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Código ISSN: 2358-0690 ano 03 Março 15 Políticas de austeridade econômica: o debate sobre alternativas 16 Fernando Nogueira da Costa | Carlos Pinkusfeld Bastos | Roberto Pires Messenberg Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D REVISTA

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  • Código ISSN: 2358-0690ano 03 Março 15

    Políticas de austeridade econômica: o debate sobre alternativas

    16Fernando Nogueira da Costa | Carlos Pinkusfeld Bastos | Roberto Pires Messenberg

    Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D

    REVISTA

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    Revista eletrônica idealizada e produzida pela rede Plataforma Política Social que reúne cerca de 300 pesquisadores e profissionais de mais de uma centena de univercidades, centros de pesquisa, órgãos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social.

    plataformapoliticasocial.com

    revistapoliticasocialedesenvolvimento.com

    EDITOR Eduardo Fagnani

    EDITOR ASSISTENTE Thomas Conti

    JORNALISTA RESPONSÁVEL Davi Carvalho

    REVISÃO Caia Fittipaldi

    PROJETO GRÁFICO Renata Alcantara Design

    DIREÇÃO DE ARTE E EDITORAÇÃO Coletivo Vaidapé

    CONSELHO EDITORIAL Ana Fonseca NEPP/UNICAMP

    André Biancarelli Rede D - IE/UNICAMP

    Erminia Maricato USP

    Lena Lavinas UFRJ

    APOIO PARCERIA

    www.fes.org.br

    Código ISSN: 2358-0690

  • 3

    06Estado da arte da política econômicaFernando Nogueira da Costa

    16Não existe não haver alternativaCarlos Pinkusfeld Bastos

    24Regimes macroeconômicos e o Brasil pós-crise Roberto Pires Messenberg

    Índice

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    R E V I S TA P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L Í T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    Nesta edição #16 da Revista Política Social e Desenvolvimento, seguimos no debate sobre a gestão macroeconômica e seus impactos sobre o desenvolvimento e a questão social. Os três artigos desta edição fornecem subsí-dios para um questionamento dos ajustes e

    um panorama das opções disponíveis, como elas aparecem no cenário internacional, e as possibilidades abertas para o Brasil.

    O artigo “Estado da Arte da Política Econômica”, de Fernando Nogueira da Costa, lança uma questão para debate: com base na experiência internacional, quais são as alternativas para a gestão da política econômica brasileira neste cenário pós-crise? Qual é o estado das artes desse debate no plano internacional?

    Em “Não existe não haver alternativa”, Carlos Pinkusfeld Bastos retoma a traje-tória dos fenômenos econômicos no século XX e seu impacto na formação de

    Andre Biancarelli R E D E D

    Eduardo FagnaniP L ATA F O R M A P O L Í T I C A S O C I A L

    Pedro Rossi B R A S I L D E B AT E

    Thomas Conti P L ATA F O R M A P O L Í T I C A S O C I A L

    Apresentação

  • 5S É R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N Ó M I C A E Q U E S TÃ O S O C I A L

    consensos de política econômica. O autor busca semelhanças e divergências entre o período atual e a etapa do consenso keyne-siano no pós-guerra. Ele fornece pistas para repensar o presente momento e as possí-veis oportunidades para uma alternativa progressista e inclusiva.

    Por fim, em “Restrições e perspectivas do crescimento econômico no Brasil”, Roberto Pires Messenberg analisa a con- juntura atual ressaltando que o impacto das pressões cambiais e de balanço de paga-mentos está sendo respondido pela política de juros visando atrair o capital externo, deixando em segundo plano a necessária remodelagem da base produtiva, da qual

    o desempenho da economia inexoravel-mente dependerá no longo prazo. Para o autor, o investimento seria a alavanca para se buscar o crescimento econômico, pré-condição necessária para reduzir o oneroso patamar dos juros em que o país se encontra.

    Convidamos todos os leitores a refletirem sobre esses temas que hoje, talvez mais que em qualquer outro momento da histó- ria recente, colocam-se no epicentro do debate político.

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    P O L Í T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    Este artigo lança uma questão para debate: com base na experiência internacional, quais são as alternativas para a gestão da política econômica brasileira neste cenário pós-crise? Qual é o estado das artes desse debate no plano internacional?

    De acordo com a suposição dos econo-mistas ortodoxos, a Ciência Econômica

    está integrada por vários Teoremas de Validez Universal: só há uma Ciência Econômica. Os economistas social-de-senvolvimentistas, porém, filiam-se à tradição latino-americana que rechaça a Tese da Monoeconomia. Os países em desenvolvimento possuem características econômicas distintas dos países industria-lizados avançados. A sabedoria econômica convencional, inspirada nestes últimos países, necessita ser adequada, em alguns aspectos importantes, quando se aplica àqueles países.

    Embora seja instrumento de intervenção

    Fernando Nogueira da CostaProfessor Livre-Docente do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012).

    http://fernandonogueiracosta.wordpress.com E-mail: [email protected].

    Estado da arte da política econômica

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    na realidade, a política econômica não está isolada do resto do mundo, pois ela tem limites sociais e políticos. Portanto, não existe algo que possa ser considerado uma Teoria Econômica Pura da Política Econômica. Essa proposição fica clara, se consideramos uma metodologia correta para enquadrá-la.

    No nível mais elevado de abstração, estão as teorias puras que revelam a consistência no uso dos instrumentos de política econô-mica. No nível intermediário de abstração, o analista deve reincorporar todos os conhecimentos das ciências afins e todos os conflitos de interesse antes abstraídos. É neste âmbito dos conflitos sociais e políticos entre interesses antagônicos, via eleições democráticas, que se estabelece a definição do regime macroeconômico.

    Escolhemos, recentemente, um Projeto Social-Desenvolvimentista de País, o futuro que desejamos em renda real, emprego e qualidade de vida.

    No nível mais baixo de abstração, quando (e onde) há a necessidade de se contextua-lizar, ou seja, datar e localizar os eventos, que se captam os imperativos de dada conjuntura na prática da arte de tomadas de decisões práticas. O chamado Vício Ricardiano, cometido recorrentemente por economistas ortodoxos, é saltar, dire-tamente, do abstrato para o concreto, por exemplo, da idealização da ordem espon-tânea ao tateio dos preços relativos de referência – câmbio, juro e fisco – para obter o imaginado equilíbrio geral.

