resumo filosofia (2)

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Filosofia, retórica e democracia A filosofia, a retórica e a democracia estão ativamente presentes na poli (cidade). Apenas numa cidade democrática “demos (povo) + cratos (poder)” –, numa sociedade livre, faz plenamente sentido falar em argumentação retórica. Nesta democracia apenas os homens atenienses com mais de 30 anos podiam votar (mulheres, escravos, metecos (estrangeiros), menores de 30 anos e filhos de pais estrangeiros não podiam votar), ou seja, apenas 10% da população é que possuía o direito de voto. Democracia direta é exercida de forma direta pelos cidadãos. Estes reuniam-se em plenário para deliberar e decidir sobre as questões mais importantes. Democracia indireta (sociedades modernas) o povo expressa a sua vontade por meio de eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram. O regime democrático assegurava em manter a igualdade: o No acesso ao poder isocracia o Perante a lei isonomia o No acesso à palavra isegoria O nascimento e o desenvolvimento da retórica (arte de bem falar, arte de persuadir um auditório) acontecem no século de Péricles (495-429 a.C.) um dos principais chefes da Atenas democrática do século V a.C.; capacidades oratórias extraordinárias permitiam-lhe impor as suas ideias e pontos de vista aos seus concidadãos o século do nascimento e da consolidação da democracia ateniense. Protágoras “O Homem é a medida de todas as coisas” sofista. Sofística vs. Filosofia o Sofística Logos sinónimo da palavra ligada ao discurso manipulador para o exercício político. Visa o poder; Tinha objetivos práticos (visava a ação); Era marcada pela intenção de preparar os jovens para a disputa política e jurídica; Preocupou-se mais com a forma (o modo como se diz) do que com o conteúdo (aquilo que se diz); Procurava mais captar a atenção dos auditores do que transmitir-lhes um saber; Levava os mestres da oratória e da eloquência a fazerem da retórica uma técnica de dar beleza e encanto ao discurso, recorrendo a figuras de estilo, a jogos de palavras e outras estratégias de eloquência para melhor alcançarem a finalidade única de convencer; Ao transformar o discurso numa arte de sedução, a sofística transformou- se numa arma de conquista de poder na cidade pela manipulação da linguagem e das opiniões; Desenvolveu o que se chama Retórica; Tinha uma postura relativista quanto à questão de saber em que consiste a verdade; Privilegia a opinião (grego: doxa); Sabedoria aparente, raciocínio falacioso; Colocam o ser humano no centro da reflexão ( humanis mo); Põem em causa a universalidade e a objetividade da verdade (relativismo); Negam a possibilidade de estabelecer conhecimento seguro ( ceticismo);

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Page 1: Resumo filosofia (2)

Filosofia, retórica e democracia A filosofia, a retórica e a democracia estão ativamente presentes na poli (cidade).

Apenas numa cidade democrática – “demos (povo) + cratos (poder)” –, numa sociedade

livre, faz plenamente sentido falar em argumentação retórica. Nesta democracia apenas os homens

atenienses com mais de 30 anos podiam votar (mulheres, escravos, metecos (estrangeiros),

menores de 30 anos e filhos de pais estrangeiros não podiam votar), ou seja, apenas 10% da

população é que possuía o direito de voto.

Democracia direta – é exercida de forma direta pelos cidadãos. Estes reuniam-se em

plenário para deliberar e decidir sobre as questões mais importantes.

Democracia indireta (sociedades modernas) – o povo expressa a sua vontade por meio

de eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram.

O regime democrático assegurava em manter a igualdade:

o No acesso ao poder – isocracia

o Perante a lei – isonomia

o No acesso à palavra – isegoria

O nascimento e o desenvolvimento da retórica (arte de bem falar, arte de persuadir um

auditório) acontecem no século de Péricles (495-429 a.C.) – um dos principais chefes da Atenas

democrática do século V a.C.; capacidades oratórias extraordinárias permitiam-lhe impor as suas

ideias e pontos de vista aos seus concidadãos – o século do nascimento e da consolidação da

democracia ateniense.

Protágoras – “O Homem é a medida de todas as coisas” – sofista.

Sofística vs. Filosofia

o Sofística Logos – sinónimo da palavra ligada ao discurso manipulador para o

exercício político. Visa o poder;

Tinha objetivos práticos (visava a ação);

Era marcada pela intenção de preparar os jovens para a disputa política

e jurídica;

Preocupou-se mais com a forma (o modo como se diz) do que com o

conteúdo (aquilo que se diz);

Procurava mais captar a atenção dos auditores do que transmitir-lhes um

saber;

Levava os mestres da oratória e da eloquência a fazerem da retórica uma

técnica de dar beleza e encanto ao discurso, recorrendo a figuras de

estilo, a jogos de palavras e outras estratégias de eloquência para melhor

alcançarem a finalidade única de convencer;

Ao transformar o discurso numa arte de sedução, a sofística transformou-

se numa arma de conquista de poder na cidade pela manipulação da

linguagem e das opiniões;

Desenvolveu o que se chama Retórica;

Tinha uma postura relativista quanto à questão de saber em que consiste

a verdade;

Privilegia a opinião (grego: doxa);

Sabedoria aparente, raciocínio falacioso;

Colocam o ser humano no centro da reflexão (humanismo);

