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REVISÃO Resumo Conceitualmente, as gônadas disgenéticas são gônadas que não sofreram uma completa diferenciação. Em vista disso, constituem parte de uma ampla gama de entidades clínicas possuidoras de fenótipos e de genótipos diversos. Seus cariótipos contêm o cromossomo Y ou seus fragmentos, ou raramente não os contêm. Essas alterações geram maior risco para a ocorrência de neoplasias nessas gônadas. Na sequência deste estudo apresentamos as neoplasias mais comumente associadas aos diversos tipos de disgenesias gonadais. A neoplasia mais comum é o gonadoblastoma e outros como os disgerminomas e os tumores do seio endodérmico também podem estar associados. A detecção dessas anormalidades de modo precoce é o que nos motivou para a presente revisão. Abstract By definition, dysgenetic gonads are those that did not undergo a complete differentiation. They make up a vast array of clinical entities, having different phenotypes and genotypes. Their kariotypes contain the Y chromosome or fragments of it, and, in rare cases, do not contain it. Such alterations generate greater potential for the occurrence of neoplasms in such gonads. This study presents neoplasms which are most commonly associated with several types of gonadal dysgenesis. The most common neoplasia is gonadoblastoma and others like disgerminoma or yolk sac tumors may be associated. The early detection of such potential is the reason for this review. Mauri José Piazza 1 Almir Antônio Urbanetz 2 Newton Sérgio de Carvalho 3 Eduardo Schunemann Jr. 4 Ana Paula Lisboa Peixoto 5 Palavras-chave Disgenesia gonadal 46,XY Insuficiência ovariana primária Transtornos gonadais Neoplasias ovarianas Gonadoblastoma Keywords Gonadal dysgenesis 46,XY Primary ovarian insufficiency Gonadal disorders Ovarian neoplasms Gonadoblastoma 1 Professor Titular de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Curitiba (PR), Brasil. 2 Professor Titular de Obstetrícia do Departamento de Tocoginecologia da UFPR – Curitiba (PR), Brasil. 3 Professor Adjunto do Departamento de Tocoginecologia da UFPR – Curitiba (PR), Brasil. 4 Professor-Assistente do Departamento de Tocoginecologia da UFPR – Curitiba (PR), Brasil. 5 Médica em Especialização no Departamento de Tocoginecologia da UFPR – Curitiba (PR), Brasil. Endereço para correspondência: Mauri José Piazza – Rua Padre Agostinho, 1.923 – apto.701 – CEP: 80710-000 – Curitiba (PR), Brasil – E-mail: [email protected] Neoplasias em gônadas disgenéticas Neoplasms in dysgenetic gonadal

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Revisão

Resumo Conceitualmente, as gônadas disgenéticas são gônadas que não sofreram

uma completa diferenciação. Em vista disso, constituem parte de uma ampla gama de entidades clínicas

possuidoras de fenótipos e de genótipos diversos. Seus cariótipos contêm o cromossomo Y ou seus fragmentos,

ou raramente não os contêm. Essas alterações geram maior risco para a ocorrência de neoplasias nessas

gônadas. Na sequência deste estudo apresentamos as neoplasias mais comumente associadas aos diversos tipos

de disgenesias gonadais. A neoplasia mais comum é o gonadoblastoma e outros como os disgerminomas e os

tumores do seio endodérmico também podem estar associados. A detecção dessas anormalidades de modo

precoce é o que nos motivou para a presente revisão.

Abstract By definition, dysgenetic gonads are those that did not undergo a complete

differentiation. They make up a vast array of clinical entities, having different phenotypes and genotypes. Their

kariotypes contain the Y chromosome or fragments of it, and, in rare cases, do not contain it. Such alterations

generate greater potential for the occurrence of neoplasms in such gonads. This study presents neoplasms

which are most commonly associated with several types of gonadal dysgenesis. The most common neoplasia

is gonadoblastoma and others like disgerminoma or yolk sac tumors may be associated. The early detection of

such potential is the reason for this review.