    Os economistas ortodoxos só discursam,

    Odwarific / Pixabay

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    retoricamente, em torno da Economia Normativa: “o que deveria ser” de acordo com o credo neoliberal deles. A la Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, que “liberou geral” o sistema financeiro norte--americano e provocou a Grande Depressão mundial, que ainda vivenciamos, imaginam que dando total liberdade às forças de O Mercado, este, racional e automatica-mente, alcançará uma ordem espontânea.

    Crentes na premissa racionalista de seus modelinhos, construídos de acordo com o método racional-dedutivo, idealizam “o que a realidade deveria ser”, e não percebem “o que é”. Em outras palavras, não praticam uma Economia Positiva porque lhes falta sensibilidade para o que, de fato, ocorre. O método histórico-indutivo tornaria sua formação doutrinária muito mais fecunda.

    Exemplo dessa alienação “autista”, isto é, com perda da relação com os dados e as exigências do mundo circundante, foi a insistência em uma Trindade Impossível, durante o primeiro mandato de FHC (1995-1998), cujo verdadeiro alvo era assegurar a reeleição do presidente. Esse objetivo foi alcançado à custa do déficit do balanço de pagamentos brasileiro, devido à sobreva-lorização da moeda nacional no regime de banda cambial. Houve imensa elevação da dívida pública – a externa, pela necessidade de contrabalançar o déficit no balanço de transações correntes; e a interna, porque foi necessário oferecer hedge cambial para evitar a fuga do capital estrangeiro. Essa desnacionalização da economia brasi-leira foi consequência direta do neolibera-lismo que combina abertura comercial e financeira com a trivial desestatização- privatização-desnacionalização.

    Foto: Keynes / Brasil Escola

  • 9S É R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N Ó M I C A E Q U E S TÃ O S O C I A L

    O conhecimento da Trindade Impossível advertiria, de antemão, aos economistas sensíveis ao conhecimento de “o que é” em vez da pregação de “o que deveria ser”, que não seria possível conciliar plena abertura comercial e financeira, taxa de câmbio estabilizada e regulação via política monetária.

    Os responsáveis pela política econômica não poderiam alcançar, simultaneamente, esses três objetivos. Eles teriam que: ou restringir a mobilidade de capital (contra-riando o Fundo Monetário Internacional a quem recorreram); ou aceitar que a taxa de juros interna acompanhasse a taxa de juros internacional (contrariando seus financiadores rentistas patrimonialistas); ou adotar o regime de câmbio flutuante. Restou este ser adotado, somente após a reeleição de FHC, dado o compromisso com seus apoiadores, seja os exporta-dores do agronegócio, seja os industriais paulistas competidores com a invasão de importações.

    Daí se instalou, na inteligência midiática tipo “2 Neurônios”, a cobrança do moto perpétuo, único que ela consegue entender. É tal como uma gangorra infantil: ora sobe a taxa de inflação, ora sobe a taxa de juro. Quando esta sobe demasiadamente, a taxa de câmbio cai. Para evitar essa calamidade, o neoliberal ou eleva a carga tributária ou prega o corte de gastos públicos, inclusive os sociais, para demonstrar aos rentistas a solvabilidade governamental, isto é, a capacidade de pagamento de sua dívida. E jura que não haverá aqui, nesta terra abençoada, a “eutanásia dos rentistas”: a inflação jamais ultrapassará o juro!

    No entanto, é equivocado e inoportuno, agora, em momento de “tensão pré-gover-namental”, estigmatizar instrumentos de política econômica. Seus usos não são ideo-lógicos, tipo de “direita” ou de “esquerda”. Sempre elevar gastos públicos ou taxa

    de câmbio não é ser desenvolvimentista, assim como a receita única de cortar gastos públicos e elevar taxa de juros não é neoli-beral: é simplesmente autista. Não se pode analisar a política econômica de curto prazo com maniqueísmo ideológico. Por

    E S TA D O D A A R T E D A P O L Í T I C A E C O N Ô M I C A

    Daí se instalou, na inteligência midiática tipo “2 Neurônios”, a cobrança do moto perpétuo,

    único que ela consegue entender.É tal como uma gangorra infantil: ora sobe a taxa

    de inflação, ora sobe a taxa de juro. Quando

    esta sobe demasiadamente, a taxa de câmbio cai.

    Para evitar essa calamidade, o neoliberal ou eleva a carga tributária ou prega o corte

    de gastos públicos, inclusive os sociais, para demonstrar aos rentistas a solvabilidade

    governamental, isto é, a capacidade de pagamento

    de sua dívida.

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    definição, se a conjuntura se altera, o uso desses instrumentos tem de se alterar. A arte da economia é discricionária e não baseada em regras únicas universais.

    Por exemplo, o Escritório de Avaliação Independente (IEO, na sigla em inglês), órgão que funciona como um auditor do Fundo Monetário Internacional, avalia que o FMI fez um alerta “no momento adequado” sobre a importância de um estímulo fiscal global coordenado em 2008. Mas a exigência do Fundo, de um aperto das contas públicas de algumas economias avançadas em 2010 e 2011, foi precipi-tada. “O mix recomendado de políticas não foi apropriado, uma vez que a expansão

    monetária é relativamente ineficaz para estimular a demanda privada depois de uma crise financeira”, criticou o IEO.

    Em 2012, a política fiscal teria sido mais eficiente para incentivar a demanda, contribuindo para que a política monetária fosse menos expansionista. “A combinação de políticas perseguida pelos países avan-çados teve impactos desestabilizadores nos mercados emergentes, exacerbando a volatilidade nos fluxos de capitais e nas taxas de câmbio”. Evidentemente, se tem de circunstanciar a política econômica de acordo com o contexto, não pregar sempre as mesmas ações.

    RyanMcGuire / Pixabay

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    O contra-argumento em defesa de “erros cometidos no passado por adoção de receita prematura” é que essa avaliação a posteriori se beneficia de uma visão retrospectiva da situação, ou seja, constitui “a fácil sabe-doria ex-post”. Porém, a dedução correta é que o gradualismo do ajuste fiscal deve estar condicionado às condições especí-ficas e variáveis dos países.

    Olivier Jean Blanchard, autor de manual de Macroeconomia keynesiana, muito utili-zado nos cursos de graduação em Ciência Econômica, tornou-se economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, desde setembro de 2008, logo antes da explosão da Crise Sistêmica Mundial. O economista francês, naturalmente, manteve o cargo no mandato da diretora-gerente do FMI, a também francesa Christine Lagarde. Esta, justamente por não ter formação acadê-mica em Economia, já que se formou em Direito Social, talvez seja também consi-derada “heterodoxa” na profissão, mesmo porque é mulher, vegetariana, nunca bebe álcool, e tem como hobbies yoga, mergulho, natação e jardinagem!

