a cidade sustentável - erminia maricato

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a Cidade sUstentÁVeL Professora Erminia Maricato ____________ ermínia Maricato Graduação (1971), mestrado (1977) e doutorado (1984) e Livre Docência (1996), professora titular (1997) em Ar- quitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Professora visitante da University of British Co- lumbia/Center of Human Settlements, Canadá (2002) e da University of Witswaterhand of Johannesburg, África do Sul (2006). Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo (1989/1992), co- ordenadora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (1998/2002) e Ministra Adjunta das Cidades (2003/2005). Foi consultora ad-doc da FINEP, CAPES, CNPQ, FAPESP, e também de inúmeras prefeituras no Brasil e no exterior. Criou o LABHAB - Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAUUSP (1997) e formulou a proposta de criação do Ministério das Cidades. Prêmio Juan Torres Higuerras da Federação Panamericana de Associações de Arquitetos, em 2006. Prêmio Arquiteto do Ano 2007 da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas. Conferência de abertura da World Planning Schools Congress (México, 2006). Key speaker do Social Forum of Architecture - Ankara (2010). Presidente da Comissão de Pesquisa da FAUUSP (2007/2009) e Membro do Conselho de Pesquisa da USP (2007/2009). Membro do Human Settlemente Advisory Board - United Nation Habitat (2009). Membro dos conselhos editoriais da Revista Urbe - PUCPR, Cadernos Metrópole - PUCSP, Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais- ANPUR e Justice Spa- ciale - Nanterre Universite, França.

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a Cidade sUstentÁVeL

Professora Erminia Maricato

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ermínia MaricatoGraduação (1971), mestrado (1977) e doutorado (1984) e Livre Docência (1996), professora titular (1997) em Ar-quitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Professora visitante da University of British Co-lumbia/Center of Human Settlements, Canadá (2002) e da University of Witswaterhand of Johannesburg, Áfricado Sul (2006). Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo (1989/1992), co-ordenadora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (1998/2002) eMinistra Adjunta das Cidades (2003/2005). Foi consultora ad-doc da FINEP, CAPES, CNPQ, FAPESP, e tambémde inúmeras prefeituras no Brasil e no exterior. Criou o LABHAB - Laboratório de Habitação e AssentamentosHumanos da FAUUSP (1997) e formulou a proposta de criação do Ministério das Cidades. Prêmio Juan TorresHiguerras da Federação Panamericana de Associações de Arquitetos, em 2006. Prêmio Arquiteto do Ano 2007da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas. Conferência de abertura da World Planning Schools Congress(México, 2006). Key speaker do Social Forum of Architecture - Ankara (2010). Presidente da Comissão dePesquisa da FAUUSP (2007/2009) e Membro do Conselho de Pesquisa da USP (2007/2009). Membro do HumanSettlemente Advisory Board - United Nation Habitat (2009). Membro dos conselhos editoriais da Revista Urbe -PUCPR, Cadernos Metrópole - PUCSP, Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais- ANPUR e Justice Spa-ciale - Nanterre Universite, França.

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ÍndiCe

INTRODUÇÃO: A QUESTÃO AMBIENTAL SE IMPÔS NAS AGENDAS

NACIONAL E GLOBAL

NO BRASIL: A URBANIZAÇÃO PRÓPRIA DO CAPITALISMO PERIFÉRICO: DE-

SIGUALDADE SOCIAL E PREDAÇÃO AMBIENTAL

MUDANÇAS NO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO. METRÓPOLES,

CIDADES MÉDIAS. COMO ANDAM A HABITAÇÃO E SANEAMENTO

O AUTOMÓVEL REINA SOBERANO. O TRANSPORTE COLETIVO

CAMINHA PARA A RUÍNA

O IMPACTO DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO APROFUNDAMENTO DA

TRAGÉDIA URBANA BRASILEIRA E A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTISMO

O PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO (PAC), O PROGRAMA

MINHA CASA, MINHA VIDA (MCMV), E O PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO:

UMA AGENDA PARA AS CIDADES NO INÍCIO DO SÉCULO XXI?

O MOVIMENTO SOCIAL DE REFORMA URBANA, AS CONQUISTAS

INSTITUCIONAIS, A AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO E O IMPASSE ATUAL

SOBRE A FORMAÇÃO DO ENGENHEIRO

DESAFIOS, DIFICULDADES E PERSPECTIVAS

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

1- introdUÇÃo: a QUestÃo aMbientaL se iMpÔs nas agendas naCionaL e gLobaL1

É de conhecimento amplo que o padrão capitalista de produção e consumo, (e aípoderíamos incluir as sociedades socialistas produtivistas), vigente nos últimos 200anos, desconhece limites para a exploração de recursos naturais, consumo de energiae poluição de terras, águas e ar, tornando-se absolutamente insustentável para o futuroda humanidade e do planeta. Numa sociedade onde a mercadoria se generaliza aponto de marcar como tal o próprio trabalhador, a felicidade é identificada com o atode possuir ou consumir, novas necessidades são criadas por força do mercado. Re-verter este padrão não é tarefa banal.

A crise ambiental se impõe na agenda política do final do século XX e iníciodo século XXI com um diferencial (mas necessariamente em parceria), com a crise so-cial e econômica promovida pelo desemprego e precarização do trabalho decorrentesda reestruturação produtiva do capitalismo. Aquecimento global, agressão à camadade ozônio, elevação do nível do mar, desertificação de terras, assoreamentos de cursosd’água, são evidências científicas do Intergovernmental Panel on Climate Change(IPCC) e entraram na agenda para ficar2.

Além de inviável, esse padrão produtivo é injusto: alguns consomem, de formaconspícua marcada pelo desperdício, mais do que necessitam e muitos não consomem

____________

1 A autora agradece as indispensáveis colaborações de: engenheiro, e professor da UFABC, Francisco Comarú;urbanista e professora da PUC de Campinas, Laura Machado de Mello Bueno; e engenheiro Clovis do Nasci-mento, Secretário Geral da FISENGE.

2 Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), trata-se de um corpo de cientistas definidos pela UnitedNations Environment Programme (UNEP) e pela World Meteorological Organization (WMO) que visa fornecer umdiagnóstico claro do conhecimento sobre mudança climática e seus potenciais impactos sócio-econômicos.

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o mínimo para a sobrevivência. E sabemos que o planeta não tem recursos para quetodos consumam de acordo com o padrão americano vigente. Há consenso sobre anecessidade de mudança, mas não há consenso sobre as causas e também sobre aprofundidade das medidas a serem tomadas. Há resistências – ou interesses – muitofortes contra as mudanças, e elas são especialmente fortes no meio urbano. E maisainda nos países emergentes e periféricos.

Apenas para dar uma ideia de fatos que denunciam um estado de emergência, valea pena lembrar que uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE) em 2002 mostrou que aproximadamente 60% dos municípios brasileirosapresentavam assoreamento dos cursos d’água (70% com desmatamento das matasciliares e 56% com erosão e deslizamentos de encostas), 74% despejam esgotos do-mésticos nos cursos d’água, 63% apresentavam contaminação do solo por uso de agro-tóxicos, esgotos domésticos e chorume.

Utilizando um indicador menos sistêmico e isolado, porém paradigmático, podemoschegar à mesma conclusão sobre a urgência catastrófica da poluição da água em meiourbano. Pesquisas realizadas nos anos 90 trouxeram à tona uma evidência estarrece-dora. Se nos anos 60 constatou-se a presença de metais pesados na água conside-rada potável, submetida a tratamento, nos anos 90 constatou-se que o tratamentoconvencional não elimina a presença de poluentes fármacos, hormônios, disruptoresendócrinos, herbicidas, em águas que recebem efluentes de ETES3.

Há 40 anos, o Brasil consumia 5% dos agrotóxicos que os EUA consumiam. Em2009, o Brasil tornou-se o maior consumidor de agrotóxico do mundo, com óbvio im-pacto sobre as águas também no meio urbano, mas especialmente sobre a segurançaalimentar. Enquanto o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 94% entre 2000 e 2009,o brasileiro subiu 192%4. Foram negociados 1,06 milhão de toneladas de defensivos,segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola. Apenas13 empresas transnacionais são responsáveis por 90% dessa produção. No entanto,nunca a palavra sustentabilidade foi tão pronunciada e, não pouco frequentemente,alardeada exatamente por aqueles que mais a violentam. O desafio da FISENGE aodebater a cidade sustentável é o desafio do Brasil e do mundo de transformar um padrãosocial, econômico, cultural, político e ambiental insustentável.

