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risco e o custo de inovação aumentam. Cada vez mais, as empresas se vêm pressionadas a abrir seus processos de inovação, devido a fatores como: diminuição do tempo de vida de produtos, com o acirramento da competição; aumento da complexidade, especialização e convergência de tecnologias; consolidação da indústria de capital de risco; maior mobilidade de profissionais qua- lificados e crescente distribuição na geração de conhecimento. No Brasil, apesar da carência de estudos sobre a disseminação da inovação aberta, eventos dedi- cados ao tema e a abordagem na mídia voltada para o público executivo, têm divulgado numerosos casos de empresas que adotaram essa prática. Já é possível constatar no País a presença dos fatores propulsores da inovação aberta, com mais um elemento estimulador: as políticas públicas de incentivo à inovação. FIM DA ERA DE P&D CENTRALIZADOS A lógica emergente da inovação aberta se baseia na ideia de que a vantagem competitiva de uma empresa está na sua capacidade de articular conhecimento e recursos (internos e externos) para inovar. Mas, a premissa que sustentava a lógica dominante – nas décadas de 70 a 90 –, era a do fortalecimento do departamento de P&D interno, como barreira de entrada a novos entrantes. Foi um período em que predominaram, como motores da inovação, os grandes laboratórios de A Inovação Aberta (Open Innovation) propõe a abertura das fronteiras do processo de inovação – da pesquisa básica à comercialização – man- tendo um fluxo constante entre as empresas e o mercado. A companhia inovadora integra os recursos internos e externos (ideias, competências, infraestrutura, tecnologias, capital), para alavancar atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), e explora novos caminhos para colocar as inovações no mercado. A prática da inovação aberta acontece por meio de acordos e se viabiliza de três formas, conforme a direção do fluxo de recursos entre a empresa inovadora e os agentes externos: De fora para dentro – se caracteriza pela coo- peração com fornecedores, clientes, universidades e escoteiros tecnológicos. Seus tipos mais comuns de acordo são o licenciamento, a contratação de P&D externo e aquisições. De dentro para fora – se caracteriza pela disponibilização de patentes, desinvestimentos e criação de spin-outs. Acoplada – está relacionada à formação de redes de inovação, tendo como acordos mais comuns, o licenciamento cruzado, codesenvolvimen- to, joint-ventures e spin-offs. Os fundos internos de capital de risco (fundos corporativos) podem fomen- tar tanto spin-in e spin-outs, quanto spin-offs. As práticas de inovação aberta se disseminam ao redor do mundo globalizado, à medida que o Inovação aberta: um modelo a ser explorado no Brasil POR BRUNO RONDANI E HENRY CHESBROUGH 52 DOM

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Artigo publicado na Revista DOM, a revista da Fundação Dom Cabral. Edição: número 11, publicada em abril de 2010. Páginas 52 a 59.

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risco e o custo de inovação aumentam. Cada vez mais, as empresas se vêm pressionadas a abrir seus processos de inovação, devido a fatores como: diminuição do tempo de vida de produtos, com o acirramento da competição; aumento da complexidade, especialização e convergência de tecnologias; consolidação da indústria de capital de risco; maior mobilidade de profissionais qua-lificados e crescente distribuição na geração de conhecimento.

No Brasil, apesar da carência de estudos sobre a disseminação da inovação aberta, eventos dedi-cados ao tema e a abordagem na mídia voltada para o público executivo, têm divulgado numerosos casos de empresas que adotaram essa prática. Já é possível constatar no País a presença dos fatores propulsores da inovação aberta, com mais um elemento estimulador: as políticas públicas de incentivo à inovação.

FIM DA ERA DE P&D CENTRALIZADOS A lógica emergente da inovação aberta se baseia na ideia de que a vantagem competitiva de uma empresa está na sua capacidade de articular conhecimento e recursos (internos e externos) para inovar. Mas, a premissa que sustentava a lógica dominante – nas décadas de 70 a 90 –, era a do fortalecimento do departamento de P&D interno, como barreira de entrada a novos entrantes.