Mauri José Piazza1

Almir Antônio Urbanetz2

Newton Sérgio de Carvalho3

Eduardo Schunemann Jr.4

Ana Paula Lisboa Peixoto5

Palavras-chaveDisgenesia gonadal 46,XY

Insuficiência ovariana primáriaTranstornos gonadaisNeoplasias ovarianas

Gonadoblastoma

KeywordsGonadal dysgenesis 46,XY

Primary ovarian insufficiencyGonadal disorders

Ovarian neoplasmsGonadoblastoma

1 Professor Titular de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Curitiba (PR), Brasil.2 Professor Titular de Obstetrícia do Departamento de Tocoginecologia da UFPR – Curitiba (PR), Brasil.3 Professor Adjunto do Departamento de Tocoginecologia da UFPR – Curitiba (PR), Brasil.4 Professor-Assistente do Departamento de Tocoginecologia da UFPR – Curitiba (PR), Brasil.5 Médica em Especialização no Departamento de Tocoginecologia da UFPR – Curitiba (PR), Brasil. Endereço para correspondência: Mauri José Piazza – Rua Padre Agostinho, 1.923 – apto.701 – CEP: 80710-000 – Curitiba (PR), Brasil –

E-mail: [email protected]

Neoplasias em gônadas disgenéticasNeoplasms in dysgenetic gonadal

Piazza MJ, Urbanetz AA, Carvalho NS, Schunemann Jr. E , Peixoto APL

FEMINA | Junho 2011 | vol 39 | nº 6320

Introdução

As disgenesias gonadais constituem uma ampla gama de

entidades que se apresentam somaticamente e geneticamente de

modos distintos. É essencial que se dê atenção às pacientes com

tal problema, pois, além de toda a orientação do ponto de vista

hormonal e reprodutivo que se faz necessária, devemos exigir con-

veniente acompanhamento devido ao maior risco de apresentarem

ocorrência de neoplasias sobre estas gônadas disgenéticas.

As disgenesias gonadais poderão suceder pela diferenciação

anormal das gônadas e são classificadas do seguinte modo:

Fenótipo masculino Síndrome de Klinefelter 47,XXY ou similares

Fenótipo femininoDisgenesia gônado-somática 45,X ou similares

Disgenesia gonadal pura 46,XX ou 46,XY

Fenótipo feminino/ambíguo ou masculino

Disgenesia gonadal mista46,XY/45,X ou

similares

Síndrome de Denys-Drash 46,XY

A gônada disgenética é aquela que, por diversos mecanis-

mos, principalmente devido a erros cromossômicos ou gênicos,

não sofre uma perfeita diferenciação e em vista disto, sua(s)

estrutura(s) histológica(s) acaba(m) sendo formada(s) por tecido

fibroso oriundo da crista germinal do embrião.

Nos indivíduos geneticamente masculinos, os testículos

imaturos apresentam anormalidades tubulares e intersticiais,

contendo também graus variáveis de fibrose e hialinização.

Consequentemente, ocorrerá uma insuficiência na produção de

androgênios pelas células de Leydig e também uma menor ação

das células de Sertoli na vida fetal.

Deste modo, haverá menor ação androgênica nos genitais externos

desses fetos masculinos com quadro de ambiguidade sexual ou genitais

externos femininos assim como diversas anomalias na diferenciação

dos genitais internos pela ação insuficiente do fator inibidor das

estruturas mullerianas (MIF-mullerian inhibition factor).

Nas pacientes geneticamente femininas ou nas que apresentarem

a monosomia do cromossomo X, os ovários não se diferenciarão

adequadamente e essas gônadas indiferenciadas terão o aspecto

de “estria conjuntiva” branca, sendo geralmente desprovidas de

função endócrina e da produção dos gametas.

Analisaremos os diversos grupos dessa entidade e também

as que apresentam o maior risco para a ocorrência de neoplasias

nas gônadas disgenéticas.

Metodologia

Foram analisados os trabalhos anteriormente publicados e

existentes nos bancos de dados da PubMed com o intuito de

obter trabalhos preferentemente de língua inglesa e que apre-

sentassem evidências cientificas da melhor qualidade. A seleção

inicial foi feita com o indicador Disgenesia Gonadal, tendo sido

evidenciado na PubMed que existem 8663 trabalhos relacionados

no período de 1945 a 2011.

