resumo navegantes

26
Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil Introdução Quando Cabral chegou à Terra de Santa Cruz já tinha esta uma fronteira, a linda de 370 léguas a partir das ilhas de Cabo Verde, definida em Tordesilhas. O que não se sabia exatamente, nem então, nem mais de dois séculos depois, era onde passava. Ao criar em 1534 o sistema de capitanias hereditárias, D. João III procurou respeitar os limites de Tordesilhas. (Governo Geral estabelecido em 1549). No fim do século XVI surgiu, entretanto, um fenômeno histórico diverso: um conjunto denso de ações de penetração territorial, com origem num único local, objetivo predominante de caça ao índio e que ultrapassava com freqüência a linha de Tordesilhas, o bandeirantismo. Os espanhóis tiveram a sorte de achar grandes civilizações, ricas em prata, já nos primeiros anos após o descobrimento. Os portugueses, não; só no final do século XVII descobririam ouro na região montanhosa que depois se chamou “Minas Gerais” e que em poucos anos se tornaria o centro gavitacional da Colônia. A ocupação desse território não provocou, porém, nenhum conflito de fronteira com os espanhóis. Do ouro ponto do território, Belém, fundada em 1616, os portugueses foram-se apossando de lugares que deveriam ser espanhóis pela partilha de 1494. Já nas primeiras décadas do séc. XVIII tinham completado o feito excepcional de ocupar pontos estratégicos da imensa bacia amazônica. Em 1680, a coroa portuguesa patrocina a fundação da “Colônia do Santíssimo Sacramento”, na margem esquerda do Prata, em frente a Buenos Aires. Era uma tentativa de levar os limites do Brasil até o grande rio; todavia, nunca se conseguiu estabelecer por terra uma ligação segura entre esta e os núcleos portugueses mais ao sul, ficando sempre a colônia ilhada, sem poder resistir às forças espanholas.

Upload: alinelattari

Post on 26-Jul-2015

212 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: RESUMO Navegantes

Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil

Introdução

Quando Cabral chegou à Terra de Santa Cruz já tinha esta uma fronteira, a linda de 370 léguas a partir das ilhas de Cabo Verde, definida em Tordesilhas. O que não se sabia exatamente, nem então, nem mais de dois séculos depois, era onde passava.

Ao criar em 1534 o sistema de capitanias hereditárias, D. João III procurou respeitar os limites de Tordesilhas. (Governo Geral estabelecido em 1549).

No fim do século XVI surgiu, entretanto, um fenômeno histórico diverso: um conjunto denso de ações de penetração territorial, com origem num único local, objetivo predominante de caça ao índio e que ultrapassava com freqüência a linha de Tordesilhas, o bandeirantismo.Os espanhóis tiveram a sorte de achar grandes civilizações, ricas em prata, já nos primeiros anos após o descobrimento. Os portugueses, não; só no final do século XVII descobririam ouro na região montanhosa que depois se chamou “Minas Gerais” e que em poucos anos se tornaria o centro gavitacional da Colônia. A ocupação desse território não provocou, porém, nenhum conflito de fronteira com os espanhóis.

Do ouro ponto do território, Belém, fundada em 1616, os portugueses foram-se apossando de lugares que deveriam ser espanhóis pela partilha de 1494. Já nas primeiras décadas do séc. XVIII tinham completado o feito excepcional de ocupar pontos estratégicos da imensa bacia amazônica.Em 1680, a coroa portuguesa patrocina a fundação da “Colônia do Santíssimo Sacramento”, na margem esquerda do Prata, em frente a Buenos Aires. Era uma tentativa de levar os limites do Brasil até o grande rio; todavia, nunca se conseguiu estabelecer por terra uma ligação segura entre esta e os núcleos portugueses mais ao sul, ficando sempre a colônia ilhada, sem poder resistir às forças espanholas.

Com a descoberta de ouro em 1718, pelos bandeirantes, estabelece-se um sistema de transporte através de rios, uma das originalidades da História do Brasil, as “monções”. Eram comboios de canoas que, por mais de cem anos, ligaram São Paulo aos núcleos mineradores do Centro-Oeste.

As bandeiras, apesar de terem tido imensas conseqüências políticas, foram basicamente um movimento de inspiração econômica local.

Em 1750, Portugal e Espanha assinam o Tratado de Madri, que legalizava a ocupação de dois terços do atual território brasileiro; previa também a troca da Colônia do Sacramento pelos Sete Povos das Missões, aldeamentos fundados por jesuítas espanhóis no atual oeste do Rio Grande do Sul. Ao lado do Tratado de Madri, o único da história que dividiu um continente, todos os demais acordos de limites são de pouca importância. Desenhado pelo brasileiro Alexandre de Gusmão, estruturou-se em torno de dois princípios: o das fronteiras naturais

Page 2: RESUMO Navegantes

(cursos de rios e cumeadas de montanhas) e do utis possidetis, que determina que cada parte conserve o que ocupa no terreno.

Em 1761 o Tratado de El Pardo anula o de Madri. Em 1777, entretanto, o Tratado de Santo Ildefonso retoma as fronteiras de Madri, com exceção do extremo sul, onde os Sete Povos retornam à soberania espanhola. Em 1801 a guerra entre Portugal e Espanha provoca ocupações territoriais na Europa, e no Brasil tropas gaúchas conquistam para sempre a região dos Sete Povos.

As grandes preocupações políticas do novo Império concentravam-se no Prata. A Argentina era adversária. A situação no Uruguai no séc. XIX foi sempre tensa. Foi invadido por tropas portuguesas em 1821 e incorporado ao Império de D. Pedro I, como Província Cisplatina; tornou-se independente em 1828, ao final de uma guerra entre Brasil e Argentina, com o nome de República Oriental do Uruguai.

Na Amazônia foram necessárias quase três décadas para que se pudesse concluir um primeiro tratado de limites. A partir de então ficou perfeitamente estruturada uma sólida política de fronteiras, baseada no utis possidetis. Nessas bases houve acordo com Peru (1851), Venezuela (1859) e Bolívia (1867).

O traçado completo da linha divisória do Brasil é obra do começo da República, e o grande artífice da chamada “política de limites” foi o Barão do Rio Branco: sem guerras, conseguiu consolidar e ampliar as fronteiras brasileiras.