    O FMI propõe agora, em vez da política de austeridade, uma retomada em três velocidades. Reduções de despesas gene-ralizadas não é a estratégia mais adequada, disse Blanchard. O ideal seria haver menos aperto no curto prazo e a definição de um plano de consolidação fiscal para o médio e o longo prazo.

    Outro debate diz respeito à revisão do papel dos bancos centrais no mundo pós-crise. Para Olivier Blanchard, a “caixa de ferra-mentas” da política econômica pós-crise

    inclui as tradicionais políticas fiscal e monetária, mas também a acumulação

    de reservas, as medidas macroprudenciais e os controles de capital. Blanchard deixa claro que o papel do Banco Central vai além da visão estrita de perseguir um único obje-tivo, a meta de inflação, com somente um instrumento, a taxa básica de juros.

    Claudio Borio é economista do Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) e tem conduzido uma das reflexões mais detalhadas e bem funda-mentadas sobre a expansão do papel dos bancos centrais para além do paradigma “um objetivo, um instrumento” que preva-lecia antes da crise. Mas há economista acadêmico que continua assumindo o papel de cético em relação ao conceito ampliado do papel dos bancos centrais e da política econômica, levantando dúvidas sobre a

    O FMI propõe agora, em vez da política de austeridade,

    uma retomada em três velocidades. Reduções

    de despesas generalizadas não é a estratégia mais

    adequada, disse Blanchard. O ideal seria haver menos

    aperto no curto prazo e a definição de um plano

    de consolidação fiscal para o médio e o longo prazo.

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    capacidade de governos para saberem mais do que os agentes do mercado na hora de decidir que determinado movimento de ativos ou de expansão de crédito tem características de bolha. Os acadêmicos se tornaram mais ideólogos que os práticos! Na crise, o pragmatismo torna-se domi-nante. Exceto entre os professores autistas!

    Os fundamentalistas do livre-mercado temem que a nova abordagem multifun-cional dos bancos centrais seja fachada para políticas de desvalorização competi-tiva. Afinal, controles de capital e acumu-lação de reservas também fazem parte da caixa de ferramentas pregada pelo econo-mista-chefe do FMI.

    A tendência contemporânea parece ser a de abrir o leque de atribuições e instrumentos dos bancos centrais. Pode-se dizer que há quase um consenso de que a estabilidade financeira passou por upgrade em termos

    de prioridade. Hoje, figura lado a lado com o controle da inflação e a expansão do emprego como objetivo primordial da ação dos bancos centrais. Agora se requer da autoridade monetária uma atuação mais proativa. Não se trata mais apenas de fazer o monitoramento microprudencial, isto é, a fiscalização individual das insti-tuições financeiras, e de o banco central estar preparado para atuar como empres-tador de última instância em caso de crise sistêmica. A regulação macroprudencial preventiva passou a ser peça-chave.

    Idealmente, a autoridade monetária e as autoridades econômicas em geral devem preocupar-se em prevenir ou desinflar o acúmulo de riscos sistêmicos. Em vez de assistir, passivamente, o inflar de bolhas de ativos, devem exigir que bancos desen-volvam colchões de resistência a choques. Esses colchões, naturalmente, não podem ser infláveis. Têm de ser sim reguláveis,

    Foto: Eduardo Fagnani

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    de acordo com indicadores que reflitam a instabilidade financeira.

    A lista de instrumentos para impor a resistência dos bancos a choques inclui requerimentos de capital contra excesso de alavancagem financeira, provisões dinâmicas, razão ajustável e anticíclica entre crédito e colateral, etc. Antes da crise global, havia regulação financeira de menos. Agora, a dúvida é se é demasiada...

    Mas isso não é um novo “consenso de Washington”, ou seja, um arcabouço consensual sobre a atuação do banco central e da política econômica em geral. Por enquanto, há muito mais dúvidas do que certezas. Qual é o papel da política monetária tradicional na contenção de bolhas especulativas? Eleva-se apenas a taxa básica? Usam-se só medidas macro-prudenciais? Combinam-se as duas aborda-gens? Acionar a taxa básica para controlar a inflação e a regulação macroprudencial para combater instabilidades financeiras tem a preferência das mentes “Tico-e--Teco” de economistas adeptos das regras de combinação de instrumentos de política econômica.

    A regra de Tinbergen afirma que “a condição necessária, mas não suficiente, para que política econômica seja eficaz, é que existam tanto instrumentos indepen-dentes quanto objetivos a atender”. A regra de Mundell é a da atribuição dos instru-mentos: é conveniente atribuir à política monetária a busca do equilíbrio externo, isto é, no balanço de pagamentos; e à polí-tica fiscal, a busca do equilíbrio interno no combate ao desemprego e à inflação, pois

    cada qual tem a eficácia relativamente mais forte nesses objetivos.

    Definir o momento de agir diz respeito à Arte da Economia, ou seja, à habilidade da equipe econômica para tomar decisões cruciais nos momentos exatos. E quais são esses, havendo diferenças entre bolhas de ativo, bolhas de crédito e mesmo entre bolhas e instabilidades financeiras?

    Idealmente, a política econômica deveria controlar o “excesso” de crédito. Como definir esse limite entre o necessário e o excessivo? A intervenção de política econômica nessas situações deve ser discri-cionária ou apoiar-se em indicadores que sirvam de “gatilhos” automáticos para acio-narem-se diferentes instrumentos contra a excessiva alavancagem financeira?

    Isso significaria, na prática, frear subita-mente “o enriquecimento abusivo”, baseado em maximização da rentabilidade patri-monial com o uso de capital de terceiros. O banco central tem independência em relação a O Mercado suficiente para contra-riá-lo justamente quando ele está feliz da vida?

    Há, então, o risco de comprometer-se a sustentação social e política da auto-nomia dos bancos centrais, se eles forem manipular os múltiplos objetivos e instru-mentos. Manipular apenas a taxa básica de juro ou mesmo a compra de diferentes classes de ativos de longo prazo do afrou-xamento quantitativo é mais palatável, politicamente, porque atinge a economia de forma mais generalizada.

    E S TA D O D A A R T E D A P O L Í T I C A E C O N Ô M I C A

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    Já a regulação macroprudencial diferencia o porte e o grau de internacionalização dos bancos sujeitos às restrições. Congres-sistas norte-americanos questionam até se deve existir “banco grande demais para falir”. Trata-se do debate sobre o que fazer com as Instituições Financeiras Sistemi-camente Importantes (Sifi, na sigla em inglês): regulá-las mais duramente, inibir o surgimento de novas e o crescimento das que já existem, desmembrá-las, etc.