Posteriormente, inserindo-se os indicadores Disgenesia

Gonadal e Neoplasias constatamos a existência de 181 tra-

balhos no período de 1960 a 2010 e que de 1995 a 2010

existem somente 42 trabalhos publicados, o que nos motivou

a efetuarmos a presente revisão.

Também na Scielo evidenciamos existirem 18 trabalhos

no período de 1998 a 2011 e na Medline, com os indicadores

Neoplasias e Disgenesias gonadais, existem 160 trabalhos pu-

blicados no período de l966 a 2011.

Disgenesia gônado-somática - síndrome de turner

Trata-se de entidade bastante característica, tendo sido

anteriormente descrita por Turner1 (C) em 1938. As suas mani-

festações clínicas com os conhecidos estigmas são patognomô-

nicos e, pela análise hormonal, configura-se um hipogonadismo

hipergonadotrófico.

O estudo genético revela um cariótipo 45,X, em 60% dos

casos2 (D), mas outras anormalidades cromossômicas poderão

ser evidenciadas, como mosaicos associados à linhagem 45,X

tipo 45,X/46,XX ou 45,X/47,XXX.

Outras aberrações estruturais, como os isocromossomos de

braço curto ou de braço longo do cromossomo X tipo 46,X,i(Xq

ou Xp), as deficiências de braço longo ou do braço curto com

deleções parciais tipo 46,X del Xq ou 46,X del Xp e também

o cromossomo X em anel poderão ser determinados2 (D).

Por outro lado, torna-se importante na análise do cariótipo

se há ou não a presença do cromossomo Y, podendo o mesmo

estar íntegro ou ter sofrido deleções tipo 45,X/46,XYq- ou

45,X/46,Xi(Yp)3 (B).

Os achados histológicos das gônadas disgenéticas mostram

estroma gonadal tipo conjuntivo e total ausência de células

germinativas naquelas pacientes com cariótipo 45,X .

Lippe2 (D), em estudo anterior em 1996, demonstrou que

as células germinativas migram normalmente para as cris-

tais germinais do embrião até o terceiro mês de gestação. A

partir desse período, sucede um processo degenerativo com

eliminação de células germinativas e simultânea aceleração

no processo de fibrose no estroma gonadal. É devido a esta

anormalidade na organogênese gonadal que será capaz de

induzir um maior risco para o desenvolvimento de neoplasias

nestas gônadas.

Neoplasias em gônadas disgenéticas

FEMINA | Junho 2011 | vol 39 | nº 6 321

Disgenesia gonadal pura

É uma entidade também configurada hormonialmente

como um hipogonadismo hipergonadotrófico, sendo as gônadas

formadas por estrias conjuntivas e os cariótipos podendo ser

46,XX ou 46,XY.

Fenotipicamente, são pacientes do sexo feminino com estru-

turas mullerianas normais, mas infantis pela falta de conveniente

estimulo hormonal. A disgenesia gonadal pura 46,XX acontece

devido a uma mutação gênica de característica autossômica

recessiva4 (D).

Por sua vez, a disgenesia gonadal pura 46,XY descrita

por Swyer é clinicamente idêntica à anterior. Nessa entidade,

as gônadas disgenéticas apresentam um risco em torno de

30% de desenvolverem neoplasias tipo gonadoblastomas ou

disgerminomas5,6 (B).

A sua possível etiologia genética deve-se a uma anormalidade

gênica autossômica, podendo ter características recessivas ou domi-

nantes, mas sua expressão é limitada ao sexo masculino. Em estudos

anteriores, Simpson7 (D), Scherer et al.8 (B) e Assumpção et al.9 (B)

evidenciaram que essa disgenesia gonadal seria condicionada por

uma mutação ou deleção do SRY em 10 a 15% dos casos, mas a

sua etiologia permanece indeterminada em 70 a 80%.

Disgenesia gonadal mista

Trata-se de anormalidade infrequente quando coexistem

de um lado uma gônada disgenética em estria e do outro

lado um testículo que também pode não estar totalmente

diferenciado10 (C).

Em vista disto, há, de um lado, o desenvolvimento de estru-

turas mullerianas, e do outro, a inibição dessas estruturas pela

presença do fator inibidor do MIF (mullerian inhibition factor)

de produção testicular nas células de Sertoli.

