resumo palavras-chave religion, moral y civismo … · d d e f e g ! ! ... sincrético de base...

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RESUMO Este texto analisa as relações entre as disciplinas Ensino Religioso (nas escolas públicas) e Educação Moral e Cívica (em todas as escolas) no Brasil, no período de 1931 a 1997. A legislação federal é examinada como produto de alianças e conflitos entre instituições do campo religioso e do campo político, entendidos a partir da teoria da violência simbólica (Bourdieu). Conclui-se que, apesar dos conteúdos em grande parte comuns, essas disciplinas expressaram distintos sentidos no jogo de forças entre o campo político e o campo religioso; por sua vez, ambos instrumentalizaram o campo educacional para efeito de controle social. PALAVRAS-CHAVE Religião, educação moral, civismo, Brasil. RELIGION, MORAL Y CIVISMO EN LA EDUACIÓN BRASILERA 1931-1997 RESUMEN Este texto analiza las relaciones entre las asignaturas Enseñanza Religiosa (en las escuelas públicas) y Educación Moral y Cívica (en todas las escuelas) en Brasil, en el período de 1931 a 1997. La legislación federal es examinada como producto de alianzas y conflitos entre instituciones del campo religioso y del campo político, entendidos a partir da la teoria de la violencia simbólica (Bourdieu). Se concluye que, a pesar de los contenidos en gran parte comunes, esas asignaturas expresaron distintos sentidos en el juego de fuerzas entre el campo político y el campo religioso; ambos, a su vez, intrumentalizan el campo educacional para efectos de control social. Artículo Recibido en Enero de 2009; Aprobado en Abril de 2009. Artículo de Investigación Científica Professor Titular do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. www.luizantonio.cunha.nom.br , [email protected]

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RESUMO

Este texto analisa as relações entre as disciplinas Ensino Religioso (nas escolas públicas) eEducação Moral e Cívica (em todas as escolas) no Brasil, no período de 1931 a 1997. Alegislação federal é examinada como produto de alianças e conflitos entre instituições docampo religioso e do campo político, entendidos a partir da teoria da violência simbólica(Bourdieu). Conclui-se que, apesar dos conteúdos em grande parte comuns, essas disciplinasexpressaram distintos sentidos no jogo de forças entre o campo político e o campo religioso;

por sua vez, ambos instrumentalizaram o campo educacional para efeito de controle social.

PALAVRAS-CHAVE

Religião, educação moral, civismo, Brasil.

RELIGION, MORAL Y CIVISMO EN LA EDUACIÓN BRASILERA 1931-1997

RESUMEN

Este texto analiza las relaciones entre las asignaturas Enseñanza Religiosa (en las escuelaspúblicas) y Educación Moral y Cívica (en todas las escuelas) en Brasil, en el período de 1931a 1997. La legislación federal es examinada como producto de alianzas y conflitos entreinstituciones del campo religioso y del campo político, entendidos a partir da la teoria de laviolencia simbólica (Bourdieu). Se concluye que, a pesar de los contenidos en gran partecomunes, esas asignaturas expresaron distintos sentidos en el juego de fuerzas entre el campopolítico y el campo religioso; ambos, a su vez, intrumentalizan el campo educacional para

efectos de control social.

♣ Artículo Recibido en Enero de 2009; Aprobado en Abril de 2009. Artículo de Investigación Científica♦ Professor Titular do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro. www.luizantonio.cunha.nom.br , [email protected]�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� D�D� � E F �EG� !!"

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"Embora seja o país com o maior nú-mero de católicos no mundo atual (125dos 175 milhões de habitantes, em2000), o Brasil passa por mudançasprofundas no campo religioso. Dentreelas, destacam-se a diminuiçãoprogressiva da proporção de católicos,correlativa ao crescimento dos filiadosa Igrejas Evangélicas Pentecostais,notadamente nas áreas de habitaçãopopular; o apoio governamental àsreligiões afro-brasileiras, a despeito daredução do número de seus adeptos,em proveito daquelas igrejas; a aber-tura do leque de opções religiosas, parafora do âmbito judaico-cristão esincrético de base africana; e ocrescimento dos que se declaram semreligião. (Jacob, 2003)

PALABRAS CLAVE

Religión, educación moral, civismo, Brasil.

RELIGION, CIVIC AND MORAL EDUCATION IN BRAZILIAN 1931/1997

ABSTRACT

This paper analyzes the relationship between Religious Education (at State schools) andMoral and Civic Education (at all schools) in Brazil, from 1931 to 1997. With the help ofsymbolic violence theory (Bourdieu), federal legislation is examined as the product of asso-ciations and conflicts among institutions from religious and political fields. The paper con-cludes that, in spite of many common contents, the two disciplines expressed differentmeanings in the power play between the political and religious fields, both of them support-ing the educational field, as far as social control was concerned.