Põem em causa a universalidade e a objetividade da verdade

(relativismo);

Negam a possibilidade de estabelecer conhecimento seguro (ceticismo);

Page 2: Resumo filosofia (2)

Questionam o conhecimento acerca da existência e natureza dos deuses

(agnosticismo).

o Filosofia Logos – sinónimo de razão, orienta o homem na procura do bem;

Tinha objetivos de investigação (na antiga Grécia chamava-se teoria, isto

é, contemplação);

Era vista como um meio de procurar a verdade e o aperfeiçoamento dos

seres humanos;

Verdade inteligível descoberta por intuição, nunca baseada em opiniões

empíricas, dominadas por interesses particulares e obscuros;

Utilizava a linguagem e a eloquência como instrumentos fundamentais,

mas não objetivos finais;

Obrigava a que estes instrumentos tivessem de se submeter à verdade e

ao saber e não pudessem ser postos ao serviço de qualquer causa sendo

por isso, solidários do Bem;

Defendia um uso de linguagem descomprometido com os interesses

mundanos, e promovia a contínua tentativa de investigar a verdade,

procurar o saber e conhecer o bem;

Desenvolveu o que se chama Dialética;

Visava o esclarecimento e a compreensão (o logos é um poder divino

libertador pois exige o exercício individual da razão);

Privilegia a sabedoria (grego: sophia).

Sócrates e Platão

o Sócrates (discurso dialético)

“Só sei que nada sei” – Ironia (fase desconstrutiva) – fazia perguntas às

pessoas, questionando-as. Também questionava as respostas das pessoas.

Fazia isto para provar às pessoas a sua ignorância.

“Conhece-te a ti mesmo” – Maiêutica (fase construtiva) – ele

considerava-se o “parteiro” das ideias dos Homens, pois, ao questioná-

los, obrigava-os a pensar.

“Uma vida não examinada não merece ser vivida” – uma vida examinada

seria uma vida utilizada em favor da razão, deliberando os prós e os

contras de cada circunstância.

o Platão (discípulo de Sócrates)

Alegoria da caverna – teoria da reminiscência

Interior da caverna

o Mundo sensível

o Corpo

o Opinião (grego: doxa)

Exterior da caverna

o Mundo inteligível (mundo das ideias, coisas imutáveis)

o Alma

o Razão/ciência (grego: episteme)

Teoria da reminiscência

A alma, num estado inicial de perfeição, comtempla as formas

perfeitas do mundo inteligível;

A alma, condenada ao cárcere corpóreo, “mergulha” no Rio

Letté (rio no mundo inteligível que provoca o esquecimento do

que a alma lá viu), e passa a viver no mundo sensível, num corpo;

Page 3: Resumo filosofia (2)

Pela perceção sensível, o homem apenas aprende as cópias

imperfeitas da verdadeira realidade (que se encontra no mundo

inteligível);

Ao percecionar, a alma “recorda” as formas/ideias, e sente a

nostalgia do mundo inteligível;

Portanto, na filosofia platónica, conhecer não é mais do que

recordar.

Persuasão racional e manipulação ou os dois usos da retórica

Devemos considerar duas maneiras distintas de persuadir um auditório: a persuasão

racional e a manipulação, a que correspondem, respetivamente, o bom e o mau uso da retórica.

o Persuasão racional Bom uso da retórica (uso ético da retórica);

O orador procura a adesão do auditório, apelando a razões e dando-lhes

liberdade para aceitar ou recusar as razões apresentadas;

Tem em vista a procura da verdade;

Há uma relação horizontal, de igualdade, entre orador e auditório. É uma

forma de persuasão baseada na honestidade intelectual;

Dirige-se à razão, à inteligência;

Discurso centrado sobretudo no logos;

Análise crítica dos argumentos;

Não omite informação;

Considera o interlocutor como igual em termos intelectuais;

Associa-se à descoberta filosófica da verdade.

o Manipulação Mau uso da retórica;

O orador conduz o auditório a aderir a uma tese ou teoria, evitando que

este possa ponderar refletidamente sobre o que se lhe apresenta;

Tem em vista o controlo do auditório;

Há uma relação vertical entre orador e auditório. É uma forma de

persuasão intelectualmente desonestas;

Dirige-se ao inconsciente, às emoções e sentimentos primários;

Discurso centrado sobretudo no pathos;

Estratégias de sedução ou imposição;

Ilude, engana voluntariamente;

Esconde informação;

Considera o interlocutor como acéfalo;

Associa-se à propaganda política e á publicidade.

Argumentação, verdade e ser

Pode-se dizer que uma proposição é verdadeira se está de acordo com com aquilo que as

coisas são, se corresponde à realidade, e falsa se não está de acordo que as coisas são, se não

correspondem à realidade.

A Filosofia, tal como as ciências, é uma procura de conhecimento, é uma tentativa de

descobrir como as coisas são realmente. A argumentação filosófica, portanto, tem em vista a

verdade. Os argumentos são vistos como instrumentos na procura da verdade, e não como formas

de manipular a opinião dos outros.

Na filosofia reconhece-se assim uma relação estreita entre argumentação, a verdade e o

“ser” ou realidade.

Conhecer a verdade é saber como as coisas são e na filosofia recorre-se à argumentação

para descobrir a verdade.