A ocupação do território brasileiro

Bandeirismo: a superação de Tordesilhas

As bandeiras se iniciam como apresadoras de índios, passando depois a assumir um caráter guerreiro no combate a indígenas rebelados ou negros aquilombados. Na sua fase final, as bandeiras tornaram-se mineradoras, povoadoras e ligadas à abertura de novas vias de comunicação.Os bandeirantes não denominavam assim suas incursões sertanejas, pelo menos na época das grandes campanhas contra os jesuítas missionários. Os líderes da bandeira, capitães, alferes e sargentos, eram portugueses ou colonos de terra. Os historiadores divergem entre o Tietê e o São Francisco como o primeiro rio em importância para a unidade territorial do país. Apesar disso, é hoje em geral aceito que as bandeiras foram um movimento basicamente terrestre. Suas rotas eram antigas trilhas indígenas , em sua grande maioria. Na verdade, os bandeirantes viam os rios não como caminhos, mas como obstáculos a serem transpostos.O chamado bandeirantismo de apresamento deveu-se menos ao abastecimento de mão-de-obra para os engenhos de açúcar do litoral, em especial do Nordeste, e mais às necessidades

Page 3: RESUMO Navegantes

da agricultura da região em torno de São Paulo, a mais importante área produtora de trigo de toda a colônia. O período da União Ibérica (1580-1640) é considerado por muitos fundamental para o surgimentos das bandeiras, bem como para seu desenvolvimento e a conseqüente ocupação das terras além-Tordesilhas. Com Portugal independente, os holandeses possivelmente não haveriam ocupado Pernambuco e feitorias portuguesas na África, fato que, provocando a escassez de escravos negros, estimulou o bandeirismo de apresamento de indígenas. É discutível o papel povoador que este movimento possa ter tido, sendo que alguns autores fala até mesmo em um caráter “despovoador”. Outra suposição que não se sustenta é a de que as bandeiras paulistas tiveram, além de suas finalidades reconhecidas da caça ao índio e da procura de metais preciosos, o objetivo de conquistas territórios para Portugal.Segungo Arno e Maria José C. de Wehling, in Formação do Brasil Colônia (1994),“Às vezes, as bandeiras têm sido excessivamente valorizadas na historiografia e na literatura do século XX como forma de justificar a importância ou mesmo a primazia de São Paulo na federação brasileira. Nem por isso, entretanto, devem ser minimizadas. Uma avaliação ponderada pode apontar, como suas principais conseqüências, o alargamento territorial do país, embora ao preço da escravização em larga escala dos indígenas e da destruição de missões jesuíticas espanholas; a descoberta de metais preciosos em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso; o melhor conhecimento orográfico e hidrográfico do interior do país; e a constituição de um núcleo de poder autóctone, em geral bem menos dependente das autoridades e dos comerciantes metropolitanos do que o representado pelos senhores de engenho.”

Rio da Prata: a fronteira desejada

O rio Amazonas foi colonizado por portugueses, depois da fundação de Belém, na sua foz, em 1616. No rio da Prata, a história é oposta: descoberto por portugueses, foi ocupado por espanhóis.O ouro de alguns pontos da costa, a caça aos índios e o gado abundante das “Vacarias Del Uruguay” começaram a atrair levas de paulistas ao litoral que ia de Cananéia, em São Paulo, ao rio da Prata. Paranaguá (1648), São Francisco (1650), a ilha de Santa Catarina (1675) e Laguna (1676) são os pontos sucessivamente ocupados no litoral, sempre na direção do sul.Por varias razões, o Governo português tinha decidido pouco antes de 1680 fundar um estabelecimento na margem norte do grande rio: ocupar uma área livre – toda a margem esquerda do Prata – e concorrer com os lucros do próspero contrabando efetuado por portugueses em Buenos Aires parecem ter sido os alvos imediatos. Após a construção da Colônia do Santíssimo Sacramento, os espanhóis tomaram o povoado nascente. A permanência castelhana durou até 1715, quando o Tratado de Ultrecht mandou restituir pela segunda vez a Colônia à soberania lusa. Os portugueses, em 1723, tentaram fortificar-se no sítio próximo, Montevidéu. Falhando sua ocupação, estabeleceram-se mais ao norte, em outro ponto intermediário de importância: o escoadouro da lagoa dos Patos, onde fundaram Rio Grande de São Pedro, em 1737, origem do Estado do Rio Grande do Sul. O primeiro nome

Page 4: RESUMO Navegantes

dessa região foi “continente” de São Pedro, certamente para distingui-lo da “ilha” de Santa Catarina.O próximo passo foi a assinatura do Tratado de Madri, em 1750, pelo qual Portugal, no sul, trocou a Colônia de Sacramento pelos Sete Povos (oeste do Rio Grande do Sul) e legalizou a posse das áreas ocupadas, o Centro-Oeste e o Norte na atual divisão regional do país. Todavia, Portugal não entregou a Colônia, pois, com a guerra guaranítica, não conseguiu pacificar os Sete Povos. Em 1762 os espanhóis tomam pela terceira vez a Colônia.

Rio Amazonas: a fronteira conquistada

O litoral norte da América do Sul, no trecho hoje brasileiro e guianense, não foi ocupado no século XVI: apresentando dificuldades para o estabelecimento humano, com costas quase desérticas no Ceará, de baixios nas proximidades do delta amazônico e de mangues nas Guianas, não revelou, ademais, nada que estimulasse a conhecida ambição dos espanhóis e portugueses. Talvez por esse abandono a primeira navegação completa do Amazonas tenha sido realizada a partir dos Andes e não a partir do delta marajoara, a entrada natural do continente.Só em 1616 é que os portugueses fundam, na foz do Amazonas, o Forte do Presépio, origem da povoação de Nossa Senhora de Belém. Contudo não foram fáceis as primeiras três décadas de Belém, anos de lutas constantes com estrangeiros e índios hostis; nas proximidades da grande reentrância amazônica havia estabelecimentos holandeses, ingleses e franceses, expulsos somente por volta de 1645. Para assegurar melhor apoio da metrópole à nova conquista, havia sido criado, em 1622, o Estado do Maranhão, com capital em São Luís, diretamente subordinado a Lisboa.

Assegurados alguns pontos básicos da bacia amazônica, percebeu a metrópole que teria dificuldades em ocupá-la sem ajuda da Igreja. Assim, a partir de 1657, quando jesuítas fundaram seu primeiro estabelecimento do rio Negro, foram os religiosos criando missões nas margens de vários rios da bacia (principalmente jesuítas, mas também franciscanos, carmelitas, capuchinos). A obra de catequese, fundamental para a ocupação portuguesa da Amazônia, foi realizada nas missões que, integradas por nacionais e apoiadas pela Coroa, agiam como representantes dos interesses de Portugal.

Entretanto, sem as “drogas do sertão” não haveria base econômica para se estabelecer permanentemente; prova disso é que as missões que prosperaram foram as que tiveram sucesso na exploração dessas especiarias americanas, valorizadas ainda mais no século XVIII, quando já estavam perdidas as possessões portuguesas no Oriente.

