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967 Revista Baiana de Saúde Pública v.34, n.4, p.967-979 out./dez. 2010 ARTIGO ORIGINAL FONOAUDIOLOGIA E SERVIÇOS DE SAÚDE NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA (1990-2005) Ana Regina Graner a Luiz Augusto de Paula Souza b Resumo O objetivo deste trabalho é analisar as tendências e perspectivas da produção recente sobre as práticas fonoaudiológicas em Saúde Pública. A metodologia está centrada na realização de um levantamento da produção bibliográfica da área (sem a pretensão de esgotá-la), de 1990 até 2005. O período cronológico foi definido em função do fato de que, com o advento do Sistema Único de Saúde, houve um incremento de pesquisas, atuações e publicações na área de Saúde Pública devido à maior presença e efetividade da atuação fonoaudiológica nos serviços públicos de saúde. Para tanto, foram adotadas como fontes de pesquisa as produções elaboradas em forma de dissertações e/ou teses, livros e/ou capítulos e artigos em periódicos. A análise dos dados levantados aponta que a Saúde Pública é uma área importante para a Fonoaudiologia, um campo aberto a ser explorado na atuação e na pesquisa. Conclui-se que, se o tema Fonoaudiologia e Saúde Pública entrou mais intensamente para a agenda das atuais produções, então é preciso maior investimento e investigação por parte dos fonoaudiólogos. Palavras-Chave: Fonoaudiologia. Saúde Pública. Políticas Públicas de Saúde. SPEECH-LANGUAGE PATHOLOGY AND HEALTH SERVICES IN THE SINGLE HEALTH SYSTEM: AN ANALYSIS OF SCIENTIFIC RESEARCH (1990-2005) Abstract This study is an analysis of the trends and perspectives apparent in recent research on Speech-Language Pathology in the public health sector. This objective was achieved by carrying out a bibliographical review of the field from 1990 to 2005 (though without the claim of being exhaustive). The chronological period was defined by the increase in research, activity and publications in public health due to the implantation of the Single Health System (SUS), which a Mestre em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora titular do curso de Fonoaudiologia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). b Doutor em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Endereço para correspondência: Rua Território do Amapá, n o . 422, apto. 401, Pituba, Salvador, Bahia. CEP: 41830-540. [email protected] Rev B.S.Publica Miolo. V 34 _ n 4.indd 967 17/6/2011 11:12:25

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Revista Baianade Saúde Pública

v.34, n.4, p.967-979out./dez. 2010

ARtiGO ORiGinAL

FONOAUDIOLOGIA E SERVIÇOS DE SAÚDE NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA (1990-2005)

Ana Regina Granera Luiz Augusto de Paula Souzab

ResumoO objetivo deste trabalho é analisar as tendências e perspectivas da produção

recente sobre as práticas fonoaudiológicas em Saúde pública. A metodologia está centrada na realização de um levantamento da produção bibliográfica da área (sem a pretensão de esgotá-la), de 1990 até 2005. O período cronológico foi definido em função do fato de que, com o advento do Sistema Único de Saúde, houve um incremento de pesquisas, atuações e publicações na área de Saúde pública devido à maior presença e efetividade da atuação fonoaudiológica nos serviços públicos de saúde. para tanto, foram adotadas como fontes de pesquisa as produções elaboradas em forma de dissertações e/ou teses, livros e/ou capítulos e artigos em periódicos. A análise dos dados levantados aponta que a Saúde pública é uma área importante para a Fonoaudiologia, um campo aberto a ser explorado na atuação e na pesquisa. Conclui-se que, se o tema Fonoaudiologia e Saúde pública entrou mais intensamente para a agenda das atuais produções, então é preciso maior investimento e investigação por parte dos fonoaudiólogos.

palavras-Chave: Fonoaudiologia. Saúde pública. políticas públicas de Saúde.