KEY WORD

Religion, moral education, civics, Brazil

 1 O ensino fundamental, de 9 anos de duração, é idealmente destinado aos alunos de 6 a 14 anos de idade.

Nesse contexto, a presença da religiãonos currículos das escolas públicas (pre-vista na constituição nacional como dis-ciplina facultativa no ensino fundamen-tal1 ) é reivindicada por diversos atoressociais, que reclamam a lentidão doPoder Público em sua efetivação. Separte dessa reivindicação provém damotivação de religiosos, numacompetição que se acirra a cada dia,parte dela tem motivação externa aocampo: num momento de crise políticae social, da qual os aspectos maisvisíveis são o desenraizamento cultu-ral resultante da migração, a miséria ea violência, a religião tem sido evoca-da como a solução por excelência parao restabelecimento da ordem na políti-ca, na economia, na família, na

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"vizinhança e até mesmo nas salas deaula. (Cavaliere, 2007)

Em consequência, verifica-se, no Bra-sil atual, a sintonia, senão a fusãotendencial (ao menos nas justificativasmanifestas) entre as disciplinas EnsinoReligioso (ER) e Educação Moral eCívica (EMC).

Este texto examina os sucessivos mo-mentos de inclusão e supressão dessasdisciplinas nos currículos escolares. Operíodo estudado inicia-se em 1931(quando o ER voltou a integrar o currí-culo das escolas públicas, até então lai-cas, e termina em 1997 (quando o po-der das entidades religiosas naconfiguração de tal disciplina foi inten-sificado). Nesse período, a EMC orafoi incluída no currículo, ora foi dele su-primida: presente no Estado Novo(1937/45), ausente na República Popu-lista (1946/64), retornou com toda aforça na ditadura militar (1964/85) e foisuprimida em 1993, no processo detransição para a democracia. Aprevalência do plano jurídico-político, noexame do tema, mostrou aconveniência da periodização correntena historiografia brasileira.

A hipótese orientadora da pesquisa quedeu origem a este texto é a de que seimpõe a superação do esquema binárioIgreja-Estado para a compreensão dotema em foco (útil quando a IgrejaCatólica era protagonista praticamenteexclusiva), mediante o emprego doconceito de campo, de Pierre Bourdieu(1974). Esse conceito permite aapreensão das relações de força ma-

terial e simbólica entre os protagonis-tas que disputam o monopólio do capi-tal próprio a cada campo, bem comoseu grau de autonomia relativa.

Antecedentes

Após a independência, em 1822, oImpério Brasileiro herdou de Portugalo regime do padroado, mantendo o ca-tolicismo como religião do Estado. Emconseqüência, nas escolas públicas detodo o país, a doutrina católicaimpregnava os currículos de todos osníveis escolares. Os professores, porsua vez, eram obrigados a prestar ju-ramento de fé católica, podendo serpunidos por perjúrio.

Nas três últimas décadas do séculoXIX, a simbiose Igreja Católica-Esta-do começou a incomodar a ambos. Deum lado, o papado pretendia aumentaro controle sobre o clero brasileiro, demodo a desenvolver uma atividade re-ligiosa sem as limitações impostas peloaparato estatal. De outro lado, asforças políticas emergentes, orientadaspela ideologias liberal e positivista,pretendiam que o Estado brasileirofosse sintonizado com os seuscontemporâneos europeus, particular-mente a França, e adotasse aneutralidade em matéria de crença re-ligiosa. A contradição entre essas novasorientações e as antigas práticasproduziu conflitos que contribuíram paraa queda do regime monárquico.

Com a proclamação da República, em1889, a Igreja Católica foi declaradaseparada do Estado – passou, então,

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"da esfera pública para a esfera priva-da. O Estado foi proibido de financiarqualquer tipo de atividade religiosa, enenhum ensino religioso poderia serministrado nas escolas públicas.

Durante alguns anos, no lugar dareligião, foi introduzida a disciplinaMoral nas escolas secundárias públi-cas, que os positivistas mais radicaisgostariam que fosse a “religião dahumanidade”, conforme a doutrina deAuguste Comte.

A crise de hegemonia eclodida nos anos1920 levou ao fim do laicismo republi-cano e reinstalou a “colaboração recí-proca” a Igreja Católica e o Estado,tendo agora a Itália fascista como mo-delo. Diante das greves operárias, in-éditas no país, e dos levantes militarescontra a oligarquia agrária, o ensino dareligião passou a ser prescrito como umantídoto contra a “desordem social epolítica”. (Cury, 2003)

ER mais EMC na era de Vargas(1930/45)

O governo provisório instituído pelomovimento revolucionário de 1930promoveu amplas reformaseducacionais, em diversos níveis e mo-dalidades. A mais conspícua e quesuscitou maiores reações foi areintrodução do ER nas escolas públi-cas, depois de quatro décadas delaicidade.

O decreto 19.941, de 30 de abril de1931, facultou o oferecimento daInstrução Religiosa nos

estabelecimentos públicos de ensinoprimário, secundário e normal. Paraque ela fosse ministrada nosestabelecimento oficiais de ensino, se-ria necessário que pelo menos 20 alunosse propusessem a recebê-la. Seexistisse, a Instrução Religiosa nãodeveria prejudicar o horário das aulasdas demais disciplinas, condição quedesapareceu da legislação posterior.