____________

3 Esses estudos são geralmente de universidades públicas. Somente em 2005, as concessionárias de saneamentoforam obrigadas a avaliar outros parâmetros além dos sanitários, por Portaria da Fundação Nacional de Saúde(FUNASA), e deverão torná-los públicos conforme resolução da Agência Nacional de Águas (ANA). Ver a respeitoBUENO, L.M. A água no ambiente urbano. In BIOIKOS 51-55 Vol. 19, nºs 1 e 2 , jan/dez 2005.

4 Reportagem de Débora Prado. Revista Caros Amigos, de 17/09/2010

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

2 - no brasiL: a UrbaniZaÇÃo prÓpria do CapitaLisMo periFériCo:desigUaLdade soCiaL e predaÇÃo aMbientaL

De 1940 a 2010 a proporção da população brasileira vivendo nas cidades passoude 31% a 84%, com atuais cerca de 160 milhões de residentes urbanos. Pode-se dizerque foi um dos processos mais intensos de urbanização ocorridos no mundo duranteo século XX. Esse deslocamento gigantesco de população está relacionado à históricaconcentração da terra rural e ao fracasso da proposta de Reforma Agrária, uma daspropostas de Reforma de Base sustentada pelos movimentos sociais e sindicais noperíodo que antecedeu o Regime Militar que teve início em 1964.

Nas cidades para onde se dirigiram, esses migrantes tiveram um papel fundamentalcomo oferta de mão de obra barata para o processo de industrialização tardio baseadona chamada substituição de importação. Entre 1940 e 1980 o Brasil cresceu a taxassuperiores a 7% configurando um aparentemente bem sucedido salto de moderniza-ção. No entanto essa modernização se fez às expensas da força de trabalho barataque, ignorada pelas políticas públicas e excluída do mercado formal residencial capi-talista, foi obrigada a construir suas próprias moradias, e frequentemente seus própriosbairros, para resolver seu problema de assentamento nas cidades.

Um processo de urbanização baseado nos baixos salários – nas áreas industrializadas– e na relação informal, nas áreas de economia deprimidas é a chave explicativa para ci-dades e metrópoles produzidas, em grande parte, de forma ilegal pelas mãos de seusmoradores: sem observação de leis urbanísticas e edilícia, sem conhecimento técnico deengenheiros e arquitetos, sem financiamento público ou subsídios resultando em casase demais edifícios cuja construção se arrasta ao longo de muitos anos, marcados por am-bientes insalubres e áreas submetidas a riscos de diversas naturezas. Trata-se, ainda,desde o início da industrialização até os dias de hoje, de uma força de trabalho que nãoganha o suficiente para sua própria reprodução dentro da formalidade urbanística.

A ocupação de áreas inadequadas ou ambientalmente frágeis como APAS, APPs,mangues, dunas, encostas instáveis, pela população pobre – ou seja, a maior parte dapopulação – é apenas mais uma das consequências desse processo que tem no mercadoprivado especulativo e restritivo – orientado pelo produto de luxo – um agente central.

A escala da cidade ilegal no Brasil mostra que ela é mais regra que exceção. Nasmetrópoles situadas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, mais de 50% dos domi-cílios são ilegais (essa taxa se aplica também ao Rio de Janeiro). Em São Paulo, BeloHorizonte, Porto Alegre, Salvador, essa taxa está entre 33% e 25% dos domicílios. Atémesmo a “planejada” Curitiba apresenta números significativos se considerarmos suaRegião Metropolitana. O diagnóstico sobre as cidades não contraria o fato de que setrata de uma das sociedades mais desiguais do mundo. Até mesmo no contexto da

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América Latina, o Brasil é um campeão de desigualdade.

A ocupação desordenada da terra, a falta de controle sobre o uso e a ocupação dosolo, a especulação fundiária e imobiliária sem regulação (com a despudorada demons-tração de luxo e preconceito), a segregação urbana, o crescimento exponencial de fa-velas, os desastres decorrentes de desmoronamentos com mortes e até mesmo a altataxa de impermeabilização do solo causadora de enchentes constantes, são causasarticuladas de um processo que tem a valorização imobiliária no seu núcleo central.

Não faltam planos e nem leis para contrariar essa cidade partida e reorientar seusrumos. O planejamento urbano é bastante prestigiado nos meios técnicos e até mesmona grande mídia. Após 2005 teve lugar a produção de um número significativo de Pla-nos Diretores participativos formulados por 1.526 municípios brasileiros. As leis urba-nísticas no Brasil figuram entre as mais avançadas do mundo tendo à frente o Estatutoda Cidade aprovado no ano 2001 após muitas lutas dos movimentos sociais reunidosem torno do Movimento Nacional de Reforma Urbana.

Ao decidir debater o tema de Cidades Sustentáveis, a FISENGE se encontra diantede um grande desafio: como implementar políticas, planos e programas que rompamcom a injustiça urbana e com a predação ambiental que persiste apesar das conquistasinstitucionais obtidas nos últimos anos? Como vencer os obstáculos que se contrapõemàs propostas que ocupam um sem número de teses, agendas, planos, leis, tecnica-mente viáveis, socialmente necessários, mas politicamente travados? Esta é a questão.

3 - MUdanÇas no proCesso de UrbaniZaÇÃo. MetrÓpoLes e CidadesMédias. CoMo andaM a HabitaÇÃo e saneaMento

O Brasil tem apresentando mudanças acompanhadas de grande impacto territorialdecorrentes de sua inserção na economia globalizada na virada do século XXI. O pro-cesso de urbanização, historicamente concentrado nas faixas litorâneas, apresentamudanças. A partir de 1980 o IBGE evidencia a reorientação dos fluxos migratórios.As cidades do Norte e do Centro-Oeste passam a crescer a taxas mais altas e, alémdisto, as cidades de porte médio (entre 100 mil e 500 mil habitantes) crescem propor-cionalmente mais do que as metrópoles. Esse fenômeno, crescimento das cidades deporte médio, se dá tanto no que se refere à população quanto à economia. Enquantoa população das cidades grandes cresceu 1,43% e a das cidades pequenas 1,15% aoano, entre 2000 e 2007, as cidades de porte médio cresceram 2,06% no mesmo pe-ríodo. Quanto ao Produto Interno Bruto (PIB), as cidades de porte médio apresentaramcrescimento de 5,3% ao ano entre 2002 e 2006, ao mesmo tempo em que o cresci-mento do PIB nacional ficou aquém de 3,2% ao ano em média5.

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A região Sudeste perde peso relativo na economia brasileira. O indicador de Valorda Transformação Industrial (VTI) mostra que a importância da Região Metropolitanade São Paulo passou de 43,5% em 1970 para 22,0% em 2005. O VTI do estado deSão Paulo passou de 58,1% em 1970 para 44,0% em 2005. O VTI da região Sudestepassou, como um todo, de 80,7% em 1970 para 61,8% em 2005, perdendo importânciarelativa se comparado a todas as demais regiões do país6.

Entretanto, apesar das mudanças, trazidas especialmente pelo agronegócio ancoradona exportação de commodities, a concentração econômica e as desigualdades regionaispersistem acentuadamente. O mesmo vale quando olhamos para as cidades. Os dadosnão nos autorizam a negar a característica de concentração de pessoas e poder econô-mico nos grandes pólos configurados nas principais metrópoles e nelas uma desigualdademuito acentuada, como evidenciam estudos do Observatório das Metrópoles.

Como mostra a Tabela 1 abaixo, nas 15 metrópoles mais populosas em 2010 resi-diam cerca de 36% da população total do país, o equivalente a 69 milhões de habitan-tes, segundo dados do Censo de 20107.

Metrópoles brasileiras – população ibge/2010

Metrópoles

São Paulo

Rio de Janeiro

Belo Horizonte

Porto Alegre

Brasília

Curitiba

Salvador

Recife

Fortaleza

Campinas

Manaus

Goiânia

Belém

Vitória

Florianópolis

total metrópoles

Habitantes

19.672.582

11.602.070

4.882.977

3.960.068

3.716.996

3.168.980

3.353.704

3.688.428

3.525.564

2.798.477

2.021.722

2.091.335

2.040.843

1.685.384

877.706

69.086.836

____________

5 Motta, D.M. e Matta, D. Dinamismo das Cidades Médias Brasília: IPEA, 2010. Ver ainda 6 Campolina Diniz, Fórum Fiscal, Brasília 2008.7Ver sítio www.ibge.gov.br

Fonte: Observatório

das Metrópoles, 2004 e 2009.

