 jun. 2015.

11 Caso Paradiso and Campanelli v. Italia (app. nº 25358/12). Disponível em: http://www.echr.coe.int/Documents/CLIN_2015_01_181_ENG.pdf. Acesso em: 21 abr. 2015.

12 Caso Mennesson v. Fancia (app. nº 65192/11). Disponível em: http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-145389#{“itemid”:[“001-145389”]}. Acesso em: 18 ago. 2015.

13 Caso Labasse v. Francia (app. nº 65941/11). Disponível em: Disponível em: http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-145180*#{“ite-mid”:[“001-145180*”]}. Acesso em: 18 ago. 2015.

14 RUBAJA, Nieve. El derecho internacional privado al servicio de los derechos fundamentales de los niños nascidos por el empleo de la gestación por sustitución en el extranjero. Op. cit., pp. 281-336. Outros casos bastante ilustrativos foram o Baby Manji Yamada v. Union of India & Anr, o Cologne, o D y D c. Bélgica.

15 No “anexo I” a autora traz uma tabela comparativa do regramento da gestação por substituição em alguns países, que foram selecio-nados de maneira e conferir uma amostra dos blocos mais permissivos aos menos permissivos, identificando características e potenciais problemas comuns entre eles.

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gestação por substituição evidencia a preocupação em fornecer algumas balizas e permite perceber em que medida a multiplicidade de soluções reproduzem os valores vigentes em cada sociedade.

Um dos sistemas mais liberais, dentre os visitados, é o norte-americano. O Estado pouco interfere nas relações privadas. Em face da soberania estatal, a faculdade de permitir ou vedar a gestação por substituição e os seus efeitos, especialmente no que diz respeito à atribuição da filiação, variam em cada estado16. É possível afirmar que, mesmo naqueles estados que a proíbem ou mesmo a criminalizam, prioriza-se a liberdade e atribui-se a filiação aos detentores do projeto parental, desde que haja consenso entre os envolvidos. Em termos gerais, nos estados que permitem ou não regulamentam a gestação por substituição, não costuma haver limitações quanto (a) ao caráter oneroso do acordo, (b) ao estado civil e/ou orientação sexual de quem recorre ao uso dessa técnica, (c) à possibilidade (ou não) de gestar, enquanto condição de acesso, (d) quem aportará o material genético, embora, nesse ponto, a utilização de gametas da própria gestante raramente ocorre.

Assim, em razão da maior liberdade, bem como em decorrência da concessão de nacionalidade às crianças nascidas em seu território17, os Estados Unidos parecem ser um dos países legalmente mais seguros para a realização desses procedimentos. Em contrapartida, é também onde os custos são os mais elevados. Enquanto lá um processo de gestação por substituição, com doação de óvulos, custa em torno de U$130.000,00, na Índia e no Nepal, o mesmo procedimento custa, no máximo, U$40.000,0018. Tamanha diferença se deve, substancialmente, às condições socioeconômicas vivenciadas na Índia, onde 540.000.000 pessoas estão abaixo da linha da pobreza e 73% das mulheres são analfabetas. Não admira, portanto, que, enquanto uma gestante norte-americana receba em torno de U$35.000,00, a indiana receba U$5.000,00 e, para ela, é muito, quando se considera que seus maridos não ganham, em regra, mais que U$100,00 por mês19.

Devido aos preços mais acessíveis e, também, à ausência de legislação20, estabeleceu-se, na Índia, uma prática permissiva para a gestação por substituição comercial, tornando-o destino de um massivo turismo reprodutivo. E, também por isso, a exploração dessa atividade não tardou a provocar graves problemas existenciais, como a exploração de gestantes e situação de grande insegurança que emoldura o presente e o futuro de crianças que, muitas vezes, permanecem apátridas, sem poder sair do país, caso o Estado da nacionalidade dos pais não reconheça a existência de vínculo de filiação21. Isso ocorre porque, na Índia, vige o sistema ius sanguinis, no qual apenas é reconhecida a nacionalidade e, pois, realizada a inscrição de nascimento, quando há vínculo de ascendência entre a criança e cidadãos indianos - no caso da Índia, a ascendência

16 Alguns proíbem a gestação por substituição, em todas as formas (Louisiania, Arizona e Columbia); outros proíbem somente a modalidade comercial (Nova York e Nebraska), enquanto outros, ainda, criminalizam a realização de contratos dessa natureza (Michigan). Por outro lado, há estados que, expressamente, permitem a gestação por substituição (Texas, Utah, Illinois, Virgínia, Flórida, New Hampshire) e outros que não possuem lei, mas têm sido permissivos, por força de jurisprudência (Califórnia, Carolina do Sul, Pensilvânia, Massachusetts e Ohio).

17 A concessão na nacionalidade, pelo sistema ius solis, é importante porque a criança, uma vez registrada, poderá obter documentos que lhe permitam viajar ao país de domicílio dos pais.

18 Valores extraídos da página eletrônica da clínica Tammuz Internation Surrogacy. Disponível em: http://www.tammuz.com/por/. Acesso em: 07 jun. 2015.

19 BRENA, Ingrid. Maternidad sub-rogada: autonomia o submision? Revista de Derecho y Genoma Humano, n. 40, en./jun., 2014, pp. 133-145. A gestação por substituição gerava à Índia divisas na ordem de 2,3 bilhões de dólares ao ano, por meio das atividades de 200 mil clínicas privadas.

20 Está em tramitação um projeto de Lei, o Assisted Reproductive Technology Bill and Rules de 2010. Contudo, enquanto não há lei, são observadas as National Guidelines for acreditation, supervision and regulationn of art clinics, que são regras de procedimento direcionadas às clínicas.

21 Os dados constam denunciados no Surrogate Matherhood-Ethical or Commercial, elaborado pelo Centro de Investigação Social da Índia.

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pressupõe liame genético. Portanto, não tendo a criança vínculo genético com a gestante - o que tende a ser a regra em casos de gestação por substituição no país -, a inscrição de nascimento, outorga da nacionalidade e expedição de passaporte dependerão do reconhecimento da filiação por país estrangeiro.

Aliás, com a intenção de contornar esse problema, em 2012, o Ministério do Interior passou a exigir visto médico a estrangeiros que pretendam recorrer às técnicas de reprodução assistida no país, cuja obtenção depende (a) de prova de casamento heterossexual (realizado há, pelo menos, dois anos) e de (b) carta da embaixada do país de origem que indique, claramente, que reconhece a gestação por substituição e que permitirá a entrada da criança no país, como filho de seus nacionais. Afora isso, exige ainda (c) que os titulares do projeto parental não possam gestar, (d) que um deles aporte o próprio material genético e (e) que os gametas femininos não advenham da gestante22. Um Projeto de Lei apresentado em 2016, se aprovado, implicará em maiores restrições, com a proibição da gestação por substituição comercial, o acesso a estrangeiros e a exigência de vínculo de parentesco entre a gestante os detentores do projeto parental23.

Tais limitações provocaram e, provavelmente, ainda provocarão a redução do número de acordos de gestação por substituição internacional na Índia, mas, rapidamente, as agências que intermedeiam esses negócios e as clínicas de reprodução humana assistida transferiram suas atividades, pelo menos, em parte, para o Nepal24, onde ainda não existe legislação a respeito do tema e, portanto, aparentemente, não há limitações25.

Também, são destinos procurados por pessoas em busca desse serviço reprodutivo a Ucrânia e a Rússia. Em ambos os países, quem recorre à técnica deverá ser incapaz de gestar, a gestante não poderá aportar seu material genético e, como os dois países vedam o casamento entre pessoas do mesmo sexo, casais homossexuais não podem recorrer à gestação por substituição. A diferença é que, enquanto, na Rússia, pessoas solteiras podem se submeter à técnica e não é necessário que o(s) titular(es) do projeto parental aporte(m) seu material genético, na Ucrânia, somente pessoas casadas têm acesso e, pelo menos, um dos titulares do projeto parental deve aportar o próprio material genético. Oportuno afirmar, ainda, que a filiação, na Rússia, será imputada diretamente ao(s) titular(es) do projeto parental, se houver o consentimento da gestante, mas caso ela desista do acordo e negue o consentimento, a filiação será atribuída a ela, prevalecendo a presunção mater semper certa est. Na Ucrânia, o registro será feito, diretamente, em nome daquele(s) que aportou(aportaram) seu material genético26.

Há outros países que, embora permitam a gestação por substituição, criaram mecanismos visando a evitar o turismo reprodutivo em seus territórios. Além de não permitirem a exploração

22 LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Op. cit., pp. 179-181.

23 VERNA, Tarishi. What are the surrogacy laws in India: here is everything you need to know India has been a favourite country for those wanting a surrogate child but legal recourse has hardly been provided. Disponível em: http://indianexpress.com/article/research/karan-johar-surrogate-children-yash-roohi-what-are-the-surrogacy-in-laws-in-india-here-is-everything-you-need-to-know-4555077/. Acesso em: 28 fev. 2018.

24 MELLO, Patrícia Campos. Israel resgata do Nepal 26 bebês de mães de aluguel. Folha de São Paulo. 28 abr. 2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/04/1621994-israel-resgata-do-nepal-26-bebes-de-maes-de-aluguel.shtml. Acesso em: 07 jun. 2015.

25 GAUTAM, Manish. Door opens to foreigners for surrogacy. The Kathmandu post. 04 dic. 2014. Disponível em: http://www.ekantipur.com/the-kathmandu-post/2014/12/03/top-stories/door-opens-to-foreigners-for-surrogacy/270400.html. Acesso em: 09 jun. 2015.

26 LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Op. cit., pp. 170-177. Na Rússia, a ges-tação por substituição é regida pelo Código de Família, pela Lei Federal de Saúde, pela Lei Federal sobre atos de Registro do Estado Civil e pela Ordem nº 67, do Ministério da Saúde Pública.

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comercial da gestação por substituição, o Reino Unido e a Grécia apenas possibilitam o acesso a essa técnica de reprodução assistida a cidadãos e/ou residentes. No caso de Grécia e Israel, há um sistema rigoroso de aprovação prévia.

Interessante destacar que, no Reino Unido, a legislação estabelece a clara distinção entre a validade do acordo de gestação por substituição, que pressupõe a gratuidade (ou, no máximo, o pagamento dos gastos que serão suportados pela gestante) e a atribuição do vínculo parental, realizado a posteriori mediante o cumprimento de alguns requisitos, dentre os quais, a incapacidade de gestar, o fato de os detentores do projeto parental serem casados ou viverem em união estável, independentemente da sua orientação sexual, e de, pelo menos, um deles ter vínculo genético com a criança. Diante do nascimento, a filiação será atribuída à gestante e ao seu marido, se consentiu com o procedimento e, seis semanas mais tarde, por meio de um procedimento judicial, respeitados os requisitos apontados, será transferida a filiação27.

Na Grécia, os requisitos são similares, com a diferença de que a atribuição da filiação decorre de um sistema de aprovação judicial prévia à implantação do embrião. Além disso, a legislação exige que o acordo seja altruísta, que o titular do projeto parental seja incapaz de gestar, mas que aporte seu material genético, que os pais intencionais sejam casados e heterossexuais ou que o projeto seja uniparental28.

O sistema estabelecido em Israel, por sua vez, é bastante peculiar. A aprovação do acordo de gestação por substituição é prévia, realizada por um comitê e aprovada por ordem judicial. A técnica é permitida quando altruísta, a casais heterossexuais, mesmo que não casados, que tenham incapacidade de gestar, que os gametas masculinos advenham do detentor do projeto parental (o óvulo pode ser doado), que a gestante não tenha vínculo de parentesco com os pais intencionais e que não aporte seu material genético. Exige-se, ainda, que a gestante professe a mesma religião dos pais intencionais, exceto se nenhuma das partes for judia29.

Ainda, na esfera de países que permitem a gestação por substituição, pode-se incluir o Brasil. Embora não haja lei sobre reprodução humana assistida, algumas balizas importantes são tratadas pela Resolução do Conselho Federal de Medicina30, que orienta os médicos a realizarem o procedimento de gestação por substituição, também denominado útero solidário, quando seja altruísta, haja impossibilidade de o(s) titular(es) do projeto parental gestar(em), pelo menos um deles aporte seu material genético e, que a gestante tenha vínculo de parentesco de até quarto grau com os pais intencionais. Importante observar, ainda, que o estado civil e a orientação sexual são irrelevantes, enquanto critério de acesso ao uso da técnica.

Dentre os países que proíbem a gestação por substituição31 (com sistemas jurídicos similares)

27 LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Op. cit., pp. 132-134. No Reino Unido, a gestação por substituição é regulamentada pelo Surogancy Arrangments Act, de 1985.

28 LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Op. cit., pp. 150-153. Na Grécia, a gestação por substituição está regulada em duas leis, a 3089/2002 e a 3305/2005.

29 LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Op. cit., pp. 159-163. Em Israel, a gestação por substituição é regulamentada pela Lei nº 5756/1996.

30 Resolução nº 2121/2015.

31 RODRIGUEZ, Jesús flores. Gestación por sustitución: más cerca de um estatuto jurídico comum europeo. Op. cit., pp. 73-74. Dentre os países que possuem legislação específica que reputa nula a gestação por substituição, destacam-se a Alemanha, a Áustria, a Espanha, a Estônia, a Finlândia, a França, a Islândia, a Itália, Moldavia, Montenegro, a Sérvia, a Eslovênia, a Suécia, a Suíça e a Turquia. Dentre os países de cujas disposições gerais se extrai a nulidade da gestação por substituição, destacam-se Andorra, a Bósnia-Herzegovina, a Hungria, a Irlanda, a Letônia, a Lituânia, Malta, Mônaco, a Romênia e San Marino.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 179

estão a França, a Alemanha, a Espanha e a Itália32. Sancionando com a nulidade de acordos dessa natureza, preocupam-se em evitar a exploração de gestantes e de crianças, que, na percepção desses países, seriam convertidas em objetos de negócios jurídicos. Quando cidadãos desses países emigram na tentativa de contornar tal vedação e realizar a gestação por substituição no estrangeiro, em princípio, assumem o risco atado ao não reconhecimento do vínculo parental, sendo bastante comum o uso de argumentos como a fraude à lei e à ordem pública, como razão para a não imputação dos laços parentais ao(s) titular(es) do projeto parental. Essa situação esteve presente nos já mencionados casos “Mennesson” e “Labasse” (que levaram à condenação da França pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos). Entretanto, é fonte de perplexidade.

É preciso identificar, contudo, que, mesmo dentre aqueles países que vedam a gestação por substituição, ao fim e ao cabo, nascida uma criança no estrangeiro, há tendência de atenuar a ordem pública em prol do interesse do menor, o que viabiliza a materialização do vínculo de filiação por meio do exequátur, pela técnica do reconhecimento (transcrição direta da sentença estrangeira ou ata de nascimento no registro civil) ou, ainda, por meio da adoção33, o que não impede a violação de direitos da criança.

Seja como for, a diversidade no tratamento da gestação por substituição pelos países aqui visitados, mesmo dentre aqueles que a admitem, somada ao aumento da circulação de pessoas que parecem não medir esforços para a realização do projeto parental, exige a adoção de medidas harmônicas, que sejam capazes de promover a proteção das crianças nascidas a partir do uso dessas técnicas ou, pelo menos, de reduzir as complexidades que permeiam a atribuição dos vínculos parentais.

3. O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

Aparentemente, o Brasil ainda não está enfrentando problemas que emanam da gestação por substituição na intensidade como ele vem sendo vivenciado há mais de uma década por outros países. Vislumbra-se, porém, que dados empíricos provocam distorções diante da, aparente, lacuna da lei, na medida em que centros de fertilização, agências que intermedeiam serviços reprodutivos e, ainda, os recursos da Internet a serviço de um intercâmbio eficiente entre pessoas dos mais longínquos lugares começam a atuar onde o Direito não chegou34. Basta o acesso a uma das tantas páginas eletrônicas dedicadas ao tema da gestação por substituição para identificar que brasileiros fazem parte desse mercado, em ambos os polos da relação e, ainda, preferem

32 FARNÓS AMORÓS, Esther. European Society Human Reproduction and Embriology: 26 Annual Meeting. InDret. 3/2010, p. 06. A Itália possui leis bastante restritivas no que tange à reprodução humana a assistida (Lei nº 40, de 19 de fevereiro de 2004). Além de restringir o acesso às técnicas reprodutivas a pessoas heterossexuais casadas ou que convivam em união estável e proibir a fecundação do tipo heteróloga, inicialmente, também restringia a crio conservação a, no máximo, três pré-embriões e, ainda, até a data da transferência, se essa não pudesse ser realizada imediatamente por motivo de força maior. Em 2009, o Tribunal constitucional declarou inconstitucional a regra de única e contemporânea transferência, assim como a proibição de produzir um máximo de três pré-embriões por ciclo.

