revisitando a cooperação brasil:áfrica face aos desafios dos novos tempos

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Estudos de Sociologia. Rev. do Progr. de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE. v. 15. n. 2. p. 107 _ 120 REVISITANDO A COOPERAÇÃO BRASIL/ÁFRICA FACE AOS DESAFIOS DOS NOVOS TEMPOS Maria Odete da Costa Soares Semedo' Resumo A cooperação Brasil!África lusófona data dos anos após a independência desses novos Estados africanos, mas a história comum desses povos tem as suas raízes, infelizmente, nos porões dos navios escravagistas. Essa cooperação foi se fortalecendo ao longo dos anos, também, com a participação das Universidades brasileiras e africanas. Esta comunicação revisita a referida cooperação face aos desafios dos novos tempos. Traz à tona algumas questões que afetam os países africanos, a Guiné-Bissau em particular; a evolução da democratização da educação no Brasil, os desafios da mundialização e o benefício que se pode tirar dos protocolos de cooperação assinados pelos países da CPLP, ampliando-os em favor do PEC-PG e dos propósitos do Simpósio Internacional de Estudantes-Convênio Brasil-África de Ensino Superior. Palavras-chave Cooperação Brasil/África. Mundialização. PEC-PG. Redimensionamento da parceria. REVISITING BRAZILlAFRICACOOPERATION lN THE FACE OF THE CHALLENGES OF A NEW ERA Abstract The Brazil!Africa cooperation date from the years after the independence of these new African states, but the common history of these people has his roots in the eslavegists ships cellars. This cooperation was strengthening along the years, also, with Brazilian and African universities fellowship. This communications revisits the referred cooperation face to this new era challenges. It brings to the surface some subjects that affects african countries, in particular Guinea-Bissau, the evolution of Brazil education • Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais. Brasil. 107

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artigo REVISITANDO A COOPERAÇÃO BRASIL:ÁFRICA FACE AOS DESAFIOS DOS NOVOS TEMPOS

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  • Estudos de Sociologia. Rev. do Progr. de Ps-Graduao em Sociologia da UFPE. v. 15. n. 2. p. 107 _ 120

    REVISITANDO A COOPERAO BRASIL/FRICAFACE AOS DESAFIOS DOS NOVOS TEMPOS

    Maria Odete da Costa Soares Semedo'

    ResumoA cooperao Brasil!frica lusfona data dos anos aps a independnciadesses novos Estados africanos, mas a histria comum desses povostem as suas razes, infelizmente, nos pores dos navios escravagistas.Essa cooperao foi se fortalecendo ao longo dos anos, tambm, com aparticipao das Universidades brasileiras e africanas. Esta comunicaorevisita a referida cooperao face aos desafios dos novos tempos. Traz tona algumas questes que afetam os pases africanos, a Guin-Bissau emparticular; a evoluo da democratizao da educao no Brasil, os desafiosda mundializao e o benefcio que se pode tirar dos protocolos de cooperaoassinados pelos pases da CPLP, ampliando-os em favor do PEC-PG e dospropsitos do Simpsio Internacional de Estudantes-Convnio Brasil-fricade Ensino Superior.

    Palavras-chaveCooperao Brasil/frica. Mundializao. PEC-PG. Redimensionamentoda parceria.

    REVISITING BRAZILlAFRICA COOPERATION lN THE FACE OFTHE CHALLENGES OF A NEW ERA

    AbstractThe Brazil!Africa cooperation date from the years after the independenceof these new African states, but the common history of these people has hisroots in the eslavegists ships cellars. This cooperation was strengtheningalong the years, also, with Brazilian and African universities fellowship.This communications revisits the referred cooperation face to this newera challenges. It brings to the surface some subjects that affects africancountries, in particular Guinea-Bissau, the evolution of Brazil education

    Pontificia Universidade Catlica de Minas Gerais. Brasil.

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  • Maria Odete da Costa Soares Semedo

    democratization, the globally challenges and the profits that can be takenaway from the cooperation 's protocol agreement signed by CPLP countries,enlarging them in favor of PEC-PG and the purposes of the SimpsioInternacional de Estudantes-Convnio Brasil-frica de Ensino Superior.KeywordsCooperation Brazil/Africa. Globalization. PEC-PG. Diversification of thepartnership.