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As duas maiores e mais importantes metrópoles localizam-se na região que conti-nua sendo a mais rica e dinâmica do país – o Sudeste – e, juntas, detêm pouco maisde 23% da população urbana total e mais de 45% da população das 15 regiões apre-sentadas na Tabela 1.

É preciso reconhecer que a urbanização no Brasil, contribuiu positivamente com aevolução de alguns indicadores ao longo do século XX e início do século XXI. Entreos exemplos destacam-se a diminuição da mortalidade infantil (de 150 mortes paracada mil nascidos vivos em 1940 para 23,3 em 2008), a melhoria da expectativa devida (de 40,7 anos de vida média em 1940 para 72,8 em 2008), a diminuição da taxade fertilidade8 (de 6,16 filhos por mulher em idade fértil em 1940 para 1,86 em 2008)e o aumento muito significativo da escolaridade da população (55,9% de analfabetosem 1940 para 10% em 2007).

Segundo relatório da UN-Habitat9, a América Latina e o Caribe constituem-se terra

da desigualdade: os coeficientes de Gini das zonas urbanas desta região estão entreos mais altos do mundo. No nível das cidades, as mais desiguais da região (Américase Caribe) incluem as brasileiras Goiânia, Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza e SãoPaulo, e a cidade colombiana de Bogotá – todas com coeficiente de Gini acima de0,60, o que é considerado um padrão extremamente alto em termos de comparaçãointernacional (regiões urbanas comparáveis da Índia apresentavam em 2005, cercade 0,37, por exemplo). Estes coeficientes de desigualdade estão muito próximos dosseguidos por outras cidades brasileiras como Rio de Janeiro e Curitiba, pouco abaixode 0,6. Segundo a mesma fonte, outras cidades latino-americanas como Buenos Aires,Santiago, Quito, Guatemala, México apresentavam coeficientes de Gini entre 0,50 e0,55 – melhor colocadas que as brasileiras.

O déficit habitacional estimado em 2007 corresponde a 6,3 milhões de domicílios,dos quais 5,2 milhões referem-se a regiões urbanas, de acordo com dados do Minis-tério das Cidades e Fundação João Pinheiro10. Quase 90% do déficit habitacional re-fere-se à população com rendimentos na faixa de zero a três salários mínimos.

A população moradora de favelas cresceu mais do que o conjunto da população ur-bana durante as décadas de 1980 e 1990. De acordo com o IBGE, 82% da população

____________

8 Portanto abaixo do nível mínimo de reposição da população, considerado de 2,1 filhos por mulher. No Sudesteesta taxa estava em torno de 1,62 filhos por mulher. Fonte: IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noti-cias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233 9 UN-HABITAT – United Nations Human Settlement Programme. State of the world’s cities 2008/2009. Harmoniouscities. London: Earthscan: IIED, 2008.10 4 Brasil. Ministério das Cidades. Déficit habitacional no Brasil 2007. Em: http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/biblioteca/publicacoes-e-artigos/DeficitHabitacional.zip/view

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

brasileira moradora de favelas (habitações subnormais) estavam nessas 11 metrópolesque concentram também 33% do déficit habitacional ou o equivalente a 2.192.296 uni-dades. Mais da metade dos moradores de favelas estão nas metrópoles de São Pauloe Rio de Janeiro o que afirma esse padrão de crescimento, modernização, concentraçãode poder e riqueza e a manutenção de relações atrasadas e pobreza.

Apesar da ampliação do acesso à água tratada, 5% da população urbana e 18,8%da população brasileira não fazem parte desse quadro, o que soma 37,6 milhões depessoas, que corresponde a dez países do tamanho do Uruguai11.

Na área de esgotamento sanitário a situação é desesperadora, pois coletamos 52%dos esgotos produzidos na área urbana e tratamos apenas 65%. Significa dizer que96 milhões de brasileiros não são atendidos com sistema de esgotamento sanitário econtribuem para o quadro dantesco de poluição hídrica.

Com base na totalidade dos esgotos gerados pela população brasileira, o índicede tratamento é de apenas 35%, ou seja, 65% dos esgotos produzidos, sem trata-mento, contribuem, de maneira decisiva, para a poluição dos rios e mares transfor-mando-se em um dos principais veículos de transmissão de doenças, ampliando aproliferação de vetores e de reservatórios de doenças infecto-contagiosas.

A coleta domiciliar de lixo está marcada por um padrão questionável, como evi-dencia o abandono dos bairros pobres, e o destino final dos resíduos constitui omaior problema.

A drenagem e macrodrenagem urbanas constituem um capítulo à parte que requeratenção dos profissionais de engenharia. As soluções ainda preconizadas na maioriadas obras, mais agravam o problema ao invés de resolvê-los. Tamponamento de cór-regos para a construção de avenidas em fundos de vales, marginais nas áreas lindeirasde rios e córregos são modelos seguidos em todo o Brasil, durante décadas, que con-tribuíram para a impermeabilização da superfície urbana e ocorrência tão frequentede enchentes. Após décadas de erros que apressaram o fluxo das águas pluviais paraas calhas urbanas, trata-se de retardá-lo e outra solução paliativa ganha status de mo-delos que são disseminados de uma cidade para outra – “os piscinões” – contribuindopara a felicidade de um certo empresariado que oferece soluções rápidas aos gover-nantes de plantão. Enquanto isso, o padrão de ocupação do solo permanece inalteradoe a impermeabilização avança guiada especialmente pela matriz rodoviarista ou peloimpério do automóvel. Este merece um destaque neste documento.

____________

11 Brasil. Ministério das Cidades. Diagnóstico dos serviços de água e esgoto. Secretaria Nacional de SaneamentoAmbiental do Ministério das Cidades / SNIS. Brasília, 2008. Disponível em: http://www.snis.gov.br/

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4 - o aUtoMÓVeL reina soberano. o transporte CoLetiVo CaMinHapara a rUÍna

De todos os fatores que contribuem para a piora na condição de vida das metró-poles, o modelo de mobilidade baseado na matriz rodoviarista, especialmente no au-tomóvel, e o relativo desprezo pelo transporte coletivo são, talvez, os de maior impacto.Em 2008, o Brasil produziu aproximadamente 2,8 milhões de automóveis de passa-geiros e comerciais leves. Estima-se que em 2010 a produção tenha sido de aproxi-madamente 2,9 milhões e, em 2015, será de 3,9 milhões, a maior parte dos quais ficano país, que por sua vez, segundo estimativas, será o terceiro mercado mundial con-sumidor de automóveis até o fim da década12. O produto das indústrias automobilísticasequivaleu a 13% do PIB em 1999 e 19,8% do PIB dez anos depois, em 2009.

Em 2008 a indústria automobilística mundial produziu 66 milhões de unidades eem 2015 estima-se que vá produzir 82 milhões. As indústrias automobilísticas estãose voltando para os países “emergentes” para onde tem sido orientada a produção eo consumo dos veículos e não apenas em busca da mão de obra barata.

O automóvel é o fator urbano de maior impacto no aquecimento global, idem na qua-lidade do ar nas cidades, induz a ocupação espraiada do solo, é um dos maiores res-ponsáveis pela impermeabilização do solo (causa principal de enchentes), atua comooposição ao transporte coletivo de massa, ao pedestre e à mobilidade baseada em veí-culos não motorizados, além de ser uma das maiores causas de mortes ou incapacitaçãopara o trabalho devido ao número de acidentes que em 2005 totalizaram 35.753 óbitose 123.061 internações a um custo de R$ 118 milhões (SUS – Ministério da Saúde).

Em dez metrópoles brasileiras 38,1% das viagens são feitas a pé13. No entanto, oautomóvel continua sendo um dos itens de maior investimento por parte das prefeiturase governos estaduais, tendência orientada pela visibilidade das obras e compromissosde financiamento de campanhas eleitorais. Comparado ao transporte coletivo os au-tomóveis são responsáveis por 83% dos acidentes e 76% da poluição. O custo dashoras de trabalhadores parados em trânsito congestionado pode atingir 10% do PIBde uma metrópole, como comprovou pesquisa desenvolvida em 2008, pela FundaçãoGetúlio Vargas para a cidade de São Paulo.