Ao contrário do ER, a EMC foi supri-mida do currículo do ensino secundário,único segmento onde era ministrada.Essa supressão foi justificada pelo Mi-nistro da Educação Francisco Camposcom o argumento de que os valores quese pretendem transmitir só adquiremsentido com base na experiência vivi-da pelos alunos. No seu pensamento, oER supriria com vantagem a EMC,que, aliás, só poderia se basear nareligião. (Campos, 1940)

A vitória alcançada pela Igreja Católi-ca com a promulgação do decreto19.941/31, veio a ser potencializada naconstituição de 1934, promulgada poruma Assembléia eleita a partir de forteatuação da Liga Eleitoral Católica.

A possibilidade de associação entreentidades religiosas e o Estado foiintroduzida no texto constitucional. Nomesmo artigo em que se vedava aosgovernos federal, estaduais emunicipais terem “relação de aliançaou de dependência com qualquer cultoou Igreja”, acrescentou-se a ressalva“sem prejuízo da colaboração recípro-ca em prol do interesse coletivo”.

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"A constituição de 1934 foi, então, pro-mulgada com um artigo sobre o EnsinoReligioso (ao invés da Instrução Reli-giosa do decreto de 1931). As escolaspúblicas primárias, secundárias,profissionais e normais eram obrigadasa oferecê-lo, pois tal ensino constituiria“matéria dos horários”. Todavia, apresença dos alunos continuava facul-tativa, podendo os pais ou responsáveismanifestar sua preferência pelas dis-tintas confissões religiosas.2 Essaconstituição teve curta vigência.

A radicalização político-ideológica pro-tagonizada pela Aliança NacionalLibertadora (frente de centro-esquerda, hegemonizada pelo PartidoComunista) e a Ação IntegralistaBrasileira (fascista com base emmilícias) teve seu desfecho, em 1937,num golpe militar que manteve Vargasna Presidência da República, com po-deres ditatoriais, usados, de imediato,para dissolver o Congresso, outorgaruma constituição autoritária e proibir ospartidos políticos. Iniciou-se, assim, oauto-denominado Estado Novo,homônimo do regime autoritário deAntonio Salazar, em Portugal, inaugu-rado na década anterior.

Mesmo não havendo nenhuma inflexãoanti-religiosa ou anti-católica, o núcleodo poder político do Estado Novo tinhano fascismo sua referência ideológicadireta (mas sem milícias), confiandoobter o consentimento das massas sem

precisar da mediação do clero, emboranão descartasse sua ajuda.

A constituição de 1937 determinou aobrigatoriedade do Ensino Cívico, aolado da Educação Física e dosTrabalhos Manuais, em todas asescolas primárias, normais esecundárias, públicas e privadas, semo que estas não poderiam ser autoriza-das ou reconhecidas. A obrigato-riedade da oferta do ER, prevista pelaconstituição de 1934, foi, então,substituída pela possibilidade desseensino ser ministrado nas escolas pú-blicas, como no decreto de 1931.

As reformas educacionais do EstadoNovo, concebidas pelo ministro Gusta-vo Capanema, mantiveram em toda alegislação educacional a previsão dapossibilidade do ER. A EMC, por suavez, foi reposta. Vejamos como as dis-ciplinas objeto deste texto foram trata-das no ensino primário e nos ramos doensino médio.

No decreto-lei 4.244, de 9 de abril de1942, que tratou do ensino secundário,o ER foi considerado parte integranteda educação da adolescência, “sendolícito” aos estabelecimentos públicos deensino incluí-lo no 1o. e no 2o. ciclos. Osprogramas e o regime didático seriamfixados pela autoridade eclesiástica,expressão que mostrava a marca do ca-tolicismo, na estrutura e na letra.

 2 Essa alternativa só existia, de fato, para os habitantes de certos municípios de alta concentração deimigrantes europeus recentes, adeptos de alguma denominação evangélica, como, por exemplo, os alemãesdo Rio Grande do Sul.

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"O ensino secundário deveria tomar“cuidado especial e constante” com aEMC de seus alunos. Três artigos lheforam destinados, um deles com trêsparágrafos. A EMC deveria estardiretamente associada à formação das“individualidades condutoras”, dos“homens portadores das concepções eatitudes espirituais que é preciso infun-dir nas massas, que é preciso tornarhabituais entre o povo”. Claraevocação de valores fascistas!

Os valores da EMC não seriampropriamente religiosos, poisenfatizava-se nela o fervor patriótico,a continuidade histórica do povobrasileiro, seus problemas e desígnios,bem como sua missão em meio a outrospovos. Nos adolescentes, ela deveriadesenvolver a capacidade de iniciativae decisão, assim como os atributosfortes da vontade. Ao invés de uma dis-ciplina específica, a EMC deveria serlecionada, sobretudo, no âmbito daHistória e da Geografia, agora com adivisão em “geral” e “do Brasil”. Emacréscimo, a consciência patrióticadeveria ser formada pela execução doserviço cívico próprio da JuventudeBrasileira, uma organização deinspiração fascista, com a qual sepretendeu mobilizar, sem sucesso, osalunos do ensino secundário.