    A mundializao e a poltica de intercmbio

    Abordar "A dinmica das sociedades africana e brasileira nocontexto da mundializao e a poltica de intercmbio no ensino superior",no espao deste Simpsio Internacional de Estudantes-Convnio Brasil-frica de Ensino Superior no ser tarefa fcil, dado o tema oferecer amplase diversas linhas de discusso. Porm, duas questes se me levantaram emrelao ao assunto: a primeira foi a de que a presente abordagem exige umconhecimento prvio das polticas educativas dos pases africanos e doBrasil, suas leis de base dos sistemas educativos e de formao superiore universitrio. Exige, ainda, um conhecimento de questes essenciais quedeterminam a implementao de qualquer lei e/ou plano de ao em favorda educao no continente africano e no Brasil. Por no me sentir na possede todas essas informaes, trago para a discusso uma interrogao: quedinmica exigida das sociedades (guineense e brasileira) para melhorara poltica de intercmbio no mbito do ensino superior tendo em contaos desafios da mundializao? Isto porque concentrarei a minha atenonos panoramas educativos da Guin-Bissau e do Brasil e suas respectivaspolticas de cooperao.

    A segunda questo, e no necessariamente a ltima, a da necessidadede definir em que perspectiva abordar a mundializao, como ela vista,quais as interrogaes e os desafios que prope aos pases, que beneficiosse podem tirar dali e, talvez o mais importante, quais os desafios a que cadapas se prope para enfrentar as novas apostas.

    Partindo da mundializao, trata-se de um conceito que pressupeintegrao de diferentes atores num processo de trocas, impulsionadas hoje,

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    sobretudo, pelas novas tecnologias da informao e da comunicao, bemcomo dos meios de transporte (BENKO, 2002). Socilogos, economistase cientistas polticos apresentam diferentes definies para esse conceito.Para uns, um produto da modernidade, o marco de um novo perodo. Paraoutros, trata-se de um prolongamento de tendncias antigas, vivenciadasainda no perodo da expanso martima europia. Questiona-se tambmse nessa grande 'aldeia' de trocas todos os atores estaro preparados paraenfrentar os desafios.

    O certo que a velocidade da criao de novos conhecimentos,novos instrumentos de informao e comunicao dista em ordem oposta dapossibilidade de esses instrumentos estarem ao alcance de todos. Isso podeestar na origem do crescente xodo, tanto do campo para a cidade quanto dospases em vias do desenvolvimento para os mais avanados.

    Nessa migrao, contam-se muitos quadros tcnicos e de formaosuperior que, no encontrando enquadramento nesses lugares, acabampor no servir nem ao pas de origem nem ao que escolheram como novaptria. Essa migrao, fuga ou desperdcio de crebros pode acontecer comestudantes que terminam os cursos e optam por permanecer no pas ondeestudaram. No estando cobertos por nenhum convnio aps a concluso docurso, sem trabalho, acabam sendo mais um encargo e mais uma carga parao pas de acolhimento.

    Havendo uma poltica de cooperao entre universidades, essapoderia ser uma sada. O tcnico teria grandes possibilidades de trabalhar,temporariamente, no pas onde fez os seus estudos e, aps o regresso ao pasde origem, prestar seu contributo ao desenvolvimento da sua terra natal.Nesta linha, a mundializao, que parece trazer mais ameaas que benefcios,passaria a oferecer oportunidades de trabalho, de circulao de tcnicos e deresultados de pesquisas em vrios domnios.

    , pois, necessrio que os esforos dos pases interessados seconcentrem, sobretudo, em criar formas efetivas de ao, que explorem opotencial dos programas de cooperao, particularmente dos que envolvemas universidades na qualidade de centros de excelncia capazes de estimularpesquisas conjuntas, intercmbios; capazes tambm de gerar emprego,incluso social e auto-estima, constituindo, ainda, um dos canais de acessoao mercado internacional de trabalho.

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    So estas linhas de pensamento que me levam a inferir que amundializao abordada no contexto deste Simpsio deve ser a queperspectiva a aproximao entre pases, a que cultiva a troca de saberes eincentiva o mtuo conhecimento e valorizao das culturas, quer atravs deconvnios bsicos entre os Estados, quer atravs de redes de movimentossociais, culturais e acadmicos. Uma mundializao que no mina o local,antes o eleva escala internacional. Refira-se que Karl Marx, no "ManifestoComunista", ao abordar a questo da necessidade de uma cultura mundial,uma cultura no mais confinada ao seu espao, afirmou que "os produtosintelectuais das diferentes naes se transformam em patrimnio comum. Aunilateralidade e a estreiteza nacionais se tomam crescentemente impossveis,e uma literatura mundial se constitui a partir das vrias literaturas nacionaise locais" (MARX e ENGELS, 1988, p.69-70).