Os genitais externos se apresentam com graus variáveis de

androgenização e são dependentes da ação dos androgênios tes-

ticulares. Poderemos, deste modo, observar que poderá suceder

uma ampla gama de manifestações clínicas, que vão desde uma

genitália externa masculina, às vezes com graus de hipospadia,

a outros com genitais ambíguos e até femininos.

A disgenesia gonadal mista (DGM) é também conceituada

como disgenesia gonadal assimétrica ou atípica e o estudo gené-

tico demonstra um cariótipo com mosaicismo tipo 45,X/46,XY.

Muitas vezes, evidenciam-se também alguns estigmas da

síndrome de Turner . Em estudos anteriores, Alvarez-Nava

et al.10 (C),Verp e Simpson6 (B) e Mendez et al.11 (C) relataram

que existiria um maior risco de desevolvimento de neoplasias

nessas gônadas disgenéticas ou mesmo de testículo disgenético

contra-lateralmente.

Síndrome de denys-drash

É uma entidade na qual coexistem, em indivíduos geneticamente

masculinos 46,XY, quadros de insuficiência renal, tumor de Wilms

e genitais externos que poderão variar, tendo um aspecto ambíguo

ou totalmente feminino ou mesmo masculino12 (C). As gônadas

poderão ser disgenéticas ou testículos rudimentares e imaturos.

Por isso, os genitais internos poderão ter o desenvolvimento de

estruturas Wolffianas ou Mullerianas. O gene WT-1, localizado

no braço curto do cromossomo 11-região11p13, foi identificado

como oncogene responsável pelo favorecimento ao aparecimento do

tumor de Wilms13 (B). Em vista disto, há também um maior risco

de surgimento de neoplasias gonadais, como os gonadoblatomas.

Tumores gonadais

A anormalidade no desenvolvimento gonadal é o fator de-

sencadeador para o aparecimento de neoplasias nessas gônadas

disgenéticas. São diversos os tumores que poderão se desenvolver

e eles são geralmente tumores da linha germinativa, sendo co-

nhecidos também como tumores das ”células germinativas”.

Gonadoblastoma

É um tumor misto de células indiferenciadas, sendo na grande

maioria das vezes evidenciado em crianças do sexo feminino e

em 1/3 dessas com idade inferior a 15 anos. A sua localização

também sucede mais frequentemente na gônada direita do que

na esquerda, embora tenha sido detectado com alta frequência

bilateralmente.

Clinicamente, apresenta-se em pacientes com retardo no

desenvolvimento puberal e que sofrem algum grau de virilização

devido à ação dos androgênios produzidos. O tamanho desses tu-

mores variam desde lesões histológicas até, no máximo, 8 cm.

Histologicamente, essa neoplasia é um tumor composto de

duas linhagens celulares com células germinativas semelhantes as

dos disgerminomas e cordões sexuais que são similares a células

de Sertoli imaturas ou a células da granulosa. O estroma também

poderá conter ninhos de células semelhantes as células de Leydig,

contendo cristais de Reinke. Tais “ninhos” de células geralmente

são pequenos e sólidos, sendo de formato oval ou redondo, podendo

conter depósitos de cálcio no seu interior. O gonadoblastoma, sendo

um tumor misto e de células indiferenciadas, é capaz de originar e

associar-se a outros tipos de neoplasias, como os disgerminomas, em

Piazza MJ, Urbanetz AA, Carvalho NS, Schunemann Jr. E , Peixoto APL

FEMINA | Junho 2011 | vol 39 | nº 6322

60% das situações14,15 (C), mas nunca foram observadas metástases

ou comportamento maligno dos gonadoblastomas.

Foram Scully16 (C) e Rutgers17 (B) que estabeleceram que seria o

cromossomo Y presente no cariótipo dessas pacientes disgenéticas

o fator desencadeador para o aparecimento de neoplasias nestas

gônadas.

Foram identificados, no cromossomo Y, “loci” específicos de

genes, os quais seriam os fatores desencadeadores ao surgimento

dos tumores. Evidenciou-se que esses genes estariam localizados no

braço curto do cromossomo Y, junto do seu centrômero.