SpEECH-LAnGUAGE pAtHOLOGY And HEALtH SERViCES in tHE SinGLE HEALtH SYStEM: An AnALYSiS OF SCiEntiFiC RESEARCH (1990-2005)

Abstractthis study is an analysis of the trends and perspectives apparent in recent research

on Speech-Language pathology in the public health sector. this objective was achieved by carrying out a bibliographical review of the field from 1990 to 2005 (though without the claim of being exhaustive). the chronological period was defined by the increase in research, activity and publications in public health due to the implantation of the Single Health System (SUS), which

a Mestre em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora titular do curso de Fonoaudiologia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

b Doutor em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Endereço para correspondência: Rua Território do Amapá, no. 422, apto. 401, Pituba, Salvador, Bahia. CEP: 41830-540. [email protected]

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led to an increase in the number of speech therapists working in the public health sector and their effectiveness. Use was made of dissertations, theses, chapters or books and articles in journals as research sources. An analysis of this data emphasizes the importance of the public health sector to Speech-Language pathology as a field to be explored for research and performance. As the field of Speech-Language pathology becomes more important in current practices in the public health sector a greater investment is needed by its professionals and in terms of research.

Key words: Speech-Language pathology. public health. public health policies.

FOnOAUdiOLOGÍA Y SERViCiOS dE SALUd En EL SiStEMA ÚniCO dE SALUd (SUS): AnÁLiSiS dE LA pROdUCCiÓn CiEntÍFiCA (1990-2005)

Resumen El objetivo de este trabajo es analizar las tendencias y perspectivas de la reciente

producción sobre las prácticas fonoaudiológicas en la salud pública. Metodologicamente se utilizó el análisis bibliográfico sobre el tema, desde 1990 hasta 2005 (sin la pretención de un trabajo absoluto). El marco cronológico fue definido en función del advento del Sistema Único de Salud y el consecuente incremento de las investigaciones, actuaciones y publicaciones en el área de la salud pública, además de una mayor presencia y efectividad de la actuación fonoaudiológica en estos servicios. Se adoptaron como fuentes de investigación las producciones em formato de disertaciones y/o tesis, libros y/o capítulos y artículos publicados en revistas científicas. Los datos obtenidos indican que la salud pública es una importante área para la fonoaudiológia y un campo abierto para la explotación de investigaciones y la actuación. Se concluye que el tema de la fonoaudiología y la salud pública, entraron de forma más intensa en la agenda de las actuales producciones, demandando mayor inversión e investigación de parte de los fonoaudiólogos.

palabras-clave: Fonoaudiología. Salud pública. políticas públicas de salud.

INTRODUÇÃO

A Fonoaudiologia iniciou sua aproximação com a Saúde pública na década

de 1970, tornando-se mais densa na década de 1980 na Secretaria Municipal de Saúde da

cidade de São paulo.1 para tratar da Fonoaudiologia nos serviços públicos de saúde é preciso

retomar, ainda que brevemente, premissas conceituais da Saúde pública, pois é necessário

que o fonoaudiólogo reconheça certas especificidades teóricas, técnicas e institucionais para

compreender e atender às demandas clínicas, preventivas e de promoção à saúde que lhe

forem pertinentes nesse universo.

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O termo saúde pública tem, pelo menos, dois significados. O primeiro refere-se

à condição da saúde do público e o segundo, aos esforços sociais organizados para preservar e

melhorar a saúde de uma dada população. deste modo, saúde pública é a ciência e a arte da

prevenção da doença, prolongamento da vida e promoção da saúde física e da eficiência pelos

esforços comunitários organizados para o saneamento do ambiente, o controle das infecções

na comunidade, a educação do indivíduo nos princípios de higiene pessoal, a organização dos

serviços médicos e de enfermagem para o diagnóstico precoce para o tratamento preventivo

das doenças e o desenvolvimento do maquinário social que assegurará, a cada indivíduo na

comunidade, um padrão de vida adequado para a manutenção da saúde.2

Esta definição é interessante, pois não apenas estabelece a ênfase central de todo

o trabalho da saúde pública, ou seja, promover a saúde e prevenir a doença, como também

enfatiza as diversas estratégias necessárias para trazer à tona saneamento ambiental, esforços

para o controle de doenças específicas, educação para saúde, atenção médica e de enfermagem

e a busca de condições de vida satisfatórias. por fim, deixa claro que, para alcançar esses

objetivos, a ação social organizada é necessária. isto pode ser verificado em vários momentos

da história do Brasil, entre os quais alguns serão mencionados a seguir.