Sobre o papel do Estado: a ocupação da Amazônia não foi apenas conseqüência da geografia, que proporcionou aos portugueses, após a fundação de Belém, o acesso à magnífica avenida de penetração e às estradas fluviais dos afluentes do grande rio; nem foi somente obra dos indivíduos, cujos interesses, espirituais ou materiais, os levaram a entrar naquele imenso

Page 5: RESUMO Navegantes

sertão florestal. A conquista da Amazônia teve sempre, em escalas variáveis no tempo e no espaço – mais nítida no norte, menos no sul – a orientação e o apoio da Coroa portuguesa. Foi empresa oficial.

Monções: a ocupação do Oeste

É discutível a inclusão do tema monções no movimento bandeirante. Diferente das bandeiras, as monções eram exclusivamente fluviais; seguiam roteiros fixos, passando por pontos conhecidos, onde, com o tempo, se formavam arraiais; e tinham um único objetivo, chegar às minas de ouro dos rios Cuiabá e Guaporé. Como afirma Leando Arroyo, “o rio e sua disciplina natural estavam em contradição com a mobilidade do bandeirante, preador de índios e caçador de ouro, mas se ajustavam à rotina do povoador e do comerciante.”Há, entretanto, pontos comuns entre as bandeiras e as monções, antes de tudo porque são basicamente movimentos de expansão territorial: as primeiras levaram ao conhecimento da terra em várias regiões do Brasil, as segundas garantiam o povoamento do centro do continente. Sérgio Buarque de Holanda vê as monções como as continuadoras das bandeiras. Foram realmente as monções que consolidaram a posse das terras entre o planalto de Piratininga e os campos e florestas do oeste, regiões há muito trilhadas por bandeirantes e que correspondem a boa parte dos atuais Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia.A história das monções, que durou mais de cem anos, começa com o descobrimento de ouro em afluentes do rio Cuiabá. Essa riqueza fácil a abundante explica o excepcional deslocamento populacional para aquelas regiões, tão distantes dos núcleos urbanos do Brasil Colônia. No começo do século XIX já estavam agonizantes, em sintonia com a decadência da produção aurífera.A descoberta de ouro em Goiás, em 1725, preencheu o perigoso vazio populacional que havia no Planalto Central, ao norte da rota das monções, e justificou a abertura de um caminho terrestre para Goiás, mais tarde prolongado até Cuiabá; introduziu na região o ciclo do muar, que acabou por substituir o das monções.

Se não há dúvida quanto à participação governamental na ocupação do Norte e do Sul, a “conquista do oeste” é vista geralmente como conseqüência, primeiro, das explorações bandeirantes, depois, da fixação dos aventureiros, agora transformados em mineradores. Todavia, também se pode encontrar marcos da ação do Estado, embora bem menos nítidos do que no Sul e no Norte.

No tempo da conquista de Mato Grosso, o Brasil estava dividido em dois Estados, sendo o Estado do Maranhão, com capital em São Luís e, a partir de 1737, em Belém, ligado diretamente a Lisboa. Não havia comunicação, nem física nem administrativa, entre ambas as unidades coloniais. As ligações por mar eram extremamente difíceis e por terra praticamente não existiam. O centro da América do Sul era o grande sertão desconhecido. A partir de Belém,

Page 6: RESUMO Navegantes

havia menos iniciativas para atingir o Centro-Oeste porque toda a energia da conquista concentrava-se, nos primeiros tempos, na foz do grande rio, e, mais tarde, na penetração pela calha principal. Com as minas de Mato Grosso, descobertas poucos anos depois, é que se foi fixando a população brasileira na área.

Ao terminar a Guerra Platina (1735-1737), o ponto de tensão entre Portugal e Espanha deslocou-se do Sul para o Centro-Oeste. A partir de 1752, o governo passa a estimular as comunicações entre Vila Bela e Belém, revertendo a política anterior e oficializando, assim, as monções do norte. As monções do norte duraram menos que as cuiabanas; começaram depois e morreram juntas na segunda década do século XIX. Nessa época, a ligação terrestre entre Vila Bela, Cuiabá e as cidades da costa leste – sempre mais importantes do que Belém – passaram a ser absolutamente dominantes, o que provocou a dependência econômica definitiva do Centro-Oeste para com o Sudeste.

As negociações dos limites terrestres

O Tratado de Madri e Alexandre de Gusmão

O século XVI, o primeiro da colonização portuguesa na América, basicamente dedicado à ocupação de pontos isolados no litoral leste, viu surgirem as entradas pioneiras. O século XVII foi o período das grandes bandeiras paulistas, trilhando o Sul e o Centro-Oeste; foi também a época da fundação de Belém, das tropas de resgate e das primeiras missões de religiosos portugueses no rio Amazonas e seus afluentes; em 1680, o governador do Rio de Janeiro funda a Colônia do Sacramento, na tentativa de assegurar a fronteira natural do Prata. A primeira metade da centúria seguinte foi o tempo das “minas gerais”, dos centros mineradores de Goiás e Mato Grosso e das monções cuiabanas que ligavam Cuiabá a São Paulo; da consolidação da presença portuguesa em vários rios da Amazônia e das monções do norte, a navegação entre Vila Bela e Belém; e, também, das lutas pela posse da Colônia e das tentativas de ocupação do território que hoje se divide entre o Estado do Rio Grande do Sul e o Uruguai.1750 um marco divisório para o Brasil. Atingido o auge, começa a diminuir a produção aurífera; morre D. João VI (reinado mais longo da História de Portugal) e sobe ao trono D. José I, inaugurando, com seu ministro Pombal, a época do despotismo esclarecido; completa-se, com a extinção das bandeiras paulistas, um ciclo muito importante da ocupação do território brasileiro; e assinam o Tratado de Madri as potências coloniais.

Já em 1761 era o tratado anulado pelo Tratado de El Pardo. Retomado quase integralmente, à exceção da fronteira sul, pelo Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, foi de novo anulado em 1801, com mais uma das guerras peninsulares. Durou, portanto, muito pouco; apesar dessa curta vigência, é na História do Brasil o texto fundamental para a fixação dos contornos do

Page 7: RESUMO Navegantes

nosso território. Foi ele que legalizou a posse do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso e da Amazônia, regiões situadas a oeste da linha de Tordesilhas. Ao fixar os limites brasileiros estava também estabelecendo as lindes terrestres básicas de todos os dez vizinhos do Brasil.Ao se olhar um mapa do Brasil com a linha reta de Tordesilhas, tem-se a impressão de que a Espanha cedeu muito; a explicação corrente é que houve uma compensação global: no Oriente, foi a Espanha quem legalizou a posse de regiões que seriam portuguesas pela divisão de 1494, como as ilhas Filipinas e Molucas.