    Apesar desta linha ser a ideal, ela pode no ser a real, pois se por umlado a mundializao carece da concatenao de vrios 'locais' e 'nacionais',essa tentativa de integrao e de trocas no passiva; gera conflitos porque setrata de uma 'aldeia' cujos atores so diferentes. Diferentes, porque uns tmmaior acesso e domnio das novas tecnologias, so mais fortes econmica efinanceiramente, e outros ainda esto em vias de desenvolvimento. No serutpico pensar numa 'aldeia' assim heterognea, porm harmoniosa?A Guin-Bissau

    Em referncia Guin-Bissau, pode-se perguntar, hoje, o porqu dacriao to tardia de uma Universidade nesse pas. A Universidade Colinasde Bo, de iniciativa privada, foi a primeira, criada em 24 de setembro de2003, em homenagem ao 30 0 aniversrio da independncia da Guin-Bissau.O processo de criao da Universidade Amlcar Cabral (UAC), que vinha sedebatendo com aspetos polticos e burocrticos desde 1995 (altura em quefoi criada a primeira Comisso Instaladora), foi com isso acelerado e a UACviu-se impulsionada a tambm abrir as suas portas.

    Longe de querer imputar todas as responsabil idades aos colonizadoresportugueses, vale mostrar que aqueles no tinham a inteno de levar ainstruo aos africanos. Para eles, esses ltimos eram apenas mo-de-obra barata. Por isso, as primeiras escolas que surgiram na ento Guinportuguesa eram rudimentares e divisionistas, pois havia escolas para filhosde civilizados e escolas para filhos de indgenas; estas ltimas estavam a

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    cargo das misses catlicas. Nas palavras proferidas, em 1960, pelo CardealManuel Gonalves Cerejeira, ento Patriarca de Lisboa, as escolas dascolnias eram apenas "para ensinar os indgenas a escrever, a ler e a contar,mas no para os tomar doutores" (apud MENDY, 1993, p. 6).

    Porm, embora em circunstncias adversas que chegaram a geraruma crise poltica no Conselho de Ministros de Portugal salazarista, em1962, o Ministrio do Ultramar criava nas ento Provncias de Angola e deMoambique os Estudos Gerais Universitrios pelo Decreto-Lei n. 44.530,de 21 de Agosto. No caso de Angola, a iniciativa teria sido do ento GovernoGeral e do Conselho Legislativo de Angola, tendo sido considerada umato de irreverncia e de insubordinao em relao ao Governo Central deLisboa. '

    Esses episdios da recente histria da Guin-Bissau e de alguns pasesafricanos no tiram aos africanos a responsabilidade de virarem positivamenteessa pgina da histria, pois est a tomar-se cada vez mais constrangedorpara os africanos o discurso culpabilizador do outro; porquanto, se por umlado esse discurso responsabiliza o colonizador e chama ateno para ossculos de atrocidades cometidos no continente e ao povo africano, por outrolado parece ser um discurso que denota derrotismo. Carlos Lopes lista o quechama de sentimento de derrota dos africanos, afirmando que:

    [... ] a atitude culpabilizadora dos estrangeiros emrelao s incapacidades africanas deixam os africanoscom um sentimento de derrota. Derrota dos economistaspor se resignarem aos modelos importados. Derrota dospolticos por no fortalecerem o processo de construoda nao. Derrota dos militares por no controlarem aagitao civil da maneira que queriam ou julgavamapropriada. Derrota dos governos por no elevarem onvel de vida da populao. Derrota dos intelectuais porno serem capazes de denunciar as presses que enfrentamquando tentam construir um padro de desenvolvimentodiferente. Derrota das pessoas comuns por conservarema f nos seus lderes (LOPES, 1995, p. 100).