O papel histórico e continuado das políticas e instituições de saúde pode ser

analisado ao longo dos períodos que marcam as principais conjunturas da história do país,

desde a proclamação da República até a restauração dos direitos políticos e civis (cassados no

pós-1964) a partir de 1982.3

A Saúde pública no Brasil, durante grande parte do século xx, recebeu forte

influência do chamado “naturalismo médico”, centrado na enfermidade e no adoecimento do

indivíduo, embora houvesse tentativas e tendências, ainda que não dominantes, de se realçar

os determinantes econômicos e sociais das enfermidades.

A concepção de níveis de prevenção, baseada no modelo de Leavell e Clark,4 foi

incorporada ao discurso da Medicina Comunitária no Brasil, na década de 1960, e orientou

o estabelecimento de níveis de atenção nos sistemas e serviços de saúde, que vigoram até

hoje. Foi amplamente difundida durante os anos 1970 e 1980, juntamente com as propostas

de Atenção primária em Saúde e a ideia de “Saúde para todos no ano 2000”, contida na

declaração de Alma-Ata, que levou à criação das bases para um novo paradigma de saúde.5

O texto da declaração de Alma-Ata6 amplia a visão do cuidado à saúde e

contribui para a superação do campo de ação dos responsáveis pela atenção convencional

dos serviços de saúde. Ela obteve destaque na i Conferência internacional sobre promoção da

Saúde, em Otawa, 1986, na qual foram sugeridos cinco campos de ação para a promoção de

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saúde da coletividade: ambientes suportivos à saúde, construção de políticas públicas saudáveis,

fortalecimento da ação comunitária, desenvolvimento de habilidades pessoais, reorientação

dos serviços de saúde.

Em 1988, concluiu-se o processo constituinte e foi promulgada a oitava Constituição

do Brasil. A chamada “Constituição Cidadã” foi um marco fundamental na redefinição das

prioridades da política do Estado na área da saúde pública. A Constituição brasileira passou a

ser considerada como uma das mais avançadas do mundo no que diz respeito à saúde.7 nela é

firmado o marco legal do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Brasil passa a contar com modernas

diretrizes de saúde, fruto de conquistas importantes do movimento da Reforma Sanitária. de

acordo com a atual Constituição, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida

mediante políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de doenças e de outros

agravos, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,

proteção e recuperação.8

O SUS prevê uma rede regionalizada de ações e serviços, partindo de Sistemas

Locais de Saúde com referência e contra-referências definidas, para oferecer atenção integral

à saúde da população. Em seus princípios organizativos, o SUS propõe a descentralização

da coordenação, regionalização do atendimento e hierarquização dos serviços. Já em seus

princípios doutrinários, defende a Universalidade, a Equidade, a integralidade e a participação

social.9

A Fonoaudiologia, cuja constituição não responde diretamente à lógica e aos

princípios que ensejaram o SUS, segundo suas características e possibilidades, tem buscado

adequar suas práticas e seus saberes às concepções e políticas construídas na esfera desse

sistema. Com isso, tenta avançar e consolidar suas funções sociais no campo da saúde.

Reflexos dessas mudanças têm ocorrido nos currículos de graduação em

Fonoaudiologia e podem ser verificados a partir da última década do século xx, pois houve um

aumento significativo de ações fonoaudiológicas na saúde pública/coletiva, como também um

aumento da produção e divulgação de trabalhos e pesquisas da área.