Dados da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) mostram que autos,motos e táxis recebem de R$ 10,7 a R$ 24,3 bilhões/ano de subsídios (86%), enquantoo transporte público recebe R$ 2,0 a R$ 3,9 bilhões (14%)14.

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12 Segundo a PricewaterhouseCoopers, 2010.13 Fonte ANTP, elaboração IPEA. Revista Desenvolvimento. IPEA, ago 2009.14 AFFONSO, N.S. Automóveis e sustentabilidade. Revista Desenvolvimento. IPEA ago 2009 .

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

Durante a crise global de 2008 a indústria automobilística recebeu subsídios públi-cos em vários países do mundo, incluindo o Brasil. No entanto, em que pesem os nú-meros inéditos de venda de automóveis entre nós, os recursos investidos pelasmontadoras no país ficaram aquém da remessa de lucros que estas enviaram ao ex-terior: entre 2008 e 2010 as empresas automotivas enviaram, entre remessas de lucrose dividendos, US$ 12,4 bilhões diante de investimentos externos de US$ 3,6 bilhões15.

5 - o iMpaCto das poLÍtiCas neoLiberais no aproFUndaMento da tra-gédia Urbana brasiLeira e a retoMada do desenVoLViMentisMo

O ideário neoliberal que acompanhou a reestruturação produtiva do capita-lismo deixou uma herança nas cidades dos países emergentes ou não desenvolvidosdo mundo capitalista que serão necessários muitos anos de investimentos, caso elesaconteçam, para neutralizar seu impacto. A queda do crescimento econômico, o de-semprego, o aprofundamento da informalidade, o aumento da violência, o aumento decrianças abandonadas, o aumento dos moradores (e até de famílias) nas ruas, o cres-cimento das favelas, mas especialmente o recuo das políticas públicas e sociais emcontexto de significativo crescimento urbano, como verificado na América Latina, mar-caram as duas últimas décadas do século XX e início do século XXI16.

Se a reestruturação produtiva com a precarização do trabalho e fim do Wel-fare State significou ampliação da desigualdade nas cidades dos países centrais, entrenós, que nunca conhecemos a universalização de direitos como a previdência social,o impacto foi mais profundo.

O que havia de acúmulo de capacidade técnica e administrativa no aparelhode Estado – que não era muita – foi desconstruída especialmente a partir do governode Collor de Mello. Isso se deu especialmente na habitação, no saneamento e nostransportes urbanos17. As propostas de desregulamentação ou privatizações eviden-temente constituíram-se em fracassos nos casos das políticas sociais.

Embora a partir de 2003 o Brasil passe a apresentar políticas públicas voltadaspara a distribuição de renda, como foi o caso da Bolsa Família ou aumento real do sa-lário mínimo, foi somente a partir de 2006 que se verifica uma clara agenda desenvol-

____________

15 Ver de SARTI, F. e HIRATUKA, C. Gasto público, lucro privado. In Revista Carta Capital. 16/fev.2011.16 Ver a respeito: um quadro internacional em DAVIS, M. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo. 2006. Para oBrasil, ver dados sobre a piora nas condições de vida urbana, MARICATO, E. O impasse da política urbana.Petrópolis: Vozes, no prelo.

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vimentista em oposição à agenda neoliberal. Em maio de 2007 é lançado o primeiroPlano de Aceleração do Crescimento (PAC) com previsão de investimentos de R$503,9 bilhões em logística (rodovias, ferrovias, portos, hidrovias, aeroportos), energia(geração, transmissão, combustíveis renováveis, petróleo e gás natural), sociais e ur-banos (luz para todos, habitação, saneamento e recursos hídricos).

O PAC rompia com a regra de fogo do ajuste fiscal antes determinado pelo FundoMonetário Internacional (FMI) de contabilizar no superávit primário as despesas comessas obras. Esse artifício permitiu que o Estado brasileiro retomasse o investimentoem obras de infraestrutura econômica e social o qual estava praticamente abandonadohá quase três décadas. Ainda na agenda para as cidades, em 2009 o governo federallança o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida.

Ao mesmo tempo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES) avança decisivamente no financiamento de investimentos industriais e na in-fraestrutura. Em 2004 a participação do BNDES nesses investimentos era de 19%; em2009 chegou a quase 40% totalizando R$ 137,4 bilhões. Essa orientação permitiu aconcentração de capitais em torno de algumas empresas – ou fusões de empresas –que passaram a figurar entre os maiores conglomerados transnacionais do planeta. OBNDES e, portanto, o Estado brasileiro tornou-se sócio do Bradesco, Brasken, BrasilFoods (fusão da Sadia com a Perdigão), Coteminas, Companhia Siderúrgica Nacional(CSN), Embraer, Gerdau, Itaú, JBS, Klabin, Marfrig e Vale.

O crescimento econômico, com impacto sobre o crescimento do emprego, e as po-líticas públicas distributivas contribuíram para mudar o quadro da distribuição da rendano Brasil, durante os governos do presidente Lula. A Segundo a Relação Anual de In-formações Sociais (RAIS), foram gerados 1,77 milhões de empregos apenas em 200918.

Considerando os rendimentos do trabalho, aumento do emprego, ganhos da pre-vidência (que, ao contrário do que quer a agenda neoliberal, não são regressivos) e apolítica assistencial, entre 2001 e 2008, o número de pobres no Brasil caiu de 57milhões para menos de 30 milhões de pessoas19. Quanto ao número de indigentes oupobreza extrema, o número é mais efetivo e caiu de 36 milhões de indivíduos para 12milhões ou 3,6 milhões de famílias, no mesmo período. Isso significa que a proporçãode indigentes que era no começo do período 19,2% da população, cai para 6,5%20.

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17 Ver a respeito: MARICATO, E. Metrópoles desgovernadas. Revista IEA. São Paulo/USP, abril 2011.18 http://blog.planalto.gov.br/brasil-gera-17-milhao-de-empregos-no-ano-da-crise-economica-mundial/19 Conceito de pobreza utilizado nessa medição: US$ 2,5 por dia per capita.20 Fonte: PNAD/IBGE com dados manejados por Lena Lavinas, 2010.

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

O salário mínimo teve reajuste nominal de 155% e aumento real de 73% (acimada taxa de inflação calculada pelo INPC/IBGE) de janeiro de 2003 a março de 201021.Em dezembro de 2008, o Bolsa-Família chegava a 11.353.445 famílias com recursosno valor de R$ 10,9 bilhões22. Outros programas também ajudaram a irrigar recursospara as camadas mais pobres da sociedade: Luz para Todos, Pro-UNI, Crédito Con-signado, PRONAF, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), entre outros.

Apesar desses números, que podem ser atribuídos tanto a iniciativas internasquanto (especialmente o crescimento econômico) à expansão capitalista que privile-giou os chamados países emergentes, a distribuição de renda no Brasil continua aapresentar índices inaceitáveis. O Coeficiente Gini, indicador universal aprovado pelaOrganização das Nações Unidas (ONU), que mede a desigualdade social, passou de0,587 em 2002 para 0,539 em 200923.

Apesar da queda da taxa de juros nos anos do governo Lula, o Brasil mantém ataxa mais alta do mundo com impacto decisivo sobre os gastos federais. O estudo doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) “Distribuição funcional da renda noBrasil: situação recente” baseado na PNAD/IBGE revela que de 2000 a 2007 o Brasilgastou com os serviços da dívida mais do que o dobro do que gastou com educação,saúde e investimentos, de um modo geral. Sete por cento do PIB são comprometidoscom juros da dívida, um verdadeiro ralo de recursos públicos transferidos como rendade propriedades24. Essa constatação envolve uma clara disputa que está presente nasociedade brasileira há muitos anos e ainda permanece viva em 2011. De um ladoestão os representantes do capital financeiro e dos veículos de comunicação ligadosao mainstream, repetindo ad nauseam, como um mantra, a necessidade de aumentodos juros e de cortes dos gastos públicos por meio da diminuição do aparelho de Es-tado e das políticas sociais. De outro, há a constatação de que o Estado brasileironão é o apregoado elefante superdimensionado, de que a taxa de juros pode seroutra, e os investimentos em educação e saúde, entre outras políticas sociais, preci-sam ser ampliados25.