    Saindo do “be-a-bá” limitado do regime de metas, é necessária a coordenação entre os instrumentos de política econô-mica do Banco Central e do Ministério da Fazenda. Os neoliberais temem então o risco da influência política na ação anti-in-flacionária que privilegia a preservação da riqueza em desfavor do emprego.

    As políticas monetária e macropruden-cial têm de ser coordenadas entre si. Com isso, há a tendência pós-crise a concentrar autoridade regulatória no Banco Central, aliás, como ocorre já no Brasil. Mas alguns analistas estrangeiros veem um problema de definição do que é microprudencial e do que é macroprudencial. Assim, o Banco Central deveria ser o responsável apenas por esta regulação financeira, e deveria ter agências independentes para a fisca-lização de entidades individuais que não representem risco sistêmico (é o que ocorre na Inglaterra).

    Se tudo isso tornar as crises sistêmicas muito improváveis, os participantes de mercado se sentiriam tão seguros que provavelmente tomariam riscos cada vez maiores e afrouxariam os procedimentos

    de cautela. Este “risco moral” é exatamente o tipo de comportamento que leva a novas crises. Ressurgiria a mesma tendência ao excesso puxado pelo sucesso e pela memória curta. Isso sempre ocorreu nas mais diferentes bolhas ao longo da história econômica.

    Em determinada conjuntura recessiva, o fraco crescimento econômico resul-tante de ajuste fiscal prematuro torna ainda mais difícil para países altamente

    endividados reduzir a relação dívida/PIB e colocar o endividamento numa traje-tória sustentável de queda. Não se pode depender demais da política monetária expansionista e não usar a política fiscal em situação de “armadilha de liquidez”. Oferta de crédito é dirigida pela demanda. Se esta não é ativada, não há como efetivar aquela. O gasto público é autônomo face à demanda presente e multiplica renda que representará demanda futura.

    Em determinada conjuntura recessiva, o fraco crescimento

    econômico resultante de ajuste fiscal prematuro torna ainda mais difícil para países

    altamente endividados reduzir a relação dívida/PIB e colocar

    o endividamento numa trajetória sustentável de queda

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    Todo esse receituário keynesiano de política econômica é universalmente conhecido pelos economistas de diferentes matizes. Na realidade, o modo de sua condução é que varia de acordo com a abordagem de cumprir determinada regra, ou de adotar a discricionariedade, ou mesmo de achar que o relevante é seu anúncio ter credibili-dade, com o que o “pacote” é acompanhado de uma série de adjetivos: transparente, eficiente, consistente, robusto, etc. etc.

    A política monetarista de regra busca atingir certa taxa de crescimento estável em algum agregado monetário, para não perturbar o livre funcionamento das forças de mercado. A regulação macroprudencial de arbítrio propõe atitude passiva quanto à oferta de moeda, porém com rígida fiscali-zação administrativa sobre a atuação dos bancos e/ou controles financeiros seletivos. A sinalização para o mercado com credibi-lidade busca alcançar uma meta no índice geral de preços com o uso discricionário do instrumento da taxa de juros básica.

    Tudo isso é muito conhecido dos econo-mistas. Porém, muitas vezes eles não atentam que a política econômica não é apenas a aplicação da teoria econômica. Ela requer que se ultrapassem as fronteiras estreitas do conhecimento econômico e que se leve em consideração, igualmente, a esfera da política e dos conflitos de inte-resses sociais.

    A política econômica bem-sucedida existe apenas quando uma visão multidisciplinar combina as ações econômicas e as ações políticas. Este relacionamento entre o

    apoio ao governo e as variáveis econômicas que o afetam é chamado de “função de popularidade”. A relação direcional inversa que parte de ações do Governo e afeta a Economia é chamada de “função política”.

    Em síntese, não existe algo que possa ser considerado uma Teoria Econômica Pura da Política Econômica. As experiências históricas concretas das sociedades demo-cráticas, no mundo ocidental, sugerem uma Prática Multidisciplinar da Política Econômica Democrática.

    Tudo isso é muito conhecido dos economistas. Porém,

    muitas vezes eles não atentam que a política econômica não é apenas a aplicação da teoria

    econômica. Ela requer que se ultrapassem as fronteiras estreitas do conhecimento

    econômico e que se leve em consideração, igualmente,

    a esfera da política e dos conflitos de interesses sociais.

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    P O L Í T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    Não há consenso de que o mundo viva uma grave crise econômica. Afinal, os EUA crescem moderadamente, e a China, ainda que em ritmo mais lento que em anos anteriores, se desenvolve a passos firmes, exercendo efeito positivo sobre outros países do Sudeste Asiático e África. Por outro lado, Europa e Japão continuam,

    na melhor das hipóteses, estagnados.

    Entretanto, se o quadro econômico é passível de discussão, não paira dúvida quanto à crise de representação política na maioria dos países. Especialmente no caso da Europa, que se debate num mar de desemprego, assombrada pelo fantasma da impotência política. Anos após o início de uma crise autoinfligida, a receita para supe-rá-la, aparentemente, em nada mudou: consolidação fiscal, ou seja, restringir a expansão do gasto público.

    Mesmo nos EUA, cuja recuperação só

    Não existe não haver alternativa.

    Carlos Pinkusfeld BastosEconomista, professor e pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ)

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    gerou, seis anos depois, uma volta a níveis de desemprego de 2008 (os quais por sua vez estavam muito abaixo dos registrados em 2007), a virtual estagnação de salários é um dos elementos da manutenção da tendência à regressividade na distribuição de renda que já antecedia a 2008.

    A intervenção pública maciça pós-crise, dominantemente relacionada à susten-tação de crédito, fez com que alguns mais açodados entendessem esse fenômeno como a volta do “keynesianismo”. Não só não o era em termos “técnicos”, afinal envolveu mais sustentação do preço de ativos que gasto fiscal, como, em pouco tempo, já se iniciava um processo de conso-lidação fiscal que persiste até hoje.

    A era neoliberal está marcada por redução sensível da taxa de crescimento econômico e elevação da taxa de desemprego que são acompanhadas por redução de proporção

    igual ou até maior da capacidade política de se criarem consensos que se antepo-nham às políticas fiscais, monetárias e de regulação da ordem do capitalismo que geram tal resultado. Afinal, os gestores, e no caso Europeu, os criadores da institucio-nalidade econômica que tornou realidade as medidas regressivas pós-2008, foram os próprios partidos social-democratas. Nos EUA, a pífia recuperação pós-crise dá-se sob a égide do partido Democrata, que por sua vez empreendeu a maioria das reformas liberalizantes do sistema financeiro durante os governos Carter e Clinton.