Alexandre de Gusmão foi secretário particular de D. João VI. Como principal artífice do Tratado de Madri, foi o primeiro a expressar claramente os princípios que norteiam o acordo, princípios posteriormente chamados de utis possidetis e das fronteiras naturais.A ocupação dessa base física legalizada pelo Tratado se deu da seguinte forma:a) Amazônia: o império colonial espanhol na América do Sul estava centralizado em Lima, sede do Vice-Reinado do Peru; fundada por Francisco Pizarro, em 1530, Lima era o principal porto de saída das riquezas minerais que os espanhóis descobriram na sierra. A famosa mina de Potosí, descoberta no alto Peru (atual Bolívia) em 1545, com suas imensas reservas de prata, contribuiu para que boa parte da população européia se fixasse nas montanhas; por volta de 1650, com cerca de 160 mil habitantes, Potosí era o maior centro populacional das Américas. Bem diferente sorte tiveram os portugueses, que durante dois séculos percorreram em vão os sertões para achar um “outro Peru” no Brasil. Por que iriam, então, os espanhóis descer a montanha para aventurar-se na selva amazônica, se tinham à mão as maiores riquezas do universo?Certamente mais importante para explicar por que foram os portugueses e não os espanhóis que ocuparam a Amazônia são as razões da geografia fluvial. Desde o começo da colonização os portugueses haviam-se apossado das melhores portas de entrada da planície. Pelo sul, existiam as trilhas dos bandeirantes e, no século XVIII, a rota das monções; pelo norte, ocupada a foz do Amazonas, estava assegurado o acesso o restante do rio. Com os espanhóis ocorria o oposto: era extremamente difícil deslocar-se para a Amazônia a partir da costa do Pacífico e dos centros urbanos das regiões andinas.

b) Centro-Oeste: aqui foi diferente: houve alguma resistência à ocupação portuguesa. Os espanhóis estavam mais perto, no Paraguai, e especialmente nas missões jesuíticas. Em 1614 ocorreram os primeiros choques entre frentes bandeirantes e missões situadas ao sul da região. Assunção, fundada em 1537, foi um poderoso núcleo de expansão no início do processo colonizador. O grande Paraguai murchou junto com o esvaziamento da colonização espanhola nessa região, ao passo que Buenos Aires despontava. E por que os espanhóis, ao conhecerem a penetração da zona de Cuiabá, não reforçaram militarmente a área? Não se pode ignorar que, nos anos imediatamente anteriores à assinatura do Tratado de Madri, a Espanha era um país enfraquecido por crises e guerras e convencido de que na América do Sul não estava em condições de povoar o centro do continente, nem de impedir que os portugueses o fizessem. Ademias, era nova região não era muito importante para os espanhóis.

Page 8: RESUMO Navegantes

c) Sul: era uma área bem menor mas que, para os dirigentes da época, era muito mais importante: a Colônia do Santíssimo Sacramento. Em torno do Prata que se deram os conflitos coloniais mais importantes; e, depois, no Império, as únicas guerras que envolveram o Brasil, as do Uruguai (1820-1821, 1826-1827 e 1864), da Argentina (1850-1852) e a do Paraguai (1864-1870). Era antigo o objetivo português de fazer os limites do Brasil chegarem ao Prata. Nunca conseguiram, entretanto, ocupar os territórios que uniriam Sacramento ao resto do Brasil.Dentre as iniciativas para fazer do rio da Prata a divisa meridional do país, a primeira foi uma falsificação geográfica tão convincente que chegou a se difundir por outros países europeus. A outra foi a política de ocupação do atual Sul do Brasil. Antes da fundação da Colônia de Sacramento, foi muito relevante o estabelecimento do núcleo irradiador de Laguna (1676); depois houve a fundação, em 1737, da colônia militar de Jesus, Maria e José (Rio Grande), no único local possível – o canal de deságüe da lagoa dos Patos – da costa sem portos. Mas o fato mais notável foi a grande imigração organizada pela Coroa, na década de 1740, que previa o transporte de 4.000 casais açorianos para Santa Catarina e o Rio Grande. Aqui desenvolveu-se então o chamado Porto dos Casais.

- Negociações do Tratado: o que Portugal buscava era negociar tratado equilibrado, que, à custa de ceder no Prata, se necessário, conservasse a Amazônia e o Centro-Oeste e criasse, no Sul, uma fronteira estratégica que vedasse qualquer tentativa espanhola nessa região, onde a balança de poder pendia para Buenos Aires. Já para a Espanha, o objetivo primeiro era parar de vez a expansão portuguesa, que comia gradativamente pedaços de seu império na América do Sul; depois, reservar a exclusividade do estuário platense, evitando o contrabando da prata dos Andes, que passava por Colônia; por fim, aproveitar que a paz proporcionada pelo acordo impedisse que a rivalidade peninsular na América fosse aproveitada por nações inimigas de Madri (numerosas na Europa) para aí se estabelecerem.

As propostas portuguesas, elaboradas por Alexandre de Gusmão, articulavam-se em torno das seguintes linhas:

a) era necessário celebrar um tratado geral de limites, e não fazer ajustes sucessivos sobre trechos específicos;

b) tal tratado só poderia ser feito abandonando-se o meridiano de Tordesilhas (desrespeitado por ambos);

c) as colunas estruturais do acordo seriam os princípios do utis possidetis e das “fronteiras naturais”;d) a Colônia do Sacramento e o território adjacente eram portugueses, se não pelo Tratado de Tordesilhas, certamente pelo segundo Tratado de Utrecht, de 1715;

e) poder-se-ia admitir que uma parte troque com a outra partes mas proveitosas para um ou para outro.

Page 9: RESUMO Navegantes

Com o decorrer das negociações, foi-se singularizando o território das reduções jesuíticas dos Sete Povos como a moeda de troca da Colônia do Sacramento. Alexandre de Gusmão apresenta o Mapa das Cortes, que apresenta a linha de Tordesilhas deslocada para oeste...Houve vários atritos entre demarcadores portugueses e espanhóis na Amaônia, mas foi no Sul que as demarcações chegaram ao impasse mais grave, com a resistência dos jesuítas e dos indígenas dos Sete Povos ao êxodo a que estavam condenados pelo Tratado. O episódio ficou conhecido como Guerra Guaranítica (1755-1756).

Assim, o Tratado se assentava sobre novas proposições: Portugal ocupou as terras na América, mas a Espanha se beneficiou no Oriente; as fronteiras não mais seriam abstratas linhas geodésicas, como a de Tordesilhas, mas sim, sempre que possível, acidentes geográficos facilmente identificáveis; a origem do direito de propriedade seria a ocupação efetiva do território; e, em casos excepcionais, poderia haver troca de território.