Foi um período em que predominaram, como motores da inovação, os grandes laboratórios de

A Inovação Aberta (Open Innovation) propõe a abertura das fronteiras do processo de inovação – da pesquisa básica à comercialização – man-tendo um fluxo constante entre as empresas e o mercado. A companhia inovadora integra os recursos internos e externos (ideias, competências, infraestrutura, tecnologias, capital), para alavancar atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), e explora novos caminhos para colocar as inovações no mercado.

A prática da inovação aberta acontece por meio de acordos e se viabiliza de três formas, conforme a direção do fluxo de recursos entre a empresa inovadora e os agentes externos:

• De fora para dentro – se caracteriza pela coo-peração com fornecedores, clientes, universidades e escoteiros tecnológicos. Seus tipos mais comuns de acordo são o licenciamento, a contratação de P&D externo e aquisições.

• De dentro para fora – se caracteriza pela disponibilização de patentes, desinvestimentos e criação de spin-outs.

• Acoplada – está relacionada à formação de redes de inovação, tendo como acordos mais comuns, o licenciamento cruzado, codesenvolvimen-to, joint-ventures e spin-offs. Os fundos internos de capital de risco (fundos corporativos) podem fomen-tar tanto spin-in e spin-outs, quanto spin-offs.

As práticas de inovação aberta se disseminam ao redor do mundo globalizado, à medida que o

Inovação aberta: um modelo a ser explorado no Brasil

POR BRUNO RONDANI E HENRY CHESBROUGH

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P&D corporativos centralizados. As empresas líde-res faziam pesados investimentos em suas áreas de P&D internas, como estratégia para atrair e reter talentos, oferecendo-lhes os melhores recur-sos e infraestrutura para garantir bons resultados. Rivais só poderiam ousar competir no mercado se conseguissem levantar recursos para criar seus próprios laboratórios, em proporções equivalentes às dos líderes. Como ilustração desse fenômeno, em 1981 os investimentos privados nos Estados Unidos estavam concentrados (71%) nas grandes corporações com mais de 25 mil funcionários; em 2005, essa concentração tinha caído para apenas 37,5%. Por outro lado, empresas com menos de mil funcionários, que representavam apenas 4,5% desses investimentos em 1981, aumentaram sua participação para 24% em 2005.

Há exemplos famosos de laboratórios que tiveram de se reinventar nos últimos anos: o Menlo Park, fundado pelo lendário Thomas Edison em 1876, que deu origem à General Electrics (GE); o Bell Labs, de 1920, inicialmente da AT&T e depois ligado à Lucent Technologies, mundial-mente conhecido por inventar as principais tecno-logias de ruptura no mundo dos semicondutores e ter abrigado mais de uma dezena de cientistas vencedores do prêmio Nobel; o Parc da Xerox, criado em 1970 e conhecido por suas inúme-ras inovações, aproveitadas por outras empre-sas – como a invenção do mouse e da interface gráfica, que viabilizaram a rápida ascensão da Apple no mercado de computadores pessoais; o MSResearch da Microsoft, fundado em 1991, que nos últimos ano teve um orçamento médio da ordem de US$ 7 bilhões anuais.

A história desses centros inovadores ilustra o fim da era dos grandes laboratórios. Atualmente, a GE mantém laboratórios de pesquisa distribuídos entre Nova York, Bangalore, Xangai e Munique. Na Lucent, o Bell Labs não conseguiu fazer frente aos novos entrantes chineses e a líder teve que

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INOVAÇÃO ABERTA E O SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO (SNI) BRASILEIRO A inovação já faz parte da agenda governamental de desen-volvimento no Brasil – nos últimos anos, houve uma multiplicação dos mecanismos públicos para incentivá-la. À promulgação da Lei de Inovação (Lei 10.973), em 2004, se seguiram outras leis de incentivos fiscais, acompanhadas de maiores orçamentos e atenção do poder executivo para com as entidades promotoras, regulatórias e ava-liadoras dos esforços inovativos. Apesar de ainda exigir melhorias, esse jovem sistema de políticas públicas tem conseguido a atenção do setor priva-do, que responde com a apresentação de projetos e programas de inovação, além de críticas aos mecanismos vigentes.