    É certo que a conjuntura política pós-Guerra Fria tem papel crucial para explicar essa virada dos partidos progressistas e o enfra-quecimento dos movimentos operários, mas a derrota no campo das ideias não deve ser menosprezada. Também é verdade que a vitória política conservadora reforçou

    Foto: Eduardo Fagnani

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    P O L Í T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    o espaço acadêmico e social das leituras ortodoxas e conservadoras, mas os erros da própria abordagem crítica e progressista colaboraram para tal dominação.

    A origem da retomada conservadora nos países centrais pode ser identificada com a exasperação da contestação à ordem capitalista no final dos anos 1960, cuja exteriorização macroeconômica foi a acele-ração inflacionária; e que, num quadro mais amplo, acarretou também uma forte turbulência sociopolítica.

    A aceleração inflacionária nestes países decorreu inicialmente da pressão sala-rial que em boa medida refletia o próprio sucesso da Golden Age. Nesse período, podem-se conciliar alto crescimento, baixo desemprego, elevação do salário real, em linha com os ganhos (expressivos) de produtividade, e criação de um estado do bem-estar. Parecia que o capitalismo tinha

    superado seu caráter intrinsecamente conflitivo.

    Entretanto, como lembra o texto clássico de Kalecki, Aspectos Políticos do Pleno Emprego, escrito na década de 1940, tal situação terminou por estimular o acirra-mento das demandas laborais e a pressão por elevação dos salários nominais. A uma trajetória de inflação ascendente soma-se uma pressão de custos de commodities, e, em pouco tempo, de câmbio, com a suspensão da conversibilidade do dólar e posterior flutuação das moedas. Final-mente, o golpe de misericórdia: o primeiro choque do petróleo.

    A persistência da inflação acabou trans-formando-se em elemento central para enfraquecimento do movimento social progressista na década de 1970. Esta década foi, assim, um momento crucial de tran-sição entre os anos progressistas da Golden

    Foto: RyanMcGuire / Pixabay

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    Age e a reação neoliberal. Especificamente no campo da disputa das ideias, a narra-tiva conservadora mostrou-se bem mais convincente que as respostas progressistas de então.

    A ideia chave da ortodoxia foi reforçar a existência de um equilíbrio natural de pleno emprego da economia, ou alguma taxa de desemprego abaixo da qual as inten-ções de aquecer a economia só causariam inflação maior. Ao fim e ao cabo, taxas de desemprego mais baixas, distintas da traje-tória natural da economia, expressa em taxas naturais de juros e de desemprego, estas últimas dada por fricções no mercado de trabalho (valores de equilíbrio entre oferta e demanda de “pleno emprego”), só seriam alcançadas pela insistência equivocada da política do governo, sejam monetárias ou fiscais, em levar a economia para fora de tal equilíbrio. Daí decorreria a inflação com suas consequências daninhas ao bem-estar e mesmo ao crescimento de longo prazo, através da distorção dos sinais dos mercados.

    A leitura progressista alternativa a este ataque interpretativo conservador pode ser dividida em duas, ambas débeis.

    Pelo lado da escola keynesiana tradicional, que deu sustentação teórica ao pacto da Golden Age, a adoção de um marco teórico imperfeccionista, ou seja, a não ruptura radical com os fundamentos margina-listas da teoria econômica, praticamente forçou a aceitação do retorno de uma teoria que utilizava tais princípios para explicar logicamente a crise do período. Em termos do combate à inflação, a versão

    aceleracionista da Curva de Phillips de Friedman passou a ser adotada no modelo canônico keynesiano. A nova ordem seria o governo evitar gastos em excesso do produto de pleno emprego ou políticas monetárias incompatíveis com os juros de equilíbrio, ambos motivados por razões políticas inconfessáveis ou “populistas”.

    Quanto à explicação do desemprego, o foco passou para as rigidezes, nominal e real, existentes na economia, impostas pelo capitalismo regulado da Golden Age, e não à falta de demanda efetiva. Agora, os novos keynesianos, seguindo logicamente um programa de pesquisa mais de enten-dimento e explicitação de tais rigidezes, concluíam que o papel do governo deveria ser o de desregular a estrutura de organi-zação do trabalho e da produção, para se alcançar o equilíbrio de pleno emprego e não “gastar mais”.

    Por outro lado, a reação teórica, ou de interpretação dos fatos econômicos, de correntes mais radicais, também não foram bem-sucedidas, em grande parte devido a suas limitações intrínsecas. Apon-tava-se para um suposto esgotamento da organização “fordista” da produção com reflexos macroeconômicos na produti-vidade agregada. Associado a este esgo-tamento, argumentava-se que o avanço do Estado na economia, que permitiu a gestação do Welfare State, estaria conde-nado por contradições decorrentes da sua incapacidade de financiamento susten-tável. Ambas as explicações apontam para uma visão de crise do sistema capitalista e não de crise dentro do sistema capitalista.

    N Ã O E X I S T E N Ã O H AV E R A LT E R N AT I VA

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    Em outras palavras, percebia-se uma crise na capacidade de reprodução do sistema, e não uma crise transitória que resultava de suas contradições distributivas, ou da luta de classes pelas parcelas do exce-dente social.

    Este embate nos países centrais que marcou a transição da hegemonia do keynesianismo/Welfare State para o neoli-beralismo, tem sua contrapartida abaixo do Equador com a crítica ao desenvolvi-mentismo. A rigor, a crítica convencional/ortodoxa desde sempre se centrou nas distorções causadas pela intervenção que o desenvolvimentismo trazia ao sistema de preços. Este, em razão de tais distor-ções causadas pela ação estatal, não mais refletiria a escassez relativa dos fatores de produção.

    Mas mesmo no campo progressista, a revisão crítica do desenvolvimentismo já havia começado desde o início da década de 1960, tanto pela excessiva fé no trickle down, ou seja, a capacidade de o desenvol-vimento das forças produtivas trazerem

    efetivos ganhos às populações de forma geral, como na própria capacidade de a industrialização sustentar-se dentro dos parâmetros usuais de emulação de tal processo nos países centrais.