33 LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Op. cit, p. 124. No ano de 2013, o Ministério da Justiça da França emitiu circular - Circulaire du 25 janvier 2013 relative à la délivrance des certificatsde nationalité française – convention de mère porteuse – etat civil étranger -, orientando os Tribunais a facilitarem a concessão da nacionalidade francesa para crianças nascidas no estrangeiro em decorrência de gestação por substituição, sempre que o pai genético for francês. A Espanha, a seu turno, embora considere nulo o acordo de gestação por substituição, o art. 10, §3º, da Lei nº 14/2006 não veda que o homem que aportou o material genético reclame o vínculo de filiação com a criança, enquanto a Instrução da Direção Geral de Registros e Notários, de 5 de outubro de 2010, possibilita a transcrição do registro de nascimento expedido por autoridade estrangeira, desde que observados alguns requisitos, dentro os quais, a existência de uma resolução judicial estrangeira que determine dita filiação a respeito de pelo menos um progenitor espanhol.

34 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 247.

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180 GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO: O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

manter tais relações no estrangeiro, devido às incertezas que emanam do tratamento legislativo do tema no país35.

Por ora, afora o lastro conferido por princípios constitucionais com elevado grau de abstração36, não existe uma lei específica regulando o uso das técnicas de reprodução humana assistida. O tema encontra algumas balizas na Resolução nº 2121/201537, que autoriza os médicos a empregarem a gestação por substituição (a) quando ela for realizada em caráter altruísta, (b) desde que a mulher que pretende ter o filho detenha algum problema médico que impeça a gestação ou, se trate de casal homoafetivo (infertilidade estrutural), exigindo (c) que os pretensos pais aportem o próprio material genético38 e, ainda, (d) que a gestante tenha relação de parentesco consanguíneo de até quarto grau com os pais da criança.

Apesar de se tratar de regulamentação que carece de juridicidade39, ao que parece, a Resolução do Conselho Federal de Medicina em alguma medida conseguiu conter (não sem algumas críticas) as demandas pela gestação por substituição, por meio de um sistema permissivo, com certa dose de controle. Prova disso é que, dentre os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional visando a regular a reprodução humana assistida, parece existir tendência em seguir contornos similares aos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina.

O projeto de lei nº 115/201540, repetindo bases muito similares às do projeto de lei nº 2.855/97, autoriza a gestação por substituição nos casos em que (a) haja indicação médica que identifique qualquer fator de saúde que impeça ou contraindique a gestação por um dos cônjuges, companheiros ou pessoa que se submete ao tratamento41, (b) desde que não implique nenhuma retribuição econômica à gestante42, (c) a cessionária do útero pertença à família dos cônjuges ou companheiros em parentesco até segundo grau43, estabelecendo, ainda, (d) a formalização do pacto e sua homologação judicial prévia ao início dos procedimentos médicos de implantação, sob pena de

35 COTTA, Elaine. “Alugo meu ventre por motivos financeiros”. Revista Crescer. 04 jul. 2013. Disponível em: http://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Planejando-a-gravidez/noticia/2013/07/alugo-meu-ventre-por-motivos-financeiros.html. Acesso em: 16 jun. 2015.

36 GAMA, Guilherme Nogueira. Filiação e reprodução assistida: introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado. Revista bra-sileira de direito de família. n. 5, abr./maio./jun. 2000. Porto Alegre: Síntese, 2000, pp.7-28, p.13. Em especial (a) no princípio da dignidade da pessoa humana, (b) na tutela especial da família, respeitada sua pluralidade, (c) na igualdade entre seus membros, (d) na liberdade, (e) na solidariedade, (f) no princípio da proteção e prioridade absoluta dos interesses da criança, (g) na paternidade responsável.

37 Resolução n. 2121/2015, do Conselho Federal de Medicina:” VII – Sobre a gestação por substituição (doação temporária de útero): As clínicas, centros ou serviços de reprodução assistida podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva. 1- As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. 2- A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.”

38 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disposição dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 127. Essa fórmula empregada pela Resolução parece aleatória e sem justificativa, pois permite o acesso à gestação de substituição apenas a mulheres com tipos muito específicos de infertilidade, excluindo uma parcela significativa de mulheres reputadas inférteis, pois, simul-taneamente, tem que ser capaz de ovular, e não de gestar. Além disso, permite que duas mulheres em uma relação afetiva, sendo uma delas infértil, procriem, mas não estende esse mesmo direito se ambas estiverem em condições de fertilidade. E, ainda, não permite que um projeto dessa natureza seja levado a cabo por uma relação homossexual entre dois homens, o que cria uma situação de desigualdade sem qualquer critério racional.

39 As Resoluções do Conselho Federal de Medicina são normas deontológicas, portanto, não proíbem juridicamente uma conduta, apenas orientam os médicos quanto aos limites éticos da atividade.

40 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1296985&filename=PL+115/2015. Acesso em: 17 maio 2015.

41 Art. 21 do projeto de lei nº 115/2015. “A cessão temporária de útero é permitida para casos em que a indicação médica identifique qual-quer fator de saúde que impeça ou contraindique a gestação por um dos cônjuges, companheiros ou pessoa que se submete ao tratamento.”

42 Art. 22 do projeto de lei nº 115/2015. “A cessão temporária de útero não poderá implicar em nenhuma retribuição econômica à mulher que cede seu útero à gestação.”

43 Art. 23 do projeto de lei nº 115/2015.” A cessionária deverá pertencer à família dos cônjuges ou companheiros, em um parentesco até 2º. Grau. Parágrafo único. Excepcionalmente e desde que comprovadas a indicação e compatibilidade da receptora, será admitida a gestação por pessoa que não seja parente do casal, após parecer prévio do Conselho Regional de Medicina.”

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nulidade e atribuição da maternidade à gestante44.

Ao restringir a gestação por substituição aos casos em que haja problema de saúde que impeça a gestação, o projeto de lei deixa à margem casais do mesmo sexo e solteiros do sexo masculino que, por ausência de capacidade estrutural, não conseguirão gestar. Além de, aparentemente, inconstitucional45, tal disposição se mostra mais restritiva do que estabelece a atual Resolução do Conselho Federal de Medicina46, a qual, aliás, quando alterada, no ano de 2013, o foi, justamente, para incluir a possibilidade de pessoas do mesmo sexo se submeterem às técnicas reprodutivas47.

A vedação a qualquer remuneração econômica à gestante, também, parece desarrazoada ou, no mínimo, exagerada. Mesmo nos países que exigem a gratuidade da gestação por substituição, é permitida retribuição à gestante a fim de compensar as atividades que deixou de exercer e (ou) os custos gerados pela gestação e, nem por isso, em países como Reino Unido, Grécia e Israel, houve a mercantilização de serviços dessa natureza, haja vista a existência de outros limitadores, aparentemente, mais adequados. Ademais, no caso do Brasil, onde há previsão de pagamento de verba alimentar à gestante - alimentos gravídicos -, não faria sentido proibi-los no curso da gestação de substituição. A contraprestação teria, nessa hipótese, caráter alimentar48. Também, nesse aspecto, o projeto de lei nº 115/2015 se mostra mais restritivo do que a Resolução nº 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina, precisa ao vedar o caráter lucrativo e (ou) comercial49.

Uma terceira crítica diz respeito ao vínculo de parentesco que deve existir entre a gestante e os pais intencionais. Aparentemente, essa restrição tem como objetivo evitar que a gestante, pelos laços afetivos criados com o bebê, se negue a entregá-lo, haja vista que ele permanecerá na família. Entretanto, essa regra pode gerar outro problema: a confusão, por parte da gestante, de seu papel de avó ou tia em relação à criança que ajudou a gerar, com o papel de mãe50. A experiência jurídica de outros países que permitem a gestação por substituição mostra que é desnecessário impor condição como essa. Bastam regras claras quanto à atribuição da filiação para evitar conflitos positivos ou negativos no ato de entrega da criança aos detentores do projeto parental. Importante referir que, igualmente, nesse ponto, o projeto de lei se mostra mais restritivo do que a Resolução do Conselho Federal de Medicina, que estende o vínculo de parentesco até o quarto grau51, embora, também, possibilite a exceção, mediante parecer prévio do Conselho Regional de Medicina quando à indicação e compatibilidade da gestante.

44 Art. 24 do projeto de lei nº 115/2015. “Em todos os casos indicados, a cessão temporária de útero será formalizada por pacto de ges-tação de substituição, homologado judicialmente antes do início dos procedimentos médicos de implantação. Parágrafo único. São nulos os pactos de gestação de substituição sem a devida homologação judicial, considerando-se, nesse caso, a mulher que suportou a gravidez como a mãe, para todos os efeitos legais, da criança que vier a nascer.”

45 A inconstitucionalidade decorreria da violação ao princípio da igualdade, haja vista que confere acesso privilegiado às mulheres, bem como ao direito ao livre planejamento familiar, comum a todos os cidadãos, independente do sexo ou orientação sexual.

46 Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina. “VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.”

47 Trecho da exposição de motivos da Resolução nº 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina. “Considerando que o pleno do Supremo Tribunal Federal, na sessão de julgamento de 5.5.2011, reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva (ADI 4.277 e ADPF 132) (...)”.

48 ARAÚJO, Nadia de; VARGAS, Daniela; MARTEL, Letícia de Campos Velho. Gestação de substituição: regramento no direito brasileiro e seus aspectos de direito internacional privado. Op. cit., p. 126.

49 Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina. “VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). 2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.”

50 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disposição dos direitos de personalidade e autonomia privada. Op. cit., p. 218.

51 Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina. “VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). 1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até 50 anos.”

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182 GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO: O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

No que tange à atribuição da filiação em casos de gestação por substituição, o projeto de lei disciplina a atribuição da filiação do nascituro aos detentores do projeto parental. Contudo, dispõe que, caso não haja a homologação judicial prévia do pacto de gestação por substituição, a maternidade da criança será atribuída à gestante. Entende-se, porém, que não deve haver a vinculação entre a possível invalidade e (ou) irregularidade procedimental do pacto de gestação por substituição e a atribuição da filiação à gestante, para que não se repita o sistema de negação do direito do filho espúrio à paternidade e/ou à maternidade, que vigorou por longas décadas no país52. Ademais, tal posicionamento representaria o mesmo que atribuir a maternidade a título de sanção, para dissuadir da prática desses negócios. E, parece claro, a filiação deve ser determinada no interesse da criança, nunca como sanção de um comportamento que a lei reprova53.

Outro projeto de lei em tramitação no Brasil é o nº 1184/2003. Em caminho oposto ao dos projetos de lei nº 115/2015 e nº 2.855/97, ele veda a gestação por substituição em qualquer modalidade. Seria desnecessário dizer que uma regulamentação restritiva potencializa situações de clandestinidade e insegurança, além de fomentar o turismo reprodutivo, consoante comprova a experiência vivenciada em outros países com legislação nesses moldes.

Aparentemente, o debate legislativo não está maduro o suficiente para que se chegue à aprovação de qualquer desses projetos, o que parece refletir a dificuldade legislativa em termos de direitos existenciais em um país de grandes dimensões e rico em diversidade econômica, social, cultural e religiosa, pois são temas que envolvem diferentes valores54.

Frente a isso, quiçá seja salutar que a abordagem do tema tome, como referência, a experiência legislativa e jurisprudencial de países mais avançados em matéria de gestação por substituição, por meio da análise crítica que permita identificar aquilo que possa ser adaptado ao sistema jurídico interno . Nesse cenário, parece possível afirmar que a existência de requisitos com o objetivo de contenção se mostram de fundamental importância, especialmente, com a finalidade de evitar a exploração econômica e a conversão do país em destino de turismo reprodutivo. Em contrapartida, a ausência de uma base legal clara a respeito dos limites e garantias da gestação por substituição, assim como a excessiva restrição, pode provocar, como ocorre em outros países, a emigração com este fim, gerando situações de vulnerabilidade e insegurança jurídica, especialmente ao nascituro.

É preciso compreender, ainda, que o debate há de ir além da singela decisão por restringir ou liberar tal prática no âmbito interno de cada país. Isso porque, caso se opte pela vedação da gestação por substituição como alternativa para infertilidade, a problemática se mantém, diante da necessidade de oferecer respostas às situações havidas no estrangeiro, especialmente, no que tange ao reconhecimento dos vínculos parentais e de todas as consequências jurídicas daí

52 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: família. São Paulo: Atlas, 2008, p. 374.

53 ASCENSÃO, José de Oliveira. Procriação medicamente assistida e relação de paternidade. In: HIRONAKA, Gilselda Maria Fernandes Novaes. TARTUCE, Flávio. SIMÃO, José Fernando. (Coords.) Direito de família e das sucessões: temas atuais. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p.360 e 362.

54 Indicativo disso é que o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo ainda não conseguiu superar o processo legislativo no Brasil. Frente aos anseios de grande parte da sociedade, no ano de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou a ação direta de inconsti-tucionalidade nº 4277-DF, declarando a inconstitucionalidade de qualquer tipo de discriminação nas formas de constituição familiar, em razão de sexo e/ou de orientação sexual. No mesmo ano, à luz da decisão da Corte Suprema, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.183.378–RS, declarou que o casamento também pode ser contraído por pessoas do mesmo sexo. Após ambas as decisões, o tratamento do tema foi uniformizado no país, em 2013, por meio da Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça, que vinculou todos os Notários a aceitarem a habilitação de casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

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decorrentes. Em especial, diante da garantia constitucional ao livre planejamento familiar.

Por outro lado, a regulamentação que venha a permitir a gestação por substituição exige pensar questões como (a) o caráter altruísta ou comercial da relação jurídica; (b) a impossibilidade (ou não) de gestação do(s) detentor(es) do projeto parental; (c) a exigência (ou não) de um sistema de autorização prévia; (d) a decisão sobre quem pode (ou não) fornecer o material genético; (e) o fato de a gestante ter (ou não) vínculo de parentesco com os pais intencionais e (f) se ela possui (ou não) direito ao arrependimento e à reivindicação da filiação após o nascimento da criança; (g) o estado civil e orientação sexual dos pais intencionais, (h) a forma de atribuição dos vínculos de filiação ou, ainda, (i) a possibilidade de acesso à técnica apenas a nacionais e residentes, a exemplo do Reino Unido e Grécia ou, também, a estrangeiros. Em outras palavras, não basta dizer que permite, parece ser preciso construir balizas adequadas, pois, se a vedação pode fomentar a vulnerabilidade dos envolvidos, a liberação descontrolada, talvez, também, possa levar à violação de importantes direitos.

O desafio está posto. Ele consiste em ultrapassar o legado reducionista, que contamina o Direito codificado e redimensionar, hermeneuticamente, as possibilidades normativas contidas no universo da reprodução humana assistida, ao menos por ora, ou até que, inspirados na experiência estrangeira, edite-se uma boa lei sobre o tema.

CONCLUSÕES

Os valores morais, culturais e religiosos presentes em cada sociedade refletem posturas distintas no que diz respeito ao tratamento jurídico da gestação por substituição e seus desdobramentos.

Não é possível fechar os olhos para o fato de que a demanda por este meio de reprodução vem crescendo na última década, provocada, em grande parte, pelo reconhecimento de famílias menos tradicionais, formadas por pessoas sozinhas ou casais do mesmo sexo, que, pretendendo realizar o projeto parental e, mais, terem vínculo genético com a prole, descartam a possibilidade da adoção e lançam mão da gestação por substituição.