A terceira Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) deste ano, que ainda será publicada, poderá avaliar melhor a efetividade do SNI. Por enquanto, é cedo para tirar conclusões. Mas, já podemos fazer algumas indagações sobre a dire-ção que o sistema está tomando. Uma análise dos mecanismos criados nos últimos anos mostra que as políticas públicas para inovação são apropriadas ao desenvolvimento de um cenário de inovação aberta no Brasil.

A abordagem mais tradicional de P&D interna exigia enormes investimentos, que só as gran-des empresas – geralmente monopólios – podiam enfrentar. Já a abordagem da inovação aberta cria um campo mais nivelado, onde pequenas e médias empresas, universidades, startups e grandes corpo-rações formam, coletivamente, um ecossistema de inovação. As atuais políticas públicas estimulam amplamente: a interação entre empresas e universi-dades; o fortalecimento das áreas de P&D de empre-sas de todos os portes; a consolidação da indústria de venture capital; a criação de incubadoras de novos negócios e benefícios especiais para startups; a formação de parques tecnológicos pelo país.

se fusionar à Alcatel, alterando completamente suas políticas de pesquisa. Após ter perdido uma série de tecnologias para outras companhias, o Parc mudou completamente suas diretrizes para uma abordagem de inovação aberta. E o sucesso recente de empresas como Google e Apple impôs à Microsoft o desafio de entender que “inovação não é uma questão de quanto se investe em P&D”, nas palavras de Steve Jobs, fundador e CEO da Apple.

No Brasil, esse modelo de inovação se refletiu na política industrial nacional. Seguindo a mesma lógica das grandes corporações americanas e euro-péias, entre a década de 60 e a onda das privati-zações nos anos 90, o governo criou praticamente um grande centro de P&D para cada monopólio estatal. A criação do Cenpes data de 1963 e teve como missão centralizar as atividades de P&D da Petrobras. O Cepel, fortemente inspirado no Menlo Park, fundado quase que um século antes, foi cria-do em 1974 com duplo objetivo: diminuir a carga exercida pelo pagamento de royalties ao exterior, desenvolvendo tecnologia nacional, e atender às demandas tecnológicas das empresas do sistema Eletrobrás. O CPqD da Telebrás foi criado em 1976, para “ocupar o posto de vanguarda tecnoló-gica” no setor de telecomunicações.

Na inauguração do Centro Ténico Aeroespacial (CTA), em 1945, o professor Richard Smith, chefe do Departamento de Aeronáutica do Massachussets Institute of Technology, referindo-se às vantagens estratégicas do centro, para transformar o Brasil em uma “nova potência aérea”, atestava: “todos os laboratórios nacionais de aeronáutica podem ser construídos e concentrados num único gran-de centro de pesquisas e treinamento”. O CTA concluiu em 1968 o primeiro protótipo de avião industrializável, o Bandeirante, e assim viabilizou a criação da Embraer em 1969. O CTA funcionou como centro tecnológico da Embraer até sua priva-tização, em 1994.

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Os mecanismos mais importantes podem ser organizados em seis linhas básicas:

• Apoio às Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) – as ICTs são entidades da administração pública, que têm como missão ins-titucional, dentre outras, desenvolver atividades de pesquisa básica ou aplicada, de caráter científico ou tecnológico. Os programas de apoio a ICTs são talvez os mais antigos do sistema nacional de ino-vação brasileiro, mas a ideia de que o aumento de recursos para instituições de pesquisa é suficiente para induzir a inovação, já está ultrapassada. Hoje, os principais programas de financiamento de ICTs exigem que os candidatos incluam em seus pedi-dos de atividades, a transferência tecnológica ao setor produtivo e parcerias com empresas. Esses programas medem os resultados de um projeto não apenas pela quantidade de artigos científicos produzidos e estudantes formados, mas também por meio da quantidade de patentes e spin-offs gerados. Dentre essas políticas, destacam-se o programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), da Fapesp, e o programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, do CNPq.