Com a crescente inserção do fonoaudiólogo nos serviços públicos de saúde, este

profissional passou a se relacionar com os demais membros da equipe de saúde, possibilitando

discussões e articulações entre saberes diversos. A Fonoaudiologia aproxima-se, com isso e mais

intensamente, de fundamentos sociológicos de seu trabalho, num movimento dialético entre

sujeito e sociedade. nesse sentido, a promoção da saúde na área da Fonoaudiologia implica-se

com outras áreas de conhecimento e com a comunidade, nos diversos espaços sociais, nos quais

o homem produz sua história e a si próprio.10 A Fonoaudiologia, no Brasil, passa a caminhar

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ao lado das demais profissões de saúde, para participar ativamente da construção, implantação

e viabilização do SUS. isto implica assumir concepções de linguagem, de sujeito, de saúde e

de sociedade que fundamentem e orientem as práticas fonoaudiológicas pela integralidade,

interdisciplinaridade, intersetorialidade e participação social.

para o fonoaudiólogo, os sentidos do trabalho em saúde podem ser resumidos

numa zona de confluência de competências várias, articuladas numa rede necessariamente

transdisciplinar, na qual vários saberes são convocados a hibridarem-se, compondo a área da

saúde para além das especificidades disciplinares e dos modelos preestabelecidos: um campo

flexível, permeável e, acima de tudo, definido por sua capacidade de se colocar à escuta e de

intervir nas demandas coletivas de saúde, sejam essas expressas por sujeitos individuais ou por

segmentos sociais.11

Assim sendo, o objetivo deste estudo foi realizar uma análise das tendências e

perspectivas da produção recente sobre práticas fonoaudiológicas em Saúde pública no período

de 1990-2005.

MÉTODO

para a realização deste estudo foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica, com

caráter retrospectivo e descritivo e com abordagem qualitativa.12 Como se trata de um artigo

de revisão, não houve necessidade de submissão do presente estudo ao Comitê de Ética em

pesquisa.

para atender ao objetivo foi feita uma busca nas bases de dados, usando as

seguintes expressões: “Fonoaudiologia e Saúde pública” e “inserção da Fonoaudiologia na

Saúde pública”. Com esta estratégia foram compilados os dados para a pesquisa. isto significa

dizer que, certamente, deve haver outras produções fonoaudiológicas na área de Saúde pública

que não foram prospectadas pelo recorte desta pesquisa. Além de livros, dissertações e/ou

teses, foram levantados os periódicos científicos correntes relacionados à Fonoaudiologia, como

também foram selecionadas a Revista de Saúde Pública, da Faculdade de Saúde pública de

São paulo, e a Revista Saúde e Sociedade, da Faculdade de Saúde pública (FSp) da USp e da

Associação paulista de Saúde pública.

O período cronológico foi definido em função de que, nesses 15 anos,c com

o advento do SUS, houve um incremento de pesquisas, atuações e publicações na área de

Saúde pública, devido a maior presença e efetividade da atuação fonoaudiológica nos serviços

públicos de saúde.

c 2005 foi o ano de corte da pesquisa, pois o levantamento bibliográfico foi concluído em meados de 2006.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

O levantamento da literatura fonoaudiológica na área de Saúde pública (dissertações,

teses, artigos, livros, capítulos etc.), possibilitou a produção de uma série de elementos, como

também a observação de algumas tendências nesse campo, as quais serão apresentadas a seguir.

pode-se constatar, na Tabela 1, um aumento gradativo e sistemático da produção

científica fonoaudiológica na área de Saúde publica. É importante lembrar que esse incremento

deu-se sob a atmosfera do SUS, o que implicou em diálogo e interação com bases teóricas e

práticas de tal sistema, redundando em revisão de conceitos e da prática de caráter eminentemente

reabilitador, franqueando, assim, a construção de novas práticas fonoaudiológicas.