A deterioração das relações entre as Coroas, provocada, na Espanha, pela ascensão em 1760 de Carlos III, um opositor do acordo, e, em Portugal, pela consolidação do poder de outro, o Marquês de Pombal, foi seguramente causa importante da rápida morte do acordo. Pombal era contra o Tratado porque não concordava com a cessão da Colônia do Sacramento.Em 1761 os dois países assinaram o Tratado de El Pardo, pelo qual o de Madri ficava cancelado. Voltava-se assim, pelo menos em teoria, às incertezas da divisão de Tordesilhas. Na prática, nenhuma nação pretendia renunciar a suas conquistas territoriais. O Tratado de El Pardo apenas criava uma pausa até o momento propício para um novo ajuste de limites. Esse momento surgiu em 1777, ano em que D. Maria I sobe ao trono de Portugal, com uma política de reação ao pombalismo. O Tratado de San Ildefonso reza que Portugal conservava para o Brasil as fronteiras oeste e norte, mas cedia a Colônia do Sacramento sem receber a compensação dos Sete Povos das Missões. Se foi um recuo em relação ao Tratado de Madri, ainda assim, confirmava a inclusão no território nacional de praticamente toda a área dos famosos dois terços do Brasil extra-Tordesilhas.

Em 1801 a situação agravou-se com nova guerra entre as nações peninsulares. Na América, Portugal retoma, agora para sempre, o território dos Sete Povos, empurrando a fronteira até o rio Quaraí.

Ao fim do período colonial, o mapa brasileiro estava quase definido. É interessante notar que isso não ocorreu no restante da América do Sul, nem na América do Norte, onde as grandes alterações de fronteiras deram-se depois da Independência. Ao fim, era a posso, base do Tratado de Madri, que continuava a definir o território.

As fronteiras do Império

Uma vez que não pudemos fazer do rio da Prata nossa fronteira “natural”, havia necessidade

Page 10: RESUMO Navegantes

de defender as fronteiras sulinas e impedir que a Argentina readquirisse, à custa da independência do Uruguai e do Paraguai, as dimensões do antigo Vice-Reinado do Rio da Prata. Todas as guerras de nosso passado imperial tiveram por cenário a região e se centravam, do ponto de vista brasileiro, no Rio Grande do Sul, a província que tinha mais contatos com os países vizinhos e, por essa razão, aquartelava a maior parte das tropas terrestres do país.

Na Amazônia o novo Império teve também dificuldades para estabelecer suas fronteiras com os sete vizinhos regionais. As comunicações entre Belém e Rio de Janeiro, à época da Independência, continuavam tão difíceis quanto em 1621, quando se criou, exatamente por essa razão, o Estado do Maranhão.

A forma monárquica de governo que o Brasil assumiu tem sido em geral apontada como uma das causas da unidade brasileira. No que concerne à Amazônia, talvez as comunicações fluviais também tenham contribuído para essa unidade. A Independência, só conhecida na Amazônia mais de um ano após sua proclamação, não foi aí recebida com festas; ao contrário, houve resistências e revoltas durantes as três primeiras décadas do Império (a Cabanagem – 1835-1840 – teria deixado quarenta mil mortos numa população que não passaria de cem mil). Há um relativo abandono da Amazônia no século XIX, pela importância que nesse período assumiram as chamadas questões platinas.

Por volta de 1850 ocorreram dois fatos que mudaram fundamentalmente a vida econômica da região amazônica: a navegação a vapor, que tornou muito mais acessíveis os pontos mais distantes da grande bacia fluvial, e a crescente produção de borracha, que atraiu contingentes expressivos de nordestinos, que se deslocavam para zonas até então inabitadas.Quanto à questão do uti possidetis, a doutrina da não-validade de Santo Ildefonso e do conseqüente recurso ao uti possidetis para resolver problemas de fronteira foi pouco a pouco firmando-se na diplomacia imperial. Havia incertezas quanto às regras a serem utilizadas para negociar tratados de fronteiras. A Duarte da Ponte Ribeiro cabe a primazia de ter aconselhado, no Império, o uso do uti possidetis para resolver nossos problemas de limites. Esse princípio só passou a ser norma geral da diplomacia imperial a partir de 1849. Hildebrando Accioly define clara e simplesmente o uti possidetis: “é a posse mansa e pacífica, independente de qualquer outro título”. Ficou também claro, a partir da metade do século XIX, que o Tratado de Santo Ildefonso teria apenas valor indicativo, quando não houvesse a ocupação do terreno disputado. A utilização desse princípio foi, sem dúvida, uma vantagem para o Brasil, nação mais ativa na ocupação do território do que seus vizinhos amazônicos. Na verdade, o princípio adapta-se como uma luva aos interesses da nação mais expansionista; é a resposta diplomática dinâmica a uma política territorial também dinâmica. Não está, pois, o uti possidetis entre os princípios mais universalmente aceitos do Direito Internacional. Vinculado ao ato da ocupação, só é admissível no período de formação das fronteiras, não mais o sendo quando o território nacional já está definido por um tratado.

Page 11: RESUMO Navegantes

É importante lembrar que na América do Sul o Brasil é o único país que não tem problema de fronteira com nenhum país limítrofe e que todos os outros os têm entre si.Duarte da Ponte Ribeiro foi um dos grandes diplomatas do Império, estudioso das questões de limites, hábil negociador e talvez o diplomata que mais tenha contribuído para a formulação e execução da bem sucedida política de fronteiras do Império.

O tratado de 1851 com o Peru

As fronteiras do Brasil com o Peru são as mais distantes da costa atlântica. Os Tratados de Madri e Santo Ildefonso, fiéis ao princípio dos limites naturais, estabeleciam nesse trecho uma fronteira totalmente fluvial (os rios Javari, Solimões e Japurá). Havia, pois, um triângulo de terras hoje brasileiras, de dimensão equivalente a um terço do Acre, que pertencia ao Vice-Reinado do Peru.

Nos cem anos que se passaram entre o Tratado de Madri e a assinatura, em 1851, do tratado de limites com o Peru, luso-brasileiros pouco a pouco foram ocupando pontos na margem norte do Solimões, inclusive no trecho que seria espanhol pelos tratados coloniais. Em 1766 funda-se, bem em frente à boca do Javari, o forte de São Francisco Xavier de Itabatinga, que se tornou a âncora que fixou a soberania lusa naquela parte da Amazônia.