Parece impossível conter o acesso à gestação por substituição. E, pelo que se pôde extrair da experiência de países como França, Alemanha, Espanha e Itália, a negação a esse direito tende a provocar a busca por serviços dessa natureza em outros países, fomentando, além de vulnera-bilidade e incertezas jurídicas, em razão do contato com mais de um sistema jurídico, situações de fraude à lei.

Após um passeio pelos sistemas jurídicos de alguns países que se posicionam permitindo ou tolerando a gestação por substituição, a reflexão das opções feitas e as respectivas consequências vivenciadas permite concluir que não é a postura permissiva, por si, o elemento capaz de fomentar o turismo reprodutivo. Esse fenômeno parece ser determinado pela possibilidade de exploração econômica da técnica, como se vê, com maior frequência, nos Estados Unidos, na Índia, no Nepal, na Rússia e na Ucrânia.

Parece razoável pensar que a solução para a gestação por substituição resida na criação de um marco jurídico que, mesmo sendo permissivo, ofereça alguns mecanismos de controle em prol da

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184 GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO: O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

proteção dos sujeitos envolvidos, sobretudo, da criança que venha a nascer em decorrência do uso desse recurso. Talvez, um modelo próximo ao estabelecido no Reino Unido, na Grécia e em Israel, com definições claras quanto aos limites e, ainda, no que tange à atribuição dos vínculos parentais.

O Brasil ainda parece estar muito distante de atingir o consenso no que se refere ao tratamento do tema. Os projetos de lei em tramitação se mostram insuficientes para atender os aspectos que precisariam restar regulamentados e, quiçá, pela restrição que propõem, podem vir a provocar os mesmos problemas vivenciados por outros países que no passado adotaram a mesma postura.

Enfim, não se pode deixar de consignar que, diante da complexidade e incerteza que permeiam o tema aqui explorado, nenhuma resposta, pelo menos, nesse momento, pode ser considerada definitiva.

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186 GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO: O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

ANEXO ITABELA COMPARATIVA DA GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO EM ALGUNS PAÍSES.

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APLICAÇÃO DA CURVA ABC NO ESTOQUE DE UMA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COSMÉTICOS

Henrique Martim de Moura1

Bruna Corecha2

RESUMO:

O presente artigo refere-se à administração de materiais, com a utilização da curva ABC no estoque de uma empresa de cosméticos no estado do Pará. O estudo tem como principal objetivo desenvolver uma estratégia voltada a gestão de materiais para a empresa. A ferramenta foi aplicada através de um levantamento dos produtos da empresa, e uma classificação dos produtos em 3 classes, de acordo com o custo unitário e as unidades vendidas. O trabalho permite um maior embasamento para a tomada de decisões estratégicas da empresa, diagnosticando produtos que devem receber um tratamento especial e produtos que podem não ser viáveis estrategicamente para a instituição. O trabalho possibilitou um maior embasamento para a tomada de decisões da empresa relacionadas à alocação de seu estoque. Ampliou a visão estratégica da organização sobre gestão de estoque.

PALAVRAS-CHAVE: Curva ABC, gestão de materiais, estratégia.

ABSTRACT:

This article refers to materials management, with the use of the ABC curve in stock of a cosmetics company in the State of Pará. The study’s main objective is to develop a strategy focused on the management of materials to the company. The tool is applied through a survey of the company’s products, and a classification of the products in 3 classes, according to the unit cost and the units sold. The work allows a greater basis for strategic decision-making of the enterprise, diagnosing products that should receive special treatment and products that may not be strategically viable for the institution. The work enabled a greater basis for decision-making of the company related to your stock allocation. Expanded the Organizations strategic vision on inventory management.

KEYWORDS: ABC Curve, Management of materials, strategy.

1 Discente do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Pelotas. Membro do LABSERG (Laboratório de Segurança e Ergonomia) e do NEPEA (Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Acessibilidade). E-mail: [email protected]

2 Estudante de Engenharia de Produção da Universidade Estadual do Pará.

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INTRODUÇÃO

No acelerado crescimento do mercado, atualmente, as empresas buscam por novas ferramentas para garantir a otimização dos processos produtivos. Assim, facilitando o gerenciamento dos diversos setores em busca do aprimoramento de suas atividades para obtenção de resultados melhores. Silva e Sousa (2015) ponderam que o gerenciamento de estoque funciona como ponto de equilíbrio de todos os setores e processos de uma organização. A curva ABC é uma ferramenta de controle de estoque que verifica o tempo, consumo, quantidade e valor de produtos em estoque para que estes fatores sejam classificados em forma decrescente de importância.

Desse modo, a Curva ABC favorece a análise na qual faz uso do valor estocado, espaço utilizado pelo estoque, tempos logísticos desprendido para movimentações, bem como despesas geradas a partir de um estoque parado ou mal organizado. Nesse sentido, a aplicação da curva ABC tem extrema importância para uma organização operacional. Desta forma para Dias (2010), a Curva ABC permite a identificação de itens que justificam a atenção e o tratamento adequado quanto à administração da empresa. Além disso, a curva ABC é obtida através da ordenação dos itens conforme a sua importância relativa.

De acordo com a ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos) (2017) o Brasil é um dos principais mercados do planeta do setor de cosméticos, atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão. Este setor é caracterizado por lançamentos constantes de produtos, onde uma melhor gestão do estoque é de extrema importância para a organização ter bons resultados no mercado.

O objetivo do trabalho é discutir e analisar a aplicação e viabilidade do método da curva ABC em uma distribuidora de cosméticos do estado do Pará, cuja finalidade é identificar os produtos mais relevantes em termos financeiros para empresa.

1. REFERENCIAL TEÓRICO

1.1. CURVA ABC

Para determinados estoques que contêm mais de um item, estes são os mais importantes para o estabelecimento se comparado com os demais. Desta maneira, uma proporção relativamente pequena dos itens que foram estocados representam uma grande proporção do valor total, e conhecida como lei de Pareto ou regra 80/20 (SLACK, 2015).

Conforme é salientado por Ching (2001), na área administrativa, a curva ABC atende positiva-mente ao propósito de diminuição de custos operacionais, compreendendo que nem todos os itens estocados merecem a mesma atenção. Há também aqueles produtos que precisam ser mantidos na mesma disponibilidade para garantir a satisfação dos clientes.

Neste contexto, o modelo aplicado surge como um instrumento útil e eficaz para o planejamen-to da distribuição de produtos em conformidade com a sua categoria mediante o nível de venda. Observando-se que os itens de classe A pertencem ao grupo dos 20% superiores, os próximos

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190 APLICAÇÃO DA CURVA ABC NO ESTOQUE DE UMA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COSMÉTICOS

30% são os itens B e os 50% restantes compõem os itens de classe C.

Segundo Slack (2009), pode-se confeccionar um gráfico ilustrativo da classificação dos itens em estoque. Tal gráfico é traçado pelo autor nos eixos cartesianos, onde são indicados os percen-tuais de consumo acumulados e representados os percentuais dos números de itens acumulados pelas respectivas classes.

É mostrado na Figura 1 a classificação dos itens:

Figura 1- Curva ABC

Fonte: Slack (2009).

Durante a construção da curva, deve-se enfatizar inicialmente os itens da classe A seguido pelos itens da classe B e por último os itens da classe C, respeitando essa ordem de prioridade. Letti e Gomes (2014) ressaltam que a curva ABC é o método mais fácil e prático na solução de problemas no gerenciamento de estoques, devido trazer consigo resultados que podem ser utili-zados não somente com base nos números coletados nas empresas, bem como para a elaboração de graus de importância para os produtos.

1.2. CLASSIFICAÇÃO ABC

É ressaltado por Dias (1995) que a análise ABC, empregada na análise de estoque, é uma fer-ramenta que permite instruir os administradores a identificar os itens do estoque que necessitam de uma atenção mais considerada e um tratamento adequado quanto a sua administração. Para se obter a curva ABC, devem-se ordenar os itens conforme a sua importância dentro da cadeia produtiva.

Como afirma Martins e Laugeni (2005), a classificação ABC é definida como uma ordenação de itens que são empregáveis através de uma função de valor financeiro e são classificados como:

• Classe A: é formada por poucos itens (de 10% a 20% dos itens) os valores desses itens devem ser altos (acima de 50% a 80% normalmente);

• Classe B: é formado por uma quantidade mediana de itens (20% a 30% normalmente) o valor desses itens gira ao redor de 20% a 30%;

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• Classe C: é formada por uma grande parte dos itens (acima de 50%), porém o contraponto nessa parte é que os itens têm um valor agregado muito baixo que fica entre 5% a 10%.

• Já Slack (2009) faz a classificação dos itens que constituem a curva ABC conforme os seguintes aspectos:

• Itens da classe A correspondem a 20% de itens com grande valor agregado e que repre-sentam cerca de 80% do valor total de estoque ou de qualquer outro item em análise;

• Itens da classe B correspondem ao valor mediano, geralmente em torno de 30% dos itens e isso representa por volta de 10% dos itens em estoque, ou qualquer outro item em análise;

• Itens classe C correspondem ao valor mais baixo em análise, porém correspondem à maior parte do estoque total, sendo por volta de 50% dos itens, porém o valor é de 10% dos itens totais.

2. METODOLOGIA

O estudo foi realizado no ano de 2017 em uma distribuidora de cosméticos situada no estado de Pará. A pesquisa foi realizada com base em 140 produtos que a empresa comercializa. Para obtenção dos dados e aplicação da curva ABC foi realizada uma visita no local da empresa, carac-terizando a pesquisa como um estudo de caso. De acordo com Gil (2002) um estudo de caso pode estabelecer respostas relativas a causas de determinados fenômenos, sendo mais utilizado em estudos exploratórios e descritivos. Em conversa com o proprietário, foi possível verificar que a organização não detinha de pleno conhecimento dos valores agregados e os custos associados que seus produtos em estoque traziam, tornando válida a aplicação do método.

A ferramenta foi aplicada de acordo com os passos estabelecidos por Francischini e Gurgel (2002), onde em um primeiro momento foi definida a variável a ser analisada, os dados foram coletados, ordenados e classificados, os percentuais calculados, diagramas construídos e resul-tados analisados.

Para fazer a curva ABC do trabalho foi considerado o valor das vendas dos produtos com o valor de custo de cada item. Os cálculos efetuados foram feitos com o auxílio do programa Excel 2013 da empresa Microsoft, bem como os gráficos gerados, os quais posteriormente foram editados em ferramenta de edição de imagem, destacando seus pontos importantes. Posteriormente, foi gerado uma tabela no Word 2013 para auxiliar e classificar cada item da empresa, em seguida, aplicou-se na curva ABC.

2.1. APLICAÇÃO DA FERRAMENTA

Estabeleceu-se como variável principal a ser analisada o custo total de determinado produto, levando em consideração o custo unitário do produto e a quantidade de produtos vendidos por mês. Após isto coletou-se os dados com o auxílio dos colaboradores da empresa.

Posteriormente, foi criado uma tabela dinâmica no Word 2013, representando as informações

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192 APLICAÇÃO DA CURVA ABC NO ESTOQUE DE UMA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COSMÉTICOS

obtidas com as vinte famílias contida na tabela, quantidade vendida, custo total, porcentagem da quantidade vendido, porcentagem do valor vendido acumulado e alguns outros, logo após os da-dos foram ordenados a partir do maior valor faturado para ser visto a rentabilidade dos modelos no período e outras demais diretrizes sucessivamente, conforme mostra na tabela 1, foi feito em seguida, uma segunda tabela com a classificação ABC e a quantidade de cada produto em função de faturamento bruto e porcentagem.

Tabela 1 – Dados para a curva ABC

Fonte: Autores (2017).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A empresa avaliada forneceu os dados dos produtos com que trabalham, em quantidade de vendas, preço médio e de valor da venda, em certo período. Por meio dos dados fornecidos pela empresa, foi feita a análise da curva ABC. A empresa estudada trabalha com 140 produtos dife-

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 193

renciados. Para cada produto existe um valor de pedidos, preço, percentual de participação da empresa e valor de venda específico. A análise consistiu em agrupar esses produtos em diferen-tes classes de acordo com critérios decididos através de estudos e de adaptação aos valores que foram fornecidos. O estoque da empresa possui uma rotatividade alta, desta forma, o capital não fica parado no estoque. Para a análise da curva ABC, foi gerado um gráfico que corresponde a relação entre o percentual de valor de venda acumulado e o percentual acumulado de produtos como demonstrado na figura1.

Figura 2- Percentual do Valor Acumulado

Fonte: Autores (2017)

Através da tabela 2, pode-se constatar a relação entre os percentuais analisados e assim visualizar de forma mais clara a classificação dos produtos nas classes A, B e C. A classificação dos produtos quanto a quantidade seguiu a especificação abaixo:

1. Classe A: 21,83% (aproximadamente 31 produtos);

2. Classe B:37,32% (aproximadamente 53 produtos);

3. Classe C:39,43% (aproximadamente 56 produtos).

Os produtos de classe A representam aproximadamente o valor monetário de 21,83% fatura-do pela empresa no período de tempo, este valor equivale de aproximadamente R$ 732.000,00. Seguido dos produtos da classe B que representam monetariamente 37,32% do valor faturado, aproximadamente R$ 410.232,00 e por fim os produtos da classe C que representam apenas 39,43% do faturamento, valor que equivale a R$ 380.280,00.

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194 APLICAÇÃO DA CURVA ABC NO ESTOQUE DE UMA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COSMÉTICOS

Tabela 2. Classificação ABC

Fonte: Autores (2017)

CONCLUSÕES

O presente trabalho possibilitou um maior embasamento, e consequentemente um suporte para a tomada de decisões da empresa, no que tange as decisões relacionadas ao seu estoque, visto que antes essa etapa era realizada de maneira empírica. Com base nestes itens serão to-madas as primeiras decisões sobre os dados levantados e correlacionados. Por meio dos resul-tados encontrados, diversas decisões podem ser tomadas pela gerência como por exemplo, uma fidelização com os fornecedores dos produtos da classe A, afim de garantir que estes produtos não irão faltar, visto a importância monetária agregada a eles.

O trabalho possibilitou uma maior visão estratégica para a empresa, auxiliando em uma avaliação futura, para a viabilidade em manter os itens da classe C. Os produtos desta classe, correspondem a 40% dos itens em estoque e possibilitam um faturamento abaixo das demais classes que possuem menos itens em estoque.

Em suma, a utilização da curva ABC auxilia na tomada de decisões, possibilitando uma visão de onde a empresa deve investir para que os seus lucros sejam aumentados e custos minimiza-dos. Deste modo, facilita o gerenciamento de estoques para a organização, tornando-o viável pois é possível identificar os produtos de maior tendência. Assim a empresa pode estabelecer uma ordem de tratamento aos mesmos, levando em consideração que nem todos os itens estocados merecem a mesma atenção, esse fato foi confirmado e demonstrado na análise dos resultados do presente artigo.

REFERÊNCIAS

ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).

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196 A IGUALDADE SOCIAL E POLÍTICA “ENTRE” HANNAH ARENDT E HABERMAS

A IGUALDADE SOCIAL E POLÍTICA “ENTRE” HANNAH ARENDT E HABERMAS

João Francisco Cócaro Ribeiro1

RESUMO:

O presente trabalho tem como objetivo central refletir sobre o princípio da isonomia, a igualdade social e política que infelizmente na atual con-juntura social é totalmente impossível. Expor os problemas referentes ao tema que consubstancia a essência da democracia, auscultar e realizar o escorço do pensamento de Hannah Arendt e Jürgen Habermas no que tangencia a igualdade social, e demais importantes filósofos que se asse-melham com o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Igualdade, democracia, Hannah Arendt, Jürgen Ha-bermas.

ABSTRACT:

The main objective of this work is to reflect on the principle of isonomy, social and political equality that unfortunately in the current social con-juncture is totally impossible. To expose the problems related to the the-me that embodies the essence of democracy, to listen to and realize the foreshortening of the thinking of Hannah Arendt and Jürgen Habermas in what touches social equality, and other important philosophers who re-semble the theme.

KEYWORDS: Equality, democracy, Hannah Arendt, Jürgen Habermas.