Tabela 1. distribuição da produção levantada sobre fonoaudiologia e saúde pública, segundo o tipo de publicação – Brasil – 1990-2005

Tipo de publicação

Produção por ano

90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 Total

dissertação e/ou tese 0 2 0 1 2 1 1 1 0 2 1 3 0 1 3 0 18

periódicos 1 4 1 0 0 2 2 0 2 1 1 0 4 4 3 4 29

Livro ou capítulo 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2

Total 1 6 0 1 2 5 3 1 2 3 2 3 4 5 6 4 49

O material mais publicado foi artigo em periódicos, num total de 29, sendo os

anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, numericamente, os mais frutíferos.

desde que o fonoaudiólogo inseriu-se no serviço público de saúde, passou a se

relacionar com os demais membros da equipe de saúde, o que fomentou discussões e articulações

entre saberes diversos, ampliando a produção e a divulgação de trabalhos e pesquisas na área.

isto gerou, inclusive, necessidades e exigências na formação desses profissionais.

Conforme mencionado, o tipo de publicação mais utilizado foi o periódico. Em

razão disso, fez-se um levantamento da produção científica fonoaudiológica na área de Saúde

pública em todos os periódicos da fonoaudiologia e em dois da área da Saúde pública, pois,

nesses últimos, também apareceram textos de fonoaudiólogos. pode-se observar, na Tabela 2,

que os dois periódicos que mais publicaram sobre a Fonoaudiologia e a Saúde pública foram as

revistas: Distúrbios da Comunicação e Pró-Fono. Vale lembrar que apenas essas duas publicações

cobrem todo o período cronológico estudado.d

d A Revista Lugar em Fonoaudiologia foi publicada regularmente apenas no período de 1989 a 1993; desde então, sofreu descontinuidade.

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Tabela 2. distribuição da produção levantada sobre fonoaudiologia e saúde pública em periódicos com produção de fonoaudiólogos – Brasil – 1990-2005

PeriódicoProdução por ano

90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 Total

Cefac - - - - - - - - - - - - - 1 1 2 4

dist. Com. - 1 - - - 1 - - - 1 - - 2 1 2 2 10

Fono Atual - - - - - - - - - - - - 1 - - - 1

pró-Fono - 3 - - - 1 2 - 2 - 1 - 1 - - - 10

Rev. S.B.Fono - - - - - - - - - - - - - - - - -

Rev. Fonobrasil - - - - - - - - - - - - - 1 - - 1

Rev. Lugar Fono - 1 - - - - - - - - - - - - - - 1

Rev. Saúde públ. - - 1 - - - - - - - - - - - - - 1

Rev. Saúde Soc. - - - - - - - - - - - - - 1 - - 1

Total - 5 1 - - 2 2 - 2 1 1 - 4 4 3 4 29

nota: - dado numérico igual a zero.

Além dos periódicos científicos na área da Fonoaudiologia, encontram-se

publicações sobre o tema pesquisado na Revista Saúde Pública, da Faculdade de Saúde pública

de São paulo (um artigo), e na Revista Saúde e Sociedade, da Faculdade de Saúde pública da

USp e da Associação paulista de Saúde pública (também um artigo).

A criação e a consolidação dos cursos de pós-graduação impulsionaram

a elaboração de dissertações de mestrado e teses de doutorado.13 Acrescenta-se que essas

produções, mesmo com divulgação restrita, por estarem atreladas aos programas a que foram

submetidas, deram origem a artigos, livros e trabalhos em congressos, ampliando a produção

científica da Fonoaudiologia em todas as suas especialidades, o que inclui, naturalmente, a

Saúde pública.14

Com a inserção crescente de fonoaudiólogos nos serviços públicos de saúde, esses

profissionais passaram a participar na garantia do direito à saúde e na qualidade da atenção

prestada aos usuários, como também fornecer elementos para que os gestores conheçam as

ações fonoaudiológicas no SUS. nesse escopo, foi possível perceber, nas produções pesquisadas

sobre saúde pública, os seguintes temas de interesse: estudos epidemiológicos, planejamento

e gestão, modelos de atenção à saúde, formação para o SUS e inserção no SUS. isto fica

sistematizado na Tabela 3.