• Apoio a parcerias universidade-empresa – atualmente há diversos mecanismos para estimular essas parcerias e a Lei de Inovação representa um marco legal importante. A interação universidades- empresas não é nova, mas o modo como acontece hoje é bem diferente das práticas de décadas ante-riores. Destinada às ICTs, a Lei de Inovação esta-belece uma série de mecanismos para a formação dessas redes de cooperação, como a obrigatorie-dade de criar Núcleos de Inovação e Transferência Tecnológica (NITs), e a possibilidade de transferir tecnologia e licenciar patentes de propriedade das ICTs para ambientes produtivos com menos regu-lamentação. Vale também destacar as políticas de apoio, como os editais dos Fundos Setoriais de C&T, administrados pela Finep, o Fundo Tecnológico (Funtec) do BNDES e o Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), que se expandiu a partir de 2004 numa série de convênios com empresas para o lançamen-to de editais. Todos esses programas determinam que as ICTs sejam as executoras principais do pro-jeto, tendo um parceiro empresarial na execução e financiamento do projeto, cujos resultados devem visar à exploração comercial.

• Apoio ao pesquisador na empresa – ao perceber uma distorção na absorção de recursos humanos altamente qualificados no País – com 70% dos mestres e doutores nas ICTs e apenas 30% em empresas –, o governo desenvolveu pro-gramas de incentivo à inserção de pesquisadores nas organizações. Destacam-se o Programa de Capacitação de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas (RHAE), do CNPq, que concede bol-sas para empresas incluírem mestres e doutores em seus projetos internos de P&D, e o programa de financiamento Inova Brasil da Finep, que ofe-rece um crédito extra não reembolsável, conhecido como “vale-pesquisador”, para a empresa aplicar na contratação de mestres e doutores. A Lei de Inovação de 2004 permite que pesquisadores ser-vidores públicos peçam licença de seus cargos em ICTs, para conduzir iniciativas privadas sem perda do cargo público. Se o empreendimento falhar, o pesquisador pode voltar à instituição e prosseguir sua carreira. A Lei do Bem (Lei 11.196), de 2005, incrementa os benefícios fiscais para as empresas que abrirem postos de trabalho para pesquisadores dedicados exclusivamente à P&D.

• Apoio a projetos de P&D e inovação (inter-nos e externos) nas empresas – os investimentos na área de P&D interna também são importantes num modelo de inovação aberta, pois sem eles a empresa perderia a capacidade de interagir ade-quadamente com o ambiente externo e atender a demanda estratégica por tecnologia. As atividades de P&D internas ajudam a manter a atratividade das empresas, facilitam a formação de redes de inovação e colaboram com a área interna em seus desafios. Podemos destacar alguns programas que estimulam empresas, de qualquer porte ou setor, a incrementar suas atividades internas e externas de P&D. O principal é a Lei de Informática (Lei 8.248/91), que concede uma redução do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) sobre a venda de

A INOVAÇÃO JÁ FAZ PARTE DA AGENDA GOVERNAMENTAL DE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

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Tecnológicos, para abrigar universidades, institutos de pesquisa, incubadoras, laboratórios privados de P&D e fundos de venture capital. No âmbito fede-ral, destaca-se o Programa Nacional de Apoio às Incubadoras de Empresas e Parques Tecnológicos (PNI) da Finep, que apoia o planejamento, criação e consolidação de incubadoras de empresas e par-ques tecnológicos.

INOVAÇÃO ABERTA NO BRASIL No Brasil, a ino-vação aberta não é praticada apenas por multina-cionais estrangeiras, mas também por companhias líderes nacionais – empresas nascentes e univer-sidades participam do processo, apoiadas por um conjunto de políticas públicas.

A Fapesp tem firmado uma série de convênios de parceria com empresas para realização de pro-jetos conjuntos de inovação, entre elas e univer-sidades localizadas no estado de São Paulo. Nos chamados “Convênios PITE”, a Fapesp e a empre-sa parceira lançam juntas um edital, destinado à comunidade científica do estado, para chamada de projetos em linhas de pesquisa previamente definidas. As propostas são analisadas pela Fapesp e a empresa, e depois executadas em parceria, entre o grupo de pesquisa vencedor e a equipe da empresa. A propriedade intelectual resultante é, geralmente, compartilhada pela universidade, Fapesp e empresa parceira.