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21 Informações extraídas de BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Destaques:ações e programas do Governo Federal / Secretaria de Comunicação Social – Brasília, 2010.22 Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.23 Dados extraídos de Apresentação de Jorge Abrahão de Castro na 1º Conferência Nacional de Políticas Públicas– UFRN e USP, em Natal, nov. de 201024 er a respeito entrevista de Marcio Pochmann para o jornal Brasil de Fato. 20 a 26 nov. 2008. 25 Ver a respeito da possível e necessária diminuição da taxa de juros os artigos de Amir Khair no jornal O Estadode São Paulo, entre janeiro e abril de 2011.

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Além do mais, condições estratégicas que mantém a desigualdade social e eco-nômica não foram tocadas. Para citar apenas duas, o lucro dos bancos nesse períodoaumentou (420% em relação à era FHC) atingindo recordes no ano de 2010, e a ques-tão da terra ficou intocada, no campo ou na cidade.

A queda no desemprego e a distribuição de renda contribuem para a melhoria davida urbana embora, como veremos adiante, não é suficiente. Nas cidades lidamoscom uma variável que é o território. Sem tocar na questão fundiária, o direito à cidadefica travado como veremos adiante.

6 - o prograMa de aCeLeraÇÃo do CresCiMento (paC), o prograMaMinHa Casa, MinHa Vida (MCMV) e o pLano diretor partiCipatiVo: UMaagenda para as Cidades?

A análise do conjunto de obras que compõem o PAC mostra que ele não inova noque se refere a uma nova atitude em relação à questão ambiental, especialmente noque se refere à energia. De fato várias mega obras relacionadas à infraestrutura eco-nômica foram resgatadas da antiga orientação seguida pelo Regime Militar, contra-riando a necessidade de repensar um plano inovador orientado por uma nova atitude– sustentável – de planejamento de Estado. Na área do saneamento ambiental, con-quistas da primeira equipe que ocupou a Secretaria Nacional do Saneamento Ambien-tal do Ministério das Cidades foram perdidas e obras insustentáveis – como otamponamento de córregos e impermeabilização de calhas de vales – tiveram finan-ciamentos retomados, repetindo erros dos anos da ditadura.

O mesmo felizmente não se pode dizer das obras do PAC de habitação. Elas cons-tituíram uma inovação como prática do governo federal.

O PAC-Habitação priorizou a urbanização de áreas precárias investindo na cons-trução de bairros saneados sem a remoção da maior parte da ocupação já consolidada.Pela primeira vez na história do país, as chamadas obras de urbanização de favelasatingem uma importância e escala sem precedentes. Esse programa dialoga com acidade real, com o passivo urbano, com a cidade informal repassando recursos paraprefeitos recuperarem bairros inteiros, verdadeiros focos de epidemias e insalubridade.

O Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) não seguiria essa lógica. Dialogandofortemente com o setor empresarial do mercado residencial (incorporadores e cons-trutores), carreando recursos financeiros inéditos – oriundos do FGTS, do SBPE e sub-sídios orçamentários – mas deixando intocada a base fundiária, o MCMV contribui pararepetir erros e falhas verificados durante o período de vigência do Banco Nacional daHabitação (BNH) e do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

O impacto dos recursos financeiros na base fundiária e imobiliária, deixada intocadapelos governos locais, isto é, sem controle ou regulação, causou um súbito aumentodo preço da terra e dos imóveis em todas as principais cidades brasileiras após seulançamento em 2009 e 2010. Nos municípios periféricos do Rio de Janeiro e de SãoPaulo o preço do metro quadrado aumentou mais de 50% em (2) dois anos, enquantoque o imóvel usado aumentou mais de 30%. Um movimento fortemente especulativoreafirma a tendência socialmente excludente das cidades brasileiras embora os recur-sos drenados para o mercado tenham o efeito de permitir sua ampliação, isto é, nota-se a inserção de uma classe média que até então, apesar de constituir força detrabalho regularmente empregada, como policiais militares, professores secundários,bancários, se encontrava fora do mercado26.

Os mais pobres, que compõem 90% do déficit habitacional, continuam a ocupar,quase como regra, conjuntos habitacionais situados fora da cidade acarretando maisproblemas do que soluções para o mercado de terras, para o transporte urbano, parao isolamento social dessas famílias, acarretando o desenvolvimento de patologias,como já mostrou vasta bibliografia.

De acordo com a Constituição Federal de 1988 e com a lei federal Estatuto da Ci-dade de 2001, caberia principalmente às prefeituras municipais o controle sobre a es-peculação fundiária e imobiliária, assegurando a função social da propriedade e dacidade por meio do Plano Diretor. Entretanto, apesar da Campanha do Plano DiretorParticipativo desenvolvida pelo Ministério das Cidades a partir de 2005 ter asseguradoa elaboração de 1.526 Planos Diretores por municípios brasileiros, sua eficácia temse revelado sofrível27.

Mais do que lei ou plano, a correlação de forças sociais é que pode assegurar aaplicação da função social da propriedade, um limitante ao direito de propriedade quecontraria a história do país, onde patrimônio sempre esteve ligado ao poder político,econômico e social. O planejamento urbano ou as peças de Planos Diretores têm sidobastante prestigiadas entre nós, seja pela mídia, seja pelos profissionais, seja pelaacademia, e seja até, ultimamente, por lideranças populares formadas em “cursos decapacitação”. Mas, como destaca uma razoável, porém ignorada, bibliografia com des-

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26 Impacto nos preços dos imóveis, conforme pesquisas realizadas pela autora. Conforme anúncio, o MCMV 2pretende destinar 1,2 milhão, dos 2 milhões de unidades a serem financiadas, para as faixas de renda situadasabaixo ou igual a três s.m. O preço da terra constituirá um grande obstáculo para a boa localização dessasunidades caso elas sejam, de fato, construídas. 27 Ver a respeito: SANTOS Jr, O. e MONTANDON, T. Os planos diretores municipais pós Estatuto da Cidade:balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital/Ministério das Cidades, 2011.

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taque para os escritos do professor Flavio Villaça, no Brasil, o papel dos PDs têm sidomais ideológicos do que efetivos28. Frequentemente eles desviam a atenção dos reaisinteresses que orientam o crescimento urbano com exclusão social, confinando o de-bate a instrumentos jurídicos ou medidas burocráticas.

É preciso desmistificar a importância real que os Planos Diretores têm tido no destinodas cidades brasileiras, especialmente no nível dos poderes municipal e metropolitano,retomar o debate crítico sobre os programas dispersos e insuficientes do governo fe-deral para então reorientar a construção social de uma política urbana sustentável.

7 - o MoViMento soCiaL de reForMa Urbana, as ConQUistas institUCionais, a aMpLiaÇÃo da partiCipaÇÃo e o iMpasse atUaL

A proposta de Reforma Urbana foi formulada no ano de 1963 em consonância comoutras propostas de Reformas – Agrária, da Educação, da Saúde, Política, Adminis-trativa – que ocupavam as forças vivas e organizadas da sociedade brasileira. A Amé-rica Latina passava por uma conjuntura especial e buscava sua emancipação políticapara fugir ao poder do império. Sabemos pelo que aconteceu em 1964 qual foi o des-fecho histórico e o que aconteceu com as forças que se encontravam em disputa pordiferentes modelos de sociedade.

Durante a luta contra a ditadura militar, pela retomada de um Estado de Direito, aproposta de Reforma Urbana foi resgatada mantendo em seu núcleo central a questãofundiária urbana. Nas décadas que se seguiram aos anos 60 o país passou a ser pre-dominantemente urbano e os problemas acarretados por um processo de urbanizaçãoveloz e predatório ganharam dimensões cada vez maiores. O movimento social quefoi organizado em torno da proposta de Reforma Urbana reuniu uma gama importantede lideranças composta de uma diversidade expressiva de agentes políticos. Lideran-ças sociais, sindicais, profissionais (arquitetos, engenheiros, sanitaristas, advogados,assistentes sociais etc.) além de pesquisadores, acadêmicos, parlamentares, ONGs,até prefeitos ou integrantes do Executivo. Esse movimento social ganhou represen-tantes nas câmaras municipais, no Congresso Nacional, nas prefeituras municipaiscom a eleição de militantes ligados a ele.

Nas prefeituras, ainda na vigência do Regime Militar, nos anos 80, tem início novaspráticas de governo nas cidades que incorporavam a participação social como o orça-mento participativo e os conselhos locais e setoriais. A orientação de inclusão social

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28 Ver especialmente de VILLAÇA, F. As ilusões do Plano Diretor. http://www.flaviovillaca.arq.br/pdf/ilusao_pd.pdf

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

no território levou a novas atitudes, como as obras de urbanização e saneamento emfavelas e as tentativas de regularização fundiária. Novos sujeitos sociais se formaramnesse processo que acompanhou a democratização do país.