    Assim como no centro, a crítica a uma inviabilidade do prosseguimento do processo de acumulação capitalista, agora em sua versão periférica, se radicaliza no final dos anos 1960. Este vaticínio pessimista não se confirmou, ao menos no Brasil. Porém, assim como nos países desenvolvidos, abate-se sobre as econo-mias periféricas a mesma crise inflacio-nária que atingiu os países centrais nos anos 1970, e posteriormente, em alguns países, e especificamente no Brasil, a crise hiperinflacionária, agora acompanhada de estagnação, nos anos 1980. Também aqui na periferia, será sobre o desgaste causado pela crise inflacionária que se erigirá o consenso neoliberal.

    Nem Brasil, nem América do Sul estavam sozinhos na crise da dívida que atingiu toda a periferia. Ela resultou de uma

    Foto: skeeze / Pixabay

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    inédita elevação dos juros internacionais, cujas consequências foram drásticas: dete-rioração dos termos de troca, recessão mundial e estrangulamento financeiro. A quebra do México em 1982 fechou, de vez, o mercado financeiro internacional, jogando a América do Sul, e o Brasil em particular, em uma crise que, pelo menos no aspecto financeiro, foi pior que a dos anos 1930.

    Entretanto, uma gravíssima crise de balanço de pagamentos, que marca, como afirma o texto clássico de Conceição Tavares, “a retomada da hegemonia ameri-cana”, passa a ter, especificamente no caso brasileiro, “novas” interpretações.

    Inicialmente, nossas dificuldades em termos de crescimentos não seriam resul-tado desta crise e sim de um suposto “esgo-tamento do modelo de industrialização”. De alguma forma, como previram os neoclássicos desde o início dos anos 1960, finalmente as distorções no sistema de preços, fruto do intervencionismo estatal, cobravam seu preço em termos de baixo crescimento como resultado da alocação ineficiente dos fatores de produção.

    Também, a alta/hiperinflação não estaria ligada a esta crise externa, como, aliás, todos os episódios de hiperinflação esti-veram ligados, mas, sim, a um problema de excesso de demanda e/ou financiamento do setor público. É interessante notar que no início dos anos 1980 a leitura menos ortodoxa fornecida por autores brasileiros keynesianos “tradicionais” centrava-se no caráter inercial da alta inflação. Sem descontar a forte indexação existente

    então na economia brasileira, o fracasso de programas de desindexação neutra em vez de revelar o óbvio, ou seja, que a alta inflação tinha como fonte central a crise de financiamento externo e não simples-mente a indexação, começou a ser lido como uma questão de excesso de demanda.

    Este diagnóstico que era descartado até mesmo a partir da estimação econo-métrica de Curvas de Phillips para o Brasil pelos próprios autores brasileiros keynesianos mais convencionais, com a virada pós-fracasso dos planos de esta-bilização, passa a ser o mais importante para explicar a inflação no período. O gasto, e especialmente o déficit público, passaram a ser os “suspeitos de sempre”, na verdade, os condenados de sempre, da crise inflacionária.

    Para piorar, a essa virada da interpretação da inflação somou-se um argumento que propunha a existência de uma suposta “crise fiscal”. É verdade que parte da dívida

    Também, enquanto nos países desenvolvidos o

    Welfare State seria o principal culpado por excessos

    de gasto e engessamento no mercado de trabalho, aqui o intervencionismo

    desenvolvimentista é que distorceria a alocação

    ótima do mercado.

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    externa sendo pública, haveria uma carga de juros a ser paga em dólar, mas a dificul-dade de pagamentos em dólares decorreria da própria crise do financiamento externo. Entretanto, em moeda doméstica, quando se busca um indicador objetivo de difi-culdades de financiamento doméstico, como, por exemplo, uma pressão sobre os juros domésticos da dívida pública, não se encontra episódio relevante para dar suporte à tese da “crise fiscal”. Estranha-mente – apesar da falta de provas empíricas –, a “crise fiscal” ganhou status de verdade estabelecida dentro de um espectro muito amplo de interpretações para o mau desem-penho da economia brasileira no período.

    Assim, a construção da hegemonia neoli-beral no Brasil seguiu a linha geral do desgaste inflacionário como nos países desenvolvidos, mas com peculiaridades. A alta inflação daqui foi decorrência direta, na década de 1980 da crise externa, não de pressões salariais e do primeiro choque do petróleo. O suposto papel do setor público, ou mais precisamente, do déficit público, estabelece-se tardiamente e associa-se a uma crise fiscal sem compro-vação empírica. Também, enquanto nos países desenvolvidos o Welfare State seria o principal culpado por excessos de gasto e engessamento no mercado de trabalho, aqui o intervencionismo desenvolvimen-tista é que distorceria a alocação ótima do mercado.

    Até aqui, mostramos, mesmo com distin-ções, uma convergência da interação entre fenômenos econômicos e formação de um consenso conservador neoliberal em países desenvolvidos e em países em

    desenvolvimento nos anos 1980. Há, todavia, no século XXI uma bifurcação política importante.

    Nos países em desenvolvimento, a inca-pacidade para gerar maior crescimento, e o aguçamento das disparidades naturais no capitalismo menos regulado, resul-taram numa reação que, em conjunto com mudanças favoráveis nas condições externas, iniciaram um novo ciclo de governos marcados por políticas públicas com caráter redistributivista.

    Entretanto, se é verdade que essa novidade sul-americana contrapôs-se na prática ao discurso então hegemônico, por outro não foi capaz de criar novos consensos tanto para políticas macroeconômicas como para estratégias de desenvolvimento que dessem sustentação a opções políticas redistributivistas e inclusivas.

    Entretanto, se é verdade que essa novidade sul-americana

    contrapôs-se na prática ao discurso então hegemônico,

    por outro não foi capaz de criar novos consensos tanto para políticas macroeconômicas

    como para estratégias de desenvolvimento que dessem sustentação a opções políticas redistributivistas e inclusivas.

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    Logo, esta “bifurcação” do século XXI é até certo ponto parcial. A dinâmica política permitiu que partidos progressistas, no vácuo da insatisfação social com o neolibe-ralismo, conseguissem impor uma agenda social e redistributivista. Mas isto ocorre sem que se tivesse erigido um arcabouço teórico e programático de sustentação para tal movida. Historicamente, nem seria grande novidade: o fim da era liberal nos anos 1930 também gerou experimenta-ções sociais e de política econômica que precederam uma formulação teórica consistente.

    Entretanto, aos poucos foram-se formando os consensos teóricos e de gestão econô-mica que viriam a ser dominantes no mundo desenvolvido, keynesianismo/Welfare State; e subdesenvolvido, desen-volvimentismo. A dúvida é: estaria ocor-rendo o mesmo processo agora, ao menos em certos países da periferia?