Nos decretos-leis relativos aos ramosprofissionais do ensino médio (industrial,comercial e agrícola), destinados àformação da força de trabalh, asmenções à EMC foram reduzidas, assimcomo mantida a possibilidade de inclusãodo ER, de presença facultativa.

Logo depois da deposição de Vargas,em outubro de 1945, no curto mandatode José Linhares na Presidência daRepública, foram promulgados trêsdecretos-leis, deixados prontos pelogoverno deposto, mas retocados emfunção do novo quadro político-ideoló-gico.

O decreto-lei 8.529, de 2 de janeiro de1946, relativo ao ensino primário, nãopreviu a EMC, coisa que só seriaadequada aos adolescentes, como oMinistro Gustavo Capanema havia ditona exposição de motivos ao decreto-lei do ensino secundário. O ER, sim,este manteve seu lugar.

No decreto-lei 8.530, do mesmo dia 2de janeiro de 1946, sobre o ensino nor-mal, a EMC apareceu de forma exígua,entre os pontos que deveriam ser leva-dos em conta na elaboração dos pro-gramas. Ela não deveria ser objeto deprograma específico, mas resultaria “doespírito e da execução de todo oensino”. No entanto, o ER poderia sercontemplado com uma disciplina,assegurando-se o caráter facultativopara docentes e discentes.

Como quase todas as escolas normaiseram confessionais católicas, oaligeiramento da menção ao ER nalegislação não impedia que o magistériodas escolas primárias, dominantementefeminino, recebesse forte dose deformação religiosa.

Ainda na transição presidida por JoséLinhares, foi promulgado o decreto-lei8.347, de 10 de dezembro de 1945, que

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"determinou várias mudanças no ensinosecundário, incidentes sobre duasdezenas de artigos da legislação pre-cedente. Os elementos maisostensivamente inspirados no fascismoforam dela suprimidos, inclusive doisartigos inteiros, e, com eles, asreferências ao “cuidado especial econstante” com a EMC na formaçãodas “individualidades condutoras”. Oparágrafo que dizia respeito à JuventudeBrasileira foi igualmente suprimido.Expressões fortes foram substituídas,como “fervor patriótico” por“sentimento de brasilidade”.

ER sem EMC na República Popu-lista (1945/64)

Enquanto se eliminava da legislaçãoeducacional os elementos maisostensivos da herança estadonovista, aassembléia constituinte desenvolveuseus trabalhos, nos quais as disputasem torno do caráter do ensino público,se laico ou não, ocupou pequena partedas discussões.

A situação do campo político em suaexpressão partidária era, em 1945/46,bem distinta de 1933/34. As maioresnovidades foram o surgimento do Par-tido Trabalhista Brasileiro, que agrupouas lideranças sindicais dos assalariados,e a atuação do Partido Comunista, eminédita legalidade.

Mais uma vez, a Igreja Católicausufruiu de plena hegemonia naassembléia constituinte, tendo obtidoapoio ativo ou tácito de diversos parti-dos para suas demandas históricas. Por

exemplo, o PC, que rejeitava o ER nasescolas públicas, por questão deprincípio, acabou por aceitar,pragmaticamente, seu oferecimentofacultativo para os alunos.

A defesa mais forte do ensino laicoficou por conta dos socialistas daEsquerda Democrática, como HermesLima, e de liberais, como AliomarBaleeiro, da União Democrática Na-cional.

Nessa correlação de forças favorávelao catolicismo, o ex-ministro e agoradeputado Gustavo Capanema foi o prin-cipal redator do capítulo sobre aEducação na nova carta, obtendo amploapoio para seu projeto. Assim, aconstituição de 1946 teve um artigocontemplando o ER, que repôs, aobrigatoriedade de seu oferecimentopelas escolas públicas, mas sem espe-cificar em que nível. O ER seria umadisciplina dos horários das escolasoficiais, portanto de oferta obrigatória,mas de matrícula facultativa, eministrado de acordo com a confissãoreligiosa do aluno, manifestado por ele,se fosse capaz, ou por seu represen-tante legal ou responsável. Mesmoconteúdo da constituição de 1934, mascom uma importante omissão: o nívelde ensino em que o ER seriaministrado.

Esse foi o quadro jurídico no qual sedeu a discussão, a tramitação e apromulgação da Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional – LDB,sancionada pelo Presidente JoãoGoulart, em 20 de dezembro de 1961

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"(lei 4.024). Apesar de terem sido veta-dos importantes artigos, particularmenteno que dizia respeito ao ensino supe-rior, a matéria referente ao ERpermaneceu intocada.

Um longo artigo da LDB, com doisparágrafos, incorporou os dispositivosda constituição de 1946, com umaadição restritiva, objeto de disputas nasdécadas posteriores: o ER seriaministrado “sem ônus para os poderespúblicos”. Vale dizer, as escolas públi-cas não poderiam remunerar osprofessores do ER. Numa interpretaçãoestrita, nem mesmo os professores doquadro poderiam ser deslocados paraessa atividade, ao menos durante seuhorário de trabalho. O voluntariado e aremuneração por entidade religiosaseriam, então, as condiçõesnecessárias para a existência práticadesse ensino.