Desde a primeira experiência, realizada em 2004 com a Natura, a Fapesp já firmou outros dez convênios semelhantes, com empresas como Microsoft, Instituto Fleury, Ouro Fino Saúde Animal, Oxiteno, Dedini, Telefônica, Padtec, Braskem e Ci&T Software. No caso da Natura, Telefônica e Braskem, a experiência ajudou as empresas a abrirem seus processos de inovação e aperfeiçoar suas habilidades na gestão de projetos de P&D com agentes externos.

A Natura resumiu seu aprendizado com a ino-vação aberta em cinco fatores-chave de sucesso: melhoria de processos para a integração de parcei-ros externos; estabelecimento de critérios claros para parcerias; foco em temas estratégicos de pes-quisa; grande sinergia com mecanismos públicos de inovação; proatividade na busca de parceiros externos com forte exposição, externa e interna, do programa de inovação aberta.

Outra prática de inovação aberta no Brasil é o

equipamentos às empresas que se comprometem a investir 4% do seu faturamento em projetos de P&D, executados interna e externamente – até 2,16% pode ser interno e um mínimo de 1,86% deve ser externo. Outros importantes mecanismos são os programas de financiamento a juros subsi-diados, como o Inova Brasil da Finep (com o “vale-ICT”) e o Linha Inovação Tecnológica do BNDES. O principal objetivo da Lei do Bem é dar incentivos a todas as empresas que investem em P&D – há benefícios adicionais quando elas investem em ICTs ou startups. A Lei de Inovação introduziu na legislação brasileira a possibilidade de o Estado oferecer subvenção econômica a atividades de P&D, para empresas de qualquer porte ou setor.

• Apoio à criação de novos negócios – num mundo de inovação aberta, as startups são impor-tantes agentes de inovação. Empreendedores são condutores de inovações capazes de estimular o mercado para um ganho de competitividade. A consolidação de indústrias de venture capital é um dos principais fatores de erosão do modelo fechado de inovação. O governo brasileiro estimula a criação de novos negócios através de diversos programas: fundos de venture capital, subvenção, financiamento a juros subsidiados e incentivos fiscais. Vale destacar a importância dada a esse tipo de apoio, com o lançamento do maior progra-ma de incentivo à inovação – Programa Primeira Empresa Inovadora (Prime/Finep) – destinado a apoiar 5.000 novas empresas e que, em sua pri-meira chamada, contou com orçamento de R$ 1,3 bilhões.

• Apoio à criação de Parques Tecnológicos – apesar dos avanços na colaboração a distan-cia, com as novas tecnologias de comunicação e transporte, a proximidade física ainda é fator importante para o sucesso de uma parceria. Nesse sentido, há diversos programas federais, estadu-ais e municipais que visam a criação de Parques

A INOVAÇÃO ABERTA NÃO É PRATICADA APENAS POR

MULTINACIONAIS ESTRANGEIRAS,MAS TAMBÉM COMPANHIAS

LÍDERES NACIONAIS

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investimento em institutos independentes de P&D – caso da EMS, empresa nacional líder no setor farmacêutico. Uma experiência anterior de tra-balho esporádico com universidades, em projetos com financiamento público, mostrou à EMS que, sem processos internos capazes de absorver os projetos bem-sucedidos, esse esforço cooperativo poderia não valer o custo de gestão. Após cinco anos dessa experiência, a empresa reuniu líderes da comunidade científica brasileira para criação do Instituto Vita Nova de Pesquisa e Inovação (IVN). Seguindo uma estratégia audaciosa, base-ada nos conceitos da inovação aberta, o IVN foi fundado com os seguintes objetivos: estabelecer uma infraestrutura independente de pesquisa que não concorra com os projetos internos de P&D; executar a transferência de tecnologia para a EMS; desenvolver processos industriais de scale-up para projetos de pesquisa realizados por parceiros exter-nos; gerir uma incubadora interna responsável pela atração de projetos de empresas nascentes; criar um ambiente de trabalho cooperativo entre parcei-ros externos (concorrentes e empresas de outros setores), com governança independente.