Para limitar esses confins e pôr ordem nesse caos, foi assinado o tratado de 1851, o primeiro assinado e ratificado pelo Império e um país amazônico. Esse tratado, cujo título oficial é “Convenção Especial de Comércio, Navegação Fluvial, Extradição e Limites” tem características notáveis: a) estabeleceu o padrão pelo qual todos os outros tratados de limites com as nações amazônicas seriam negociados, introduzindo a praxe de trocar facilidades de navegação pelo rio Amazonas, porta de saída de toda a bacia, por vantagens territoriais; b) adotou pela primeira vez, entre as nações sul-americanas independentes, o princípio do uti possidetis, na versão brasileira, para o estabelecimento dos limites bilaterais; c) estabeleceu a prática salutar de se negociar apenas com uma república de cada vez; d) incorporou ao Brasil uma área de aproximadamente 76.500 km².

No Peru e seus vizinhos hispânicos o tratado foi mal recebido, suscitando veementes ataques ao que parecia uma cessão de terras ao Brasil. Porém há que se ter em conta que o que interessava ao Peru era a livre navegação no Amazonas.

O tratado de 1859 com a Venezuela; negociações com a Colômbia

É prático, no Império, tratar conjuntamente do estabelecimento dos limites do Brasil com a Colômbia e com a Venezuela, primeiro porque o tema começou a ser veiculado quando ambas as unidades integravam a Grã-Colômbia; segundo porque, ao se separarem, ficaram

Page 12: RESUMO Navegantes

indefinidos os limites entre as duas nações na Amazônia. Os Tratados de Madri e Santo Ildefonso eram particularmente vagos na região ao norte do rio Amazonas, só muito mais tarde perfeitamente conhecida. Basta lembrar que o Pico da Neblina, ponto culminante do Brasil, só foi descoberto em 1964.

Logo depois da Independência, a Grã-Colômbia e o Império do Brasil tentaram, sem sucesso, negociar um tratado de limites; não havia, contudo, uma idéia comum das bases para uma negociação. Firmou-se um acordo, baseado no uti possidetis, com a Venezuela, em 1852, e com a Colômbia, em 1853. Em 1859 o Brasil celebrou com a Venezuela um Tratado de Limites e Navegação Fluvial que, sem mencionar especificamente o princípio do uti possidetis, definia a mesma divisória do tratado de 1852, reconhecendo as posses portuguesas no alto rio Negro. O governo colombiano logo protestou, alegando que o tratado dividia terras colombianas. Era já a rotina de protestos de nações vizinhas, após a celebração de tratado de linhas fronteiras entre uma república amazônica e o Brasil. Este seguia a regra geral de negociar com o vizinho que tinha a posse efetiva da região.

O tratado de 1867 com a Bolívia

As relações do Império com a Bolívia, no início de suas vidas independentes, viram-se prejudicadas pelo ressentimento boliviano derivado da incorporação a Mato Grosso da Província de Chiquitos – mesmo desautorizado pelo Governo do Rio de Janeiro, o ato teve conseqüências no relacionamento global do Império com as repúblicas hispânicas. Também dificultavam as relações diplomáticas a instabilidade política do país andino, centro da riqueza espanhola durante maior parte da Colônia, agora independente mas empobrecido.A Bolívia insistia para que o Tratado de Santo Ildefonso fosse tomado como base do acordo. Em 1867 foi assinado o Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição. O trecho note da fronteira foi o mais importante do ponto de vista diplomático, dado que anos depois estaria no âmago da “Questão do Acre”. Em 1867, em plena Guerra do Paraguai, o Brasil precisava ter mais simpatia na América Latina, tendo por isso pressa em resolver suas incertezas fronteiriças com a Bolívia, país com o qual tem a mais longa divisa comum, razão pela qual não podia esperar outro momento para negociar um acordo mais favorável. Mato Grosso incorporava, pelo tratado de 1867, uma faixa de terra a oeste da linha definida nos tratados coloniais.

Formação das fronteiras do Sul: até 1776, ano da criação do Vice-Reinado do Rio da Prata, toda essa grande aera era subordinada ao Vice-Reinado do Peru, cuja capital, Lima, era a maior cidade do continente ao final do século XVIII. A distância e as dificuldades de comunicação entre Lima e Buenos Aires davam, entretanto, grande autonomia a esta no trato dos problemas regionais. No século XVIII Assunção já estava em decadência e Buenos Aires firmara-se como o núcleo da região platina. Ao final do século, assume também papel preponderante entre as cidades do norte argentino. Sem dúvida os conflitos regionais com o

Page 13: RESUMO Navegantes

Brasil foram motivo importante para a criação do Vice-Reinado. Na Argentina, como nas outras colônias espanholas da América, a intervenção de Napoleão na Península Ibérica precipitou o movimento de independência. Em 1810 Buenos Aires declara-se “cabildo aberto” e pretende governar todo o Vice-Reinado em nome do monarca espanhol. Durante os longos anos de batalhas (1810 a 1824) Buenos Aires tentou manter a integridade do território; porém, Uruguai e Paraguai já tinham, a essa altura, as raízes de uma nacionalidade própria.No Paraguai, Francia e sua ditadura decidiram isolar o país. No Uruguai, a população rural era muito parecida com a do Rio Grande do Sul. A região toda era chamada de vacarias do Uruguai, uma terra de ninguém. Incorporada ao território brasileiro, em 1821 passa a chamar-se Província Cisplatina, o que vai gerar guerra entre Brasil e Argentina. Em 1828, com intervenção britânica, Brasil e Argentina dão por encerrado o conflito e reconhecem a independência do Uruguai. O que se seguiu no novo país foram décadas de grande instabilidade política. Dois partidos dividiam a cena: os “blancos”, em geral simpáticos à Argentina, e os “colorados”, mais propensos ao Brasil.

A situação uruguaia em 1864 era de virtual guerra civil. Este estado de agitação refletia na vida do Rio Grande, principalmente na região fronteiriça, onde havia muitos brasileiros proprietários de estâncias no Uruguai. A pressão gaúcha por intervenção no Uruguai contrariava a linha central da política do Rio de Janeiro. Quanto à Argentina, as relações e tensões uruguaias eram ainda mais fortes. O Brasil, depois de 1828, não tinha mais nenhuma intenção anexadora; a Argentina, sim.

Em 1864, o General Netto, veterano de guerras sulistas, foi enviado à corte com queixas dos estancieiros do Rio Grande do Sul. O Brasil então exigiu compensação econômica pelos prejuízos sofridos pelos gaúchos com a situação uruguaia. (Em 1864 assume José Maria da Silva Paranhos).