No mais, as demandas da Igreja Católi-ca foram atendidas. Um dos parágrafosdizia que a formação de classes de ERnão dependeria do número de alunosinteressados, eliminando a interpretaçãoinercial gerada pelo decreto de 1931, queestipulou um limite mínimo para suaviabilização. O outro parágrafo dizia queo registro dos professores do ER seriarealizado perante as autoridades dos res-pectivos credos, vale dizer, que o poderpúblico reconheceria a competência daIgreja Católica, principalmente, e deoutras entidades que se propusessem a

ocupar o espaço do ER nas escolas pú-blicas.

No que diz respeito à EMC, a LDB foibem modesta. Limitou-se a dizer que,entre as normas a serem observadasna organização do ensino de nívelmédio, deveria ser levado em contaa “formação moral e cívica do educan-do, através de processo educativo quea desenvolva”.

Em suma: enquanto a LDB reativou anorma constitucional de obrigatoriedadedo ER nas escolas públicas, a EMC foireduzida à expressão mais simples. Seaquele deveria ser disciplina do currí-culo, esta nem mesmo prática educati-va seria, apenas algo a se levar emconta na organização do ensino médio.

ER mais EMC na ditadura militar(1964/88)

Mais uma vez a radicalização político-ideológica teve um golpe militar comodesfecho. Entre o desenvolvimentocapitalista de forte orientação naciona-lista e autonomista, no plano interna-cional, quiçá algum tipo de socialismo,e a inserção do país ainda mais com-pletamente na divisão internacional dotrabalho, sob a direção norte-america-na, ganhou a segunda. Para isso, umainédita mobilização das massas católi-cas logrou fornecer apoio civil ao gol-pe militar, em abril de 1964.3 Arepressão política e ideológica que se

 3 Estima-se em um milhão o número de pessoas que participaram das “Marchas da Família com Deus, pelaLiberdade”, no Rio de Janeiro e em São Paulo, imediatamente antes e depois do golpe, evento repetido emvárias outras capitais estaduais. Em todas elas, a participação e a liderança do clero católico foramessenciais ao sucesso desses eventos políticos.

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�� �� ���� �� � ���� ���� ��� ���� �� ����� �� ���� ������ ������ ��� ��� � !seguiu foi muito intensa, atingindo ospartidos, as universidades, os sindica-tos, os meios de comunicação de massa,bem como todas as instâncias do Esta-do, particularmente os Poderes Legis-lativo e Judiciário. Tratava-se, não só decombater o que eram entendidos comosendo os focos de subversão da ordem,mas de consolidar ou implantar o que seentendia como sendo as pré-condiçõespara uma ordem democrática estável,livre da ameaça “comunista”.

Ao início do primeiro governo militar, oConselho Federal de Educação sofreufortes pressões para que semanifestasse a favor da implantaçãoda EMC, às quais resistiu, alegandorazões parecidas com as do MinistroFrancisco Campos, em 1931. Mas, amudança na composição do CFE,assim como a radicalização doprocesso político, propiciaram aaprovação de um projeto que veio aconstituir a matriz do decreto-lei 869,de 12 de setembro de 1969.4 A EMCfoi feita disciplina obrigatória nasescolas de todos os níveis e modalida-des de ensino do país.

As finalidades dessa disciplinaconsistiram numa sólida fusão dopensamento reacionário, do catolicis-mo conservador e da doutrina desegurança nacional, conforme era con-cebida pela Escola Superior de Gue-rra. Apoiando-se nas tradiçõesnacionais, a EMC teria por finalidade:

a) a defesa do princípio democrático,através da preservação do espírito re-ligioso, da dignidade da pessoa huma-na e do amor à liberdade comresponsabilidade, sob a inspiração deDeus; b) a preservação, ofortalecimento e a projeção dos valo-res espirituais e éticos danacionalidade; c) o fortalecimento daunidade nacional e do sentimento desolidariedade humana; d) o culto àPátria, aos seus símbolos, tradições,instituições, e os grandes vultos de suahistória; e) o aprimoramento do caráter,com apoio na moral, na dedicação àfamília e à comunidade; f) acompreensão dos direitos e deveres dosbrasileiros e o conhecimento daorganização sócio-político-econômicado País; g) o preparo do cidadão parao exercício das atividades cívicas, comfundamento na moral, no patriotismo ena ação construtiva visando ao bemcomum; h) o culto da obediência à lei,da fidelidade ao trabalho e daintegração na comunidade.

Essa disciplina seria ministrada do cur-so primário ao superior, inclusive napós-graduação, sendo que no ensinosuperior, ela tomaria o nome de Estudosde Problemas Brasileiros. Os progra-mas seriam elaborados pelo ConselhoFederal de Educação e pela ComissãoNacional de Moral e Civismo, com seismembros nomeados pelo Presidente daRepública, “dentre pessoas dedicadasà causa”. Entre seus primeiros

 4 Esse decreto-lei foi firmado pela junta militar que assumiu o poder em momento de acirramento dogolpe de Estado, entre as presidências exercidas por dois generais, com mandato formal e simbolicamenteapoiado pelo Congresso Nacional.