INTRODUÇÃO

A igualdade social é a virtude soberana indispensável para a construção de uma democracia próspera, é seu fundamento basilar, sem a mesma torna-se praticamente e substancialmente impossível obter bom convívio social e o bem comum. A filósofa – embora ela nunca tenha acei-tado tal nomenclatura -, Hannah Arendt exerceu importante influência no século XX no que se refere à filosofia e a temática da igualdade social e política, seu pensamento imbrica o de Jürgen Habermas. A par disso, por que a sociedade está tão distante deste ideal? Qual a relação entre

1 Graduando em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), campus de Santo Ângelo. Pesquisa e atua nas áreas de Filosofia com ênfase em História da Filosofia, Filosofia Moderna, Hermenêutica, Linguagem, Existencialismo, Fenomenologia, Epistemologia, Metafísica, Ética, Filosofia da Arte, Filosofia Nietzschiana e Heideggeriana; e do Direito em Hermenêutica Jurídica, Direito Constitucional, Direito Penal, Processual Penal, e Filosofia do Direito com ênfase em Ronald Dworkin. E-mail: [email protected]

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política e igualdade? É possível concretizar ou aproximar-se de tal virtude? De que forma? Onde se encontra a ética e a moral? Qual a função do estado para com o povo e as minorias? Como ser feliz com tantos problemas que o universo estorna?

No primeiro capítulo, elucidaremos a preposição, bem como o conceito de “entre”, o espaço existente nas relações interpessoais, a concepção de política e liberdade na admoestação de Hannah Arendt e a relação de sociedade para com o estado. No segundo capítulo, analisaremos a igualdade social como um todo, a construção de uma democracia próspera e se em algum momento da história as civilizações aproximaram-se desta política, investigaremos também os motivos de atualmente a desigualdade social ser tão exacerbada, e as atrocidades cometidas pelo ser humano em nome da igualdade. Ainda no segundo capítulo, discorrer-se-á sucintamente o pensamento de Habermas no que diz respeito aos fundamentos do estado democrático de direito.

No terceiro e último capítulo, o presente trabalho tem seu desfecho explicitando a ética e moral em sociedade, o convívio social, o bem estar e comum de todos, a felicidade como indiví-duo, os ensinamentos de Cristo como valores superiores, o direito das minorias e as obrigações recíprocas de estado e sociedade.

1. “ENTRE”

“A política surge no intra-espaço e se estabelece como relação no entre-os-homens” (ARENDT, 1999, p. 23). O estado democrático de direito está encastelado sobre a igualdade social, e esta é sua base elementar, pode-se afirmar indubitavelmente que a igualdade está entre o estado democrático de direito e a sociedade, pois a política2 que é o essencial da vida humana se faz no espaço entre as pessoas, ou seja, o espaço em que se está ao lado de outrem de forma igual. Esse espaço público propicia que ambos possam comunicar-se até mesmo de maneira conflitiva, porém em vista do bem comum, dado que a vida política não se realiza em nenhum indivíduo particular e sim com a participação de todos por meio da linguagem, da palavra honesta e visando o interesse geral. “A dignidade da política é a dignidade do ser humano” (ARENDT, 2006, p. 152).

O espaço público é a condição de vivência e de interlocução, na Grécia antiga era denominado de Ágora, é o espaço compartilhado que foi banalizado e perdeu-se devido ao individualismo elo-giado, ou seja, a política deixou de ser a gerência do bem comum e passou a ser a administração das necessidades dos indivíduos, os indivíduos dependem do Estado para suprir suas carências, por conseguinte perdendo liberdade, possuindo uma relação de “cliente” para com o Estado, semelhante ao welferismo e o utilitarismo de John Stuart Mill. “Na época moderna a existência se conjuga na primeira pessoa [...] então o universo plural que é propriamente o político, perdeu o sentido” (ARENDT, 2017, p. 41). E também, “ser livre significava ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando do outro e também não comandar” (ARENDT, 2017, p. 41).

2 A concepção de política para Hannah Arendt faz alusão à democracia na Grécia antiga, com a participação direta de todos, partilha do poder, liberdade e a cidadania. A participação do indivíduo na comunidade e sendo a política o motor da vida. Segundo Aristóteles o homem é um animal político.

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“Uma sociedade civil, capaz de organizar-se, permite a fluidificação da soberania popular entre o espaço informal da opinião pública e as instituições poderosas do estado de direito” (HABERMAS, 2017a, p. 215). O espaço do “entre”, a separação do Estado e da sociedade permite neutralizar o poder social dos grandes grupos de interesse tanto na esfera pública como nas instituições do estado de direito, pois o poder do povo é soberano, e democracia constitui-se com a participação de todos.

A palavra “entre”, conceito recorrente no pensamento de Hannah Arendt, é plurissignificante, sua hermenêutica vai além do que o simples espaço que se encontra ao meio de determinados entes. Possui a função de amalgamar e separar ao mesmo tempo, o objetivo de igualar o ente e sua totalidade, da meditação que consubstancia o olhar filosófico, o “polir” lentes para falar como Espinoza. Segundo o mesmo, a vida é constituída por relações ininterruptas com o mundo, ou seja, a vida não pode ser analisada no isolamento de quem a vive, é o fruto das interações que se tem com o todo.

2. DA IGUALDADE SOCIAL

Sob interpretação rigorosa e imparcial, é mister que nunca na história se obteve democracia, e se sim, por muito pouco tempo na Grécia antiga, antes mesmo de Platão e Aristóteles (427 a. C.), haja vista que quando a democracia tornou-se universal ela tornou-se formal e a prática se perdeu. Em verdade, a degradação da política ocorre devido ao próprio ser humano, que segun-do Hobbes em sua célebre frase (2001, p. 327), “o homem é lobo do homem”, afirmou que o ser humano é mau por natureza, o que é inegável em vista de tamanhas atrocidades realizadas pelo mesmo como: guerras, torturas, tirania, egoísmo, narcisismo, em suma a violência. A violência para Arendt é lamentável, é o mal que aflige a comunidade, sendo um atentado contra a cidadania, cabe ressalvar que esta não é estrita somente à violência física, e sim qualquer qualidade, seja ela física, moral, psicológica ou ética.

Infelizmente, muitas atrocidades foram cometidas pelo homem em nome da igualdade, como por exemplo, o nazismo ao qual Hannah Arendt foi perseguida e refugiou-se em New York, em detrimento da perseguição aos judeus, sendo ela de origem judia. Para esclarecimento o nazismo visava o altruísmo, a igualdade, a unificação de um Reich único, sem divisão de classes e privilégios capitalistas. Outro exemplo é o comunismo de Lenin, que em 21 de novembro de 1917 decretou a abolição dos tribunais, a ordem dos advogados e a profissão legal, deixando o povo sem a única proteção contra a intimidação e a prisão arbitrárias; a fundação da Cheka, autorizada por Lenin para realizar métodos terroristas para expressar a vontade das “massas” contra a vontade das pessoas comuns; e a fome de 1921, usada para por a vontade das “massas” aos recalcitrantes ucranianos que ainda não haviam aceitado essa descrição para si.

Esses regimes totalitários no entendimento de Arendt são possíveis onde quer que existam massas, que por um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização política, ini-ciam no isolamento dos indivíduos e no afastamento da esfera pública, nisso a autora escreveu, “aquele impasse no qual os homens se veem quando a esfera política de suas vidas, onde agem em conjunto na realização de um interesse comum, é destruída” (ARENDT, 1989, p. 527).

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É atribuição à palavra deter a violência, ou como assevera Habermas, do agir comunicativo.[...] o discurso e a ação eram tidos como coevos e coiguais, da mesma categoria e da mesma espécie; e isto originalmente significava não apenas que quase todas as ações políticas, na medida em que permanecem fora da esfera da violência, são realizadas por meio das palavras, porém mais fundamentalmente, que o ato de encontrar palavras adequadas no momento certo, independentemente da informação ou comunicação que transmitem, constitui uma ação (ARENDT, 2017, p. 35).

Todo poder político deve emanar do poder comunicativo que surge da liberdade comunicativa dos cidadãos, os quais são capazes de chegar ao entendimento no mundo da vida por meio da reflexividade inerente à ação comunicativa ou dos discursos práticos de fundamentação de pro-gramas coletivos de ação valores compartilhados e normas morais, além das negociações sob condições equitativas.

O poder da palavra é inderrogável, ao mesmo tempo em que pode compelir para o bem, o mesmo pode fazer para o mal por meio da manipulação. Aluísio Azevedo escreveu no livro O Cortiço, que o meio influencia; Sartre escreveu que a existência precede a essência; Locke que o indivíduo é como uma folha de papel, e que ao longo de sua existência vai se moldando, tais pensamentos fazem crer que é possível por meio da reconstrução da ética e da moral e do bom convívio em comunidade suscitar a igualdade, a modéstia e a solidariedade entre os entes, pois a humanidade pode ser renovada. Como já inquirido, como obter ou aproximar-se da igualdade social?

É de conhecimento geral que ninguém é igual a ninguém, nada é igual a nada, conversaremos e veremos a catarse e o conflito de ideias devido à peculiaridade do ser. Nem todos os indivíduos possuem as mesmas oportunidades e sorte, dessa maneira, a ideologia vir a rechaçar a reali-dade. Críticos mencionam que ceder privilégios para alguns indivíduos carentes é já um ato de desigualdade, porém estes privilégios se dão no âmbito de nivelar os cidadãos para tornar uma sociedade igualitária.

A igualdade social assim como tantas outras virtudes, se obtém através da solidariedade, fra-ternidade, caridade, do olhar para o outro, do respeito mútuo entre os indivíduos que compõem a sociedade, ou o espaço em que convivam e não compete somente ao estado democrático de direito, por isso como já mensurado, a igualdade está “entre” o estado democrático e a sociedade. O “eu” precede o “ele”, e assim como o “entre”, existe também o “para”, ou seja, para o outro, para com o próximo. Humano ser precede e constitui o ser humano! A boa convivência, a comunidade começa no ser individual e inicia3 no ser coletivo.

É inegável que quanto maior o espaço e a sociedade mais difícil se torna a convivência, e que em ambientes menores o princípio de isonomia não raras vezes é obtido ou até mesmo aproximado, a título de exemplo a família, constituindo a base da sociedade. Na Idade Média, por virtude da religião católica, as pequenas comunidades se aproximaram de maneira considerável da demo-cracia grega e do espírito de fraternidade, o que infelizmente com a modernidade se degradou devido ao individualismo elogiado como já mensurado e demais razões.

No livro O Príncipe, Maquiavél propõe uma sociedade praticamente perfeita, onde o príncipe,

3 Heidegger diferencia Beginn (começo) de Anfang (início). Começo diz respeito apenas ao ponto de partida de uma série e por isso só vige nesse ponto de partida; início é a força originária do próprio início que não se perde em um momento qualquer do percurso, mas que continua possuindo um poder de decisão sobre o presente e o futuro. (HEIDEGGER, 2014, p. 235).

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que no caso é o rei deve estabelecer uma relação com o povo, proporcionando-o bem estar, pois tem o conhecimento do tamanho poder do povo e necessita do mesmo, já que ninguém governa sem povo ou súditos, e sociedade não se realiza com um só indivíduo.

3. ÉTICA E MORAL

É impossível que haja ética se o indivíduo vive só, o ser humano nasceu para viver em comu-nidade, em conjunto. Segundo Aristóteles, o indivíduo que vive só ou é um deus, ou é um bicho. Ademais, o ser humano parece achar-se um deus, vivendo em seu individualismo peculiar em seu mundo particular, a contrariu sensu alguns convivem e agem como bichos. O que define a ética e consequentemente a moral, é a cultura, e não raro, as ideologias impostas ou não. Nietzsche na obra Genealogia da Moral, afirmou que a moral advém da imoral, tudo aquilo que é moral um dia foi imoral. A ética e a moral são configurações da igualdade, ambas a compõem e devem presumir pela igualdade e liberdade dos entes.

Dworkin menciona que o direito deve se aperfeiçoar, e primar pela ética e a moral, não obs-tante a sociedade seja conservadora e lute para manter-se assim. “O direito nada mais é do que aquilo que as instituições jurídicas, como as legislaturas, as câmaras municipais e os tribunais decidiram no passado” (DWORKIN, 2014, p.10). E, “num sentido trivial, é inquestionável que os juízes ‘criam novo direito’[...]” (DWORKIN, 2014, p. 9).

Na pele de Habermas, o estado democrático de direito constitui-se por meio de uma tensão interna (facticidade e validade) entre direito e política, visto que além de suas funções próprias, ambos devem desempenhar funções recíprocas um para com o outro, essa formação é tanto empírica como normativa. Sob o prisma normativo, o sistema jurídico, a exemplo da moral, de-sempenha a função de coordenar a ação e solucionar os conflitos de ação entre os cidadãos; o sistema político permite aos agentes realizar programas coletivos de ação.

O direito é, antes de mais nada, um sistema normativo que lança mão da violência, na forma de coerção legalmente institucionalizada, exclusivamente para desempenhar sua função de ação, mas esta coerção, em princípio pode ser dispensada, por exemplo, quando os cidadãos cumprem a lei por respeito ou convicção (HABERMAS, 2003a, p. 171).

Na visão empirista, a tensão interna é descrita mediante a reconstrução da origem histórica do estado democrático de direito, como exemplo as sociedades pré-estatais, onde as normas morais e jurídicas eram os valores religiosos, logo o estado democrático é resultado da amalgama empírica e normativa entre direito e política.

Compete ao estado democrático regular e vigiar a igualdade social e política, por meio da lei e dos órgãos públicos, já que todo o indivíduo é responsável por suas atitudes, a cabo disso Dwor-kin escreveu (2011, p. XVII), “[...] presumo uma ética que supõe – que somos responsáveis pelas conseqüências [sic] das escolhas que fazemos [...]”. É notório que não se deve separar bem e mal, bom e mau, pois ambos se convergem, e que o homem é um ser imperfeito. Apesar disso, pode-se escolher pender para algum dos lados, e espera-se que este lado a ser escolhido seja o bem.

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4. DAS MINORIAS

No que tangencia a atual conjuntura brasileira, as minorias, que na realidade constituem a maioria, são carentes e “famintas” por educação, saúde, segurança e principalmente por dignidade, sendo o último um princípio constitucional inviolável. O não cumprimento dessas necessidades pode ensejar a violência que corrobora para aumentar ainda mais a desigualdade social. O desejo é insaciável para o homem, à medida que alberga poder, mais o quer... De acordo com um velho princípio, ao não aumentar poder se está perdendo poder, este ditado popular demonstra-se im-pregnado no ser humano, que movido pelo seu egoísmo, ganância e vaidade comete qualquer tipo de atrocidade para ascender a seus objetivos, esquecendo-se totalmente do outro. Cristo ensinou o princípio de fraternidade, que se deve amar o próximo, dar sem esperar receber em troca, este amar não significa gostar, mas sim aceitar, perdoar e sem dúvida respeitar o outro; ter compaixão e humildade, não no sentido de se humilhar, mas sim de modéstia. Eis que tais ensinamentos devem ser aplicados neste mundo e nesta existência, e não idealizando outro mundo além deste que é real ou esperando recompensas.

A fé e a esperança são as únicas crenças e bens que o pobre possui, adjetivo este não apenas no sentido material, mas também espiritual; se tais crenças forem lesadas se esvanece o sentido do viver, dado que morrer não significa apenas vir a óbito no sentido estrito da palavra. A morte deixa de ser um fardo quando a vida já se consumou.

Sin embargo, perguntar-se-á: o que o homem deseja e quer4 da vida? Resposta: felicidade! O homem vive muito mais na ilusão, no saudosismo, numa espécie de “limbo imanente” do que na realidade, na presença (ser-aí em Heidegger), devido à presencialidade ser dolorida, isso preju-dica e impede a felicidade. Baruch Espinoza em seus escritos que são absolutamente um convite à vida, à filosofia, o exercício do pensamento, o trabalho sobre si, asseverou que amor é saber aquilo que te causa alegria (Amor Fati em Nietzsche), entendendo a tristeza como algo que é da vida, “é o que é”. Para ele, a felicidade deve ser desesperançada, sem criar expectativas, pois estas frustram, substituindo a esperança por alegria.