Quanto ao Paraguai, o país era ainda uma das nações mais fechadas do continente. As relações com o Brasil eram boas, apesar de o Paraguai ter uma reivindicação de fronteira, no Mato Grosso. Com a Argentina, tinham divergências fronteiriças de maior vulto. Em 11 de novembro de 1864, foi apreendido, após zarpar de Assunção, um vapor mercante brasileiro que transportava o novo governador do Mato Grosso. [O Paraguai tinha um exército disciplinado e bem treinado de 64.000 homens, e a força terrestre brasileira não passava de 18.000 homens; a da Argentina, por volta de 8.000, e do Uruguai, 1.000]

López dividiu suas forças: pelo norte invadiu Mato Grosso; pelo sul pretendia chegar a Montevidéu, então sitiada pelos brasileiros. Cometeu então um erro grave: apesar da derrota dos blancos no Uruguai, achou que podia reverter a situação marchando para Montevidéu (em fevereiro de 1865, Flores é o vencedor “colorado” da guerra civil uruguaia, com apoio de Brasil e Argentina; o Paraguai perde o aliado “blanco”) ; pediu autorização para atravessar Corrientes e, como não a obteve, invadiu a província na suposição de que Urquiza o apoiaria. Não pode evitar a declaração de guerra da Argentina. Poucas semanas depois estava assinado o Tratado da Tríplice Aliança. Em 11 de junho, na batalha naval de Riachuelo, a marinha paraguaia é

Page 14: RESUMO Navegantes

praticamente destruída. Em 5 de agosto, tropas paraguaias tomam Uruguaiana. A partir de 1866, quando tropas aliadas cruzam a fronteira, a guerra é levada ao território paraguaio. López é perseguido e morto.

A Guerra do Paraguai é um fato marcante na evolução política do Império: provoca o crescimento do exército brasileiro e o início de sua atuação como força política interna (com implicações decisivas para o fim do Império); o problema da escravidão ficou mais evidente com a contradição das tropas brasileiras, compostas em boa medida por gente negra, defendendo um sistema que as oprimia.

Terminada a guerra, acentuam-se as divergências entre Brasil e Argentina. Contrariando disposições do Tratado da Tríplice Aliança, o Brasil faz uma paz em separado, em 1872, fixando definitivamente sua fronteira com o Paraguai. Foi a última fronteira estabelecida no Império.

O Barão: em 1902 foi convidado por Rodrigues Alves para ser Ministro das Relações Exteriores, e completou sua grande obra com o fechamento definitivo, através de acordos solenes e indiscutíveis, das fronteiras do Brasil. A chamada questão do Acre, com a Bolívia, que estava em fase explosiva quando assumiu o Ministério, foi se teste de estadista. Atuou, então, em múltiplos planos: mudou a interpretação brasileira do Tratado de 1967; criou fatos novos ao denunciar o arrendamento da região a um sindicato anglo-americano; e conseguiu, finalmente, com grande habilidade negociadora, chegar a acordo satisfatório em uma crise que parecia a muitos sem saída pacífica. Saliente-se uma vez mais que o Brasil, hoje, não tem problemas de fronteiras com nenhum de seus dez vizinhos. Rio Branco faleceu em 1912 em seu gabinete no Palácio do Itamaraty. Como ministro, fechou, através de acordos bilaterais com nossos vizinhos, a linha das fronteiras brasileiras, fato inigualável; deu relevo à aliança com os Estados Unidos da América, deslocando da Europa para nosso continente o eixo da política exterior brasileira; e propôs o estreitamento das relações com os países do sul do continente, a Argentina e o Chile.

A questão de Palmas

A fronteira entre o Brasil e a Argentina é totalmente fluvial, à exceção de um pequeno trecho terrestre de cerca de 24 km que liga pelas cumeeiras as nascentes de dois afluentes, do Rio Uruguai e do Iguaçu. Essas divisas, como quase todas as outras do Brasil, vêm dos tempos coloniais, definidas que foram pelo Tratado de Madri. O Tratado de Santo Ildefonso mudou as fronteiras no sul do Brasil. Colocando a região dos Sete Povos sob a soberania espanhola, fez do Uruguai um rio exclusivamente espanhol até a foz do Peperi.Terminada a Guerra do Paraguai, em 1870, houve várias tentativas de se resolver a questão, que se agravou em 1888 quando a Argentina levou ainda mais para leste (e, portanto, mais para dentro do território brasileiro) suas reivindicações. Os governos do Brasil e da Argentina assinaram em 7 de setembro de 1889 um tratado que submetia a questão à decisão arbitral do Presidente dos Estados Unidos. O território contestado acabou dividido em duas partes iguais,

Page 15: RESUMO Navegantes

e o acordo não foi bem recebido no Brasil. O Congresso refutou o acordo, em 1891.O que a Argentina reivindicava era uma porção do nosso território que, se obtida, deixaria o Rio Grande do Sul unido ao resto do Brasil por uma estreita faixa de terra de pouco mais de 200 km. E o Rio Grande do Sul era o Estado que justamente merecia mais cuidados: no começo do Império houve a Revolução Farroupilha e agora, no começo da República, estava ocorrendo a guerra entre federalistas e republicanos (1893-1895). O envolvimento de tropas gaúchas em problemas das nações platinas e vice-versa, a similitude das formações sociais entre os gaúchos do Uruguai, da Argentina e do Rio Grande do Sul e a própria especificidade do Estado, tão defendida pelos republicanos “comtistas” de Júlio de Castilhos e consagrada na constituição de 1891, deixavam no ar um perigoso cheiro de separatismo. O território contestado tinha pouco mais de 30.000 km² e se dividia entre Santa Catarina e o Paraná. Chama-se à questão “de Palmas” porque na época pertencia à comarca do mesmo nome.No fundo, a questão que se submetia ao Presidente dos Estados Unidos era saber se a fronteira era pelos dois rios que o Brasil indicava, o Peperi e o Santo Antônio, ou se era pelos que a Argentina indicava, com esses mesmos nomes, isto é, os nossos Chapecó e Jangada. A sentença arbitral do Presidente Grover Cleveland foi favorável ao Brasil, em 1895.

A questão do Amapá

Fundada Belém em 1616, os portugueses lograram expulsar os estrangeiros que tentavam fixar-se em pontos estratégicos da imensa e complexa foz do Amazonas. Para consolidar sua posição na margem esquerda do baixo Amazonas, criaram, em 1637, a Capitania do Cabo Norte, cuja área corresponderia à do atual Estado do Amapá, dilatado para o interior do continente. No litoral, a capitania estendia-se da foz do Amazonas até o rio Oiapoque. Nessa época, os franceses já se haviam estabelecido na vizinha Guiana e tinham pretensões sobre a área do Cabo Norte. As disputas se prolongam ao longo dos anos; finalmente, em 1897, firma-se um compromisso arbitral, atribuindo-se ao Presidente do Conselho Federal Suíço a decisão do conflito. Pela segunda vez soava a hora de Rio Branco, novamente designado para advogado brasileiro. Considerava ele a questão mais difícil de ser vencida, por tratar-se de conflito com uma das potências mundiais da época. No fundo, como em Palmas, a questão básica era identificar corretamente um curso d’água. Em dezembro de 1900 foi dada a sentença, inteiramente favorável ao Brasil, garantindo o limite do rio Oiapoque.