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Tabela 3. distribuição temporal da produção levantada, por categoria temática dos textos – Brasil – 1990-2005

TemáticasProdução por ano

90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 Total

Ei - - - - - - - - 1 1 1 - 1 1 1 - 6

pG - - - - 1 - - - 1 - - 1 - - 1 - 4

MAS - 4 1 - - 4 3 1 1 1 1 2 3 4 5 3 33

FS - 1 - 1 1 - - - - 1 - 1 - 1 2 - 8

iS 1 2 - 1 1 1 - 1 - 1 - 2 - 1 2 - 13

Legenda: Estudos epidemiológicos - Ei; planejamento e gestão - pG; Modelos de atenção à saúde - MAS; Formação para o SUS - FS; inserção no SUS – iS.nota: - dado numérico igual a zero.

Vê-se que a categoria temática que predominou foi a de Modelos de Atenção

à Saúde. É natural que isso tenha acontecido logo nos primeiros anos após a implantação do

SUS, pois o fonoaudiólogo começava a se inserir nessa área, necessitando apropriar-se dos

princípios do SUS, que apontam para a importância de uma atenção universal, equânime e

integral à saúde.

trabalhos que enfocaram a inserção e formação para o SUS vieram em seguida,

e estiveram presentes ao longo do período estudado. pode-se esperar também que, após

a entrada desses profissionais nos serviços públicos de saúde, por meio de concursos, eles

necessitassem de capacitação para essa nova inserção.

na última década, foi possível perceber mudanças nos currículos de graduação

em Fonoaudiologia, enfocando os princípios, diretrizes e processos de trabalho do SUS,

colaborando, desta forma, para um aumento de produção nesta temática.

Os trabalhos destacando estudos epidemiológicos surgiram com maior ênfase a

partir de 1998, quando os fonoaudiólogos começaram a coletar dados da comunidade sobre a

comunicação e suas alterações, identificando fatores de risco para os distúrbios fonoaudiológicos

e seus índices de prevalência.

Em menor quantidade, encontram-se os trabalhos que abordam a temática

planejamento e gestão. talvez isto se deva à não apropriação (empowerment)e pelos

fonoaudiólogos das mudanças das profissões de saúde sob o eixo da integralidade, o que mostra

ser possível formular políticas com significado na vida da população.15

e Entende-se por empowerment o processo de capacitação (aquisição de conhecimentos) e de poder político por parte dos indivíduos e da comunidade.

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Após o advento do SUS e com a inserção do fonoaudiólogo nos serviços públicos

de saúde, suas ações passaram a englobar a promoção, proteção e recuperação da saúde nos

diversos aspectos relacionados à comunicação humana em todo o ciclo vital.

nesta perspectiva, as produções levantadas sobre saúde pública mostram trabalhos

(nas várias temáticas) que discutem as seguintes ações em saúde: prevenção, promoção,

reabilitação e educação em saúde.

Após análise dos dados mostrados na Tabela 4, verificou-se que o tipo de ação

em saúde mais frequente nas publicações foi o de promoção de saúde, seguido pela educação

e prevenção. A reabilitação aparece com um número menor de trabalhos.

Tabela 4. distribuição temporal da produção levantada, por tipo de ação em saúde – Brasil – 1990-2005

Tipo de açãoProdução por ano

90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 Total

pREV 1 1 1 1 1 1 - 2 1 1 2 4 1 5 1 23

pROM. 3 1 1 1 5 3 - 2 1 1 2 4 - 5 1 30

REAB. 2 - 1 1 4 1 1 - 1 1 1 2 2 3 1 21

EdS 3 1 - - 4 3 1 1 2 1 2 4 2 5 3 32

Legenda: prevenção – pREV.; promoção – pROM.; Reabilitação – REAB.; Educação em Saúde – EdS.nota: - dado numérico igual a zero.