    Alguns pases do continente esto a dar passos seguros rumo aodesenvolvimento, um convite aos que ainda no se desembaraaram dos

    I CC documento da CPLP. disponvel em:

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    conflitos polticos e militares para darem novos rumos a seus pases e povos.Ultrapassar problemas estruturais, evitar os conflitos permanentes umgrande desafio contra a pobreza extrema. E um dos instrumentos capazesde conscientizar os cidados para o exerccio da cidadania, respeitandoos princpios bsicos dos direitos humanos; um dos instrumentos capazesde acelerar o crescimento dos pases a educao. Por isso, e apesar dosvrios problemas sociais e polticos que a Guin-Bissau vem enfrentando, oMinistrio da Educao guineense instituiu e vem implementando uma sriede medidas e planos de ao, tendo como objetivo corrigir as distores quese verificam no sistema de ensino.

    A preocupao vai desde proporcionar escolas s crianas em idadeescolar, corrigir a disparidade entre meninos e meninas, manter essas crianasna escola at completarem sua formao, nos diferentes nveis (tcnico,profissional e superior). Mas para que essas aes sejam, de fato, realizadascom sucesso necessrio um clima de paze de estabilidade social e econmica. o que permitir ao pas construir a prpria agenda de prioridades, dadoque a participao dos pases na realizao de aes propostas em agendasmundiais carece de pessoal tcnico qualificado. O prprio governo necessitade homens e mulheres capacitados, formados em diversos graus e reas. esta perspectiva que faz da educao um dos mais importantes instrumentosde transformao das sociedades; e as universidades constituem hoje centrosde excelncia para formao da massa crtica dos pases e povos, estando,tambm, comprometidas com a promoo dos direitos humanos.

    Recorde-se que, aps a independncia, o pas quis universalizar oensino bsico, alargar a formao tcnica e profissional, mas faltaram infra-estruturas e pessoal formado. Era necessrio abrir-se para uma cooperaoque apoiasse o processo de eliminao gradual das dificuldades constatadasno nvel do setor educativo e no s.

    Nessa empreitada, a Guin-Bissau pde contar com os pases amigosque, na base de acordos firmados, puderam receber os seus estudantes paraa devida formao. Isso no sentido tambm de se mandar formar um quadrode pessoal qualificado em diversas reas do saber e que viesse a apoiar odesenvolvimento do pas; formar uma massa crtica de que tanto necessitaqualquer terra que ambiciona enveredar-se pela via do desenvolvimento; jque at a dcada passada no havia universidade na Guin-Bissau. HaviaSIm, cursos superiores como o de Direito, apoiado pela Faculdade de

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    Direito de Lisboa ; de Medicina e de Enfermagem apoiados pelo governocubano; bacharelados ministrados pelas escolas de formao de professores,as ENs (Escolas Normais e Escolas Nacionais) e a ENS (Escola NormalSuperior), sendo que nestas ltimas o curso de lngua francesa era apoiadopela Cooperao Francesa e o de ingls pelo Servio Norte-Americano doCorpo da Paz e a Cooperao Inglesa-Os cursos de formao administrativae tcnica, ministrados pelos Centros de Formao do INAFOR (InstitutoNacional de Formao Profissional) foram sempre apoiados pela AlemanhaDemocrtica antes da queda do muro de Berlim; depois desse episdio, oapoio alemo continuou at 1998.

    A Guin-Bissau beneficiou-se de vrios apoios na rea da formaosuperior, tanto no pas quanto no exterior, mas at hoje continua com faltade quadros em diferentes domnios da vida pblica. Os sucessivos conflitostm sido uma das razes da fuga de crebros, acabando o pas por perder oque foi investido nesses quadros nacionais. Todos os apoios recebidos foramgraas participao do pas em organizaes mundiais e sub-regionais.

    A participao no concerto das naes faz com que tanto a Guin-Bissau quanto outros pases africanos e de outros continentes assinem eratifiquem convenes em nvel mundial e regional. No caso da Guin-Bissau e de alguns pases em vias de desenvolvimento, no so suficientesas assinaturas e ratificaes dessas leis e/ou planos de ao. O importante cada pas conhecer as suas prioridades, os seus limites e as suas necessidades.A elaborao de uma agenda nacional no tira ao pas a responsabilidade departicipar no concerto das naes, antes pelo contrrio, o que lhe vai darmais fora para honrar os compromissos assumidos, pois estar resolvendo assuas emergncias e urgncias; e estar, assim tambm, mas preparado tantopara eliminar paulatinamente as carncias nacionais quanto para participardas agendas mund iais com maior segurana e determinao.