A questão de Pirara

Ao contrário de nossas outras questões de limites levadas ao arbitramento, os problemas com a Guiana Britânica não se iniciaram na Colônia, mas sim no século XIX, no início do Segundo Reinado, pela ação de um único homem, um geógrafo alemão naturalizado inglês que, em 1835, fez uma viagem de exploração pelo interior da Guiana Inglesa. Em sua segunda viagem, agora a serviço do governo inglês, encontra desarmado o posto militar brasileiro no Pirara, e reduzida guarnição no Forte São Joaquim. Era a época da Cabanagem e o Pará passava por um

Page 16: RESUMO Navegantes

período de imensas dificuldade. Resolveu então o geógrafo formar um movimento apoiando a apropriação da área pelo seu governo. Em 1842, ambos os governos resolvem neutralizar a zona em litígio, mas o fazem de uma forma prejudicial ao Brasil. Em 1898, a Inglaterra propõe uma fronteira natural, que deixava cada país com praticamente metade da área contestada; não foi aceita pelo governo brasileiro.

Para sair do impasse, a Grã-Bretanha e o Brasil decidiram pelo arbitramento, entregando a questão ao Rei da Itália, Vitorio Emanuelle III. Joaquim Nabuco, em 1899, foi designado como advogado brasileiro. A doutrina em que se baseava a defesa centrava-se em dois princípios: o do inchoate title (título incompleto), que dá ao possessor temporário ou intermitente direito contra terceiros; e o do watershed (separação das vertentes), que dá ao ocupante de um rio certos direitos sobre seus afluentes. Contudo, a decisão de 1904 decepciona os brasileiros. O território é dividido em duas áreas, ficando a Grã-Bretanha com 60% e o Brasil com 40% do especo em litígio. Por essa sentença, a Inglaterra ganhou mais do que havia proposto anteriormente em negociações diretas; a região do Pirara, origem do conflito, passou também à soberania inglesa.

O Acre

A produção da borracha atraiu à Amazônia, entre 1860 e 1900, cerca de quinhentos mil nordestinos, expelidos de sua terra pelas secas. Pela calha do grande rio, eles foram subindo os afluentes da margem direita e, no final do século, já estavam no alto Purus e alto Juruá, regiões onde eram mais abundantes as seringueiras. Conforme avançavam, entravam, sem saber, em território boliviano. A terra mal era conhecida e, onde o seringueiro fincou o pé, o território ficou brasileiro, como ocorrera com os bandeirantes. O governo brasileiro, todavia, ao tomar conhecimento do fato, continuou a reconhecer que eram bolivianas as terras ocupadas pelos seringueiros. Em abril de 1899, agindo por iniciativa própria, os acreanos ocuparam pela força o recém-fundado posto alfandegário boliviano. O governo da Bolívia determina que uma expedição militar restabeleça a autoridade sobre a região, ao que não se opõe o governo brasileiro. Contudo, em junho de 1901 é noticiado que a Bolívia havia arrendado a área a uma companhia anglo-americana, com poderes quase soberanos sobre a área, o que colocaria em perigo a própria soberania brasileira na Amazônia. O Brasil protesta e os acreanos proclamam o Estado Independente do Acre. Quando a situação começa a assumir ares de confronto armado, o Brasil intervém e determina que tropas regulares do exército e da marinha ocupem o Acre, a fim de garantir a segurança dos brasileiros que lá se encontravam. As tratativas ocorreram em Petrópolis, contando ainda com Rui Barbosa e Assis Brasil. Em novembro de 1903 é assinado o Tratado de Petrópolis, pelo qual o governo boliviano cedia ao Brasil um território de quase 200.000 km²; o Brasil dava em troca uma área de pouco mais de três mil quilômetros quadrados habitada por bolivianos, indenização de dois milhões de libras esterlinas e a construção de uma estrada de ferro entre Porto Velho e Guajará-Mirim (Madeira-Mamoré).

Page 17: RESUMO Navegantes

O Tratado de Petrópolis é considerado o mais importante de toda a obra de Rio Branco.

O tratado de 1904 com o Equador e o de 1907 com a ColômbiaEm maio de 1904, o Barão do Rio Branco negocia com o plenipotenciário equatoriano um acordo que reconhece, como limite de ambos os países, a mesma linha do tratado de 1851 com o Peru.

Em 1907, conclui tratado de limites com a Colômbia, último país amazônico a aceitar um acordo baseado no uti possidetis. Esse acordo fixa uma linha de limites através de territórios disputados por quatro nações diferentes: Venezuela, Colômbia, Equador e Peru.

O tratado de 1909 com o Peru

Na República nosso maior problema de limites na Amazônia, pela extensão do território envolvido, foi com o Peru, não com a Bolívia. O Peru reivindicava, no começo do século XX, um território imenso de 442.000 km², que incluía o Acre e também uma grande área contígua, o sul do Estado do Amazonas. Ao final, 39.000 km² passavam à soberania peruana, e o Acre diminuía seu território de 191.000 km² para 152.000 km². Finalmente se enterrava Santo Ildefonso, e o Brasil se tornava o primeiro país sul-americano a ter seus limites reconhecidos por solenes e incontroversos tratados bilaterais.

NotaA Regência (1831-1839) foi, sem dúvida, o período em que a unidade territorial esteve mais em risco, pelas várias revoltas regionais ocorridas, geralmente inspiradas por idéias descentralizadoras ou até separatistas.

Por que, apesar de tudo, manteve-se a unidade? A homogeneidade cultural das elites políticas do Império teve um papel importante; seus interesses econômicos, fundados na agricultura escravista, também se constituíram um sólido traço de união. Outro fator favorável foram as tradições unitárias de Portugal, bem centradas, no Brasil independente, na figura de nossos dois imperadores , herdeiros dos reis lusitanos. Lembre-se também que, de 1808 a 1821, o Rio de Janeiro era a sede da monarquia portuguesa: a Independência, em 1822, com uma monarquia agora brasileira, encontrou, portanto, uma estrutura governamental centralizada e

Page 18: RESUMO Navegantes

em funcionamento, ao contrário do que ocorreu na América Hispânica, onde não havia nítidos núcleos centrípetos que neutralizassem as forças secessionistas.

O país, com 15.719 km de fronteiras, é o único que não tem problema de limites com nenhum de seus vizinhos.

........................................

GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed.; São Paulo: Martins Fontes, 2000.