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"membros, a comissão reuniu oficiaisgenerais, civis militantes de direita, alémde um padre jesuíta.

O relator da Comissão Especial do CFEencarregada de dar as diretrizes paraos programas dessa disciplina foi oarcebispo católico Luciano José CabralDuarte. Seu parecer (94/71) dizia quea EMC deveria ser aconfessional, masafirmou que a religião era a base damoral a ser ensinada. Para escapar doparadoxo, o arcebispo Duarte lançoumão do conceito de “religião natural”,isto é, aquela que leva ao conhecimentode Deus pela luz da razão, o quesubentendia a racionalização teológicada tradição judaico-cristã.

Passemos, agora, ao ER, propriamentedito.

Com o Congresso Nacional mutiladopela cassação de mandatos deparlamentares, desencadeou-se oprocesso de elaboração de novaconstituição, de modo a adequar aordem legal do país ao quadro definidopela pletora de atos institucionais ecomplementares. Como nas situaçõesanteriores, a Câmara dos Deputados eo Senado, reunidos, funcionaram comoassembléia constituinte, paralelamenteà atividade parlamentar ordinária.A conjuntura não permitiu que temascandentes chegassem à assembléiaconstituinte, nem que os próprios

parlamentares conduzissem livrementea discussão. No que dizia respeito aoER nas escolas públicas, a discussãoresumiu-se à questão da remuneraçãode seus professores pelo Estado.

O texto da constituição promulgada em1967 determinou que, dentre as normasque deveriam reger a legislação edu-cacional, estaria o ER, de matrícula fa-cultativa, que constituiria disciplinados horários normais das escolasoficiais. No entanto, a LDB de 1961permaneceu em vigor, vedando que osônus do ER fossem assumidos pelosPoderes Públicos. Essa situação viriaa mudar, quatro anos mais tarde.

Em 1971 foi promulgada a Lei deDiretrizes e Bases do Ensino de 1o. e2o. Graus, lei 5.692, de 11 de agosto. OER aparece nela como parágrafo úni-co do artigo que determina aobrigatoriedade da EMC, ao lado deoutras disciplinas, mas o importante foia revogação de artigo da LDB de 1961que vedava a remuneração dosprofessores de ER pelos Poderes Pú-blicos. A legislação ficou, então, omissasobre essa questão. Em decorrência,os dirigentes católicos passaram aassediar governadores e prefeitos paraobterem o deslocamento deprofessores do quadro para o ER, assimcomo o pagamento de seus própriosagentes nas escolas públicas de 1o. e2o. graus.5

 5 Essa foi a nova denominação do ensino primário e médio, reagrupados. O ensino de 1º. grau, de oitoanos, destinava-se, idealmente, aos alunos de 7 a 14 anos de idade, enquanto que o de 2º grau, aos de 15 a17 anos.

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�� �� ���� �� � ���� ���� ��� ���� �� ����� �� ���� ������ ������ ��� ��� � !ER sem EMC na transição para ademocracia

A transição para a democracia levou aEMC a uma longa agonia, ao contráriodo fim do Estado Novo, quando ela foiextinta imediatamente após a deposiçãode Vargas. O processo longo, tortuosoe contraditório da transição política,desde fins da década de 1970, permitiuessa surpreendente sobrevida. Em1986, o Presidente José Sarney(primeiro civil depois de cinco generais-presidentes e uma junta militar) enviouao Congresso Nacional projeto de leipropondo a extinção da EMC, projetoesse que teve lenta tramitação. Seteanos depois, a lei 8.663, de 14 de junhode 1993, revogou o decreto-lei 869/69,determinando que a carga horáriadessa disciplina, “bem como seu obje-tivo formador de cidadania e deconhecimentos da realidade brasileira”fossem incorporados às disciplinas daárea de Ciências Humanas e Sociais,a critério de cada instituição educacio-nal.

Durante as discussões públicas visan-do à nova constituição, a defesa dalaicidade da escola pública foi assumidapor várias entidades culturais e cientí-ficas. Dentre elas, a SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência,várias de suas afiliadas, comoAssociação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação,assim como as demais reunidas noFórum de Defesa da Escola Pública naConstituinte. Mas, a defesa da presençado ER na escola pública obteve maiornúmero de adeptos, tanto de

parlamentares quanto dos eleitores queapoiaram “emendas populares” promo-vidas por entidades religiosas.

Embora as Igrejas Evangélicas játivessem iniciado o processo decrescimento e já mostrassemexpressiva bancada parlamentar, elasreorientaram sua posição tradicional,que rejeitava o ER nas escolas públi-cas. Dividiram-se, então, de modo queuma corrente persistiu na defesa dalaicidade, enquanto que outra aliou-seà Igreja Católica reivindicando suapresença nos currículos.