Outra iniciativa trazida ao Brasil pela Votorantim Novos Negócios (VNN), e muito comum em ambientes de inovação aberta, foi o capital de risco corporativo. O grupo Votorantim, um con-glomerado de indústrias de commodities (papel, cimento e alumínio), percebeu que os startups poderiam também orientar os planos de uma grande corporação. A VNN foi criada para ser o capital de risco e private equity do grupo e investir primariamente em biotecnologia e tecnologia da informação. Uma das principais razões, que levou o Conselho de Administração a criar a VNN, foi a intenção de aprender a decidir sobre o investimen-to em inovação.

Em dez anos de operação, a VNN investiu em um portfólio diversificado, dedicando seus dois maiores projetos à área de biotecnologia – em 2002 e 2003, criou a Allellyx e a CanaVialis, empresas spin-outs de um programa científico de financiamento público, que chegaram a arre-cadar mais de R$ 60 milhões em subvenções do programa Finep. Após quase sete anos de investi-mento, a VNN vendeu as duas empresas por R$ 660 milhões para a Monsanto, líder mundial em biotecnologia para agricultura. Embora fortemente

criticada pelo governo – pela venda das startups

para uma empresa estrangeira –, a experiência da VNN serviu para mostrar a força das oportunidades de inovação aberta no Brasil e como se beneficiar de um financiamento público para desenvolver a inovação. Projetos bem-sucedidos como esses podem atrair mais capital de investimento para o sistema brasileiro de inovação.

Como vimos nesta série de exemplos e siste-mas, a inovação aberta não está tão distante da realidade do País. Pelo contrário, as evidências encorajam acadêmicos e gestores a aprofundar o entendimento sobre esse fenômeno, que ainda reserva muitas oportunidades para as empresas brasileiras.

BRUNO RONDANI é diretor-executivo do Centro de Inovação Aberta no Brasil, membro do Conselho Superior de Tecnologia e Competitividade da Fiesp e sócio-fundador da Allagi Open Innovation Services.

HENRY CHESBROUGH é diretor-executivo do Centre for Open Innovation, da Universidade da Califórnia-Berkeley, onde também é professor. Autor de Open Innovation: the New Imperative for Creating and Profiting from Innovation (Harvard Business Press, 2003) e Open Business Models: How to Thrive in the New Innovation Landscape (Harvard Business School Press, 2006)

Centro de Inovação Aberta no Brasil

O Centro Open Innovation–Brasil é uma comunidade de prática que reúne profis-sionais e estudiosos envolvidos na aplicação da gestão da inovação aberta, guiados pelo princípio do learning by doing (aprender fazendo). Criado a partir da troca de ideias entre empresários brasileiros e o professor Henry Chesbrough – em sua primeira visita ao país em 2008 – tem colaborado para a formação de uma comunidade de estudos sobre a implementação da inovação aberta no Brasil. Contando hoje com mais de 300 membros gestores de inovação, o centro se dedica ainda a divulgar esses estudos em empresas, universidades e escolas de negó-cios nacionais e internacionais.

Para outras informações, acesse: http://openinnovationbrasil.ning.com/

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O próprio governo reconhece que os programas de incentivo à inovação no Brasil ainda pre-cisam ser aprimorados e mais divulgados. São raras as empresas que conhecem todas as opor-tunidades oferecidas por esses programas, e também escassas as que monitoram os avanços das políticas públicas para identificar oportunidades que se encaixem em suas necessidades.

Selecionamos algumas recomendações para as empresas interessadas em aproveitar os benefícios oferecidos:

• Adapte-se aos programas existentes, utilize-os e somente depois, os critique – a crítica antecipada pode levar os tomadores de decisão da empresa a rejeitarem a utilização de um pro-grama, sem a devida reflexão. Enquanto o governo não coordena melhor as ações, ou não adapta os programas às demandas específicas de sua empresa, busque dentro das políticas públicas alguma forma de usufruir dos benefícios. E mesmo que o edital não pareça totalmente adequado, apresente seu projeto. Se não for aprovado, pelo menos o governo terá identificado o não enqua-dramento da sua proposta e poderá levá-la em consideração quando formular o próximo edital.