    S tendo uma agenda nacional, definida na base das prioridadesinternas, que se pode participar das agendas mundiais. Porque, casocontrrio. alguns sero arrastados pelos que tm mais fora e possibilidadesecon rnicas e financeiras. Estes podem ser os determinantes das agendasmundiais. No caso da cooperao que este Simpsio pe em revista, vale a

    , Sobre o sistema de ensino guineense CC CRISTVO, Fernando (dir. coord .). 2005.Dicionrio temtico da lusofonia. Lisboa : Texto .

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    inteno da comunho de vontades, mas vale muito o preparo e a organizaodas universidades e dos pases interessados nesta cooperao. Isso contatambm pela continuidade das aes, pela responsabilidade e empenhamentode todas as partes no alcance dos resultados visados.

    Brasil e as relaes de cooperao

    o Brasil foi um dos primeiros pases a reconhecer oficialmente aindependncia dos novos Estados africanos nos anos de 1970, entre os quaisconta a Guin-Bissau. O Brasil tem vrios programas de cooperao com ospases da frica em diversos domnios. Respeitante Guin-Bissau, essesprogramas esto fortalecidos e amparados pelo Acordo Bsico de CooperaoTcnica e Cientfica entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e oGoverno da Repblica da Guin-Bissau - iniciativa da Agncia Brasileira deCooperao (ABC) - assinado a 18 de Maio de 1978.

    Graas sua perseverana poltica, o Brasil pde dar saltos positivosem relao sua histria no mbito da educao. Essa evoluo vai desde oDecreto n. 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, que estabelecia a no admissode escravos nas escolas pblicas; o Decreto n. 7.03I-A, de 6 de setembrode 1878, que permitia a presena de negros nas escolas, mas somente noite, at a promulgao da constituio brasileira em 1988, culminandocom a aprovao da Lei n. 10.639/03-MEC, que altera a Lei de Diretrizese Bases, instituindo a obrigatoriedade do ensino da Histria de frica nocurrculo escolar do ensino fundamental e mdio. Esses passos, em buscada consolidao da democracia, do estado de direito, da igualdade entreos cidados, no s tm vindo a beneficiar os brasileiros, mas tambm oscidados de outros pases que escolheram o Brasil como lugar para a suaformao acadmica.

    A aproximao do Brasil com os pases africanos foi se fortalecendoao longo dos anos mediante a assinatura de protocolos de acordo e convnioem diversas reas . Essa relao de cooperao acontece tanto em sentidobilateral quanto multilateral, tendo neste ltimo caso a interveno deagncias multilaterais como a das Naes Unidas (PNUD, UNICEF,UNPFA) ou de agncias como a JICA (Agncia Japonesa de Cooperao),o Fundo Global de Luta contra a Malria, a Tuberculose e o VIHIAIOS, ouainda atravs da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP), que

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    tem funcionado como frum de negociao e catalisador de idias e aesplanejadas e/ou programadas conjuntamente pelos pases da comunidade delngua portuguesa.

    Dentre os domnios de interveno do Brasil na Guin-Bissau,destacam-se os da sade, com nfase na rea da preveno e tratamentode doenas sexualmente transmissveis, VIH/AIOS. Realo o AjusteComplementar ao Acordo Bsico de Cooperao Tcnica e Cientificapara implementao do Programa de Cooperao Internacional em HIV/AIDS II. feito em Bissau em 15 de Janeiro de 2005.} Este documento prevo fortalecimento da capacidade de combate epidemia de HIV/AIOS,utilizando tratamento universal com terapia anti-retroviral de primeira linha.Contempla ainda a preveno da transmisso matemo-infantil da AIOS. Eefetivou-se ainda, em 2005, a disponibilizao dos anti-retrovirais para 100%de doentes guineenses sintomticos. Ainda no domnio da Sade, o Brasildisponibiliza cursos e/ou estgios de curta durao. destinados a tcnicossuperiores nas reas de medicina tropical, gesto de recursos hospitalares,saneamento bsico.