A lista de conquistas do movimento de Reforma Urbana é respeitável e tem iníciocom a Constituição Federal (CF) de 1988, que incorpora dois artigos sobre o tema dascidades. O Estatuto da Cidade, lei federal de 2001, que regulamenta os capítulos da CF,registra a proeza de limitar o direito de propriedade individual e subordiná-lo à sua funçãosocial prevista na Constituição. Em 2003 foi criado o Ministério das Cidades e com eleas Conferências Nacionais das Cidades e o Conselho das Cidades. Em 2005 foi apro-vada uma lei federal que regulamenta os Consórcios Públicos. Em 2007 foi aprovada leifederal que constitui o novo marco regulatório do saneamento básico. Essa última leipôs fim a um período de quase duas décadas de vazio institucional na área do sanea-mento, quando forças pró e contra a privatização se enfrentaram nos bastidores das dis-putas entre interesses públicos e privados. Ganha importância nesse quadro o papel daFrente Nacional do Saneamento à qual deve ser creditada a defesa do caráter públicodo saneamento no Brasil. Em 2010 foi aprovada a lei federal de Resíduos sólidos.

A retomada dos investimentos em habitação e saneamento teve início em 2003 e2004, porém foi com o PAC e o MCMV, que a escala ganhou mais expressão tendoem vista a orientação desenvolvimentista.

Enquanto se processa um movimento de retomada dos investimentos e a amplia-ção dos espaços de participação em um grande número de Conselhos setoriais –Saúde, Criança e Adolescente, Educação, Habitação, Cidade, entre muitos – o movi-mento ligado à Reforma Urbana parece ter perdido a antiga unidade, independência,força e ofensividade.

Como já foi afirmado, mais do que planos ou leis, o que parece orientar o cresci-mento das cidades são as obras esparsas de infraestrutura definidas por empreiteirasem consonância com os governantes de plantão, a especulação imobiliária que, cominvestimentos públicos, abre novas frentes de expansão condenando parte das cidadesà deterioração, com especial destaque para a matriz rodoviarista. O que temos sãoobras sem planos e planos sem obras. O Plano/discurso, expressão cunhada por FlávioVillaça, é menos efetivo na indução do rumo tomado pelas cidades do que as obras es-porádicas de infraestrutura ou do que a influência exercida pelo capital imobiliário.

Nos anos muito recentes registra-se uma sensível tendência de queda da taxa depobreza em algumas metrópoles. A taxa de pobreza que era em abril de 2004 de 42,7%do total da população para as seis principais regiões metropolitanas (São Paulo, Riode Janeiro, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre) caiu para 30,7% em marçode 2009. Isso significa que uma quantidade significativa de pobres reduziu-se no período

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– fenômeno que não ocorria há décadas29. Mas para a conquista de cidades justas, oupara a conquista do direito à cidade, não basta a distribuição da renda como vimos, es-pecialmente num contexto de aumento exagerado no preço dos imóveis – terrenos eimóveis edificados – promovido pela disponibilidade de recursos para o financiamentoresidencial. Cabe reconhecer que com o programa Minha Casa Minha Vida há uma ten-dência para a ampliação do mercado especialmente em direção à classe média e médiabaixa (entre cinco e dez s.m. aproximadamente). Entretanto, necessário frisar tambémque o mesmo programa gera outros impactos e tende a não ser capaz de reverter a es-trutura de exclusão social e urbana marcada pelo espraiamento na ocupação do solo epela localização dos pobres em periferias distantes das áreas urbanas consolidadas. Aescala das unidades destinadas à baixa renda – 90% do déficit está concentrado nessasfaixas de renda – também não permite constatar aí um impacto significativo.

8 - sobre a ForMaÇÃo do engenHeiro

Muito já se escreveu sobre a necessidade da formação do engenheiro superar amera repetição de técnicas e fórmulas para alcançar o estágio criativo e crítico que acontextualização histórica e social exige num país como o nosso30.

Autores que estudaram a sociedade brasileira como Sergio Buarque de Holanda,Florestan Fernandes, Celso Furtado, Roberto Schwarz, Mario Schenberg, entre outros,chamaram a atenção para o prestígio obsessivo das ideias que vêm do exterior e odesprestígio daquilo que se desenvolve originalmente no país. Essa tradição de domi-nação cultural, intelectual, científica e tecnológica dificulta o acúmulo de conhecimentoe a solução de problemas locais. Doenças tropicais, como a de Chagas, ainda esperama cura ao mesmo tempo em que nossas universidades buscam parcerias com pesqui-sadores e temas que interessam, no mais das vezes, aos países desenvolvidos quandonão aos conglomerados transnacionais31. Nossas cidades repetem “soluções”, inspi-radas no capitalismo central, que são um verdadeiro conjunto de “ideias fora do lugar”.A maior parte dos estudos realizados fora do país e financiados com recursos públicos,

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29 Pochmann, M. Pobreza e crise econômica: o que há de novo no Brasil metropolitano. Nota Técnica. IPEA. Riode Janeiro, 2009. Em: http://www.observatoriodorecife.org.br/site/wpcontent/uploads/Ipea_Pobreza%20e%20Crise%20Economica_2009.pdf30 Ver a respeito: SANTOS, A. V. de “A percepção de nossos engenheiros: questões impertinentes e o campoCTS. Publicado pelo SENGE - BA em 27 de janeiro de 2009.31 Ver a respeito: A tragédia das doenças esquecidas. In Revista Problemas Brasileiros, nov/dez. 2009.

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

se dá em países do capitalismo central.32 Apenas recentemente, seguindo esforço dadiplomacia brasileira, é que poucos pesquisadores começam a dar prioridade às par-cerias entre os chamados países do sul, como é o caso do comitê Índia/Brasil, Áfricado Sul (IBSA).

Florestan Fernandes lembrou que as escolas profissionais – direito, engenhariae medicina – foram criadas, no Brasil, no século XIX ou começo do século XX, con-traditoriamente, sem um sentido prático. Elas eram dirigidas aos filhos de uma eliteque não precisava do saber prático ou do mérito para abrir seu caminho no mundo.Os alunos já eram “doutores” por conta da origem social. Uma certa alienação doensino em relação à realidade social, territorial e ambiental tornou-o abstrato e com-plexo enquanto que problemas simples nunca tiveram a centralidade adequada. NoBrasil discutem-se normas que frequentemente carregam excesso de detalhes (videCódigos Municipais de Obras e Edificações ou leis de zoneamento) ao mesmo tempoem que uma parte significativa e esquecida das cidades não segue norma nenhuma.O saber livresco, o saber dos gabinetes, é mais notável na área do direito, mas tam-bém está presente nas demais áreas e tem marcado muito o desenvolvimento doconhecimento nas universidades.

Nas últimas duas ou três décadas o desenvolvimento tecnológico se destacou, noBrasil, em áreas específicas da engenharia, agronomia, geologia, a ponto de competirem escala global. A produção de grãos, carnes, celulose, etanol, aviões, ganhou altaprodutividade. Todo o conhecimento envolvido na prospecção e agora na exploraçãodo petróleo do Pré Sal foi desenvolvido no país, o que não deixa de constituir uma no-vidade histórica. No entanto, como já foi destacado, o saneamento ambiental constituiuma tragédia marcada até por epidemias com mortes por motivos banais. Os contras-tes são profundos.

Essa realidade exige a hierarquização dos problemas nacionais que leve em contao peso social dos mesmos e reoriente o ensino de engenharia para um desenvolvi-mento científico e tecnológico mais engajado na realidade brasileira. Ao invés do en-gate passivo no capitalismo globalizado, o país deve ser pensado a partir de umaproposta de desenvolvimento sustentável como sugere documento da FISENGE. A es-colha da Amazônia para a realização do Congresso não se dá por acaso já que essaregião ocupa um lugar estratégico tanto nacional como internacionalmente.

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32 Apenas recentemente parte dos pesquisadores, seguindo o esforço da diplomacia brasileira, se voltam paraparcerias entre os chamados países do sul que apresentam condição urbana semelhante. É o caso do esforçoque tenta consolidar o MERCOSUL ou os laços latino-americanos. É o caso também do Comitê Índia, Brasil,África do Sul (IBSA).