O fonoaudiólogo parece deixar para trás o modelo biomédico e assistencialista

de atenção à saúde, passando a buscar posições que incorporem novos conhecimentos, tanto

de outros segmentos quanto de outros setores, de maneira a criar condições para enfrentar os

agravos de saúde que lhe dizem respeito, em sua complexidade e singularidade. desse modo, a

Fonoaudiologia procura, passo a passo, assumir um papel ainda mais relevante na manutenção

da saúde e da qualidade de vida da população a quem presta serviços.

A produção de trabalhos na área de Educação em Saúde, promoção, prevenção e

Recuperação dão indícios de novas concepções de saúde pelo fonoaudiólogo, pois ali começam

a aparecer trabalhos interdisciplinares, que dialogam e integram saberes, requalificando ideias e

posições teórico-metodológicas, permitindo a abertura (mesmo que prospectiva e inicial) para

uma visão de saúde pautada pela integralidade da assistência.

tendo como referência que o SUS, em seus princípios doutrinários, prevê a

universalidade, a equidade e a integralidade da assistência à saúde, a análise dos achados desta

pesquisa tornou possível também separar as publicações de acordo com o ciclo de vida e/ou o

grupo populacional ao qual se destinavam, tal como mostra a Tabela 5.

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Tabela 5. distribuição temporal da produção levantada por programas ligados a ciclo de vida (cv) e/ou grupo populacional (Gp) – Brasil – 1990-2005

CV - GPProdução por ano

90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 Total

SC - 2 1 - 1 3 1 - - 3 2 2 2 - 4 3 24

SMi - - - - 1 1 1 - 1 1 1 2 - - 4 1 13

AS - - - - 1 2 1 - 1 2 1 2 - - 4 2 16

Si - - - - 1 1 1 - - 1 1 1 1 1 - 1 9

St - - - - 1 2 3 - - 1 1 1 1 2 2 1 15

SM - - - - 1 3 1 1 - 1 1 1 - - - 1 10

SpnE - 1 - - 1 2 1 - - 1 1 1 - 2 - 1 11

SAd - - - - 1 1 1 - - 1 1 1 - 1 - 1 8

Legenda: Saúde da criança (SC); Saúde materno infantil (SMi); Saúde do adolescente (AS); Saúde do idoso (Si); Saúde do trabalhador – St; Saúde mental – SM; Saúde do portador de necessidades especiais – SpnE; Saúde do adulto – SAd.nota: - dado numérico igual a zero.

Os trabalhos que tiveram como tema as programações em saúde surgiram a partir

de 1991 e tornaram-se mais frequentes de 1994 em diante, na medida em que o fonoaudiólogo

passou a rever, mais efetivamente, sua atuação no setor público de saúde. O serviço e as ações

são planejadas e executadas de acordo com as necessidades da comunidade ou, ao menos, tal

preocupação começa a orientar a ação do fonoaudiólogo, aparecendo com algum destaque nas

publicações pesquisadas.

percebe-se uma produção maior para os seguintes grupos: criança, adolescente,

trabalhador e mãe/criança. talvez isto indique alguma carência de produções sobre outros

grupos populacionais. Se for considerado que a atuação fonoaudiológica nos serviços públicos

de saúde deve enfocar princípios, diretrizes e processos de trabalho do SUS, torna-se evidente

a necessidade de também incrementar ações com outros segmentos populacionais.

por outro lado, tal carência indica que há espaço a ser explorado em novas ações,

programas e políticas de saúde em busca de garantir a viabilização, por exemplo, da reabilitação

e da inclusão social de portadores de necessidades especiais,16 que é um segmento social cuja

ação fonoaudiológica mostra-se imprescindível.