    No campo da educao, a cooperao Brasil/Guin-Bissau manifesta-se na disponibilizao de bolsas de estudo a estudantes guineenses, paraformao superior e profissional e pesquisa cientfica em diferentes domnios.O programa de Estudantes-Convnio de Graduao (PEC-G) o instrumentobsico dessa cooperao bilateral no campo da educao. Para os candidatosa cursos de ps-graduao (mestrado ou doutorado), existe o Programa deEstudantes-Convnio de Ps-Graduao (PEC-PG).

    Porm necessrio revisitar o teor desses Programas e, por outrolado, redimensionar as relaes existentes entre as Universidades brasileirase africanas. tendo em conta os novos desafios mundiais. Redimensionar ointercmbio entre as universidades e o tipo de parceria at aqui desenvolvida,de modo a facilitar a circulao de resultados parciais de pesquisas,produes cientficas. As Universidades, no papel de centros de excelncia,podero reforar a promoo do ser humano, estimular a formao de valoressociais e ticos, estimular o respeito pelas diferenas: de sexo, raa, cor,religio, entre outros - contributo para uma maior participao do cidado ecrescimento da sua cidadania, tanto no Brasil quanto nos pases envolvidos

    ; Disponvel no site: \\ww2.mre.gov.br/dailb_guib_20_5437.htm

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    nos programas de cooperao.

    o PEC-PG, um instrumento que pode ser complementado com apoiosde outras agncias de cooperao em benefcio dos estudantes.

    Conforme referi acima, o documento oficial que suporta a cooperaona rea da educao no nvel de ps-graduao o PEC-PG. Segundo essedocumento,

    o Programa de Estudantes-Convnio de Ps-Graduao - PEC-PG, administrado conjuntamentepelo Departamento Cultural (DC) do Ministriodas Relaes Exteriores-MRE. pela Coordenaode Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior-CAPES e pelo Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientfico e Tecnolgico-CNPq. constitui ati vidade decooperao educacional exercida. prioritariamente,com pases em desenvolvimento com os quais o Brasilmantm Acordo de Cooperao Educacional, Cultural0\.4 de Cincia e Tecnologia (BRASIL, 2006).

    Em termos de objeti vo, esse Programa visa "a formao de recursoshumanos, com vistas a possibilitar cidados oriundos de pases emdesenvolvimento a realizao de estudos de ps-graduao em Instituiode Ensino Superior-IES, brasileira". O documento em referncia explicita:"Uma das atribuies do Departamento Cultural [] "o pagamento dapassagem area que no abrange taxas extras referentes ao embarque debagagens" (grifo nosso) (BRASIL, 2006).

    Citei esses pontos do convnio por apontarem os objetivos,delimitarem as agncias que participam dessa cooperao cientfica(CNPq e CAPES), que. para alm desse apoio aos pases participantes,desenvolvem outras atividades , financiando projetos e aes na base doseditais que vm publicando. O ltimo ponto referido deve-se ao fato deestar ali delimitada a ajuda para o regresso dos estudantes aos pases deorigem.

    Para quem esteve a fazer pesquisas, a estudar durante dois, quatroou mais anos, lidando COm livros e outros materiais que sero de utilidadena vida profissional , findo o curso, se no se lhe oferecem condies parapoder transport-los, o que fazer dos livros e os demais documentos

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    adquiridos durante os estudos? Corno ultrapassar esse constrangimento?Talvez, atravs de novas parcerias com outras agncias

    financiadoras, agncias multilaterais e/ou o governo dos pases de origemdos estudantes que se deparam com dificuldades de transportar os seusmateriais.

    No est prevista em nenhum ponto do PEC-G ou PEC-PG aquesto do acolhimento dos estudantes chegada ao Brasil. Existe emtodas as Universidades o departamento de Relaes Internacionais queapia os estudantes com informaes e d orientao, chegada, quandonecessrio (pelo menos o que acontece na PUC Minas, que tambmorganiza anualmente o encontro com os novos estudantes estrangeiros).Porm, a adaptao dos estudantes tem muito a ver com o seu sucesso.Por que no pensar na criao de um grupo de acolhimento e deacompanhamento dos novos estudantes, constitudo por alunos africanose brasileiros, membros da associao de estudantes?