No tocante ainda das minorias, estas possuem seus direitos, e assim como o estado exige também deve viabilizar meios para obter-se minimamente uma vida digna, e proporcionar o bem estar dos cidadãos. Civilização e humanidade são uma só, e esta unidade se consolida na possi-bilidade alcançada pelos homens de viverem em paz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim destes colóquios, a democracia se faz no espaço “entre” as pessoas, onde ambas apro-ximam-se, tornam-se iguais e agem comunicativamente por meio da palavra honesta ou muitas vezes conflitiva, malgrado vislumbrando o bem comum. O poder que o povo possui por meio da força da palavra, que pode sublevar a violência, ou manipular e alienar para impor ideologias.

4 Querer não é o mesmo que desejar, ambos possuem sentidos antagônicos. “Não – querer não é absolutamente desejar, mas querer é: colocar-se sob o próprio comando. Querer é a decisão de comandar-se que em si mesma já é uma execução desse comando” (HEIDEGGER, 2014, p. 31).

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202 A IGUALDADE SOCIAL E POLÍTICA “ENTRE” HANNAH ARENDT E HABERMAS

Hannah Arendt está “entre” Habermas ao passo que ambos propõem a igualdade, o bem co-mum, afirmam que algo só é bom quando o é para todos, e que o espaço público é propriedade inamovível do povo. Diverge-se em partes na questão da liberdade, dado que Arendt concebe a liberdade como ideologia daquilo que deveria ser e não daquilo que realmente é, porém isto não implica no distanciamento de seu pensamento e na atribuição preterida do “entre”.

A igualdade, tampouco a democracia não se obtém devido à violência, a banalidade do mal, que compreende a demasia das atitudes perversas do homem, o que é lamentável. “[...] a igualdade só pode ser conseguida à custa da liberdade [...]” (SCRUTON, 2018, p. 389). A igualdade se faz por meio da política, ela é a própria política democrata e só é possível com a conscientização daqueles que perfazem a comunidade, através do respeito, da solidariedade, fraternidade, da compaixão, e do amor ao próximo, sem estas virtudes superiores de nada adianta clamar ao estado e ao direito.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 203

REFLEXÕES SOBRE A CRÍTICA AO OTIMISMO EM ARTHUR SCHOPENHAUER.

Leonardo Ritter Schaefer1

RESUMO:

O objetivo deste paper e apresentar a visão de Arthur Schopenhauer sobre a natureza e o sentido do mundo, assim como proporcionar uma descrição que sirva como ponto de partida para que o leitor não incorra em petitio principiiao primeiro contato com a obra de Schopenhauer.

PALAVRAS-CHAVE: Arthur Schopenhauer – otimismo - pessimismo

ABSTRACT:

The purpose of this paper is to present Arthur Schopenhauer’s view on the world’s nature and meaning and to provide a startpoint description of his philosophy so the reader doesn’t incur in petitio principii at first contact with schopenhauer’s work.

KEYWORDS: Arthur Schopenhauer - optimism –pessimism

INTRODUÇÃO

Talvez até hoje, toda leitura da obra de Schopenhauer se valeu de uma empolgação frente às palavras que, com madura reflexão, foram capazes de expressar aquilo que não se conseguia elaborar racional e coerentemente. Entretanto, tal empolgação parece ter se deixado levar por uma satisfação sem de fato permitir-se elaborar e assimilar as palavras em sua organicidade, e por isso, afirmações que possuem sua razão de ser na obra, foram retiradas e expressas isoladamente como se em nada perdessem do seu sentido.

Em termos históricos, Schopenhauer se encontra na Modernidade, a qual ele entende como temas a reflexão entre o mundo cerebral e o fora do cerebral e, a liberdade moral. Está inserido na corrente idealista, uma vez que entende que a realidade está irremediavelmente determinada pela consciência e, fora dela nada pode ser concebido. Hegel é o grande filósofo deste período e, tem sua filosofia expressa como uma tentativa de superação do abismo entre sujeito e objeto deixado pela filosofia kantiana. Para Hegel, o progresso humano se encontra no racional rumo ao absoluto.

1 Mestre em filosofia pela PUCRS. Doutorando pela PUCRS em filosofia. E-mail- [email protected]

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204 REFLEXÕES SOBRE A CRÍTICA AO OTIMISMO EM ARTHUR SCHOPENHAUER.

Na filosofia de Schopenhauer, a existência está diretamente ligada com o egoísmo [Egoismus- e tudo o que é egoísmo e visa o próprio bem também é “selbstsucht”] e com a injustiça, entendida como “invasão da esfera alheia da vontade”2, seja física ou intelectualmente, os indivíduos precisam impor-se aos demais para existirem. A busca por satisfação condiciona o humano à injustiça, maldade a ao sofrimento, já inerente à vida. “O intelecto experiência as decisões da vontade apenas a posteriori e empiricamente”3 tornando a racionalidade impotente frente à Vontade. Por ser o humano condicionado a manter-se e a perpetuar-se não há progresso para a humanidade, uma vez que cada indivíduo repete a mesma obrigação por toda a sua vida, e ao perpetuar a espécie apenas repassa a obrigação para a próxima geração. O único modo de desviar-se desse condicionamento é pela Negação da Vontade [de vida] que não pode ser escolhida, uma vez que brota espontaneamente como conseqüência de uma boa consciência e não de um peso de consciência, culpa4.

2. A VISÃO OTIMISTA

Uma visão, dita otimista, afirmaria o humano como soberano na existência, capaz de progredir humana e moralmente, possuidor de liberdade, bom, distanciado da natureza pela faculdade da razão, e capaz de atingir um estado de felicidade. Schopenhauer possui uma afirmação contrária a cada uma dessas afirmações. Assim, o mundo, ao existir sempre para uma consciência5, se apresenta para ela como desfavorável à satisfação da vontade expressa por meio dessa cons-ciência, logo, o mundo é mau6.

Cada individuação, tendo na sua satisfação a segurança da sua manutenção, sustenta a estru-tura do mundo, na sua condição de má, em relação para com o outro, evidenciando que o egoísmo trazconsigo a injustiça7 e a maldade.

O termo ”pessimismo” se relaciona, linguisticamente, com “mau” e, o termo “otimismo”, com “bom”. Este termo na visão do autor, se refere à “adequação de um objeto com algum esforço determinado da Vontade”8, em outros termos, “bom” é referido a um objeto, ou pessoa, por um indivíduo que os vê como favoráveis à satisfação de sua vontade, assim, é um termo relativo.

3. CRITICA À RACIONALIDADE OTIMISTA

A filosofia de Schopenhauer é uma crítica à racionalidade otimista. Como Clément Rosset afirma, “précisément, le propôs de Schopenhauer n’est pás déxpliquer, mais de dénoncer lês explications”9, logo, não se trata de fazer o que todos já fizeram e dar explicações e criar conceitos para pô-los

2 SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Trad. de Jair Barboza. São Paulo: Ed. Unesp, 2005, p. 429. Para as notas subseqüentes utilizarei a abreviatura O mundo.

3 O mundo, p. 376.

4 O mundo, p. 468.

5 Ver ZuridealistischenGrundansichtprimeirocapítulo de Die Welt alsWille und Vorstellung II, in Sämtiliche Werke Band II.

6 O mundo, p. 459.

7 O mundo, p. 429.

8 O mundo, p. 459.

9 ROSSET, Clément. Schopenhauer, philosophe de l’absurde. Puf.

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sobre o mundo. De fato, Schopenhauer é bastante crítico sobre uma filosofia criada sobre noções abstratas e sobre a imposição destas sobre o mundo. A filosofia de Schopenhauer consiste em mostrar o mundo sem julgá-lo para então expor o sentido que lhe é inerente. Os termos utilizados são próprios da cultura humana, do modo como são utilizados ou expressos pelo comportamento. E quando aparecem afirmações que seriam consideradas julgamentos, são de fato ironias do autor mostrando as conseqüências das crenças e comportamentos em contradição com outras crenças e comportamentos.

Entenderemos que a sua filosofia trata de uma crítica a racionalidade otimista não tanto pela atribuição do estigma ‘pessimista’ à Schopenhauer, mas pela sua crítica ao otimismo. Da mesma forma, será possível compreender a utilização da palavra “pessimismo” por Schopenhauer, apenas pela sua oposição ao otimismo.

O problema no qual comentadores de Schopenhauer incorrem ao considerá-lo pessimista é o de não o fazerem filosoficamente,ou seja, sem fundamentar as noções “bom” e “mau”, “ótimo” e “péssimo”, fazendo assim um julgamento pré-filosófico e, tomando as noções como evidentes. Este julgamento em nível pré-filosófico condiciona os leitores não apenas a não compreender o autor, mas a não pensarem criticamente.

Portanto, entre querer e alcançar, flui sem cessar toda a vida humana. O desejo, por sua própria natureza, é dor; já a satisfação logo provoca saciedade: o fim fora apenas aparente: a posse elimina a excitação, porém o desejo, a necessidade aparece em nova figura; quando não, segue-se o langor, o vazio, o tédio, contra os quais a luta é tão atormentadora quanto contra a necessidade.10

Tal condição expressa por Schopenhauer, faz mais do que afirmar uma realidade que parece desagradável, ela também proporciona uma visão sobre a vida que há muito se buscou negar e esconder. Segundo uma visão otimista, o sofrimento é um pequeno acontecimento em comparação com tudo o mais que se passa com o indivíduo.

Quando o sofrimento parece intransponível, se mostra como algo absurdo e não se sabe de onde veio. Schopenhauer entende que se chama sofrimento11 quando há um obstáculo entre a vontade e seu fim, logo, “TODA VIDA É SOFRIMENTO”, pois a vida se desenvolve nessa infinita reta entre os pontos do querer e do alcançar, sendo o próprio tempo, percurso e trajeto, o obstáculo entre a vontade e seu fim. A partir desta compreensão a negação da felicidade se torna evidente e Schopenhauer afirma: “verifica-se uma completa contradição em querer viver sem sofrer [...] Isso o compreenderá quem seguir e apreender toda a minha exposição”.12

O otimismo engana e desvia da realidade, um humano, tendo vivido segundo ele, “ao fim de sua vida, se fosse igualmente sincero e clarividente, talvez jamais a desejasse de novo, porém, antes, preferiria a total não-existência.”13 Esta afirmação, embora pareça condenar a humanidade, não faz senão mostrar sob qual parâmetro se vive. De modo que, se defrontado com a realidade mesma e, para si mesmo pesando-a sob o que tinha em mente no decorrer de sua vida, ao fim,

10 O mundo, p. 404.

11 O mundo, p.399

12 O mundo, p.147

13 O mundo, p.417

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206 REFLEXÕES SOBRE A CRÍTICA AO OTIMISMO EM ARTHUR SCHOPENHAUER.

a vida se mostraria como uma promessa que não se cumpriu e, como totalmente sem sentido. Sem dúvida, Schopenhauer afirma que a existência é indiferente ao indivíduo pois não o pensa, logo, seu modo de existir não é favorável a ele. Porém, o otimismo permanece e busca se impor diante de todas as evidências desta realidade que lhe é indiferente.

Se colocássemos sob os olhos de cada um as dores, os sofrimentos horríveis que a vida nos expõe, o pavor tomar-nos-ia: peguem o mais endurecido dos otimistas, levem-no através dos hospitais, dos lazaretos, das salas onde os cirurgiões fazem mártires; através das prisões, das câmaras de torturas, dos telheiros para escravos; nos campos de batalha e nos locais de execução;Abram-lhe todos os negros retiros onde se esconde a miséria, que foge dos olhares dos curiosos indiferentes, para acabar, façam-no Torre da Fome: ele verá, então, bem o que é o seu meilleur dês mondes possibles. E aliás, de onde é que Dante retirou os elementos do seu Inferno, senão deste mundo real? Na verdade, fez um inferno bastante apresentável.14

O mundo mesmo é a evidência constante de que as coisas não são como gostaríamos que fosse. Este gostaríamos está em sentido da vontade, e esta é sempre com vista no próprio benefício. O humano está condicionado a saciar-se, esta é a regra da natureza que, porém, o humano nunca a cumpre cabal e perfeitamente.

É sempre com as afirmações que sustentam o otimismo que se tem a realidade desvelada por Schopenhauer como algo de valor negativo. Isto significa que, quando julgamos o mundo pelo prisma otimista, que é um extremo, o mundo encarado de frente se mostra como algo ruim, e precisamos nos manter otimistas, alienados, para continuar a viver. A visão otimista, que por si só é excludente e não suporta o estranho, se afirma pela própria existência do pessimismo, que é qualquer outra afirmação que não a otimista. Nisto também consiste a denúncia do otimismo, perceber que esta doutrina se coloca como a ‘boa’ doutrina, aquela que é a que afirma a vida.

Os termos utilizados são próprios da cultura humano, do modo como são utilizados ou expressos pelo comportamento. O mundo é desvelado pelo seu próprio agir, do mesmo modo que a vontade não é inventada, mas encontrada e percebida no, dentro do mundo. O que a denúncia fará é tão somente mostrar ao humano “isto és tu”. Afinal, se não lhe agrada o reflexo do espelho, não há de ser por causa do espelho.

Leibniz, buscando, em sua Teodiceia, conciliar a liberdade humana, a bondade de Deus e o mal no mundo, chegará a conclusão de que este é o melhor dos mundos possíveis. Sendo Deus perfeito, não poderia criar algo o qual viria depois a corrigir ou melhorá-lo, assim, o mundo, tendo sido feito por Deus, é o melhor dos mundo possíveis. Schopenhauer, entretanto, não crê em Deus, tampouco em uma criação divina.

Às provas grosseiramente sofísticas de Leibniz, de que este mundo é o melhor dentre os possíveis, podemos seriamente opôr evidência que é o pior dentre os possíveis. “Possível” não significa o que se pode imaginar [phantasieren] mas, o que realmente pode existir e manter-se. Este mundo está instaurado como tem de ser, de modo que se mantém a duras penas; se fosse um pouco pior já não poderia manter-se, logo não seria um mundo possível, fazendo do atual o pior dentre os possíveis.15

14 As dores do mundo, p.340

15 Traduçãonossa. Die Welt alsWille und Vorstellung. Band II: XVLI – Von der Nichtigkeit und demLeides des Leben.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 207

Tal passagem nunca é mencionada, talvez por se tratar do pouco conhecido, o segundo vo-lume de O mundo como vontade e representação, conhecido como Suplementos, ainda inédito no Brasil. Após essa reconsideração e ressignificação de “possível” se entende melhor quando Schopenhauer criticará Leibniz e argumentará que Deus teria criado também a própria noção de “possibilidade.” A saciedade da fome, sede, apetite sexual, quando ocorre, dura pouco, questão de horas. E o mesmo para todas as outras vontades. Agora, imaginemos que a vontade fosse um pouco mais veemente e, que ao comermos não nos saciássemos, nem ao beber, e em nenhuma outra vontade. O comer não interromperia a fome nem por instantes. Desta forma, a vida seria insuportável e o mundo se destruiria. Não se manteria.

Trabalho, tormento, desgosto e miséria, tal é sem dúvida durante a vida inteira o quinhão de quase todos os homens. Mas se todos os desejos, apenas formados, fossem imediatamente realizados, com que se preencheria a vida humana, em que se empregaria o tempo? Coloque--se esta raça num país de fadas, onde tudo cresceria espontaneamente, onde as calhandras voariam já assadas ao alcance de todas as bocas, onde todos encontrariam sem dificuldade a sua amada e a obteriam o mais facilmente possível — ver-se-ia então os homens morrerem de tédio, ou enforcarem-se, outros disputarem, matarem-se, e causarem-se mutuamente mais sofrimentos do que a natureza agora lhes impõe. — Assim para semelhante raça nenhum outro teatro, nenhuma outra existência conviriam.16

Se a realidade fosse, como nos impele a vontade de alívio, ou seja, sem dificuldades e sem obstáculos, sofrimento, a vida humana não seria possível, ou, seria ainda pior, seria insuportável. Por isso, esta vida, com todos os seus sofrimentos, é precisamente a que convém aos humanos, esta é a vida que está de acordo com a realidade humana.