Ainda a título de exemplo, outro segmento populacional relevante ao trabalho

fonoaudiológico na saúde pública é a população idosa. É sabido que o número de idosos cresce

significativa e consistentemente. no esteio desse crescimento, o Ministério da Saúde vem

definindo ações e políticas públicas voltadas ao idoso, objetivando criar condições para promover

a longevidade com qualidade de vida, colocando em prática ações voltadas não apenas para os

que estão velhos, mas também para aqueles que irão envelhecer. O fonoaudiólogo tem muito a

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dizer, a fazer e a pesquisar também nesse universo, uma vez que várias questões relacionadas à

saúde, no processo de envelhecimento, dizem respeito à atuação fonoaudiológica: problemas

auditivos, de motricidade orofacial, de voz e de linguagem, oriundos – simultaneamente ou

não – de causas orgânicas, psíquicas e sociais.

pois bem, os dados apresentados, como também as discussões e apontamentos

realizados – com base nos dados e nas referências teóricas utilizadas – permitem a indicação de

algumas tendências, de desafios, potencialidades e necessidades do trabalho fonoaudiológico

no campo da Saúde pública. As dimensões apontadas a seguir compõem um quadro provisório

e parcial, pois o processo continua em curso e a Fonoaudiologia terá sempre muito a conquistar

na atuação e do ponto de vista teórico-metodológico em sua trajetória na Saúde pública.

Conclusivamente, entende-se que a entrada mais efetiva da Fonoaudiologia no

SUS exigiu que sua reflexão e produção científica fossem pautadas e, aos poucos, se organizassem

em função de parâmetros e condicionantes do sistema de saúde brasileiro. tal fato convoca os

fonoaudiólogos a deslocamentos e reorientações em suas posições teóricas e em sua atuação,

colocando em questão convicções e características arraigadas na área, criando possibilidades

extraordinárias para que a Fonoaudiologia abra-se ainda mais ao diálogo interdisciplinar e

intersetorial no campo da saúde e em outros que lhe são fronteiriços.

Essa ampliação de horizontes, tal como os dados permitiram ver, além de

proporcionar um adensamento à produção e à reflexão dos fonoaudiólogos, conferindo-lhes

maior consistência, pode contribuir e, de fato, vem contribuindo para a superação de posições

calcadas em visões disciplinares estritas e em especialidades fechadas sobre si mesmas.

O diálogo e a maior proximidade com a Saúde pública parecem favorecer, ao

menos como tendência, a assunção, pelo fonoaudiólogo, de sua condição de profissional de

saúde, para além da especialidade e das características intrínsecas à profissão.

Essas tendências evidenciam que a Saúde pública é uma área angular à

Fonoaudiologia, seja por concernir diretamente às políticas públicas de saúde, estabelecendo,

portanto, os parâmetros técnicos e normativos aos profissionais dessa área, seja porque

corresponde a um enorme mercado de trabalho e importante campo de pesquisa a ser

conquistado pelos fonoaudiólogos.

A produção da Fonoaudiologia na Saúde pública mostrou-se importante e

contínua, ao longo dos quinze anos pesquisados, ainda que relativamente tímida. isso indica

que, embora mais frequentes, as ações fonoaudiológicas em formação para o SUS, em educação,

em saúde, promoção, prevenção e reabilitação são ainda insuficientes para cobrir as demandas

fonoaudiológicas da população assistida pelo Sistema. isto demonstra a existência de um campo

aberto a ser explorado nesses e em outros planos da atuação e da produção científica, como na

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epidemiologia, por exemplo, no qual pode contribuir para identificar fatores de risco e índices

de prevalência dos distúrbios fonoaudiológicos para populações e regiões do país. Com isso,

os agravos à saúde atinentes à fonoaudiologia serão mais visíveis, indicando necessidades de

inserção do fonoaudiólogo nos serviços e nas equipes de saúde.

Esses profissionais têm tomado consciência do desafio e da necessidade de se

aproximar da Saúde pública, também no plano conceitual e político, pois está longe de dar

conta dessas discussões, em quantidade e qualidade suficientes para ampliar sua participação

e influência no SUS. isto indica, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, uma

tendência otimista, pois a Saúde pública é campo profícuo, ainda possuindo muitos espaços ao

estudo e às realizações fonoaudiológicas.

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Recebido em 8.11.2009 e aprovado em 11.2.2011.

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