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9 - desaFios, diFiCULdades e perspeCtiVas

Há uma quase unanimidade entre urbanistas do mundo todo ao contrapor e defen-der a “cidade compacta com diversidade de usos” em oposição à cidade dispersa comespecialização de usos.

Uso misto e mais denso do solo (contrapondo-se aos subúrbios dispersos e condo-mínios extensivos e fechados), desenvolvimento da economia local e defesa do pe-queno comércio, implantação de centros de bairros com oferta de serviços públicos,comunidades com sentido de vizinhança, propiciam viagens curtas que podem ser feitasa pé para acessar a padaria, a lavanderia, o chaveiro, a farmácia, o cabeleireiro... Apegada ecológica é menor (além de propiciar também maior segurança pública comojá demonstrou certa bibliografia a começar pelo clássico livro de Jane Jacobs, Morte e

vida das grandes cidades). Outros princípios devem ser lembrados como novas formasde tratamento de esgoto e de gestão de resíduos sólidos, novas formas de geração emanejo de energia, respeito à drenagem natural, gestão integrada da água, e, final-mente, as políticas baseadas nos 3R’s (Reduzir, Reusar e Reciclar). Entretanto, a refe-rência aqui é de um modelo abstrato, que até foi implementado em algumas cidadesdo capitalismo central, mas que está muito distante da realidade dos países periféricos.

Aqui encontramos cidades excessivamente impermeabilizadas, (certos bairros ocu-pados de forma muito adensada apresentando riscos de diversas naturezas), comgrande acúmulo de problemas sociais e ambientais que exigem mitigação ou adapta-ção urgentes. Há um imenso passivo a ser enfrentado. Não cabe desenvolver cadacaso, mas ao menos lembrar que deve-se correlacionar as políticas urbana, sanitária,agrícola e ambiental no espaço periurbano e integrá-las com a habitacional e de trans-porte no espaço intraurbano. Esse processo é de maior impacto socioambiental nasáreas metropolitanas. Por isso, lembremos de diferenciar como essa crise se expressanas metrópoles e nas pequenas e médias cidades.

Por outro lado, as competências para o desenvolvimento urbano, previstas na Cons-tituição Federal, exigem um Pacto Federativo que reúna esforços (incluindo planos,ações e investimentos) dos três níveis de governo, do Legislativo, do Judiciário, do setorprivado e da sociedade civil. Nada mais difícil se levarmos em consideração a culturade competição, descontinuidade e o desprezo pela implementação de planos entre nós.Elaborar planos resulta inútil se eles não são implementados para o conjunto da cidade.

A FISENGE pode e deve afirmar uma agenda política para cidades sustentáveis,mas ela será mais um documento cheio de boas intenções, como tantos outros, senão for acompanhado de uma perspectiva crítica que aponte o que impede a imple-mentação dessa agenda.

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

Afirmar mais uma vez, a necessidade da prioridade do transporte coletivo ouda universalização do saneamento básico não vai mudar a realidade, enquanto or-çamentos públicos, em diversos níveis, priorizam investimentos para a circulaçãode automóveis.

No Brasil temos instrumentos legais importantes para planejamento e gestão dacidade sustentável.

• os planos diretores municipais participativos, que visam a implantação da funçãosocial da cidade e da propriedade;

• os planos locais de saneamento, conforme a lei federal 11.445 de janeiro de 2007,que institui as diretrizes nacionais do saneamento básico, regulamentada pelo De-creto 7.217 de 21 de junho de 2010;

• Os planos de resíduos sólidos conforme lei federal 12.305 de 02/08/2010;

• a política ambiental e de recursos hídricos, baseada em conselhos e comitês comparticipação e controle social;

• o acesso aos recursos federais para financiamento de obras de infraestru-tura, saneamento e habitação a partir da existência dos planos e de projetosde qualidade;

• está em discussão o Plano Nacional para enfrentamento das mudanças cli-máticas.

Se as leis fossem aplicadas e os planos cumpridos muitos dos problemas poderiamser amenizados.

Lembremos ainda que as Conferências Nacionais das Cidades (2003, 2005, 2007,2010) e o Conselho das Cidades do Ministério das Cidades já registraram um grandenúmero de propostas visando orientar políticas urbanas, metropolitanas, e as políticassetoriais de transporte e mobilidade urbanos, saneamento ambiental, habitação – estetema foi tratado inclusive em um plano nacional, o Plano Nacional de Habitação (PLA-NHAB) – e os programas especiais para as cidades que tratam dos Planos Diretores,Reabilitação de Áreas Centrais Urbanas e, o que é muito importante, um Programapara Áreas de Risco.

Portanto, o que parece faltar é uma iniciativa independente da sociedade civil parareafirmar o que é prioritário e denunciar o que está travando – onde e como – a ne-cessária mudança de rumo para as cidades.

Do ponto de vista estritamente territorial, considerando a conflituosa realidade ur-bana brasileira, antes de mais nada é preciso retomar a centralidade da questão fun-

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diária e afirmar o controle do Estado sobre o uso e a ocupação do solo sem o que nãohá futuro para cidades que crescem, em parte, desgovernada, orientada por um mer-cado imobiliário formal especulativo e excludente e na outra parte, também desgover-nada, construída pelos próprios moradores livre de qualquer plano ou norma jurídica.Trata-se da “cidade partida”, ou fraturada ou segregada ou simplesmente desigual.

Portanto, Justiça urbana e sustentabilidade ambiental exigem a aplicação da FUN-ÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA CIDADE, PREVISTA NA CONSTITUIÇÃOBRASILEIRA E NO ESTATUTO DA CIDADE. Como sua aplicação se faz por meio doPlano Diretor Municipal, como reza o Estatuto da Cidade, é necessário romper coma cultura do plano/discurso para implementar efetivamente os Planos Diretores, desdeque efetivamente comprometidos com esse rumo de justiça ambiental.

Não há qualquer alternativa técnica ou jurídica que garanta esse caminho, massimplesmente a correlação de forças dada pela luta social (daí a importância da FI-SENGE retomar esse debate e dar o exemplo para outras entidades sociais e sindi-cais). Esse embate se dá na arena política municipal ou metropolitana, mas umaproposta clara definida nacionalmente é fundamental.

Portanto, em escala federal se faz necessário a formulação da Política Nacional deDesenvolvimento Urbano e da Política Nacional para Regiões Metropolitanas, que orientea articulação dos esforços nacionais em todas as escalas incluindo Estado e sociedade.Mas não se pode aceitar a ausência de municípios e governos estaduais em relação àpolítica urbana. Para tanto o Ministério das Cidades não pode ser instrumento de trocasclientelistas, mas ser conduzido por uma equipe representativa do conhecimento técnicoe empírico acumulado no setor público brasileiro e sensível à busca da justiça urbana.

Constatada a centralidade da questão fundiária, outras propostas deveriam segui-la. Trata-se de propostas nas áreas de Transporte, Saneamento Ambiental (água, es-goto, resíduos sólidos e drenagem), Habitação e Informação para a gestão. Como foilembrado, não é por falta de propostas que nossas cidades estão como estão. Masvale insistir em algumas delas para o debate da FISENGE.

AS PRÓXIMAS PROPOSTAS COMPOEM UMA RELAÇÃO INCOMPLETA CUJACONSOLIDAÇÃO DEPENDERÁ DOS DEBATES REGIONAIS PROMOVIDOS PELAFISENGE. ALGUMAS DESSAS PROPOSTAS TIVERAM ORIGEM NA REUNIÃO DADIRETORIA REALIZADA NO RIO DE JANEIRO NO DIA 30/04/2011

MobiLidade Urbana e transporte CoLetiVo

Afirmar o transporte urbano como tema de agenda nacional. Buscar aprovação domarco nacional de Mobilidade no Congresso Nacional.

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A CIDADE SUSTENTÁVEL

Prioridade ao transporte coletivo e transporte não motorizado. Ampliar rede de cor-redores exclusivos para ônibus. Ampliar transporte sobre trilhos. Ampliar rede de trans-porte não motorizado.

Integrar as linhas de ônibus, às ferrovias, aos metrôs, aos corredores exclusivosde ônibus e ciclovias combatendo irracionalidades e superposições.

Elaboração e implantação de Planos Metropolitanos de Transportes articuladoscom plano de uso e ocupação do solo nas RMs.