    Em relao a corno pode o Programa PEC-PG apoiar a cooperaoentre as universidades brasileiras e africanas, entendo que j esto abertasas possibilidades de contato e de algum intercmbio entre os centros deformao superior, ainda que em pequena escala. O redimensionamentodesta parceria possibilitaria, sim , a realizao de aes bem programadase agendadas pelas universidades. O PEC-PG, enquanto instrumento quematerializa o que est conveniado entre o Brasil e os pases abrangidos,vale-se de departamentos e agncias que funcionam corno facilitadoras darealizao de aes programadas. Assim sendo, ela poderia tambm servirde elo ou ponte para aes a serem projetadas. Por exemplo, a CAPES eo CNPq podiam ser desses parceiros. As agncias multilaterais corno oPNUD e a UNESCO podem revelar-se verdadeiros parceiros, j que umadas suas misses apoiar o desenvol vimento dos pases, a educao, acincia e a cultura.

    Algumas contribuies

    A organi zao do Simpsio Internacional de Estudantes-ConvnioBrasil-frica de Ensino Superior avanou. no documento de base,interrogaes que por si ss j constituem propostas de objeti vos e aesalternativas para urna nova dinmica de cooperao entre o Brasil e os pases

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    africanos. Passo a apontar alguns aspectos que me parecem de interesse paraa discusso proposta.

    Sendo este Simpsio o primeiro do gnero, pode-se, a partir desteevento:

    (i) criar um Frum (Rede/Grupo) de pesquisas, um marco institucionalatravs do qual as declaraes de intenes daqui sadas constituam tambmum plano de ao para a cooperao inter-universitria. A Rede/Grupo poderresponsabilizar-se da implementao e acompanhamento do plano de ao edos programas que possam vir a ser propostos: Encontros, Conferncias porreas de pesquisa (Cincias Sociais, Lingstica, Sade - DST, VIH/AIDS- etc.). Em conseqncia,

    (ii) criar um Ncleo Permanente, constitudo por um nmero limitadode pesquisadores (entre professores e estudantes) que seriam responsveispela dinamizao do Grupo e disseminao de informaes no nvel domesmo;

    (iii) propor a diversificao da parceria existente, solicitando aparticipao dos Governos, do PNUD, da UNESCO, da CPLP, Bibliotecasnacionais, Fundaes, Editoras, ONGs locais sensveis aos propsitos daRede/Grupo, com vista a facilitar angariao de recursos regulares pararealizao de aes futuras;

    (iv) propor a criao e/ou o redimensionamento da parceria entreas universidades africanas e brasileiras, comeando pela assinatura deum convnio "chapu" entre a Universidade de Pernambuco e algumasuniversidades africanas interessadas nessa cooperao.

    (v) chamar a ateno para documentos, tais como protocolos decooperao assinados entre os pases da CPLP,4 que se revelam valiososinstrumentos a serem explorados em favor dos propsitos deste Simpsio.

    Em jeito de concluso, desejo frisar que, quando, para l dasconvenes ditadas pela cooperao entre pases, se vislumbrampragmatismos, as exigncias aumentam. Tudo o que se consegue realizarparece pouco diante de expectativas que se criam em funo dos resultadosque se vo obtendo, a partir de aes concretas. So imposies prprias

    ~ Ver. por exemplo. o .Acordo de cooperao entre instituies de ensino superior dos pasesmembros da comunidade dos pases de lngua portuguesa'. Disponvel em : . Acesso em: IOde Abril de 2009.

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    da Histria dos povos. E quando esse passado tem pontos, indelveis, deinterseo, como o caso da frica e Brasil, a responsabilidade das partesaumenta: o comprometimento de (re)construir a Histria comum, apelandoaos instrumentos que os novos tempos nos colocam em mos. Convirapelar corrente da "pirmide invertida"? Talvez hastear menos bandeirasplasmadas de preconceitos que possam ofuscar o esprito e o olhar crticosde que a construo de uma verdadeira parceria carece; equilibrar os pesosna balana e (re)construir a nossa Histria comum.

    E, se os documentos de cooperao rubricados entre os Estadosconstituem a base para se dinamizar a cooperao, as Universidades so, semdvidas, as portas que se abrem para novos horizontes, pois, como centrosde excelncia, constituem instrumentos essenciais para a concretizao dosprojetos e programas, configurando-se como construtoras da massa crticato necessria s nossas sociedades.

    Referncias bibliogrficas

    BENK, Georges. 2002. Mundializao da economia, metropolizaodo mundo. Revista do Departamento de Geografia, So Paulo, n. 15, p.45-54. Disponvel em: . Acesso em: IOde Abril de 2009.

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