    No presente momento histórico, a dupla tarefa de releitura teórica consistente dos fatos passados, bem como da formulação de propostas claras, sofre, além das difi-culdades teóricas inerentes a tal tarefa, a desvantagem da própria “bifurcação” entre norte e sul, a não permitir que ocorra a sinergia intelectual e política que decor-reria de um movimento conjunto do mundo desenvolvido e subdesenvolvido.

    Mesmo na América Latina, a velocidade das experimentações menos ortodoxas de política econômica variaram de país para país, sendo o Brasil, entre os que tentaram tais experimentações, aquele onde, a despeito da existência de um pensamento

    acadêmico heterodoxo mais sistemático e representativo, menos se avançou.

    Entretanto, quaisquer que tenham sido os graus de maior ou menor radicalidade destas mudanças, a dura realidade é que os anos mais favoráveis da primeira década do século já são passado. O ciclo de elevação dos preços e de forte demanda de commo-dities, característico da primeira década do século XXI, já se reverteu, reduzindo, em diferentes graus dependendo do país, a janela de oportunidade de expansão domés-tica sem encontrar grandes problemas pelo lado da restrição externa. Agora o relógio corre veloz, e a reflexão progressista vê-se forçada, premida pela dinâmica política, a pensar alternativas que permitam, num quadro menos favorável, a continuação das experiências progressistas, tão raras num continente historicamente conservador e com elites extremamente ciosas de seus privilégios.

    Quem sabe o relógio quebrado Europeu não seja forçado a voltar a andar, empurrado pelos resultados sociais desastrosos que decorrem de sua prolongada depressão, e, assim, como na primeira metade do século passado, nos auxiliem a encon-trar os consensos de reflexão que deem sustentação a uma ação política progres-sista? Seria uma lástima deixar fechar-se a importante janela de oportunidade que a história nos deu no início deste século.

    Foto: Keynes / Brasil Escola

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    A partir de 1999, a adoção do sistema de metas para a inflação pretendia a subs-tituição formal da taxa de câmbio como âncora nominal do nível geral de preços na economia brasileira. Segundo suas premissas, a taxa de câmbio livre deveria ajustar as contas externas do país, e haveria precariedade na utilização do estoque de moeda como âncora nominal dos preços, em função das flutuações em sua

    velocidade-renda ao sabor das inovações financeiras e dos ventos das expectativas, inclusive sobre os rumos da política fiscal. Assim, sob o regime de metas para a inflação, sobre o alicerce fiscal e através da administração exclusiva da taxa básica de juros, a missão da política monetária seria coordenar (ancorar) as expectativas infla-cionárias, promovendo a ligação temporal consistente entre prazos curtos e longos na economia.

    Não obstante a observância dos quesitos anteriores, a implantação do novo sistema não impediu que a economia brasileira

    Roberto Pires MessenbergTécnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea/Diest

    Restrições e perspectivas

    do crescimento econômico

    no Brasil

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    Foto- Tasso Marcelo/ Fotos Públicas

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    P O L Í T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    passasse a enfrentar, sistematicamente, situações nas quais, em graus variados, combinavam-se pressões inflacionárias latentes e baixo crescimento do produto potencial.

    Desse modo, as insuficiências do sistema de metas para inflação acabaram por ensejar – em flagrante contradição com o que dele se pretendia inicialmente – uma subordi-nação crescente da política econômica à busca da convergência das expectativas de curto prazo prevalecentes nos mercados de ativos financeiros. Ao longo do tempo,

    contudo, os limites e os custos de longo prazo impostos por este condicionamento da política econômica passaram a ficar cada vez mais evidentes.

    Nesse sentido, a brusca desaceleração do crescimento da economia internacional a partir de 2008 – e, consequentemente, também, da significativa elevação dos preços reais das commodities exportadas pelo Brasil desde 2004 – tornou mani-festa, uma vez mais, a tendência de falta de funcionalidade do regime de câmbio flutuante com vistas a um ajustamento

    Foto: Eduardo Fagnani

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    positivo das exportações líquidas. Em que pesem, assim, as dificuldades postas desde então pelo próprio movimento de desacele-ração dos fluxos de comércio internacional, esta carência persistente de funcionalidade do regime cambial (idealizado no âmbito do sistema de metas para a inflação) deve ser atribuída, essencialmente, ao recurso siste-mático da valorização da taxa de câmbio como recurso privilegiado da política de contenção inflacionária.1

    Do ponto de vista das relações entre o formato da política econômica (sob o sistema de metas para a inflação) e a dinâ-mica do crescimento, deve-se destacar que o movimento expansivo da economia brasileira entre os períodos iniciais das duas primeiras décadas do século XXI constituiu, essencialmente, um reflexo da conjuntura econômica mundial. Esta última, através de seu impacto favorável sobre os termos de troca envolvidos nas

    mercadorias comercializadas pelo Brasil, estimulou fortemente os investimentos e a produção nos setores produtores de commodities, compensando com folga (ao menos enquanto manteve-se vigorosa) a progressiva fragilidade dos investimentos e da produção doméstica na indústria manu-fatureira, em decorrência dos movimentos sistemáticos de valorização cambial e de elevação do custo unitário do trabalho.

    Assim, enquanto cresciam, os ganhos deri-vados dos termos de troca nas exportações líquidas de commodities determinavam, por um lado, uma redução significativa da fragilidade externa na economia brasi-leira (relaxamento da restrição à utilização de divisas estrangeiras) e, por outro, um influxo positivo de renda responsável pelas elevações concomitantes (embora decres-centes no tempo) do consumo privado, das importações, da poupança nacional e, finalmente, do próprio ritmo de cresci-mento do produto, sem contrapartida em aumentos sistêmicos de produtividade.

    Cabe aqui, portanto, uma consideração sobre a ocorrência de uma eventual mudança estrutural na economia brasi-leira, marcadamente a partir de 2004, com a emergência de um novo padrão de demanda agregada determinante do fortalecimento do mercado interno e do estímulo ao crescimento.

    Em última instância, essa mudança estaria ligada à adoção intensa de políticas públicas redistributivas, como aumentos reais do salário mínimo e das Transferências Públicas Previdenciárias e Assistenciais (TAPS), além da expansão significativa do

    Desse modo, as insuficiências do sistema de metas para

    inflação acabaram por ensejar – em flagrante contradição

    com o que dele se pretendia inicialmente – uma

    subordinação crescente da política econômica à busca

    da convergência das expectativas de curto prazo

    prevalecentes nos mercados de ativos financeiros.