Ampliar a segurança do pedestre com a construção de calçadas nos bairros de pe-riferia e ampliar a sinalização urbana em toda a cidade com especial atenção ao pe-destre, idosos e crianças.

Criar um fundo de mobilidade urbana municipal com recursos provenientes daCIDE – combustível, de pedágios urbanos e estacionamentos visando equilíbrio e ta-rifas e investimentos.

saneaMento aMbientaL

Implementar o marco regulatório do Saneamento, lei federal 11.445 de janeiro de 2007.

Implementar a lei federal de resíduos sólidos, 12.305 de 2010.

Integrar os sistemas de drenagem, abastecimento de águas, esgotamento sanitá-rio, limpeza urbana, gestão de resíduos, uso do solo e legislação ambiental. As obraspúblicas e privadas devem estar em consonância com essa integração.

Integrar um sistema de operação e fiscalização desses sistemas

Promover políticas públicas visando manter ou recuperar a permeabilização da su-perfície do solo à água de chuva no interior de uma bacia hidrográfica. Controlar a im-permeabilização nas intervenções sobre o ambiente construído. Proteger áreaspúblicas e áreas verdes.

Controlar as fontes de poluição incluindo as difusas e proteger as nascentes.

HabitaÇÃo

Implementação do Plano Nacional de Habitação elaborado pela Secretaria Nacio-nal de Habitação do Ministério das Cidades em 2009, levando em consideração a di-versidade regional e urbana no Brasil.

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9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Implementação do Subsistema de Habitação de Interesses Social descentralizadobuscando articular recursos financeiros e instrumentos urbanísticos que garantam afunção social da propriedade. Prioridade do sistema social sobre o sistema de mercado.

Implementar a função social da propriedade visando combater a especulação imobi-liária (controle dos lucros e rendas imobiliários) e promover a ampliação do direito à cidade.

Aperfeiçoar o padrão de fiscalização da ocupação das áreas ambientalmente frágeis.

Controle do lucro e da renda imobiliários.

Elaborar política de desenvolvimento industrial visando a produção normatizadade materiais ambientalmente sustentáveis.

Assistência técnica e jurídica gratuita para moradia social.

Elaborar e implementar política de qualificação da força de trabalho.

Aperfeiçoar fiscalização das condições de trabalho.

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9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

dia 07 – Quarta-feiraCredenciamento: Dia 7 – 14:00h às 20:00hDia 8 – 08:00h às 12:00h

19:00h - AberturaLocal: Aquarius Selva Hotel19:30h – Atividade Cultural20:00h – Formação da Mesa21:00h – Palestra de Abertura - “A sociedade que Queremos”22:00h – Coquetel

dia: 08 – Quinta-feira08:00h - Plenária Inicial: Aprovação do Regimento Interno08:30h - Alteração no Estatuto11:30h – Palestra sobre GêneroAlmoço: 12:30h

14:00h às 18:30h – Palestra seguida de Debate dos Temas I e II• Tema I: A Cidade Sustentável• Coffe Break• Tema II: Integração da América Latina

dia: 09 – sexta-feira08:00h – Palestra seguida de Debate do Tema III: Energia, Recursos Minerais e De-senvolvimento

11:00h às 13:00h – Trabalho em Grupo13:00h às 14:00h – Almoço14:00h - Visita Técnica Hidrelétrica Santo Antônio

dia: 10 – sábado08:00h – Plenária Final • Discussão e deliberação das propostas, recomendações e moções contidas no re-latório dos grupos de trabalho;• Discussão e aprovação da Carta de Rondônia;Almoço• Eleição da nova direção da Fisenge;• Escolha do Estado anfitrião do 10º Consenge• Apresentação da nova diretoria da Fisenge;• Posse da Diretoria e do Conselho Fiscal;Encerramento: 16:00h• Festa de Confraternização – 17:00h

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REGIMENTO INTERNO

parágrafo 1º As alterações na programação dos trabalhos do Con-gresso, se necessárias, só poderão ser efetivadas com a aprova-ção da maioria dos membros da Comissão Organizadora.

CapÍtULo iX - da dinÂMiCa dos trabaLHos

art. 15º. - A Plenária Inicial aprovará este Regimento Interno, em es-pecial a respeito da regulamentação e programação dos trabalhos eatividades do 9º CONSENGE.

art. 16º. – A Comissão Organizadora, em conjunto com os Sindica-tos, elaborará proposta para composição das mesas e das regrasda dinâmica dos trabalhos das Plenárias e dos grupos de trabalho.

parágrafo 1º - A mesa da cerimônia de abertura será composta peloPresidente da Fisenge, Presidente do Senge/RO, Presidente doConfea, Presidente do Crea/RO, autoridades dos âmbitos Federal,Estadual e Municipal, representantes do Legislativo e por convidadosespeciais dentre as autoridades presentes.

parágrafo 2º - Os integrantes das mesas dos trabalhos em grupoe das Plenárias deverão ser escolhidos observando-se os seguin-tes critérios:

• ser delegado ao Congresso;

• ter experiência em condução de Plenárias;

• ter experiência como relator.

art. 17º. - Os delegados, os observadores e os convidados serãodistribuídos proporcionalmente entre os grupos de trabalho, a critérioda Comissão Organizadora, ouvidas as solicitações dos Sindicatos.

art. 18º. - Os grupos de trabalho deliberarão conforme estabelecidoneste Regimento Interno e suas reuniões constarão de:

a) Instalação dos trabalhos por um membro da Comissão Organi-zadora;

b) Escolha da mesa diretora a partir da proposta elaborada pela Co-missão Organizadora;

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9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

c) Apresentação e discussão dos temas, recomendações e propos-tas, levando em consideração a dinâmica definida pela ComissãoOrganizadora;

d) Aprovação das propostas, recomendações, destaques e moçõesque comporão o relatório do grupo.

parágrafo 1º - Todas as propostas consideradas aprovadas nos gru-pos serão automaticamente encaminhadas à plenária.

parágrafo 2º - As propostas e Moções que obtiverem menos de 30%(trinta por cento) serão consideradas rejeitadas.

parágrafo 3º. - Os relatórios dos grupos serão sistematizados, portema, em relatório geral a ser apresentado na Plenária final.

art. 19º. - Discussão sobre os temas nos grupos de trabalho: serão03 grupos de trabalho. Cada grupo discutirá um tema.

art. 20º. – O registro de chapas deverá ser feito até às 09:00h dodia 10 de setembro/11 na secretaria do congresso.

art. 21º. - As deliberações das Plenárias constituirão as RESOLU-ÇÕES do 9º CONSENGE e determinarão as diretrizes para a açãoda Fisenge e dos Senges filiados até o próximo Congresso.

parágrafo Único – As RESOLUÇÕES do 9º CONSENGE farãoparte dos Anais do Congresso que serão editados pela Fisenge paradivulgação.

CapÍtULo X - dos direitos e deVeres dos deLegados, obserVadorese ConVidados

art. 22º. - São direitos e deveres dos delegados:

a) Tomar parte nos trabalhos, debater e votar este Regimento, as re-comendações, propostas e moções, de acordo com o estabelecidono presente Regimento, nas deliberações da Comissão Organiza-dora e pela Plenária do Congresso.

parágrafo único – Só poderá votar e ser votado para os cargosda Diretoria e do Conselho Fiscal os delegados presentes ao Con-gresso.

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REGIMENTO INTERNO

art. 23º. - São direitos e deveres dos observadores e convidados:

a) Receber credencial, material de divulgação e cópias dos textosbase inscritos no Congresso, na conformidade deste Regimento;

b) Tomar parte nos trabalhos e debater sem direito a voto, de acordocom o estabelecido no presente Regimento, nas deliberações da Co-missão Organizadora e pela Plenária do Congresso.

CapÍtULo Xi - das disposiÇÕes gerais

art. 24º. - Os casos omissos neste Regimento serão resolvidos pelaComissão Organizadora.

parágrafo 1º. - A Comissão Organizadora poderá submeter à apro-vação da Diretoria ou do Conselho Deliberativo da Fisenge ou, ainda,da Plenária Inicial os casos que julgar acima do seu próprio âmbitode deliberação e delegação.

parágrafo 2º. – A Comissão Organizadora se reunirá com os coor-denadores e relatores de grupos e Plenárias para unificar procedi-mentos para a condução dos trabalhos.

art. 25º. - A Plenária é a instância máxima do Congresso e é sobe-rana em suas decisões.