Em 1987, Page18 (D) fizera essa postulação, afirmando existir

no cromossomo Y um GBY (gonadoblastoma locus on Y chromossome)

próximo ao centrômero ou no seu braço longo. Também Tsuchiya

et al.19 (B) e Salo et al.20 (B) identificaram no cromossomo Y uma

distinta e pequena região junto do centrômero e que foi estimada

em 1-2Mb.

Portanto, a identificação desses marcadores genéticos no cro-

mossomo Y torna-se muito importante como fator preditor para a

possibilidade da ocorrência futura de neoplasias.

Em nosso meio, Bagnoli21 (C) e Piazza et al.22 (C) anteriormente

descreveram a ocorrência de neoplasias em gônadas disgenéticas, re-

velando sua preocupação em vista dessa possibilidade (Figura 1).

Disgerminoma

É um tumor maligno no qual sucede a proliferação de células

germinativas primitivas associado a septos de tecido conjuntivo.

É a segunda neoplasia em incidência associada ao gonadoblasto-

ma, ou que se desenvolve em gônadas disgenéticas. Esse tumor é

idêntico ao seminoma testicular e sucede geralmente na segunda

década de vida.

Macroscopicamente, são tumores bem encapsulados e unilaterais

em 90% dos casos. O envolvimento contralateral sucede em 10% e

também em 10% dos casos esse envolvimento é considerado oculto

e será somente detectado através de biópsias.

O aspecto histológico mostra uma proliferação de células

germinativas com aspecto poligonal ou oval, agregadas em

cordões e com um citoplasma vacuolado, abundante e pálido.

Há também um infiltrado crônico de linfócitos T e a taxa de

mitoses é variável, bem como a anisocariose, conferindo o seu

grau de malignidade. Capito et al.23 (C) descreveram a ocorrência

infrequente desse tumor associado à gonadoblastoma em seis

crianças, com idade média de 11 anos, com disgenesia gonadal

pura e geneticamente 46,XY. O comportamento desse tumor,

contendo ou não tecido trofoblástico produtor de gonadotrofina

coriônica (beta hCG), deverá ser pesquisado e acompanhado

como seu marcador.

Outras referências da associação de disgerminomas com gona-

doblatomas foram feitas por Yilmaz et al.14 (C), Maleki et al.15 (C),

Subbiah et al.24 (C) e Talerman et al.25 (B) contendo descrições de

diversas anomalias anátomo-patológicas, cromossômicas e gênicas

(Figura 2).

Tumor do seio endodérmico

Conhecido também como “yolk sac tumour”, é um tumor mor-

fologicamente heterogêneo originário de estruturas endodérmicas

e caracterizado pela produção de alfa-fetoproteina, que funciona

como um marcador da linha epitelial desse tumor, embora não seja

sua exclusividade. São tumores relativamente bem encapsulados,

amolecidos e de aspecto acinzentado, mas contendo áreas centrais

necróticas.

Histologicamente, ele tem característica reticular com estroma

arborescente e contém diversos graus de atipia, sendo os corpúsculos

de Schiller-Duval patognômonicos dessa neoplasia

A positividade do teste com citoqueratina poderá fazer a

diferenciação entre os tumores de seio endodérmico sólido dos

disgerminomas.

Figura 1 - Aspecto microscópico de Gonadoblastoma Bilateral, que consiste de ninhos de células germinativas circundadas por derivados dos cordões sexuais e estroma do tecido conjuntivo.

Figura 2 - Aspecto microscópico do disgerminoma em gônada disgenética. Proliferação de células germinativas em cordões.

Neoplasias em gônadas disgenéticas

FEMINA | Junho 2011 | vol 39 | nº 6 323

Leituras suplementares

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6. Verp MS, Simpson JL. Abnormal sexual differentiation and neoplasia. Cancer Genet Cytogenet. 1987;25:191-218.

Figura 3 - Aspecto da microscopia do tumor de seio endodérmico (Yolk sac tumour) com corpúsculos de Schiller-Duval.