No que diz respeito ao nosso tema, aconstituição de 1988 reeditou os ter-mos de suas antecessoras, com aseguinte determinação: “O ensino reli-gioso, de matrícula facultativa, consti-tuirá disciplina dos horários normais dasescolas públicas de ensino fundamen-tal”, encurtando um pouco a duraçãodessa disciplina, que ficou restrita aoensino fundamental.

Mesmo com a derrota da posição lai-ca, o Congresso Nacional criou, anosmais tarde, uma limitação para o ERnas escolas públicas. A Lei deDiretrizes e Bases da Educação Na-cional de 1996 (lei 9.394) incorporou odispositivo constitucional sobre o ER,mas introduziu a condição de ele seroferecido “sem ônus para os cofrespúblicos”, tal como na LDB de 1961.

Uma alternativa inédita se configurou,comparativamente à legislação prece-dente: a previsão de que o ER fosseoferecido na modalidade confessional,

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"de acordo com a opção religiosa mani-festada pelos alunos ou seusresponsáveis, ou na modalidadeinterconfessional, resultante de acordoentre as diversas entidades religiosas,que se responsabilizariam pelo progra-ma. Na primeira alternativa, osprofessores ou orientadores religiososseriam preparados ou credenciadospelas respectivas igrejas ou entidadesreligiosas.

Pouco tempo durou essa formulação.A mudança da LDB, para suprimir aproibição de pagamento dosprofessores de ER, foi proposta pelopróprio Presidente Fernando HenriqueCardoso na cerimônia em que asancionou. No Congresso Nacional, trêsprojetos convergiram nesse propósito,um de iniciativa ministerial e dois deiniciativa parlamentar, todos gerados nacentro-direita do espectro político, maso relator do projeto substitutivo, quelogrou aprovação, foi um sacerdote ca-tólico, dublê de deputado, de centro-esquerda.

O projeto tramitou em regime deurgência, e foi aprovado pela Câmarados Deputados e pelo Senado, comgeneralizado apoio – poucos foram osparlamentares a se manifestarem con-tra ele. O projeto foi sancionado peloPresidente da República, como lei9.475, em 22 de julho de 1997, poucomais de dois meses antes do desem-barque do Papa João Paulo II, em visi-ta ao Brasil (2 a 6/10/1987).

O artigo pertinente da LDB assumiu,então, redação distinta. O ER foi con-

siderado “parte integrante da formaçãobásica do cidadão”, e poderes especiaisforam atribuídos aos sistemas de ensino(das unidades da Federação e dosmunicípios) para estabelecerem nor-mas para a habilitação e a admissãodos professores de ER. Ademais, foireconhecido o poder das entidades re-ligiosas formadas pelas diferentesdenominações religiosas na formulaçãodos respectivos programas. Cada sis-tema educacional deveria ouvi-las paraesse propósito.

Tão ou mais importante do que asexpressões empregadas no novo textoforam duas supressões. Primeiro,eliminou-se a restrição ao emprego derecursos públicos para cobrir os custosdo ER nas escolas públicas. Segundo,suprimiu-se a menção aointerconfessionalismo comomodalidade expressamentereconhecida de ER. A primeira omissãoabriu caminho para a negociação, emcada unidade da Federação, entre asentidades religiosas e os governosestaduais e/ou municipais para ofinanciamento de seus agentes noensino público. A segunda omissãoforneceu um reforço simbólico aos gru-pos que, dentro das entidades religio-sas, especialmente da Igreja Católica,pretendiam manter o caráterconfessional, em detrimento dos quedefendiam substituí-lo por um presumi-do denominador comum às diferentesreligiões, de caráter moral.

A EMC ficou ausente da constituiçãode 1988 e da LDB que se lhe seguiu.Contrariamente, verifica-se, após a re-

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"forma da LDB, a enfática retomada daantiga demanda da Igreja Católica, ago-ra secundada por parte das IgrejasEvangélicas, no sentido da efetivaimplantação do ER nos sistemas públi-cos de educação básica. A rapidez comque essa disciplina vem sendo nelesefetivada, inclusive mediante orecrutamento de professorescredenciados pelas entidades religiosas,em concursos públicos, como se fezem 2004 no Rio de Janeiro e em SantaCatarina, remete ao enfraquecimentopolítico do laicismo difuso (todavia efi-caz), que protelou, por décadas, aimplantação generalizada dessa disci-plina nas escolas públicas.

Conclusão: ER = EMC ?

No período estudado, o ER e a EMCexpressaram diferentes sentidos nojogo de forças entre o campo político eo campo religioso. O ER expressoutentativas do campo religioso deinstrumentalizar o campo político parapropósitos hegemônicos, via ação nocampo educacional. A EMC, por suavez, representou tentativas do campopolítico de instrumentalizar o camporeligioso para propósitos igualmentehegemônicos, pela mesma via daescola pública.