Não está na filosofia de Schopenhauer repudiar a realidade e negá-la. Mas, sim, mostrar sob que condições o mundo existe, a quê preço. Com tal argumento se refuta a utopia tão almejada, mesmo que inconscientemente, de se ver livre do esforço e do sofrimento. O corpo, natureza, pede pela saciedade à cada necessidade que se apresenta e do mesmo modo esse pedido se reproduz na consciência, pois esta não é senão expressão e/do corpo.

De resto, não posso aqui impedir-me da assertiva de que o OTIMISMO, caso não seja o // discurso vazio de pessoas cuja testa obtusa é preenchida por meras palavras, apresenta-se como um modo de pensamento não apenas absurdo, mas realmente IMPIEDOSO: um escárnio amargo acerca dos sofrimentos inomináveis da humanidade. Não se pense que a doutrina da fé cristã seja favorável ao otimismo, ao contrario, nos evangelhos as noções de mundo e mal são quase sempre empregadas como sinônimos.17

Com isso, o otimismo se apresenta também como a indiferença para com o outro. Se a posição otimista surgira para reconfortar na singularidade, as consequências deste conforto se estendem aos demais. Ao negar que existe o sofrimento, ou, ao afirmar que este é o melhor dos mundos possíveis, simultaneamente se nega os sofrimentos alheios e se impõe os dogmas otimista sobre a vida do outro. A partir do otimismo, o outro deveria também crer que de fato é tudo muito bom e viver em completa incompreensão do mundo causada por duas oposições: o discurso otimista e, a realidade, sentida diretamente pelo conhecimento intuitivo. E nisto consiste a impiedade do otimismo, fazer crer na ilusão e a cada passo dado em direção a realidade forçar a dar dois em direção a ilusão.

16 As dores do mundo, p.7/

17 O mundo, p.419

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208 REFLEXÕES SOBRE A CRÍTICA AO OTIMISMO EM ARTHUR SCHOPENHAUER.

CONCLUSÃO

A filosofia de Schopenhauer precisa ser vista muito além da afirmação real do elemento que o otimismo buscou esconder. Precisa ser vista como evidenciação da realidade mais imediata do humano. A filosofia schopenhaueriana busca denunciar a alienação imposta pelo otimismo e por sua pretensão de passar-se por verdade. Pois, à medida que se crê no otimismo, a vida parece cada vez mais sem sentido e perde sua realidade. É de fato, o otimismo que deprecia a realidade lhe impondo insuficiência frente ao que almeja. Não se trata aqui, de uma resignação com uma situação em particular, mas de uma reflexão sobre a realidade mesma no seu modo de apareci-mento, objetivo. Sendo o indivíduo, um, aquilo que quer possui apenas uma direção, a si mesmo. O mundo, sendo indiferente à ele, não lhe favorecerá, cabendo ao indivíduo fazer da sua existência particular uma bem-vivida. No mundo, onde cada um busca a sua satisfação, a probabilidade de que sua vontade seja satisfeita é muito pequena tendo em vista que ele é apenas um e os outros, com suas vontades, são milhões.

Schopenhauer denúncia o ímpeto cego do humano que, ao segui-lo não pode ir para onde lhe é mais benéfico. O otimismo propõe que o ímpeto cego seja seguido e promete que seguir é o melhor.A preocupação do autor é a de que não se perca de vista a vida e que se compreenda, tal como o ar na alegoria kantiana da pomba, que isto que parece se opor à vida, ou seja, o sofrimento, é imprescindível para a vida, de fato, é nele que a vida existe. Poder-se-ia dizer que, o sofrimento é a temporalidade humana e, negá-lo é negar a vida em sua totalidade.

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 209

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210 LA APLICACIÓN DEL PROTOCOLO DE LAS LEÑAS EN EL BRASIL

LA APLICACIÓN DEL PROTOCOLO DE LAS LEÑAS EN EL BRASIL

Silvio Javier Battello Calderón1

Silvio Brambila Fragoso Junior2

RESUMEN:

Este artículo examina el sistema brasileño de homologación de senten-cias extranjeras, más específicamente las decisiones provenientes de los Estados miembros del MERCOSUR. Son analizadas las principales dispo-siciones del Protocolo de Las Leñas en comparación con las normas in-ternas del Derecho brasileño. El estudio se realiza a partir de las normas vigentes en el Brasil, de los aportes doctrinarios y de la jurisprudencia del Superior Tribunal de Justicia (STJ). La conclusión afirma que, para incre-mentar el sistema, los jueces de primera instancia deberían tener más protagonismo en el proceso de homologación de las sentencias extranje-ras, mayormente las dictadas en los Estados miembros del MERCOSUR.

PALABRAS CLAVE: Exequatur; Homologación de sentencias extranjeras; MERCOSUR.

SUMMARY:

This article examines the Brazilian system of enforcement and recognition of foreign judgments, more specifically the decisions made in the member states of MERCOSUR. The main dispositions of the Las Lenas Protocol are analysed in comparison with the Brazilian internal rules. This study has been written based on the Brazilian legislation, doctrine and jurispruden-ce of the Brazilian Supreme Court (STF) and Superior Justice Court (STJ). The conclusion affirms that the courts of first instance should play an ac-tive role in the process of enforcement and recognition of foreign judg-ments, mainly in the decisions made in MERCOSUR member countries, in order to improve the system.

KEYWORDS: Exequatur; enforcement and recognition of foreign judg-ments; MERCOSUR.

1 Abogado en Argentina y Brasil (Universidad Nacional de Córdoba, UNC – Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS); Especia-lista en Derecho Empresarial (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS). Doctor en Derecho Internacional (UFRGS). Post Doctor en Derecho (Universidad de Buenos Aires - UBA).

2 Investigador del Grupo de Investigación “Derecho Internacional de la Competencia” (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS). Master en Derecho (UFRGS). Especialista en Derecho Internacional (UFRGS). Abogado (PUCRS).

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Revista Atitude · Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano XI - No 23 - agosto a dezembro de 2017 211

INTRODUCCIÓN

Las sentencias proferidas por los tribunales extranjeros solo tienen eficacia inmediata dentro de su territorio nacional. Sin embargo, los Estados generalmente reconocen las decisiones judiciales de otros países, cuando son cumplidos determinados requisitos legales. En Brasil, la homolo-gación de sentencia extranjera es necesaria para dar reconocimiento o ejecutar una sentencia o decisión equiparada3 proveniente de un tribunal de otro país; antes de la homologación, estas sentencias carecen de eficacia dentro del territorio nacional. Están, por lo tanto, desprovistas de los efectos del acto jurisdiccional.

Esta falta de idoneidad en la producción de efecto jurídico solamente podrá ser sanada luego del proceso homologatorio, a partir del cual, y por fuerza de la sentencia nacional - que reviste u homologa la sentencia extranjera - es que ésta pasa a formar parte de las sentencias eficaces. Los fundamentos dados por la doctrina brasileña para justificar la homologación son variados, algunos toman como fundamento si el derecho proferido por sentencia extranjera fue legalmente adquirido, debe ser respetado por todos los Estados4. Otros, por su parte, ven como fundamento la propia naturaleza del intercambio de los pueblos5. De cualquier forma e independientemente de la justificación adoptada, resulta difícil – sobre todo en la actualidad, donde el proceso de glo-balización es una realidad– encontrar países que no reconozcan, por lo menos en grado mínimo, las decisiones jurisdiccionales de otros Estados.

La homologación de sentencia extranjera en Brasil tuvo su origen en dos decretos: el 6.982, de 1878, que permitía la homologación de sentencia por el juez brasileño cuando existía reciprocidad con el país solicitante; y el 7.777, de 1880, aplicable en caso de falta de reciprocidad, y que hacía depender la otorga del exequátur al poder ejecutivo. Este sistema fue modificado por la Ley 221, de 1894, que dejó de lado la condición de reciprocidad, eximió las sentencias extranjeras del exe-quátur del poder ejecutivo y exigió que las mismas fueran homologadas por el Supremo Tribunal Federal (STF), con audiencia de las partes y del Procurador General de la República. También estipuló que, existiendo tratado entre el Brasil y el Estado de origen de la sentencia, se aplicará lo que en este se hubiese estipulado6.

Las reformas ocurridas durante el siglo XX no modificaron, sustancialmente, el sistema ho-mologatorio y solo acabaron por consolidar la competencia del STF. Con relación a las reglas del procedimiento, se adopta el sistema de delibação7, procedente del “giudizio di delibazione”, originario del antiguo Código de Proceso Italiano. Éste no cuestiona el mérito de la decisión, solo verifica los requisitos formales de ofensa al orden público, de las buenas costumbres y de la so-

3 Sobre la diferencia entre reconocimiento y ejecución, Berta Keller de Orchansky afirma: “toda sentencia declarativa, constitutiva o de condena es susceptible de reconocimiento en un Estado distinto del cual procede Solo las sentencias condenatorias son susceptibles de ejecución”. In: Nuevo Manual de Derecho Internacional Privado. Buenos Aires: Ed. Plus Ultra, 1991, Pág. 468. Sobre esta distinción en el derecho brasileño, véase: MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações, 1998, Pág. 572 y ss.

4 Entre otros, VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado, 1977, Pág. 181.

5 Entre otros, TENORIO, Oscar. Direito Internacional Privado, 1976, Pág. 366.

6 Cf. BEVILAQUA, Clovis. Princípios Elementares de Direito Internacional Privado, 2002, p. 320.

7 El termino deriva del latín delibatio-onis: Acción de probar, de empezar, de catar. Cf. Diccionario ilustrado Latino-Español VOX, 18º ed., Barcelona, 1984, Pág.129; el profesor José Cretella Neto afirma que el término “delibação” en portugués tiene dos significados: Uno no jurídico, en sentido de probar, experimentar, tocar con los labios; y uno jurídico, como la verificación de la exigibilidad de decisiones judi-ciales extranjeras, realizado por el Supremo Tribunal Federal; homologación de sentencia judicial extranjera, In: CRETELLA NETO, José. Dicionário de Processo Civil. 2º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, Pág. 145.

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212 LA APLICACIÓN DEL PROTOCOLO DE LAS LEÑAS EN EL BRASIL

beranía nacional8. De esta forma, la homologación judicial de sentencia extranjera determina la instauración apenas de una situación de contención limitada9. Las principales modificaciones al régimen anterior ocurrieron, primero, con la Enmienda Constitucional 45/2004, conocida como “Reforma al Poder Judicial”, que traslada la competencia del STF para el Supremo Tribunal de Justicia (STJ)10, y, de forma más reciente, con el Nuevo Código Procesal Civil Brasileño (CPC), Ley 13.105, promulgada el 16 de marzo de 201511.

El objetivo del presente trabajo es analizar, a partir de las alteraciones legislativas antes men-cionadas, el funcionamiento del sistema brasileño de homologación de sentencias extranjeras provenientes de países miembros del MERCOSUR. Para ello, serán examinadas las principales disposiciones del Protocolo de Las Leñas, la normativa interna vigente, los aportes doctrinarios, y la jurisprudencia brasileña.

1. EL PROTOCOLO DE LAS LEÑAS

Los requisitos generales de la homologación exigidos por la legislación brasileña para el reconocimiento de sentencias extranjeras son complicados, costosos y lentos12. Debido a este tecnicismo jurídico complejo, que no es atributo exclusivo del Brasil y sí un común denominador de las legislaciones nacionales, los Estados firman Tratados o Acuerdos para facilitar y promover el auxilio y la cooperación jurisdiccional internacional.

El estudio del sistema de reconocimiento y ejecución de sentencias extranjeras de fuente interna debe ser completado con estos acuerdos internacionales, que se dividen en tres grupos. En primer lugar, los tratados bilaterales, que relacionan al Brasil con un Estado específico, entre los cuales pueden citarse los celebrados con Francia13; Uruguay14; Argentina15; Italia16 y España17; los multilaterales, destacándose en esta materia la Convención Interamericana sobre Eficacia Extraterritorial de las Sentencias y Laudos Arbitrales Extranjeros, de 1979, CIDIP II18; y por últi-mo, los acuerdos que surgen dentro de la dimensión institucional mercosureña, donde vigora el Protocolo de Las Leñas sobre Cooperación y Asistencia Jurisdiccional19.

Frente a la diversidad de tratados y convenciones vigentes sobre la materia, resultan esclarece-doras las palabras de la Profesora Claudia LIMA MARQUES, cuando afirma que el método clásico

8 Así lo establece el art. 17 de la Ley de Introducción al Código Civil y el art. 216 del Regimiento Interno del Supremo Tribunal Federal. Véase también DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado, 2003, Cap. XIII.

9 Cf. sentencia extranjera, juzgada el 08-09-1994, publicada en DJ el 15-09-1994; Sentencia extranjera contestada 4.948, juzgada el 08-10-1998, publicada en DJ el 26-11-1999.

10 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:I - processar e julgar, originariamente: i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

11 El texto puede ser consultado en: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

12 Tuvimos la oportunidad de analizar el sistema brasileño de reconocimiento y ejecución de sentencia extranjeras en la primera parte de la siguiente investigación: BATTELLO CALDERON, Silvio Javier. Reconocimiento de Sentencias Extranjeras en el Derecho Brasileño: los cambios producidos por el MERCOSUR. DECITA (Fundação Boiteaux), v. 4, 2005, pág. 496 a518.

13 Acuerdo de Cooperación en Materia Civil. Vigente por Decreto 3.598, de septiembre de 2002.

14 Acuerdo de cooperación Judicial en materia Civil, Comercial, Laboral y Administrativa. Vigente por Decreto 1.850, de abril de 1996.

15 Acuerdo de Cooperación Judicial en materia Civil, Comercial, Laboral y Administrativa. Vigente por Decreto 1.560 de julio de 1995.

16 Tratado relativo a la Cooperación Judicial y al Reconocimiento y Ejecución de Sentencias en Materia Civil. Vigente por Decreto 1.476 de mayo de 1995.

17 Convenio de Cooperación Judicial en Materia Civil. Vigente por Decreto 166, de julio de 1991.

18 Vigente por Decreto 2.411, de diciembre de 1997.

19 Vigente por Decreto 2.067 de noviembre de 1996.

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de utilización exclusiva de solo una entre estas diversas fuentes no es más suficiente. Señala que se hace necesaria una aplicación narrativa de las variadas reglas y métodos actuales, dentro de lo que ella denomina un nuevo “diálogo de las fuentes”20. De cualquier forma, esa necesaria armoni-zación con relación a las normas regionales y convencionales no afecta el deber de homologar las decisiones extranjeras. El diálogo de fuentes referido se hace más evidente cuando se analiza la relación entre la CIDIP y el Protocolo de la Leñas, el que a decir de Diego FERNÁNDEZ ARROYO: “barre, matiza y resume una serie de normas contenidas en las Convenciones interamericanas sobre exhortos, recepción de pruebas en el extranjero, eficacia extraterritorial de sentencias y laudos arbitrales e información acerca del derecho extranjero”21.

Acotado nuestro estudio en las normas vigentes que tratan del reconocimiento y de la ejecución de las sentencias extranjeras para el MERCOSUR, el Protocolo de Las Leñas limita su ámbito ma-terial de aplicación a las decisiones que traten de materia civil, comercial, laboral, administrativa y penal, aclarando sobre la última, que solo en lo relativo a la reparación de daños y restitución de bienes. La CIDIP II se aplica al mismo tipo de decisiones, con excepción de las administrativas y solo excepcionalmente en lo relativo a laudos de arbitraje en todo lo que no esté previsto en la CIDIP I sobre Arbitraje Comercial, subscripta en Panamá el 30 de enero de 1975. Entre las diversas materias abordadas por el Protocolo22, nos centraremos en aquellas disposiciones relacionadas al reconocimiento y ejecución de sentencias que producen modificaciones al sistema interno brasileño. Entre éstas, destacamos las relacionadas con los temas a seguir.