Essa neoplasia poderá se manifestar na infância e é amolecido e

mais sensível à quimioterapia. Posteriormente, na vida adulta, tem

aspecto misto e há menor resposta aos quimioterápicos. Além da

sua localização nas gonadas disgenéticas, poderá ser detectado em

outros locais do organismo, como nos testículos, vagina, ovários,

uraco, retroperitoneo ou mesmo no mediastino. Através de estudos

citogenéticos foi caracterizada sua maior ocorrência no isocromos-

somo i (12p) ou em deleções tipo 1p36.

Evidenciou-se também que a perda do gene RUNX3 no cro-

mossomo 1p36.1 favoreceria o desenvolvimento tumoral, pois a

presença desse gene agiria como fator supressor tumoral.

Estudos anteriores de Nam et al.26 (C), Riopel et al.27 (C), Ito e Ka-

wamata28 (C), Looijenga et al.29 (C) e Madiwale et al.30 (C) descreveram

essa neoplasia em pacientes com gônadas disgenéticas (Figura 3).

Outras neoplasias foram descritas ainda como possíveis de

ocorrerem em gônadas disgeneticas, como os teratomas e os tumores

juvenis de células da granulosa.

Os teratomas habitualmente referidos como teratomas maduros

são císticos e formados por tecidos maduros. Sendo geralmente de

origem epitelial, são conhecidos como “cistos dermoides” e ocorrem

geralmente durante os primeiros anos da menacme e representam

em torno de 58% dos tumores ovarianos benignos. Outros tecidos

benignos poderão estar presentes nessas neoplasias, como o da

tireoide, conhecido como “struma ovarii”, tumor carcinoide ou os

adenomas produtores de corticotrofina ou de prolactina.

Os teratomas imaturos representam 3% de todos os teratomas

e 1% de todos os cânceres ovarianos, sendo geralmente unilaterais

e sólidos.

Seus marcadores são feitos pela determinação da subunidade beta do

hCG, da alfafetoproteína e do T4 (tiroxina) plasmáticos. Norris et al.31(C)

estabeleceram classificação dos teratomas imaturos conforme seus

graus de indiferenciação celular entre os graus 1-2 e 3.

Os teratomas imaturos grau 1 e 2 são de característica diploide

em 90% dos casos, enquanto que os de grau 3 são aneuploides em

66% ou com outras anormalidades cariotípicas31 (C).

Os carcinomas embrionários ou poliembriomas são tumores

de ocorrência rara e que poderão originar-se simultaneamente do

componente misto das células germinativas dos gonadoblastomas.

Devido à ampla e variada produção hormonal, as suas manifes-

tações clinicas serão diversas, tais como uma pseudo-puberdade

precoce na infância ou sangramento vaginal anormal durante o

menacme32 (C).

A ocorrência desses outros tipos de neoplasias, conforme Troche

e Hernandez33 (C), seria em torno de 9.8%.

Deste modo, concluímos que a maior incidência de tumores

das células germinativas nas disgenesias gonadais seria devido

à anormalidade gênica-cromossômica, que induziria à ausência

de células germinativas nessas gônadas e, consequentemente, a

uma maior ocorrência de neoplasias naquelas localizadas intra-

abdominalmente. Esse tecido gonadal indiferenciado e localizado

em local de temperatura anormal induziria a alterações das taxas

metabólicas e, consequentemente, a maior risco de surgimento de

neoplasias. Como hipóteses para essas ocorrências, há a possibili-

dade de que os genes mutantes poderiam alterar os antígenos de

superfície nas células embrionárias, ou que as ocorrências sejam

devido ao surgimento de linhagens celulares com aneuploidia nas

células germinativas e que os genes mutados poderiam ser genes

supressores tumorais nessas mutações, Esse tecido gonadal indife-

renciado presente nas gônadas disgenticas já seria, pela sua própria

natureza, mais propenso ao desenvolvimento de neoplasias34 (B).

Também foi determinado existir, junto do centrômero e próximo

ao braço longo do cromossomo Y, uma região de 1-2Mb de DNA

que coincidiria com a região de GBY e que seria, assim, o gene

determinante do crescimento dos tumores20 (B).

Piazza MJ, Urbanetz AA, Carvalho NS, Schunemann Jr. E , Peixoto APL

FEMINA | Junho 2011 | vol 39 | nº 6324

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