Quando as duas disciplinas integraramos currículos, simultaneamente, houveconvergência objetiva entre os respec-tivos propósitos instrumentalizadoressobre o ensino público: abrangente noEstado Novo (1937/45) e parcial naditadura militar (1964/85). Naqueleperíodo, os textos legais dispensaram

a base religiosa para a moral. Opensamento conservador relativo àfamília, por exemplo, eracompartilhado; no mais, o fascismo erabastante. A doutrina integralista,amplamente difundida entre oprofessorado, constituía uma conve-niente amálgama ideológica para usoimediato, apesar de seu insucesso polí-tico. Na ditadura militar dos anossessenta a oitenta, a base religiosa ca-tólica da EMC foi explicitamente evo-cada, assim como a participação ativado clero no ensino e na elaboração dematerial didático. A sintonia não foi,então, total devido a divergências so-bre questões explicitamente políticas,quando se deu a gradativa reorientaçãoda Igreja Católica no sentido da defesados direitos humanos. A disputahegemônica tomou, então, outroscaminhos.

Divergências de fundo entre asconcepções de ER e de EMC não foramencontradas no período estudado. Aocontrário, o uso de material do ER pelaEMC é expressão objetiva da sintoniaentre ambas as disciplinas, no que aIgreja Católica, mais do que qualqueroutra entidade religiosa, deu suacontribuição ativa e consciente.

Derrotada a ditadura militar, a EMCacabou extinta, primeiro, na prática;depois, na lei. O ER, por sua vez,permaneceu e resistiu à crítica que osgrupos laicos lhe moveram, por ocasiãoda elaboração da constituição de 1988.Consolidando seu espaço, a Igreja Ca-tólica passou a desenvolver intenso earticulado movimento, primeiro no cam-

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"po religioso, depois, no campo político.E logrou a modificação da LDB de1996, menos de um ano após suapromulgação, mediante a retirada darestrição ao pagamento dosprofessores de ER nas escolas públi-cas, além de outras vantagensinstitucionais.

Se a Igreja Católica obteve importan-tes apoios nos períodos de ditadura, pela“colaboração recíproca”, total ou par-cial, inclusive pela sintonia do ER coma EMC, foi justamente nos momentosde retomada das práticasparlamentares democráticas que elaexpandiu seu poder no âmbito daeducação pública. Foi isso o que vimosnas assembléias constituintes de 1933/34, de 1945/46 e de 1987/88, assimcomo no processo de elaboração ereformulação das duas LDBs, a dosanos 1960 e a dos anos 1990. Comefeito, o apoio na lei mostrou-se maisduradouro do que o obtido por medidasdo Executivo.

Nos 11 anos que decorreram desde apromulgação da segunda LDB, foramapresentados ao Congresso Nacional12 projetos de lei, bem como umarecomendação ao Ministro daEducação para que assuma a iniciati-va normativa. (Amaral, 2007) Visavamtodas à introdução de uma disciplinaobrigatória no ensino fundamental (prin-cipalmente), no ensino médio (secun-dariamente) e até no ensino superior,ora denominada de Educação Moral eCívica, ora de Ética, ora de Ética eCidadania, ora de Organização Sociale Política do Brasil. A religião é uma

presença constante nesses projetos, nosquais o controle social é objetivo explí-cito.

Mais do que sintonia entre o ER e aEMC, os últimos dez anos revelaramexistir uma tendência à fusão entre osconteúdos dessas disciplinas: de umlado, a vertente moral e cívica do ER,quando ministrado na modalidade inter/supra-confessional; de outro lado, osprojetos parlamentares de inserção dedisciplinas do tipo EMC, nos currículos,nas quais o conteúdo religioso éostensivo.

Tudo somado, a autonomia do campoeducacional é hoje menor do que a deduas décadas atrás, quando sepreparava a assembléia constituinte.No que concerne ao ER nas escolaspúblicas, a derrota política dos setoreslaicos ativos é um elemento, dentreoutros, da regressão da autonomia docampo educacional, quando cotejado aocampo político e ao campo religioso.Nesse quadro, o que se podeconjecturar para o ER nas escolas pú-blicas, no futuro próximo ?

Num primeiro momento, parece ter sidoeficaz a aliança cristã (católica e evan-gélica) em defesa do ER nas escolaspúblicas, derrotando a laicismo ativo oupassivo, explícito ou difuso. Emdecorrência do acelerado crescimentodos evangélicos pentecostais, no âmbitodas classes populares, justamente ondeas religiões de origem africanaencontravam seus adeptos, a correlaçãode forças no interior daquela aliançapoderá pender para o lado evangélico.

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�� �� ���� � �� �� ��� ���� ��� ��� �� ���� �� �� ��� � ��� �� ��� ��� !!"Num segundo momento, depois deefetivado o ER nas escolas públicas,sob a hegemonia cristã, não é descabidosupor que as disputas entre católicos eevangélicos, ainda latentes, sejamexplicitadas e venham a se tornar umelemento de conflito no interior das

escolas, para cuja pacificação seusdefensores pretendem contribuir. Épossível que se tenha, então, novascondições para a retomada da posiçãolaica no Brasil, em condições totalmentediferentes das prevalecentes ao inícioda República