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    P O L Í T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    Foto: Jaelson Lucas/SMCS(arquivo)

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    crédito, com o crescente financiamento do consumo privado pelos bancos públicos. Dadas as características gerais do novo padrão da demanda agregada, bem como sua suposta dominância sobre a dinâmica do crescimento econômico brasileiro, passou-se, usualmente, a identificá-lo como “modelo de crescimento baseado no consumo”.

    A esse respeito, contudo, deve-se notar que o funcionamento do modelo de crescimento baseado na expansão do consumo pres-supõe, fundamentalmente, a ocorrência de uma estreita e cumulativa interação dinâmica entre as demandas de consumo e de investimentos na economia. Vale dizer, a efetividade desse modelo depende do fato de que a aceleração da demanda de consumo – independentemente da identificação de seus fatores propulsores primários – seja estimulante o suficiente para deflagrar a dinamização sustentada da demanda de investimentos na economia; algo que efetivamente não ocorreu a partir da crise de 2008. Este fato é contraditório, portanto, com o entendimento da expansão econômica até recentemente observada no Brasil nos termos de um modelo de cresci-mento sustentável liderado pela demanda de consumo.

    Na verdade, o movimento de expansão da economia brasileira no momento atual apresenta evidências de um esgotamento e enfrenta riscos para sua continuidade. Isto porque, do ponto de vista do setor externo, a cumulativa dominância temporal da polí-tica monetária sob o regime de metas de inflação acabou por levar à constituição de

    uma deformidade estrutural: um espaça-mento na base produtiva determinante de variações positivas dos saldos comerciais pouco sensíveis às desvalorizações reais do câmbio, mais dependentes da redução nos níveis de atividade interna e do sopro extraordinário dos “bons ventos” (nacio-nais e estrangeiros) para as exportações de produtos básicos; e incapazes, consequen-temente, de difundir efeitos dinâmicos de longo alcance sobre o conjunto do sistema econômico.

    Por o utr o la do, da p ersp e ctiva do mercado interno e dos fluxos domésticos de produção, a dominância monetária (ou financeira) com câmbio valorizado durante um período extenso acabou por estimular influxos líquidos crescentes

    Desta perspectiva, os avanços nos investimentos públicos

    e das concessões públicas ao investimento privado

    constituem o ponto central da política econômica. Através

    deles, obter-se-iam o alargamento do horizonte

    de cálculo empresarial e a continuidade da trajetória

    de queda das taxas domésticas de juro, cujo piso passaria

    a refletir os níveis das taxas praticadas no mercado

    internacional.

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    P O L Í T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    de capital, vinculando, ao mesmo tempo, os incentivos domésticos de produção à expansão da oferta de bens com menor grau de “tradeability”, ou seja, justamente das atividades de setores caracterizados pelo reduzido potencial de comercialização externa dos produtos e de mobilização dos investimentos produtivos transfor-madores. Associou-se, assim, à crescente mobilidade e influência dos fluxos finan-ceiros externos na economia brasileira, uma perda contínua de flexibilidade em sua base produtiva. No momento atual, esta última encontra-se ressentida pela:

    a) ampliação acentuada da presença de bens complementares à produção domés-tica na pauta de importações; o que limita o alcance no tempo de um padrão mais equilibrado de comércio exterior (objetivo último da colapsada estratégia anterior, de substituição de importações);

    b) especificidade do movimento de diver-sificação da pauta de exportações; movi-mento este realizado a partir do aumento das participações de produtos básicos, e de produtos manufaturados com maior incli-nação ao emprego intensivo de insumos importados (físicos e financeiros) e ao atendimento de demandas cativas (domés-tica ou regional).

    Resta considerar então as possibilidades de empregar-se a política fiscal para relaxar a restrição à retomada dos investimentos que hoje limita as possibilidades de cres-cimento econômico sustentável a partir da expansão industrial e do fortalecimento dos saldos comerciais.

    Dada a reduzida capacidade de resposta dos fluxos de produção de bens tradea-bles aos sinais nem sempre confortáveis emitidos pela demanda externa e pela a taxa de câmbio, não se pode conceber o relaxamento dessa restrição pela mera tenacidade para alcançar ajustes fiscais crescentes. Tomada nesses termos, tal postura serviria exclusivamente às condi-ções imediatas de sustentação da afluência de capital externo na economia, com a convergência das expectativas de mercado no curto prazo, mas ao custo, entretanto, de permanecer a instabilidade latente da taxa real de câmbio e dos elevados patamares da taxa real de juros.

    Do ponto de vista da absorção doméstica, o ajuste fiscal obtido por meio da contenção ao gasto público – dada a composição setorial deste último –, elevaria o excesso de oferta vigente sobre os setores produ-tores de bens non-tradeables, com efeitos marginais de curto prazo sobre a oferta excedente de bens tradeables.

    Ainda assim, no entanto, uma contenção fiscal que contemplasse a ampliação das despesas públicas de investimentos e a queda da carga tributária no setor produtor de bens tradeables poderia ser considerada superior a qualquer variante de aperto monetário: seus efeitos positivos sobre as expectativas empresariais estimulariam os investimentos privados e, consequen-temente, contribuiriam para eliminar a deformidade estrutural construída ao longo dos anos de proeminência da política monetária.

    Em essência, o arranjo dos instrumentos

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    da política fiscal deveria focalizar os obstá-culos postos pela necessidade de realo-carem-se os fluxos internos de produção. Assim, caberia à política econômico-fiscal a tarefa de incentivar a remodelagem da base produtiva na economia brasileira, em direção à superação definitiva dos problemas trazidos de forma recorrente pela inconsistência dos movimentos de valorização cambial.

    Desta perspectiva, os avanços nos investi-mentos públicos e das concessões públicas ao investimento privado constituem o ponto central da política econômica. Através deles, obter-se-iam o alargamento do horizonte de cálculo empresarial e a continuidade da trajetória de queda das taxas domésticas de juro, cujo piso passaria a refletir os níveis das taxas praticadas no mercado internacional.

    Ao longo do tempo, a elevação da taxa agregada de investimentos tornaria as trajetórias declinantes das taxas reais de juro e de câmbio compatíveis com a menor aversão (relativa) ao risco dos investidores internacionais e a maior oferta relativa de bens tradeables na economia. Consistentes, portanto, com a robustez do balanço de pagamentos e o pleno emprego dos recursos produtivos. Sem inflação.

    NOTA1. Implicitamente, reconhecer este ponto implica reconhecer também a patente inoperância da tentativa de calibragem do hiato do produto na economia, mediante a manipulação da taxa básica de juros, como via primordial de controle da inflação.

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