2. AUTORIDAD CENTRAL.

El Protocolo establece la creación de Autoridades Centrales23 encargadas de prestar auxilio jurisdiccional. Al momento de la firma del Protocolo, solo poseían Autoridades Centrales Argentina y Uruguay, los demás integrantes del bloque solo organizaron las propias luego de su aprobación. En Brasil, la Autoridad Central está a cargo del Ministerio de Justicia, quien, como expresa el Art. 2º del Protocolo en cuestión, será la “encargada de recibir y tramitar los pedidos de asistencia jurisdiccional...”, que comprenden los de reconocimiento y de ejecución de sentencias.

El Decreto 4.991, del 18 de febrero de 2004, reformuló la estructura del Ministerio de Justicia, en la normativa del Anexo I del mismo Decreto se afirma su competencia para prestar colaboración jurisdiccional, Art. 1º, XIV. En la estructura organizacional de la institución funciona la Secretaria

20 LIMA MARQUES, Claudia Lima. Procédure civile internationale et MERCOSUL: pour un dialogue des régles universelles et régionales. In: Revue de Droit Uniform, Vol. VIII, 2003, Págs. 465 a 484.

21 FERNÁNDEZ ARROYO, Diego. Derecho Internacional Privado Interamericano. Evolución y Perspectivas. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2000, Pág. 75-76.

22 El Protocolo legisla sobre la colaboración jurisdiccional internacional de primer grado -cap. IV Cooperación en actividades de mero trámite y probatorias y cap. VII Información del Derecho Extranjero-; de tercer grado -Cap. V Reconocimiento y ejecución de sentencias y laudos arbitrales-; y de otras materias de relevancia procesal, como lo es la condición procesal del litigante ajeno al foro y perteneciente a otro Estado- Parte -Cap. III Igualdad de trato procesal- y la fuerza probatoria de los documentos publica emanados en un Estado Parte e invocados en otro -Cap. VI De los documentos públicos y otros documentos-. Cabe destacar, que la cooperación de segundo grado no forma parte de este Protocolo, que fue posteriormente, regulada por el Protocolo de Ouro Preto sobre Medidas Cautelares. Para un estudio más detallado del Protocolo de las Leñas, véase, entre otros: DREYZIN DE KLOR, Adriana y Saracho Cornet Teresita. Trámites judiciales internacionales. Buenos Aires: Zavalía, 2005, p. 151 a 162; NOODT TAQUELA, Maria Blanca; ARGERICH, Guillermo. Dimensión institucional y convencional de los sistemas de reconocimiento de los Estados mercosureños. In ARROYO, Diego Fernandez (Coord.). Derecho Internacional Privado de las Estados del Mercosur. Buenos Aires: Zavalia, 2003, Págs. 371 y s.; BERGMAN, Eduardo Tellechea. La dimensión judicial del caso privado internacional en el ámbito regional. Montevideo: Fundación de cultura universitaria, 2002, Págs. 23 y s.

23 Las Autoridades Centrales pueden definirse como organismos especializados creados con el fin de prestar cooperación jurídica internacional. Tienen sus orígenes en la Convención de la Haya de 1965 sobre Notificaciones en el Extranjero de Actos Judiciales y Extra-judiciales en Materia Civil y Comercial.

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214 LA APLICACIÓN DEL PROTOCOLO DE LAS LEÑAS EN EL BRASIL

Nacional de Justicia, dentro de la cual fue creado el Departamento de Recuperación de Activos y de Cooperación Jurídica Internacional (DRCI).

La Secretaria es la encargada, entre otras funciones, de instruir cartas rogatorias y de dirigir, negociar y coordinar los estudios relativos al derecho de la integración y a las actividades de cooperación jurisdiccional en los acuerdos internacionales en los que Brasil sea parte, Art. 9, V, X. En cuanto que sobre el Departamento recae también, entre otras actividades, la negociación de acuerdos y la coordinación en la ejecución de la cooperación jurídica internacional; ejercer la función de Autoridad Central para la tramitación de pedidos de cooperación jurídica internacio-nal; bien como de instruir, opinar y coordinar la ejecución de la cooperación internacional activa y pasiva, inclusive cartas rogatorias, Art. 13, III, IV, VI24.

En este punto es necesario destacar la Enmienda al Protocolo de la Leñas, de la XXII reunión del CMC, llevada a cabo en la ciudad de Buenos Aires el 22 de julio de 2002. La misma todavía no fue aprobada por Decreto del Ejecutivo, forma por la cual los tratados y convenciones internacionales adquieren vigencia en el Brasil, pero ya cuenta con la sanción del Decreto Legislativo 970, del 17 de diciembre de 200325. Entre otras novedades introducidas por la Enmienda26, cabe destacar las relacionadas a las vías de transmisión. Las Autoridades Centrales no intervienen cuando el pedido es realizado directamente por alguna de las partes interesadas en el proceso, el Protocolo no reglamentó esta posibilidad; sin embargo, la Enmienda agregar la posibilidad de tramitar el reconocimiento de la decisión judicial vía diplomática o consular sin que sea necesario recurrir a legalización alguna, introduce un segundo párrafo con el siguiente tenor: “(...) No obstante lo señalado en el párrafo anterior, la parte interesada podrá tramitar directamente el reconocimiento o ejecución de la sentencia. En tal caso, la sentencia deberá estar debidamente legalizada de acuerdo con la legislación del Estado en que se pretende su eficacia, salvo que entre el Estado de origen del fallo y el Estado donde es invocado, se hubiere suprimido el requisito de la legalización o sustituido por otra formalidad”27.

El Protocolo no restringe o impide la utilización de otros instrumentos jurídicos, al Art. 35, tanto el texto actual como el de la Enmienda28, permiten y favorecen el diálogo normativo siempre que sea para el beneficio de la cooperación. Por ello, los organismos designados como Autoridades Centrales por otros tratados continúan vigentes, ejemplo de estos son los acuerdos bilaterales de cooperación jurisdiccional que Brasil mantiene con Uruguay y Argentina (véase las notas 68 y 69

24 Para más información sobre el Ministerio de Justicia y las actividades por el desarrolladas, véase: www.mj.gov.br. También están disponibles los datos estadísticos sobre la cooperación jurisdiccional, directa e indirecta, activa y pasiva; la información está dividida por país, región de procedencia, destino y tema, en: www.mj.gov.br/drci/cooperacao/relatorios.htm.

25 Como enseña el profesor Valerio de Oliveira Mazzuoli, el Decreto del Legislativo aprobado por el congreso nacional tiene como fina-lidad la de autorizar al Presidente de la República a ratificar tratados, y después de ratificados, debe el mismo presidente promulgarlos, por vía de Decreto – llamado de “Decreto Executivo”- para ser luego publicado en el Diario oficial de la Unión. En cada fase del proceso de internalización existen procedimientos complejos; como en el caso de la Enmienda al Protocolo de las Leñas ya existe Decreto del Legis-lativo - publicado en el DOU nº 245, p. 20 - podemos afirmar que la ratificación esta próxima. Para una visión general del procedimiento de ratificación véase del Prof. Mazzuoli su obra: Tratados internacionais: com Comentários à Convenção de Viena de 1969, 2º ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

26 Para un estudio detallado y actualizado sobre el tema véase: DREYZIN DE KLOR, Adriana y Saracho Cornet Teresita. Trámites judiciales internacionales. Buenos Aires: Zavalía, 2005, Págs. 202 y s.

27 Art. 19 de la Enmienda al Protocolo de Cooperación y Asistencia Jurisdiccional En Materia Civil, Comercial, Laboral y Administrativa entre los Estados Partes Del Mercosur. Disponible en: http:// www.sice.oas.org/ Trade/ MRCSRS/ Decisions/ dec0702s.asp.

28 Art. 35 (Protocolo de las Leñas) El presente Protocolo no restringirá las disposiciones de las convenciones que sobre la misma ma-teria hubieran sido suscritas anteriormente entre los Estados Partes en tanto no lo contradigan. Art. 35 (Enmienda) El presente acuerdo no restringirá las disposiciones de las Convenciones que sobre la misma materia, hubiera sido suscripta anteriormente entre los Estados Partes, en tanto sean más beneficiosas para la cooperación.

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respectivamente), en los cuales se designan, Art. 2º de los acuerdos, como Autoridades Centrales los Ministerios de Relaciones Exteriores.

3. TRAMITACIÓN POR CARTA ROGATORIA.

El Art. 19 del Protocolo establece que los pedidos de reconocimiento y ejecución de sentencias provenientes de autoridades jurisdiccionales29 de los Estados-Parte del MERCOSUR se trami-tarán por vía de exhortos y por intermedio de las Autoridades Centrales. La versión portuguesa del Protocolo utiliza cartas rogatorias en lugar de exhortos, considerados ambos términos como sinónimos por la doctrina30, por servir como medios de petición o ruego entre órganos juris-diccionales de diferentes Estados. Por su parte, el Art. 24 determina que la competencia para conceder el exequátur se regirá por la ley del Estado requerido31, competencia que por norma constitucional (véase nota 10) le corresponde al STJ. El Ministerio de Justicia, como Autoridad Central del MERCOSUR, no elimina la competencia del STJ, y como consecuencia, cualquier pedido de reconocimiento o ejecución de sentencia dirigido a un tribunal brasileño, no podrá ser diligenciado sin el control previo del STJ.

El procedimiento por carta rogatoria para el reconocimiento de sentencia funciona de la siguiente forma: la solicitud de Autoridad Central de Estado miembro del MERCOSUR es analizada por los técnicos del DRCI (Autoridad Central), si son constatadas irregularidades, formales o materiales, el pedido es devuelto a la autoridad requirente con las indicaciones de las deficiencias encontradas para su posterior subsanación; caso la solicitación este debidamente instruida, se eleva al STJ a fin de que se cumplan los requisitos de homologación. Ningún pedido puede realizarse de forma directa entre la Autoridad Central y juez de primera instancia, siempre, sin excepción, deben ser revisados por el STJ.

Este procedimiento, en el cual se hace necesaria una triple participación – Autoridad Central, STJ y el Juez de Primera Instancia- frustra la celeridad del auxilio y la cooperación jurisdiccional, pilar fundamental del Protocolo. La anhelada eficacia extraterritorial de las sentencias provenien-tes de los Estados-Partes del MERCOSUR, consagrada en el Art. 20 del Protocolo, se frustra en la práctica brasileña por el formalismo riguroso de su sistema procesal. Con la enmienda 45/2004, nuevamente el legislador brasileño perdió la posibilidad de agilizar la cooperación jurisdiccional, ya que la única modificación al régimen anterior fue el traspaso de competencia del STF al STJ.

La misma jurisprudencia del STF fue la encargada de petrificar el sistema homologatorio previo para las cartas rogatorias, como lo demuestra la decisión que juzgó la Carta Rogatoria nº 7618, de la República Argentina, donde se establece que:

29 Por autoridades jurisdiccionales se entiende todo órgano, perteneciente o no al poder Judicial, capaz de resolver un litigio sometido a su consideración con autoridad de cosa juzgada. Será el propio derecho del exhortante el que califique al órgano o autoridad en cuestión como jurisdiccional. El estado exhortado podrá oponerse a esta calificación apoyándose en su Orden Público, cuando el requirente no posea cualidades de un verdadero tribunal.

30 Entre otros: BERGMAN, Eduardo Tellechea. La dimensión judicial del caso privado internacional en el ámbito regional. Montevideo: Fundación de cultura universitaria, 2002, p. 31.

31 Igual solución es tomada por la CIDIP II, sobre eficacia extraterritorial de las sentencias y laudos arbitrales extranjeros, que en su art. 6 establece: Los procedimientos, incluso la competencia de los respectivos órganos judiciales, para asegurar la eficacia a las sentencias, laudos arbitrales y resoluciones jurisdiccionales extranjeros serán regulados por la ley del Estado en que se solicita su cumplimiento.

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216 LA APLICACIÓN DEL PROTOCOLO DE LAS LEÑAS EN EL BRASIL

“O Protocolo de Las Leñas (‘Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista, Administrativa’ entre os países do Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à qual é de equiparar-se à decisão interlocutória concessiva de medida cautelar – para tornar exeqüível no Brasil, há de ser previamente submetida à homologação do Supremo Tribunal Federal, o que obsta a admissão de seu reconhecimento incidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira a execução; inovou, entretanto, a convenção internacional referida, ao prescrever no art. 19, que a homologação (dita reconhecimento) de sentença provinda dos Estados partes se faça mediante rogatória, o que importa admitir a iniciativa da autoridade judiciária competente do foro de origem e que o exequatur se defira independentemente da citação do requerido, sem prejuízo da posterior manifestação do requerido, por meio de agravo à decisão concessiva ou de embargos ao seu cumprimento32”.

En otra oportunidad, el mismo Tribunal también declaró inconstitucional el reconocimiento de sentencias inclusive entre jueces de ciudades fronterizas. La carta rogatoria proveniente del juez de Rivera, Uruguay, que pretendía el reconocimiento de su sentencia en la ciudad vecina de Santana de Livramento, en el estado de Rio Grande do Sul, Brasil, fundamentándose el pedido en el Protocolo de Las Leñas, pedido al cual el juez brasileño de primer grado aceptó, y que luego fuese revisado por el STF33, bajo los siguientes argumentos: “...Impõe-se advertir, no entanto, que, embora simplificada a sua disciplina ritual, o reconhecimento de sentenças estrangeiras oriundas de países do Mercosul, para viabilizar-se, instrumentalmente, mediante simples carta rogatória, deverá necessariamente, observar e satisfazer as exigências formais impostas pelo Protocolo de Las Leñas, notadamente aqueles requisitos fixados em seus artigos 20 e 21. Mais do que isso, a própria concessão de exequatur - ainda que com fundamento no Protocolo de Las Leñas - não dispensa e nem afasta a necessária intervenção do Presidente do STF, com exclusão, por efeito de expressa regra constitucional de competência, de quaisquer outros magistrados brasileiros...”. Es necesario destacar que la postura rígida que predominó en el STF y que al parecer se mantiene en el STJ, sobre la cooperación jurisdiccional en zonas de frontera, no es compartida por los jueces que ejercen sus funciones en ese ámbito34.

El nuevo Código de Procesos Civil brasileño tampoco eliminó la necesidad de actuación de la Autoridad Central. El capítulo destinado al Auxilio Directo (art. 24 a 34), a pesar de lo sugestivo de la nomenclatura, no trata de la comunicación directa entre la autoridad brasileña y la extranjera. Solo simplifica la tramitación para colaboración entre autoridades no judiciales. El pedido de cooperación internacional es enviado por la Autoridad Central extranjera a la Autoridad Central brasileña (Ministerio de Justicia), y ésta es la encargada de distribuir la solicitación a la autoridad nacional competente. Lo mismo sucede en los casos de auxilio directo activo: la Autoridad Central brasileña cumple el rol de intermediadora del pedido de cooperación realizado por la autoridad brasileña competente a Estado-Parte extranjero35.

32 Carta rogatoria 7618-8, juzgada el 03-04-1997, publicada en DJ el 09-05-1997; de la misma forma la carta rogatoria 8267, juzgada el 05-03-1999, publicada en DJ 22-03-1999.

33 RCL 717, procedente de Rio Grande do Sul, juzgada el 30-02-1997, publicado en DJ de 04-02-1998.

34 El reflejo de tal discordancia puede verse en los comentarios del Presidente de la AJUFE (Associação de Juizes Federais do Brasil), Jorge Maurique, quien, en el I Encuentro Internacional de Jueces de Frontera, llevado a cabo por la AJUFE (Associação de Juizes Federais do Brasil) en la ciudad de Foz de Iguaçu, del 6 al 8 de diciembre de 2004, afirmo: “Detectamos que o Brasil compartilha com os países vizi-nhos o excesso de burocracia no mecanismos internos de cooperação jurídica...()... A solução é a mudança de mentalidade para a cooperação em grupos. Isolados, pouco poderemos fazer, mas como irmãos e parceiros estamos dando passos prodigiosos para uma verdadeira integração”. El evento conto con la participación de magistrados de los Países Miembros del Mercosur. Extraído de: http://www.atontecnologia.com.br/acms_exec/funcao/versao_impressao.php.

35 GASPARETTI, Marco; CAPP RIBEIRO Manuela. Cooperação internacional: auxílio direto e cartas rogatórias. Disponible em: http://www.migalhas.com.br/ de Peso/ 16, MI235186, 101048- Cooperacao +internacional +auxilio+ direto+ e+ cartas+ rogatorias.