• Busque apoio do governo para sua estratégia de inovação desde o início da implantação – sempre que possível, interaja com os representantes dos programas de apoio e incentivo do governo, desde o início, comentando as ideias que você tem para montar sua proposta. Esse intercâmbio será útil para obter recomendações que podem ser fundamentais e também ajudará o governo a afinar os mecanismos.

A aplicação de diferentes modalidades de inovação aberta aumenta a complexidade de gestão – diferentes modalidades exigem processos também diferentes. Se sua empresa está começando a construir ou reformulando programas de inovação aberta, fique atento às seguintes recomenda-ções:

• Não comece um programa de inovação aberta sem encorajar internamente o espírito de colaboração – se a empresa tem problemas com a integração dos gestores das diferentes áreas, dificilmente conseguirá receptividade interna para fazer parcerias externas. Isso costuma acon-tecer com organizações em estágio de rápido crescimento ou após fusões e aquisições. Quando for o caso, deve-se trabalhar também a mudança da cultura da empresa, passando da “sín-drome do não inventado aqui” para a “atitude do adquirido orgulhosamente em outro lugar”.

Como se beneficiar das políticas públicas de inovação

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Em grandes corporações ou conglomerados, antes de implantar programas de inovação aberta voltados para o público externo, é preciso trabalhar a cooperação entre as empresas do grupo.

• Antes de buscar oportunidades fora da empresa, tenha a certeza de poder aplicá-las inter-namente – antes de investir recursos na prospecção externa de tecnologias, parcerias e opor-tunidades de inovação, o gestor responsável deve se assegurar de que a empresa tem condições de internalizar aquela oportunidade. É comum, depois de um grande esforço de prospecção e negociação com potenciais parceiros que pode durar meses, e declaração de interesse dos dois lados, surgirem alguns entraves (política interna, propriedade intelectual, políticas de royalties, aspectos de governança). Eles podem impedir que a oportunidade seja aproveitada, desgastando as relações com o potencial parceiro.

• Ao criar um programa de inovação aberta não faça muita publicidade antes de ter casos de sucesso para divulgar – em geral, a demanda e aceitação interna de uma abertura maior estão relacionadas a experiências bem-sucedidas anteriormente. No Brasil, é comum ouvir das empresas que a relação com universidades foi um desastre, no passado, e por isso não há inter-esse em retomá-la. Para amenizar a resistência interna, é recomendável desenvolver projetos bem-sucedidos anteriormente, mesmo pequenos ou de menor relevância.

• Esteja atento aos aspectos culturais e formação de recursos humanos – é comum pes-quisadores e engenheiros de P&D interno perceberem a inovação aberta como um risco para a manutenção da equipe interna; outro entrave a ser considerado é o temor de uma diminuição da relevância do P&D interno.

• Antes de criar um programa de inovação aberta, fortaleça o departamento de P&D interno – para que o programa de inovação aberta seja bem aceito pelos colaboradores, e os projetos prospectados externamente possam ser avaliados e internalizados, é fundamental um departa-mento de P&D interno consolidado e fortalecido. Esse cuidado também ajuda a aumentar a atra-tividade dos projetos de inovação para a empresa, pois sem um interlocutor interno qualificado, os parceiros não conseguem expor suas propostas de forma efetiva.

• Forme profissionais capazes de articular os diferentes agentes de inovação – gerenciar pro-cessos em um ambiente de inovação aberta exige um perfil generalista do profissional designado para essa atividade: conhecimentos em prospecção de tecnologia e mecanismos de propriedade intelectual e licenciamento; perfil negociador; entender a dinâmica das diferentes instituições envolvidas no processo de inovação e ter bom trânsito nelas; conhecer bem as políticas públi-cas; ter conhecimento da importância dos modelos de negócios para a exploração da inovação.

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