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4. REQUISITOS DEL PROTOCOLO VS. REQUISITOS DEL STJ.

El artículo 20 del Protocolo determina las condiciones necesarias que deben cumplir las sentencias extranjeras para obtener el reconocimiento extraterritorial36. Básicamente, son los mismos requisitos procesales, materiales y formales exigidos por los Art. 5º y 6º de la Resolución 9 del STJ para la homologación de sentencia. Como en el ámbito del MERCOSUR la tramitación se realiza por medio de cartas rogatorias, cuando la solicitación llega al STJ surge una cuestión procesal interesante: ¿Qué requisitos deben ser analizados por el STJ? ¿Solo los requisitos del Protocolo? ¿Los de las sentencias extranjeras del Art. 5º y 6º de la Resolución? ¿O los requisitos de la Resolución referentes a las cartas rogatorias?

A primera vista parece que no existe contradicción alguna si se piensa que los requisitos de la Resolución y del Protocolo son semejantes. Sin embargo, para que se conceda el exequátur a las cartas rogatorias éstas solo deben cumplir con el requisito de no contrariar el orden público, Art. 6º de la Resolución, lo que parece correcto, considerando que fueron creadas y son utilizadas para prestar colaboración jurisdiccional de primer y segundo grado. Ahora bien: ¿puede el STJ exigir solo los requisitos de las rogatorias? ¿O debe al mismo tiempo exigir que se cumplan las condiciones del Protocolo?

La antigua jurisprudencia del STF se mostró vacilante sobre el tema, existiendo fallos divergentes37. El sistema utilizado actualmente por el STJ, aunque exige el cumplimento de los requisitos establecidos por la Resolución, pondera las exigencias del Protocolo, veamos:

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PRESENÇA DE REQUISITOS MÍNIMOS LEGAIS PARA DEFERIMENTO DO PLEITO. HOMOLOGAÇÃO DEFERIDA.

I - Trata-se de pedido de homologação de r. sentença proferida pela Justiça uruguaia, que condenou o Requerido ao pagamento de indenização, bem como decidiu a liquidação de sentença.II - Na espécie, o pedido encontra-se em conformidade com os requisitos elencados no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e com o art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pois se constata que a sentença homologanda foi proferida por autoridade competente e a parte foi regularmente citada no processo de origem, não havendo se cogitar em ofensa à soberania nacional ou à ordem pública.III - Por outro lado, em razão do Acordo de Cooperação em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, celebrado entre os países integrantes do MERCOSUL, dentre eles Brasil e Uruguai (Decreto n. 2.067/96), dispensa-se a chancela consular nos documentos.IV - In casu, verifica-se que o Requerido sustenta ausência de documentos essenciais, inclusive quanto ao trânsito em julgado, bem como alega falta de intimação pessoal para a fase de liquidação, contudo todos os documentos essenciais constam dos autos, bem como há prova suficiente do trânsito em julgado e do devido trâmite processual, com regular intimação em todas as fases processuais.Homologação deferida38.

36 Art. 20. Las sentencias y los laudos arbitrales a que se refiere el artículo precedente tendrán eficacia extraterritorial en los Estados Partes si reúnen las siguientes condiciones: a) Que vengan revestidas de las formalidades externas necesarias para que sean considerados auténticos en el Estado de donde preceden; b) Que estos y los documentos anexos que fueron necesarios, estén debidamente traducidos al idioma oficial del Estado en el que se solicita su reconocimiento y ejecución; c) que estos emanen de un órgano jurisdiccional o arbitral competente, según las normas del Estado requerido sobre jurisdicción internacional; d) que la parte contra la que se pretende ejecutar la decisión haya sido debidamente citada y se haya garantizado el ejercicio de su derecho de defensa; e) que la decisión tenga fuerza de cosa juzgada y/o ejecutoria en el Estado en que fue dictada; f) que no contraríen manifiestamente los principios de orden público del Estado en el que se solicitara el reconocimiento y/o ejecución. Los requisitos de los literales a); c); d); e) y f) deben surgir del testimonio de la sentencia o del laudo arbitral. Sobre el tema véase DREYZIN DE KLOR, Adriana; SARACHO CORNET, Teresita. Trámites judiciales internacionales. Buenos Aires: Zavalía, 2005 p. 206 a 218.

37 Por ejemplo, ver Embargos a la carta rogatoria 8240 (juzgada el 23-11-1999, publicada en DJ el 01-02-2000) con exigencias deferentes a las requeridas en la Carta rogatoria 7899 (juzgada el 20-08-1997, publicada en DJ el 11-09-1997).

38 STJ - SEC 14.077 - Corte Especial - j. 15/3/2017 - julgado por Felix Fischer.

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218 LA APLICACIÓN DEL PROTOCOLO DE LAS LEÑAS EN EL BRASIL

El Protocolo de Las Leñas creó, para el derecho brasileño, una forma diferente de reconocer la sentencia extranjera, que conjuga los procedimientos simplificados de las cartas rogatorias, pero exige, a su vez, que se respeten las condiciones materiales necesarias para la homologación de todas las sentencias extranjeras. El fundamento de esta afirmación está en que los requisitos de la ley interna, analizados en la primera parte del trabajo, son, en esencia, idénticos a los del Art. 20 del Protocolo, pero distintos a los establecidos para el cumplimiento de actos de mera diligencia, para los cuales solo se exige el respeto al orden público.

5. LOS CASOS DE LITISPENDENCIA.

La litispendencia internacional está reglamentada en los Art. 24 del Código Procesal Civil39, la norma afirma que el hecho de existir proceso abierto en el exterior, por las mismas partes y sobre la misma causa, no implica litispendencia40;tampoco impide que la sentencia dictada posteriormente por el juez extranjero, en el mismo proceso, pueda tener eficacia jurídica en el Brasil41. Si la decisión del juez extranjero, con fuerza de cosa juzgada, es homologada por el STJ, estando aún pendiente el proceso nacional, pasará a ser considerada como eficaz y con fuerza de cosa juzgada también para el derecho brasileño, pudiendo reconocerse sus efectos ante los tribunales del Brasil de oficio o a instancia de parte, en cualquier momento y grado de jurisdicción. Pero, si en el transcurso del procedimiento homologatorio, surge en la causa brasileña sentencia definitiva, debe extinguirse la homologación, sin pronunciamiento sobre el mérito42.

La solución brasileña fue duramente criticada por el profesor Haroldo VALLADÃO demostrando que, históricamente, el derecho brasileño admitió la litispendencia internacional43. Lo mismo pude decirse de la primera norma convencional sobre la materia, el Art. 394 del Código Bustamante44, que también permite su utilización.

En el ámbito del MERCOSUR, el Art. 22, segunda parte45, del Protocolo de las Leñas, exige como condición necesaria para el reconocimiento de sentencia, la inexistencia de litispendencia del Estado donde se pretende reconocer el fallo. La norma impide el reconocimiento y la ejecución de cualquier sentencia extranjera cuando existe un procedimiento entre las mismas partes, con relación a la misma causa, ante los tribunales del país requerido46.

39 Art. 24 CPC. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.

40 Nelson Nery Junior afirma que para la justicia brasileña es indiferente que se haya iniciado acción judicial en país extranjero, que sea idéntica a otro que aquí se tramita. El juez brasileño debe ignorarla y permitir el regular desarrollo de la acción. NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 7 ed., 2003 p. 475.

41 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado. São Paulo: Saraiva, 5º ed., 2002, p. 283.

42 Para más información, véase: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Relações entre processos instaurados, sobre a mesma lide civil, no Brasil e em país estrangeiro. RF, 252, 1975, págs. 34 a 38.

43 VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Ed. Livraria Freitas Bastos. Vol. III, 1978, p. 143.

44 Art. 394. A litispendência por motivo de pleito em outro Estado contratante, poderá ser alegada em matéria cível, quando a sentença, proferida em um deles, deva produzir no outro os efeitos de coisa julgada.

45 Art. 22. Cuando se tratare de una sentencia o laudo arbitral entre las mismas partes, fundada en los mismos hechos y que tuviere el mismo objeto que el de otro proceso jurisdiccional o arbitral en el Estado requerido, su reconocimiento y ejecutoriedad dependerán de que la decisión no sea incompatible con otro pronunciamiento anterior o simultáneo recaído en tal proceso en el Estado requerido. Asimismo, no se reconocerá no se procederá a la ejecución, cuando se hubiere iniciado un procedimiento entre las mismas partes, fundado en los mismos hechos y sobre el mismo objeto, ante cualquier autoridad jurisdiccional de la Parte requerida con anterioridad a la presentación de la demanda ente la autoridad jurisdiccional que hubiere pronunciado la resolución de la que se solicite el reconocimiento.

46 De la misma forma los tratados bilaterales de Brasil con Argentina, art. 20, y con Uruguay, art.18.

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La dicotomía existente entre la norma interna y las reglas convencionales no se refleja en la jurisprudencia. Para el STJ, siguiendo la jurisprudencia consolidada por el STF, la tramitación de un proceso en el exterior no implica litispendencia47. Con relación a las sentencias provenientes del MERCOSUR, no se han encentrado fallos que traten específicamente de este tema.

6. TRATAMIENTO PROCESAL.

El derecho procesal brasileño posee normas que se refieren a la participación de extranjeros, personas físicas o jurídicas, en procesos nacionales. El Art. 8348 del Código Procesal Civil determina la aplicación de la cautio judicatum solvi cuando los actores procesales no tengan residencia o bienes inmuebles en el Brasil49. De forma opuesta, el Protocolo de Las Leñas determina la igualdad en el tratamiento procesal, Art. 3º. Y, en el Art. 4º, prohíbe la exigencia de caución o depósito en juicio para personas físicas o jurídicas residentes en los Estados partes, cualquiera sea su denominación.

Si comparamos esta disposición con su semejante en el sistema europeo, debe admitirse que el sistema mercosureño es más avanzado. Orlando Celso da SILVA NETO afirma que en el Convenio de Bruselas solo se prohíbe la exigencia en casos de reconocimiento y ejecución de decisiones proveniente de un Estado contratante, a ser reconocidos o ejecutados en otros (Art. 45), dejando a criterio exclusivo de los derechos nacionales la exigencia de caución para proponer acción en Estado en que sería posteriormente requerida la ejecución50.

La norma procesal interna debe considerarse sin efecto siempre que existan actores procesales originarios de los países miembros del MERCOSUR, a pesar de ambas encontrarse en un mismo nivel jerárquico. El fundamento radica en que la norma convencional es posterior y especial (los Art. 3º y 4º reglamentan exactamente la misma materia que el Art. 83 del CPC.) Esta es la posición mayoritaria en tanto doctrinaria como jurisprudencial, sin embargo no es unánime y existen precedentes donde el arraigo fue exigido, inclusive en el ámbito del MERCOSUR51. Para los procedimientos de homologación de sentencia extranjera la situación es diferente, el STJ, siguiendo la posición del STF, entiende que no es necesario exigir caución en los procesos de homologación52.

CONCLUSIÓN.

El sistema interno brasileño otorga competencia exclusiva al STJ para el reconocimiento y la ejecución de las sentencias extranjeras. Esta concentración tiene aspectos positivos, porque permite

47 Entre otras decisiones en este sentido, ver: STJ - SEC 4.127/EX, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 29/08/2012, DJe 27/09/2012; también STJ - RESP 251438, rel. Ministro Barros Monteiro, juzgado el 08-08-2000, publicado en DJ el 02-10-2000.

48 Art. 83:O autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.

49 Mucho discute la doctrina nacional sobre la constitucionalidad de la norma Sobre el tema véase: ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Comentários ao Código de Processo Civil. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. VIII, t. II, pág. 173.

50 SILVA NETO, Orlando Celso da. Direito Processual Civil Internacional Brasileiro. São Paulo: LTr, 2003.p. 211-212.

51 Véase por ejemplo el proceso NC 001/1.05.0246895-9, iniciado el 13-04-2000, que tramita la 18 vara civil del foro central de Porto Alegre, todavía sin sentencia definitiva, en que el juez de primera instancia exigió el cumplimiento de la caución a la parte uruguaya.

52 Cf. STJ - SEC 880 It 2005/0034902-6, contestación publicada en DJ el 06-11-2006.

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220 LA APLICACIÓN DEL PROTOCOLO DE LAS LEÑAS EN EL BRASIL

la estandarización de los procedimientos y de los requisitos necesarios para la homologación, bien como la facilitación del trabajo de los operadores del derecho al unificar la jurisprudencia sobre la materia; sin embargo, no está exenta de críticas. Los requisitos exigidos por la Resolución 9 del STJ, en conjunto con la jurisprudencia consolidada del STF y las nuevas decisiones del STJ, demuestran que los procedimientos de homologación pueden tornarse complejos. Este formalismo excesivo del rito procesal atenta contra el principio de la celeridad; porque, al impedirse la actuación directa de los jueces de primera instancia, la eficacia de la sentencia extranjera homologada acaba siendo, en la práctica, relativa.

En los procesos de integración regional es esencial que existan medios o procedimientos aptos para viabilizar la cooperación jurisdiccional. El reconocimiento y la ejecución de las sentencias extranjeras es un factor importante en la aproximación de los pueblos, al permitir una efectiva administración de la justicia. Como bien afirman los considerandos del Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdicción Internacional en Materia Contractual, es necesario destacar “la necesidad de brindar al sector privado de los Estados Partes un marco de seguridad jurídica que garantice justas soluciones y la armonía internacional de las decisiones judiciales y arbitrales...” En este sentido, el Protocolo del Las Leñas dio un paso importante al otorgar a las decisiones judiciales provenientes de los Estados-Partes eficacia extraterritorial. Sin embargo, cuando se analiza su aplicación en el derecho brasileño pueden efectuarse varias reflexiones.

La implementación de las Autoridades Centrales por el Protocolo tuvo como principal objetivo facilitar y agilizar la colaboración jurisdiccional. En el Brasil, como ya fue expuesto, la rapidez que se desearía para estos procedimientos se vio afectada por la rigidez del sistema que impone una triple escala de procesos internos: Autoridad Central, STJ y Juez de primera instancia.

La tramitación por carta rogatoria fue establecida por poseer las sentencias extranjeras provenientes del MERCOSUR eficacia extraterritorial, Art. 20. Esto equivale a decir que las sentencias proferidas dentro del ámbito regional poseen efecto internacional; pues, por fuerza de la normativa mercosureña, dejan de ser simples sentencias extranjeras desprovistas de eficacia que motive su homologación. Al contrario, son actos que “valen por ellos mismos, no dependiendo de homologación, en virtud de acuerdo internacional firmado por el Brasil53”. El juez de primera instancia debería conocer sobre el pedido y tramitarlo independientemente de la homologación del STJ. La eficacia extraterritorial también debe ser entendida para los casos de litispendencia, tanto para el procedimiento de homologación como para las acciones judiciales de primera instancia, como elemento importante para la seguridad y economía procesal.

Lamentablemente, el STF no entendió la normativa de esta forma y siempre exigió que la homologación sea por él efectuada, con la única variante de la simplificación de procedimiento. Hacemos nuestras las palabras de Antenor PEREIRA MADRUGA FILHO al referirse a la posición del STF como siendo “un resquicio de la época de las tinieblas54”. La aplicación del Protocolo de Las Leñas, como del resto de la normativa mercosureña, debe ser interpretado a la luz de la Constitución, que en el Art. 4º, parágrafo único, establece: A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social, e cultural dos povos da América Latina, visando a formação

53 MAGALHÃES, Jose Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 118.

54 Extraído de: www.stj.gov.br/webstj/Noticias/detalhes_noticias.asp?seq_noticia=12328.

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de uma comunidade latino americana.

Este objetivo solo será alcanzado en la medida en que los Pactos sean entendidos y aplicados con visión integracionistas. En la esfera limitada de nuestro trabajo, podemos concluir diciendo que en el derecho brasileño la competencia para otorgar el exequátur en los casos de reconocimiento y ejecución de sentencias extranjeras debería ser, al menos con relación al MERCOSUR, de los jueces federales de primera instancia, en lugar del STJ como es en la actualidad.

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